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Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2000 II Série-C - GOP-OE - Número 2

VIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1999-2000)

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Reunião de 23 de Fevereiro de 2000

S U M Á R I O


A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite) abriu a reunião às 10 horas e 30 minutos.
Em continuação do debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 15/VIII - Grandes Opções do Plano para 2000 e 16/VIII - Orçamento do Estado para 2000, usaram da palavra, sobre o orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia, além do Sr. Ministro (Mariano Gago), os Srs. Deputados Luísa Vasconcelos (PS), Rosado Fernandes (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP), David Justino (PSD) e Carlos Zorrinho (PS).
Sobre o orçamento relativo aos Encargos Gerais da Nação (Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros), pronunciaram-se o Sr. Secretário de Estado (Vitalino Canas) e os Srs. Deputados Nelson Baltazar (PS), Natália Filipe (PCP), Patinha Antão (PSD), Francisco Louçã (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Paulo Pisco e Natalina Moura (PS) e Carlos Encarnação (PSD).
Relativamente ao orçamento do Ministério da Justiça, intervieram, além do Sr. Ministro (António Costa) e dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Eduardo Cabrita) e da Justiça (Diogo Machado), os Srs. Deputados Maria José Campos (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Francisco Louçã (BE), Narana Coissoró (CDS-PP), António Abelha (PSD), Odete Santos (PCP), Marques Júnior (PS), Carlos Encarnação (PSD) e António Menezes Rodrigues (PS).
A Sr.ª Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 5 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Como sabem, esta reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano consta da discussão, na especialidade, do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, com a presença do Sr. Ministro da tutela, que agradeço.
Ora, como o Sr. Ministro já cá esteve, não só no Plenário como também na Comissão, para, em sede de discussão na generalidade, expor as orientações políticas deste Ministério, está desde já à disposição dos Srs. Deputados para responder às questões que queiram colocar.
Em primeiro lugar, dou, pois, a palavra à Sr.ª Deputada Maria Luísa Vasconcelos.

A Sr.ª Maria Luísa Vasconcelos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, começo por saudá-lo e, igualmente, a eleição da transformação de Portugal numa sociedade de informação e de conhecimento, enquanto desígnio nacional prioritário de orientação transversal e intersectorial.
Nesse sentido, sublinho o agrado do meu grupo parlamentar pelo reforço dos recursos orçamentais para o desenvolvimento do sistema científico e tecnológico, o desenvolvimento de competências e conteúdos e a garantia de acessibilidade a essa sociedade de informação.
Destaco, entre muitas outras iniciativas, a Rede Ciência, Tecnologia e Sociedade, o Programa Cidades Digitais e o Programa Ciência Viva. Qualquer um destes julgo serem, de facto, ilustrativos desta transição do País, através da qualificação dos recursos humanos, para essa sociedade do conhecimento e da informação.
Tendo em atenção este entendimento desta transição e transformação de Portugal, gostaria de colocar ao Sr. Ministro duas questões com expressão orçamental, as quais, quer a montante quer a jusante, têm a ver com a garantia da sustentabilidade das políticas que o Ministério da Ciência e Tecnologia apresenta.
Assim, em primeiro lugar, tendo em conta que, nos últimos três anos, o número de doutoramentos aumentou cerca de 25%, tendo em conta que, actualmente, existem cerca de 3300 bolseiros a prosseguir a sua formação, seja no País seja no estrangeiro, e tendo em conta, igualmente, que se reforça a dotação orçamental neste processo de continuação de formação, pergunto ao Sr. Ministro como está pensado, e com que dotação orçamental, o processo de integração destes doutorandos, destes novos investigadores, por forma a conseguir evitar-se um processo de "drenagem" intelectual posterior a uma opção que julgamos correcta e baseada, de forma correcta, em dinheiros públicos, processo de formação esse que necessita de um subsequente processo de integração na realidade nacional.
A segunda questão tem que ver com um problema que estivemos a discutir nesta Comissão ainda ontem e que passa pelo reconhecimento da interioridade que ainda aflige algumas regiões do nosso país. Tendo que ver com o reconhecimento dessa interioridade, o problema também tem que ver com a nossa preocupação em que esta sociedade de informação não conduza à exclusão de faixas populacionais, seja em termos etários seja em termos geográficos, que só viria acentuar as assimetrias na nossa sociedade.
Sabemos que a cidade de excelência do futuro é aquela que permite uma ligação on line com redes globais e, portanto, será aquela que possui quer as condições logísticas quer as qualificações humanas para estabelecer uma tal ligação.
Assim, pergunto-lhe que percurso está a ser feito, com que dotações orçamentais e com que articulação transversal com outros ministérios, a fim de conseguir articular-se o que sabemos ser o chamado "Portugal interior" ou "Portugal real" e o anunciado "Portugal Digital" ou sociedade de informação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Ministro, quer responder desde já?

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago): - Se houver mais perguntas, creio que é melhor responder depois, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, cumprimento-o mais uma vez, pois já tivemos oportunidade de trocar impressões em sede de discussão na generalidade.
Evidentemente, a minha colega impressionou-me com a ideia da cidade ideal - já Santo Agostinho a queria, a "Cidade de Deus"; agora, seria a "cidade digital"! - em que as pessoas sejam felizes. Mas para que as pessoas sejam felizes, acho que é necessário que a ciência trabalhe em prol delas. Esta não é uma visão humanística; é, simplesmente, uma visão pragmática bastante egoísta.
Recordar-se-á, Sr. Ministro, que, quando nos encontrámos nos Passos Perdidos, levantei problemas no respeitante a certo tipo de investigação, que julgo que seria importante fazer, ligada a sectores em que Portugal ainda é competitivo, um dos quais é o sector da cortiça.
Provavelmente, é um pouco estranho ouvir-me falar de cortiça, pois nem sequer sou produtor, mas conheço perfeitamente a grande dificuldade que existe em que os produtores tenham uma informação atempada quanto ao que é necessário fazer no que respeita à sanidade da floresta, que são 600 000 ha, o que, do ponto de vista da exportação, representa cerca de 200 milhões de contos de produtos de cortiça.
Temos, ainda, conseguido resistir, com dificuldade, a que fábricas de produtos sintéticos consigam ser batidas no mercado e que os produtores de champanhe ainda tenham uma certa simpatia pelas nossas rolhas. No dia em que os produtores de champanhe, de outros vinhos da região de Bordéus e de outros vinhos a nível mundial não quiserem rolhas portuguesas, preferindo produtos sintéticos, por entenderem que estes "ne bouchonnent pas le vin", estaremos "encortiçados"!
Disse-me - e sei que é verdade - que tem havido algum esforço na investigação a nível da indústria. Julgo que, para que a indústria funcione bem, é preciso começar a tratar as coisas desde a base, ou seja, desde o terreno. Isto não se aplica só à cortiça mas também à horticultura, à fruticultura, a tudo.
Assim, o Sr. Ministro pensa que é possível fazer algo em coordenação com o alcachinado INIA para que, de

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facto, se consiga fazer alguma coisa que seja de proveito para a produção ligada à transformação?
Falou-me da dificuldade em encontrar organizações de produtores que criem a massa crítica que lhes desperte a necessidade da ciência. É que, como lhe disse no outro dia em tom jocoso, podem "fazer-se" milhares de doutores, mas se não houver uma massa crítica que acompanhe o seu trabalho dos níveis superiores até à base, então, tal como aconteceu no século XVI, em que havia centenas de bolseiros em Portugal, será um esforço completamente perdido.
É que se, por um lado, as nossas crianças e os nossos adolescentes e, por outro, os nossos produtores do interior não respeitarem o esforço dos que, quer queiramos quer não, vivem numa turris eburneus, a mentalidade - e é isso que falta e não dinheiro - que é necessária para que a ciência surta os seus efeitos, não terá o sucesso que o Sr. Ministro, possivelmente, até merecia que tivesse, pois sei que tem boa vontade para resolver este problema.
Portanto, dei-lhe um exemplo, fiz um comentário, repetindo um pouco o que tinha dito de outra maneira, mas gostava de uma resposta.
Sr. Ministro, o que vai fazer também, por exemplo, em relação ao mar? Temos dois barcos de oceanografia, um primeiro chamado Noruega, que foi oferecido pela Noruega, não sei se o meu amigo se recorda, e, agora, um outro. Entretanto, o que sabemos sobre a nossa costa com certeza? O que sei sobre os estuários é assustador e digo-o porque presidi a alguns júris de doutoramento em que a tese era sobre estuários, nomeadamente sobre o estuário do Sado. De facto, o que está a passar-se é preocupante porque, sem que esses viveiros e esses sapais sejam protegidos, é evidente que nunca mais vamos ter peixe na costa, já para não falar das artes ilegais.
Coloquei estas minhas preocupações mais sob o ponto de vista científico. Respeito a ciência fundamental. Julgo que Portugal não pode "perder a mão" na ciência fundamental. No entanto, no essencial, do que precisamos é de uma investigação ligada ao desenvolvimento em que, de facto, os resultados sejam avaliados. Precisamos que se crie a massa crítica, através dos ensinos médio, politécnico e universitário e, mesmo, para quem não tenha ensino, por forma a que as pessoas reconheçam essa necessidade, porque, depois, há um efeito de arrastamento, para que o esforço que o Sr. Ministro está a fazer venha a ter sucesso.

A Sr.ª Presidente: - Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, não queria tornar a colocar as questões que já suscitámos em sede da discussão na generalidade, mas, de facto, partindo do pressuposto de que todas as instituições públicas de investigação e ciência são o pilar supremo do desenvolvimento tecnológico no nosso país - e esta é a nossa leitura e penso que também a do Sr. Ministro -, para nós, continuam a ser preocupantes as verbas previstas em termos de Orçamento do Estado para todos estes laboratórios, todas estas instituições.
O Sr. Ministro dir-me-á "mas o aumento é visível". É verdade! Neste mundo de globalização, globalizando os números tal como se globalizam as economias e as leituras políticas, de facto, há alguns acréscimos. Mas a questão que se põe é a de que, "engordando" estatísticas, muitas vezes diminuem-se actos e acções pragmáticos necessários à sobrevivência de elementos que contribuem para as estatísticas globalizadas. É assim que, em nossa opinião, o Orçamento do Estado "veste" a política, quer na área do PIDDAC quer na área do funcionamento, dos chamados laboratórios de Estado.
O Sr. Ministro sabe que foi com alguma expectativa que entendemos o processo, desencadeado pelo seu Ministério, de avaliação destas instituições, que, em nossa opinião, instituições já o seriam pouco, moribundas seriam quase na sua totalidade, e havia que tomar medidas para que não pudéssemos falar da ciência dos outros sem possuirmos já a nossa própria ciência e o nosso próprio processo de investigação. Daí que o que foi feito na anterior legislatura, no sentido da avaliação, do encontro dos diagnósticos e das medidas políticas, de natureza económica e não só legislativa, que pudessem dar vida a estes laboratórios, foi por nós entendido como extremamente positivo.
Contudo, diagnósticos feitos, algumas medidas tomadas, para nós, a "radiografia" ainda é francamente preocupante. É preocupante no que tem que ver com os recursos humanos, no que tem que ver o estado de degradação de alguns destes laboratórios, preocupante, também, no que tem que ver com a ainda frágil implementação de algumas das medidas de natureza legislativa que foram tomadas na anterior legislatura. Aliás, o Sr. Ministro entenderá que estamos perfeitamente à vontade para dizer isto porque, inclusivamente, procedemos à apreciação parlamentar de algumas dessas medidas, tentando incutir nessa sede algumas das nossas propostas que considerávamos mais vantajosas para o País e para esses laboratórios do Estado.
Mesmo assim, consideramos que essas medidas são as que existem, são lei, têm de ser implementadas e estes organismos têm de contar com órgãos capazes de as dinamizar e de promover o desenvolvimento económico e também científico do País.
Nesse sentido, Sr. Ministro, gostaria que particularizasse, não que me respondesse o que já ouvi na discussão na generalidade, em Plenário e na Comissão, que foi que as verbas aumentam na sua globalidade, mas, sim, que me respondesse relativamente aos laboratórios de Estado e vou dar-lhe dois ou três exemplos.
Na audição parlamentar que fizemos, o Sr. Presidente do Instituto Hidrológico disse, com toda a clareza, que se "conflitua" - e é esse o termo que ele utiliza - com o mesmo Orçamento do Estado há seis anos.
Quanto ao Instituto de Investigação Científica e Tropical, visitei-o, Sr. Ministro, e foi degradante o que vi. Concretamente, visitei o Centro de Botânica daquele Instituto, centro este que, mesmo no estado em que está, é considerado um dos melhores do mundo e tem o maior e o mais diversificado herbário do mundo, em opinião dos investigadores que lá trabalham - não em minha própria opinião, pois não estou em condições de afirmá-lo.
Ora, o que vi é perfeitamente "medievalesco". Na verdade, quando perguntei se, porventura, tinham algum sistema de alarme e contra incêndio que, em caso de perigo, pudesse salvaguardar todo o material ali existente, responderam-me: "não, não temos desde 1996; continuamos a não ter no ano 2000, porque precisamos de 4000 contos para encher os extintores contra incêndio que nos permitam resolver a situação em tal caso. Sistema de alarme não temos, porque tivemos um hipotético curto-circuito em 1996 e, depois disso, nunca mais tivemos disponível uma verba de 4000 contos para resolver esta situação".

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Recordo-me que visitei uma zona no 1.º andar deste mesmo Centro de Botânica e os investigadores que me acompanharam na visita solicitaram-me que circulasse com algum cuidado nos "subúrbios" do centro da sala para evitar que, devido ao peso das pessoas que compunham a comitiva e ao peso das estantes ali colocadas, não caíssemos no rés-do-chão... Esta era a realidade na anterior legislatura e continua a ser a realidade em 2000.
Assim, pergunto-lhe, Sr. Ministro: as verbas orçamentadas, quer em termos de PIDDAC quer em termos de orçamento de funcionamento, vão responder minimamente às necessidades mais trágicas vividas por laboratórios como este?
É que, na audição parlamentar que efectuámos, foi claramente dito pelos investigadores presentes, quer fossem presidentes dos institutos quer presidentes dos conselhos científicos, que a sua vertente fundamental, a da investigação, é, neste momento, uma vertente de segunda oportunidade, porque o mais importante para eles era a prestação de serviços para poderem sobreviver.
Recordo uma notícia, que tenho comigo, em que se diz que "o Instituto de Meteorologia e Geofísica vende a investigadores dados que recolhe com fundos públicos" e, mais adiante, refere que "climatologistas queixam-se de falta de apoio". Assistimos, pois, ao que é perfeitamente degradante para instituições públicas: um instituto público vende os seus serviços a uma universidade para que esta investigue na área da climatologia, mas a preços de tal modo exorbitantes que os investigadores universitários não podem trabalhar devido ao que é preciso pagar.
Tenho comigo a notícia, repito, e, francamente, espero que o Sr. Ministro me responda que há nela algum exagero e alguma hipérbole, que estamos perante uma falsa questão, que não é a realidade, que os investigadores universitários não têm de pagar ao Instituto de Meteorologia e Geofísica os dados necessários para poderem investigar a fim de dar ao País o que, hoje, é um dado fundamental para a agricultura e para a nossa sobrevivência diária, num momento em que a vertente da climatologia é fundamental, também, para, de algum modo, colmatar a nossa incúria para que a nossa sobrevivência não possa estar à maré da natureza mas, antes, à maré da ciência e da tecnologia no século XXI.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, antes de mais, os meus cumprimentos.
Desejo pegar em três ou quatro pontos, parte dos quais relacionados com as propostas de lei de Orçamento do Estado para 2000 e as Grandes Opções do Plano, e também, com a intervenção que o Sr. Ministro fez em Plenário e que, talvez, valha a pena comentar e esclarecer.
Começo, precisamente, pela ideia inicial da sociedade de informação e do conhecimento.
Julgo que o esforço que tem sido feito relativamente a estes programas, nomeadamente em relação ao Programa Cidades Digitais e, igualmente, ao Programa Nónio, tem apresentado alguns resultados que me apraz salientar.
No entanto, coloco ao Sr. Ministro um problema de base, porque, eventualmente, andamos muito preocupados com os problemas de hardware e talvez menos com os de software, se me é permitida a analogia. Digo isto porque ignoro se o Sr. Ministro sabe, e se tem articulado com o seu colega da Ministério da Educação nesta matéria, que, na última proposta de revisão curricular do ensino secundário, não se encontra uma única disciplina de informática; encontro-a, sim, num único curso tecnológico, mas em todas as propostas que são feitas quer ao nível da formação geral quer ao nível da formação específica, não encontro uma que seja.
O que pretendo é questionar o Sr. Ministro - e, de certa forma, auscultar a sua opinião -, é sobre o que é que andamos a fazer. Andamos no discurso político cheio de vocabulário sobre a sociedade de informação, mas naquilo que é fundamental, que é o desenvolvimento de uma cultura científica, de formação de capital humano virado, precisamente, para os desafios que coloca essa sociedade de informação, baqueamos, esquecemos, e, eventualmente, apresentamos lacunas gravíssimas na formação desse mesmo capital humano.
Portanto, o que gostaria de saber é se, por acaso, o Sr. Ministro já conhece a proposta de revisão curricular e se tem uma posição ou, pelo menos, uma visão um pouco alternativa àquilo que foi apresentado.
O segundo aspecto que gostaria de chamar a atenção tem a ver com o problema, que cada vez mais os desafios da sociedade de informação coloca, da cultura científica em si.
O Ministério da Ciência e da Tecnologia tem desenvolvido algumas iniciativas quer junto do grande público quer junto das escolas - penso que isso é importante -, mas continuamos a debater-nos com algumas lacunas, que não vejo referidas no orçamento, e por isso é que estou a perguntar ao Sr. Ministro, no que respeita a algumas infra-estruturas de divulgação científica.
Estou a falar dos museus e, acima de tudo, dos museus para a ciência. Quer queiramos, quer não, todos conhecemos um pouco do que se faz em Londres, do que se faz em Paris, do que se faz em Nova Iorque, do que se faz um pouco por todo o lado, todos conhecemos a grande preocupação de investimento na divulgação cientifica e o aspecto e a preocupação pedagógica de fazer chegar esse investimento e esse esforço às escolas e aos mais novos.
Porém, em Portugal, continuamos a debater-nos com um vazio e com a falta de qualidade e de preocupação pedagógica ao nível da divulgação científica, nomeadamente através desses museus - que me apraz registar, mas não me satisfaz - e não sei até que ponto é que o Ministério da Ciência tem consagrado, em termos de Orçamento, qualquer investimento relativamente a este problema.
Ainda no que diz respeito ao desenvolvimento da cultura científica, há algo que me preocupa e tem a ver com o pretexto - é pena que seja só o pretexto, porque vamos ter de fazê-lo todos os anos -, do Ano Mundial da Matemática.
Assim, gostaria de saber o que é que o Ministério da Ciência e Tecnologia tem previsto para, em termos de associação ou não com o Ministério da Educação, o Ano Mundial da Matemática. Penso que o problema é também de desenvolvimento de cultura científica, mas é, acima de tudo, alertar, não só a opinião pública, os meios de comunicação, as instituições, para um grande investimento que tem de ser feito não só na matemática em si, mas, partir daí, chegar às outras disciplinas, às ciências exactas, às ciências naturais, etc., por forma a que se possa, de certa forma, superar as lacunas graves que o meio científico tem demonstrado em Portugal.

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Relativamente ao número de doutoramentos, apraz-me, também, registar que o Sr. Ministro sabe melhor do que eu, que um doutoramento demora entre cinco e seis anos a fazer. Neste momento, a duração média para se fazer um doutoramento, é, felizmente, um bocadinho mais baixa do que há uns anos atrás, o que é um elogio à política científica do governo social-democrata, porque se os resultados estão a aparecer agora, atendendo à duração média desses mesmos doutoramentos, isso quer dizer que foram investimentos feitos antes - que o Sr. Ministro tanto criticou - que estão agora a dar frutos.
Espero, pois, que daqui a quatro ou cinco anos os investimentos que o Sr. Ministro está a patrocinar, neste momento, possam ter iguais ou melhores frutos. Digo-o, sinceramente, ainda que o "patrocinato" e, acima de tudo, a responsabilidade deste investimento seja uma questão de justiça que deve ser reconhecida relativamente ao crescimento que houve de alunos a frequentarem cursos de mestrado e que, obviamente, a seguir vão fazer os doutoramentos quer em Portugal quer no estrangeiro.
Portanto, até em referência a um elogio que a Sr.ª Deputada Maria Luísa Vasconcelos fez relativamente ao crescimento de 25% do número de doutoramentos, gostaria de registar o reconhecimento de uma política que foi desenvolvida já há bastantes anos.
Mas o que me preocupa ao nível das bolsas de doutoramentos, é saber qual é a perspectiva de crescimento, tendo em atenção que se nota uma procura crescente por parte da comunidade científica universitária em geral, relativamente a esses mesmos doutoramentos.
Assim, gostaria de saber o que é que está previsto em termos não só de dotação mas também do número de bolsas a atribuir para esses candidatos a doutorandos, alguns deles querendo fazer o doutoramento e tendo muito valor, mas não conseguindo, a maior parte das vezes, obter uma bolsa minimamente digna para que possam fazer esse mesmo doutoramento.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia (Mariano Gago): - Srs. Deputados, muito obrigado pelas vossas questões. É um prazer ter a oportunidade de, em sede desta Comissão, poder discutir, de uma forma aprofundada, as questões que julgo serem essenciais, pelo que tentarei responder a todas pela ordem que foram colocadas.
A Sr.ª Deputada Maria Luísa Vasconcelos colocou-me duas questões, dizendo a primeira respeito à integração profissional dos novos e jovens cientistas ou, de uma forma mais vasta, de todos aqueles que, neste momento, se formam para profissões especializadas de natureza científica e técnica, pretendo saber como é que essa integração está prevista e com que verbas, visando evitar o desperdício e, sobretudo, o brain drain.
Ora, este problema é muito importante e por isso gostaria de gastar alguns minutos para explicar qual é a actual situação em Portugal e qual é a antevisão que tenho, falível, para os próximos anos, sobre esta matéria - aliás, nenhum país está livre de ter, nesta matéria, ameaças difíceis ou impossíveis de resolver e, nos últimos anos, a Europa teve uma experiência muito variada neste campo.
Lembro-vos que os dois países europeus que tiveram rápido desenvolvimento de recursos humanos para a ciência e que, ainda na década de 60 eram dos países mais atrasados da Europa, conseguiram sair desse subdesenvolvimento, fizeram-no com um preço social elevadíssimo: um deles a Irlanda; outro a Grécia.
No caso da Irlanda o seu sucesso foi tingido de um desperdício social gigantesco com taxas de desemprego altíssimas durante vários anos e, sobretudo, com uma exportação maciça daqueles que se tinham formado no sistema de educação superior e de ciência irlandês para o Reino Unido e para Estados Unidos da América. Só agora, mercê de uma política extraordinariamente agressiva, mas também fruto da necessidade de atracção de investimentos de alto valor acrescentado, é que é possível a Irlanda estar, de novo, a retomar todos aqueles que perdeu e grande parte dessa perda é irreparável.
No caso da Grécia a situação é diferente, porque não só a exportação de pessoal qualificado foi um facto, mas grande parte do investimento feito na Grécia pela União Europeia e pela própria Grécia não resultou em real desenvolvimento interno e nós temos hoje a Grécia, de facto, como um país que não descolou na maioria dos sectores.
Portugal, nesta matéria, tem uma situação singular que é a seguinte: durante as últimas duas décadas todos os especialistas em Portugal temiam a existência de um forte brain drain no País, pois Portugal tinha a mais elevada taxa de recurso aos sistemas estrangeiros de formação avançada de toda a Europa, porque nós temos hoje, em Portugal, o sistema mais internacionalizado de toda a Europa, porque quisemos ir mais depressa e, portanto, se, pura e simplesmente, recorrêssemos às universidades portuguesas não o podíamos fazer, teríamos de esperar 100 anos, pelo que tínhamos de recorrer aos sistemas de formação dos outros.
Todavia, o perigo de brain drain não se concretizou. Até hoje é escassíssimo o número de cientistas portugueses que ficaram a residir e a trabalhar de uma forma permanente no estrangeiro. Temos casos conhecidos, sobretudo nos Estados Unidos, muito mais do que na Europa, mercê de uma política fortíssima de integração que os Estados Unidos fazem das pessoas com sucesso que desenvolvem lá o início das suas carreiras.
Contudo, não quero só dar as boas notícias sobre esta situação, porque ela pode não durar durante muitos anos. Porquê? Porque na próxima década assistiremos à grande vaga de reformas nos grandes sistemas de investigação europeus. Estes grandes sistemas tiveram, no pós-guerra, um efeito de pico no desenvolvimento e recrutaram de uma forma que hoje se sabe que foi errada, preenchendo sistematicamente os quadros durante a década de 50, início da década de 60, isto sem diluir a absorção ao longo de muitos anos, o que significa que temos grandes sistemas de ciência na Europa em que quase 50% dos quadros superiores vão reformar-se numa década.
Obviamente que isso é um drama para esses países e, neste momento, estão a produzir-se novas políticas científicas e de recrutamento que não repitam o erro, recrutando de novo, num período de tempo curto, pessoas para ocuparem esses lugares, mas a verdade é que vai haver uma competição entre os vários países pelos recursos humanos à escala europeia, competição essa mais grave do que a que existiu no passado.
Neste momento, não há brain drain significativo em Portugal. Temos um brain drain muito menor, incomparavelmente menor, do que aquele que podíamos esperar de países semelhantes ao nosso, mas também

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temos um brain drain menor do que aquele que países mais desenvolvidos na Europa têm relativamente aos Estados Unidos da América.
Porém, existe a possibilidade de vir a ter esse brain drain. A Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos perguntou-me qual a política para permitir a maior integração. Bem, essa política, Sr.ª Deputada, passa pelo reforço das instituições.
O que se fez, nestes últimos anos, e o que se vai continuar a fazer é reforçar as verbas para as instituições científicas, depois de avaliá-las, etc... Neste momento, os centros de investigação científica que tinham natureza semi-informal estão regularizados, têm planos de actividade, têm orçamentos, têm auditorias externas de contas, têm avaliação externa e interna, têm recursos financeiros regulares contratados a vários anos, portanto, têm uma perspectiva de vários anos superior à dos orçamentos anuais e têm a possibilidade de recrutamento de pessoal.
O que é que aconteceu nos últimos anos? As universidades e o ensino superior, que ainda carecem, em muitas áreas, de recursos humanos qualificados, designadamente doutorados, têm recrutado as pessoas no ensino superior público, no ensino superior privado e no ensino superior politécnico, dispondo muitas das instituições científicas, neste momento, de numerosos quadros recentes de investigação - aliás, temos instituições científicas que não existiam há 10 anos e que nos últimos cinco anos recrutaram 50, 70, 80 doutorados.
É uma realidade completamente nova a que temos, nesta matéria, em Portugal, designadamente nas áreas ligadas às tecnologias de informação - à robótica, à automação, etc. - ou às tecnologias da saúde - à biomédica, etc. Isto só para citar duas grandes áreas de enorme explosão e desenvolvimento nos últimos anos em Portugal.
Portanto, quando, designadamente na folha que distribuí na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que, obviamente, está à disposição dos Srs. Deputados, na classificação por objectivos do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, falamos do financiamento plurianual das instituições - e isto nada tem a ver com os laboratórios do Estado - estamos a referir-nos a verbas que, em grande parte, são para apoio à integração no emprego.
No que respeita às empresas e ao recrutamento de pessoal qualificado pelas empresas, Portugal tem, neste momento, uma situação em crescimento para a qual temos políticas activas de emprego, políticas essas que são, agora, das mais abertas de toda a Europa e de todo o espaço da OCDE.
De facto, temos políticas activas de emprego que permitem que o Estado co-financie o salário de investigadores com mestrado e doutoramento durante os primeiros três anos a uma taxa média de 50%, sem obrigatoriedade da criação de vínculo permanente, mas com majoração dessa taxa se houver criação de vínculo permanente. Ora, o que se tem verificado é que quando as pessoas lá estão nunca mais de lá saem. E isto é evidente, pois as empresas, depois, não os deixam sair. O problema é ficar com elas…
Então, o que é está a acontecer? O que está a acontecer é que, como o perfil industrial português está em mutação, existem grandes sectores da indústria portuguesa que não precisam de investigação - ou acham que não precisam - e existem outros sectores que estão a emergir, designadamente todas as empresas novas que estão a pedir investigadores e, em alguns casos, encontram-nos no mercado de trabalho, mas há uma realidade nova que gostava de transmitir-vos: é que, em muitos casos, esses concursos não têm pessoas para responder às necessidades das empresas.
Existem empresas no mercado de trabalho à procura de doutorados. Fazem-se concursos, pede-se às empresas de recursos humanos para recrutar essas pessoas e não as há. Dir-me-ão: "mas isso é só em alguns sectores". Sim, é verdade! Mas não é só ao nível de doutoramento; é também ao nível do mestrado e de licenciados com experiência.
Neste momento, e para dar um exemplo clássico, encontrar especialistas em gestão de redes de informática é um drama - aliás, as empresas do ramo roubam-nos umas às outras... Há falta de especialistas e estes não se improvisam, pois demoram muito tempo a formar. O mesmo se passa em algumas indústrias ligadas à farmácia ou à biologia. De facto, a procura não é igual em todos os sectores, mas é assim em qualquer país. Isto é, em qualquer país nunca há uma correspondência absoluta entre as necessidades de recrutamento de pessoal especializado pelas empresas e a oferta de mercado de trabalho e essa dinâmica vai alterar progressivamente as expectativas de emprego e de formação.
A Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos colocou-me, ainda, uma questão. semelhante a outra que o Sr. Deputado Rosado Fernandes também colocou, a respeito da sociedade de informação e dos problemas de exclusão social na sociedade de informação.
Desde o momento em que apresentei na Assembleia da República o Livro Verde para a Sociedade de Informação, tive ocasião de explicar que a política que o Governo seguia, nesta matéria, era centrada no sublinhar da inclusão social e do combate à exclusão social.
Nesta matéria, considero absolutamente irreparável um dano nesta matéria num país tão pobre como Portugal. Portugal pode conceber-se, em termos de desenvolvimento, abstractamente, como um de dois países: um país de três milhões de habitantes, que esquece os outros sete milhões; ou um país que se aproxima, tendencial e assintoticamente, dos 10 milhões de habitantes. Mas estas são duas visões completamente diferentes do desenvolvimento que, do ponto de vista dos investimentos público e privado e do ponto de vista da associação entre estratégias públicas e privadas, conduzem a duas políticas completamente diferentes.
A sociedade de informação e as políticas para a sociedade de informação são um óptimo revelador dessas duas políticas possíveis - lamento, mas não entendo que haja meio termo nesta matéria! É possível haver sucesso económico em qualquer uma delas; na minha opinião, não pode é haver desenvolvimento económico e social em ambas: numa delas há, na outra não! Num dos casos, significa que temos Internet para as classes médias, para os filhos das classes médias e para as classes altas e os meninos que não têm computador em casa ficarão excluídos!... Ou seja, teremos mais um critério de selecção - evidentemente, haverá aqueles que, por caridade, darão o seu computador aos meninos que têm notas altas para salvaguardarem a consciência!...
Não me parece que essa solução seja do interesse do País, até do ponto de vista estritamente económico, porque os factores de escala, num país que tem uma dimensão de mercado interno relativamente pequena, só podem ser gerados, utilizando ao máximo esta população que, já de

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si, é pequena, para criar um mercado interno de arranque para muitos serviços e muitos produtos no que respeita à sociedade de informação.
A estratégia que seguimos apostou em não esperar que o mercado resolvesse os problemas. Havia quem nos dissesse que a sociedade de informação é o mercado, mas nós opusemo-nos terminantemente a esta ideia. A sociedade de informação é, em primeiro lugar, a sociedade; na sociedade existe o mercado, mas, em primeiro lugar, vem a sociedade! E esta concepção tem consequências práticas.
A primeira consequência prática foi a de atacar o problema potencial da exclusão no momento em que ele estava a começar, fazendo com que, em todo o País, houvesse acesso à Internet nas escolas a partir do 5.º ano onde havia condições de integração razoáveis.
A segunda consequência prática foi a de apostar nas bibliotecas das escolas e nas bibliotecas públicas, criando espaços públicos que compensassem, à partida, aqueles que começavam a ser os factores de desigualdade no interior das famílias. Só que, nessa altura, há três anos atrás, eles ainda não funcionavam como factores de desigualdade nas famílias, porque não havia, praticamente, taxa de penetração, ou seja quase não havia Internet nas famílias portuguesas!
Assim, a explosão ocorrida nestes últimos anos foi acompanhada e posterior à criação de espaços públicos, que fizeram, precisamente, com que as divisões sociais se esbatessem no acesso às tecnologias de informação, e, nalguns casos, devo dizer-vos, ela foi acompanhada com políticas pró-activas de encorajamento daqueles que já estavam excluídos do acesso às tecnologias de informação.
O projecto que temos em desenvolvimento na área de Lisboa com as minorias étnicas, com as associações de imigrantes e com a segunda geração de imigrantes merece a pena ser visto com atenção. Refiro-me à criação da auto-estima e, portanto, de condições de valorização dos jovens filhos de imigrantes excluídos da escola ou reprovados na escola, disponibilizando-lhes associações onde, pela primeira vez, são tratados como "meninos ricos": têm computadores, é-lhes dada formação e a possibilidade de escreverem eles próprios, etc. - aliás, até aprendem a ler e a escrever rapidamente! É o factor da auto-estima que lhes é gerado.
Estou a falar-vos de políticas activas. Nada disto aparece, pura e simplesmente, fechando os olhos e esperando que o mercado nos resolva os problemas. É neste dilema de políticas que aqui anunciei que continuarei a trabalhar e a fazer política nesta área e com este objectivo.
Para tanto, desenvolvemos o Programa das Cidades Digitais em todo o País. O próximo Quadro Comunitário de Apoio está centrado, essencialmente, no desenvolvimento deste programa, que é, simultaneamente, um programa de uso social e de apoio à massificação do uso social das tecnologias de informação e um programa de modernização da administração das empresas e dos serviços.
Tenho todo o gosto - já o disse várias vezes e volto a disponibilizar-me para o efeito - em analisar em detalhe, convosco, a questão dos programas operacionais, designadamente este para a sociedade de informação. Trata-se, aliás, de um programa que está, neste momento, em negociação com a Comissão Europeia, porque estou convencido que os instrumentos que ele contém são absolutamente decisivos para a transformação do País, desde as empresas, ao comércio electrónico, à integração dos deficientes na sociedade portuguesa, à educação e à formação.
O Sr. Deputado Rosado Fernandes, citando "uma cidade ideal", colocou-me algumas questões que, desde já, agradeço.
Em primeiro lugar, reconhecendo o valor de toda a investigação, pura e aplicada, afirmou que existem certos sectores de investigação em que, neste momento, há necessidade de ciência, e deu-me o exemplo da fileira florestal na área da cortiça.
Ora, a fileira florestal na área do eucalipto é um domínio onde existe, neste momento, integração na investigação entre a universidade, o sector produtor e a empresa e houve a criação de massa crítica que permitiu a criação de uma instituição, que é "raiz" enquanto instituição de investigação à escala nacional.
Neste momento, a investigação da cortiça está mais segmentada... Existe investigação para a produção industrial, isto é, para os produtos transformados da cortiça, e existe investigação no que diz respeito ao sobreiro. Disse-me o Sr. Deputado que é necessário activar esta área e eu estou inteiramente de acordo consigo. Essa é, pois, uma das prioridades em que estamos a trabalhar.
A segunda questão que colocou prende-se com a oceanografia. Temos feito um enorme esforço nessa área, esforço esse que continuamos a desenvolver em colaboração com todas as instituições universitárias, com o IPIMAR e com o Instituto Hidrográfico.
Neste momento, só no Instituto Hidrográfico já existe um navio - o navio D. Carlos -, para o qual, neste momento, contribuímos com uma verba muito significativa em termos de equipamento e está a entrar em Portugal o segundo grande navio oceanográfico que reforçará muito a frota oceanográfica nacional.
Em paralelo, estamos a desenvolver um processo de coordenação dos meios oceanográficos europeus, na medida em que é impossível imaginar que Portugal possa, por si, com o mar que tem, ter todos os meios oceanográficos necessários para essa investigação. Ora, neste momento, existem meios oceanográficos supérfluos na Europa que não estão a ser utilizados por muitos institutos oceanográficos, designadamente em França e na Alemanha. Portanto, o que estamos a desencadear é uma política europeia de utilização comum dos meios oceanográficos disponíveis na Europa.
Quanto à terceira questão, devo dizer que procurámos desenvolver programas de investigação - que têm expressão não só neste Orçamento do Estado como no Quadro Comunitário de Apoio - integrados com políticas de investimento público.
Entendemos que grandes políticas de investimento público geram oportunidade de criação de emprego qualificado em Portugal, quer nas obras públicas, quer na modernização dos portos, etc., obras estas que têm um horizonte temporal que permite fazer trabalho de investigação sério e eficaz. Não são situações de curto prazo, mas, sim, de longo prazo e, portanto, permitem a criação de massas críticas suficientes e estas políticas têm repercussão no Orçamento do Estado, como já referi.
Por último, o Sr. Deputado Rosado Fernandes questiona-me sobre se os doutorados que estão a criar-se podem ser um esforço perdido, na medida em que todos têm de reconhecer esse esforço e de capturá-lo. A minha resposta é um pouco a que já dei à questão colocada pela Sr.ª Deputada Maria Luísa Vasconcelos: a verdade é que não há fuga! Temos de enfrentar os problemas para os resolver.

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Seria mentiroso se dissesse que havia uma fórmula milagrosa que permitisse, em qualquer país, resolver este problema. Não há qualquer fórmula milagrosa! A única maneira é ir resolvendo os problemas um a um. Procuramos ter uma política sistémica relativamente a este problema, complementando essa política sistémica com uma acção concreta e individual, caso a caso! Essa acção é mesmo concreta e individual: tem a ver com o trabalho de adaptação - a que a Administração não está habituada -, caso a caso, por vezes pessoa a pessoa (o país não é tão rico como tudo isso!), para encontrar a resposta a um problema, por exemplo, num hospital, numa empresa, etc., e a correspondência com a disponibilidade que existe de um especialista.
A criação de fluidez e transparência no mercado de emprego nesta área é outra realidade. Dou-lhe um exemplo: pela primeira vez, desde há um ano a esta parte, a informação detalhada, individual, sobre a totalidade dos bolseiros do Estado em ciência é pública e publicitada junto de potenciais empregadores, pelo que, pela primeira vez, repito, o País conhece quem é que sabe, quem sabe o quê, onde é que está, o que publicou, o que fez, etc.
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita voltou a referir as suas preocupações com as verbas previstas para as instituições públicas de investigação - aliás, agradeço-lhe a sua apreciação e a vontade de manifestar um objectivo comum de desenvolvimento científico do País de que nunca duvidei. Mas, quanto à preocupação manifestada relativamente às verbas, sublinho que, de facto, as verbas aumentam significativamente para os laboratórios do Estado.
Nesta matéria, vou centrar-me em duas questões, dizendo a primeira respeito à prestação de serviços pelos laboratórios do Estado.
Se olharmos para os quadros orçamentais dos laboratórios do Estado e para a sua evolução verificamos que o que está previsto como receitas próprias dos laboratórios do Estado por prestação de serviços, no quadro geral do orçamento dos laboratórios do Estado, é, em geral, razoável. Num ou noutro laboratório está ligeiramente acima, mas na maioria está abaixo do que seria natural e muito abaixo daquilo que é natural em laboratórios análogos, que custam o mesmo em todos os países europeus.
Termos em laboratórios do Estado interesse económico...? E lembro que não estamos a falar de um laboratório nuclear, estamos a falar de um laboratório para a agricultura, para as pescas, para a indústria.
Mas, dizia eu, termos verbas de prestação de serviços à actividade económica que se situam abaixo dos 30% do orçamento, desculpe, é prova de que esse laboratório não está a cumprir as necessidades! E, porque esses serviços são necessários, eles estão a ser cumpridos por outrem, em Portugal ou no estrangeiro, em muitos casos, por laboratórios do Estado noutros países! Porquê? Porque muitos desses laboratórios do Estado, de facto, habituaram-se a uma situação de facilidade, habituaram-se a não responder às necessidades que lhes eram solicitadas e isolaram-se e outros não!
Caso exemplar de um laboratório que está plenamente integrado, quer no meio científico, quer no meio empresarial e na resposta às actividades económicas, é o Laboratório Nacional de Engenharia Civil - é, aliás, esse o modelo que queremos que todos os outros laboratórios adoptem.
Grande parte do desenvolvimento legal que agora foi introduzido - e estou inteiramente de acordo consigo quando diz que é absolutamente indispensável continuar a aplicá-lo - encontra resistências internas nos laboratórios do Estado: resistências dos sectores medíocres dentro dos laboratórios do Estado... Chamemos as coisas pelos seus nomes! É que nesses laboratórios existem pessoas de altíssima qualidade e pessoas medíocres.
Encontramos ainda outra realidade inescapável: muitos desses laboratórios - estou a falar dos laboratórios económicos - estão, de facto, abaixo dos níveis de produtividade razoáveis quando comparados com os de outros países europeus.
Não quero comparar aquilo que foi feito pela Alemanha com a integração da Alemanha de Leste, em que a maioria dos laboratórios da Alemanha de Leste, alguns dos quais tinham factores de produtividade superiores a laboratórios análogos em Portugal, foram fechados, pura e simplesmente! Foi feita uma reorganização dos serviços em que foram criados novos laboratórios mas com níveis de exigência muito superiores aos verificados da antiga Alemanha de Leste.
Relativamente aos laboratórios do Estado, sempre tive uma posição contra uma política que definisse que o País não precisava de laboratórios do Estado. Defendo que o País precisa de laboratórios do Estado, de laboratórios do Estado melhores e que o Estado tem de ter laboratórios seus em áreas de actividade económica.
Não entendo que esteja certa a política, que foi desenvolvida na Inglaterra "thatcheriana", de privatização geral dos laboratórios do Estado. Penso que essa política não está certa, porque desprotege o interesse público em matéria de regulamentação, em matéria de certificação e em matéria de aplicação da legislação.
Ao contrário, entendo que o Estado tem de exigir aos laboratórios, designadamente aos laboratórios do Estado, que cumpram uma missão - definida pelo Estado e não pelos laboratórios - e tenham índices de produtividade suficientes, contra os quais uma grande parte da interna mediocridade desses laboratórios, obviamente, objecta! Essa é uma batalha para a qual espero o apoio de todas as bancadas deste Hemiciclo.
Em relação ao caso do Instituto Hidrográfico não vejo que tenha grande razão nas questões que colocou. Aliás, se olhar para os quadros do orçamento, o Instituto Hidrográfico é um dos institutos onde o aumento orçamental é maior, se compararmos os anos de 1999 e 2000. Trata-se, precisamente, de um instituto com meios enormes, acrescidos até, em termos materiais, com a entrada dos novos navios oceanográficos.
Neste momento, o Instituto Hidrográfico é, de facto, um instituto de grande expansão nesta área, o que, aliás, é muito singular e deve ser saudado, sendo um instituto que pertence à tutela militar e está a desenvolver uma fortíssima componente exclusivamente civil, com pessoal civil e doutorado. Esta transformação é de aplaudir muito no contexto dos laboratórios do Estado nacionais.
Quanto ao Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, que só neste Governo tem tutela, é natural que, segundo todas as recomendações internacionais, venda serviços de meteorologia à actividade económica - aliás, o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica tem uma grande parte das suas receitas próprias por venda dos serviços à navegação aérea.
Contudo, não é natural que venda serviços às universidades, excepto nos casos - que também existem - em que as universidades servem como "pontas de lança"

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para revenda desses serviços à actividade económica. Devo dizer que eu próprio, quando assumi a tutela do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, determinei que a prática aleatória de venda de serviços às universidades para investigação tinha de acabar e que a totalidade dos dados do Instituto era pública para efeitos de investigação científica.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Ministro, a Faculdade de Ciências da minha universidade queixava-se amargamente...

O Orador: - Eu sei!

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - ... de que não conseguia colaborar com a meteorologia!

O Orador: - Não era só a Faculdade de Ciências da sua universidade!

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Ministro, conheço bem o "bicho" universitário, de maneira que isso não me suscita grande... Mas, o que me diziam era que não conseguiam trabalhar lá nem tinham qualquer colaboração.

O Orador: - No que diz respeito ao Sr. Deputado David Justino, gostava de agradecer-lhe as suas palavras...

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Ministro, vou ser muito breve. É que, com a interrupção do Sr. Deputado Rosado Fernandes, o Sr. Ministro interrompeu o seu discurso. Ia, certamente, iniciar a resposta à questão que coloquei sobre o Instituto de Investigação Científica Tropical e a interrupção do Sr. Deputado Rosado Fernandes permitiu-lhe, naturalmente devido a alguma distracção, "saltar" essa pergunta e passar às questões colocadas pelo Sr. Deputado do PSD.

O Orador: - Sr.ª Deputada, penso que já tinha respondido às questões relativas ao Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica e ao Instituto Hidrográfico, mas...
Sr.ª Deputada, há vários centros de botânica no Instituto de Investigação Científica Tropical, por isso não sei a qual se refere. No entanto, o principal centro do Instituto de Investigação Científica Tropical, com impacto internacional, é o Centro de Investigação sobre a Ferrugem do Café, que é, de facto, de extraordinária importância, sendo que hoje essa importância é menor quando comparada com a actividade internacional nesta matéria.
A razão de ser desta diminuição de importância tem a ver, pura e simplesmente, com o facto de a investigação sobre a ferrugem no café ter de fazer-se em países onde não existe a produção de café, caso contrário corremos o risco de contaminar as culturas. Portanto, essa investigação tem de ser feita longe, fora dos países onde, precisamente, estão as culturas, por razões até de segurança.
O Instituto de Investigação Científica Tropical foi, nas suas várias vertentes, avaliado e tem vindo a ser objecto de transformações difíceis - não nego -, porque se trata de um instituto compósito que vem da antiga Junta de Investigações do Ultramar, com uma componente muito forte de natureza patrimonial, nomeadamente o Arquivo Histórico Ultramarino, as grandes colecções patrimoniais dormentes sobre Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Timor -que, aliás, neste momento, de repente, estão a ser muito solicitadas -, cuja utilização tem a ver com a actividade desses países e, como sabem, a guerra em Angola, a situação em Moçambique, etc. tornaram praticamente impeditiva que muita dessa actividade se desenvolvesse nestes últimos anos.
Este instituto é, pois, em grande parte, um instituto que é um património de competência e um património real.
Depois, tem áreas muito significativas de investigação real e de serviços e o caso que lembrou é um deles. Mas devo dizer-lhe que, nos últimos anos, foram sucessivos os programas especiais de apoio que o Ministério da Ciência e Tecnologia teve de fazer expressamente com o Instituto de Investigação Científica Tropical, orientados para dois fins, que decidi que eram prioritários: primeiro, o reforço do Arquivo Histórico Ultramarino; segundo, o reforço do Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro.
Agradeço-lhe muito as informações da visita que fez ao instituto e vou ver o que se passa, porque o que lhe posso dizer é que o dinheiro está consignado agora, já estava consignado no ano passado, e foi executado. Da próxima vez que visitar o Instituto, até posso ir consigo...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O Arquivo Histórico Ultramarino está um pouco degradado!

O Orador: - Sr. Deputado, se tiver outras sugestões para a utilização do Arquivo Histórico Ultramarino tanto eu como a direcção do Instituto agradecemos todas as sugestões técnicas que queira dar sobre essa matéria, pois precisamos de pessoas competentes que nos possam ajudar nessas reformas.
No que diz respeito ao Sr. Deputado David Justino, agradeço as suas palavras e gostava de começar com uma questão política, para passarmos, rapidamente, às outras. A questão que me levantou foi se o actual Ministro da Ciência e Tecnologia reconhece a política do PSD em matéria de ciência e tecnologia nos governos anteriores.

O Sr. David Justino (PSD): - Em relação aos doutoramentos!

O Orador: - Em relação aos doutoramentos, digo-lhe - e estou muito à vontade para falar, porque fui crítico da política do PSD - que nunca fui crítico e, antes pelo contrário, sempre aplaudi a prioridade que o governo do PSD, durante vários anos, deu à política de formação de recursos humanos em matéria de ciência e tecnologia.
Não tenho qualquer dúvida em afirmá-lo e penso que o desenvolvimento do País muito deve ao facto de, praticamente, de uma forma ininterrupta - e devo dizer-lhe que isso é extraordinário na política portuguesa -, desde o 25 de Abril, todos os governos, na área da ciência e tecnologia, terem divergido muito, terem tido muitas dúvidas, mas não tiveram qualquer dúvida em dar prioridade à política de formação de recursos humanos. Se também tivéssemos todos, ao longo dos vários anos, dado

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a mesma prioridade, sem quaisquer dúvidas, ao funcionamento da investigação científica o País, hoje, estaríamos melhor.
No entanto, já não é mau que, durante vários anos, designadamente durante os anos dos governos do PSD, se tenha mantido com enorme prioridade a política de formação de recursos humanos.
Uma outra questão que o Sr. Deputado David Justino me colocou foi a de saber se eu conhecia ou não as propostas que existem, neste momento, e que estão em discussão sobre a revisão do ensino secundário? A resposta é: não conheço e, portanto, não posso responder a essa pergunta que será discutida em sede própria e que, aliás, penso está, neste momento, a ser analisada com as organizações profissionais.
Quanto à questão da cultura científica, dos museus de ciência e do vazio em Portugal, fico um pouco espantado, porque se há, precisamente, contribuição que o orçamento do Ministro de Ciência e Tecnologia deu, e continua a dar, para a divulgação científica é a este assunto, pois dedicamos cerca de 4% a 5% do orçamento do nosso Ministério à área da promoção da cultura científica e tecnológica.
Assim, no orçamento deste ano são 4,4% que vão ser dedicados só ao Programa Ciência Viva, que se dedica, como sabe, à criação de centros de Ciência Viva em todo o País, havendo já vários centros que estão em construção, outros já estão criados, etc... Se houver casos que sejam do seu conhecimento e para os quais queira chamar a atenção, eu agradeço que o faça.
No que respeita ao Ano Mundial da Matemática temos estado em contacto quer com o Ministério da Educação quer com as associações de professores e com a Sociedade Portuguesa de Matemática e, de facto, há um programa nacional que vamos lançar, tanto no campo da investigação como no campo da promoção da cultura matemática dos portugueses como também, ainda, no campo do envolvimento social e da apropriação da matemática.

O Sr. David Justino (PSD): - Sabe qual é a verba disponível para esse programa da matemática?

O Orador: - Não sei porque será relativamente insignificante face à totalidade das verbas. O que lhe posso garantir é que não há, nem tem havido, dificuldades em relação às verbas nesta matéria. As dificuldades têm surgido em termos de organização e de pessoas, designadamente capazes de fazer as coisas, mas todos os projectos, neste momento e nesta área são, obviamente, apoiados pelo Ministério. Consideramos absolutamente indispensável aproveitar o Ano Mundial da Matemática para divulgar a matemática em Portugal e para aumentar a cultura matemática dos portugueses.
Contudo, posso dizer-lhe que a verba que, neste momento, está consignada para o Programa Ciência Viva é de cerca de 2,5 milhões de contos. Tomara que fosse possível antecipar verbas do Quadro Comunitário de Apoio do próximo ano por aumento de execução, pois isso significaria que tinha havido mais pessoas e mais capacidade para realizar. Esta estimativa de 2,5 milhões de contos já é um pouco por excesso da capacidade de execução em Portugal nesta matéria.
Julgo que respondi às questões que me foram colocadas nesta primeira ronda e peço-lhes desculpa por ter demorado tanto tempo para lhes responder.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, penso que todos apreciámos a intervenção do Sr. Ministro e também a dos Srs. Deputados.
O Sr. Deputado Carlos Zorrinho está inscrito. Tenho uma certa tentação para pedir que tentemos cingir-nos aos problemas orçamentais. A discussão com o Sr. Ministro é muito interessante, mas, nalguns pontos, provavelmente foge da questão orçamental. Temos já o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros à espera para a continuação dos nossos trabalhos, pelo que peço ao Sr. Deputado Carlos Zorrinho para utilizar a sua capacidade de síntese ao colocar as questões ao Sr. Ministro que dizem respeito a esta Comissão.
Peço, simultaneamente, ao Sr. Ministro para, se possível, se cingir a uma resposta breve.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr.ª Presidente, vou fazer esse apelo à capacidade de síntese, aliás, em prejuízo do Sr. Deputado Rosado Fernandes, porque iria falar, se não fizesse a intervenção sintética, do exemplo do "Alentejo digital", coisa que, certamente, lhe poria os cabelos em pé... Portanto, não vou falar desse assunto, mas apenas, de uma forma mais directa, de questões mais ligadas ao Orçamento.
Estamos a discutir um Orçamento em que há sinais evidentes de reforço da base competitiva do País no quadro de uma nova economia emergente, de uma economia do conhecimento da sociedade de informação.
Julgo que vale a pena pensarmos como é que se pode exercer o papel regulador do Estado nesse novo contexto económico, pois o Orçamento é, antes de mais, um instrumento regulador do papel do Estado. Este carácter regulador do Estado implica que tenhamos à disposição novos instrumentos de gestão transversal e, também, novos instrumentos de controlo do investimento público.
Por isso, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se tem condições de nos proporcionar uma informação, que tive muita dificuldade em encontrar, ou, então, o que preconiza no sentido de podermos vir a ter esse tipo de informação. Isto é, estamos ou não, neste momento, em condições de, olhando para este Orçamento, saber qual é, do ponto de vista quantitativo, o papel de intervenção do Estado, nomeadamente no investimento em tecnologias de informação e da comunicação?
Estamos ou não em condições para, do ponto de vista qualitativo, sabermos se esse investimento está a ser feito com garantias de compatibilidade, sendo essas garantias essenciais para, depois, sobre essa plataforma, se garantir processos fundamentais como os de modernização da Administração Pública e, nomeadamente prioridades como a do guichet único e outras que temos no programa do Governo?
Se assim não é, até que ponto é que, neste debate orçamental, podemos dar contributos para que futuros orçamentos possam ser lidos à luz das novas necessidades?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, reconheço que fez uma intervenção a nível da Comissão de Economia e Finanças.
Tem a palavra ao Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.

O Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia: - Sr. Deputado Carlos Zorrinho, parte da sua intervenção o Sr. Deputado

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resolveu-a na intervenção que fez no debate, na generalidade, em Plenário, quando fez o esforço de analisar os vários programas do PIDDAC de todos os Ministérios que tinham incidência nas tecnologias da informação.
A resposta que lhe devo dar é a seguinte: é indispensável, em minha opinião, que qualquer colaboração entre o Governo e a Assembleia seja bem-vinda para a criação de instrumentos de notação que permitam, quer no campo das tecnologias da informação quer em geral no campo das despesas em ciência e tecnologia, resolver a classificação funcional das despesas públicas nestas duas áreas.

A Sr.ª Presidente: - É uma questão muito antiga!

O Orador: - É um problema antiquíssimo - aliás, a Sr.ª Presidente da Comissão diz-me que temos esta conversa já há muitos anos, e é verdade. Quando eu era presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e ela Directora-Geral do Orçamento trabalhámos vários anos para tentar resolver esse problema.
O desenvolvimento da tecnologia e da ciência em Portugal torna talvez, hoje, a solução mais fácil do que era nessa altura. O que posso dizer-lhe é que até houve um momento em que isso chegou a ser feito e o resultado prático foi que, depois, perante a falta de atenção dos governos, os serviços, pura e simplesmente, punham zero em cada uma dessas rubricas, porque dava muito trabalho fazer, depois, a classificação.
Este problema tem de ser resolvido e estou de acordo que o seja em sede política, porque o investimento em tecnologias de informação e em ciência e tecnologia tem de ser analisado em sede do Orçamento do Estado, não só no PIDDAC mas também nos orçamentos de funcionamento.
Quanto às garantias de compatibilidade, devo dizer-lhe que acredito mais na evolução das dinâmicas tecnológicas e dos mercados do que nos regulamentos. As garantias de compatibilidade, no passado, em informática, foram factores de inibição ao progresso que geravam a criação de umas hidras, de uns institutos informáticos que tinham de dar autorização prévia para tudo e essas soluções eram as mais conservadoras. A Internet veio, em grande parte, resolver esse assunto e os sistemas de protocolos, que são hoje comuns em todo o mundo, vieram resolver alguns dos problemas de compatibilidade.
Há, realmente, problemas de compatibilidade no que diz respeito a bases de dados, mas esses são problemas funcionais na relação entre os serviços públicos que têm de comunicar. Não é um problema do Estado no seu conjunto, mas da saúde na relação entre os hospitais, da justiça na relação entre as conservatórias... Enfim, é um problema funcional prático, interno à organização dos serviços.

A Sr.ª Presidente: - Muito obrigada, Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia e Srs. Deputados.
Não havendo mais inscrições, dou por terminada a audição ao Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia.
Peço aos Srs. Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano que se mantenham na reunião, porque vamos ouvir, já de seguida, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos iniciar a audição do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e, tal como nas outras reuniões da Comissão de Economia, Finanças e Plano, uma vez que já houve discussão sobres estas matérias em sede de discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado, vou esperar que os Srs. Deputados se inscrevam para colocar as perguntas e, depois, o Sr. Secretário de Estado responderá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, gostaria de saudar o Sr. Secretário de Estado e de realçar a importância fundamental da área da toxicodependência e do combate ao tráfico da droga, em termos orçamentais, definindo, claramente, também a importância que é dada pela estrutura do Governo a esta questão e a esta área de intervenção.
No fundo, gostaria de saudar, igualmente, algumas medidas que estrategicamente nos foram já indicadas e que têm a ver com a colaboração que se entende que nesta área deve ser feita ao nível das autarquias e, portanto, estas parcerias essenciais com as autarquias, com uma estrutura de definição rejuvenescida.
Esta importância provém daquilo que, ontem, ouvimos no Fórum Lisboa, relativamente às questões da toxicodependência e da droga no concelho de Lisboa e na sua área metropolitana onde se verifica que, efectivamente, as parcerias com as ONG, com todas as organizações públicas e privadas que apoiam o combate à droga e os toxicodependentes enquanto doentes, e, em particular, as parcerias que estão a ser cometidas e trabalhadas com as autarquias, sejam elas municípios ou freguesias, demonstram, claramente, a questão fundamental do apoio entre a Administração Central e a Administração Local.
Esta minha intervenção é, no fundo, uma saudação, pois não pretendo colocar qualquer questão particular, mas penso que há imensas questões para resolver ao nível desta parceria, sendo ela sempre positiva quando a perspectiva é tentar resolver estes problemas específicos.
Gostaria, também, de saudar em termos políticos, a entrada em funcionamento, de uma forma mais horizontal, do Instituto Português da Droga e Toxicodependência (IPDT), que vem dar uma perspectiva mais horizontal a este combate, integrando, de uma forma mais organizada e mais estruturada, o combate ao tráfico de droga e o apoio aos toxicodependentes.
Como já disse, não vou colocar qualquer questão especial em termos do Orçamento. Sentimos que é necessário reforçar esta verba, mas ela tem vindo a ser reforçada; sentimos que é necessário organizar melhor os apoios horizontais nesta área, mas isso tem vindo a ser feito, portanto o que saudamos é a continuação deste trabalho e o aproveitamento de novas experiências com avaliações permanentes sobre a situação em cada momento.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, há uma questão que já abordámos aquando da discussão do Orçamento, na generalidade, mas que gostaria de ver mais clarificada, daí que a retome: é a do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência.
Na altura, o Sr. Ministro referiu que o investimento necessário para a reorganização deste Instituto estaria

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dependente do PIDDAC de 2000. Por isso, a minha questão é a de saber onde é que está o investimento, qual é o investimento que vai ser feito e para quando, concretamente, é que está prevista a reestruturação do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência.
Outra questão que gostaria de colocar tem a ver com a lei da descriminalização do consumo de droga. Gostaria de saber como é que os serviços vão ser reorganizados e qual é o papel que caberá ao Instituto que consideramos fundamental para a coordenação global de todo o trabalho que é preciso desenvolver em torno das questões da toxicodependência.
Gostaria, pois, de saber como é que vai ser feita a reorganização das estruturas que intervêm nesta área, com vista a poder dar resposta a este problema, o que certamente não é compatível com uma atitude do género: "quando a lei estiver publicada, logo se vê como é que vamos fazer"!...
Relativamente à rede pública de mais 100 camas para as comunidades terapêuticas, de que já se falou, pergunto: onde é que está inscrito este investimento, a nível do PIDDAC, para a criação de mais 100 camas para as comunidades terapêuticas?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, tivemos ocasião de ouvir a sua exposição quanto à política geral de combate à toxicodependência e hoje, em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano, a matéria em causa é, fundamentalmente, o enfoque dessa política e a sua relação com os meios orçamentais disponibilizados, quer do ponto de vista do investimento público quer do ponto de vista organizacional.
Sr. Secretário de Estado, para entender bem a adequação dos meios de que dispõem e a estratégia, é necessário entender bem qual é o ponto de partida, pelo que gostaria de saber qual é, neste momento, o número total de doentes - e falo em doentes, porque partilhamos da visão que considera a toxicodependência uma doença.
Gostaria, pois, de saber qual é o stock actual de doentes, nos seus vários graus de complexidade, e como é que esse stock tem evoluído, isto é, como é que esse valor global tem evoluído, designadamente nos últimos anos. Este é o primeiro ponto para se perceber a dimensão do problema.
Depois, gostaria de saber quais são os objectivos específicos que existem nesta política. Em concreto, parece-me que é muito importante saber o seguinte: a estratégia global da política de combate à toxicodependência vai ser no sentido de recuperar integralmente estes doentes, o que significa devolvê-los à sociedade civil e à actividade normal, designadamente quanto ao emprego e à sua inserção plena? Se assim for, qual é o objectivo quantitativo que o Governo prossegue neste aspecto específico? Quantos doentes é que pensa poder recuperar em pleno para a sua inserção normal na vida de todos os dias?
Parece-me, pois, que saber qual é o objectivo do Governo nesta matéria é particularmente importante.
Evidentemente, não ignoramos que este compromisso estratégico é difícil - claro que é! -, porque há uma complexidade no ataque ao problema e o resultado é relativamente incerto - todos sabemos isso. Mas, Sr. Secretário de Estado, uma vez que tem tido a responsabilidade de atacar este problema, gostaríamos de saber qual é a avaliação específica do Governo e quais são os objectivos, quer para este ano, quer, eventualmente, para os próximos anos, da aplicação desta política.
Quanto à adequação dos recursos orçamentais, sabemos que há um reforço de verbas e, neste contexto, em que há uma progressão do número de pessoas afectadas pela doença, esse reforço parece-nos inevitável.
No entanto, gostaríamos de saber, fundamentalmente, três ou quatro coisas, sendo a primeira delas a seguinte: no capítulo das chamadas terapêuticas de substituição, que é uma das medidas de maior visibilidade e de maior importância que têm sido desempenhadas ultimamente, gostaríamos de saber qual é a avaliação que o Sr. Secretário de Estado faz da política actual, qual é o reforço específico e qual o resultado que pretende atingir neste domínio.
Também gostaríamos de ouvi-lo falar sobre um tema da actualidade, que é o das novidades desta política, nomeadamente a ideia de vir a consagrar as chamadas salas de consumo - shooting rooms -, tema que, aliás, está hoje em debate na rádio, designadamente na TSF.
Existem perplexidades de que gostaríamos de fazer eco e que têm a ver, fundamentalmente, com o seguinte: o Governo vai ou não fazer todo um trabalho de preparação das comunidades para aceitação desta iniciativa? Ninguém ignora que existem problemas de resistência, pelo que lhe pergunto qual é a visão global e a adequação dos meios que o Governo pensa utilizar para fazer este trabalho pedagógico junto das comunidades para a boa aceitação desta nova medida.
É claro que estes meios estão também em sintonia com algo que tem a ver com a aceitação das comunidades terapêuticas. Esta é outra matéria que não pode deixar de ter um impacto orçamental significativo, porque o êxito das medidas tem de estar, necessariamente, articulado com a compreensão e até com a ajuda que as comunidades, as pessoas e as famílias dão para a implementação desses meios.
Gostaríamos, ainda, de perguntar se, em função dos objectivos que o Governo se propõe e das dotações orçamentais de que dispõe, entende o Sr. Secretário de Estado que não vai precisar de fazer qualquer reforço de verbas relativamente à execução deste ano. Designadamente, em matéria de recursos humanos, o Sr. Secretário de Estado está ou não satisfeito com a dotação de recursos humanos que estão atribuídos ao combate à toxicodependência? E, nesse caso, qual é a política de recursos humanos que tem?
Finalmente, gostaria de perguntar-lhe qual é a estratégia e a implicação orçamental do relacionamento da política de toxicodependência, que está a cargo da esfera pública, com as actividades extremamente meritórias e úteis realizadas pela chamada sociedade civil, designadamente pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social. Qual é a visão e a distribuição de recursos orçamentais nessa matéria?

A Sr.ª Presidente: - Para responder às questões levantadas, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr.ª Presidente,

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Srs. Deputados, tenho muito gosto em estar aqui e poder debater convosco a fatia orçamental dedicada à política de luta contra a toxicodependência.
Quero começar por reafirmar que existe, de facto, um aumento das verbas orçamentadas para o combate à droga e à toxicodependência. Este reforço já referido aquando da discussão na generalidade e é de cerca de 4,3 milhões de contos. Ou seja, representa um acréscimo na ordem dos 26% em relação ao ano passado, acréscimo esse que, comparando com verbas de 1995, significa um aumento de cerca de 200%. Passámos, portanto, de cerca de sete milhões de contos para cerca de 20,7 milhões de contos.
Há, pois, um esforço notório, que não é cego, isto é, não é um esforço no sentido de reforçar onde se pode sem ter qualquer perspectiva política e de prioridade. Se estes reforços forem vistos com atenção, vê-se que têm particular incidência ao nível do Projecto Vida e do IPDT - estruturas que foram aqui referidas e às quais também me referirei para explicar alguma coisa do que se prevê ser a sua evolução. Há, de facto, um reforço ao nível do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), ao nível dos serviços prisionais, da educação - embora este seja ligeiro -, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e do Ministério da Administração Interna.
Quais são, então, os sinais essenciais que podemos retirar destes vários reforços de dotação ao nível dos vários departamentos do Estado? Em primeiro lugar, há um reforço visível na prevenção primária, onde actuamos no sentido, que nos parece ser o mais actual, da luta contra a droga e a toxicodependência a nível mundial e, sobretudo, ao nível da Europa.
Assim, o reforço das verbas do Projecto Vida, do IPDT, da Secretaria de Estado da Juventude, da educação, dos próprios SPTT, que também têm responsabilidades ao nível da prevenção primária, é um reforço visível. O mesmo pode dizer-se no que respeita ao tratamento, à reabilitação - aliás, o reforço das verbas do Ministério do Trabalho e da Solidariedade é visível - e, de certo modo, à repressão. Depois poderei falar da desagregação das várias verbas dedicadas a todas estas áreas.
Poderei dizer-vos, desde já, que, este ano, com a prevenção primária, o tratamento e a reinserção social, incluindo aqui algo do que é dedicado à reinserção social nas próprias cadeias, vamos gastar cerca de 14 milhões de contos dos 20,7 milhões de contos que há pouco referi. Há, portanto, uma clara perspectiva no sentido da prevenção, do tratamento e da reabilitação e de todas as áreas e acções que têm especialmente a ver com a prevenção primária, como são as da investigação e da cooperação internacional.
Procurando, agora, responder a algumas das questões colocadas pelos Srs. Deputados, vou começar por referir a questão da parceria, que é essencial, do Estado quer com as autarquias quer com as organizações não governamentais. Esta é uma questão que está, cada vez mais, a ser colocada na ordem do dia, além disso, é referida na estratégia do Governo de luta contra a droga e é algo que pretendemos aprofundar.
Hoje em dia, embora as suas competências nem sempre sejam claras, já existem autarquias que se interessam e que fazem um investimento claro na luta contra a droga e a toxicodependência. É o caso das autarquias de Lisboa e do Porto e posso anunciar que, num futuro breve, a autarquia de Vila Franca de Xira terá um programa, que se encontra em fase final de elaboração, que consistirá também numa parceria entre o Estado e essa autarquia. Contudo, penso que temos de alargar estas possibilidades e estes programas a outras autarquias, estamos interessados nisso e vamos fazê-lo, uma vez que este ano temos já algumas verbas que o possibilitarão.
A Sr.ª Deputada Natália Filipe, do PCP, referiu a questão do IPDT. Tenho muito em gosto em dizer-lhe que, em relação ao investimento, temos previsto no PIDDAC deste ano uma verba de cerca de 45 000 contos, que servirá, sobretudo, para a construção da sede do IPDT. Hoje, o IPDT tem uma sede que já não é funcional e não dá a possibilidade de executar as suas novas tarefas, pelo que vai ter uma nova sede.
Quando eu disse, na Comissão, que estávamos dependentes do PIDDAC, referia-me ao facto de o IPDT só poder crescer e desempenhar todas as suas funções se tiver condições logísticas para isso e essas condições logísticas começam por ter uma sede condigna. Pensamos que essa sede estará pronta no final do primeiro trimestre deste ano e, nessa altura, haverá condições para fazer a reestruturação orgânica do IPDT e do próprio Projecto Vida.
A nossa intenção, já muitas vezes anunciada e reiteradamente conhecida, é a de o IPDT integrar o Projecto Vida, ou seja o Projecto Vida ser extinto e todos os seus recursos e responsabilidades passarem para o IPDT.
Importa que os Srs. Deputados saibam que o orçamento do Projecto Vida, votado no âmbito do Orçamento do Estado para 2000, passará, daqui a dois ou três meses, para o IPDT, sendo que este ficará com todas as responsabilidades que o Projecto Vida tem ao nível da prevenção primária e do apoio, das acções de tratamento, etc.
Qual vai ser, então, o futuro do IPDT? O IPDT vai ser reestruturado, não apenas para absorver o Projecto Vida, mas também para criar "antenas" a nível regional e distrital que lhe permitam ter um trabalho ao nível comunitário. Como dizia há pouco as parcerias com as ONG e com as autarquias locais constituirão uma das principais tarefas do IPDT na sua nova versão, a qual esperamos ter pronta daqui a dois ou três meses.
Quanto à questão da rede pública de camas, reitero também o que já aqui foi dito. Apoiar, através de protocolos, comunidades terapêuticas que aumentem a capacidade em termos de camas é uma responsabilidade dos SPTT. Assim, pensamos que, este ano, haverá um aumento de cerca de 100 camas.
O Sr. Deputado Patinha Antão fez várias perguntas a que vou procurar responder de uma forma directa. Qual é o ponto de partida? Esta é uma pergunta difícil de responder - não de fazer!... De facto, é difícil fazer uma avaliação precisa, objectiva, do número de doentes não só em Portugal como também no resto do mundo.
Começamos logo por ter realidades distintas: há doentes toxicodependentes com um consumo regular e há doentes que estão numa fase inicial, ou seja, que, porventura, ainda não são propriamente doentes - são os consumidores irregulares ou ocasionais. É óbvio que chegar aos consumidores ocasionais é difícil porque, normalmente, a sua prática é escondida, eles próprios não a revelam, pelo que temos dificuldades em enumerá-los por meios directos ou indirectos.
Em relação aos consumidores regulares, teremos menos dificuldade e estamos a procurar lançar, no âmbito da União Europeia, um conjunto de actividades e de estudos que permitirão que, em breve, Portugal saiba exactamente quantos toxicodependentes tem.

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Procuramos, assim, dar sequência ao desafio que o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência lançou a todos os países da União Europeia para serem uniformizados cinco indicadores que permitam conhecer, de uma forma uniforme e comparável entre todos os países da União Europeia, o fenómeno da droga e da toxicodependência na União Europeia.
Portugal, no âmbito da presidência portuguesa, irá justamente apresentar um estudo que pretende uniformizar o lançamento, ao nível de todos os países da União Europeia, do indicador da prevalência. Ou seja, penso que vamos, em breve, ver respondida a pergunta feita pelo Sr. Deputado no sentido de saber quantos consumidores existem em Portugal.
O Sr. Deputado perguntou ainda se a estratégia global é no sentido de recuperar integralmente os doentes. Não podemos ser irrealistas - é óbvio que alguns não são irrecuperáveis, pois já estão numa situação em que não é possível a recuperação. Outros há, em relação aos quais, apenas é possível uma política de redução de riscos e danos e de prolongamento da vida, mas onde não há - temos de ser realistas - possibilidade de recuperação. Em relação a estes, temos de continuar a praticar políticas de redução de riscos, como substituição das seringas, programas de metadona de baixo limiar ou de baixa responsabilidade. Esta é uma política essencialmente humanitária, que tem de continuar a existir em relação àqueles toxicodependentes, mas que não pode pretender recuperá-los a todos.
Agora, eu diria que, obviamente, a perspectiva do Estado deve ser a de recuperar a maior parte dos que já são toxicodependentes e de evitar que os que estão na fase inicial da dependência, ou que estão a caminho da dependência, possam tornar-se toxicodependentes.
Creio que a maioria dos toxicodependentes se encontra neste grupo.
O Sr. Deputado Patinha Antão falou também nas terapêuticas de substituição e perguntou qual a avaliação que delas se faz.
Devo dizer que a avaliação feita, através do modo como é possível fazer-se, ou seja por contacto com os profissionais que estão no terreno, por avaliação dos números que existem, é positiva. Os programas de substituição, sobretudo os de substituição através de metadona, são avaliados de forma positiva pelo Governo e penso que também o são pelos profissionais que se dedicam a estas tarefas. Tem havido uma progressão bastante visível ao nível dos doentes que têm acesso a estes programas - os números demonstram-no -, mas penso ser ainda necessário aprofundá-los.
Suponho que, este ano, vai ser possível acabar com as listas de espera, situação que também existe nesta área. Há doentes que estão a aguardar - sobretudo nas grandes áreas urbanas, em concreto em algumas freguesias de Lisboa e Porto - o acesso a programas de substituição. Mas julgamos que, com o acréscimo orçamental que os SPTT vão ter este ano, é possível acabar com as listas de espera de doentes que aguardam o acesso a um programa de substituição.
O Sr. Deputado falou ainda de uma questão que está na ordem do dia, que é a questão das salas de injecção segura, que existem em alguns países da União Europeia - na Alemanha e na Holanda - e fora da União Europeia - na Suiça -, que, aliás, teve experiências pioneiras desde 1986.
A posição do Governo sobre esta questão é uma posição aberta, mas ainda não é definitiva. Ou seja, o Governo não tem ainda qualquer posição sobre se estas salas devem ou não ser criadas em Portugal.
De qualquer forma, o Governo não ignora que existam, nos países que referi, relatórios que fazem uma apreciação positiva, sobretudo porque o surgimento destas salas em algumas zonas, em algumas cidades, tiveram um efeito muito positivo ao nível da percepção que o público em geral tem da sua segurança em relação à saúde pública e à saúde dos próprios toxicodependentes. Os relatórios são, no essencial, positivos, chamando a atenção para o facto de o número de overdoses - que é ainda muito grande em Portugal - nesses países ter diminuído drasticamente.
A contaminação através das seringas que são partilhadas também diminuiu consideravelmente nestes países.
Portanto, não ignoramos que existam sinais positivos que vêm das zonas onde estes programas são concretizados. Mas também não ignoramos que existam, possivelmente, factores negativos que têm de ser considerados, tais como os que produzam uma determinada banalização do fenómeno da injecção de drogas, que produzam eventualmente a sensação de que o Estado está a demitir-se da sua função essencial de tratamento, deixando que aqueles toxicodependentes continuem na senda da dependência. Estes são aspectos que têm de ser avaliados e, por isso, vamos tomar iniciativas no sentido de fazer um estudo aprofundado dessas experiências para, depois, eventualmente, as colocar à discussão pública em Portugal. E discussão pública implica tratar com as comunidades. O Sr. Deputado falou do trabalho de preparação das comunidades e estou de acordo, pelo que qualquer opção que venha a ser tomada - se for tomada - no sentido de criar estas salas de injecção segura tem de ser previamente preparada e discutida com as comunidades.
Devo dizer, contudo, que a experiência também demonstra, na Suiça, na Alemanha e na Holanda, que as comunidades foram inicialmente muito reactivas à criação destas salas, mas essa reacção foi-se esbatendo e, hoje em dia, os relatórios também revelam que as reacções são essencialmente favoráveis. É que, de um modo geral, a existência dessas salas retirou os toxicodependentes da rua, da porta das escolas e dos sítios públicos onde se injectavam, onde deixavam as seringas, provocando sensações de insegurança que foram sendo esbatidas.
O Sr. Deputado falou da questão de saber se existe ou não necessidade de reforço das verbas que estão orçamentadas para este ano. Suponho que este ano não vai ser necessário qualquer reforço, mas é necessário que se continuem a reforçar todos os anos.
O Governo assumiu o compromisso eleitoral no sentido de duplicar os fundos públicos destinados ao combate à droga e à toxicodependência no período de cinco anos. Este ano o contributo é, como já disse, de 26%, pelo que julgo que teremos de prosseguir este esforço nos próximos anos. De qualquer forma, suponho que os recursos inscritos no Orçamento deste ano são suficientes.
O Sr. Deputado perguntou-me ainda se estou satisfeito com os recursos humanos. Tenho de dizer-lhe que obviamente não estou. Em primeiro lugar, porque nesta área do combate à droga e à toxicodependência temos os mesmos problemas que existem em todas as áreas da saúde, que são os da falta de profissionais. Sempre que surge uma comunidade terapêutica, sempre que surge uma

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nova instituição que visa o tratamento e a reabilitação, assistimos ao fenómeno de as pessoas terem de ser retiradas de outros sítios. Portanto, "o lençol" é puxado para cobrir o novo ficando o velho descoberto e, por isso, obviamente, temos resolver este problema ao nível de todas as áreas da saúde, incluindo a do combate à droga e à toxicodependência.
Não há, de facto, profissionais suficientes e, por isso, temos de reforçar a sua preparação, a sua formação e o seu recrutamento.
Para terminar - e peço desculpa por me ter alongado, mas não quis fugir a nenhuma das perguntas que foram colocadas -, vou referir-me à sociedade civil, chamando a atenção do Sr. Deputado para o facto de, já hoje, uma parcela muitíssimo importante das verbas que dedicamos à prevenção primária, ao tratamento e à reabilitação serem canalizadas para a sociedade civil, isto é, para programas essencialmente geridos pela sociedade civil. Por exemplo, o Programa Prevenir, directamente gerido pelo Projecto Vida, que tem algumas centenas de milhar de contos, é um programa essencialmente desempenhado por organizações da sociedade civil, por organizações não governamentais. Este aspecto está a ser reforçado à medida que vamos reforçando as verbas destinadas à recuperação, ao tratamento e à prevenção primária.
A nossa intenção é, sobretudo, a de que a sociedade civil tenha mais verbas ao seu dispor para poder desempenhar estas tarefas, que não podem ser só do Estado, têm de ser também da sociedade civil.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, gostaria de obter alguns esclarecimentos em relação à fase anterior do debate e às intervenções do Sr. Secretário de Estado, começando por duas observações genéricas.
Creio que a experiência relativa às salas de injecção segura, a que o Sr. Secretário de Estado se referiu, e o balanço que é feito dessa experiência na Holanda, na Alemanha e na Suiça, tal como o apresentou, indica, conclusivamente, as vantagens terapêuticas e as vantagens gerais, em termos de saúde pública e até em termos de segurança, que essa experiência tem vindo a introduzir. Pareceu-me, pois, que, à parte uma sensibilidade à novidade política que alegou, só o ouvi aduzir argumentos favoráveis. No entanto, como o Sr. Secretário de Estado disse, o Governo não tomou ainda posição. Aliás, no Programa do Governo esta questão era apresentada como uma mera hipótese de trabalho.
Gostaria que me esclarecesse sobre o prazo da decisão a este respeito e sobre o prazo em que o Governo tenciona apresentar legislação de combate à toxicodependência. É que este assunto tem vindo a ser anunciado como uma prioridade legislativa. Aliás, creio haver intervenções suas nesse sentido, no entanto, não temos ainda qualquer indicação precisa dos ritmos em que o Governo tenciona propor esse debate à Assembleia.
A segunda observação é a seguinte: não partilho do seu ponto de vista sobre os programas de substituição de metadona.
Penso que esta matéria justifica uma discussão mais precisa, já que hoje passamos rapidamente por uma série de temas, não sendo, nenhum deles, discutido com todo o detalhe. Quando o Governo apresentar legislação sobre a droga será uma boa oportunidade para fazermos esse debate.
No entanto, parece-me que o Governo tem tido uma visão demasiado facilitista sobre esse programa, pelo que lhe pergunto se existe algum relatório, algum documento que faça uma reflexão a partir das comunidades terapêuticas envolvidas e que possa servir como elemento de consulta e de discussão neste contexto.
A terceira pergunta que lhe quero colocar é a seguinte: referiu-se, na resposta que acabou de dar, a um projecto orçamentado para este ano de aumento de cerca de 100 camas.
Gostaria que discriminasse, se tiver dados para isso, que parte dessas camas resulta do desenvolvimento de comunidades terapêuticas públicas, qual a verba afecta a esses projectos, que parte se refere a apoio a comunidades privadas e que parte orçamental suporta esse aumento de camas por via destas comunidades privadas. É que, Sr. Secretário de Estado, fico com a sensação de que o Governo tem tido uma política de expansão muito limitada, ou até de contenção, da capacidade das comunidades terapêuticas públicas, tendo como contrapartida o desenvolvimento de projectos de apoio ou de financiamento a comunidades privadas, onde, como sabemos, existe o "trigo" e o "joio".

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Antes de mais, gostaria de cumprimentar o Sr. Secretário de Estado e agradecer a sua intervenção, bem como a que proferiu em comissão aquando da apreciação deste Orçamento. Penso que se tratou de um trabalho profícuo, que serviu para esclarecimento de dúvidas que eu tinha. De qualquer forma, gostaria ainda de colocar algumas questões de forma a ficar inteiramente esclarecido.
Na legislatura passada, penso que no ano passado, o Governo apresentou a estratégia nacional de luta contra a droga, que servia como trave-mestra para a estratégia que o Governo tinha. Depois, lemos nas Grandes Opções do Plano que este ano é que se vai dar início à prossecução dos interesses desta estratégia nacional. No entanto, infelizmente, ao lermos o Orçamento, não conseguimos perceber que medidas é que o Governo vai tomar e quando. E, com alguma surpresa (ou se calhar até sem muita surpresa!), tivemos hoje a notícia da criação das shooting rooms.
A questão que lhe coloco é, pois, a seguinte: que temporização há para a criação de um conjunto de coisas que estão previstas, muitas delas nos princípios (mas às vezes é fácil de ler para lá dos princípios) da estratégia nacional de luta contra a droga? É que, de facto, ao ler com algum cuidado o orçamento para estas áreas não percebemos muito bem de onde é que estas verbas saem, dado não se fazer uma desagregação. Não percebemos, pois, que verbas é que vão para cada uma destas iniciativas.
A segunda questão que tenho para colocar, e que já aflorámos em comissão, é a seguinte: temos, neste Orçamento, quase a "crónica da morte anunciada" do Projecto Vida, ficando-se a saber, finalmente, que vai ser extinto. De qualquer forma, as verbas do Projecto Vida

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aumentam, nomeadamente as suas despesas correntes. O Sr. Secretário de Estado já nos disse que a lógica depois será passar estas verbas para o Instituto Português da Droga e Toxicodependência mas, de qualquer forma, não deixo de criticar o seguinte: não me parece que seja uma boa técnica orçamental estar a atribuir mais verbas, nomeadamente correntes, a um projecto que vai desaparecer. Parece-me que há nisto algum contra-senso que me custa compreender.
Em terceiro lugar, o Sr. Secretário de Estado falou, e a meu ver muito bem, numa ligação fundamental que tem de haver entre o Governo e as autarquias em relação a este problema, nomeadamente, por aquilo que percebi, através da lógica da prevenção primária.
Há duas experiências com as autarquias, a experiência do Casal Ventoso, em Lisboa, e a experiência do Projecto Cidade, no Porto. No entanto, pelos dados que tenho, penso que ainda não foi feita uma análise séria e profunda sobre estas experiências, o que seria fundamental, para podermos ver das virtudes e dos defeitos que estes dois projectos tiveram - certamente que os dois têm virtudes e defeitos e são diferentes um do outro.
A pergunta mais prática que quero fazer é a seguinte: que verbas vão ser atribuídas às autarquias? Qual o número de autarquias que poderão entrar numa primeira fase, se é que vai haver um número significativo de autarquias a entrar neste Orçamento?
Já agora, gostaria de saber se estas verbas e estes programas com as autarquias estão a ser pensados só numa lógica de prevenção primária, numa lógica de prevenção e tratamento, ou numa lógica de prevenção, tratamento e reinserção. É que me parece importante envolver neste projecto as autarquias para elas próprias fazerem a reinserção dos toxicodependentes.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): - Em primeiro lugar, gostaria de saudar o que considero ser uma estratégia consistente e integrada no combate ao tráfico de droga e à prevenção e ao tratamento da toxicodependência, registando também com agrado o aumento das verbas para esta área.
Antes de entrar na questão concreta que quero colocar, que diz respeito aos programas para a reinserção, gostaria apenas de deixar um desejo, que aliás consta também do Programa do Governo e das Grandes Opções do Plano, que se prende com a atitude que penso dever ser seguida na questão do tratamento e da prevenção da toxicodependência e que tem a ver com o pragmatismo e o princípio humanista que deve orientar este domínio. Tal parece-me bastante importante, porque está em causa um fenómeno verdadeiramente devastador em termos sociais e pessoais, pelo que sou de opinião de que as experiências que podem dar contributos positivos neste domínio não devem ser afastadas a priori sem primeiro se saber se os seus efeitos práticos são ou não positivos.
Saliento dois aspectos que referiu relativamente às salas de injecção assistida.
Por um lado, de acordo com as experiências existentes, estas salas permitiram uma redução dos casos de HIV e também dos casos de morte por overdose, o que me parece bastante importante numa linha da política de redução de danos.
Por outro lado, relativamente aos programas de reinserção, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado qual foi a evolução das verbas para os Programas Reinserir e Emprego Vida e qual é a forma como se faz o acompanhamento dos beneficiários destes programas, uma vez que, como se sabe, as recaídas são uma constante e, portanto, é necessário um acompanhamento na sequência destes programas.

A Sr. ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, tem havido uma aposta forte na prevenção primária, que começou mesmo antes do Projecto Vida. Iniciou-se no Ministério da Educação, em 1979, com um projecto que começou logo a dar frutos.
Penso que os comportamentos pré-reactivos, os comportamentos border line, mesmos os comportamentos aditivos ou marginais podem ser, de algum modo, atenuados através da prevenção primária, pelo que esta área não pode deixar de ser a grande área de prioridade de intervenção.
Do trabalho que tem sido feito, temos verificado que resituar o comportamento face a nós mesmos e aos dos outros - neste caso trata-se do comportamento dos jovens - passa necessariamente pela prevenção primária. Por isso, quero saudar, em particular, a aposta na prevenção primária, que continua a ser cada vez mais forte.
Sr. Secretário de Estado, no Orçamento do Estado encontrei uma verba de 400 000 contos, passando a citar o que se estabelece: "A área da juventude beneficiou de um aumento de 400 000 que foi encaminhado para o Projecto Vida para aplicar em transferências para particulares". Penso que, por aquilo que ouvimos hoje e que já sabíamos, esta verba que estava destinada ao Projecto Vida vai certamente ser integrada no IPDT. Gostaria de saber se esta verba, que não está no IPJ, vem ou não do joker. E, quando for transferida para particulares, será que estes continuam a ser as organizações não governamentais da sociedade civil? Gostaria ainda de saber como é que é feito o controlo destas verbas.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - O Sr. Deputado Francisco Louçã disse que eu, ao falar das salas de injecção segura, só tinha referido vantagens. Sr. Deputado, procurei demonstrar aqui a minha posição de total abertura e reconhecer as vantagens, mas também falei de algumas desvantagens que são reconhecidas e tratadas nos relatórios internacionais que existem. Aliás, esses relatórios são o fundamento para que muitos profissionais desta área tenham uma posição contrária.
Para avançarmos em qualquer medida de política nesta área temos de avançar não apenas com as comunidades, mas com o próprio conjunto de profissionais, que são um elemento essencial para que as políticas tenham êxito. Se o Sr. Deputado falar com alguns dos profissionais desta área, com os quais já tenho trocado impressões sobre isto, verá que muitos deles entendem que estas salas de injecção segura são um retrocesso na política de recuperação e de tratamento dos toxicodependentes.
Portanto, há um conjunto de vantagens que reconheço existirem, mas também têm algumas desvantagens

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agregadas que, tenho a certeza, têm de ser debatidas e tratadas. É por essa razão que o Governo ainda não tem uma posição clara. Não a tinha, de facto, no ano passado, quando foi aprovada a estratégia nacional, e também ainda não a tem hoje. Penso que teremos de a tomar a breve trecho, para o que conto com a colaboração de, nomeadamente, outras forças políticas.
Escrevi uma carta ao Sr. Presidente da Assembleia da República - não sei se já é do conhecimento dos Srs. Deputados - anunciando uma visita que vou fazer à Alemanha, justamente para ter contacto com estas experiências. Nessa carta também pergunto ao Sr. Presidente da Assembleia da República se acha conveniente dar aos vários grupos parlamentares a possibilidade de eles poderem igualmente partilhar desta experiência. Vamos ver qual é a resposta.
Penso que este assunto requer um estudo profundo, conjunto; requer uma solução consensual, não uma solução que tenha contra ela alguém importante.
Portanto, diria também ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares que ainda não foi tomada qualquer decisão no sentido do lançamento das shooting rooms, não há ainda decisão nesse sentido da parte do Governo.
Quanto ao prazo de entrega da proposta de lei de descriminalização do consumo - da posse para consumo, da aquisição para consumo -, estamos a procurar fazer um projecto que seja consensual, pelo menos tanto quanto puder ser. O projecto que já nos foi entregue pelo Prof. Faria e Costa - insigne jurista da Faculdade de Direito de Coimbra - está a ser analisado pelo Governo - por mim e pelo Sr. Ministro da Justiça - e a ser debatido com algumas entidades. Pensamos que possa estar pronto dentro de alguns dias para ser publicitado e colocado a discussão pública, na qual, parece-me, o Sr. Deputado Francisco Louçã terá, seguramente, interesse em participar.
Quanto à questão dos programas de metadona, existem relatórios parcelares. Se o Sr. Deputado visitar, por exemplo, o Centro das Taipas, verá que aí existem estatísticas e alguns relatórios com números que nos dão conhecimento parcelar (no que respeita a esse Centro) sobre o que têm sido os sucessos e os insucessos dos programas de substituição através da metadona.
Mas não existe um relatório nacional e, por isso, no plano de actividades do SPTT, consta, justamente, a intenção de se fazer uma avaliação nacional, global, dos programas de substituição que, eventualmente, confirmará a ideia parcelar que nós obtemos em algumas zonas, mas que, como é natural, tem de ser feito com um âmbito muito mais vasto.
Em relação à questão das 100 camas que vão ser protocoladas (passe a expressão) este ano, o Sr. Deputado saberá que existe uma quantia que o Estado atribui, através desses protocolos, quantia essa que foi, em 1999, de 80% de 165 contos, portanto, 132 contos; este ano prevemos que ela seja aumentada, penso que para 170 contos, mas ainda não está feito o despacho conjunto em que constará esse aumento.
Para sabermos qual o impacto orçamental do aumento destas 100 camas, basta fazer as contas - peço desculpa, não tive tempo para as fazer aqui, mas penso que não será difícil.
Quanto a separar o "trigo" do "joio", porque é verdade que existe "trigo" e existe "joio",…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Secretário de Estado, gostaria apenas de comentar a sua resposta e colocar-lhe duas questões muito rápidas...

O Orador: - Sr. Deputado, tenho aqui várias questões...

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas não me pediu autorização para usar da palavra. Deixe o Sr. Secretário de Estado acabar as respostas aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.
Faça favor de prosseguir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Sr. Deputado Francisco Louçã, reconheço a existência de situações que, naturalmente, têm de ser acompanhadas.
O Sr. Deputado perguntou também qual a parcela de esforço público que vai para comunidades públicas e para comunidades privadas. Saberá o Sr. Deputado que, hoje em dia, existem apenas duas comunidades públicas que pretendemos sejam de referência. Existe a possibilidade de se criar uma terceira comunidade na zona Norte, que possa também servir de referência, uma vez que não existe lá nenhuma - há uma em Coimbra e outra em Lisboa. Mas o esforço de 100 camas aqui previsto respeita, no essencial, ou integralmente, a camas privadas ou camas em entidades privadas, entidades não públicas.
O Sr. Deputado Pedro Mota Soares refere uma questão que eu reconheço: é que, olhando para o Orçamento do Estado, é difícil saber exactamente quais as verbas que são destinadas ao esforço público no combate à droga e à toxicodependência. Eu próprio tive essa dificuldade e, devo dizer, que requer um grande esforço e um grande empenho conseguir ter os números finais.
Tenciono sugerir - não sei se isso é possível em termos de regras orçamentais; a Sr.ª Presidente saberá isso melhor do que eu - que, no futuro, possa haver um quadro inserido no Orçamento do Estado que faça a agregação daquilo que está desagregado e que, no fundo, está escondido.
Reconheço que eu próprio tive muita dificuldade em encontrar algumas verbas que estão escondidas no meio das verbas dos serviços. Algumas delas nem sequer consegui descobrir quais são. Por exemplo, em relação às verbas destinadas para a Polícia Judiciária no combate à droga e à toxicodependência, posso dizer que não foi possível desagregá-las. Portanto, não estão nem nas verbas do ano passado nem nas verbas deste ano, embora, como se sabe, a Polícia Judiciária dedique, seguramente, parte do seu esforço ao combate e tráfico de droga, em termos de recursos humanos e financeiros.
Mas penso que, no futuro, até para fazermos as comparações e ver a evolução, poderemos tornar isto mais transparente. Eu próprio penso que devia haver mais transparência. Suponho, aliás, que tem de haver mais do que isso: tem de haver a noção de que estamos perante um sector da política pública que devia ter uma responsabilização política mais visível.
Peço desculpa por voltar atrás, mas quero dizer à Sr.ª Deputada do PCP, que há pouco me fez uma pergunta sobre a evolução orgânica, que essa evolução vai ser no sentido de haver um IPDT com uma presença forte nesta área; um conselho consultivo com representação da sociedade civil e que tenha representantes dos técnicos

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desta área; um conselho de coordenação política que faça, efectivamente, essa coordenação nesta área que, hoje em dia, é feita muito pelo esforço individual de um membro do governo e que por vezes falha - temos também de o reconhecer.
Quanto à questão da ligação entre o Governo e as autarquias locais, respondo-lhe o seguinte: o Sr. Deputado saberá que esta não é uma área tradicional de ligação, pois, nos termos da lei, as autarquias locais não têm competências nesta área. Portanto, os programas que têm estado a surgir resultam um pouco do voluntarismo dos próprios autarcas e da relação que vão estabelecendo com o Governo, convencendo-o a lançar determinados programas. Felizmente que esses programas têm sido lançados nas áreas onde há mas necessidade, sobretudo em Lisboa e no Porto.
Suponho que terá de haver uma evolução e que, no futuro, vamos ter de definir um quadro de relacionamento entre o Governo e as autarquias nesta área para que não haja esta dependência da iniciativa das próprias câmaras e da relação que se estabelece na base dessas iniciativas.
Quanto a saber se as autarquias devem ter uma presença só na prevenção primária ou também na reabilitação e no tratamento, diria que devemos começar pela prevenção primária. Quando o IPDT estiver reestruturado e tiver as tais antenas regionais e distritais, tem de se iniciar um trabalho muito sério de parceria entre o IPDT e as autarquias locais, sobretudo na área da prevenção primária.
O Sr. Deputado Paulo Pisco pediu-me algumas indicações sobre a evolução das verbas para os Programas Reinserir e Vida Emprego. Devo dizer-lhe que, este ano, há uma evolução muito visível ao nível do programa Vida Emprego que é, sobretudo, financiado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade. Essa evolução vai ser da ordem de 275 000 contos, que foram empregues no ano passado pelo Ministério para o Programa Vida Emprego, para 1,035 milhões de contos, sendo portanto uma evolução, como o Sr. Deputado poderá constatar, bastante sensível.
No que diz respeito ao Programa Reinserir e à responsabilidade que cabe, sobretudo, ao Projecto Vida, temos este ano uma verba orçamentada de cerca de 300 000 contos.
Sr.ª Deputada Natalina Moura, estamos plenamente de acordo que é importante trabalhar na prevenção primária - penso que isso é objecto de um largo consenso. É antes de se iniciar que se deve trabalhar; depois de se iniciar, as coisas tornam-se progressivamente mais difíceis. A Sr.ª Deputada falou da área escolar: obviamente, prevenção primária genérica, mas também específica, dirigida às escolas, aos jovens das escolas.
Em relação à verba de 400 000 contos que referiu, não entendi plenamente, não sei em que parte do Orçamento a encontrou. Existe uma verba de 400 000 contos - não sei se é a mesma -, que resulta do joker e que é entregue ao Projecto Vida e que, depois, é passada para os SPTT. Não sei se é essa a verba a que se refere, mas porventura será essa.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, vou abrir uma excepção concedendo-lhe a palavra, mas com a condição de que se a sua pergunta tiver alguma coisa a ver com um assunto já hoje aqui debatido, dispenso o Sr. Secretário de Estado de lhe responder.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, devo dizer que tentei usar uma figura que se usa no Plenário da Assembleia, justamente para poupar tempo…

A Sr.ª Presidente: - Estamos em Comissão, Sr. Deputado!

O Orador: - Por isso mesmo, as regras da Comissão têm de ser adaptadas das regras gerais do Plenário, a não ser que haja regra específica da Comissão, o que eu não conheço.
O que eu queria era tentar evitar justamente isto e, com a permissão do Sr. Secretário de Estado e no tempo dele, tentar formular uma pergunta que ia na sequência daquilo que ele estava a afirmar.
Não sendo assim, Sr.ª Presidente, agradeço-lhe muito a sua concessão deste pequeno tempo e vou tentar fazer três perguntas ao Sr. Secretário de Estado que têm a ver com matérias que eu gostaria de ver esclarecidas.
Sr. Secretário de Estado, há uma rubrica que se chama "Promoção e Educação para a Saúde" - penso que se trata de prevenção primária contra a droga - e vejo, com surpresa, que a respectiva verba, de 1999 para 2000, diminui em cerca de 57% do que estava previsto anteriormente. Não tendo eu a noção de que é necessário diminuir estes programas de prevenção, nem que tal seja útil, pergunto a V. Ex. ª se, por acaso, não haverá outra verba noutro sítio que complemente esta, porque, a não ser assim, seria grave.
Em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado, uma pergunta relacionada com matéria que não foi aqui falada, que é esta: que verbas é que há, se é que as há, Sr. Secretário de Estado, e onde, para o apoio às famílias de toxicodependentes?
Em terceiro lugar, Sr. Secretário de Estado, penso que também não foi aqui tratada outra matéria que passo a referir: o que é que acontece com a regulamentação de uma lei aprovada pela Assembleia da República, por unanimidade, em relação à recuperação dos toxicodependentes nas prisões? Esta lei cria os centros de apoio médico aos toxicodependentes e ainda não está regulamentada. Pergunto-lhe: o que é que está previsto em termos de verba para a eventual regulamentação deste diploma?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Queria só lembrar o Sr. Secretário de Estado que não respondeu a uma questão que lhe coloquei e que tinha a ver com a nova legislação da droga.
Na resposta que deu a um esclarecimento do Deputado Francisco Louçã, falou de estar para breve a sua discussão pública. Sr. Secretário de Estado, coloco de novo a questão: como é que estão a ser preparados os organismos e serviços para poder dar resposta à situação que, depois, decorra da publicação da própria legislação - se ela vier a ser publicada, claro?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

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O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Peço desculpa por há pouco não ter respondido à pergunta sobre como estão a ser preparados os organismos para a nova legislação da droga.
Os novos organismos que vão ter maior responsabilidade - se eu posso prever aqui, sem ter um texto ainda consolidado, onde já estejam as coisas totalmente definidas - ou que sentirão maior peso nesta evolução vão ser, sobretudo, o próprio IPDT e vai ser o SPTT. E porquê? Porque, obviamente, se nós retiramos os consumidores dos tribunais, eles vão passar a ter de ser tratados a outro nível, isto é, ao nível do próprio serviço de tratamento e depois da reabilitação e vai ter de haver uma estrutura que acompanhe os casos, que comece por fazer o processo sancionatório - porque continuaremos a proibir o consumo, embora em sede de direito administrativo e não em sede de direito penal - e vai ter de haver alguém que faça o processo sancionatório, inclinando-me para que sejam o IPDT e as respectivas estruturas distritais, pelo que estes serviços, naturalmente, vão ser preparados nesse sentido.
Temos a noção de que esta lei, uma vez aprovada, vai fazer incidir o seu maior peso de execução sobretudo no IPDT e nos SPTT, pelo que quer o IPDT quer os SPTT têm de ser preparados para isso. É por isso que nós não queremos tomar qualquer iniciativa de apresentação pública da lei, enquanto estes Serviços não tiverem avaliado o projecto, que já existe, do Prof. Faria e Costa e enquanto não nos tiverem dito se é possível que aquele projecto seja praticado. Portanto, é essa uma das razões por que ele ainda não é público - penso que não cometo nenhuma inconfidência em estar aqui a dizê-lo.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação tem uma informação em relação ao Programa Promoção e Educação Para a Saúde, que aliás já não se chama assim, agora tem uma outra designação apesar de, mesmo na terminologia do Ministério da Educação, continuar ainda a aparecer esta designação. De acordo com a minha informação e de acordo com as informações que colhi, esta verba não vai diminuir, vai, antes, sofrer um acréscimo ligeiro de 7%, uma vez que sobe de 634 000 contos para 681 000 contos. Poderemos depois confrontar os nossos números, se o Sr. Deputado não ficar satisfeito com esta explicação, contudo estes são os números que me foram transmitidos pelo Ministério da Educação, nas várias valências que este Programa implica, nomeadamente no que diz respeito ao pessoal, à formação dos professores envolvidos, etc.
Depois, perguntou onde é que estão as verbas para apoio às famílias de toxicodependentes. As verbas estão essencialmente na Direcção-Geral da Acção Social do Ministério do Trabalho e da Solidariedade. E posso dizer-lhe que também aí há um acréscimo, uma vez que em 1999 estava orçamentada uma verba de 1 milhão de contos (e mais uns trocos) que sobe, este ano, para 1,35 milhões de contos, havendo, portanto, um acréscimo de 35%. É aqui que estão as verbas para o apoio às famílias e aos próprios toxicodependentes que têm um enquadramento familiar ou que não acorrem às comunidades terapêuticas ou que, acorrendo, continuam a ter problemas de enquadramento financeiro.
Quanto à questão da recuperação de toxicodependentes nas prisões, Sr. Deputado Carlos Encarnação, este ano também há um acréscimo ao nível do orçamento do Ministério da Justiça - Direcção-Geral dos Serviços Prisionais -, uma vez que entre o PIDDAC e o orçamento de funcionamento crescemos de 190 000 contos para 687 000 contos.
Este acréscimo destina-se não apenas às aldeias livres de droga, nomeadamente aquela que já está a ser projectada para Sintra, mas também aos 14 programas que existem ao nível de várias cadeias do País, programas que vão desde o tratamento até à reabilitação e à criação de condições para que os reclusos toxicodependentes, ou que, no início, são toxicodependentes, possam depois sair da reclusão e ter uma vida de reabilitação e de recuperação.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão desta parte do Orçamento.
Vamos interromper os nossos trabalhos para almoço e recomeçá-los-emos às 15 horas, com a discussão do orçamento do Ministério da Justiça.

Eram 13 horas.

Srs. Deputados, vamos recomeçar os nossos trabalhos com a discussão do orçamento do Ministério da Justiça.

Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. Ministro já expôs os aspectos fundamentais do orçamento do Ministério da Justiça durante a discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado, por isso, vou dar, desde já, início às inscrições dos Srs. Deputados para pedirem os esclarecimentos que entenderem.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Campos.

A Sr.ª Maria José Campos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ilustre parlamentar desta Casa-mãe da democracia, que tenho o prazer de saudar em nome do Partido Socialista, Sr. Secretário de Estado: Verificámos que, no que diz respeito, ao sector da justiça, este Orçamento do Estado tem um conjunto de verbas que podemos considerar expressivas relativamente ao Orçamento do ano anterior, nomeadamente um acréscimo significativo de 18% para despesas de funcionamento e cerca de 44% para despesas de investimento, o que esperamos que, de alguma maneira, possa vir ajudar a colmatar os muitos e variados problemas que ainda temos para resolver nesta área específica, que é a área da justiça.
A questão que gostaria de colocar ao Sr. Ministro prende-se, todavia, com um aspecto que, de algum modo, julgo ser um sinal incontornável dos nossos tempos e que tem a ver com as próprias dinâmicas das sociedades modernas, nomeadamente no referente a um fenómeno que começa a constituir uma verdadeira chaga social e que tem a ver com os aspectos da crescente marginalização de franjas da população nas sociedades - claro que Portugal também não foge a essa regra -, formando-se, em muitos aspectos, por um lado, ghettos e, por outro, gangs, nomeadamente de natureza juvenil.
Sabemos que são sinais civilizacionais, sabemos que há razões muito complexas e factores muito profundos por trás de todas estas situações. Na verdade, julgamos ser um fenómeno que, realmente, merece a máxima atenção da nossa sociedade, porque Portugal não foge à regra daquilo que vem acontecendo um pouco por esse mundo fora.
Neste sentido, muito concretamente, pergunto ao Sr. Ministro, reconhecendo a complexidade do problema e a sua multidisciplinaridade aos mais diversos níveis, quais são, efectivamente, as medidas e os meios que estão

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previstos para ajudar a prevenir e a combater este fenómeno que, realmente - volto a repetir -, é uma verdadeira chaga social que todos nós, nesta Casa, teremos o maior interesse em prevenir e atenuar.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, gostava de colocar uma questão, que tem a ver com a Europol e concretamente com o esforço financeiro, em termos de despesas de funcionamento e de investimento, que o Ministério da Justiça pensa fazer para a reforçar, tendo presente a sua função inicial, essencial e básica de combate à droga, e agora as suas novas missões, designadamente em termos de tráfico de seres humanos, mais em concreto, de mulheres e de crianças.
Paralelamente, sublinho um aspecto que é por demais importante: é que o reforço do papel da Europol também faz parte dos objectivos da presidência portuguesa, o que é compreensível e louvável, e, nessa medida, não deixa de criar alguma expectativa - e essa expectativa saiu frustrada - ver no orçamento do Ministério da Justiça o reflexo financeiro desta importância que deve ser dada à Europol.
Portanto, gostava que o Sr. Ministro esclarecesse quanto ao dito esforço financeiro, uma vez que o orçamento do Ministério da Justiça não é elucidativo a este respeito.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, não vou interpelar V. Ex.ª sobre as questões de fundo do orçamento do Ministério da Justiça, os meus camaradas da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que estão a chegar, fá-lo-ão, mas quero aproveitar a oportunidade para lhe colocar uma questão, que tem a ver com a gestão dos dinheiros públicos, neste caso à disposição do Ministério, e que parte de um exemplo do meu próprio círculo eleitoral, que suponho se repetirá pelo País fora, mas este conheço em concreto, portanto é a partir dele que coloco a questão ao Sr. Ministro.
Há muitos anos que tem vindo a ser debatido entre magistrados, a Câmara Municipal de Évora e o Ministério da Justiça a construção de um palácio da justiça em Évora que resolva muitos dos problemas existentes, designadamente aqueles que, aliás, estão aqui expressos no próprio dossier que o Sr. Ministro acabou de entregar e que confirma que os vários tribunais em Évora estão mal instalados, estão instalados em situações de recurso, etc., etc.
A certa altura deste processo, a câmara municipal disponibilizou, ainda no tempo do anterior Ministro, um terreno numa nova zona nobre da cidade, na área de serviços, aliás junto da CCR, para a instalação do palácio da justiça, que chegou a estar previsto num dos orçamentos do Ministério da Justiça. Ao que sei, não se chegou a acordo, porque o Ministério não concordou com a localização ou por razões que agora não vêm ao caso, mas a questão de fundo mantém-se.
Ora, o Ministério, que parece insistir em ter os tribunais concentrados no centro histórico, o que complica ainda mais o trânsito da cidade, tem vindo a alugar instalações para a instalação dos respectivos tribunais. E o último caso, que considero escandaloso do ponto de vista moral e da gestão dos dinheiros públicos, tem a ver com o facto de o Governo ter arrendado, em 1999, em pleno centro histórico, junto da Praça do Geraldo, as instalações de uma antiga casa de móveis, onde instalou o TIC e o DIAP, por qualquer coisa, Sr. Ministro, como uma renda mensal de cerca de 4000 contos, mais precisamente 3800 contos/mês. Obviamente, saiu a sorte grande ao senhorio!
A questão que lhe coloco é se isto é uma boa gestão dos dinheiros públicos, para além de atrapalhar ainda mais o trânsito no centro da cidade, e se o Governo não reflecte, neste caso como em outros, mas neste em concreto, em avançar nas negociações que forem necessárias, mas para a construção de um novo edifício que albergue os diversos serviços de justiça dos diversos tribunais, que tão mal instalados estão, como, aliás, o Governo reconhece.
Era esta a questão que queria colocar, Sr.ª Presidente, sem prejuízo, obviamente, das intervenções de fundo sobre as questões da justiça que os meus camaradas irão fazer.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Sr. Ministro, a sua presença frequente na Assembleia nas últimas semanas e meses,…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sempre muito bem-vinda!

O Orador: - … certamente sempre muito bem-vinda e certamente saudosa da sua intervenção no governo anterior, na qualidade de Ministro dos Assuntos Parlamentares, permitiu múltiplas discussões sobre o estado da justiça e sobre projectos novos acerca da justiça.
Quero, no entanto, colocar-lhe duas questões de ordem geral, que têm incidência orçamental, mas que, sobretudo, procuram esclarecer aquilo que o Ministério procura ou pode fazer com os recursos que lhe são disponibilizados para o ano 2000 e como política geral que poderá vir a fazer no futuro.
A primeira é directamente dependente do diploma que nos apresentou acerca da situação excepcional de recrutamento de juízes. Esse diploma decorria de uma situação de emergência, mas, como foi reconhecido pelo próprio Ministério e por todas as bancadas, independentemente da forma como se pronunciaram, era uma solução débil para essa situação.
Pedia-lhe que aproveitasse esta oportunidade para rever ou para apresentar os pontos de programa político que, já no orçamento ou na política do Governo para o ano 2000, além da concretização desse diploma, começam a ser preparados, estão em vias de o ser ou estão pensados pelo Ministério como soluções de fundo nesse contexto, nomeadamente porque tem todo o sentido que, no dossier de justiça que nos apresenta, se sugira uma programação plurianual, que atenda ao conjunto do período da legislatura, e, portanto, é conveniente que nos diga que projectos de fundo tem a esse respeito e que incidência orçamental terão agora e no futuro.

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A segunda questão é de ordem um pouco mais geral, mas, atendendo à sua capacidade e disponibilidade informativa, parece-me que pode ser respondida neste contexto. Como sabe, hoje vão ser discutidas no Parlamento Europeu as revelações contidas num relatório acerca do Projecto Echelon, que permitirá a quatro países, um deles da União Europeia, o Reino Unido, uma intercepção de mensagens por várias vias (e-mail, telefone, etc.), a um nível que ultrapassa muito o que se sabia que eram as disponibilidades tecnológicas existentes até agora.
Ora, isto levanta-nos um problema, em relação ao qual talvez nos possa dar algum esclarecimento. Que política é que o Governo entende adoptar no que diz respeito à protecção de dados, à protecção de informações e à privacidade das comunicações e como é que vê estas informações?
Naturalmente, há um aspecto de esclarecimento que ainda não é completado e, portanto, uma resposta fácil poderia ser "logo se verá", "vamos saber", "vamos verificar", mas penso que o Governo deve estar atento, e, certamente, o Parlamento também, a realidades novas que são colocadas por formas de comunicação, nomeadamente por formas de negociação e de intervenção, entre cidadãos em função da sociedade de informação e, portanto, verificamos que não está desatento dessa realidade algum controlo policial internacional pouco autorizado, pelo que se descobre nesta discussão do Parlamento Europeu.
Gostaria de ouvi-lo a este respeito, porque me parece que esta é uma questão decisiva sobre o perfil da cidadania e, nomeadamente, dos nossos compromissos internacionais, que abrangem um país como a Inglaterra.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr.ª Presidente, depois, com a sua autorização, pedirei ajuda ao Sr. Secretário de Estado Adjunto para complementar duas das perguntas, pelo menos a relativa à delinquência juvenil e à questão de Évora, sem deixar de dizer alguma coisa sobre estas matérias.
Começaria talvez pela pergunta de fundo, que foi colocada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã. O ataque às questões de fundo da justiça tem diversas componentes, que tenho procurado enunciar junto do Parlamento nas diversas intervenções que tenho tido oportunidade de fazer na Assembleia da República. Uma das componentes - diria, central - tem a ver com a simplificação dos actos processuais, e não tem incidência directa em matéria orçamental, mas há outras componentes que têm, designadamente as que dizem respeito a colmatar o défice de meios e de equipamentos que existem no sector da justiça, especificamente no sector judicial.
Nesse aspecto, mantemos neste orçamento um nível elevado de investimento na construção de novos equipamentos judiciários, em particular tribunais, tendo sido possível, desde já, começar a introduzir um princípio de racionalidade, que não é fácil, como percebe, porque há aqui duas noções que temos de ter em conta: temos de ter, como temos, um sistema judicial muito desconcentrado, porque, efectivamente, a justiça deve ser próxima dos cidadãos, mas também temos de ter em conta que de 1,7 milhões de processos que estão nos tribunais mais de 70% estão em Lisboa, no Porto e em mais quatro ou cinco comarcas à volta de Lisboa e do Porto e não temos, efectivamente, neste momento, uma correspondência entre o peso processual em Lisboa, Porto e comarcas adjacentes e tribunais, juízes e funcionários; não temos, efectivamente, mais de 70% destes efectivos concentrados nestas duas áreas.
Portanto, foi possível começar a introduzir, mantendo o mesmo nível de investimento em tribunais, uma concentração do esforço de investimento nas áreas mais carentes. Designadamente na Área Metropolitana de Lisboa há investimentos importantes na criação do segundo palácio da justiça de Almada, na instalação da comarca da Amadora, para a qual este PIDDAC tem duas verbas: uma que permite arrancar já este ano com a construção do palácio de justiça da Amadora, instalações definitivas que ficarão no terreno situado em frente ao Hospital Amadora-Sintra, e outra para permitir adaptar as instalações cedidas pelo município, de forma a instalar já, a partir de 15 de Setembro, a comarca, o que é fundamental para começar a descongestionar a Comarca de Lisboa, hoje competente para tratar também das matérias relativas à Amadora.
Há também um investimento muito importante na construção do tribunal de Sintra, cuja obra iniciar-se-á necessariamente neste ano de 2000 e que resolve um dos grandes cancros que ainda existem na Área Metropolitana de Lisboa.
Existe também, na margem sul, um investimento importante para a criação de um novo tribunal de Palmela.
Em segundo lugar, o orçamento tem uma verba que traduz um crescimento significativo das despesas correntes da Direcção-Geral dos Serviços Judiciários e que visa permitir, este ano, completar o quadro dos oficiais de justiça, que tem mais de 1000 vagas neste momento.
Foi aberto um concurso extraordinário; o recrutamento está concluído, creio mesmo que já foram publicados os resultados do concurso; a formação inicia-se no próximo dia 1 de Março; e os oficiais de justiça que vierem a ser aprovados na sequência deste curso entrarão ao serviço no dia 15 de Setembro.
Foi feito o esforço de, no curso, poderem entrar mais do que os 1000 respeitantes às vagas existentes, de forma a que, descontando a previsível quebra por reprovação no curso, possamos chegar, pela primeira vez, ao início de um ano judicial com o quadro de oficiais de justiça completo.
Portanto, temos investimento quer nas instalações, quer no pessoal, mas temos sobretudo investimento, que dá um salto muito grande neste orçamento, para cumprir o objectivo que fixámos da informatização do sistema judicial até 31 de Dezembro de 2001. E neste orçamento de 2000 temos um primeiro grande salto no investimento na informatização do sistema.
A informatização do sistema é particularmente dispendiosa, porque o Ministério da Justiça vai ser dotado de uma rede própria, que implica um investimento inicial elevado, que tem, obviamente, custos de exploração muito acentuados, mas que se justificam basicamente por razões de segurança, porque é uma rede dedicada, onde, portanto, só circula a informação própria da rede de justiça; vai ligar não só os tribunais entre si mas também os tribunais a todos os outros sistemas auxiliares de justiça - cartórios, conservatórias, polícias, bases de dados, etc. Tudo ficará ligado.
Portanto, o investimento que terá lugar no ano 2000 é muito significativo, tendo em conta que este ano teremos já disponíveis, para início de experiência em Junho, as

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primeiras aplicações de gestão do processo cível e do processo crime, que serão testadas e generalizadas, de forma a que, quando a rede estiver concluída em Dezembro de 2001, as aplicações também já estejam todas testadas, corrigidas, validadas e, portanto, em condições de arrancar o funcionamento.
Temos, depois, uma norma no orçamento que é particularmente importante, porque é a outra vertente do diploma dos magistrados, que é o artigo 69.º, creio eu, da Lei do Orçamento, que contém um conjunto de incentivos, em sede de taxa de justiça e de natureza fiscal, para incentivar as partes a porem termo, até ao final deste ano, às pendências acumuladas. Como se sabe hoje pelos estudos, estes 1,7 milhões de processos, na sua maioria, têm a ver com cobranças de dívidas e, dentro deste montante das cobranças de dívidas, estamos a falar de dívidas de valor bastante reduzido. Para termos uma ideia, só no ano de 1999, na Comarca de Lisboa, e em quatro meses, na Comarca do Porto, acções de cobrança abaixo de 700 contos foram mais de 100 mil! Muitos dos processos que estão acumulados são deste valor, que, hoje, já não entram nos tribunais e vão para as injunções, mas que até Dezembro de 1998 entravam nos tribunais, onde muitos deles estão. Mais do que traduzir-se no objectivo da cobrança efectiva dos valores, que muitas vezes são incobráveis, visa contornar um bloqueio que resulta das normas fiscais em matéria de dedução e em matéria da relevância da incobrabilidade para devolução do IVA.
Creio que este conjunto de estímulos pode ser uma medida particularmente eficaz para libertar os tribunais de um conjunto de processos que entraram e que hoje já têm um outro encaminhamento estrutural por via das injunções. Não se trata de esvaziar, neste momento, um abcesso, que naturalmente renascerá ao longo do ano com novos processos, mas trata-se antes de esvaziar um processo que já tem actualmente um caminho próprio de tratamento e que poderá não ter incidência aqui.
Concentrei-me naquilo que é, digamos, o investimento no espaço judicial. Mas o Ministério da Justiça tem outras áreas, e uma que continua a ser particularmente prioritária é a que respeita aos Serviços Prisionais. O orçamento de investimento dos Serviços Prisionais no ano 2000 traduz a triplicação do orçamento de investimento que existia em 1995. É, obviamente, ainda um investimento insuficiente e, como já disse na 1.ª Comissão, é um orçamento ainda insuficiente para atingir a meta fixada pelo Governo para esta legislatura, que é a de chegarmos às 15 mil vagas no sistema prisional.
A população prisional, felizmente, nos últimos anos, tem vindo a baixar, mas, neste momento, estamos ainda com uma situação de sobrelotação na ordem das 1700 pessoas. Dos investimentos lançados neste orçamento, destacaria os seguintes: a conclusão do Estabelecimento da Carregueira, cuja parte prisional estará concluída em Junho deste ano; a obra que vai ser lançada, de grande remodelação do Estabelecimento de Paços de Ferreira; a obra de remodelação do Colégio de Viseu, que vai ser vocacionado para a população prisional entre os 21 e os 25 anos; a conclusão da Casa de Mães, de Tires; e, sobretudo, o lançamento do novo Estabelecimento Prisional Feminino do Norte, que visa superar uma das grandes lacunas do nosso sistema prisional, que é a de não termos no Norte do País nenhum estabelecimento feminino, obrigando a população feminina presa a ser afastada das famílias, visto que tem de cumprir as penas nas prisões da Região Centro e do Sul do País. Com este investimento que é agora lançado, resolvemos a questão relativa a estes 1700 mas, para termos um sistema prisional que se aproxime de padrões de qualidade aceitáveis, temos de ter uma capacidade excessiva. E porquê? Porque temos de ter um sistema prisional que não dê apenas uma resposta quantitativa ao número de presos existente mas que possa ter condições físicas para dar a resposta qualitativa ao tratamento penitenciário que é necessário. Portanto, deve dar-nos a flexibilidade de podermos ter, dentro do sistema prisional, um tratamento diferenciado em função da causa que levou à reclusão, em função dos níveis etários, em função do tratamento adequado que cada preso deve ter para que a prisão seja também um mecanismo de reinserção e não meramente retributivo relativamente à sociedade.
Outra área de grande investimento, e que se cruza com outra questão que colocou, é o investimento na Polícia Judiciária, quer na instalação do Porto que ficará finalmente concluída, quer em equipamento. Quanto a isso, não vou falar especificamente do Projecto Echalon, que tem outras dimensões, mas actualmente temos de corresponder ao desafio tecnológico que o crime também nos coloca. Basicamente, o problema da intercepção das comunicações num Estado de direito é hoje exactamente o mesmo que era há 50 anos atrás; só que, há 50 anos atrás, as formas típicas de comunicação eram a carta e o telefone e agora as formas de comunicação são as mais diversas, desde logo o telemóvel, os e-mails, toda a circulação hoje desmaterializada por via das redes de comunicação digital. E isto coloca dificuldades muito importantes à capacidade que os sistemas têm de intercepção, designadamente para o tipo de crimes mais sofisticados: os que dizem respeito aos tráficos internacionais - de droga ou de seres humanos -, mas também os crimes de natureza financeira e as operações de branqueamento de capital. Quanto a isso, temos de manter o mesmo rigor que mantínhamos quanto às outras formas de intercepção: a necessidade do controlo democrático, por via da lei, mas também o necessário controlo judicial. Mas não tenhamos dúvidas de que, para combater as formas sofisticadas de criminalidade, teremos de introduzir algumas distinções, que nem sempre estão claras.
Dou um exemplo de uma distinção: o que deve ser objecto de protecção é o conteúdo próprio da mensagem, que é o que acontece na chamada telefónica normal de um telefone fixo. Nunca ninguém colocou dúvidas de que a protecção dos direitos individuais não cobre, por exemplo, o anonimato da titularidade do telefone ou a identificação do ponto para onde e de onde se telefonou. Hoje em dia, é entendimento e prática generalizada de vários operadores de telefones móveis que a cobertura dos direitos individuais passa, designadamente, pela não identificação da titularidade do telefone. Isto coloca, como devem imaginar, enormes dificuldades, particularmente no combate ao tráfico de droga. Como é já sabido, os traficantes sucedem na titularidade de telemóveis a uma velocidade verdadeiramente alucinante, além do mais porque é um negócio de tal forma rentável que paga claramente isso.
Mas há outros problemas que são suscitados sobre as formas de colocação destes produtos no mercado. Em todos aqueles mecanismos dos "Mimos" e sucedâneos de outras empresas, nem a própria empresa que coloca no mercado detém a titularidade do proprietário daquele cartão, o que suscita mais problemas de identificação.

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Relativamente a isso, o caso, que está a ser debatido no Parlamento Europeu - temos de aguardar as conclusões do debate -, coloca problemas de outra natureza: coloca um problema que não é próprio nem específico das novas formas de comunicação, é um problema clássico, que é o das escutas ou das intercepções sem controlo judicial.
Aliás, isto tem colocado problemas no âmbito da União Europeia, visto que há vários mecanismos de cooperação judiciária que estão neste momento bloqueados pelo sistema que vigora no Reino Unido em matéria de autorizações de intercepção, visto que no Reino Unido não existe a exigência de autorização judicial prévia à intercepção de comunicações, o que tem bloqueado diversos mecanismos de cooperação internacional.
A Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo colocou uma pergunta relativamente à Europol. As verbas para a Europol estão na dotação geral da Polícia Judiciária de acordo com o que está convencionado no âmbito da Europol, que é cada Estado-membro ter uma quota de participação, que nós cumprimos. O esforço de investimento da Europol é tratado no âmbito comunitário, havendo ainda o que anualmente é fixado pelos Estados-parte da Convenção Europol relativamente às contribuições de cada um. É isso que aqui está inscrito e não há dúvida quanto a isso. De qualquer forma, as actividades da Europol, que resultam das conclusões do Conselho de Tampere, ainda não estão desenvolvidas. Há um mandato nesse sentido, e o que consta do programa da presidência portuguesa é prosseguir e concluir o debate iniciado com base no documento da presidência finlandesa, estando inscrita, creio que para o segundo Conselho, de Março, a discussão do documento Europol.
É minha convicção que o desenvolvimento das competências da Europol vá, necessariamente, acarretar um desenvolvimento do investimento. No entanto, o que lhe posso dizer é que o nível da participação portuguesa na Europol e nos compromissos decorrentes da Europol tem vindo a ter um acréscimo. Designadamente, já foi autorizada a nomeação, pela Polícia Judiciária, de um reforço dos oficiais de ligação à Europol e a colocação de oficiais de ligação em países terceiros onde a necessidade de oficiais de ligação se fazia sentir, designadamente na Europa de Leste, onde não tínhamos oficiais de ligação e agora já temos, ou estão em vias de nomeação, dado que já foi autorizada a sua colocação.
Para concluir, relativamente à questão que o Sr. Deputado Lino de Carvalho colocou, quero dizer o seguinte, embora depois o Sr. Secretário de Estado possa pormenorizar mais alguma coisa especificamente sobre Évora: o Ministério da Justiça tem uma organização, como tenho assumido, que necessita de uma reformulação urgente. Nesse sentido, estão em vias de conclusão os trabalhos de preparação da nova Lei Orgânica do Ministério da Justiça. Uma das peças fundamentais dessa nova Lei Orgânica é a criação de um organismo que centralize toda a gestão patrimonial do Ministério. O Ministério tem um património muito significativo, mas totalmente desajustado às actuais necessidades do Ministério - caso exemplar são os milhares de hectares de que o Ministério é proprietário, designadamente associados aos estabelecimentos prisionais, próprios de épocas em que a população prisional era tipicamente rural e em que o tratamento penitenciário implicava forte trabalho braçal. Hoje, nem a população prisional é basicamente rural nem o tratamento penitenciário é este. De facto, trata-se de um património que, para os fins próprios do Ministério da Justiça, é hoje, na generalidade dos casos, muito pouco adequado. Por outro lado, como não há uma gestão patrimonial centralizada do Ministério da Justiça, há diversas situações de disfunção. Finalmente, por razões que todos conhecemos, entre as limitações orçamentais e a infinitude das necessidades e da urgência de satisfação das necessidades na área da justiça, tem sido política dos últimos anos substituir soluções de aquisição por soluções de arrendamento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que acabam por ficar mais caras!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Eduardo Cabrita): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, completando aquilo que foi já objecto de referência na intervenção do Sr. Ministro, especificamente quanto às matérias de equipamento judiciário, diria que o fundamental é uma intervenção racionalizadora das várias formas de intervenção em matéria de gestão do vastíssimo património imobiliário afecto ao Ministério da Justiça. Isso tem, sobretudo, sentido relativamente aos grandes centros urbanos, em que é possível maximizar e afectar mais racionalmente os espaços dispersos, os espaços inadequadamente relacionados de que o Ministério da Justiça dispõe nas grandes áreas urbanas. É também, de algum modo, assim relativamente a um tipo de espaços - e isto prende-se um pouco com a questão formulada pela Sr.ª Deputada Maria José Campos - que hoje estão afectos à intervenção do Instituto de Reinserção Social e que correspondem, na sua esmagadora maioria, diria que a uma outra visão daquela que é a intervenção em relação aos jovens infractores ou aos menores colocados à guarda do Instituto, no quadro de fenómenos de paradelinquência ou mesmo, por vezes, de puro abandono.
Todavia, quanto à questão de Évora, há uma urgência que esteve associada a um facto específico, que foi a necessidade de promover a instalação na sede dos distritos judiciais, dos tribunais de instrução criminal e dos DIAP. Não teria sentido não o fazer também relativamente a Évora, sendo, como o Sr. Deputado sabe, particularmente difícil, dentro da área próxima do actual Tribunal de Évora, encontrar espaços disponíveis, no quadro da urgência que, na altura, se manifestava.
No nosso programa para este ano está inscrita - não tem referência no PIDDAC, porque dependerá apenas de chegarmos a um entendimento quanto à localização adequada - a necessidade de desencadear os trabalhos para a construção de um novo tribunal de Évora. Não correu de modo particularmente satisfatório no passado a busca de entendimento com a Câmara Municipal de Évora para a disponibilização do terreno adequado, mas constitui, para mim, uma prioridade encontrar, em Évora, uma localização que permita, de seguida, dar início - reconhecendo a inadequação das actuais instalações - ao projecto de dotação adequada para o Tribunal da Comarca de Évora.
Passando à questão, particularmente pertinente, do modo de intervenção em relação a novas formas de criminalidade ou de pré-criminalidade, diria que nós temos de enquadrar

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esta intervenção, antes de mais, numa função genericamente preventiva, numa função de redefinição dos instrumentos de política criminal, que visem intervir, quer em relação aos menores, quer aos jovens adultos, com uma função cujo objectivo seja, fundamentalmente, o de limitar, por essa intervenção em tempo adequado, aquilo que é uma situação incómoda no contexto europeu, que é a de significativas taxas de encarceramento relativamente à nossa população.
Diria que o sucesso de uma política que passe por uma progressiva aproximação das nossas taxas de encarceramento àquilo que são os níveis médios europeus passa, em larga medida, pelo sucesso da política de prevenção criminal, passa pela intervenção relativamente aos menores e aos jovens. É aí que o desafio que se coloca ao Instituto de Reinserção Social é, antes de mais, o de criar, ao longo deste ano, as condições para a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa aprovada pela Assembleia da República nos últimos dias da anterior legislatura.
É necessário encarar a distinção do que são fenómenos de abandono, fenómenos de colocação de jovens em situação de risco, daquilo que são intervenções num quadro de situações de delinquência juvenil ou de paradelinquência. E é necessário, sobretudo, ter as formas de actuação adequadas a fenómenos sociais que são diferentes daqueles para que o parque de equipamentos à disposição do Instituto de Reinserção Social estava vocacionado para dar resposta. Isto é, nós temos um conjunto de instalações em edifícios históricos - é o caso do Convento de Santa Clara, em Vila do Conde, que é o verdadeiro ex libris de Vila do Conde, ou os de Vila Fernando, no concelho de Elvas, e de São Fiel, em Castelo Branco (em áreas rurais) - que correspondem a um modelo de intervenção em relação a menores completamente diferente daquele que hoje é necessário desenvolver. Portanto, há que classificar os equipamentos existentes e há, sobretudo, que reflectir na transformação destes equipamentos em novas unidades, desafios da Lei Tutelar Educativa, que aponta para a distinção entre três situações: estruturas de regime aberto, estruturas de regime semi-aberto e equipamento de regime fechado, hoje inexistentes no nosso sistema de menores.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, há duas ou três coisas relativas a injunções e fotocópias do notariado, sob o ponto de vista das suas receitas e o modo da sua execução, que queria ver melhor explicitadas.
Como sabe, a injunção tem sido não digo um total êxito mas tem feito carreira, tem caminhado, e esperamos que se faça um uso cada vez melhor deste instrumento.
Não obstante, a injunção tem inconvenientes que, de um momento para outro, podem fazê-la emperrar. Por exemplo, se houver alguém que não queira seguir ou obedecer à injunção e a conteste isso levanta, como V. Ex.ª sabe, muitos problemas - e já tive ocasião de falar sobre isto, uma vez, em sede de comissão -, na medida em que a injunção, mesmo para ser um título executivo, não vem redigida nos termos de uma petição inicial de um processo sumaríssimo, pelo que lhe podem faltar elementos essenciais, como a causa de pedir, o pedido e a inter-relação entre a causa de pedir e o pedido, e o juiz ter, obrigatoriamente, de julgar inepta a injunção, para efeitos de processo executivo.
Por outro lado, a injunção, para efeito de benefícios fiscais e de transacção, não dispensa, como V. Ex.ª sabe, a actividade do juiz.
Perante a falta de cumprimento da injunção, não é muito fácil a secretaria judicial penhorar imediatamente os bens e vendê-los, desde logo, porque não temos onde deixar os bens, não há armazéns para os bens, e há dificuldade em seleccionar os bens para penhora, etc., e, em segundo lugar, porque há dificuldade em definir legalmente como é que esta penhora será feita, como será feita a venda, etc., enfim, toda a parafernália que a venda dos bens penhorados suscita.
Ora, tudo isto leva tempo, gasta actividade jurisdicional e, por isso mesmo, aquilo que, à primeira vista, poderia parecer fácil, e que tem dado um certo resultado, porque, realmente, não se recorre a essa saída, no dia em que se descobrir que uma das formas de atacar a injunção é recorrer à contestação ou à forma legal da penhora, pode vir a criar grandes problemas. E, com isto, não estou a fazer a propaganda de que as pessoas devem recorrer à contestação da injunção.
Mas o que quero saber é o seguinte: se está fixado e como é que está fixado - talvez esteja e eu seja desconhecedor disso - o valor que as partes podem, entre si, tratar, para efeito de determinar uma dívida incobrável. Ou seja, como é que se fixa a dívida incobrável? É o valor declarado na injunção ou o réu pode dizer que não é esse o valor e que está disposto a chegar a uma transacção, porque não é aquela a quantia que deve e quer uma quantia bastante menor? É que isto não dispensa um termo de homologação da transacção e este termo tem de fixar imediatamente o valor fiscal de que as partes beneficiarão, pois a dívida deixa de ser incobrável para passar a ser cobrável. Mas mesmo no caso da dívida incobrável não se dispensa a sentença do juiz e é preciso ver, efectivamente, qual o benefício fiscal e como é fixado.
Se V. Ex.ª puder dar alguma explicação sobre quem fixa este benefício fiscal, em que montante, com que critérios, qual a percentagem e se a autoridade administrativa fiscal intervém nisso ou é simplesmente o juiz que, por seu livre arbítrio, fixa o benefício fiscal, ficaria muito satisfeito, porque isto, para mim, é um pouco confuso. Gostaria que explicasse muito bem como é que o juiz pode, com uma decisão jurisdicional, tomar conta e pôr termo a esta questão do benefício fiscal, sem intervenção do funcionário das finanças, sem intervenção do Ministério das Finanças.
O segundo problema tem a ver com as fotocópias. Quem vai tirar fotocópias às juntas de freguesia ou aos correios, com certeza, não vai deparar com uma actividade gratuita, pois os correios e as juntas de freguesia vão cobrar o dinheiro. Pergunto: esse dinheiro fica para as juntas de freguesia?

O Sr. Ministro da Justiça: - Claro!

O Orador: - Transferem-se os emolumentos notariais, por livre arbítrio do Sr. Ministro da Justiça, para os correios, para as juntas de freguesia, para os empregados dos escritórios de advogados, para quem, amanhã, V. Ex.ª quiser que tire as fotocópias? Quer dizer, V. Ex.ª dispõe do poder de transferir aquilo que os notários cobravam para os correios, para as juntas de freguesia, criando receitas avulsas, digamos assim, através de fotocópias? Qual é a inspecção ou a forma de fiscalização destas receitas dos correios, das juntas de freguesia ou das outras entidades

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que vão, efectivamente, ganhar esse dinheiro? Como é que elas entrarão nas contas do Estado?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Abelha.

O Sr. António Abelha (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, apresento-lhe os meus cumprimentos e peço-lhe, desde já, que me releve algum lapso, porque a minha formação não é na área do direito mas das humanidades.
Sr. Ministro, como sabe, a segurança é um valor inestimável num Estado social de direito. E tanto assim é que, nas Grandes Opções do Plano, se pode ler que o Governo pretende reforçar a cidadania para assegurar a qualidade da democracia, que o Governo pretende uma sociedade mais segura, que o Governo pretende uma justiça mais célere e que fixa, como objectivos da política de justiça, o reforço do combate à criminalidade, nos quadros nacional, europeu e internacional. E aqui surge a minha primeira dúvida, porque o Sr. Ministro lidera, suponho eu, a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária. Aliás, o Sr. Ministro reafirma o carácter prioritário desta iniciativa legislativa, pelo que solicita até, a determinadas entidades, celeridade nos trabalhos a efectuar.
Nesta nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária prevê-se que determinados departamentos possam vir a ser extintos, entre os quais os departamentos de investigação criminal de Chaves e Vila Real.
Não é despiciendo falar de Chaves e de Vila Real, e digo-lhe porquê, Sr. Ministro, embora V. Ex.ª saiba.
A Inspecção de Chaves da Polícia Judiciária cobre, como sabe, 14 comarcas do distrito de Bragança e Vila Real e estende-se numa área que vai do Gerês a Miranda do Douro, confinando parte do distrito de Vila Real e Bragança com Espanha. Não ignora o Sr. Ministro a existência do cartel de droga da Galiza, não ignora o Sr. Ministro a existência de organizações terroristas de Espanha, não ignora o Sr. Ministro o tráfico e viciação de veículos furtados ou roubados, a prostituição, o tráfico de pessoas e o consumo e tráfico de estupefacientes!
Mas há mais, Sr. Ministro! O Instituto Português da Droga e da Toxicodependência avança os seguintes números: aumento dos consumidores de droga nos distritos do interior, a atingir os 635%, contra 133% verificados no litoral. Mas este estudo diz mais: no distrito de Vila Real, que é o círculo pelo qual foi eleito e, por isso, até poderá perceber esta intervenção, o consumo aumentou 1500% e a penetração das substâncias tóxicas nos meios rurais começou por se verificar nos concelhos raianos como Chaves, Bragança e Elvas. Ora, Chaves e Bragança são duas das cidades nas quais a Polícia Judiciária de Chaves trabalha ou, se assim quisermos, exerce a sua influência e tutela.
Diz o Subdirector Adjunto da Polícia Judiciária do Porto que a concentração no litoral dos principais meios de autoridade pode ter empurrado os infractores para zonas do interior. E é tão grave o problema da toxicodependência - o Sr. Ministro já o reconheceu - que se conta até instalar um CAT em Chaves, segundo as palavras do Sr. Subdirector Adjunto da Polícia Judiciária do Porto.
Enfim, parece-me que passar a contar, como hipótese de trabalho, com a extinção da Polícia Judiciária de Chaves, pela cabeça do Governo ou do Sr. Ministro, é algo inacreditável. E, Sr. Ministro, não entenda isto como uma intervenção partidária! É que todos os autarcas de Trás-os-Montes, dos distritos de Vila Real e Bragança, todas as instituições, toda a sociedade civil, independentemente dos partidos, como lhe poderei mostrar no final - e vou mostrar -, estão unidos contra a extinção da Polícia Judiciária de Chaves.
Coloco-lhe apenas mais duas questões muito concretas, pois a minha intervenção talvez já vá longa, a primeira das quais se prende com o tipo de política que o Governo vai executar.
O Sr. Ministro vai continuar a privilegiar a concentração para que parece apontar o anteprojecto da lei orgânica? É que, por exemplo, a zona de Chaves-Vila Real ficaria com a Directoria mais próxima no Porto ou em Braga e ficaria ali um autêntico deserto ou, melhor, um paraíso para o crime organizado.
Por outro lado, Sr. Ministro, as verbas inscritas no PIDDAC, que rondam os 1500 contos para a manutenção das instalações, salvo erro, e os 3600 contos para a aquisição de uma viatura, apontam, de forma inelutável, para o encerramento da Inspecção de Chaves da Polícia Judiciária.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, quero apenas colocar-lhe uma questão.
No relatório do Orçamento do Estado para 2000 estão enunciadas várias medidas com incidência no orçamento, algumas das quais já em concretização e até aprovadas na Assembleia da República.
Mas há uma questão que quero suscitar a V. Ex.ª e que nos preocupa, a qual tem a ver com o que aqui vem referido, que é o seguinte: "A generalização dos sistemas de informação e consulta jurídica pressupõe o desenvolvimento, dignificação e qualificação dos mesmos, sendo intenção, entre outras medidas, criar estruturas nacionais de coordenação dos núcleos locais que prestam estes serviços ao cidadão e às empresas."
A minha pergunta vai para além da tal informação e da consulta jurídica mas tem a ver com isto e também com medidas já anunciadas em relação ao patrocínio jurídico.
Sendo uma questão que já temos colocado mais vezes, agora, no âmbito da delegação que foi ao Brasil estudar os julgados de paz, tive ocasião de saber que, no Brasil, funciona também um sistema de informação, consulta jurídica e patrocínio jurídico para os mais carenciados, que é o sistema da defensoria pública, o qual, aliás, foi aprovado por uma lei de 1994 que depois consultei.
Essa defensoria pública é, digamos, o contraponto ao Ministério Público para a defesa e para propor acções cíveis, para defender os arguidos e mesmo para propor recursos administrativos, etc.
Aquilo que pergunto é se não seria preferível - e não estou a pôr em causa o trabalho cívico das pessoas que prestam este serviço de informação e consulta jurídica, até para usar uma expressão que o Sr. Secretário de Estado da Justiça usou em algumas reuniões -, em vez de se estar a investir nisto, que não vai, seguramente, responder às necessidades, apesar de todo o esforço abnegado e mesmo com as alterações que foram feitas no sistema da defesa oficiosa, encarar, de uma vez por todas, uma forma de resolver os problemas do apoio jurídico, do acesso ao

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direito das pessoas mais carenciadas, através da criação do sistema da defensoria pública, que, pelos vistos, não é só dos ex-países socialistas do bloco de Leste, também existe no Ocidente, no mundo capitalista.

O Sr. Ministro da Justiça: - Nos Estados Unidos!

A Oradora: - Pois! Já nem falo nos Estados Unidos, mas já tenho falado! Aliás, até vemos os filmes na televisão. O Sr. Deputado Narana Coissoró, no outro dia, disse que são filmes, mas, de qualquer forma, podemos ver que também lá existe a defensoria, embora para as acções cíveis tenham um outro sistema que também já tive ocasião de pesquisar, que é o de fazer avenças com sociedades de advogados só para prestação desse apoio às pessoas.
Penso que esta seria uma medida muito importante, que responderia às necessidades dos cidadãos e aproximaria a justiça dos cidadãos.
Além disso, adianto que não se trataria de advogados das 9 às 17 horas, como aqui foi dito na anterior legislatura, porque os advogados de empresas também não trabalham apenas das 9 às 17 horas. Portanto, isto nada tem de burocrático, nada tem de combate à advocacia como profissão liberal, a qual continuaria a subsistir e tem o seu papel importantíssimo.
Como é que o Sr. Ministro da Justiça veria uma transformação neste sentido?

A Sr.ª Presidente: - Para responder a estes três Srs. Deputados, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente, vou procurar responder às questões que me foram colocadas.
O Sr. Deputado Narana Coissoró começou por colocar uma questão quanto à injunção. A injunção é claramente um sucesso. A injunção, na comarca de Lisboa, funcionou apenas um ano e, na comarca do Porto, funcionou quatro meses, mas, em um ano e quatro meses, mais de 100 000 processos foram tramitados como injunção e, desses 100 000, cerca de 80% duraram menos de dois meses.
Quanto aos receios que o Sr. Deputado avançou, relativamente à figura da injunção, nomeadamente no que diz respeito à petição inicial, sei que há, localizadas no País, dúvidas de alguns juízes sobre a petição. Felizmente, não é a interpretação que tenho colhido na generalidade dos tribunais. Creio que a lei é suficientemente clara, embora, naturalmente, como tudo, seja discutível, e não se coloca o problema da ineptidão da petição.
De qualquer forma, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que os números de um ano revelam que, destas 100 000 acções, só 2,5% foram contestadas. A generalidade das acções de injunção não são contestadas, o que demonstra que, quando há mecanismos céleres de administração da justiça, a taxa de cumprimento é muitíssimo superior. O que verificamos é que há maior cumprimento no pagamento em processo de injunção do que aquele que existe na acção declarativa.
Em todo o caso, o Sr. Deputado colocou um problema real, e que é um problema de "engenharia hidráulica": tendo aumentado a velocidade do "caudal" nesta fase, é evidente que tem de aumentar a celeridade na fase executiva. Isto porque o que está a acontecer-nos é o que acontece com o viaduto Duarte Pacheco: as pessoas vêm mais depressa na auto-estrada, mas o engarrafamento gera-se mais depressa e é mais extenso. Portanto, este problema coloca-se na acção executiva e, por isso, definimos como uma das prioridades de intervenção legislativa a reforma da acção executiva.
No entanto, independentemente da reforma da acção executiva, é possível adoptar medidas administrativas que, estamos convencidos, terão sucesso. Anunciei, aliás, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias uma dessas medidas. Sabemos que, actualmente, um dos problemas básicos da acção executiva passa por não existirem instalações para armazenar os bens penhorados nem viaturas para executar a penhora, razão pela qual o devedor fica também como fiel depositário. Na comarca de Lisboa, onde já temos o armazém preparado e instalado, onde já lançámos o concurso e onde já temos as viaturas contratadas para fazer o transporte, já contamos com duas semanas de experiência deste serviço. Duas semanas é um período de tempo muito curto para tirar qualquer conclusão, mas a verdade é que durante estas duas semanas em que se fizeram noventa e tal diligências constatou-se que não se penhorou um único bem. Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque todas as pessoas pagaram. Ou seja, o devedor, quando viu aparecer o oficial de justiça com a carrinha a dizer-lhe que ia buscar a televisão e o frigorífico, pagou! É evidente que é cedo, pelo que vamos esperar e fazer a avaliação desta situação, mas eu continuo convencido de que, sempre que a justiça conseguir ser célere, a taxa de respeito pela lei sobe colossalmente. Isto porque as pessoas só investem no incumprimento da lei porque investem na morosidade e no não funcionamento do sistema. Portanto, a "chave" está a pôr o sistema a funcionar, mas reafirmo que é cedo e que temos de esperar para ver.
A segunda questão que me colocou diz respeito à simplificação e à privatização dos actos notariais e quanto a isso o Partido Socialista, no seu programa eleitoral, assumiu uma mudança de estratégia, que passa por não haver privatização do notariado mas, sim, privatização da prática de actos notariais. Porquê? Porque isto permite resolver o problema básico do cidadão, que é o de ter pouca oferta para a procura dos serviços de certificação que existe, permite ao cidadão resolver o problema de baixar a despesa que tem com este tipo de serviço e permite acabar com uma discussão em que andaram envolvidos dois governos, um do PSD e outro do PS, que é a discussão sobre a chamada privatização do notariado e não sobre a liberalização do notariado. Faço esta referência porque, como sabe, as soluções que tanto o PSD como o PS acordaram com a Associação Portuguesa de Notários eram inaceitáveis do ponto de vista do cidadão, porque, segundo essas soluções, os cartórios eram privatizados, as receitas eram integralmente privatizadas, mas o acesso à profissão não era livre, era condicionado pela Ordem dos Notários, e, mais, o âmbito de competência de cada um dos cartórios estava sujeito a uma partilha de competência territorial, que era uma partilha restritiva da concorrência, também feita pela Ordem dos Notários.
O que é que fazemos com este processo que adoptámos? Estabelecemos um mecanismo de concorrência entre o notariado e outras entidades para um conjunto de actos, que, obviamente, não é ilimitado. Como já lhe disse, há actos que entendo que devem manter-se para sempre na competência exclusiva dos notários, que são, basicamente, os que estão relacionados com direitos

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pessoais, isto é, testamentos, convenções antenupciais, as procurações e as procurações com poderes especiais. Todavia, há outros que não faz sentido manterem-se na competência exclusiva dos notários.
Mas há uma coisa que é preciso ficar clara: os notários são funcionários públicos e não são outra coisa. Os notários dizem que agora vão ser expulsos de uma organização privada, a União Internacional do Notariado Latino, mas a verdade é que essa é uma associação privada que vale tanto como qualquer outra. Para além disso, os notários não vão ser expulsos agora, porque eles nunca deveriam ter entrado, já que o que é característico do notariado latino é considerar o notário como um profissional liberal a quem o Estado outorga poderes de fé pública, o que não acontece com os nossos notários, que são funcionários públicos há mais de 50 anos. Portanto, pelo que tenho visto nos jornais, a questão que colocam agora e as declarações que fazem são verdadeiros atentados à cidadania. Ainda ontem vi uma senhora notária dizer o seguinte: "Que escândalo! Vêm-nos agora propor que, caso o acto fique prejudicado e não tenha de ser praticado, devolvamos o dinheiro ao cidadão." Atenção! O dinheiro não é dos notários, o dinheiro é uma receita do Estado e, se o Estado não presta um serviço ao cidadão, claro que lhe deve devolver o dinheiro! Só faltava que não lhe devolvesse o dinheiro!
O que se passa com as fotocópias é muito simples. Este é um país onde a cultura burocrática nos conduziu à seguinte situação…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Eu não estou contra tirar as fotocópias!

O Orador: - Mas é importante perceber isto!
O Sr. Deputado sabe quantas fotocópias autenticadas foram tiradas no ano de 1998? Mais de dois milhões, a generalidade das quais destina-se ao lixo. Há um exemplo que tenho dado e que vou voltar a dar. Imagine que abro um concurso para juristas, com 20 vagas, para o Ministério da Justiça. Sendo certo que um dos requisitos é o de ser licenciado em Direito, aparecem-me 4000 candidatos. Hoje, esses 4000 candidatos têm de vir apresentar 4000 fotocópias autenticadas da sua carta de curso. Como só tenho 20 vagas, no limite, apenas me interessa confirmar que são licenciados em Direito os 20 que, depois, pretendo contratar. Mas não! Têm de vir 4000 fotocópias autenticadas, o que significa que 3980 destinam-se, pura e simplesmente, ao lixo. Isso obriga os cidadãos a tirar fotocópias autenticadas, os cartórios a, em vez de fazerem o que devem, levar a cabo actos totalmente inúteis e alguém no Ministério da Justiça a conferir 4000 documentos que se destinam ao lixo.
A alteração fundamental que fizemos foi a seguinte: a Administração Pública deixa de exigir fotocópias autenticadas, já que, para a instrução dos processos, basta-se com fotocópias simples. Se a Administração tiver dúvidas fundadas sobre a autenticidade do documento, chama, então, o requerente e pede-lhe a exibição do original ou de cópia autenticada. Esta é primeira alteração de fundo que faz reduzir colossalmente o número de fotocópias autenticadas que são pedidas no País.
Segunda coisa que dissemos: não é obrigatório ir a um cartório notarial para fazer uma coisa simples, que é conferir um original com uma cópia do original. Há n outras entidades que, com rentabilidade para todos, o podem fazer, como os serviços das juntas de freguesias, que são mais de 4000 no País. Em vez de 300 sítios onde se podem certificar fotocópias, temos, de repente, só com as juntas de freguesia, mais 4000 sítios. Para além destes, há ainda as estações dos CTT, que são seiscentas e tal, as câmaras de comércio e indústria e, ainda, os advogados e os solicitadores. Ora, se este serviço é prestado por estas entidades, a receita tem de ser percebida por essas entidades. Será possível que um cartório que não autentica fotocópias receba a receita de quem autentica fotocópias? Não! A junta de freguesia autentica uma fotocópia e, logicamente, cobra a receita.
Impusemos, para além disso, uma coisa fundamental. Ou seja, como isto passa a ser um acto praticado em livre concorrência, não podemos fixar mínimos, nem quero, tão-pouco, saber dos mínimos. Aliás, não fico preocupado pelo facto de a Junta de Freguesia de Benfica cobrar menos do que a Junta de Freguesia dos Olivais. Se assim for, tanto melhor para o cidadão! O que não podia permitir era que qualquer deles cobrasse mais do que cobram os cartórios. O que está na lei é que cada um fixará o preço deste serviço, tendo por limite máximo o que resulta da tabela emolumentar dos cartórios. Mas é necessário que tenhamos todos a noção de que o Estado não pode inventar e impor burocracia ao cidadão para se financiar. Esse é o sistema perverso do financiamento do Ministério da Justiça. Metade do orçamento do Ministério é financiado por receitas próprias e essa tem sido uma das razões por que se tem bloqueado o empenho do Ministério da Justiça no combate à burocracia. É esse o "salto" que temos de dar e é esse trabalho que temos vindo a fazer com o Ministério para a Reforma do Estado, com o Ministério da Economia e com o Ministério das Finanças, ou seja, efectivamente, temos vindo a fazer os possíveis para não ficarmos prisioneiros da necessidade de impor burocracia ao cidadão para termos receitas.
Há, neste aspecto, uma coisa que considero inaceitável, que é alguém pretender que estas receitas e a participação emolumentar sejam vencimento seu. Não o são e, por essa razão, ninguém toca no vencimento! De todo o modo, não é apenas para sustentar os actuais níveis de participação emolumentar que vou continuar a obrigar o cidadão a ir tirar fotocópias autenticadas, isto é, não o vou continuar a fazer apenas porque isso diminui as receitas emolumentares dos Srs. Notários. Os cidadãos não existem para servir os notários. O notário, como qualquer servidor público, existe para servir o cidadão e o que vale para os notários vale para qualquer função pública que dependa do Ministério da Justiça. É bom que todos percebam isto já!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Com certeza, Sr Deputado, se a Sr.ª Presidente o autorizar.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Ministro, a fotocópia autenticada é a prova final…

O Orador: - Não é a prova final, Sr. Deputado! Vamos lá ver: a Administração não pode presumir permanentemente que o cidadão é um vigarista!

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas, Sr. Ministro, se eu for chamado para apresentar o original de um documento, até posso tirar a fotocópia na minha fotocopiadora, não é verdade?

O Orador: - Pois pode!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então, por que é que preciso de ir à junta de freguesia?

O Orador: - Não precisa!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah! Pronto!

O Orador: - Hoje, a lei já diz que o funcionário de um serviço público que exige a exibição de um documento pode certificar a autenticidade da cópia, e esta é uma norma que se mantém.
O que dizemos agora é que os serviços públicos deixam de ter de exigir a exibição de fotocópias autenticadas e têm de se bastar com a fotocópia simples. Como tal, só podem exigir a exibição do original ou de cópia autenticada em caso de fundada dúvida. Fazemos isto para acabar com esta ideia de que todo o cidadão é um aldrabão e que, sendo um aldrabão, tem de vir, sob escolta, perante a Administração, comprovar que o documento que apresenta é verdadeiro. Não é assim que devemos viver num mundo civilizado e não vamos abandonar esta estratégia de simplificação da vida dos cidadãos porque isso incomoda as participações emolumentares dos Srs. Notários, por quem tenho muito respeito, com quem gostaria de trabalhar como temos trabalhado com todas as outras associações, mas que, infelizmente, preferem recusar-se ao diálogo com o Ministério da Justiça, fazer comícios na comunicação social e dizer que vão fazer, no mínimo, 8 a 15 dias de greve no mês que vem. De facto, esta postura não temos e, perante a arrogância, não transigimos. Há uma coisa na qual nunca transigiremos, que é a defesa do interesse do cidadão, já que é para isso que somos pagos. Aliás, é também para isso que os Srs. Notários são pagos! Não é para outra coisa!
O Sr. Deputado António Abelha colocou a questão da Polícia Judiciária de Chaves, mas devo dizer-lhe que não há uma questão com a Polícia Judiciária de Chaves. Quando cheguei ao Ministério, foi-me apresentado um anteprojecto de lei orgânica da Polícia Judiciária, que tem vindo a ser trabalhado. Este anteprojecto de lei orgânica da Polícia Judiciária está hoje cindido em dois documentos: um, que trata propriamente da estrutura da Polícia Judiciária, e outro, que é a proposta de lei orgânica da investigação criminal.
A questão de fundo que aqui está é a de tentar resolver um problema antigo, que, por exemplo, o Sr. Deputado Carlos Encarnação conhece bem, de articulação entre as diferentes forças policiais que existem em Portugal. Para além disso, temos de ver, perante o diferente tipo de criminalidade que existe, como é que podemos organizar os meios que temos, de forma a, racionalmente, obtermos uma maior eficácia. O modelo base desta nova orgânica da investigação criminal passa por especializar a Polícia Judiciária no combate à criminalidade mais complexa, designadamente ao crime organizado, e por valorizar as competências de investigação criminal da PSP e da GNR. Isto porque temos crime que, pela sua natureza, exige que o combate seja feito por uma polícia de proximidade, que a Polícia Judiciária não é, não foi e não poderá ser, mas que a GNR e a PSP são. Estas últimas são, portanto, as estruturas mais aptas e mais capazes de atacar essa criminalidade que exige uma presença de proximidade. Depois, existe a criminalidade mais complexa e organizada, que requer uma polícia científica, que é, foi e deve ser a Polícia Judiciária. A proposta de lei orgânica da investigação criminal será apresentada à Assembleia da República no próximo mês de Março e é em função do que deva ser o modelo de Polícia Judiciária e de quais são as missões que, de futuro, lhe serão atribuídas que podemos desenhar o sistema de forças da Polícia Judiciária.
Em suma, não escolhemos, até agora, qualquer opção quanto à criação, extinção ou manutenção de quaisquer instalações da Polícia Judiciária. O que o Ministério da Justiça pediu à Directoria-Geral da Polícia Judiciária foi que, perante este modelo de especialização da Polícia Judiciária e de valorização das funções de investigação criminal da PSP e da GNR, nos dissesse qual é o sistema de forças mais adequado para a Polícia Judiciária. Portanto, este é um documento que está a ser elaborado. O problema não é relativo a Chaves, a Felgueiras, à Amadora ou a Loures, mas é um problema relativo à estrutura nacional da Polícia Judiciária. Qual deve ser a estratégia de implantação territorial mais adequada a esta nova missão da Polícia Judiciária? É isto que queremos saber e é nesse quadro que deverá ser visto o que acontece a cada um dos serviços da Polícia Judiciária hoje existentes.
Não há, portanto, qualquer decisão já tomada e apenas o faremos no momento próprio, sendo que o momento próprio é imediatamente posterior à definição do modelo da Polícia Judiciária.
Finalmente, quanto à questão colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, terei de pedir à Sr.ª Presidente que autorize o Sr. Secretário de Estado da Justiça a completar a minha resposta, visto que é ele que tem vindo a desenvolver directamente com a Ordem dos Advogados a execução do protocolo.
O Governo definiu como uma prioridade desta Legislatura assegurar o acesso à justiça e ao Direito e qualificar o exercício da consulta jurídica e do patrocínio oficioso. Eu disse, no debate do Programa do Governo, que não sou defensor de uma solução de funcionalização da advocacia e que não sou defensor da criação de mais uma carreira judiciária. Não sou favorável a estas soluções. Sei que era o que constava do programa eleitoral do PSD, sei que faz parte das iniciativas que o PCP tem vindo a apresentar, mas não sou favorável.
Como a Sr.ª Deputada Odete Santos sabe, a Ordem dos Advogados tem um debate em curso e, pelo que vejo nos jornais a propósito do congresso dos advogados, esse é um dos temas em debate. De todo o modo, manifestámos à Ordem dos Advogados a maior abertura para uma possível diferente formatação deste caminho que já iniciámos no passado dia 1 de Fevereiro. Há vários caminhos possíveis e vários dos problemas que a Sr.ª Deputada coloca não passam, necessariamente, pela criação de um instituto público. Ao invés, podem passar por um instituto da Ordem comparticipado pelo Estado, por um sistema de avenças, ou, enfim, por um dos mais diversos sistemas. O que temos estado a fazer e está programado que se continue a fazer é que o grupo de trabalho que o Sr. Secretário de Estado da Justiça coordena e em que participam a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores possa vir a desenvolver esse trabalho.

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Paralelamente, há um outro trabalho que penso que temos de fazer e que diz respeito à consulta jurídica, já que temos um sistema totalmente descoordenado de consulta jurídica. O único sistema de consulta jurídica que funciona é o que é assegurado pelo movimento sindical. É o único. Depois, temos, de uma forma totalmente dispersa e desenquadrada, várias iniciativas de muitas câmaras municipais e de muitas juntas de freguesia que não funcionam como a rede mínima que deviam ser. O que tenho dito à Ordem é que não faz sentido andarmos a correr a montar gabinetes de consulta jurídica em sítios onde a câmara ou a freguesia já asseguram serviços de consulta jurídica, enquanto não estamos a abrir gabinetes de consulta jurídica em sítios onde nem a câmara nem a junta o podem fazer. Portanto, o convite que temos feito é no sentido de nos sentarmos à mesa e de vermos como é que podemos racionalizar os meios, já que, concorrendo uns com instalações, outros com advogados e outros com apoio financeiro e logístico, é possível criar uma rede de consulta jurídica.
Noutro dia, vi, por exemplo, uma brochura que o nosso colega inglês nos deixou sobre o sistema de consulta jurídica no Reino Unido, com a dimensão que este tem, e esta assenta, basicamente, em cerca de 70 centros de consulta jurídica. Ora, esta rede funciona tendo articulado um conjunto de iniciativas das mais diversas origens - de origem associativa, de entidades da Administração Pública, de autarquias, de universidades e de sindicatos. Estas entidades conseguiram entre si estabelecer uma rede, de forma a que exista uma boa cobertura a nível nacional que se dedica a um conjunto de valências relativamente diversificado, ajudando o cidadão que carece de consulta jurídica. É este exercício que penso que vale a pena tentarmos. Mesmo sabendo que em Portugal existe uma "cultura de quinta", que, obviamente, dificulta o desenvolvimento de qualquer tipo de rede, penso que é preciso fazer este exercício, porque não faz sentido duplicar investimentos.
Se a Sr.ª Presidente permitir, o Sr. Secretário de Estado da Justiça poderá, talvez, fazer o ponto da situação sobre os trabalhos em curso no grupo de trabalho.

A Sr.ª Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (Diogo Machado): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados, a propósito da questão do acesso ao direito - que tem três pilares no enunciado constitucional: a informação jurídica, a consulta jurídica e o patrocínio judiciário -, atrever-me-ia a dizer que, no estádio em que estamos, a solução ideal seria, por hipótese, porque se trata de igualar as armas na lide judicial, o Estado poder dispor de advogados com o gabarito do Deputado Narana Coissoró, do Deputado Jorge Neto ou da Deputada Odete Santos para assegurar por essa via, com independência técnica e com a latitude que caracteriza o desempenho do mandato judicial, o patrocínio judiciário efectivamente igual a todos aqueles que, por incapacidade económica, não podem pagar a um advogado. E há ainda, sabemo-lo todos, muitas desigualdades que depois têm tradução em modos distintos de tratamento por parte da administração judiciária relativamente a quem com ela tem de se confrontar, ora por via da defesa, ora por via do exercício activo dos direitos, uma das dimensões que a cidadania tem.
Neste momento, o que vem sendo feito, em execução do protocolo subscrito com a Ordem dos Advogados (e, de paralelo, vamos conversando também com os solicitadores, que asseguram, por seu lado, a consulta jurídica e o patrocínio judiciário onde têm competência) é o primeiro esforço, a partir da realidade existente, de requalificação do patrocínio judiciário, pelo menos nas lides judiciais de maior dignidade. Isto, por um lado, e desde o dia 1 de Fevereiro. No decurso da próxima semana, vai ser produzido um relatório no seio dessa comissão que junta o Governo e a Ordem dos Advogados.
A par disso, e a partir do dia 1 de Março, sob a égide da Ordem dos Advogados e dos vários conselhos distritais, vão passar a existir nos tribunais os chamados patronos formadores, que vão, no fundo, servir a finalidade de enquadrar os advogados estagiários a quem - por ser a medida da capacidade económico-financeira possível, hoje - nós, Estado, temos vindo a entregar a "desincumbência" de assegurar o patrocínio judiciário para um terceiro pilar do acesso ao direito.
Portanto, como já referi, a partir do dia 1 de Março, haverá, pelo menos nos principais tribunais, patronos formadores designados e escolhidos pelos conselhos distritais da Ordem dos Advogados, os quais enquadrarão, seja no sentido de aconselhar in actu, se for caso disso, algum estagiário que tenha dúvidas sobre o modo como deve exercer o mandato que lhe é conferido por esta via, seja, eventualmente, suprindo alguma lacuna que encontre ou alguma incapacidade pontual.
Com este pequeno gesto, que significa um encargo adicional na ordem dos 20 000 contos mensais, cremos, nós, Ministério da Justiça, crê a Ordem dos Advogados, acreditam todos e cada um dos membros da comissão que os próprios estagiários (que, de algum modo, estão funcionalizados, sem serem funcionários, na rotina de - e troco os termos de propósito -, muitas vezes, "pedir" o mérito dos autos e "oferecer" justiça -, pela circunstância de terem o patrono formador por perto, no tribunal, prepararão com cuidado, afinco e empenho a defesa dos seus constituintes, o que já acontece na maioria dos casos. Por outro lado, se alguma dúvida houver ou se alguma lacuna for descoberta, ela será imediatamente suprida com a intervenção do patrono formador.
Isto significa que, no estádio actual, há uma relação inextricável entre a formação dos advogados e o patrocínio judiciário. Há também, cumpre dizê-lo, uma inextricável relação directa entre a consulta jurídica e a formação dos advogados pela intermediação que advém do facto de, por lei, só aos advogados estar admitida a consulta jurídica e o patrocínio judiciário, valendo estas considerações também para os solicitadores.
Fará sentido, a todo o tempo, no futuro, avançar para uma reflexão sobre o modo como melhor poderemos assegurar o desígnio constitucional do artigo 20.º, n.º 2, e ao triplo pilar de acesso ao direito: a informação jurídica, a consulta jurídica e o patrocínio judiciário.
A consulta jurídica, para já e em função dos meios disponíveis para este domínio, supõe também a continuação da colaboração das câmaras municipais e das juntas de freguesia, sobretudo na modalidade de encontrarem instalações que permitam ampliar, tal como acabou de dizer o Sr. Ministro da Justiça, tão depressa e seguramente quanto possível, a rede nacional de consulta jurídica.
A ideia é, obviamente, esta: por aí também se assegura a cidadania e o Estado de direito democrático.

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A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, é um facto que a questão da justiça tem estado na ordem do dia. Embora isso não seja, por si só, um bem, pelo menos tem tido a vantagem de nos dar a oportunidade de ouvir várias vezes o Sr. Ministro, no Parlamento, o que fazemos sempre com alegria.
Para o orçamento do ano 2000 do seu Ministério, o Sr. Ministro conseguiu um aumento significativo, ou seja, há um crescimento de 18% nas despesas de funcionamento e de 43,6% no investimento, o que perfaz um total de 28,8 milhões de contos.
Por outro lado, não só a vontade política do Governo mas também a determinação do Ministro da Justiça - a que o próprio Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados se terá convertido, depois de uma situação inicial de perplexidade relativamente ao Governo e ao Ministro da Justiça em particular - parece indiciar um futuro mais risonho no âmbito da justiça e, nomeadamente, uma vontade indesmentível de enfrentar os graves problemas com que a justiça se tem defrontado.
Não vou tecer considerações gerais sobre este aspecto, mas, depois do enquadramento que acabei de fazer, gostava de, de uma forma mais comezinha, colocar uma questão, que tem a ver com o círculo eleitoral de Melgaço que me elegeu para Deputado, que é a seguinte: desde há uns anos, está inscrita no PIDDAC uma verba significativa para a construção do novo tribunal judicial de Melgaço. No entanto, por não haver projecto, nunca se deu início à construção do dito tribunal.
Segundo informações que creio serem correctas, o projecto estará pronto em Maio deste ano e a adjudicação da obra poderia ser decidida em Junho ou Julho. Se a este facto aliarmos a vontade reiterada pelo Governo de construir o tribunal judicial de Melgaço, atendendo às deficientíssimas condições em que o mesmo funciona neste momento, podemos ponderar a hipótese de, finalmente, se dar execução à construção do tribunal judicial de Melgaço. No entanto, a verba que está inscrita, de 10 000 contos - verba, aliás, inferior a verbas inscritas em anos anteriores -, pode perspectivar a ideia de que ainda não é desta vez que a construção do tribunal judicial de Melgaço começa.
Quero crer que não será assim, mas gostaria de ouvir, da parte do Sr. Ministro da Justiça ou do Sr. Secretário de Estado que tutela esta área, alguma resposta no sentido de eu poder ficar descansado quanto ao início efectivo da obra de construção do tribunal judicial de Melgaço.
Portanto, para que o Sr. Ministro não seja confrontado com os grandes problemas da justiça, permita-me que lhe coloque este pequeno problema, mas é do amontoado de pequenos problemas que se resolvem os grandes problemas da justiça em Portugal.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, é um prazer, Sr. Ministro, revê-lo aqui nas suas novas funções, sendo certo que já tínhamos saudades de V. Ex.ª, que tão brilhantemente desempenhou as funções de Ministro dos Assuntos Parlamentares na legislatura anterior.
Gostava de lhe dizer, Sr. Ministro, que é com toda a atenção, cuidado e desvelo que leio as suas opiniões sobre a justiça e, por isso, tenho comigo uma entrevista que V. Ex.ª deu há relativamente pouco tempo, entrevista essa que considero de ruptura e da qual fluem, certamente, alguns dos pensamentos fundamentais que o animam na sua cruzada pela justiça.
Quanto ao conteúdo dessa entrevista, há duas afirmações que V. Ex.ª faz que considero extraordinárias.
A primeira delas diz respeito aos actos a praticar. Digo-lhe, Sr. Ministro, que, se para reformar a justiça bastasse este slogan que V. Ex.ª aqui encontrou, penso que seria delicioso! Diz V. Ex.ª, na entrevista, isto: "Há uma série de actos que não devem ser feitos por um juiz nem por ninguém: não devem de todo ser praticados!" É uma boa ideia de reforma da justiça!
Outra ideia boa da reforma da justiça é esta: V. Ex.ª depreende que há tribunais em sítios onde não há processos, processos onde não há tribunais e processos e tribunais onde não há juízes. É, portanto, outra ideia boa para racionalizar e reformar a justiça!
Daqui flui uma pergunta necessária e absolutamente urgente que tenho de lhe colocar: quererá V. Ex.ª dizer com isto que vai acabar com os tribunais onde não há processos? Quererá V. Ex.ª dizer que vai fazer mais tribunais onde há processos a mais? Quererá V. Ex.ª dizer que vai tirar os juízes de onde não há tribunais nem processos? Quererá V. Ex.ª dizer que vai "fazer" mais juízes para que os tribunais e os processos se justifiquem?
São dúvidas que, naturalmente, se põem perante esta sua afirmação.
A segunda questão que lhe quero colocar é mais geral. Atrever-me-ia, aliás, Sr. Ministro, a colocar-lhe, em vários graus, as dúvidas que se me colocam.
Em primeiro lugar, quanto àquilo de que V. Ex.ª há pouco falou, sou tentado a colocar-lhe algumas dúvidas em relação à investigação. Penso que V. Ex.ª, aí, viu muitíssimo bem o problema. Realmente, cindindo a Lei Orgânica da Polícia Judiciária em duas leis, V. Ex.ª consegue acompanhar as últimas evoluções do pensamento nessa matéria e tentar encontrar uma solução. Aliás, é uma coisa que não é virgem. Já tinha sido tentada por outras formas mais difíceis, na altura, porque nem sempre as polícias estiveram voltadas para conseguir entender-se entre si e compreender que uma polícia com 2000 inspectores e agentes não pode ter a pretensão de englobar todas as espécies de criminalidade, designadamente todas aquelas que lhe cabiam e que eram as mais exigentes, mas ao mesmo tempo que a distribuição desta polícia também não é a correcta para o território nacional.
Quanto a este ponto, colocam-se dois tipos de questões: primeiro, justifica-se a criação do DCIAP com uma nova lei orgânica da Polícia Judiciária? Não se justificará melhor a progressiva criação de departamentos da Polícia Judiciária, cada vez melhor servidos do ponto de vista dos meios e da formação, espalhados por todo o território? Isto porque os tipos de criminalidade mais complicados não são privativos de algumas zonas do território. Há, hoje, uma democratização, se é que lhe podemos chamar assim, destes tipos de criminalidade, o que significa que o panorama é completamente diferente do que era há muitos anos atrás.
Em segundo lugar, temos a inevitável evolução para a formação de uma carreira de investigação dentro das chamadas polícias de proximidade - ou seja, da Polícia de

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Segurança Pública e, eventualmente, da Guarda Nacional Republicana - e, se calhar, até, toda uma reformulação desta matéria da investigação, porque os passos que foram dados já o foram há muito tempo, na tentativa de encontrar uma área de investigação própria para estas duas polícias e na tentativa de a disciplinar. Há, aliás, um "livrinho" muito interessante do Dr. Manuel António Ferreira Antunes, datado de 1994, em que ele se interroga (é o título do livro): Está a criar-se uma nova polícia ou não? Um livro interessante sobre a necessidade da carreira de investigação em relação a estas duas outras polícias.
Mas esta questão significa também fazer uma arrumação diferente. Significa, porventura, gastar mais dinheiro mas também gastar melhor esse dinheiro, porque, com a eliminação daquilo que está a mais e com as carreiras estruturadas como deve ser, teríamos, certamente, muito maior ganho de produtividade e de eficácia em relação à actividade de investigação.
Por outro lado, Sr. Ministro, há a questão dos tribunais.
É claro que há vários problemas complicados nos tribunais, toda a gente o sabe. O próprio processo é complicado, não se tendo ainda encontrado forma (e todos os intervenientes sabem disso) de deslindar as situações extremamente complicadas a que este processo dá lugar. Isto significa um encarecimento da justiça, perda de tempo e complicações na tentativa de chegar à justiça célere e justa de que todos precisamos.
Mas há problemas que estão tão estudados que não admito, sequer, que não haja forma de dar a volta a isso, do ponto de vista legislativo. Lembro-me, por exemplo, da questão das notificações. Significaria isso já uma tentativa de resolver com maior celeridade as questões?
Se bem se recorda, Sr. Ministro, foram apresentadas, na anterior legislatura, iniciativas legislativas que não foram aproveitadas e que agora, feita, sobre isso, uma reflexão pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que é, de facto, uma área onde deve fazer-se rapidamente uma incursão legislativa para simplificar.
Depois, há a questão da informatização, uma questão recorrente, mas que realmente não há maneira de se resolver.
Por fim, temos as condições de funcionamento. Na entrevista que referi, a propósito das testemunhas, V. Ex.ª apenas citou a questão da incomodidade das testemunhas em deslocarem-se ao tribunal, por vezes, repetidamente. Mas, Sr. Ministro, o problema é a falta de humanidade em relação ao próprio funcionamento dos tribunais, em relação às instalações. Dantes, havia salas com capacidade para cada um dos intervenientes nos actos processuais poder estar com alguma comodidade; hoje, não há nada disso. É um aspecto terrível dos tribunais essa falta de humanidade que lhes assiste.
Por outro lado, em relação aos tribunais, o Sr. Ministro referiu, ainda na entrevista, dois ou três aspectos que gostaria de esclarecer. V. Ex.ª falou na autonomia financeira e na figura do administrador dos tribunais, mas depois falou num aspecto que complica, talvez, o sistema, que é a questão de envolver na gestão os utentes do sistema. Significa isto o quê? Criar nos tribunais conselhos de gestão, como nos hospitais com um médico, um enfermeiro e um administrativo?

O Sr. Ministro da Justiça: - Não são os administrativos, nem os médicos, nem os enfermeiros!

O Orador: - Estou a referir-me a utentes do sistema…

O Sr. Ministro da Justiça: - O utente do sistema é o cidadão!

O Orador: - Eu sei, Sr. Ministro, mas o problema é que muitas vezes se identifica o utente do sistema com o comparticipante no sistema.

O Sr. Ministro da Justiça: - Mas esse é um erro trágico!

O Orador: - Como?

O Sr. Ministro da Justiça: - É um erro trágico, que não acontecerá com certeza!

O Orador: - Mas eu só queria um esclarecimento por parte de V. Ex.ª. Sei que, certamente, V. Ex.ª conclui bem. No entanto, o que eu precisava era de um esclarecimento.

O Sr. Ministro da Justiça: - E vai tê-lo!

O Orador: - É claro que V. Ex.ª permitirá que eu tenha dúvidas, porque eu permitirei, com toda a certeza, que V. Ex.ª tenha certezas. É para isso que é Ministro!
Por outro lado, Sr. Ministro, a questão dos notários foi realmente complicada e aqui começam as confusões. Durante muito tempo, houve a ideia, que acabou por, nos nossos dois partidos, embora com graus diversos, ser consensual, da privatização dos notários. De facto, eles nunca deviam ter sido públicos - o problema é esse! Mas, sendo públicos, precisavam de um acto de privatização, em homenagem àquilo que é importante, ou seja, o benefício do utente dos serviços.
Mas repare, Sr. Ministro, que estamos a fazer isto, agora, num ambiente completamente diferente do do passado. Já tivemos medidas que tentavam isentar de alguma formalidade, por exemplo, as escrituras de compra e venda de habitação. Remeteram-se para os bancos, deixou de se fazer uma das exigências que se faziam anteriormente, em homenagem ao utente. E o que é que aconteceu? Deixaram os notários de praticar essas exigências e passaram os bancos a praticá-las, e a cobrar por elas. Isto significou, portanto, que se transferiu uma obrigação para os bancos e que estes, por seu lado, cobram por esse serviço que deixou de ser praticado pelos notários.
Ora, fazer isto não tem significado, porque não acrescenta coisa alguma nem ao bolso dos contribuintes nem à celeridade.
Do ponto de vista dos actos de tentativa de luta contra a burocratização, é evidente que houve uma coisa interessante que se criou: as Lojas do Cidadão. No entanto, esqueceram-se de um pequeno problema, que foi a inserção de um notário em cada Loja do Cidadão para resolver problemas que eram absolutamente necessários para o cumprimento de determinados actos.
Mas, se estamos a criar Lojas do Cidadão, não podemos estar a criar dois tipos de administração pública no serviço ao utente. Isto é, não podemos, do meu ponto de vista, estar a insistir em reformas que caracterizem menos o serviço ao cidadão em termos de eficácia dos actos, utilizando melhores recursos tecnológicos, e, ao mesmo tempo e por outro lado, a dotar de recursos tecnológicos e de novas formas de prestação de serviços o mesmo tipo de serviços.

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Portanto, do meu ponto de vista, a reflexão sobre a questão dos notários e dos actos notariais tem também que ver com este outro tipo de organização, que, nesta altura, se coloca à disposição e que, penso, valia a pena ser encarado em conjunto. Ou seja, julgo que valia a pena reflectir em conjunto sobre estas duas matérias, antes de se tomar uma solução definitiva.
Em terceiro lugar, Sr. Ministro, gostaria de lhe falar sobre a questão das cadeias. No PIDDAC, há dois números que são interessantes e, ao mesmo tempo e de certa maneira, chocantes. V. Ex.ª reserva para a construção de tribunais uma verba da ordem dos 6 milhões de contos e para a construção das cadeias uma verba da ordem dos 12 milhões de contos, isto é, vai gastar em cadeias o dobro do que vai gastar em tribunais.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não é verdade!

O Orador: - Estou a fazer-lhe uma pergunta, Sr. Ministro. É que se o seu pensamento em relação a algumas das áreas da reforma da justiça está de acordo com aquilo que V. Ex.ª diz nessa entrevista, não sei se os números do Orçamento são justificados ou não. Isto porque V. Ex.ª diz, a dado passo da sua brilhante entrevista, que as pulseiras magnéticas, por exemplo, vão ser utilizadas não só para aquilo que o senhor e a lei que foi aprovada queriam mas também por todos aqueles que V. Ex.ª entender que possam utilizá-las, diminuindo, assim, a frequência das prisões.
E se, por outro lado, o Sr. Ministro também tem iniciativas, iniciativas que são propostas ao nível da discussão geral, de descriminalização do consumo de droga, V. Ex.ª também terá de contar certamente com a diminuição populacional nas prisões. Donde, a minha pergunta: afinal, vai gastar 6 milhões de contos em tribunais e 12 milhões de contos em cadeias? Justificar-se-á isto, ou não, em função daquilo que parecem ser pensamentos discordantes de V. Ex.ª em relação ao futuro próximo e à capacidade de interferir nesse futuro próximo?
Por último, Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta numa área em que também julgo haver alguma confusão, para que eu possa estabelecer a bissectriz de duas posições governamentais. Trata-se da questão do endividamento.
V. Ex.ª apoia a iniciativa do Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, da intervenção do Estado quanto aos problemas de endividamento das famílias? Acha esta solução praticável? Ou entende que deve seguir-se outra via, próxima de algo que também refere na sua entrevista em relação aos conflitos de consumo? É que são duas soluções completamente diferentes uma da outra. Qual é que V. Ex.ª apoia verdadeiramente? Uma ou outra? Ou ambas? E, sendo ambas, o que é que isso significa em termos de encargos do Estado, ao nível do Orçamento, para realizar essas duas pretensões, no caso concreto, de um Secretário de Estado e de um Ministro?
Por último, Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta, se me permite, de âmbito local, da minha pequena terra, que já fiz em requerimento escrito dirigido a V. Ex.ª - aliás, em lugar de uma, vou fazer-lhe três perguntas, porque acho pouco, para a dimensão de Ministro que V. Ex.ª é, colocar-lhe apenas a pergunta, já repetida, do tribunal de Coimbra. Assim, far-lhe-ei não só a pergunta sobre o tribunal de Coimbra mas também outras duas: uma, sobre as novas instalações da Polícia Judiciária e, outra, sobre a questão, já celebérrima, da Penitenciária de Coimbra.
Como vê, também aqui lhe deixo algumas perguntas, muito sérias, sobre problemas que, apesar de há muito existirem, ainda não estão resolvidos, mas que todos certamente gostaríamos que estivessem.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Menezes Rodrigues.

O Sr. António Menezes Rodrigues (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, devo confessar que fiquei entusiasmadíssimo com essa atitude e essa cruzada, que apoio de uma forma indefectível, contra a burocracia perfeitamente dispensável. Devo dizer que, das centenas de escrituras que já fiz, uma das coisas que me deixou sempre sem apetite para repetir foi o facto de o notário vir, à partida, com a factura já feita, ou seja, já vinha a factura, antes de vir o "prato principal", o que significa "pagar a conta antes de comer" e revela uma determinada cultura. Cultura esta que se revê, quando, em 1994, por pressão de uma directiva comunitária, provavelmente fundada em soluções de unidroit, a nossa ordem jurídica teve de acolher a figura da injunção. Tive oportunidade de dialogar com a Secretária de Estado da altura sobre o assunto, dizendo-lhe do nosso entusiasmo quanto a este instrumento para solver uma quantidade de problemas, ao que ela me respondeu: "pois, mas…". E, mais tarde, vim a perceber a enorme resistência passiva a essa figura da injunção, uma simplificação positiva para a solução dos problemas.
Mas o Sr. Ministro tem a sorte de não ser posto aqui em causa por ter, de algum modo, soluções despesistas neste Orçamento - e é em sede de Orçamento que temos esta conversa. Aliás, ainda há pouco, um Sr. Deputado que aqui teve oportunidade de se pronunciar referiu que este universo da justiça é capaz de ser um bom negócio, porque tudo se mede, digamos, nas vantagens da cobrança aos utentes.
A esse propósito - e, agora, falando mais a sério -, gostava de saber - e esta é a minha pergunta -, o seguinte: tendo em atenção o longo curso do nosso processo, com uma arquitectura excessivamente barroca, que faz com que, quando o processo "vai à conta", a máquina de calcular nunca mais acabe, será também essa uma razão para que a vontade dos agentes do sistema judiciário os leve a promover os bottle-neck que existem no nosso processo judiciário?
O Sr. Ministro teve, por acaso, oportunidade - tê-lo-á pensado seguramente - de promover um cálculo por cada diminuição de um passo do processo perfeitamente dispensável face aos dias de hoje, onde tudo é muito mais célere e as coisas são muito mais prováveis? Isso implicaria quanto de diminuição de custo de recursos? De recursos do próprio sistema, que, no fundo, é o que faz o Ministério da Justiça - é administrar os meios da justiça.

A Sr.ª Presidente: - Dado que não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos, tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, se o Sr. Deputado Marques Júnior estiver de acordo e se a Sr.ª Presidente o permitir, pediria ao Sr. Secretário de Estado Adjunto que, a seguir, respondesse à questão sobre o tribunal judicial de Melgaço.
Começo, assim, por responder ao Sr. Deputado António Menezes Rodrigues, cujas palavras simpáticas agradeço,

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dizendo que, infelizmente, não posso dar-lhe o custo da poupança resultante da simplificação, pois esse é um custo que, de facto, não podemos calcular.
E isso prende-se com uma das primeiras questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação e com algo que referi aqui aquando da discussão do Programa do Governo e com que escandalizei muitos Srs. Deputados. É que um dos problemas do Ministério da Justiça é o facto de ter um excesso de juristas e de a administração do sistema de justiça, como a de outros sistemas, não ser uma questão para juristas. Além disso, o Ministério tem, na sua estrutura, um enorme défice de capacidade de planeamento, cuja supressão constitui uma das nossas prioridades.
A minha expressão é capaz de ter sido excessivamente caricatural, mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação, que não desconhece os tribunais portugueses, sabe que, infelizmente, não é tão caricatural como todos nós - e há-de admitir que o Governo ainda mais do que a oposição - gostaríamos que fosse. É que estes são os problemas que nós, quando visitamos aos tribunais, constantemente encontramos: tribunais onde já foram instalados os computadores, mas não há rede; tribunais onde há rede, mas não há computadores, e tribunais onde há rede e computador, mas não há aplicações. Quer dizer, isto é, de facto, um problema do sistema, problema que resulta do défice de planeamento, mas também da excessiva centralização do Ministério da Justiça. Creio que ele é, hoje, o único Ministério - julgo não haver outro - onde há um grau de centralização absoluto, visto que, fora um fundo de maneio de 60 contos, que é confiado aos secretários dos tribunais, todas as outras despesas são executadas e autorizadas no Terreiro do Paço. Por exemplo, para a substituição de um vidro na comarca da Ponta do Sol, é necessária a autorização do secretário-geral do Ministério - bom, o vidro não será um bom exemplo, porque caberá nos 60 contos, mas, enfim,… Ou seja, em relação a todas estas obras, há um grau de centralização absoluto. Ora, esta centralização absoluta, num sistema administrativamente frágil, resulta na fragilidade absoluta do sistema. Portanto, aquilo que eu digo é efectivamente aquilo que eu penso.
Diz o Sr. Deputado Carlos Encarnação que era muito fácil resolver os problemas da justiça, se, como referi nessa entrevista, actos que não têm de ser praticados pelo juiz nem pelo funcionário não tivessem de ser praticados por ninguém. Mas é verdade! A questão, como sabe, era esta: os juízes dizem que é necessário terem funcionários privativos para poderem delegar vários dos actos que são da sua competência no funcionário privativo. E eu respondo: antes do mais, é necessário ver quais são os actos que têm de continuar a ser praticados por alguém no tribunal. Certo?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Estou de acordo!

O Orador: - Dou-lhe um exemplo: tudo o que tem que ver com a expedição de cartas precatórias para ouvir testemunhas, ou para uma testemunha, que vive no Porto, vir a Lisboa para ser ouvida num processo que aí corre os seus termos. Hoje, o sistema de teleconferência, que estamos em condições de ter instalado, em funcionamento e com as pessoas formadas, até ao dia 1 de Janeiro de 2001, em todas as sedes dos círculos judiciais, permite evitar todos esses actos que têm de ser praticados para a expedição da deprecada. Se o Sr. Deputado for ler os estudos que a equipa do Prof. Boaventura Sousa Santos realizou sobre três casos particulares de morosidade da justiça, verificará que ela detectou números verdadeiramente assombrosos. A saber, para que um papel saia de um tribunal para outro tribunal, isto implica a prática de sete actos no tribunal que expede e mais sete actos no tribunal que recebe - e se é uma carta precatória para devolver, o que recebe, para além dos sete actos que praticou na recepção, pratica mais sete na expedição, e o que expediu soma mais sete na recepção! Ora, aqui não se trata de o juiz delegar num funcionário; trata-se, simplesmente, de acabar com isto! Não fazer!
Dou-lhe outro exemplo: é meu entendimento que todos os actos das partes posteriores aos articulados devem, pura e simplesmente, ser notificados pelo mandatário que os pratica no escritório do mandatário da outra parte - o tribunal não tem que intervir nisso -, sendo que a simples poupança deste gesto significa eliminar no tribunal e no circuito do processo mais cinco actos.
Dou-lhe ainda outro exemplo, relativo aos preparos. Quando a acção entra no tribunal, fica, pelo menos, oito dias parada, à espera do cálculo dos preparos. Se houver uma tabela prática de preparos, passa a exigir-se uma coisa simples, que é, com a entrega da petição inicial, ir simultaneamente ou a estampilha ou o talão do multibanco do pagamento antecipado do preparo. E o processo só "vai à conta" no final, aí se corrigindo eventuais erros no cálculo do preparo inicial. É que, hoje, para calcular, o tribunal tem de "ir à conta" logo no preparo inicial; têm de ser expedidas as guias; as guias têm de ser levantadas; as guias têm de ser pagas; as guias têm de ser depositadas; a contabilidade tem de ser feita; as contas aos cofres têm de ser prestadas. Isto é o que acontece logo no início do processo! E ainda não aconteceu nada - só entrou o papel e já gerou tudo isto! Ora, se a pessoa que mete o papel tiver pago antecipadamente, o tribunal só faz a conta do processo no fim, poupando-se todos estes movimentos.
Portanto, há vários movimentos - e dei estes exemplos, mas podíamos fazer um exercício para detectar outros - que a prática revelou inúteis e que podem ser eliminados.
Depois, há, de entre os actos que têm de ficar, alguns que poderão ser delegados e outros que devem manter-se da competência do juiz.
O Sr. Deputado colocou, a seguir, uma questão sobre a Polícia Judiciária, que deixarei para o fim, pois é claramente destacável destas questões.
Depois, falou de um conjunto de problemas e dramas que afectam os tribunais, começando pelo da informatização. É verdade, essa é uma das grandes carências do sistema e, por isso, definimos um calendário peremptório para a conclusão da instalação das redes informáticas em todos os tribunais: até Dezembro de 2001, tudo tem de estar instalado e em funcionamento. O que já tem tradução no PIDDAC deste ano, a nível do orçamento de investimento da Direcção-Geral dos Serviços de Informática, que sobe de 700 000 contos, no ano passado, para 2,05 milhões de contos, este ano. E, evidentemente, este esforço terá de ser prosseguido no PIDDAC de 2001, para que este objectivo seja alcançável. Mas convém ter a noção de que a maior dificuldade na informatização dos tribunais não tem propriamente a ver com a instalação da rede; o esforço colossal que tem de ser feito é o de formação. E formação não só dos funcionários mas também dos magistrados - e, além disso, também dos utentes. É que, a partir do

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momento em que, através dos escritórios dos advogados, se saiba como expedir, por via digital, o processo que se destina a um tribunal, teremos uma rentabilidade muitíssimo superior no sistema. Quando os advogados passarem a entregar o processo em disquete, teremos um ganho muitíssimo superior; enquanto entregarem em papel, continuamos a ter de ter os custos de instalação dos scaners e do trabalho de "scanarização" dos documentos, que é aquilo que já se faz, hoje, em diversos tribunais e que manifestamente constitui perda de rendimento.
Quanto à necessidade de incursões legislativas, é verdade, Sr. Deputado. Se deu mais atenção do que aquela que mereço à minha intervenção aqui, aquando da interpelação ao Governo promovida pelo CDS-PP, terá reparado que, de entre os exemplos que dei, de medidas de alteração legislativa de curto prazo, estava a matéria das notificações. Entendo que, entre as matérias legislativas de curto prazo, devem estar as notificações. E digo como: notificação significa carta registada - ponto! -, sem o aviso de recepção, considerando-se realizada no terceiro dia posterior à expedição, quando endereçada para o domicílio convencionado como domicílio judicial, estando em causa relações contratuais, ou para a morada que o arguido identificou como a da sua residência, seja à autoridade policial no momento do auto de notícia, seja à autoridade judiciária no momento em que foi ouvido, acabando com esse drama das notificações pessoais, ou, finalmente, para a morada que consta no Arquivo de Identificação. E acabou!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente!

O Orador: - É que, além do mais, é um dos exemplos típicos da irracionalidade do sistema da justiça. De facto, o Ministério da Justiça paga as cartas mais caras que existem no País e elas são as únicas que não chegam ao destino. Como sabe, o preço dos selos do correio normal é de 52$ e as cartas do Ministério da Justiça, porque têm logo previsto uma segunda ida do carteiro para entregar um segundo aviso de recepção, que, tal como o primeiro, o devedor, verificando que não é a encomenda da La Redoute, mas a cobrança da dívida à La Redoute, não vai obviamente à estação dos correios levantar, custam 500$.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E há pessoas que nunca estão em casa!

O Orador: - Há pessoas que nunca estão em casa; quando estão, dizem que não são elas e, quando recebem o aviso de recepção, não o vão levantar. Portanto, são as únicas cartas no País que não chegam. As estatísticas dos CTT indicam que as entregas são da ordem dos 99,8% e as únicas que não chegam são as que saem dos tribunais, que são as mais caras do mercado. Portanto, isto obviamente é irracional e tem de acabar.
Colocou, depois, o Sr. Deputado a questão da humanização dos tribunais. É verdade! E, agora que estamos fora de campanha, não lhe fica mal ir visitar alguns dos novos tribunais que o meu antecessor deixou prontos - recomendo-lhe o de Loures e que vá acompanhado pelo Sr. Deputado António Menezes Rodrigues, que conhece bem a casa, o do Barreiro ou o de Cascais -, porque vai verificar que, apesar de tudo, temos melhorado. Mas ainda não estamos como eu gostaria que estivéssemos e como seria necessário estar. E não estamos, muito possivelmente porque muitas pessoas confundem - parece-me que o Sr. Deputado também o faz - o utente com o servidor do sistema de justiça.
No sistema de justiça, o utente é o cidadão que tem um processo em tribunal, mas não só, o cidadão que se presta a colaborar com a justiça de forma desinteressada, que é a testemunha, também é utente. Ouvimos falar dos direitos da vítima, do arguido, de todas as pessoas, mas não vejo alguém cuidar dos direitos da testemunha e ela é a maior vítima do sistema de justiça, porque é a "desgraçada" que tem de comparecer, sob cominação de multa, num tribunal, onde vai duas e três vezes para sucessivos adiamentos e habitualmente não tem um local onde possa ser recebido e sentar-se. A testemunha é o único agente a quem é aplicada uma multa se faltar, isto não acontece a mais ninguém. Todos os outros agentes podem faltar, a testemunha é a única que não pode fazê-lo.
Depois, V. Ex.ª colocou o problema da administração da justiça, problema central. No meu entendimento, a sua solução passa, no mínimo, pela adopção de duas medidas.
Primeira, a implementação da autonomia administrativa e financeira dos tribunais superiores. Entendo que o relacionamento que existe do ponto de vista financeiro entre, por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça e o Ministério da Justiça é institucionalmente insustentável. Com tanta discussão que existe sobre a independência de uns e de outros, é, obviamente, caricato ser o Ministro da Justiça a autorizar as despesas praticadas pela quarta figura do Estado, além de que esta autorização também é inútil, porque qualquer Ministro da Justiça que tenha um mínimo de boa educação "aprova de cruz" as despesas que lhe são apresentadas. Portanto, isto é, obviamente, um absurdo, que deve ser corrigido.
Segunda, a instituição da figura do administrador nos tribunais de primeira instância, da seguinte forma: nos grandes tribunais, um administrador por cada tribunal; nos tribunais de menor dimensão, um administrador para um conjunto de tribunais. O administrador tem de preencher uma função que está em aberto.
O Sr. Deputado conhece bem o sistema de justiça e já se terá dado conta de que os tribunais são os únicos estabelecimentos públicos onde ninguém manda. Senão vejamos: por exemplo, as universidades têm autonomia, mas têm um reitor que manda; as faculdades têm autonomia, mas têm um conselho directivo que manda; os hospitais têm autonomia, mas têm um conselho de administração. Os tribunais nada têm. Os tribunais têm apenas um juiz presidente que, como sabe, não tem funções de gestão nem de direcção dos magistrados, dos funcionários e das instalações, e tem de existir alguém que mande.
Penso que temos duas formas de encarar esta medida: ou pensamos que ela visa introduzir mais um factor de problema ou pensamos que ela visa introduzir um factor de solução. Creio que a lei indicia que o administrador deve contribuir para a solução do problema e não para o problema, portanto, ele deve ter a função de coadjuvar o presidente do tribunal, devendo ser, necessariamente, um magistrado judicial.
Considero que seria importante e útil que existissem formas, não digo no dia a dia, na administração executiva, de os utentes do tribunal também terem uma palavra a dizer no que respeita ao funcionamento do sistema, porque o sistema deve ter em conta, cada vez mais, aquilo que os utentes pensam sobre o seu próprio funcionamento.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E neste caso os utentes seriam quem?

O Orador: - Os utentes são as pessoas que recorrem aos serviços de administração judiciária.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito obrigado! Eu só queria saber quem são!

O Orador: - É evidente que é necessário encontrar um critério institucional de representação, mas tenho a certeza de que a sua imaginação, que é bastante mais fértil do que a minha, já conseguiu encontrar mais soluções do que as que eu encontrei. Eu já tenho uma solução e não tenho dúvidas, repito, de que o Sr. Deputado terá encontrado muito mais soluções do que eu.
No que respeita à questão do notariado, não percebi muito bem qual é a posição do Sr. Deputado; de qualquer forma, penso que partiu de uma premissa que, apesar de tudo, é errada.
Efectivamente, o diploma de 1993 veio permitir que as escrituras de compra e venda de imóveis, associadas a escrituras de mútuo e de hipoteca, deixassem de ter intervenção notarial, podendo ser feitas pelos bancos, cobrando estes as respectivas receitas, com mais alguns pormenores que não vou referir. Este diploma não teve efectividade, por duas razões simples.
A primeira, pelo facto de o diploma impor a existência de um modelo contratual único para todos os bancos, o que não foi aceite por estes. Considero que esta exigência é relativamente inútil, uma vez que penso que só é necessário exigir que o modelo contratual seja aprovado pelo Estado e não que ele seja igual para todos os bancos. Se existirem 40 bancos, pode haver 40 contratos, desde que estes sejam aprovados.
A segunda razão é esta: a lei impunha que esse documento fosse particular. De facto, assim, nem os bancos quiseram emprestar o dinheiro, nem as pessoas quiseram comprar ou vender com base num documento particular. Ora, não há qualquer razão para que o documento seja particular, ela só existe se mantivermos o paradigma de que a única entidade competente para conferir fé pública aos actos é o notário. Eu tenho outro paradigma, que é o de que há outras entidades que, em razão do acto, podem ser consideradas idóneas para conferir fé pública e admito-o.
Por conseguinte, sugeri à Associação Portuguesa de Bancos que propusesse uma revisão do diploma de 1993, no sentido de que fosse conferida fé pública ao documento desde que ele fosse celebrado por um jurista qualificado do banco, uma vez que este é um caso típico em que risco social é diminuto, porque, como sabe, este acto está sujeito a um segundo controlo gracioso, que é o da conservatória do registo predial.
Não compreendo por que é que tenho de exigir o controlo das próprias partes, o controlo gracioso do notário e, ainda, o controlo gracioso do registo predial, uma vez que tenho uma rede de segurança final que é o registo predial, o qual pode assegurar o controlo, porque esses contratos são de registo predial obrigatório. Assim, não é preciso exigir a intervenção do notário. Agora, há uma coisa que tenho de fazer relativamente aos bancos, tal como fiz no caso das fotocópias, que é forçá-los à prática de preços inferiores aos que resultam do emolumento notarial.
Neste modelo que temos vindo a praticar não se proíbe os notários de praticarem qualquer acto. Se o Sr. Deputado quiser comprar uma casa por escritura, recorrendo a um notário, é totalmente livre de o fazer e se resolver comprar a casa a uma pessoa que lhe merece confiança - tendo o Sr. Deputado, além do mais, conhecimentos jurídicos mais do que suficientes para se apresentar no acto - pode dizer: "de facto, não é necessário ir ao notário, talvez possamos resolver isto entre nós", sendo que o interesse público é sempre controlado no fim pelo próprio registo predial. É natural que, se eu lhe vender uma casa, me exija a ida ao cartório, uma vez que sou uma pessoa de quem tem razões de sobra para desconfiar,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Era a última pessoa a quem eu o exigiria!

O Orador: - … e eu iria ao cartório. Os emolumentos seriam pagos por si, mas eu iria ao cartório.
Depois, há aquelas situações em que o particular, pura e simplesmente, poupa não gastando dinheiro. Sabe quais são essas situações? Todas as alterações aos contratos de sociedade que não ferem interesses de terceiros (uma das inovações importantes que fizemos) - com excepção das alterações do objecto social ou do montante do capital social, porque são duas alterações que podem ferir interesses de terceiros - e que são, pura e simplesmente, um negócio entre as partes que se associaram livremente entre si, estão dispensadas da intervenção do notário, sendo apenas exigido que a acta seja assinada pelo secretário da sociedade. Portanto, as sociedades têm o seu secretário, ele lavra a acta e deposita-a no registo comercial, o que também constitui uma garantia suficiente, creio eu.
Mas nós temos vindo a fazer tudo isto com muita prudência. A prudência é tanta que fizemos isto com base num protocolo celebrado precisamente com algumas das instituições representativas dos principais utentes do sistema de registos e notariados. Com quem é que fizemos o protocolo? Com a Associação Empresarial de Portugal, com a Associação Industrial Portuguesa; com a CIP (Confederação da Indústria Portuguesa), com a CCP (Confederação do Comércio Português), com a DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), com a Ordem dos Advogados e com a Câmara dos Solicitadores, porque os particulares são os que estão mais interessados na simplificação, mas também os que estão mais interessados na segurança e certeza do tráfico jurídico.
Portanto, fizemos um programa de simplificação gradual, começando por um conjunto de actos que é limitado, mas que, apesar de tudo, representa 25% dos actos praticados em cartórios notariais, em 1998, que são actos de simplicidade manifesta - como é a certificação de fotocópias - ou actos que envolvem basicamente agentes económicos. Não optámos pela simplificação destes actos devido àquele discurso populista dos lobbies - que é o discurso que os notários agora fazem - mas porque estes actos são aqueles que, pela sua própria "experiência de vida", têm um maior grau de informação jurídica e onde haveria um menor risco nesta primeira etapa da simplificação. A Comissão, que é constituída por todas estas entidades e pelo Governo, não só vai aprovando as medidas de simplificação que vão sendo adoptadas mas também vai acompanhando e fiscalizando a execução que vai existindo, com a garantia, que sempre demos, de que se, no final, concluirmos que o País não tem condições de suportar a simplificação, volta-se atrás e corrige-se. Sabe que estamos poupados àquele problema de raramente termos dúvidas e nunca nos enganarmos.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Enganam-se! Muitas vezes!

O Orador: - Às vezes, temos dúvidas, enganamo-nos, e, portanto, estamos disponíveis para corrigir os enganos, se for necessário. Agora, vamos percorrer este caminho e, se nos enganarmos, corrigiremos.
Não somos como a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que, ainda noutro dia, à laia de desabafo, disse aqui, em reunião plenária, isto: "Eu nunca me engano!"

A Sr.ª Presidente: - Eu disse isso?

O Orador: - Sim, disse-o num momento de assombro mais "cavaquista".

Risos.

A Sr.ª Presidente: - Não me lembro de ter dito isso! Talvez o tenha dito em resposta a acusações que me foram dirigidas…

O Orador: - Sim, o PS estava a fazer-lhe "maldades" e a meter-se consigo… Era o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira quem estava a dizer apartes que a irritaram e saíu-lhe…

A Sr.ª Presidente: - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação também colocou a questão sobre o problema das prisões. Infelizmente, não obstante as medidas alternativas que é possível aplicar, a possibilidade de ser ampliado o uso das pulseiras electrónicas e a desejável descriminalização do consumo de estupefacientes, a verdade é que o sistema prisional, como o Sr. Deputado bem sabe, ainda tem muitas carências, e vai continuar a ter. Este é um esforço de investimento que é necessário continuar a fazer e que vale a pena fazer!
Ainda noutro dia, tive oportunidade de visitar e de inaugurar várias obras que foram realizadas na prisão de Alcoentre, em instalações que, em 1996, o Sr. Provedor de Justiça mandou encerrar devido à falta de qualidade, as quais não podiam ser encerradas porque a sobrelotação não permitia encontrar outro alojamento para as pessoas. A verdade é que agora se reconhece que, com as obras realizadas e com o investimento que foi feito, essas instalações estão recuperadas e em condições de servir os utentes do sistema prisional. Portanto, este é um investimento que é necessário.
O Sr. Deputado não estava cá quando, no princípio da minha intervenção, chamei a atenção para o facto de o Governo ter, no seu Programa, uma meta ambiciosa - que excede, aliás, as necessidades actuais do sistema -, que é a obtenção de 15 000 vagas no sistema prisional, e, neste momento, temos pouco mais de 13 000 reclusos. Assim sendo, a meta estabelecida excede claramente as necessidades, mas nós não sabemos o que é que irá acontecer daqui a 5 ou 10 anos.
Tivemos um período de crise económica no País que se traduziu no aumento de reclusos; temos tido, sustentadamente, nos últimos anos, uma queda acentuada do número de reclusos; admitimos que uma maior credibilização de penas alternativas, como, por exemplo, o trabalho a favor da comunidade, possa garantir que não volte a haver um pico desta natureza, mas nada nos garante que isso acontecerá.
Temos de ter capacidade não só para atingir a meta que nos propomos, mas sobretudo para que o sistema prisional possa assegurar um tratamento penitenciário mais personalizado do que aquele que hoje assegura.
Por exemplo, temos o problema das alas livres de droga, que é muito importante para introduzir no sistema a valência de recuperação dos toxicodependentes, mas o sistema ainda não tem capacidade para ter zonas reservadas para os não toxicodependentes. Devia haver zonas reservadas a não toxicodependentes, porque eu não devo agravar riscos de contágios devido a convívios que eu devia poder evitar, mas não posso.
Eu devia poder, mas não posso, ter uma política de maior separação entre os presos preventivos e os não preventivos ou, pelo menos, entre as presos primários, os preventivos e os demais.
Mas, para que isso seja possível, o sistema tem de ter uma "folga", a não ser que pudéssemos estabelecer o regime que existe na Suécia, onde este problema não se põe. Na Suécia, como o Sr. Deputado saberá - eu não sabia e aprendi -, não há uma execução imediata entre a aplicação da pena de prisão e o início do cumprimento da pena. Uma das condicionantes para o início do cumprimento da pena é a existência de vaga, pelo que, não existindo, o condenado aguarda em liberdade melhor oportunidade para o cumprimento da pena.
Não creio que esta solução, que intelectualmente é muito tentadora, seja aplicável às nossas características sociológicas, mas o Sr. Deputado pode ter outra ideia e devo dizer-lhe que acompanharia com bastante interesse o debate que se proporcionasse sobre esta matéria.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É paralela à pulseira magnética!

O Orador: - Finalmente, vou responder-lhe às várias questões que me colocou sobre Coimbra.
Começando pela prisão de Coimbra, eu já disse, com toda a franqueza, na 1.ª Comissão, que, dos grandes estabelecimentos prisionais que têm de ser construídos para atingir o objectivo das 15 000 vagas no sistema prisional, um está incluído no PIDDAC, que é o estabelecimento feminino do Norte, e dois não estão incluídos no PIDDAC, que são o de Coimbra e o de Faro.
Referi, ainda, que ou algo acontece que permita aumentar ainda mais, no próximo ano, o PIDDAC do sistema prisional para acomodar estas obras - o que contraria, aliás, a sua ideia de que deveríamos diminuir o PIDDAC do sistema prisional - ou, então, teremos de encontrar formas criativas de financiamento destas duas obras. Esta situação suscita, naturalmente, o arrepio imediato da Sr.ª Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e o "ranger de dentes" do Sr. Deputado Octávio Teixeira, que despertou para a justiça porque ouviu falar em formas criativas de financiamento! Mas sejamos claros: ou existe esforço de investimento e esses dois estabelecimentos prisionais vão existir, ou não existe e esses dois estabelecimentos prisionais não vão existir.
Devo dizer, com toda a sinceridade, que penso que valia a pena fazer um esforço de investimento, visto que este, felizmente, é um daqueles sectores onde esse esforço, num horizonte de quatro anos, pode resolver os problemas estruturais, o que já não acontece, infelizmente, com os

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outros problemas.Por mais soluções criativas que existam para os tribunais, para os registos e notariado, para o IRS, daqui a quatro anos, os problemas estruturais não estão resolvidos. No sistema prisional, como o problema é, basicamente, de investimento nas infra-estruturas, podemos ter isto resolvido em pouco tempo. Portanto, penso que este é um daqueles sectores onde é capaz de valer a pena o esforço de investimento.
Quanto ao tribunal de Coimbra, o Sr. Secretário de Estado poderá depois pormenorizar, mas, para já, posso dizer-lhe que temos marcada, para a próxima quarta-feira, uma reunião com o Sr. Presidente da Câmara de Coimbra para resolver o problema - semelhante ao que aconteceu em Évora - de não haver acerto entre o terreno disponibilizado e a adequação do terreno, do ponto de vista do Ministério, e, portanto, existem aí matérias a sinalizar.
Quanto ao PIDDAC da Polícia Judiciária de Coimbra, como o Sr. Deputado pode observar, existe uma verba inscrita para a elaboração do projecto e a previsão para o gasto plurianual das verbas necessárias à execução da obra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Só falta uma pequena coisa: a dívida das famílias!

O Orador: - Quanto ao endividamento, o Eng.º José Sócrates, creio que na qualidade de Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, desenvolveu trabalhos legislativos para resolver um problema, que, aliás, não é uma originalidade portuguesa, apesar de ter sido assim interpretado, visto que existe legislação idêntica em França e na Bélgica e deve existir em Portugal, isto é, devem existir mecanismos de prevenção dos litígios. Esses mecanismos são de diversa natureza, como, por exemplo, um que tem sido proposto pela Associação Portuguesa de Bancos e do qual sou defensor, que se traduz na possibilidade de os bancos poderem recusar a celebração de contratos de crédito ou de financiamento, em qualquer das suas variantes, em função de uma informação negativa que seja fornecida pela base de dados existente no Banco de Portugal. Isto é fundamental, porque há aqui uma ética de responsabilidade no pagamento, mas há, também, uma ética de responsabilidade na concessão de crédito e há crédito temerariamente concedido porque, quando se recorre ao tribunal, este fica transformado em "serviço de cobranças". De facto, os tribunais não devem funcionar como "serviço de cobranças" de sapatarias que vendem sapatos com cartões de crédito que inventaram. Os tribunais não foram criados para isso, nem a função de justiça do Estado deve ser esgotada desta forma!
Para além deste mecanismo de prevenção, penso que devem existir outros.
Se o Sr. Deputado Carlos Encarnação quer saber a minha opinião sobre a formatação do diploma, posso dizer-lhe que gostaria que o mesmo tivesse uma formatação mais aligeirada e bastante mais "desjudicializada". Aliás, ao que creio, é essa a ideia resultante do parecer do Conselho e é essa também a opinião do Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, com quem tenho falado bastante sobre esta matéria.
Desta forma, penso que vai ser possível construir um sistema ágil, que efectivamente previna a emergência de litígios em tribunal e que dê suficientes garantias de fiabilidade às diversas partes, mas que não implique nem exija intervenção permanente do tribunal em matérias em que, reconheço, o tribunal não deve ser chamado. Aliás, vamos iniciar um grande debate público, cujo processo está a ser conduzido pelo Sr. Secretário de Estado da Justiça, sobre os limites da jurisdição dos tribunais clássicos, que são aqueles que conhecemos, e sobre o papel que o Estado deve ter na promoção e implementação de meios alternativos de resolução de litígios, desde os tribunais de paz, que são objecto de uma interessante iniciativa do PCP, até à arbitragem, à mediação, à conciliação e a vários outros que podem surgir. Portanto, há uma rede de mecanismos de prevenção de litígios importante.
Certos mecanismos são simples, como é o caso de um diploma, a ser brevemente submetido a Conselho de Ministros, que tem por fim acabar com o absurdo de ser possível constituir dívidas às companhias seguradoras no que diz respeito ao seguro automóvel pela simples razão de o seguro entrar em vigor antes do momento do pagamento. Deixará de haver dívida se se fizer uma coisa simples, que é o seguro entrar em vigor no momento do pagamento. É simples: quem paga tem seguro, quem não paga não tem seguro e não pode circular! É simples! Não vale a pena estarmos a criar mecanismos que só favorecem os devedores e que contribuem para um mau desempenho das empresas e, sobretudo, para a sobrelotação dos tribunais.
Creio que agora respondi mesmo a todas as questões, embora de uma forma insuficiente. Aliás, por definição, um Ministro responde sempre à oposição de um forma deficiente, portanto eu não podia fugir à regra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas há uns que respondem melhor do que outros!

A Sr.ª Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, julgo que do vasto elenco de questões colocadas ao Sr. Ministro ficaram por responder apenas duas, que espelham uma legítima preocupação dos Srs. Deputados relativamente aos círculos pelos quais foram eleitos. O Sr. Deputado Marques Júnior manifestou a sua preocupação quanto ao tribunal judicial de Melgaço e o Sr. Deputado Carlos Encarnação está preocupado com o tribunal judicial de Coimbra.
Sr. Deputado Marques Júnior, no que diz respeito ao tribunal judicial de Melgaço, que tem dotação inscrita no PIDDAC, o único reparo que posso fazer é corrigir alguns dos prazos que chegaram ao seu conhecimento, no sentido de antecipação dos mesmos. De facto, o projecto de execução deverá ser apresentado até Abril, e não até Maio, o que permitirá a sua aprovação até ao final de Maio, o lançamento do concurso antes do Verão e, consequentemente, a adjudicação e o início de obra ainda durante este ano. Todas as informações apontam neste sentido, isto é, não temos qualquer indicação de que o prazo que está a decorrer neste momento, que é o prazo para a apresentação do projecto de execução, venha a não ser cumprido. O processo está perfeitamente identificado, está definido o programa do tribunal, pelo que não temos, até ao momento, qualquer indicação da existência de problemas que possam determinar uma qualquer dilação destes prazos.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, a questão que se coloca relativamente ao Tribunal Judicial de Coimbra tem que ver com o desenvolvimento do movimento processual,

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que leva à alteração das características que devem estar presentes hoje, não apenas num tribunal judicial mas também nos tribunais que devem servir a cidade de Coimbra. Assim, esse movimento levou-nos a adoptar, em detrimento de uma estratégia seguida num determinado momento e que passava pelo alargamento do Tribunal Judicial de Coimbra na área em que o mesmo está instalado, uma outra estratégia, que passa pela criação do que está referido no PIDDAC como Tribunal Judicial de Coimbra II. Portanto, esse facto levou-nos a separar os tribunais de Coimbra, criando o tribunal em função da sua natureza e prevendo a existência de um segundo tribunal.
Em breve, conto ter clarificado com a Câmara Municipal de Coimbra quais são as condicionantes urbanísticas que envolvem este processo, o que é um ponto indispensável para que possa ser desenvolvido o projecto de arquitectura. É por isso que o Governo inscreveu no PIDDAC uma dotação de 30 000 contos para 2000, que permitirá desencadear o processo de elaboração do projecto relativo ao Tribunal Judicial de Coimbra II.
Conto ter, ainda antes do final da discussão do Orçamento, notícias mais precisas e satisfatórias para celebrar com o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu não esperava outra coisa!

A Sr.ª Presidente: - Não havendo mais Srs. Deputados inscritos, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
Agradeço a presença do Sr. Ministro da Justiça e dos Srs. Secretários de Estado nesta Comissão.
Srs. Deputados, lembro que a reunião de amanhã terá início às 11 horas e 30 minutos, para discussão do orçamento do Ministério da Defesa Nacional.
Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 5 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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