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Segunda-feira, 29 de julho de 2024 II Série-E — Número 18
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Presidente da Assembleia da República:
Despacho n.º 41/XVI — Requerimento de documentação, no âmbito da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para Verificação da Legalidade e da Conduta dos Responsáveis Políticos Alegadamente Envolvidos na Prestação de Cuidados de Saúde a Duas Crianças (Gémeas) Tratadas com o Medicamento Zolgensma.
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PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DESPACHO N.º 41/XVI
REQUERIMENTO DE DOCUMENTAÇÃO, NO ÂMBITO DA COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO
PARLAMENTAR PARA VERIFICAÇÃO DA LEGALIDADE E DA CONDUTA DOS RESPONSÁVEIS
POLÍTICOS ALEGADAMENTE ENVOLVIDOS NA PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE A DUAS
CRIANÇAS (GÉMEAS) TRATADAS COM O MEDICAMENTO ZOLGENSMA
Na Comissão Parlamentar de Inquérito – Gémeas Tratadas com Medicamento Zolgensma, constituída nos
termos do disposto no n.º 4 do artigo 178.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do
artigo 2.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (RJIP), o Grupo Parlamentar do Chega apresentou
um requerimento, ao abrigo do n.º 4 do artigo 13.º do RJIP, no sentido de solicitar ao Presidente da Assembleia
da República os bons ofícios para requerer à Presidência da República, se possível em suporte digital, «toda a
documentação relativa ao caso da Matilde, a criança diagnosticada com atrofia muscular espinal (AME),
e que recebeu o tratamento com o medicamento Zolgensma, em julho de 2019, mencionada na audição do
Ex.mo Sr. Dr. Fernando Frutuoso de Melo, Chefe da Casa Civil do Presidente da República» (cfr. ofício
INT_CPIGTMZ/2024/24, de 23 de julho de 2024).
Apreciando:
No âmbito da sua atividade, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) recebe, de entidades externas,
informação classificada que visa garantir a segurança da informação, nomeadamente ao nível da
confidencialidade.
A matéria da segurança da informação e da classificação de informação e seu manuseamento na Assembleia
da República (AR) encontra-se prevista (i) no RJIP, constante da Lei n.º 5/93, de 1 de março1, (ii) no
Regulamento sobre Política de Classificação e Manuseamento na Informação da AR, aprovado pelo Despacho
n.º 89/XIII, de 12 de julho de 2018, assim como, mais genericamente, (iii) na Política Geral de Segurança de
Informação da AR que consta da Resolução da Assembleia da República n.º 123/2018.
No que respeita às regras para a consulta da informação classificada enviada à CPI, a informação que
contenha dados de saúde deverá ser consultada precedida de assinatura de declaração de tomada de
conhecimento da informação sobre proteção de dados e compromisso de cumprimento no disposto no
Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e na lei nacional de execução no que se refere ao
tratamento dos dados pessoais a que tenha acesso.
Com efeito, os dados relativos à saúde são dados pessoais na definição do RGPD, na medida em que são
informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável, estando integrados nas categorias
especiais de dados cujo tratamento só pode ser efetuado em determinados casos.
Nestas operações devem ser respeitados os princípios estabelecidos no RGPD, dos quais se destaca o
princípio da limitação das finalidades, de acordo com o qual estas devem ser determinadas, explícitas e
legítimas – neste caso, a concretização do objeto do inquérito, e apenas essa –, o princípio da minimização –
devem ser adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário às finalidades – e também o princípio da
integridade e confidencialidade, que consiste na obrigação de tratar os dados de forma que garanta a sua
segurança, incluindo a proteção contra o seu tratamento não autorizado ou ilícito e contra a sua perda, destruição
ou danificação acidental, devendo adotar-se as medidas técnicas e organizativas adequadas.
Com efeito, no que respeita aos princípios relativos ao tratamento de dados pessoais previstos no RGPD, o
princípio da licitude determina que só é possível o tratamento de dados pessoais se existir uma razão
suficientemente legítima que o justifique.
Por sua vez, o princípio da limitação da(s) finalidade(s) determina que os dados devem ser recolhidos
para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podem ser tratados posteriormente de uma forma
1 Com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 126/97, de 10 de dezembro, 15/2007, de 3 de abril, 29/2019, de 23 de abril, e 30/2024, de 6 de junho.
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incompatível com essas finalidades, embora se admita o tratamento posterior para fins de arquivo de interesse
público, ou para fins de investigação científica ou histórica, ou para fins estatísticos. Este princípio assume uma
importância fundamental uma vez que só depois de conhecida a finalidade do tratamento é possível apurar se
a informação pessoal recolhida é necessária e não excessiva.
As finalidades do tratamento devem ser determinadas, explícitas e legítimas: está em causa estabelecer os
limites para o tratamento e articulá-los com os fundamentos de legitimidade invocados.
O princípio da minimização significa que os dados a tratar devem ser adequados, pertinentes e limitados
ao que é exigido pelas finalidades que determinam o tratamento. Segundo este princípio, os dados pessoais
apenas devem ser tratados se a finalidade do tratamento não puder ser atingida de forma razoável por outros
meios. Decorre deste mesmo princípio que só devem ser tratados os dados necessários para a finalidade
pretendida e não quaisquer outros. Caso se verifique que foram solicitados dados excessivos, o tratamento
passará a ser ilícito, o que constitui contraordenação muito grave prevista e sancionada nos termos da alínea a)
do n.º 5 do artigo 83.º do RGPD e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de
agosto (que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do RGPD).
De realçar também que, de acordo com a lei de execução do RGPD (Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto), o
incumprimento destes princípios, quando estão em causa dados relativos à saúde (artigo 29.º), constitui uma
contraordenação muito grave (artigo 37.º) e que, por outro lado, a utilização de dados de forma incompatível
com a finalidade para a qual foram recolhidos ou a violação do dever de sigilo – imposto a todos os que tiverem
acesso aos dados relativos à saúde – são tipificadas como crime (artigo 46.º).
O ordenamento jurídico português encerra um conjunto de diplomas que, na área da saúde, consagra a
confidencialidade como um bem em si mesmo.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada
no seu artigo 26.º e o direito à proteção de dados pessoais previstono artigo 35.º. Especificamente, o n.º 4
do artigo 35.º da CRP estabelece a regra da proibição do acesso a dados pessoais de terceiros, salvo as
exceções previstas na lei.
Também o artigo 3.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, alterada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto,
consagra a regra da proibição do acesso a dados clínicos de terceiros.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido, em consonância com o artigo 8.º da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o respeito pela vida privada é um dos direitos fundamentais
protegidos pela ordem jurídica comunitária, que comporta o direito das pessoas manterem secreto o estado de
saúde e, por outro lado, que podem ser impostas restrições aos direitos fundamentais por ela protegidos desde
que correspondam a objetivos de interesse geral e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma
intervenção desproporcionada e intolerável que atente contra a própria essência do direito protegido (Acórdão
5/10/94).
J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam, por sua vez, que o direito à intimidade da vida privada se
analisa em dois direitos menores: «(a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informação sobre a vida
privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar
de outrem (artigo 80.º do Código Civil)», in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., Coimbra,
1993, pág. 181.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional caracterizou o conceito de «vida privada» como «o direito de cada
um ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias», ou seja, «o direito a
uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular» (ver,
por todos, Acórdão n.º 128/92 do Tribunal Constitucional).
Com efeito, o homem, sendo embora um ser social, não é, porém, todo ele parte da sociedade civil.
Justamente porque é pessoa, o homem tem — como sublinham Javier Hervada e José M. Zumaquero — «um
âmbito pessoal em que não têm entrada nem o Estado, nem a sociedade, um âmbito regulado pela consciência
e pelo juízo de cada um. Este âmbito privado (íntimo, próprio) não é em si mesmo objeto de regulamentação por
parte do Estado, nem de ingerências sociais. É um âmbito de liberdade, de intimidade ou de não publicidade»
(cfr. Textos Internationales de Derechos Humanos, EUNSA, Pamplona, 1978, p. 145).
Os dados de saúde integram a categoria de dados relativos à vida privada, assumindo particular relevância
a tónica da confidencialidade, em conexão com o direito à reserva da intimidade da vida privada, com
assento no n.º 1 do artigo 26.º da CRP.
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O direito à reserva da intimidade da vida privada implica, para o Estado, o dever de assegurar a cada cidadão
uma esfera intocável de privacidade, excluída da curiosidade alheia, o que fundamenta a necessidade de excluir
o direito de acesso a documentos que contenham dados pessoais não públicos (Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 25-05-2016).
Por outro lado, importa ainda ter em atenção que, de acordo com o RGPD, as crianças beneficiam de uma
tutela reforçada, na exata medida em que, por força da sua vulnerabilidade, merecem proteção especial quanto
aos seus dados pessoais, uma vez que podem estar menos cientes dos riscos, consequências e garantias em
questão e dos seus direitos relacionados com o tratamento dos dados pessoais.
Feito este breve enquadramento, e retomando o pedido que foi dirigido ao Presidente da Assembleia da
República, importa realçar que está em causa requerimento apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 13.º do
RJIP, para que seja solicitada à Presidência da República «toda a documentação relativa ao caso da Matilde,
a criança diagnosticada com Atrofia Muscular Espinal (AME), e que recebeu o tratamento com o medicamento
Zolgensma, em julho de 2019».
Nos termos do Despacho n.º 18/XVI, publicado no Diário da Assembleia da República da 2.ª Série-E, n.º 6,
de 9 de maio de 2024, a presente CPI foi constituída com o objetivo de:
«a) Apurar, independentemente dos decisores políticos envolvidos, todas as responsabilidades no
favorecimento à prestação de cuidados de saúde às duas crianças luso-brasileiras tratadas com o
medicamento Zolgensma (um dos mais caros do mundo), bem assim como na obtenção de nacionalidade;
b) Verificar as questões suscitadas na nota informativa que remete para o relatório da Inspeção-Geral das
Atividades em Saúde (IGAS) sobre o referido processo e desvendar as possíveis irregularidades cometidas em
todo o processo;
c) Calcular os custos para o erário público;
d) Investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente» (sublinhado nosso).
Assim, estando em causa a comunicação de dados de saúde – suscetíveis de integrarem informação relativa
à vida privada de uma criança alheia à CPI, de acordo com o objeto constante do aludido despacho de
constituição – deverá o Grupo Parlamentar do Chega concretizar o âmbito e extensão do pedido,
concretização esta que deverá acompanhar o pedido de documentação a remeter à Presidência da República,
designadamente:
(i) Fundamentar e especificar os motivos determinantes do pedido, dado que é possível que se venha
a receber documentação – classificada ou não – que contenha dados relativos à saúde de uma criança
terceira em relação a esta CPI (cuja averiguação se circunscreve à prestação de cuidados de saúde àsduas
crianças luso-brasileiras), neste caso, a menor Matilde que foi diagnosticada com atrofia muscular espinal e que
recebeu o tratamento com o medicamento Zolgensma, em julho de 2019.
(ii) Concretizar a extensão da informação que pretende que seja cedida, designadamente se é
circunscrita ao conhecimento de eventuais reencaminhamentos de informação para conhecer o «trajeto» da
informação que alegadamente existirá na Presidência da República, ou se o pedido de informação deverá incluir
informação de saúde da criança, designadamente relatórios médicos, registos clínicos, entre outros.
Notifique-se o Grupo Parlamentar do Chega em conformidade.
Dê-se conhecimento à Comissão.
Registe-se, notifique-se e publique-se.
Palácio de São Bento, 25 de julho de 2024.
O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.