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Quinta-feira, 3 de Dezembro de 1998 II Série-C - GOP-OE - Número 7
VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)
COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO
Reunião de 2 de Dezembro de 1998
S U M Á R I O
Pelas 15 horas e 45 minutos, a Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite) prosseguiu o debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 210/VII - Grandes Opções do Plano para 1999 e 211/VII - Orçamento do Estado para 1999.
Sobre o orçamento do Ministério das Finanças, intervieram, além do Sr. Ministro (Sousa Franco) e dos Srs. Secretários de Estado do Orçamento (João Carlos da Silva), dos Assuntos Fiscais (António Carlos Santos) e do Tesouro (Teixeira dos Santos), os Srs. Deputados Rui Rio (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Rui Marques (CDS-PP) e Lino de Carvalho (PCP).
A Sr.ª Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 5 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, vamos hoje analisar, na especialidade, o orçamento do Ministério das Finanças que, como todos estamos recordados, inclui não só o orçamento do próprio Ministério como também alguns capítulos que, evidentemente, têm incidência noutros ministérios. Para o efeito, encontra-se presente a equipa do Ministério das Finanças que responderá aos esclarecimentos que os Srs. Deputados entenderem necessários.
Sei que o Sr. Ministro das Finanças pretende fazer uma pequena apresentação do orçamento, por isso concedo-lhe, desde já, a palavra.
Tem, pois, a palavra, Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Se me permitem, e uma vez que o objecto, pelo menos primeiro, da reunião desta Comissão com a presença da equipa responsável pelo Ministério das Finanças, é a apreciação da proposta de Orçamento do Estado para 1999, gostaria de, como tem sido uso, fazer uma breve declaração inicial sobre a respectiva proposta de lei na parte respeitante ao Ministério das Finanças.
Peço também à Sr.ª Presidente autorização para, no decurso dos trabalhos, ser feita a distribuição das respostas às questões suscitadas pelos Srs. Deputados à equipa aqui presente do Ministério, como, aliás, também tem sido habitual.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Antes de mais, quero sublinhar que, como VV. Ex.as bem sabem, o orçamento da responsabilidade do Ministério das Finanças, tem duas grandes componentes, sendo uma delas a do orçamento de funcionamento e a outra a das despesas de interesse público geral que estão especificamente a cargo do Ministério das Finanças, pelo que mencionarei estas duas componentes.
O orçamento do Ministério das Finanças, na proposta agora apresentada, está configurado em obediência aos critérios gerais fixados para a estrutura dos orçamentos de funcionamento dos vários departamentos do Estado e em coerência com aquilo que tem sido, nos anos anteriores da responsabilidade deste Governo, a orientação seguida para o Ministério das Finanças.
Nos três orçamentos anteriores fizemos grandes reduções, não só nominais como reais, das despesas de funcionamento, tendo sido o Ministério das Finanças, em paralelo com o da Defesa Nacional, o que mais reduziu ao longo destes quatro orçamentos sucessivos as suas despesas de funcionamento, pelo que não se estranhará que este ano, em relação ao orçamento de funcionamento, haja ainda um decréscimo nominal, mas menor do que nos anos anteriores, sendo esse valor de 0,1% para este ano, em termos nominais, o que constitui uma diminuição real significativa pelo quarto ano consecutivo, se contarmos com uma previsão de taxa média de inflação da ordem dos 2%. Há, pois, desde há quatro anos, um decréscimo no orçamento de funcionamento do Ministério das Finanças.
Este ano, esse decréscimo, em termos nominais, é quase insignificante - repito, 0,1% -, e resulta, fundamentalmente, da redução das despesas da Secretaria-Geral afectas ao Conselho Superior de Finanças. E isto por uma razão: o Conselho Superior de Finanças funcionou como órgão de apoio ocasional, através de muitas comissões e grupos de trabalho, na elaboração e definição de políticas económicas, mas nós temos criado, nas leis orgânicas dos vários serviços, estruturas apropriadas para isso e, em consequência da restruturação dos serviços do Ministério, é, pois, possível operar um decréscimo deste tipo de gastos gerais sem perda de funcionalidade.
Sublinho que, como VV. Ex.as sabem, a estrutura do Ministério é relativamente desequilibrada, uma vez que a Direcção-Geral dos Impostos com 54,8 milhões de contos, a Direcção-Geral das Alfândegas com 6,1 milhões de contos e a Direcção-Geral de Informática Tributária e Aduaneira com 4,6 milhões de contos compreendem a parte de leão do orçamento do Ministério, correspondendo a 65 milhões de contos num total de 78 milhões de contos, na estimativa de execução e um pouco menos na proposta de orçamento para 1999.
É, pois, um orçamento dominado por uma forte concentração, como é natural, nas três direcções-gerais fiscais e, sublinho, se tivermos em conta que nessas direcções-gerais tem havido um esforço grande de aumento de pessoal e que esse esforço terá efeito pela primeira vez no Orçamento do Estado para 1999, com aumento das dotações de pessoal, resulta daqui que nas outras direcções-gerais continua a haver uma redução, mesmo nominal, bastante forte, uma vez que há apenas aumento de pessoal previsto para 1999 no seguimento dos concursos que foram autorizados por despachos de 1997 e cuja tramitação legal, dado o grande número de candidatos, foi demorando ao ponto de as primeiras nomeações só poderem ser feitas no primeiro semestre de 1999.
Em resumo, pois, trata-se de um orçamento de funcionamento que obedece muito fortemente aos critérios de contenção de despesas de funcionamento e que este ano, em virtude da contenção acumulada nos três anos anteriores, tem uma expressão menos forte mas, em termos reais, ainda bastante forte - 0,1% de redução em termos nominais e, por conseguinte, uma redução real da ordem dos 2,1% -, sendo certo que essa redução real é ainda superior no orçamento de funcionamento de todas as direcções-gerais, com excepção das fiscais, em que há um peso quer do reequipamento informático, no caso da Direcção Geral de Informática Tributária e Aduaneira, quer dos concursos de pessoal, cujas nomeações irão ter lugar no primeiro semestre de 1999, o que traduz uma muito significativa contenção em dois planos: no conjunto do orçamento de funcionamento do Ministério das Finanças e nos departamentos não tributários desse orçamento.
Direi também duas palavras sobre as despesas a cargo do Ministério das Finanças, salientando, fundamentalmente, os encargos com a participação do Estado na protecção social dos funcionários públicos - que não é orçamento da saúde -, encargos com a dívida pública, juros, uma vez que o reembolso em geral é assegurado através do Fundo de Regularização da Dívida Pública, que é um serviço autónomo integrado no Sector Público Administrativo, subsector dos Fundos e Serviços Autónomos, contribuição financeira para a União Europeia e as chamadas despesas excepcionais do Capítulo 60.
Quanto aos encargos da saúde, sublinho que há, em 1999, sempre tomando como base de comparação a estimativa de execução para 1998, uma redução de encargos. Isto porque em 1998 fez-se um esforço muito significativo, que, suponho, terá sido realçado hoje de manhã na discussão do Orçamento rectificativo, na qual não pude estar
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presente por me encontrar em trânsito de Bruxelas para Lisboa, uma vez que ontem tive de participar em três conselhos da União Europeia - o Conselho do Euro, o Ecofin e o Conselho de Emprego -, juntamente com o Ministro do Trabalho e da Solidariedade.
Este ano fazemos um esforço muito particular para recuperar os atrasos nos pagamentos quer aos hospitais quer ao regime livre, nomeadamente em relação à ADSE, por isso os encargos para 1999 serão em 8 milhões de contos inferiores a uma estimativa de execução muito avultada em 1998 - 60 milhões de contos em ordem de grandeza, em 1999, a comparar com 68 milhões de contos, em 1998. Esta estimativa de execução de 1998 resulta da consecução significativa das poupanças orçamentais em outras rubricas do ministério já para não falar das mais-valias de receita.
Relativamente aos encargos da dívida pública, também neles se verifica que a previsão de 1999 se situa num montante inferior em 2,2% à estimativa de execução para 1998. Em 1998 a estimativa de execução aponta para um valor da ordem dos 598 milhões de contos, enquanto que em 1999 a previsão é da ordem dos 585,4 milhões de contos. Ora, a que se deve isto? Evidentemente, à continuação diferida ainda de alguma descida das taxas de juros, que não é, como já tenho sublinhado várias vezes, uma lotaria que nos sai, é, sim, um fenómeno de mercado que resulta não apenas da avaliação pelo mercado da disciplina orçamental como também da integração da economia portuguesa nos mercados do euro e da União Económica e Monetária. Por outro lado, deve-se também à redução de capital da dívida pública, uma vez que temos de afectar montantes extremamente significativos das receitas das privatizações à redução do capital da dívida; deve-se, igualmente, ao rigor na gestão da dívida pública que resulta na restruturação da gestão da dívida, introduzida pela lei-quadro da dívida pública no plano das regras, que foi aprovada por esta Assembleia e depois regulamentada pelo Governo e também à criação do Instituto de Gestão do Crédito Público que permitiu não apenas reduzir o pessoal relativamente à anterior direcção-geral da Junta de Crédito Público mais Junta de Crédito Público extintas mas também melhorar as condições de eficiência na gestão da dívida pública.
Quanto ao orçamento das pensões e reformas - a terceira grande rubrica do orçamento funcional ou do orçamento das despesas específicas a cargo do Ministério das Finanças que não têm a ver com o seu funcionamento mas, sim, com funções gerais do Estado confiadas ao Ministério das Finanças - devo dizer que ele tem um acréscimo de 4% comparativamente à estimativa de execução para 1998. O montante orçamentado corresponde a 392 milhões de contos enquanto que, em 1998, a estimativa de execução aponta para os 377 milhões de contos.
Este decréscimo deriva, fundamentalmente, da atribuição de novas pensões, representando um crescimento do universo dos pensionistas, uma vez que essas novas pensões não são compensadas por aquelas que cessam nem em número nem em montantes. Trata-se, como VV. Ex.as bem sabem, fundamentalmente, da comparticipação do Orçamento do Estado para a Caixa Geral de Aposentações.
Quanto à contribuição financeira para a União Europeia, prevê-se, em 1999, um aumento de 8,2% no Capítulo 70 onde está inscrita, comparativamente a 1998, a verba de 204,4 milhões de contos para uma estimativa de execução de 189 milhões de contos em 1998. Estes valores orçamentados têm como base a estimativa apresentada pela União Europeia, pela própria Comissão, e derivam de compromissos que Portugal tem de assumir na sua contribuição bruta, ou seja, não líquida, para o orçamento comunitário.
Finalmente, passo a referir-me às despesas excepcionais do Capítulo 60. Em termos globais, essas despesas, que representam uma massa bastante heterogénea, apresentam uma diminuição de 4,4% relativamente à estimativa de execução para 1998. Ou seja, 174,8 milhões de contos, em 1999, a comparar com 182,8 milhões de contos, estimativa de execução para 1998.
Sendo certo que as pensões e as reformas aumentam em consequência do acréscimo dos pensionistas e em consequência da política do Governo, e sendo certo que a contribuição financeira para a União Europeia é uma despesa obrigatória no sentido próprio, ou seja, uma despesa que corresponde a compromissos que têm de ser cumpridos, também aqui, no capítulo 60, encontramos, tal como nas despesas de funcionamento e na comparticipação dos encargos com a saúde, um reflexo da política de contenção de despesas, que é uma política geral do Governo, sendo certo que o Ministério das Finanças deve ser o primeiro a aplicá-la na própria casa, como sempre tem feito em orçamentos anteriores, tanto na previsão como na execução.
A diminuição referida de 4,4% nas despesas excepcionais do Capítulo 60, no seu conjunto, tem a sua expressão máxima na diminuição da bonificação de juros.
A estimativa de execução em 1998 aponta para 77,5 milhões de contos, sendo a previsão para 1999 de apenas 63,5 milhões de contos. Porquê esta previsão? Não pensamos que a procura de crédito bonificado para a aquisição de casa própria diminua em 1999. Pelo contrário, pensamos que se irão manter taxas de crescimento comparáveis com as de 1998, sendo isto positivo para o bem-estar dos portugueses. Mas, como sabe, a legislação recente que está em vigor possibilita duas acções: em primeiro lugar, um muito melhor controlo de fraudes massificadas de que todos tínhamos conhecimento, mas em relação às quais não havia mecanismos, sequer, de fiscalização - atribui-se, agora, à Direcção-Geral do Tesouro o poder de fiscalização; em segundo lugar, as novas regras dificultam muitas das práticas de fraude, sendo que, neste domínio, impossibilidade absoluta das práticas de fraude é um conceito ideal.
Portanto, pela primeira vez foram criados mecanismos de fiscalização, a cargo da Direcção-Geral do Tesouro, tendo sido elaboradas regras que dificultam muitas das práticas de fraude que, pelas informações que tínhamos, eram bastante generalizadas, defraudando muito significativamente o Orçamento do Estado, por via das bonificações de juros. A nova legislação é, pois, moralizadora e regularizadora de situações fraudulentas, neste domínio, que prejudicavam os contribuintes portugueses.
Por outro lado, como tem sido apontado por outros membros do Governo, nomeadamente pela Sr.ª Secretária de Estado da Habitação e Comunicações e pelo Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, aqui presentes, trata-se também de uma legislação que concentra o financiamento dos contribuintes para a habitação, financiamento esse com um carácter social mais vincado, evitando que haja bonificação para despesas que correspondem a aspirações legítimas - mas, porventura, no nosso entender, socialmente menos justificadas - de portugueses com níveis de rendimento mais abastados.
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Há, pois, uma preocupação de justiça social, a par de uma preocupação de defesa dos dinheiros dos contribuintes, através de regras que previnem a fraude e, pela primeira vez, através da instituição de mecanismos de controlo à fraude que não existiam. Ou seja, ninguém era responsável pela fiscalização do crédito à habitação bonificado, e agora esta responsabilidade de contribuição de meios está a cargo da Direcção-Geral do Tesouro.
Penso que este é o aspecto mais importante no Capítulo 60, como caso exemplar e como dimensão muito importante das medidas de controlo do orçamento de despesa que, ao contrário daquilo que às vezes se tem dito, o Governo tem feito continuadamente e fortemente - neste ponto estou a responder, apenas, por aquilo que diz respeito ao orçamento do Ministério das Finanças.
Os subsídios diversos aumentam ligeiramente, ou seja, há um aumento de 2,2%, que se traduz numa subida de 64,5 milhões de contos em 1998 para 65,9 milhões de contos em 1999, comparando sempre a estimativa de execução com a da previsão. Para estes subsídios contribui o INGA, em subsídios para a agricultura, com 10,9%, para a comunicação social, com 16,8% e para os transportes, com 0,7% - na maior parte dos casos trata-se de despesas que correspondem a obrigações legais ou contratuais assumidas pelo Estado.
Os activos financeiros aumentam cerca de 38,5%, facto que se deve, fundamentalmente, à política de incremento na área da cooperação, em particular a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa, que, no âmbito do Ministério das Finanças, está a cargo da DGAERI e que, de 1997 para 1998, representou um acréscimo de recursos financeiros na ordem de cerca de 30%, e este ano apresentará também um acréscimo muito significativo. Em termos de empréstimos a países de língua portuguesa prevemos um aumento desses activos financeiros que concentram o essencial da verba respectiva do Capítulo 60 no montante de 38,5%. Como exemplo disso, para além da responsabilidade directa a cargo da Direcção-Geral de Assuntos Europeus e Relações Internacionais do Ministério das Finanças, sublinho a intensificação da política de cooperação resultante de um esforço acrescido e continuado que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem levado a cabo em conjunto com o Ministério das Finanças. Deste esforço conjunto surge, pela primeira vez para 1999, a aprovação pelo Governo do orçamento integrado para a cooperação, com as despesas dos vários Ministérios, e um programa integrado de cooperação que representa a nossa contribuição específica no domínio do aumento da cooperação.
Portanto, não estamos apenas preocupados em reduzir a despesa mas, sim, em reorientá-la para as verdadeiras prioridades do Estado português. A cooperação com os países africanos de língua portuguesa é uma delas. Ainda a título de exemplo, sublinho o aumento que resulta da transferência para o Fundo para a Cooperação Económica, que está em reestruturação, e que em 1998 apresentava uma estimativa da ordem de 1,4 milhões de contos, tendo para 1999 o valor orçamentado de 3,5 milhões de contos. Este é, apenas, um exemplo de uma transformação de ordem geral que corresponde a um acréscimo de recursos para a cooperação, no âmbito do Capítulo 60.
Em conclusão, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, do que antecede ressalta que as poupanças de 0,6% no total do subsector Estado afectas ao Ministério das Finanças, no funcionamento e na gestão, resultaram sobretudo da diminuição das dotações específicas nos domínios que referi e de uma diminuição de despesas de funcionamento, mais uma vez, mesmo em termos nominais, de 0,1%, o que corresponderá a uma diminuição, em termos reais, de 2,1%.
Relativamente ao conjunto do orçamento, penso que não se poderá dizer do Ministério das Finanças, no que diz respeito à parte do orçamento que está a seu cargo: "em casa de ferreiro, espeto de pau". Muito pelo contrário, penso que se poderá dizer que a política de contenção da despesa inútil e de concentração e reorientação da despesa nas reais prioridades do Governo começa exactamente pelo orçamento do Ministério das Finanças, que encontra expressão no conjunto do Orçamento do Estado.
A Sr.ª Presidente: - Muito obrigada, Sr. Ministro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, temos já semanas e semanas de debate sobre o orçamento, por isso vou colocar apenas duas questões: a primeira diz respeito a uma dúvida que tenho e a segunda julgo que é uma dúvida de certa forma instalada em toda a sociedade portuguesa.
A primeira questão que quero colocar diz respeito ao artigo 5.º, a chamada cláusula de reserva, que me habituei a ver ao longo do tempo no Orçamento do Estado como uma cláusula de convergência - era assim, até, que ela era chamada. Através dessa cláusula, cativavam-se 6% das verbas do PIDDAC e essa era a folga que se tinha para o caso de não se conseguir cumprir o valor do défice imposto pelo Tratado de Maastricht ou, mais propriamente, pelos diversos programas de convergência tendentes a cumprirmos o critério de Maastricht. Acontece que já cumprimos o critério de Maastricht e, ainda por cima, o PIDDAC baixa este ano 1% em termos nominais, 3% em termos reais.
A pergunta que faço é se continua a fazer sentido, principalmente num ano em que o PIDDAC baixa, cativar 6%, sendo certo que o critério de convergência está cumprido.
A segunda questão que quero colocar, que julgo ser mesmo uma dúvida instalada na sociedade portuguesa, tem a ver com a famigerada cláusula de salvaguarda - penso que foi assim que o Sr. Primeiro-Ministro a baptizou.
Julgo que ainda ninguém percebeu muito bem como é que essa cláusula vai funcionar. Pensa o Governo que terão de ser os cidadãos a fazer as contas? Ou seja, recebem da administração fiscal a "factura", chamemos-lhe assim, de imposto para pagar, e são os cidadãos que têm de saber fazer as contas para avaliar se pelo método antigo pagariam menos, e nesse caso solicitam o pagamento de uma verba inferior? E, se assim for, paga primeiro e reclama depois? Ou a ideia do Ministério das Finanças e do Governo é a de que a administração fiscal faça automaticamente as contas? E neste caso como é? A administração apresenta as duas modalidades ao cidadão para ele escolher uma - que necessariamente será a menor, porque julgo que ninguém quer pagar mais podendo pagar menos? Ou então não apresenta as duas, mas apresenta só a menor? E se já só apresenta a menor - sendo certo que será sempre a menor que vai apresentar, porque ninguém quer pagar mais -, para que é que é precisa a cláusula de salvaguarda? Pergunto: salvaguarda de quê? Se as pessoas querem pagar menos e o Ministério está na disposição de que se pague
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menos, então paga-se menos e pode ficar tudo na mesma. Para quê, então, a alteração?
Julgo que esta dúvida que estou a colocar, em matéria da cláusula de salvaguarda, é uma dúvida que, neste momento, está presente em toda a sociedade portuguesa, por isso o meu pedido é se o Sr. Ministro poderia levantar o "véu" em relação ao que é que isto pode ser.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, no exercício da autorização que a Sr.ª Presidente acabou de dar, iniciaria a resposta às duas perguntas. Depois, com a licença concedida pela Sr.ª Presidente, pediria que complementassem as respostas o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, quanto à primeira questão, e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quanto à segunda a questão.
Em relação à primeira questão, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que, independentemente da explicação específica do funcionamento da chamada cláusula de convergência (a que, no futuro, talvez possamos dar um nome melhor, mas que é o que corresponde à prática habitual), quer com a garantia de programas de convergência, quer agora com o processo de convergência nominal que está concluído, estamos a cumprir programas de estabilidade.
Como é evidente, é necessário manter algumas precauções como medida de flexibilidade discricionária, não automática, do Orçamento. E isto não porque esteja em causa o cumprimento dos critérios de Maastricht ou do pacto de estabilidade e crescimento (já não se trata do processo de convergência), que define, para 1999, o critério máximo para os países que se encontram na zona do euro - isso não está em causa!
Em relação ao sector público administrativo consolidado, a previsão de défice é de 2%. Já temos dito que pensamos que, com a expectativa de crescimento da economia entre 3,5% a 4%, em termos reais, será possível, não apenas assegurar estes 2%, como melhorar essa execução.
Mas "o seguro morreu de velho" e é necessário criar garantias de flexibilidade na execução do Orçamento, não porque esteja em causa o cumprimento dos critérios de Maastricht, mas porque, no decurso da execução orçamental, pode haver necessidade de modular, em termos de tesouraria e de execução conjuntural, a configuração do défice.
É evidente que, tal como já tem acontecido nos anos anteriores, privilegiamos a contenção de gastos de funcionamento relativamente a gastos de investimento, e nunca poremos em causa nem despesas com pessoal nem despesas que representam compromissos do Estado português, que seriam as duas grandes rubricas de despesas obrigatórias.
Portanto, a única coisa que está em causa - mas o Sr. Secretário de Estado do Orçamento explicará melhor do que eu - é que, manifestamente, é necessário na execução orçamental dispor de instrumentos de flexibilidade discricionária, porque essa é uma regra para todos os orçamentos.
Não está em causa cumprir o limite de Maastricht, no caso concreto, visto que Portugal está no euro, porque o pacto de estabilidade e convergência é de 3%; a nossa meta no sector público administrativo é de 2% no Orçamento consolidado, e estamos bem longe disso, mesmo a meta do programa de estabilidade tem condições, tal como nos anos anteriores e tal como, esta manhã, também ficou exemplificado no Orçamento Rectificativo, para ser melhorada em termos de consolidação, mas os instrumentos de flexibilidade, com utilização de acordo com as prioridades do Governo, são sempre necessários.
Estimular o investimento, respeitar os compromissos em matéria de despesas obrigatórias e conter aquilo que representa despesa facultativa de funcionamento continua a ser a nossa batalha.
Com autorização da Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento completará depois as minhas respostas sobre esta matéria.
Quanto à cláusula de salvaguarda, e independentemente do que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dirá a seguir, penso que se tem criado, não na sociedade portuguesa, porque os portugueses já perceberam muito bem que o que está em causa é uma redução do IRS… E os portugueses já perceberam muito bem que essa redução vai ser aplicada praticamente a 100% dos contribuintes e que há apenas um regime transitório quanto a uma das situações, que é a da conversão de deduções à matéria colectável em deduções à colecta, por razões óbvias de justiça, para evitar que haja, para alguns poucos milhares de contribuintes, uma eventual perda pela mudança de regime. Mas mesmo esses contribuintes teriam redução nos rendimentos de trabalho e em qualquer tipo de rendimento pelo funcionamento do novo escalão até 700 contos.
Portanto, os portugueses já perceberam muito bem que a proposta do Governo é uma proposta de muito significativa redução do IRS.
Mas há, efectivamente, contribuintes de mais elevados rendimentos que podem ter dúvidas. Será que quanto a um dos aspectos, por ser mais justo, eu vou pagar mais? Quanto a esses, o problema é muito simples. Penso que na verdadeira discussão de especialidade, que ainda não é esta, ficará esclarecido qual é o modo de funcionamento, mas quero dizer-lhe, desde já, que os aspectos procedimentais que foram colocados não têm razão de ser, e até foram colocados para complicarem esse aspecto marginal.
O problema é muito simples: a administração fiscal tem condições para fazer ela própria a liquidação. Os contribuintes apresentarão as suas declarações, como apresentam todos os anos, e a administração fiscal fará, relativamente aos contribuintes que estejam abrangidos pela cláusula da salvaguarda, as duas liquidações e enviará aos contribuintes a nota demonstrativa de liquidação que resultar da aplicação do critério mais favorável para cada um deles.
Portanto, não há qualquer complicação. É a própria administração fiscal que aplica o critério mais favorável. O contribuinte fará uma declaração como nos anos anteriores, e, naturalmente, se tiver dúvidas quanto ao critério da administração fiscal, tem todos os meios de defesa que os contribuintes sempre têm. A questão é clara e cristalina como água! Mesmo essa não tem qualquer dúvida.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (João Carlos da Silva). - Sr.ª Presidente, em relação à cláusula de reserva, penso que o Sr. Ministro das Finanças já foi claro. O Orçamento do Estado não lhe chama cláusula de convergência,
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chama-lhe cláusula de reserva, portanto serve para a convergência e para a estabilidade e em ambos os casos, como disse o Sr. Ministro das Finanças, há que ter ao dispor determinados mecanismos de controlo da execução, que servem, quer para garantir que se cumprem as metas, se nada de extraordinário acontecer, quer, se alguma coisa extraordinária, alguma diminuição de receita ou alguma necessidade de alteração de algum critério surgir, como surgiu, por exemplo, no ano de 1998, para o Governo ter à sua mão meios de controlo, a que se adiciona, por exemplo, aquele que está no artigo anterior, no artigo 4.º, que é uma cláusula de congelamento de despesa corrente, que todos os anos também existe e que este ano determinou uma poupança adicional de cerca de 19 milhões de contos, como já foi referido.
Por outro lado, temos também ainda o regime duodecimal de libertação das dotações e a necessidade de execução do padrão de segurança, que são normas de execução orçamental que saem, depois, no decreto-lei de execução orçamental, que todas elas juntas, e ainda há outras, fazem a panóplia das ferramentas que a gestão orçamental tem ao seu dispor.
Penso que o esclarecimento está dado, mas, se houver mais alguma dúvida, estarei ao vosso dispor.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos). - Sr.ª Presidente, creio que, no essencial, o Sr. Ministro das Finanças esclareceu o mecanismo.
Do meu ponto de vista, acrescento apenas que se trata de uma disposição transitória, e, portanto, essa é a natureza jurídica da cláusula de garantia, disposição transitória essa que só se aplicará no primeiro ano, não sendo algo que vigore para sempre.
A razão de ser disso já foi explicada pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento numa entrevista. No fundo, trata-se de uma espécie de tira-teimas - para utilizar a expressão que ele empregou -, da qual não decorre perda de receita, porque, no fundo, está dentro dos nossos cálculos e do nosso âmbito de previsão que, de facto, apenas uma parcela, razoavelmente reduzida, como foi explicado pelo Sr. Ministro das Finanças, poderá vir a ser afectada pela transformação dos abatimentos à matéria colectável em deduções à colecta, que funciona psicologicamente como uma rede de segurança.
Quanto ao seu conteúdo, creio que o Sr. Primeiro-Ministro foi claro ao dizer que ela abrange os rendimentos brutos anuais por agregado familiar até 9800 contos. Portanto, é esse o limiar dessa rede de segurança.
Quanto à questão procedimental ou processual, é evidente que, do nosso ponto de vista, a solução a escolher seria sempre a solução mais cómoda para o contribuinte, desde que ela fosse possível. E, portanto, aquilo que tratámos de averiguar foi se a administração tributária, isto é, a DGCI e a DGITA, estariam em condições técnicas de assegurar a possibilidade de ser enviada uma só nota de liquidação, a mais favorável. A partir do momento em que, depois de várias reuniões, a administração nos disse que sim, que não haveria qualquer problema com isso, de facto, assim se procederia.
De resto, nunca esteve na intenção de quem quer que seja pôr os contribuintes a fazer contas, haveria sempre um programa disponibilizado em toda a administração, em todas as repartições, e seria esse programa que faria as contas. E quando, num primeiro momento, se falou da possibilidade de ser por via de reclamação era no próprio acto e não reclamação à espera, nem teria, certamente, que estar a aguardar qualquer tempo específico de pagamento.
Felizmente, esse mecanismo, que todos nós sabíamos que era possível, é desnecessário, porque a administração fiscal está mais bem preparada do que muita gente julga, está longe de ser uma administração de tipo marroquino, e exactamente por isso pode dizer-se neste momento que é possível a administração fiscal enviar a nota demonstrativa da liquidação mais favorável, portanto, apenas uma.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, nesta sede de especialidade, e fundamentalmente, embora não exclusivamente, de especialidade de despesa relativa ao Ministério - e não me ficaria pelo Ministério -, quero colocar-lhe questões de três naturezas.
Um primeiro tipo de questões tem a ver com o seguinte: eu participei nestes debates na especialidade e verifiquei, em vários ministérios, situações, que me suscitaram muita admiração e algumas dúvidas, do tipo de haver membros de gabinetes de Membros do Governo, no caso concreto do Ministério da Justiça, cuja dotação é suportada pelo cofre do notariado, por exemplo, e a situações em que um ministro, no caso concreto do Ministro da Administração Interna, explicitou que, em determinado concelho deste país, aqui próximo de Lisboa, já haveria três carros da PSP - a chamada Escola Segura - oferecidos por empresas privadas.
Ora, este tipo de questões que apareceram e que aparecem em alguns ministérios suscita-me muito admiração. A questão dos carros da PSP, por exemplo! O Estado agora também já é beneficiário de mecenas!? Os membros dos gabinetes dos ministros não são pagos pelo Orçamento do Estado stricto sensu!?
Era este tipo de questões, se que é que o Sr. Ministro as conhece, que gostaria de ver esclarecidas, a fim de saber qual a perspectiva que, ao fim e ao cabo, está subjacente a este tipo de actuação em termos orçamentais.
Um outro grupo de questões tem a ver com orçamentos privativos, e aqui concretizava a questão em dois casos particulares. O primeiro tem a ver com o Fundo para a Reconstrução do Chiado. O que é que se passa, ao fim e ao cabo, com esse Fundo, uma vez que se mantêm 10 milhões de contos no seu activo e a sua aplicação vai sendo adiada ano após ano?
O outro orçamento privativo diz respeito à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que também tem vindo a acumular saldos, que vão transitando de ano para ano. E a pergunta que lhe faço é esta: isso vai servir para quê?
Esses saldos que se vão acumulando e que transitam de ano para ano, que atingem alguns milhões de contos, são saldos que vão transitar eterna e indefinidamente ou há alguma perspectiva de colocação em termos definitivos, e não meramente financeiros, logicamente, desses saldos?
O terceiro tipo de questões tem a ver com o problema do funcionamento dos organismos que estão ligados à liquidação e cobrança de impostos, designadamente à Direcção-Geral de Impostos. E a questão que coloco é a
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seguinte: certamente que o Sr. Ministro e os membros do seu gabinete conhecem muito melhor do que nós, mas, por aquilo que vamos conhecendo, que vamos ouvindo, que vamos lendo, etc., continua a haver, independentemente de passos que se possam ter dado e que se deram, necessidade de uma informatização rápida de toda esta componente orgânica da Administração, no caso concreto da administração fiscal.
Pode ter-me passado algo despercebido, mas, pegando apenas na Direcção-Geral dos Impostos - não estou a ver agora a DGITA ou qualquer outra coisa do género -, encontro dotações para material de informática no valor de 95 000 contos, mais - agora, com compensação em receita - 164 000 contos.
Ora, não questiono se estes 250 000 ou 260 000 contos são muito ou pouco em termos absolutos, mas, sim, se esta dotação é a adequada e suficiente para essa informatização, diria, ultra-rápida de que a administração fiscal necessita.
São estes três tipos de questões que coloco.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou responder-lhe de acordo com a metodologia habitual.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que há um caso que eu não conheço; não sei se algum dos membros da equipa política do Ministério das Finanças conhece, mas eu não conheço de todo. Portanto, quanto a essa pergunta ou a esse caso concreto, que eu não conheço, mas não sei se alguém conhece, que é o do funcionamento de alguma unidade orgânica da PSP em casas oferecidas por empresas privadas, não posso naturalmente pronunciar-me.
Quanto aos outros, começarei a dar a resposta e, depois, os Srs. Secretários de Estado, respectivamente, do Orçamento - e não sei se há alguma questão a que ele possa responder, mas talvez tenha algo a dizer sobre Fundos e Serviços Autónomos -, do Tesouro e Finanças, quanto ao Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado e à CMVM, e dos Assuntos Fiscais, quanto à questão da informatização, completarão a minha resposta. Porém, não deixarei de dar o meu começo de resposta.
Quanto ao primeiro ponto, penso - e o Sr. Deputado Octávio Teixeira sabe-o perfeitamente - que o Ministério da Justiça é, porventura, o ministério que mais funciona com base no recurso ao subsector dos Fundos e Serviços Autónomos e que, portanto, sendo isso uma relativa anomalia, é uma anomalia histórica, que tem dezenas de anos. O orçamento do Ministério da Justiça é, na parte do Estado, sempre um orçamento subdotado e o orçamento dos Fundos e Serviços Autónomos do Ministério da Justiça, nomeadamente o dos cofres, assegura o funcionamento desse serviço. É um critério de funcionamento que, pessoalmente, não considero o melhor, mas que é transparente e é tradicionalíssimo, tendo mais de 50 anos. Portanto, embora eu favorecesse um processo de revisão, até como consequência da necessidade de conseguirmos uma melhor disciplina orçamental, tanto em termos de contenção do défice, nomeadamente, do orçamento de despesa, como em termos de aplicação de saldos para redução da dívida, a verdade é que esse é um processo que, em alguns casos concretos, temos posto em execução, mas que, em termos gerais, não decorrerá da aplicação da reforma da administração financeira do Estado. Como sabe, a reforma da administração financeira do Estado tem tido muitas dificuldades, até pela concepção do modelo legislativo, e nós, durante estes anos, para não nos metermos em aventuras, precisamente porque queremos cumprir os objectivos de consolidação orçamental, não introduzimos medidas que tornariam menos transparentes ou que poderiam comprometer esses objectivos, reformando a administração financeira do Estado. Julgo que há aqui duas prioridades ou, melhor, duas razões: a primeira é que é necessário mudar essas regras.
A este propósito, o Governo está em vias de aprovar uma lei de enquadramento do Orçamento do Estado, que será presente na Assembleia da República e que espero, nesta legislatura, ainda haja tempo para aprovar. Ora, caso seja aprovada, ela criará condições para um significativo avanço no sentido da reforma da administração financeira do Estado. A segunda é que, até agora, e por razões de consolidação orçamental, não houve grande possibilidade de estar a mexer nessas situações. Porém, trata-se de situações em que há transparência, de situações, que, no caso do Ministério da Justiça - e o Sr. Deputado Octávio Teixeira sabe-o perfeitamente -, se não são seculares, duram há 60 ou 70 anos.
Protestos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.
Portanto, essa situação de haver um membro de um gabinete do Ministério da Justiça que é pago por um cofre é uma situação que, no Ministério da Justiça, deve ocorrer há dezenas de anos, implicando medidas no sentido das que referi.
Em todo o caso, penso que no Ministério da Justiça há uma boa tradição de integração entre a gestão dos Fundos e Serviços Autónomos a cargo do Ministério e a gestão do orçamento do Ministério, que, em alguns anos, chegou a representar menos de 10% dos recursos totais afectos à gestão corrente do Ministério da Justiça.
Assim sendo, trata-se, de facto, de um desequilíbrio histórico, que, a meu ver, deve ser corrigido, mas que depende desta reforma geral que referi.
Quanto aos orçamentos privativos, remeto para o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças a informação sobre a situação do Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado. Porém, entendo que a prorrogação, ano após ano, que temos feito várias vezes, da aplicação do Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado resulta de a reconstrução do Chiado, ela própria, não avançar rapidamente. Por isso, o Ministério das Finanças não tem grande capacidade de resposta. A reconstrução do Chiado, em si, é um problema que depende de proprietários privados, do sistema judicial e de autarquias locais, envolvendo, assim, entidades muito complexas, que nada têm a ver, nenhuma delas, com o Ministério das Finanças. Portanto, quanto à questão da reconstrução do Chiado, não lhe vou dar a minha opinião como habitante de Lisboa, que também sou, mas vou dizer-lhe que o Ministro das Finanças nada tem a dizer a esse respeito. O Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado, cuja existência é prorrogada há não sei quantos anos, e vem continuando a ser, tem essa "morte" adiada, em virtude de o processo em si ser complexo e lento.
Quanto à CMVM, também a tutela, tendo em conta que se trata de um organismo de supervisão e que, portanto, tem um elevado grau legislativo de independência, mesmo
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na gestão financeira, a tutela, dizia, está delegada no Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças. Sublinho que a CMVM tem tido uma gestão geradora de avultados excedentes e é por isso, para reforçar a competitividade, que nós, em diálogo com a CMVM, suscitámos uma grande redução dos emolumentos decididos pela CMVM quanto às operações em Bolsa, o que foi decidido em Novembro passado, e, na parte relativa às operações financeiras sujeitas a supervisão fora de Bolsa, por portaria do Ministério das Finanças e também assinado em Novembro passado, houve igualmente uma comparável redução de emolumentos, em muitos casos para menos de metade do nível anterior. Portanto, a CMVM terá menos saldos no futuro, mas porque ela própria, na sequência do diálogo com o Governo, e o Governo, na parte correspondente a operações fora do mercado bolsista, reduziram significativamente os emolumentos pagos por operações financeiras, para reforçar condições de competitividade.
Por outro lado, sublinho que, em articulação com um projecto que está a cargo de uma comissão presidida pelo Prof. Carlos Ferreira de Almeida e que espero que me seja entregue neste mês de Dezembro ou nos primeiros dias de Janeiro, temos intenção de aprovar, ainda nesta legislatura, o Código do Mercado de Valores Mobiliários e um novo Estatuto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que, apesar de ir reforçar a independência, pretende também articular esse reforço da independência com a ideia de criar melhores condições de competitividade para os nossos mercados financeiros.
Quanto à Direcção-Geral dos Impostos, não podia estar mais de acordo consigo quanto à urgência da informatização rápida - mas não só da Direcção-Geral dos Impostos! Quando entrámos em funções, estavam informatizadas 29 repartições de finanças e um serviço de apoio ao contribuinte. No final deste ano, haverá cerca de 60% - eram zero, no final de 1995 - dos serviços das alfândegas e 50% dos serviços da Direcção-Geral das Alfândegas informatizados; haverá quase 400 repartições de finanças, serviços de apoio ao contribuinte e direcções distritais de finanças informatizados; haverá um número pequeno de tesourarias da Fazenda Pública informatizadas, porque as primeiras só puderam sê-lo no ano passado, e foi aberto concurso pela DGITA para as cerca de 400 unidades que falta informatizar. O que significa que esse concurso, agora aberto, vai permitir a informatização completa não só das repartições de finanças, mas também dos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, das alfândegas e das tesourarias da Fazenda Pública. Isto é, nós, que entrámos em funções com zero nas alfândegas, zero nas tesourarias, 29 repartições de finanças e um serviço de apoio ao contribuinte informatizados, teremos, no primeiro semestre do próximo ano, decidido um concurso para a totalidade dos serviços fiscais, das afândegas, das tesourarias, das repartições de finanças e dos serviços centrais e direcções de finanças da Direcção-Geral dos Impostos. Foi para isso que criámos, em 1996, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros. E devo dizer-lhe que o resultado, com uma informatização total de cerca de 1000 serviços - quando tínhamos 30, ao entrarmos em funções -, durante 1999, ao menos em termos de adjudicação e com uma capacidade de implementação muito rápida, excedeu as nossas melhores expectativas.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Teixeira dos Santos): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostaria só de acrescentar algumas considerações aos esclarecimentos já dados pelo Sr. Ministro, relativamente ao Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado e ao orçamento da CMVM.
Quanto ao Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado, creio que o Sr. Ministro já disse o essencial. De facto, de ano para ano, o prazo de existência deste Fundo tem vindo a ser prorrogado por períodos anuais, o que reflecte as próprias dificuldades que a reconstrução desta zona da cidade de Lisboa tem vindo a registar. Efectivamente, a manutenção do Fundo deve-se à existência ainda de obrigações de pagamentos, que devem ser feitos pelo Fundo, o que não permite a sua extinção pura e simples, de um momento para o outro. É essa a justificação.
Em relação ao orçamento da CMVM, gostaria de começar por chamar a atenção para dois aspectos que me parecem importantes. Em primeiro lugar, a CMVM não obtém recursos dos contribuintes - não é envolvido no financiamento da actividade desta entidade de supervisão qualquer dinheiro dos contribuintes portugueses -, mas é financiada por fundos que a Comissão obtém do pagamento de taxas e por outro tipo de receitas dos agentes que intervêm no mercado.
Em segundo lugar, a transição de saldos de um exercício para o outro está prevista nos estatutos desta entidade, na lei, não havendo qualquer irregularidade nessa transição. Gostaria, pois, que não houvesse qualquer dúvida quanto a esse aspecto.
Evidentemente, não faz sentido que uma entidade desta natureza, que vai buscar os seus recursos aos próprios agentes que intervêm no mercado, acumule saldos indefinidamente.
Transitoriamente, ou em certos períodos da sua actividade, esses saldos podem surgir, mas a boa lógica da gestão levará a que o peso existente nos agentes do mercado para o financiamento desta entidade deva ser devidamente aliviado para que os fundos acumulados se esgotem e não mais voltem a verificar-se.
É nessa lógica que a CMVM tem vindo a funcionar e, como o Sr. Ministro teve oportunidade de referir, acreditamos que com benefícios para a própria dinâmica do mercado de capitais e para a sua competitividade numa área que vai ser bem mais competitiva com a introdução do euro. Donde, estes fundos vão permitir o financiamento futuro da actividade da CMVM com um alívio, que é possível, das comparticipações que os agentes terão de fazer para o seu financiamento, com resultados visíveis nas taxas que a operação na bolsa normalmente acarreta, tornando essas operações mais baratas e competitivas.
É essa a orientação que tem vindo a ser tomada e que, recentemente, como o Sr. Ministro referiu, foi objecto de medidas de redução desses encargos que nos parecem importantes.
Sr.ª Presidente, creio que referi tudo o que é relevante acrescentar relativamente a esta matéria.
A Sr.ª Presidente: - Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, penso que respondeu a todas as questões colocadas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
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Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, em complemento das informações prestadas pelo Sr. Ministro, tenho apenas a acrescentar dois aspectos: o primeiro é relacionado com a RITTA (Rede Informática Tributária, das Tesourarias e Aduaneiras), o segundo é relacionado com os projectos do próximo ano.
O financiamento da RITTA tem vindo a ser feito não apenas pelo Orçamento mas também pelo PIDDAC, pelo que, neste momento, há que juntar o conjunto das verbas vindas dessas duas fontes de financiamento respeitantes à DGITA (Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros), que é a entidade que rege a rede, à Direcção-Geral dos Impostos e à Direcção-Geral das Alfândegas. Neste caso, o orçamento para fazer as obras é mais importante, pois possibilita a instalação da rede, porque, muitas vezes, esta está dependente de obras que previamente devem ser efectuadas nos diversos serviços onde vai ser instalada.
O financiamento foi sempre feito desta forma, sendo que, em 1996, representou cerca de 2 milhões de contos, em 1997, cerca de 3 milhões de contos, em 1998, 3,8 milhões de contos e, no próximo ano, prevemos igualmente que o financiamento represente, no conjunto das verbas provenientes destas diversas formas de financiamento, cerca de 3,7 milhões de contos. Se houver necessidade de algum acréscimo, sucederá o mesmo que aconteceu nos anos anteriores, ou seja, recorreremos à dotação provisional para esse efeito, se necessário for.
Quanto à questão das novas funcionalidades e potencialidades da rede privativa, que vão ser desenvolvidas ao longo do próximo ano e que, de algum modo, já começaram a sê-lo no final deste ano, devo dizer que temos, fundamentalmente, quatro grandes prioridades.
A primeira prioridade respeita à instalação, em 1999, de cerca de 8000 caixas de correio electrónico e à integração da voz em toda a rede, a segunda prioridade prende-se com a unificação do cadastro, que deverá estar completa juntamente com a emissão do número de contribuinte e do novo tipo de cartão de contribuinte, a terceira prioridade, cuja primeira demonstração foi feita há mês e meio, salvo erro, numa tesouraria da Fazenda Pública, prende-se com a instalação de mecanismos automáticos de cobrança num novo sistema chamado Sistema Local de Cobrança, a quarta prioridade prende-se com o desenvolvimento de mecanismos tendentes a assegurar a segurança e a confidencialidade da informação fiscal.
A isto acresce algo muito importante na luta contra a fraude e a evasão fiscal, que é a criação de uma data Warehouse onde possam constar, a curto prazo, os elementos mais importantes relacionados com esta luta, nomeadamente com todo o problema dos indicadores de que a Lei Geral Tributária fala.
Portanto, pensamos que, dentro dos constrangimentos existentes, em quatro anos houve, no essencial, um enorme salto no desenvolvimento da informática da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas, potenciada pelo trabalho conjunto dos três elementos da administração tributária.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Marques.
O Sr. Rui Marques (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, queria colocar-lhe três questões. A primeira delas tem a ver com as funções gerais do Ministério das Finanças a que o Sr. Ministro se referiu, designadamente com os serviços de protecção social.
A proposta de lei de Orçamento para 1999 aponta para um valor de cerca de 71 milhões de contos no que se refere à despesa do Ministério com os serviços de protecção social, mas, no ano passado, apontava para um valor de 68 milhões de contos e, hoje de manhã, aprovámos um Orçamento rectificativo em que corrigimos esse valor para 76 milhões de contos. Isto significa que, com o orçamento rectificativo que aprovámos hoje, o Ministério dispôs este ano de um montante superior àquele que a proposta de lei de Orçamento prevê para 1999, havendo, portanto, uma discrepância na ordem de 5,5 milhões de contos, cerca de 7%. Penso que haverá uma justificação para este facto, pelo que gostaria de saber qual é.
As outras duas questões que quero colocar têm a ver com as Despesas Excepcionais do Ministério das Finanças, estando uma delas relacionada com os subsídios, designadamente, à comunicação social. Em 1998, a estimativa do valor destes subsídios era de 19,5 milhões de contos, em 1999, é de 22,7 milhões de contos, ou seja, há um acréscimo de 16,8% neste valor. Gostaria, assim, de saber a que se deve este elevado acréscimo no valor dos subsídios a atribuir à comunicação social.
A terceira e última questão que quero colocar prende-se com as contas poupança emigrante. Sabemos que cerca de 13% dos depósitos a prazo são da responsabilidade dos nossos emigrantes, mas o que constatamos no quadro que nos é apresentado é que, este ano, o Governo prevê uma redução dos subsídios para estas contas de cerca de 43%, ou seja, há uma redução muito grande do montante a atribuir às contas poupança emigrante.
Pensamos que a ligação com os emigrantes é importante, que esta não é uma questão meramente financeira, ultrapassando-a de longe, porque é uma forma de estabelecer-se ligação entre o emigrante e o país de origem, razão pela qual gostávamos de saber a razão de ser desta redução e se o Governo não entende que se deve criar um sistema de incentivos para que os emigrantes continuem a trazer para o nosso país as suas poupanças.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Marques, as perguntas que colocou abrangem todos os domínios do Ministério, mas, no que me diz respeito, responderei à questão sobre as despesas com os serviços de protecção social.
O Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, justificou a razão de ser desta descida, que globalmente é de 5 milhões de contos, mas que se traduz numa descida em relação aos montantes afectos à ADSE. Isto aconteceu porque este ano houve um esforço acrescido, aliás, no orçamento rectificativo reforça-se o orçamento da ADSE em 8 milhões de contos, para recuperar os pagamentos em atraso, pois havia vários milhões de contos de pagamentos em atraso na ADSE.
Por exemplo, no regime livre, que é aquele em que os funcionários vão a um médico de sua escolha e depois enviam o recibo para a ADSE para receberem a respectiva comparticipação, havia, em 1 de Janeiro de 1998, cinco
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meses de atraso no processamento dos pagamentos, em 31 de Dezembro esperamos ter apenas dois meses de atraso. Portanto, esperamos que haja a recuperação de três meses no atraso do pagamento aos funcionários e que, com um forte esforço de recuperação de atrasos, no final de Fevereiro tenhamos apenas um mês de atraso - que não é atraso, é pagamento a 30 dias - em relação ao envio dos recibos.
Portanto, como esses pagamentos em atraso vão ser extremamente recuperados - aliás, nos pagamentos aos hospitais tínhamos também cerca de 6 meses de atraso e, em 31 de Dezembro deste ano, esperamos ter apenas dois meses de atraso -, como há uma injecção forte de fundos este ano, para o ano há um alívio muito grande do orçamento.
Sr. Deputado, posso dizer-lhe que a estimativa de execução da ADSE para este ano é de cerca de 75 milhões de contos e, para o próximo ano, é de cerca de 60 milhões de contos, em que está implícita também uma recuperação, ou seja, uma estimativa de poupança para o próximo ano devido ao controlo da fraude.
A ADSE era, e ainda é, infelizmente, não obstante todo o esforço que está a ser feito, uma estrutura extremamente antiquada e durante muito tempo o sistema informático existente era da geração pré-sociedade de informação, ou seja, era ainda um sistema dos anos 70.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Marroquino!
O Orador: - Talvez!… Não sei como é que as coisas se passam por lá, mas se o senhor o diz, com certeza!
Como estava a dizer, era um sistema de informação que não permitia cruzamento, que não permitia uma aferição rigorosa dos níveis de facturação por convencionado. O que se verificava é que a fraude, quer ao nível do regime de convenção quer ao nível do regime livre, era generalizada e ainda hoje tem um nível que está muito longe de ser aceitável.
Fizemos algumas análises por amostragem e verificou-se, em alguns dos convencionados, níveis de fraude de 8/10%. Portanto, com o novo sistema de informação, que está em fase de implementação e que estará em plena eficácia em meados do próximos, e também com os controlos e as rotinas que foram sendo instaladas e que hoje já estão em fase de execução pontual, ou seja, não há um controlo generalizado como queremos atingir mas já começaram a ser feitos controlos sectoriais, onde foram descobertos o nível de despesa desnecessária e de despesa ilícita que determinados convencionados originavam no seu envio de facturação para a ADSE, esperamos poupar entre 5 e 10% no volume de despesa da ADSE, daí a redução significativa da despesa com os serviços de protecção social.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Marques, muito brevemente, vou esclarecer a questão que levantou, no âmbito das Despesas Excepcionais, sobre o aumento dos subsídios para a comunicação social.
Em anos anteriores, no âmbito das regularizações de situações do passado, tem havido, até com alguma regularidade, a necessidade de regularizar algumas dívidas relativas ao porte pago. Ora, está previsto um reforço de cerca de 3 milhões de contos nesta rubrica que tem a ver com o porte pago e que visa precisamente evitar que essas necessidades de regularizações se afigurem necessárias.
Queremos que essas situações sejam cobertas devidamente, daí este reforço na ordem dos 3 milhões de contos, que justifica a variação para a qual o Sr. Deputado chamou a atenção. Portanto, creio que é esta a razão fundamental da variação prevista nessa rubrica.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Deputado, em relação à conta poupança emigrante eu deveria apenas acrescentar que a proposta de Orçamento contempla a redução da taxa em 0,5%. Isto é, passa de 58% para 57,5% e está prevista no artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, gostaria de colocar-lhe várias questões na área fiscal, para facilitar o nosso debate a partir de amanhã em sede de votações, mas começarei por uma que decorre da intervenção inicial do Sr. Ministro das Finanças e que é a seguinte: o Ministério sempre que se refere a estes debates do Orçamento, já o ano passado dizia o mesmo, e voltou a fazê-lo agora, sublinha o seu empenhamento na redução das despesas de funcionamento do Ministério.
Ora, se há um Ministério relativamente ao qual, mais do as despesas de funcionamento de que o Estado necessita, nos deve preocupar sobretudo a capacidade de fazer a recolha dos impostos de que necessitamos, esse é o Ministério das Finanças.
Portanto, esta redução de despesas de funcionamento, em algum momento, pode colidir com esse outro objectivo maior e central que é o de uma eficácia na recolha dos impostos e no combate à evasão e fraude fiscais.
A minha questão na decorrência disto tem a ver com o facto de estarem em curso estudos para a reestruturação da administração fiscal a partir do chamado relatório Caupers que aponta como uma hipótese de trabalho a criação de uma organização para-empresarial, um instituto autónomo para este efeito.
Sr. Ministro, a minha pergunta é a seguinte: como é que o Governo avalia este caminho? Como é que avalia a hipótese de entregar a recolha dos impostos, não sei se o combate à evasão e fraude fiscais, a um instituto para-empresarial autónomo que, porventura, vai reger-se por lógicas que podem não ser aquelas que mais preocupam o Estado e o Governo?
Esta é, pois, uma questão que gostaria de ver respondida e já não falo noutras questões que, suponho, estão em estudo sobre a existência de várias unidades orgânicas como a Direcção-Geral de Impostos, a Direcção-Geral Aduaneira etc. E não estou e entrar nesse problema, embora seja um problema real, mas mais na perspectiva global da reestruturação da administração fiscal.
Esta questão liga-se a uma outra que é a seguinte: o Sr. Ministro referiu-se aos esforços de informatização que estão a ser feitos, mas a informatização não é suficiente, porque depois há uma inspecção no terreno, uma fiscalização
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e um controlo no terreno que falha em muitos aspectos por ausência de meios humanos.
Concretamente, o Sr. Ministro sabe, pois nós levantámos aqui essa questão na discussão na generalidade - aliás, temos uma proposta nesse sentido - que uma das fontes, não direi que é a maior, não faço ideia, mas, seguramente, uma enorme fonte de evasão e de fraude fiscais é a que se desenvolve na área dos impostos especiais de consumo e um dos problemas que é sempre suscitado é o da ausência de meios humanos, nomeadamente de fiscais, de inspectores tributários, que permitam fazer as fiscalizações que se impõem para combater essa evasão e fraude fiscais.
Portanto, Sr. Ministro, a questão que se coloca é a de saber qual é o limite da redução das despesas de funcionamento.
Por exemplo, em matéria de impostos especiais de consumo e de infracções aduaneiras, quantos funcionários existem no terreno? Não perguntarei quantos existem no quadro, mas quantos estão no terreno? Quantos funcionários inspeccionam os interpostos fiscais e conseguem fazer o controlo da circulação em carrossel de muitos processos de evasão fiscal? Quantos é que temos no terreno? Não é aqui que o Ministério tem de apostar? Não deverá ser esta a principal preocupação do Ministério? O reforço dos meios informáticos certamente que é importante, mas o reforço dos meios humanos ao serviço da recolha dos impostos também é. E isso é compatível com a existência de uma eventual organização de um instituto para-empresarial com autonomia? Como é que estas questões de extrema sensibilidade são avaliados pelo Ministério?
Aliás, nesta linha da fraude fiscal veio recentemente a público uma notícia indicando como uma outra fonte de fraude e de burla as transacções do ouro. Assim, de acordo com informações que vieram na comunicação social e com exposições que nos foram enviadas, está a haver, nesse terreno, pelo menos no mercado fraudulento, não sei se será excessivo falar em branqueamento de capitais, mas existe um mercado fraudulento de transacções de ouro que são feitas, aparentemente, a preços muito inferiores aos preços de mercado e que circula em Portugal como único meio de poder fazer fugas, designadamente ao IVA, para depois serem transaccionados noutras zonas. Ora, o que é que se passa quanto a isto?
É verdade que só em matéria de fuga ao IVA em sede de transacções fraudulentas há qualquer coisa como 7,5 milhões de contos por ano. Que medidas estão a ser tomadas para combater estas fraudes, para além de todas as outras que acabei de referir?
Gostaria ainda de colocar outras questões mais específicas em matéria fiscal, pois depende das respostas que o Ministério der o facto de nós avançarmos ou não com propostas de alteração, na especialidade.
Recentemente o Governo adoptou em matéria de promoção turística - e já agora, Sr.ª Presidente, continuamos a não ter os valores do IVA para a actividade turística que o ano passado foi entregue às regiões e às agências de turismo e sem esse valor nós não podemos saber se os 2,9 milhões de contos deste ano são os mesmos, se são mais, se são menos...
Portanto, Sr.ª Presidente, continuamos a insistir nesse pedido, solicitando-lhe as diligências necessárias, não sei se junto do Ministério das Finanças ou da Economia para enviarem esses valores…
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Eu também já os pedi três vezes!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Também pediu? Mas, Sr. Secretário de Estado, não os enviaram; portanto, estamos os dois na mesma.
Sr.ª Presidente, era bom que eu e o Sr. Secretário de Estado fizéssemos um requerimento conjunto ao Sr. Ministro da Economia para ver se ele nos entrega esses valores, porque se não os envia dá para desconfiar...!
Portanto, o Ministério da Economia adoptou para efeitos de promoção turística o conceito de mercado interno alargado, considerando nesse conceito o território de Espanha.
Este conceito, já o dissemos, tem expressões que têm de ter consequências práticas e uma delas é em sede de harmonização fiscal. Não se pode adoptar um conceito de mercado interno alargado para efeitos de promoção turística, incluindo nesse conceito a Espanha, e depois haver desarmonizações fiscais nesse território. Se já era mau anteriormente face aos problemas da competitividade na área turística, assim passa a ser completamente irracional.
Portanto, nesse sentido há duas perguntas que eu gostava de colocar e que são as seguintes: uma das questões que está em cima da mesa é a da possibilidade de harmonizar o IVA da restauração. Em relação a Espanha e Portugal ainda existem diferenciações, pelo que eu pergunto se o Governo está ou não a ponderar na hipótese de o IVA em matéria de transacção de alimentação e bebidas possa ou não passar para a lista 1 uma vez que hoje, salvo erro, está na lista 2 do IVA.
A segunda questão tem a ver com a dedutibilidade do IVA nas despesas profissionais com alimentação, alojamento, etc. Gostaria de saber se o Governo confirma ou não que a alteração - ou o pedido de autorização legislativa que vem no Orçamento - salvo erro, ao artigo 21.º, n.º 2, alínea c) do Código do IVA, é uma autorização que resolve ou que contempla esta questão, isto é a possibilidade da dedutibilidade do IVA em despesas de alojamento, alimentação, bebidas, etc. designadamente na área turística, mas não só, porque ela tem uma aplicação alargada.
Portanto, repito, gostaria de saber se o Governo confirma esta interpretação com o que vem proposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA e se esta questão fica resolvida. Se ficar, muito bem; se não ficar, então teremos de ver novamente esta questão na discussão de amanhã.
Como o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado sabem esta questão em Espanha está assumida no Código do IVA espanhol, portanto, pelas razões que eu expus há pouco, não faz sentido que em Portugal também não seja assumida nessa sede face ao novo conceito, assumido pelo Governo - e bem - do mercado interno alargado, nele se incluindo Espanha.
Uma outra questão que gostaria de abordar tem a ver com aquilo que me parece não ter lógica, que é um problema de irracionalidade que talvez possa ser resolvido, e que é a seguinte: recentemente no uso da autorização legislativa do Orçamento do ano passado, o Governo transferiu da lista 2 para a lista 1 do Código do IVA as verbas referentes a produtos como conservas de peixe, manteiga, queijos, iogurtes, etc., ou seja dos 12% para os 7%. Acontece que - e este é sempre o perigo, quanto a mim, destas transferências casuísticas - se não se fizer uma reorganização global destas matérias ficam de fora produtos idênticos.
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Isto é, transferiram-se do IVA as conservas de peixe, manteiga, os queijos, mas ficaram de fora as conservas de carne, fiambre, etc.
Portanto, pergunto: qual é a lógica de ficarem numa tabela a 12% produtos que são idênticos aos primeiros que se transferiram? Não seria preferível aproveitar agora as alterações em sede de especialidade para uniformizarmos esta matéria e para não mantermos irracionalidades que, no Código do IVA, começam a multiplicar-se muito, porque vão-se fazendo transferências casuísticas de tabela para tabela e depois há outros produtos da mesma família que acabam por ficar prejudicados?
Ora, há aqui um problema de alguma racionalização que é preciso tomar nestas uniformizações de que eu dei este exemplo concreto, porque não há qualquer razão para que as conservas de peixe passem de 12% para 7% e as de carne não. Não há razão para que passe o queijo e não passe o fiambre, pois isso, aparentemente, não faz sentido. Portanto, gostava que V. Ex.ª também se pronunciasse sobre esta questão.
Sr. Ministro, por último, há ainda um outro assunto, de que nos chegaram várias exposições, sobre o qual gostaria de ouvir a opinião do Governo e que tem a ver com o pessoal que presta serviço nas missões diplomáticas.
Este pessoal esteve, ao abrigo da Convenção de Viena, durante muito tempo isento do imposto profissional, depois do IRS até que, aparentemente, houve uma alteração de critério da administração fiscal, que passou a tributar o pessoal das missões diplomáticas recrutado localmente com IRS. E não só passou a tributar como o fez com efeitos retroactivos a quatro ou cinco anos!... Tal facto deu origem a um conjunto de procedimentos em sede jurisdicional contra postos de repartições de finanças movidos por funcionários que gozavam dessa isenção.
Ora, aqui colocam-se dois tipos de problemas sobre os quais gostava de ouvir o Governo: primeiro o da isenção em si mesma. Isto é, como é que o Governo avalia a existência, no passado, até certo momento, de uma isenção de imposto sobre o rendimento para o pessoal que trabalhava nas missões diplomáticas? E esse regime aplica-se ao pessoal recrutado localmente ou apenas ao pessoal oriundo dos países de origem? A verdade é que a administração fiscal considerava, bem ou mal - não é isso que estou a discutir -, que o pessoal recrutado localmente também estava isento. Então, por que é que houve essa alteração?
O segundo tipo de questões prende-se com a sua aplicação retroactiva, o que me parece manifestamente injusto.
Gostávamos, pois, de ouvir a opinião do Governo sobre a matéria que acabei de expor.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, embora tenha colocado um bom número de questões que eu remeteria integralmente, inclusive as relativas ao IVA e outras, ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não quero deixar de iniciar a resposta quanto a duas ou três delas.
Em primeiro lugar, é muito importante sublinhar que não é necessariamente por se gastar mais que se tem mais eficácia nos serviços. É possível reduzir despesas de funcionamento e ganhar eficácia. Mas, queria sublinhar que nem é isso que se passa relativamente ao orçamento da Direcção-Geral dos Impostos, Alfândegas e direcções-gerais de informática, tributária e aduaneira, visto que, tal como disse há pouco - e, agora, sublinho de novo -, os dados que estão à disposição de V. Ex.ª situam-se, fundamentalmente, nestas áreas em que há crescimento, mesmo em termos nominais, do Orçamento de 1999 relativamente à estimativa de execução de 1998.
Nas outras áreas há decréscimo, nestas há crescimento que resulta, fundamentalmente, de duas razões: apesar de o PIDDAC não entrar em consideração para este efeito, visto que me debrucei apenas sobre o orçamento de funcionamento - e não sobre o orçamento funcional do Ministério das Finanças -, a cobertura de despesas complementares do programa de informatização, nomeadamente as obras que estão presentes nos orçamentos das três direcções-gerais e a entrada em funções do novo pessoal recrutado, boa parte do qual será afecto aos serviços de fiscalização, quer nos impostos quer nas alfândegas.
Sublinho, de novo, de que se trata de uma decisão tomada no final de 1997 e que, em virtude do elevado número de concorrentes e da tramitação legal - não temos alternativa senão cumprir a lei! -, demorou dois anos para, tomada a decisão de recrutamento de cerca de 1500 funcionários nos impostos mais 250 nas alfândegas, podermos fazer as primeiras nomeações resultantes desses concursos no primeiro semestre de 1999.
É assim a lei em matéria de recrutamento de funcionários para a Administração Pública; talvez a lei pudesse ser simplificada. Mas, a verdade é que cumprimos a lei e os serviços também, como lhes cumpre.
Portanto, queria sublinhar que estes são os únicos orçamentos em que há acréscimos nominais significativos de previsão de despesa relativamente à estimativa de execução de 1998; nas outras direcções-gerais os acréscimos não são significativos: há acréscimos orçamentais de 1000 contos, 2000 contos, ou mesmo diminuições...
Neste domínio não pode dizer-se que estamos a comprimir o orçamento de funcionamento das direcções fiscais; pelo contrário, as três direcções-gerais fiscais são aquelas que, repito, beneficiam de acréscimos, mesmo nominais, relativamente à estimativa de execução de 1998. E, como já disse, em relação a elas, nomeadamente quanto ao programa de informática - porque há uma parte dos encargos que não é previsível -, tem havido um critério de gestão no sentido de dar primeira prioridade no recurso à dotação provisional ao reforço das verbas destinadas à informatização dos impostos lato sensu quer na Direcção-Geral dos Impostos quer na Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais de Consumo.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, melhor do que eu, poderá exemplificar o que, nomeadamente em termos de eficácia de fiscalização e luta contra a fraude e evasão fiscais, se tem conseguido nestes anos. Temos apontado alguns indicadores, e não vou repeti-los, mas penso que este é um dos domínios onde mais claramente se tem melhorado de uma forma espectacular a eficácia.
É claro que ainda não estamos satisfeitos; é claro que há muito que é necessário fazer, mas as melhorias introduzidas são espectaculares. E esse movimento verifica-se, não só em relação a 1995 como em relação a muitos anos atrás, no sentido de alterar as regras e de conseguir resultados espectaculares na luta contra a fraude e a evasão fiscais. Certamente, este processo é feito de uma forma gradual.
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É, pois, possível apontar indicadores, eu próprio já os tenho apontado aqui recentemente, mas o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais poderá desenvolver este tema melhor do que eu.
Por outro lado, um outro domínio, este mais qualitativo do que quantitativo, é o da comodidade dos contribuintes. As duas grandes medidas de eficácia são, precisamente: a luta contra a fraude e a evasão fiscais e a comodidade e simplificação da vida dos contribuintes.
Também nesse domínio há que actuar em articulação com a informática, com acções de formação dos funcionários, com remodelação... - abolindo, por exemplo, nas novas repartições de finanças o velho balcão, que cria uma relação de divisão e, porventura, até de prepotência do funcionário em relação ao contribuinte -, criando outras formas de atendimento e muitas situações de comodidade e simplificação da vida dos contribuintes, como é o caso das cobranças por Multibanco, o recurso à Internet e outras mais que estão já previstas para 1999.
Todas estas alterações têm correspondido a estes dois grandes vectores. Aliás, há três vectores de eficácia fiscal: o crescimento das receitas; a eficácia fiscal em termos de cobrança (penso que é incontestável que essa situação se tem verificado) e a comodidade e simplicidade para o cumprimento dos deveres fiscais por parte dos contribuintes (também é incontestável a introdução de um conjunto de melhorias, estas mais qualitativas do que quantitativas, porque é isso que está em causa); e a luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Penso, portanto, que não poderá dizer-se que no domínio da administração fiscal o critério geral de redução de despesas de funcionamento, que este ano aumenta, mesmo em termos nominais - sublinho, de novo -, devido ao esforço de informatização e ao ingresso dos funcionários cujo processo de recrutamento, após mais de 10 anos de congelamento, foi decidido em 1997 e produzirá efeitos de nomeação em 1999. Mas, mesmo nos anos em que houve redução, por força de qualquer dos três critérios de eficácia da administração fiscal - rendibilidade de receitas, comodidade dos contribuintes e luta contra a fraude e a evasão fiscais -, têm sido introduzidas muito significativas melhorias.
Naturalmente, em nenhum destes domínios alcançámos a perfeição, mas temos melhorado muito e estamos certos de que as medidas tomadas permitirão que esse processo de melhoria continue no futuro.
Quanto ao modelo de organização, Sr. Deputado Lino de Carvalho, pedia-lhe licença para não lhe responder completamente, na medida em que estamos, de facto, neste momento, a estudar e a dialogar com as hierarquias e com os trabalhadores dos impostos sobre o modelo de organização. Penso, contudo, que durante o mês de Janeiro, o Governo estará em condições de tomar as decisões respectivas, não decisões de princípio mas decisões sobre as leis orgânicas da Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais de Consumo e da Direcção-Geral dos Impostos.
O sentido da transformação que estamos a fazer na orgânica da administração fiscal, em todo o caso, é muito claro.
Vejamos: ponto um - aproximação dos vários departamentos da administração fiscal. A administração tributária é uma organização única, tem de ter critérios únicos, mesmo quando existem três direcções-gerais, situação essa estabilizada a médio prazo e digo a médio prazo, porque a longo prazo a uniformização de critérios e a tendência para a integração é inevitável - aliás, acontece em praticamente todos os países da União Europeia e em todas as administrações fiscais mais evoluídas.
Foi esse o movimento que iniciámos através da criação de serviços comuns, através da harmonização de regras e através da criação de condições para um funcionamento conjugado das três direcções-gerais.
Não irei desenvolver este tema agora, mas o objectivo e aquilo que temos feito para o alcançar são claros.
Ponto dois - a discussão do modelo de organização. Vem de longe a proposta do grupo de trabalho presidido pelo Professor João Caupers, que será divulgada e publicada em devido tempo. Ela já foi apreciada pelas direcções-gerais fiscais e é também do conhecimento dos principais sindicatos envolvidos, aqueles que nos pediram o conhecimento dessas propostas, embora, precisamente porque é uma proposta de uma comissão técnica, não possa ser confundida... - e seria errado que começasse já a ser objecto de uma prematura discussão pública, a qual consideramos positiva, mas que, neste momento, só iria criar confusão, visto que a decisão política do Governo está em estudo e em diálogo. Ou seja, esta discussão não ganha grandemente, penso eu, em que se apresentem como tomadas as decisões que ainda o não estão. Só perde!
Portanto, o processo de decisão será claro e transparente. Os sindicatos envolvidos que representam os trabalhadores dos impostos conhecem os documentos sobre os quais também estamos a trabalhar e nós conhecemos a opinião deles, mas a reflexão ainda está a prosseguir e, por isso mesmo, sem prejuízo das regras de transparência, entendemos que será bom que o debate se faça e a informação circule, porque todos ganhamos com a transparência, mas tendo em conta que ainda não há uma decisão tomada; há apenas uma proposta técnica.
Em todo o caso, a questão é antiga! O relatório Silva Lopes já aponta para a criação de um instituto público de regime empresarial que englobaria a administração dos impostos mas não aponta para este que foi para nós o primeiro critério, porque excluiu da sua análise o âmbito da administração fiscal e também não contemplava a criação de uma direcção-geral de informática, que foi decisiva para a informatização e que nós decidimos, para a progressiva integração das três direcções-gerais, só se debruçando sobre a Direcção-Geral dos Impostos e quanto a esta defende, em termos preliminares, a solução que corresponde à proposta da comissão do Professor Caupers, ou seja, a criação de um instituto público de regime empresarial.
Estamos a estudar essas propostas mas, de facto, o problema é antigo. Neste momento, pensamos que o que está em causa não pode ser a existência das três direcções-gerais que estão estabilizadas, mas, sim, a gestão em comum de um número cada vez maior de serviços comuns às direcções-gerais: a formação e o apoio à elaboração e definição de políticas fiscais, que nunca teve qualquer base entre nós e que obriga a que as políticas fiscais sejam, realmente, esta "manta de retalhos", de decisões avulsas trabalhadas entre os gabinetes e os serviços, não tendo nem uns nem outros vocação para serem órgãos permanentes de apoio à definição de políticas fiscais.
Ora, o que as administrações fiscais modernas têm, precisamente, centralizado - o resto pode estar desconcentrado - é o apoio à elaboração de políticas fiscais, domínio que tem, entre nós, em termos organizativos, uma existência de zero! Isto está na origem, como Sr. Deputado
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bem sabe, de muitas das situações de improviso em matéria de decisão de políticas fiscais.
Pensamos que esse problema ficará resolvido ainda durante esta sessão legislativa e, como esta é uma matéria da competência legislativa do Governo, as decisões correspondentes poderão ser tomadas. Perguntar-me-á: por que é que não foram tomadas há mais tempo? Porque tivemos de estudar o modelo de organização e temos hoje elementos suficientes para tomar uma decisão ponderada; há uns anos atrás não tínhamos.
Por outro lado, há outros serviços comuns que têm de ser geridos. Referi estes dois, elaboração de políticas tributárias e formação, que apontam no sentido de evitar uma diferenciação extrema, radical, entre alfândegas e Impostos Especiais de Consumo, impostos e DGITA, no entanto o modelo dessa unidade de gestão dos serviços comuns tem de ser objecto de opção pelo Governo.
Mas, repito, essa opção deve tomar como ponto adquirido que a administração tributária é uma organização única, que as três direcções-gerais a médio prazo devem manter-se - portanto, não está em causa mexer em nenhuma delas durante esta sessão legislativa - e que é necessário criar uma forma de gestão desses serviços que são comuns à administração fiscal, além da Direcção-Geral de Informática Tributária e Aduaneira, que, devido às suas especificidades, já é a gestão integrada de serviços comuns informáticos das outras duas direcções-gerais, por isso permitiu o avanço numa rede integrada, diferentemente do avanço nas tesourarias - que era zero -, nas alfândegas - que era zero -, e nos impostos - que eram os tais vinte e nove mais um -, que encontrámos no fim de 1995.
Portanto, de algum modo, estes três princípios estão estabilizados.
Quanto à conjugação desta decisão com as leis orgânicas dos impostos e das alfândegas, que têm muitos aspectos específicos - mas que serão aprovadas como leis orgânicas de duas direcções-gerais autónomas - e quanto ao modelo a adoptar para gerir os serviços comuns, esses são aspectos que serão objecto do exercício da competência legislativa reservada do Governo.
Portanto, não estou a esconder nada; estou apenas a dizer que ainda estamos a estudar qual a forma adequada para esse modelo, mas não pensamos que a administração directa do Estado no domínio tributário deva ser transferida para um instituto público de carácter empresarial e muito menos para uma organização empresarial.
Julgo que, com a autorização da Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, melhor do que eu, responderá às outras questões.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o senhor disse que a informatização não é suficiente e estamos de acordo. Não é suficiente e por isso, no domínio das políticas de pessoal, procedemos ao recrutamento de 250 técnicos, peritos de fiscalização tributária, para os impostos, e ao recrutamento de 155 técnicos verificadores para as alfândegas (aliás, estão a decorrer os concursos).
Referiu, ainda, o Sr. Deputado que a fraude é enorme no que diz respeito aos impostos especiais sobre o consumo e referiu-se também à questão das transações do ouro.
Em relação aos impostos especiais sobre o consumo, há um problema, diria, cultural e organizacional que é importante ter em conta. Inicialmente as alfândegas estavam preparadas, enquanto máquina fiscal, para cobrar direitos aduaneiros, para fazer o controlo das restituições à exportação e, fundamentalmente, para gerir todos os aspectos relacionados com o comércio externo que têm a ver com as questões dos regimes económicos ou aduaneiros. Ou seja, as alfândegas não estavam preparadas para gerir os impostos especiais sobre o consumo.
Com a abolição das fronteiras houve uma revalorização das alfândegas, tendo-lhes sido entregue a gestão dos impostos especiais sobre o consumo, que, anteriormente, eram geridos pela Inspecção-Geral de Finanças ou pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Portanto, coloca-se aqui um problema importante de aculturação, que é o de saber como é que esta organização vai reagir à absorção destas novas tarefas, porque, do ponto de vista interno, as alfândegas são cada vez mais uma máquina de cobrar impostos como qualquer outra.
Os impostos especiais sobre o consumo são impostos com uma base harmonizada que em muitos aspectos se aproximam do IVA, porque são impostos de consumo - eu diria, mesmo, que se aproximam mais dos impostos indirectos do que os outros impostos directos geridos pela Direcção-Geral dos Impostos.
Por outro lado, os impostos especiais sobre o consumo têm uma importância enorme no plano das receitas, representando cerca de ¼ das receitas fiscais cobradas pelo Estado. Significa isto que, ao longo destes anos, as alfândegas têm vindo a ter um enorme número de pessoal que está afecto ainda às funções tradicionais das alfândegas e menos afecto às funções de controlo, de liquidação, de cobrança, etc. dos impostos especiais sobre o consumo. Ou seja, grande parte do aparelho aduaneiro continua a trabalhar para questões que são essencialmente de natureza comunitária, quer na cobrança dos direitos aduaneiros quer na aplicação do Código Aduaneiro Comunitário e da legislação complementar deste mesmo Código.
Começamos a fazer alguma inversão desta tendência e o ideal seria que grande parte do pessoal das alfândegas e da sua organização fosse progressivamente afecto à disciplina dos impostos especiais sobre o consumo, mas não é fácil mudar as mentalidades de um momento para o outro.
Portanto, há aqui um problema cultural importante. Pensamos que esta questão se torna mais fácil com uma nova lei orgânica, nomeadamente com a absorção de novos quadros. Deste modo, aos poucos, a questão do reforço de meios humanos destinados aos impostos especiais sobre o consumo poderá vir a ser progressivamente alargada, paralelamente à informatização que, embora não resolva tudo, dará decerto um contributo muito importante para o controlo.
Um outro contributo é o seguinte: mesmo com a informatização, mesmo com uma nova política de pessoal, eu diria que não é ainda suficiente. Por isso, ao longo deste tempo, temos vindo "a apertar a tarraxa", no plano legislativo, em relação aos impostos especiais sobre o consumo. Já o fizemos com os impostos petrolífero e do tabaco e assim faremos - aliás, está uma proposta na Assembleia da República - com o imposto sobre o álcool e sobre as bebidas alcoólicas.
Ao disciplinar o regime dos entrepostos, nomeadamente ao evitar que o imposto esteja em suspensão, não sendo
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pago à cabeça, como deve ser na maior parte dos casos, ou seja, ao limitar o número de entrepostos existentes, que é altamente exagerado entre nós, certamente daremos um bom contributo para a luta contra a fraude e a evasão fiscais.
Refiro ainda que esta tarefa do controlo dos impostos especiais sobre o consumo não pertence só às alfândegas; têm sido feitas muitas acções comuns com os serviços dos impostos, que têm sido delineadas no quadro da UCLEFA e complementadas por protocolos com outras organizações, em particular com uma cada vez melhor colaboração com a brigada fiscal da GNR.
São estes pontos que, no nosso entender, poderão melhorar a luta contra a fraude e a evasão fiscais no domínio dos impostos especiais sobre o consumo.
Sei que o Partido Comunista Português propôs a elaboração de um relatório sobre esta matéria e pensamos que o fez em boa altura, porque entendemos que é importante fazer um ponto da situação.
Em relação à outra questão levantada, a das fugas ao IVA nas transacções do ouro, tenho conhecimento, a partir de uma notícia que li num jornal e que os serviços estão a analisar, que há um conjunto de acções de fiscalização que têm vindo a ser feitas no norte do País e que abrangeram, até agora, 83 sujeitos passivos de IVA.
Essas acções de fiscalização implicam a coordenação de 12 direcções distritais de finanças e têm sido encontradas irregularidades algumas mesmo do plano criminal. Para além disso, sabemos também que estão pendentes em tribunal, mas, obviamente, sujeitas a sigilo de justiça, algumas questões relacionadas com a transação do ouro.
Estamos a acompanhar o assunto e verificaremos se é necessário tomar medidas de outra natureza, nomeadamente legislativas. Se assim for, em devido tempo, elas serão propostas à Assembleia da República.
Quanto à questão do IVA do turismo, existe uma base de 2,9 milhões de contos - que foi tomada em conta nos novos valores -, publicada no Diário da República, de 1 de Outubro, salvo erro, pelo Despacho Conjunto n.º 674/98 dos Ministérios das Finanças, do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Ministério da Economia. Neste Despacho referem-se as formas de distribuição do IVA ao turismo em 1998, para além de se mostrar que em relação às regiões de turismo os valores são de 2 587 066 contos e em relação às juntas de turismo são de 199 049 contos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Secretário de Estado tem de dar a cópia disso ao Secretário de Estado do Orçamento.
O Orador: - Ou seja, foi a partir desta verba que se inscreveu no Orçamento o valor de 2,9 milhões de contos, não se inscrevendo em relação aos municípios, porque isso é financiado pela Lei das Finanças Locais, de onde se poderá dizer que em relação ao conjunto o valor inscrito representa um acréscimo de 4,1% .
Quanto ao IVA da restauração, tenho de informar a Assembleia da República que a Comissão resolveu instaurar contra Portugal um processo por termos passado a taxa da restauração de 17% para 12%. A Comissão entende - aliás já o tinha dito na altura em que esta proposta foi apresentada à Assembleia da República - que a taxa de 12% é insusceptível de ser aplicada à restauração em Portugal, quer a taxa de 12% quer, obviamente, por maioria de razão, a taxa de 5% uma vez que o caso de outros países é distinto do nosso, porque quando foi feita a abolição da taxa 0, nós, ou seja, o governo anterior, não negociou a possibilidade de aplicar taxas super reduzidas ou reduzidas em certos domínios, entre os quais este.
Por isso, estamos, neste momento, confrontados com um processo pré-judicial, digamos assim, na fase pré-contenciosa.
Com base num conjunto de argumentos, entre os quais o facto de a própria Comissão ter apresentado uma proposta de directiva relativa à redução do IVA para serviços de natureza intensiva, e por acharmos que há alguma contradição em estar a "pôr-nos um processo em cima", como diria o Herman José, e simultaneamente estar a tentar desenvolver uma baixa de IVA em serviços de natureza intensiva, o que, em meu entender, contemplaria a questão da restauração, estamos a tentar desenvolver esforços, junto da Comissão, no sentido de esta não avançar com esse processo para tribunal. No entanto, não temos a certeza de que assim aconteça.
De qualquer modo, se, neste momento, viéssemos a propor a redução da taxa do IVA de 12% para 5%, pareceria, claramente, uma provocação e seria contraproducente em relação à situação negocial que temos em causa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bruxelas manda. Quem pode, obedece!
O Orador: - Não é Bruxelas! A lei manda! Essa lei existe há muito tempo, desde o momento em que Portugal aderiu à Comunidade.
Quanto à questão da dedutibilidade do IVA nas despesas faço a seguinte distinção: também aqui há um processo curioso em relação ao artigo 21.º do Código do IVA, que é o artigo relativo ao direito à dedução, que tem a ver com o seguinte: como sabem, o Código do IVA foi aprovado e publicado antes da adesão de Portugal às Comunidades e, nessa altura, a Comissão tinha proposto uma directiva de harmonização do direito à dedução, em que se previa a exclusão de um conjunto de despesas entre as quais estas. A lógica dessa exclusão prende-se com o facto de haver despesas que é difícil sabermos se são apenas utilizadas por razões profissionais ou se podem ser desviadas para a esfera de uso privado.
Na altura, o Estado português assumiu que a futura directiva viria a ser aprovada a curto prazo e introduziu no Código do IVA estas exclusões, mas o que acontece é que a directiva nunca chegou a ser aprovada, ou seja a 12.ª Directiva do IVA nunca viu a luz do dia. No momento da negociação da adesão à Comunidade, que seria o momento certo, não foi proposta qualquer ressalva em relação aos dispositivos de excepção constantes do Código do IVA e, posteriormente, durante o período em que tal era possível, também não foi proposta qualquer derrogação ao abrigo do artigo 27.º, salvo erro, da 6.ª Directiva.
Portanto, o que acontece é que há alguma desconformidade, neste domínio, entre a nossa legislação e a 6.ª Directiva, desconformidade essa que também existe noutros Estados mas nos quais está protegida, precisamente, pela derrogação que, em devido tempo, esses Estados pediram para poderem estar nessa situação. A exemplo do que acontece com a restauração, temos um aviso da Comissão de que está em curso um processo judicial contra Portugal nesta matéria e também estamos num processo
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negocial com a Comissão para podermos beneficiar do regime de derrogação de que outros Estados beneficiam.
Em nosso entender, resolver esta questão neste Orçamento ou a curto prazo prejudicaria, certamente, a nossa posição negocial. O que fizemos, então, neste Orçamento foi ir tão longe quanto podíamos, tendo em conta estes pressupostos, ou seja, permitir que, em relação a determinadas entidades, como, por exemplo, agências de viagens e empresas que organizam festas, que o fazem debitando as despesas a outrem mas por sua conta, isto é, no exercício da sua actividade profissional e que até agora não podiam deduzir essas despesas, essas despesas possam ser deduzidas. Este é o sentido da autorização legislativa prevista no Orçamento.
Acrescentaria apenas que qualquer mudança mais alargada do regime implicaria, ao mesmo tempo, uma modificação do IRC no sentido de que as despesas que viessem a ser consideradas como dedutíveis para efeitos de IVA não serem também consideradas como custos para efeitos de IRC, pois teríamos uma dupla perda e o Estado português não está, de forma alguma, em condições de poder ter, neste momento, uma perda desta natureza, que, aliás, nem se sabe sequer a quanto montaria.
Cremos que é necessário, por um lado, prosseguir as negociações com a Comunidade no sentido de permitir que mantenhamos a derrogação que temos na prática e, por outro lado, preparar melhor a máquina fiscal para uma mudança, para um novo regime mais favorável ao direito à dedução, o que implica prepará-la no plano administrativo mas também no plano legislativo, modificando as próprias regras dos custos do IRC, antes de darmos um passo em frente.
Portanto, fomos tão longe quanto pensamos que poderíamos ter ido, neste momento.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, nessa argumentação há uma outra questão que, seguramente, tem de ser ponderada: é o facto de haver um problema de desarmonização fiscal, se assim se pode chamar, com Espanha no quadro da Comunidade.
O Orador: - Sr. Deputado, o que acabei de dizer é que a harmonização fiscal em matéria de IVA é limitada, é uma harmonização fiscal que diz respeito às regras de incidência, às regras de determinação da matéria colectável e às regras de isenções, no essencial, mas não diz respeito às regras das taxas.
Neste aspecto, a única coisa que conseguiu fazer-se foi uma harmonização mínima: as regras permitem a criação de uma ou duas taxas reduzidas, mas permitem-no em relação a um certo número de produtos, estabelecidos no Anexo H da 6.ª Directiva.
Em relação a alguns Estados, que tiveram, na altura, de subir a sua taxa normal de 12% para 15% - é o caso de Espanha -, a Comunidade permitiu a criação de taxas super reduzidas em determinados domínios, nomeadamente em alguns produtos alimentares e em alguns serviços. Essa situação existe em relação a Espanha e creio que também existiu em relação ao Luxemburgo, se a memória não me falha, mas não é uma situação generalizada; é uma situação excepcional e temporária de que esses Estados beneficiam.
Significa isso que nas restantes situações não há uma harmonização fiscal no sentido de haver uma harmonização decorrente de directivas; a harmonização que existe é decorrente da concorrência fiscal. Mas, neste caso, é sempre necessário ponderar até que ponto a alteração de taxas beneficia ou não a concorrência. Todos os estudos mostram que é sustentável haver uma diferenciação de taxas na ordem dos 5 a 6% entre Estados vizinhos - é assim nos Estados Unidos e é assim em muitos Estados europeus - e, portanto, a harmonização fiscal é uma harmonização reduzida, não é global.
Concluiria dizendo que essa harmonização só poderá ser feita no contexto da modificação das próprias regras da Comunidade.
Quanto à questão das taxas, o que tenho a dizer é que quando iniciámos um processo de revisão da aplicação das taxas por adopção da taxa intermédia a determinados produtos, tendo havido a passagem de um conjunto de produtos de uma taxa de IVA de 17% para 12%, dissemos que este movimento prosseguiria ao longo dos anos passando a taxa de 12% para 5%, tendo sido genericamente estabelecidos certos critérios a esse respeito, dos quais sublinho alguns.
Foram estabelecidos os seguintes critérios: verificar em que medida essa passagem para outra taxa beneficiaria a competitividade das empresas; dar prioridade a certas indústrias tradicionais; e ter em conta um problema importante, que é o dos constrangimentos orçamentais, ou seja, fomos fazendo essa passagem à medida que havia disponibilidades orçamentais para que isso acontecesse.
É com base na conjugação destes critérios - provavelmente, há outros de que não me recordo - que tem vindo a ser feita, ano a ano, a escolha dos produtos que entram ou ficam de fora deste processo. Este ano, continua-se o movimento em relação a um determinado número de produtos e pensamos que o mesmo poderá continuar a ser efectuado, à luz dos mesmos princípios e tendo em conta os constrangimentos orçamentais existentes, em anos futuros. Há sempre algum grau de subjectividade ou de aleatoriedade nessa escolha, mas uma transformação global não é possível por ser insustentável no plano orçamental.
Por outro lado, a despesa fiscal que temos tido com o IVA, com a criação da taxa intermédia e com a passagem de muitos produtos que estavam na taxa normal para a taxa intermédia e para a reduzida, ultrapassa largamente os 80 milhões de contos até hoje. Portanto, se há domínio da área fiscal em que temos feito um grande esforço, é este.
Termino corrigindo uma informação que referi há bocado: quanto à questão da dedutibilidade, dei o exemplo das agências de viagens, mas, de facto, é só o caso das empresas de organização de festas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, a questão que coloquei é uma questão de lógica, de racionalidade!
Por que é que as conservas de peixe e os iogurtes passam de uma taxa de 12% para 5% e as conservas de
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carne e de fiambre ficam na Tabela 2? Isto é uma questão de lógica, de racionalidade do sistema!
O Orador: - Claro! E a seguir vão perguntar por que é que as ostras e as comidas de animais não passam também para a outra tabela, e por aí fora...!
Não passam pela simples razão de que não pode passar tudo ao mesmo tempo! Temos de ter um critério, que é tão lógico quanto possível: é um critério, em primeiro lugar, financeiro e, em segundo lugar, de competitividade, ou seja, saber se essa passagem beneficia ou não a competitividade, pois não basta fazer passar!...
Diria até que há um terceiro critério importante, que é o de saber se essa passagem se reflecte, efectivamente, no preço dos produtos. Também estamos longe de ter a certeza disso!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado, falta responder à questão sobre o pessoal das missões diplomáticas.
O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas esqueci-me de responder a essa pergunta.
Em relação a essa questão, tendo em conta as informações de que disponho, posso dizer-lhe que nenhuma razão existe para que o pessoal que trabalha nas missões diplomáticas não seja tributado em sede de IRS. É pessoal português, reside e trabalha em Portugal, embora prestando serviço a uma entidade estrangeira, mas não vejo que isso seja motivo suficiente para que fique fora da tributação e não creio que a Convenção de Viena seja suficiente para legitimar essa interpretação.
E se é verdade que em muitos casos esse pessoal pagou impostos - estou a recordar-me, em particular, do pessoal que trabalha junto das delegações da União Europeia -, também é verdade que noutros casos isso não se passou. Pode suceder que, em relação a determinado contribuinte, a fiscalização detecte que há imposto que deveria ter sido pago e que não foi e neste caso não há aplicação retroactiva da lei; o que há é aplicação da lei aos casos em que deveria ter sido aplicada.
Questão diferente desta é detectarmos que houve determinadas decisões da administração fiscal - e a intervenção do Sr. Deputado parece querer indiciar isto - no sentido de dizer que este tipo de pessoal não deveria estar sujeito a IRS. Ora, é exactamente essa a questão que estamos a procurar analisar, ou seja, estamos a procurar saber se houve, de facto, tomadas de posição da administração fiscal nesse sentido.
Se assim foi, poderão funcionar, neste caso, as regras da futura Lei Geral Tributária, que permitirão que, em situações deste género, em que houve tomadas de posição contraditórias da administração fiscal e boa-fé por parte dos contribuintes, a situação do passado não seja contemplada. Mas tal não acontece com a situação do futuro, porque não temos dúvida alguma de que não há qualquer razão para que estejam isentos de impostos.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, também gostaria de esclarecer uma dúvida.
No artigo 26.º da proposta de lei do Orçamento, relativo ao rendimento mínimo garantido, diz-se no n.º 2 que "Os saldos das verbas transferidos nos anos anteriores para assegurar o pagamento do rendimento mínimo garantido poderão ser utilizados no decurso do ano de 1999, para a mesma finalidade.".
Gostaria de saber a razão de ser desta norma, a que anos se refere e que saldos são estes.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr.ª Presidente, a razão de ser desta norma é a seguinte: foi feito um reforço significativo para as dotações do rendimento mínimo garantido, mas, por alguma razão, poderá ser necessário executar ainda o remanescente das execuções dos dois anos anteriores, que ficaram na segurança social através de transferência para o Fundo de Estabilização.
Portanto, são saldos do rendimento mínimo garantido, transferidos pelo Orçamento do Estado para o rendimento mínimo garantido mas que não tiveram execução completa nos anos de 1997 e 1998 pelo que ficaram na segurança social precisamente porque há compromissos assumidos. Ou seja, os pedidos de acesso ao rendimento mínimo garantido deram entrada e começam a vencer direitos desde essa data.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, não percebo é em termos orçamentais qual a necessidade desta norma.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Bom, esta norma foi-nos solicitada pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade para dar cobertura legal à utilização desses saldos que foram transferidos para o Fundo de Estabilização Financeira. Esses saldos não vieram para o Orçamento do Estado, ficaram no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, renderam juros e agora, para haver uma saída do Fundo de Estabilização Financeira para nova gestão em sede de rendimento mínimo garantido, e apenas na medida do necessário, considerou-se pertinente a inclusão desta norma aqui - foi essa a razão.
Os saldos das verbas são transferidos do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social e, posteriormente, no final do exercício, do orçamento da segurança social para o Fundo de Estabilização Financeira para que o respectivo rendimento sirva para melhorar esse fundo e a sua capitalização e, logo que necessário, retornar à gestão do rendimento mínimo garantido e, portanto, ao orçamento da segurança social para poderem solver compromissos do rendimento mínimo garantido.
A razão de ser é, pois, utilizar os "restos" de execução dos anos anteriores na execução adicional que possa ocorrer este ano, senão o saldo continuará a acumular e, no ano subsequente, em 2000 ou 2001, haverá, eventualmente, normas idênticas. É agora, em 1999, no primeiro ano em que o rendimento mínimo garantido começa a ter uma aplicação bastante mais generalizada, que poderá haver necessidade de ir buscar "restos" de execução que não foram utilizados nos anos anteriores - é a primeira vez que se verificou esta necessidade.
Portanto, por salvaguarda, em termos legais, para se poder depois fazer a transferência ao contrário, entendeu-se que seria importante pedir já a autorização da Assembleia da República para fazer essa transferência do Fundo de Estabilização Financeira, que está na coluna dos Fundos e Serviços Autónomos, novamente para o orçamento da segurança social.
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A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, reponho o meu pedido de informação sobre as indemnizações compensatórias, assim juntando a minha voz à do Sr. Deputado Lino de Carvalho quanto aos pedidos que tínhamos feito e não tinham tido resposta.
Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, não havendo mais questões, quero agradecer a vossa presença e dar por encerrada esta reunião. Lembro, entretanto, aos Srs. Deputados da Comissão de Economia que, amanhã, vamos iniciar as votações. Penso que seria lógico que elas se iniciassem no final da manhã ou no início da tarde, já que estão a entrar muitas propostas, há muitas outras ainda por entrar e os serviços terão de organizá-las antes de elas começarem a ser discutidas e postas à votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, gostaria de colocar duas questões. A primeira é no sentido de que sejam tomadas as medidas adequadas a que nós recebêssemos em tempo útil aquele livro da legislação citada.
A Sr.ª Presidente: - Não há. Já pedi, mas não foi feito.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Porque é que não foi feito?
A Sr.ª Presidente: - Isso já não é comigo. Como sabe, são tarefas que dependem de serviços de apoio da Assembleia e, efectivamente, não foi feito.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, todos os anos essa bibliografia é um instrumento de apoio para os Deputados porque, caso contrário, vamos ter de ir buscar ao Diário da República toda a legislação que vem citada para vermos as alterações.
Talvez fosse bom a Sr.ª Presidente, se assim o entendesse, falar com o Sr. Presidente da Assembleia.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, já falei com quem de direito para saber se havia ou se não havia. No momento em que chego à conclusão - há dois dias - de que não havia, penso que já se ultrapassou o tempo útil para obtermos essa legislação.
Portanto, nesse sentido, cada um de nós - pela parte que me toca o digo - terá de fazer o trabalho por si próprio, porque não existe essa publicação e não é nada que dependa de nós, como o Sr. Deputado bem sabe. Só podemos estar perante um facto consumado, neste momento, porque, agora, a vir esse trabalho, ele viria em tempo que já não era útil.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pois, Sr.ª Presidente, mas isso não me impede de continuar a dizer que é um facto anómalo...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, eu também acho...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não estou a dizer que a Sr.ª Presidente não tenha razão, ou que tenha culpa - não é nada disso. Mas é um facto anómalo que deveria ser averiguado em termos de funcionamento dos serviços; isto é, desde sempre, anos seguidos, nós tivemos aqui essa legislação, que é um instrumento de trabalho, e, de repente, há uma direcção de serviços que decide não fazer. Então, isto é assim? O que é que faz a Secretária Geral? Enfim, acho que isto é algo que tem de ser visto. Mas nós, Deputados, que estamos a cumprir aqui uma função política, não podemos ser os receptáculos de disfuncionamentos orgânicos, internos da Assembleia da República.
Creio, pois, que a Sr.ª Presidente devia fazer sentir isto ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
A Sr.ª Presidente: - Transmitirei essa sua preocupação.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não sei até se não deveríamos fazer um esforço para que isso fosse feito, como medida de pressão. É preciso que seja feito, faz-se.
A segunda questão, Sr.ª Presidente, tem a ver com o nosso horário de amanhã: se amanhã começam as votações, começamos a reunião a que horas? Logo de manhã ou a seguir ao almoço? Isto porque, além do mais, há uma reunião de uma comissão de inquérito de manhã que pode vir a prolongar-se até às 11 horas e uma grande parte dos membros da Comissão de Economia fazem parte dessa comissão, pelo que talvez fosse bom que clarificássemos isto desde já.
A Sr.ª Presidente: - Por mim, faço a proposta de começarmos a reunião às 15 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr.ª Presidente, em nome do grupo parlamentar do PS, dou o nosso acordo à sua proposta.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, verifico que há consenso neste sentido.
Assim sendo, iniciaremos os nossos trabalhos às 15 horas. Agradeço a todos os grupos parlamentares que façam a entrega das propostas de alteração até hoje ao fim do dia ou, no máximo, até amanhã de manhã muito cedo.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 5 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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