O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Sexta-feira, 10 de Novembro de 2000 II Série-C - GOP-OE - Número 1

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Reunião de 9 de Novembro de 2000

S U M Á R I O


Pelas 15 horas e 20 minutos, a Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite) abriu o debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 47/VIII - Grandes Opções do Plano Nacional para 2001 e 48/VIII - Orçamento do Estado para 2001.
Sobre o orçamento relativo aos Encargos Gerais da Nação (Ministro da Presidência) intervieram, além do Sr. Ministro (Guilherme d'Oliveira Martins) e dos Srs. Secretários de Estado para a Defesa do Consumidor (Acácio Barreiros), da Comunicação Social (Arons de Carvalho) e da Presidência (Vitalino Canas), os Srs. Deputados Rui Rio (PSD), Maria Santos (PS), António Filipe (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Telmo Correia (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), António Reis (PS), Maria Celeste Cardona (CDS-PP), Margarida Botelho (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Carlos Martins (PSD) e Natália Filipe (PCP).
A reunião foi encerrada eram 18 horas.

Nota: Em série especial, designada de GOP-OE, serão publicados nove números na II Série C do DAR, relativos à discussão, na especialidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 2001, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Página 2

 

A Sr.ª Presidente (Manuela Ferreira Leite): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, vamos iniciar hoje a discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2001, reunindo, em primeiro lugar, com o Sr. Ministro da Presidência e com os Srs. Secretários de Estado responsáveis por todos os pelouros que lhe estão atribuídos.
Como se sabe, são vários os pelouros e, portanto, para darmos alguma ordenação a esta análise do Orçamento, iríamos dividi-lo por temas. Assim, começaríamos por discutir com o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social e com o Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, pelo que os Srs. Deputados que sobre essas matérias queiram questionar o Governo inscrever-se-ão para estes dois temas.
Posteriormente, iniciaremos os temas que são do pelouro do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Como digo, tentaremos proceder assim para ordenar os temas em discussão.
Como se trata de uma discussão na especialidade, o Orçamento já foi apresentado pelo Sr. Ministro, na sede respectiva, na discussão na generalidade. Assim sendo, o Sr. Ministro prescinde de fazer qualquer apresentação inicial, ficando a Mesa à espera da inscrição dos Srs. Deputados para iniciarmos o debate sobre a comunicação social e a defesa do consumidor.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr, Secretário de Estado da Comunicação Social, gostava de colocar rapidamente uma questão. Tentarei, ao iniciar o debate na especialidade, ser muito directo e rápido, numa tentativa de "criar escola", para ver se, este ano, estes debates não se arrastam indefinidamente ao longo da manhã, da tarde e, às vezes, da noite.
Sr. Ministro, a Radiotelevisão Portuguesa tem uma transferência da ordem dos 19 ou dos 20 milhões de contos, a título de indemnizações compensatórias. No passado, as indemnizações compensatórias apareciam todas inscritas no Orçamento e, depois, começou a utilizar-se uma prática que passa pelas denominadas "operações harmónio", segundo as quais os prejuízos são integrados no capital, o que leva a uma redução deste, sendo feito posteriormente um aumento de capital com as receitas de privatizações. É uma forma de canalizar as receitas de privatizações para despesas correntes, ou seja, para substituir indemnizações compensatórias, o que, não sendo jurista, me parece objectivamente contrário ao espírito da lei.
Pergunto-lhe, portanto, Sr. Ministro, se a RTP vai receber exclusivamente esses 19 ou 20 milhões de contos ou se vai ter uma dessas denominadas "operações harmónio" - que, como disse, passam pela integração de prejuízos, pela diminuição do capital e, logo de seguida, pelo aumento do mesmo com as receitas de privatizações.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, V. Ex.ª conhece bem as dificuldades, que não são de agora, de uma empresa como a RTP. Devo dizer-lhe que a questão da RTP é uma questão que todos temos de assumir com muita clareza e, quer o Sr. Secretário de Estado, quer eu próprio, estamos totalmente disponíveis para, com inteira clareza e transparência, partilhar convosco aquela que é a necessidade de uma reestruturação financeira na RTP que permita que o serviço público de televisão seja assegurado nas melhores condições e envolvendo os menores sacrifícios para o contribuinte. Esta é que é a questão fundamental.
Devo dizer-lhe que a questão da RTP não se resolve, naturalmente, com o valor da indemnização compensatória que está previsto. O Sr. Deputado sabe bem que, se eu dissesse isso, V. Ex.ª diria, e muito bem, que tal não fazia sentido. E não faz, face à situação da RTP.
Se me pergunta qual é o modo concreto como a reorganização financeira da RTP vai ser feita, posso dizer-lhe que tanto eu como o Sr. Secretário de Estado teremos todo o gosto em voltar aqui, se a Comissão de Economia, Finanças e Plano ou qualquer outra comissão o quiserem, para vos dar essa informação, quando for altura disso, ou seja, quando tivermos o estudo realizado. Queremos que esse seja um estudo sério, uma vez que a reorganização da RTP é uma questão que ocupará vários anos e, obviamente, tem de ser partilhada e assumida com muita clareza. Pode ficar ciente e certo de que esta equipa não quer um saneamento financeiro da RTP que seja feito fora das regras da clareza e da transparência, que são indispensáveis.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Ministro, posso, portanto, inferir que no Orçamento do Estado para 2001, para além dos 20 milhões que aparecem para a RTP, há mais dinheiro que não está à luz do dia! Infiro isso!

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Deputado, infere mal, uma vez que o que está directamente previsto no Orçamento de 2001 para a RTP corresponde ao valor que está referido e, nesse sentido, a reorganização financeira da RTP - e, como sabe, há várias formas de o fazer - deverá ser feita em termos inteiramente claros. Reafirmo desde já que estou disponível para, junto da Comissão de Economia, Finanças e Plano, se esta o quiser, partilhar convosco a solução a que chegarmos.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, relativamente às questões que se prendem com a defesa do consumidor, constatamos, como já tivemos oportunidade de dizer ao Sr. Secretário de Estado na reunião da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, que há um reforço de dotação orçamental em cerca de 100% para este domínio. No entanto, este reforço de verba prende-se directamente

Página 3

 

com a criação da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar, que passará a coordenar e a fiscalizar todo o sector alimentar do nosso país.
De facto, esta é uma reforma estrutural que envolve todos os sectores do Estado com competências na matéria e, portanto, exigia, efectivamente, uma atribuição de verbas significativa. Aliás, a comissão instaladora tem, para além da instalação propriamente dita, como função primordial a coordenação de todas as acções de fiscalização, a elaboração do plano nacional e o estabelecimento de procedimentos e fiscalização dos produtos.
Ora, constatamos que, actualmente, os nossos laboratórios não estão suficientemente apetrechados, que não temos ainda um inspectorado preparado para as recentes evoluções científicas no domínio da segurança alimentar, e que precisamos, como é uma exigência da União Europeia, de uma harmonização de procedimentos de controlo, na medida em que a agência portuguesa, como todas as agências nacionais, trabalhará em rede com a futura Agência Europeia de Segurança Alimentar. Isto para além de outros aspectos de carácter técnico, como a necessidade de harmonizar critérios, manuais, procedimentos e relatórios.
Penso que o projecto Apoio Laboratorial, que está consignado no PIDDAC e que conta com cerca de 70 000 contos, prevê a aquisição de equipamentos técnicos, e o reforço das nossas unidades laboratoriais para desafios que, do ponto de vista científico, são já uma exigência e que, em termos de futuro, vão colocar-se certamente com maior acuidade. Há um laboratório de referência da Direcção-Geral da Fiscalização Económica que passou, segundo penso, a integrar a comissão de coordenação da agência alimentar. Todavia, ao que sabemos, este laboratório não está suficientemente apetrechado para fazer face aos novos desafios que se prendem com o controlo alimentar.
Essa verba, como disse, é de 70 000 contos e, globalmente, penso que servirá para reforçar a capacidade logística dos laboratórios. De todo o modo, permito-me perguntar se existe uma articulação directa com o projecto que vem a seguir, que é um projecto Sistema de Formação para a Qualidade Alimentar, que tem prevista uma verba de 120 000 contos? As questões da segurança alimentar constituem um desafio fundamental que se coloca a qualquer um de nós e ao Governo em particular. De facto, é preciso ganhar a confiança dos consumidores, tarefa que, para ser cumprida, implica uma fiscalização e um controlo rigorosos dos produtos. Como disse, esta tarefa exige regras claras de harmonização, informação e prevenção e por isso pergunto se existe uma articulação entre estes dois projectos? Como acabei de dizer, para além do problema do apetrechamento dos laboratórios, é também necessária uma formação científica permanente do inspectorado neste domínio.
Por outro lado, ao fazer uma leitura dos diferentes programas e projectos, chego à conclusão que a maior parte dos valores são suportados exclusivamente pelo Orçamento do Estado, ou seja, sem contrapartidas comunitárias. Como tal, pergunto se não prevê recorrer a esses financiamentos, nomeadamente através de programas operacionais de outros ministérios, que, dada a transversalidade da problemática, terão também de se responsabilizar, em termos orçamentais, com as questões de segurança alimentar.
Outro aspecto: o Conselho Nacional de Consumo. Este é um órgão consultivo que existe há cerca de quatro anos e que, felizmente, se autonomizou com a reestruturação dos serviços, vê consignada uma verba de cerca de 10 000 contos. É um órgão colegial paritário e, portanto, tem organizações de defesa dos consumidores e operadores económicos, mas não integra organizações não governamentais de ambiente. Ora, nós sabemos que hoje a integração do ambiente nas outras áreas de acção governativa é uma prioridade política e eu gostaria de saber se não se prevê alargar este órgão de concertação a ONG de ambiente?
Relativamente ao Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, há um aumento significativo, penso que de cerca de 20%. Fiz a descodificação de todos os projectos que estão no PIDDAC e estou globalmente satisfeita, mas a minha grande preocupação prende-se, ainda, com o controlo e fiscalização da publicidade. Há neste momento vários sectores em que a publicidade tem um papel vital, nomeadamente no que respeita aos produtos financeiros, à qualidade e segurança alimentar, e, também, à publicidade direccionada para menores. Gostaria de saber o que é que se prevê para estas áreas? Estas três áreas são fundamentais, mas penso que a última será mesmo uma prioridade da presidência sueca da União Europeia, tendo em conta que é preciso rever a publicidade dirigida a menores. Portugal, certamente, dará todo o seu apoio à presidência sueca nesta matéria.
Finalmente, pergunto se as verbas que estão consignadas no Observatório da Publicidade vão servir para o desenvolvimento destas matérias ou se há outras verbas no Orçamento do Estado para este fim?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor (Acácio Barreiros): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Maria Santos, em primeiro lugar, queria dizer-lhe que, no que se refere à fiscalização, a questão da capacidade laboratorial instalada é um aspecto decisivo, como a Sr.ª Deputada muito bem afirmou.
Devo dizer-lhe, também, que esta verba de 70 000 contos é uma primeira verba, numa previsão para três anos, e, para além disso, não inscrevemos aqui, porque estamos numa fase de instalação da agência, a possibilidade de recurso a verbas comunitárias. De todo o modo, há essa intenção, nomeadamente no que se refere ao Programa Operacional do Ambiente e ao Programa Operacional da Economia, pelo que poderemos recorrer a verbas para reforçar esta que aqui está e que se destina essencialmente, como a Sr.ª Deputada disse, a dotar o laboratório que está dependente da Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar e que só passará para a agência quando for aprovada a lei orgânica.
Queria dizer-lhe ainda que já contactei o Sr. Director do laboratório e pude constatar que nos últimos anos foram feitos grandes investimentos nessa instituição. O laboratório de referência, como sabe, tem uma capacidade de resposta muito boa, mas precisa de alguns investimentos em matéria informática, que o Sr. Director ficou de apresentar. No entanto, devo salientar que esta verba tem capacidade de resposta para acomodar esses investimentos.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada fez bem em juntar o que está aqui em PIDDAC com o sistema de formação para a qualidade alimentar, porque se trata de garantir uma maior

Página 4

 

tecnicidade da inspecção, ou seja, uma melhor qualidade técnica da inspecção, e isso implica alguns investimentos que já estão a ser feitos e que continuarão a sê-lo. A ideia que temos é que esta verba é suficiente para responder às necessidades nesta fase de arranque, tendo em conta a capacidade deste sistema já estar instalada e os investimentos que já foram feitos.
Também é nossa intenção usar desta verba para acordos com outros laboratórios, procurando criar uma rede capaz de ter uma resposta rápida e eficaz. Estamos a fazer uma avaliação ao nível das universidades espalhadas pelo País que têm também alguns laboratórios com alguma capacidade instalada, tendo em vista a possibilidade de vir a ser creditada nessas universidades alguma possibilidade de responder, em termos laboratoriais, às necessidades da fiscalização, desaparecendo a necessidade de ir ao laboratório de referência para sistemas mais simples, que é possível estabelecer através de protocolos. A previsão que fazermos é a de que estas verbas, no seu conjunto, são suficientes.
Referiu também a questão do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e do reforço da sua dotação, pelo que queria chamar a sua atenção para o crescimento de praticamente 100% em matéria de informação aos consumidores.
No que respeita à publicidade, queria chamar também a sua atenção para o facto de o crescimento orçamental, em relação ao ano passado, se referir, exactamente, à contratação de 10 técnicos para a área da publicidade, num concurso que estará concluído até ao fim do ano, que, como já tive oportunidade de dizer no debate na generalidade, é uma área à qual damos muita importância e que pretendemos ver reforçada.
Pretendemos ver esta área reforçada pelo aumento da capacidade de fiscalização, mas também pela aposta no diálogo e pelo aumento da capacidade de autocontrolo das próprias empresas de publicidade, cujo instituto, como sabe, tem um protocolo com o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor. Aliás, devo dizer que estas empresas têm aprovado um código de boas práticas que considero muito evoluído.
Portanto, temos procurado, por um lado, manter um diálogo com esse instituto e com as empresas, mas também reforçar a capacidade de fiscalização, estando previstas verbas para a contratação de pessoal que permita uma maior eficácia nessa matéria.
Em relação ao Conselho Nacional de Consumo, queria dizer à Sr.ª Deputada que tem toda a razão no reparo que fez. Na verdade, este Conselho Nacional de Consumo não tem organizações não governamentais ligadas ao ambiente e era imprescindível que tivesse. Devo dizer que essa é uma preocupação que temos tido e que ainda não foi resolvida, pelo que terá de ser discutida no conjunto do Conselho Nacional do Consumo. É, de facto, muito importante que no futuro, e espero que num futuro bastante próximo, venham a ser integradas neste órgão organizações da área do ambiente, dada a profunda ligação que existe, como é óbvio, entre a defesa do consumidor, nas várias áreas, nomeadamente na área da segurança alimentar, e a área do ambiente.
Como digo, o reparo da Sr.ª Deputada tem toda a razão de ser, porque há algum atraso da nossa parte, que, espero, venha a ser superado, integrando as organizações do ambiente no Conselho Nacional de Consumo.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, vou colocar questões relativas à área da comunicação social.
Na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tivemos já oportunidade de tomar contacto com o orçamento para esta área, que nos foi apresentado. Creio que se pode dizer que o orçamento, em si, espelha a ausência de uma política e de uma intervenção por parte do Estado no sector da comunicação social.
Não estou a falar em intervenção em termos de conteúdos informativos, como é evidente, mas em termos daquilo que deve ser a intervenção do Estado num sector que é de grande importância para a própria democracia e que passa por desenvolvimentos recentes muito preocupantes a vários níveis.
O que consta do Orçamento do Estado, na sua parte mais avultada, tem a ver com a indemnização compensatória à RTP, sendo o restante para verbas praticamente inexpressivas relativamente ao funcionamento de outras áreas, designadamente para o apoio às publicações periódicas.
A questão que lhe quero colocar, Sr. Secretário de Estado, tem a ver precisamente com o facto de verificarmos que se continua a processar um movimento de concentração dos órgãos de comunicação social nas mãos de um número cada vez mais reduzido de grupos económicos, o que introduz distorções muito graves neste sector. Ainda recentemente fomos confrontados com a absorção do grupo Lusomundo - um dos grupos mais poderosos no âmbito dos media portugueses -, pela Portugal Telecom, criando uma nova dinâmica de fusões entre os sectores da comunicação e da informação.
Temos, aliás, notícia de alianças estratégicas entre outros grupos económicos, e verificamos que esta lógica tende a dominar quase integralmente o sector da comunicação social. Verifica-se, inclusivamente, que este mesmo grupo não controla apenas os meios de comunicação, nomeadamente um número muito significativo de jornais nacionais de referência e estações de rádio, como controla, também, títulos da própria imprensa regional. De facto, todos sabemos que, não há muito tempo, o Jornal do Fundão passou a ser controlado, precisamente, pelo grupo Lusomundo.
Portanto, estamos a viver um processo em que o Governo, de vez em quando, vai manifestando a sua preocupação relativamente às consequências que isto pode ter em termos de pluralismo e da possibilidade da liberdade de expressão das várias correntes de opinião através da comunicação social, mas o que é facto é que não verificamos, da parte do Governo - para além de uma reflexão abstracta -, qualquer atitude relativamente a este processo. Atitude essa que poderá passar inclusivamente pelo acréscimo de apoio a órgãos de comunicação social que se mantenham independentes desta dinâmica de absorção por parte de grupos económicos.
Ora, esta questão tem a ver, precisamente, com a imprensa regional. Ou seja, estamos perante um quadro em que verificamos que os títulos da imprensa regional são controlados por grupos económicos ou, então, sofrem a concorrência desleal por parte desses mesmos grupos. Por exemplo, na área da grande Lisboa, a imprensa regional que existe e que insiste em sobreviver, sofre a concorrência desleal de jornais, isto é, de simulacros de órgãos da imprensa regional, que são distribuídos gratuitamente nas

Página 5

 

caixas do correio, que nada têm a ver com os órgãos de comunicação social e que pertencem precisamente a um grupo económico.
Contudo, o que o Governo faz para contrariar esta situação é pura e simplesmente o contrário daquilo que deveria fazer. Ou seja, limita-se a anunciar restrições ao apoio à expedição de publicações periódicas, isto é, aquilo que vulgarmente é designado por porte pago.
Por outras palavras, num quadro em que a imprensa regional tem cada vez mais dificuldades, o que é que o Governo vem anunciar? Vem anunciar que lhe vai criar mais dificuldades. A pretexto de quê? A pretexto de que há órgãos de comunicação social que abusam do porte pago. Portanto, como há alguns órgãos de comunicação social que abusam do porte pago, o que o Governo vai fazer é adoptar uma medida que prejudica não apenas aqueles que supostamente abusarão mas que vai prejudicar, muito mais, aqueles que não abusam e que fazem um esforço sério para manter viva a imprensa regional, insistindo em continuar a fazer sobreviver órgãos de comunicação social independentes do controlo por parte dos grupos económicos.
É por esta razão que a medida que o Governo agora anuncia, e que se traduz, em termos orçamentais, numa diminuição das verbas destinadas ao porte pago, é, quanto a nós, profundamente negativa e não deixará de ter consequências gravosas na sobrevivência de alguns órgãos de comunicação social regionais.
Entendemos, pois, que, havendo abusos relativamente ao porte pago, o que o Governo tem de pôr em prática é a criação de mecanismos de fiscalização do porte pago, adoptando uma atitude rigorosa nessa matéria, em vez de avançar com medidas de acordo com as quais, como costuma dizer o nosso povo, "paga o justo pelo pecador".
Uma segunda questão tem a ver com a restruturação da RTP, que tem sido uma história triste de há muitos anos a esta parte. Em relação a este assunto, verificamos que o actual Governo - aliás, seguindo as pisadas do anterior - ainda não demonstrou saber o que é que quer fazer com a RTP. Isto porque o Ministro Armando Vara tomou a decisão de criar a Portugal Global, procurando, através de uma operação financeira, resolver o problema do passivo da RTP.
Também entendemos que o passivo da RTP carece de uma solução e, portanto, não é isso que contestamos. Todavia, o que acontece é que não basta uma solução contabilística para resolver o problema da RTP.
De há muito tempo para cá, tem vindo a ser anunciada por parte de sucessivos governos a necessidade de restruturação da RTP, e isso é que nós ainda não vimos. Isto é, não houve ainda um membro do Governo que nos dissesse uma palavra em concreto sobre aquilo em que essa restruturação se vai traduzir. Até agora, a única coisa que houve foi a autonomização do Centro de Produção de Lisboa da RTP, através da criação de uma empresa própria. Mais nada! Aliás, há muitos anos que se falava nisso.
Portanto, não sabemos qual é a intenção do Governo ao proceder à autonomização do Centro de Produção de Lisboa da RTP, nomeadamente se tenciona vir a privatizar a área de produção da RTP, o que esperamos que não aconteça. Mas o Governo ainda não nos disse o que pretende com essa alteração, assim como não nos disse qual é a estratégia que tem relativamente à restruturação da RTP, designadamente em que é que isso se vai traduzir.
Temos consciência que a RTP está numa situação difícil e que o serviço público de televisão é fundamental, designadamente num quadro como aquele em que vivemos, em que há uma grande tendência para a degradação da programação televisiva em geral, quando verificamos que o debate de temas com real interesse nacional, nomeadamente o debate de temas políticos que interessem à população, está praticamente reduzido a zero em todas as televisões.
Pensamos que o serviço público de televisão devia dar o exemplo nessa matéria, ainda que isso pudesse acarretar opções difíceis em termos das audiências. Mas, de facto, não vemos da parte do Governo nada de concreto e de claro relativamente ao que pretende quanto à RTP. Penso, pois, que seria importante que o Governo, neste debate, pudesse adiantar alguma coisa sobre esto assunto.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social (Arons de Carvalho): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, começando pela primeira questão, relativa ao movimento de concentração, devo dizer que não partilho em absoluto da convicção do Sr. Deputado de que não existam por parte do Governo provas de atenção dadas relativamente a este problema. Aliás, o Sr. Deputado começou por dizer que havia uma ausência de política no sector da comunicação social. Respondo-lhe com o seguinte, Sr. Deputado: toda a legislação relativa à comunicação social que hoje existe foi feita por este Governo. Desde logo, quer na lei de imprensa, quer na lei da rádio, quer na lei da televisão, existem mecanismos, a meu ver, suficientes e correctos sobre a questão da concentração.
Quero dizer-lhe, também, que não partilho da convicção que transpareceu das suas palavras, segundo a qual a concentração tem efeitos necessariamente perniciosos em relação ao pluralismo e à liberdade de informação.
Devo, aliás, dizer-lhe que a constituição de grupos económicos no sector da comunicação social com capital português, as sinergias que esses grupos podem constituir, a presença dos novos conteúdos, a nova economia e a presença forte no sector dos meios digitais são, creio eu, vantagens evidentes de alguma concentração, que são visíveis pelo facto de, hoje em dia, existirem órgãos de comunicação social que apenas sobrevivem por estarem integrados em grupos de comunicação social.
Entretanto, como é evidente, o excesso de concentração tem efeitos perniciosos - estou de acordo com o Sr. Deputado quanto a isso -, nomeadamente em relação ao pluralismo e à liberdade de expressão. Em todo o caso, quer na lei de imprensa, quer na lei da rádio, quer na lei da televisão, existem mecanismos para evitar um excesso de concentração. Além disso, não temos apenas em conta a legislação antimonopolista, uma vez que as próprias leis de imprensa, rádio e televisão têm mecanismos sobre a transparência da propriedade, conferem direitos aos jornalistas, que eles não tinham no passado, e que visam impedir os malefícios do excesso de concentração.
Por outro lado, existe - como já aqui foi, aliás, debatido e, creio, aprovado em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito do Orçamento - uma política de apoio à comunicação social regional que tem uma multiplicidade de novos incentivos que não existiam no passado, nomeadamente em relação às rádios locais, que antes de 1996 não tinham

Página 6

 

qualquer apoio do Estado e que hoje têm o apoio expresso num conjunto muito variado de incentivos, da mesma forma que existe também um conjunto de apoios novos em relação à imprensa regional.
Portanto, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que no mesmo diploma em que se limita a comparticipação do Estado no porte pago, prevê-se, também, uma comparticipação mais alta para os jornais que sejam únicos nos respectivos concelhos, de forma a evitar o desaparecimento dessas publicações.
Mas em relação ao porte pago quero repetir argumentos que já tive ocasião de expor anteriormente.
O modelo actual do porte pago - que é um modelo absolutamente único na Europa (aliás, não conheço outro no mundo) -, que se traduz na comparticipação total do Estado na despesa de expedição das publicações periódicas regionais, é um modelo que estava a estatizar a imprensa regional e estava a punir e a sancionar alguns órgãos de comunicação social em desfavor de outros. Ou seja, os jornais que procuram fidelizar leitores através da sua qualidade, que cobram o preço das assinaturas, que tentam ter um conteúdo interessante nas suas publicações e que têm distribuição própria, estavam a ser vítimas de concorrência desleal em relação a outros que não têm distribuição própria, que não cobram assinaturas - ou pouco se esforçam por as cobrar -, que não têm jornalistas e que vivem apenas da relação não com o leitor, como os primeiros, mas com o anunciante.
Muitos jornais e algumas associações, entre as quais destaco a Associação da Imprensa Diária e a Associação da Imprensa Não Diária, tiveram o cuidado de, ao longo dos tempos, me chamar a atenção para a necessidade de pôr cobro a esta situação abusiva, inédita na Europa e absolutamente insólita, que estava a colocar a imprensa regional numa situação de enorme fragilidade.
Tenho a certeza que este passo que está a ser dado exige coragem, porque era mais fácil deixar tudo como estava, mas é um passo que vai deixar a imprensa regional com um índice de desenvolvimento e uma qualidade, no futuro, que não tem hoje. Por isso, este é um passo que assumimos com toda frontalidade, e creio que será reconhecido, no futuro, como tendo sido um marco importante no desenvolvimento da imprensa regional.
Em relação à RTP, quero referir-lhe o seguinte: creio que o Sr. Deputado confundiu a restruturação da empresa ou do serviço público com a solução do passivo financeiro da empresa.
A restruturação do serviço público está a ser feita. Aliás, quero dizer-lhe que não partilho da opinião que o Sr. Deputado aqui transmitiu, segundo a qual não existe um rumo para o serviço público de televisão, porque esse rumo existe. Designadamente, o contrato de concessão de serviço público entre o Estado e a RTP, que foi assinado em 1997, traça um rumo claro, que aproxima a RTP de um modelo existente nos serviços públicos europeus. Ora, não creio que esse rumo tenha qualquer ambiguidade. O que se pode dizer é que, apesar desse contrato de concessão, a situação financeira da empresa continua a agravar-se porque os apoios do Estado expressos nas indemnizações compensatórias atribuídas ao longo dos anos foram insuficientes em relação ao conjunto de obrigações que o Estado foi obrigando a empresa a ter.
Recordo que, nos últimos anos, a RTP criou um canal próprio para África, criou também uma informação regionalizada diária - isto é, durante cerca de meia hora, há sete noticiários desconcentrados regionalmente, que, obviamente, envolvem um grande dispêndio de meios -, tem legendagem para deficientes auditivos, tem tempo de antena para as confissões religiosas, tem teletexto e tem limitações à publicidade. Estas limitações existem por razões que se prendem com obrigações face às regras da concorrência a nível europeu e que, evidentemente, oneram o custo do serviço público.
Portanto, esta é que é a questão. Infelizmente, muitas vezes, tal como se confunde o passivo da empresa ou o défice da empresa com o custo do serviço público, também se confunde a restruturação do serviço público com o défice financeiro da empresa. Todavia, entendo que são matérias completamente diferentes.
É evidente que o que está por resolver é o saneamento financeiro e a questão financeira da empresa. Trata-se de um assunto muito complexo, que depende de uma ponderação global e que tem a ver com a conjuntura económico-financeira, que, para resolver de vez a questão, envolverá meios financeiros que podem conjunturalmente não estar ao alcance do Governo nesta fase.
De qualquer forma, creio que o serviço publico de televisão atravessa um período ainda mais complexo, porque o acentuar da concorrência dos operadores privados comerciais baixou a qualidade da programação em geral mas obriga, simultaneamente, a que o serviço público de televisão tenha uma função mais afirmativa. Aliás, penso que é, hoje, claro que a eventual privatização da RTP1 ou a submissão da RTP1 à mera lógica das audiências acabaria por acentuar ainda mais a degradação da qualidade da televisão em Portugal.
Portanto, o desafio que hoje se coloca ao serviço público, mais do que há algum tempo atrás, é o da afirmação pela qualidade, sem esquecer que a televisão pública tem de manter a legitimidade que lhe é conferida por uma audiência significativa.
Aí é que está a grande dificuldade: enquanto que as televisões comerciais têm de se preocupar apenas com o mercado publicitário e com a maximização das audiências, o serviço público tem limitações evidentes na conquista das audiências e tem de se afirmar pela qualidade.
Ora, este é um desafio muito difícil, porque não é apenas o desafio da televisão pública portuguesa mas, sim, o desafio que se coloca hoje em dia, perante os novos formatos mais agressivos, ao conjunto das televisões públicas europeias. Este desafio tem-nas levado a procurar acentuar a importância do serviço público no quadro europeu, tal como foi definido recentemente numa reunião ministerial em Cracóvia, sob a égide do Conselho da Europa, que reuniu os responsáveis governamentais pela comunicação social europeia dentro e fora da União Europeia. Nessa reunião, todos eles foram unânimes em reconhecer a importância que, no quadro actual, desempenha um serviço público de televisão.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos os nossos trabalhos, e porque todas as vezes que há discussão do Orçamento se levanta esta questão, vou fazer uma vez mais uma pequena sugestão, que é a seguinte: como se sabe, em sede de Comissão, não há limite de tempo para o uso da palavra. Por isso, qualquer um dos Srs. Deputados, tal como cada um dos Srs. Membros do Governo, é livre de usar o tempo que entender, porque não tenho poder - nem pretendo tê-lo - para interromper as pessoas que estão a falar. Portanto,

Página 7

 

faço um apelo ao bom-senso dos Srs. Deputados e, obviamente, dos Srs. Membros do Governo no sentido de sermos precisos e concisos nas questões que colocamos, da mesma forma que isso permite, também, que os Srs. Membros do Governo possam responder de forma mais directa e mais concisa.
Isto porque a mesa tem já inúmeras inscrições - nomeadamente para o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social há ainda cerca de quatro ou cinco inscrições -, o que pode tornar os nossos trabalhos extremamente longos. Deste modo, é um apelo que deixo aos Srs. Deputados e aos Srs. Membros do Governo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, aquando da discussão do Orçamento do Estado, na generalidade, tive oportunidade de referir ao Sr. Secretário de Estado que considero que os portugueses, actualmente, não podem nem conseguem ter garantias sobre os produtos alimentares que colocam à sua mesa.
O Sr. Secretário de Estado considerou, na altura, que eu estava a dramatizar, se bem que ainda hoje, Sr. Secretário de Estado, eu considere que a maior parte dos portugueses pensa como eu. Mas também junto das pessoas que, concretamente e no terreno, trabalham nesta matéria - nomeadamente aqueles que lidam com a inspecção e fiscalização -, tive oportunidade de ver, em notícias tornadas públicas, declarações, como as do Sr. Presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Inspecção Económica, que referia que a inspecção dos produtos alimentares, em Portugal, é totalmente ineficaz, que a inspecção a produtos alimentares, na prática, não existe e que ninguém pode dar garantias de tranquilidade aos consumidores a nível da saúde pública.
Portanto, não sou só eu, Sr. Secretário de Estado, que penso deste modo. Julgo que, de facto, não podem ser dadas garantias relativamente à segurança e à qualidade dos alimentos que hoje consumimos, o que me parece uma problemática em relação à qual se tem de dar uma reposta séria.
E qual é a resposta que o Governo apresenta, fundamentalmente, para esta questão? A criação de uma agência para o controle e segurança alimentar. Muito bem! Só que, Sr. Secretário de Estado, a agência é para funcionar em pleno daqui a dois ou mesmo três anos. Aí, sim, nos termos legais - esperemos que não seja prorrogado o prazo -, a agência estará a funcionar em pleno e, portanto, a cumprir as atribuições que lhes estão definidas por via legislativa.
Mas a pergunta que lhe faço é esta: até lá, o que é que vai acontecer, Sr. Secretário de Estado? É que olho para o Orçamento do Estado que nos é apresentado e não me parece que, de facto, haja um investimento adequado em termos de fiscalização, se atendermos àquelas que são as necessidades e àquela que é - permita-me a expressão - a realidade dramática nesta matéria, que, segundo a resposta que o Sr. Secretário de Estado me deu na Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente sobre o programa Sistema de Formação para a Qualidade e Segurança Alimentar, se reduz apenas à reciclagem e formação dos actuais inspectores. Portanto, não vejo aqui um reforço de meios humanos na fiscalização.
Depois, no que se refere à rede de apoio laboratorial, o próprio Sr. Secretário de Estado afirmou agora que é repartida em três anos, o que significa que um pleno funcionamento ou um satisfatório funcionamento dos laboratórios em Portugal não é garantido para já.
Por outro lado, permito-me concluir que existe uma redução efectiva das verbas atribuídas aos programas de investigação no domínio da defesa do consumidor, o que, na minha perspectiva e pela leitura que faço, pode ter também incidências sobre a segurança alimentar.
Portanto, olhando para o plano de investimentos que nos é apresentado e para a realidade dramática da falta de segurança alimentar em Portugal, pergunto se, face às necessidades existentes, o Sr. Secretário de Estado considera mesmo que há um esforço e, neste caso concreto, um esforço adequado em relação à fiscalização na área da segurança e qualidade alimentar.
A segunda pergunta que lhe quero fazer tem a ver com o seguinte: existe um reforço de verba relativamente às campanhas de informação e as próprias Grandes Opções do Plano referem que este reforço de verba para campanhas de informação se destina fundamentalmente à área da segurança alimentar e do euro. Porque tenho para mim que aqui as campanhas de informação relativamente ao euro terão um peso muito maior, gostava que o Sr. Secretário de Estado me referisse qual o peso que as campanhas de informação para segurança alimentar terão no bolo global atribuído às campanhas de informação.
Por outro lado - e é a última pergunta que gostaria de lhe colocar -, em relação à apresentação do código do consumidor, previsto nas Grandes Opções do Plano, gostaria de perceber como é que está previsto o envolvimento da sociedade civil na sua elaboração e como é que isso se traduz também nas verbas atribuídas em termos de Orçamento do Estado.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado para a Defesa do Consumidor: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, já tivemos este debate aquando da discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado, mas agradeço-lhe tê-lo retomado aqui.
As críticas que a Sr.ª Deputada referiu são de um sindicato de uma das inspecções, no caso da IGAE. Já tive oportunidade de dizer que não comento essas críticas. A Inspecção-Geral das Actividades Económicas está numa fase de reestruturação e as fases de reestruturação são sempre complicadas.
Mas devo dizer-lhe que não é apenas a Inspecção-Geral das Actividades Económicas que tem responsabilidades em termos de inspecção, é também a Direcção-Geral de Saúde, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, através da Direcção-Geral de Fiscalização e Qualidade, e o Ministério do Ambiente. Enfim, há várias inspecções a funcionar.
Penso, por um lado, que estas críticas se dirigem ao funcionamento da IGAE e não ao conjunto das inspecções que são feitas e, por outro, que têm a ver com uma questão interna na Inspecção-Geral das Actividades Económicas, sendo feitas por um sindicato nesse quadro.
Quero também dizer-lhe que a criação da agência de qualidade e segurança alimentar é uma profunda reforma estrutural e é um passo em frente que é possível ser dado - e tenho referido isso até à saciedade - devido ao muito que já foi realizado nas várias direcções-gerais e nas

Página 8

 

várias inspecções. Isto é, não temos uma visão negativista do muito que já foi realizado, e seria absolutamente injusto para os numerosos inspectores e funcionários das várias inspecções que, dia a dia, a esta hora mesmo, estão na rua a trabalhar e que têm atingido níveis de qualificação progressiva, estarmos aqui com a ideia de que agora tínhamos "descoberto a pólvora", que íamos criar uma agência que, finalmente, ia fazer tudo bem, porque tudo estava a ser mal feito. Não é esse o espírito!
A Sr.ª Deputada fala nas verbas da agência de qualidade e segurança alimentar. Devo dizer-lhe que esta agência tem, prioritariamente, um papel de coordenação das várias inspecções dos vários ministérios. Quero salientar que já foi feita a primeira reunião de coordenação, que correu no melhor ambiente, porque, de facto, essa necessidade de coordenação das várias direcções-gerais é uma exigência dos próprios serviços há muito tempo e a relação entre o Ministério da Economia, o Ministro da Presidência, o Ministério da Saúde, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas é excelente e a determinação é total nesta área.
Portanto, neste momento, estamos numa fase de coordenação, estamos na fase de elaboração da lei orgânica, que vai prever a transferência de um conjunto de serviços que se encontram, nomeadamente, no Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas para a futura agência, o que revela o grau de confiança que temos nesses serviços e na qualidade do que já foi feito até aqui.
Portanto, em traços gerais, a ideia que tenho, e que se vai solidificando à medida que vou conhecendo mais profundamente estes dossiers, é que não há razões para qualquer alarmismo em termos de segurança alimentar. Volto a repetir que não há razões para qualquer alarmismo. Há riscos, evidentemente, há melhorias que têm de ser feitas, há exigências e desafios novos que nos são colocados, e não apenas por causa da qualidade dos serviços mas também por causa da qualidade das empresas.
Hoje, as empresas no sector alimentar têm evoluído muito, têm sistemas de autocontrole bastante desenvolvidos, têm propostas de códigos de boas práticas, que já estão a implementar e que estão a ser aprovados pelos serviços, e, portanto, em traços gerais, estando eu absolutamente de acordo com a Sr.ª Deputada de que, nesta matéria, nunca poderemos falar na existência de um risco zero, a situação tem melhorado e não há uma situação que justifique qualquer alarmismo. Os eventuais conflitos de ordem sindical ou outra não podem criar qualquer situação de menor confiança das pessoas na qualidade do conjunto dos serviços que são prestados neste sector, quer pelas empresas, quer pela Administração Pública.
Em relação à questão que a Sr.ª Deputada colocou quanto ao código do consumidor, já tive oportunidade de dizer que se trata de um projecto de grande ambição, que está entregue a uma comissão, presidida por uma pessoa com a qualidade do Sr. Prof. Doutor Pinto Monteiro e formada por um conjunto de pessoas com trabalhos feitos e competência técnica profunda nesta área. É um trabalho de grande fôlego e espero que, no próximo ano, seja possível colocá-lo à discussão pública.
A Sr.ª Deputada pode acreditar que a sua preocupação não tem razão de ser, porque a primeira proposta de código vai ser posta à discussão pública. Não existe qualquer intenção de fazer aprovação "a correr", pois sabemos que estamos a mexer numa área muito delicada, em que é preciso criar um grande consenso e, felizmente, há muita gente em Portugal, quer associações quer pessoas, que têm muito a dizer sobre isto. Estou convencido de que, com os resultados deste debate, haveremos de chegar a um bom código do consumidor.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estive a ouvir o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social e não resisto a sublinhar um ou dois aspectos, na sequência da pergunta do Sr. Deputado António Filipe.
Cumprindo as instruções da Sr.ª Presidente, vou ser muito breve, até porque, como se sabe, foi apresentada recentemente nesta Câmara, pelo CDS-PP, tendo sido subscrita também por Deputados do PSD, uma proposta relativamente à ratificação do diploma que cria a Portugal Global e, portanto, não vale a pena estarmos a repisar nesse assunto.
Porém, ainda agora ouvi o Sr. Secretário de Estado dizer que fenómenos de concentração nesta área, designadamente a nível do sector público, não causam problemas de independência e nem sequer de independência editorial, se bem percebi. Ora, a esse propósito, lembrava-lhe que há um parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social que, precisamente nessa matéria, levanta problemas graves e, portanto, gostava que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse sobre isto.
De facto, há um parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social que levanta questões, referindo que o fenómeno de concentração, designadamente o fenómeno relativo à junção da RTP, da RDP e da Lusa, pode criar sérios problemas a nível da independência e da linha editorial desses mesmos órgãos. Ainda não ouvi o Governo pronunciar-se sobre esse parecer que provém da Alta Autoridade para a Comunicação Social e que é relativo a uma matéria muito sensível, do meu ponto de vista.
Por outro lado e para ser sincero, julgo que, na sua resposta, o Sr. Secretário de Estado não respondeu à pergunta do Sr. Deputado António Filipe. Ele questionou-o sobre planos de reestruturação e solução financeira e fiquei com a ideia que o Sr. Secretário de Estado disse umas generalidades sobre essa matéria, sobre a conjuntura económica, sobre o serviço público, sobre várias coisas, mas não deu qualquer explicação concreta.
Sabemos, à partida, que a junção destas três empresas tinha o problema de juntar duas em situação económica aceitável, ou razoável, com uma empresa que está, se não falida, à beira da falência, que é a RTP. Portanto, desse ponto de vista, havia um perigoso fenómeno de contaminação. Sabemos que tudo isto é feito em nome da recuperação da RTP, o que não conhecemos são as contas rigorosas, os planos de saneamento, as soluções de saneamento financeiro e os resultados, e, tanto quanto sei, outros partidos e outras bancadas, designadamente a do PSD, através de requerimentos, já pediram várias vezes essas informações, que a Câmara ainda não tem com detalhe.
Portanto, creio que não podemos ficar por generalidades e pareceu-me que a pergunta do Sr. Deputado António Filipe era mais concreta do que a resposta que foi dada, com o devido respeito, Sr. Secretário de Estado.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

Página 9

 

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado, depois, completará a resposta.
Sr. Deputado Telmo Correia, com a grande admiração e amizade que tenho por si, até porque foi meu aluno,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Com muita honra, como sabe!

O Orador: - … devo dizer-lhe o seguinte: relativamente aos efeitos da criação da Portugal Global - Sociedade Gestora de Participações Sociais, já tive oportunidade de esclarecer, mas volto a fazê-lo com todo o gosto, que não se trata, de modo algum, nem de contaminação nem de concentração, uma vez que a Portugal Global tem objectivos concretos.
Tive oportunidade de dizer aqui, no Parlamento - e isso, aliás, foi salientado com bastante rigor pelos órgãos de comunicação social -, que a identidade própria da RTP, da RDP e da Lusa têm de ser salvaguardadas e estão salvaguardadas. E se dúvidas houvesse, tem a garantia clara do Governo de que essa mistura não se fará, até porque seria ilegítima, designadamente no que se refere à Lusa, pelas suas próprias características. Se no caso da RTP e da RDP o Estado tem a titularidade da totalidade do capital social, já no caso da Lusa isso não acontece, uma vez que há uma participação significativa, sobretudo quando estamos nas vésperas do aumento de capital, de accionistas, que correspondem aos utilizadores, e não queremos, naturalmente, no caso da Lusa, criar um mecanismo perverso de pôr em causa que um serviço que é o prestado pela Lusa a todos os órgãos de comunicação social não obedeça a critérios de rigor, isenção e qualidade, que suponho que estão claros para toda a gente. Isso tem de ficar preservado e não pode, de modo algum, ser posto em causa!
O Estado não vai à subscrição do aumento de capital, o que permitirá, realmente, que os utilizadores dos serviços da Lusa passem a ter uma participação mais efectiva no capital social da mesma. Este aspecto é muito importante.
Portanto, não queremos contaminação, não queremos descaracterização da identidade própria de cada uma das empresas.
A RTP tem uma situação difícil. É uma situação antiga.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Mas não melhorou!

O Orador: - É uma situação antiga, Sr. Deputado, e há várias teses relativamente a isso, como sabe!
Que fique muito claro o seguinte: não quero que, a propósito da RTP, surja mais uma fase de expectativas ou de promessas que, depois, não possam ser cumpridas. Relativamente à RTP, tudo aquilo que vai ter de ser feito, e que está a ser feito, sê-lo-á em termos puramente transparentes. Pode ficar certo, Sr. Deputado!
E, mais, tem de haver uma responsabilização do próprio Estado e das instituições democráticas a propósito desta questão, que diz respeito a todos, porque, por muito que se discuta o que é que vai ser o futuro da RTP, ninguém põe em causa o serviço nacional que corresponde à RTPi,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Pois não! Estamos de acordo!

O Orador: - … à RTP África, aos serviços regionais, e isso é essencial para que a língua, a cultura portuguesa e a nossa própria identidade não sejam perdidas, designadamente junto das nossas comunidades no estrangeiro.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estamos de acordo!

O Orador: - Sei que estão! Por isso mesmo entendo que a questão da RTP não pode ser uma questão exclusivamente de um governo, tem de ser uma questão das instituições democráticas e tem de ser uma questão cuja solução obriga a que haja uma grande partilha de responsabilidades neste domínio.
Peço ao Sr. Secretário de Estado que complete as minhas respostas.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, quero apenas referir o seguinte: faço questão de sublinhar que, na altura em que me pronunciei sobre a questão da concentração, o fazia em resposta a uma questão que me foi colocada, que tinha a ver com a concentração no sector privado.
Nessa altura, não me pronunciei sobre a concentração no sector público. Quando falei nas sinergias e em tudo o mais, estava a referir-me ao exemplo que foi aqui dado da constituição de grupos no sector privado, não estava, de forma alguma, a pronunciar-me sobre a Portugal Global.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, apetece-me começar por falar nesta questão da concentração, lembrando as últimas notícias, designadamente a concentração que está a haver indirectamente nas mãos do Estado, no sector da comunicação social, tendo em conta, por exemplo, a participação adquirida pela Portugal Telecom num conhecido grupo de comunicação social, assistindo-se por essa via, de forma, aliás, particularmente interessante, ao regresso ou à aquisição de alguns títulos da comunicação social para a órbita dos poderes do Estado.
Este era um primeiro comentário, que, aliás, me leva direito ao segundo comentário, que, do ponto de vista político, me parece muito interessante e muito importante registar aqui, sem embargo das declarações do Sr. Ministro agora mesmo feitas.
Há pouco, reparei que o Sr. Secretário de Estado fez aqui uma declaração que, do meu ponto de vista, é verdadeiramente histórica, porque disse que era um erro confundir aquilo que é o financiamento do serviço público de televisão com o défice da empresa que presta o serviço público de televisão, justamente na linha daquilo que o PSD vem dizendo há vários anos a esta parte, ou seja, que uma coisa é a necessidade do serviço público e do seu correcto financiamento e outra é a desgraçada história da vida da empresa RTP - e não vamos agora dizer se é mais recente ou mais recuadamente no tempo que essa desgraçada história se verifica.
O que é verdade, Sr. Ministro, é que há aqui uma questão que é importante colocar neste momento: os senhores têm a verba de indemnização compensatória para a RTP prevista neste Orçamento do Estado e eu continuo a ouvir do Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, todos os anos, as mesmas queixas em relação ao subfinanciamento

Página 10

 

do serviço público de televisão, exactamente as mesmas queixas que o Sr. Secretário de Estado fazia no tempo em que era Deputado da oposição.
Portanto, o que cumpre perguntar, no momento em que estamos a discutir o Orçamento do Estado e em que o Governo traduz, de uma forma orçamental, as opções políticas que faz para este domínio, é o que é que falta ao Governo para fazer, então, a partir de agora - e, já agora, por que é que não o fez anteriormente - um correcto financiamento do serviço público de televisão. Por que é que este ano, à semelhança daquilo que aconteceu nos anos anteriores, continua a RTP a receber a destempo estas indemnizações compensatórias e, por via disso, a sobrecarregar-se financeiramente, tanto quanto é sabido? Ainda há pouco tempo houve uma entrevista de um responsável da administração da RTP que dava nota desses atrasos de pagamentos à RTP.
Portanto, a questão que se põe é esta: Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, em 5 anos houve quatro administrações da RTP, duas mudanças de plano estratégico, vários estudos, que foram feitos mas que não foram concretizados, planos de despedimentos e de pré-reformas de trabalhadores da RTP e contratação de novos trabalhadores especificamente para áreas que a administração da RTP e o Governo entendiam que era necessário renovar e apetrechar de forma técnica superior em relação àquilo que existe neste momento. O que é que está feito sobre esta matéria?
Ouvindo o Governo sobre esta questão da RTP, sobre o serviço público e sobre a verba que inscreve no Orçamento do Estado para acorrer a este tipo de necessidades, que são importantes, são fundamentais - não é isso que está em causa -, dá a ideia de que vamos perder mais um ano. Agora começo a dar razão àquele pedido de paciência do ex-Ministro da área, Armando Vara, quando pedia aos trabalhadores da RTP 10 anos para reestruturar a empresa. Se calhar, o Sr. Ministro Armando Vara tinha razão quando pedia esses 10 anos para reestruturar a empresa!
Outra questão que quero colocar é a seguinte: no âmbito da criação da Portugal Global, há um conjunto de operações que foram genericamente explicadas na altura - devo dizer, não muito exaustivamente - que tenderiam a robustecer financeiramente a RTP por forma a ultrapassar a situação financeira difícil que a RTP tem. O problema que se põe neste momento é que continuamos sem perceber como é que essa operação se vai processar e de que forma é que o Estado vai proceder a este saneamento financeiro da RTP, seja directamente à RTP seja através da holding. Depois logo se vê como é que as coisas se fazem.
O que é verdade é que, estando aparentemente aprovada e sufragada esta estratégia por parte do Governo, continua-se sem saber como é que isto se vai fazer. Julgo que, dado que se trata de uma empresa que, para já (pelo menos, para já), continua a prestar serviço público, que custa muito dinheiro aos portugueses, era muito importante que o Governo, neste momento, dissesse o que é que entende sobre esta matéria.
A última questão em que eu queria continuar a insistir tem a ver com uma matéria que, do meu ponto de vista, ainda não está totalmente esclarecida e que é a próxima revisão do contrato de serviço público da RTP. O Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado tiveram oportunidade de dizer, na Comissão, quando se discutiu na generalidade esta matéria, que essa revisão do contrato de prestação de serviço público da RTP teria em conta a experiência que foi adquirida e procederia a alguns ajustamentos que eram necessários nesta matéria.
Aquilo que eu julgo que é importante destacar aqui é que, aquando da realização da última revisão do contrato de prestação de serviço público, feita em 1997, foi incluída muito mais matéria, muito mais áreas, do que as que estavam nos contratos que vigoravam anteriormente, o que se justificava, aliás, uma vez que tinha havido na altura, ou pouco antes, alterações no tipo de serviço público que era prestado pela RTP e na natureza desse serviço público.
A questão que se põe hoje é que, de então para cá, houve também algumas alterações, pelo que a pergunta concreta que quero fazer é a seguinte: são só essas as alterações que vão ser incluídas nesta revisão do contrato ou o Estado entende que o financiamento a fazer em relação a alguns dos pontos que constam do contrato já hoje em vigor deve ser reforçado do ponto de vista financeiro, e se não será através deste reforço financeiro para estes pontos que vai, de alguma forma, minimizar as dificuldades financeiras da RTP que, neste momento, se verificam.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, devo dizer-lhe que parte das perguntas que colocou já tinha sido colocada e respondida anteriormente nesta mesma sessão. Portanto, os Srs. Membros do Governo só responderão se assim o entenderem.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr.ª Presidente, queria colocar duas questões muito concretas ao Sr. Ministro da Presidência e ao Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, sendo a primeira referente à questão do porte pago na imprensa regional e local e a segunda referente à questão também já aqui discutida do plano de restruturação da RTP.
Relativamente à primeira questão, partilhamos da preocupação do Governo em relação aos abusos que têm sido praticados ao abrigo do porte pago a 100% e apoiamos as mudanças previstas no decreto-lei dos incentivos, no sentido de diminuir a percentagem do porte pago em condições muito concretas que aí se encontram regulamentadas. Entendemos, aliás, que essa é a única maneira de evitar a tendência para a parasitagem relativamente ao Estado e atentar contra às regras da concorrência, que infelizmente acometeu alguns jornais regionais e locais. Não tenhamos ilusões que não há maneira mais eficaz de pôr cobro, definitivamente, a essa parasitagem que não seja por esta via. Todas as outras alternativas que têm vindo a apresentar-se são, nesse aspecto, de uma ineficácia e de uma ingenuidade flagrantes.
A questão concreta que quero colocar-lhe é a de saber se aquilo que se pensa poupar por essa via pode ser utilizado para, em compensação, fortalecer o apoio à renovação tecnológica da imprensa local e regional, nomeadamente dar-lhe condições para responder aos desafios das novas tecnologias que, como sabemos, estão aí.
A segunda questão refere-se ao plano de restruturação da RTP. Vejo todos os Srs. Deputados preocupados com a situação financeira da RTP e esta bancada está também preocupada há muito tempo com essa situação.
Mas não tenhamos ilusões: as razões que estão na base das nossas preocupações são muito distintas das do

Página 11

 

PSD e do CDS-PP. É claro que há aqui uma preocupação em relação à situação financeira da RTP que tem por base uma visão completamente distinta do que deve ser um serviço público de televisão e que, no caso concreto do PSD, que já apresentou um projecto de lei nessa matéria, tem por base a vontade de privatizar o Canal 1, ou um dos canais da RTP; do lado desta bancada, do PS - e, neste aspecto, recolhendo, julgo eu, o apoio do PCP -, há uma outra visão do serviço público, segundo a qual a nossa preocupação com a situação financeira da RTP existe porque queremos mais e melhor serviço público, queremos uma programação de serviço público que permita aos portugueses uma verdadeira alternativa em relação àquilo que é cada vez mais visível ser a vergonha da programação das televisões privadas.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E da pública!

O Orador: - Julgo que, por imperativos de carácter nacional, como há pouco foi sublinhado pelo Sr. Ministro da Presidência, e por imperativos de carácter cultural, devíamos estar todos interessados em dar à empresa concessionária do serviço público os meios necessários para uma programação que responda e que dê satisfação a estes imperativos de carácter nacional e de carácter cultural,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): Muito bem!

O Orador: - ... sob pena de estarmos condenados, a curto prazo, pela paisagem audiovisual dominada por modelos culturais estrangeiros - julgo que o CDS-PP, sobretudo, devia ser especialmente sensível ao perigo que existe para a identidade nacional, em tempos de integração europeia, relativamente a uma paisagem audiovisual dominada por modelos culturais estrangeiros, que não têm nada a ver com a expressão da identidade portuguesa nem com a possibilidade de uma expressão criativa dos nossos criadores dessa mesma identidade.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Tem visto televisão? Tem visto o Canal 1?

O Orador: - Deixemo-nos de hipocrisias. Há aqui quem esteja preocupado com a situação financeira da RTP porque acha que ela gasta demais com um serviço público que, no fundo, não devia existir nesses termos - devia ser reduzido a um serviço público para minorias, para audiências minoritárias, para uma minoria sem significado, que era o que aconteceria se fossemos pela lógica do PSD de privatizar um dos canais -, e estamos perante preocupações reais com a situação financeira da RTP que têm a ver com a necessidade de lhe dar meios para uma muito melhor programação, para que preste um bom serviço público nessa área. Isto apesar de o panorama actual ser de tal ordem nas televisões privadas que o pouco que a RTP consegue ir fazendo, felizmente, com os meios que tem, começa já a brilhar por contraste com o mau que nos é servido nos canais privados. Ai de nós se fossemos privatizar mais um canal da RTP, porque, então, ao lado do Big Brother da TVI, teríamos a big sister do Canal 1 privatizado da RTP.

Risos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por consequência, a preocupação que quero aqui deixar expressa ao Governo é esta: o plano de restruturação financeira da RTP é urgente, é necessário e esperemos que seja aprovado e discutido, pelo menos na 1.ª Comissão, ao longo do próximo ano. Mas deve ser um plano de restruturação financeira que tenha como preocupação dar mais e melhores meios à RTP para prestar um melhor serviço público de televisão, não deve ser um plano que tenha como objectivo destruir a RTP ou reduzi-la a um canal confidencial de um serviço que deixaria de ser público para passar a ser um serviço meramente intimista, ou seja, privadíssimo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para isso, já faltou mais!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe especialmente a preciosa colaboração que deu na distinção clara entre as propostas do PSD e as do PS. Penso que é sempre útil para a democracia que essa distinção seja muito clara!
Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, vou ser muito sucinto, até porque a questão que colocou já tinha sido levantada pelo Sr. Deputado Rui Rio no início desta sessão e, portanto, não irei repetir aquilo que já referi.
De qualquer modo, quero agradecer ao Sr. Deputado Miguel Macedo porque, ao colocar as questões que colocou, permite que assumamos com clareza as diferentes opções que existem nesta área e, ao assumir essas diferentes opções, verificar que consequências há, designadamente em relação ao próprio conceito e à configuração de serviço público de televisão. Esse aspecto é importante porque, quando se fala na situação financeira da RTP, falamos de uma situação que não pode deixar de ter, em qualquer cenário e em qualquer circunstância, uma terapêutica adequada. E digo em qualquer circunstância porque essa terapêutica verifica-se e é necessária em qualquer circunstância e para qualquer dos modelos ou das alternativas que se põem.
A alternativa que consta do programa do Governo é clara, conhece-se, já foi aqui referida e foi agora lembrada pelo Sr. Deputado António Reis, mas precisamos, antes de mais, de compreender que o serviço público de televisão é algo que tem a ver com todos os nossos cidadãos e com o País - essa é que é a questão! E quando eu referia há pouco a projecção da língua e cultura portuguesa, quer a sua salvaguarda interna, quer a sua afirmação externa, naturalmente que não haverá dúvidas nenhumas de que aí há um papel indiscutível que o serviço público não pode deixar de desempenhar.
Quanto às soluções concretas, Sr. Deputado, eu disse aqui, e repito, que existe, do nosso lado, toda a disponibilidade para, designadamente com a 1.ª Comissão, com inteira clareza e transparência, partilhar convosco aquilo que são as medidas indispensáveis relativamente à RTP para que o serviço público seja devidamente cumprido e seja mais e melhor, na expressão que foi já aqui referida.
Sr. Deputado António Reis, o Sr. Secretário de Estado irá falar sobre o porte pago e ainda sobre o serviço público de televisão, mas gostaria de exprimir a minha concordância

Página 12

 

relativamente às preocupações fundamentais que aqui exprimiu, designadamente de urgência. É indispensável que a questão apareça devidamente clarificada e não tenhamos aqui aquela posição um pouco autista que é a de dizer que o problema da RTP é apenas o problema da televisão pública em Portugal. Não é! Este é um problema que verifica hoje, também, nas televisões públicas de outros países. Portanto, não se trata de um problema isolado, de um problema nosso. Para sermos francos, se olharmos para a vizinha Espanha, verificamos que a situação preocupante da TVE é muitas vezes referida, só que tem uma diferença relativamente à RTP: é que os níveis de audiência da TVE são de primeiro lugar no conjunto das televisões espanholas e, em Portugal, a situação não é essa.
Mas não vamos entrar por aí, não vamos tentar perceber por que razão é que chegámos à situação que chegámos. Não quero discutir o passado, quero discutir o presente e o futuro, porque é disso que se trata. Estarmos aqui a fazer acusações relativamente a um processo que é muito longo, é evidente que não interessa nada. Temos de tirar as boas lições do passado mas temos, principalmente, de preparar o futuro e não é com acusações mútuas que resolvemos o problema, e este problema não é só nosso.
Hoje, temos a inovação tecnológica, temos questões como a generalização da televisão por cabo, temos a questão da televisão digital terrestre, e tudo isso tem de ser visto. As circunstâncias estão a mudar para a televisão, estão a mudar para a comunicação social, quer de radiodifusão quer de radiotelevisão. Não usemos, pois, argumentos do passado relativamente a uma questão que está a mudar e que é inteiramente diferente, que apresenta condições e circunstâncias completamente diferentes.
É que nós, nestas circunstâncias, não estamos a discutir a RTP de há 10 anos, nem estamos a discutir a RTP de há 5 anos, estamos a discutir um serviço público de televisão no contexto das mudanças que hoje estão a ocorrer, designadamente no plano tecnológico. Mas o Sr. Secretário de Estado completará a resposta.

O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social: - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados. Uma das questões que é complementar a esta tem a ver com a revisão do contrato de concessão de serviço público. Neste momento, verifica-se que, em toda a Europa ou mesmo em todo o mundo, estamos numa fase de mudança da televisão analógica para a televisão digital, ou, se quisermos, da televisão de penúria para a televisão da abundância. Creio que seria muito errado, numa fase de transição, estar a colocar num documento estruturante da televisão e do serviço público de televisão todas as soluções, mesmo aquelas que só o futuro, ainda que a curto prazo, nos resolverá.
Concretamente, que posição terá o serviço público de televisão na distribuição da rede de televisão digital terrestre? Que posição terá o serviço público de televisão nos novos canais temáticos para a televisão digital terrestre? Que articulação poderá e deverá ser feita pela empresa de serviço público de televisão com a nova economia? Todas estas questão não se colocam apenas em Portugal, colocam-se, nomeadamente, em toda a Europa e estão a levar os serviços públicos de televisão a uma fase de evolução e de mudança que implicam muita cautela na definição dos seus objectivos.
Por isso, parece-me que seria extremamente errado e redutor estarmos, nesta fase, a fazer uma revisão do contrato de concessão do serviço público de televisão. Temos de esperar mais algum tempo para podermos saber, definitivamente, quais são os eixos fundamentais do serviço público de televisão, para além daqueles que resultam do consenso estabelecido em toda a Europa, do consenso estabelecido em torno dos objectivos principais de um serviço público de televisão.
A segunda questão tem a ver com o porte pago. O Sr. Deputado António Reis colocou aqui uma questão importante, que, aliás, me permite complementar uma resposta que dei há pouco a uma outra pergunta.
De facto, a redução da comparticipação do Estado no porte pago não se traduz numa limitação ou numa poupança do Estado em relação aos custos do apoio à imprensa regional. Essa modificação na política do Governo permitirá poupar a verba suficiente para que sejam criados novos incentivos: por um lado, um incentivo muito forte e importante neste quadro de mudança, que tem a ver com o apoio aos conteúdos on line, ou seja, à versão on line das publicações periódicas regionais e também das rádios locais; por outro lado, um novo incentivo que visa o desenvolvimento da iniciativa e da inovação empresarial, que é um incentivo complementar ao actual incentivo à modernização tecnológica e que terá, ele próprio, mais verbas para o futuro.
O nosso objectivo é potenciar as formas de desenvolvimento das empresas e não continuar a permitir que elas, escudadas na facilidade que aparentemente lhes é dada pelo porte pago, adormeçam, sobretudo face à profunda mudança tecnológica que está a verificar-se em todo o sistema dos media. Creio, pois, que esta mudança visa permitir um novo desenvolvimento da imprensa regional.
Com isto, queria sublinhar que não se trata apenas de combater abusos, isto é, a mudança na questão do porte pago não é apenas uma questão de moralização ou de limitar os abusos; trata-se de criar um sistema que permita um desenvolvimento e uma dinamização da imprensa regional que lhe crie um quadro de desenvolvimento semelhante àquele que existe em outros países europeus, onde a imprensa regional tem uma força muitíssimo superior, tiragens muito mais altas e índices de leitura muito mais elevados, precisamente porque não está subsídiodependente desta forma estatizante de apoio que tem sido o apoio ao porte pago a 100%.

A Sr.ª Presidente: - Não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado para formular questões aos Srs. Secretários para a Defesa do Consumidor e da Comunicação Social, pelo que vamos passar à Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Presidência, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: Até agora, o debate tem sido dominado pelas questões relativas à televisão. Permito-me, agora, tecer algumas considerações e fazer algumas perguntas relativamente a uma outra matéria, que para mim também é muito importante e que tenho acompanhado.
Tanto quanto resulta do conhecimento que temos e da própria análise do orçamento, o Sr. Ministro herdou a área da Igualdade. Significa, portanto, que tem à sua responsabilidade

Página 13

 

a prossecução de um conjunto de acções que estavam, até então, entregues a um outro ministério ou a uma outra ministra - já não me recordo muito bem qual era a designação, mas isso para aqui é irrelevante.
Ora, sobre esta matéria, gostaria de formular um conjunto de perguntas, tão brevemente quanto possível, a primeira das quais, Sr. Ministro, tem a ver com o seguinte: em 14 de Janeiro de 2000, foi aprovada na Assembleia da República uma resolução que dava 90 dias ao Governo para regulamentar a lei em vigor no que diz respeito à criação de uma rede de casa públicas de acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica ou de outra natureza. De acordo com o que consta do relatório do orçamento da sua responsabilidade, fala-se no "prosseguimento da criação de uma rede pública de casas de apoio às mulheres". Sr. Ministro, queria saber quantas foram construídas, remodeladas e criadas, se já foi ou não regulamentada essa lei, enfim, qual é o ponto de situação sobre essa matéria.
Sr. Ministro, este é um problema grave, tem a ver com a questão gravíssima de mulheres em situação desta natureza, e julgo que é tempo não só de ver televisão mas também de olhar para as mulheres vítimas deste tipo de violência.
Outra pergunta que quero fazer-lhe, Sr. Ministro, tem a ver com o seguinte: no relatório do Orçamento do Estado, o Sr. Ministro afirma que vai criar condições que permitam o alargamento de estruturas especiais de atendimento às mulheres vítimas de violência. Quantas há, Sr. Ministro? Quantas é que foram, entretanto, criadas para desenvolver este programa, que, a meu ver também é essencial? É que temos tido nota disso na comunicação social e julgo que o Governo tem obrigatoriamente de estar atento a esta matéria.
Quero ainda formular-lhe outra pergunta, Sr. Ministro. Diz também no relatório do Orçamento que vai promover reduções fiscais às famílias por pagamento de serviços que apoiem a conciliação da vida profissional e familiar. Sr. Ministro, há perto de 20 anos que ando a estudar e a analisar questões orçamentais e fiscais e não encontro nada no orçamento sobre esta matéria. Gostaria, portanto, de saber quais são essas reduções e quais são os serviços susceptíveis de beneficiar destas reduções fiscais que o Sr. Ministro tem em mente
Uma outra questão, Sr. Ministro, tem a ver com o seguinte: também neste relatório se diz algo cujo sentido gostaria de tentar perceber, se o Sr. Ministro fizesse o favor de me explicar. Diz aqui o Sr. Ministro que vai fazer formação de autarcas no sentido da inclusão da perspectiva de género na decisão local. Gostava de saber o que é que isto é, porque gosto de perceber o que os Srs. Membros do Governo pretendem fazer quando afirmam que vão fazer alguma coisa.
Finalmente e sem formular, neste momento, qualquer juízo de valor sobre essa matéria, porque julgo que não é o caso, neste momento, aqui e agora, gostava que me explicasse (se possível, devagarinho, para ver se percebo) por que é que há uma política proibicionista - e, repito, não estou a formular qualquer juízo de valor sobre essa matéria, neste momento, porque, a fazê-lo, provavelmente até concordaria com isso - no que diz respeito ao álcool para jovens, quando, aparentemente, há uma política despenalizadora, descriminalizadora, liberalizadora, enfim, o que os senhores quiserem, relativamente ao consumo e à aquisição de droga.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, agradeço-lhe as questões colocadas, que são todas elas, efectivamente, de grande relevância.
Uma vez que a Sr.ª Deputada não esteve presente na Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, onde, por duas vezes, este tema já foi referido, terei oportunidade de explicitar coisas que já explicitei neste Parlamento.
Relativamente à regulamentação da lei sobre as casas de acolhimento para mulheres vítimas de violência, o Conselho de Ministros, obviamente, cumpriu o prazo estipulado, tendo-a aprovado; neste momento, está para promulgação ou mesmo para publicação - perguntei aqui ao Sr. Secretário de Estado e a ideia é a de que ou está na fase final de promulgação ou estará mesmo já para publicação.
Esse é um aspecto importante, mas, como a Sr.ª Deputada sabe, uma das questões fundamentais que aqui se põe tem a ver com a própria eficácia das medidas neste domínio. E a eficácia das medidas neste domínio suscita grandes dificuldades, uma vez que a nossa sociedade tem uma grande rigidez no que se refere à própria inserção social, a mobilidade é difícil e, muitas vezes, a protecção das mulheres vítimas de violência tem de ser feita em condições que arrastam um conjunto de outras implicações, designadamente para os filhos, como as escolares, quando estes têm de acompanhar as mulheres que são mães e que são vítimas de violência, etc.
Isto é só para lhe dizer, Sr.ª Deputada, que a nossa preocupação é a de garantir que esta rede seja feita, como já tem acontecido, em estreita articulação com iniciativas da sociedade civil, nomeadamente iniciativas do sector social ou solidário. Isto porque a única maneira de ter eficácia relativamente a estas medidas é havendo uma integração e coerência das medidas, não apenas de apoio directo às situações decorrentes da violência mas também à inserção social e ao apoio social das mulheres que estão nesta situação.
Eis porque entendemos que a rede - e temos trabalhado com instituições da sociedade civil nesse domínio - deve corresponder a uma articulação entre a iniciativa pública e a iniciativa social. É disso que se trata e é isso que irá ser concretizado a partir da regulamentação que está feita.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Quantas, não sabemos?

O Orador: - Sabemos, Sr.ª Deputada. Não tenho aqui comigo os elementos concretos, mas far-lhe-ei chegar todas as informações relativamente às situações que já existem, tendo designadamente em conta que, por um lado, há as casas de acolhimento e, por outro, temos também a ideia da criação de gabinetes de apoio às questões gerais da igualdade de oportunidades. Já está criado o gabinete de Castelo Branco, está em vias de criação o gabinete de Braga, será também criado o gabinete de Beja e, naturalmente, iremos estender estas iniciativas. Terei, assim, todo o gosto em fazer-lhe chegar a informação concreta neste domínio. É uma preocupação que temos e que não pode deixar de ser aqui referenciada.

Página 14

 

Relativamente à promoção das deduções fiscais no que diz respeito às questões de conciliação entre a vida profissional e a vida doméstica, refere-se uma preocupação de índole programática. Essa orientação existe, está clara e, naturalmente, no momento em que discutirmos a reforma fiscal, estamos justamente no momento oportuno para considerar estas questões.

A Sr.ª Maria Celeste Cardona (CDS-PP): - Mas não está lá!

O Orador: - Se não está, penso que deve estar! A Sr.ª Deputada, que é uma especialista nas áreas fiscais, sabe que há algumas dificuldades práticas, designadamente na tipificação dos serviços a considerar. Portanto, estamos completamente disponíveis e abertos à participação de todos, no sentido de encontrar as melhores soluções neste domínio.
Relativamente às questões da formação, no que se refere às questões ligadas à igualdade de oportunidades, porque é disso que se trata, há uma transversalidade no que diz respeito a estes programas. Pela primeira vez, o QCA III tem um pilar específico neste domínio, o qual envolve os programas do trabalho e solidariedade, da educação e da economia, havendo, em qualquer um destes programas, a previsão de acções de formação. Estas acções de formação reportam-se, no caso do programa da educação, a tudo o que diz respeito a acções que visem a formação ou de formadores ou de docentes, nesta área.
Simultaneamente, no caso do programa do trabalho e solidariedade, quer nos domínios da formação profissional quer nos domínios, designadamente, da educação de adultos - como se sabe, infelizmente, é entre as mulheres que se verificam os índices mais baixos de alfabetização e de literacia -, a agência nacional de educação e formação de adultos prevê, sobretudo, iniciativas em que são as mulheres as beneficiárias e, por outro lado, também no programa operacional da economia existe a consagração deste tipo de acções de formação para empresárias de pequenas e médias unidades. Existe, portanto, um conjunto muito vasto de iniciativas.
Como sabe, o QCA III está a arrancar e este pilar é novo, mas existe um acompanhamento em todos os programas operacionais, visando a previsão e a necessidade de previsão destas acções de formação.
Quanto à última questão que colocou, Sr.ª Deputada, não posso concordar com os pressupostos em que assenta a sua pergunta. Irei pedir ao Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Dr. Vitalino Canas, que tutela a área específica da droga e toxicodependência, que responda mais detalhadamente a essa questão, mas posso, desde já, adiantar-lhe que há uma coerência perfeita entre aquilo que é a política no que se refere ao álcool e ao alcoolismo e a política relativa à droga e à toxicodependência.
No que se refere ao álcool, não há uma atitude proibicionista, Sr.ª Deputada. Existe, sim, a constatação de uma situação, que é grave. Infelizmente, há poucos dias, vimos, num canal de televisão, uma reportagem sobre o que se passa relativamente aos nossos jovens quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, muitas delas de grande sofisticação e que induzem a dependência de uma forma clara, e é indispensável que haja coerência entre a política no que se refere ao alcoolismo e no que se refere à droga e toxicodependência. É disso que se trata e o Sr. Secretário de Estado irá dar-nos aqui nota de como os princípios são exactamente os mesmos.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, permita-me, com toda a simpatia e apreço que sinto por si, que lhe faça um ligeiro reparo: é que nós continuamos a ter uma política proibicionista no que diz respeito ao consumo de drogas ilícitas. Não me canso de dizê-lo - aliás, tenho-o feito dezenas, porventura até centenas, de vezes por esse País fora, mas, aparentemente, ainda há quem não tenha percebido bem essa questão.
Chamo a sua atenção para que continua, mesmo depois da entrada em vigor da lei que esta Assembleia aprovou há poucas semanas sobre a descriminalização do consumo de drogas, a ser proibido consumir drogas ilícitas em Portugal, uma vez que a descriminalização não implicou - e permita-me que faça esse reparo - a despenalização desse consumo e também, naturalmente, da venda, por maioria de razão.
Portanto, continuamos a ter uma política proibicionista no que diz respeito ao consumo de drogas ilícitas.
Em contrapartida, conforme o Sr. Ministro da Presidência ainda agora assinalou, não vamos evoluir para uma política proibicionista no que diz respeito ao consumo de álcool. O que vai fazer-se é acentuar alguns aspectos de proibição que já existem e que entendemos devem ser reforçados - e penso que até com o acordo da Sr.ª Deputada, tal como, porventura, da maior parte dos cidadãos.
Compreender-se-á que se proíba, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas até certa idade e em certas zonas ou o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, por quem conduz transportes escolares. Ou seja, acentuamos a vertente de proibição, que já existe, mas não vamos no sentido de uma política proibicionista. Isto é, continuamos a ter duas políticas, uma mais proibicionista que outra: mais proibicionista no que diz respeito ao consumo de drogas ilícitas do que no que se refere ao consumo de álcool.
Agora, o que há é um caminho de confluência que estamos, nesta altura, a seguir. Ou seja, até aqui, temos tido uma política, que me permitiria qualificar de incongruente, assente em dois vectores: primeiro, o problema do consumo excessivo de álcool, que afecta porventura várias centenas de milhar de portugueses directamente e muitos mais ainda indirectamente e a Sr.ª Deputada falou na questão da violência sobre as mulheres e muita dela é relacionada com problemas de alcoolismo. Esse problema gravíssimo que temos no nosso país tem, devido a motivos culturais, que, aliás, partilhamos com outros países, sobretudo, do sul da Europa, sido olhado com alguma condescendência da nossa parte, pelo que temos uma atitude que, de certa forma, qualificaria de permissiva, quase totalmente permissiva. Depois, temos um outro problema, igualmente grave, mas, em termos numéricos, porventura não tão grave, que é o do consumo de drogas ilícitas, em relação ao qual a nossa política tem sido, total e brutalmente, repressiva, sem qualquer abertura ao problema próprio dessas pessoas.

Página 15

 

Existe aqui uma incongruência que estamos a procurar reparar e o que estamos a fazer é o seguinte: no que diz respeito ao combate à droga e à toxicodependência, mantendo a proibição começámos a olhar com mais atenção para o problema dos doentes que são toxicodependentes, por isso retirámo-los do direito criminal para os passarmos para as clínicas; no que diz respeito ao alcoolismo, diminuímos ligeiramente a permissividade que temos tido na nossa lei.
Portanto, ainda não há uma confluência tão grande como eu desejaria, penso que ainda não estamos em condições de o fazer, mas já estamos a fazer um trajecto que me parece coerente e congruente, que é o da aproximação.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Presidência, as minhas perguntas prendem-se com as questões de igualdade, as quais estão directamente na dependência do Sr. Ministro, e como já tivemos oportunidade de debater algumas questões mais gerais na comissão vou centrar-me directamente nalgumas que são orçamentais e muito rápidas.
Uma questão tem a ver com uma verba que o Sr. Ministro disse, na comissão, que existia para, de alguma forma, poder fazer face ao crescimento zero da verba para a CIDM (Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres) bem como que estava disponível para projectos na área da igualdade.
Fiquei um bocadinho preocupada quando percebi que refere, no articulado do Orçamento, que podem ser retirados 380 000 contos do âmbito do Ministro da Presidência ou do âmbito do Ministério da Juventude e do Desporto para atribuir às polícias municipais. O Sr. Secretário de Estado da Juventude já teve oportunidade de dizer que não será com certeza dos orçamentos da juventude e do desporto que sairão estes 380 000 contos.
Penso que é legítimo eu ficar com esta dúvida, isto é, se estes 200 000 contos poderão, eventualmente, vir a ser atribuídos às polícias municipais, o que não me parece ser muito boa ideia.
Depois, há uma outra questão, que é mais uma confirmação do Sr. Ministro, a qual espero que seja positiva, que tem a ver com as verbas para o conselho consultivo das ONG da CIDM.
A Dr.ª Ana Maria Braga da Cruz teve oportunidade de dizer na comissão que os 50 000 contos que estavam orçamentados foram insuficientes para os projectos que apareceram por parte das ONG de mulheres. O que quero confirmar é se as entidades privadas referidas nos Encargos Gerais da Nação com uma verba 50 000 contos são, de facto, entidades do conselho consultivo das ONG da CIDM.
Há ainda uma outra questão que se prende com o Banco de Tempo. As GOP referem um financiamento de 24 000 contos para uma ONG portuguesa, em cooperação com uma entidade espanhola, para estudos relacionados com o Banco do Tempo, depois estão na dependência do Sr. Ministro cerca de 16 500 contos, exactamente para a criação de redes de inter-ajuda relacionadas com o Banco do Tempo.
As questões que coloco são as seguintes: que verbas são estas? Quais são as ONG? A espanhola e a portuguesa? Por que é que há esta diferença entre estas duas verbas? Até lhe pergunto isto, porque tenho um bocadinho de receio de que esta verba acabe por sair do conselho consultivo das ONG.
Para terminar, quero colocar uma questão que se prende com as ONG de imigrantes. Já a coloquei de alguma forma, aquando da discussão na generalidade, mas entretanto recebi informações que me levam a duvidar que se esteja a cumprir a lei das associações de imigrantes, nomeadamente no apoio que tem de ser prestado.
O Sr. Ministro já teve oportunidade de nos informar que há 65 000 contos para a rede de informação nesta área, o que nos parece muito positivo, mas nos Encargos Gerais da Nação surgem dois itens que nos levantam dúvidas: um refere 3000 contos para instituições particulares e outro refere 19 600 contos para particulares - isto tudo incluído nas verbas do Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas.
E a minha questão é esta: o apoio destinado às ONG de imigrantes é esta verba de pouco mais de 20 000 contos ou há outra verba que não conseguimos descortinar, pelo menos à primeira, nesta leitura do Orçamento? De qualquer forma, se for esta a verba, ela parece-nos muito exígua.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Presidência, retomo uma questão que foi colocada pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, que é da regulamentação de Lei n.º 107/99, com o objectivo que está nas GOP de criação de uma rede de casas-abrigo para mulheres vítimas de violência.
O Governo informou que já foram dados alguns passos nesta matéria, mas, tanto quanto me recordo (e recordo-me precisamente porque esta foi uma iniciativa legislativa de Os Verdes, e temos a noção de que a proposta que apresentámos era minimalista e ainda francamente insuficiente em relação às necessidades), o que se propunha numa primeira fase era a criação de uma casa-abrigo em cada distrito, sendo que nas áreas metropolitanas, quer do Porto quer de Lisboa, esse número seria superior.
Portanto, a nossa perspectiva estava aberta a que houvesse enlace entre projectos, quer estes fossem, ou não, apoiados por organizações governamentais; ou seja, não importa a natureza dos projectos mas, sim, que eles existam e que possam acolher as mulheres e os seus filhos, quando estas, tendo sido vítimas de violência, precisem de um local seguro.
De há muito que a resposta a estão questão não é precisa, portanto aquilo que peço ao Sr. Ministro é que na impossibilidade de me dar uma resposta hoje me diga quando é que está em condições de facultar uma listagem daquilo que, neste momento, está a funcionar em função desta lei e não uma listagem de projectos anteriores (porque, naturalmente já existiam projectos, alguns até extremamente interessantes, da Fundação Bissaia Barreto, em funcionamento com base num protocolo estabelecido com o Ministério da Justiça) ou de outros projectos de natureza um pouco diversa, como alguns que não são propriamente destinados às mulheres vítimas de violência mas, sim, às jovens mães adolescentes e que são apoiados por organizações religiosas.

Página 16

 

Portanto, o que pergunto, e que gostaria que o Governo pudesse precisar para 2001, é o que é que decorre exactamente desta lei e da sua regulamentação.
O segundo aspecto que gostaria de ver um pouco precisado tem a ver com o combate ao alcoolismo, cuja discussão se fez há poucos dias, e que também foi objecto de uma resolução do Conselho de Ministros.
Em relação à resolução do Conselho de Ministros, gostaria que o Governo fosse claro quanto à calendarização das várias medidas que prevê fazer para dar conteúdo à mesma.
Gostaria ainda que o Governo nos dissesse em que medida é que está, ou não, disponível para discutir uma coisa que, do nosso ponto de vista, é polémica, que é a idade mínima para consumir álcool.
Por outro lado, quero que me diga se o Governo está aberto, ou não, para avançar com algo que nos parece que deveria ter sido adoptado em coerência, que é pura e simplesmente a proibição da publicidade de bebidas alcoólicas.
Estas são as questões que gostaria de ver respondidas.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Botelho, pode estar descansada que as polícias municipais não serão financiadas com verbas da CIDM nem com verbas previstas para as organizações não governamentais na área do conselho consultivo. Esse é um ponto importante, como é evidente.
O que a Sr.ª Dr.ª Ana Maria Braga da Cruz disse no que se refere às verbas para as ONG não foi exactamente aquilo que a Sr.ª Deputada referiu; ela disse que havia muitas candidaturas e que, naturalmente, as verbas envolvidas nas candidaturas ultrapassavam em muito a disponibilidade. Isto é compreensível. Sabe bem como é que funcionam as candidaturas da organizações não governamentais; elas, às vezes independentemente da própria capacidade que têm, fazem uma candidatura por um valor mais elevado sabendo que depois, no rateio, terão um valor mais baixo.
De qualquer modo, a preocupação que tenho, com inteira transparência e clareza, é a de dotar as organizações não governamentais que tenham projectos mais consistentes dos meios que permitam a viabilização, numa lógica que é esta: aquilo que tenho designado como agenda para a igualdade é algo que tem de ser partilhado entre o Governo e as organizações não governamentais.
Não há uma verdadeira e autêntica agenda para a igualdade com eficácia se não tiver um forte envolvimento da sociedade e das associações, razão pela qual as associações e as organizações não governamentais vão ter apoios acrescidos. Naturalmente, não vão ter tudo o que desejam, mas isso é sempre impossível. Seria completamente absurdo eu dizer que vão ter tudo o que pedirem; não é assim, como é evidente, mas há uma preocupação de pertinência e sobretudo de equidade na distribuição destes recursos para que a sua utilização e aplicação seja o mais eficaz possível em nome dos objectivos que nos ocupam.
Depois, relativamente ao Banco do Tempo, as questões que suscitou são muito pertinentes.
Respondo-lhe com inteira clareza dizendo-lhe que não tenho aqui a informação que me pediu sobre qual é a organização não governamental espanhola, mas assim como fornecerei às Sr.as Deputadas Maria Celeste Cardona e Isabel Castro as informações que me pediram também, com todo o gosto, lhe enviarei um esclarecimento. Não tenho aqui de todo essa informação e certamente recolhê-la-ei, designadamente para que fique inteiramente esclarecida sobre quais são as organizações não governamentais e sobre qual é o alcance dos respectivos projectos e a sua importância relativa neste tema, Banco do Tempo, que se liga, indiscutivelmente, à própria iniciativa e ao envolvimento de organizações não governamentais.
Pode também ficar descansada, porque o seu receio de as verbas relativas ao Banco do Tempo serem misturadas ou serem feitas com o sacrifício do conselho consultivo das ONG não se concretizará.
No que respeita às organizações não governamentais na área das comunidades migrantes há cerca de 30 000 contos previstos para as mesmas e ainda este mês terei oportunidade de assinar os primeiros protocolos nesta área com as associações.
Devo dizer-lhe, como sabe aliás, que as verbas não foram integralmente utilizadas em anos anteriores e que queremos que o envolvimento das organizações tenham uma real inserção nestas comunidades. Estamos numa fase de progresso e esperamos entrar na velocidade de cruzeiro, porque nos anos anteriores, muitas vezes devido à inexistência de projectos consistentes e de associações que os apresentassem com consistência, as verbas não foram inteiramente utilizadas. Portanto, pensamos que no ano 2001 haverá uma salto significativo e os primeiros protocolos serão assinados ainda este ano, concretamente no mês de Novembro.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, ainda bem que colocou a questão das casas-abrigo com a autoridade especial que tem nesta matéria.
Já dei esclarecimentos relativamente à regulamentação.
Uma vez que compreende a dificuldade de lhe darmos as informações que solicitou utilizaremos exactamente o método que sugeriu. Assim como me comprometi a prestar informações às Sr.as Deputadas que referi, far-lhe-ei chegar uma informação que tem, naturalmente, a ver com a própria eficácia da regulamentação desta lei. Esta lei é extraordinariamente importante.
Como bem sabe (disse-o nos pressupostos da sua pergunta e limitar-me-ei a repetir aquilo que disse), há realidades que correspondem a um paradigma anterior ao da lei, há realidades novas e, naturalmente, há um objectivo que está subjacente à lei e que tem de ser posto em prática, que é o de termos uma casa-abrigo em cada distrito e nos termos em que referiu. Naturalmente, isto não se faz de um dia para o outro devido às dificuldades que referi logo no início, quando respondi à Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona, uma vez que não basta que as casas-abrigo existam formalmente, é necessário que estas acolham realmente as mulheres vítimas destas situações.
Infelizmente, devo dizer-lhe que, não nas grande cidades mas em cidades médias, fora das áreas metropolitanas, temos encontrado grandes dificuldades e grandes pressões sociais relativamente a estas situações. No fundo, essas pressões são no sentido de tornar menos claro ou visível este tipo de fenómenos, razão pela qual precisamos de ter uma atitude muito determinada e também uma atitude socialmente inteligente para não estarmos, naturalmente, a criar situações graves que nos levassem a poder dizer que "era pior a emenda que o soneto".

Página 17

 

De qualquer modo, o objectivo que referiu é o correcto, é aquele objectivo que tem de ser posto em prática como o ritmo e dentro de uma lógica que permita termos respostas eficazes para essas situações.
A questão que me colocou relativa ao combate ao alcoolismo será respondida pelo Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, em relação à questão da calendarização, o que está previsto na resolução do Conselho de Ministros que tratou desta matéria é que no prazo de 180 dias serão aprovados em Conselho de Ministros todos os instrumentos que tiverem de ser aprovados pelo mesmo.
Porventura, alguns instrumentos de carácter legal terão mesmo de ser aprovados pela Assembleia da República, uma vez que algumas medidas a adoptar serão atinentes ao regime dos Direitos Liberdades e Garantias.
Mas o que está previsto na resolução é que aquilo que o Governo tiver de fazer para concretizar estas medidas será feito no prazo de 180 dias.
Quanto à questão da idade mínima para consumir álcool, devo dizer-lhe que concordo consigo quando diz que é uma questão polémica, mas aquilo que o Governo perspectiva não é a proibição do consumo mas, sim, a proibição da venda e do consumo em certos locais. Isto é, não pensamos em propor a proibição de consumo por jovens em qualquer circunstância.
Aquilo que está na resolução é que será proibida a venda a jovens até 18 anos em certos estabelecimentos. Porquê os 18 anos?
Nós fizemos uma pesquisa ao nível dos países de União Europeia, que são os que nos estão mais próximos, e verificámos que existem algumas divergências sobre estes aspecto. Por exemplo, a Suécia tem um limite mínimo de 20 anos e a Espanha de 16 anos, mas a maioria dos países europeus que têm esta limitação inclinam-se para os 18 anos.
Além disso, temos a informação de que, ao nível da União Europeia, onde se está a tentar fazer a uniformização ou a harmonização legislativa neste campo, a maioria dos países se inclina para os 18 anos. Por isso, foi nessa fasquia que colocámos a nossa proposta.
Em relação à questão da proibição total da publicidade de bebidas alcoólicas, chamo a sua atenção para o facto de que haverá alguma evolução. Por exemplo, passará a ser proibida a publicidade de bebidas alcoólicas em meios audiovisuais antes das 22 horas e 30 minutos e também se proibirá o patrocínio de eventos desportivos dirigidos a menores, entre outros, bem como o de selecções nacionais.
Por que não fazemos a proibição total? Porque temos a consciência que o que o Governo pretende e o que lhe parece mais correcto não é pura a simplesmente dizer às pessoas que consumir álcool é mau; o que se deve dizer é que consumir álcool em excesso é pernicioso, pois pode haver consumo de álcool que não seja nem em excesso, nem mau. Além disso, é também preciso dizer-se que consumir álcool antes de uma certa idade pode ser pernicioso para a formação das pessoas.
Portanto, temos de encontrar um equilíbrio que não prejudique o objectivo de dizer às pessoas que há a possibilidade de se consumir álcool sem que isso seja pernicioso, não prejudicando, assim, as actividades económicas em Portugal relacionadas com o álcool, nomeadamente com o vinho, mas que, ao mesmo tempo, retire a possibilidade de um certo público ser influenciado para o consumo de álcool. Por isso, entendemos que este equilíbrio devia passar por adiantar na hora o período até ao qual não pode haver publicidade a bebidas alcoólicas e também por proibir a publicidade, o patrocínio e a ligação de bebidas alcoólicas a certos eventos, nomeadamente desportivos e culturais, sobretudo às selecções nacionais.
Foi este o equilíbrio que nos pareceu importante encontrar. Não nos parece que devamos passar do "8 para o 80", isto é, passar de uma situação mais ou menos permissiva para uma situação totalmente proibicionista ou repressiva.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, neste esclarecimento adicional pretendo dizer que não temos uma visão proibicionista, porém o critério para falar em 22 horas e 30 minutos é muito discutível, pois quer atingir-se um universo de jovens que não se deitam a essa hora.
Em segundo lugar, quanto à questão sobre se a idade mínima para o consumo de álcool deve ser de 16 ou 18 anos, parece-nos que se para um dos passos mais importantes da vida das pessoas, o casamento, a idade núbil é de 16 anos, então, colocar um patamar diferente para restrições em relação ao consumo de álcool é uma decisão discutível e não facilmente consensual.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não se trata, por certo, de uma decisão consensual. Aliás, os argumentos que invocou são extremamente atendíveis.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros referiu com inteira clareza e transparência o argumento decisivo para esta fixação. Na Europa, hoje, temos países onde a idade mínima estabelecida para o consumo de álcool é de 20 ou 21 anos e, além disso, há uma preocupação de progredirmos em termos europeus para um patamar que permita termos uma referência comum.
Sr.ª Deputada, se quer que lhe diga, a nossa posição é de abertura aos argumentos que referiu, porém temos de ser muito cautelosos na formulação da própria lei, e foi isso o que tivemos em conta. No entanto, é uma decisão discutível, sim, os argumentos da Sr.ª Deputada são atendíveis e, obviamente, não deixarão de ser ponderados.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Martins.

O Sr. Carlos Martins (PSD): - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, gostaria de cumprimentar o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado.
Sr. Secretário de Estado, embora tenha analisado o Programa do Governo, as Grandes Opções do Plano para 2001, confrontando-as, naturalmente, com as de 2000, o ano em curso, também alguns relatórios e o PIDDAC, em boa verdade não sei que debate vamos ter sobre esta proposta

Página 18

 

orçamental. De facto, como analisar políticas e o seu enquadramento orçamental quando não sabemos qual é o público alvo dessas políticas e do orçamento afecto?
O Sr. Secretário de Estado, em 23 de Fevereiro, aquando da discussão da mesma matéria referente a 2000, afirmava, a certa altura, que era difícil fazer a avaliação precisa e que "estava a procurar lançar um conjunto de actividades e de estudos que permitirão que, em breve, Portugal saiba exactamente quantos toxicodependentes tem". O Sr. Secretário de Estado disse ainda que "pensava, em breve, ver respondida a pergunta feita no sentido de saber quantos consumidores existem em Portugal".
Parece-nos que continuamos sem saber este número, que é determinante para qualquer política e para o seu enquadramento orçamental. Aliás, o relatório anual sobre evolução do fenómeno da droga na União Europeia, que, naturalmente, o Governo leu, confirma o que estamos a dizer e a discussão que já aqui tivemos sobre a mesma matéria.
Folheando o relatório, não encontramos resposta de Portugal a matérias tão importantes como, por exemplo, a prevalência e padrões do consumo da droga. Portugal foi um dos países da União Europeia que, nesta matéria essencial, não deu resposta! De registar que o organismo que realizou este relatório está sediado em Lisboa, portanto, à partida, seria mais fácil articular a resposta nacional para termos um relatório completo. Portanto, naturalmente, não ficamos satisfeitos por constatar que só muito mais à frente o relatório se refere a Portugal, sendo que essas referências vêm confirmar as piores suspeitas: por um lado, ao contrário de outros países europeus, Portugal é o que tem maior número de casos de sida relacionados com o consumo de droga, isto é, as mortes em Portugal estão a aumentar; por outro lado, somos o único país em que o consumo da heroína está a aumentar.
Ora, o que referi - e estou a fazer esta introdução antes de colocar algumas questões - leva à seguinte conclusão: as políticas de controlo das doenças decorrentes do uso de drogas falharam redondamente. Aliás, o próprio Sr. Secretário de Estado admitia recentemente, num semanário nacional, notícia essa que não foi desmentida, que as estratégias seguidas em Portugal não foram tão eficazes como deveriam ter sido.
Isto levanta a primeira questão: por que não foram as estratégias eficazes? A que conclusões chegou o Governo quanto a este ponto? Já que estamos em matéria orçamental, gostaria ainda de saber quais os meios que o Governo está a afectar extraordinariamente para recuperar o tempo perdido.
De facto, quando o Governo não sabe os números, o ponto de partida, não espanta o fracasso das estratégias! E infelizmente dizemos que as estratégias fracassaram, porque este é um flagelo da sociedade, é um problema que nos motiva e empenha a todos, de forma transversal! Porém, sem indicadores rigorosos, como podemos definir um orçamento? Como podemos interpretá-lo? Como podemos discuti-lo? Imagine-se, por exemplo, um ministro da defesa que propõe uma nova política de defesa nacional sem saber quantos soldados tem ou um ministro da agricultura que quer elaborar uma nova política agrícola sem saber quantos agricultores tem o seu país!…
As GOP para 2001, tal como as de 2000, vêm, mais uma vez, invocar legislação, princípios, teorias, a extinção do Projecto VIDA e a criação do IPDT (Instituto Português da Droga e da Toxicodependência). Para além disso, há um conjunto de estratégias e de prioridades que nos fazem recordar, por reposição, as que anteriormente já tinham sido afirmadas.
Uma questão essencial é, de facto, a informação, que tem de ser activa, precisa e concisa. A pergunta que se coloca é a de saber se os recursos financeiros afectos são suficientes.
Por outro lado, há a questão da prevenção, relativamente à qual se afirma, mais uma vez, que vai haver um reforço. Gostaria de saber qual é o reforço efectivo de verbas previsto neste orçamento.
Afirma-se também que vai ser feito um esforço em termos da descentralização das infra-estruturas, mas o Governo - e estou a recordar-me de afirmações feitas pelo Sr. Secretário de Estado na Comissão de Saúde e Toxicodependência - não pode continuar satisfeito por estar a cumprir os ratio previstos na legislação, ou seja, não pode ficar satisfeito com esta visão um pouco administrativa, permita-me a expressão.
Sr. Secretário de Estado, vou referir um caso que já lhe coloquei, para o qual, deduzo, desta vez já terá uma reposta. O Algarve continua a ser uma região sem comunidade terapêutica pública, apenas com uma pequena unidade de desabituação. Dirá o Sr. Secretário de Estado, mais uma vez: "De acordo com o ratio previsto na legislação, estamos a cumprir". Os problemas não são o ratio mas, sim, as características e os problemas das regiões em particular, as quais não podem ser aferidas da mesma maneira! Aliás, o caso do Algarve é paradigmático e, diria até, lamentável.
Em 1996, dois membros do Governo, 16 presidentes de câmara e uma instituição particular de solidariedade social firmaram publicamente um protocolo tripartido para avançar com uma comunidade terapêutica. Decorridos quatro anos, as câmaras municipais do Algarve pagaram a sua parte e a Santa Casa da Misericórdia em causa adquiriu o terreno, no entanto, continuamos sem ter uma comunidade terapêutica, independentemente de estarmos dentro do tal ratio definido pela legislação.
Assim, quanto a este aspecto, gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado tem previstos meios neste Orçamento para dar resposta a esta questão, que é regional mas importante, como é por demais óbvio, embora eu seja particularmente suspeito, pois sou Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Faro.
Outra questão é que se pode construir infra-estruturas, mobilá-las, equipá-las, legislar - diria que essa parte é difícil mas, por outro lado, é uma prática de rotina que não é transcendente -, mas sem recursos humanos em quantidade suficiente não há qualidade nem capacidade de resposta. Assim, gostaria de saber quais as inovações na área da formação inicial e pós-graduada, qual é o deficit de efectivos e qual é o valor afecto para este esforço, reconhecido por todos.
Também em termos de esforço, qual é, na perspectiva do Sr. Secretário de Estado, o reforço do papel do Serviço Nacional de Saúde na prevenção e no tratamento? Ou seja, que medidas articuladas estão contempladas para 2001?
Para quando a criação de novas equipas de rua? Para quando uma intervenção social e sanitária articulada com terapias de grupo e/ou individuais? Quais os meios financeiros afectos a esta matéria, que é extremamente importante em termos de prevenção e de tratamento directo e imediato?

Página 19

 

Por último, nas prisões todos os indicadores revelam que o número de consumidores de droga infectados com sida continua a aumentar, diria até que os indicadores são extremamente optimistas em função de outros de que também temos conhecimento.
Não vamos discutir as percentagens, mas é uma realidade palpável que o número de infectados de sida nas prisões portuguesas está a aumentar. Desta forma, coloca-se uma questão prévia: qual é o reforço de verbas para o tratamento e prevenção deste problema em particular? O programa de substituição de seringas nas prisões vai ser uma realidade em 2001, depois de algumas intenções de promessas ao longo do ano 2000? Se a resposta for "sim", quando? Onde? Com que recursos financeiros?

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, as questões que gostaria de ver melhor esclarecidas têm a ver com a legislação que acabámos de aprovar na Assembleia, que visa a descriminalização do consumo das drogas.
Essa legislação obriga a um reforço de meios, essencialmente financeiros e humanos, para dar resposta às exigências da sua própria aplicação, sob pena de não ter qualquer efeito prático nem eficácia. Refiro-me à questão das comissões de dissuasão da toxicodependência, que têm de ser implementadas e desenvolvidas, bem como a uma maior capacidade de resposta por parte das estruturas de prevenção e tratamento. Assim sendo, gostaria de saber que verbas vão ser destinadas ao IPDT para este fim.
Gostaria também que fossem referidas quais as razões concretas que levaram a que, ao nível do serviço de prevenção e tratamento de toxicodependência, haja a redução de cerca de 400 000 contos no PIDDAC relativamente ao que estava previsto para 2000 e ao que está previsto ser executado.
Garante o Governo que os projectos previstos não vão estar em causa com o atraso que veio a verificar-se e que já foi justificado pelo Sr. Secretário de Estado? Há efectivamente garantias de que não estão em causa as verbas comunitárias?
Para quando se perspectiva o ultrapassar dos constrangimentos que vieram a verificar-se no desenvolvimento deste processo, que não passa exclusivamente pela questão das verbas comunitárias ou pelo Ministério da Presidência mas também pelo desenvolvimento, na prática, da aquisição dos terrenos, por exemplo, para que se possa efectivamente avançar com este investimento?
Há uma outra questão que já coloquei ao Sr. Secretário de Estado na Comissão de Saúde e Toxicodependência, relacionada com as comunidades terapêuticas e, no essencial, com as verbas existentes no orçamento para 2000 para as IPSS. Tanto quanto sabemos, essas verbas, destinadas ao investimento em obras nas instituições particulares e que visavam, essencialmente, as questões das comunidades terapêuticas, não foram aplicadas e, inclusive, no orçamento para o próximo ano desapareceram.
No orçamento para 2001 esta previsão desapareceu, o que, em nosso entender, poderá de alguma forma pôr em causa esta área também importante para o tratamento dos toxicodependentes. Portanto, gostaria de saber se, do ponto de vista global, o Governo considera e assume que as verbas destinadas e previstas vão ser as necessárias para o desenvolvimento da estratégia em curso para 2001.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Carlos Martins, estou plenamente de acordo consigo. Neste momento, não temos, de facto, todos os instrumentos necessários para fazer uma navegação totalmente conhecedora deste fenómeno, pois faltam-nos alguns números sobre certas realidades referentes à toxicodependência, os quais, obviamente, teremos de conseguir.
O estudo que vai ser realizado pela equipa do Prof. Casimiro Balsa, da Universidade Nova, já foi adjudicado há cerca de sete meses e estará concluído em meados do ano que vem, ou, pelo menos, nessa altura começarão a ser fornecidos ao Governo os primeiros dados relevantes.
O Sr. Deputado poderá perguntar "por que é necessário tanto tempo?". Essa é uma pergunta que também coloquei, mas o que é certo é que se trata de um estudo de grande complexidade técnica, com um trabalho de campo direccionado a 15 000 entrevistas e que envolve um trabalho muito estreito com algumas entidades que, no plano local, estão informadas sobre a situação nesse âmbito, nomeadamente os governos civis .
Como o Sr. Deputado sabe, fazer um estudo sobre prevalência não é o mesmo que fazer um censo nacional ou um outro estudo sobre qualquer outro fenómeno sobre o qual as pessoas falam sem restrição.
Portanto, este estudo demora, de facto, muito tempo a fazer. Começou a ser preparado há algum tempo e só estará concluído, nos termos que referi, em meados do ano que vem. Como membro do Governo, entendi que não deveria pressionar de forma ilegítima a equipa que vai fazer o estudo, no sentido de não provocar deficiências técnicas no mesmo devido à falta de tempo para aprofundar o que a equipa entenda dever ser aprofundado.
Quanto às referências que o relatório europeu faz a Portugal - apesar de tudo temos alguns números e fornecêmo-los de forma totalmente transparente ao Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência -, o Sr. Deputado apenas mencionou as cifras negras, os números desfavoráveis, não referindo aqueles em que não estamos assim tão mal. Nomeadamente, o Sr. Deputado não referiu, por exemplo, o facto de sermos o país em que há menor consumo de haxixe, juntamente com a Suécia, apesar de este país ter números um pouco acima.
Contudo, o Sr. Deputado referiu algumas cifras negras que considero, de facto, preocupantes. Penso que a referência que fez ao facto de Portugal ser o único país onde o consumo da heroína está a aumentar não é verídica, não são esses os indicadores que temos. Pelo contrário, os indicadores que temos mostram que, em Portugal, à semelhança, aliás, do que se passa na maioria dos países da Europa, o consumo da heroína está a estabilizar, com tendência para diminuir, sendo que a média etária dos consumidores de heroína está a subir, o que significa que esta droga está a exercer menor fascínio nos jovens.
O Sr. Deputado aludiu a uma referência minha quanto à eficácia ou ineficácia das estratégias. Nem sempre o que os jornais reproduzem é inteiramente correcto. Não sei qual foi o jornal que citou nem quais as minhas ideias que esse

Página 20

 

jornal terá procurado expressar, mas quero dizer-lhe que, porventura, seria algo relacionado com as estratégias de redução de danos. E em relação às estratégias sobre redução de danos, eu não disse que elas são ineficazes, mas, simplesmente, que elas são insuficientes, ou seja, que temos de pensar noutras para além dessas. Temos de pensar em aprofundar as que já temos, nomeadamente os programas de substituição de seringas, alguns programas localizados de redução de danos no Casal Ventoso, no Porto, etc., e temos, porventura, de pensar noutras iniciativas, noutras acções e noutras políticas que reforcem essas. Portanto, não considero que as estratégias são ineficazes, mas que as que temos no terreno, neste momento, são insuficientes - o que é uma coisa diferente -, pelo que devem ser reforçadas.
Quanto à questão das prioridades, disse o Sr. Deputado Carlos Martins que as que estão previstas este ano são as mesmas do passado (não foi bem essa a expressão que utilizou, não foram estas as palavras, mas pareceu-me que era isto que queria dizer). As nossas prioridades estão, de facto, fixadas na estratégia nacional de luta contra a droga e, também, no Programa do Governo e não vão ser, obviamente, mudadas nos próximos anos. As prioridades estão lá fixadas e teremos de prosseguir as nossas políticas, no sentido de concretizar essas prioridades.
Quanto a saber se os recursos financeiros são suficientes, Sr. Deputado, os recursos são sempre insuficientes. Nunca temos a possibilidade de dizer que estamos totalmente satisfeitos com aquilo que o Orçamento nos distribui em cada um dos anos. Posso-lhe dizer, contudo, que os recursos que este ano vamos ter, de cerca de 24 milhões de contos, destinados à luta contra a droga e a toxicodependência - que compara com os pouco mais de 20 milhões de contos no ano de 2000 -, são melhores, obviamente, que os de 2000, como os de 2000 já eram melhores que os de 1999, os de 1999 já eram melhores que os de 1998, e assim sucessivamente.
O Governo do Partido Socialista partiu de um patamar de cerca de 7 milhões de contos destinados à luta contra a droga e a toxicodependência, em 1995, e está, neste momento, a propor à Assembleia da República um Orçamento que envolve dispêndios na ordem dos 24 milhões de contos, para esta área. Portanto, penso que estamos no bom caminho para prosseguir o compromisso assumido pelo Governo no início desta Legislatura de duplicar as verbas destinadas à luta contra a droga e a toxicodependência, num prazo de cinco anos. Passámos de pouco mais de 15 milhões para 24 milhões, em dois anos, pelo que penso que não estamos mal nesta altura. Obviamente que isto envolve uma verba de 3,5 milhões de contos que está inscrita na dotação provisional do Ministério das Finanças e que será destinada às novas responsabilidades que o Estado, no fundo, vai assumir com a lei da descriminalização da droga.
No que diz respeito à questão das comunidades terapêuticas, Sr. Deputado Carlos Martins, confirmo que, de facto, não há nenhuma comunidade terapêutica pública no Algarve. Só existem duas comunidades terapêuticas públicas neste país - uma em Lisboa e outra em Coimbra - e irá agora ser criada uma terceira no Porto, que servirá a zona norte, mas não há mais nenhuma comunidade terapêutica no País.
Isto obedece a uma certa estratégia, que, aliás, herdámos e que, neste aspecto, não alterámos no que diz respeito ao governo do partido de V. Ex.ª, que é a estratégia de apostar, sobretudo, no tratamento em ambulatório. O tratamento que é prestado pelo serviço público é, sobretudo, um tratamento em ambulatório, um tratamento nos CAT, nos Centros de Atendimento a Toxicodependentes. Essa política não foi ainda alterada. Poderemos ter, no futuro, de a repensar, mas não foi ainda alterada. Assim, continuamos a investir sobretudo na área do sector público, naturalmente no tratamento em ambulatório, que é fornecido, principalmente, pelos CAT.
Quanto à comunidade terapêutica do Algarve, tive oportunidade de ouvir a história dessa comunidade terapêutica privada, e não pública, há pouco tempo, quando fui ao Algarve, a Faro, fazer uma reunião com entidades locais sobre isso. Nessa altura, ouvi o Sr. Presidente da Misericórdia que assumiu que parte dos problemas que obstaram a que essa comunidade fosse criada resultaram da própria misericórdia. Existem fundos públicos adequados para essa comunidade funcionar - aliás, as autarquias locais já os disponibilizaram e têm-nos disponibilizado -, mas houve problemas que o próprio Presidente da Misericórdia em causa aceitou que são problemas essencialmente resultantes do funcionamento dessa mesma misericórdia. Portanto, não é algo em que o Estado tenha qualquer responsabilidade. Estamos, obviamente, muito interessados em que surja mais uma comunidade terapêutica, porque suponho que existe uma outra, também privada, pelo menos no Algarve.
Em relação à questão dos recursos humanos, temos, de facto, um problema de recursos humanos na área da saúde e, dentro da área da saúde, o subsector da toxicodependência tem o problema agravado. Se na área da saúde temos falta de pessoal médico e de técnicos de saúde em geral, isso, naturalmente, repercute-se, com gravidade acrescida, na área da toxicodependência. Se é difícil formar um médico, por exemplo um médico generalista, é duplamente difícil formar um médico que tenha especialização adequada para tratar do fenómeno da toxicodependência. Portanto, temos, de facto, um problema grave ao nível dos recursos humanos e não o podemos iludir.
Estamos, naturalmente, a mover esforços no sentido de resolver esse problema. É claro que ele será resolvido apenas a longo prazo, isto é, quando houver mais faculdades de medicina, mais médicos, mais enfermeiros e mais técnicos de saúde a serem formados no nosso país. Até lá, teremos de recorrer a situações de recurso e, em meu entender, teremos, nomeadamente, de recorrer à contratação de pessoal técnico de saúde, sobretudo fora do nosso país.
No que diz respeito à questão da formação, nomeadamente da pós-graduação para esta área, estamos - o IPDT e as instituições que estão sob a dependência do Sr. Ministro da Ciência e da Tecnologia -, neste momento, a preparar um protocolo que irá permitir que, a breve trecho, possa haver a possibilidade de, em instituições universitárias, existir uma pós-graduação relacionada com isto. Por outro lado, ainda há a notícia - que nos foi já dada, há alguns meses, pela Ordem dos Médicos - que, no âmbito da Ordem dos Médicos, a área da toxicodependência irá ser objecto, também, de um reconhecimento específico.
Quanto às novas equipas de rua, como sabe, apesar de ser uma experiência que temos em poucas zonas do País, é uma experiência muito positiva, pelo que entendo que deve ser reforçada. Embora existam problemas de natureza operacional que têm de ser ultrapassados, tenho dito que essas equipas de rua poderiam, inclusive, contar com a participação ou com o concurso de mediadores toxicodependentes. Em relação a isso, estamos a planear que, no ano que vem, seja lançado um programa nacional de redução de riscos que

Página 21

 

tenha, em todos os distritos, expressão. Isto é, em cada um dos distritos, deverá haver um programa de redução de riscos, que hoje não existe, que assentará, sobretudo, em equipas móveis - que poderão movimentar-se numa carrinha, como existe noutros países da Europa - e que circularão pelas zonas mais críticas de cada um dos distritos, dando informação e fazendo, eventualmente, um acompanhamento psicossocial, um acompanhamento ao nível da enfermagem, ao nível do apoio psiquiátrico e mesmo, porventura, ao nível dos tratamentos de substituição.
Relativamente à questão das prisões, V. Ex.ª diz que tem indicadores que levam a concluir que o problema da droga continua a aumentar. Não posso suportar essa sua indicação, porque não tenho nenhuns indicadores nesse sentido. Um dos problemas, aliás, que temos, no âmbito do meio prisional, é, de facto, o de não termos ainda indicadores fidedignos, pelo que um dos projectos que também temos - que já está planeado com a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais - é o de fazer um estudo muito fidedigno que nos permita conhecer com profundidade a situação ao nível das prisões. Portanto, no âmbito desse conhecimento que vamos adquirir com este estudo, poderemos tomar algumas medidas.
Quanto ao programa de substituição de seringas, ele está em estudo, conforme dizíamos, quer na estratégia nacional quer no Programa do Governo. Quando se refere ao problema de substituição de seringas no meio prisional, aquilo que temos dito é que deve ser estudado, que há problemas operacionais que têm de ser estudados com toda a atenção. Suponho que haverá condições para tomar uma decisão sobre isso, em breve.
Quanto às questões que a Sr.ª Deputada Natália Filipe colocou, designadamente no que diz respeito aos meios previstos para concretizar a lei que descriminaliza o consumo, temos previsto, no Orçamento - justamente, conforme referi há pouco, na dotação provisional do Ministério das Finanças - uma verba de 3,5 milhões de contos, que não poderia ser imputada a nenhum serviço especificamente, porque a lei não estava, sequer, aprovada quando o Orçamento foi submetido à Assembleia da República. Assim, apesar de não conseguir ser, nesta altura, totalmente conclusivo (se o estivesse a ser, estaria, obviamente, a incorrer num erro), penso que esta verba de 3,5 milhões de contos será distribuída da seguinte forma: cerca de 1,5 milhões de contos para o funcionamento das comissões de dissuasão; 1,5 milhões de contos para o reforço dos meios de tratamento; e os restantes 500 000 contos serão distribuídos entre programas de prevenção primária e programas de redução de danos.
Em relação à questão do PIDDAC do SPTT, já tive oportunidade de dizer, durante a discussão na Comissão de Saúde e Toxicodependência, que, quanto às verbas do ano 2000, por enquanto ainda não podemos fazer uma leitura conclusiva da forma como essas verbas foram gastas. Nesta altura, ainda não é possível fazer essa leitura. Em relação a 2001, verifica-se, realmente, no PIDDAC do SPTT, um decréscimo das verbas do esforço nacional, que será parcialmente compensado pelas comparticipações da União Europeia. Esse decréscimo de verbas do PIDDAC tem a ver com uma tendência que penso que, mais tarde ou mais cedo, se vai verificar. Ou seja, tem a ver com o facto de, mais tarde ou mais cedo, o investimento no âmbito do SPTT - investimento esse que será, sobretudo, vocacionado para a construção de novos CAT ou para a reformulação de CAT já existentes - diminuir, porque estamos a chegar ao ponto, em meu entender, em que o ciclo de constituição de novos CAT vai terminar. Com este ano, onde haverá abertura de quatro ou cinco, e com o ano que vem, onde está prevista a abertura de mais alguns e com algumas obras que se estão a fazer em CAT já existentes, penso que, no final do ano 2001 e, porventura, ainda até ao início do ano 2002, fecharemos o ciclo dos investimentos em CAT e teremos de abrir o ciclo da parceria entre este subsistema de saúde, que é o subsistema relacionado com a toxicodependência, com o Serviço Nacional de Saúde, de forma a potenciar algumas sinergias que o Serviço Nacional de Saúde ainda pode mobilizar neste âmbito e que não estão ainda a ser mobilizadas, uma vez que nos estamos a concentrar em fechar este sistema, este subsistema, relacionado com os CAT e com o SPTT.
A Sr.ª Deputada Natália Filipe refere ainda que desaparecem as verbas para apoio nas comunidades terapêuticas, mas não posso confirmar isso. Penso que as verbas que estão previstas para este ano e as que serão previstas para o ano que vem serão da mesma ordem. No entanto, queria dizer-lhe que me parece que, no futuro, o investimento também ao nível das comunidades terapêuticas não terá o mesmo grau de exigência que teve no passado. Sabemos hoje que há comunidades terapêuticas que oferecem camas que não são ocupadas e que começam a haver promotores dessas comunidades terapêuticas a lamentarem-se por esse facto e a ter problemas graves de solvabilidade financeira.
Creio que, no ano que vem, o esforço financeiro do Estado deverá concentrar-se, sobretudo, no sistema público, isto é, no sistema dos CAT, no sistema de tratamento em ambulatório. Quando falo de investimento, quero falar não apenas do investimento stricto sensu, mas também, obviamente, do investimento em funcionamento. Creio que para o final do ano que vem e no início do ano de 2002 teremos de repensar seriamente o nosso sistema, para saber, pelo menos, três coisas: primeiro, se a avaliação do sistema que temos, assente neste dois pilares, público e privado, é o correcto; segundo, sendo o correcto, se a proporção que existe é a adequada; terceiro, se a proporção que existe não for a adequada, porquê; e se, quarto (esta hipótese também terá de ser reponderada), há ou não interesse em que o Estado faça novos investimentos em comunidades terapêuticas públicas. Até aqui, temos dito que as comunidades terapêuticas públicas devem ser apenas um elemento de referência para as comunidades terapêuticas privadas e, por isso, só existem duas, vai agora ser criada a terceira. No entanto, poderá acontecer que, no final do ano 2001 e início do ano 2002, tenhamos de reponderar esta ideia, tendo em conta, também, tudo o que se vai passar no ano que vem, nomeadamente o impacto sobre os meios de tratamento que a descriminalização do consumo irá provocar, para saber se o nosso sistema está, ou não, bem dimensionado para esta realidade.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como não foi solicitada mais nenhuma questão, dou por terminada a reunião, agradecendo a presença do Sr. Secretário de Estado da Presidência pelo esclarecimento prestado à Comissão.
Queria chamar a atenção dos Srs. Deputados de que amanhã está cá o Sr. Ministro das Finanças a partir das 9 horas e 30 minutos. O Sr. Ministro tem um compromisso, pelo que a reunião terá mesmo de começar a essa hora.
Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 22

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×