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Terça-feira, 5 de janeiro de 2021 II Série-E — Número 12
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
S U M Á R I O
Observatório Técnico Independente:
Estudo técnico sobre a segurança das comunidades em incêndios florestais — Uma análise dos Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras».
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ESTUDO TÉCNICO
Segurança das Comunidades em Incêndios Florestais – Uma Análise dos Programas «Aldeia Segura» e
«Pessoas Seguras»
Fotografia da capa cedida pela ADAI.
Citação recomendada: Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. - Coords. (2020) Segurança das Comunidades em Incêndios Florestais – Uma Análise dos Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» Assembleia da República. Lisboa. 67 pp.
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ÍNDICE
SUMÁRIO .........................................................................................................................................................
1. INTRODUÇÃO: A PERDA DE VIDAS HUMANAS EM INCÊNDIOS FLORESTAIS....................................
2. AS RESPOSTAS DAS COMUNIDADES ....................................................................................................
3. OS PROGRAMAS ANTECEDENTES A 2017 ............................................................................................
3.1 O PROGRAMA «ALDEIA SEGURA» DE 2006-2007 .......................................................................................................
3.2 AS UNIDADES LOCAIS DE PROTEÇÃO CIVIL (ULPC) NA LEI DE BASES DA PROTEÇÃO CIVIL DESDE 2006 ............................
4. O RECONHECIMENTO DA IMPORTÂNCIA DA INTERFACE URBANO-FLORESTAL .............................
5. OS PROGRAMAS «ALDEIA SEGURA» E «PESSOAS SEGURAS» .........................................................
5.1. CONTEÚDOS DOS PROGRAMAS....................................................................................................................................
5.1.1 ELEMENTOS NUCLEARES.......................................................................................................................................
5.1.2 ELEMENTOS COMPLEMENTARES ............................................................................................................................
5.1.3 ELEMENTOS DE DISSEMINAÇÃO ..............................................................................................................................
5.2 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA ............................................................................................................................
5.2.1 A ESTRUTURA POR NÍVEIS E AÇÕES .........................................................................................................................
5.2.2 GUIA DE APOIO À IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA ...................................................................................................
5.2.3 A DEFINIÇÃO DAS FREGUESIAS PRIORITÁRIAS PELO CRITÉRIO ICNF (2006 E 2018) .......................................................
5.2.4 A EXPRESSÃO TERRITORIAL DO PROGRAMA .............................................................................................................
5.2.5 INDICADORES DE EXECUÇÃO DO PROGRAMA ............................................................................................................
5.3 RESULTADOS OPERACIONAIS ....................................................................................................................................
6. O PROGRAMA DE TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM E O «CONDOMÍNIO DE ALDEIAS» ................
7. A OPERAÇÃO «FLORESTA SEGURA» DA GNR ......................................................................................
8. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE REFERÊNCIA ............................................................................
8.1 COMPARAÇÕES INTERNACIONAIS DE NORMAS E REGULAMENTOS ...................................................................................
8.2 PROGRAMAS FIREWISE E FIRESMART ........................................................................................................................
8.3 WORKING ON FIRE ..................................................................................................................................................
9. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .....................................................................................................
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................
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Sumário
A segurança das comunidades potencialmente afetadas pelos incêndios florestais constitui
uma das maiores prioridades das autoridades e tem sido objeto de várias medidas legislativas
e operacionais, em especial a partir dos incêndios de 2017. Entre estas medidas destacam-se
os programas Aldeia Segura e Pessoas Seguras, lançados pelo Governo em 2018. Neste
Estudo Técnico aborda-se o problema da caraterização do risco de incêndio na interface
urbano florestal, onde os problemas de segurança se manifestam, no contexto da definição das
freguesias prioritárias e dos condomínios de aldeia, ambos relacionados com os programas
Aldeia Segura e Pessoas Seguras, verificando-se existir alguma inadequação nos critérios
estabelecidos. Com base nos dados disponibilizados pela ANEPC são descritos os principais
elementos dos programas e analisa-se a sua implementação entre 2018 e 2020. Conclui-se
que se trata de dois programas complementares, muito importantes e válidos, mas que
deveriam ser iniciados nas aldeias definidas como prioritárias e depois alargando a outras,
realizados com mais recursos e com maior consistência, e com maior complementaridade com
outros programas e iniciativas, com melhor definição de prioridades, aproveitando o
conhecimento científico existente e as experiências internacionais relevantes.
1. Introdução: a perda de vidas humanas em incêndios florestais
Na gestão dos incêndios florestais a máxima prioridade é a defesa da vida humana. Muitos
sistemas de gestão de incêndios, a nível Nacional e Europeu assumem como objetivo principal
ter zero mortes em consequência dos incêndios. Em Portugal, na recente legislação sobre o
Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (RCM n.º45-A/2020, de 16 de junho), a
primeira meta definida é a de que «a perda de vidas humanas, embora sendo possível, seja um
fenómeno raro». No passado esta preocupação era dirigida principalmente aos operacionais,
ou seja, aos Bombeiros, uma vez que historicamente constituíam a maior percentagem das
vítimas mortais dos incêndios. Embora sempre tenham ocorrido vítimas entre a população civil,
foram os eventos de 2017 em Portugal e outros contemporâneos, noutros países da Europa e
da América, bem como na Austrália, que levaram as autoridades a focar a atenção no
problema de assegurar a proteção do cidadão comum. No entanto, para além das vítimas
mortais, que são as consequências trágicas mais conhecidas, muitas outras consequências,
também muito dramáticas para as populações devem ser referidas e, em particular, o caso dos
feridos, cujo número pode ser muito significativo. A título de exemplo, durante o ano de 2003,
mais de mil pessoas precisaram de assistência médica por causa de queimaduras, de inalação
de fumo ou de ferimentos diversos e outros problemas relacionados com os incêndios florestais
(CTI 2017).
Em Portugal os acidentes fatais em incêndios florestais têm sido frequentes. Desde de que há
registo, os mais importantes ocorreram em 1966, em Sintra, com 25 vítimas, todas militares,
em 1985, em Armamar, com 14 Bombeiros falecidos, e em 1986, em Águeda, com 16 vítimas,
das quais três civis. A partir de 2000 a evolução do número de vítimas mortais tem tido grande
variabilidade interanual, como se pode verificar no gráfico produzido no verão de 2017,
reproduzido na Figura 1.
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Figura 1. Evolução do número de vítimas mortais, entre operacionais e civis, desde 2000 até 2017 (CTI 2017, 2018)
reanalisados por ADAI (Molina-Terrén et al. 2019, Haynes et al. 2020).
Existe sempre, no entanto, alguma dificuldade na estatística do número de vítimas mortais
associados aos incêndios florestais. Em primeiro lugar, porque alguns óbitos poderão ocorrer
algum tempo depois do acidente, não entrando nalgumas estatísticas. Por outro lado, nas
fatalidades que envolvem os operacionais de combate são contabilizados os acidentes
rodoviários ou com meios aéreos, mas este critério pode não ter sido uniforme ao longo do
tempo. Finalmente, no caso de perda de vida de civis, há que registar que têm ocorrido ao
longo dos anos outros acidentes que causaram um número importante de vítimas, mas que
poderão ter sido, ou não, contabilizados nos diversos estudos.
A partir de 2017, há a registar, entre operacionais, a existência de sete vítimas mortais em
2020. Quanto a civis merece referência o facto de que, em cada ano, ocorrem diversos
acidentes e alguns com vítimas mortais, em geral idosos, na realização de queimas e
queimadas, que fogem ao controle de quem as procura realizar, sem qualquer apoio, acabando
por os vitimar, quando as tentam extinguir. Estes números também não entram, em geral, nas
estatísticas oficiais, mas revelam um problema muito importante, que tem estado a merecer
uma maior atenção por parte das autoridades nos últimos anos, através do programa «Apoio à
realização de queimas – Prevenção dos fogos florestais», lançado pelo ICNF em 2019, tema
que será abordado noutro estudo por parte deste Observatório. Em 2018 a ADAI registou 12
vítimas mortais associadas a essas ocorrências, não havendo ainda dados consolidados para
2019 e 2020.
A importância da análise mais detalhada dos acidentes com vítimas mortais esteve na base
dos trabalhos de Viegas (2004, 2009, 2013, e 2017) e Viegas et al. (2013). Estes trabalhos
reportam um número de vítimas ligeiramente diferente do apresentado na Figura 1, mas são
muito relevantes na medida em que nos fornecem descrições detalhadas das circunstâncias de
alguns destes acidentes, em particular os associados aos incêndios de Armamar (1985) e de
Águeda (1986). Estas descrições são muito úteis para a aprendizagem de lições e a proposta
de soluções.
As ocorrências de Pedrógão Grande, em 17 de junho de 2017, com 66 vítimas mortais
colocaram em evidência de forma trágica a vulnerabilidade da população e a necessidade de
se tomarem providências para lhe conferir capacidade de autoproteção nos casos de grandes
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conflagrações, em que não é possível prestar socorro a todas as comunidades. Esta
constatação fez com que a Assembleia da República e o Governo se questionassem sobre
esta matéria e os estudos daí decorrentes proporcionaram importantes análises sobre estas
ocorrências (CTI 2017, Viegas et al. 2017). No entanto, a situação catastrófica de junho de
2017 seria ainda mais agravada com os incêndios iniciados a 15 de outubro, que conduziram a
mais 51 vítimas mortais, todas civis. A Assembleia da República voltou a constituir a Comissão
Técnica Independente para análise dos incêndios de outubro, o que deu origem a novo
relatório (CTI 2018). Por solicitação do Governo, os incêndios de outubro encontram-se
reportados também em (Viegas et al 2019). Foi registado nestes incêndios que 92% dos
acidentes ocorreram em zonas de interface urbano florestal (IUF). Os incêndios de outubro de
2017 continuaram a ser o tema de estudos subsequentes (e.g. Viegas et al. 2019).
Do relatório da CTI (2018) destaca-se a comparação entre os perfis das vítimas e as
circunstâncias das ocorrências das fatalidades, que foram marcadamente diferentes, entre os
incêndios de junho e de outubro de 2017. Enquanto nos incêndios de junho havia sobretudo
vítimas em fuga, de todas as idades, sem predominância de género e com pouca ligação ao
local, no caso de 15 de outubro as vítimas eram predominantemente homens residentes nas
localidades afetadas, tendencialmente idosos, que em muitos casos se encontravam a salvar
bens. Enquanto nos incêndios de junho (Pedrógão) 75% das mortes estudadas ocorreram ou
tiveram origem nas estradas, nos incêndios de 15 de outubro as ocorrências estiveram
sobretudo ligadas a casas de habitação (32%) ou a outros tipos de edificações (16%), em
particular associadas à atividade agrícola (CTI 2018) como se expressa na Figura 2.
Figura 2. Tipos de local em que ocorreram os acidentes com vítimas mortais nos incêndios de 15 de outubro e
de junho (Pedrógão) conforme o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI 2018).
Também as circunstâncias em que ocorreram as fatalidades indicavam que, em casa, o
comportamento era sobretudo passivo tanto em junho como em outubro. No entanto, quando
no processo de fuga, as fatalidades ocorreram em junho sobretudo de carro (90,0%), enquanto
que esta percentagem foi substancialmente menor (62,5%) em outubro (Viegas et al., 2017,
2019).
Esta disparidade de circunstâncias e de perfis entre os incêndios de junho e outubro de 2017
traduz bem a dificuldade de implementar um programa de autoproteção das populações que
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possa cobrir com eficácia todo o tipo de circunstâncias e abarcar todo o tipo de perfis. Passou
a ser evidente a necessidade de garantir uma melhor proteção das pessoas, e dos
aglomerados populacionais em que se inserem, aos incêndios florestais, dando resposta à
tragédia ocorrida nesse ano, em que perderam a vida 117 pessoas, e onde ficaram
evidenciadas a falta de preparação das populações e a falta de medidas para proteger os
cidadãos.
2. As respostas das comunidades
Como reação aos eventos extraordinários e ao grande impacto e alarme social causados pelos
incêndios de 2017 as comunidades organizaram-se, agregando familiares das vítimas mortais
e de outras vítimas e, em geral, os mais afetados pelas ocorrências.
A primeira iniciativa verificou-se na região de Pedrógão Grande, na sequência do incêndio de
junho de 2017, com a criação da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande
(AVIPG). Nos meses e anos que se seguiram ao evento, e na ausência de qualquer iniciativa
por parte do Governo, a AVIPG mobilizou os moradores de um conjunto de dez aldeias dos
Concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, para se
constituírem em comunidades resilientes e capazes de enfrentar o risco de incêndio e de
recuperar ao seu impacto. Esta iniciativa conduziu ao desenvolvimento de um projeto
designado «Aldeias Resilientes». Com a colaboração de várias instituições, entre as quais a
APROSOC, a ADAI e outras, foi adquirido equipamento de proteção individual, de autodefesa,
de comunicação e promovidas ações de formação para os cerca de cinquenta cidadãos que
participam nesta iniciativa, incluindo estrangeiros. Nestas ações os cidadãos aprendem noções
de comportamento do fogo e de segurança pessoal, uso de sistemas de comunicação e
praticam a operação dos kits de combate ao fogo. Em duas aldeias que integram esta iniciativa
da AVIPG, Ferrarias de S. João e Moninhos, foi lançado um projeto de construção de abrigos
coletivos para a população e visitantes.
Na sequência dos incêndios de outubro de 2017 foi igualmente desencadeada uma iniciativa
que mobilizou muitas das vítimas e lesados. Foi criada a Associação das Vítimas do Maior
Incêndio de Sempre em Portugal (AVMISP) que, em comunicado, alertava para que «estes
incêndios mataram dezenas de concidadãos, destruíram mais de mil casas de primeira
habitação, afetaram largas centenas de postos de trabalho nos vários setores de atividade,
destruindo ainda centenas de hectares de olivais, vinhas, culturas agrícolas e dezenas de
milhares de animais em explorações pecuárias». E a AVMISP teve um papel ativo alertando
para a dificuldade das ajudas do Estado à economia afetada por aqueles incêndios.
Para além das ações associadas à recuperação da economia e à proteção pessoal e das
habitações, também a importância da atuação nas zonas de interface urbano-florestal foi
reconhecida pelas comunidades. Um bom exemplo é o da aldeia de Ferrarias, aldeia integrada
na iniciativa da AVIPG, em que, por iniciativa da população, os residentes colocaram em
comum os terrenos envolventes da aldeia e disponibilizaram-nos para a implementação de um
projeto de modificação do coberto vegetal, de forma a aumentar a resiliência da aldeia. Foi
decidido eliminar os eucaliptos existentes na orla deste aglomerado e plantar espécies de
crescimento lento, como carvalhos de folha caduca e sobreiros, de forma a criar uma zona
menos propícia ao comportamento extremo do fogo e para permitir ações de defesa.
Para além destas iniciativas de resposta às ocorrências de 2017 continuaram ativas outras
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iniciativas de organização das comunidades para a sua proteção e segurança. Merece
destaque a associação Safe Communities Portugal (SCP), uma entidade privada cuja atividade
remonta a 2011, altura em que um conjunto de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal,
especialmente no Algarve decidiu trabalhar em conjunto com as autoridades e os residentes,
para prestar apoio aos cidadãos estrangeiros que vivem ou visitam o nosso País. Em 2012 foi
constituída a Safe Communities Algarve (SCA) que, a partir de 2014, com a expansão das
atividades a todo o território, se passou a designar Safe Communities Portugal. Sobretudo a
partir de 2016 uma das principais preocupações da SCP foi a de «ajudar a ANPC e a GNR a
reforçarem a sensibilização para os sérios problemas causados pelos incêndios e para as
medidas que todos podem tomar para ajudar a proteger as nossas florestas e o ambiente». A
SCP tem colaborado com as autoridades nacionais, nomeadamente com o ICNF, a AGIF e a
ANEPC na tradução de material de divulgação em diversas línguas e tem os seus canais de
comunicação, que incluem, para além das redes sociais, uma estação de rádio local na Região
do Algarve. Em 2015, foi produzido o primeiro folheto sobre Prevenção de Incêndios Florestais,
dirigido aos turistas que são suscetíveis de não ter conhecimento dos riscos de incêndio
quando fazem campismo e auto-caravanismo no país. A SCP conta com o apoio de várias
Embaixadas em Portugal e trabalha com comunidades oriundas de diversos países. Tendo em
conta a presença de uma grande comunidade de cidadãos estrangeiros que se fixam no nosso
País, ou que visitam Portugal em cada ano, muitas vezes em áreas propensas aos incêndios,
torna-se muito importante contar com a participação desta Associação, e de outras entidades
similares, para chegar junto dessas comunidades, falando a sua língua e conhecendo as suas
idiossincrasias.
3. Os programas antecedentes a 2017
A resposta do Governo aos incêndios de 2017 no âmbito da proteção das populações surge
com a criação pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, dos
programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras», visando «prevenir e mitigar os efeitos dos
incêndios rurais, por via de ações de sensibilização para a prevenção de comportamentos de
risco, divulgação de medidas de autoproteção e realização de simulacros de planos de
evacuação, em articulação com as autarquias locais».
Há, no entanto, antecedentes a este Programa «Aldeia Segura». Mesmo o nome do programa
não é inédito, uma vez que foi precedido de pelo menos outro programa, com a mesma
designação, lançado em 2006-2007, no qual se pretendia criar sistemas de autodefesa em
aglomerados populacionais, em regiões com elevado risco de incêndio. Por isso, vale a pena
recordar esse outro programa antecedente.
3.1 O Programa «Aldeia Segura» de 2006-2007
O anterior programa «Aldeias Seguras» estava integrado no Programa de Ação Nacional de
Sensibilização e Educação da Defesa da Floresta Contra Incêndios, criado em 2006 pela então
Direcção-Geral dos Recursos Florestais (depois AFN e agora ICNF), definido em função da
legislação em vigor: Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006, de 26/05, e DL n.º
124/2006, de 28/06. Esse programa, como o atual, pretendia criar sistemas de autodefesa em
aglomerados populacionais em regiões com elevado risco de incêndio. É de notar que este
programa foi lançado simultaneamente por duas entidades, a ANPC (agora ANEPC) e a
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DGRF/AFN (agora ICNF), com designações idênticas «Aldeias Seguras», mas com finalidades
e metodologias diferentes. O programa «Aldeias Seguras» foi objeto de um estudo de
avaliação da ADAI (2009) que permitiu a análise que aqui se reproduz.
No âmbito do seu programa «Aldeias Seguras» a ANPC privilegiou a aquisição e distribuição
de «kits» de autodefesa, que consistiam em conjuntos constituídos por um depósito de cerca
de 400 litros, uma motobomba e um carretel de mangueiras, montado num suporte que se
podia facilmente montar num veículo de caixa aberta, que deveria ser disponibilizado pela
entidade beneficiária. Estas eram principalmente juntas de freguesia ou associações de
produtores.
No entanto, o programa estava sobretudo direcionado para a sensibilização da população rural
numa tentativa de incutir nos habitantes a noção da responsabilidade da autoproteção face aos
incêndios florestais.
Os objetivos do Programa eram os seguintes:
Fortalecer e aproximar a relação entre as populações e os agentes de DFCI, em
particular os serviços florestais;
Criar, nas comunidades, um sentimento de responsabilização comum e de pertença pelo
património edificado, bem como pelos espaços florestais adjacentes;
Criar condições reais de proteção das populações – autoproteção das comunidades;
Fomentar a mudança de comportamentos em termos de defesa da floresta Contra
Incêndios e de proteção civil – redução de comportamentos negligentes;
Estabelecer bases para a dinamização social e cultural das comunidades, que permitam
inverter a espiral de abandono dos espaços rurais e, consequentemente, dos espaços
florestais;
Envolver todos os agentes de DFCI num esforço conjunto de proteção de comunidades e
espaços florestais.
O programa tinha como zonas de atuação as seguintes:
Zonas de risco de incêndio elevado;
Zona com património a proteger (edificado e florestal);
Zonas com elevada incidência de incêndios com causa humana (negligentes, pastoreio,
conflitos);
Comunidades dispostas a alterarem os seus comportamentos;
Agentes DFCI dinâmicos e empenhados.
As ações a desenvolver eram as seguintes:
Dinamização da comunidade em torno dos incêndios florestais;
Sensibilização das populações para alteração de comportamentos relativos ao uso do
fogo nos espaços florestais;
Educação das populações para as regras básicas de proteção civil e estabelecimento de
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procedimentos de emergência;
Demonstração e apoio à limpeza de perímetros de bens edificados, de acordo com o
Decreto-Lei n.º 124/2006;
Dinamização cultural das comunidades a partir da temática dos incêndios florestais.
O Programa incluía também a definição de metas. As metas estipuladas para 2007 eram as
seguintes:
3 Núcleos constituídos e em plena atividade até setembro de 2007 (Norte, Centro e Sul);
9 Núcleos constituídos e em plena atividade até dezembro de 2007 (3 no Norte, 3 no
Centro e 3 no Sul).
A implementação do projeto decorreu em 2006 e parte de 2007, mas em 2009 não existia
praticamente qualquer informação sobre o programa. Apenas foi possível recolher informação
acerca de dois casos de implementação do programa «Aldeias Seguras». Uma foi na aldeia de
Castanheira, no distrito da Guarda, e outra no Pindelo dos Milagres, em Viseu. Para cada uma
destas localidades, foi efetuado um plano com uma estrutura semelhante à dos planos
Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios e foram realizadas algumas ações
preparatórias da execução do projeto, que envolveram um número considerável de pessoas e
que criaram naturalmente alguma expectativa em relação ao projeto.
Comparando os projetos das duas aldeias com os objetivos do programa «Aldeias Seguras»,
facilmente se conclui que os planos foram muito bem detalhados no capítulo da caracterização
e levantamento de situações e infraestruturas ligadas à temática dos incêndios florestais. No
entanto, este programa apontava para um maior esforço nos capítulos da sensibilização e
mobilização da população local para a temática da autoproteção, tendo sempre como meta
promover atitudes que reforçassem as ações de prevenção. Na avaliação da ADAI (2009)
estas componentes não se encontravam bem caracterizadas nos dois projetos, se bem que
algumas das ações promovidas tivessem já essa finalidade.
Nas duas aldeias foram realizadas diversas ações de sensibilização, envolvendo a população,
foram feitos planos de prevenção e mesmo algumas ações de gestão de combustíveis em
comunidade. A aldeia de Castanheira apresentou um orçamento de 9000 € e a de Pindelo um
de 25 000 €, para aquisição de material, para limpeza florestal e para beneficiação de
infraestruturas florestais. Em ambos os casos, as verbas solicitadas em 2007 não foram
concedidas.
No estudo referido concluía-se que, de uma forma geral, o programa «Aldeias Seguras» não
fora bem-sucedido dado que as metas propostas no programa para o ano de 2007 não foram
atingidas. A divulgação do próprio programa também não atingira o objetivo proposto. Apesar
da avaliação ter concluído que o programa no seu todo não tinha sido bem-sucedido, foram, no
entanto, retiradas as seguintes conclusões (ADAI 2009):
Existem instrumentos de planeamento válidos, para aplicar um modelo com as
características do proposto para o programa das «Aldeias Seguras»;
Os PMDFCI já possuem um levantamento das áreas críticas e dos perímetros onde se
tem que efetuar faixas de gestão de combustível (Decreto-Lei n.º 124/2006);
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Existe um grande deficit na informação, sensibilização e mobilização da população em
torno deste tema, consequência de uma ausência de acompanhamento técnico por parte
dos responsáveis ligados a este sector;
O insucesso do programa «Aldeias Seguras», deveu-se em grande parte à inexistência de
mecanismos de financiamento.
Seria recomendável que um programa desta natureza fosse implementado em
articulação com outras entidades ativas no terreno e envolvidas nesta mesma
problemática. Neste aspeto parece ter existido alguma sobreposição com uma medida
do Governo que consistiu em dotar algumas freguesias com equipamentos de
autodefesa.
O Observatório considerou ser importante incluir esta referência a um programa antecedente
muito semelhante ao que se está a implementar, passados cerca de dez anos, aparentemente
sem grande reflexão sobre as lições do passado, para que se possam evitar os mesmos erros
de então.
3.2 As Unidades Locais de Proteção Civil (ULPC) na Lei de Bases
da Proteção Civil desde 2006
A ocorrência de incêndios cada vez mais graves e a dificuldade de os meios de combate
conseguirem suprimir eficazmente os focos de incêndio e proteger as comunidades devido à
distância e à dificuldade de lhes aceder em segurança, levou algumas delas a organizarem-se
para assegurar a sua defesa, incluindo as suas habitações e os povoamentos florestais. Estas
primeiras iniciativas, uma das quais na região de Águeda após o incêndio de 1986, eram
promovidas por cidadãos que adquiriram viaturas equivalentes aos VFCI e se organizaram de
forma a receberem treino e a adquirir capacidade para intervir prontamente nos incêndios.
Vivendo no meio rural, por vezes em zonas montanhosas e afastadas das sedes das
Corporações de Bombeiros, tinham a capacidade de intervir em pouco tempo num terreno que
conheciam bem. Tratava-se, muitas vezes, de proprietários ou operadores florestais, com
capacidade física e disponibilidade para participar nas operações relacionadas com os
incêndios, mas que não tinham interesse nem disponibilidade para integrar as Corporações de
Bombeiros, mas deles recebiam formação com a obrigação inerente de participar no combate
aos incêndios como noutras ações de socorro.
A criação de Unidades Locais de Proteção Civil (ULPC) só surgiria passados vinte anos. Em
2006, a Lei de Bases da Proteção Civil, Lei n.º 27/2006, publicada no DR n.º 126/2006, inclui
no seu artigo 43.º, a possibilidade de criação de Unidades Locais de Proteção Civil (ULPC),
cuja existência, constituição e tarefas, era determinada pela respetiva Comissão Municipal de
Proteção Civil. O âmbito territorial das ULPC deveria corresponder ao território das freguesias e
a sua presidência recair no presidente da junta de freguesia.
Uma das primeiras ULPC, de acordo com este diploma, surge em 2009 na freguesia de Covas,
concelho de Vila Nova de Cerveira (ULC – Unidade Local de Covas). Nesta nova situação, a
formação dos elementos da unidade local era dada pelos Bombeiros Voluntários, Serviços
Municipais de Proteção Civil (SMPC), Gabinetes Técnicos Florestais (GTF) e inclusive com o
apoio do Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF-ICNF) havendo uma colaboração estreita e
complementaridade nas operações.
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As competências das juntas de freguesia relacionadas com a proteção civil seriam clarificadas
em 2013 pela aprovação do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), Decreto-Lei n.º
75/2013. Era este o enquadramento legal das ULPC em 2017, na altura dos grandes incêndios.
As Unidades Locais de Proteção Civil continuaram a fazer o seu caminho após 2017. Com a
aprovação da legislação que concretiza o quadro de transferência de competências para os
órgãos municipais no domínio da proteção civil (Decreto-Lei n.º 44/2019), é aberta a
possibilidade de que as freguesias limítrofes se possam agrupar para a constituição de uma
ULPC, sendo designado presidente um dos presidentes das juntas de freguesia que a
constituem. O Decreto-Lei n.º 44/2019 reafirma que compete à ULPC apoiar a junta de
freguesia na concretização das ações de prevenção e avaliação de riscos e vulnerabilidades,
de sensibilização e informação pública, e de apoio à gestão de ocorrências, conforme previsto
no respetivo plano municipal de emergência de proteção civil e nos planos municipais especiais
de emergência de proteção civil.
Em estudo recente, Peixoto (2019) contactou todos os 278 municípios de Portugal continental
sobre a existência e funcionamento de ULPC, tendo obtido 250 respostas, concluindo que
existiam 71 ULPC constituídas formalmente e 56 em fase de constituição, embora distribuídas
no território de forma heterogénea, concentrando-se num número reduzido de municípios
(Figura 3). Ainda neste estudo se refere que seis dos municípios (Amadora, Gavião, Penela,
Portalegre, Vieira do Minho, Vila Nova de Poiares) indicaram ainda a existência de Equipas de
Proteção Civil (EPC) embora não formalmente constituídas.
Figura 3. Localização das ULPC constituídas e em constituição e sua correspondência com o carácter
predominantemente urbano ou rural da freguesia (Peixoto, 2019).
A conclusão do estudo de Peixoto (2019) aponta para que as ULPC, integradas ao nível das
freguesias no contexto do correspondente Sistema Municipal de Proteção Civil, sejam de
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grande eficácia, ao integrarem elementos «conhecedores» do território onde intervêm, sendo
um meio privilegiado para levar a cabo, ao nível local, as políticas nacionais de proteção civil.
A experiência da organização das comunidades locais com o objetivo da proteção civil através
das ULPC poderia e deveria ser um antecedente e uma importante base a ter em conta no
desenho dos programas iniciados após os incêndios de 2017.
4. O reconhecimento da importância da interface urbano-florestal
A Interface Urbano Florestal (IUF), que se pode definir, segundo Ribeiro (2016), como sendo o
lugar, onde a floresta, as casas (com as pessoas) e o fogo se encontram, foi reconhecida
desde há muitos anos como sendo um dos problemas cruciais de todo o processo de gestão
integrada dos incêndios florestais. Nos últimos anos têm-se multiplicado os esforços da
comunidade científica e operacional para abordar este problema, com um grande crescimento
de publicações na bibliografia nacional e internacional sobre o tema (Figura 4), incluindo a
definição de conceitos e metodologias (Bento-Gonçalves e Vieira (2020).
Figura 4. O crescimento do número de publicações científicas dedicadas ao tema da interface urbano-florestal (neste caso «wildland-urban interface» WUI) listadas na Web of Science Core Collection de 1975 a 2018. Fonte:
http://www.webofknowledge.com em Bento-Gonçalves e Vieira 2020).
O problema da interface urbano-florestal em Portugal é caracterizado pela existência de uma
população muito dispersa por todo o território. Em muitas zonas rurais, apesar de existirem
poucos aglomerados urbanos, tais como cidades e vilas, encontram-se pequenos aglomerados
populacionais e mesmo casas isoladas, dispersas por toda a paisagem. Desta forma, existe a
forte probabilidade de que os incêndios, mesmo de média dimensão, coloquem em risco a vida
das pessoas e das habitações.
Tradicionalmente a prática de agricultura de subsistência por parte da população tinha como
efeito a envolvência das aldeias e dos pequenos aglomerados populacionais por uma faixa
verde constituída por hortas e pomares, que conferiam uma excelente proteção às casas e
aldeias. Por outro lado, a presença das pessoas no meio rural levava a que qualquer foco de
incêndio nascente fosse atacado prontamente e, como tal, raramente tinha um
desenvolvimento muito grande. Com o abandono do interior e da agricultura, bem como de
alguns usos, que existiam, da biomassa florestal, o risco de incêndio na IUF teve um grande
acréscimo.
Tendo em conta que a maioria dos aglomerados urbanos tem vindo a crescer entrando pelos
espaços rurais que os circundam, a extensão do problema da IUF tem vido a aumentar. Outro
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fator de agravamento tem sido a pressão turística, a procura de segundas habitações em meio
rural por parte de cidadãos nacionais, e a procura de regiões no interior de Portugal por
cidadãos estrangeiros, que envolvem a participação de pessoas e de comunidades não
familiarizadas com o fogo.
Em Portugal existe já bibliografia relevante sobre a IUF na sua relação com os incêndios.
Existem trabalhos relacionados com o impacto do fogo em estruturas, a sua vulnerabilidade ou
dos seus elementos construtivos, os métodos de ignição ou a combustibilidade dos materiais
naturais ou artificiais na sua envolvente, entre outros, cujas referências se podem encontrar em
Ribeiro (2016) e Ribeiro et al. (2020). Podemos também encontrar alguns outros trabalhos
recentemente publicados por autores portugueses, em autoria ou coautoria, por exemplo
referentes a temáticas como a definição e avaliação de zonas de interface (e.g. Pereira et. al.,
2014; Amato et al., 2018, Bento-Gonçalves & Vieira, 2020), o contexto social das zonas de IUF
afetadas por incêndios (e.g. Oliveira et al., 2017) ou a avaliação do risco de incêndio em
povoações percorridas por grandes incêndios (e.g. Oliveira et al., 2020). De registar o extenso
trabalho desenvolvido pela Comissão Técnica Independente (CTI 2018) que, no seu relatório,
dedica muita atenção ao impacto dos incêndios de 2017 nas habitações e instalações
empresariais, à defesa e proteção dos aglomerados populacionais e à gestão da interface entre
edificações e floresta.
No que respeita à identificação das zonas de interface e seu mapeamento, muitos dos
trabalhos recorrem a diferentes métodos de análise, resultando numa cartografia dos tipos de
interface, como ilustrado na Figura 5.
Figura 5. Exemplo de vários tipos de interface urbano-florestal na União de Freguesias de Agrela e Serafão (município de Fafe) com base na Carta de Ocupação do Solo de 2015 e na metodologia de Lampin e Long
(2010) em Peixoto (2019).
Para uma completa caracterização da interface urbano-florestal é necessário recorrer a
informação espacial detalhada sobre a localização das estruturas, o seu tipo, agregação e
distribuição, tipo e densidade de vegetação e densidade populacional, entre outros. Pode
revelar-se difícil obter esta informação, sobretudo se se pretender que seja atualizada e
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representativa de todas as situações de interface. Por exemplo, os métodos de mapeamento
automático ou semiautomático baseados em análise de imagens de satélite apresentam
limitações relacionadas com a escala de análise, pois a área mínima que mapeiam não se
coaduna, entre outros aspetos, com a identificação de estruturas isoladas. O trabalho de Vieira
et al. (2009) sobre a interface urbano-rural no Ave discute estas matérias e apresenta uma
metodologia que utiliza a informação do Instituto Nacional de Estatística.
Independentemente da metodologia adotada, é reconhecido que a interface urbano-florestal
está a aumentar em Portugal e representa um problema crescente para a proteção dos
aglomerados populacionais em relação aos incêndios. Em estudo recente, Tonini et al. (2018)
avaliaram as alterações na interface urbano-rural em Portugal nas últimas décadas, concluindo
que a interface cresceu de 1990 a 2012 em mais de dois terços (Figura 6). No mesmo estudo
os autores concluíram que a área ardida nas zonas de interface duplicou no mesmo período, o
que demonstra a importância destas áreas para a gestão do território e do fogo.
Figura 6. Mapas mostrando o aumento das zonas de interface urbano-rural em Portugal avaliadas com base na
informação do CORINE Land Cover de 1990, 2000, 2006 e 2012 (em Tonini et al. 2018).
O risco de incêndio na IUF depende de vários fatores e pode variar muito de um país para
outro e, mesmo dentro de cada país, de uma região para outra. Este problema foi estudado
com pormenor por Ribeiro (2016) para o caso de Portugal Continental, empregando
metodologias testadas noutros países do Sul da Europa. Neste estudo que caracterizou pela
primeira vez a nível de distrito e concelho o risco de incêndio na IUF, o autor empregou
informação de diverso tipo como:
Distribuição, densidade e crescimento das áreas urbanas e povoações rurais;
Distribuição, frequência e tipologia dos incêndios florestais que ocorrem neste tipo de
áreas;
Distribuição e tipologia (densidade, agrupamento, tipo) das áreas florestais e
geomorfologia.
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Esta avaliação foi baseada na análise exaustiva de fotografia aérea e de satélite e num
catálogo de situações de risco contruído para o efeito. Combinando os diversos critérios,
aquele autor identificou um conjunto de 20 situações, ou modelos, relacionados principalmente
com a tipologia de vegetação envolvente e com o arranjo espacial das construções, aos quais
se encontra associado um valor de risco de IUF, numa escala de 1 a 4, consoante a presença
da referida tipologia no território.
Aplicando este critério a cada um dos distritos de Portugal Continental, Ribeiro (2016) obteve o
mapa de risco que se mostra na Figura 7, onde se podem identificar os Distritos em que este
problema assume uma maior relevância. Uma análise mais detalhada, ao nível dos Concelhos,
revela que, dentro de cada Distrito, o risco pode variar significativamente, como se pode ver,
por exemplo, no Distrito de Coimbra.
Figura 7. Distribuição do risco de incêndio na interface urbano-florestal em Portugal Continental em cada Distrito (esquerda) e em cada Concelho (direita), no trabalho de Ribeiro (2016).
Este tipo de estudos e de análises poderiam e deveriam servir de orientação para a definição
de medidas e de políticas de proteção de comunidades, pois claramente permitem estabelecer
prioridades acerca das regiões mais necessitadas de intervenção. A importância de
metodologias adequadas para a priorização das intervenções de proteção dos aglomerados
populacionais é também evidente no recente trabalho de Oliveira et al. (2020). que avaliou o
risco de incêndio e desenvolveu metodologias para comparar diferentes cenários de
prioridades em aglomerados populacionais afetados pelos grandes incêndios de 2017.
A temática da proteção das comunidades na IUF tem continuado a ser objeto de investigação
em Portugal. Alguns dos projetos em curso nesta área, em que participam a ADAI e outras
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instituições, enquadram-se no programa Europeu ECHO (WUIWATCH e WUIVIEW), em
programas regionais, como o Centro 2020 (FIREPROTECT), ou em programas financiados
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Interface Segura e House Refuge), estes
pretendendo criar diretrizes para a construção de edifícios tendo em vista a mitigação do risco
de incêndio rural, combinando as duas componentes do sistema – construção e área
envolvente. Estes são exemplos de projetos nesta área que demonstram a crescente
importância atribuída ao problema da interface urbano-florestal. De qualquer forma, e
independentemente dos trabalhos mais recentes, entretanto desenvolvidos, o trabalho de
Ribeiro (2016) incorporava já as questões da IUF na cartografia do risco de incêndio e permitia,
já em 2016, uma melhor definição das zonas prioritárias de intervenção incluindo esse critério.
No entanto, essa incorporação das questões da IUF na priorização das intervenções nunca
veio a acontecer.
5. Os Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras»
Logo em outubro de 2017 surge a Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27
de outubro, na qual o Governo estabeleceu um conjunto de medidas destinadas a introduzir
«uma reforma sistémica na prevenção e combate aos incêndios florestais, estendendo-se a
outras áreas da proteção e socorro». Enquadrados naquela Resolução do Conselho de
Ministros surgem os programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras», visando «prevenir e
mitigar os efeitos dos incêndios rurais, por via de ações de sensibilização para a prevenção de
comportamentos de risco, divulgação de medidas de autoproteção e realização de simulacros
de planos de evacuação, em articulação com as autarquias locais».
O programa «Aldeia Segura» foi definido como sendo um «Programa de Proteção de
Aglomerados Populacionais e de Proteção Florestal» que se destina a estabelecer «medidas
estruturais para proteção de pessoas e bens, e dos edificados na interface urbano-florestal,
com a implementação e gestão de zonas de proteção aos aglomerados e de infraestruturas
estratégicas, identificando pontos críticos e locais de refúgio».
Por seu turno, o programa «Pessoas Seguras» visou promover «ações de sensibilização para
a prevenção de comportamentos de risco, medidas de autoproteção e realização de simulacros
de planos de evacuação, em articulação com as autarquias locais».
Os Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» iniciaram-se e desenvolveram-se, mas
não houve, entretanto, e apesar do grande interesse e impacte que têm, uma análise e
avaliação global sobre a suas opções nem sobre a sua execução e resultados. Existem alguns
estudos de caso interessantes como o estudo de Neves (2019), que analisou o PAS e estudou
em particular a sua implementação nalgumas aldeias da freguesia de Sarzedas, distrito de
Castelo Branco. Outros estudos têm documentado a implementação dos Programas «Aldeia
Segura» e «Pessoas Seguras» noutras áreas, mostrando produtos resultantes como plantas
com esquemas de evacuação, onde se referenciam os locais de abrigo e reunião para
concentração da população e posterior evacuação, caso necessário (Figura 8). No entanto,
uma avaliação global dos programas está por fazer.
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Figura 8. Planta de evacuação da aldeia de Mós (Aboim) elaborada para implementação dos Programas
«Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» (Peixoto 2019).
Os Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» são as principais medidas
implementadas pelo Governo para a proteção das comunidades pelo que constituem o tema
principal deste estudo. Embora se trate de dois programas distintos e complementares, muitas
vezes a sua designação é alvo de confusão, mesmo na documentação oficial. O termo «Aldeia
Segura» é utilizado frequentemente para designar os dois programas. Seguindo a perceção
comum, que não distingue os dois programas iremos referir o conjunto dos dois programas
como «Programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras» (PAS/PPS).
5.1. Conteúdos dos Programas
Os conteúdos dos Programas podem ser subdivididos em elementos nucleares,
complementares e de disseminação que são apresentados de seguida.
5.1.1 Elementos nucleares
Os Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» têm uma riqueza de propósitos e de
ações que estão longe de ser esgotadas na execução que está a ser feita dos mesmos. É
importante, por isso, a definição de elementos nucleares dos Programas. De uma forma
simplificada, o PAS baseia-se num conjunto de conceitos, cuja implementação em cada aldeia
ou lugar, concretiza a realização do programa. São elementos nucleares a existência de:
Oficial de Segurança – é uma pessoa escolhida e designada para assumir um papel de
dinamizador e de coordenador do Programa no seio da comunidade. Tem o importante papel
de promover a sensibilização dos habitantes da aldeia, de lhes dar a conhecer e praticar as
medidas de prevenção (como por exemplo a limpeza em volta das casas) e de atuação em
caso de incêndio, de dar o alarme e de orientar as ações de procura de refúgio ou de
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evacuação, em ligação com as autoridades e os agentes de proteção civil. Esta escolha recai
frequentemente no Presidente da Junta de Freguesia ou em alguém que pertenceu a alguma
entidade ligada ao sistema operacional. Por vezes um Oficial de Segurança é partilhado por
mais de um lugar ou aldeia.
Plano de evacuação – em cada aldeia consta da definição de um lugar seguro para onde as
pessoas de possam retirar, dentro ou fora da aldeia, em caso de incendio. O plano inclui um
mapa da aldeia, suportado por sinalética nas ruas, com a indicação dos percursos a seguir,
para orientar os residentes e forasteiros e encontrar o local de abrigo. É recomendada,
acertadamente, a retirada de pessoas idosas, doentes e de crianças, com antecedência, da
aldeia, em articulação com as autoridades.
Local de refúgio ou de abrigo – faz-se a distinção entre local de abrigo ou de refúgio,
consoante se trate de um espaço fechado (um salão, uma igreja ou uma casa) ou aberto (uma
praça, um campo de feira ou de futebol) onde as pessoas possam permanecer segurança,
durante um incêndio que atinja o lugar sem estarem expostas ao calor e ao fumo.
Simulacro – trata-se de um exercício realizado com a participação da população, em que se
simula a emissão de um alerta (por exemplo com uma sirena ou tocando os sinos da igreja), de
forma a mobilizar os habitantes a concentrarem-se num local central da aldeia (em geral o local
de refúgio), onde se verifica a presença dos residentes. A partir daqui simula-se a retirada das
pessoas para fora da aldeia, empregando viaturas próprias ou dos Bombeiros, num processo
de evacuação, sempre com o Oficial de Segurança a recensear os movimentos das pessoas,
empregando listas de nomes previamente preparadas.
A concretização destes elementos nucleares é chave na avaliação do Programa.
5.1.2 Elementos complementares
Alguns dos elementos complementares do Programa são:
Sinalética – no âmbito dos PAS/PS foi criada uma sinalética para identificação de locais e de
adoção de procedimentos em situações de emergência, que deveriam ser conhecidos não
apenas pela população residente, mas também pelos visitantes, incluindo os estrangeiros e
turistas.
Kits individuais – é referido que as pessoas devem criar um «kit» de evacuação, ou seja um
saco ou mochila, em que transportem os seus documentos essenciais, artigos de higiene,
medicamentos e outros artigos que sejam úteis numa emergência.
Embora se diga que os kits devem estar disponíveis nos locais de abrigo, é recomendado que
as pessoas constituam e tenham um kit pessoal. Neste intuito pedagógico as autoridades
criaram um kit que era distribuído a todos os cidadãos participantes no PAS, para identificar, de
forma simbólica, a sua participação no mesmo. Este kit consistia numa pequena mochila
contendo, entre outros artigos, um lenço, um apito, um rádio, uma garrafa de água e uma
lanterna.
O fornecimento destes kits foi objeto de uma investigação judicial, acerca dos processos de
aquisição dos mesmos. Esta investigação – que se encontra ainda em curso – criou um clima
de suspeição em torno do Programa, tendo levado à demissão de alguns dirigentes e conduziu
a alguma descredibilização, quanto a nós indesejável, do programa.
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5.1.3 Elementos de disseminação
Uma das mais-valias do PAS foi a sua grande visibilidade junto do público, fruto de um
excelente plano de disseminação e divulgação. Para além da colaboração pessoal e
institucional de muitas entidades, contribuiu para este sucesso a qualidade dos elementos de
divulgação.
Website– os PAS/PS dispõem de um website bem elaborado no qual se pode encontrar
informação relevante acerca dos programas, incluindo material formativo e informativo para os
cidadãos.
Vídeos de sensibilização – durante os anos de 2018 e 2019 foram criados 13 spots
televisivos e um de rádio, com informações muito claras sobre os procedimentos a adotar na
prevenção, na realização de queimas, na limpeza da vegetação, na preparação da casa em
caso de aproximação ou cerco por um incêndio. Estes vídeos foram muito difundidos nos
canais de televisão, em 2019, mas em 2020 foram substituídos pelos spots do programa
«Portugal Chama», embora com conteúdos e mensagens diferentes.
Folhetos – os conteúdos do Guia foram convertidos em folhetos desdobráveis e cartazes,
largamente difundidos nas ações do PAS, nas juntas de freguesia e noutros meios, de forma a
disseminar as principais mensagens do programa. Alguns destes folhetos foram traduzidos em
outras línguas.
Treino e simulacros – os treinos e simulacros proporcionaram uma grande visibilidade ao
PAS, para além de constituírem elementos importantes de mobilização dos cidadãos nele
envolvidos. Ao serem realizados frequentemente com a presença de autoridades nacionais,
com os Bombeiros e outros agentes de PC, atraíram a atenção da comunicação social que se
encarregou de difundir o Programa. Permitiram, no entanto, verificar a pouca preparação, em
geral, dos agentes e cidadãos envolvidos e também a disseminação de mensagens ou práticas
que poderão ser pouco corretas, tais como as de pretender deslocar os cidadãos – mesmo
com dificuldades –, supostamente no meio de um incêndio a decorrer, de suas casas para
outro local, dentro ou fora da aldeia.
Mensagens à população – embora se tratasse de uma medida de âmbito mais geral, o plano
de envio de mensagens SMS, às pessoas presentes em dadas regiões do País, constitui uma
componente importante do PAS, na medida que se trata de informar as pessoas no nível de
perigo e da eventual existência de incêndios na área, para que as pessoas adaptem o seu
estado de alerta e se preparem enfrentarem um incêndio. Trata-se de uma medida muito
importante, que faltou em 2017, mas de que não existe ainda suficiente análise para se
compreender a sua mais-valia desde que está implementada. A título de exemplo, menciona-se
que o Relatório de 2019 da ANEPC de refere que nos dias 4 e 13 de setembro, durante a
ocorrência de dois episódios meteorológicos, foram difundidas cerca de 11 milhões de
mensagens nos distritos afetados.
5.2 A implementação do Programa
5.2.1 A estrutura por níveis e ações
Os Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» (PAS/PPS) têm por objetivo reforçar a
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segurança das pessoas, em particular na interface urbano-florestal, através da implementação
e gestão de zonas de proteção e locais de refúgio nos aglomerados, bem como da
sensibilização das populações para a prevenção de comportamentos de risco e para a adoção
de medidas de autoproteção e de preparação face a incêndios rurais. A implementação de
objetivos tão ambiciosos tem seguramente vários desafios para uma adequada execução.
A execução dos Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» decorre ao abrigo de um
Protocolo entre a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias
(ANAFRE). Nos termos deste protocolo, a sua implementação é efetuada a dois níveis:
Nível estratégico (a cargo da Administração Central, através da ANEPC): elaboração de
referenciais transversais a todo o território nacional, complementados com campanhas
de sensibilização e sistemas de aviso de âmbito nacional;
Nível operativo (a cargo dos municípios e freguesias): execução à escala local de
medidas concretas de proteção e sensibilização, tomando partido da maior proximidade
aos cidadãos e da capacidade dos agentes locais para mobilizarem as suas
comunidades, fortalecendo relações de confiança e estimulando a participação das
populações.
Neste âmbito são desenvolvidas ações nos seguintes níveis:
6. Proteção aos aglomerados – ações que visem a gestão de zonas de proteção aos
aglomerados localizadas na interface urbano-florestal, de modo a reduzir a possibilidade
de afetação das edificações por incêndios rurais;
7. Prevenção de comportamentos de risco – ações de sensibilização destinadas a reduzir o
número de ignições causadas por comportamentos de risco associados ao uso do fogo;
8. Sensibilização e aviso à população – ações visando sensibilizar e informar a população
acerca do risco de incêndio rural vigente e das condutas de autoproteção a adotar em
caso de possibilidade de aproximação de um incêndio rural;
9. Evacuação de aglomerados – ações destinadas a preparar e executar uma evacuação
espontânea ou deliberada de um aglomerado face à aproximação de um incêndio rural;
10. Locais de abrigo e de refúgio – ações destinadas a selecionar e preparar espaços ou
edifícios de um determinado aglomerado para servirem de abrigo (em espaço fechado)
ou refúgio (em espaço aberto) durante a passagem de um incêndio rural, nos casos em
que tal seja a opção mais viável ou a única possível.
5.2.2 Guia de apoio à implementação do Programa
O Guia de apoio à implementação dos PAS/PPS foi publicado em 2018 (ANEPC, 2018), tendo
como objetivo auxiliar a implementação à escala local de um conjunto de atividades que
poderão ser desempenhadas em prol da proteção e segurança de pessoas e dos seus bens,
face à iminência ou ocorrência de incêndios rurais, complementando as ações nacionais
realizadas pelo Governo.
Está ainda disponível uma Adenda ao Guia, contendo procedimentos excecionais a aplicar em
operações de evacuação ou de abrigo/refúgio no âmbito da pandemia COVID-19.
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O Guia está disponível em Português e em Inglês.
Este documento está organizado em quatro capítulos, que abordam cada um dos principais
temas acima referidos: (i) proteção de aglomerados, (ii) prevenção de comportamentos de
risco, (iii) mecanismos de sensibilização e aviso à população, (iv) evacuação de aglomerados e
(V) locais de abrigo refúgio.
O Guia enfatiza a necessidade de envolver os municípios e as freguesias, requerendo uma
liderança do patamar local, com envolvimento dos cidadãos de entre os quais o designado
«Oficial de Segurança Local», que assume um papel importante na liderança e mobilização da
comunidade.
São introduzidos conceitos e terminologia destinados a criar uma linguagem comum na matéria
de prevenção do risco nas comunidades e são apresentados um conjunto de medidas e de
recomendações práticas em cada um dos tópicos que aborda.
A assimilação destas medidas e a sua aplicação às situações concretas de cada comunidade
carecem de um trabalho que apenas está esboçado no guia, mas que exige uma orientação e
acompanhamento por parte de uma entidade gestora do programa.
Na abordagem do tema da evacuação dos aglomerados, houve o cuidado de referir a
diversidade de opções que se podem colocar aos habitantes, em caso de incêndio, incluindo a
permanência em casa ou num abrigo ou refúgio coletivo. Infelizmente, a metodologia
empregada nos simulacros insiste muitas vezes na evacuação do lugar por parte de toda a
população, algumas vezes após a deslocação e concentração num local da aldeia, sem se
considerar que a referida deslocação na proximidade de um incêndio, poderá ser mais ariscada
do que uma opção de permanecer em casa própria ou de um vizinho.
O Guia introduz um conjunto de sinalética que tem sido bem aceite pelas comunidades, pela
sua simplicidade e facilidade de perceção e é complementado por um conjunto de folhas que
constituem uma lista de verificação (Check-list) das ações a desenvolver em cada etapa do
programa.
5.2.3 A definição das freguesias prioritárias pelo critério ICNF (2006 e
2018)
A implementação dos Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» (PAS) obrigava à
definição de áreas prioritárias para a sua intervenção. Entretanto, nos termos do Decreto-Lei
n.º 124/2006, de 28 de junho, o ICNF vinha divulgando anualmente a classificação do território
continental segundo o índice de perigosidade de incêndio rural, com critérios que assentam na
determinação da probabilidade de ocorrência de incêndio florestal, baseando-se, entre outros,
na informação histórica sobre a ocorrência de incêndios florestais, ocupação do solo, orografia,
clima e demografia. Estes critérios resultaram na produção de cartas de perigosidade estrutural
como as que se apresentam na Figura 9, com cinco classes de perigosidade.
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Figura 9. A versão da carta de perigosidade de 2017 e a de 2020-2030, elaborada no âmbito de projeto envolvendo o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, entre outras entidades (Fonte: ICNF).
A definição dos critérios para as classes de perigosidade e para a sua utilização já foi objeto de
apreciação crítica noutro estudo técnico deste Observatório sobre Planeamento. Neste estudo
não voltamos a essa matéria, mas importa indicar que essa foi uma das mais importantes
bases da definição de freguesias prioritárias para fiscalização.
A correspondência em 2019 entre a carta de perigosidade e as freguesias prioritárias permite
visualizar a relação existente (Figura 10).
Figura 10. Relação entre freguesias prioritárias (1.º e 2.º nível) em
2019 e a correspondente carta de perigosidade.
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A carta de perigosidade foi uma das variáveis mais influentes na definição de freguesias
prioritárias para fiscalização da gestão de combustíveis publicada pelo Despacho n.º
1913/2018, de 22 de fevereiro, dos Ministérios da Administração Interna e Agricultura,
Florestas e Desenvolvimento Rural. O diploma, da responsabilidade dos Gabinetes dos
Secretários de Estado da Proteção Civil e das Florestas e do Desenvolvimento Rural, lista as
1142 freguesias classificadas de 1.ª e 2.ª prioridade (respetivamente 703 e 439 freguesias) no
que respeita à limpeza de matas, terrenos e florestas, de acordo com a classificação do
Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF). A classificação de freguesias
prioritárias foi definida pelo ICNF com base na metodologia publicada no Manual de
Classificação de Freguesias Prioritárias (ICNF, 2018), que envolve as seguintes variáveis:
Perigosidade (5 classes);
Inflamabilidade das espécies (7 classes);
Zonas de maior valor patrimonial florestal (proteção e produção).
Empregando os valores absolutos das duas primeiras classificações, usa-se o seu produto
para definir uma conjugação dos dois critérios. Empregando um filtro para unidades circulares
com um diâmetro de 10km, normalizou-se a carta de Portugal com base no território de cada
freguesia. Aplicou-se por fim um critério de prioridade, consoante o valor do coberto florestal,
tendo-se estabelecido uma escala de prioridades de intervenção em seis classes, mas,
reconhecendo a necessidade de simplificar o sistema, o Relatório do ICNF realça apenas os
dois primeiros níveis de freguesias:
Nível 1 – 1.ª classe de prioridade;
Nível 2 – 2.ª e 3.ª classes de prioridade.
No Despacho n.º 1913/2018, de 22 de fevereiro, foi publicada a listagem e mapa de freguesias
prioritárias para serem alvo de prioridade de fiscalização, tendo por base os dois níveis
referidos, o que se manteve em 2019, através do Despacho n.º 744/2019, de 17 de janeiro. Os
mapas referidos são apresentados na Figura 11, mostrando pela sua semelhança que a
metodologia e os critérios se mantiveram no geral.
No entanto, em 2020, através do Despacho n.º 2616/2020, de 26 de fevereiro, dos Ministérios
da Administração Interna e Ambiente e Ação Climática, «considerou-se adequado identificar
apenas uma classe de prioridade».
Figura 11. Mapa das freguesias prioritárias para fiscalização produzidas pelo ICNF em 2018 e 2020.
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No final deste ano, foi publicada a Portaria n.º 301/2020, de 24 de dezembro, que aprova a
delimitação dos territórios vulneráveis com base nos critérios fixados no artigo 2.º do Decreto-
Lei n.º 28-A/2020, de 26 de junho, que estabeleceu o regime jurídico da reconversão da
paisagem (Figura12). Esta última Portaria estabelece os territórios vulneráveis com o fim de
constituir «o referencial territorial para a aplicação de medidas de política específicas,
nomeadamente programas de reordenamento e gestão da paisagem e áreas integradas de
gestão da paisagem.» Tendo como critérios:
«a) As freguesias do continente em que mais de 40% do território se encontra sob
perigosidade alta e muito alta de incêndio rural;
b) As freguesias do continente que, não cumprindo o critério de perigosidade
estabelecido na alínea anterior, sejam totalmente circundadas por freguesias que
cumpram o citado critério.»
Figura 12. Mapa das freguesias vulneráveis a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º - Anexo I da Portaria n.º 301/2020, de 24 de dezembro.
Ainda que os diplomas que definem as freguesias prioritárias e as freguesias vulneráveis
tenham por critério base a perigosidade alta e muito alta de incêndios rurais, ao compararmos
ambas classificações territoriais, parecem existir diferenças, uma vez que existem freguesias
consideradas prioritárias, mas não são vulneráveis, assim como o contrário. O mesmo parece
ocorrer ao observar-se a perigosidade, pois existem freguesias classificadas com perigosidade
baixa e muito baixa, sem cumprir o definido na alínea b) mas neste último diploma são
delimitadas como freguesias vulneráveis. A existência simultânea de diversas cartografias,
genericamente semelhantes, como base para a definição de prioridades de programas
distintos, mas com objetivos muito próximos e complementares não facilita as sinergias nem a
leitura pública dos programas.
Importa clarificar que, em todas as definições de prioridades, o critério, decorrente da lógica de
Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) incorporava apenas o valor patrimonial florestal,
não integrando os conceitos de proteção das comunidades. Como se pode ver, a metodologia
adotada não envolve diretamente o conceito de interface urbano-florestal (IUF), nem faz
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referência ao edificado ou à situação das pessoas. Apenas por casualidade, por via da
perigosidade associada aos incêndios do passado, poderá esta metodologia ser representativa
do risco que os incêndios florestais constituem para as populações.
Para efeitos de proteção das comunidades importaria usar como unidade o aglomerado
populacional, que se distribui de forma desigual em todo o território, com grandes diferenças
entre freguesias urbanas e rurais. As freguesias rurais, que correspondem a 85% do total das
2882 freguesias de Portugal Continental (PDR 2020) têm, em geral, uma maior área e, ainda
assim, um número de aglomerados populacionais por freguesia mais reduzido. Nas freguesias
consideradas prioritárias em 2019 existiam 15 483 aglomerados rurais (92%) e 1356
aglomerados urbanos (8%). Considerando as classes de prioridade das freguesias, 62% dos
aglomerados encontram-se classificados na 1.ª prioridade e 38% na 2.ª prioridade, o que
corresponde 10 447 e 6392 aglomerados, respetivamente. Na Figura 13 apresenta-se a
distribuição geográfica do número de aglomerados populacionais por freguesia em todo o
território continental e apenas nas freguesias prioritárias.
Figura 13. Número de aglomerados populacionais por freguesia, em todo o continente (esquerda) Fonte: PDR
2020 com dados DGADR e DGT. A mesma informação para as freguesias prioritárias de 2019 (direita).
5.2.4 A expressão territorial do Programa
A expressão territorial dos programas pode ser visualizada pela comparação da distribuição
das freguesias prioritárias em 2019 com a das freguesias que estão a participar no PAS em
2020, por classes de número de aldeias envolvidas em cada freguesia (Figura 14).
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Figura 14. Distribuição das freguesias prioritárias por nível de prioridade em 2019 (esquerda) e freguesias envolvidas em 2020 com indicação do número de aldeias incluídas (direita). (Fonte: ICNF, ANEPC).
No primeiro dos mapas da Figura 14 pode verificar-se uma boa aderência entre as freguesias
de nível 1 e 2 com a região Centro e Norte interior, e com o Algarve, como seria de esperar.
Estranham-se, no entanto, as manchas de freguesias com nível 3 (com baixa prioridade) nos
distritos de Viseu e de Castelo Branco.
Como se pode ver no segundo dos mapas da Figura 14, a maior parte das freguesias que
participa no PAS tem entre 1 a 5 aldeias por freguesia. Este número é superior noutras
freguesias, chegando a atingir um máximo de 49. A freguesia de Sarzedas, no concelho e
distrito de Castelo Branco, é do nível 1 e tem 44 aldeias envolvidas, sendo a freguesia desse
nível que tem o valor máximo. Este número é, no entanto, ultrapassado por uma freguesia do
nível 2, Maçãs de Dona Maria, do concelho de Alvaiázere, distrito de Leiria, que tem 49 aldeias
envolvidas.
A associação entre as freguesias participantes no PAS e as freguesias definidas como
prioritárias é um bom indicador da aderência do programa à priorização definida. Esta
associação é ilustrada pelos mapas da Figura 15 em que se mostram as freguesias que
participam no PAS em 2020, por nível de prioridade, e as freguesias prioritárias sem
participação no PAS.
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Figura 15. Freguesias que participam no PAS, por nível de prioridade (esquerda) e freguesias prioritárias que não participam no PAS (Fonte dos dados: ICNF e ANEPC).
O primeiro dos mapas da Figura 15 permite aferir a boa representatividade de freguesias do
nível 1 que participam no Programa e também o facto de várias freguesias do nível 3
participarem igualmente no Programa. É interessante observar a adesão por parte de
freguesias situadas na fronteira Norte e Nordeste. No segundo mapa da figura 10, em
contrapartida, evidencia-se a mancha de freguesias de nível 1 que não participam no
programa, que, como iremos ver, correspondem a cerca de 23% das freguesias daquele nível.
Com os dados disponibilizados pela ANEPC com referência à data de 15 de agosto de 2020 foi
possível analisar a distribuição das freguesias envolvidas no PAS, em função do nível de
prioridade. Os resultados globais dessa análise são apresentados na Tabela 1.
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Tabela 1. Relação entre o número de freguesias envolvidas no PAS e o número total de freguesias por níveis de prioridade.
Verifica-se que globalmente estão envolvidas 21,8% das freguesias existentes no País. A
repartição das freguesias envolvidas em função no nível de prioridade é decrescente, como
seria de esperar, embora uma vez mais se verifique existir uma pequena diferença entre os
níveis 1 e 2. Um dado importante é a percentagem de freguesias envolvidas em relação às que
existem em cada nível. Verifica-se que cerca de 49,1% das aldeias do nível 1 estão envolvidas,
o que é um bom indicador, e esta taxa decresce para 37,0% para o nível 2 que revela ainda
uma percentagem importante. Como seria de esperar esta percentagem decresce de modo
muito significativo para o nível 3, com 9,1% das freguesias envolvidas no programa. Ainda
assim, são 161 freguesias consideradas não prioritárias que beneficiam do programa.
A análise anterior foi também detalhada para cada distrito, com indicação do número de
concelhos abrangidos e a percentagem de concelhos e de freguesias envolvidas no programa
em cada distrito (Tabela 2).
Tabela 2. Número de concelhos e de freguesias envolvidos no programa por distrito. Fonte: Dados da ANEPC elaborados pelo Observatório.
Distrito
Concelhos Freguesias
Envolvidos Existentes Percentagem Envolvidas Existentes Percentagem
Aveiro 6 19 31,6 20 147 13,6
Beja 2 14 14,3 5 75 6,7
Braga 5 14 35,7 21 348 6,0
Bragança 12 12 100,0 123 225 54,7
C. Branco 6 11 54,5 45 119 37,8
Coimbra 7 17 41,2 10 156 6,4
Évora 7 14 50,0 13 69 18,8
Faro 9 16 56,3 20 67 29,9
Guarda 14 14 100,0 156 242 64,5
Leiria 9 16 56,3 21 110 19,1
Lisboa 2 16 12,5 5 134 3,7
Portalegre 6 15 40,0 13 69 18,8
Porto 7 18 38,9 12 243 4,9
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Distrito
Concelhos Freguesias
Envolvidos Existentes Percentagem Envolvidas Existentes Percentagem
Santarém 12 21 57,1 55 141 39,0
Setúbal 4 13 30,8 4 55 7,3
Viana do Castelo 5 10 50,0 13 208 6,3
Vila Real 11 14 78,6 51 197 25,9
Viseu 11 24 45,8 40 277 14,4
Total 135 278 48,6 627 2882 21,8
A primeira constatação que se faz da Tabela 2 é a de que menos de metade (48,6%) dos
concelhos participam, de alguma forma no PAS. Esta percentagem é muito variável entre
distritos, com um mínimo de 12,5% em Lisboa, onde só 2 dos 18 concelhos participam, e um
máximo de 100% na Guarda, onde todos os 14 concelhos participam, de alguma forma, no
programa. A mesma variação se observa quando comparadas as percentagens de freguesias
participantes. Os distritos mais urbanos do litoral, Lisboa, Porto, Braga, Viana do Castelo e
Coimbra são, a par com Beja, aqueles em que as percentagens de freguesias envolvidas são
menores enquanto Guarda, Bragança, Santarém e Castelo Branco são aqueles em que a
percentagem de freguesias envolvidas é maior.
As diferenças de envolvimento das freguesias está, como vimos na Tabela 1, fortemente
dependente do nível de prioridade em que se insere. Por isso, a terminar, é interessante que
estes dados sejam apresentados por distrito e por nível de prioridade. Os resultados estão
expressos na Tabela 3.
Tabela 3. Freguesias envolvidas no PAS por nível de prioridade, organizadas por distritos.
Número de
freguesias
envolvidas
Número
total de
freguesias
Percentagem
Número de
freguesias
envolvidas
Número
total de
freguesias
Percentagem
Número de
freguesias
envolvidas
Número
total de
freguesias
Percentagem
Aveiro 5 18 27,8 12 20 60,0 3 109 2,8
Beja 3 8 37,5 2 6 33,3 0 61 0,0
Braga 8 25 32,0 10 62 16,1 3 261 1,1
Bragança 64 78 82,1 39 67 58,2 20 80 25,0
C. Branco 25 41 61,0 11 24 45,8 9 54 16,7
Coimbra 3 10 30,0 2 45 4,4 5 101 5,0
Évora 0 0 0,0 3 3 0,0 10 66 0,0
Faro 11 15 73,3 8 13 61,5 1 39 2,6
Guarda 34 56 60,7 72 103 69,9 50 83 60,2
Leiria 5 5 100,0 11 29 37,9 5 76 6,6
Lisboa 0 1 0,0 2 8 25,0 3 125 2,4
Portalegre 7 12 58,3 4 10 40,0 2 47 4,3
Porto 4 17 23,5 3 31 9,7 5 195 2,6
Santarém 7 11 63,6 20 34 58,8 28 96 29,2
Setúbal 0 0 0,0 4 9 0,0 0 46 0,0
Viana do Castelo 8 50 16,0 3 49 6,1 2 109 1,8
Vila Real 23 53 43,4 23 63 36,5 5 81 6,2
Viseu 12 46 26,1 18 92 19,6 10 139 7,2
Total 219 446 49,1 247 668 37,0 161 1768 9,1
Distrito
1º Nível 2º Nível 3º Nível
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Como se pode ver na Tabela 3, a percentagem de freguesias de nível 1 abrangidas pelo
Programa é, no global de 49,1%, como já tínhamos observado na Tabela 1, mas continua a
existir uma grande variabilidade. Enquanto em Leiria, Bragança, Faro, Santarém, Castelo
Branco ou Guarda, mais de 60% das freguesias de nível 1 participam no programa, em Viana
do Castelo, Porto, Viseu, Aveiro ou Coimbra tal acontece apenas com menos de 30% das
freguesias de maior prioridade. Pelo contrário, mais de 60% das 83 freguesias consideradas
não prioritárias no distrito da Guarda participaram no programa.
É preocupante a existência de um número ainda importante de freguesias de nível 1 que não
participam. O seu número é de 227, sendo muito inferior ao das freguesias de nível 2 e 3 que
estão envolvidas no PAS, pelo que se questiona o critério de escolha das freguesias
participantes, que possivelmente não terá tido em conta a respetiva prioridade.
Podemos também analisar os valores absolutos das aldeias que participam no PAS em função
do nível de prioridade. Na Tabela 4 estão somados os números de aldeias que participam, de
acordo com o nível de prioridade da freguesia em que se situam.
Tabela 4. Total de aldeias das freguesias envolvidas no PAS por nível de prioridade da freguesia.
Prioridade Número de aldeias envolvidas
Nível 1 767
Nível 2 727
Nível 3 442
Total 1936
Como se pode verificar na Tabela 4 o número de aldeias participantes nos níveis 1 e 2 são
muito semelhantes, o que se poderia aceitar se o nível de cobertura do programa fosse de
quase total abrangência das aldeias situadas em freguesias de nível 1, o que está ainda muito
longe de estar conseguido. No entanto, o Despacho n.º 2616/2020, de 26 de fevereiro, veio a
estabelecer apenas uma classe de prioridade que, no essencial, integra as freguesias de 1.º
nível e muitas de 2.º nível de prioridade. Ainda assim, a existência de 442 aldeias consideradas
não prioritárias (3.º nível) e que estão integradas no programa faz questionar a coerência dos
critérios utilizados. Admitindo que os níveis de prioridade sejam a base de seleção das
freguesias envolvidas no Programa Aldeia Segura, a atual distribuição está longe de ser a
ideal. No entanto, a apetência de freguesias classificadas como não prioritárias para
participação no programa poderá ser indicador de que os critérios que estiveram na base
daquela classificação não serão os mais adequados.
Quer a metodologia empregada na definição do critério de prioridades – que tem em conta
sobretudo o coberto vegetal e o seu valor e não considera a componente do edificado, quer o
facto de a sua aplicação poder levar a um mapa de definição de prioridades que se pode
alterar em cada ano, não nos parecem ser adequados à implementação de um verdadeiro
programa plurianual de proteção das comunidades, que deve beneficiar de uma estabilidade
temporal de alguns anos e ser suportado por critérios mais diretamente relacionados com o
risco da IUF, que são hoje bem conhecidos e que refletem melhor a complexidade do problema
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crucial que está subjacente à defesa da vida das pessoas.
No relatório de 2019 da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada
de Fogos Rurais (EMISGFR, 2019), sobre a atividade do Sistema no ano de 2018, refere-se a
realização de um estudo pelo ISA para a definição de prioridades de intervenção destinado à
defesa de pessoas e bens e gestão de combustíveis, com o mapeamento da perigosidade do
contexto de mais de 20 mil lugares (lugares com 10 ou mais habitações). Presumimos que este
estudo possa servir de base aos trabalhos de definição de prioridades destes programas.
5.2.5 Indicadores de execução do programa
A fim de compreendermos a evolução dos PAS/PPS em termos de execução financeira e física
ao longo do tempo, e na ausência de um relatório detalhado específico destes programas,
fomos consultar os relatórios da ANEPC, da EMISGFR e da AGIF, referentes aos anos de
2018 e 2019.
Intencionalmente transcrevem-se alguns parágrafos daqueles Relatórios, para colocar em
evidência a falta de homogeneidade no tratamento dos dados, que conduz à dificuldade que
sentimos para analisar objetivamente o desenvolvimento destes programas.
No relatório da ANEPC referente ao ano de 2018 (ANEPC, 2019) é percetível que os PAS/PPS
não estavam previstos no programa de atividades da Autoridade para esse ano. Tratando-se
do ano de arranque dos programas, refere-se que foi elaborada e aprovada uma proposta de
Protocolo a assinar entre o MAI, a ANMP e a ANAFRE, respeitante aos Programas «AS» e
«PS». Foi igualmente apresentado um Guião de Apoio às câmaras municipais e juntas de
freguesia para os mesmos Programas.
O orçamento da ANEPC em 2018 foi reforçado em 796,4 milhares de euros, para aquisição de
bens e serviços no âmbito do Programa «Aldeia Segura/Pessoas Seguras». Foi apresentada
uma candidatura ao POSEUR, designada por Ações de sensibilização e comunicação no
âmbito dos Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras» para prevenção do Risco de
Incêndios Florestais, no montante de 2180,7 milhares de euros, repartido por 2018 e 2019
(1373,3 e 807,4 milhares de euros, respetivamente). No decorrer de 2018 verificaram-se
pagamentos no montante de 1206,0 milhares de euros. Na área da Comunicação e
Sensibilização, no âmbito da Diretriz n.º 2, é referida como sendo uma das três atividades a
realizar a de «Assegurar a participação no Programa ‘Aldeia Segura’ e ‘Pessoas Seguras’».
Por sua vez na Área de Planeamento e de Emergência, na Diretriz n.º 2, inclui-se, como uma
das três atividades, a de Desenvolver instrumentos de apoio à implementação à escala local
dos Programa «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras», incluindo a elaboração de planos tipo de
evacuação ou de abrigo/refúgio. Refira-se que ao longo de 2018, os Programas «Aldeia
Segura» e «Pessoas Seguras» abrangeram um total de 1793 aglomerados, de 117 municípios.
No mesmo relatório, mas na seção referente ao SIOPS, é referido que: a coberto deste
programa, foram já abrangidos 1809 aglomerados populacionais, tendo sido designados 1380
oficiais de segurança local e identificados 1144 locais de abrigo e 1103 locais de refúgio e
implementados 611 planos de evacuação.
No Relatório da ANEPC referente ao ano de 2019 (ANEPC, 2020), refere-se, na sua Diretriz n.º
2, que no Programa Aldeia Segura Pessoas Seguras, foi assegurada a continuidade das ações
de sensibilização, designadamente através de fomento e apoio a ações locais, e através de
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campanha de difusão nos media nacionais, televisão, rádio e web. A coordenação da
implementação dos PAS e PPS, na ANEPC está a cargo da Direção Nacional de Prevenção e
Gestão de Riscos, no âmbito dos chamados Programas de Proteção de Aglomerados
Populacionais e de Proteção Florestal. Entre as medidas externas de reforço positivo do
desempenho é referida a dinamização do Programa Aldeia Segura Pessoas Seguras e no
capítulo de Publicidade institucional é feita exclusivamente referência à campanha de
sensibilização, no âmbito do Programa «Aldeia Segura Pessoas Seguras», difundida durante o
mês de julho de 2019, na televisão, rádio e internet.
Neste Relatório refere-se que em maio de 2019 fora estabelecido pela Tutela, como meta, o
envolvimento de 190 municípios no PAS. Ao estarem envolvidos 206 municípios, no final de
2019, considerou-se esta meta como tendo sido ultrapassada. Desconhecemos a base do
estabelecimento da referida meta. Na apresentação das despesas realizadas em 2019 no
conceito de «Ações de sensibilização no âmbito do Programa ‘Aldeia Segura Pessoas
Seguras’» é indicado um valor orçamentado de 807,4 mil euros, mas a despesa efetuada foi de
326,6 mil euros, sendo indicado um desvio orçamental de 1641,8 milhares de euros e uma taxa
de execução de 834,4%. Para além do valor importante despendido neste Programa, faz-se
notar a discrepância de valores no desvio orçamental e na taxa de execução. No relato das
atividades realizadas e resultados alcançados refere-se o seguinte, com relevância para esse
estudo:
Foi assegurado o apoio ao desenvolvimento (pelos municípios/freguesias) de planos de
evacuação face ao risco de incêndio rurais para 733 aglomerados;
Foram realizadas 567 ações de sensibilização e 204 simulacros, envolvendo cerca de 30
mil pessoas.
Uma vez mais, no mesmo relatório, na análise do SIOPS, refere-se que no âmbito dos
Programas «Aldeia Segura» e «Pessoas Seguras», registou-se em 2019 um aumento de cerca
de 10% no número de aglomerados populacionais envolvidos (os quais totalizavam 1963 no
final do ano) e de 15% no número de oficiais de segurança local identificados (valor acumulado
de 1555). Desde o lançamento dos Programas, em 2018, foram identificados 1246 locais de
abrigo e 1185 locais de refúgio (em 1507 aglomerados) e implementados 733 planos de
evacuação. Foram ainda realizados 204 exercícios, que envolveram mais de 8500 cidadãos e
desenvolvidas cerca de 600 ações de sensibilização junto da população, que atingiram perto
de 25 mil pessoas.
No relatório de 2019 da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada
de Fogos Rurais (EMISGFR, 2019), sobre a atividade do Sistema no ano de 2018, não se faz
referencia explicita aos PAS e PPS.
No Relatório sobre a atuação do SGIFR em 2019, (AGIF,2020), a propósito dos PAS e PPS,
diz-se que em 2019 tinham sido implementadas ações destes Programas em 170 novos
aglomerados, abrangendo 64 freguesias e 17 concelhos. Neste âmbito, refere-se que foram
designados 173 novos oficiais de segurança local (OSL), realizados 101 simulacros com 3372
participantes, elaborados 115 novos planos de evacuação e identificados 120 novos locais de
refúgio/abrigo. Estes são programas plurianuais, já iniciados e monitorizados anteriormente no
âmbito do programa de transformação no ano de 2018, e os dados acumulados de 2018 e
2019 permitiram abranger 1963 aglomerados populacionais, nos quais se verificaram as
seguintes realizações: Oficiais de segurança designados 1555; Abrigos ou refúgios
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identificados 2431; Planos de evacuação elaborados 733; simulacros realizados 204.
Aquele relatório salienta ainda que: das 1963 povoações abrangidas pelos programas, apenas
168 têm implementadas as 4 ações básicas dos mesmos (designação do Oficial de Segurança,
identificação de locais de abrigo ou refúgio, elaboração de plano de evacuação, realização de
simulacro), pelo que as autarquias deverão intensificar o trabalho de mobilização das
comunidades e agentes locais para a importância destes programas. Entende-se também que
devem evoluir para uma lógica de valorização dos aglomerados que cumpram todos os
pressupostos associados, tendo em conta as boas práticas internacionais (Firewise,
FireSmart), podendo desta forma reforçar a cultura de segurança e o programa de educação
previsto no Programa de Ação 20-30. Nesta linha, havendo evidência de que o tipo de
construção e materiais utilizados são fator determinante na extensão dos danos e ameaça à
segurança dos residentes, a adoção de práticas mais seguras e emprego de materiais mais
resistentes, bem como normas de manutenção do edificado, são aspetos que é imperioso
incluir nestes programas.
Na Tabela 5 resumem-se os valores recolhidos nas diversas fontes, podendo-se observar, por
um lado a diversidade de conceitos ou designações envolvidas e, por outro, a discrepância
entre os valores, mesmo quando provenientes da mesma fonte. Este é o caso dos Relatórios
da ANEPC que em páginas diferentes apresentam conceitos ou números diferentes. No
Relatório da ANEPC de 2018 parece que se usa a designação de «Exercícios» para o que é
referido noutros relatórios como «Simulacros». Apesar das inconsistências nos conceitos e nos
números, compreende-se pela análise da Tabela 5 que o PAS teve um arranque muito forte em
2018, cresceu relativamente pouco em 2019 e ainda menos em 2020 (com os dados de 15 de
agosto).
Tabela 5. Evolução do número de indicadores do PAS, de acordo com várias fontes.
Ano 2020
Fonte AGIF ANEPC
Conceito
Pla
nea
men
to
SIO
PS
Pla
nea
men
to
SIO
PS
Dad
os
de
15
de
ago
sto
1 Concelhos envolvidos 117 206 233
2 Freguesias envolvidas 627
3 Aglomerados envolvidos 1793 1809 1963 2133 1992
4 Oficiais de Segurança designados 1380 1555 1555
5 Locais de Refúgio 1103 1185
6 Locais de Abrigo 1144 1246
7 Planos de evacuação 611 733 733 768
8 Simulacros 204 204 242
9 Pessoas envolvidas 30000 8938
10 Ações de sensibilização 600 636
11 Pessoas envolvidas 25000 24772
12 Exercícios 204
13 Pessoas envolvidas 8500
RA ANEPC
2018
RA ANEPC
2019
2431
Ref.
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1 Aveiro 40 3426 10 353 30 30 30 16 28
2 Beja 9 250 7 351 7 7 7 7 7
3 Braga 3 66 3 175 65 64 64 2 16
4 Bragança 45 1658 45 2039 255 247 246 247 247
5 C Branco 72 1648 4 325 147 147 107 4 9
6 Coimbra 52 1807 4 215 45 41 37 2 44
7 Évora 15 350 5 110 17 14 14 16 17
8 Faro 172 11285 43 776 133 130 92 37 94
9 Guarda 17 614 23 1732 446 356 354 186 433
10 Leiria 29 392 12 450 161 159 82 35 159
11 Lisboa 0 0 1 0 16 16 16 12 16
12 Portalegre 14 332 6 189 26 26 25 25 26
13 Porto 8 200 3 223 8 8 8 5 8
14 Santarém 40 896 26 670 260 240 148 60 137
15 Setúbal 34 567 3 80 5 5 5 5 5
16 V Castelo 14 376 7 315 31 31 29 8 24
17 V Real 31 103 4 0 178 178 170 27 113
18 Viseu 41 802 36 935 162 154 146 74 154
636 24772 242 8938 1992 1853 1580 768 1537
Ref.Realizadas
Nº de
participa
Realizad
os
Nº de
Participant
Nº
Aglom
Nº Aglom
c/ OSL
Nº de
OSL
Nº de
planos
Nº Aglom
c/
Distrito
Ações de
sensibilizaçãoSimulacros/Exercícios Aglomerados envolvidos
Em agosto de 2020 a ANEPC facultou ao Observatório um conjunto de dados sobre a
concretização dos PAS, com referência à data de 15 de agosto (Tabela 6). Iremos basear-nos
nessa informação para analisarmos a situação atual dos programas.
Tabela 6. Súmula das ações realizadas no PAS e reportadas pela ANEPC à data de 15 de agosto de 2020.
5.3 Resultados operacionais
Para uma verdadeira avaliação do PAS importaria realizar um trabalho de campo para
conhecer e avaliar a realidade de pelo menos um número significativo de aldeias que
permitissem verificar as condições de implantação, funcionamento e manutenção do programa
em cada local, bem como os seus efeitos ou resultados operacionais.
Neves (2019) efetuou uma avaliação desta natureza a um conjunto limitado de aldeias da
Freguesia de Sarzedas (C. Branco), tendo incidido em particular na aldeia de Lisga. Este autor
procura estabelecer um paralelo entre as medidas de proteção que existem em meios urbanos
com os dos meios rurais, nomeadamente as preconizadas pelo PAS, concluindo que existem
muitos pontos de convergência, mas verificando que faltam no PAS diferentes elementos
importantes, nomeadamente, nos registos de segurança, nos procedimentos e planos de
intervenção e nos pareceres e inspeções.
Limitar-nos-emos a referir, a título de ilustração, para os três maiores incêndios ocorridos entre
2018 e 2020, as aldeias envolvidas nos PAS/PS, comentando o que nos foi possível apurar a
respeito de algumas situações de que tomámos conhecimento.
No incêndio de Monchique (OTI, 2018), numa envolvente de 5 km em torno do perímetro de
incêndio, foram afetadas ou estiveram em perigo muitas aldeias, como se pode observar na
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Figura 16. Entre estas apenas a aldeia de Alferce foi efetivamente percorrida pelo incêndio.
Figura 16. Mapa da região afetada pelo incendio de Monchique, em 2018, com indicação das aldeias das
freguesias envolvidas no PAS. (Fonte: ANEPC e ICNF).
Como se concluiu no Relatório do Observatório sobre aquele incêndio (OTI, 2018), a população
sentia-se segura devido a atividade de prevenção realizada, preferindo manter-se na aldeia,
revertendo uma decisão de evacuar a aldeia. Acresce que a rota de evacuação não era
adequada. A aldeia de Marmelete, participante no PAS, tinha um conjunto de faixas de gestão
de combustível preparado. Não tendo sido afetada pelo incêndio, esteve em perigo e a sua
população organizou-se, com o enquadramento da junta de freguesia, para enfrentar a
situação. Também nesta aldeia estava prevista uma evacuação na madrugada do dia 6 de
julho, mas que não chegou a ter lugar.
Nos incêndios ocorridos em Vila de Rei, Sertã e Mação, em 2019 (cf. OTI, 2019), encontramos
uma situação semelhante, como se mostra na Figura 17, onde se pode ver que apenas uma
aldeia, S. João do Peso, do PAS foi atingida pelo incêndio. Houve outras duas aldeias
envolvidas no PAS, Vilar do Ruivo e Alvado, que não aforam atingidas.
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Figura 17. Mapa da região afetada pelo incêndio de Vila de Rei, em 2019, com indicação das aldeias das freguesias envolvidas no PAS (Fonte ANEPC e ICNF).
No incêndio de Proença-a-Nova, iniciado em Cunqueiros a 13 de setembro de 2020, foram
atingidas pelo incêndio, em geral com grande violência, um grande número de aldeias e
lugares, entre as quais, Lisga, Alvito da Beira, Vidigal, Estreito, Retaxo e Sarnadas de São
Simão, envolvidas no PAS (Figura 18). Não houve vítimas a lamentar, nem existe registo de
perda de casas de habitação na área do incêndio. Foi valorizada a atividade de prevenção,
existente em particamente todas as aldeias, que permitiu às pessoas manterem-se em
segurança, sem a necessidade de se retirarem à última hora. Temos conhecimento de que na
aldeia de Lisga a população optou por permanecer em casa, sem que tenha havido alguma
ação coletiva de retirada das pessoas para o refúgio ou para fora da aldeia. O Observatório
produzirá também uma avaliação deste incêndio.
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Figura 18. Mapa da região afetada pelo incêndio de Cunqueiros, Proença-a-Nova, em 2020, com indicação das aldeias das freguesias envolvidas no PAS. (Fonte ANEPC e ICNF).
6. O Programa de Transformação da Paisagem e o «Condomínio de
Aldeias»
Conforme já por diversas evidenciado em anteriores Estudos Técnicos do Observatório e em
muitas outras análises, reconhece-se que a segurança das pessoas e aglomerados
populacionais depende em grande parte da envolvente florestal, o que tem dado origem a um
interesse particular pela questão da gestão do risco na interface Urbano Florestal (IUF), como
anteriormente referido. A importância das zonas de interface urbano-florestal tinha sido já
reconhecida na legislação nacional no âmbito do Plano e do Sistema Nacional de Defesa da
Floresta Contra Incêndios, cujas medidas e ações a desenvolver foram especificadas no
Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho.
Uma medida legislativa recente assumida pelo Governo (Resolução do Conselho de Ministros
n.º 49/2020, de 24 de junho), que pretende complementar as ações destinadas a «melhorar a
proteção de pessoas e bens, e dos edificados na interface urbano-florestal, com a
implementação e gestão de zonas de proteção aos aglomerados e de infraestruturas
estratégicas, identificando pontos críticos e locais de refúgio», no âmbito do Programa de
Transformação da Paisagem, consistiu na criação do chamado «Condomínio de Aldeias».
Esta medida destina-se a assegurar a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados
populacionais, em particular nas áreas de grande densidade florestal e elevado número e
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dispersão de pequenos aglomerados, com um nível de exposição mais severo a potenciais
consequências resultantes da ocorrência de um incêndio rural. Apresenta-se como um
programa de proteção aos aglomerados através de ações de gestão, ordenamento e
reconversão florestal para outros usos, de modo a maximizar a resiliência da população e a
eficácia e eficiência da ação concertada, quer para a defesa contra incêndios rurais, quer para
a proteção de pessoas e bens. O Programa propõe-se motivar os proprietários a assumir a
limpeza dos terrenos em redor dos aglomerados ou outro tipo de gestão, não como um custo
ou obrigação, mas fomentando a obtenção de rendimentos adicionais, pela utilização efetiva do
solo, em atividades produtivas.
O Programa propõe-se investir verbas do Fundo Ambiental, num total de 2,7 milhões de euros
entre 2020 e 2022, em projetos a submeter pelas autarquias, mas com a obrigatoriedade de
envolver as populações locais. O financiamento a atribuir a cada «Condomínio de Aldeia», que
será no máximo de 25 mil euros, destina-se a suportar ações realizadas numa faixa envolvente
da aldeia com uma largura compreendida entre 100 e 1000 metros.
Embora a finalidade expressa seja a de proteger os aglomerados na IUF, nos critérios de
avaliação das candidaturas é mencionado o «grau de exposição ao risco de incêndio», tendo
por base o declive e a densidade florestal na envolvente, mas não se explicita o modo como
estes dois fatores serão combinados para estimar o referido risco.
No Relatório do Fundo Ambiental de avaliação das candidaturas ao Programa Condomínio de
Aldeias, reitera-se que esta é uma medida complementar ao Programa «Aldeia Segura». O
concurso em apreço foi aberto em julho de 2020 sendo dirigido a municípios nas serras de
Monchique e de Silves e aos municípios integrados no Programa de Revitalização do Pinhal
Interior.
Foi anunciado que a dotação seria de 400 mil euros, quando na RCM se indicava que o
orçamento disponível era de 200 mil euros, tendo a verba final atribuída superado os 500 mil
euros. Com uma taxa de financiamento a 100%, foi anunciado que cada candidatura poderia
ter um apoio até 50 mil euros, para um ou mais condomínios de aldeia. Esta disposição
contraria o que foi anunciado na RCM em que se limita o apoio a cada condomínio de aldeia a
25 mil euros. Neste concurso foram recebidas, admitidas e avaliadas 11 candidaturas. O
Relatório indica que foram todas aprovadas para financiamento, num valor que totaliza os
503,3 milhares de euros (Tabela 7). Sendo que a verba a atribuir a cada aldeamento seria no
máximo de 25 mil euros, supomos que este programa irá contemplar, no mínimo, 22 aldeias,
mas desconhecemos quais as que irão beneficiar deste financiamento.
Tabela 7. Municípios beneficiados no Programa Condomínio de Aldeias em 2020 e respetivo financiamento.
Município Solicitado (milhares
de euros) Atribuído (milhares de
euros)
Monchique 46,6 46,6
Góis 49,7 49,7
Ansião 15,4 15,4
Oleiros 41,7 41,7
Proença-a-Nova 52,4 50,0
Penela 56,5 50,0
Silves 54,5 50,0
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Município Solicitado (milhares
de euros) Atribuído (milhares de
euros)
Lousã 50,0 50,0
Alvaiázere 50,0 50,0
Vila Nova de Poiares 54,0 50,0
Sertã 53,0 50,0
Total 503,3
A fim de analisar a articulação ou complementaridade entre os Programas «Aldeia Segura» e
«Condomínio de Aldeias», tomando como referência os apoios financeiros concedidos no
âmbito deste último programa, fomos ver qual a incidência de freguesias em cada uma das
prioridades nos concelhos que foram financiados, a fim de procurar compreender a relação
entre os dois programas.
Com os dados disponíveis foi-nos possível construir a Tabela 8, em que se mostra, para cada
concelho, o número de freguesias e o respetivo número de aldeias envolvidas no Programa
«Aldeia Segura» em cada prioridade.
Tabela 8. Municípios apoiados no Programa Condomínio de Aldeias em 2020, com indicação do número de freguesias por nível de prioridade e do número de aldeias envolvidas no Programa Aldeia Segura, por nível de
prioridade.
Se tomarmos em conta o critério de prioridade adotado no PAS, podemos verificar que quatro
destes concelhos não têm qualquer freguesia no nível de prioridade 1. E como se pode ver
também nesta Tabela, dois dos concelhos financiados não têm qualquer aldeia envolvida no
PAS, quatro têm uma aldeia cada e um tem duas aldeias. Apenas quatro concelhos têm
aldeias de prioridade 1 envolvidas no PAS. Esta situação demonstra pouca coerência entre os
dois programas, mas podemos admitir que esta seja uma situação transitória, uma vez que
todos os concelhos poderão vir a aderir ao PAS e a envolver mais aldeias.
A comparação efetuada, embora exploratória, mostra que a articulação entre os dois
programas deverá ser melhorada.
1 2 3 1 2 3
1 Alvaiázere 0 4 1 67 0
2 Ansião 0 2 3 1 0
3 Góis 1 3 0 17 0
4 Lousã 0 4 0 0
5 Monchique 1 2 0 1 1
6 Oleiros 7 3 0 7 3
7 Penela 0 3 1 1 0
8 Proença-a-Nova 3 1 0 3 1
9 Sertã 3 6 1 0 0 0
10 Silves 1 1 4 0 1 0
11 Vila Nova de Poiares 1 1 2 0 0 1
Freguesias Aldeias env.
MunicípioRef. Prioridade Prioridade
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7. A operação «Floresta Segura» da GNR
É de referir neste contexto a contribuição da GNR que implementou, desde 15 de janeiro de
2020 a operação «Floresta Segura 2020», com o objetivo de contribuir «para a segurança das
pessoas e para a preservação do património florestal, salvaguardando, a segurança dos
militares envolvidos na operação». Esta operação envolve ações de sensibilização dirigidas
aos cidadãos e organizações com vista à modificação de comportamentos e à adoção das
melhores práticas de segurança individual e coletiva, tentando despertar consciências para a
importância da adoção de medidas de autoproteção e para redução do risco de ocorrência de
incêndios rurais. Esta operação envolve também atividades relacionadas com gestão de
combustível e fiscalização.
A GNR prioriza a sua intervenção nas freguesias identificadas prioritárias, tendo por base o
Despacho n.º 2616/2020, 26 de fevereiro, do Gabinete da SEAI e SECNFOT. O número de
ações de sensibilização levados a cabo pela GNR envolveram, até agosto de 2015, e apesar
da pandemia, 3912 ações de Sensibilização, nas quais estiveram presentes mais de 57 mil
pessoas. Ainda no âmbito da prevenção, até ao final de março, no decurso da monitorização
das 1114 freguesias prioritárias e outras 710 freguesias não prioritárias, foram sinalizadas
24186 situações passíveis de infração e em incumprimento às regras de gestão de combustível
impostas pelo Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho. Estas situações de incumprimento são
comunicadas às autarquias, no sentido de informar o incumprimento e possibilitar a eventual
necessidade de se substituírem aos proprietários, essencialmente nos casos que requerem
especiais cuidados de proteção, como os aglomerados populacionais e edificado inserido em
espaço rural. Até ao final de junho são áreas prioritárias de fiscalização as faixas de gestão de
combustível previstas no Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, na sua redação atual.
Neste contexto, a Guarda desenvolveu uma plataforma para a georreferenciação em todo o
território de todos os locais que carecem de ações de gestão de combustível. Em 15 de agosto
a GNR indica já terem sido fiscalizadas 12 206 situações do universo das 24 186 situações
passíveis de infração e em incumprimento às regras de gestão de combustível (sinalizadas até
final de março), tendo-se verificado o cumprimento voluntário em 6768 situações e o
incumprimento em 5438, situação que continuava a ser monitorizada.
8. Experiências internacionais de referência
Noutros países com os mesmos problemas de incêndios que afetam a interface, surgiram
iniciativas e programas que se encontram muito desenvolvidas e maduras, sendo que haveria
toda a vantagem em conhecê-las melhor e adotar o que seja aplicável ao nosso País.
Apresentam-se de seguida exemplos de iniciativas e programas de referência.
8.1 Comparações internacionais de normas e regulamentos
Uma das áreas em que a proteção das comunidades pode ser melhorada substancialmente é a
da melhoria da resistência das habitações ao risco de incêndio. Para além das normas
referentes à gestão de combustíveis em torno das habitações, que já foram objeto de análise
noutros documentos (cf. OTI, 2019, Viegas et al., 2020), existe um conjunto de normas
referentes à construção de habitações em zonas sujeitas ao risco de incendio. O cumprimento
destas normas poderá contribuir significativamente para tornar as habitações menos
vulneráveis ao risco de incêndio, conferindo assim uma maior segurança aos seus utentes.
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Desta forma, os habitantes poderão refugiar-se nas casas e permitirão também libertar os
recursos afetos ao combate para intervir na frente de fogo, onde for mais conveniente, para
evitar a propagação descontrolada do incêndio.
Num relatório de projeto já citado (House Refuge, 2020), encontra-se uma resenha da
legislação portuguesa aplicada à interface urbano florestal. Nele podem-se encontrar
referências e comentários à legislação correspondendo a:
1. Gestão de combustíveis;
2. Condicionamentos à construção;
3. Segurança Contra Incêndios em edifícios;
4. Medidas sobre seguros;
5. Medidas de natureza fiscal e financeira;
6. Medidas de natureza sancionatória.
A experiência internacional é aqui muito relevante. Fora de Portugal, sobretudo em países
sujeitos a risco de incêndio florestal elevado, existe um conjunto de leis e regulamentos, alguns
emanados de entidades profissionais especializadas, que merecem ser estudados e
analisados, com vista a avaliar a sua aplicabilidade ao nossos País. Neste sentido parecem-
nos ser de particular interesse as normas de outros países europeus, tais como a França e a
Espanha, bem como as dos Estados Unidos da América (NFPA, 2013), do Canadá e da
Austrália.
Existem compilações gerais de legislação sobre a floresta e os incêndios, como por exemplo o
relatório da FAO, de Cirelli (2009), ou estudos mais especializados, focados nos problemas da
IUF, como o de Intini (2019), que compara as leis dos principais países e instituições
internacionais que têm abordado o problema. A título de exemplo, reproduzimos na Tabela 9
um quadro deste autor, no qual se listam os principais tópicos de legislação aplicável e o nível
de aprofundamento das leis em diversos países, incluindo a União Europeia. Neste quadro, a
cor mais escura corresponde a um maior desenvolvimento das leis e normas, sendo que a cor
branca significa a quase ausência de legislação específica. Como é visível neste quadro a
União Europeia tem um deficit de legislação importante nesta matéria. A entidade designada
por IWUIC é um Conselho Internacional de Normalização para a IUF.
Tabela 9. Estado de desenvolvimento de legislação específica sobre problemas da IUF em diferentes países. O nível de cor corresponde ao estado de desenvolvimento da legislação, sendo que o mais escuro corresponde a
um maior desenvolvimento. (Adaptado de Intini, 2019).
Esta
do
s U
nid
os
da
Am
éri
ca
Cal
ifó
rnia
1 Risco
2 Território
3 Normas de construção
4 Recursos de combate
5 Medidas de proteção
6 Ambiente
7 Acessos
Euro
pa
IWU
IC
Ref. Conceito
EUA
Can
adá
Au
stra
lia
No
va Z
elâ
nd
ia
Fran
ça
Itál
ia
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8.2 Programas Firewise e Firesmart
O programa Firewise é uma iniciativa que se desenvolveu nos EUA, com a finalidade de
preparar as comunidades rurais a proteger as suas zonas de residência e os seus habitantes
para enfrentarem os incêndios florestais. Tendo sido desenvolvidas num país em que a
realidade dos incêndios e a tipologia das habitações é muito diferente da que se encontra, por
exemplo, em Portugal, este programa contém um conjunto de principios que o tornam
recomendáveis para ser aplicado em diversos países do Mundo, como tem vido a acontecer.
Nos EUA o programa Firewise USA® é administrado pela Associação Nacional de Proteção
contra o Fogo (NFPA) e é suportado financeiramente pelos Serviços Florestais (USDA Forest
Service) e pela Associação Nacional dos Florestais Estatais (National Association of State
Foresters).
O programa procura trabalhar em cada comunidade, com grupos de pessoas, com diversas
funções na sociedade e com diferentes formações, para serem sensibilizadas e adquirem
formação sobre o risco de incêndio, para se organizarem, definirem diretrizes operacionais e
atuarem junto de outros membros da comunidade na sua área geográfica, para aumentar a
resistências das casas e da comunidade ao fogo e para reduzir o risco de incêndio na
vizinhança. Trata-se por isso de um programa continuado que procura atuar de uma forma
capilar, com procedimentos monitorizados e organizado a partir de pequenos grupos, de modo
a alterar o comportamento das pessoas. O programa está muito disperso nos EUA e o seu
historial contém muitos casos de sucesso de comunidades que melhoraram em grande medida
as condições de risco na sua área de residência e que fizeram a diferença em vários grandes
incêndios.
Dado seu sucesso, o programa tem-se expandido a outros países, podendo-se ver no respetivo
site referência à existência de programa Firewise, pelo menos, nos seguintes países:
Austrália
Canadá
Chile
Itália
Líbano
Africa do Sul
Espanha
Reino Unido
Nova Zelândia.
Existem referências a outras iniciativas, noutros países, nomeadamente na Europa, mas não é
mencionada a existência de qualquer delegação deste programa em Portugal.
Temos conhecimento de que existem outros programas semelhantes ao Firewise, mas com a
mesma finalidade, em diferentes países e consideramos que algo da mesma natureza deveria
ser promovido em Portugal, preferencialmente associado ao PAS.
O programa FireSmart é semelhante ao Firewise, sendo implementado no Canadá desde 1990.
Está baseado numa rede que envolve entidades do sistema científico, pelo que o FireSmart
Canada promove programas baseados em resultados científicos comprovados para reduzir o
risco das comunidades. Em colaboração com diversas agências, promove a educação e a
sensibilização, de forma a melhorar a segurança na IUF.
O programa teve início numa iniciativa de um conjunto de entidades que se associaram com a
designação de Partners in Protection (PiP). Em 2008 a PiP foi convidada pelo Governo
Canadiano para lançar o FirSmart Program a nível nacional, baseado no modelo desenvolvido
pelo Firewise Neighbourhoods/USA®. Este programa adquiriu um novo impulso após o grave
incêndio de Fort McMurray de maio de 2016.
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8.3 Working on Fire
O Programa «Working on Fire» (WOF) é um programa suportado pelo Governo da África do
Sul cuja implementação está a cargo de uma entidade privada. Embora se trate de uma
atividade num contexto socioeconómico e ambiental muito diferente do de Portugal, constitui
um programa interessante que tem sido adotado por outros países. Uma das componentes
deste programa é o de trabalhar com as comunidades a fim de criar sensibilidade para o
problema do fogo e para incentivar a sua prevenção.
Esta dimensão tem alguma semelhança ao programa Firewise, embora opere numa sociedade
com um nível educacional e económico diferente do que se encontra nos EUA ou na Europa.
Dispõe do suporte de uma entidade ativa, que emprega recursos humanos e financeiros
importantes, com apoio local, junto de um grande número de comunidades afetadas pelo risco
de incêndo naquele País. Por conhecimento direto pudemos avaliar o efeito muito positivo que
o WOF tem na sensibilização das populações e no seu empenho nas tarefas de prevenção e
de autodefesa.
Por iniciativa da AGIF, uma delegação deste programa Sul-Africano deslocou-se a Portugal,
tendo realizado diversas ações de sensibilização da população e das autoridades, em 2019.
Desconhecemos a continuidade dada a estas ações ou a sua articulação com os PAS/PPS.
9. Conclusões e Recomendações
Os Programas Aldeia Segura e Pessoas Seguras constituem, no seu conjunto, uma iniciativa
muito válida, que vai ao encontro do que deve ser a primeira prioridade do sistema de defesa
da floresta, que é a salvaguarda da vida das comunidades que vivem nos meios rurais, em
geral em aldeias ou lugares sujeitos a um elevado risco de incêndio.
A designação dos Programas, que é atualmente a de «Programa Aldeia Segura» e «Programa
Pessoas Seguras», deveria ser repensada, visto dar a ideia de se tratarem de dois programas
separados, o que na prática e na opinião pública não acontece. Talvez se pudesse designar
«Programa Aldeia Segura e Pessoas Seguras», mantendo a ideia de que se trata de duas
realidades distintas – as casas e as pessoas – mas mostrando que a proteção de uma implica
a das outras.
Embora estejam bem fundamentados conceptualmente, correspondendo às prioridades de
ação que são definidas em programas congéneres noutros países, a sua implementação em
Portugal parece ainda incipiente, com uma hierarquia das atividades pouco desenvolvida. O
Programa é muito ambicioso e abrangente, mas a sua implementação não tem uma estrutura
de suporte adequado. É manifesto que faltam na ANEPC recursos para levar a efeito um
programa desta natureza e importância. Alguma inconsistência nos dados que reportam a
atividade do Programa em alguns relatórios consultados, constitui um reflexo desta
insuficiência. A concretização deste Programa requeria um trabalho profundo e continuado com
as comunidades, que exige meios humanos formados e recursos financeiros, por parte de
quem gere o Programa.
O Programa deverá ser suficientemente robusto para ter capacidade para ultrapassar
dificuldades conjunturais. Temos a perceção de que uma questão menor, como foi o processo
de seleção e aquisição dos componentes de um kit pedagógico, de apoio, se constituiu num
problema importante na implementação de um programa de grande interesse nacional. As
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dificuldades institucionais que gerou reduziram ainda mais o empenho que havia em fomentá-
lo.
Quanto à abrangência territorial, a opção tomada parece ter sido a de estender o programa a
um número tão grande quanto possível de aldeias, mas nem sempre usando os critérios de
prioridade que foram definidos. Esta opção correspondeu certamente a uma dispersão de
esforços, com um número muito elevado de aldeias e de freguesias – algumas de baixa
prioridade - e a uma eventual perda de eficácia do programa. Deverá ser revisto o critério
usado para definir os níveis de prioridade, atualmente baseado em parâmetros que não
consideram a especificidade do risco na interface urbano-florestal.
Quanto às ações a desenvolver, estas estão bem definidas, mas sabe-se que não é suficiente
designar um Oficial de Segurança e realizar um ou mais simulacros, para se assegurar que a
população irá mudar os hábitos e realizar ações de prevenção e de melhoria de
comportamento em caso de incêndio. Possivelmente deveria ser designada uma equipa que
assumisse essa função e apoiasse o OS no desempenho continuado da sua tarefa. Por outro
lado, deverá haver um cuidado redobrado com a consistência das mensagens transmitidas à
população. Conforme se referiu, nalguns simulacros, que membros do OTI acompanharam, foi
veiculada a ideia incorreta de que, em caso de incêndio, os habitantes da aldeia deveriam sair
todas das suas casas e prepararem-se para abandonar a aldeia. Nalguns casos era mesmo
anunciado que se iria proceder à evacuação da povoação num comboio de viaturas, estando a
aldeia já cercada pelo fogo.
Não é claro para nós o papel que a AGIF tem desempenhado neste Programa, para além da
realização de iniciativas, como a que foi mencionada, da visita de uma delegação do programa
WOF e da disseminação no seu website de alguns dos materiais de divulgação criados nos
PAS/PPS. A articulação entre este programa e outros existentes, como o do condomínio de
aldeias, a «floresta segura» da GNR, e outras iniciativas de âmbito privado, não parece ser a
melhor. A AGIF poderia e deveria funcionar como potenciadora da coerência e das sinergias
entre iniciativas já anteriormente em curso, como as ULPC, e os programas atuais da
responsabilidade das várias entidades oficiais e das comunidades.
O papel das autarquias deveria estar melhor definido. Por elas passam todas as iniciativas de
proximidade ao cidadão, desde as unidades locais de proteção civil, às «aldeias seguras» ou
aos «condomínios de aldeia», à intervenção em substituição nas «faixas de gestão de
combustível» próximas dos aglomerados populacionais. A coerência das diversas intervenções
no âmbito municipal passaria pelo apoio à ação conjunta das comissões municipais de
proteção civil e de defesa da floresta contra incêndios nesta matéria.
Deveria haver um mecanismo de acompanhamento, verificação e controlo do programa, de
uma forma mais consistente e regular. Não nos parece ser suficiente apresentar estatísticas de
aldeias aderentes ou de simulacros realizados, pelo que se deveria criar uma metodologia de
avaliação específica, para analisar com mais profundidade o desenvolvimento do programa e
os seus efeitos, nomeadamente nos incêndios passados.
Em nosso entender, deveria investir-se muito mais neste programa, visto tratar-se da maior
prioridade e onde a relação custo-benefício – desde que o dinheiro seja bem empregue – é das
maiores, em toda a atividade de gestão dos incêndios florestais.
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Agradecimentos
Agradecemos à ANEPC e ao ICNF a disponibilidade de dados e de informação que foram
utilizados neste estudo. Agradece-se igualmente ao Mestre Luís Mário Ribeiro, da ADAI, a
disponibilidade para preparar muitos dos mapas que ilustram este estudo.
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