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Quarta-feira, 8 de abril de 2020 II Série-E — Número 25
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Observatório Técnico Independente: — Estudo técnico sobre «Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia», abril 2020.
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ESTUDO TÉCNICO
Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia
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ESTUDO TÉCNICO | OBSERVATÓRIO TÉCNICO INDEPENDENTE _______________________________________________________________________________________________
Capa: Imagens cedidas por Paulo Fernandes,
Associação para o Desenvolvimento da
Aerodinâmica Industrial (ADAI) e Junta de
Freguesia de Mozelos, Paredes de Coura.
Citação recomendada: Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. - Coords. (2020) Redução do risco de incêndio através da utilização de biomassa lenhosa para energia Assembleia da República. Lisboa. 22 pp.
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ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................
2. POTENCIAL PARA A CONVERSÃO DE BIOMASSA PARA ENERGIA EM PORTUGAL ....................
3. BIOMASSA PARA ENERGIA DISPONIBILIZADA PELA REDUÇÃO DO RISCO DE INCÊNDIO ........
4. ENERGIA DA BIOMASSA FLORESTAL .....................................................................................................
5. RECOMENDAÇÕES .......................................................................................................................................
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................................................
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1. Introdução
A acumulação de biomassa lenhosa nos povoamentos florestais e na paisagem é um dos fatores
que mais contribuiu para o aumento progressivo do risco de incêndio nas últimas décadas em
Portugal. A elevada quantidade de combustível presente nos povoamentos florestais e a sua
continuidade na paisagem criam condições para que incêndios, a ocorrerem, sejam intensos e
grandes, com potenciais efeitos catastróficos sobre as comunidades locais e a sociedade em
geral por via da perda de vidas, destruição de propriedade e de recursos e também da
degradação direta (perda de produtividade, diversidade e resiliência dos ecossistemas) e indireta
(alterações climáticas) dos sistemas ecológicos e do ambiente em geral.
Esta acumulação de biomassa tem origem na expansão de áreas florestais a partir de meados
do século XX, inicialmente de resinosas em áreas de montanha e em dunas e, posteriormente,
de plantações de eucalipto, assim como na redução da intensidade, extensão e frequência das
práticas de gestão dos ecossistemas e da paisagem devido ao desaparecimento gradual de
atividades socioeconómicas no espaço rural, como pastoreio, agricultura, extração de lenhas,
roça de matos, etc., as quais contribuíam de forma considerável para a manutenção de níveis
reduzidos e padrões descontínuos de combustíveis na paisagem.
Tal como o Observatório Técnico Independente salientou recentemente (OTI 2019), existe uma
urgência crescente em intervir sobre a distribuição vertical e espacial de combustível a fim de
reduzir o risco de incêndio. Este propósito colide frequentemente com a complexidade da
definição e planeamento das intervenções a realizar e, sobretudo, com os elevados custos
associados à escala a que atualmente essas intervenções têm que ser equacionadas. Torna-se,
por isso, essencial encontrar soluções economicamente sustentáveis para a redução destes
combustíveis nos povoamentos florestais e no território. A utilização da biomassa para energia
encontra-se entre essas soluções.
É também atualmente prioritário reduzir as emissões líquidas de gases de efeito de estufa (GEE)
de forma a contribuir para a regulação do clima e cumprir os compromissos internacionais
estabelecidos pelo Estado Português (Acordo de Paris) e a garantir a prossecução de políticas
nacionais nas áreas do ambiente, energia e clima (Roteiro para a Descarbonização). As florestas
terão contributos decisivos nesses processos através do sequestro e fixação de carbono e da
substituição de combustíveis fósseis atualmente em uso em setores como os da energia,
indústria, residencial e serviços.
Através do sequestro e fixação do carbono na biomassa (viva e morta, aérea e radicular) e no
solo, as florestas contribuem de forma determinante para reduzir a concentração de dióxido de
carbono na atmosfera. Nesta perspetiva, é inevitável que as florestas sejam geridas de forma a
manter a sua produtividade (sequestro) e o seu papel de reservatório (fixação) de carbono e
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também de forma a evitar perdas instantâneas para a atmosfera resultantes de incêndios
florestais ou a sua libertação mais lenta em áreas florestais percorridas por incêndios e não
submetidas a práticas de emergência e de restauro. Só os incêndios de 2017 (537 000 ha), de
acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA 2017), foram responsáveis pela emissão
direta de 9 300 Gg CO2eq. Nos últimos 10 anos arderam aproximadamente 1,4 milhões de ha
no país. Assim, práticas que contribuam para a redução dos incêndios em Portugal terão uma
importância decisiva na redução das emissões de GEE.
O setor da energia é o que mais contribui para as emissões de GEE, com cerca de 73% das
emissões globais (APAa 2019), em que se destaca a produção e transformação de energia
(29,5%). Neste contexto, a substituição de fontes de energia fóssil em uso, como carvão, gás
natural, petróleo e seus derivados, por fontes de energia renovável, como biomassa florestal, é
um dos caminhos que tem vindo a ser sugerido para Portugal. No entanto, em 2017, e embora
estas estatísticas variem de acordo com o ano hidrológico, as fontes de energia renovável
representavam apenas 28% do consumo final bruto de energia, e 55% da produção de energia
elétrica (APAb 2019), havendo assim uma grande margem de progressão no domínio da
utilização de fontes de energia renovável no setor da energia. A biomassa é uma fonte de energia
renovável abundante cuja conversão apresenta um elevado potencial para contribuir para as
políticas e estratégias nacionais e internacionais referidas anteriormente através da substituição
de combustíveis fósseis.
A utilização de biomassa florestal para conversão em energia elétrica ou térmica, devidamente
enquadrada e direcionada, pode contribuir para a redução do risco de incêndio por meio de
geração de procura desse recurso e pelos efeitos decorrentes dessa procura na gestão florestal
e consequente alteração da estrutura dos povoamentos florestais e da paisagem. A redução do
risco de incêndio contribui para a redução das emissões de GEE provenientes dos incêndios
florestais, os quais deverão, pela via da gestão florestal direta a várias escalas, diminuir em área
e intensidade. O aproveitamento da biomassa num contexto de gestão deverá contribuir para a
resolução da dificuldade da insustentabilidade económica da gestão de combustíveis uma vez
que a biomassa florestal, enquanto tal, tem valor de mercado e apresenta procura real em muitas
regiões do país.
Finalmente, o aproveitamento da biomassa florestal para energia constitui uma oportunidade
para o setor florestal e para os seus agentes (proprietários individuais, associações, baldios) uma
vez que cria condições para aumentar a rentabilidade da floresta através do aumento da
produtividade e do valor do material lenhoso resultante da gestão e da condução dos
povoamentos e de outros bens, como os produtos florestais não lenhosos, para além de reduzir
a perda do capital florestal pelos incêndios. Nesta perspetiva assume particular relevância o
aumento do fornecimento de serviços de ecossistema pelas florestas, como regulação do clima
ou da água, pelos quais os proprietários e gestores florestais deverão ser compensados. A
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valorização da biomassa florestal para energia permitirá por estas vias a manutenção de
atividade económica em áreas do interior do país o que também contribui para coesão territorial.
Uma aposta na biomassa florestal para conversão energética contribuirá ainda para aumentar
ou mesmo alcançar autossuficiência energética em muitas regiões do país onde a biomassa
florestal é abundante, a densidade populacional e a procura energética são baixas e o
povoamento concentrado.
A utilização de biomassa para energia tem vindo a ser perspetivada como forma de valorização
da floresta com elevado potencial no combate às alterações climáticas e como forma de redução
do risco de incêndio. Tal era assumido na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) de 2006
(RCM n.º 114/2006), em que a biomassa para energia constitui uma sub-função da função
produtiva na respetiva matriz estruturante. Também na revisão da ENF de 2015 (RCM n.º 6-
B/2015) a biomassa para energia é identificada como uma fileira florestal de elevada importância
num quadro de política nacional de combate às alterações climáticas, permanecendo como sub-
função florestal da matriz estruturante. Do mesmo modo, o Plano Nacional de Ação para as
Energia Renováveis (PNAER 2020) (RCM n.º 20/2013) e o Plano Nacional para a Promoção das
Biorrefinarias (RCM n.º 163/2017) destacam a importância e necessidade da utilização de
biomassa para energia.
Pelas razões apresentadas anteriormente, o OTI considera que a biomassa lenhosa constitui um
elemento chave na prossecução e articulação de políticas nacionais em setores diversos como
economia, coesão territorial, ambiente e energia, com contribuições fundamentais para a
redução do risco de incêndio em Portugal (Figura 1).
Figura 1. Efeitos diretos e indiretos da conversão para energia de biomassa proveniente de espaços florestais nos domínios da política ambiental, energética, económica e de coesão territorial, em particular na redução do risco de incêndio.
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2. Potencial para a conversão de biomassa para energia em Portugal
As florestas em Portugal produzem quantidades significativas de biomassa lenhosa com
potencial para conversão energética. A compilação de Cunha e Marques (2019) indica que as
florestas portuguesas disponibilizam anualmente 9,3 milhões de toneladas de Biomassa Florestal
Primária (produção florestal primária), valor do qual apenas 763 mil toneladas, a biomassa
respeitante às lenhas, poderá ser contabilizada para efeitos de conversão energética uma vez
que a biomassa primária se destina principalmente a abastecer a indústria nacional (serração,
pasta de papel, outras).
Os Resíduos Florestais (resíduos lenhosos resultantes da instalação, gestão e exploração
florestal), incluídos na categoria mais ampla de Biomassa Florestal Residual, por seu lado,
deverão representar cerca de 2 milhões de toneladas/ano de acordo com as estimativas de
Cunha e Marques (2019), valor superior à estimativa do Governo, de 1,5 milhões de
toneladas/ano, apresentada no “Plano Nacional para a Promoção das Biorrefinarias” (RCM n.º
163/2017). Por definição, a Biomassa Florestal Residual inclui a biomassa arbustiva (Outra
Biomassa Potencial) para a qual não existem estimativas rigorosas, embora a RCM n.º 163/2017
aponte para cerca de 1 milhão de toneladas/ano de matos disponíveis para aproveitamentos
diversos, incluindo bioenergia. Considerando que os matos representam, em conjunto com as
pastagens, cerca 2.8 milhões de hectares (ICNF 2019), a biomassa arbustiva disponível para
conversão em energia poderá na realidade ser muito superior a este valor.
Adicionalmente, Sobrantes Industriais (subprodutos ou resíduos das indústrias transformadoras
da madeira) representam 5,3 milhões de toneladas/ano, incluindo subprodutos das indústrias de
transformação da madeira e subprodutos de outras indústrias florestais. Material Lenhoso Pós-
Consumo (madeira recuperada, pastas recuperadas e papel recuperado) pode representar até 1
milhão de toneladas/ano.
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3. Biomassa para energia disponibilizada pela redução do risco de incêndio
A investigação baseada em observação (por exemplo, Fernandes et al. 2014) e em
experimentação (Regos et al. 2016) indicam que a estrutura e distribuição vertical e espacial dos
combustíveis ao nível do povoamento e da paisagem afetam o comportamento do fogo a estas
escalas, afetando igualmente a resistência e resiliência destes sistemas. Com base nestes
princípios podem ser provocadas modificações nos povoamentos florestais e na paisagem de
forma a limitar ou condicionar a progressão do fogo e a sua severidade.
Ao nível do povoamento, os modelos de silvicultura adotados em cada situação afetam o
comportamento do fogo através de aspetos diversos como espécie dominante, estrutura do
povoamento, revolução, número e tipo de desbastes e modelo de regeneração, entre outros,
tanto pelo efeito que têm na carga de combustíveis mortos e vivos e na sua dimensão, como
pela continuidade e distribuição vertical e horizontal no interior do povoamento. Por exemplo,
plantações florestais de curta rotação e geridas de forma intensiva tendem a ter uma estrutura
pouco favorável ao fogo porque a acumulação de combustível é reduzida. Em povoamentos de
revoluções mais longas, práticas de condução como desramas e desbastes de árvores de
pequeno porte e/ou em andares dominados impedem fogos de copas.
Ao nível da paisagem, o conhecimento atual aponta especificamente para um conjunto de
medidas de gestão da vegetação (combustível) com efeito na velocidade e intensidade do fogo
criando condições para o seu combate e diminuindo a severidade do fogo (mosaicos de gestão
de combustível) ou permitindo contenção de incêndios (faixas de gestão de combustível) (OTI
2019).
Todas estas modificações implicam a remoção de biomassa lenhosa (árvores e arbustos),
individualmente, em grupos ou em faixas, dos povoamentos ou da paisagem, que pode ficar
disponível para outros usos. Todas as modificações têm igualmente custos diretos associados.
Mesmo que estes custos possam ser considerados como investimentos para assegurar um
conjunto de benefícios de valor inúmeras vezes superior, a gestão de combustíveis depende
sempre de recursos financeiros imediatamente disponíveis, o que habitualmente limita a sua
implementação.
A biomassa a remover das florestas e da paisagem para redução do risco de incêndio é
enquadrável na categoria de Biomassa Florestal Residual, tal como definida por Cunha e
Marques (2019). De acordo com os dados compilados por estes autores, no ano de 2016 apenas
22,4% da Biomassa Florestal Residual produzida em Portugal foi aproveitada para energia (0,67
milhões de toneladas de Resíduos florestais). Da biomassa da categoria Outra Biomassa
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Potencial, que inclui biomassa arbustiva, produzida no mesmo ano, cerca de 1,5 milhões de
toneladas, nenhuma teve aproveitamento energético. No global existirão cerca de 2,3 milhões
de toneladas de biomassa disponível anualmente para usos diversos, incluindo a conversão
energética. A gestão florestal dos povoamentos e da paisagem para redução do risco de incêndio
deverá representar um acréscimo significativo a esta biomassa disponível. Não existe, contudo,
uma avaliação desta biomassa, a qual importaria realizar com alguma celeridade de forma a
poder utilizar-se informação detalhada e rigorosa na tomada de decisões com impacto no setor
da energia e da floresta.
Apesar da falta de dados, estima-se que a biomassa proveniente de operações de redução do
risco de incêndio seja considerável. De forma a garantir efeitos significativos da remoção de
biomassa na alteração significativa do regime do fogo, terá que haver remoção de biomassa a
larga escala (Regos et al. 2061), o que terá como resultado a disponibilização de elevadas
quantidades de biomassa. Em Portugal, a rede primária de faixas de gestão de combustível
planeada cobre uma superfície de pelo menos 129 545 ha, incluindo formações florestais e
arbustivas, cuja execução e manutenção implicará intervenções sobre elevadas quantidades de
biomassa. Se à rede primária acrescentarmos a rede secundária de faixas de gestão de
combustível, da qual não se encontram compilados dados à escala nacional, apercebemo-nos
da biomassa que pode efetivamente ser disponibilizada para diferentes usos anualmente. Por
outro lado, os incêndios recentes no país deixam antever a necessidade de intervenções
silvícolas e de redução do risco de incêndio numa vasta área de regeneração natural de espécies
florestais e arbustivas (649 000 ha de povoamentos florestais e 624 000 ha de matos desde
2010) que devem ser planeadas e financiadas com base na utilização da biomassa removida
para conversão em energia. O mesmo se aplica a áreas que venham a ser afetadas por incêndios
no futuro.
A biomassa florestal é produzida e disponibilizada de forma heterogénea no território nacional,
de acordo com padrões bioclimáticos e ecológicos, com regiões de elevada produtividade, como
as localizadas no litoral norte e centro, a assegurarem a generalidade desta produção. Os dados
estatísticos atualmente disponíveis para o país não permitem, no entanto, conhecer em detalhe
a distribuição da oferta de biomassa de acordo com a classificação adotada por Cunha e
Marques (2019), ou outra, a escalas regionais e locais, o que constitui uma lacuna do
conhecimento atual do setor florestal e energético com impactos significativos na definição de
políticas e estratégias a estes níveis. Neste âmbito seria ainda importante dispor de tecnologias
e processos eficientes de recolha e transporte de biomassa residual dos espaços florestais, para
o que deveria ser realizados investimentos em investigação e inovação. Atualmente em Portugal
são muito escassos os projetos que possam contribuir para tornar a recolha de biomassa mais
atrativa no curto e médio prazo, em particular numa perspetiva de redução do risco de incêndio
(e.g. projeto SAFEFOREST).
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4. Energia da biomassa florestal
A conversão da biomassa em energia é habitualmente reportada a partir de indicadores como
potência instalada (eletricidade) e produção de energia elétrica. Em 2018 a potência instalada
para a conversão de biomassa no país era da ordem dos 629 MW (4,5% de todas as fontes
renováveis) tendo sido a produção de eletricidade a partir de biomassa da ordem dos 2 558 GWh
(8% da produção de renováveis) (DGEG 2019). Embora a potência instalada e a conversão de
energia a partir da biomassa tenham aumentado na última década, a proporção desta fonte não
aumentou relativamente às outras fontes de energia renovável. Por outro lado, apesar do
aumento observado em relação ao passado recente, estes valores são ainda modestos
considerando a abundância da fonte e o correspondente potencial de conversão, bem como as
oportunidades associadas à prevenção de incêndios florestais.
A potência e produção referidas dizem respeito a um conjunto de unidades de dimensão
considerável ligadas à Rede Nacional. Há também a registar a conversão de energia a partir da
biomassa na forma de calor com aproveitamento industrial e residencial. As indústrias do setor
da pasta e do papel são os principais produtores e consumidores de calor, produzido sobretudo
em sistemas de cogeração (calor e eletricidade) a partir da biomassa (Observatório da Energia
2019). No setor residencial a biomassa é tradicionalmente convertida em calor para aquecimento
em sistemas de baixa eficiência, mas com tendência a aumentar. É nesta forma que ocorre a
generalidade da produção doméstica de energia da biomassa que representa 54% do total da
produção (Observatório da Energia 2019). Da mesma forma, a nível local a biomassa representa
uma fração significativa da biomassa consumida no setor residencial. Na cidade de Bragança,
por exemplo, 42% das habitações utilizam biomassa para aquecimento a qual é responsável pelo
fornecimento de cerca de 43% da energia final consumida na cidade (Azevedo et al. 2016).
A combustão direta é a principal tecnologia de conversão de biomassa florestal em Portugal
(Ferreira et al. 2017). Outras tecnologias de base termoquímica, como pirólise e gaseificação,
têm uma expressão reduzida e estão confinadas a escalas piloto (Ferreira et al. 2017). O
potencial destas duas últimas tecnologias é considerável, sobretudo numa perspetiva de
aumento da eficiência de conversão energética, embora o investimento em investigação nestes
domínios seja escasso. Apenas dois projetos de investigação financiados pelos concursos
abertos no âmbito da Prevenção e Combate de Incêndios Florestais pela FCT atualmente em
curso se dedicam ao desenvolvimento destas tecnologias, os projetos SUBe e CHARCLEAN.
Tal como observado em relação à disponibilização de biomassa, também o consumo de energia
no país é espacialmente heterogéneo, correspondendo à distribuição da população e da
indústria. Existem regiões onde, por fraca implementação de indústria, o consumo energético é
baixo, correspondendo quase exclusivamente aos setores residencial e serviços. Nessas
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regiões, à exceção do setor dos transportes, o consumo encontra-se concentrado em povoações
de pequena e média dimensão, espacialmente isoladas. Nestes territórios, a biomassa florestal
produzida anualmente e para a qual não existe procura significativa pela indústria, é suficiente
para satisfazer as necessidades anuais nos setores residencial e serviços/indústria (Azevedo et
al. 2011).
A transformação (e valorização) da biomassa através da sua conversão em péletes adquiriu na
última década uma elevada relevância global. A razão para esta transformação física da
biomassa é a possibilidade de obter um produto de elevado conteúdo energético e com baixo
teor de humidade, simultaneamente de dimensão e forma homogéneas, que facilita o transporte
e armazenamento, e que permite a utilização de tecnologia de conversão energética mais
sofisticada, eficiente e limpa, envolvendo maior grau de automação.
Portugal adquiriu no passado posições cimeiras entre os principais produtores e exportadores
de péletes da europa e do mundo. Após 2014, a produção tem vindo a decair como resultado da
escassez de matéria-prima e dos incêndios florestais, como é o caso dos incêndios de 2017, em
que para além da biomassa perdida foram consumidas pelo fogo duas unidades de produção.
Em 2018, contudo, aumentaram o número de unidades de produção (mais 3 unidades) e a
produção (mais 12%) (Bionergy Europe 2019). Apesar do decréscimo observado desde 2014,
Portugal encontra-se ainda entre os 10 maiores produtores da Europa, com uma produção anual
de 783 000 toneladas para uma capacidade instalada de 1 300 000 toneladas em 2018, e entre
os 10 maiores exportadores da Europa, com 488 000 toneladas exportadas em 2017 (Bionergy
Europe 2018, Bionergy Europe 2019).
Os péletes em Portugal são produzidos industrialmente em 23 unidades (Bionergy Europe 2018),
quase exclusivamente a partir de biomassa lenhosa proveniente da exploração e transformação
no setor florestal. Existem, contudo, condições para produzir péletes a partir de biomassa
arbustiva, como se verificou experimentalmente e industrialmente com recurso a biomassa de
espécies de giesta (Cytisus) e esteva (Cistus), com resultados promissores (Marques 2019).
O consumo de péletes é ainda relativamente escasso em Portugal (cerca de 310 000 toneladas
por ano), tendo expressão praticamente nos setores residencial e comercial (160 000 toneladas
no setor residencial e 150 000 no comercial), ao contrário de outros países que utilizam
essencialmente péletes industriais na produção de eletricidade, calor e frio. O aumento de 24%
no consumo interno de péletes em Portugal nos dois últimos anos (Bionergy Europe 2019) deve-
se ao aumento do consumo nestes setores.
Importa, contudo, salientar que a utilização crescente de péletes a nível mundial não é compatível
com a urgência das medidas necessárias para cumprir o Acordo de Paris dado que a combustão
de biomassa em larga escala a nível global não contribui para atingir a neutralidade carbónica
nos intervalos de tempo relativamente curtos disponíveis (Norton et al. 2019).
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5. Recomendações
Numa perspetiva sobretudo de redução de risco de incêndio florestal e rural no território nacional,
mas considerando simultaneamente outras oportunidades socioeconómicas, ecológicas e
ambientais (Figura 1), o OTI considera fundamentais as seguintes recomendações:
a. Prioridade à utilização de biomassa para energia em políticas públicas
A biomassa florestal tem sido considerada relevante em políticas nacionais nas áreas da energia
(e.g. Plano Nacional de Ação para as Energia Renováveis (PNAER 2020)), economia (e.g. Plano
Nacional para a Promoção das Biorrefinarias) e das florestas (e.g. Estratégia Nacional para as
Forestas, versões de 2006 e 2015) nas últimas décadas. No entanto, outras fontes renováveis
de energia, nomeadamente a hídrica, eólica e solar, têm vindo, no mesmo período, a ser
favorecidas o que se expressa pela sua evolução na matriz energética nacional.
O Observatório Técnico Independente considera que a utilização de biomassa florestal (residual,
principalmente, mas também de outros tipos) com benefícios para a sociedade como a redução
do risco de incêndio, a manutenção do sequestro e armazenamento de carbono e a redução das
emissões de GEE para a atmosfera oriundos dos incêndios florestais, deve ser incentivada
através de políticas públicas mais efetivas e ajustadas aos problemas de gestão florestal das
espécies e das características das regiões.
Estas políticas dizem respeito tanto à procura da biomassa para energia (instalação e fomento
de sistemas de conversão energética da biomassa) como à gestão e logística florestal ou à
transformação da biomassa (produtos energéticos de superior conteúdo energético e/ou menor
teor de humidade e facilidade de utilização) e ainda às áreas do ambiente ou do ordenamento
do território. Adquire neste contexto particular relevância o Plano Nacional para a Promoção das
Biorrefinarias (RCM n.º 163/2017) a cuja concretização deve ser dada prioridade.
b. Articulação da utilização da biomassa para energia com instrumentos de prevenção de incêndios e de gestão territorial
O OTI recomenda que a utilização da biomassa lenhosa para energia seja articulada com os
instrumentos de prevenção de incêndios rurais (Planos de Defesa da Floresta contra Incêndios,
Plano Nacional de Fogo Controlado) e de gestão territorial (Programas Regionais de
Ordenamento Florestal). Assim, a redução do risco de incêndio através da eliminação de
continuidade vertical (povoamento) e horizontal (povoamento e paisagem) de combustíveis deve
ser compatibilizada com a procura existente e/ou servir para a definição de prioridades na
instalação e dimensionamento de sistemas de conversão ou valorização da biomassa para
energia.
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c. Valorização da biomassa e desenvolvimento de tecnologias e processos de elevada eficiência de conversão energética
Portugal utiliza principalmente combustão direta para a conversão da biomassa florestal.
Produtos energéticos, como os péletes, têm vindo a conquistar lugares relevantes ao nível da
produção e do mercado. A peletização de biomassa lenhosa arbórea constitui uma forma positiva
de aumentar a eficiência energética e o consumo de biomassa para energia.
Devem ser criadas condições para a utilização de tecnologias de conversão mais eficientes,
nomeadamente outras tecnologias de base termoquímica como a gaseificação e a pirólise ou
carbonização, e ainda alternativas a leitos fixos usados na combustão, tanto no setor residencial
e de serviços como no setor industrial. Nos casos em que forem identificadas lacunas de
conhecimento, devem ser criados/canalizados recursos de promoção de investigação industrial
e desenvolvimento experimental nas respetivas áreas. Da mesma forma, devem ser criados
incentivos para a utilização generalizada de processos de conversão mais eficientes, como
cogeração e ciclo combinado.
O OTI recomenda também que a biomassa lenhosa arbustiva, pela área que os matos ocupam
em Portugal (2,8 milhões de ha em conjunto com as pastagens) e pelo seu efeito no
comportamento do fogo, constitua uma prioridade em termos de valorização de biomassa através
de processos e tecnologias já estabelecidas, como a peleteização, ou de outras que venham a
ser desenvolvidas, de forma a permitir intervir sobre estas áreas e estas formações numa
perspetiva de redução do risco de incêndio de forma economicamente sustentada.
Recomenda-se ainda que sejam criadas condições para a investigação e desenvolvimento de
outras formas de valorização e de otimização de processos que aumentem a rentabilidade dos
mesmos e promovam a recolha de biomassa em florestas e áreas de matos.
d. Definição de escalas de aproveitamento energético ajustadas
No setor residencial e comercial, a energia da biomassa é convertida tipicamente em unidades
individuais (lareiras ou caldeiras) o que conduz a uma redução global da eficiência da conversão
e a um aumento das emissões de gases e poluentes como material particulado (PM10 e PM2.5) o
que constitui um problema de saúde pública em algumas localidades em Portugal. O mesmo se
verifica frequentemente em zonas industriais em que cada unidade produz a sua própria energia,
de forma individual, com o mesmo tipo de implicações ambientais.
A alteração da escala de conversão individual para a do edifício, no caso de prédios de
apartamentos ou de escritórios, e para a escala do bairro, zona industrial ou mesmo do município
(district heating), permite aumentar a eficiência energética global do processo bem como a
utilização de tecnologia mais eficiente e com diversificação de resultados traduzível numa
redução dos custos, assim como melhorar o nível de controlo de emissões de material
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particulado.
Assim, o OTI recomenda que sejam criados incentivos para o estabelecimento de unidades de
conversão ao nível de edifícios residenciais e de serviços, de bairros e urbanizações, zonas
industriais e cidades e vilas, com prioridade para as regiões de montanha onde o consumo de
energia para aquecimento é muito elevado e onde há necessidade de gestão florestal para
redução do risco de incêndio. Por outro lado, sobretudo nas regiões onde não existe procura de
material lenhoso por falta de unidades industriais locais ou por se encontrarem afastadas deste
tipo de unidades, os investimentos em pequenas centrais térmicas a biomassa ou produtos
energéticos derivados da biomassa poderão ter um papel fundamental na manutenção de gestão
florestal bem como na fixação de população ativa.
e. Desenvolvimento de protocolos de extração de biomassa para energia
A fim de prevenir impactos negativos sobre os ecossistemas e a qualidade de vida das
populações e a otimizar o aproveitamento de biomassa para energia, o OTI recomenda que se
definam protocolos técnicos de extração ao nível dos locais de remoção de vegetação arbustiva
e arbórea que compatibilizem a extração de biomassa com a manutenção de outras funções e
serviços dos ecossistemas. Deve ser dada particular atenção aos efeitos da remoção sobre a
matéria orgânica do solo e à capacidade de fixação de carbono nos sistemas florestais e
arbustivos, sobre os processos hidrológicos, nomeadamente escorrimento superficial e erosão
hídrica, e sobre populações da fauna, flora e fungos. Os protocolos fornecerão ainda informação
fundamental sobre o poder calorífico da biomassa, custos de exploração e logística, soluções
técnicas para extração, transformação, armazenamento da biomassa, entre outros aspetos.
Estes protocolos deverão definir recomendações relacionadas com a prevenção de incêndios,
como área, configuração das áreas a intervir, volumes, espécies e dimensões dos indivíduos a
remover e períodos adequados para execução de operações. A extração de biomassa para
energia deverá ser integrada nos processos de certificação florestal em uso que deverão também
assegurar a rastreabilidade da biomassa. O Centro de Biomassa para a Energia deverá ter um
papel ativo no suporte a estas iniciativas.
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A DIVISÃO DE REDAÇÃO.