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Sexta-feira, 13 de setembro de 2024 II Série-E — Número 25
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Presidente da Assembleia da República: Despacho n.º 46/XVI — Apreciação do recurso interposto pelo CDS – Partido Popular (CDS-PP) quanto à decisão de processamento da subvenção pública relativa aos meses de abril e maio de 2024.
Despacho n.º 47/XVI — Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Despacho n.º 48/XVI — Comissão Eventual de Acompanhamento da Execução do Plano de Recuperação e Resiliência e do Programa Portugal 2030.
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PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DESPACHO N.º 46/XVI
APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO PELO CDS-PP – PARTIDO POPULAR (CDS-PP)
Quanto à decisão de processamento da subvenção pública relativa aos meses de abril e maio de 2024:
i) Enquadramento de facto:
O presente recurso vem interposto da decisão de indeferimento, por parte do Sr. Secretário-Geral, do
pedido de restituição do montante da subvenção relativa ao período em que a mesma esteve
suspensa, por motivo de não prestação de contas.
Com relevância para a decisão, verifica-se que:
1. No âmbito do processo de apreciação de contas anuais do CDS-PP, referentes ao ano de 2018, a
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), em 1 de fevereiro de 2023, proferiu decisão na qual
concluiu, no que concerne à estrutura do CDS-PP Madeira, que se verifica uma situação de contas não
prestadas, enquadrada no âmbito do artigo 32.º, n.º 1, alínea a), da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro.
Situação similar ocorreu com a apresentação das contas do ano de 2019.
2. No dia 1 de abril de 2024, a ECFP comunicou à Assembleia da República (AR), às Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, à Autoridade Tributária e ao Ministério Público
junto do Tribunal Constitucional a não prestação das contas em causa.
3. Nesta sequência, a AR, em conformidade, suspendeu o pagamento da subvenção pública ao partido
político.
4. No dia 24 de abril de 2024, o CDS-PP procedeu à entrega de elementos de prestação de contas
relativas aos anos de 2018 e 2019 (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005), os quais foram
complementados no dia 28 de maio de 2024.
5. Após proceder a análise preliminar dos referidos documentos, concluiu a ECFP estar perante uma
situação de efetiva apresentação de contas (cfr. artigo 29.º, n.º 7, da Lei n.º 19/2003), facto que comunicou à
AR no dia 5 de junho de 2024.
6. A AR determinou a retoma do processamento da subvenção pública ao partido, com efeitos a partir da
notificação.
7. Nesta sequência, o CDS-PP veio requerer o pagamento da subvenção relativamente ao período em que
a mesma esteve suspensa (no caso, de 1 de abril a 4 de junho de 2024).
8. Foi solicitado parecer ao Sr. Auditor Jurídico que, registando a imprecisão da letra da lei – atento o facto
de a norma não esclarecer em que termos se opera a retoma do processamento da subvenção após
apresentação das contas –, apela aos elementos sistemático e racional ou teleológico da lei para concluir que
o período em que a subvenção pública para financiamento ao partido político esteve suspensa, por motivo de
não prestação de contas, não poderá ser recuperado quando as contas vierem a ser apresentadas.
9. Nesta sequência, o Sr. Secretário-Geral indeferiu o pedido de restituição do montante da subvenção
relativa ao período em que a mesma esteve suspensa.
10. Desta decisão, veio o CDS-PP interpor o presente recurso hierárquico para o Presidente da Assembleia
da República.
11. Por determinação do Presidente da Assembleia da República, a ECFP foi notificada para informar a AR
se as contas anuais do CDS-PP referentes aos anos de 2018 e 2019 serão ou não auditadas, em face da
apresentação tardia das contas, bem como a fase em que os processos se encontram.
12. Em resposta, veio a ECFP informar que as contas apresentadas pelo CDS-PP no passado mês de
maio, relativas aos anos de 2018 e 2019, que se encontravam em falta, serão ainda objeto de auditoria,
encontrando-se a decorrer os trabalhos preparatórios para a execução da referida auditoria (cfr. ofício de 1 de
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agosto da ECFP).
Cumpre apreciar e decidir.
ii) Enquadramento de direito:
Nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, que regula o regime aplicável aos
recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, os partidos enviam à ECFP, até ao fim
do mês de maio, para apreciação, as contas relativas ao ano anterior.
Se as contas anuais não forem entregues, a ECFP verifica a ocorrência de qualquer circunstância que
permita excluir, quanto aos partidos em questão, a relevância do incumprimento da referida obrigação legal e
decide, quanto a cada partido, se estava ou não sujeito à obrigação legal de apresentação de contas e, bem
assim, se as contas foram ou não prestadas, aplicando as sanções previstas na lei [cfr. os n.os 1 e 2 do artigo
28.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º, ambos da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro].
No caso, constata-se que o CDS-PP não apresentou as contas dentro do prazo legal previsto no artigo
26.º, não se verificando qualquer circunstância que permita excluir a relevância do incumprimento da
obrigação legal da entrega das contas, uma vez que não resulta verificado qualquer evento que dispense a
respetiva entrega.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 104/2011, o tribunal esclareceu que, «para efeitos legais, a não
apresentação das contas anuais (…), no prazo legalmente fixado, equivale à sua não elaboração de acordo
com as normas constantes do Capítulo II da Lei n.º 19/2003, uma vez que, não sendo apreciadas nem
auditadas, todas as finalidades legais subjacentes ao seu controlo saem frustradas com essa não
apresentação». Mais assinalou que, na medida em que «a não apresentação das contas equivale, para efeitos
legais, à inexistência das mesmas», será indiferente, «para efeitos de imputação objetiva, (…) saber se as
contas foram ou não elaboradas e aprovadas. Ou seja, as contas podem efetivamente ter sido elaboradas,
fiscalizadas e aprovadas, mas se não forem entregues em tempo, está consumada a violação do dever de
entrega».
Por sua vez, dispõe o n.º 7 do artigo 29.º da Lei n.º 19/2003 que «a não apresentação das contas no prazo
previsto no n.º 1 do artigo 26.º determina a suspensão do pagamento da subvenção estatal a que o partido
tem direito até à data da referida apresentação», efeito também reafirmado no n.º 3 do artigo 32.º quando
dispõe que «sem prejuízo do disposto no número anterior, a não prestação de contas pelos partidos políticos
determina a suspensão do pagamento da subvenção estatal a que o partido tenha direito até à data da sua
efetiva apresentação» (destacado nosso).
Assim, para o efeito da suspensão da subvenção estatal, prevê-se que o Presidente da ECFP comunique o
facto ao Presidente da Assembleia da República, devendo também adotar este mesmo procedimento logo que
sejam apresentadas as contas em falta. Em ambos os casos, é dado conhecimento ao partido político em
causa, pelo Presidente da ECFP, das comunicações efetuadas ao Presidente da Assembleia da República
(cfr. artigo 103.º-B da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, LTC).
Enquanto a responsabilidade contraordenacional opera por ato da entidade fiscalizadora das contas,
instruindo o processo e aplicando a sanção legal, a suspensão do pagamento da subvenção opera ope legis,
ou seja, o seu efeito decorre automaticamente da lei, em razão da relevância dos interesses públicos que se
pretendem salvaguardar, designadamente, o conhecimento da situação financeira e patrimonial dos partidos
políticos e da utilização que fazem dos seus fundos. A medida tem em vista reforçar o respeito pelo
cumprimento da obrigação legal de prestar contas anuais, com discriminação das receitas e despesas.
O estímulo à prestação das contas anuais será tanto maior quanto maior for o período de suspensão.
Sabido que os recursos financeiros dos partidos políticos são escassos, a suspensão do processamento da
subvenção pública e, com isso, da entrada mensal de recursos financeiros, constituirá um forte incentivo ao
restabelecimento da regra de anualmente serem prestadas contas pelos partidos políticos.
Não é só a suspensão da subvenção que ocorre por falta de prestação das contas, verificando-se
igualmente uma suspensão dos benefícios fiscais de que gozam os partidos políticos. Com efeito, as isenções
de (i) imposto de selo, de (ii) imposto sobre sucessões e doações, de (iii) imposto municipal sobre as
transmissões onerosas de imóveis, pela aquisição de imóveis destinados à sua atividade própria e pelas
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transmissões resultantes de fusão ou cisão, de (iv) imposto municipal sobre imóveis, sobre o valor tributável
dos imóveis ou de parte de imóveis de sua propriedade e destinados à sua atividade, de (v) imposto automóvel
nos veículos que adquiram para sua propriedade, de (vi) imposto sobre o valor acrescentado na aquisição e
transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, bem como
nas transmissões de bens e serviços em iniciativas especiais de angariação de fundos em seu proveito
exclusivo, são suspensas até ao momento em que o partido político cumprir a obrigação de prestação de
contas (artigos 10.º e 11.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho).
Em última linha, constituindo um sinal do relevo da regra e de reafirmação da importância de se respeitar a
obrigação de prestação de contas anualmente, os partidos políticos podem vir a ser declarados judicialmente
extintos pelo Tribunal Constitucional caso não apresentem contas em três anos consecutivos ou em cinco
anos interpolados num período de dez anos [cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 18.º da Lei dos Partidos Políticos,
prevista na Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto].
A prestação de contas traduz, assim, um verdadeiro imperativo de existência para os partidos políticos.
§ Considerações sobre os partidos políticos e o seu financiamento público
É apodítica a ideia de que os partidos políticos constituem uma realidade fundamental dos sistemas
democráticos.
A Constituição de 1976 é, neste aspeto, explícita: os partidos são uma realidade constitucional e direito
constitucional formal1 [artigos 10.º, n.º 2, 40.º, 51.º, 114.º, 151.º, 180.º, 187.º, 288.º, alínea i)], procedendo a
uma «incorporação constitucional dos partidos em sentido formal» (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos
Políticos no Direito Constitucional Português, p. 92), enquanto emanação do Estado de direito democrático
baseado no pluralismo de expressão e organização política democráticas (cfr. artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 47.º,
117.º), tendo mesmo incluído a matéria relativa ao «pluralismo de expressão e organização política, incluindo
partidos políticos, e o direito de oposição democrática» entre os limites materiais de revisão constitucional
[artigo 288.º, alínea i)].
O direito de participação na vida política é configurado pela Constituição como abrangendo um
envolvimento direto ou mediante representação («diretamente ou por intermédio de representantes livremente
eleitos»). Significa isto que a participação dos cidadãos na vida política compreende o direito a ser ouvido e o
direito de voto (Baptista Machado «Participação e descentralização», in Participação e Descentralização –
Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 41). Daqui decorre que tal
participação há de ser assegurada não apenas na formação da vontade política através do voto, mas,
também, por via da liberdade de auto-organização e autodeterminação descentralizada (Baptista Machado,
«Participação…», ob.cit., p. 76).
Em ambas as referidas dimensões, o direito à participação política dos cidadãos concretiza-se, sobretudo,
através da representação política, no quadro da democracia representativa (Jorge Miranda, «O quadro de
direitos políticos da Constituição», Estudos sobre a Constituição, Vol. I, 1977, p. 178), e esta realiza-se
primordialmente através dos partidos políticos: «porque o sistema representativo não pode funcionar sem
partidos políticos, logo nos princípios fundamentais estes, e não quaisquer outras organizações, são
tomados, como meios privilegiados de formação e expressão da vontade popular» (Jorge Miranda, «O
quadro…», ob. cit., p. 177). Do ponto de vista subjetivo, isso traduz-se no direito de cada cidadão «constituir
ou participar em partidos políticos e através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade
popular a organização do poder político», expressamente consagrado, enquanto direito de liberdade, no n.º 1
do artigo 51.º da Constituição.
Os partidos políticos no sistema jurídico português constituem, portanto, veículo de exercício do direito
fundamental de participação política (artigo 51.º, n.º 1, da Constituição) e são um instrumento de organização
e expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do
Estado e da democracia política, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, da Constituição.
Refletindo o estado da questão relativamente à posição atual dos partidos no sistema político
constitucional, pode repetir-se o que o Tribunal Constitucional afirmou (Acórdão n.º 304/2003, de 19 de julho
1 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª edição, Almedina, p. 315.
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de 2003):
«[…] os partidos são associações de natureza privada de interesse constitucional e uma peça fundamental
do sistema político (é o próprio Estado a estimular a sua atividade, suportando parte do respetivo
financiamento), pois se lhes atribui – por vezes em exclusivo – a tarefa de concorrerem para a organização e
para a expressão da vontade popular».
A asserção tem o condão de logo evidenciar, de uma forma precisa, duas das funções essenciais dos
partidos cujo reconhecimento merece expressa consagração constitucional: por um lado, a de «concorre[re]m
para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência
nacional, da unidade do Estado e da democracia política» (artigo 10.º, n.º 2, da Constituição); por outro – e
estando-lhe intrinsecamente ligada – a de participarem «nos órgãos baseados no sufrágio universal e direto,
de acordo com a sua representatividade» (artigo 114.º, n.º 1, da Constituição).
Na verdade, os partidos políticos assumem um propósito de representação política da coletividade, sendo
veículos de formação e expressão da vontade popular, constituindo, por isso, uma forma privilegiada de
intervenção dos cidadãos na vida pública e no poder político, ou seja, são a «ponte» que liga os cidadãos à
governação.
Os partidos desempenham um papel essencial na organização das diversidades ideológicas e na
agregação dos interesses dos vários grupos e classes da sociedade, permitindo uma racionalização do conflito
entre mundividências políticas e sociais através de vias institucionais.
A maior parte das democracias ocidentais conhece a existência do sistema de financiamento público dos
partidos políticos, surgindo este com duas funções distintas: (i) por um lado, como prevenção contra a
influência indevida de doadores privados, pretendendo-se diminuir a dependência dos partidos do
financiamento de entidades privadas, desse modo garantindo a sua independência política em face do
poder económico; (ii) por outro lado, como instrumento ao serviço do pluralismo político e social – e da
própria democracia – visando assegurar o pluralismo partidário, garantindo a todas as formações
partidárias um patamar económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do princípio de
igualdade de oportunidades, de modo a que todos os partidos disponham de meios suficientes para chegar
aos cidadãos e que estes possam escolher entre eles com conhecimento de causa.
Trata-se de uma ideia que se impôs como decorrência das funções que lhes são reconhecidas quer «para
a organização e para a expressão da vontade popular» (na expressão do n.º 2 do artigo 10.º da Constituição
Portuguesa) quer na «participação nos órgãos baseados no sufrágio universal e direto» (artigo 114.º, n.º 1, da
Constituição Portuguesa), bem como em considerações como as de que, por esse modo, se potenciava o
princípio da igualdade de oportunidades dos partidos e, de alguma maneira, se arredavam as críticas da falta
de transparência das suas fontes sociais de financiamento, com o cortejo de males que lhes ia normalmente
associado: a corrupção dos partidos com mais evidente vocação de poder e o controlo do Estado por parte de
grupos económicos (cfr. Roberto L. Blanco Valdés, «Consideraciones sobre la necesaria reforma del sistema
español de financiación de los partidos políticos», in La Financiación de los partidos políticos, Cuadernos y
Debates, núm. 47, Madrid, 1994, pp. 45 e ss; Enrique Alvarez Conde, «Algunas propuestas sobre la
financiación de los partidos políticos», in ibidem, pp. 16 e ss; Jean-Pierre Camby, Le financement de la vie
politique en France, Paris, 1995, pp. 26 e ss; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 321 e ss; José Manuel Meirim, O financiamento dos partidos
políticos e das campanhas eleitorais – introdução e notas à Lei n.º 72/93, de 30 de novembro, Lisboa, 1994,
pp. 10 e ss).
Nestes preceitos elevam-se à dignidade de princípio fundamental da Constituição as figuras do sufrágio e
dos partidos políticos, significando que, em certo sentido, o Estado democrático português é um Estado-de-
eleições e um Estado-de-partidos, ou seja, uma democracia eleitoral e uma democracia de partidos. Com
efeito, a democracia constitucional é essencialmente uma democracia representativa, baseada em eleições de
órgãos representativos protagonizadas em geral pelos partidos políticos (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 285).
No fundo, trata-se, aqui, de acolher a particular relevância político-jurídica dos partidos ao nível da
«representação política global da coletividade», como veículos de «formação e expressão da vontade
popular», «projetada para o povo como elemento do Estado-coletividade» (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, Os
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partidos políticos no direito constitucional português, cit. pp. 444 e ss).
No que respeita às subvenções aos partidos políticos, as mesmas constituem uma expressão da
obrigação constitucional do Estado de assegurar o financiamento público da sua organização e
atividades, exigência do princípio democrático em vista do pluralismo partidário, garantindo a todas as
formações partidárias um patamar económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do
princípio da igualdade de oportunidades e diminuir a dependência dos partidos do financiamento de
entidades privadas, desse modo garantindo a sua independência política.
Na mesma linha, Jorge Miranda e Rui Medeiros acentuam que, no quadro de um Estado de direito
democrático, há dois valores fortes em presença: «[o] primeiro é a igualdade, ou igualdade de oportunidades
[cfr. artigo 113.º, n.º 3, alínea b), 1.ª parte, da Constituição], de sorte a que todos os partidos disponham de
meios suficientes para chegar aos cidadãos e a que estes possam escolher entre eles com conhecimento de
causa; o segundo valor é a independência dos partidos perante quaisquer forças ou interesses estranhos ao
interesse geral, de maneira a que não se frustre a subordinação do poder económico ao poder político
democrático [artigo 80.º, alínea a)]» (v. Autores citados, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed.,
Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 51.º, p. 1018).
iii) Análise da concreta problemática suscitada no recurso
Feito este enquadramento, cabe apreciar a questão objeto do presente recurso que consiste em saber se o
partido político recorrente tem (ou não) direito ao pagamento do montante da subvenção correspondente ao
período em que esteve suspensa – no caso, de 1 de abril a 4 de junho – por motivo de não prestação de
contas.
A este respeito, escreve Margarida Salema d’Oliveira Martins, citada no parecer do Ex.mo Auditor Jurídico, o
seguinte:
«Em segundo lugar, pergunta-se se o partido declarado faltoso vier a entregar as contas, mesmo que estas
já não venham a ser auditadas, pode voltar automaticamente a receber a subvenção, que é paga em
duodécimos? E pode reaver os montantes respeitantes ao período da suspensão? Em nossa opinião, pode
voltar a receber a subvenção, apenas a partir da comunicação à AR pela ECFP de que as contas já foram
apresentadas, mas sem poder reaver os duodécimos, entretanto não pagos».
E, em sede de contas de campanha eleitorais, refere a mesma autora:
«Quanto aos partidos políticos, além da punição descrita, prevê-se a suspensão do pagamento da
subvenção estatal a que o partido tenha direito até à data da sua efetiva apresentação (v. n.º 3 do artigo 32.º
da LFP).
A suspensão da subvenção estatal, prevista como vimos para a não apresentação de contas anuais,
reporta-se à mesma subvenção partidária e não à subvenção eleitoral, entretanto já paga pela AR antes da
apresentação de contas. Também aqui, entendemos que a apresentação posterior das contas só produz
efeitos para a cessação da suspensão do pagamento da subvenção, não implicando o pagamento
retroativo da subvenção estatal relativo ao período da duração da suspensão.
A ECFP não deverá já proceder à auditoria dessas contas, sob pena até de eternização dos
processos de apreciação de contas eleitorais».
No caso em análise, como consta do enquadramento fáctico, notificada para informar a AR se as contas
anuais do CDS-PP referentes aos anos de 2018 e 2019 serão ou não auditadas, a ECFP veio informar que
«as contas apresentadas pelo CDS-PP no passado mês de maio, relativas aos anos de 2018 e 2019, que se
encontravam em falta, serão objeto de auditoria», encontrando-se a decorrer os trabalhos preparatórios para a
execução da referida auditoria (cfr. ofício de 1 de agosto de 2024 da ECFP).
Ora, se é verdade que esta autora entende que a apresentação posterior das contas só produz efeitos para
a cessação da suspensão do pagamento da subvenção, não implicando o pagamento retroativo da subvenção
estatal relativo ao período da duração da suspensão, também é igualmente verdade que Margarida Salema
d’Oliveira Martins entende que «a ECFP não deverá já proceder à auditoria dessas contas, sob pena até de
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eternização dos processos», o que, contudo, como vimos, irá acontecer, já que as contas em causa ainda
serão objeto de auditoria e de um processo sancionatório com eventual aplicação de coimas.
Assim, o partido ainda será objeto de um processo onde serão aplicadas as sanções legalmente previstas,
incluindo por incumprimento do dever de apresentação das contas dentro do prazo legal, facto que, por se
mostrar comprovado por informação oficial da ECFP, deve ser devidamente relevado.
No seu parecer, sem deixar de frisar que a norma não esclarece em que termos opera a retoma do
processamento da subvenção após a apresentação das contas, considerou o Ex.mo Auditor Jurídico que a
apresentação posterior das contas só produz efeitos para a cessação da suspensão do pagamento da
subvenção, não implicando o pagamento retroativo da subvenção estatal relativo ao período da duração da
suspensão.
Invoca o partido recorrente a violação do disposto no artigo 29.º da Constituição, pelo facto de a
interpretação em causa se traduzir numa sanção, sem norma expressa, já que nenhuma norma da Lei
n.º 19/2003 estabelece que o pagamento de subvenção estatal a que um partido tem direito possa ser
declarado perdido a favor da Assembleia da República pelo tempo que decorrer entre a suspensão
determinada pela ECFP e o levantamento dessa suspensão (cfr. questão prévia suscitada no recurso).
Como se sabe, um dos princípios basilares do nosso direito penal, o princípio da legalidade, afirma-se
numa das suas dimensões pela expressão nullum crimen, nulla poena sine lege certa, o que impõe que o tipo
penal contenha a descrição exata, rigorosamente delimitada, da conduta proibida e das suas consequências,
razão por que é vedada a publicação de normas penais vagas, imprecisas ou indeterminadas.
A primeira questão a apreciar no presente recurso diz respeito ao nível de proteção assegurado pelo
princípio da legalidade à determinabilidade dos ilícitos contraordenacionais e respetivas sanções. Poder-se-á
falar de uma exigência de determinação relativamente ao conteúdo do ilícito típico nas contraordenações tal
como é exigida para os crimes?
No que diz respeito a esta dimensão, é certo que a Constituição não requer para o ilícito de mera
ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se
aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo
grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes.
Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto
restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente
para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade
dos cidadãos (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 158/92, de 23 de abril, 263/94, de 23 de março,
publicados no DR, II Série, de 2 de setembro de 1992 e de 19 de julho de 1994, e n.º 269/2003, de 27 de
maio).
E se tal não resulta diretamente dos preceitos da chamada «Constituição Penal», resultará, certamente, do
princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Se é exigível que, no direito penal, estas exigências sejam intensificadas, sendo aí os critérios de
previsibilidade e segurança mais precisos, no direito de mera ordenação social não deixa de existir uma
necessidade de comunicação segura ex-ante do conteúdo do ilícito aos seus possíveis autores (cfr., sobre
este problema no direito penal, o Acórdão n.º 427/95, de 6 de julho).
No entanto, neste enquadramento jurídico-constitucional, entendemos que a norma em crise assegura as
garantias de segurança e de controlo pelo destinatário que foram assinaladas, dando informação bastante,
conforme de seguida se densificará, que torna possível aos respetivos destinatários adequarem as suas
condutas de forma a evitar o conteúdo de desvalor da conduta proibida.
Além disso, o facto de determinado resultado interpretativo se poder encontrar mais conforme com a nossa
Constituição, também não implica necessariamente que se postule a inconstitucionalidade de interpretação
alternativa. Entre duas interpretações possíveis da mesma norma deve-se optar por aquela que melhor
corresponde às decisões do legislador constitucional – aquilo que, por vezes, é designado por interpretação
orientada à Constituição.
Ou seja, perante leis intrinsecamente indeterminadas ou plurisignificativas, a fixação do seu conteúdo há de
definir-se de harmonia com as normas constitucionais, mostrando-se adequado atender aos princípios,
interesses ou valores que enformam os dois sentidos normativos em contenda, envolvendo-os numa operação
de ponderação, regulada pelo princípio da proporcionalidade.
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Neste domínio, entendemos que não existe qualquer violação de princípios constitucionais relevantes, pelo
que não assiste razão ao partido recorrente quanto à invocação da violação do disposto no artigo 29.º da
Constituição.
Como vimos, a norma em análise dispõe que «a não apresentação das contas no prazo previsto no n.º 1 do
artigo 26.º determina a suspensão do pagamento da subvenção estatal a que o partido tem direito até à data
da referida apresentação» (cfr. n.º 7 do artigo 29.º da Lei n.º 19/2003).
Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta
aplicação a um caso concreto. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou
critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
Assim, a interpretação tem de partir do teor verbal da lei, o qual há de ser posto a claro tendo em conta as
regras da gramática e designadamente o uso corrente da linguagem, tomando, porém, em particular
consideração também os modos de expressão técnico-jurídicos: a coerência interna do preceito, o lugar em
que se encontra e as suas relações com outros preceitos (ou seja, a interpretação lógico-sistemática), assim
como a situação que se verifica anteriormente à lei e toda a evolução histórica, bem assim a história da
génese do preceito, que resulta particularmente dos trabalhos preparatórios, e finalmente o fim particular da lei
ou do preceito em singular (ou seja, a interpretação teleológica).
O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros, a que seguidamente se
recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
Vamos começar pela interpretação literal, pois é o primeiro estádio da interpretação.
O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o
ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
Efetivamente, o texto da lei forma o substrato de que se deve partir e em que deve repousar.
Em sentido técnico-jurídico, o termo «interrupção» quando aplicado à contagem de prazos – e por oposição
à «suspensão» – impõe que a cessação de facto com eficácia interruptiva de prazo em curso faça com que
este deva ser contado novamente por inteiro, reiniciando-se desde o seu ponto inicial, como se nunca tivesse
estado a correr. Assim, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente,
começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
Contrariamente, durante a «suspensão», a contagem do prazo é «pausada» ou «paralisada» e retomada
do ponto onde parou quando a causa da suspensão cessa.
Ora, no nosso entendimento, da interpretação do normativo supra expendido dimana que, enquanto não
forem apresentadas as contas, o pagamento da subvenção é suspenso/pausado até que as contas sejam
efetivamente apresentadas.
Mas tal não significa que, concluindo que a formulação adotada pela letra do texto legal diz menos do que
aquilo que se pretendia dizer, fiquemos habilitados a alargar ou a estender o texto, dando-lhe o alcance de
considerar que o legislador quis que a não apresentação das contas implicasse a «perda» da subvenção ou a
«interrupção» do seu pagamento quando, na verdade, a lei apenas alude à sua «suspensão».
Portanto, o limite máximo da interpretação é o sentido literal possível dos termos linguísticos utilizados na
redação do texto legislativo. Toda a interpretação que exceda este sentido literal possível deixa de ser
interpretação para se converter em criação do direito por via judicial ou doutrinal.
Mas se dúvidas houvesse, as mesmas dissipar-se-iam ao socorrermo-nos do elemento racional ou
teleológico. Este elemento, como já se referiu supra, constitui a ratio legis, ou seja, a razão de ser, o fim ou
objetivo prático que a lei se propõe atingir (cfr. Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis,
tradução de Manuel Andrade, págs. 140 e seguintes e Angel Latorre, Introdução ao Direito, págs. 104 e
seguintes).
Entende o Ex.mo Auditor Jurídico que o elemento sistemático da lei aponta no sentido de se estar em
presença de um efeito sancionatório.
Aderindo a tal conclusão, também nos parece que o elemento sistemático da lei aponta no sentido de se
estar em presença de um efeito sancionatório. Desde logo, decorre da primeira norma que dá início à parte
em que se estabelecem sanções que os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos partidos e
das campanhas eleitorais previstas nos Capítulos II (artigos 2.º a 14.º-A) e III (artigos 15.º a 22.º) da lei ficam
sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes (n.º 1 do artigo 28.º). Estando o n.º 7 do artigo
29.º e o n.º 3 do artigo 32.º situados nos artigos seguintes àquele, a medida nele prevista é, assim, qualificada
pelo legislador como de natureza sancionatória.
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Com esta norma parece o legislador ter pretendido criar uma consequência desfavorável de natureza
financeira para o infrator enquanto a obrigação de prestação de contas for incumprida por aquele. Por esta via,
pretende-se desincentivar o eventual incumprimento da obrigação legal e, por outro lado, abreviar o tempo de
incumprimento, independentemente das razões que possam estar na origem dessa inadimplência – no caso,
de acordo com o alegado pelo CDS-PP, terão sido inclusivamente desencadeadas diligências processuais
tendo em vista o apuramento de responsabilidades de natureza criminal que poderão eventualmente justificar
a não apresentação das contas.
Ora, quanto a este aspeto, entendemos que este desiderato é plenamente cumprido com a mera
suspensão/retenção do pagamento da subvenção, porque esta privação temporária – ainda que recuperável –
já é um dano em si mesmo, na medida em que retira ao partido infrator disponibilidade financeira durante o
período da suspensão.
Assim, a consequência desfavorável existe pelo simples facto de o partido recorrente ter ficado privado da
subvenção – e, com isso, da entrada mensal de recursos financeiros – com a retenção dos duodécimos até
efetiva prestação de contas e com todos os prejuízos que daí advêm.
Nesta medida, o argumento de a retoma do pagamento e recuperação da situação inicial, com a
possibilidade de o infrator ser reintegrado na totalidade do valor do seu crédito, lhe retirar natureza
sancionatória, na nossa perspetiva e salvo melhor opinião, não logra procedência.
No nosso entendimento, a privação do montante correspondente aos duodécimos cujo
processamento foi objeto de suspensão, enquanto não forem apresentadas as contas, constitui por si
só uma consequência desfavorável, não negligenciável, para o infrator, sendo certo que, como vimos, a
inexistência de um limite temporal preclusivo para a apresentação das contas, não isentará o partido
infrator do escrutínio subsequente imposto que o regime legal vigente em momento algum o exceciona
ou dispensa.
Assim, com a apresentação (posterior) das contas, iniciar-se-á um novo procedimento de apreciação
da regularidade e legalidade das contas, com eventual aplicação de sanções, caso a decisão conclua
pela existência de irregularidades.
Esta é a leitura que, no nosso entendimento, mais se encontra em acordo com a nossa Lei Fundamental,
rectius com os princípios, interesses ou valores que subjazem à opção constituinte de determinar o
financiamento partidário, o qual tem subjacente uma matricial constelação de valores e interesses que se
pretende salvaguardar: a igualdade de oportunidades entre partidos, a independência política dos
partidos em face do poder económico, o pluralismo partidário, político e social e, consequentemente, o
próprio princípio democrático.
Por esta razão, e conforme refere o Tribunal Constitucional, subjacente a esta leitura da sua própria
competência em matéria de fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, está
uma certa compreensão, constitucionalmente conformada, da especificidade (orgânica, funcional e finalística)
dos partidos políticos no quadro do Estado de direito democrático.
As regras impostas aos partidos políticos no que respeita ao seu financiamento, bem como as exigências
de publicidade do seu património e das suas contas – tal como todas aquelas que regulam diversos outros
aspetos da sua organização e funcionamento – radicam no reconhecimento da importância vital das
funções constitucionais que tais associações privadas desempenham no Estado de direito
democrático; tendo, como se disse, os partidos políticos por vocação e finalidade constitucionais a
representação do povo e o exercício do poder político em nome deste, impõe-se garantir, também por essa
via, que o processo de representação democrática não sofra entorses suscetíveis de comprometer a sua
genuinidade, senão mesmo o próprio princípio do Estado de direito democrático (cfr. neste sentido, o Acórdão
n.º 146/2007).
Nesta medida, quanto maior for a intensidade medida pela centralidade do direito afetado mais
exigente deve ser o intérprete com a clareza da regra em que se baseia – clareza que há de buscar na
própria letra da lei, não devendo acolher-se um entendimento com um efeito tão intenso com base em
regras pouco claras, especialmente quando está em causa a supressão de direitos de grande
importância.
Entendemos, assim, que deve acolher-se a interpretação mais favorável ao destinatário quando está em
causa pouca clareza da previsão legal (que o parecer do Ex.mo Auditor Jurídico expressamente reconhece) e
efeitos preclusivos intensos.
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Aliás, se atentarmos que, para efeito da suspensão da subvenção estatal, encontra-se legalmente previsto
que o Presidente da ECFP comunique o facto ao Presidente da Assembleia da República, devendo também
adotar este mesmo procedimento logo que sejam apresentadas as contas em falta (cfr. artigo 103.º-B da LTC),
assiste razão ao partido recorrente quando refere que esta interpretação pode colocar o foco do pagamento
dos duodécimos «no tempo de resposta da ECFP», já que, em função da demora na apreciação e deliberação
da prestação das contas pela ECFP, poderia o partido político ficar sem a totalidade da subvenção, de forma
não recuperável, apesar de tal demora não lhe ser imputável. Bastaria que a ECFP demorasse, por exemplo,
um ano a comunicar a apresentação das contas em falta à AR.
Em abono da verdade, diga-se que este cenário nem sequer é irrealista. Basta atentar que, no âmbito do
processo de apreciação de contas anuais do CDS-PP, referentes ao ano de 2018, a ECFP proferiu decisão no
dia 1 de fevereiro de 2023, na qual concluiu estar perante uma situação de contas não prestadas, mas
apenas no dia 1 de abril de 2024 (ou seja, decorrido mais de um ano) comunicou à AR a não prestação das
contas em causa.
Isto só demonstra que a demora que eventualmente poderá existir na comunicação dos factos, nos termos
do disposto no artigo 103.º-B da LTC, pela ECFP à AR– seja para efeitos da suspensão da subvenção estatal,
seja quando são apresentadas as contas em falta –, é suscetível de causar um dano relevante e injustificado
aos partidos políticos, os quais, todavia, serão de alguma forma amenizados/mitigados se a suspensão do
pagamento da subvenção for retroativamente recuperável no momento da apresentação das contas.
Por outro lado, desta forma não deixam de ser cumpridos os desideratos de desincentivar o eventual
incumprimento da obrigação legal e de abreviar o tempo de incumprimento.
Além disso, na análise a efetuar, não poderá também perder-se de vista que o financiamento público dos
partidos constitui, ainda que de forma implícita, uma obrigação constitucional do Estado, teleologicamente
conexa com a necessidade de assegurar o pluralismo partidário, garantindo a todas as formações partidárias
um patamar económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do princípio da igualdade de
oportunidades e diminuição da dependência dos partidos do financiamento de entidades privadas, desse modo
garantindo a sua independência política.
Assim, estando em causa razões normativas que irradiam da Constituição, nos termos supra explanados,
entendemos que a interpretação do Ex.mo Auditor Jurídico resulta num condicionamento muito intenso e
oneroso dos princípios e interesses prosseguidos com a atribuição da subvenção pública destinada ao
financiamento do partido e dificilmente conciliável com a letra e espírito da lei.
Esta conclusão mostra-se, sobretudo, justificada numa situação como a dos presentes autos, em que
resulta demonstrado que, com a apresentação póstuma das contas, iniciar-se-á um novo procedimento de
apreciação da regularidade e legalidade das contas em que o partido recorrente ainda será objeto de um
processo com aplicação das sanções legalmente previstas (inclusivamente por incumprimento do dever de
apresentação das contas dentro do prazo legal), pelo que a aplicação concomitante de tais sanções e da
«perda» do montante da subvenção relativa ao período em que a mesma esteve suspensa não deixaria de se
traduzir em dupla sanção pela mesma conduta.
Nesta conformidade, decide-se dar provimento ao recurso interposto pelo CDS-Partido Popular,
anulando a decisão recorrida e, consequentemente, reconhecer ao partido o direito ao pagamento do
montante da subvenção correspondente ao período em que esteve suspensa – no caso, de 1 de abril a
4 de junho – por motivo de não prestação de contas.
Notifique-se o partido recorrente da revogação da decisão.
Notifique-se ainda a Secretaria-Geral para efeitos de devolução do montante da subvenção correspondente
ao período em que esteve suspensa.
Palácio de São Bento, 11 de setembro de 2024.
O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
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DESPACHO N.º 47/XVI
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À GESTÃO ESTRATÉGICA E FINANCEIRA E À TUTELA
POLÍTICA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
Na sessão plenária de 21 de junho de 2024, a Assembleia da República aprovou constituir uma Comissão
Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa – conforme Resolução da Assembleia da República n.º 60/2024, publicada no Diário da República
n.º 147/2024, Série I, de 31 de julho –, tendo por objeto:
a) Inquirir as decisões de gestão estratégica e financeira efetuadas por parte da SCML, associadas ou
subsidiárias, desde 2011, que possam ter contribuído para o desequilíbrio financeiro da SCML.
b) Avaliar e esclarecer as decisões efetuadas pelas mesas da SCML em funções, os respetivos
provedores e os membros das administrações das empresas subsidiárias quanto à diversificação das fontes
de financiamento, avaliação do risco, apoio jurídico e financeiro aos negócios efetuados nesse contexto,
nomeadamente relacionados com a internacionalização, novas áreas de negócio no âmbito do jogo ou compra
de novos equipamentos.
c) Avaliar a definição das orientações gerais de gestão e de fiscalização da atividade de gestão da SCML
por parte da tutela governativa no mesmo período (2011-2024).
d) Apurar as responsabilidades políticas, contratuais, legais e financeiras relativas à atual situação da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e aos atos de administração que a trouxeram até à referida situação,
nomeadamente:
i) Clarificar e escrutinar as decisões dos vários investimentos realizados ao longo dos últimos 13
(treze) anos, a avaliação de risco desses investimentos, o acompanhamento jurídico e financeiro e a
fiscalização que estes mereceram ao longo deste período;
ii) Escalpelizar as decisões de gestão no processo de internacionalização dos jogos sociais e que
constituíram um risco para a sustentabilidade financeira da SCML;
iii) Esclarecer quais serão, no total, os encargos para a SCML e para o Estado português dos
investimentos realizados pela SCML (e suas subsidiárias) no período em análise.
e) Escrutinar o papel e a relação das diferentes tutelas políticas com a SCML e clarificar a intervenção dos
XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV Governos Constitucionais sobre a gestão política e financeira da SCML,
designadamente no que respeita aos procedimentos para autorizações de investimentos, à partilha de
informação entre os executivos e as sucessivas mesas e aos mecanismos de controlo jurídico e financeiro dos
diversos atos de gestão da SCML e das suas subsidiárias.
f) Apurar a estratégia definida para os ativos líquidos da SCML, imobiliários ou mobiliários,
designadamente através do conhecimento exaustivo do património da SCML, dos negócios em curso ou já
concluídos neste domínio e documentos de suporte aos mesmos.
g) Escrutinar o processo de recrutamento de pessoal e de organização dos níveis superiores e
intermédios, avaliando os termos da política de contratação pessoal nos últimos três mandatos da SCML.
h) Avaliar e clarificar a estratégia definida e as decisões tomadas relativas ao quadro de pessoal da SCML,
do ponto de vista de carreiras e aumentos salariais, despedimentos e rescisões e ainda perspetiva futura para
manutenção dos postos de trabalho.
i) Recolher e analisar toda a documentação que se considere relevante para os efeitos descritos nos
pontos supra, nomeadamente relatórios e contas, atas, contratos, relatórios de progresso, auditorias e análises
de risco, comunicações, entre outras.
1. Ouvida a Conferência de Líderes, determino o seguinte:
a) A Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da SCML
funcionará pelo prazo mais curto que permita cumprir os seus objetivos, não ultrapassando os 180 dias;
b) A Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da SCML tem a
seguinte composição:
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Grupos Parlamentares/DURP
Efetivos Suplentes
PSD 7 2
PS 7 2
CH 4 1
IL 2 1
BE 1 1
PCP 1 1
L 1 1
CDS-PP 1 1
PAN 1 -
c) A Presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política
da SCML pertence ao Grupo Parlamentar (GP) do PS, a 1.ª Vice-Presidência ao GP do CH e a 2.ª Vice-
Presidência ao GP do PSD.
d) Conforme deliberado em Conferência de Líderes, a maioria dos GP enviou já ao meu Gabinete, até ao
passado dia 6 de setembro, os nomes dos Deputados designados para integrar a Comissão à gestão
estratégica e financeira e à tutela política da SCML, sendo que os nomes em falta deverão ser indicados até
ao dia 16 de setembro.
e) Darei posse à Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da
SCML no dia 18 de setembro, às 14h30, na Sala 6 das Comissões.
Registe-se, notifique-se e publique-se.
Palácio de São Bento, 12 de setembro de 2024.
O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
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DESPACHO N.º 48/XVI
COMISSÃO EVENTUAL DE ACOMPANHAMENTO DA EXECUÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO E
RESILIÊNCIA E DO PROGRAMA PORTUGAL 2030
Na sessão plenária de 21 de junho de 2024, a Assembleia da República aprovou constituir uma Comissão
Eventual de Acompanhamento da Execução do Plano de Recuperação e Resiliência e do Programa Portugal
2030 – conforme Resolução da Assembleia da República n.º 53/2024, publicada no Diário da República n.º
131/2024, Série I, de 9 de julho –, tendo por objeto garantir a transparência ao nível da informação partilhada e
criar uma rigorosa análise da execução, da monitorização e da fiscalização dos dois programas, envolvendo
todos os partidos com assento parlamentar na Assembleia da República.
Nos termos da mesma resolução deverá a Comissão funcionar até ao termo da XVI Legislatura.
Importando que, no retomar dos trabalhos parlamentares da 1.ª Sessão Legislativa da XVI Legislatura, se
proceda à instalação desta Comissão Eventual, e ouvida a Conferência de Líderes, determino:
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1. A Comissão Eventual tem a seguinte composição:
Grupos Parlamentares/DURP
Efetivos Suplentes
PSD 7 7
PS 7 7
CH 4 4
IL 2 2
BE 1 1
PCP 1 1
L 1 1
CDS-PP 1 1
PAN 1 -
2. A Presidência da Comissão Eventual pertence ao Grupo Parlamentar (GP) do PSD, a 1.ª Vice-
Presidência ao GP do PS e a 2.ª Vice-Presidência ao GP da IL.
3. Conforme deliberado em Conferência de Líderes, a maioria dos GP enviou já ao meu Gabinete, até ao
passado dia 6 de setembro, os nomes dos Deputados designados para integrar a Comissão Eventual, sendo
que os nomes em falta deverão ser indicados até ao dia 16 de setembro.
4. Darei posse à Comissão Eventual no dia 19 de setembro, às 14h30, na Sala 6 das Comissões.
Registe-se, notifique-se e publique-se.
Palácio de São Bento, 12 de setembro de 2024.
O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.