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Sexta-feira, 8 de janeiro de 2021 II Série-E — Número 14

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Observatório Técnico Independente:

Estudo técnico sobre o uso do fogo em Portugal — tradição e técnica.

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ESTUDO TÉCNICO

O Uso do Fogo em Portugal – tradição e técnica

Foto vertical da Capa: Carlos Araújo – Equipa Sapadores Florestais 07-111 (2019)

Citação recomendada:

Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. – Coords. (2020) O Uso do Fogo em Portugal – tradição e técnica Assembleia da República. Lisboa. 133 pp.

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ÍNDICE

SUMÁRIO EXECUTIVO ...................................................................................................................................

ENQUADRAMENTO .........................................................................................................................................

1. O USO DO FOGO – A TRADIÇÃO E A TÉCNICA ......................................................................................

2. CONCEITOS ...............................................................................................................................................

2.1. USO TRADICIONAL DO FOGO ........................................................................................................................

2.2. USO DO FOGO TÉCNICO ..............................................................................................................................

2.3. OS VÁRIOS TIPOS DE USO DO FOGO .............................................................................................................

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA LEGISLATIVA SOBRE O USO DO FOGO EM PORTUGAL .............................

4. O USO DO FOGO E A CAUSALIDADE DE INCÊNDIOS RURAIS.............................................................

4.1. ANÁLISE DAS CAUSAS E O IMPACTO DO USO TRADICIONAL DO FOGO NO PERÍODO DE 2001 A 2020 .....................

5. O FOGO TÉCNICO NA GESTÃO DOS COMBUSTÍVEIS: FOGO CONTROLADO ....................................

5.1. ANÁLISE AO USO DO FOGO TÉCNICO ...........................................................................................................

6. INICIATIVAS PARA A REDUÇÃO DAS OCORRÊNCIAS POR USO TRADICIONAL DO FOGO ..............

6.1. GEFOCO – GRUPO DE ESPECIALISTAS EM FOGO CONTROLADO .....................................................................

6.2. PLANO DE AÇÃO NACIONAL DE REDUÇÃO DO NÚMERO DE OCORRÊNCIAS .......................................................

6.3. PROGRAMA NACIONAL DE FOGO CONTROLADO ............................................................................................

6.3.1. PLANO NACIONAL DE FOGO CONTROLADO .........................................................................................

6.3.2.APOIOS FINANCEIROS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PNFC ......................................................................

6.4. GT REDUÇÃO DE IGNIÇÕES ........................................................................................................................

6.5. PROGRAMA DE REDUÇÃO DO NÚMERO DE IGNIÇÕES DE INCÊNDIOS RURAIS ....................................................

6.6. APOIO ÀS QUEIMADAS EXTENSIVAS ..............................................................................................................

6.7. REGISTO DE QUEIMAS E QUEIMADAS ...........................................................................................................

6.8. APOIO À REALIZAÇÃO DE QUEIMAS – PREVENÇÃO DOS FOGOS FLORESTAIS – 2019 ..........................................

6.9. MECANISMO DE APOIO ÀS QUEIMADAS – AGIF .............................................................................................

7. A REGULAMENTAÇÃO DO USO TRADICIONAL DO FOGO NOUTROS PAÍSES ...................................

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES ...................................................................................

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................

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Sumário Executivo

O uso do fogo em Portugal é tema tratado na legislação e na comunicação social,

principalmente quando está na origem de incêndios rurais. No entanto o tema é complexo, e os

conceitos frequentemente não estão clarificados. Neste contexto, o uso mais popular do fogo é

confundido, de forma errada, com o seu uso mais tradicional e integrado em práticas

ancestrais, das quais apenas restam vestígios. O uso atual do fogo à margem das instituições

e em ambiente rural é essencialmente uma popularização do fogo como ferramenta com a

única função de eliminar resíduos de exploração agrícola ou florestal ou para “limpar” áreas de

matos.

O uso do fogo esteve desde sempre relacionado com o sistema agrário, com particular

incidência a norte do vale do Tejo, pelas caraterísticas da paisagem e das comunidades rurais.

As práticas de queima foram causando conflitos ao longo da história, como mostram diversos

documentos publicados desde o sec. VII. Catorze séculos de legislação e de condicionamento

do uso do fogo, incluindo as mais recentes campanhas de sensibilização, parecem não o ter

desencorajado.

As alterações na paisagem desencadeadas pela migração, envelhecimento da população rural

e perda de usos tradicionais, para além de outos fatores, como as alterações climáticas,

conduziram à necessidade de reduzir a carga de combustível e de proteger os povoamentos

florestais instalados desde o íncio do século XX. O uso institucional do fogo, conhecido em

Portugal como fogo controlado e muito recentemente designado em sentido lato como fogo

técnico, surge no âmbito da defesa da floresta contra incêndios a partir de 1975, através do

empenho e visão do engenheiro silvicultor José Moreira da Silva. No entanto, existem diversas

referências a um uso proto-técnico e pioneiro do fogo desde meados do século XVIII,

destacando-se o Regimento do Guarda Mór do Pinhal de Leiria publicado em 1751,

descrevendo os métodos e as funções dos diversos elementos envolvidos nas queimas para a

defesa do pinhal. Estas referências fazem do nosso País um dos países pioneiros no uso do

fogo técnico.

No período 2001-2020 registaram-se cerca de meio milhão de ocorrências de fogo rural e uma

área ardida de aproximadamente 2,9 milhões de hectares. Neste quadro, a necessidade da

gestão de combustíveis é evidente. Porém, o fogo controlado não é praticado em todo o País,

mantendo-se como uma prática de cariz sub-regional a local. Tal se deve em boa parte à

grande dependência dos recursos e medidas de apoio do Estado e à sua irrelevância fora dos

perímetros florestais.

Este estudo pretende clarificar conceitos, enquadrar historicamente o uso do fogo, diferenciar

uso popular, uso tradicional e uso técnico, quantificar a associação entre o uso popular e

tradicional do fogo e os impactos, analisar o uso técnico do fogo na gestão de combustíveis,

discutir as iniciativas para reduzir ignições associadas ao uso do fogo, e rever experiências

internacionais de apoio ao uso tradicional do fogo, concluindo com recomendações para

melhorar a abordagem nacional a esta questão.

Com o fim de diferenciar o dito uso tradicional do fogo de outros usos e causas de incêndios

rurais, agregaram-se todas as causas relacionadas com essa prática e integradas no modo de

vida das comunidades rurais. Sendo assim, consideraram-se neste estudo as tipologias que se

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identificam como uso tradicional do fogo, mas que poderiam ser melhor designadas como uso

rural ou uso popular do fogo: 1) Queimas agrícolas; 2) Queimas florestais; 3) Borralheiras; 4)

Queimadas pastoris; 5) Queimadas para caça; 6) Queimadas para acessibilidade; 7) e

Queimadas para a proteção contra incêndios. As ocorrências investigadas e aqui classificadas

como de uso tradicional/rural do fogo contribuem cerca de 12,5% para a média da área ardida

anualmente (2001-2020) por incêndios com causas determinadas.

Têm vindo a ser implementadas medidas como a Campanha «Portugal Chama» e o registo das

«Queimas e Queimadas», entre outras iniciativas, com o início do SGIFR (Sistema de Gestão

Integrada de Fogos Rurais) em 2019. Para avaliar o efeito destas iniciativas, em particular na

percepção do risco pelas populações e mudanças no seu comportamento, analisaram-se os

dados referentes a 2019 e 2020, separadamente e relacionando-os com os dados médios do

número de ocorrências e da área ardida do período de 2001 a 2018. A redução verificada em

2020 nas ocorrências com causa no uso do fogo poderá ter sido influenciada pelas restrições

impostas pela pandemia COVID-19. No que respeita à área ardida, aquela correspondente a

ocorrências classificadas como de uso do fogo continuou a ser muito inferior àquela

correspondente a outras causas, como o incendiarismo.

Considerando o universo dos grandes incêndios florestais (superiores a 100 hectares) com

causa apurada, as ocorrências derivadas de causas com origem nos diversos tipos de uso

tradicional do fogo representam cerca de 18% e 12% do número total de ocorrências e área

total ardida, respetivamente.

O Estado desenvolveu e promoveu nas últimas décadas diversas medidas para reduzir o uso

do fogo por parte da população, de forma a o limitar e substituir, a par dos condicionamentos

impostos pela legislação. Contudo, estas iniciativas têm sido pontuais, sem continuidade no

espaço e no tempo e muito dependentes de recursos financeiros, pelo que os objetivos

dificilmente terão sido alcançados. Acresce que a execução física e financeira dos diversos

programas tem ficado abaixo das metas.

Os resultados deste Estudo Técnico evidenciam no seu conjunto alguns factos que importa

considerar, quer em relação ao uso do fogo pela população quer ao uso fogo na sua

componente técnica de gestão de combustível. Sucintamente, considera-se essencial:

i) Definir melhor o uso do fogo tradicional, como continuidade das práticas ancestrais

integradas na gestão dos agrossistemas, diferenciando-o de outras formas de uso

popular do fogo, muitas vezes inadequadas;

ii) Enquadrar legalmente, agilizar e responsabilizar o uso do fogo pelas comunidades

rurais, o que implica alargar a formação aos produtores pecuários e gestores

cinegéticos;

iii) Adoptar e centralizar numa plataforma comum o registo obrigatório de todas as ações

de uso do fogo, quer pela população quer pelos técnicos;

iv) Capacitar e dotar os GTF, reforçando as suas competências técnicas e os seus meios

financeiros, em particular nos concelhos com atividade pecuária extensiva e atividade

cinegética, majorando o apoio ao funcionamento do GTF;

v) Capacitar e reforçar técnica e financeiramente as equipas de Sapadores Florestais, em

particular nos concelhos com atividade pecuária extensiva e atividade cinegética,

contabilizando como Serviço Público as ações nesse âmbito, dadas as implicações

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1. O Uso do Fogo – a tradição e a técnica

O fogo é um processo ecológico e um instrumento ancestral aplicado desde a origem da

humanidade cujos efeitos foram e continuam a ser determinantes na modelação e conservação

das nossas paisagens e dos seus ecossistemas, com particular incidência nos territórios

ocupados por comunidades rurais há vários milénios.

Se por um lado os fogos de origem natural compartimentaram e condicionaram a existência e a

distribuição das florestas ao longo de milhões de anos (Pyne, 1999), por outro lado, importa

perceber que a primeira era energética inicia-se há mais de 300 mil anos quando a espécie

humana começa a usar e a aproveitar a energia da biomassa pelo uso do fogo (Smil, 2004).

Segundo Shimelmitz et al. (2014), os benefícios do fogo para processar alimentos, alterar as

matérias-primas ou modificar propositadamente a ocupação do solo, apenas ocorreriam

quando o uso do fogo passasse de oportunista e ocasional para um uso habitual e regular. Foi

este uso regular que mudou a existência da espécie humana, sendo determinante na sua

evolução física, cognitiva e social, bem como na ocupação milenar das nossas paisagens.

Durante o Neolítico, a par da domesticação de animais para trabalho, a combustão permitiu

produzir ligas metálicas para a elaboração do machado, do arado e da enxada (Ruiz e

Chamorro, 1996) essenciais à expansão da agricultura. A partir da Idade do Bronze a utilização

daquelas ferramentas e do gado em complementaridade com o uso do fogo, permitiu abrir nas

florestas áreas de pastagem e novas terras que foram melhoradas para a agricultura (Devy-

Vareta, 1993). O fogo não é uma ferramenta universal e exclusiva, mas complementar e

complementada que permitiu modelar a paisagem até aos dias de hoje.

Durante o extenso período da ocupação humana no nosso território, com o aumento

progressivo da densidade populacional ao longo dos séculos, o uso regular do fogo e das

demais práticas ligadas ao uso e ocupação do solo, condicionaram a evolução das

comunidades vegetais. A investigação de Knaap e Leeuwen (1994) tendo como espaço de

estudo a Serra da Estrela, aponta para uma evolução holocénica do coberto vegetal derivada

de uma série de episódios de degradação em altitude, cujas principais causas terão sido o uso

do fogo, o pastoreio e a agricultura. Foram favorecidos ecossistemas dependentes e/ou

adaptados ao fogo, sendo disso exemplos os urzais dos planaltos de montanha dependentes

da recorrência intermédia do fogo (Izco, 2006) ou espécies como o pinheiro-bravo, com

elevada resistência ao fogo de intensidade reduzida a moderada (Fernandes et al., 2008) ou

como o sobreiro, que responde melhor à recorrência do fogo do que as demais quercíneas

(Silva e Catry, 2006).

Segundo Pyne (1999) os regimes antropogénicos de fogo são diferentes dos regimes de fogo

natural, pois as primeiras populações humanas, tal como hoje se verifica em muitas

comunidades rurais, tendem a queimar em épocas distintas daquelas em que os fogos naturais

ocorrem, queimando com frequências diferentes, muitas vezes com intensidades também

diferentes e normalmente em associação com outras práticas, tais como o pastoreio, a caça, a

agricultura, a pós-colheita de fenos e o abate de árvores. Estas práticas permitiram criar na

paisagem mosaicos de vegetação natural com clareiras abertas com fogo. A assinatura

humana na paisagem era o fogo (Pyne, 1999), principalmente onde a densidade populacional

era maior e as atividades e práticas dependem dos recursos florestais. Assim, durante milhares

de anos, as técnicas e as práticas foram-se aperfeiçoando, alterando os ecossistemas e a

paisagem até aos dias de hoje. Conforme a região, o modo de uso e ocupação do solo ao

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para a prevenção de incêndios;

vi) Clarificar a credenciação do técnico de fogo controlado e dos níveis operacionais

exigidos numa queima no Regulamento do Fogo Técnico, integrando o uso do fogo

pastoril;

vii) Continuar e reforçar o Programa Nacional de Fogo Controlado promovendo a sua

expansão para englobar os GTF e as equipas de Sapadores Florestais, e integrando o

fogo controlado como ação de gestão do combustível nas zonas de Intervenção

Territorial Integrada, abrangidas pela Rede Natura.

Enquadramento

O uso do fogo por parte da população rural tem merecido um especial enfoque por parte dos

legisladores e dos diversos organismos do Estado, constituindo também um tema mediático,

principalmente quando este uso se encontra relacionado com a origem de incêndios rurais.

Neste contexto, o uso mais popular do fogo é frequentemente confundido, de forma errada,

com o seu uso mais tradicional e integrado em práticas ancestrais, que delas hoje apenas

restam vestígios.

O presente Estudo Técnico procura aprofundar diversas abordagens relacionadas com o uso

do fogo, desde a sua vertente mais popular à sua vertente mais técnica na gestão do

combustível florestal.

Este trabalho compila a principal legislação sobre o uso do fogo pelas populações, publicada

ao longo dos últimos 14 séculos. Neste contexto, é de salientar a primeira referência às penas

aplicadas no âmbito do uso do fogo pelas populações, cuja primeira referência é do século VII,

e do uso do fogo com fins de defesa de povoamentos florestais, a qual remonta a meados do

século XVIII.

Para a elaboração deste estudo, considerou-se também a riquíssima base de dados do

Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Rurais (SGIF) do Instituto da Conservação da

Natureza e das Florestas que compreende cerca de meio milhão de ocorrências que

produziram uma área ardida total acumulada de aproximadamente 2,9 milhões de hectares em

20 anos, entre 1 de janeiro de 2001 e 13 de outubro de 2020.

Igualmente, a plataforma de queimas e queimadas criada pelo ICNF em 2019 fornece

informação de elevado valor sobre a incidência do uso do fogo pela população portuguesa à

escala de freguesia, tendo sido registadas no território continental um total de

aproximadamente 1,2 milhões de queimas autorizadas, entre 1 de janeiro de 2019 a 30 de

setembro de 2020.

Através deste estudo, o Observatório Técnico Independente dá a conhecer o desenvolvimento

deste uso do fogo por parte das populações, essencialmente rurais, os seus principais

impactos, o seu papel como causa de incêndios rurais e de área ardida, bem como fornece o

enquadramento legal para estas atividades baseado numa análise da evolução legislativa

sobre o uso do fogo e numa análise dos diversos programas desenvolvidos na última década

para reduzir o número de incêndios com origem neste uso.

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longo da sua evolução histórica criou paisagens com clareiras ou totalmente desflorestadas,

como registado em diversos documentos dos finais do século XIX e início do século XX. Tal

levou à publicação do Decreto de 25 de novembro de 1886 que cria os Serviços Florestais e

define o Regime Florestal e mais tarde à sua efetiva implementação pelo Decreto de 24 de

dezembro de 1901.

Em geral, a agricultura, a criação de gado e a floresta constituíam um sistema de gestão tendo

por base o uso do fogo e o pousio. A paisagem era dominada por um agrossistema dividido em

ager (terreno cultivado), saltus (pastagens) e sylva (mata), cada um com um regime próprio de

aplicação do fogo. Este sistema criou mosaicos interdependentes e cuja dinâmica era

determinada pela comunidade humana. Este sistema permitiu encaixar cada uma das peças

que compõem a paisagem rural e manter os seus processos ecológicos, onde o fogo

disponibilizava a energia necessária para alimentar e manter a estrurura e dinâmica do

sistema. Quando esta paisagem perde uma das componentes que a formaram e não retém o

fogo antropogénico, então o fogo de origem natural alimentar-se-á do combustível acumulado e

irá impor um regime alternativo de fogo (Pyne, 1996).

A par das mudanças que afetam as comunidades rurais e as paisagens, ocorreu desde o início

do século XX uma maior pressão sobre o uso tradicional do fogo, materializada pela publicação

de diversos diplomas legais até aos dias de hoje que se traduzem no seu condicionamento,

atualmente muito mais restritivo, e, inclusive, na sua criminalização. Embora o arranque deste

processo legislativo se tenha iniciado muito antes, o foco principal não foi tanto o uso do fogo

nem os incêndios florestais, mas sobretudo a atividade de pastoreio. Com a implementação do

Regime Florestal e do Plano de Povoamento Florestal através da Lei n.º 1971 de 15 de junho

de 1938, acentuaram-se os conflitos com as comunidades rurais, desencadeando-se fortes

protestos e resistência às restrições impostas ao usufruto dos montes comunitários (baldios), a

base do sistema agrário das comunidades rurais e daqueles que não possuíam propriedades e

usufruíam de direitos garantidos por tradição ao longo dos séculos, dependendo dos recursos

florestais tais como pastagens, lenhas, madeira, pedra para construção e água de rega, e das

pequenas parcelas do baldio (as “sortes”) para cultivo, imprescindíveis em períodos de fome

(Devy-Vareta, 2003). A imposição autoritária de arborização da paisagem rural, retirando

direitos tradicionais às suas comunidades, incidiu também na perseguição e criminalização de

usos e práticas milenares, em particular o fogo, usado por aquelas como instrumento de

protesto. Segundo Devy-Vareta (2003), a emigração e o êxodo rural para as áreas urbanas do

litoral na década de 60 do século passado desestabilizam as práticas comunitárias tradicionais

e a forte regressão populacional conduziu a acentuada redução do aproveitamento dos

recursos florestais nos baldios, diluindo-se as relações e práticas ancestrais.

O investimento realizado pelo Estado central ao longo de várias décadas após a

implementação do Regime Florestal em 1901 e do Plano de Povoamento Florestal de 1938,

criou vastas áreas, essencialmente de pinheiro-bravo, em conflito com as comunidades rurais,

o que tornou os povoamentos muito vulneráveis ao fogo. A ameaça crescente dos incêndios

florestais levou à exclusão e criminalização do uso tradicional do fogo à medida que os

povoamentos florestais se iam instalando em áreas anteriormente geridas para pastoreio e por

outras práticas tradicionais.

É neste cenário que em 1975 o piro-ecólogo estadunidense Edwin Komarek visita o país, em

particular o Parque Nacional da Peneda-Gerês, a convite do Eng. José Moreira da Silva dos

Serviços Florestais, e ambos ensaiam o uso do fogo controlado. Estes primeiros ensaios

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decorreram nos perímetros florestais do Entre Douro e Minho entre 1976 e 1981. No entanto,

há referências ao uso de fogo, que podemos designar como proto-técnico, desde meados do

século XVIII. Destaca-se o Regimento do Guarda Mor do Pinhal de Leiria mandado publicar

pelo rei D. José I em de 25 de julho 1751, descrevendo os métodos e as funções dos diversos

envolvidos nas queimas para a defesa do pinhal. Outra referência surge em 1836 por Friedrich

Ludwig Wilhelm Varnhagen (1783–1842), o primeiro Administrador Geral das Matas em

Portugal, que no “Manual de instruções práticas sobre a sementeira, cultura e corte dos

pinheiros e da conservação da madeira dos mesmos” descreve o seguinte:

“Tenho com tudo feito a observação que depois que hum pinhal chega a vinte

annos de idade, e tem sido tratado no desbaste como indiquei, ha hum meio

seguro de livrá-lo de ser incendiado no verão, largando-se fogo em dias

seccos de inverno à caruma, que se acha espalhada no chão entre os

pinheiros, pois o fogo queimará a caruma sem prejudicar as raízes dos pinheiros;

e repetindo-se esta operação todos os invernos no pinhal, depois de ter vinte

annos, nunca se correrá o risco de perde-lo por incêndios no estio, quando o fogo

ataca as raízes dos pinheiros e os faz secar. Já se sabe que para se poder fazer

esta operação sem risco, mesmo no inverno, o pinhal não deve ter mato alto de

permeio. Os pinhaes assim acostumados a chamuscar-se-lhe todos os anos o

solo, crescem muito mais, e o benefício que se lhe faz em todo o sentido he

grande. A caruma mais basta e o mato, não obstante esta operação, se

aproveitará antes de se lhe largar o fogo, e ficará sempre tanta, que seja precisa

para entreter o fogo. Esta queima deve fazer-se com vento próprio, largando-se o

fogo do lado oposto ao vento, não devendo este ser muito rijo.”

Igualmente, Tude Martins de Sousa, antigo Regente Florestal na Serra do Gerês, no seu livro

“Mata do Gerês – subsídios para uma monografia florestal”, publicado em 1926, refere-se ao

uso do fogo na prevenção e a necessidade de aprofundar o estudo da técnica:

“Cortes do mato e fogo corrente. — São indubitavelmente meios silvícolas, mas

de que só se lança mão em última e extrema razão. O fogo corrente só destrói o

carvalho branco e deixa os outros, porquanto — faire propre le dessous c'est

tuer la fôret.

Há, pois, que pensar em outros meios menos extremos, menos dispendiosos e

quiçá de maior utilidade, exigindo, contudo, muito estudo.

Estabelecer a rêde de caminhos e linhas de fogo tem todas as vantagens”

Em 1981 o Eng. José Moreira da Silva apresenta ao Instituto Universitário de Trás-os-Montes e

Alto Douro (IUTAD) um plano de fogo controlado em pinhal-bravo para ser monitorizado quanto

aos seus efeitos nas propriedades do solo, na vegetação e nas árvores, bem como para

estudar as técnicas de ignição e condução da queima (Moreira da Silva, 1997). Desde então,

os trabalhos dos Serviços Florestais no uso do fogo técnico foram acompanhados por

investigação científica, o que levou à necessária adequação e adaptação das técnicas de fogo

controlado (Rego, 1986; Botelho et al., 1998a; Moreira et al., 2003).

Em janeiro de 1982 implementa-se o programa de gestão de combustíveis com fogo

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controlado, aplicado ao pinhal-bravo nos perímetros florestais do Entre-Douro e Minho, cuja

área intervencionada com o uso do fogo técnico ultrapassou os 3000 hectares. A execução do

programa esteve a cargo de sete equipas constituídas por um supervisor técnico e 4 a 10

operadores equipados com ferramenta de sapador (Fernandes, 2005).

No período de 1985 a 1989 o uso do fogo técnico pelos Serviços Florestais desacelerou, para

voltar a ganhar uma nova dinâmica entre 1990 e 1993, com intervenções em povoamentos

jovens. A partir de 1994, o fogo controlado reduz-se a ações muito pontuais e esporádicas nos

povoamentos florestais dos perímetros de Vieira e Monte Crasto, Entre Vez e Coura, Cabreira

e Marão, na região Norte, enquanto na região Centro, nos perímetros da Lousã, Alge, Penela,

e Góis, o uso do fogo, ainda que muito reduzido, tinha como objetivos responder às

comunidades pastoris e a prevenção de incêndios pela sua aplicação na gestão de matos.

Na década de 90, a investigação sobre a ecologia do fogo prescrito, apoiada por programas de

financiamento, permitiu aprofundar os conhecimentos e transferi-los para o contexto técnico,

destacando-se neste período o projeto internacional FIRE TORCH, coordenado pela UTAD

(Fernandes, 2005).

Em 1992, é fundada a FORESTIS – Associação Florestal de Portugal, cujo objeto é apoiar a

gestão, a defesa da floresta e promover o associativismo na floresta privada e comunitária,

agregando diversas organizações de produtores florestais. O seu papel foi fundamental na

formação de técnicos das associações florestais no uso do fogo controlado. Da mesma forma,

outras entidades foram promotoras de formação deste âmbito, nomeadamente a CAP

(Confederação de Agricultores de Portugal) e o IDARN (Instituto para o Desenvolvimento

Agrário da Região Norte).

Em 2001, seis técnicos frequentaram o Prescribed Fire Training Center em Tallahassee,

Florida, EUA, constituindo o primeiro núcleo de formadores em Portugal. A partir de 2002, este

núcleo desenvolveu programas de formação aprofundando e transmitindo conhecimentos em

matérias de planeamento, execução e avaliação da queima e introduzindo ferramentas de

apoio à decisão (Fernandes, 2005).

Em 2006 inicia-se um dos mais importantes programas internacionais de experimentação e

divulgação do uso do fogo técnico, o projeto Fireparadox (2006-2010), que envolveu

investigadores e técnicos de diversos países, resultando em diversa documentação técnico-

científica assim como propostas para a regulamentação do fogo controlado na Europa (Silva,

2010).

Neste contexto, têm início duas iniciativas nacionais para fomentar o fogo técnico, as quais

permitiram impulsionar o seu uso e uma mudança no sistema de defesa da floresta contra

incêndios, a criação do Grupo de Especialistas em Fogo Controlado (GeFoCo), resultante de

protocolo entre a DGRF, a FORESTIS e a UTAD, e do Grupo de Análise e Uso do Fogo

(GAUF), sob a tutela da DGRF. Apesar dos resultados, na generalidade muito positivos,

acabaram por ser extintos em 2010 e o uso do fogo técnico voltou a perder ímpeto (Pinho e

Mateus, 2019).

Ainda antes dos catastróficos eventos de 2017, e dada a necessidade de gestão do

combustível florestal numa escala mais ampla, os Serviços Florestais (ICNF) voltam a fomentar

o uso do fogo técnico em substituição do papel modelador do fogo tradicional.

Consequentemente, é criado em março de 2017 o Programa Nacional de Fogo Controlado e o

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correspondente Plano Nacional de Fogo Controlado, canalizando apoios financeiros para a

elaboração de planos e para execução de ações de gestão de combustíveis com recurso ao

fogo técnico, nomeadamente apoio ao fogo controlado e às queimadas extensivas, em

particular nos territórios prioritários.

Este esforço indica que o país está consciente do impacto das mudanças sociodemográficas

nos territórios rurais que, a par das alterações climáticas, têm vindo a agravar-se nas últimas

décadas, destacando-se o despovoamento e o envelhecimento da população rural, que por sua

vez conduzem à acentuada e acelerada perda de usos agrícolas e pastoris e das práticas

ancestrais que permitiram manter a paisagem humanizada ao longo dos séculos. O resultado

será o que advérm de um território não gerido e sem gente, através da manifestação das

consequências mais negativas do fogo – os grandes incêndios rurais – em detrimento do papel

essencial do fogo como um processo ecológico e como uma ferramenta de gestão.

Figura 1. Evolução da área de povoamentos florestais em Portugal Continental. Fonte: IFN6 – Principais resultados – relatório sumário, ICNF; junho 2019.

A paisagem rural, composta pelo espaço florestal (floresta, matos e pastagens naturais) e pelo

espaço agrícola, ocupa mais de 90% do território nacional. O espaço rural pouco se alterou, no

entanto, a sua composição sofreu alterações profundas desde o início do século XX, com um

forte aumento do espaço ocupado por povoamentos florestais, maioritariamente de

monoculturas de pinheiro-bravo e eucalipto.

Segundo os dados do INE de 2016 (Figura 2), considerando a dimensão das explorações

agrícolas, verifica-se entre 1968 e 2016 uma perda do número de explorações com áreas

inferiores a 20 hectares de cerca de 70% e de superiores a 20 hectares de cerca de 20%.

Quanto à superfície agrícola utilizada (SAU) considerando a dimensão das explorações, entre

1968 e 2016 as explorações agrícolas com dimensões inferiores a 20 hectares perderam pouco

mais de 1 milhão de hectares de SAU, enquanto que as grandes explorações (superiores a 20

hectares) tiveram uma perda de 7%. Estes dados permitem-nos perceber que as pequenas

propriedades, sendo aquelas que ocupam a larga maioria do território continental, foram as

mais afetadas pelas mudanças socioeconómicas e demográficas, cuja perda de superfície

agrícola conduziu e continuará a conduzir ao aumento da ocupação florestal.

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Figura 2. Evolução do número de explorações agrícolas e da superfície agrícola utilizada (SAU) por dimensão das explorações agrícolas por dimensão, entre 1968 e 2016. Fontes de Dados: INE – Recenseamento Geral da

Agricultura | Inquérito à Estrutura das Explorações Agricultura | Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas; PORDATA. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

Da mesma forma, os dados das projeções da população urbana mundial de 2018 das Nações

Unidas (Department of Economic and Social Affairs – DESA) reportam a perda de população

rural em Portugal entre 1950 e 2018 e a manutenção desta tendência até 2050 (Figura 3). Em

1950, 68,8% da população portuguesa encontrava-se distribuída pelo espaço rural, ou seja,

associada aos cerca de 90% do espaço rural do território nacional. Contudo, a evolução

sociodemográfica registada ao longo das últimas décadas e a sua tendência até 2050, quando

se estima que a população rural represente cerca de 21% da população total, revela a grande

dificuldade que será manter uma paisagem que durante milhares de anos foi moldada pelas

referidas práticas ancestrais.

Figura 3. Evolução percentual da população rural e urbana em Portugal e projeções até 2050. Fontes de Dados: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2018). World

Urbanization Prospects: The 2018 Revision.

Com uma sociedade cada vez mais industrializada, também os sistemas agrários se

adaptaram, intensificaram-se, a paisagem alimentou as monoculturas, perderam-se

gradualmente as práticas sazonais, perderam-se as pequenas propriedades, perdeu-se o

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pousio e perdeu-se praticamente o conhecimento do uso tradicional do fogo, ainda que

algumas variantes desse uso subsistam.

As comunidades rurais substituíram a energia proveniente da queima de biomassa pela

energia de fontes não renováveis como os combustíveis fósseis. Esta condição produziu uma

alteração profunda, quebrando todo um ciclo que mantinha a paisagem rural.

É factual que ocorrem incêndios derivados das atuais variantes do uso tradicional do fogo. No

entanto, uma restrição exagerada de todo o fogo e que insista na supressão de fogos de baixa

intensidade origina desequilíbrios importantes na paisagem, onde a vegetação acumulada por

falta de remoção pelo fogo irão ser consumidos em incêndios florestais, frequentemente de

maior severidade e maior escala, sejam estes de natureza antrópica ou natural.

A sociedade atual, cada vez mais urbana, mais consciencializada para os problemas

ambientais, com mais acesso à informação, a par do mediatismo que destaca os efeitos

negativos do fogo, encontra-se cada vez mais afastada dos saberes, práticas e usos ancestrais

das comunidades rurais. Neste contexto social em transformação, o uso tradicional do fogo tem

sido entendido como a principal causa de incêndios e constituido como crime ambiental.

Frequentemente, confunde-se o uso tradicional do fogo, nas suas variantes de queimas de

amontoados e sobrantes e de queimadas pastoris, entre outras, com incêndios florestais.

Especula-se sobre os impactes deste uso milenar, de forma pouco fundamentada, contribuindo

para que a opinião sobre os seus efeitos seja generalizadamente negativa, embora estas

práticas sejam cada vez menores e de menor impacte devido ao seu condicionamento e à

redução da população rural.

A supressão total do fogo, quer através da limitação total do uso tradicional pelas comunidades

rurais, quer pela substituição do fogo técnico por técnicas baseadas em equipamentos de

combustão interna, ou da extinção de todo e qualquer fogo, não tem dado os melhores

resultados, podendo inclusive ser bastante prejudicial (Myers et al., 2006). Para uma melhor

compreensão da problemática, o diagrama seguinte (Figura 4) procura sintetizar como o uso

mais tradicional do fogo evolui para uma situação de ilegalidade.

Figura 4. Evolução do fogo tradicional para um fogo ilegal e suas consequências. Adaptado de Oliveira (2020).

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Não sendo indiferente ao uso desregrado do fogo, o Observatório defende um enquadramento

legal adequado para o uso tradicional do fogo, um uso do fogo controlado integrado e

correspondendo às necessidades das populações, complementado com outros meios para

reduzir a carga de combustível e os impactes dos incêndios.

O presente estudo tem por fim analisar o uso do fogo, quer tradicional quer técnico, nas

vertentes histórica, social, legislativa e de impactos sobre a paisagem, bem como pretende

analisar a relação do uso do fogo tradicional com o número de incêndios florestais e a área

ardida em Portugal.

2. Conceitos

2.1. Uso tradicional do fogo

O conceito de uso tradicional do fogo não é simples e tem sido utilizado de formas muito

diversas. No seu sentido mais lato tem sido utilizado como sinónimo de fogo utilizado pelas

populações rurais com objetivos de eliminação de sobrantes de atividades agrícolas ou

florestais ou de queimadas com objetivos de promover o pastoreio ou a caça. Tratavam-se

sobretudo fogos de baixa intensidade e severidade, comportanto poucos riscos para as

pessoas ou para os ecossistemas. No entanto, nos dias de hoje, muito do uso do fogo pelas

populações rurais não cumpre as regras tradicionais da sua utilização, pelo que importa fazer a

distinção entre o que se considera uso tradicional do fogo e outros usos pela população rural

que não se enquadram no conceito de uso tradicional. Neste estudo utilizamos o conceito de

uso tradicional na sua interpretação mais ampla, equivalente a uso popular/rural, na

classificação das causas, mas propomos no final a clarificação destes conceitos.

O uso tradicional do fogo tem origem nos princípios da humanidade, quando este se tornou

habitual e regular. O uso tradicional do fogo não é um ato isolado para um fim exclusivo, antes

o fogo constitui uma ferramenta associada a outras práticas, sendo, portanto, complementar e

complementado. O uso tradicional do fogo, tal como outras práticas tradicionais, tinha

associada uma prática e envolvência de responsabilidade comunitária. Tal como se conduzia a

“vezeira” pelos pastos de montanha, assim se conduzia o fogo, o qual era “guardado” por mais

do que uma pessoa. Dificilmente existe pastoreio sem fogo, porque ambos se completam num

sistema agrário tradicional, assim como as queimas de sobrantes e amontoados agrícolas, que

fazem parte da prática agrária tradicional, inclusive como prática fitossanitária (por exemplo a

queima de restos de podas de vinhas). O que não era queimado no forno, era queimado no

solo para a sua fertilização.

Diversos relatos descrevem estas práticas no território nacional pelas comunidades rurais:

“Por causa da quantidade de bichos, de cinco em cinco anos é queimado o mato,

conseguindo-se assim ao mesmo tempo novo alimento para o gado, embora se

diga sempre que é pelo primeiro motivo que isso se faz. Esta queima colocou-me

algumas vezes em grandes embaraços. Perto da Portela do Homem, um patife da

Galiza tinha posto fogo ao matagal seco à volta do caminho, por todo o lado se

viam subir as chamas e o fumo e, no vale estreito rodeado de penhascos

íngremes, não havia qualquer saída. Finalmente conseguimos alcançar com

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esforço o rio Homem e esperávamos escondermo-nos no rio, mas felizmente o

vento estava muito calmo, o fogo não se propagou muito e em breve estava

completamente extinto.”

Johann Heinrich Friedrich Link (1767 –1851);

Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha. 1797 – 1799

“Há 40 ou 50 anos, as terras eram beneficiadas com grandes dozes de adubos de

curral: hoje, pelo menos em algumas freguesias, já se não aduba tanto, como

demonstra o facto de haver montados tão povoados de tojo, que é preciso lançar-

lhe fogo.

D’antes, havia alguns que estavam completamente escalvados, pela insistência no

córte dos mattos que produziam, e agora é impossivel percorrê-los: tanta é a altura

e aspereza d’esses mattos.”

Narcizo Alves da Cunha (1851 –1913); Livro “Paredes de Coura”, pág. 200-201; 1909

As mudanças sofridas pela paisagem rural, o choque tecnológico resultante da introdução da

queima de combustíveis fósseis e os condicionamentos cada vez mais rígidos em relação à

queima da biomassa, produziram alterações profundas nestas práticas, como referido no

capítulo anterior. Estas mudanças conduziram à perda de conhecimento do uso do fogo em

relação à sua integração no sistema agrário tradicional, o qual obedecia a práticas sazonais,

com frequência, intensidade e severidade do fogo, aplicadas de acordo com os usos e

ocupações do solo. Hoje, na maioria das comunidades rurais, apenas restam vestígios desse

uso. Porém, na maior parte dos casos desconectados das componentes que constituíam o

sistema agrário tradicional e do papel de manutenção das funções ecológicas. Tal como o

pastoreio e as “vezeiras” foram substituídas pela produção de gado em regime extensivo, o

fogo, por força da lei, também foi substituído, tornando-se proscrito.

Na interpretação mais extensiva de uso tradicional do fogo, este é equivalente ao uso do fogo

pela população rural. Assim, tendo por base a classificação de causas de incêndios florestais

definida no Apêndice 16 – Codificação e definição das categorias das causas dos incêndios

florestais do Guia Técnico para a Elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta

Contra Incêndios (AFN, 2012), podemos considerar como variantes do uso tradicional do fogo,

na sua interpretação mais lata, as seguintes tipologias:

 Queimas agrícolas: Queima de combustíveis agrícolas de forma extensiva, como é o

caso do restolho, panasco, outros;

 Queimas florestais: Queima de combustíveis florestais empilhados ou de forma

extensiva, como restos de cortes e preparação de terrenos;

 Borralheiras: Queima de restos da agricultura e matos confinantes, após corte e

ajuntamento;

 Queimadas pastoris: Queima periódica de matos e herbáceos com o objetivo de

melhorar as qualidades forrageiras das pastagens naturais;

 Queimadas para caça: Queima de matos densos e brenhas com o objetivo de facilitar a

penetração do homem no exercício venatório e da pesca;

 Queimadas para acessibilidade: Queima de combustíveis que invadem casa, terrenos,

acessos, caminhos, estradões, outros;

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 Queimadas para a proteção de incêndios: Uso do fogo de forma incorreta, quando se

pretende diminuir os combustíveis para proteção contra incêndios.

No presente estudo será analisada a causalidade dos incêndios florestais com base nesta

classificação das ocorrências registadas na base de dados do Sistema de Gestão de Incêndios

Florestais.

2.2. Uso do fogo técnico

O conceito de fogo técnico encontra-se associado a objectivos utilitários, nomeadamente a

gestão de combustíveis, cuja aplicação segue prescrições essencialmente de base

meteorológica que refletem o estado de humidade dos combustíveis e do solo bem como o

comportamento do fogo. Sendo designado por fogo prescrito em vários países, em Portugal

optou-se pela denominação de fogo controlado, por se entender que seria um fogo de baixa

intensidade que estaria sempre controlado ao ponto de poder a qualquer momento ser

terminado.

O fogo controlado foi sendo desenvolvido a partir dos anos 30 do século XX na América do

Norte e Austrália, por adaptação e evolução das técnicas tradicionais das comunidades locais

de povos aborígenes ou colonizadores (Fernandes, 2005). Contudo, há evidências de

utilizações anteriores já institucionalizadas, que configuram um uso proto-técnico, ou seja,

anterior à experimentação científica que informou a prática anglo-saxónica. Por exemplo,

documentos do início do século XIX descrevem a prática de queima em pinhal bravo no sul de

França, legislada e generalizada entre os proprietários florestais da região de Maures e Esterel

no sul de França (Alexandrian, 1988). Este uso centenário do fogo, entre a prática tradicional e

o fogo técnico, está também bem documentado para as formações arbustivas (heathlands) das

ilhas Britânicas e para objetivos cinegéticos e pastoris que continuam em larga escala na

atualidade, não sem controvérsia (Davies et al., 2016). Na Suécia, as origens da queima

prescrita são atribuídas a Joel Efraim Wretlind, que na qualidade de administrador do distrito

florestal de Mala, terá executado entre 1921 e 1970 inúmeras queimas que resultaram numa

área total intervencionada de 11.208 ha, representando 18,7% da área florestal de Mala

(Cogos et al., 2020). Em Portugal, tal como já referido, há descrições operacionais e funcionais

num documento legislativo de 1751 que identifica o uso proto-técnico do fogo para a gestão do

combustível para defesa contra incêndios no Pinhal de Leiria.

Segundo Wade e Lunsford (1989, traduzido por Fernandes, 2005), “o fogo controlado ou fogo

prescrito é o uso do fogo no espaço florestal, aplicado sob condições meteorológicas e de

acordo com preceitos técnicos que satisfaçam objectivos de gestão predeterminados e bem

formulados. A prescrição (a definição das condições de queima desejadas) e um conjunto de

procedimentos operacionais asseguram que o fogo seja controlado na sua dimensão,

intensidade e efeitos ambientais.”

A legislação vigente (Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho) define fogo controlado como “o

uso do fogo na gestão de espaços florestais, sob condições, normas e procedimentos

conducentes à satisfação de objectivos específicos e quantificáveis e que é executada sob

responsabilidade de técnico credenciado”. O conceito de fogo técnico, por sua vez é descrito

como “o uso do fogo que comporta as componentes de fogo controlado e de fogo de

supressão”.

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2.3. Os vários tipos de uso do fogo

O uso do fogo pode ser subdividido em fogo técnico ou fogo tradicional, de acordo com os seus

utilizadores, enquadramento (menos ou mais institucionalizado) e conhecimento (menos ou

mais formalizado e quantitativo) associados. Uma segunda dimensão de análise poderá ser a

das condições do seu uso.

As condições para o uso do fogo podem ser de alto risco quando associadas a condições de

combustível e meteorologia desfavoráveis. Nestas situações o fogo tradicional é muitas vezes

causa de incêndios de alta intensidade e severidade, com impactos sociais, económicos e

ambientais significativos. Nalgumas destas situações de alto risco, em situação de combate a

incêndio, é possível considerar o uso técnico do fogo de supressão de forma atentar travar a

propagação do incêndio (Silva et al. 2010).

Nas condições mais favoráveis de combustível e meteorologia as consequências positivas do

fogo excedem os impactos negativos. É claramente esta a situação do uso do fogo controlado

que, nas condições adequadas que lhe estão implícitas, é uma forma de redução do

combustível e assim diminuir o risco de incêndio em condições de segurança. Também o uso

tradicional do fogo, aplicado de forma apropriada, pode alcançar objetivos de prevenção

minimizando os custos sociais, económicos e ambientais.

Em condições particulares podem ser considerados fogos de gestão como os que, não tendo

sido iniciados intencionalmente, sejam identificados como podendo ser geridos de forma a

contribuir para a diminuição do combustível (e, em termos gerais, a obtenção de serviços de

ecossistema) sem custos sociais e ambientais significativos.

No contexto deste estudo utilizaremos o termo de fogo tradicional neste sentido mais lato,

avaliando os aspetos mais favoráveis da sua utilização apropriada e avaliando o seu papel

como causa de incêndio. No final sugerimos uma utilização alternativa dos termos e conceitos

que nos parece mais adequada.

3. Evolução histórica legislativa sobre o uso do fogo em

Portugal1

O presente capítulo procede à compilação da legislação que inclui no seu articulado

condicionamentos ao uso do fogo, desde as Ordenações estabelecidas durante a Idade Média,

Leis Extravagantes, Regimentos, Alvarás, Decretos Régios, Portarias, Código Penal, Leis,

Decretos-Leis e Despachos. Este levantamento histórico legislativo cobre um período de 14

séculos, do século VII até à última publicação em matéria de uso do fogo, em 2019.

Na Península Ibérica, uma das primeiras leis referindo-se ao uso do fogo encontra-se no

chamado “Fuero Juzgo”, também conhecido por “Liber Iudiciorum” ou, simplesmente, por

Código Visigótico, que reúne normas e leis de direito comum, promulgada pelo rei godo

Kindasvendo, de acordo com o décimo sexto Concílio de Toledo, no ano 652. Este conjunto

1 Este capítulo está integrado na investigação sobre uso do fogo em Portugal conduzida por Emanuel Oliveira, no

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legislativo tinha por objetivo regulamentar as práticas, usos e costumes dos povos hispano-

romanos e visigóticos, sendo o primeiro código de Espanha, mas que também vigorou em

Portugal até à data da publicação das Ordenações Afonsinas, em 1446.

Quanto ao uso do fogo, o Título II das Queimas e Incendiários do Livro VIII do Código

Visigótico2 refere o seguinte:

“2. O que incendiar o monte ou floresta alheia de qualquer modo, deve ser preso

pelo Juíz, receber 100 chicotadas, e satisfazer o que foi queimado segundo a

avaliação dos peritos. Se o servo o fizer sem a vontade do senhor, sejam dadas

150 chicotadas, e este satisfaça por ele; e não querendo pagar dever dar o servo

pelo dano.

3. Se o caminhante fizer fogo no campo para cozinhar a comida ou aquecer-se, ou

para outro fim, tenha cuidado de não fazer dano, e de apagá-lo se pegar no

restolho ou na palha; e se por acaso queimar colheita, eira, vinha, casa, pomar ou

outra coisa, pague o seu valor pelo descuido”

Na carta régia de Afonso V (1438 – 1481), de 22 de setembro de 1464, faz-se referência aos

conflitos do uso do fogo na bacia do rio Mondego, pelo que o monarca ordena:

“não serem postos fogos nos matos dentro do espaço de meia légua para cada

uma das margens de Coimbra até Ceira”

Ainda assim, o uso do fogo e os conflitos provocados naquele território continuaram nas

décadas seguintes, ao ponto dos habitantes de Coimbra recorrerem ao rei João II (1481 –1495)

que manda publicar uma carta a 5 de março de 1490, nomeando um “couteiro dos fogos” para

vigilância das margens do Mondego até Linhares (Lobo, 1984):

“considerando o grande dano que o campo de Coimbra recebe pelas muitas areias

que nele crescem por causa dos muitos fogos que se põem nas matas e

charnecas ao redor do Mondego (…)”

Ainda durante o reinado de D. Afonso V, numa das cartas constantes no livro oito dos registos

de Chancelaria, relativos aos anos de 1464-1465, é referido pelo escrivão Afonso Trigo, o

Moço, em carta de perdão de 20 de Janeiro de 1473, o perdão (em nome do antecessor

escrivão, seu pai, Afonso Trigo, já falecido) a Salomão Samaia, judeu, por um fogo posto três

anos antes e que queimara umas vinhas que aquele possuía em termo de Évora” (Monteiro,

1997).

As Ordenações Afonsinas foram elaboradas durante os reinados de João I (1385 – 1433), D.

Duarte I (1433 –1438) e Afonso V (1438 – 1481), não fazendo qualquer referência ao uso do

fogo, pelo que se deduz que para este se aplicaria o Código Visigótico no Reino de Portugal.

O primeiro livro das ordenações do rei D. Manuel I (1495 – 1521), de 11 de março de 1521, no

quinto volume, destaca um capítulo dedicado exclusivamente à pena por uso indevido do fogo

(Título LXXXIII. Da pena que averam os que poem fogos). Este mesmo capítulo repete-se nas

Ordenações de 1533 e de 1565. No texto em relação ao uso do fogo destaca-se o seguinte:

“Defendemos que pessoa alguma de qualquer qualidade e condição que seja, não

ponha fogo em parte alguma. E pondo-se algum fogo em lugar de que se possa

2 Tradução do Autor

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seguir dano, mandamos aos juízes e oficiais das cidades, vilas e lugares onde se

tais fogos alevantarem que acudam e faça a eles acudir com muita diligência para

prestes se haverem de apagar;(…)

E tanto que o fogo for apagado e algum dano tiver feito em pães ou vinhas, ou

olivais ou em outras novidades ou árvores de fruto, colmeias, ou em coutadas de

matos, sobrais, pascigos ou em outros arvoredos, quer seja para próprios dos

concelhos, quer baldios, os juízes vão logo com algumas pessoas que nisso bem

entendam estimar o dano que o fogo fez. (…)

E os matos e pascigos dos concelhos e baldios, se estimará, havendo respeito à

perda que os concelhos receberem à míngua das ditas coisas que ali fossem

queimadas. (…)”3

Durante o curto reinado de D. Sebastião (1557 – 1578), foram compiladas diversas leis que

não se encontravam integradas no código penal vigente, ou seja, nas “Ordenações

Manuelinas”, pelo que se designam juridicamente por “Leis Extravagantes”. Esta missão foi

entregue pelo monarca ao Licenciado Duarte Nunez de Lião, tendo sido publicadas a 15 de

novembro de 1578. No capítulo referente aos perdões que os desembargadores poderiam

aplicar (Lei.I. Do regimento dos desembargadores do paço.), destacam-se os seguintes em

relação ao uso do fogo:

“92. Item – perdão de fogo que se puser com licença da justiça, a que perténcer, e

fizer dano no alheo, mostrando certidão de como tem pago o dano, de que se

pagara quinhentos reaes.

93. Item – perdão de fogo, que se puser sem licença da justiça a que perténcer; de

que se pagará mil reaes, mostrando a parte certidão, de como tem pago o dano, e

a outra parte he satisfeita.

94. E daqui para cima se poderão acrescentar as ditas quantias, segundo forem

as qualidades das pessoas, que poserem o fogo, e o lugar em que for posto, e o

dano que fizer; que ficara no arbítrio dos ditos desembargadores. E isto não sendo

o tal fogo posto acintemente, com tenção de queimar algua pessoa, ou de lhe

queimar sua fazenda; porque nestes casos não darão despacho algum.”

Sob o domínio da monarquia espanhola, no Quinto Livro das “Ordenações e leis do Reino de

Portugal: recopiladas per mandado do muito alto catholico e poderoso Rei dom Philippe o

Primº”, de 1603, descreve-se no Título “LXXXVI – Dos que poem fogos” um conjunto de

ordenações que seguem as emanadas pelos monarcas portugueses que o antecederam, cujas

alterações neste contexto resumem-se simplesmente à redação num português mais moderno,

permanecendo, porém, a lei inalterada desde 1521. Importa também salientar que todas estas

Ordenações da primeira metade do século XVI e as Ordenações do monarca espanhol, já no

início do século XVII, são reveladoras da relação existente entre o fogo e as demais práticas

tradicionais e como estas no seu conjunto eram objeto de regulação por parte da coroa, agora

durante a chamada “dinastia Filipina” sob o controle da monarquia espanhola:

“E porque alguns por caçarem nas queimadas, ou fazerem carvão, ou pastarem

com seus gados põem escondidamente fogos nos matos para se poderem

3 Tradução do autor

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aproveitar das queimadas, e porque se não sabe quem o fez, não são castigados,

mandamos que pessoa alguma não cace em queimada, do dia que for posto o

fogo, de que se seguiu algum dano a trinta dias, nem entre nela a pastar com seu

gado, até à Páscoa florida, e carvoeiro algum não faça nela carvão até dois anos.

E os que o contrário fizerem (se outro certo danificador se não achar) serão

obrigados por seus bens pagar por todo o dano que o fogo tiver feito, sem por isso

haverem outra pena.

E o que temos dito, não haverá lugar nos que puserem fogo por licença e

autoridade dos juízes e oficiais que para isso tiverem poder, nem nos que em suas

herdades, casais, vinhas, matos, e quaisquer terras suas, ou que tragam

arrendadas, puserem fogo para queimar restolhos, ou moitas, ou mato para

fazerem as suas lavouras e sementeiras, ou para porem bacelo, ou fazer outros

adubos, como se costuma fazer, pondo porém os tais fogos nos tempos4 que não

forem defesos pelas posturas dos concelhos, porque estes serão somente

obrigados pagar o dano se o fizerem, sem incorrerem em outra pena.”5

Ainda durante a dinastia Filipina, é publicada uma “Carta de Regimento” para as Matas,

Montarias e Coutadas Reais, em substituição do anterior regimento que era muito antigo. Neste

novo Regimento, de 20 de março 1605 e baseando-se nas Ordenações de 1603, estabelecem-

se diversas penas e restrições pelo uso do fogo e atividades como a caça ou o pastoreio nas

terras percorridas pelo fogo, dentro das propriedades administradas pela Coroa e submetidas

ao Regimento. Destaca-se na introdução a referência à grande falta de madeira para a

construção naval e por este motivo, o Regimento será também aplicado a determinadas matas

particulares, identificadas, sendo abrangidas pelas mesmas restrições e condicionamentos.

“Mando, e defendo, que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade e condição que

seja, ponha, nem manda pôr, fogo nas Montarias, Matas, e Coutadas dellas, nem

fora dellas, em logar donde se lhe possa damno; e qualquer que o pozer, ou

mandar pôr, ou a isso der conselho, ajuda, ou favor, sendo escravo, ou peão

barceiro, será publicamente açoutado; (…)

E quando quer que se não poder saber quem poz o tal fogo, quero que, se alguma

pessoa fôr achada dentro na queimada do tal fogo, o dia que se pozer, ou dahi a

trinta dias do dia em que o fogo se fez, nem até mil passos ao redor delle, esse se

haja por poedor do dito fogo, e haja a pena sobredita, e dando elle á prizão a

pessoa que verdadeiramente poz o dito fogo, com prova bastante, será solto, e o

outro condenado.

E isso mesmo, se alguma pessoa dentro na dita queimada lançar seu gado a

pascer, ou arrancar cepa, ou fizer carvão, do dia emm que se o dito fogo pozer a

um anno cumprido, ou dentro do dito anno tirar delle torgão, quero que se haja por

poedor do dito fogo, em quanto se não souber quem o poz; e este gado será

aquelle que antes da queimada feita costumava a pascer no logar em que a dita

queimada fez, ou a uma légua ao redor della; porque, se não fôr gado, que

costumava ahi pascer, nem dentro da dita légua, não incorrerá na dita pena; (…)”

4 O mesmo que “meses”

5 Tradução do Autor

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No reinado de Filipe III (1621-1640) é publicado o Alvará de 11 de maio de 1628 que proibia o

uso do fogo num raio de uma légua (equivalente a 5 a 6,6 km) ao redor da Real Casa da N.ª

Sr.ª da Nazaré:

“Por Alvará de 11 de Maio de 1628 – foram estabelecidas penas contra os que

pozerem, ou mandarem pôr fogo nos mattos, uma légua ao redor da Real Casa de

Nossa Senhora de Nazareth, ordenando-se outrossim ao juiz da Vila da

Pedreneira que tirasse devassa deste caso, e procedesse contra os culpados.”

As Ordenações Filipinas apenas compilaram as Ordenações Manuelinas e irão manter-se em

vigência em Portugal até 1867, altura que se publica o Código Civil.

Uma das primeiras referências sobre o uso do fogo, após a restauração da independência,

regista-se no reinado de D. João IV (1640 – 1656), mediante a publicação de 18 de outubro de

1650, do “Regimento das Coutadas, Matas, Montarias e Defezas”, propriedades da coroa. Este

Regimento cria a figura de um “Juiz das causas que tocarem às ditas Coutadas”, atribuindo

funções administrativas e de gestão, com o fim de defender e proteger as propriedades do rei

“da grande devassidão que se fazem” nas Coutadas, Matas, Montarias e Defezas e no

cumprimento das Ordenações Filipinas. Em relação à pena a aplicar pelo uso do fogo dentro

das áreas da posse do rei, no ponto XII refere-se o seguinte:

“E assim hei por bem que o dito Juiz possa dar em fiança os culpados, que por elle

forem condemnados em degredo para Africa, para soltos irem cumprir seus

degredos, na maneira que os Corregedores e Desembargadores podem dar aos

que por eles forem despachados pela Ordenação do livro 5.º titulo 91; e isto se

não intenderá nas pessoas, que nas ditas Matas, ou Coutadas, pozerem fogo, ou

o mandarem pôr, ou a isso derem conselho, ajuda, ou favor, porque estas hei por

bem que vão presas cumprir o dito degredo”

Sendo rei D. Pedro II (1683 – 1706), é publicado, em 15 de janeiro de 1699, o Regimento dos

Verdes e Montados do Campo de Ourique, onde no Capítulo XXIV do Regimento, permite-se a

gestão dos matos e dos machieirais, bem como se definem os procedimentos para o uso

tradicional do fogo com o fim de proteger os montados produtivos:

“e nesta fórma poderá o lavrador fazer a sua rossa livre de toda a coima,

guardando sempre as arvores, que se lhe ressalvarem, e asseirando-as, para que

o fogo as não queime; porque fazendo o contrário, incorrerá nas penas acima

impostas.”

No Capítulo XXVI atribui-se competências aos “Oficiais das Câmaras” para determinar o dia

para proceder ao uso do fogo e o modo como proceder nos cuidados de uso do fogo, quer na

queima de amontoados e sobrantes (restolhos) quer na queimada extensiva para instalação de

culturas ou pastagens:

“I.Aos Officiaes dasCamaras pertence determinar o tempo em que se hão de pôr

os fogos ás arroteias, rossas e restolhos, e assim nenhuma pessoa de qualquer

condição que seja os poderá pôr sem que primeiro se determine o dia, em

poderão propiciar; e fazendo o contrário terão de pena 500 réis, da qual somente

será revelada naquele caso, em que antes de ser chegado o dito tempo tiver

licença dos ditos officiaes da Camara assignada por eles; porque então os poderá

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pôr, sem por isso ter pena alguma; e as partes a quem se fizer algum damno com

os ditos fogos, o poderá demandar perante o Juiz competente na forma das

Ordenações do Reino.

II. E porque muitas vezes sucede, que os fogos depois de postos se soltam, e por

essa causa fazem grandes damnos, e consideraveis perdas, por se lhes não

fazerem os asseiros convenientes, que os pode atalhar; pelo que mando, que

todas as pessoas, que houverem de pôr os taes fogos, lhes façam antes asseiros

com segurança tal, que se não soltem; e a forma do como se hão de fazer darão

os officiaes das Camaras, aos quaes hei por muito encarregada esta diligencia

pela utilidade publica, que della resulta; (…)”

A conhecida Lei da Boa Razão, promulgada por D. José (1750 – 1777), em 18 de agosto de

1769, no item catorze manda observar os costumes, se estes se achassem de boa razão, não

contrariassem a lei e tivessem mais de 100 anos de validade. Sendo assim, o definido nas

Ordenações Filipinas em relação ao uso do fogo e consequentes penas estabelecidas irá

manter-se até à segunda metade do século XIX. No entanto, durante este período ainda que

tivessem sido publicados diversos diplomas procurando regulamentar o uso do fogo e demais

práticas tradicionais, mantêm-se na essência as penas definidas nas Ordenações Filipinas.

Durante o reinado de D. José, é publicado o “Regimento do Guarda Mór do Pinhal de Leiria” de

25 de julho 1751, sendo a primeira referência sobre o uso do fogo em povoamento, ou seja, de

âmbito técnico, com o fim de tratamento dos combustíveis florestais e onde se descrevem as

funções assumidas por cada elemento presente, o Guarda Mor, o Escrivão dos Pinhais, o

Meirinho e o Fiscal e os Couteiros, tal como se descreve neste documento legislativo:

“7. O Guarda Mór tem obrigação de mandar fazer todos os annos pela

Pascoa os aseiros ao Pinhal: e vespora de S. Bernardo deve hir ao lugar da

Marinha, aonde estarão todos os Couteiros para efeito de lançarem fogo ás

charnecas, que partem com os aseiros; e primeiro que se entre nesta

diligencia, mandará fazer pelo Escrivão dos Pinhaes hum termo, em que os

Couteiros se obriguem a pagarem por sua fazenda o damno, que possa

receber o Pinhal por seus descuidos para acautelar que o fogo por causa do

vento contrario não entre no Pinhal, (…)”

No mesmo Regimento, no capítulo dedicado ao “Regimento do Escrivão dos Pinhaes” refere-se

o seguinte:

“3. O Escrivão dos Pinhaes há de assistir pela Pascoa, ao fazer do asseiro,

repartindo o mesmo aseiro em quarenta regos pelos quarenta Couteiros, e

vespora de S. Bernardo há de assistir ao pôr do fogo ao dito aseiro, fazendo

primeiro um termo, no qual se obriguem os Couteiros a pagar por seus bens a

perda, que receber o Pinhal por seu descuido, como se diz no Regimento do

Guarda Mór; (…).”

A técnica e os cuidados do uso do fogo no Pinhal encontram-se definidos neste documento de

meados do século XVIII em formato de regulamento legal. Igualmente, encontramos a

descrição deste uso técnico em referência ao “Regimento do Meirinho, e Fiscal”:

“6. Há de assistir pela Pascoa ao fazer do aseiro, para ver, se os Couteiros dão os

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regos da sua obrigação; e vespora de S. Bernardo há de assistir ao pôr o fogo ao

mesmo aseiro, tendo muito cuidado, em que não entre fogo no Pinhal, nem

padeção os Picotos o mínimo detrimento, (…)”

Competia aos Couteiros a execução do asseiros, a ignição e a condução da queima, tal como

se descreve no mesmo documento em relação ao “Regimentos dos Guardas menores, e

Couteiros:

“2. Pela Pascoa hão-de fazer o aseiro conforme determinar o Guarda Mór.

3. Vespora de S. Bernardo hão-de lançar o fogo ao aseiro assignando primeiro

termo de pagarem por sua fazenda o damno, que possa receber o Pinhal por seus

descuidos, como se diz no Regimento do Guarda Mór no 7 e 8.”

Em 29 de agosto de 1783, no reinado de D. Maria I (1777 – 1816), é publicado um Alvará

referente ao incendiarismo e ao aumento da frequência de incêndios nas Matas Coutadas e ao

aproveitamento das cinzas, utilizadas na indústria vidreira:

“E havendo Eu, com este justo motivo, estabelecido nas mesmas Leis diversas

penas contra as pessoas, que temerariamente lhes pôem fogo, ou que pelos

factos, em que são apprehendidas, se julga serem Incendiarios; senão prevío o

caso da factura, e extracção das cinzas das Queimadas nas ditas Coutadas, que

no tempo presente se tem visto escandalosamente muito repetidas; aplicando-se

para Fabricas de Generos, que pelas minhas Reaes Ordens se achão prohibidos:

(…)

Mando, que depois da publicação deste, toda aquella pessoa, que se achar

apanhando, ou conduzindo as cinzas, que existirem nas Queimadas, em

consequência dos fogos, seja irremissivelmente preza por tempo de seis mezes;

havendo-se provado o delicto pelo mesmo facto da apprehensão, para incorrer na

dita pena, e na do perdimento dos carros, ou cavalgaduras destinadas para a

conducção das mesmas cinzas, em benefício dos Officiaes, por quem forem

apprehendidas.

E porque as minhas Reaes providenciais se dirigem sempre mais a evitar delictos,

do que a a castigallos: Para que cessem as extracções das ditas cinzas, que

podem ser ofensivas de outros públicos interesses da minha Real fazenda:

Ordeno a todos os Juizes, Almoxarifes, e Couteiros, que logo que chegar á sua

notícia, que nas Coutadas houve fogos, de que resultassem, ou pudessem ficar

cinzas, as fação imediatamente cavar, e confundir com a terra, (…)”

Ainda durante o reinado de D. Maria é publicado um diploma sobre a organização da

administração do Real Pinhal de Leiria, o Regulamento Interino, o qual também regulamenta o

uso do fogo e diferenciando algumas tipologias associadas a possíveis causas de incêndios.

No capítulo referente à “Obrigação do Administrador”, refere-se o seguinte:

“Sobre tudo terá o maior cuidado em mandar lavrar todos os anos os Aceiros, e

que este Serviço se faça de sorte que livre o Pinhal de todo, e qualquer acidente

de fogo; A mesma vigilância terá, para que os Guardas, Carreiros, ou outra

alguma Pessoa não accendão lume no Pinhal para fazerem de comer, ou debaixo

de outro pretexto qualquer que elle seja, nem usem de Tabaco de fumo, nem

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tragão comsigo isca, mécha, ou fuzil; (…)”

Entre 1792 e 1816, D. João de Bragança, Príncipe do Brasil e Infante de Portugal, assume a

regência e o despacho em nome de sua mãe, D. Maria I. Em 1800, o príncipe regente, “Que

sendo informado da devassidão, e damnos, que se fazem nas Reaes Coutadas, e Montarias”

ordenadas e instituídas pelos seus antecessores, manda publicar, a 21 de março, um “Alvará

com força de Lei” regulamentando o uso do fogo e de outras práticas tradicionais, nas “Reaes

Coutadas, Matas e Montarias”, propriedades da Coroa e cuja missão de guarda será entregue

a “Patrulhas” que vêm substituir os extintos “Couteiros”:

“XXII. Igualmente prohibo a entrada de cabras nas Minhas Reaes Coutadas, e

permito que nas mesmas possa entrar todo o gado vacùm. E como a experiencia

tem mostrado que os fógos, que se tem visto tão frequentemente nas ditas Reaes

Coutadas, tem por fim melhorar as Pastagens para proveito dos gados: Sou

servido declarar, que os donos dos gados. Que assim entrarem nas mesmas

Reaes Coutadas, e os seus Pastores, ou Guardas, ficarão huns, e outros sujeitos

á pena de poedores de fogo, todas as vezes que houver incêndios, e não se

provar o verdadeiro delinquente, o dono do gado pela sua parte pagará o damno,

que resultar do incendio; e o Pastor, ou Guarda será castigado com as penas do

Regimento; o terreno queimado será vedado por hum anno; e o dono dos gados,

que sofrer a pena referida, ficará privado para sempre da liberdade de meter seus

gados nas terras das Minhas Reaes Coutadas, sob pena de lhe serem tomados

por perdidos, e de ser expulso o Official, que der licença, ou consentir na entrada

dos gados de semelhantes Pessoas.

XXIII. Para que tenhão o seu devido effeito as disposições do Paragrafo

antecedente: Hei por bem; que nenhum Lavrador, ou Proprietario de gados possa

metter suas manadas nas Minhas Reaes Coutadas, sem licença por escrito, (…)

XXIV. Prohibo que se fação Carvoarias nas Minhas Reaes Coutadas, porque está

bem demonstrado, que os Carvoeiros pelos seus descuidos são causa muitas

vezes de fogos, que tem havido nas mesmas Reaes Coutadas.

XXV. Sendo as Atalhadas o unico meio de cortar a continuação dos incêndios,

quando venha a atear-se o fogo em alguma das Moutas das Minhas Reaes

Coutadas; o Meu Monteiro Mór terá todo o cuidado em mandar fazer as ditas

Atalhadas em tempo proprio, e queimar o mato, que dellas resultar, assim como o

que ficar dos desbastes das Moutas, preferindo o methodo das incinerações;

fazendo queimar o mato depois de o ter cuberto com terra, pois deste modo se

formão melhores pastagens, e não há risco de que o fogo possa comunicar-se.”

Nesta novo Alvará, descreve-se também a necessidade de queimar os resíduos resultantes de

ações de prevenção, nomeadamente na execução de faixas de proteção a povoamentos (as

“Atalhadas”).

De acordo com os diplomas que, entretanto, foram publicados por D. João de Bragança

durante a sua regência (Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1816-1822), sugere um

aumento da frequência dos incêndios no território nacional. Prova disto, são as Portarias

datadas de 2 de outubro de 1813 e de 2 de julho de 1816.

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Em relação ao aumento do número de incêndios nos povoamentos a Sul do Tejo e em

particular no ano 1813, o aínda príncipe regente mandou publicar a Portaria de 2 de outubro

desse ano (Portaria ocorrendo com providências ás queimadas que se frequentão ao Sul do

Tejo), cuja nota introdutória dá conta desse aumento e como estes incêndios poderão afetar a

população da capital do país no abastecimento de lenha, como fonte vital de energia, apelando

à intervenção das câmaras municipais do Sul do Tejo para que obriguem os proprietários

florestais a tomar medidas de prevenção:

“Manda o PRÍNCIPE REGENTE Nosso Senhor, que todas as Comarcas do Sul do

Téjo obriguem os proprietários dos Pinhaes do seu Districto a fazerem talhadas e

aceiros, no que lhes pertencerem, ficando as mesmas Câmaras, e principalmente

o seu Procurador responsáveis pelos damnos causados pelos fogos naqueles

districtos, (…)”

O articulado nesta Portaria é sem dúvida a primeira referência legal à responsabilização das

autarquias para o fazer cumprir medidas de prevenção estrutural ao redor dos povoamentos

florestais por parte dos proprietários dos seus concelhos.

A “Portaria, providenciando acerca de incêndios”, publicada a 2 de julho de 1816, refere a

necessidade de meios para evitar “quanto fosse possível” os incêndios rurais que ocorriam nos

pinhais, vinhedos e herdades nas diferentes “Províncias do Reino”, destacando ainda que as

diversas e “as repetidas Ordens e providências” não eram suficientes para reduzir a ocorrência

e os efeitos dos incêndios. Todavia, apesar da identificação da situação ser transversal a todo

o país, esta portaria determinava que as diversas providências definidas, fossem inteiramente

aplicadas na Província da Extremadura e Comarca de Setúbal.

Esta portaria estabelece que os responsáveis pelas Justiças de Cabeça de Julgado procedam

à elaboração de listas com a identificação de trabalhadores para a função de extinção de

incêndios que ocorram num raio de uma légua (entre 5 a 6,6 km) dos seus locais de trabalho

ou residência, sendo estes obrigados a acudir. Caso contrário, seriam alvo de condenações.

É também estabelecida a obrigatoriedade por parte dos proprietários de Pinhais e Matas a

proceder à execução de desbaste e de corte da vegetação junto às Estradas Reais (as atuais

Estradas Nacionais), numa largura de doze passos (cerca de 20 metros) de ambos lados da

estrada.

“IV. Serão obrigados a acodir na dita fórma todos os Trabalhadores, que se

acharem a distancia de huma legoa do lugar do incendio, ainda que residão em

differentes Districtos, debaixo da mesma pena de dous mil reis, em que serão

condemnados na conformidade da Providencia antecedente. (…)

VII. Os Trabalhadores, que concorrerem para a extincção dos fógos, serão sempre

pagos do seu jornal, ou pelos Proprietarios daqueles Predios proximos do

incendio, que não chegárão a receber prejuizo em razão das fadigas dos mesmos

Trabalhadores em atalhar o fogo, fazendo-se a este respeito hum arbitrio pelos

Juizes da Cabeça do Julgado com os respectivos Louvados, na proporção do

lucro, que tiverão por não serem reduzidas a cinzas as suas Propriedades, ou

pelos que ficarem pronunciados, e vierem a ser condemnados pela culpa de lançar

o fogo, devendo os referidos Juizes na occasião de avaliar o prejuizo que este

causar, fazer entrar em despeza os salarios dos Trabalhadores que acodírão,

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juntando para isso relações assignadas, para se lhes pagar conforme os preços

correntes; não devendo retardar-se de forma alguma este pagamento, nem deixar

de se fazer primeiro que algum outro. (…)

XII. E porque succede frequentes vezes principiar o incendio nas Estradas Reaes,

lançado pelos Viajantes, e Almocreves, para não serem tão facilmente

surprehendidos pelos Salteadores, serão constrangidos os Proprietarios dos

Pinhaes, é grandes Matas situadas nas ditas Estradas, a cortarem, e desbastarem

na distancia de doze passos de cada lado da Estrada aquellas Matas, ou

Pinheiros, que possão servir de embuscada aos Ladrões, e Malfeitores, dentro do

prazo de trinta dias, contados da publicação desta, debaixo da pena de ser

mandado fazer á sua custa este corte pelas Justiças dos respectivos Districtos, de

lhes serem imputados os incendios, que começarem por similhantes

embuscadas.”

Apesar de publicada em pleno século XIX, esta legislação, através do ponto XIII, remete e

reforça o cumprimento das Ordenações Filipinas publicadas 213 anos antes, com vista ao

condicionamento de uma área percorrida pelo fogo, às práticas tradicionais daqueles que,

supostamente, poderiam beneficiar mais da área ardida, ou seja, pastores, caçadores e

carvoeiros:

“XIII. Haverá o maior cuidado na exacta observancia das Providencias da Ord. Liv.

5. Tit. 86. §. 7., sendo obrigados os Caçadores, Pastores, e Carvoeiros a pagar

pelos seus bens, quando se não ache que outrem foi o incendiario, todo o damno,

que o fogo tiver feito; devendo para esse fim serem não só encoimados os

Pastores, mas tambem os Gados que forem achados na infracção, com a pena de

mil reis por cada cabeça de Gado Vacum, e cem reis por cada Carneiro, Ovelha,

Cabra, ou Chibarro; e as coimas executadas nos mesmos Gados, sendo citados

para as ver condemnar pelos Maioraes, que as guardarem, tanto pelo que respeita

aos Gados do Termo, como pelo que respeita aos de fóra.

XIV. E porque similhantes damnos costumão ser causados em muitas occasiões

por efeito de interesse de terceiras pessoas, sem advertencia do prejuizo público,

nem particular dos donos dos Predios, faz-se necessario que nos Livros das

Coimas se tome assento dos Gados, que pastão nos seus Districtos, e junto deste

haja de declarar o Pastor o seu nome, o sitio aonde ha de apascentar, e o tempo

que se demorará. Da mesma forma se deverá praticar com os Carvoeiros, e

Caçadores, ficando huns e outros sujeitos ao resarcimento dos damnos dos fogos

em quanto alli apascentarem gado, fizerem carvoarias, ou caçarem;”

Outro ponto importante nesta portaria é a aplicação das providências referentes ao

aproveitamento das cinzas estabelecido no Alvará de 1783, para além das propriedades

administradas pela coroa:

“XV. As Providencias dadas para os incendios das Coutadas no Alvará de 29 de

Agosto de 1783, serão applicaveis geralmente as mais Terras, ficando sujeitos os

que se acharem apanhando, e conduzindo Cinzas das queimadas, a perderem os

Carros, e Bestas destinadas para a dita condução, além de serem prezos por oito

dias; e as Justiças farão cavar, e confundir com terra as referidas Cinzas;”

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Na sequência da Revolução Liberal, instalam-se as chamadas Cortes Gerais e Extraordinárias

da Nação Portuguesa, também conhecidas por Cortes Constituintes de 1820, com o fim de

elaborar e aprovar a primeira Constituição Portuguesa (1822) que deu origem à Monarquia

Constitucional Portuguesa que terminaria em 1910. É neste período que o rei e a Corte

regressam do Brasil (onde permaneceram entre 1808 e 1821), e D. João VI assume o governo

da nação a partir de Lisboa (Reino de Portugal e Algarves).

É durante os trabalhos das Cortes Constituintes, sob a forte pressão do liberalismo, que se

publica o Decreto n.º 49, de 7 de abril de 1821, o qual vem extinguir um conjunto de

obrigações, dentro do chamado “Regime Senhorial” entre as quais pagar ao Senhorio pelo uso

do espaço, inclusive o usar o fogo e praticar o pastoreio:

“As Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza,

desejando libertar os Povos das oppressões, que lhes resultão, já de Serviços

pessoaes, já dos Direitos chamados Banaes, que formão Privilegios exclusivos

contrarios á liberdade dos Cidadãos, e ao augmento da Agricultura, e Industria

destes Reinos, que sem emulação, e franqueza nunca podem melhorar, nem

aperfeiçoar-se, Decretão o seguinte:

(…)

Art. 3.° Ficão tambem extinctas todas as obrigações, e prestações consistentes en

fructos, dinheiro, aves, ou corazis, impostas aos Habitantes de qualquer povoação,

ou districto, a favor de algum Senhorio, pelo simples facto de viverem naquella

Terra, por terem nella Casa, ou Eira, por casarem, por irem buscar agoa ás fontes

publicas, ou a ellas levarem seus Gados, por accenderem fogo, por terem

animaes, ou por outros quaesquer titulos, e denominações de igual, ou

semelhante natureza;”

Após a aprovação da Constituição, as Cortes Gerais ansiavam por finalmente alterarem o

Código Legislativo, substituindo as antigas Ordenações Filipinas. No entanto, esta mudança só

vai ocorrer 45 anos depois da aprovação da Constituição, já sob o reinado de D. Luis I (1861 –

1889), através da Carta de Lei de 1 de julho de 1867, a qual aprova o Código Civil, substituindo

assim os Livros I, II, III e IV daquelas Ordenações e procedendo à necessária modernização

legislativa, atualizando-a à contemporaneidade dos tempos.

O Livro V das Ordenações é o Código Penal com mais tempo de vigência na história do direito

português, estabelecendo as diversas penas para os mais variados crimes. Este Código, que

se arrasta desde a Idade Média com penas que refletem a desvalorização do indivíduo e a

prepotência da coroa e do clero (Vilela, 2017) é finalmente substituído pelo Código Penal de 16

de setembro de 1886.

No novo Código Penal, na “Secção I – Fogo pôsto”, referente ao “Capítulo IV – Do incêndio e

damnos”, já livre do despotismo e da crueldade que caraterizava as penas constantes nas

Ordenações, permanece a pena de degredo. Por outro lado, não esclarece a causa do dano

pelo uso do fogo, que sendo um ato voluntário, para além da intencionalidade, poderá aquele

ser resultado da negligência ou de acidente, aplicando-se uma pena transversal.

“Art.º 464.º O A pena será a de prisão maior celular por quatro anos, seguida de

degrêdo por oito, ou, em alternativa, a pena fixa de degrêdo por quinze anos, se o

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objecto do crime fôr:

(…)

2.º Seara, floresta, mata ou arvoredo.

Art. 465.º As penas determinadas nos dois artigos antecedentes serão aplicadas

ao que tiver comunicado o incêndio a algum dos objectos que neles se enumeram,

pondo voluntáriamente o fogo a quaisquer objectos colocados, de modo que a

comunicação houvesse de ser efeito natural do incêndio destes objectos sem

acidente imprevisto.

(…)

Art. 467.º As penas do delito frustrado serão aplicadas, quando o fogo pôsto não

chegou a atear-se e a produzir damno, salvo quando o criminoso tentou mais de

uma vez o incêndio, ou que êste fôsse objecto de cencêrlo entre muitos

criminosos, porque, em tais casos, será punido com as penas dos artigos 463.º e

464.º.

Art. 468.º O proprietário que puser fogo à sua própria coisa, será punido e nos

casos e com as distinções seguintes:

(…)

2. Em qualquer dos outros casos declarados nos artigos 463.º e 464.º, se o

proprietário, pelo incêndio da sua própria coisa, causar voluntáriamente prejuízo

em qualquer propriedade de outra pessoa, sera punido com as penas do artigo

464.º.

1.º Quando prejuízo, ou o propósito de causar o prejuízo consistir em fazer nascer

um caso de responsabilidade para terceiro, ou em defraudar os direitos de alguém,

a pena será a de prisão de um a dois anos e multa correspondente.

2.º Fica salva, em todos os casos, além dos enumerados nesta secção, a

responsabilidade do proprietário que põe fogo à sua própria coisa, pelos damnos e

pela violação dos regulamentos de polícia.

Art. 469.º Se o valor de algum dos objectos existentes fóra de povoado,

enumerados no artigo 464.º, não exceder a 20$000, e o fogo tiver sido

voluntáriamente pôsto, mas sem perigo, nem propósito de propagação, a pena

será a de prisão de um mês a um ano e multa correspondente.”

Durante a Monarquia Constitucional (1820 – 1910), as cortes debatiam a necessidade uma

maior regulamentação e controlo do Estado para a proteção da floresta. É sob forte pressão

política do Parlamento para que se tomassem medidas para uma reforma florestal que é

publicado o Decreto de 25 de novembro de 1886, o qual aprova o plano de organização dos

serviços florestais sob a tutela da Direção Geral de Agricultura. Este Decreto define ainda as

Circunscrições Florestais (Norte, Centro e Sul) no âmbito do Regime Florestal, bem como a

integração dos terrenos de interesse público, sejam estes, propriedade do Estado, comunitária

ou privada:

“Art. 4.° Serão successiva e parcialmente submettidas ao regimen florestal, pelas

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forças das verbas para tal fim votadas todos os annos pelas côrtes, e nos termos

do artigo 5.°, os terrenos incultos das cumiadas e encostas dos montes, as areias

soltas e dunas do litoral, e quaesquer outros terrenos cujo povoamento se torne

necessário aos interesses do paiz e, especialmente, ao regimen das aguas.

Art. 5.° A acquisição dos terrenos a que se refere o artigo 4.°; quando não

pertençam ao estado, será feita por meio de expropriação por utilidade publica,

segundo os preceitos legaes.

§ 1.° Aos municipios, corporações ou particulares a que os terrenos

pertencerem, cabe-lhes, comtudo, o direito de obstar á expropriação, uma vez

que se obriguem á arborisação ou cultivo dos mesmos terrenos, dando começo

aos respectivos trabalhos no praso de um anno, a contar da declaração a que

se refere o § 1.° do artigo 6.°, e em harmonia com os preceitos indicados pela

direcção geral de agricultura.”

No que respeita aos condicionamentos sobre o uso do fogo e práticas associadas, esta

primeira lei do Regime Florestal inspira-se na legislação que lhe antecedeu, em particular a

Portaria de 2 de julho de 1816, impondo um conjunto de condicionamentos, cujas infrações

serão objeto de coimas:

“Art. 60.° É prohibido o transito nas matas e terrenos arborisados, fóra dos

caminhos, estradas e aceiros n'ellas abertos, sob pena das seguintes multas:

500 réis por cada pessoa;

1$000 réis por cada carro;

200 réis por cada cabeça de gado vaccum, cavallar, muar ou asinino;

100 réis por cada cabeça de gado ovelhum ou suino;

300 réis por cada cabeça de gado caprino.

§ 1.° Pelo gado vaccum bravo pagar-se-ha multa dobrada.

(…)

Art. 71.° Nas matas é prohibido accender fogueiras fóra dos logares para este fim

designados, sob pena da multa de 10$000 réis.

Art. 72.° É prohibido apascentar gado sem a competente licença nas matas e nas

plantações feitas por conta do estado, sob pena da multa de 400 réis por cada

cabeça de gado grosso, e 200 réis por cada cabeça de gado miúdo.

Art. 73.° É prohibido fazer queimadas a menos de 200 metros de distancia das

matas nacionaes, sob pena da multa de 10$000 a 20$000 réis.

§ unico. Quando, porém, qualquer proprietario limitrophe das matas nacionaes

tenha que lançar fogo nas matas e cavadas das suas propriedades, deverá

previamente pedir auctorisação ao chefe da respectiva circumscripção, para

que possam os guardas exercer a necessaria vigilancia.”

O impasse na implementação do Regime Florestal estabelecido pelo Decreto de 25 de

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novembro de 1886 e a contínua degradação da floresta nacional continuaram a ser temas de

preocupação no Parlamento, conforme provam os registos das várias atas dos debates

parlamentares do final do século XIX, destacando-se as sessões de 28 de abril de 1887 e a

sessão n.º 12, de 26 de janeiro de 1900, em que se exigiam reformas legislativas para a

floresta e inclusive a referência ao Código Florestal.

É precisamente na sessão n.º 12, de 26 de janeiro de 1900, que, pela mão do então ministro

das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Elvino José de Sousa e Brito (1898 – 1900), durante

o reinado de D. Carlos I (1889 – 1908), que se apresenta a proposta de lei de Bases para o

Regime Florestal.

Um ano depois, sendo Ernesto Hintze Ribeiro Presidente do Conselho de Ministros, é

publicado o Decreto de 24 de dezembro de 1901 que publica a lei de Execução do Regime

Florestal, a qual estabelece um conjunto de disposições legais com o fim de promover,

proteger e explorar os recursos florestais e assegurar a proteção dos solos, dos recursos

hídricos, dos complexos dunares e para a proteção climática, com especial enfoque na

reflorestação dos incultos e arborização das serras (Devy-Vareta, 2003). Este diploma

reformula o anterior, reforçando a posição do Estado, colocando em prática um plano de

ordenamento florestal e integrando todos os terrenos florestais considerados de interesse

público, passando os baldios para a administração direta dos Serviços Florestais. A

implementação desta legislação obrigou o Estado a proceder à organização dos serviços e à

constituição de uma polícia florestal.

Na “Secção I – Disposições especiaes de policia preventiva”, do “Capítulo VI – Policia florestal”,

deste Decreto, é estabelecido por um conjunto de artigos, definindo os condicionamentos para

o uso do fogo e demais práticas tradicionais, alvo de fiscalização e policiamento:

“Artigo 54.º O proprietário limítrophe da mata que desejar fazer alguma queimada

a menos de 200 metros do seu perímetro, deverá pedir previamente autorização

ao silvicultor, para este lhe marcar o dia e hora, e mandar exercer, no local da

queimada, a necessária vigilância contra o fogo.

Artigo 55.º Ao silvicultor que tiver a seu cargo qualquer mata cumpre designar por

editaes:

1.º Os sítios em que é prohibida a entrada de gado;

2.º Aquelles onde só é permitida a entrada de certa qualidade de gado;

3.º Aquelles em que é permitida a entrada de toda a qualidade de gado;

4.º O numero de cabeças que, nestes dois últimos casos, é permitido

introduzir.

Artigo 56.º Ao silvicultor compete conceder licenças para pastagem, devendo o

pastor que acompanhar o gado trazer consigo a respectiva licença, para ser

apresentada a qualquer empregado que a exija.

Artigo 57.º Todo o gado que transitar pelas matas, ou nellas pastar, deverá ser

acompanhado por uma ou mais pessoas e trazer por cada cinco cabeças um

chocalho, colocado de maneira a que nunca deixe de tocar.”

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A implementação do Regime Florestal e os condicionamentos de práticas tradicionais de uso e

ocupação do solo num território essencialmente rural, provocou logo no início uma forte

contestação popular. Prevendo-se esta situação, o próprio Decreto estabelece os delitos

florestais alvo de penas na “Secção IV – Delictos florestaes”:

“Artigo 78.º São considerados delictos florestaes os seguintes factos praticados

nas matas sujeitas ao regime florestal:

A entrada, sem licença, de pessoas, gados ou vehiculos nas matas, fora dos

caminhos públicos, estradas, aceiros ou arrifes;

(…)

A introdução do gado sem chocalho nos termos dos artigos 57.º e 58.º;

(…)

O facto de accender lume ou fogueira nas matas, fora dos locaes para tal fim

designados, ou fazer queimadas a menos de 200 metros do perímetro da mata,

sem autorização superior;”

No seguimento do articulado no Artigo 14.º do Decreto de 24 de dezembro de 1901, é

publicado pelo Decreto de 24 de dezembro de 1903 o Regulamento para a execução do regime

florestal. Este extenso diploma, com os seus 311 artigos, é um documento elaborado

minuciosamente e de um elevado pormenor técnico, mantendo-se em vigor até aos dias de

hoje. No entanto, os condicionamentos definidos no diploma anterior mantêm-se.

Em sequência deste diploma que reforça a implementação do Regime Florestal e o controlo do

Estado, o plano de arborização teve início nas antigas matas e coutadas do Estado e em 1910

os Serviços Florestais já tinham em andamento a instalação de povoamentos numa área

superior a 300 mil hectares.

Através do Decreto-Lei n.º 27 207, de 16 de novembro de 1936, é criada a Junta de

Colonização Interna e em 1938 é publicada a Lei n.º 1971 de 15 de junho – a Lei do

Povoamento Florestal. Com base nesta nova legislação, em 1939 dá-se início ao

reflorestamento dos montes comunitários – os baldios – cujas áreas de intervenção foram

reconhecidas pela Junta de Colonização Interna. Entre 1940 e 1960, cerca de 370 mil hectares

das áreas de baldios são submetidos ao Regime Florestal (Rego e Skulska, 2019).

Com a implementação do Regime Florestal e a necessidade de vigilância e fiscalização das

Matas Nacionais torna-se necessária a reorganização da Polícia Florestal, a qual será efetuada

através do Decreto n.º 12 625, de 3 de novembro de 1926. Com este novo diploma, verifica-se

o aumento do espaço condicionado para o uso do fogo, passando a distância mínima para

executar qualquer queimada de 200 para 1000 metros em relação às estremas das matas e

perímetros florestais:

“Art. 61.º Nos locais incendiados é proibido o fabrico de carvão, pastagem de gado

e o exercício da caça durante um ano, a contar do dia em que o incêndio tenha

ocorrido.

Art. 65.º É proibido, sob pena de multa de 100$ a 200$, fazer qualquer queimada,

sem autorização superior, a menos de 1 quilómetro de distância das extremas das

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matas e perímetros florestais.

§ único. O proprietário ou usuário limítrofe que desejar fazer alguma queimada

dentro dessa área defesa pedirá prévia licença para lhe ser marcado o dia e

hora e exercida pelos guardas, no local da queimada, a necessária vigilância

contra a propagação do fogo.”

A ampliação da submissão do Regime Florestal e o controlo dos Serviços Florestais das áreas

baldias, tradicionalmente geridas e administradas pelas comunidades, teve como consequência

forte resistência local pelas restrições impostas às práticas ancestrais e, em particular, à

silvopastorícia.

Os objetivos operacionais do plano de arborização e os conflitos com as comunidades rurais,

obrigam à reorganização e reforço da polícia florestal. Sendo assim, é publicado o Decreto-Lei

n.º 39 931, de 24 de novembro de 1954, com o fim de materializar esse reforço e trazendo

novas restrições ao uso do fogo e ao pastoreio, com um incremento das sanções por infração:

“Art. 2.º Os preceitos deste regulamento são aplicáveis às matas e terrenos já

submetidos ao regime florestal ou que venham a sê-lo, começando a surtir, para

estes últimos, trinta dias depois da publicação e afixação dos editais de que

depende a entrada em vigor do respectivo decreto de submissão.

Art. 36.º É proibido, sob pena de multa de 1.000$, fazer queimadas sem

autorização a menos de 3 km de distância das estremas das matas ou terrenos da

administrados pelos serviços florestais.

§ 1.º Se entre as estremas e o local da queimada se interpuser faixa de

cultura agrícola com um mínimo de 200 m de largura, a distância prevista no

corpo deste artigo fica reduzida para 1 km.

§ 2.º Quem pretender fazer alguma queimada dentro da área assim definida

deverá obter prévia licença das entidades florestais e tomará providências

necessárias contra a propagação do fogo, sendo sempre responsável pelas

consequências que a queimada possa vir a ter nas propriedades vizinhas.”

Em matéria de condicionamento do uso do fogo, apenas será publicada nova legislação

passados cerca de 16 anos, com o Decreto-Lei n.º 488/70, de 21 de outubro, o qual destaca a

necessidade de ações de prevenção florestal por consequência do aumento da área

arborizada, da melhoria do nível de vida das populações e a sua maior mobilidade, em

particular de uma maior afluência das populações urbanas às matas, porém sem muitas vezes

salvaguardar os cuidados na fruição destes espaços. Este diploma refere os problemas

derivados do clima, com períodos prolongados de seca, o que contribui para o aumento do

número de incêndios e da área ardida. Por outro lado, descreve a dificuldade de contratação de

mão-de-obra no meio rural para garantir a execução das ações de silvicultura e gestão do

combustível florestal e também para o combate aos incêndios florestais.

Este diploma, sendo inovador e importante para assinalar o Ano Europeu da Conservação da

Natureza designado pelo Conselho da Europa em 1970, reflete também a visão de uma

“floresta sem fogo” baseada nas condicionantes típicas do regime de supressão do fogo que

vêm sendo aplicadas desde há várias décadas até aos dias de hoje, como expresso no

respetivo ponto 3:

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“3. Entre as medidas agora publicadas, avultam as relativas à acção básica a

empreender – v. g., proceder-se-á a estudos destinados à adopção de medidas

com o objectivo de detectar ou eliminar as causas dos incêndios florestais,

determinar-se-ão as “épocas de perigo”, efectuar-se-ão campanhas educativas

sobre os meios que podem evitar ou eliminar os fogos nas florestas”

O Capítulo I estabelece um conjunto de medidas de prevenção, deteção e extinção dos

incêndios, destacando-se a necessidade elaboração de estudos, a realização de campanhas

educativas e a determinação de épocas de perigo e a necessidade de zonagem ou

classificação espacial de risco de incêndios florestais, bem como a envolvência dos municípios

na aplicação das medidas e a obrigatoriedade de execução de trabalhos de prevenção por

parte das pessoas:

“Artigo 1.º Com vista à prevenção, detecção e extinção dos incêndios florestais, a

Secretaria de Estado da Agricultura tomará as medidas adequadas e,

designadamente:

(…)

b) Determinará, com base em factores climáticos, as épocas de perigo, em que

devem intensificar-se as medidas de prevenção, detecção e combate dos

incêndios florestais;

(…)

Art. 4.º – 1. Constituem atribuições dos conselhos distritais:

a) O estudo das medidas destinadas a prevenir, detectar e combater incêndios

florestais;

b) A declaração das zonas de perigo, bem como a definição dos trabalhos de

carácter preventivo que nelas deverão ser realizados;

c) A determinação dos locais e épocas em que poderá ser proibida ou

condicionada a utilização de lume ou fogo, o acesso à floresta ou a outros locais, o

emprego de máquinas susceptíveis de provocar a deflagração de incêndios e o

lançamento de balões, fogo de artifício, pontas de cigarros ou qualquer outra coisa

susceptível de provocar incêndio;

d) Aprovar a organização concelhia de prevenção, detecção e combate a

incêndios florestais;”

Em consequência do articulado no Artigo 4.º, o uso fogo dentro de épocas de maior perigo será

alvo de aplicação de penas, cujo valor da multa se agravou quando comparado com o

estabelecido no último diploma:

“Art. 13.º As infracções das regras estabelecidas por força do disposto na alínea c)

do artigo 4.º constituem contravenções, que serão puníveis da seguinte forma:

Com a pena de um a dois meses de prisão e a multa de 1000$00 a

10000$00, a utilização do lume ou fogo (…)”

Após o 25 de Abril de 1974, são devolvidos os baldios às comunidades rurais, pela publicação

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do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de janeiro. No entanto, estes permanecem submetidos ao

Regime Florestal, maioritariamente em regime parcial, ou seja, em cogestão com o Estado

central.

A redução da presença dos Serviços Florestais a partir de 1974 numa paisagem

profundamente alterada e sob o efeito de fatores associados, em parte ou integralmente, às

políticas florestais seguidas ao longo do século XX e anteriores, os quais incluem: i) redução da

população rural; ii) acentuado abandono de usos e práticas tradicionais substituindo o

aproveitamentos dos recursos florestais por outras fontes de energia e alterando os sistemas

de produção agrária; iii) existência de vastas áreas cobertas de monoculturas de pinheiro-bravo

e o crescente aumento das propriedades florestais privadas, orientadas essencialmente para a

monocultura de eucalipto; tornaram várias zonas do território mais vulneráveis aos incêndios

florestais (Rego e Skulska, 2019).

Com o aumento anual do número de incêndios e da área ardida, no seguimento da Lei n.º

27/80, de 26 de julho, a Assembleia da República autoriza o Governo a legislar sobre

prevenção, deteção e combate a incêndios florestais, o que se concretiza pela publicação do

Decreto-Lei n.º 327/80, de 26 de agosto, que revoga Decreto-Lei n.º 488/70, de 21 de outubro.

Este novo Decreto-Lei não traz alterações substanciais em relação ao diploma anterior, porém

estabelece pela primeira vez a necessidade de planeamento para a deteção e redução das

causas, com prioridade para as “zonas críticas”, e destaca no seu Artigo 3.º a responsabilidade

dos municípios em matéria de proteção civil, estabelecendo um novo nível de responsabilidade

nesta matéria.

No ano seguinte, a pedido da Assembleia da República, o decreto é ratificado com emendas,

pela Lei n.º 10/81, de 10 de julho, mantendo-se no essencial o estabelecido no anterior

diploma, sendo, no entanto, retirado o artigo referente à obrigatoriedade de execução de

trabalhos de prevenção por parte das pessoas, assim como eliminado o artigo referente às

multas por infração, o qual será objeto de regulamentação futura:

“ARTIGO 12.º As infracções ao disposto no presente diploma, bem como as suas

sanções e o respectivo regime de fiscalização serão definidos no prazo de

sessenta dias pelo decreto que o venha regulamentar.”

Na sequência da Lei n.º 10/81, de 10 de julho, é publicado o Decreto Regulamentar n.º 55/81,

de 18 de dezembro, o qual “visa fundamentalmente definir as acções a desenvolver, atribuir

competências às entidades intervenientes e estabelecer as normas para a organização de todo

o sistema de prevenção, detecção e combate a fogos florestais, por forma a conseguir-se a

melhor coordenação de esforços e a mais eficiente utilização dos meios disponíveis”. É através

deste diploma que se define a zonagem do território quanto ao risco de incêndio, assim como

as épocas de fogos (neste contexto o conceito de “fogos florestais” refere-se a incêndios

florestais).

Para além da criação da figura de Comissão Especializada de Fogos Florestais (CEFF),

envolvendo os principais agentes do sistema, nos âmbitos territoriais distrital e municipal, assim

como a constituição de uma comissão com funções consultivas e técnicas junto dos Serviços

Florestais ao nível nacional, atribui competências aos diversos agentes envolvidos na

prevenção, fiscalização, deteção e combate e onde, pela primeira vez, se estabelece a

participação dos meios aéreos.

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O Artigo 3.º estabelece as “Épocas de fogos” que perduram até aos dias de hoje:

“ 1 – É considerado época normal de fogos o período compreendido entre 1 de

Junho e 30 de Setembro de cada ano.

(…)

4 – A determinação do risco momentâneo de incêndio será efectuada diariamente

e para períodos de 10 dias, desde 15 de Maio até 15 de Outubro.”

Sem identificar a quem compete a execução das ações de prevenção estrutural, este Decreto

Regulamentar estabelece, no Artigo 9.º do Capítulo III – “Da prevenção” as “Medidas

preventivas gerais de carácter policial”, a obrigatoriedade da gestão do combustível e da

criação de faixas ao redor do edificado e das infraestruturas (rede viária, rede ferroviária e

linhas de transporte de energia), assim como determina a proteção obrigatória das máquinas

de combustão que operam em espaço florestal e estabelece o condicionamento do uso do fogo

na então denominada “época normal de fogos”:

“1 – Em todas as zonas florestais, qualquer que seja a classificação atribuída nos

termos do artigo 2.º, é proibido durante a época normal de fogos:

a) Fazer queimadas em terrenos situados no interior das matas ou na sua

periferia, até 300 m dos seus limites;

b) Fazer fogo de qualquer espécie, incluindo fumar, no interior das matas e

nas vias que as atravessam;”

Mediante este diploma, as infrações às regras de utilização do fogo serão alvo de multas, cujo

valor foi agravado em relação ao estabelecido no Decreto-Lei n.º 327/80, de 26 de agosto, bem

como existe a referência ao uso do fogo com natureza de crime, ou seja, revestido de

intencionalidade e que deverá ser punido nos termos do Código Penal então vigente (Código

Penal de 1886):

“ARTIGO 24.º (Crimes)

As infracções às regras sobre utilização de fogo que revistam a natureza de

crime serão punidas nos termos do Código Penal.

ARTIGO 23.º (Contravenções)

1 – As infracções previstas no presente regulamento com carácter de

contravenção serão punidas nos seguintes termos:

a) As infracções previstas no n.º 1 do artigo 9.º, com multa de 5000$00 a

10000$00;”

Destaque ainda neste Decreto Regulamentar, como medida de prevenção, para o recurso à

técnica de fogo controlado pelo pessoal técnico dos Serviços Florestais ou credenciado por

estes. Este artigo no presente diploma é, sem dúvida, fruto do reconhecimento dos trabalhos

desenvolvidos por José Moreira da Silva, iniciados em 1976. Igualmente, recorde-se que é a

segunda referência legislativa ao uso do fogo técnico, após 230 anos da publicação do

“Regimento do Guarda Mór do Pinhal de Leiria” de 1751.

“ARTIGO 10.º (Medidas de prevenção e controle dos povoamentos)

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No âmbito da prevenção contra fogos florestais estabelecem-se as seguintes

medidas de controle dos povoamentos:

(…)

d) A técnica dos fogos controlados só pode ser utilizada sob orientação e

responsabilidade de pessoal técnico especializado da DGOGF ou por ela

credenciado e com aviso prévio ao corpo de bombeiros local.”

Entretanto, a par de toda a legislação de âmbito florestal que caraterizou as últimas décadas e

condicionou o uso do fogo, é aprovado o novo Código Penal, pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de

23 de setembro, o qual veio, transcorridos 96 anos, substituir o Código Penal de 16 de

setembro de 1886. No seu Artigo 254.º estabelece a pena resultante pelo uso do fogo de forma

negligente grave ou por dolo que crie perigo de incêndio florestal:

ARTIGO 254.º (Perigo de incêndio)

1 – Quem, por dolo ou grave negligência, criar perigo de incêndio em instalações

ou estabelecimentos facilmente inflamáveis, florestas, matas ou arvoredos, searas

ou campos onde se encontrem depositados ou semeados cereais, palha, feno ou

outros produtos agrícolas facilmente inflamáveis, não os vigiando ou lançando

objectos a arder, ainda que sem chama viva, será punido com prisão até 2 anos e

com multa até 30 dias.

2 – Se as coisas referidas no número anterior forem propriedade do agente, este

só será punido se, a um tempo, a vida ou a integridade física, ou bens patrimoniais

de grande valor de outra pessoa, forem por dolo ou grave negligência postos em

perigo.

O referido Decreto Regulamentar n.º 55/81, de 18 de dezembro, irá vigorar ao longo de 23

anos, até à sua revogação em 2004, praticamente sem sofrer alterações. No entanto, durante

este período foram realizados ajustamentos legislativos e novas redações pontuais de

determinados artigos, tendo sido publicados o Decreto Regulamentar n.º 67/85, de 22 de

outubro, a Lei n.º 19/86 de 19 de julho, o Decreto Regulamentar n.º 36/88, de 17 de outubro, a

Portaria n.º 341/90 de 7 de maio e os Decretos-Leis n.ºs 334/90, de 29 de outubro, 423/93, de

31 de dezembro e 310/2002, de 18 de dezembro.

No âmbito dos ajustamentos que conduziram a novas redações, as alterações mais

impactantes ocorrem sobretudo no incremento dos condicionalismos, em particular do uso do

fogo e das penas derivadas das infrações. A Lei n.º 19/86, de 19 de julho, constitui um diploma

legal centrado exclusivamente nas sanções em caso de incêndios florestais e nas punições,

com a clara intenção de desencorajar o uso do fogo por parte das comunidades rurais:

“ARTIGO 1.º

1 – Quem incendiar florestas, matas ou arvoredos que sejam propriedade de

outrem ou que, sendo propriedade do agente, tenham valor patrimonial

considerável ou possam, pela sua natureza e localização, comunicar o incêndio a

florestas, matas ou arvoredos de outrem será punido com prisão de três a dez

anos.

(…)

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ARTIGO 2.º

1 – Quem, por negligência, incendiar florestas, matas ou arvoredos que sejam

propriedade de outrem ou que, sendo propriedade do agente, tenham valor

patrimonial considerável ou possam, pela sua natureza e localização, comunicar o

incêndio a florestas, matas ou arvoredos de outrem será punido com pena de

prisão até três anos.

(…) ARTIGO 5.º

1 – Constitui contra-ordenação punida com coima de 20 000$00 a 100 000$00:

a) Fazer queimadas em terrenos situados no interior das matas ou na sua

periferia até 300 m dos seus limites;

b) Fazer fogo de qualquer espécie, incluindo fumar, no interior das matas e nas

vias que as atravessam;”

Por sua vez, o Decreto Regulamentar n.º 36/88, de 17 de outubro, altera a duração da “Época

normal de fogos” desse ano, prolongando-a de 30 de setembro para 30 de outubro de 1988, de

modo a permitir a aplicação sanções tal como consta no seu Artigo 1.º, ou seja, ampliando a

época onde o uso fogo deverá ser totalmente excluído:

“Artigo 1.º Prolonga-se até 30 de Outubro o período correspondente à “época

normal de fogos” de 1988, para efeitos de aplicação das normas preventivas e

sanções estabelecidas no Decreto Regulamentar 55/81, de 18 de Dezembro, e na

Lei 19/86, de 19 de Julho, em toda a área do continente.

Art. 2.º O artigo 3.º do Decreto Regulamentar 55/81, de 18 de Dezembro, passa a

ter a seguinte redacção:

Artigo 3.º Épocas de fogos

1 – Por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelo

planeamento e da administração do território, pela administração interna e pela

agricultura é fixado o período considerado época normal de fogos.”

Passados dois anos, procede-se a um novo ajustamento, através da publicação do Decreto-Lei

n.º 334/90 de 29 de outubro, o qual se justifica pela necessidade de aumentar o montante das

coimas, provavelmente com a mesma intenção do anterior diploma que, visando um aumento

das coimas pela infração derivada do uso do fogo, poderia resultar numa redução do número

de incêndios:

“Art. 2.º – 1 – Constitui contra-ordenação punível com coima de 20 000$00 a 250

000$00, no caso de pessoas singulares, ou a 6 000 000$00, no caso de pessoas

colectivas:

a) Fazer queimadas em terrenos situados no interior das matas ou na sua

periferia até 300 m dos seus limites;

b) Fazer fogo de qualquer espécie, incluindo fumar, no interior das matas e nas

vias que as atravessam;”

Durante a década de 90 a legislação não sofreu alterações substanciais em relação ao uso do

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fogo, seus condicionamentos e/ou penas por infração. A legislação sobre esta matéria centrou-

se sobretudo nas competências do governador civil, na sequência da publicação do Decreto-

Lei n.º 252/92, de 19 de novembro, que estabelece o seu estatuto, o conjunto de competências

e o regime dos atos praticados. O Decreto-Lei n.º 316/95, de 26 de novembro, no seu

articulado atribui ao governador civil, entre outras competências, o licenciamento de práticas

que envolvam o uso tradicional do fogo. No texto introdutório do Decreto refere-se o seguinte:

“O desenvolvimento desregulado de actividades marginais à economia legal tem

gerado um ambiente de reprovação pública e, em alguns casos, um sentimento de

insegurança que se fica a dever não só ao desvalor absoluto de algumas dessas

actividades como à circunstância de a sua prática estar associada à proliferação

de comportamentos desviantes, agravando situações já delicadas.”

O uso tradicional do fogo, nomeadamente as fogueiras e as queimadas, de cariz rural, é

colocado ao mesmo nível e no conjunto de atividades de natureza essencialmente urbana.

Sendo assim, conforme estabelecido nos Artigos 37.º e 38.º do Capítulo I do Anexo, as

fogueiras e as queimadas serão alvo de licenciamento e de punições por infração conforme o

estabelecido no Artigo 45.º Capítulo III:

“Artigo 37.º Fogueiras

1 – É proibido acender fogueiras nas ruas, praças e mais lugares públicos das

povoações, bem como a menos de 30 m de quaisquer construções e a menos de

300 m de bosques, matas, lenhas, searas, palhas, depósitos de substâncias

susceptíveis de arder e, independentemente da distância, sempre que deva

prever-se risco de incêndio.

(…)

Artigo 38.º Queimadas

1 – É proibido fazer queimadas que de algum modo possam originar danos em

quaisquer culturas ou bens pertencentes a outrem.

2 – O governador civil pode autorizar a realização de queimadas, mediante

audição prévia dos bombeiros da área, que determinarão as datas e os

condicionamentos a observar na sua realização.

(…)

Artigo 45.º Contra-ordenações

1 – Constituem contra-ordenações:

(…)

m) A realização, sem licença, das actividades previstas nos artigos 37.º e 38.º,

punida com coima de 50 000$00 a 200 000$00, quando da actividade proibida

resulta o perigo de incêndio, e de 10 000$00 a 50 000$00, nos demais casos;”

Em 2002, pelo Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, as competências dos governos

civis em matéria de licenciamento das diversas atividades previstas no diploma acima referido,

serão transferidas para as câmaras municipais, com o objetivo de reforçar a descentralização

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administrativa em benefício das populações. Por consequência, o licenciamento do uso do fogo

volta ao domínio do poder local, tal como sucedia até meados do século XIX.

Na sequência dos fatídicos incêndios florestais de 2003, com registo de vítimas civis e elevado

número de incêndios e uma vasta área ardida, tornou-se imperativa uma mudança na

prevenção destes eventos, que aumentaram nas décadas anteriores. Neste contexto, é

publicado o Decreto-Lei n.º 156/2004, de 30 de junho, que estabelece as medidas e ações a

desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Proteção da Floresta Contra

Incêndios, agora assente em três pilares de responsabilidades interministeriais e distribuindo

responsabilidades e competências de âmbito municipal ou intermunicipal, nomeadamente no

planeamento e no cumprimento de medidas de prevenção e de fiscalização.

Quanto aos condicionalismos ao uso do fogo, este novo Decreto-Lei vem determinar um

conjunto de regras visando a redução do potencial de propagação de incêndios florestais. Pela

primeira vez são definidos os conceitos relacionados com os diversos usos do fogo:

“Artigo 3.º Definições

Para efeitos do presente diploma entende-se por:

(…)

d) “Fogo controlado” a ferramenta de gestão de espaços florestais que consiste no

uso do fogo sob condições, normas e procedimentos conducentes à satisfação de

objectivos específicos e quantificáveis e que é executada sob responsabilidade de

técnico credenciado;

(…)

j) “Queima” o uso do fogo para eliminar sobrantes de exploração cortados e

amontoados;

l) “Queimadas” o uso do fogo para a renovação de pastagens;”

Uma vez mais, as novas regras reduzem-se à limitação das condições de uso do fogo, ao nível

espacial, alargando as limitações a todo o espaço rural (já não só no espaço florestal, mas

também no espaço agrícola) e temporal, pela implementação do chamado “Período crítico” que

vem substituir a anterior “Época normal de fogos”, entre 1 de Julho a 30 de Setembro e,

durante o ano dependendo do índice diário de risco meteorológico de incêndio (tendo sido

adaptado para o efeito o sistema canadiano “Fire Weather Index” – FWI). Na realidade, não se

trata de regulamentar o uso do fogo, mas antes limitá-lo:

“CAPÍTULO VI Uso do fogo

Artigo 20.º Queimadas

1 – Em todos os espaços rurais e de acordo com orientações emanadas pelas

CMDFCI, a realização de queimadas, definidas no artigo 3.º, só é permitida:

a) Sob orientação e responsabilidade de técnico credenciado pela entidade

competente, nos termos de portaria do Ministro da Agricultura,

Desenvolvimento Rural e Pescas; ou

b) Após licenciamento na respectiva câmara municipal, que designa a data

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para a realização dos trabalhos, podendo delegar na junta de freguesia.

2 – A realização de queimadas só é permitida fora do período crítico e desde que

o índice de risco de incêndio seja inferior ao nível elevado.

Artigo 21.º Queima de sobrantes e realização de fogueiras

1 – Em todos os espaços rurais, durante o período crítico não é permitido:

(…)

b) Queimar matos cortados e amontoados e qualquer tipo de sobrantes de

exploração.

2 – Em todos os espaços rurais, fora do período crítico e desde que se verifique o

índice de risco de incêndio de níveis muito elevado e máximo, mantêm-se as

restrições referidas no número anterior.

(…)

4 – Exceptuam-se do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 a queima de

sobrantes de exploração, decorrente de exigências fitossanitárias de cumprimento

obrigatório, a qual deverá ser realizada com a presença dos bombeiros.”

Igualmente, o Decreto-Lei n.º 156/2004, de 30 de junho, estabelece o uso do fogo técnico no

Capítulo IV, dedicado às “Medida preventivas”:

“Artigo 17.º Fogo controlado

1 – O fogo controlado só pode ser realizado sob orientação e responsabilidade de

técnico credenciado para o efeito, de acordo com as normas técnicas e funcionais

a definir em regulamento, a aprovar por portaria do Ministro da Agricultura,

Desenvolvimento Rural e Pescas.

2 – O técnico é credenciado pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais.

3 – A realização de fogo controlado só é permitida fora do período crítico e desde

que o índice de risco de incêndio seja inferior ao nível elevado.”

Os anos 2004 e 2005 também ficaram marcados por uma elevada área ardida e número de

incêndios florestais. Passados dois anos da publicação do Decreto-Lei n.º 156/2004 de 30 de

junho, é aprovado o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) através

da Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006, publicada a 26 de maio. Assumiram-se

para o desenvolvimento das políticas setoriais e para o cumprimento dos objetivos e metas os

períodos que vão de 2006 a 2012 e de 2012 a 2018.

No seguimento da Resolução, é publicado o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, que

revoga o anterior Decreto-Lei, porém mantém o conceito de Defesa da Floresta contra

Incêndios (DFCI) assente em três pilares de responsabilidades, o primeiro relativo à prevenção

estrutural, o segundo à vigilância, deteção e fiscalização e o terceiro ao combate, rescaldo e

vigilância pós-incêndio, e estabelecendo as medidas e ações estruturais e operacionais

relativas à prevenção e proteção das florestas contra incêndios, a desenvolver no âmbito do

Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (SNDFCI).

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Quanto ao uso tradicional do fogo, este novo diploma tenta impor uma componente mais

técnica de acompanhamento e monitorização na realização das queimadas, através da

exigência da presença de um técnico ou, na sua ausência, a presença de uma equipa de

bombeiros ou de sapadores florestais. No que se refere à queima de sobrantes e amontoados

agrícolas ou florestais, mantêm-se as disposições do anterior Decreto-Lei. Da mesma forma, os

montantes das coimas por infração voltam a aumentar, procurando com insistência um efeito

dissuasor sobre o uso do fogo:

“Artigo 27.º Queimadas

1 – A realização de queimadas, definidas no artigo 3.º, deve obedecer às

orientações emanadas pelas comissões municipais de defesa da floresta contra

incêndios.

2 – A realização de queimadas só é permitida após licenciamento na respectiva

câmara municipal, ou pela junta de freguesia se a esta for concedida delegação de

competências, na presença de técnico credenciado em fogo controlado ou, na sua

ausência, de equipa de bombeiros ou de equipa de sapadores florestais.

3 – Sem acompanhamento técnico adequado, a queima para realização de

queimadas deve ser considerada uso de fogo intencional.”

No que se refere ao fogo técnico, o novo diploma define o conceito da técnica de “Contrafogo”

e altera as condições de realização do fogo controlado, ampliando o seu uso a bombeiros com

qualificação para o efeito, porém sem a descrever, e reportando a definição das normas e

regulamentos deste uso do fogo para um regulamento a aprovar em portaria:

“Artigo 3.º Definições

1 – Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

d) “Contrafogo” a técnica que consiste em queimar vegetação, contra o vento, num

local para onde se dirige o incêndio, destinando-se a diminuir a sua intensidade,

facilitando o seu domínio e extinção;

CAPÍTULO V Uso do fogo

Artigo 26.º Fogo controlado

1 – O fogo controlado só pode ser realizado de acordo com as normas técnicas e

funcionais a definir em regulamento, a aprovar por portaria conjunta do Ministro de

Estado e da Administração Interna e do Ministro da Agricultura, do

Desenvolvimento Rural e das Pescas.

2 – O fogo controlado é executado sob orientação e responsabilidade de técnico

credenciado para o efeito pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais ou, na sua

ausência, por bombeiros com qualificação para o efeito.”

Em 13 de julho de 2004, através de protocolo estabelecido entre a Agência para a Prevenção

de Incêndios Florestais do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e a

Associação Nacional de Municípios Portugueses, são criados os Gabinetes Técnicos Florestais

(GTF). Consequentemente, entre 2004 e 2005 foram instalados nos municípios GTF com um

técnico dedicado ao planeamento e monitorização da prevenção dos incêndios florestais, num

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trabalho de proximidade com a população. Compete ao GTF a elaboração do Plano Municipal

de Defesa da Floresta Contra Incêndios, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 124/2006,

de 28 de junho.

Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 156/2004, de 30 de julho, é publicado o

primeiro regulamento para o uso do fogo técnico, regulamentado pela Portaria n.º 1061/2004,

de 21 de agosto. O Regulamento do Fogo Controlado assim aprovado centra-se sobretudo na

definição do processo de credenciação e tramitação processual do planeamento. Ainda que

refira na alínea b) do ponto 3 a necessidade de aprovação num curso, não descreve o

processo e a validação da formação. Além disto, impõe como critério para a credenciação a

licenciatura na área das Ciências Florestais:

“3 – Credenciação – a) Os técnicos especializados em fogo controlado são

credenciados pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais.

b) Constituem requisitos cumulativos da credenciação a detenção, pelos técnicos,

de formação base de nível superior na área das Ciências Florestais e a respectiva

aprovação em curso de especialização ministrado por entidades acreditadas.

c) Excepcionalmente, podem vir a ser credenciados outros indivíduos que

desenvolvam actividade profissional na gestão do fogo, mediante frequência e

aproveitamento no curso da especialização referido na alínea anterior e desde que

devidamente enquadrados pelo seu organismo de tutela.”

Destaque-se ainda a validade da credenciação que dependeria da atividade do técnico,

baseada em relatórios de execução, sendo renovável de dois em dois anos.

“e) A credenciação obtida nos termos das alíneas a) e c) é válida por dois anos,

sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, mediante avaliação do

desempenho baseada nos relatórios de execução e avaliação dos resultados do

fogos controlados previstos no Regulamento do Fogo Controlado.”

A publicação da Lei n.º 20/09, de 12 de maio, transfere atribuições para os municípios em

matéria de constituição e funcionamento dos GTF, mas também atribuições no domínio da

prevenção e da defesa da floresta, entre as quais a preparação e a elaboração de um

regulamento de uso tradicional do fogo:

“Artigo 2.º Âmbito

São transferidas para os municípios as seguintes atribuições:

(…)

j) Preparação e elaboração do quadro regulamentar respeitante ao licenciamento

de queimadas, nos termos do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de

Junho, a aprovar pela assembleia municipal;”

Em 2009, procede-se à alteração do Decreto-Lei n.º 124/2006 mediante a publicação do

Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro. No que se refere ao uso do fogo, este novo diploma

procura clarificar conceitos, alterando definições e ampliando as regras de uso do fogo técnico

para além do fogo controlado, ou seja, integrando na legislação o uso do fogo de supressão:

“Artigo 3.º

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Definições

1 – Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

(…)

d) “Contrafogo” o uso do fogo no âmbito da luta contra os incêndios florestais,

consistindo na ignição de um fogo ao longo de uma zona de apoio, na dianteira de

uma frente de incêndio de forma a provocar a interacção das duas frentes de fogo

e a alterar a sua direcção de propagação ou a provocar a sua extinção;

i) “Fogo de supressão” o uso do fogo no âmbito da luta contra os incêndios

florestais, compreendendo o fogo táctico e o contrafogo;

j) “Fogo táctico” o uso do fogo no âmbito da luta contra os incêndios florestais,

consistindo na ignição de um fogo ao longo de uma zona de apoio com o objectivo

de reduzir a disponibilidade de combustível, e desta forma diminuir a intensidade

do incêndio, terminar ou corrigir a extinção de uma zona de rescaldo de maneira a

diminuir as probabilidades de reacendimentos, ou criar uma zona de segurança

para a protecção de pessoas e bens;

(…)

l) “Fogo técnico” o uso do fogo que comporta as componentes de fogo controlado

e de fogo de supressão;

(…)

x) “Queima” o uso do fogo para eliminar sobrantes de exploração, cortados e

amontoados;

z) “Queimadas” o uso do fogo para renovação de pastagens e eliminação de

restolho e ainda, para eliminar sobrantes de exploração cortados mas não

amontoados;”

O Artigo 26.º, que estabelece as condições do uso do fogo técnico, procura impor uma

componente exclusivamente técnica sob controlo dos Serviços Florestais, em particular no uso

do fogo de supressão no combate aos incêndios florestais, com o fim de regrar este recurso

por vezes utilizado de forma sem qualquer planeamento e registo ou mesmo sem

conhecimento do comando de operações.

“Artigo 26.º Fogo técnico

1 – As acções de fogo técnico, nomeadamente fogo controlado e fogo de

supressão, só podem ser realizadas de acordo com as normas técnicas e

funcionais a definir em regulamento da Autoridade Florestal Nacional, homologado

pelo membro do Governo responsável pela área das florestas, ouvidas a

Autoridade Nacional de Protecção Civil e a Guarda Nacional Republicana.

2 – As acções de fogo técnico são executadas sob orientação e responsabilidade

de técnico credenciado para o efeito pela Autoridade Florestal Nacional.

3 – A realização de fogo controlado pode decorrer durante o período crítico, desde

que o índice de risco temporal de incêndio florestal seja inferior ao nível elevado e

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desde que a acção seja autorizada pela Autoridade Nacional de Protecção Civil.

4 – Os comandantes das operações de socorro, nas situações previstas no

Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro, podem, após

autorização expressa da estrutura de comando da Autoridade Nacional de

Protecção Civil registada na fita do tempo de cada ocorrência, utilizar fogo de

supressão.

5 – Compete ao gabinete técnico florestal de cada município o registo cartográfico

anual de todas as acções de gestão de combustíveis, ao qual é associada a

identificação da técnica utilizada e da entidade responsável pela sua execução, e

que deve ser incluído no plano operacional municipal.”

Nos termos do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 124/2006 as queimadas seriam realizadas de

acordo com as orientações emanadas pelas comissões municipais de defesa da floresta e

transpostas para o respetivo regulamento de uso e licenciamento, o Decreto-Lei n.º 17/2009

vem alterar aquele artigo e, condicionando a realização das queimadas segundo as

orientações emanadas ao nível distrital, porém mantendo-se o licenciamento no âmbito das

competências da câmara municipal ou da junta de freguesia:

“Artigo 27.º Queimadas

1 – A realização de queimadas, definidas no artigo 3.º, deve obedecer às

orientações emanadas das comissões distritais de defesa da floresta.”

Com a aprovação da Lei Orgânica da Autoridade Florestal Nacional publicada pelo Decreto-Lei

n.º 159/2008 de 8 de agosto, é estabelecida a obrigação de criação, estruturação e

organização de um dispositivo de prevenção estrutural (DIPE). Tendo por base este diploma, é

publicada a Portaria n.º 35/2009, de 16 de janeiro, que define a missão da DIPE no âmbito faz

diretivas operacionais aprovadas pela Comissão Nacional de Proteção Civil. Neste contexto e

em articulado com o definido no Artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 17/2009, são constituídas no

seio dos Serviços Florestais duas unidades operacionais para uso do fogo técnico, quer ao

nível da prevenção atuando sobre a gestão dos combustíveis com recurso ao fogo controlado

quer ao nível do combate atuando como analistas táticos no apoio à decisão e no uso do fogo

de supressão.

Cabe salientar que esta Portaria vem formalizar e legitimar dois grupos que já existiam

informalmente desde 2006.

De acordo com o Artigo 6.º Portaria n.º 35/2009, os técnicos dedicados ao apoio ao combate

aos incêndios integravam o Grupo de Analistas e Utilizadores de Fogo (GAUF) de acordo as

seguintes funções e estrutura:

“Artigo 6.º Grupo de Analistas e Utilizadores de Fogo

1 – O Grupo de Analistas e Utilizadores de Fogo, adiante designado por GAUF, é

a estrutura da AFN à qual cumpre:

a) A análise e apoio à decisão, em articulação com os comandos operacionais,

em teatros de operações de grandes incêndios florestais;

b) A colaboração na gestão de meios em teatros de operações de grandes

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incêndios florestais;

c) O uso do fogo de supressão no combate a incêndios florestais;

d) A inovação e o desenvolvimento de técnicas de análise e utilização do fogo.

2 – O GAUF depende directamente do director nacional de Defesa da Floresta,

sendo accionado e coordenado operacionalmente de acordo com o previsto nas

directivas operacionais aprovadas pela Comissão Nacional de Protecção Civil.

3 – O GAUF tem a seguinte constituição:

a) Técnicos coordenadores – a quem cumpre a organização do Grupo, a

verificação das capacidades técnicas dos seus membros e a plena realização

dos critérios de manutenção da garantia de competência;

b) Técnicos especialistas – a quem cumpre a liderança de uma equipa em

operação, a verificação das condições técnicas de operação e a garantia da

segurança dos elementos da equipa;

c) Técnicos – a quem cumpre a execução das tarefas de análise, extinção e

controlo.

4 – Os procedimentos de actuação do GAUF são definidos em norma operacional

da AFN.

5 – Os elementos do GAUF podem, nos termos da lei vigente, ser contratados

pela AFN em regime de prestação de serviços, devendo o contrato determinar a

forma de articulação e de resposta.”

O Artigo 7.º da mesma Portaria estabelece a estrutura e funções da unidade dedicada ao uso

do fogo controlado, constituindo o Grupo de Gestores de Fogo Técnico (GeFoCo):

“Artigo 7.º Grupo de Gestores de Fogo Técnico

1 – O Grupo de Gestores de Fogo Técnico, adiante designados por GeFoCo, é a

estrutura da Autoridade Florestal Nacional à qual cumpre o desenvolvimento e

execução de técnicas de planeamento e gestão no âmbito da prevenção

estrutural.

2 – O GeFoCo é constituído por equipas de três elementos, um dos quais

coordena.

3 – Compete ao GeFoCo, em articulação com as autoridades distritais e

municipais a dinamização da concretização dos planos de fogo controlado,

nomeadamente:

a) O planeamento e a execução de operações de gestão de combustível com

fogo controlado, em áreas públicas ou comunitárias, nomeadamente a

implementação da rede de faixas e de mosaicos de gestão de combustível;

b) O apoio ao planeamento e à execução de operações de gestão de

combustível com fogo controlado em áreas privadas ou comunitárias.”

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Em 2010 estes grupos foram extintos da estrutura da Autoridade Florestal Nacional.

A Lei n.º 20/2009 de 12 de maio que estabelece a transferência de atribuições para os

municípios em matéria de constituição e funcionamento dos gabinetes técnicos florestais, bem

como outras no domínio da prevenção e da defesa da floresta vem, pela alínea j) do Artigo 2.º

transferir para os municípios a atribuição de elaboração do quadro regulamentar respeitante ao

licenciamento de queimadas, nos termos do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 124/2006 (na sua

nova redação, obedecendo às orientações da respetiva CDDF), cujo regulamento carece de

aprovação da assembleia municipal.

De acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei 17/2009, é publicado

nesse ano o Regulamento do Fogo Técnico aprovado pelo Despacho n.º 30/90, de 15 de maio,

do Presidente da Autoridade Florestal Nacional, homologado e publicado em anexo ao

Despacho n.º 14031/2009, de 22 de junho “que define as normas técnicas e funcionais para a

sua aplicação, os requisitos para a formação profissional, e os pressupostos da credenciação

das pessoas habilitadas a planear e a executar fogo controlado e fogo de supressão”. Este

novo diploma, através do seu Anexo, procura clarificar os pressupostos e as condições

definidas no seu antecessor Regulamento do Fogo Controlado, publicado pela Portaria n.º

1061/2004. A extensão das condições normativas para o fogo de supressão estabelecidas no

Regulamento do Fogo Técnico encontra-se justificada no texto introdutório do Anexo:

“A utilização do fogo no âmbito do combate a incêndios florestais constitui uma

das técnicas mais eficazes de supressão. No entanto, é também a mais exigente

em termos de segurança de pessoas e bens e no conhecimento necessário para

prever os seus resultados e consequências. A simplicidade de meios e de técnicas

com que pode ser executado, o reduzido esforço físico necessário e a enorme

eficácia e rapidez com que pode resolver diversas situações, tornam o fogo de

supressão uma ferramenta acessível e atractiva para muitos dos intervenientes no

teatro de operações, podendo conduzir ao seu uso exagerado e desenquadrado,

sobretudo quando os utilizadores não possuam a preparação necessária.

A possibilidade de usar o fogo de supressão deve ser avaliada como o último

recurso a utilizar ou quando sejam nítidas e importantes as vantagens

relativamente à utilização das outras técnicas de combate.”

Este novo diploma que vem reger o uso do fogo técnico destaca-se pelo maior rigor e detalhe

quanto ao processo de credenciação, de reconhecimento de cursos, da constituição da bolsa

de formadores e de todo o processo de elaboração do planeamento e sua monitorização. No

entanto, continua em falta a descrição dos módulos formativos e a sua carga horária para o

devido reconhecimento dos cursos.

Em relação ao anterior, este novo Regulamento alarga o universo da formação de base

superior, considerando as ciências agrárias ou do ambiente, para além das ciências florestais e

altera o prazo de validade de credenciação de 2 para 5 anos e na segunda renovação, a

credenciação torna-se vitalícia.

“Artigo 5.º Requisitos para a credenciação de técnicos especializados em fogo

controlado

1 – A credenciação de técnicos especializados em fogo controlado compete à

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AFN, a requerimento do interessado.

2 – São requisitos cumulativos para a credenciação de técnico especializado em

fogo controlado:

Formação base de nível 5 na área das ciências florestais, agrárias ou do

ambiente;

Artigo 7.º Validade e renovação da credenciação em fogo controlado

1 – O cartão de credenciação é válido por 5 anos, renovável por igual período.

2 – A renovação do cartão de credenciação é feita mediante requerimento do

interessado à AFN, que analisará o desempenho demonstrado durante um mínimo

de 150 horas, com base nos registos do livro de campo e na base de dados a que

se refere o n.º 2 do artigo 6.º, nos planos de fogo controlado (PFC) e nos planos

operacionais de queima (POQ) elaborados pelo requerente.

3 – A segunda renovação do cartão de credenciação confere carácter vitalício a

este documento.

Artigo 8.º Suspensão e revogação da credenciação em fogo controlado

1 – O cartão de credenciação em fogo controlado pode ser suspenso, pela AFN,

para efeitos de procedimento de averiguação, sempre que:

a) Sejam desrespeitadas as normas legais e regulamentares, e demais regras

de boa prática e segurança, aplicáveis à utilização do fogo controlado;

b) As instruções emanadas pelas entidades competentes no âmbito do Sistema

de Defesa da Floresta Contra Incêndios sejam desobedecidas;

c) Sejam causados incêndios florestais.”

No Capítulo III dedicado ao fogo de supressão destaca-se que o seu uso em operações de

combate aos incêndios será realizado sob a orientação de um técnico credenciado pelos

Serviços Florestais (AFN – Autoridade Florestal Nacional), o qual deverá estar credenciado em

fogo controlado, o que pressupõe o cumprimento dos requisitos inerentes, tais como a

formação superior de base em ciências florestais, agrárias ou ambientais.

Este capítulo do fogo de supressão segue em linhas gerais o definido nas normas que regem o

fogo controlado com as adaptações próprias a este uso do fogo, tais como o processo de

credenciação, o reconhecimento dos cursos e os registos de atividade enquanto técnico de

fogo de supressão. Entre os diversos artigos, destaca-se o Artigo 17.º, que estabelece os

requisitos para a credenciação, bem como o Artigo 20.º sobre a suspensão da credenciação:

“Artigo 17.º Requisitos para a credenciação de técnicos especializados em fogo de

supressão

(…)

2 – A credenciação de técnicos especializados em fogo de supressão compete à

AFN, a requerimento do interessado.

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3 – São requisitos cumulativos para a credenciação de técnico especializado em

fogo de supressão:

a) Credenciação em fogo controlado;

b) Experiência mínima de 200 horas na realização de fogos controlados como

responsável de queima, nos 5 anos precedentes ao pedido de credenciação

em fogo de supressão, comprovados através dos registos no livro de campo,

ou de atestação de entidades beneficiárias dessas acções, sujeita a verificação

por parte da AFN;

c) Frequência de curso de formação em análise de incêndios e uso do fogo,

reconhecido pela AFN, ou de curso ministrado fora do território nacional cuja

equivalência seja por esta reconhecida;

d) Participação comprovada, através dos registos no livro de campo ou de

atestação de entidade do SIOPS, em acções de coordenação ou como

operacional de combate a incêndios florestais durante pelo menos 100 horas,

ou 10 incêndios, posteriormente à frequência do curso de formação referido na

alínea anterior;

e) Apresentação de relatório resumo da análise do comportamento do fogo e

de propostas de intervenção dos 5 incêndios mais relevantes em que tenha

participado.

Artigo 20.º Suspensão e revogação da credenciação em fogo de supressão

1 – O cartão de credenciação em fogo de supressão pode ser suspenso, pela

AFN, para efeitos de procedimento de averiguação, sempre que:

a) Sejam desrespeitadas as normas legais e regulamentares, e demais regras

de boa prática e segurança, aplicáveis à utilização do fogo de supressão;

b) Sejam desobedecidas as instruções das entidades competentes no âmbito

do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios;

c) Sejam causados prejuízos por desrespeito dos princípios de utilização da

técnica.”

Por necessidade de transposição do articulado da Directiva 2008/99/CE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, relativa à proteção do ambiente através do direito

pena,l e da Directiva 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro,

relativa à poluição por navios e à introdução de sanções em caso de infrações, é alterado o

Código Penal, pela Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro, a qual, entre os diversos crimes de

dano contra a natureza e de poluição, estabelece no seu Artigo 274.º o crime de incêndio

florestal, abrangendo o uso do fogo para a renovação das pastagens:

“Artigo 274.º

[…]

1 – Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou

pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola,

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próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”

Com o fim de clarificar as competências do uso do fogo técnico nas vertentes de prevenção e

combate, ou seja, fogo controlado e fogo de supressão, respetivamente, é publicado o Decreto-

Lei n.º 83/2014 de 23 de maio. Este decreto procede à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º

124/2006, trazendo uma nova redação ao Artigo 26.º referente ao uso do fogo técnico, fazendo

uma separação e atribuindo competências aos Serviços Florestais (ICNF) no âmbito do uso do

fogo controlado e à Autoridade Nacional de Proteção Civil no âmbito do uso do fogo de

supressão de incêndios florestais:

“Artigo 26.º

[…]

1 – As ações de fogo técnico, nas modalidades de fogo controlado e fogo de

supressão, só podem ser realizadas de acordo com as normas técnicas e

funcionais a definir em regulamento do Instituto da Conservação da Natureza e

das Florestas, I.P., homologado pelo membro do Governo responsável pela área

das florestas, ouvidas a Autoridade Nacional de Proteção Civil e a Guarda

Nacional Republicana.

2 – As ações de fogo controlado são executadas sob orientação e

responsabilidade de técnico credenciado para o efeito pelo Instituto da

Conservação da Natureza e das Florestas, I.P.

3 – As ações de fogo de supressão são executadas sob orientação e

responsabilidade de técnico ou de operacional credenciados para o efeito pela

Autoridade Nacional de Proteção Civil.

4 – [Anterior n.º 3].

5 – Os comandantes das operações de socorro podem, após autorização

expressa da estrutura de comando da Autoridade Nacional de Proteção Civil,

registada na fita do tempo de cada ocorrência, utilizar fogo de supressão.”

Na sequência deste diploma, que determina que “as ações de fogo técnico, nas modalidades

de fogo controlado e de fogo de supressão, só podem ser realizadas de acordo com as normas

técnicas e funcionais a definir em regulamento próprio, a aprovar pelo Instituto da Conservação

da Natureza e das Florestas, I. P“, é publicado o Despacho n.º 7511/2014, de 9 de junho, o

qual revoga o Regulamento do Fogo Técnico aprovado pelo Despacho n.º 30/90, de 15 de

maio, do Presidente da Autoridade Florestal Nacional, homologado e publicado em anexo ao

Despacho n.º 14 031/2009.

Este novo Regulamento do Fogo Técnico mantém praticamente a estrutura do seu antecessor.

Contudo as alterações mais profundas centram-se: i) na separação de competência na

atribuição da credenciação no uso do fogo controlado e no uso do fogo de supressão, pelo

ICNF e pela ANPC, respetivamente; ii) na possibilidade de credenciação de outros técnicos de

formação de base superior de outras áreas académicas mas que possuam no programa,

obrigatoriamente, conteúdos programáticos em proteção e defesa da floresta, silvicultura,

ciências agrárias, ciências do ambiente ou ecologia; iii) na revogação da credenciação de

carácter vitalício, após duas renovações, como definida no anterior Regulamento, pelo que a

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nova redação obriga a que a manutenção da credenciação dependerá da apresentação de

atividade, no mínimo de 150 horas, com base em registos monitorizados pelos Serviços

Florestais (ICNF) no período de 5 anos de validade da credenciação; e iv) na criação da figura

de Operacional de queima, abrindo o acesso à formação do uso fogo a detentores de formação

não superior e de outras áreas académicas que não cumprem os requisitos exigidos para a

credenciação como técnico de fogo controlado.

O novo Regulamento do Fogo Técnico é um documento muito mais completo, quando

comparado com o anterior, definindo com detalhe os conteúdos das unidades de formação e

carga horária dos cursos de formação de fogo controlado e de análise de incêndios e uso do

fogo de supressão. A formação obrigatória para a credenciação de operacional de queima pelo

ICNF encontra-se definida no Artigo 25.º:

«Artigo 25.º Requisitos de credenciação de operacional de queima

1 – A credenciação de operacional de queima compete ao ICNF, IP, a

requerimento do interessado.

2 – Pode ser credenciado como operacional de queima, quem possuir qualquer

uma das seguintes habilitações:

a) Formação de nível 4 ou superior, de acordo com o QNQ, cujo plano de

formação integre os conteúdos programáticos definidos pelo ICNF, IP, para o

curso de formação em fogo controlado;

b) Formação de nível 2 ou superior, de acordo com o QNQ, e a qualificação de

sapador florestal, correspondente ao referencial de formação "623239 –

Sapador Florestal";

c) Formação de nível 2 ou superior, de acordo com o QNQ, e formação

modular certificada nas unidades de formação de curta duração "3127 –

Prevenção de Incêndios Florestais", "3733 – Fenomenologia da Combustão e

Agentes Extintores", "3741 – Operações de Extinção de Incêndios Florestais" e

"5377 – Fogo Controlado – Apoio", do referencial de formação "623239 –

Sapador Florestal";

d) Formação de nível 2 ou superior, de acordo com o QNQ, e a categoria de

bombeiro de 1.ª Classe ou superior e formação modular certificada nas

unidades de formação de curta duração "3127 – Prevenção de Incêndios

Florestais" e "5377 – Fogo Controlado – Apoio", do referencial de formação

"623239 – Sapador Florestal".»

Decorrente dos termos do Artigo 18.º, a credenciação de técnicos em fogo de supressão está

dependente da credenciação em fogo controlado e da experiência mínima de 150 horas na

execução de fogos controlados como responsável de queima. O cumprimento deste requisito

implica a formação de base superior conforme o estabelecido no Artigo 5.º para a credenciação

de técnicos especializados em fogo controlado e a obrigatoriedade de experiência confirmada

na função de chefe de queima, o que provará o domínio em matérias como interpretação do

comportamento do fogo e pirometeorologia, essenciais quer no uso do fogo controlado quer no

uso do fogo de supressão.

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Após o grande incêndio de Pedrógão Grande, procedeu-se à quinta alteração ao Decreto-Lei

n.º 124/2006 que estrutura o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios (SDFCI),

introduzindo uma nova redação pela Lei n.º 76/2017, de 17 de agosto. Este diploma vem

aportar novas regras no uso do fogo, quer na sua vertente técnica quer no seu uso dito

tradicional. A grande novidade, neste contexto, é a inclusão e a definição das regras para a

aplicação de fogo de gestão do combustível, o qual é definido no Artigo 3.º da Lei:

“Artigo 3.º

[…]

1 – …

m) 'Fogo de gestão de combustível', o uso do fogo que, em condições

meteorológicas adequadas, e em espaços rurais de reduzido valor, permite a

evolução do incêndio rural dentro de um perímetro preestabelecido, com um

menor empenhamento de meios de supressão no interior do mesmo;

n) 'Fogo de supressão', o uso técnico do fogo no âmbito da luta contra os

incêndios rurais compreendendo o fogo tático e o contrafogo, quando

executado sob a responsabilidade do Comandante das Operações de Socorro

(COS);”

Quanto ao uso do fogo técnico, no Artigo 26.º onde se define a aplicação do fogo controlado e

do fogo de supressão, não são apresentadas alterações profundas. No entanto, no Artigo 3.º B

e no Artigo 26.º A estabelecem-se as normas que irão reger o fogo de gestão de combustível,

sendo este igualmente de âmbito exclusivamente técnico. É sem dúvida um processo inovador

na legislação nacional no contexto de extinção de incêndios, onde estes, de acordo com as

suas características, de baixo impacto e severidade, passam a ser geridos em vez de serem

imediatamente extintos, como é prática comum.

“Artigo 3.º-B

Atribuições

2 – São atribuições das comissões municipais:

(…)

n) Aprovar a delimitação das áreas identificadas em sede do planeamento

municipal com potencial para a prática de fogo de gestão de combustível.

Artigo 26.º-A

Fogo de gestão de combustível

1 – Nas áreas delineadas no Plano Operacional Municipal com potencial de

recurso o fogo de gestão de combustível pode a opção por esta prática ser

solicitada pelo COS.

2 – Nas situações previstas no número anterior a autorização da aplicação desta

prática carece de decisão favorável por parte do Comandante Distrital da ANPC,

ouvidos os oficiais de ligação do ICNF, I. P., e da GNR do Centro de Coordenação

Operacional Distrital desse distrito.

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3 – O fogo de gestão de combustível só é permitido quando as condições

meteorológicas locais e previstas se enquadrem nas condições de prescrição do

fogo controlado descritas no regulamento do fogo técnico, anexo ao Despacho n.º

7511/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 110, de 9 de junho.

4 – Podem excecionar-se situações não previstas no artigo anterior caso um

técnico credenciado em fogo controlado ou um técnico credenciado em fogo de

supressão avaliem que as condições meteorológicas possibilitam a utilização do

fogo de gestão de combustível.

5 – A avaliação das condições meteorológicas que possibilitam a utilização do

fogo de gestão de combustível é registada na fita do tempo do incêndio assim

como a identificação de técnico que realizou a avaliação.

6 – O recurso ao fogo de gestão de combustível deverá ser acompanhada pelo

Comando Distrital de Operações de Socorro em estreita articulação com o COS

garantindo que se mantêm as condições inicialmente previstas para a sua

realização.

7 – As áreas sujeitas a fogo de gestão de combustível são obrigatoriamente

cartografadas, independentemente da sua dimensão, e inequivocamente

assinaladas como tendo sido resultado desta prática.

8 – As áreas ardidas resultantes de fogo de gestão de combustível devem registar-

se como tal no Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais (SGIF) e

contabilizadas autonomamente.”

Quanto às normas e condicionamentos sobre a prática do uso tradicional do fogo não se

apresentam alterações profundas em relação à redação anterior. No entanto, o diploma

estabelece a necessidade de autorização das queimadas pelo município ou pela junta de

freguesia, sendo estas realizadas de acordo com as orientações emanadas das comissões

distritais, mas registadas por aqueles órgãos da administração local no Sistema de Gestão de

Informação de Incêndios Florestais (SGIF).

Artigo 27.º Queimadas

1 – A realização de queimadas, definidas no artigo 3.º, deve obedecer às

orientações emanadas das comissões distritais de defesa da floresta.

2 – A realização de queimadas só é permitida após autorização do município ou

da freguesia, nos termos da lei que estabelece o quadro de transferência de

competências para as autarquias locais, na presença de técnico credenciado em

fogo controlado ou, na sua ausência, de equipa de bombeiros ou de equipa de

sapadores florestais.

3 – O pedido de autorização é registado no SGIF, pelo município ou pela

freguesia.

4 – Sem acompanhamento técnico adequado, a queima para realização de

queimadas deve ser considerada uso de fogo intencional.

5 – A realização de queimadas só é permitida fora do período crítico e desde que

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o índice de risco de incêndio rural seja inferior ao nível elevado.

Quanto à realização de queimas de sobrantes e realização de fogueira, a Lei n.º 76/2017 não

altera a redação anterior, mas acrescenta a proibição do seu abandono, independentemente da

época do ano:

“Artigo 28.º Queima de sobrantes e realização de fogueiras

(…)

6 – É proibido o abandono de queima de sobrantes em espaços rurais e dentro de

aglomerados populacionais em qualquer altura do ano.”

Derivado do novo quadro da descentralização administrativa e da autonomia do poder local,

são transferidas competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais,

mediante a aplicação da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto. Apesar dos anteriores diplomas

estabelecerem as competências das câmaras municipais na prevenção de incêndios florestais

e atribuições no licenciamento do uso do fogo, o Artigo 38.º do Capítulo IV atribui diversas

competências aos órgãos das freguesias transferidas pelos municípios, entre as quais a

autorização para o denominado uso tradicional do fogo:

“Artigo 38.º Novas competências dos órgãos das freguesias

(…)

2 – Os órgãos das freguesias têm as seguintes competências transferidas pelos

municípios:

(…)

m) Autorizar a realização de fogueiras, queimadas, lançamento e queima de

artigos pirotécnicos, designadamente foguetes e balonas.”

A mais recente legislação em matéria de uso do fogo foi publicada em 2019 etem por fim, entre

outras medidas, adaptar as normas relativamente a queimadas e queimas de sobrantes, no

âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Através do Decreto-Lei

n.º 14/2019, de 21 de janeiro, procede-se à sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de

28 de junho. O texto introdutório da nova redação justifica as medidas focadas no dito uso

tradicional do fogo «considerando o elevado número de ignições que têm origem humana,

estando uma grande parte dessas ignições associada a negligência e acidentes,

nomeadamente decorrentes do uso desajustado do fogo, onde se incluem as queimas de

sobrantes e as queimadas». Mais uma vez o aumento do condicionalismo sobre o uso do fogo

tradicional tem por fim diminuir o número de ignições e os impactes derivados.

O Artigo 27.º vem reforçar esse condicionalismo à realização das queimadas, porém facilitando

o processo de acompanhamento técnico mediante uma simples comunicação prévia por via

telefónica ou por aplicação informática, sempre que o técnico seja credenciado. No entanto, a

realização da queimada sem o enquadramento técnico é considerada uso do fogo intencional,

aplicando-se o Artigo 274.º do Código Penal.

“Artigo 27.º

[…]

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1 – A realização de queimadas só é permitida após autorização do município ou da

freguesia, nos termos da lei que estabelece o quadro de transferência de competências

para as autarquias locais, tendo em conta a proposta de realização da queima, o

enquadramento meteorológico e operacional, bem como a data e local onde a mesma é

proposta.

2 – A realização de queimadas carece de acompanhamento, através da presença de

técnico credenciado em fogo controlado ou operacional de queima ou, na sua ausência,

de equipa de bombeiros ou de equipa de sapadores florestais.

3 – Os técnicos credenciados em fogo controlado podem executar queimadas, mediante

comunicação prévia, estando dispensados da autorização referida no n.º 1.

4 – O pedido de autorização ou a comunicação prévia são dirigidos à autarquia local, nos

termos por esta definidos, designadamente por via telefónica ou através de aplicação

informática.

5 – Para efeitos do disposto no número anterior, as autarquias locais podem:

a) Receber os pedidos e comunicações prévias através de número telefónico próprio ou,

nos termos a regular por portaria aprovada pelos membros do Governo responsáveis

pelas áreas das autarquias locais, da proteção civil, do ambiente e das florestas, através

de linha de contacto nacional;

b) Receber os pedidos e comunicações prévias e instruir os procedimentos de

autorização através da aplicação informática disponibilizada no sítio da Internet do ICNF,

I. P.

6 – A decisão é comunicada ao proponente através de correio eletrónico ou por Short

Message Service (SMS).

7 – A realização de queimadas sem autorização e sem o acompanhamento definido no

presente artigo deve ser considerada uso de fogo intencional.

Por sua vez, o Artigo 28.º desta última redação que determina os condicionalismos na

realização de queimas de sobrantes agrícolas ou florestais, tornou-se mais flexível, porém

dependendo de decisões e autorizações de cada autarquia, de acordo com os critérios

aplicados a cada município. Por outro lado, desincentiva o uso do fogo, aconselhando a sua

substituição pela trituração da biomassa para os mais diversos fins.

“Artigo 28.º

[…]

1 – Nos espaços rurais, durante o período crítico ou quando o índice de risco de incêndio

seja de níveis muito elevado ou máximo:

(…)

c) A queima de matos cortados e amontoados e qualquer tipo de sobrantes de

exploração, bem como a que decorra de exigências fitossanitárias de cumprimento

obrigatório, está sujeita a autorização da autarquia local, nos termos do artigo anterior,

devendo esta definir o acompanhamento necessário para a sua concretização, tendo em

conta o risco do período e da zona em causa.

2 – Fora do período crítico e quando o índice de risco de incêndio não seja de níveis

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muito elevado ou máximo, a queima de matos cortados e amontoados e qualquer tipo de

sobrantes de exploração, bem como a que decorra de exigências fitossanitárias de

cumprimento obrigatório, está sujeita a mera comunicação prévia à autarquia local, nos

termos do artigo anterior.

3 – Devem progressivamente procurar-se soluções alternativas à eliminação por queima

de resíduos vegetais, com forte envolvimento local e setorial, nomeadamente a sua

trituração ou incorporação para melhoramento da estrutura e qualidade do solo,

aproveitamento para biomassa, compostagem, produção energética, ou outras formas

que conduzam a alternativas de utilização racional destes produtos.

4 – Durante o período crítico ou quando o índice do risco de incêndio seja de níveis

muito elevado ou máximo, a queima de matos cortados e amontoados e qualquer tipo de

sobrantes de exploração, sem autorização e sem o acompanhamento definido pela

autarquia local, deve ser considerada uso de fogo intencional.”

Em conclusão, nesta compilação de legislação disponível em matéria de uso do fogo em

Portugal verifica-se que do século VII ao presente, este uso foi sempre o principal alvo.

Ainda que assumido como ferramenta popular de trabalho, de vital importância para as

comunidades rurais e na sua relação com as demais práticas, igualmente alvo de

condicionamento, o uso do fogo foi desde sempre o foco do legislador, numa perspetiva

de o condicionar ou excluir, em vez de regular e de regrar. Entre penas duríssimas, como

as chicotadas, o degredo em África e no Brasil, o aumento das penas de prisão, o

aumento das coimas, a dissuasão pelo peso burocrático, ou as mais recentes

campanhas de sensibilização para o abandono do uso do fogo, as disposições legais

pouco desencorajaram o recurso a esta ancestral prática.

Por outro lado, é de destacar neste rico historial legislativo a evolução do fogo técnico, cujas

primeiras referências surgem no ano 1751, sendo desconhecidas até aos dias de hoje. Este

importante registo histórico, atesta a antiguidade da prática, tornando Portugal o pioneiro no

uso do fogo com a componente técnica de gestão.

Por último, importa fazer a diferenciação do atual uso do fogo, ainda que em meio rural, do uso

tradicional do fogo que se encontrava integrado num ancestral sistema agrário que perdurou

durante séculos no território até à industrialização e mecanização da nossa agricultura. Tal

como já fora referido, o fogo é hoje maioritariamente utilizado pelas populações rurais, tal como

as demais práticas sem existir uma interconexão que permita manter um equilíbrio do sistema,

logo não se pode confundir com o uso tradicional e práticas ancestrais. O uso atual deste fogo

assemelha-se antes a uma popularização do fogo como ferramenta com a única função de

queimar resíduos de explorações ou “limpar” áreas de matos, pelo que se trata de um “uso

popular do fogo”.

4. O uso do fogo e a causalidade de incêndios rurais

A falta de dados estatísticos referente aos incêndios rurais anteriores à década de 80 do século

passado, à exceção das estatísticas disponíveis para os baldios e matas nacionais, sugeriria

que o problema é algo recente. No entanto, conforme referido nos capítulos anteriores e como

o provam os inúmeros documentos citados, os incêndios sempre estiveram presentes no

mundo rural, sendo alvo de conflitos sociais que por sua vez conduziram à necessidade da sua

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regulamentação. Esta não terá como origem apenas do uso do fogo pelas comunidades rurais

como prática coletiva, autorregrada, para a abertura de clareiras, instalação de cultivos e

renovação de pastagem. A necessidade de legislação terá provavelmente surgido quando o

património do Estado (Matas e Coutadas) ou dos Senhorios foi afetado ou esteve em risco,

pela expansão das terras para a sustentação das comunidades rurais. Por conseguinte, em

virtude de medidas cada vez mais restritivas, surgiram situações igualmente mais conflituosas

com as comunidades rurais e as suas práticas ancestrais, o que não é um fenómeno recente.

Para além da legislação, são vários os testemunhos sobre o conflito gerado pelo uso tradicional

do fogo e, também, a sensibilidade de alguns técnicos florestais da primeira metade do século

XX, sobre a necessidade de não se criminalizar este uso e de se estudar e compreender a

motivação que está por detrás da causa dos incêndios rurais.

“Atribui-se aos pastores ou, antes, às sociedades locais de pascigo, o lançamento de

fogos, para criação de pastos para o gado. A destruição do mato é o objectivo de quem

lança o fogo.

Êste sistema é, diz-se também, um uso ou costume das povoações da serra.

Aceito a doutrina como verdadeira, e, contudo, repugna-me a idea de que estes fogos e

desastres da serra sejam devidos às sociedades pastorais.

Há, pois, que estudar as causas morais e utilitárias.”

Tude Martins de Sousa, “Mata do Gerês”; Coimbra 1926

“Em 1825 arderam nada menos de 5.000 hectares de arvoredo do Pinhal de Leiria e o

ofício que o administrador daquela mata recebeu, depois do pavoroso incêndio dizia:

“…e torno a recomendar-lhe toda a modração, e boas maneiras no exercício das funções

do seu cargo a fim de conciliar a afeição dos Povos.”

Os povos que vivem junto da floresta, são enxames que entreteem quási todo o seu

labor em trabalhos variados na mata e que não se devem perturbar porque, uma vez

alterados na sua labuta, lançam o fogo à própria ama que os alimenta.”

António Arala Pinto, “Fogos”

Comunicação apresentada ao I Congresso Nacional de Ciências Agrárias; 1943

No contexto dos conflitos a respeito dos incêndios gerados entre as comunidades rurais e os

serviços de policiamento, Aquilino Ribeiro deixa-nos um testemunho na sua obra “Quando os

lobos uivam”, publicada em 1958, onde se culpam aquelas populações pelo uso criminal do

fogo e por gerarem incêndios:

“Chegou um passageiro que falou do incêndio que lavrava de lés a lés da floresta. Se

lhe não acudissem, era a ruína total duma obra custosa de alguns anos e muito

dinheiro. Mas os Serviços abstiveram-se de pedir socorro às aldeias, supondo-as

conjuradas na malfeitoria.”

A análise que se segue sobre a causalidade dos incêndios rurais tem por base os dados

oficiais constantes no Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Rurais (SGIF) que

compreende 456.531 ocorrências que produziram uma área ardida total acumulada de 2,9

milhões de hectares ardidos em 20 anos, entre 1 de janeiro de 2001 e 13 de outubro de 2020.

Com o fim de diferenciar o dito uso tradicional do fogo de outros usos e causas de incêndios

rurais, procedeu-se à agregação de todas as causas que se encontram relacionadas com essa

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prática e integradas no modo de vida tradicional e ancestral das comunidades rurais com base

nas tipologias apresentadas anteriormente (ver secção 2.1).

Esta agregação vai permitir comparar as causas dentro do que se denomina por universo ou

domínio do uso tradicional do fogo com outras causas integradas em outros domínios, de

acordo com a codificação e definição das categorias das causas dos incêndios florestais,

registadas na base de dados do SGIF (ver Tabela 1).

Tabela 1. Domínios de causas de incêndios rurais. Agregação das causas por domínio com base na codificação e definição das categorias e causas dos incêndios florestais. Fonte de dados: AFN, 2012.

Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

ACIDENTAIS INCENDIARISMO

Acidentais Incendiarismo

Acidentais: acidentes de viação Incendiarismo: brincadeiras de crianças

Acidentais: alfaias agrícolas Incendiarismo: conflitos entre vizinhos

Acidentais: caminhos de ferro Incendiarismo: Imputáveis

Acidentais: equipamento florestal Incendiarismo: irresponsabilidade de menores

Acidentais: explosivos Incendiarismo: manobras de diversão

Acidentais: linhas elétricas Incendiarismo: outras situações dolosas

Acidentais: maquinaria e equipamento Incendiarismo: outras situações inimputáveis

Acidentais: máquinas agrícolas Incendiarismo: piromania

Acidentais: máquinas florestais Incendiarismo: provocação aos meios de combate

Acidentais: máquinas industriais Incendiarismo: vandalismo

Acidentais: motosserras Incendiarismo: vinganças

Acidentais: outras causas acidentais NATURAIS

Acidentais: outras máquinas e equipamento Naturais: descargas elétricas com origem em trovoadas

Acidentais: outros USO TRADICIONAL DO FOGO

Acidentais: soldaduras Borralheiras

Acidentais: transportes e comunicações Outros usos tradicionais do fogo

Acidentais: tubos de escape Queimada para acessibilidade

Acidentais: vidros Queimada para proteção de incêndios

ESTRUTURAIS Queimadas

Estruturais Queimadas para caça

Estruturais: alteração do uso do solo Queimadas pastoril

Estruturais: caça e vida selvagem Queimas agrícolas

Estruturais: conflitos de caça Queimas florestais

Estruturais: contradições no uso e fruição dos baldios OUTROS USOS DO FOGO

Estruturais: danos da vida selvagem Apicultura - fumigação

Estruturais: Defesa contra incêndios Fogo para aquecimento

Estruturais: limitação do uso e gestão do solo Fogueiras para cozinhar

Estruturais: pressão de venda de material lenhoso Fumar

Estruturais: uso do solo Fumar a pé

Fumar em circulação motorizada

Lançamento clandestino de foguetes

Lançamento de foguetes com segurança

Lançamento por auto-ignição de foguetes

Outras fogueiras

Queima de lixo

Uso do Fogo: Queima de lixo

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4.1. Análise das causas e o impacto do uso tradicional do fogo

no período de 2001 a 2020

A presente análise está orientada para o número de ocorrências de fogo rural em território

continental no período de 2001 a 2020. No entanto salienta-se que os dados referentes ao

último ano são ainda de carácter provisório.

No período 2001-2020 registaram-se 456.531 ocorrências que queimaram aproximadamente

2,9 milhões de hectares (Figura 5). A média anual de ocorrências é de cerca de 23 mil e a

média anual de área ardida é de aproximadamente 145 mil hectares. Existe uma clara

tendência de redução na última década, em particular a partir de 2010. Esta redução poderá

estar relacionada com a diminuição de comportamentos de risco, por consequência da

decréscimo populacional e envelhecimento nos meios rurais e a perda de práticas ditas

tradicionais, onde o uso complementar do fogo, ainda que de forma mais residual faz parte do

sistema agrário. Pelo contrário, o valor da área ardida oscila por períodos, dado que, após anos

catastróficos, existe um curto período, até 5 anos, com valores abaixo dos 100 mil hectares,

para posteriormente ultrapassar esta meta (que consta do Plano Nacional de Defesa da

Floresta Contra Incêndios que vigorou entre 2006 a 2018).

Figura 5. Distribuição anual da área ardida e do número de ocorrências entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro

de 2020). Fonte dos dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

No que respeita à causalidade, verifica-se que a área ardida por causas do domínio do uso

tradicional do fogo se mantém sem flutuações significativas, contribuindo com um valor médio

de 14,5 mil hectares para o total da área ardida registada em cada ano (Figura 6). Este valor

representa cerca de 10% da área ardida anualmente, enquanto que as demais causas

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atribuídas têm um peso de 70%.

Figura 6. Distribuição anual da área ardida por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de

2020). Fonte dos dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório. As ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem

causa atribuída.

No período de 2001 a 2020, cerca de 20% das causas das ocorrências encontram-se por

atribuir (sem dados), maioritariamente nos primeiros anos de registos.

Figura 7. Distribuição das ocorrências de fogo rural e da área ardida por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fonte dos dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente,

2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório. As ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem causa atribuída.

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Figura 8. Distribuição das ocorrências de fogo rural por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de

outubro de 2020). Dados comparativos de 2019 e 2020 e valores médios anuais do período de 2001 a 2018. Fonte dos dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados

referentes a 2020 são de carácter provisório. As ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem causa atribuída.

Analisando os dados totais de área ardida e número de ocorrências registadas no período de

estudo, por classes de domínio de acordo com a Tabela 1 (Figura 7), verifica-se também que

apesar do elevado número de ocorrências classificadas no domínio do uso tradicional do fogo,

o seu contributo para o somatório da área ardida é muito inferior quando comparado com as

causas classificadas como incendiarismo, indeterminadas ou aquelas sem causa atribuída. Em

termos de área acumulada é semelhante ao valor registado por ocorrências classificadas como

acidentais, ainda que, ao contrário do que é divulgado, as causas acidentais representem

apenas 2% do total das ocorrências, contribuindo em 10% para o total de área ardida no

período de estudo. Procedeu-se à análise dos dados referentes a 2019 e 2020, separadamente

e relacionando-os com os dados médios do número de ocorrências e da área ardida do período

de 2001 a 2018. O objetivo foi avaliar o efeito das mudanças recentes, em particular na

percepção de risco pelas populações e mudanças no comportamento através das medidas

implementadas (campanha “Portugal Chama”, registo das “Queimas e Queimadas”, entre

outras iniciativas), resultante do início do processo de substituição do Sistema Nacional de

Defesa da Floresta Contra Incêndios (SNDFCI) pelo Sistema de Gestão Integrada de Fogos

Rurais (SGIFR). A Figura 8 permite avaliar a distribuição das ocorrências por domínio de

causas.

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À excepção das ocorrências classificadas como reacendimento ou sem dados atribuídos,

verifica-se que todas as demais ocorrências cujas causas se encontram classificadas nos

restantes domínios não divergem significativamente em 2019 e em 2020 em relação à média

anual do período 2001-2018. A redução verificada em 2020, nas ocorrências com causa no uso

tradicional do fogo poderá ter sido influenciada pelas restrições impostas pela situação

pandémica da COVID-19, reduzindo a mobilidade, inclusivé no meio rural e também pelas

limitações impostas por parte dos municípios à população à realização de queimas e

queimadas.

Figura 9. Distribuição da área ardida por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Dados comparativos de 2019 e 2020 e valores médios anuais do período de 2001 a 2018. Fonte dos dados:

ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório. As ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem causa atribuída.

No que respeita à área ardida (Figura 9), apesar da redução em geral, expetável considerando

o ano catastrófico de 2017, o destaque continua a ser o uso do fogo de cariz intencional, ou

seja, as causas dentro do domínio do incendiarismo. É notável que a área ardida por

ocorrências classificadas como incendiarismo tenha correspondido em 2019 e em 2020 a mais

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do triplo e do quintúplo da área ardida por ocorrências classificadas por uso tradicional do fogo.

Figura 10. Distribuição percentual das ocorrências e da área ardida por incendiarismo entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

As ocorrências com origem em uso intencional constituem um problema grave ao qual o país

deve responder com medidas preventivas, suportadas por um trabalho cirúrgico de

investigação de causas e da motivação inerente ao incendiarismo, com o fim de contrariar a

elevada percentagem anual do número de ocorrências e de área ardida, a qual apresenta uma

clara tendência de aumento na última década (Figura 10). Contudo, convém salientar que este

aumento relativo das ocorrências classificadas com origem em incendiarismo resulta também

de um maior esforço das autoridades responsáveis pela investigação, nomeadamente a

Guarda Nacional Republicana e a Polícia Judiciária.

Considerando as caraterísticas e condições que definem o uso tradicional do fogo, analisando

os dados da distribuição mensal de ocorrências e da área ardida com origem neste uso (Figura

11), verifica-se que os maiores valores percentuais se registam entre julho e setembro. Sendo

assim, este uso não é tradicional nos termos que definem o uso tradicional do fogo, como

descrito nos capítulos anteriores. Por outro lado, aos olhos da lei vigente há várias décadas,

também não se trata de fogo negligente, mas antes de fogo intencional, pelo que estas

ocorrências deveriam estar classificadas como incendiarismo, abarcando, portanto cerca de

34% das ocorrências classificadas como uso tradicional do fogo.

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Figura 11. Distribuição percentual mensal das ocorrências e da área ardida por uso tradicional do fogo entre

2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

Em termos de valores médios mensais de número de ocorrências, verifica-se que as

ocorrências derivadas do uso do fogo apresentam dois picos bem definidos ao longo do ano, o

mês de março (359) e os meses de setembro (315) e outubro (317) (Figura 12). Porém,

acompanhando a tendência das ocorrências derivadas das restantes causas, destaca-se o mês

de agosto (276) (Figura 12). No entanto, o número de ocorrências derivadas dos demais

domínios de causas apresentam, de forma destacada, um único pico no mês de agosto,

destacando-se as ocorrências intencionais.

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Figura 12. Distribuição da média mensal do número de ocorrências por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente,

2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

No que se refere à média mensal da área ardida por ocorrências derivadas do uso do fogo, os

valores mais elevados da área ardida concentram-se nos meses de agosto, setembro e

outubro (Figura 13). Neste período destaca-se a elevada área ardida resultante de ocorrências

por incendiarismo, em particular o mês de agosto com uma área cerca do triplo do valor da

área resultante de causas derivadas do uso do fogo.

Figura 13. Distribuição da média mensal da área ardida por domínio de causas entre 2001 e 2020 (até 13 de

outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório

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Analisando separadamente os tipos de uso tradicional de fogo descritos na Tabela 1., verifica-

se grande concentração de ocorrências nos meses de julho a setembro, cuja causa associada

é o uso do fogo para renovar pastagens, ou seja as queimadas pastoris (Figura 14 e Figura

15). Estas queimadas, nestes meses coincidentes com o verão e com a época de maior risco,

concentram cerca de 15% do total das ocorrências do domínio do uso tradicional do fogo,

correspondendo a cerca de 55% da área ardida total de todas ocorrências incluídas naquele

universo de tipos de causas. Tal indica um desvio relativamente a práticas ancestrais, pois o

fogo para renovar pastagens é tradicionalmente realizado no outono, inverno e primavera, de

acordo com o tipo de gado e de vegetação para alimento, ou de práticas culturais que

antecedem a sementeira (por exemplo os poulos). Este registo de uso de fogo sugere um cariz

intencional, cuja motivação poderá nem sempre estar na renovação de pastagens.

Figura 14. Distribuição percentual mensal das ocorrências por tipo de uso tradicional do fogo entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico

Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

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Figura 15. Distribuição percentual mensal da área ardida por tipo de uso tradicional do fogo entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente,

2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

Quanto à distribuição semanal das ocorrências com origem numa causa associada ao uso

tradicional do fogo, verifica-se que os valores médios registados ao longo da semana, no

período entre 2001 e 2018 não apresentam grandes diferenças, apenas uma ligeira subida ao

sábado (Figura 16). Comparativamente, 2019 registou um número de ocorrências, em termos

absolutos, próximo das médias. O ano de 2020, tendo em conta que são dados provisórios

registados entre 1 de janeiro a 13 de outubro, mostra um decréscimo médio de cerca de 50%

para cada dia da semana. Esta redução poderá estar relacionada com as limitações impostas

pela pandemia da COVID-19.

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Figura 16. Distribuição semanal das ocorrências por uso tradicional do fogo entre 2001 e 2020 (até 13 de

outubro de 2020). Fontes de Dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

Considerando as ocorrências por três grandes domínios de causas, nomeadamente o uso

tradicional do fogo, outras causas (que agregam todos os domínios investigados) e as

ocorrências sem causas atribuídas, a distribuição percentual do número de ocorrências por

classes de extensão apresentada na Figura 17 mostra que entre 2001 e 2020 a larga maioria

das causas, cerca de 81%, inclui-se nas classes de extensão inferiores a 1 ha (73% na classe

entre 0 e 0,5 ha; 8% entre 0,5 e 1 ha). As ocorrências com origem nos diversos tipos de uso

tradicional do fogo são cerca de 15% do número total de ocorrências que originam grandes

incêndios florestais (superiores a 100 ha), 69% têm origem em outras causas e o restante,

cerca de 16%, referem-se a ocorrências sem causas atribuídas.

Figura 17. Distribuição percentual das causas de fogo rural por classes de extensão e contributo para o total

de ocorrências entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório. As

ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem causa atribuída.

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Considerando os três domínios de causas (Figura 18), as ocorrências com uso tradicional do

fogo como causa apenas representam 8% da área total ardida por incêndios superiores a 100

hectares. As ocorrências derivadas de outras causas foram responsáveis por cerca de 75% do

total da área ardida por grandes incêndios. No entanto, 17% do total da área ardida por

grandes incêndios está associada a ocorrências sem causa atribuída.

Figura 18. Distribuição percentual das causas de fogo rural por classes de extensão e contributo para a área ardida entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de dados: ICNF, 2020; elaboração: Observatório

Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório. As ocorrências “Sem dados” referem-se a ocorrências sem causa atribuída.

Quando a severidade meteorológica de incêndio é muito elevada, o potencial para a ocorrência

de incêndios de maior extensão e gravidade é elevado. A severidade meteorológica é dada

pelo índice Daily Severity Rating (DSR), que deriva do FWI (Fire Weather Index), e que indica a

dificuldade operacional de supressão do incêndio. Quanto mais elevado o DSR, mais complexo

é o controlo e a extinção do incêndio, pois aquele reflete o esforço necessário para a sua

supressão (Rego e Colaço, 2018).

Da análise dos dados das ocorrências nos diferentes domínios de causas verifica-se que o

DSR médio por classes de extensão é consideravelmente mais baixo nas ocorrências por uso

tradicional do fogo, o que significa que estas se produzem em dias de meteorologia menos

severa, em comparação com as demais ocorrências derivadas de outras causas. Por sua vez,

as ocorrências com origem acidental verificam-se em dias de elevada severidade

meteorológica.

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Tabela 2. Severidade média (DSR médio) nas diferentes classes de extensão e por domínio de causa de ocorrência. Fonte de dados: ICNF; IPMA; 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

Por último, verifica-se que dentro de cada classe de DSR, os valores de área ardida mais

elevados correspondem a DSR igualmente mais elevados (Figura 19). As ocorrências

derivadas de causas com origem no uso tradicional do fogo são as que, em geral, apresentam

menor área ardida, inferior a 50 hectares mesmo quando o DSR apresenta um valor superior a

20.

Figura 19. Distribuição da média da área ardida por domínio de causa e classe de severidade meteorológica (DSR) entre 2001 e 2020 (até 13 de outubro de 2020). Fontes de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório

Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

[0 - 0,5[ [0,5 - 1[ [1 - 10[ [10 - 100[ [100 - …[

Acidentais 14,7 15,7 17,1 20,3 27,1

Estruturais 8,4 8,8 9,4 11,2 17,7

Incendiarismo 11,8 11,7 11,9 15,2 22,3

Naturais 12,2 12,8 17,0 20,9 28,2

Uso tradicional do fogo 6,2 6,4 7,1 9,9 17,4

Outros usos do fogo 10,8 11,9 13,3 16,8 22,8

Reacendimento 11,8 12,5 13,0 14,4 21,3

Indeterminadas 10,6 11,3 11,9 15,9 23,1

Sem dados 9,8 10,8 11,1 14,7 22,7

MÉDIA DO DSR POR CLASSES DE EXTENSÃO. 2002 - 2020

Classes de Extensão (hectares)CAUSAS

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5. O fogo técnico na gestão dos combustíveis: fogo controlado

5.1. Análise ao Uso do Fogo Técnico

Neste estudo, a análise ao fogo técnico incidirá exclusivamente no fogo controlado na sua

vertente de gestão dos combustíveis. O fogo de supressão, ainda que dentro do âmbito técnico

de uso do fogo, deverá ser alvo de um futuro estudo, dado o contexto específico e as

caraterísticas operacionais em que se pratica e se desenvolve.

Como referido nos capítulos anteriores, o uso do fogo controlado alternou entre fases de franco

desenvolvimento e de estagnação ou retrocesso. Estas flutuações devem-se sobretudo às

mudanças de políticas em matéria de gestão de fogos rurais e à forte dependência de recursos

financeiros que fomentem e apoiem a preparação e a execução das ações de fogo controlado,

assim como os meios de apoio às ações de queima.

Dada a sua forte componente técnica, o fogo controlado não se reduz apenas à ação de

queima, pois por detrás de cada ação há um trabalho técnico de extensão rural, de

planeamento e de prescrição, assim como todo o trabalho operacional de preparação das

parcelas para intervenção com fogo.

Desde a publicação do Decreto Regulamentar n.º 55/81, de 18 de dezembro que os Serviços

Florestais, nas suas diversas denominações (IF, DGF, DGRF, AFN, ICNF), procuraram

regulamentar e fomentar a necessária formação técnica e operacional, em colaboração com

organismos do ensino superior e das organizações de produtores florestais. Como já

mencionado, neste papel formativo, destacam-se a UTAD e a FORESTIS.

Neste contexto e após os grandes incêndios entre 2003, é publicado o Decreto-Lei n.º

156/2004, de 30 de junho, que estabelece as medidas e ações a desenvolver no âmbito de um

novo sistema reformador – Sistema Nacional de Prevenção e Proteção da Floresta contra

Incêndios – o qual culminará com a aprovação do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra

Incêndios (PNDFCI) através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006, publicada a

26 de maio e a publicação do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, que permitiram a

operacionalização do Plano Nacional e onde o uso do fogo na gestão de combustíveis ganha

particular destaque.

Neste período, é publicada a Portaria n.º 1061/2004, de 21 de agosto, que aprova o

Regulamento do Fogo Controlado e em 2006, o programa internacional Fire Paradox vem

trazer um forte contributo à divulgação do fogo controlado, não só como uma ferramenta para

gestão e modelação dos combustíveis florestais, mas também a reintrodução do fogo como um

processo ecológico (Pyne, 1999). A partir de 2004 há uma aposta clara na formação de

técnicos, ainda que num ambiente muito restrito, orientado para o grupo de técnicos dos

Serviços Florestais e das associadas da FORESTIS. Em 2006 foi criado o Grupo de

Especialistas de Fogo Controlado (GeFoCo), cujos bons resultados mereceram

reconhecimento oficial, passando a integrar o Dispositivo de Prevenção Estrutural da

Autoridade Florestal Nacional, após publicação da Portaria 35/2009, de 16 de janeiro. O

GeFoCo irá contribuir em praticamente dois anos para a gestão de cerca de 3500 hectares

com o recurso ao fogo controlado. Este grupo de especialistas com vários anos de experiência

viria a ser extinto em 2010. Através do Despacho n.º 21/2011 do Presidente da Autoridade

Florestal Nacional, são criadas oito Equipas de Fogo Controlado (EFC), com a missão de

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desenvolver ações de promoção e execução de fogo controlado, em particular nos Perímetros

Florestais. A experiência demonstrada e o conhecimento adquirido pela proximidade de

trabalho com este grupo de especialistas levou a que técnicos de outros organismos, em

particular dos Gabinetes Técnicos Florestais dos municípios, se procurassem formar nesta

especialidade. Destaca-se o curso de fogo controlado desenvolvido em 2010 em parceria com

a FORESTIS, Governo Civil do distrito de Viana do Castelo e a CIM Alto Minho que formou e

habilitou todos os técnicos dos 10 municípios da região. Igualmente, a Escola Superior Agrária

de Coimbra inicia em 2010 o Curso de Especialização Tecnológica em Defesa da Floresta

Contra Incêndio, permitindo a obtenção de formação e a credenciação em fogo controlado,

tornando-se desde então um centro de referência ao nível nacional na formação no uso do fogo

técnico, representando cerca de 43% do total de formação ministrada entre 2009 e 2019 (ver

Figura 20 e Figura 21).

Figura 20. Distribuição percentual dos cursos de fogo controlado por entidade formadora, reconhecidos pelo ICNF e já concluídos, entre 2009 e 2019. Fonte de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020

A par destas, outras entidades, de âmbito privado dedicadas à prestação de serviços de

formação profissional, surgem no mercado para dar resposta à demanda crescente.

De acordo com a listagem de técnicos credenciados em fogo controlado, publicada pela

Autoridade Florestal Nacional em 16 de fevereiro de 2011, existiam no país 88 técnicos

habilitados. Em 2012, de acordo com a listagem publicada em 31 de agosto, o número de

técnicos credenciados já era de 133, com especial destaque para os técnicos dos GTF

provenientes dos municípios.

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Figura 21. Distribuição anual de cursos de formação reconhecidos pelo ICNF e concluídos entre 2009 e 2019.

Fonte de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

A última listagem publicada pelo ICNF, de 9 de outubro de 2020, reporta 186 técnicos

habilitados e que mantêm a credenciação, cumprindo os requisitos mínimos obrigatórios para a

sua renovação, de acordo com a legislação vigente. Da atual listagem, verifica-se que 136

técnicos obtiveram formação e experiência nos últimos 5 anos, mantendo-se um pequeno

grupo com formação e prática de uso do fogo superior a 10 anos e com 2ª e 3ª renovação da

credenciação. A Figura 22 permite verificar que restam poucos técnicos com a credenciação

anterior a 2015 renovada e atualizada, o que reflete que ao mesmo tempo que se formam

novos técnicos, muitos perdem, entretanto, a sua credenciação por não cumprirem as 150

horas mínimas obrigatórias de uso do fogo num período de 5 anos.

É importante também salientar que no processo formativo do fogo controlado o reconhecimento

dos cursos pelo ICNF depende da participação de formadores certificados. Segundo a lista de

técnicos inscritos na Bolsa Nacional de Formadores de Fogo Controlado, publicada pelo ICNF

em 11 de junho de 2018, o país apenas tinha 16 formadores.

Figura 22. Distribuição do número de técnicos ativos em 2020 por ano de credenciação. Fonte de dados:

ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

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A figura 23 representa a distribuição geográfica dos técnicos credenciados em fogo controlado

(por município de residência), destacando-se a maior concentração na Região Norte, o que

pressupõe uma maior atividade no uso do fogo técnico em relação a outras regiões do país,

como se verificará seguidamente.

Figura 23. Distribuição dos Técnicos de Fogo Controlado atualmente habilitados (Município de Residência). Fonte de dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

Nos últimos anos, muitos técnicos foram credenciados ao abrigo da excecionalidade prevista

no ponto 4 do Artigo 5.º do Despacho n.º 7511/2014, de 9 de junho, sem a necessidade de

terem formação específica nas áreas da proteção e defesa da floresta, silvicultura, ciências

agrárias, ciências do ambiente ou ecologia. Se por um lado facilita o acesso à credenciação,

por outro há o risco real desta permissividade resultar em práticas inadequadas. Acresce que,

apesar de previsto pela regulamentação da prática, não há avaliação formal dos resultados das

operações de fogo controlado, o que facilita práticas incorretas. Por outro lado, o aumento do

número de técnicos credenciados não significa um aumento proporcional das áreas

intervencionadas com fogo controlado.

A prática do uso do fogo é condicionada por diversos fatores, de entre os quais se destacam:

i) A meteorologia e a fenologia da vegetação têm um papel determinante nas

oportunidades do uso do fogo.

ii) A preparação das parcelas, quando necessário, envolvendo ações de abertura ou

ampliação de linhas de ancoragem ou a redução de carga de combustível em pontos

críticos (por exemplo junto a espaços arborizados), com o fim de reduzir o risco de

escape do fogo ou proteger árvores da energia libertada.

iii) O regime de propriedade e as autorizações necessárias para a intervenção com fogo.

iv) A disponibilidade total dos técnicos para aproveitar as melhores condições ambientais

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para o uso do fogo. Muitas vezes perdem-se oportunidades ótimas de uso do fogo por

ocupação em outras funções técnicas.

v) A disponibilidade de meios e recursos para a execução, condução e acompanhamento

de todo o processo de queima, em particular a disponibilidade das equipas de supressão

(Sapadores Florestais, Bombeiros, UEPS e FEPC).

vi) A disponibilidade de recursos financeiros apropriados para o desenvolvimento de cada

uma das fases do fogo controlado.

Considerando a área gerida e o número de queimas executadas e declaradas pelos técnicos

com fogo controlado, de acordo com os registos semestrais de atividade publicados

anualmente pelo ICNF, verifica-se que a atividade não é proporcional ao aumento do número

de técnicos, como se pode observar pelas Figura 23, Figura 24 e 25.

Figura 23. Distribuição anual do número de queimas e área tratada pelo número de técnicos implicados, entre

2014 e 2019. Fonte de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

As Figuras 24-26 indicam que apesar dos aumentos de técnicos e número de queimas, a área

gerida com fogo não apresenta a mesma tendência proporcional, com excepção do ano 2019.

Esta situação poderá estar relacionada com os fatores condicionantes já referidos, ou mesmo

com a falta de experiência dos técnicos recém-credenciados, o que condiciona o seu

desempenho autónomo.

Figura 24. Distribuição da área tratada com fogo controlado e o número de técnicos credenciados implicados. Fonte de dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

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Figura 25. Distribuição anual do número de queimas e número de técnicos implicados. Fonte de dados: ICNF,

2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

Por último, o aumento da atividade de fogo controlado em 2019 deve-se sobretudo à

implementação do Programa Nacional de Fogo Controlado (PNFC), aprovado pela Resolução

de Conselho de Ministros (RCM) n.º 59/2017 de 8 de maio, o qual estabeleceu o plano nacional

de fogo controlado. O ICNF I.P., enquanto Autoridade Florestal Nacional e gestora do PNFC e

do Fundo Florestal Permanente (FFP), procedeu entre 2017 e 2018 à abertura de uma linha de

financiamento para apoiar especificamente a realização de ações de gestão de combustível

com Fogo Controlado no âmbito da Prevenção dos Fogos Florestais 2017/2018 e 2018/2019,

através do “Anúncio de Abertura de Procedimento Concursal N.º 04/0125/2017” e do “Anúncio

de Abertura de Procedimento Concursal n.º 12/0125/2018”. Este apoio permitiu o financiamento

a cerca de três dezenas de candidaturas de comunidades intermunicipais, os municípios e as

organizações de produtores florestais.

A Figura 26 permite observar que um maior apoio pelo Estado é determinante para a atividade

de fogo controlado. Daí se verificarem-se no período de 1979 a 2019 dois momentos de maior

atividade no uso do fogo técnico, entre 2009 e 2010 com o GeFoCo, e em 2019 com os apoios

do FFP.

Figura 26. Distribuição anual da área intervencionada com fogo controlado e do número de queimas executadas entre 1979 e 2019. Fontes de dados: ICNF, 2020; fichas de fogo controlado dos Serviços

Florestais (1979-2000, registo parcial), compiladas por P. Fernandes. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

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A Figura 27 representa a distribuição das áreas intervencionadas com fogo controlado entre

2018 e 2019.

Figura 27. Mapa dos fogos controladosd executados em 2018/2019. Fonte de dados: ICNF, 2020. Elaboração:

Observatório Técnico Independente, 2020.

Concluindo, é crucial para o aumento da área gerida com fogo controlado o apoio do Estado,

acompanhado de formação, maior autonomia dos técnicos por desimpedimento de outras

tarefas e apoio com os recursos e meios necessários à preparação e execução das queimas.

6. Iniciativas para a redução das ocorrências por uso

tradicional do fogo

O uso do fogo por parte das populações e as ocorrências de incêndio resultantes têm sido o

principal alvo de condicionamentos recorrentes da legislação. Houve nas últimas duas décadas

um reforço no controlo do dito uso tradicional do fogo, em particular nas limitações às

queimadas pastoris e às queimas de amontoados e sobrantes de exploração, inclusive com

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sucessivas iniciativas de uma substituição técnica e institucional em relação à execução pela

população.

Sendo assim, neste capítulo daremos destaque às principais iniciativas que neste contexto

envolvem o uso do fogo, seguindo uma sequência cronológica:

2009 – GeFoCoª;

2016 – Plano de Acão Nacional de Redução do Número de Ocorrências;

2017 – Programa Nacional de Fogo Controlado;

2018 – GT Redução de Ignições;

2018 – Programa de Redução do Número de Ignições de Incêndios Rurais;

2018 – Apoio às queimadas extensivas;

2019 – Registo de Queimas e Queimadas;

2019 – Apoio à realização de queimas;

2019 – Mecanismo de Apoio às Queimadas.

6.1. GeFoCo – Grupo de Especialistas em Fogo Controlado

Após ter sido formado em 2006, o Grupo de Especialistas em Fogo Controlado (GeFoCo),

composto por cerca de duas dezenas de técnicos e com trabalho reconhecido na divulgação e

na execução de ações de gestão de combustível com fogo controlado é oficialmente

constituído pela Portaria 35/2009 de 16 de janeiro.

A missão do GeFoCo incidia num trabalho de proximidade juntos das entidades distritais e

municipais, procurando fomentar e dinamizar o uso do fogo em sede de planeamento e

execução em áreas públicas e comunitárias, com o objetivo de implementação de faixas e de

mosaicos de gestão de combustível. O trabalho deste grupo de especialistas no uso do fogo,

foi apoiado por diversas equipas de operacionais, transferindo práticas e conhecimentos aos

elementos das equipas de Sapadores Florestais (SF), do Corpo Nacional de Agentes Florestais

(CNAF), do Grupo de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS) da GNR (hoje UEPS), da Força

Especial de Bombeiros – FEB (hoje FEPC) e de bombeiros voluntários.

O GeFoCo foi sem dúvida um programa que se destacou pelo forte empenho na divulgação e

na implementação do fogo controlado no país. Durante o período de duração do programa,

desde 2006 até à sua extinção em 2010, a área intervencionada com fogo técnico foi de cerca

de 5 000 hectares, porém cerca de 68,5% desta área foi realizada nos últimos dois anos, onde

o GeFoCo contribuiu consideravelmente para a sua execução, em particular no Alto Minho (ver

Figura 28).

Apesar do Plano Nacional de Prevenção Estrutural (PNPE) para o biénio de 2009‐10 da

Autoridade Florestal Nacional prever um aumento da atividade do GeFoCo, este grupo acabou

por ser extinto por razões orçamentais em 2010.

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Figura 28. Mapa de fogos controlados durante o período de ação do GeFoCo, entre 2006 e 2010. Fonte de dados: ICNF, 2020; Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020.

O trabalho desenvolvido por este grupo consolidou as bases para a prática do uso do fogo

técnico, influenciando e fomentando ao nível nacional inúmeros técnicos dos GTF dos

municípios, dos próprios Serviços Florestais e operacionais das diversas agências do sistema,

com a correspondente formação técnica para garantir que o fogo controlado continuasse a ser

utilizado, em muitas regiões do país.

6.2. Plano de Ação Nacional de Redução do Número de

Ocorrências

Em 1 de março de 2016, o ICNF publica o Plano de Acão Nacional de Redução do Número de

Ocorrências no cumprimento dos objetivos específicos da Estratégia Nacional para as

Florestas (ENF) estabelecida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, de 4 de

fevereiro, que atualiza e revoga a ENF aprovada em RCM n.º 114/2006, de 15 de setembro.

Neste contexto, este Plano de Ação tem por finalidade a redução da incidência dos incêndios

florestais, considerando a causalidade das ocorrências, mediante ações de sensibilização e de

fiscalização a desenvolver num horizonte temporal de 20 anos. Estas ações serão, segundo o

Plano, orientadas para a população escolar e em grupos de risco, sendo definidas em função

do conhecimento das causas dos incêndios e suas motivações.

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A vigência deste Plano encontra-se determinada pelos períodos de vigência do Plano Nacional

de Defesa da Floresta Contra Incêndio (PNDFCI), tendo sido estruturado com base no

Programa Nacional de Prevenção Estrutural que, por sua vez, determina as duas principais

atuações a operacionalizar no âmbito da Redução do número de ocorrências, designadamente

a sensibilização e a fiscalização. Este Plano de Ação estabelece a redução do número de

ocorrências associadas a determinadas causas mediante a necessidade de alteração de

comportamentos e a redução do impacte das ocorrências ao nível área ardida, mediante a

operacionalização de ações de gestão de combustível.

O Plano de Acão Nacional de Redução do Número de Ocorrências traçou as perspetivas do

impacte da alteração do número de ocorrências para 20 anos, tendo como referência o ano

2009 e procedendo à análise em dois períodos: 2002 – 2008 e 2009 – 2015 “com base nos

dados do número de ocorrências e da área ardida, disponíveis no Sistema de Gestão de

Informação de Incêndios Florestais (SGIF) e nos valores de Índice de Severidade Diário (DSR

– Daily Severity Rating)”. Segundo a análise efetuada, concluiu-se que durante o período de

2002 a 2015 existiu uma clara tendência para a diminuição média total do número de

ocorrências para qualquer classe de DSR. Considerando a meta para o período de 20 anos,

estabeleceu-se um cenário “conservador” até ao ano de 2035, cujo cálculo da diminuição do

número de ocorrências e de área ardida, foi determinado pela “média do número de

ocorrências e da área ardida dos últimos 5 anos e da tendência média de redução do número

de ocorrências por ano e por classe de área ardida.” (ver Quadro 1).

Quadro 1. Média da taxa de variação anual, número de ocorrências e área ardida por classe de área ardida. Fonte: Plano de Acão Nacional de Redução do Número de Ocorrências, de 1 de março de 2016, ICNF.

Segundo o cenário definido, estimou-se uma redução de 250 a 350 ocorrências por ano até à

sua estabilização num valor médio anual de cerca de 15.000 a 16.000 ocorrências, o que

corresponderia a uma previsão de área ardida entre 50 000 a 60 000 hectares no ano 2035,

conforme se pode observar no gráfico seguinte (Figura 29).

Figura 29. Impacte das causas na área ardida. Fonte: Plano de Ação Nacional de Redução do Número de

Ocorrências, de 1 de março de 2016; ICNF.

Classe de área ardida (ha)

<1 1-10 10-50 50-100 100-500 500-1000 >1000 Taxa de variação anual do número de ocorrências -1,6% -1,5% 0,2% -1,8% -1,5% -3,1% -3,8% Nº ocorrencias media nos últimos 5 anos 19141 2626 446 91 97 16 11 Area ardida média nos últimos 5 anos(ha) 2.797 8.350 10.076 6.494 20.423 11.403 30.374

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O Plano de Ação referia ainda que foram selecionadas áreas prioritárias de atuação, com base

na análise do Relatório de Análise das Causas dos Incêndios Florestais – 2003 – 2013 (ICNF,

I.P., 2014), cujas áreas podem ser observadas através da Figura 30 que correlaciona a

dimensão da área ardida e as condições meteorológicas em que as ocorrências se sucederam.

Figura 30.- Impacte das causas na área ardida. Fonte: Plano de Acão Nacional de Redução do Número de

Ocorrências, de 1 de março de 2016, ICNF.

Figura 31. Impacte das causas na área ardida, mas restrito às causas onde é possível de atuar através de

ações de sensibilização e de fiscalização. Fonte: Plano de Acão Nacional de Redução do Número de Ocorrências, de 1 de março de 2016, ICNF.

Este documento do ICNF propunha ainda que as ações a realizar no âmbito da sensibilização e

da fiscalização fossem ajustadas à realidade local, de acordo com a distribuição das causas

dos incêndios e com a identificação dos grupos específicos de risco (Figura 31). O Plano

destaca ainda que as ações de sensibilização deveriam incidir com maior prioridade sobre o

dito uso tradicional do fogo, nomeadamente a execução de queimas e de queimadas.

No ano seguinte à publicação do Plano de Ação Nacional de Redução do Número de

Ocorrências ocorreram os grandes incêndios florestais que assolaram o país, em particular na

Região Centro, tendo-se registado cerca de 21 mil ocorrências e aproximadamente 540 mil

II SÉRIE-B — NÚMERO 14______________________________________________________________________________________________________

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hectares de área ardida. O ano de 2017 demonstrou à saciedade que a redução da área ardida

não é paralela à redução do número de ignições, tema que o Observatório explorou no Estudo

Técnico antecedente.

6.3. Programa Nacional de Fogo Controlado

6.3.1. Plano Nacional de Fogo Controlado

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/2017, 8 de maio de 2017, aprova Programa

Nacional de Fogo Controlado (PNFC) que estabelece o primeiro plano nacional de fogo

controlado, tendo como “objetivo direto o desenvolvimento de ações de prevenção estrutural

duráveis e sustentáveis, promovendo a compartimentação dos espaços e, como objetivo

indireto, o reforço do quadro de técnicos credenciados, contribuíndo para o uso da técnica de

fogo controlado na gestão silvícola e da paisagem.” O PNFC tem um período de vigência de

cinco anos de acordo com o Artigo 5.º desta Resolução.

É com base na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), aprovada pela Resolução do

Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, de 4 de fevereiro, que a política de Defesa da Floresta

Contra Incêndios (DFCI) se encontra operacionalizada através do Plano Nacional de Defesa da

Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) 2006-2018. A ENF estabelece também a necessidade de

um Plano Nacional de Gestão Integrada do Fogo, onde incorpore as operações associadas ao

uso do fogo: i) pela população; ii) pelo técnico na prevenção; iii) e pelo operacional na gestão

de incêndios.

O PNFC integra-se no âmbito da operação do uso do fogo pelo técnico na prevenção e inseria-

se no primeiro eixo estratégico do PNDFCI que tem como fim promover a gestão ativa dos

espaços silvestres e implementar ações de prevenção em áreas estratégicas, mediante a

criação de redes de gestão de combustível e a criação de mosaicos para a compartimentação

de espaços florestais contínuos.

Tal como estabelecido na RCM n.º 59/2017, de 8 de maio de 2017, é definido o plano nacional

de fogo controlado conforme o Memorando publicado em 18 de dezembro de 2017 pelo ICNF,

o qual “pretende desenhar no território uma área potencial de intervenção (API) que, como

primeiro passo, se cingirá a áreas de matos.” Sendo assim, está prevista uma área potencial de

intervenção para submeter a fogo controlado, em matos, de aproximadamente 260 mil

hectares. Segundo apresentado pelo ICNF na sessão de videoconferência de 14 de dezembro

de 2019, a meta anual de tratamento com com fogo controlado seria de 50.000 hectares.

A área potencial de intervenção (API) total encontra-se distribuída por 23 NUTS III, sendo que

cerca de 78 mil hectares foram consideradas API prioritárias, integradas nos territórios de 17

NUTS III, conforme o Quadro 2 e a Figura 32.

NUTS IIIAPI Total (ha)API Prioritária (ha)

Alentejo Central 249 0

Algarve 32.077 0

Alto Alentejo 27.108 0

Alto Minho 22.465 16.506

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NUTS IIIAPI Total (ha)API Prioritária (ha)

Ave 6.467 1.207

Baixo Alentejo 5.141 0

Beira Baixa 12.279 3.926

Beiras e Serra da Estrela 39.370 11.170

Douro 15.450 4.869

Oeste 1.941 1.937

Área Metropolitana de Lisboa 6.541 6.500

Área Metropolitana do Porto 4.719 2.490

Alentejo Litoral 675 0

Alto Tâmega 16.221 11.966

Cávado 3.372 2.685

Lezíria do Tejo 4.563 139

Médio Tejo 12.059 167

Região de Aveiro 1.839 1.839

Região de Coimbra 11.456 4.005

Região de Leiria 3.321 2.285

Tâmega e Sousa 13.824 2.970

Terras de Trás-os-Montes 3.663 0

Viseu Dão Lafões 16.789 3.701

Total261.59378.363

Quadro 2. Área potencial de intervenção (API) através do fogo controlado, por NUTS III. Fonte: ICNF, 2017 (Memorando 41520/2017/2017/DGA, de 18/12/2017)

Segundo o Memorando, a definição das NUTS III de intervenção prioritária obedeceu aos

seguintes critérios “(i) a repetida recorrência de incêndios florestais, (ii) a forte presença de

regime florestal – áreas protegidas por um regime de utilidade pública, maioritariamente sob

gestão do Estado, facilitando e abreviando futuras intervenções; (iii) presença expressiva da

rede primária de faixas de gestão de combustível (RPfgc) – zonas de grande relevância no

apoio ao combate, (iv) as áreas com planos de fogo controlado.”

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Figura 32. Área potencial de intervenção (API) com o fogo controlado por NUTS III. Fonte: ICNF, 2017

(Memorando 41520/2017/2017/DGA, de 18/12/2017).

Assim, definiu-se para a época 2017/2018 a intervenção em cerca de 10.000 mil hectares de

espaço florestal conforme apresentado no Quadro 3.

NUTS III PrioritáriasÁrea Prioritária 2017/2018 (ha)

Alto Minho 3.500

Alto Tâmega 2.500

Beiras e Serra da Estrela 1.400

Douro 800

Região de Coimbra 750

Viseu Dão Lafões 500

Ave 300

Tâmega e Sousa 250

Total 10.000

Quadro 3. Área prioritária para execução do fogo controlado em 2017/2018. Fonte: ICNF, 2017 (Memorando 41520/2017/2017/DGA, de 18/12/2017).

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6.3.2. Apoios financeiros para a implementação do PNFC

Para a implementação e execução da referida área para a época 2017/2018, o ICNF

considerou um custo médio de 120 euros por hectare, valor que inclui a queima e a preparação

das parcelas. Assim, o custo definido, associado à execução do plano nacional de fogo

controlado para 2017 e 2018 é de 1,2 milhões de euros. Este montante foi suportado pelo

Fundo Florestal Permanente, através de concurso aberto às seguintes entidades:

Comunidades Intermunicipais; Câmara Municipais e Organizações de Produtores Florestais.

No entanto, apesar da abertura dos concursos ocorrer em 2017 e em 2018, as ações apenas

foram iniciadas no 4.º trimestre de 2018 e ao longo do ano de 2019:

1. Anúncio de Abertura de Procedimento Concursal N.º 04/0125/2017, publicado no Portal

do ICNF, I.P. 21/12/2017, com prazo para apresentação de candidaturas de 29/12/2017

a 23/01/2018 e, tendo esta data sido prorrogada até 05/02/2018;

2. Anúncio de Abertura do Procedimento Concursal N.º 12/0125/2018, publicado no Portal

do ICNF, IP, 07/11/2018, com prazo para apresentação de candidaturas de 09/11/2018 a

31/12/2018.

De acordo com os Quadro 4 e Quadro 5 extraídos do Relatório de Atividades do Fundo

Florestal Permanente 2018, publicado em março de 2019 pelo ICNF, foram aprovadas no

âmbito dos dois anúncios 37 candidaturas para apoiar ações com recurso ao fogo controlado

numa área total de 10.300,7 hectares e cujo apoio global aprovado é de 1.242.082,56 €.

Quadro 4. Candidaturas apresentadas com respetiva área e apoio proposto, por NUTS II e III no âmbito do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 04/0125/2018. Fonte: ICNF, 2019; Relatório de Atividades

do FFP 2018.

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Quadro 5. Candidaturas aprovadas com respetiva área e apoio aprovados e valor pago em 2018, por NUTS II e III, no âmbito do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 12/0125/2017. Fonte: ICNF, 2019;

Relatório de Atividades do FFP 2018.

Ao analisarmos os dados registados pelo ICNF em relação ao fogo controlado, e considerando

que toda a área intervencionada em 2018 e 2019 foi objeto de apoio do FFP, verifica-se que

dos cerca de 10.300 hectares apenas 50,3% foram efetivamente executados, o que

corresponde a 5.183 hectares.

No entanto, analisando os Quadro 6 e Quadro 7 de execução financeira relativamente aos

mesmos anúncios, constantes no Relatório de Atividades do Fundo Florestal Permanente

2019, publicado em maio de 2020, verifica-se execução financeira reduzida que revela que ou

o executado não tinha ainda sido pago, ou que o apoio não havia sido pago por não estar

executado.

Quadro 6. Candidaturas aprovadas com respetiva área e apoio aprovados e valor pago em 2018, no âmbito

do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 04/0125/2017. Fonte: ICNF, 2020; Relatório de Atividades do FFP 2019.

Quadro 7. Candidaturas apresentadas com respetiva área e apoio proposto, no âmbito do Anúncio de

abertura do procedimento concursal n.º 12/0125/2018. Fonte: ICNF, 2020; Relatório de Atividades do FFP 2019.

N.º

Candidaturas

apresentadas

N.º

Candidaturas

aprovadas

Área a

intervencionar

ha

Apoio Total

Aprovado

Apoio pago

2018 2019

24 24 5.727,27 687 272,40 € 24 376,60 € 33 328,80 €

N.º

Candidaturas

apresentadas

N.º

Candidaturas

aprovadas

Área a

intervencionar

ha

Apoio Total

Aprovado

Apoio pago

2019

13 24 2.642,00 323 040,00 € -

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Considerando, o valor atribuído de120 €/hectare, verifica-se que em relação às candidaturas

aprovadas no âmbito do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 04/0125/2017 os

montantes pagos em 2018 e 2019 correspondem ao pagamento de ações cuja área

intervencionada foi 203,14 ha e 277,74 ha, respetivamente. O montante total pago no âmbito

deste anúncio, 57.705,40 € corresponde a 8,4% do valor do apoio total aprovado.

Em relação às ações previstas nas candidaturas aprovadas no âmbito do 2.º Anúncio (n.º

12/0125/2018), segundo o Relatório o processo de “análise, decisão e contratualização das

candidaturas ocorreu em 2019, não tendo sido apresentados pedidos de pagamento por parte

dos beneficiários.” Tal afirmação sugere que a falta de conclusão dos trabalhos previstos em

sede de candidatura poderá ter condicionado a realização dos pedidos de pagamento.

Os valores constantes em ambos relatórios de atividades do FFP permite-nos concluir que dos

5.183 hectares executados entre 2018 e 2019, apenas cerca de 481 hectares foram pagos pelo

FFP, pelo que as metas previstas no plano nacional de fogo controlado não foram atingidas,

nem no período previsto de 2017/2018, nem em 2018/2019. Cabe ainda salientar que a

totalidade da área intervencionada nestes anos com fogo controlado não foi alvo de apoio do

FFP, mas uma parte substancial da área abrangida deveu-se a ações do âmbito da FEPC, a

ações de formação em fogo controlado e cursos de operacional de queima, assim como de

gestão de combustíveis com recurso ao fogo por parte de municípios, comunidades

intermunicipais e de organizações de produtores florestais cujas candidaturas não foram

aprovadas ou que não se candidataram.

6.4. GT Redução de Ignições

No âmbito do Programa de Revitalização do Pinhal Interior (PRPI), aprovado pela Resolução

do Conselho de Ministros n.º 1/2018, de 3 de janeiro, foi estabelecida a Medida n.º 3.1.2. que

constitui o Grupo de Trabalho (GT) para a Redução das ignições em espaço rural e reforço da

investigação, com o objetivo de “aumentar a eficiência e o apuramento do número de causas

de incêndios florestais e de garantir uma eficaz vigilância sobre o uso indevido do fogo,

perspetiva-se a criação de um grupo de trabalho (Polícia Judiciária (PJ), GNR, ICNF) para

redução das ignições em espaço rural e reforço da investigação.”

É da competência da Polícia Judiciária a investigação do crime de incêndio, cometido a título

doloso. O Grupo de Trabalho será assim coordenado, pelo Gabinete Permanente de

Acompanhamento e Apoio (GPAA) à investigação do crime de incêndio, constituído no âmbito

do Plano Nacional da PJ para a prevenção e investigação do crime de incêndio florestal.

De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros, este Grupo de especialistas na área da

investigação criminal e da causalidade de incêndios terá como âmbito de atuação:

1. Reforço da investigação dos incêndios, com avaliação periódica e produção de

recomendações;

2. Credenciação de técnicos para determinarem as causas dos incêndios, reforçando a

ação do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR e da Polícia

Judiciária, sem prejuízo das competências do Ministério Público e dos órgãos de polícia

criminal no processo penal;

3. Ações locais e presenciais de esclarecimento da população sobre o uso do fogo, durante

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todo o ano com a participação de organizações locais, sejam florestais, agrícolas ou de

caçadores e sempre coordenadas pelas autarquias locais;

4. Ações de patrulhamento policial em áreas definidas, em cada município, pela Comissão

Municipal de Proteção Civil sob a responsabilidade política dos presidentes das câmaras

municipais;

5. Divulgação pública de dados quantitativos e ou estatísticos dos resultados da aplicação

da justiça, com indicação não nominal dos arguidos, crimes cometidos e penas

aplicadas;

6. Campanha de prevenção e sensibilização, de forte impacto e de âmbito nacional, para a

prevenção de comportamentos de risco de incêndios florestais.

O Grupo de Trabalho desenvolverá a sua ação em todo o território nacional, porém iniciou a

sua missão nos distritos de Viseu, Coimbra, Leiria, Castelo Branco, Portalegre e Vila Real.

Sendo constituído pelos seguintes elementos, de acordo com o Relatório do Grupo de Trabalho

para a Redução das Ignições em Espaço Rural (2019):

 1 Técnico coordenador;

 1 Inspetor da Polícia Judiciária;

 1 Mestre Florestal Principal e 1 Mestre Florestal da GNR;

A composição do GT poderá ainda ser ampliada a outras entidades, em função da

especificidade da matéria e no âmbito das respetivas competências – EMISGIFR, IPMA,

ANPC, ARS, IES, Autarquias Locais, OPF, Associações Locais, entre outras.

Segundo o relatório da atividade desenvolvida pelo Grupo de Trabalho durante o ano de 2019,

a atividade não se reduz apenas à investigação das causas de uma determinada ocorrência,

mas na realização dum trabalho de proximidade, junto das comunidades, de colaboração com

os agentes locais (Autarcas, GTF, SMPC, Bombeiros, GNR e ANEPC). Destaca-se ainda que

uma das áreas de atuação do GT é a sensibilização, pelo que têm desenvolvido ações em

estreita articulação com autarquias e seus Gabinetes Técnicos Florestais (GTF) e grupos-alvo

previamente identificados.

A investigação desenvolvida pelo Grupo destaca-se no sentido de confirmar se há a

possibilidade de se tratar de um incêndio doloso, ou seja, resultante de ignição deliberada com

intenção de causar dano. Quanto à investigação criminal desenvolve-se num contexto

colaborativo entre o GT e outos agentes, nomeadamente órgãos de Polícia Criminal (PJ e

GNR), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e os Centros Distritais

de Operações de Socorro da ANEPC.

O trabalho de proximidade desenvolvido e a monitorização diária das ocorrências permite que

sejam identificados os concelhos, freguesias e lugares de maior risco ao nível da causalidade e

motivação. Sendo assim, possibilita que a intervenção do GT seja mais ágil e, articulada com

as autarquias e GNR, torna a despistagem mais eficiente, o que em outras circunstâncias não

seria possível. Este trabalho colaborativo permitiu ao GT, em 2019, reforçar as investigações a

ocorrências suspeitas de origem criminosa (dolosas) em diversos concelhos do país que

culminaram na identificação dos prováveis autores, para além de contribuir para o avanço na

identificação dos meios de ignição utilizados e na recolha de indícios relativos à identificação

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dos seus presumíveis autores.

O trabalho de investigação é essencial para a identificação da causa, independentemente da

sua origem, de modo a contribuir para um planeamento cirúrgico no âmbito da prevenção dos

incêndios rurais.

6.5. Programa de Redução do Número de Ignições de Incêndios

Rurais

Após os grandes incêndios de 2017 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º

157-A/2017, de 27 de outubro, que estabeleceu os princípios orientadores de reforma florestal

e do modelo de prevenção e combate a incêndios rurais. Esta Resolução aprovou um conjunto

de alterações estruturais na prevenção e combate a incêndios florestais, assim como medidas

com vista a reforçar a segurança das populações. Entre estas medidas, destaca-se o

Programa de Redução do Número de Ignições, o qual será “gerido pelo ICNF, I. P., de modo

a envolver a sociedade e os agentes do sistema, no sentido de educar para a floresta e para o

uso do fogo, integrado numa campanha inovadora capaz de mudar hábitos e comportamentos

sociais, especificamente dedicadas aos diferentes grupos responsáveis por essas ignições”.

Neste contexto, o ICNF apresentou em 14 de maio de 2018, o Programa Nacional de Redução

de Ignições de Incêndios Rurais, o qual veio substituir o Plano de Acão Nacional de Redução

do Número de Ocorrências de 2016. No entanto, em apenas dois anos dá-se uma alteração da

interpretação da causalidade, atribuindo-se um maior peso às ocorrências associadas ao uso

tradicional do fogo, nomeadamente as que são derivadas de queimadas (de acordo com a

Figura 33). Recorde-se que no Plano de 2016 (Figura 30), as queimadas representavam um

impacte inferior em relação ao uso intencional do fogo, isto é, das causas associadas ao

incendiarismo.

Figura 33. Número de incêndios florestais por tipo de causa e nível de severidade meteorológica. Fonte:

Apresentação do Programa de Redução do Número de Ignições de Incêndios Rurais; 14 de maio de 2018, Lisboa, ICNF.

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A novidade deste Programa em relação ao seu antecessor reside na operacionalização de

medidas com o fim de reduzir o número de ocorrências, em particular daquelas associadas ao

uso tradicional do fogo. As medidas operacionais estabelecidas pelo programa foram as

seguintes:

1. Notificação diária de locais críticos (com o fim ativar ações e vigilância e fiscalização);

2. Notificação diária dos Incêndios com probabilidade de reacendimentos (com o fim de

ativação de equipas, de acordo com o procedimento definido para o DECIR 2018);

3. Sistema de avaliação de condições para a realização de queimas de amontoados e

autorização de queimadas extensivas;

4. Realização de queimas de amontoados e queimadas extensivas em segurança;

5. Utilização de máquinas agrícolas e florestais em segurança;

6. Plano de sensibilização.

O Programa de Redução do Número de Ignições de Incêndios Rurais estará na base de

diversas iniciativas, tais como o: i) Apoio às queimadas extensivas; ii) Registo de Queimas e

Queimadas; iii) e Apoio à realização de queimas. Seguidamente, estas iniciativas inéditas

serão alvo de análise.

6.6. Apoio às queimadas extensivas

O anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 02/0126/2018 publicado em 19/02/2018

no Portal do ICNF, IP, com prazo para apresentação de candidaturas de 21/02/2018 a

15/03/2018, tendo sido posteriormente prorrogada até 30/03/2018, teve como fim apoiar a

realização de queimadas extensivas como complemento do Programa Nacional de Fogo

Controlado (PNFC).

Apenas foi aberto um único anúncio desde então, para apoiar as queimadas extensivas. Esta

iniciativa foi dirigida aos proprietários de terrenos incluídos nas zonas prioritárias de

intervenção, a entidades gestoras de terrenos nas zonas prioritárias de intervenção, às

organizações de produtores florestais, às entidades gestoras de baldios e às entidades

gestoras de zonas de intervenção florestal (ZIF).

O apoio financeiro à realização de queimadas extensivas tinha como objetivo responder às

necessidades e solicitações das comunidades rurais, em particular os produtores de gado em

regime extensivo e pastores, promovendo o uso regrado do fogo sob direção técnica. Por outro

lado, num claro objetivo de prevenção estrutural, visava promover a execução de mosaicos de

gestão de combustível, reduzindo a carga e complementando a rede de defesa da floresta

contra incêndios.

As queimadas extensivas objeto deste apoio, teriam que ser enquadradas por um técnico

credenciado em fogo controlado ou como operacional de queima, sendo obrigatória a execução

com o apoio de pelo menos uma equipa de sapadores florestais ou de bombeiros.

Segundo o Quadro 8, extraído do Relatório de Atividades do Fundo Florestal Permanente

2019, publicado em maio de 2020 pelo ICNF, foram aprovadas no âmbito deste único anúncio

14 candidaturas para apoiar ações de queimadas extensivas com recurso ao fogo técnico,

numa área total de 5.090,17 hectares e cujo apoio global aprovado foi de 509.016,70 €. O

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apoio financeiro no valor de 100,00 € por hectare, de acordo com a área executada, foi

concedido sob a forma de subsídio não reembolsável, em regime forfetário.

Quadro 8. Candidaturas aprovadas com respetiva área e apoio aprovados e valor pago em 2019, no âmbito

do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 04/0126/2018. Fonte: ICNF, 2020; Relatório de Atividades do FFP 2019.

Ainda assim, tal como ocorreu com os anúncios do FFP para apoio financeiro a ações de fogo

controlado, a execução financeira é igualmente muito reduzida, apenas 7,7% do valor aprovado

foi pago em 2019, o que corresponde a cerca de 389,8 hectares executados como queimada

extensiva.

Apesar da boa intenção, a taxa de execução financeira permite deduzir a dificuldade de

implementação da medida ou, por outro lado, os atrasos nos processos de pagamento.

6.7. Registo de Queimas e Queimadas

É mediante a publicação do Decreto-Lei n.º 14/2019, de 21 de janeiro, o qual, por sua vez,

procede à sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, que surge a

obrigatoriedade de comunicação prévia à autarquia para a realização da queima de

amontoados ou sobrantes de exploração, bem como de queimadas, de acordo com os Artigos

27.º e 28.º.

Na concretização da medida prevista no Programa de Redução do Número de Ignições de

Incêndios Rurais e no cumprimento da alínea b) do ponto 5 e do articulado no ponto 6 do Artigo

27.º é criada pelo ICNF a plataforma de registo de queimas e queimadas. Destaca-se ainda

que de acordo com o ponto 7 do mesmo Artigo, “A realização de queimadas sem autorização e

sem o acompanhamento definido no presente artigo, deve ser considerada uso de fogo

intencional.”, pelo que desde o dia seguinte à publicação do Decreto-Lei, tornou-se uma

obrigação proceder à comunicação prévia via plataforma ou através das autarquias. Sendo

assim, todas as queimas e queimadas realizadas em território nacional carecem da respetiva

autorização. Para além da comunicação por via plataforma ou autarquia, esta também pode

realizada por via telefónica à Guarda Nacional Republicana (GNR). A não comunicação pode

implicar uma coima até 10.000 euros.

Apenas analisando o conjunto de dados registados na plataforma do ICNF, tomando como

referência o período de 1 de janeiro de 2019 a 30 de setembro de 2020, foram registadas no

território continental cerca de 1,2 milhões de queimas autorizadas. Neste montante não se

incluem as queimas registadas diretamente pelas autarquias, através dos serviços municipais,

pois nem todas utilizam a plataforma do ICNF. Cabe salientar que este elevado número de

registos tem provocado uma enorme pressão nos serviços de atendimento dos municípios.

A Figura 34 representa os mapas de distribuição do número de queimas e de ocorrências

registadas nos anos 2019 e 2020 por 1000 habitantes. Estes mapas permitem observar as

freguesias com maior taxa de registos por habitante, destacando-se as freguesias do Alto

Minho e de grande parte do interior Norte e Centro. Destaca-se igualmente o aumento dos

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registos em 2020 os quais cobrem também um maior número de freguesias. Igualmente,

verifica-se que as freguesias da região correspondente ao Vale de Sousa e da metade leste da

Região do Algarve apresentam poucos ou nenhuns registos através da plataforma do ICNF, o

que poderá estar relacionado com comunicações com origem nas autarquias.

Figura 34. Distribuição do número de queimas e do número total de ocorrências em 2019 e 2020 por 1000 habitantes. Fontes de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os

dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

Comparando com os mapas que refletem a taxa de ocorrências por 1000 habitantes, verifica-se

que as freguesias com maior número de ocorrências registadas apresentam igualmente um

elevado número de registos de queimas, pelo que não se verifica uma alteração considerável

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do comportamento potencial que poderá estar na origem da causa de incêndios rurais. Esta

situação é mais clara ao comparar o total de ocorrências registadas em 2001-2020 e o total de

queimas registadas em 2019-2020 (Figura 35).

Figura 35. Distribuição do número de queimas entre 2019 e 2020 e do número total de ocorrências entre 2001 e 2020 por 1000 habitantes. Fontes de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente,

2020. Nota: os dados referentes a 2020 são de carácter provisório.

A Figura 36 compara a distribuição mensal dos registos de queimas verificadas em 2019 e

2020 e a média mensal do número de ocorrências entre 2001 e 2018 e o total de ocorrências

registadas em 2019 e em 2020, por causas associadas exclusivamente ao uso do fogo. Este

gráfico permite perceber se existiu uma alteração no comportamento associado a este tipo de

causa. O maior número de registos de queimas coincide com os picos de ocorrências

derivadas do uso do fogo, à exceção dos meses de julho a setembro, onde é interdita a

realização de queimas, daí não haver registo de queimas ou queimadas autorizadas. Por outro

lado, verifica-se que para março o ano 2019 registou um número de ocorrências muito superior

à média do período de 2001 a 2018. Por sua vez, em 2020, março registou um número de

ocorrências consideravelmente inferior em relação à média. No entanto, em junho deste ano, o

número de ocorrências superou a média, bem como as registadas em 2019 durante os meses

de verão. Neste gráfico verificam-se também duas situações particulares: i) o início do registo

da plataforma, em janeiro de 2019 e daí um baixo número de queimas; ii) a redução do número

de ocorrências em março e abril de 2020, provavelmente associado à situação causada pela

pandemia da COVID-19.

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Figura 36. Distribuição mensal do número de queimas registadas entre 1 de janeiro de 2019 e 30 de setembro de 2020 e do número de ocorrências por uso tradicional do fogo em 2019 e 2020 (até 13 de outubro de 2020) e

a média de ocorrências mensais entre 2001 e 2018. Fontes de dados: ICNF, 2020. Elaboração: Observatório Técnico Independente, 2020. Nota: os dados referentes a 2020 são provisórios.

Ainda que esta medida, agora por força da lei, procure reduzir o número de ocorrências por uso

do fogo, através da identificação e responsabilização do cidadão, parece que não tem tido um

impacto significativo de redução. Até à data não parece existir uma alteração significativa do

comportamento associado às ocorrências derivadas ao uso do fogo, apesar da elevada adesão

à comunicação e registo das queimas executadas. Facto significativo é a manutenção de um

número elevado de ocorrências classificadas como de uso do fogo, por negligência, nos meses

em que não é autorizado este uso e que, pela lei é considerado uso do fogo intencional, punido

como crime pelo Código Penal.

6.8. Apoio à realização de queimas – Prevenção dos fogos

florestais – 2019

No seguimento da operacionalização do Programa de Redução do Número de Ignições de

Incêndios Rurais, foi publicado o Anúncio de Abertura de Procedimento Concursal n.º

03/0126/2019, de 27 de fevereiro, o qual visava apoiar a realização de queimas, através de um

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instrumento financeiro do Fundo Florestal Permanente para apoio aos municípios, para a

implementação de um programa piloto, designado por “Programa Queima Segura”. Este

anúncio permitia apoiar a realização de queimas com o principal objetivo de reduzir o número

de ocorrências resultantes das queimas de sobrantes e amontoados de exploração, incidindo

particularmente nas freguesias classificadas como prioritárias para a prevenção e proteção

contra incêndios e onde estas práticas têm resultado em incêndios.

Os beneficiários deste apoio foram os municípios integrados na área geográfica elegível, ou

seja, dentro das zonas classificadas como prioritárias. Os municípios apresentaram as

respetivas candidaturas de 4 a 13 de março de 2019. Foram apresentadas 49 candidaturas,

das quais 48 foram aprovadas o que correspondeu a um apoio no valor total de 708.500,00 €, o

que equivaleu à aprovação de 1.669 dias para a realização de queimas. No âmbito deste

anúncio, o valor do apoio máximo por município era de 15.000,00 €, considerando o valor

forfetário de 500,00 € por dia, para 30 dias de queimas autorizadas.

Segundo o Relatório de Atividades do FFP 2019, desde a implementação deste programa,

registaram-se diversos dias de proibição de uso do fogo para a realização de queimas, devido

ao agravamento do risco de incêndio em praticamente todo o território continental. Por outro

lado, “no âmbito do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, o período crítico foi

prorrogado até 10 de outubro de 2019, por força das circunstâncias meteorológicas

excecionais”. Devido a estes condicionamentos e considerando a proibição do uso do fogo

durante o verão, a execução material e financeira das candidaturas aprovadas foi prorrogada

até 31 de maio de 2020, de acordo com decisão do Conselho Diretivo do ICNF. O “Programa

Queima Segura” sofreu uma última prorrogação devido á pandemia da COVID-19, terminando

o prazo a 31 de dezembro de 2020. No entanto, este programa-piloto continua a apresentar

dificuldades de execução, quer material, quer financeira, tal como ocorreu com outros

programas já aqui identificados.

Esta situação é verificável no Quadro 9 relativo à execução financeira deste anúncio, extraído

do Relatório de Atividades do Fundo Florestal Permanente 2019, publicado em maio de 2020,

onde se regista uma execução de apenas 4,4%.

Quadro 9. Candidaturas aprovadas com respetiva área e apoio aprovados e valor pago em 2019, no âmbito do Anúncio de abertura do procedimento concursal n.º 03/0126/2018. Fonte: ICNF, 2020. Relatório de

Atividades do FFP 2019.

Os critérios desta iniciativa para efetuar os pedidos de pagamento revelaram-se pouco

práticos, dificultando os respetivos reembolsos aos municípios participantes. Por exemplo,

eram irrealisticamente necessárias fotografias da situação antes e após a realização de cada

queima.

6.9. Mecanismo de Apoio às Queimadas – AGIF

A Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) tem vindo a promover desde o

início de 2020 um programa de apoio aos pastores e produtores de gado em regime extensivo

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– Mecanismo de Apoio às Queimadas (MAQ). Esta iniciativa constitui um projeto-piloto de

apoio a pastores, desenvolvido e coordenado pela AGIF com a colaboração do Instituto

Conservação da Natureza e das Florestas, Direção-Geral de Alimentação e Veterinária,

Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, GNR, Comunidades Intermunicipais,

Organizações de Produtores Florestais, corpos de Bombeiros e autarquias.

O MAQ tem como finalidade promover queimadas extensivas durante o inverno nos distritos de

Viseu, Guarda e Vila Real, considerados prioritários para o desenvolvimento desta ação,

devido à sua atividade de apoio à pastorícia. Segundo a AGIF, o objetivo desta iniciativa "é a

redução de áreas ardidas de forma desregulada durante o verão, evitando assim que se

transformem em incêndios severos, em áreas onde existe uma forte relação entre o uso

tradicional do fogo e a atividade de silvopastorícia".

Segundo informação pública fornecida pela AGIF, no distrito de Viseu, em Castro de Daire, já

foram realizadas seis queimadas, abrangendo cerca 140 hectares de pastagens, em áreas

identificadas pelos pastores. No distrito de Vila Real, em Montalegre e Vila Pouca de Aguiar,

foram executadas queimadas numa área total de cerca de 60 hectares, tendo as respetivas

áreas sido identificadas pelos pastores e que revelavam necessidade de uso de fogo para a

renovação das pastagens em cerca de 550 hectares.

7. A regulamentação do uso tradicional do fogo noutros países

À semelhança de Portugal, muitos países da Europa legislaram e condicionaram o uso do fogo

pela população, enquanto que outros optaram por regular e legalizar uma prática ancestral. As

regiões do mundo colonizadas por europeus “receberam” não só o fogo colonial como também

a legislação. Apresentam-se seguidamente alguns exemplos de regulamentação da prática do

uso popular do fogo, com base na sua responsabilização, que têm proporcionado reduções do

número de incêndios e da área ardida resultante deste uso do fogo.

Nos EUA, o Estado do Texas permite o uso do fogo pelos agricultores como ferramenta de

gestão de pastagens. No entanto, é requerida formação certificada e seguro, e a lei estadual

confere uma responsabilidade limitada ao agricultor ou produtor de gado, sempre que se

cumpram as condições de segurança exigidas (Russell e Lashmet, 2017). De modo

semelhante, o Estado da Florida autoriza as queimadas com fins agrícolas (“acreage burns”)

desde que a pessoa seja detentora da formação devida e cumpra as condições de segurança

exigidas (Florida Forest Service, 2014). O registo é obrigatório em ambos os estados.

No Canadá, em particular no Estado de Manitoba, foi criado um programa de uso do fogo

orientado para os agricultores com o fim de reduzir o risco de incêndio e o impacto do fumo na

saúde pública. Em consequência, em 1993 foi publicada a regulamentação das queimadas,

onde se estabelecem as condições de obtenção de autorização e licenciamento, de segurança

e de responsabilização.

Em França o uso do fogo pelas populações rurais está regulamentado desde o século XIX. A

queimada pastoril designada por “ecobuage” é uma técnica de manutenção de pastagens com

recurso ao fogo, efetuada por agricultores e produtores de gado, e que tem como principal

objetivo a manutenção um recurso forrageiro e o aumento da produtividade. Nos Pirinéus,

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desde a década de 1990 que os criadores de gado se organizaram em comissões locais de

Ecobuage. A comissão identifica áreas potenciais para queima pastoril, categorizadas em três

níveis de dificuldade, sendo que os pastores se encarregam de todas as queimas excepto

daquelas mais complexas, que ficam a cargo de uma equipa de fogo controlado. A regulação

vai evoluindo de forma adaptativa e participada e a prática corrente é baseada na

responsabilização dos pastores e na substituição por equipas de fogo controlado apenas em

casos extremos, reabilitando as melhores práticas tradicionais num quadro regulamentado

(Fernandes et al., 2013).

Em Espanha foram constituídas em 1998 as EPRIF (Equipas de Prevenção Integral de

Incêndios Florestais), compostas por dois técnicos e dois capatazes (equivalente a sapadores

florestais), cujo objetivo é intervir sobre as causas que geram incêndios, através da atuação no

território. Uma das ações destas equipas é apoiar o uso do fogo sobre o lema “queimar

educando” (Porrero et al., 2012). No entanto, apesar de mais de duas décadas de existência,

existem na atualidade apenas 18 equipas em todo o território e distribuídas essencialmente nas

comunidades do Norte de Espanha (Figura 37).

Figura 37. Distribuição das Equipas de Prevenção Integral de Incêndios Florestais do Ministério de

Agricultura, Pesca y Alimentación. Fonte: MAPA 2020.

Dada a insuficiência de equipas e a necessidade de uso do fogo pelas comunidades rurais,

algumas comunidades autónomas de Espanha criaram regulamentação específica para a

inclusão do fogo tradicional como prática legal e devidamente regrada. Na Comunidade de

Aragão a queima por parte da população de matos, pastagens, restolhos e resíduos florestais

com continuidade, requer apenas uma autorização para a sua execução, fora da época de

risco.

A Comunidade Autónoma da Cantábria constitui um dos exemplos mais recentes e, como tal,

corresponde a uma visão mais atual do problema e da tentativa de o resolver, que merece uma

abordagem mais detalhada dadas as similitudes com uso do fogo pelas nossas comunidades

rurais de montanha. O território cantábrio sofre anualmente incêndios florestais durante o

período de novembro a finais de abril, cujas causas se encontram associadas ao uso

tradicional do fogo, em particular as queimadas pastoris. O ano de 2019 foi o quinto pior ano da

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década, com 11 mil hectares ardidos entre fevereiro e março. Em consequência, e dada a

dificuldade de responder às necessidades das comunidades rurais, o Governo da Cantábria

avançou recentemente com uma proposta de diploma para regular e responsabilizar o uso do

fogo pela população para a renovação das pastagens. Este diploma legal encontra-se

atualmente em discussão pública e tem como objetivo:

“alcançar acordos e conciliar interesses à escala local, para que se implementem

diferentes medidas com o fim de minimizar os conflitos que possam ocorrer no uso

e gestão do monte. Na Cantábria, o uso do fogo como ferramenta de gestão do

meio tem sido prática habitual desde a sua ocupação humana, existindo

atualmente uma elevada procura para o seu uso por parte da população rural.

(…) o PEPLIF6 configura o uso do fogo como ferramenta ao serviço da gestão

florestal sustentável dos montes complementada com outras como a roça ou o

pastoreio dirigido e em concordância com os modelos de risco por incêndio

florestal implementados nos países mais avançados nesta matéria”

Neste contexto, a nova proposta legislativa estabelece dois tipos de queimada de acordo com a

sua complexidade:

 Queimada Simplificada – com baixa complexidade e que poderá ser executada pelos

interessados com os seus próprios meios. Para o exercício desta queimada é obrigatória

formação prévia de curta duração.

 Queimada Padrão – mais complexa e cuja execução requer planificação e gestão, além

da participação de equipas profissionais na execução, a pedido dos agricultores,

pastores, etc.

Face aos exemplos expostos, verifica-se a tendência de procurar um enquadramento legal

visando responsabilizar a população pelo uso do fogo nas condições típicas do sistema agrário

tradicional. A atitude mais frequente, nomeadamente em Portugal, visa a eliminação desse uso

e, consequentemente, resulta em uso ilegal, sem controlo e sem responsabilização,

frequentemente em condições meteorológicas mais severas, com as consequências negativas

que daí advêm (Fernandes et al., 2013).

8. Considerações Finais e Recomendações

1. Adotar o conceito de uso popular do fogo, diferenciando-o do uso tradicional do fogo

Como referido no presente Estudo Técnico, o uso atual do fogo, ainda que na sua origem

estejam práticas ancestrais, constitui hoje um mero vestígio do fogo anterior à industrialização

e mecanização agrícola, na larga maioria dos casos não integrando os processos e conexões

do agrossistema tradicional. Tal como em muitos casos se perdeu o acompanhamento do gado

no pastoreio, também se perdeu o acompanhamento do uso do fogo e a sua integração no

sistema como ferramenta de trabalho e de fertilização, bem como de processo ecológico.

Como consequência das limitações ao uso do fogo, perdeu-se conhecimento, quer das

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técnicas, quer dos processos. O que atualmente resta é, na sua maioria, um uso popularizado

do fogo como recurso para a eliminação de resíduos agrícolas e florestais.

Sendo assim, com o fim de evitar erros de interpretação, e uma vez que se mantém em

algumas comunidades o uso adequado do fogo tradicional, é essencial que esse uso pelas

comunidades não seja considerado equivalente ao uso genérico do fogo. Uso popular do fogo

seria assim o termo mais geral para o uso do fogo pelas comunidades, sejam queimas de

sobrantes ou queimadas extensivas. Este uso pode ser considerado do tipo tradicional se se

realizar nas condições tradicionais de combustível e meteorologia, isto é, em situações de

baixo risco. Quando o uso popular do fogo é realizado em situações não tradicionais, de maior

risco, não deverá ser considerado fogo tradicional, mas continuará a ser considerado como uso

popular do fogo e, frequentemente, como causa de incêndio.

Apresenta-se de seguida uma proposta de organização dos diversos tipos de uso de fogo,

adaptando a terminologia aos conceitos mais adequados.

Figura 38. Tipologias de usos do fogo de acordo com o seu nível de complexidade, determinando o seu carácter técnico ou popular, e de acordo com o nível de risco associado. Na perspetiva da gestão do risco, o fogo controlado e o fogo tradicional estão próximos da prevenção e gestão de combustíveis em condições de baixo risco, enquanto o fogo de supressão se enquadra no contexto do combate e o uso indevido do fogo aponta para a necessidade de redução de ignições em condições de alto risco. Fogos de gestão implicam complexidade elevada e operacionalmente implicam um misto de procedimentos associados ao uso do fogo e à sua supressão.

2. Enquadrar legalmente, simplificar e responsabilizar o uso do fogo nas comunidades

rurais

Durante várias décadas o uso do fogo por parte da população foi o alvo principal do legislador,

criando variadíssimas penas pelas infrações ao seu uso. No entanto, tais regulamentos

mostraram-se pouco eficazes ao longo da história e inclusive, através do condicionamento,

contribuíram para a perda de conhecimento secular relativo ao uso tradicional do fogo. Por

outro lado, quando este uso é adequado, importa que seja devidamente regulamentado e

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simplificado com base na responsabilização dos utilizadores. O Observatório Técnico

Independente propõe que para o efeito se evolua no sentido das boas experiências

internacionais que permitem às comunidades rurais, agricultores, produtores de gado e

caçadores a utilização do fogo em queimadas desde que cumpram regras simples. No caso de

Portugal estas regras poderiam incluir a aprovação em sede de CMDF de um plano simples

com as áreas e estações do ano a intervir, cuja execução implicaria uma formação prévia

certificada, equipamento adequado e monitorização por um técnico local, preferencialmente do

GTF, com formação em fogo controlado. Um sistema deste tipo poderia ser aplicado em áreas

específicas e avaliado antes da sua generalização.

3. Adoptar uma plataforma comum de registo obrigatório de todas as ações de uso do

fogo

A Plataforma Queimas e Queimadas criada pelo ICNF em 2019 é uma ferramenta importante

para responsabilizar os utilizadores e é essencial para os agentes com competências na

fiscalização, assim como para o combate em caso de ocorrência. Verifica-se que muitos

municípios não recorrem ainda a esta plataforma, antes possuindo os seus próprios meios ou

delegando em corpos de bombeiros voluntários, para proceder ao registo de acordo com o

Decreto-Lei n.º 124/2006, na sua atual redação. Considerando a necessidade de garantir e de

cumprir a lei de proteção de dados e a necessidade de uma plataforma única para o respetivo

registo, o OTI recomenda que o registo seja obrigatório através da Plataforma Queimas e

Queimadas, bem como o registo das ações de queimadas extensivas e ações de fogo

controlado. Recomenda igualmente a adição de dois campos relativos à segurança, em

particular das pessoas mais idosas: a data de nascimento do requerente e a informação se o

requerente irá fazer a queima acompanhado ou não.

4. Capacitar e dotar os GTF, reforçando competências técnicas e meios financeiros, em

particular nos concelhos com atividade pecuária extensiva e atividade cinegética

Nos municípios com atividade pecuária em regime extensivo e atividade cinegética é essencial

a presença de um técnico do GTF com formação no uso do fogo controlado, com o fim de

responder às necessidades locais. Dada a necessidade de uma disponibilidade praticamente

total para o aproveitamento do máximo de dias com as condições de prescrição desejáveis,

propõe-se uma majoração no apoio ao funcionamento do GTF, de acordo com o valor por

hectare das áreas tratadas com fogo, seja em plano de fogo controlado ou queimada

licenciada.

5. Capacitar e dotar as equipas de Sapadores Florestais, reforçando competências

técnicas e meios financeiros, em particular nos concelhos com atividade pecuária

extensiva e atividade cinegética

À semelhança dos GTF, propõe-se uma majoração no apoio financeiro das equipas de

Sapadores Florestais, de acordo com o valor por hectare das áreas tratadas com fogo, seja em

plano de fogo controlado ou queimada licenciada. Igualmente, as ações de preparação e de

execução de fogo controlado ou queimada licenciada, independentemente das áreas se

encontrarem ou não em perímetro florestal, e dentro ou fora do Regime Florestal, as ações

decorrentes deverão ser contabilizadas como Serviço Público, dada a importância no âmbito da

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prevenção estrutural e na redução das ignições. Propõe-se ainda que todos os elementos das

equipas de Sapadores Florestais em concelhos com atividade pecuária em regime extensivo e

atividade cinegética, sejam formados no âmbito das temáticas estabelecidas nos cursos de

operacional de queima, com o acréscimo de temas relacionados com a atividade pecuária e

cinegética.

6. Alterar o Regulamento do Fogo Técnico

É importante alterar o Regulamento do Fogo Técnico, com o fim de integrar as temáticas

relacionadas com a vertente pecuária e o uso do fogo pastoril. Igualmente, propõe-se a

clarificação da credenciação do técnico de fogo controlado, pois o regime de exceção em vigor

permite que muitos técnicos desempenham funções sem que detenham os conhecimentos de

base necessários. Sendo assim, deverão apenas ser credenciados como chefes de queima e

não como técnicos de fogo controlado, independentemente da formação base de nível superior

e sempre que frequentem um curso reconhecido pelo ICNF. Deste modo, diferencia-se o

planeamento, a avaliação e a formação das tarefas operacionais.

Por outro lado, dada a necessidade de conhecimentos mais aprofundados relacionados com a

produção pecuária, gestão florestal, exploração cinegética e outras atividades de exploração

dos recursos florestais e de conservação da biodiversidade, é importante que o técnico

credenciado em fogo controlado tenha habilitações nos ramos das ciências agrárias e

florestais, independentemente de poder usar o fogo como chefe de queima ou técnico de

ignição. É da exclusiva competência do técnico de fogo controlado a elaboração e

monitorização dos respetivos planos e pareceres sobre o uso do fogo apresentados em sede

de CMDF.

7. Reforçar o Programa Nacional de Fogo Controlado

Na ausência de iniciativa privada relevante nesta área, o papel do Estado no apoio ao uso do

fogo técnico é crucial para dinamizar o fogo controlado, pelo que o OTI recomenda a

continuidade do Programa Nacional de Fogo Controlado, ampliando a sua ação e o papel dos

GTF e das equipas de Sapadores Florestais, de acordo com o referido nas recomendações dos

pontos 2, 4 e 5.

8. Integrar o Fogo Controlado como ação de gestão do combustível nas zonas de

Intervenção Territorial Integrada

As áreas geridas com fogo técnico, devidamente regulamentado e licenciado, não são

consideradas pelo IFAP como gestão do combustível ou renovação de pastagens, traduzindo-

se numa penalização para o produtor de gado, em particular nas zonas de Intervenção

Territorial Integrada (ITI), abrangidas pelos Pagamentos Rede Natura – Apoios zonais de

caráter agroambiental/PDR 2020. Medida 7.3.2. Com o fim de reverter esta situação e dada a

importância do fogo como ferramenta de gestão, renovação de pastagens e de fertilização,

propõe-se que todas as ações de intervenção com fogo controlado ou queimada licenciada nas

áreas incluídas no zonamento de ITI sejam devidamente identificadas e esclarecidos os

objetivos pecuários através dum plano aprovado em sede de CMDF e enviado ao IFAP.

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9. Referências Bibliográficas

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