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Quarta-feira, 16 de Novembro de 2005 II Série-C — OE — Número 9
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Reunião de 15 de Novembro de 2005
SUMÁRIO No âmbito da discussão, na especialidade, da proposta de lei n.º 40/X — Orçamento do Estado para 2006 —, as equipas governamentais do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e do Ministério da Saúde prestaram esclarecimentos aos Srs. Deputados.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 9 horas e 50 minutos.
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Muito bom dia.
Vamos dar início às audições, na especialidade, em sede de Comissão de Orçamento e Finanças, começando pela audição do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que vai ser realizada em conjunto pelas Comissões de Orçamento e Finanças e de Trabalho e Segurança Social.
Como é habitual neste tipo de audições, cremos ser dispensável uma intervenção inicial do Sr. Ministro sobre a matéria que vamos discutir aqui na especialidade.
Do ponto de vista da metodologia a seguir, vamos proceder do seguinte modo: as duas primeiras intervenções, na primeira ronda, cabem, respectivamente, ao PSD e ao PS, respondendo o Sr. Ministro em bloco às questões suscitadas por estas duas intervenções; seguem-se as intervenções do PCP, do CDS-PP e do BE, às quais o Sr. Ministro responderá também em bloco.
Estamos, pois, em condições de começar, cabendo a palavra ao PSD, na pessoa do Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, antes de mais, os meus cumprimentos.
Sr. Ministro, o Grupo Parlamentar do PSD tem seguido com muita atenção o trabalho que tem levado a cabo na área da segurança social e naturalmente não lhe ficará mal começar por salientar a coragem pela aplicação de algumas das medidas a que temos assistido, medidas essas fundamentais para a sustentabilidade do sistema de segurança social tal qual ele hoje existe.
Nesse sentido, temos vindo a assistir não só ao aumento da idade da reforma como à própria tributação das pensões, conforme propostas do Governo.
No seguimento dessas medidas tomadas pelo Governo, gostava de ouvir a opinião do Sr. Ministro relativamente a dois pontos que me parecem também muito importantes, no que diz respeito à sustentabilidade do sistema de segurança social, sendo que o primeiro tem a ver com o sistema suplementar de segurança social, ou seja, o plafonamento, muito discutido já no Livro Branco da Segurança Social, ou o tecto contributivo, já previsto na Lei de Bases de 1984 e, mais recentemente, na Lei de Bases de 2000.
Todos sabemos o que é o sistema de plafonamento: é a existência de um limite a partir do qual cabe ao próprio optar pela contribuição, através do Estado, para a segurança social ou optar por um sistema de seguro através de entidades privadas. Isto é, existe um desconto obrigatório para a segurança social e um desconto facultativo para outras entidades, designadamente seguros ou entidades privadas.
Nesta área, foram feitos estudos que nos indicaram que, em termos de viabilidade, a partir do 12.º ano de pagamento de pensões plafonadas, a diminuição das despesas com pensões é superior à diminuição das receitas com contribuições, mas que, sendo a esperança média de vida dos pensionistas entre os 65 e os 69 anos de idade de 18 anos, é possível concluir que a sustentabilidade do sistema de segurança social beneficiará, a médio prazo, com a introdução do chamado «regime opcional».
Para além deste contributo para a sustentabilidade da segurança social, gostava, sabendo embora das dificuldades do Estado para o aumento do fundo de capitalização, que já há cerca de três anos, salvo erro, não tem tido essa contribuição, de ouvir a argumentação do Sr. Ministro para, mais uma vez, este ano, não haver esse reforço do fundo de capitalização.
Um outro ponto diz respeito ao subsídio de desemprego. Fala-se de uma medida, na área dos subsídios de desemprego, que vai no sentido de obrigar as pessoas a ficarem em casa numa das partes do dia, ou de manhã ou de tarde, tal como foi veiculado pela comunicação social, mas isso soa um pouco a, permita-se-me a analogia, pulseira electrónica – e não quero estar aqui a discutir os méritos ou os deméritos, mas compreende-se o que está por detrás dessa tomada de medida.
Gostava de perguntar ao Sr. Ministro se, para além dessa medida, não se pensa na obrigatoriedade de aceitação de um emprego que seja oferecido pelos centros de emprego, por exemplo, no que diz respeito a distâncias de 30, 40 ou 50 km do local de residência – aliás, essa poderia ser também uma das medidas a tomar em relação à concessão ou não do subsídio de desemprego.
No que diz respeito à comissão de protecção de menores, a ideia que tenho é que o trabalho desenvolvido é, muitas vezes, o trabalho do facto consumado, isto é, não é identificado propriamente um número considerável de famílias quando estão em risco mas, sim, quando o risco já se transformou no próprio perigo e no facto consumado de crianças já em situação de efectiva vitimização.
Daí eu reforçar a componente de prevenção, que julgo ser fundamental nestas comissões, e perguntar-lhe, Sr. Ministro, se foi pensada, ou não, a integração por qualquer forma, o que já acontecia há alguns anos, do Ministério Público nestas comissões de uma forma mais ou menos formal. Isto é, considerando que ao Ministério Público chegam muitas vezes situações e informações de famílias em risco, numa situação ainda anterior
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à vitimização propriamente dita, se não se pensa na possibilidade de introdução do Ministério Público nas comissões de protecção de menores.
Outra questão – e esta diz respeito ao funcionamento do próprio sistema de segurança social – tem a ver com a articulação, que me parece fundamental, entre o Instituto da Segurança Social, o Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social e as 18 delegações regionais espalhadas pelo País nas capitais de distrito.
Assim, gostaria de saber se, efectivamente, esta harmonização entre estas três entidades tem acontecido e se ela é ou não fundamental para um melhor funcionamento do sistema de segurança social.
E quando falamos num melhor funcionamento do sistema de segurança social, quero realçar aqui a importância do trabalho do Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social e perguntar-lhe, Sr. Ministro, se acha ou não que é importante a fusão deste Instituto com o Instituto da Segurança Social, sendo que o Instituto da Segurança Social é um cliente que representa cerca de 90% do trabalho do Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social.
Uma última pergunta diz respeito ao grau de autonomia das delegações regionais. Gostava de ouvir o Sr.
Ministro sobre esta matéria para saber qual o modelo que defende no que diz respeito às delegações regionais, isto é se elas devem ter um grau de autonomia e até que ponto é que esse grau de autonomia deve existir relativamente ao Instituto da Segurança Social e até que ponto o Instituto da Segurança Social deve controlar, gerir e centralizar as funções que cabem ao Instituto da Segurança Social.
Sr. Ministro, um último comentário para referir que o ouvi, neste Plenário, na semana passada, e a sensação com que fiquei foi que, se o Sr. Ministro não tivesse tomado posse, o tempo teria parado e quem tinha responsabilidades na altura não teria continuado a fazer um trabalho… Ora, queria fazer-lhe uma pergunta sobre a conta corrente que tem sido elaborada ao longo dos últimos anos e que tenho a certeza (mas o Sr. Ministro dir-mo-á) que é um instrumento fundamental para a cobrança das dívidas à segurança social.
A minha pergunta é se esse instrumento estava ou não já numa fase adiantada da sua elaboração e se tem sido ou não útil para o trabalho que V. Ex.ª tem desenvolvido na área da cobrança das dívidas à segurança social.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Laranjeiro.
O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, já vai longo este debate sobre o Orçamento do Estado desde a sua apresentação, em sede quer de Plenário quer de Comissão.
O orçamento do sector que o Sr. Ministro tutela tem sido considerado (acho que é pacífico dizê-lo) correcto, patriota, sem expedientes contabilísticos e globalmente positivo. A única dúvida diz-se – e estou a referirme a comentadores insuspeitos de serem próximos do Partido Socialista – é se outros poderiam fazer melhor.
Porém, o Partido Socialista considera este orçamento não só globalmente positivo mas também inequivocamente positivo. E inequivocamente positivo pela verdade e pela credibilidade que traz a este debate e por cumprir um esforço de consolidação orçamental, que tem sido pedido a todo o País e, portanto, também ao Governo – e, nessa matéria, o Ministério que V. Ex.ª dirige cumpre o seu papel –, um esforço de justiça social e um esforço para garantir a sustentabilidade, a médio e longo prazo, de todo o sistema de segurança social.
Reflecte este orçamento um esforço de solidariedade entre as gerações; não só entre as gerações mais novas e activas para com aqueles que já estão na reforma mas também dos activos para com aquelas gerações que, não tendo ainda voz, vão entrar no sistema nas próximas décadas.
Concilia, pois, este orçamento equidade e eficiência e, portanto, também o aumento da eficácia contributiva e da eficiência de toda a máquina do Ministério. Aliás, os únicos reparos que tem havido creio serem sobre a execução, no entanto o que estamos a discutir não é a execução do orçamento do próximo ano (teremos outras oportunidades para fazê-lo) mas, tão-só, o orçamento para o próximo ano.
E parece evidente a inexistência de verdadeiras propostas, propostas credíveis, fiáveis, plausíveis e exequíveis por parte da oposição – e a intervenção do Sr. Deputado do PSD demonstrou-o.
Mas, posto isto, deixo aqui duas questões, sendo que uma delas prende-se com o facto de haver, por um lado, uma aposta de todo o Governo e, necessariamente, do País na sociedade do conhecimento, do saber, o que faz aumentar os riscos da exclusão social – e aqui os mais atingidos são sempre os menos qualificados.
Na dotação prevista para as políticas de emprego e qualificação, há um aumento de 1530 milhões de euros, neste ano, para 1734 milhões de euros, ou seja, um aumento de cerca de 13%.
Ora, gostaria de saber, por um lado, que políticas vão estar agregadas a esta dotação e com que agentes locais estas políticas vão ser elaboradas e, por outro, gostaria de saber se está prevista a própria organização da oferta, isto é, ao nível da formação e das políticas de emprego, a organização regional, digamos assim, da própria oferta para os desempregados ou para aqueles activos que desejam ter nova formação.
Uma das «bandeiras», uma das linhas de força do orçamento nesta área, tem sido a questão dos mais idosos – os mais pobres dentro dos mais idosos. Todos sabemos que estes são sempre os que têm mais dificuldades, são os mais fracos, têm menos voz e maiores dificuldades de acesso ao próprio sistema.
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Neste âmbito, relativamente ao complemento que foi anunciado e que entrará em vigor no próximo ano, a questão que quero colocar prende-se com a forma, isto é, sabendo que os cidadãos mais idosos são exactamente aqueles que têm mais dificuldades de acesso ao sistema – podem até ter conhecimento desta prestação mas, por outro lado, há todo um capital de desconfiança ou, pelo menos, de dificuldade –, como é que o Ministério prevê actuar no sentido de não deixar de fora nenhum idoso que esteja naquelas circunstâncias? Que parceiros espera chamar a este projecto para este efeito?
O Sr. Presidente: — Para responder, em conjunto, às questões que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostava de agradecer as palavras do Sr. Deputado Fernando Negrão e dizer que vou tentar responder, da forma mais sintética possível, às questões que me foram colocadas.
Começo por responder à questão, já célebre e recorrente, dos tectos contributivos ou dos sistemas complementares de segurança social e sua viabilidade.
A possibilidade de introduzir limites ou tectos contributivos na segurança social pública – tal como referiu, e muito bem – está presente na Lei de Bases da Segurança Social desde 1984, salvo erro, foi reafirmada em 2000 e confirmada em 2002. É um facto que, tendo nós atravessado, desde a Lei de Bases da Segurança Social dos anos 80, diversas conjunturas económicas (umas mais expansivas, outras mais recessivas e outras assim-assim) e tendo tido diversos governos, com orientações políticas distintas, até agora, nenhum governo avançou com a concretização desses limites contributivos.
O Sr. Deputado disse que foram realizados estudos – presumo que estava a referir-se ao do último governo da maioria PSD/CDS – sobre a viabilidade e o modelo de implementação desses limites contributivos.
Pode ser que seja limitação minha, mas não tenho conhecimento de nada, para além de três ou quatro folhinhas que foram apresentadas num Conselho Nacional de Segurança Social (aliás, o único que se realizou) em 2004 ou, talvez, em 2005, e eu tenho muitas dificuldades em considerar essas folhinhas um estudo, mesmo com grande boa vontade e num contexto de avaliação académica não muito exigente.
Mas, dizia o Sr. Deputado, que havia um estudo que apontava para a possibilidade de retorno desses limites contributivos, ou seja, o retorno pelo Estado do que perderia pela introdução dos limites contributivos ao fim de 11,2 ou de 11,6 anos. Sinceramente, não fiquei minimamente convencido com esses dados, e vou explicar-lhe porquê, de uma forma muito simples.
Tendo em atenção que a esperança de vida hoje, à idade legal da reforma, oscila entre perto de 15 anos para os homens e 19 anos para as mulheres, se fosse verdade que, ao fim de 11 anos de pagamentos de pensões mais baixas por via da introdução dos plafonds contributivos, haveria uma reposição do equilíbrio no sistema público de segurança social, de facto, a operação poderia ser, no longo prazo, uma operação interessante. Mas ficaria sempre uma questão por esclarecer: quem e como se financia o período de transição em que se perderiam todas as contribuições até ao momento em que, eventualmente, se começaria a ganhar pela diminuição das pensões? Essa questão ficaria por esclarecer, porque a diminuição de receitas tem consequências.
Infelizmente – ou felizmente, conforme a óptica –, os números não são esses, Sr. Deputado, porque os números que apresenta são apurados esquecendo que o dinheiro (peço desculpa por o dizer com esta frontalidade) tem valores diferentes no tempo e essas contas só podem ser feitas actualizando os valores monetários para o actual momento.
Ou seja, se actualizarmos para hoje o fluxo de perdas que se terão durante a carreira contributiva e o fluxo de ganhos que se teriam durante o tempo de pensão, chegamos com facilidade à conclusão de que esses 11,2 anos se transformam em quase 20 anos. Ou, dizendo o mesmo de forma mais simples, a diminuição de receitas que existiria durante trinta e tal anos numa carreira contributiva vai provocar ou um agravamento de um défice se ele existir (e se houver défice, ele tem que ser financiado com um custo), ou, então, uma diminuição do superavit, se ele existir, o que também quer dizer que se perde a receita desse superavit! Quer isto dizer que para considerar esses dois valores tem que se actualizar – é o mínimo que se faz em qualquer cálculo – esses valores para o corrente momento.
Portanto, os dados não são os que aqui referiu, Sr. Deputado. O estudo de sustentabilidade de projecção de longo prazo que acompanha o Orçamento do Estado mostra, com clareza, que a degradação dos saldos da segurança social por via da introdução dos plafonds contributivos é uma degradação significativa no médio e no longo prazos e acumuladamente. Ou seja, tendo em conta que tem de ser financiado esse acréscimo de desequilíbrio, não vejo o resultado da operação como viável do ponto de vista de uma cultura responsável de defesa do equilíbrio do sector público da segurança social e de defesa do equilíbrio das contas públicas.
Se alguém me mostrar melhores cálculos, estou disponível para os discutir e, naturalmente, rever a posição que tenho mas, até que me apresentem esses melhores cálculos e essas melhores alternativas, considero que essa será, do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas e do sistema público de segurança social, uma operação de elevadíssimo risco, de que não partilho, pelo menos dessa forma.
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Sobre a questão do Fundo de Capitalização, o Sr. Deputado conhece, e eu tenho o maior prazer em repetir, as razões que levam à não consideração ou à utilização da norma de excepcionalidade para a não capitalização dos pontos percentuais das quotizações dos trabalhadores no ano de 2006. São razões que têm a ver não apenas com o enquadramento macroeconómico mas, mais do que tudo, com a própria situação financeira do sistema de segurança social.
A situação financeira do sistema público de segurança social, na sua componente contributiva, é uma situação de défice, cumprindo integralmente a Lei de Bases da Segurança Social. Ao cumpri-la integralmente, chegámos à conclusão – foi assim em 2005, até já o foi em 2004, e será em 2006 – de que haveria, sublinho, um défice no sistema contributivo da segurança social.
Ora, havendo um défice nas contas da componente contributiva ou, se quiserem, do subsistema providencial – não é bem a mesma coisa mas, infelizmente, os défices estão nos dois lados –, se capitalizássemos, ou seja, se reservássemos uma parcela das receitas para colocar no Fundo de Capitalização, agravaríamos esse défice corrente! Portanto, teria de ser financiado de outra forma. Esta é uma explicação que julgo absolutamente cristalina para a impossibilidade da capitalização conforme a Lei de Bases da Segurança Social estipula.
Obviamente, esse défice não vai existir porque o Governo tomou a decisão de transferir adicionalmente para o sistema de segurança social, até 2009, metade dos acréscimos de receitas provenientes do aumento da taxa do imposto sobre o valor acrescentado. Já para o ano de 2006, a previsão de situação financeira do sistema resultante dessa transferência poderá significar, segundo os nossos cálculos, um saldo positivo no sistema de segurança social que, conforme a lei indica e o Orçamento do Estado reforça, será integralmente transferido, no fim do exercício, naturalmente, para o Fundo de Capitalização da segurança social. E esse é um valor que estimamos que ronde os 100 milhões de euros.
É, infelizmente, bem menos do que os 1000 milhões que se chegaram a transferir há uns anos atrás, mas, mesmo assim, este valor só é possível porque houve uma medida de excepção, para vigorar até 2009, no respeito pela Lei de Enquadramento Orçamental, que é a da transferência do imposto sobre o valor acrescentado.
Quando essa transferência – e gostava de salientar esta posição, porque, modéstia à parte, julgo que o Governo andou bem nesse domínio –excede as necessidades correntes do exercício, apesar de ser uma transferência do IVA, não vai para despesa corrente mas, sim, para o Fundo de Capitalização, cumprindo integralmente o objectivo de dizer que metade daquele aumento é para melhorar o equilíbrio da segurança social, e não apenas o equilíbrio de curto prazo – condições de equilíbrio que, como sabem, são negativas.
O Sr. Deputado falou ainda da questão das alterações ao subsídio de desemprego. Como sabe, elas estão em discussão em sede de Concertação Social. O Governo foi avançado com documentos de discussão deste ponto, da alteração do regime de protecção no desemprego, e a última proposta que apresentou está, neste momento, sobre a mesa – aliás, hoje é a data limite para a entrega de respostas por parte dos parceiros sociais e o Governo analisará, em conjunto, a sua proposta e estas reacções.
Gostaria de dizer, como já tive ocasião de afirmar noutros momentos, que a postura que temos de diálogo com a Concertação Social é a mesma postura de construção dos possíveis consensos. Portanto, não apresentámos uma proposta para fingir que íamos dialogar; pelo contrário, estamos disponíveis para melhorar, corrigir ou alterar essa proposta se, obviamente, formos convencidos da bondade dessas alternativas, particularmente se essas alternativas poderem levar a um consenso entre os parceiros sociais, algo que considero extremamente importante numa prestação tão sensível como é a prestação do desemprego.
O Sr. Deputado fez referência à possibilidade, que abrimos na proposta de intenções que apresentámos, de os beneficiários do subsídio de desemprego terem a obrigatoriedade de indicar o seu domicílio num período da sua semana a fim de poderem ser acompanhados pelas acções de fiscalização.
Obviamente, estamos disponíveis para mudar, para melhorar essa metodologia sem perder um objectivo que, para nós, é extremamente importante: o reforço das condições de fiscalização do subsídio de desemprego. Digo isto com todas as letras e com a lentidão que for necessária: reforçar as condições de fiscalização do subsídio de desemprego. É que poucas coisas ferem de forma tão significativa esta prestação, que é crucial em qualquer sistema de protecção social, como a suspeita ou até a convicção de que existe uma parcela significativa de beneficiários desta prestação que acumulam com trabalho ilegal, às vezes até na própria empresa que abandonaram e que os colocou na situação de desemprego. Sabemos que essas situações existem e que há poucos meios de controlo dessas situações. Aqui não se trata de qualquer preferência por fiscalizar este ou aquele sector; trata-se, sim, de segurar a credibilidade de uma prestação que é absolutamente essencial.
Portanto, se houver melhores propostas para reforçar as condições de fiscalização de atribuição da prestação ficarei encantado. Venham elas, seja da Concertação Social, da Assembleia da República, dos partidos da oposição…! Agora, julgo que não há qualquer bancada nesta Assembleia nem nenhum sector da sociedade portuguesa que esteja preocupado com a sustentabilidade social do nosso sistema de protecção social que não reconheça a necessidade de reforçar as condições de fiscalização desta prestação social. Ora, é isso que vamos fazer! O Sr. Deputado falou de algumas áreas que têm a ver com o subsídio de desemprego e com a reforma do subsídio de desemprego. Nós consideramos que há que alterar as condições em que um trabalho alternativo,
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chamado emprego conveniente, deve ser aceite pelo desempregado como condição para a manutenção da prestação social. Consideramos que essa situação deve ser clarificada. Esta lei é muito vaga, muito imprecisa e não permite que qualquer recusa de trabalho por qualquer razão – e há inúmeras razões para recusar a oferta do emprego –, sejam elas válidas, ou não, leve à cessação da prestação por incumprimento de uma obrigação do desempregado, sendo que mesmo as não válidas dificilmente levam à cessação da prestação.
Aliás, desafiaria que identificassem o número de vezes em que isso aconteceu.
Penso que, desse ponto de vista, a lei tem de ser rigorosa e clara. Eu já disse várias vezes, mas não me canso de repetir, que temos de ter uma lei que assegure eficazmente o direito à protecção de quem está desempregado involuntariamente. Com efeito, não temos de ter uma lei que assegure o direito ao desemprego; isso são coisas um pouco diferentes.
Questões que têm a ver com a distância entre a casa e o local de trabalho, com o tempo gasto nessas deslocações e outras questões como a da adequação entre a qualificação e o posto de trabalho, bem como a questão da remuneração do posto de trabalho, que é oferecido ao desempregado, são questões que devem ser reformuladas na lei. Ora, nós fá-lo-emos tendo em consideração a situação em que vive a maioria dos trabalhadores portugueses. É que não há qualquer razão, do ponto de vista social, económico, da equidade e da justiça, que leve a que um candidato a um emprego que está a receber um subsídio de desemprego tenha como razão de recusa do emprego que lhe foi oferecido condições substancialmente mais favoráveis do que a generalidade dos trabalhadores na sua vida quotidiana.
Para um cidadão que gaste cerca de uma hora ou mais para se deslocar de casa para o trabalho, é incompreensível que alguém recuse um emprego que lhe é oferecido por demorar 45 minutos ou uma hora nesse percurso… Ninguém compreende! Insistir nesse ponto para além do razoável não é estar a defender a prestação do subsídio de desemprego, mas a minar a sua credibilidade. Quem não compreende esta situação não está a compreender o que se passa na sociedade portuguesa.
O Sr. Deputado Fernando Negrão falou na questão das comissões de protecção de menores.
Sr. Deputado, sei que o senhor é particularmente sensível a estas questões e que as conhece bem, mas há-de concordar comigo quando refiro que a afirmação de que as comissões reagem apenas a factos consumados é talvez excessiva.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não foi apenas!
O Orador: — Todos sabemos que há um trabalho de prevenção feito pelos diversos ministérios articulados com as comissões e que, aliás, é um trabalho extremamente louvável. Ora, há muitos casos de risco que se evitam por acção dos técnicos e das instituições, mas esse trabalho tem de ser melhorado. Não tenho qualquer dúvida acerca disso. Não julgo que a alteração ao modelo esteja em cima da mesa… Penso que não ajuda estarmos sistematicamente a mudar os modelos de organização das respostas sociais à credibilidades desses modelos e à sua eficácia. Não me parece que, neste momento, se exija uma reformulação da concepção das comissões, mas, sim, um investimento na melhoria do seu funcionamento que poderá, e deverá, passar por uma boa articulação com o Ministério Público e que, a nosso ver, passa por uma medida que estamos a tomar. Ou seja, apesar das dificuldades que todos conhecemos do ponto de vista orçamental, pretendemos colocar nas comissões de protecção com maior intensidade de trabalho técnicos que estejam, a tempo inteiro, adstritos a essas comissões. Estamos já a fazê-lo para cerca de 107 comissões que têm um maior volume de trabalho.
A existência de um pivot, de um técnico, que tem essa comissão como seu único local de trabalho pode significar um efeito de «alavancagem» do trabalho, como agora se diz, apesar de não gostar muito da expressão, em relação a todos os outros membros da comissão que não o fazem a tempo inteiro. É um enorme avanço e tem um enorme significado para a melhoria do funcionamento da comissão. Essa é a nossa principal aposta, todavia como tenho a informação que a Assembleia está a discutir estas questões nas Comissões apropriadas, julgo que é sempre bom melhorarmos o debate e o nosso modelo de funcionamento nesta área.
Relativamente ao funcionamento do sistema e quanto à questão da utilização da informática no combate à fraude, apenas me limito a reconhecer os avanços – porque penso que eles devem ser valorizados – no combate à fraude e à evasão, não apenas por ser, em grande medida, um mérito do trabalho de centenas de técnicos e quadros da Administração Pública que se empenham nessa função, e que tem permitido uma melhoria substancial nos níveis de cobrança das contribuições, mas também porque julgo que a própria divulgação desses resultados é um factor positivo na sociedade portuguesa. Também a consciencialização de todos os agentes de que esse é um esforço acrescido para o cumprimento das obrigações e para a fiscalização do incumprimento é igualmente um factor de enorme importância A visibilidade dessa melhorias é absolutamente essencial.
Não tenho a mínima dúvida nem me custa nada reconhecer que muitas das melhorias que hoje são possíveis resultam de um trabalho que veio de trás, como também já vinha de trás em relação aos governos anteriores. É que a iniciativa fundadora de uma ruptura absolutamente essencial no sistema de segurança social é uma iniciativa do final dos anos 90 que passou a considerar como essencial a centralização das bases de dados da segurança social e a unificação das aplicações informáticas. Nunca é de mais dizer que por uma
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decisão infeliz de algumas décadas atrás – foi uma decisão e não um acto que aconteceu por acaso, decisão essa infeliz que terá sido tomada com boas motivações – de segmentar informaticamente o sistema de segurança social trouxe prejuízos incalculáveis para o sistema.
Ora, o momento de ruptura com esses prejuízos foi um momento em que se decidiu, com dificuldades, com resistências, com problemas, caminhar para uma base única de contribuintes e de beneficiários, para uma única aplicação nacional para o subsídio de desemprego, para o subsídio de doença, enfim, para todas as prestações. Estamos prestes a concluir esse processo e esse processo resulta do esforço de um conjunto de administrações quer ao nível político quer ao nível técnico.
Com toda a franqueza, julgo que houve outras áreas em que nem sempre as melhores opções foram seguidas, nomeadamente quanto ao esforço de fiscalização, à mobilização das secções de processo, à orientação que lhe foi dada no sentido de procurar atingir os objectivos mais relevantes do combate à evasão contributiva. Aí julgo que outras coisas poderiam ter sido feitas, mas não gostaria de perder muito tempo com esse assunto.
Ora, isto aplica-se à conta corrente, que é algo que vem na sequência de todo esse processo e que será quase um momento final de modernização da gestão do sistema de segurança social.
Finalmente, o Sr. Deputado perguntou-me o que pensa o Governo relativamente às questões da autonomia e da articulação entre as diferentes instâncias dos serviços. Como o Sr. Deputado sabe, está, neste momento, a decorrer em todos os ministérios um trabalho de auditoria que estará concluído dentro de alguns meses, trabalho esse que se insere nas medidas de reforma que foram apresentadas pelo Sr. Primeiro-Ministro em Maio do corrente ano, sendo que também no Ministério do Trabalho isso está a ser feito e abrangerá as áreas que o Sr. Deputado referiu.
Não queria, contudo, deixar de lhe deixar duas notas que correspondem à minha opinião sobre duas questões que colocou. Uma está relacionada com a prevista fusão entre o Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Quanto a este tema, Sr. Deputado, julgo que se foi possível, durante estes anos, caminhar para a construção de aplicações informáticas únicas de base nacional, para a consolidação da informação de todo o sistema e, hoje, para o cruzamento de dados com outros sistemas, dentro do Ministério do Trabalho ou com o Ministério das Finanças, por exemplo, tal deve-se à decisão de autonomizar, pelo menos transitoriamente, a função de organização informática e de informação do sistema de segurança social. Admito que chegará o momento em que essa autonomização não seja mais necessária, como admito também que outros modelos de organização do sistema poderiam ser mais eficazes.
Não voltei atrás porque creio que os sistemas não suportam tantas mudanças em tão pouco tempo, mas lamento a decisão do governo anterior de acabar com as delegações do Instituto de Gestão Financeira, porque, como todos reconhecem hoje, eram instrumentos de reforço da eficácia da cobrança. E, repito, não voltei atrás porque, de facto, andar para a frente e para trás em Ministérios, que nem sequer estão estabilizados do ponto de vista da sua orgânica, é algo que produz resultados mais perturbadores do que positivos. De qualquer modo, na sequência da auditoria que está a ser feita, haverá mudanças no sentido de reforçar a eficácia e a eficiência do sistema de segurança social.
Para finalizar a resposta às questões colocadas pelo Sr. Deputado Fernando Negrão, digo-lhe que a minha visão dos centros distritais de segurança social, como hoje existem, ou de qualquer outra instância intermédia de desconcentração territorial, é uma visão dupla.
Assim, para os grandes sistemas que asseguram direitos universais, como são as prestações sociais na sua generalidade, a lógica fundamental deve ser a da centralização, devendo essas instâncias desconcentradas funcionar puramente, para usar a sua expressão, como «delegações» dos organismos centrais que têm a responsabilidade de assegurar que em Bragança ou em Faro um subsídio de desemprego tenha exactamente o mesmo tratamento, o que não era assegurado quando havia pulverização de sistemas. Dei-lhe este exemplo como podia ter dado o de um subsídio de maternidade, que deve ter a mesma leitura em Vila Real ou em Beja… Nessa perspectiva, julgo que uma lógica de centralização assumida é uma melhoria de todo o sistema.
Noutras áreas, em que o importante é a proximidade, como acontece com todo o trabalho de acção social e todo o trabalho de acompanhamento das famílias, das crianças e dos jovens e até das prestações de solidariedade, na componente que têm de inserção, a autonomia e a capacidade de intervenção das instituições deve ser muito maior e, no limite, direi mesmo que deve ser muito elevada.
É isto que reforça a eficácia do sistema, sem necessidade de estar à espera que Lisboa diga se determinado acordo com determinada família deve ou não ser assinado. Isto não faz sentido, pelo que tem de haver capacidade de descentralização, para voltar a usar um dos chavões deste tema. De facto, enquanto num caso falamos de desconcentração de serviços, noutro falamos claramente de descentralização, para que as decisões possam ser tomadas com rapidez, pois só com rapidez é que elas são eficazes.
O Sr. Deputado Miguel Laranjeiro referiu, fundamentalmente, as questões relacionadas com a formação profissional e com o esforço de qualificação.
Na verdade, há um reforço de verbas para estas áreas, como disse. Nós estamos, e temos todos de ter consciência disso, no momento crítico de assistirmos ao ponto terminal de um Quadro Comunitário e de ainda não temos o seu sucessor consolidado. Estamos ainda, infelizmente, na fase de discussão das grandes questões e dos grandes valores que vão consubstanciar esse próximo quadro, mas esperamos que até final deste
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ano essa questão fique resolvida na esfera da União Europeia, até porque todos sabemos da importância estratégica que têm os fundos comunitários no esforço de qualificação dos portugueses.
O compromisso assumido pelo Sr. Primeiro-Ministro foi o de, durante o ano de 2006, ainda com o actual Quadro Comunitário em vigor, e de 2007 a 2013, com o novo Quadro de Referência Estratégica Nacional, tomar a qualificação dos recursos humanos como prioridade deste Governo.
Como tal, aquilo que vamos fazer em 2006 insere-se, quer no Plano Nacional de Emprego, que tem um horizonte de três anos, quer nos objectivos que fixámos até 2010, no âmbito daquilo a que chamámos Novas Oportunidades e é no âmbito destas grandes prioridades que vamos centrar o essencial dos nossos recursos, dando especial atenção a áreas que consideramos absolutamente essenciais, o que implica uma profunda articulação entre o Ministério do Trabalho e o da Educação, o que não sendo sempre fácil, está a ser levado a cabo com grande eficiência.
Destas áreas de prioridade elevada, a primeira, talvez a mais importante, é a da formação e a da requalificação dos activos. Basta acompanhar os indicadores, conhecer as metas fixadas por todos os Quadros Comunitários até agora e conhecer os resultados alcançados para podermos dizer, com toda a frontalidade e rigor, que se há área em que Portugal não tem conseguido atingir os objectivos fixados é a área da formação dos activos.
Por sistema, em todos os Quadros Comunitários há uma tendência para reprogramar os fundos, diminuindo, por falta de capacidade de execução ou por execução ineficiente, as verbas afectas à formação contínua e havendo que realocá-las a outras áreas. O Governo fixou, portanto, objectivos extremamente ambiciosos no que toca à formação de activos, metas que foram aqui apresentadas pelo Sr. Primeiro-Ministro e discutidas na Comissão de Trabalho aquando da discussão do Plano Nacional de Emprego.
Já tive oportunidade de dar conta publicamente de alguns dos avanços que estão a concretizar-se, pelo que vou citar apenas três mudanças que creio serem essenciais e para as quais irá ser canalizada parte substancial destes fundos: uma, tem a ver com a generalização da existência de cursos de educação/formação, ou seja, de cursos que dão ao mesmo tempo certificação escolar e profissional, em todos os centros do Instituto do Emprego e Formação Profissional em horário pós-laboral. Isto era algo que não vinha a suceder e julgamos que representa uma mudança significativa, sendo que está previsto que o primeiro curso de educação e formação se inicie em Viana do Castelo já no início de 2006.
Depois, uma outra área de enorme importância, que, não sendo uma responsabilidade directa do meu Ministério, está relacionada com esses fundos a que fez referência e que é a do reforço da oferta de cursos profissionais. Estes cursos são, normalmente, da responsabilidade de escolas profissionais, mas deu-se o alargamento, já este ano, de cursos desta natureza para cerca de 47 escolas da rede pública.
Em terceiro lugar, queria falar do reforço muito substancial – um crescimento de cerca de 80% – de cursos de dupla certificação ao nível do 9.º ano para jovens que não atingiram a escolaridade obrigatória e que terão, já em 2006, uma oportunidade de recuperar essa fragilidade, obtendo, ao mesmo tempo, uma certificação profissional de nível 2.
Estes são três exemplos que mostram como, de uma forma muito desagregada e territorialmente muito desconcentrada, iremos traduzir este reforço de meios humanos. Podia também citar os Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, mas julgo que estes exemplos são suficientemente significativos.
Por último, o Sr. Deputado colocou uma questão sobre a forma como o complemento para idosos vai ser lançado. Este complemento concretiza uma mudança no que toca à política de mínimos sociais para idosos, no sentido de uma nova conciliação entre o princípio da universalidade e o princípio da diferenciação positiva.
Ou seja, o Estado, através do sistema de segurança social, continuará, naturalmente, a assegurar uma alargada (em termos de quantidade) protecção de base ao nível das pensões mínimas.
É um dado que nem sempre é referido, mas a maioria das pensões pagas pelo sistema de segurança social, excluindo a Caixa Geral de Aposentações, são pensões mínimas, ou seja, são pensões em que o Estado coloca um complemento social para além da pensão estatutária. Isto é, para além da pensão a que a pessoa teria direito pelo seu esforço contributivo, a maioria dos pensionistas recebe uma pensão que tem uma componente não contributiva e que é assegurada por transferência do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social. Ainda nem todos os pensionistas recebem este complemento, porque a lei que rege este domínio apenas iniciou a sua vigência em 1993, mas está a avançar-se no sentido da cobertura tendencial de todos os pensionistas – isto é assegurar o princípio da universalidade.
Contudo, todos os estudos nos levam a crer que esta aplicação do princípio da universalidade através de pensões mínimas, que, como digo, têm já uma componente de solidariedade, nalguns casos significativa, não é suficiente para tornar estas pensões mínimas em instrumentos eficazes de combate à pobreza dos idosos.
Como tal, julgamos que o mais eficaz para reforçar este esforço é dirigir um complemento a essas famílias, a esses idosos, cuja protecção de base, mesmo quando tem uma componente não contributiva, não lhes permite atingir um nível mínimo de rendimentos ou de bem-estar. É este e apenas este o objectivo do complemento para idosos. Digo que é apenas este, mas a verdade é que estes são objectivos transcendentes, porque, a conseguirem concretizar-se, significarão uma eficácia muito acrescida no combate à pobreza em Portugal e, nomeadamente, no combate à pobreza dos idosos.
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Esta não é uma operação fácil. É uma operação exigente e difícil e temos consciência disso. Temos consciência, aliás, de que esta operação comporta dois riscos: o de não conseguirmos chegar às pessoas efectivamente necessitadas e o de os beneficiários não serem, como em todas estas situações, aqueles que efectivamente precisam. Ou seja, há um risco de não atingirmos os objectivos por duas vias: ou por não conseguirmos chegar aos beneficiários deste complemento ou porque os beneficiários não são aqueles que deles necessitam. Estou apenas a traduzir de uma forma simples dois riscos que são conhecidos de todas as ciências sociais no que toca a prestações desta natureza.
Portanto, vamos estar particularmente atentos a estas duas dimensões e, quando alguns nos criticam dizendo que estamos a colocar exigências eventualmente excessivas para pessoas em situação de pobreza, essas pessoas estão erradas, porque o que estamos a fazer, quando usamos desse rigor, é a garantir a credibilidade desta prestação de forma a que só tenham acesso a este complemento aquelas pessoas que dele efectivamente necessitam.
Mas também queremos garantir que aqueles que necessitam tenham efectivamente acesso. Nesse caso temos uma vantagem, pois a esmagadora maioria, para não dizer a totalidade, dos potenciais beneficiários deste complemento são já hoje beneficiários da segurança social porque são pensionistas. Portanto, a base informativa da segurança social conhece as pessoas, sabe onde elas estão e têm possibilidade de ter uma atitude pró-activa e não passiva.
É certo que será necessário fazer um requerimento como em qualquer prestação social – não se trata de uma pensão a somar a outra, é uma nova prestação social para combater a pobreza e, como tal, é necessário fazer um requerimento –, mas, obviamente, porque queremos combater a pobreza com esta medida, não vamos ficar à espera que os requerimentos cheguem à nossa caixa do correio ou aos balcões da segurança social, iremos ter com as pessoas, com os idosos, com as famílias e vamos trabalhar com eles no sentido de terem acesso a essa prestação.
Este é a nossa postura e é isso que vai ser feito.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente da Comissão de Trabalho e Segurança Social, Vítor Ramalho.
O Sr. Presidente: — Chegou, entretanto, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, pelo que nesta segunda volta intervirão os Srs. Deputados Jorge Machado, Pedro Mota Soares e Mariana Aiveca.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, não queria começar a minha intervenção por dizer isto, mas sou obrigado a fazê-lo: na última reunião, em sede de especialidade, foi solicitado o orçamento por acções e espanta-me que, hoje, continuemos sem ele, uma vez que se trata de um instrumento fundamental para a análise do documento e para aprofundar a sua discussão, pois é para isso que cá estamos, não tendo, pois, o Sr. Ministro cumprido essa sua obrigação.
Portanto, é legítimo perguntar se há algo a esconder neste orçamento lhe que impeça de trazer o orçamento por acções.
Quanto ao salário mínimo nacional, o meu camarada Eugénio Rosa vai fazer uma intervenção aprofundando esta questão, mas, de qualquer forma, não quero deixar de referir que um aumento de 3%, tendo em conta uma inflação prevista de 2,3%, o que representa um aumento do salário mínimo nacional de cerca de 0,7%, se a inflação prevista se concretizar, embora não se trate de um dado matemático rigoroso que pode não acontecer, é manifestamente pouco.
Refiro que o salário mínimo nacional foi dos que menos cresceu na Europa ao longo dos últimos tempos e é o que menos bens e serviços permite comprar. Portanto, mesmo com esta actualização, este salário mínimo continua a ser um factor para o agravamento da pobreza e das desigualdades sociais, pelo que manifestamos a nossa discordância quanto a este aumento, sendo que pensamos que seria necessário um outro aumento para repor o poder de compra que os trabalhadores perderam.
Quanto à segurança social, existe uma dívida declarada e outra não. Só a declarada atingiu 3400 milhões de euros, segundo dados do Sr. Ministro, dos quais se propõe recuperar cerca de 250 milhões de euros, não especificando se é a dívida declarada ou não. Ora, este valor corresponde apenas a 7% da dívida declarada.
Estamos todos de acordo que as dívidas, a fuga e a fraude à segurança social devem ser combatidas, mas o objectivo parece-nos pouco ambicioso. Então, por quê um objectivo tão pouco ambicioso? Por que é que o Ministério não se propõe recuperar uma quantia bem superior, uma vez que é conhecida uma dívida, que a dívida declarada existe e que se sabe quem são os titulares, e que é possível cobrá-la sendo possível irmos mais além? Além desta questão, é necessário saber qual é a situação desta dívida declarada, qual o valor da prescrição anual, qual a verba que se perde anualmente em prescrições desta dívida e que medidas é que o Ministério pretende encetar para combater estas prescrições e recuperar esta dívida declarada.
Depois, Sr. Ministro, quanto a uma outra área de intervenção do seu Ministério, a da integração de pessoas com deficiência – e já falámos várias vezes da questão da formação, que está esclarecida –, devo dizer que a
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formação pela formação e o colocar as pessoas com deficiência em formação atrás de formação sem serem criadas perspectivas de emprego é o pior que lhes podemos fazer.
Portanto, a questão que lhe coloco é a de saber se o Estado vai dar o exemplo e se vai ou não cumprir, de uma vez por todas, as quotas de emprego na Administração Pública para as pessoas com deficiência. É que, efectivamente, o Estado não tem cumprido esta sua obrigação, o que constitui, desde logo, um mau exemplo que é dado à sociedade civil relativamente à integração das pessoas com deficiência.
Quanto à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, o Sr. Ministro disse que ia haver uma melhoria. Das audições que o PCP realizou com diferentes comissões detectámos duas ordens de problemas: uma, é a falta de técnicos, e o Sr. Ministro já se comprometeu a colocar mais técnicos, sendo uma medida positiva e que vai corresponder às necessidades das comissões; outra, tem a ver com os recursos financeiros.
Chamo a atenção do Sr. Ministro para este aspecto porque, por diversas vezes, nos disseram que, se as comissões de protecção de crianças e jovens em risco precisarem de dar uma refeição de urgência a uma criança que está abandonada ou carenciada ou se for preciso ir buscar um jovem em risco não existe orçamento para tal, sendo os próprios técnicos a despender essa verba do seu bolso.
Portanto, os orçamentos das comissões de protecção são francamente reduzidos, não chegando claramente para as necessidades. Todavia, se for colmatada a questão do número de técnicos para o aconselhamento é um passo positivo que está a ser tomado.
Quanto à Inspecção-Geral do Trabalho, o Sr. Ministro já anunciou da outra vez que iria haver 37 novos inspectores. Segundo os dados de que disponho, há 280 inspectores num quadro de 560, pelo que existe uma lacuna de mais ou menos metade dos inspectores no quadro, e a rácio internacional para este número implicaria que tivéssemos não 280 mas 750.
O Sr. Ministro já afirmou noutra reunião desta Comissão que iria reforçar e tomar as medidas necessárias para que haja mais inspectores e a questão que lhe coloco, uma vez que também não há orçamento por acções, é a de saber qual é a evolução do orçamento da Inspecção-Geral do Trabalho, pois este dado não resulta do Orçamento do Estado que estamos a discutir, pelo que lhe peço esse esclarecimento adicional.
Sr. Ministro, para concluir faço-lhe duas questões muito sintéticas. Uma vez que 76% da acção social é destinada a instituições particulares de solidariedade social, gostaria de saber quais são as instituições que vão receber essas verbas e quais as valências em que vão ser apoiadas.
Reconheço que estas instituições desenvolvem um trabalho meritório e que têm um papel importantíssimo na nossa sociedade, mas gostaria de ter esses dados para poder avaliar quais as valências que vão ser apoiadas para saber onde é que vai ser gasto 75% da acção social.
Quanto à pensão extraordinária para o limiar da pobreza, o Sr. Ministro anunciou uma natureza pró-activa do Ministério, que é de saudar – aliás, foi precisamente esse o sentido da pergunta que lhe coloquei na discussão do Orçamento na especialidade.
Na verdade, a verba que o Ministério disponibiliza para esta pensão extraordinária ronda, salvo erro, os 56 milhões de euros, pelo que lhe pergunto qual é o número de pensionistas que vai ser beneficiado com esta medida.
O Sr. Presidente (Vítor Ramalho): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço-lhe desculpa pelo atraso a que cheguei a esta reunião, mas, penso, que V. Ex.ª tenha sido devidamente informado do facto no início da mesma.
Sr. Ministro, tendo ouvido a sua resposta às questões anteriormente colocadas, não quero repetir algumas das que percebi que já foram avançadas, nomeadamente no campo da sustentabilidade da segurança social e no do subsídio do desemprego.
Não obstante, fiquei com algumas dúvidas relativamente à sua anterior exposição, nomeadamente quando o Sr. Ministro referiu, em resposta, que uma das medidas previstas nas novas regras do subsídio do desemprego, ainda em sede de concertação, é o aumento do tempo de deslocação do desempregado da sua casa até ao seu posto de trabalho.
Bom, é que teremos de ver como é que esta medida vai ser delimitada. Não é algo que nos choque, muito pelo contrário, pois já sugerimos medidas nesta área, mas, Sr. Ministro, pergunto-lhe se isto passará por um aumento da área geográfica dentro da qual o desempregado tem obrigatoriamente de responder a uma proposta de emprego. Como é que vai fazer esta quantificação? Ela será temporal, em termos de tempo que é gasto na deslocação, ou será quilométrica, tendo em conta a distância efectiva entre a residência do desempregado e o local de prestação do trabalho? Isto é algo que nos parece muito importante, porque, sejamos honestos, Sr. Ministro, há um conjunto de alterações que estão a ser implementadas, algumas delas como novas mas que, na maior parte, já constam da lei. Por exemplo, foi anunciado, com alguma pompa e circunstância, que se iria penalizar as rescisões amigáveis que não dariam direito a subsídio de desemprego, o que é algo que já consta da lei. Aliás, a única excepção que já consta da lei e que, pelos vistos e ao que é público, se mantém, é a possibilidade de as empresas fazerem processos de reestruturação que permitirão aos desempregados continuarem a recorrer ao subsidio de desemprego.
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Portanto, temos algumas dúvidas relativamente a este tipo de mudanças, porque elas têm um efeito económico no Orçamento muito importante e que se prende exactamente com o facto de, havendo um aumento de desemprego, que se prevê se atinja os 7,7%, em 2006, o crescimento do subsídio do desemprego não acompanha esse aumento, por isso a nossa perplexidade. Percebemos que há outras matérias que estão a ser alteradas, essas, sim, eventualmente, com implicações financeiras, nomeadamente a redução dos tempos desta prestação.
Por outro lado, tenho de renovar o lamento que já foi feito, que é o de não termos, neste momento, ainda o orçamento por acções. O Sr. Ministro foi Deputado, e enquanto tal, sempre frisou muito a importância do orçamento por acções porque é muito difícil para qualquer Deputado discutir de uma forma consciente, nomeadamente em sede de especialidade, um orçamento como o da segurança social sem que ele esteja escalonado por acções, ou seja sem saber de entre as verbas globais que temos para 2006 o que é que vai ser especificamente acometido a cada um destes sectores.
É muito difícil fazermos esta discussão em sede desta Comissão não tendo este documento tão fundamental. E, Sr. Ministro, tenho de renovar o pedido para o obtermos mas tenho, acima de tudo, de deixar aqui um lamento, porque há um conjunto de coisas que gostaríamos de saber se, de facto, estão ou não previstas e assim é absolutamente impossível, por isso temos de lhe perguntar directamente, nomeadamente uma questão que se prende com o problema da alteração das regras do subsídio de desemprego e que tem a ver com as inspecções.
Uma das medidas que, pelos vistos, está proposta é a obrigatoriedade de os desempregados ficarem dois dias da semana ou uma manhã e uma tarde por semana em sua casa. Ora, temos algumas dúvidas da legalidade e até da constitucionalidade desta proposta. Vamos aguardar… Mas, pergunto: qual é a lógica? A lógica é a de os serviços de inspecção irem a casa dos desempregados fiscalizar?!... Não conseguimos ver a quantificação orçamental desta matéria, por isso, tenho de perguntar-lhe directamente como é que vai ser feito o reforço, se é que vai haver algum reforço, à inspecção do subsídio de desemprego? Um segundo nível de questões, Sr. Ministro, que colocarei de forma breve, prende-se com o seguinte: já temos perguntado, em sede desta Comissão e noutros fóruns, como está o estado da arte, chamemos-lhe assim, entre a ligação dos sistemas de saúde e os sistemas de segurança social relativamente ao requerimento do subsídio de doença.
Foi anunciada no Programa do Governo e pelo Sr. Ministro a ligação automática do subsídio de desemprego à segurança social, tendo sido referido que, a partir do momento em que o requerimento do subsídio de desemprego dê entrada, será activada automaticamente a prestação. Esta medida implica, objectivamente, uma ligação informática entre o sistema de saúde e o sistema da segurança social, pelo que gostaria de saber como isso está.
Uma outra nota que me parece importante, ainda neste campo, é a seguinte: foi garantido no Programa do Governo que, até ao final de 2005, as prestações da segurança social poderiam, todas elas, passar a ser requeridas através da Internet,…
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não, não!
O Orador: — Não foi? Então, se calhar, era importante terem posto no Programa do Governo que não são todas. Se o que está no Programa do Governo (e acredito na boa fé deste Governo) é que são as prestações da segurança social, pergunto então quais é que são excepcionadas. Portanto, uma vez que estamos quase no fim do ano, gostaria de saber como está esse dossier e se, até final de 2005, se mantém ou não este objectivo.
Seguidamente, Sr. Ministro, tenho uma terceira área de questões, que não tem sido muito abordada por esta Comissão mas para a qual gostaria muito sinceramente de ter um comentário seu. Trata-se de uma matéria que não está, em primeira instância, directamente acometida ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, mas até ao momento não ouvi uma única palavra do Sr. Ministro relativamente à mesma, o que estranho.
A questão prende-se com o aumento da tributação dos pensionistas. Sabemos que temos, para este Orçamento do Estado, um aumento e um agravamento, que em alguns casos chega a ser de mais de 50% da tributação em sede de IRS dos pensionistas. O Sr. Ministro das Finanças já tem falado sobre esta questão, até em Plenário, mas a verdade é que da parte do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, até ao momento, não ouvimos uma única palavra sobre este aumento e sobre o que o Sr. Ministro pensa relativamente à justiça desta medida, que está inserida no Orçamento do Estado para 2006 – aliás, esta medida tem a frontal oposição do CDS-PP, mas gostaria muito sinceramente de ouvir o comentário do Sr. Ministro sobre a isto.
O Sr. Presidente (Vítor Ramalho): — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Srs.
Secretários de Estado, uma primeira nota tem exactamente a ver com as questões já levantadas por outros Srs. Deputados relativamente ao orçamento por acções. O Sr. Ministro tinha-nos dito, por exemplo, que o
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combate à violência doméstica e a questão dos jovens em risco ia ter, neste orçamento, uma «dotação significativa», mas, naturalmente, por não termos o orçamento por acções, não podemos, aqui, ter uma opinião sobre o que significa, de facto, esta «dotação significativa».
A primeira ordem de perguntas tem a ver com as reformas e as pensões. De facto, as poupanças que vemos no orçamento resultam todas de penalizações que se fazem aos benefícios das pessoas, Sr. Ministro.
Ou seja, são 51 milhões de contos com a medida da suspensão das reformas antecipadas com a nova alteração que se propõe. Como se sabe, neste momento, a penalização para as pessoas que não tenham todas as condições situa-se nos 4,5%, e o que se propõe são penalizações entre os 5,4% e os 6,5%, consoante as circunstâncias, dizendo-se no orçamento que desta medida resultará uma poupança.
A mesma situação relativamente ao desemprego. É a partir da alteração das regras de acesso ao subsídio de desemprego que se pode compreender que haja também poupança, sendo que, como já foi dito, o desemprego crescerá e, portanto, situar-se-á nos 7,7%, e o orçamento prevê um acréscimo de 4,9%, o que é praticamente residual e manifestamente insuficiente. Só se pode então entender que haverá poupança, alterando as regras de cálculo do subsídio de desemprego.
Penso, pois, que, de facto, esta é a medida mais penalizadora. Há medidas acessórias e medidas que até poderemos entender no sentido de dignificar esta prestação. Poder-se-ão entender algumas das medidas de fiscalização, exceptuando aquela medida da obrigatoriedade de permanecer em casa. Porque também não entendemos muito bem quais os meios de fiscalização desta medida, sendo que o Sr. Ministro sabe como funciona o Instituto do Emprego e Formação Profissional e as dificuldades que aí existem e sabe também como funciona e as dificuldades que têm os serviços de fiscalização da segurança social e da InspecçãoGeral do Trabalho, como também já foi aqui referido. Gostaria pois de saber como é possível fazer este controlo e fiscalização das pessoas, isto é, com que meios? Depois, há a questão para nós mais lesiva e fundamental, que tem a ver com a alteração da fórmula de cálculo, Sr. Ministro, questão esta que, para nós, é fundamental.
De facto, há um prejuízo efectivo na atribuição do subsídio de desemprego, que é um prejuízo que não estava quantificado, porque também não está quantificado quanto é que resulta desta poupança, mas é um prejuízo efectivo para as pessoas. O Sr. Ministro sabe, todos sabemos, qual é a realidade do mercado de trabalho, isto é, quais são as dificuldades com que se debatem quer os desempregados de longa duração quer, até, os jovens. Poder-se-á dizer: «Bem, mas é pouco descontar 24 meses e depois ter direito à prestação…».
Só que esta é a realidade que decorre do nosso mercado de trabalho.
Portanto, o Sr. Ministro veio aqui fazer este tipo de propostas, que são penalizadoras. Como já tive oportunidade de referir, contrapondo uma afirmação do Sr. Ministro em que dizia que não ia penalizar em termos de tempo de atribuição do subsídio, o Sr. Ministro vai penalizar em termos de concepção, isto porque uma coisa é o direito a um subsídio e outra é o conceito de subsídio social de desemprego, que lembra muito mais um esquema caritativo. Ou seja, é atribuir a um jovem no global 18 meses de prestação, que neste momento são 12 meses de subsídio de desemprego, sendo que depois pode ter o recurso a mais 6 meses de subsídio social de desemprego. Sabemos que o subsídio de desemprego é calculado com base na média dos salários auferidos, e sabemos que o subsídio social de desemprego é calculado com base numa percentagem do salário mínimo nacional, tendo em atenção os rendimentos familiares.
Ora, não é exactamente a mesma coisa. Aqui, efectivamente, vão-se dar apenas 6 meses de um subsídio considerado direito – porque a concepção do subsídio de desemprego é um direito –, para passar a subsídio social de desemprego, que é uma prestação que tem outra filosofia.
Portanto, creio que estas são as matérias que quanto a nós, Bloco de Esquerda, fazem toda a diferença na questão do desemprego, mais do que outros aspectos que até podemos entender, sendo que temos algumas reservas relativamente às 2 horas, pelos motivos que apresentei, porque não sabemos se os serviços têm essa eficácia, além de que não compreendemos como isso se vai fazer. Porque não se pode apenas declarar ou decretar que a pessoa é obrigada a estar 2 horas em casa e depois os mecanismos desse controlo não serem possíveis, porque não existem ou não têm eficácia. Por isso, não sei se o resultado vai ser algum, no entanto o Sr. Ministro clarificará esta situação.
Depois, as poupanças continuam a resultar em penalizações. Quero, aliás, referir também a questão da reabilitação e das pessoas com deficiência.
As verbas inscritas, tanto quanto nos é dado a entender, até para o funcionamento das instituições das pessoas com deficiência, sofrem um corte brutal. Dizem as associações que, com aquela verba, nem podem manter o seu funcionamento regular, o que significa que poderão ter de despedir alguns dos funcionários que trabalham nessas instituições das pessoas com deficiência. Por isso, Sr. Ministro, gostaria de perceber a que se deve um corte tão grande nesta área.
Por fim, uma última questão que tem a ver com a segurança social e com a sustentabilidade, mais concretamente com a cobrança da dívida.
O Sr. Ministro tinha aqui falado, na altura em que foi apresentado o Orçamento à Comissão, da questão da economia paralela e das medidas de combate a esta situação.
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Conhecemos a dívida declarada ou as listas dos contribuintes devedores, bem sei que ainda não houve, se calhar, tempo para conhecer tudo, mas há uma questão que nos deve preocupar, que é a da fuga relativamente à economia paralela dentro daquelas questões que são as que se vêem a olho nu.
Em relação a esta matéria, penso que é tímido ficar apenas pela cobrança da dívida naquela parte em que ela é conhecida. Mesmo assim, dirão alguns que esse conhecimento tem andado também muito para cá e para lá, porque é difícil, em bom rigor, conhecer-se a dívida, até porque também ela sofre alterações, mês a mês e em muitos momentos. De qualquer forma, julgo que é tímido e penso que o Governo e o seu Ministério deveriam também elencar, como prioritária, a questão do combate à dívida resultante da economia paralela que tantos escândalos provoca e são conhecidos na nossa sociedade.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr. Vice-Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Teresa Venda.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, o meu Ministério enviou para as comissões o orçamento desagregado por subsistemas, que é uma informação que suponho suficientemente fina para a apreciação das contas deste orçamento para 2006. Portanto, foram enviados para as duas comissões, para a Comissão de Trabalho e Segurança Social e para a Comissão de Orçamento e Finanças, os mapas, desagregados por subsistema, do orçamento da segurança social.
O Sr. Deputado referiu-se à questão do salário mínimo, que tem, obviamente, implicações orçamentais, mas não é, naturalmente, uma questão que tenha a ver directamente do orçamento. Essa questão do salário mínimo já foi muito discutida, mas ainda continuará a sê-lo.
Aliás, já disse, em algumas ocasiões, mas vou repetir, alguns dos princípios básicos que estão subjacentes à política do Governo para esta área, sendo que achamos que há um esforço importante a fazer para elevar os níveis do salário mínimo nacional e para que ele seja um instrumento de combate à pobreza. Ao contrário do que alguns dizem – talvez por fazerem contas apressadas –, o valor do salário mínimo em Portugal não está abaixo do limiar de pobreza, mas o que é verdade é que existem famílias em que o salário mínimo têm um peso significativo nos seus rendimentos familiares que se situam, muitas vezes, abaixo do limiar de pobreza, o que é uma coisa diferente.
Quando a oposição pede rigor nas coisas, também é bom que… Peço desculpa, porque não foi nenhum Deputado da oposição que fez referência ao facto de o valor do salário mínimo estar abaixo do limiar de pobreza. Sabe que não é verdade, e eu gostava de o sublinhar, apesar de o Governo reconhecer – eu próprio já o reconheci muitas vezes e tenho plena consciência disso – que a pobreza em Portugal não é apenas um problema daqueles que estão fora do mercado de trabalho, é também um problema de alguns que estão no mercado de trabalho e que recebem salários muito baixos.
Portanto, a elevação do salário mínimo é um objectivo do Governo e é por isso que o salário mínimo tem um acréscimo – e eu tenho bem a consciência da dimensão deste acréscimo – distinto daquele que aconteceu nos três últimos anos e isso significa um esforço para o qual nós, ao fim e ao cabo, apelamos para que a sociedade portuguesa possa dar uma resposta positiva.
Eu não tenho a convicção, como alguns têm, de que qualquer mexida no salário mínimo é causadora de imediato desemprego e de falência de empresas. Alguns até defendem que, para haver menos desemprego e menos falências, nem devia haver salário mínimo, mas essa não é a minha posição, uma vez que eu acho que o salário mínimo cumpre uma função importante e que, normalmente, não é responsável por esse tipo de alterações negativas, desde que, obviamente, seja gerido com ambição e realismo. É preciso ter ambição. Uns podem acusar o Governo de ter escassa ambição nesta actualização, outros dirão que tem demais, mas, obviamente, que, nesta conjuntura económica que estamos a viver, uma elevação significativa dos níveis salariais – e agora refiro-me aos níveis salariais em geral – é um obstáculo à recuperação económica.
Os Srs. Deputados de algumas zonas da oposição, nomeadamente do Partido Comunista Português, fazem uma identificação que – peço desculpa – considero excessivamente simplista, ao dizerem isto: mas, afinal de contas, os senhores querem ou não mudar o modelo económico em Portugal e o modelo de especialização?! Se não aumentam os salários, é porque não querem mudar o modelo, querem que ele fique como está! Ora, isto é um argumento completamente falacioso, completamente falacioso! Se alguma vez uma elevação generalizada dos salários permitisse mudar o modelo de especialização, sem custos sociais e económicos incomportáveis, isso já tinha sido feito. Mostrem-me exemplos onde isso foi feito.
Mostrem-me situações concretas no nosso país ou em qualquer outro, em que elevações significativas no nível salarial foram compatíveis com crescimentos económicos ricos, sustentados e intensos em emprego. Se me mostrarem esses exemplos, eu talvez possa reflectir num outro ângulo.
Acho que não há obrigatoriamente uma dependência de que primeiro é preciso crescer muito, crescer muito, e depois os salários vão crescer... Não tenho essa posição, mas acho que tem de haver aqui – perdoemme a brincadeira – uma relação dialéctica. A dialéctica não foi completamente anulada pelos últimos aconte-
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cimentos históricos e aqui existe uma relação dialéctica entre o crescimento dos salários e o crescimento da economia.
Não julgo que a posição de elevação substancial do salário mínimo acima daquele esforço que foi feito, que, como eu disse, foi o maior esforço dos últimos, seja uma resposta eficaz.
Por outro lado, é verdade que existe aqui um constrangimento orçamental que tem a ver com a indexação de um conjunto de prestações sociais ao salário mínimo. O Governo apresentou a proposta de autonomizar – e não apresentei a proposta, disse que ia autonomizar isso durante o ano de 2006 para vigorar em 2007 – o salário mínimo das várias indexações que existem em variadíssimas áreas, porque, pelo facto de existirem, qualquer alteração do salário mínimo tem implicações orçamentais fortíssimas.
Agora, aparentemente, já quase toda a gente está de acordo, alguns até dizem que foram os pioneiros na defesa desse «desaprisionar» do salário mínimo, mas vão dizendo: está bem, vamos quebrar essa indexação, mas só para algumas coisas e aquelas que deixam indexadas são, curiosamente, as que têm maior impacto orçamental.
Portanto, aqui também tem de haver um bocadinho mais de rigor e de seriedade quando abordamos estes problemas. De facto, neste momento, enquanto não for concluído um sério trabalho de desindexação, que foi muito para além do que deveria ter acontecido nos últimos anos, enquanto não for libertado o salário mínimo, ele tem aqui, de facto, um constrangimento orçamental que é extremamente sério.
Portanto, fizemos uma proposta, discutimo-la com os parceiros e tomámos uma decisão, que tem um sinal positivo de valorização do salário mínimo…
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Positivo?!...
O Orador: — … e que acredita que este crescimento não põe em causa a competitividade da economia portuguesa e a necessária recuperação das empresas.
O Sr. Deputado falou também na questão das dívidas e fez várias vezes o cálculo percentual de qual é a expectativa de recuperação de dívidas na segurança social e da dívida declarada e acumulada.
O Sr. Deputado pode fazer isso, pois está, obviamente, no seu pleno direito, mas sabe que esse cálculo que faz e a ilação que tirou sobre a modéstia dos objectivos de recuperação da dívida que está inscrita no orçamento é uma correlação, no mínimo, demagógica.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Demagógica?!
O Orador: — Sim! Porque os Srs. Deputados sabem muitíssimo bem a natureza dessa dívida acumulada, a dificuldade de cobrança que lhe está associada e que os níveis dessa dívida resultam, em grande medida, de uma situação de ineficiência, que não me custa nada reconhecer, que marcou o funcionamento dos sistemas de cobrança, que só neste momento estamos em condições de ultrapassar, nomeadamente pela identificação atempada de fenómenos não só de não pagamento de contribuições como até de indícios de subdeclaração.
Só com um sistema centralizado, um sistema de conta corrente, que permita reagir de imediato à alteração dos pagamentos e do registo de contribuições, que são sinais de dívida ou de subdeclaração, e, portanto, de evasão, só com a montagem deste sistema, que está neste momento em finalização, é que poderemos ter a ambição de dar uma resposta imediata e reduzir a dívida não para 20%, 30% ou 40%, mas para valores que acontecem noutros países, que são desprezíveis, por serem extremamente baixos. É essa a nossa ambição, não é passar de 7% para 12% ou de 12% para 15%; é montar um sistema que impeça o crescimento em «bola de neve» da dívida à segurança social. Aliás, os valores de recuperação da dívida que temos agora, comparados com o histórico, significam, deste ponto de vista, um avanço muito significativo.
O Sr. Deputado referiu ainda a questão da integração das pessoas com deficiência. V. Ex.ª fez uma afirmação, que começa a ser um cliché – perdoe-me a expressão –, que é a de que só formação, formação, formação não chega. Eu sei bem que não chega. Mas disse aí uma coisa um bocadinho perigosa, que foi: se a formação é para não conduzir ao mercado de trabalho, então é melhor que não haja.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não foi isso!
O Orador: — Disse isto ou qualquer coisa parecida com isto, mas enganou-se.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não foi isso!
O Orador: — Disse, disse! Suponho que isso está gravado. Se quiser ir recuperar o que disse… É sempre bom haver formação, mesmo quando ela não se traduz de imediato numa capacidade de acesso ao mercado de trabalho.
Temos um problema com a empregabilidade das pessoas com deficiência, que é um problema sério, apesar de termos, como é sabido, alguns bons instrumentos de estímulo à contratação das pessoas com deficiên-
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cia – e o Sr. Deputado sabe-o –, que são financeiramente poderosos. Dificilmente poderemos ter instrumentos financeiros mais poderosos para apoiar a integração das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mas que funcionam com pouca eficácia.
O Sr. Deputado sabe que uma entidade patronal tem uma isenção de quase 50% da contribuição para a segurança social quando contrata uma pessoa com deficiência e que essa isenção é vitalícia? Ora, do ponto de vista financeiro não é fácil encontrar um estímulo mais poderoso do que este, porque sabemos que a taxa social única tem em Portugal um valor relativamente elevado para não dizer elevado.
Agora, o que é um facto é que esse instrumento, por falta de informação, por falta de mobilização e por deficiências várias é utilizado por um número relativamente reduzido de empresas e de pessoas com deficiência. Nós queremos melhorar esses rácios, não apenas utilizando essa isenção ou redução de contribuição mas também trabalhando noutra área crítica – não me custa reconhecê-lo –, em que o sistema é excessivamente lento, que são, nomeadamente, os apoios à adaptação do posto de trabalho, que é um factor absolutamente crítico para o bom sucesso da integração no trabalho das pessoas com deficiência.
Poderemos noutra sede debater com maior profundidade este esforço que é necessário fazer para valorizar este aspecto, que é talvez o factor mais crítico que está a dificultar a inserção no mercado de trabalho das pessoas com deficiência.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — E as quotas na Administração Pública, Sr. Ministro?
O Orador: — O Sr. Deputado falou também da questão da Inspecção-Geral do Trabalho, dos recursos existentes para as acções de fiscalização. Não posso dizer-lhe que esteja plenamente satisfeito, longe disso, com as situações orçamentais que posso ter para esta área, pois gostaria de ter mais, gostaria que pudéssemos reforçar o esforço de integração de mais meios humanos na Inspecção-Geral do Trabalho.
Agora, chamo-lhe a atenção para o facto de que, ao contrário do que acontece na generalidade dos serviços da Administração Pública, não tivemos redução de recursos afectos à Inspecção-Geral do Trabalho, quer por via de Orçamento do Estado, em que a dotação cresceu, ao contrário de muitos outros serviços, quer do orçamento, que é o mais significativo, da segurança social, através da indexação que existe ao crescimento das contribuições.
Ou seja, o crescimento das contribuições, que está estimado em 5,1% tem uma tradução imediata no reforço dessa verba atribuída à Inspecção-Geral do Trabalho. Creio, até, ter havido uma valorização da InspecçãoGeral do Trabalho no «bolo» global das verbas atribuídas por via dessa parcela da taxa social única.
Também lhe digo que espero – e teremos decerto oportunidade de debater isto, no momento apropriado – que, da avaliação que está a ser feita à organização do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social nesta área, resultem melhorias da organização no domínio da prevenção e do combate, nomeadamente à sinistralidade laboral, que é uma das funções, como sabe, que também compete à Inspecção-Geral do Trabalho.
Não estou plenamente satisfeito, longe disso também, com o modelo que temos e julgo que deveremos tornar mais eficaz um modelo conjunto, não apenas da Inspecção-Geral do Trabalho, que não tem apenas uma função de inspecção, tem obrigatoriamente uma função de prevenção, mas também do Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (ISHST), portanto, penso haver algo a fazer para melhorar a eficácia – e é possível melhorar a eficácia – dessas instituições, mesmo sem o recurso a novas dotações em recursos humanos. Esta é a minha convicção e é neste aspecto que estamos a trabalhar.
O Sr. Deputado referiu a questão da acção social. De facto, uma parte substancial da acção social é uma realidade que, como o Sr. Deputado fez muito bem em relembrar, nem sempre é devidamente valorizada.
Uma parte essencial, eu diria mesmo a parte essencial da acção social é feita através de transferências do orçamento da segurança social para instituições de solidariedade.
Não percebi se o Sr. Deputado estava a perguntar qual a identificação dessas instituições. É uma lista muito longa, que não terei qualquer dificuldade em fornecer aos grupos parlamentares, mas, como sabe, é uma lista muito longa, pois são muitas e muitas centenas de instituições que têm, todas elas, acordos de cooperação com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e que, por isso mesmo, têm transferências financeiras significativas para o exercício da acção social. Como digo, esta é uma lista longa, mas julgo que é, obviamente, direito da Assembleia da República conhecê-la com pormenor e terei todo o prazer em enviá-la.
Se bem que muitas instituições abrangem multi-valências, como sabe, será mais fácil detalhar as áreas de valências, abarcando aquelas que são as valências e a distribuição por valências dos acordos de cooperação.
É a informação que podemos enviar, suponho que de imediato, ao Sr. Deputado.
A outra informação é um pouco mais longa, mas julgo que é um bom pedido que terei todo o prazer em enviar.
Finalmente, o Sr. Deputado focou a questão do número de pensionistas que estão previstos serem abrangidos pelo complemento de solidariedade. Os números dos pensionistas, e já os referi várias vezes, correspondem, através de vários estudos e de várias aproximações que fizemos, àqueles que consideramos estarem abaixo do limiar que consideramos de referência para 2006 e, depois, com a devida actualização para os próximos anos, o limiar de recursos para atribuição desta prestação.
Neste primeiro ano, como se sabe, decidimos fazer uma progressão por níveis etários e não qualquer outra, sendo que o compromisso do Governo era o de aplicar esta prestação até ao final da Legislatura. Deci-
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dimos, pois, começar a aplicar esta prestação por níveis etários e não por qualquer outra forma, que, aliás, seria de duvidosa legalidade ou de muito difícil aplicação prática. Pensamos todavia que, até final de 2006, poderemos atingir entre 60 000 a 70 000 pensionistas.
Não digo que todos tenham concluído o seu processo, mas é este o nosso objectivo, aquilo que consideramos que poderemos fazer em 2006, que será sempre um ano mais complexo. É um ano de arranque desta nossa nova prestação que, como eu disse há pouco, não é uma prestação igual às outras prestações da segurança social; é uma prestação que introduz uma mudança na perspectiva da conciliação do princípio da universalidade com o princípio da diferenciação positiva.
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, muito obrigado pelas perguntas que fez.
Gostava só de fazer uma pequena precisão: não apresentei qualquer diploma «com pompa e circunstância», porque não o fiz de todo. A única coisa que fiz foi apresentar (aliás, até foi o Sr. Secretário de Estado que o fez) na Comissão Permanente da Concertação Social um texto de orientações, um documento para debate de orientações, pois ainda não há qualquer diploma feito, nem muito menos apresentado «com pompa e circunstância». Apenas me limitei, porque a isso fui instado pelos jornalistas, a responder a algumas questões que foram colocadas.
Sem qualquer pretensão a limitar o direito à informação, nem sequer a pensar que só responderia a perguntas feitas de determinada forma, digo-lhe que gostaria mais que a divulgação completa da nossa intenção fosse já fruto de uma reflexão com os parceiros sociais, mas compreendo, perfeitamente, que haja aí um interesse nisto. Já me custa mais a aceitar, e até tenho lido que o Conselho de Ministros decidiu antes de estar sequer concluído o processo de debate na Comissão Permanente da Concertação Social, pois, como é óbvio, nenhum decreto-lei foi elaborado e apresentado a Conselho de Ministros. Portanto, estamos a falar de um processo que, espero, seja rápido.
Com isto também não estou a dizer que estas alterações não são para aplicar; ela são para aplicar! Até no final do mês, conto ter uma reunião, que poderá não ser conclusiva, mas será pré-conclusiva do debate em sede de concertação social, e depois entraremos no processo legislativo.
Além de a «pompa e circunstância» não ser o meu estilo, nem sequer do ponto de vista dos meus gostos musicais, também não fizemos qualquer apresentação, nem sequer com um mísero Powerpoint, dessa prestação. Mas, indo às suas perguntas, quero dizer-lhe o seguinte: é uma área que não reúne consenso, infelizmente, mas entendemos que, de facto, devem ser colocadas – não existem na actual lei – algumas balizas para a questão de saber o que é o emprego conveniente e o que é o emprego aceitável e uma dessas balizas tem a ver com a distância que, julgamos, dever ser fundamentalmente aferida em termos temporais, não em termos quilométricos, porque, obviamente, todos sabemos que 10 km na Área Metropolitana de Lisboa não são a mesma coisa que 10 km no Vale do Sousa, etc.
Sr. Deputado, refiro uma questão crítica, difícil e muito polémica: fico feliz por o Sr. Deputado dizer que o que estamos a fazer, a nossa ideia no que toca à questão das rescisões por mútuo acordo, é o que já está na lei. Vou pedir ao Sr. Deputado para me acompanhar à Comissão Permanente da Concertação Social para explicar isso aos parceiros sociais e, assim, ajuda-me imenso, porque alguns dizem que aquilo é uma alteração profundíssima.
Como o Sr. Deputado diz que é o que já está lá, na lei, óptimo! Tenho aqui um aliado bem insuspeito, que me vai ajudar na Comissão Permanente da Concertação Social, a dizer que, afinal de contas, não estamos a produzir qualquer alteração…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Está na lei!
O Orador: — … com prejuízo sério para quem quer que seja.
De facto, há aqui um objectivo, que é difícil…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mas, não está na lei, Sr. Ministro?
O Orador: — Está lá o princípio das condições. Agora, o que foi a proposta enviada para discussão, não é a mesma coisa, mas também não o anunciámos – e aí é que o Sr. Deputado falou da «pompa e circunstância», mas não houve qualquer «pompa e circunstância». Portanto, fizemos uma proposta para discussão, sendo que eu apenas respondi a questões que me colocaram por solicitação dos jornalistas. Como eu disse, prezo muito a validade do debate em sede de concertação social e não gosto de o contaminar com a aparência de tomadas de decisões, porque não tomei qualquer decisão. O Governo não tomou qualquer decisão; colocou a debate um conjunto de opções. Agora, que iremos legislar, vamos legislar! Há uma coisa que lhe posso garantir: não chegaremos ao fim da Legislatura com um projecto de decretolei a circular em BTE! Isso não. Haverá uma alteração legislativa se, obviamente, forem cumpridos todos os requisitos que a produção legislativa tem de cumprir em Portugal.
Portanto, há aqui, de facto, uma preocupação com as rescisões por mútuo acordo e fizemos algumas propostas que incluem alguma mudança que, de facto, mantém o princípio de que empresas em reestruturação
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poderão não ver prejudicada essa possibilidade, mas que introduz algumas balizas a essa possibilidade.
Alguns consideram-nas muito pouco ambiciosas, muito timoratas; outros entendem que são dramaticamente avançadas… Bom, no meio disto tudo, vamos lá ver se conseguimos chegar a algum acordo.
O Sr. Deputado falou da questão da fiscalização também na área do subsídio de desemprego.
De facto, como eu já disse há pouco, ficaria muito satisfeito e não estou a fazer qualquer demagogia. Volto a dizer o que já disse há pouco: penso que a prestação do subsídio de desemprego, não pela sua dimensão financeira, mas pelo seu carácter simbólico e pelo objectivo que prossegue, é uma prestação fulcral em qualquer sistema de segurança social; decisiva, em qualquer sistema de segurança social; cuja credibilidade tem de ser máxima; e cuja eficiência tem de ser a mais próxima da perfeição.
Portanto, se todos reconhecermos que há um nível, que ninguém é capaz de quantificar, de utilização indevida desta prestação – e julgo que pouca gente porá em causa que existe –, aceitaremos todos as melhores sugestões para que este problema seja resolvido, no combate à utilização indevida, na proposta de medidas de fiscalização, contudo não tenho ouvido muitas propostas neste sentido, mas tenho a certeza, e estou a dizê-lo com franqueza, que da sua parte, se as houver, fá-las-á, sem qualquer dúvida.
Portanto, admito que possamos melhorar ou alterar noutros sentidos a proposta que apresentámos sobre a possibilidade de fiscalizar se aquele beneficiário está ou não a trabalhar, pois sabemos que é muito difícil fiscalizar, nas empresas, se um beneficiário de subsídio de desemprego está lá a trabalhar ou não, mas essa fiscalização é essencial.
Aceito todas as críticas, não me demitirei de fazer tudo o que puder para fiscalizar a acumulação indevida de trabalho com o subsídio de desemprego e se for necessário inovar nas medidas fá-lo-emos.
A medida da estadia em casa não é a mais eficaz. Repare que aqui também houve alguma simplificação, porque, obviamente, a existência de identificação de um local onde o beneficiário possa ser contactado pelos serviços de fiscalização não põe em causa que ele possa estar a fazer formação profissional ou à procura de emprego; há todo um conjunto alargado de situações que faz com que possa não estar em casa.
Mas venham melhores propostas, a até diria, como se dizia há uns tempos, que mil propostas floresçam, porque dessas mil algumas serão, de certeza, interessantes.
O Sr. Deputado falou da questão da Internet. Nós apresentámos — e tenho o maior gosto em fazê-lo na Assembleia da República — os avanços que estão a ser feitos no domínio do que chamamos a segurança social directa. De facto, os requerimentos das prestações de segurança social têm natureza diferente, alguns são de natureza mais burocrática e completamente preenchidos sem o contacto directo, outros obrigam a um contacto directo, nomeadamente aqueles que têm uma componente ligada à acção social. Portanto, quando falamos de segurança social directa referimo-nos, obviamente, a prestações como as pensões e os subsídios de desemprego, de doença e de maternidade, que são automáticas, porque toda a informação reside no sistema.
A data não corresponde exactamente à que definimos, porque houve um ligeiro atraso relativamente ao nosso objectivo, mas já foi publicamente anunciado que a partir do dia 28 deste mês um conjunto de valências estará directamente acessível pela Internet, por parte de cada cidadão. Mas, no primeiro trimestre de 2006, essas possibilidades alargar-se-ão com o requerimento electrónico de prestações.
O Sr. Deputado pediu-me gentilmente que fizesse um comentário relativo à alteração fiscal sobre as pensões. Não é verdade que não me tenha referido a esse aspecto, mas o que posso dizer é que me revejo completamente nas posições que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças adiantou sobre esse tema: não se trata de uma alteração fiscal generalizada para os pensionistas, está muitíssimo longe disso, mas, sim, de introduzir uma pequena aproximação a um princípio, que é a norma nos países europeus. Foi isso que fizemos, com cuidado, com sentido da proporção e também da justiça, pelo que me revejo plenamente na justificação apresentada, nomeadamente pelo Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, em resposta às suas perguntas, tenderia a repetir tudo o que disse relativamente ao apelo que fiz, à abertura que manifestei, no sentido de, se estamos todos interessados em reforçar a fiscalização aos usos indevidos de prestações, fazerem propostas nesse sentido. Devo dizer, com toda a franqueza, que nesse domínio o silêncio tem sido muito significativo, relevante e pesado.
A Sr.ª Deputada disse uma coisa que não corresponde de todo à realidade, ou seja, que as melhorias previstas — aliás, grande parte delas está em curso em 2005 —, no que toca ao equilíbrio financeiro da segurança social, são todas do lado das prestações. Isso não é verdade, Sr.ª Deputada. Bem pelo contrário, no que toca ao nosso plano de combate à fraude e à evasão, mais de 80% é no domínio das contribuições, mais de 80% dos ganhos que esperamos obter são no domínio do combate à fraude e à evasão contributiva. Como é que vem dizer que é no domínio das prestações que vamos reequilibrar o sistema, Sr.ª Deputada? Qual a base material em que se fundamenta para afirmar isso? Não tem, porque ela não existe! O que se passa é exactamente aquilo que eu disse, e digo «mais de 80%» para não ser excessivo.
Sr.ª Deputada, volto a referir que não estou aqui a discutir nenhum diploma, porque ainda nenhum foi sequer apresentado. Mas a Sr.ª Deputada falou na alteração da forma de cálculo do subsídio de desemprego… Onde é que ouviu falar da alteração da fórmula de cálculo do subsídio de desemprego? Uma coisa é a fórmula de cálculo do subsídio de desemprego, outra é a duração das prestações — são coisas um bocadinho diferentes.
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No que toca ao subsídio de desemprego, eu disse, e repito, que se os Srs. Deputados das diferentes bancadas se quiserem associar a mim neste aspecto associam-se; se não quiserem, não se associam. Cada um assume as suas responsabilidades.
Nós vamos intensificar o combate à utilização indevida de prestações, como é o caso do subsídio de desemprego, e digo-lhe, com toda a clareza, utilizando uma expressão talvez menos própria neste tipo de debate, que esta é uma posição de esquerda, Sr.ª Deputada. O combate à utilização indevida das prestações é um instrumento essencial de defesa das prestações sociais.
Estamos a falar no domínio das propostas na concertação social.
Por enquanto, não consta que tenha havido alguma proposta de alteração à fórmula de cálculo, pelo menos não subscrevi nenhuma. Se houver alguma proposta que considere interessante, não tenho qualquer tabu a esse respeito. Desde que a eficácia social, a equidade e a credibilidade das prestações sejam defendidas, venham as alterações, mesmo à fórmula de cálculo. Quem se refugiar em tabus, está a contribuir para penalizar a mudança necessária na protecção social.
Sobre a duração das prestações, é evidente que já não vou dizer nada pelo facto de a Sr.ª Deputada e de a sua bancada referirem sistematicamente como uma afronta a alteração da duração no caso dos beneficiários com menos de 30 anos e de 24 meses de carreira contributiva e de nunca mencionarem que isto faz parte de uma proposta de reequilíbrio das prestações, de maior adequação à idade e à carreira contributiva, que inclui um aumento da duração para os desempregados com mais de 40 anos. Bem, é um pouco estranho só falarem de uma parte e não da outra. Sejamos um pouco mais aderentes à realidade e a uma discussão… A Sr.ª Deputada pode ter aquela posição, que é, aliás, típica do seu grupo parlamentar, de dizer «sim senhor, tudo o que é aumentos de duração muito bem, diminuições nunca». É típica da parte do seu grupo parlamentar, mas não é séria, visto que o que há que discutir é se esta alteração faz sentido, se valorizar mais carreiras mais longas e desempregados que têm mais dificuldade em regressar ao mercado de trabalho em detrimento de beneficiários que têm carreiras mais curtas e mais facilidade em regressar ao mercado de trabalho é, ou não, uma filosofia apropriada a uma prestação como esta! É isso que tem de ser discutido e não pegar-se apenas numa parte do problema! A Sr.ª Deputada pode dizer o que entender, mas não é indiferente reduzir-se a duração da protecção social a um cidadão ou mudar-lhe a natureza. Não é a mesma coisa, porque o subsídio social de desemprego é um direito que está na nossa legislação, não é uma caridade! A Sr.ª Deputada está a transformar uma prestação social, só porque ela é sujeita à condição de recursos, numa prestação caritativa?! Trata-se de um direito para quem está naquelas situações, seja jovem ou não! Os Srs. Deputados pensam que não é um direito, que é uma dádiva?! Não é uma dádiva, é um direito, só que é preciso cumprir aquelas condições!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Isso é muito pobrezinho!
O Orador: — E sabemos que a sua aplicação permite, com esta alteração, que os beneficiários que estejam nessas condições tenham, se necessitarem, uma prestação social relevante e que não deixa as pessoas em situação de desprotecção.
O subsídio social de desemprego, volto a dizer, é uma medida de protecção social, mas o que consideramos é que, provavelmente (fizemos essa proposta), será razoável que dois anos de contribuições para beneficiários jovens não gerem automaticamente um ano de subsídio de desemprego mas, sim, seis meses de subsídio de desemprego e depois, se necessário, mais 12 meses de subsídio social de desemprego, cujos valores, sabe a Sr.ª Deputada tão bem quanto eu, nos casos dos beneficiários que efectivamente são necessitados, não são tão distantes quanto isso do subsídio de desemprego, e quando o são é porque os beneficiários que caíram na situação de desemprego têm rendimentos de trabalho mais elevados, sendo normalmente aqueles que têm mais facilidade em regressar ao mercado de trabalho.
Essas são duas verdades absolutamente cristalinas. Só não as vê quem não quer ou quem pretende utilizar este instrumento para uma acusação, que a Sr.ª Deputada fará as vezes que entender, fazendo eu aquilo que considero justo e que defende o sistema da segurança social.
Sr.ª Deputada, não os conheço, mas estou disponível para verificar onde é que se registam os cortes brutais dirigidos às organizações de apoio que trabalham junto das pessoas com deficiência. Não se verificam, seguramente, nas organizações que têm acordos de cooperação com a segurança social, porque se mantêm os acordos de cooperação.
No que toca aos apoios atribuídos às associações representativas ou que trabalham nessa área, aquilo em que o Governo está a trabalhar é na normalização, na tipificação, na clarificação desse tipo de apoios. E não me consta que isso signifique um corte brutal, significa apenas que tem que haver regras que contribuam até para a estabilidade do funcionamento dessas instituições.
Em resposta ao Sr. Deputado Jorge Machado, e porque agora já disponho da informação, gostava apenas de referir que a distribuição, nos acordos de cooperação de acção social, em 2005 – e trata-se de valores relativamente rígidos, já que o montante é muito elevado –, foi de 53% para valências ligadas à população idosa, de 36,9% para valências ligadas à infância e juventude e de 10,1% para valências ligadas à invalidez e
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reabilitação. Isto é só para dar uma primeira noção da estrutura global da acção social realizada em regime de cooperação.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr. Ministro.
Antes de prosseguirmos, quero dar duas informações, a primeira das quais tem a ver com o seguinte: para continuarmos a aprofundar, na especialidade, o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, estão inscritos os Srs. Deputados Arménio Santos e Eugénio Rosa. Se houver mais alguém que pretenda inscrever-se, agradeço que manifeste esse seu interesse.
Em segundo lugar, quero informar que, de facto, o Sr. Ministro tinha enviado para as Comissões de Trabalho e Segurança Social e do Orçamento e Finanças o orçamento por subsistemas mas, por alguma falha, ele não foi distribuído. Creio, no entanto, que já todos os Srs. Deputados dispõem de uma cópia.
Não posso, agora, justificar a causa por que tal sucedeu mas está sanado o problema.
Para darmos, então, início à segunda ronda de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.
O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, como diz este orçamento, os objectivos da política de emprego e formação profissional para 2006 inserem-se no plano nacional de emprego para 2005/2009, enviado oportunamente à Comissão Europeia. No entanto, sendo isso verdade, o que importa aqui salientar é que o desemprego vai continuar a crescer, a subir. E o desemprego é, para nós, a situação de injustiça social mais gritante, pelo que tem de merecer uma preocupação por parte de todos os agentes políticos, desde logo por parte do Governo.
Sobre esta matéria gostaria, portanto, de lhe colocar várias questões que, entretanto, foram já suscitadas e, por isso, não vou repeti-las. Gostaria, porém, de fazer duas ou três perguntas centradas nos problemas da formação profissional, já que, quanto à resposta ao desemprego, sabemos que não é possível o Governo decretar a criação de empregos, ainda que, às vezes, se tente fazer passar essa ideia. Quem dá resposta ao fenómeno do desemprego é a economia real, são os empreendedores, os empresários, e o Governo tem a elevada responsabilidade de criar condições para incentivar e estimular de forma a que isso aconteça, para que a economia seja mais dinâmica, tenha mais confiança, haja mais condições para captar investimentos e projectos, enfim, seja possível, ao fim e ao cabo, criar novas oportunidades de emprego, dar resposta à possibilidade de aparecimento de novos empregos.
E isto não naquele sentido de que V. Ex.ª se recordará, que aparecia, em Fevereiro, em outdoors, onde se utilizava a expressão «Vamos criar 150 000 postos de trabalho». Não é nesse sentido que estamos aqui a referi-lo, mas de uma forma bem mais séria e com os pés bem mais assentes no chão. É que quem pode, de facto, criar esses 150 000 novos postos de trabalho não é o partido A ou o partido B e muito menos a Administração Pública. Quem pode e deve criar esses postos de trabalho, esses empregos, é a economia real, são os empresários e as condições que o País proporciona para que a economia funcione melhor e para que novos projectos, novos investimentos sejam feitos e surjam essas oportunidades de emprego, que, hoje, infelizmente, não existem; pelo contrário, estão exactamente a acontecer, de forma crescente, as oportunidades de desemprego.
Mas, como disse, gostaria de colocar duas ou três questões sobre a formação profissional.
A formação profissional, como o Sr. Ministro já disse, e estamos todos de acordo, é um instrumento poderosíssimo, desde logo porque dispõe de recursos financeiros únicos e, depois, porque é um processo que terá uma influência decisiva na produtividade das nossas empresas. E nós estamos muito habituados a ver, às vezes, a formação profissional funcionar de acordo com parâmetros e com critérios que sentimos serem, de facto, úteis aos destinatários e às empresas, mas também estamos muito habituados a ver muitas acções de formação que não têm os resultados que deveriam ter para os seus utentes e para a própria economia, em face do investimento que nelas é feito. As pessoas quase são vítimas de formação profissional a pacote, o que tem, exactamente, as ineficiências que todos conhecemos e com as quais não podemos estar de acordo.
Particularmente, há áreas que não podem deixar de estar na primeira linha de prioridades das acções de formação ou de qualificação dos recursos humanos.
Fala-se muito na formação dos jovens para entrar no mercado de emprego, dos jovens que têm o 9.º ou o 12.º ano de escolaridade, nas dezenas de milhar de jovens licenciados que estão, hoje, angustiados com uma oportunidade de emprego, nos jovens que são filhos de imigrantes e de minorias étnicas e que têm de ser tratados em plenitude como destinatários de políticas de formação profissional e de captação para o mercado de emprego, tal como qualquer outro cidadão nacional, para que haja coesão social, por um lado, mas também para que haja um aproveitamento adequado de toda a nossa juventude, que tem de ser tratada em termos tais que sinta que não há aqui quaisquer tipos de discriminação.
Depois, quanto à formação dos activos, que papel têm as empresas nesta formação? Que apoios? Que estímulos? Quanto aos desempregados, particularmente os de longa duração, e tendo em conta os segmentos a que se destinam, de uma forma particular, as acções de formação, é legítimo perguntarmo-nos se o actual modelo de formação profissional está ou não esgotado, se está ou não a necessitar de uma reestruturação que tenha por base novas preocupações e novos critérios. Nesse sentido, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: se vamos continuar a fazer formação profissional, numa altura em que se prevê que o desemprego venha a
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crescer, vamos continuar a fazê-la só para ocupar os desempregados ou, pelo contrário, vamos promover uma formação profissional que tenha em conta as reais necessidades da economia e do tecido empresarial, quando a retoma chegar? É que hoje há empresas e sectores que estão a encerrar, mas nada nos garante que, amanhã, quando a retoma se verificar, essas mesmas empresas ou esses mesmos sectores não possam surgir como os novos criadores de emprego. Seguramente, isso não sucederá ou, melhor, provavelmente poderá haver um ou outro caso em que isso se verifique, mas o mais seguro é que surjam novas empresas, novos sectores, novas oportunidades. E a nossa pergunta vai no sentido de saber se há alguma orientação para que as acções de formação profissional sejam ministradas tendo em conta as necessidades do futuro, as necessidades do tecido empresarial que venha a ser relançado, aquando da retoma da economia, porque essa mão-de-obra vai ser necessária e, por isso, tem de estar preparada para responder às necessidades.
Gostávamos também de saber qual é o papel, na formação profissional, dos verdadeiros criadores de emprego que referi há instantes. Qual é o papel dos empresários, das associações empresariais? É que, Sr.
Ministro, li o orçamento e, salvo uma ou outra referência muito ténue, não descortinámos que houvesse uma identificação, uma responsabilização, uma eleição de parceria, por parte do Governo, com os empresários, no sentido de aproveitarmos de forma correcta os recursos que aplicamos no domínio da formação profissional.
E as associações de trabalhadores? E as organizações sindicais? E, como fecho destas preocupações, qual o papel da concertação social na definição, execução e acompanhamento de toda uma política de formação profissional, que, naturalmente, gostaríamos que se verificasse? Não temos quaisquer dúvidas de que o Sr. Ministro partilha destas preocupações, assim como o Sr. Ministro também não pode ter dúvidas de que partilhamos das suas preocupações no sentido de que a formação profissional corresponda a reais necessidades do País, dos trabalhadores e das empresas, mas gostaríamos de perceber em que medida é que os agentes económicos e sociais são parceiros reais e efectivos de uma política que gostaríamos de ver inovadora.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr.ª Presidente, gostava de fazer algumas perguntas concretas ao Sr.
Ministro mas, antes, gostava também de lhe deixar uma nota, para reflexão, sobre o salário mínimo, embora tenha consciência de que não é matéria do âmbito do Orçamento.
O Governo decidiu aumentar o salário mínimo em 3%, o que significa, na prática, um aumento de 37 cêntimos por dia. Uma das razões que nos tem sido apresentada como argumento para este aumento, e o Sr.
Ministro utilizou-a aqui muito, é o problema da competitividade. Porém, parece-me que temos de deixar esses mitos, essas palavras, e descer um pouco à realidade.
Se analisarmos o número de trabalhadores que é beneficiado com o aumento do salário mínimo, verificamos que representam cerca de 5,5%, ou seja, são pouco mais de 100 000 em 3 milhões de trabalhadores. Por isso, é um bocado fantasioso, para não utilizar outro termo, pensar que um pequeno aumento, acima dos 3%, neste núcleo, que tem os mais baixos salários do País, iria quebrar a competitividade da economia. Isto nada tem a ver com a economia mas, sim, com uma opção política e nada mais.
Mais: se analisarmos o salário mínimo nacional decidido pelo Governo, para vigorar em 2006, verificamos que ainda está abaixo do salário mínimo da Turquia em 2005.
Outro aspecto importante: se analisarmos o salário mínimo por género, por sexo, a parte da população mais atingida ou que mais recebe o salário mínimo é, normalmente, composta por mulheres — a percentagem de mulheres que recebe o salário mínimo é quase o dobro da dos homens. Portanto, mais uma vez, a desigualdade vai atingir, fundamentalmente, as trabalhadoras.
Deixo-lhe estas questões só para reflexão, a adicionar ao facto de, durante três anos consecutivos, o salário mínimo ter perdido poder de compra. Este ano, o Governo fala do aumento da inflação em 2,3% mas, certamente, não vai suceder isso. Aliás, o Banco de Portugal prevê uma inflação de 3%, e o Banco de Portugal é muito mais credível do que o Governo, apesar de, no dia seguinte, também se terem de fazer ajustamentos.
Passo agora a perguntas concretas no âmbito do Orçamento.
Sr. Ministro, em primeiro lugar, gostaria de saber se o Governo vai ou não cumprir a Lei de Bases da Segurança Social e em que sentido. Estou a falar dos artigos 38.º e 59.º da Lei de Bases, em que se diz explicitamente, em relação às pensões mínimas, que num prazo de quatro anos os 19 escalões deviam ser reduzidos para quatro e que deviam atingir determinadas percentagens do salário mínimo líquido. Gostava de conhecer no concreto o que é que o Governo vai fazer no próximo ano (esses quatro anos, se começarmos a contar a partir de 2003, inclusive, terminam em 2006), em que deveria ser atingido esse objectivo. É certo que o n.º 5 do artigo 38.º permite ao Governo uma certa folga, mas não sei se está interessado em utilizá-la, ou não.
Em relação às pensões agrícolas e à pensão social também a Lei de Bases da Segurança Social é clara: em quatro anos deveriam atingir determinadas percentagens. Gostaria de saber se este ano se vão atingir essas percentagens ou qual o passo dado nessa direcção.
No que respeita às outras pensões, gostaria de conhecer qual o seu aumento médio e as orientações do Governo quanto a elas.
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Relativamente ao fundo de capitalização, gostaria de conhecer as taxas de rentabilidade de 2004 e de 2005.
Em relação à dívida, lembro-me que o Sr. Ministro, no início de 2005, avançou publicamente com um número. Penso que um ou dois meses depois de o Governo tomar posse, o Sr. Ministro dizia que a dívida, nessa altura, era de 3,2 milhões de euros, se a memória não me falha. Mais recentemente, veio dizer que era de 3,4 milhões de euros. O que me dá ideia, e por isso gostaria que o Sr. Ministro me esclarecesse, é que o aumento da dívida tem sido superior à sua recuperação. Ou seja, a dívida continua a crescer apesar de haver recuperação, portanto a recuperação não é suficiente para impedir o aumento da dívida, isto baseando-me nos dados fornecidos pelo Sr. Ministro.
Em relação aos mapas que enviou, respeitantes aos subsistemas, continuo a dizer que a informação prestada, não só a esta Assembleia mas a todos os interessados na segurança social, é pouco transparente e escassa. O Sr. Ministro falou aqui dos mapas que enviou para a segurança social sobre os subsistemas. Se analisarmos esses mapas, e só para dar um exemplo, no mapa do subsistema previdencial por classificação económica, podemos ver em «Transferências Correntes, Famílias» 10 848 milhões de euros. Por que não é fornecida uma informação desagregada por prestações? Esta informação já foi fornecida à Assembleia da República no passado! A informação que se está a fornecer — estou a ler o Mapa XIV — quanto às «Transferências Correntes» a nível de despesas, em «Famílias», é de 10 848 milhões de euros. Com este nível de agregação não pensa o Sr. Ministro que se perde muito da transparência? O que lhe pergunto é se não pode ser fornecido um mapa mais desagregado, nomeadamente por prestações e por subsistemas, não agregado num mapa global. Não poderá esse mapa ser fornecido à Assembleia da República? Em relação ao regime dos trabalhadores independentes, o Governo aumentou, e penso que bem, a base contributiva em cerca de 50%. Gostava de conhecer, mas não sei se o Sr. Ministro tem esses dados, qual foi o défice do regime dos trabalhadores independentes em 2004 e qual a estimativa para 2005. Sei que é difícil, mas já há trabalhos feitos nesse sentido. Lembro que aquando da comissão do Livro Branco da Segurança Social já se chegou à conclusão de que existia um défice neste regime e que ele iria continuar. Não sei qual a dimensão deste défice agora, por isso pergunto ao Sr. Ministro se terá, por acaso, uma ideia desse valor.
Finalmente, para terminar, gostaria de colocar mais duas questões. Não se falou, mas penso que é uma questão importante, do cumprimento da lei no que respeita ao direito à formação dos trabalhadores. Em 2005, os trabalhadores tinham direito a 20 horas de formação certificada. A informação que temos é a de que a generalidade das empresas não cumpriu essa disposição legal. Em 2006, essa formação sobe para 35 horas.
Pergunto ao Governo, nomeadamente ao Sr. Ministro, que condições vão ser criadas, que disposições e que políticas vão ser postas em prática para que este normativo seja cumprido.
Finalmente, em relação à afectação do IVA, o aumento deste imposto de 19% para 21%, o qual, penso, andará à volta de 450 milhões de euros em 2006, não está isolado, autónomo, no orçamento da segurança social mas, sim, incluído em transferências do Orçamento do Estado. Estarei correcto?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Arménio Santos, muito obrigado pelas perguntas que me colocou.
Não posso não subscrever as suas preocupações relativamente à qualificação da formação profissional e dos recursos que a Comunidade coloca ao dispor dessas acções.
Estou de acordo consigo, no geral, em que, de facto, não se cria empregos por decreto. Às vezes há decretos que ajudam a criar empregos, às vezes há decretos que ajudam a perder empregos, mas não se cria empregos por decreto. Uma alteração da lei que penso que ajuda a criar empregos é a que está a ser feita para simplificação do início de actividade das empresas, com o programa Empresa na Hora, que já abrangeu mais de 1000 empresas em poucos meses e que vai ser alargado a todo o País; trata-se de uma forma de auxiliar as empresas a criar emprego.
Mas há algumas outras formas, como, por exemplo, a que temos estado aqui a discutir, a chamada Segurança Social Directa, ou seja, o reforço da ligação dos vários sistemas às empresas e à facilitação da vida das empresas. De facto, é na envolvente empresarial que os governos têm de agir, mas também na construção do ambiente macroeconómico.
Quando, há uns anos, estudei economia, uma das variáveis sempre considerada determinante — agora já se fala menos nisso — para que haja crescimento económico é a taxa de juro. Para aqueles que não percebem — creio que não é o caso do Sr. Deputado — é preciso que se relembre que a possibilidade de mantermos esse instrumento a níveis que não dificultem o crescimento económico reside no cumprimento dos compromissos que Portugal tem na gestão macroeconómica, nomeadamente do ponto de vista orçamental.
Há quem esqueça isso, há quem esqueça — sei que não é o caso do Sr. Deputado, mas permita-me esta derivação — que o esforço que é necessário fazer para consolidar as contas públicas não é tanto pelo impacto directo que essa consolidação tem na economia, pois às vezes sabemos que é negativo, mas, sim, pelo
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impacto que tem na criação de condições macroeconómicas que, pelo menos, não agravem as condições do investimento, variável determinante para que sustentadamente se crie emprego.
É também aí que pode contribuir-se para que a economia recupere, e — já agora, permita-me que lhe diga — não é apenas o Governo. O Governo tem uma responsabilidade principal nesse domínio, mas trata-se de uma responsabilidade de todos os partidos, nomeadamente na posição que tomam sobre os orçamentos, que é muito importante também para a criação de confiança, para a credibilidade das suas posições e das suas políticas. Mas, enfim, isso seriam outras contas… O Sr. Deputado colocou a questão da formação profissional. Julgo que, de facto, há alterações que têm de ser feitas. Muitas já o foram ao longo destes anos, de resto penso que o Sr. Deputado concordará comigo em que estamos longe das situações do ponto de vista da formação profissional, que nalguns casos até diria serem próximas do caos, de há uns anos atrás, se bem se lembra. Essa situação tem vindo a ser corrigida de uma forma significativa, mas julgo que há ainda muito a fazer para tornar essa formação mais eficaz. Posso dar-lhe alguns exemplos daquilo que o Governo está a fazer.
No caso da formação profissional dos jovens, não sei se o Sr. Deputado se recorda que apresentámos há pouco tempo uma iniciativa no sentido de todos os jovens desempregados com escolaridade abaixo do 12.º ano serem chamados, em menos de três meses, para frequentar uma acção que complete a sua formação; todos os jovens licenciados desempregados são chamados, até ao final do ano, entre Outubro e Dezembro, para, em conjunto com os serviços públicos de emprego, traçarem um plano pessoal de emprego e poderem reforçar a sua empregabilidade. Não é para oferecer empregos, porque, obviamente, o Estado não tem uma bolsa de empregos para oferecer, ou quando a tem é sempre muito limitada.
Portanto, estes são alguns exemplos no sentido de dizer que alguns erros cometidos no caso da formação de jovens estão a ser contrariados já. Cito dois erros. Em primeiro lugar, muita formação profissional que se fez ao longo dos anos, que às vezes até dava alguma certificação profissional, esquecia a certificação académica. Por vezes, havia cursos de milhares de horas em que não se tinha o cuidado que pudessem — e era fácil que isso acontecesse — dar a chamada dupla certificação, ou seja, escolar e profissional. Essa mudança está a ser introduzida.
Muitas formações — e aqui é ainda mais decisivo — escolares de base têm escassez de certificação profissional, sendo o nosso objectivo, e esta é uma mudança de fundo, que até 2010 metade dos jovens tenham, ao nível do 12.º ano, além de uma formação escolar uma certificação profissional. Poderia dar mais alguns exemplos no que respeita à reorientação da formação profissional para jovens, mas gostaria também de falar na questão dos activos.
Como é conhecido, o Governo fixou um programa com um objectivo extremamente ambicioso de requalificação de activos, que passa mais uma vez pela utilização dos instrumentos a que há pouco já fiz referência, do tipo educação/formação. Pretende-se ultrapassar o velho paradigma do ensino recorrente, que sabemos que não gerou em Portugal, na generalidade, bons resultados, para passar para uma forma diferente que possibilite não só o reconhecimento de aprendizagens efectuadas mas também a aquisição de novos conhecimentos e competências em processos em que se associe, mais uma vez, a educação e a formação. O Governo tem o compromisso de canalizar para esse esforço os recursos públicos possíveis no âmbito, nomeadamente, do próximo quadro comunitário de apoio.
O Sr. Deputado falou na indispensabilidade de formar para as necessidades do futuro. Estou de acordo consigo, mas não sei muito bem — se o Sr. Deputado souber, agradeço que as tipifique — claramente quais vão ser as necessidades do futuro. Penso que ninguém sabe. Há, no entanto, um conjunto de princípios que passam por valorizar certificações, valorizar formações escolares abrangentes, que não sejam de via única, muito fechadas ou hiper especializadas, como infelizmente fizemos demais no nosso país ao longo dos últimos anos — e refiro-me aos últimos anos de uma forma alargada, não veja nisto nenhum crítica ao passado mais recente.
O Sr. Deputado falou na questão das empresas e das associações empresariais e sindicais. Sabe tão bem quanto eu que uma parte muito importante da formação profissional co-financiada é, já hoje, da responsabilidade das instituições participadas pelas associações empresariais e também por algumas associações sindicais. Uma parte muito substancial do esforço público de financiamento é feito em direcção a instituições onde a responsabilidade é partilhada com associações da sociedade civil representativas dos sectores económicos.
E, em princípio, será aí que poderemos encontrar os melhores caminhos para identificar quais são as necessidades do futuro — se não são as associações empresariais, muitas vezes até associando centros de tecnologia e centros de inovação, a ter a capacidade de identificar as necessidades do futuro, onde é que o vamos fazer? Não creio que seja em estudos de natureza académica — e já houve experiências nesse sentido.
Mas a nossa parceria para trabalhar com as empresas e com as associações é total. Por isso é que no programa a que chamámos Novas Oportunidades estamos a celebrar protocolos com empresas e com as associações empresariais para as envolver neste esforço de formação contínua — fizemo-lo com a PT, com os estaleiros de Viana e temos programado fazê-lo com um conjunto de associações do Vale do Ave e do Vale do Cávado. Temos, portanto, uma disponibilidade completa para contratualizar esse esforço de formação contínua com as empresas.
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É óbvio que temos de repensar a forma como estamos ou não a cumprir as normas fixadas na legislação relativamente à formação contínua, e essa é uma função que passa pela concertação social. Estou completamente disponível. Sei, assim como o Sr. Deputado, que tem havido reuniões bilaterais no sentido de se chegar a um acordo de formação profissional, mas não tenho informação se serão bem sucedidas ou não. Obviamente que o Governo está disponível, e tem trabalhado nesse sentido, para chegar a acordos no domínio da concertação social de forma a promover não só estas parcerias, mas principalmente o cumprimento daquilo que a legislação estipula, que é bem ambicioso no domínio da formação contínua e absolutamente essencial.
O Sr. Deputado Eugénio Rosa levantou aqui um conjunto de questões, a algumas das quais não vou responder por não ser este o momento para o fazer — serão respondidas a seu tempo. Desse ponto de vista, o Governo tem-se mantido fiel ao cumprimento de prazos e datas. Não apresentou aqui a sua proposta de salário mínimo, porque o quis fazer na concertação social; e fê-lo; agora é conhecida. Estou disponível para a discutir aqui e, a seu tempo e muito rapidamente, serão conhecidas as alterações às tabelas e ao crescimento das pensões na área da segurança social.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Mas não foi isso que lhe perguntei!
O Orador: — Vou responder às suas questões todas, não se preocupe.
Em relação a um conjunto de pensões mínimas, já hoje é conhecido qual será o seu crescimento, porque está indexado ao salário mínimo. Há outro conjunto de pensões mínimas que não estão ainda completamente indexadas nos termos da Lei de Bases e, como é sabido, apesar de a solução que a Lei de Bases veio a ratificar não ter merecido a nossa concordância aquando da sua elaboração, o Governo vai cumprir em 2006 aquilo que a Lei de Bases estabelece para os escalões das pensões mínimas. Em relação às outras pensões, o acréscimo será oportunamente apresentado.
Sobre a questão do salário mínimo, Sr. Deputado, já disse muito do que tinha a dizer. Sei — já o disse — que há quem sobrevalorize a importância do salário mínimo em termos da sua expressão no nosso sistema de emprego, no nosso contingente do mercado de trabalho. Mas também há quem subavalie, pois dizer simplesmente que são 5,5% não diz tudo.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Mas diz muito!
O Orador: — O Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu que há, infelizmente, uma percentagem significativa de trabalhadores que, não tendo o salário mínimo, está por vezes muito pouco acima do salário mínimo. O que faz com que o salário mínimo, não sendo o referencial decisivo para determinar os custos unitários de trabalho e a sua influência na produtividade, não é irrelevante, nomeadamente pela proximidade que existe e pelo efeito de ampliação que tem essa proximidade em relação aos outros salários que, infelizmente, se situam excessivamente próximo dele. Portanto, nestas coisas, não se trata de uma ambição de ecletismo.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Sr. Deputado, não esperava que considerasse que o facto de o Governo, numa conjuntura muito difícil do ponto de vista orçamental e complexa e difícil do ponto de vista económico, ter decidido fazer o maior aumento do salário mínimo dos últimos anos com previsão de recuperação do poder de compra dos trabalhadores era um esforço de aplaudir. Já esperava — era inevitável — que dissesse que eram migalhas e que fizesse esse «número» de reduzir o acréscimo ao seu valor diário (poderia até ter feito mais).
Tal como já disse de início, tenho bem a consciência que o salário mínimo que temos em Portugal não permite, em muitas situações, que as famílias saiam do limiar da pobreza. Não tenho sobre isso nenhuma dúvida. Tenho, no entanto, a consciência de que crescimentos do salário mínimo que não levem em linha de conta a situação económica do País e de algumas actividades económicas poderiam ter um efeito ainda mais negativo do que aquele que existe pelo facto de termos um salário mínimo excessivamente baixo.
Espero que possamos percorrer um caminho de recuperação económica e de estabilidade que garanta um crescimento do salário mínimo na direcção daquilo que são as metas de 60% do salário médio. Espero que isso aconteça! Julgo, no entanto, que uma coisa é definir esse objectivo e outra coisa bem diferente é colocar como reivindicação política a celebração de um compromisso sobre a possibilidade de o fazer. É nessa linha — que para alguns poderá parecer ténue — que se situa a diferença entre uma opção mais responsável e outra menos responsável a propósito do que são as políticas sociais.
O Sr. Deputado perguntou qual a taxa de rentabilidade do Fundo de Capitalização, mas tenho quase a certeza que sabe esse valor, pois acompanha estas variáveis. Tenho a informação de que foi de 3.76% em 2005 e de 3.46% em 2004. Aliás, como é sabido, o instituto que gere este Fundo é participado pelos parceiros sociais, que têm, por isso, uma informação detalhada. Portanto, essa gestão é feita com uma transparência muito elevada e com resultados que têm sido, normalmente, positivos.
O Sr. Deputado falou da questão da informação. Lamento que não tenha chegado a informação considerada suficiente, mas neste momento já a tem na sua posse.
Sr. Deputado, não é verdade que a informação que existe seja a de que as transferências para a família sejam de 10 000 milhões de euros. Na desagregação dos quadros por subsistemas, por exemplo, no subsistema de «protecção familiar/financiamento tripartido» — que é um dos subsistemas do sector — tem «encar-
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gos familiares, abono de família, subsídio de funeral, complemento de cônjuge a cargo, invalidez, velhice, complementos sociais de pensões, deficiência, bonificação por deficiência a crianças e jovens, subsídios de educação especial, subsídio por assistência a terceiros…». Quer que continue a ler?
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não, não!
O Orador: — Se quiser o previdencial, que é o contributivo, também tem essa informação com detalhe, e que não tem nada a ver com os 10 000 milhões. Sr. Deputado, é bom que façamos as nossas intervenções com um bocadinho mais de rigor. No previdencial não tem nada de 10 000 milhões, mas subsídio por doença, por tuberculose, por maternidade, doenças profissionais, subsídio de desemprego, indemnização compensatória por salários em atraso, montante provisório de pensão, de velhice, sobrevivência, invalidez, subsídio a lar e outras prestações…
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Ministro, eu não tenho esse mapa aqui!
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Sr. Deputado, trata-se de uma das cópias que lhe foi distribuída.
Acredito que esteja igual; se não, peço para lhe darem outra cópia.
O Orador: — Peço imensa desculpa, mas no dia 2 fornecemos uma informação com este nível de detalhe.
Admito que possam continuar a considerar que é escasso, mas tem todas estas alíneas que referi.
Pausa.
Sr. Deputado, noutro momento, já tive ocasião de comentar a questão do regime dos independentes e de dar conta da dificuldade técnica que existe no sentido de identificar exactamente a quantificação desse regime, pelas razões que expliquei na altura — porque nenhum contribuinte é obrigatoriamente independente nem trabalhador por conta de outrem a vida toda e, depois, quando é beneficiário, não se faz a distinção e parte do beneficio tem a ver com a sua carreira de independente e, sobretudo, com a sua carreira de trabalhador por conta de outrem. Tecnicamente, isto não é feito. Há estimativas que podem ser feitas, mas, de facto, essa informação… E, sinceramente, Sr. Deputado, tenho alguma dúvida de que, do ponto de vista da solidariedade, que é um valor maior do sistema de segurança social, faça muito sentido entrar em análises desse tipo, quando elas não permitem uma aferição rigorosa da despesa e da receita. E, neste caso, pelas razões que referi, percebe-se que não é fácil chegar lá.
Na resposta ao Sr. Deputado Arménio Santos já referi a questão dos mínimos de formação. Todos sabemos que existe um nível de formação contínua nas empresas inferior não só ao que está estipulado legalmente, como ao que seria a necessidade Não creio, com toda a sinceridade — e peso bem as palavras que vou dizer —, que isso seja um problema de fiscalização. Creio que é um problema que tem de ser resolvido no âmbito da concertação social e da contratação colectiva e, particularmente, no da capacidade que tenham as empresas e as instituições do mundo empresarial e do mundo associativo para se associarem à dotação de recursos, que é significativa, que o Estado coloca ao dispor desse tipo de formação, o que, de facto, não tem acontecido até agora.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — O cumprimento da lei é através da contratação colectiva?!
O Orador: — Sr. Deputado, estou a dizer que a resposta ao problema de níveis demasiado baixos de formação contínua tem de passar por todos aqueles instrumentos que referi e não apenas pela fiscalização do cumprimento da lei. Aliás, o Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu próprio que esses valores não estão a ser concretizados de uma forma muito alargada.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr. Ministro.
Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que vou dar por terminada esta audição.
Agradeço ao Sr. Ministro todas as respostas que nos deu, tendo assim contribuído para aprofundar a discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado. Agradeço igualmente a todos os Srs. Deputados a vossa participação.
Retomaremos os nossos trabalhos da parte da tarde, pelas 15 horas, com a discussão do orçamento para o Ministério da Saúde.
Está interrompida a reunião.
Eram 12 horas e 45 minutos.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Patinha Antão.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na especialidade, do orçamento para o Ministério da Saúde para 2006.
Esta é uma reunião conjunta da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Saúde.
Começo por dar as boas-vindas ao Sr. Ministro da Saúde e aos Srs. Secretários de Estado.
Sr.as e Srs. Deputados, de acordo com a metodologia que agora acertámos, e após ter auscultado a opinião do Sr. Ministro, este considera dispensável fazer uma intervenção inicial, o que também nos parece razoável. Assim, na primeira ronda, usarão da palavra, pela ordem habitual, os Srs. Deputados porta-vozes dos partidos, ao que o Sr. Ministro responderá em conjunto. Naturalmente, haverá direito a réplica, se assim pode dizer-se, ou acentuação de aspectos cuja resposta, porventura, possa não ter correspondido integralmente ao que desejariam os interpelantes. Seguir-se-á uma segunda ronda de inscrição livre, como é habitual.
De acordo com a praxe, a primeira intervenção cabe ao PSD, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde, Sr. Ministro da Saúde, Sr. Secretário de Estado, os meus cumprimentos.
No figurino que penso mais adequado a esta discussão, vamos colocar ao Sr. Ministro um conjunto de questões que, de alguma forma, encerram as nossa principais preocupações em sede de debate na especialidade do orçamento para 2006.
O orçamento já foi escalpelizado na sua generalidade, já percebemos que V. Ex.ª, Sr. Ministro, logrou obter, em sede do orçamento para a saúde, tudo quanto quereria em termos orçamentais, verbas suficientes para a execução do plano que traçou.
Pelo nosso lado, do ponto de vista da Assembleia da República e, em particular, do Grupo Parlamentar do PSD, debatemo-nos com algumas dificuldades em acompanhar V. Ex.ª ao longo da execução deste orçamento.
Concretamente, o Orçamento, ao longo do respectivo Relatório, encerra um conjunto de ideias ainda muito vagas, na sequência, muito próxima, do que foi o Programa do Governo, aprovado nesta Assembleia para o sector da saúde. No entanto, falta-nos um plano de acção concreta para 2006, uma calendarização das medidas, enfim, os instrumentos mínimos para permitir que a Assembleia da República possa acompanhar a execução e, sobretudo, aquilatar a coerência dessa execução.
Efectivamente, é no capítulo da execução e da coerência da execução deste orçamento que as principais dúvidas irão colocar-se-nos ao longo do ano de 2006.
A propósito de coerência, permita-me, Sr. Ministro, que introduza a primeira questão. Tem a ver com a gestão hospitalar e com a ideia que todos nós, nesta Câmara, tínhamos de que V. Ex.ª tencionava trilhar o bom caminho do aprofundamento da introdução de métodos de gestão empresarial nos hospitais, em consonância com o Programa do Governo, que dizia expressamente que este Governo se propunha dotar os hospitais públicos de mecanismos de gestão efectiva, prosseguindo o processo de empresarialização e em consonância, também, com aquilo a que se alude no próprio Relatório deste Orçamento quanto a esta matéria.
Porém, surpreendentemente, do Ministério a que V. Ex.ª preside, surge-nos um sinal absolutamente contrário, inusitado, já que ninguém contava estar em preparação um estudo de avaliação da eficiência dos hospitais, que, no dizer do Director-Geral de Saúde, teria sido transmitido ao Ministério, estudo esse ao qual este último não terá reagido, tendo assumido a sua paternidade, digamos, quando se trata de um estudo altamente criticável do ponto de vista técnico, mas, sobretudo, porque introduz esse sinal contrário a tudo quanto V. Ex.ª se tinha proposto executar em sede da gestão hospitalar.
Em paralelo, tanto quanto sei, está em preparação um estudo, da autoria da Unidade de Missão para os Hospitais SA. A própria Escola Nacional de Saúde Pública, recentemente, tem publicado uma opinião muito fundamentada sobre a matéria.
De repente, somos, pois, confrontados com esta ideia peregrina expressa naquele estudo. Portanto, era importante que V. Ex.ª desse um sinal a esta Câmara e ao País sobre o despropósito com que tal matéria se atravessou no panorama nacional.
Uma outra questão, também muito preocupante, especialmente porque, tanto quanto penso, tratar-se-á de matéria avocada para discussão em Plenário no âmbito do debate na especialidade deste Orçamento, é a que diz respeito ao já quase célebre artigo 8.º da proposta de lei de Orçamento.
Gostaria que V. Ex.ª escutasse as minhas palavras sem associá-las a qualquer intenção de protagonizar a defesa de qualquer interesse corporativo ou de ser porta-voz de quem quer que seja.
A redacção do artigo 8.º enferma, desde logo — e V. Ex.ª também não poderia deixar de referi-lo —, por ser absolutamente antijurídica. A proposta de artigo 8.º cria, logo em primeira mão, a perplexidade quanto a sabermos se estamos perante uma norma de aplicação geral e abstracta, aplicável, portanto, a todo um conjunto de situações não previsíveis, ou se estamos perante uma norma dirigida, concebida, arquitectada, «confeccionada» para satisfazer um capricho pessoal do Sr. Ministro da Saúde.
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Se é uma norma geral e abstracta, torpedeia directamente um dos institutos mais firmes, mais sustentados do nosso ordenamento jurídico que é o instituto da cessão de créditos. Esta norma, de uma forma muito enviesada, procura derrogar o instituto previsto no Código Civil, lei de valor reforçadíssimo, e que consigna a liberdade de cessão de créditos. Isto é, o credor é livre de ceder os seus créditos, bastando para tanto, em termos de eficácia, que notifique o devedor. Esta norma torpedeia, elimina, derroga de forma frontal este princípio.
Se se trata de uma norma «confeccionada» para atingir, em particular e em especial, uma instituição ou um conjunto de membros de uma determinada actividade económica, então, penso que, só por isso, seria motivo para a sua revogação enquanto proposta de lei a apresentar ao País, sob pena de desvio de poder, ou seja, sob pena de estarmos a servir-nos de um instrumento legal, de um instrumento orçamental, de uma proposta com força de lei, para alcançar fins que não são directamente do Estado português.
Temos muitas dúvidas — e daí a questão que vou colocar a V. Ex.ª — sobre a própria bondade económica desta medida, na perspectiva, uma vez enunciada por V. Ex.ª nesta Assembleia, acerca de ganhos extraordinários que estariam inerentes à actividade intermediária financeira da Associação Nacional de Farmácias, o tal 1,5% que pairava no âmbito desse debate e que chocaria V. Ex.ª ao ponto de ter anunciado previamente o aparecimento de uma norma neste sentido.
Sabemos que a situação dos acordos entre as farmácias e o Estado português não é de hoje, conhecemola desde, pelo menos, 1988. Mas penso que foi em 1998 que se gizou o principal acordo que visava evitar que o Estado português, de acordo com o que os tribunais então o tinham condenado, pagasse os juros de mora à taxa legal pelas dívidas em mora do Estado às farmácias.
O ano de 1998, penso, foi o momento em que se consolidou essa dívida e em que, pela primeira vez, se chegou a um entendimento no sentido de que seria perdoado ao Estado português o juro de mora legal e que este apenas teria de pagar às farmácias um juro convencional igual ou efectivamente incorrido por estas últimas no seu endividamento junto dos bancos. Creio que, basicamente, ainda é este sistema que está em vigor.
É um sistema segundo o qual, até ao segundo mês, o Estado não paga juros das dívidas que tem em relação às farmácias, entre o segundo e o quinto mês, paga o valor dos juros que as farmácias suportam junto da banca e, a partir do quinto mês, o Estado paga mais 1,5%.
A questão que coloco a V. Ex.ª é a de saber se, do ponto de vista da economia de meios e da economia do Estado, a derrogação deste acordo vigente com a Associação Nacional de Farmácias traz alguma vantagem económica para o Estado ou se a introdução desta norma visa tão-só criar condições para que o Estado português regresse ao tempo em que não pagava aos seus fornecedores.
Em resposta, V. Ex.ª considerará com certeza dois pressupostos. O primeiro é este: está o Estado português, durante o ano de 2005, a pagar algum juro suplementar — o tal 1,5% — acima dos juros bancários? Qual tem sido a média de encargos, em juros, que o Estado tem pago durante o ano de 2005? E, prevendo V.
Ex.ª, como anuncia no orçamento, que o Estado está em condições de pagar a 2,6 meses de vista em relação aos seus fornecedores, o pressuposto da mora também desaparece do cenário? Estes elementos são fundamentais para, por um lado, percebermos até onde V. Ex.ª pretende chegar com esta disposição proposta e, por outro, procurarmos entre todos encontrar, se houver vantagem económica para o Estado, uma redacção para esta norma, que não fira o ordenamento jurídico português e não torpedeie o instituto da cessão de créditos.
E veja V. Ex.ª que, no n.º 1 do artigo 8.º, os únicos negócios jurídicos aí previstos como anuláveis são aqueles que envolvem a eventual cobrança de juros convencionais. Ou seja, se esses mesmos negócios jurídicos envolverem a cobrança de juros legais, superiores e bem mais caros, já esta nulidade não ocorre.
Para nós, era fundamental que esta questão ficasse resolvida com toda a clareza.
A quarta questão tem a ver com a perspectiva em sede de recursos humanos na saúde. Alude-se, na proposta de lei de Orçamento e no seu Relatório, a um conjunto de transformações, anunciadas pelo Sr. Ministro da Saúde, em sede de reorganização dos serviços das administrações regionais de saúde, da extinção das sub-regiões de saúde e da transformação dos hospitais em entidades públicas empresariais. Todas estas transformações anunciadas por V. Ex.ª, de acordo com o Relatório do Orçamento, prevêem a constituição de excedentes de pessoal, em relação aos quais seria necessário introduzir reorientações profissionais.
Permita-me V. Ex.ª que lhe pergunte o que tem previsto em sede desta reorientação profissional, qual será a dimensão destes excedentes, qual a sua origem, o seu destino e de que meios orçamentais V. Ex.ª dispõe.
Uma outra questão, que não ficou bem explicada, nem está explicada no Relatório do Orçamento, tem a ver com a diminuição drástica das verbas destinadas ao investimento do Estado, ao ponto de se colocar em dúvida a manutenção da qualidade dos próprios serviços e haver o risco da diminuição da performance desses serviços.
E, em sede de investimento do Estado, há um caso concreto, que mereceria a atenção da parte deste grupo parlamentar e da parte de V. Ex.ª e que tem a ver com o hospital de Vila Nova de Gaia, uma promessa de V. Ex.ª, no sentido de que este hospital seria uma realidade já em 2009, ou seja, dentro de quatro anos. Tratase de um projecto em parceria público-privada, que, em princípio, não acarretaria grandes encargos para o Estado, a não ser na fase de estudo ou na fase de concepção e projecto, uma vez que libertaria terrenos que, em termos de mercado, permitiriam a realização dos fundos necessários à sua construção ou, pelo menos, à contrapartida estadual.
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Ainda em matéria de investimento, não sei se V. Ex.ª já tem previsto qual é a quota-parte de rateio que, ao Ministério da Saúde, caberá nesta verba de não mais de 200 milhões de euros, prevista no n.º 4 do artigo 22.º, de transferência de verbas para as autarquias, em sede de contratos-programa, uma verba global que este Governo resolveu reter para fins bem específicos dos diversos ministérios, penso, e que, com certeza, não deixará também de caber, em alguma quota-parte, ao Ministério da Saúde.
Coloco duas últimas questões, para abreviar. Uma tem a ver com os incentivos à indústria farmacêutica de base nacional, que V. Ex.ª inseriu neste programa já para 2006, mas, mais uma vez, não concretizando em que é que estes incentivos se consubstanciarão.
Finalmente, gostaria que nos esclarecesse sobre o que se passa com o plano de combate à toxicodependência, uma vez que há algum discenso entre declarações do Presidente do Instituto e aquilo que V. Ex.ª tem anunciado — e discenso em termos de tempo, pois um anunciou que, em Outubro, já tínhamos o plano cá fora e V. Ex.ª diz que, eventualmente, só dentro de algumas semanas. Ora, gostaria de saber como estão as coisas e se se confirma, nomeadamente, que, da verba global afecta ao combate à toxicodependência, apenas 6% dessa verba está adstrita à prevenção da toxicodependência.
Por ora, é tudo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, quero aproveitar para, uma vez mais, saudar o Governo pela apresentação desta proposta de lei de Orçamento do Estado, que, tendo conseguido uma convergência de opiniões a nível tanto dos princípios como das medidas propostas, constitui já uma referência como a proposta de Orçamento mais elogiada das últimas décadas.
É, pois, no mínimo, estranho que isso não se traduza no sentido de voto.
Sr. Ministro, o défice do nosso Serviço Nacional de Saúde tem sido apontado como uma doença crónica, incurável, e todos sabemos que as doenças crónicas, sem controlo, se tornam devastadoras.
Pela primeira vez, a saúde tem o dinheiro que prevê gastar. Em relação ao Orçamento inicial, de 2005, haverá um aumento de 30,8% das verbas para o Serviço Nacional de Saúde. As verbas previstas são correspondentes às necessidades de um ano, pelo que o Orçamento rectificativo apenas serviu para corrigir a suborçamentação do Serviço Nacional de Saúde.
É, portanto, um orçamento com um grande grau de exigência, que vai regenerar o Serviço Nacional de Saúde e impedir a catastrófica evolução do défice.
A gestão das estruturas de saúde, a todos os níveis, tem de recorrer aos instrumentos modernos de planeamento e de avaliação de resultados, com um apertado controlo de execução e cruzamento de dados.
Milhares de doentes consomem tempo, dinheiro e energias em medicamentos sem eficácia comprovada, e o Estado financiava este esbanjamento de recursos com milhões de euros por ano.
Este orçamento introduz um factor inovador que vai trazer estabilidade e tranquilidade ao Ministério da Saúde e aos fornecedores externos. Não se trata de um capricho do Sr. Ministro da Saúde; trata-se de incluir uma norma que permitirá ao Estado contratar, através de concurso público ou procedimento por negociação, processos de intermediação financeira, envolvendo instituições de crédito ou sociedades financeiras que garantam o pagamento atempado dos créditos decorrentes do fornecimento de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e demais serviços de saúde a fornecedores externos do Serviço Nacional de Saúde.
Este novo regime constitui outra evidência da verdade deste orçamento e o PSD não está habituado a lidar com a verdade — o problema é mais esse.
Portanto, Sr. Ministro, visto que este se trata de um debate na especialidade, não me vou alongar e pedialhe só que nos esclarecesse, com os dados de que dispõe, sobre o alcance desta medida, que rompe com vícios tão antigos do Ministério da Saúde.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretário de Estados, Srs. Deputados: Quero colocar algumas questões, tendo em conta que este é um debate na especialidade. De resto, no debate na generalidade, o Sr. Ministro fez questão de lembrar que algumas matérias teriam de ser respondidas na especialidade e, por isso, vamos voltar a colocá-las. Mas mais algumas, que não tendo sido colocadas, se justificam agora, pela sua especificidade.
Em primeiro lugar, quero referir que, olhando para os dados que nos são enviados pelo Ministério da Saúde, o mínimo que se pode dizer em relação a algumas parcelas de despesa é que elas são muito optimistas.
Um exemplo é quando se refere o facto de o crescimento normal esperado dos medicamentos ser exactamente aquele que o Governo, com as medidas na área dos medicamentos, espera poupar. Enfim, é uma coincidência demasiado coincidente para a realidade a comportar. Mas admitamos que assim é e trabalhemos neste momento com esses dados.
Importa lembrar ao Governo, que apresenta um orçamento com sérias restrições no que diz respeito ao investimento, o qual decresce 25%, e com a ideia, que não corresponde à realidade, de que há verbas sufi-
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cientes, que uma coisa é haver uma aproximação daquilo que é o orçamento real da saúde e outra é, pelo facto de se equiparar o orçamento para 2006 ao inicial mais o rectificativo de 2005, concluir por aí que as verbas serão suficientes, porque o inicial mais o rectificativo de 2005 não foram suficientes para muitas instituições, como está bem de ver (basta visitar algumas e ver as notícias que daí vêm) e o Sr. Ministro e os Srs.
Secretários de Estado sabem.
De toda a forma, para podermos também avaliar a despesa em 2006, uma vez que finalmente começa a haver dados mais fidedignos daquilo que tem sido a desagregação da despesa dos hospitais SA, gostaríamos de saber da despesa que está prevista para hospitais SA, isto é, inscrita em matéria de aquisição de serviços para 2006, como é que ela se desagrega em despesas com pessoal, em mercadorias e material de consumo, designadamente produtos farmacêuticos e outros materiais, em subcontratos, produtos farmacêuticos, meios de diagnóstico. Isto, para que tenhamos uma previsão, que certamente o Ministério tem, apesar da autonomia dos hospitais SA, da globalidade do universo SA para 2006, nos mesmos termos em que temos, apresentado pelo Governo, para os hospitais que continuam a integrar o sector público administrativo no Serviço Nacional de Saúde. Isto é muito importante e será cada vez mais importante à medida que o Governo for transferindo para esta modalidade diversa, para fora do sector público administrativo, estes hospitais SA ou SPA, ou a globalidade dos hospitais, que é o que se propõe fazer.
Era muito importante que o Governo nos explicasse como é que compatibiliza a verba que tem inscrita na despesa com pessoal para 2006 com a verba inscrita em outros serviços de saúde, em aquisição de serviços de saúde, que são os hospitais SA. Coloco esta questão, pelo seguinte: se o Governo prevê transferir vários hospitais do sector público administrativo para EPE (não se sabe quantos nem quais), no ano de 2006, então estas verbas estão aqui previstas meramente em função da realidade actual, que não há-de ser a realidade de 2006! E era muito importante que soubéssemos qual vai ser a realidade em 2006, caso contrário estamos aqui a aprovar um orçamento e a funcionar com base em normas que apenas vigoram até ao final do ano e que não se aplicam ao ano de 2006.
Pelo menos, o Governo terá uma previsão para adequar estas rubricas em função do número de hospitais que admite vir a passar para EPE de entre os que actualmente integram o sector público administrativo.
Já agora, gostava de referir que há uma divergência entre os mapas que o Ministério aqui nos distribuiu, no que se refere à aquisição de outros serviços de saúde. No global dos orçamentos privativos, nos fundos e serviços autónomos, a verba das aquisições de serviços é de cerca de 5200 milhões de euros, mas depois aparece-nos uma verba substancialmente diferente para os hospitais SA, que é de apenas 1770 milhões de euros, sensivelmente. Portanto, há uma diferença muito grande entre o que está previsto nos mapas que nos foram fornecidos pelo Ministério, designadamente no Quadro III, e o que consta dos orçamentos privativos, nos fundos e serviços autónomos da saúde em relação à aquisição de serviços.
Gostaria, pois, que essa diferença fosse justificada.
Além do mais, bem podia considerar-se (também pensei nisso) que a primeira verba corresponderia à totalidade dos subcontratos, que inclui não só os hospitais SA como os meios de diagnóstico e os produtos farmacêuticos – Mas nem isso! Porque, mesmo assim, a diferença entre 4390 milhões de euros e 5208 milhões de euros é de quase 800 milhões de euros, grosso modo. Esta é, de facto, uma diferença muito grande e estamos a falar de mapas importantes que integram o Orçamento do Estado. Portanto, esta questão tem de ser clarificada.
Uma outra questão tem a ver com as taxas moderadoras, que têm um considerável aumento no Orçamento do Estado para 2006.
Vejamos: no Mapa I do Orçamento, que diz respeito às receitas dos serviços integrados, onde não havia verba prevista para as taxas moderadoras, existem agora 11 000 €. Mas essa não será uma diferença muito significativa – estes dados estão na primeira página do Mapa I.
O mais importante é que no Mapa VI (receitas dos serviços e fundos autónomos), as taxas moderadoras aumentam de 39 641 000 € para 43 267 357 €, isto é, mais 3,6 milhões de euros, um aumento de 9,1% de taxas moderadoras em serviços e fundos autónomos (nos hospitais, basicamente).
Gostaria de saber a que se deve este aumento de 9,1% na projecção de cobrança de taxas moderadoras para o ano de 2006, porque não é possível admitir que configure apenas uma melhor cobrança! Também podemos supor que haja alguma alteração nas taxas moderadoras que justifique esta previsão de receita acrescida.
Por outro lado, no Programa Plurianual de Redução da Despesa Corrente, altera-se a majoração de 25% nos medicamentos. O Governo não respondeu, não disse, em sede de discussão na generalidade, como nem quando pretendia fazer esta alteração, mas penso que estando ela anunciada no próprio Relatório do Orçamento do Estado, o Governo tem o dever de dizer-nos quando e como vai diminuir esta majoração de 25% que existe hoje para os medicamentos, porque isso é significativo! Pode traduzir-se num aumento, não direi exponencial mas significativo, dos gastos dos utentes – dos que estão abrangidos por esta norma – com os medicamentos.
Outra questão a que o Governo não respondeu em sede de discussão na generalidade, e que remeteu para a especialidade, tem a ver com as verbas a transferir para o Hospital Amadora-Sintra e para o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa. Penso que seria muito importante que o Governo clarificasse este ponto –
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certamente sabem qual é a previsão de entrega a qualquer um destes hospitais, mediante os acordos que estão assinados com a gestão de cada um deles. Portanto, o Governo deve poder dizer-nos, aqui, qual será o valor dessa entrega e qual a diferença em relação ao ano anterior.
Quanto às parcerias público-privadas, o Governo, mais uma vez, não adiantou na generalidade, remetendo para a especialidade, como justificava o aumento para quase o dobro das verbas previstas para o novo hospital de Loures. De facto, a maioria das propostas que inicialmente surgiu estava acima do «comparador público», mas agora aparece uma verba, proposta pelo próprio Governo, pelo Estado, também bem acima do «comparador público». E não há justificação alguma visível para esta alteração, a não ser aquela que todos podemos estar a ver mas que não queremos acreditar! Portanto, queremos saber se foi alterado o «comparador público». Se não foi, como é que se compatibiliza a obrigação de que o que o Estado põe a concurso está de acordo com o «comparador público» com este aumento de verbas que não tem justificação no Relatório, nem no Orçamento do Estado, nem no que nos foi dito até agora? Também não ficou claro como se justifica que, a meio do contrato da entrega dos hospitais às parcerias público-privadas, haja uma quebra substancial das verbas a transferir para os privados. Na altura em que o meu colega Eugénio Rosa fez esta pergunta, o Sr. Ministro não pôde responder. Mas não há dúvida de que, a partir do meio desse contrato, há uma quebra para valores abaixo do que é transferido nos anos anteriores que precisa de ser justificada. Não compreendemos por que é assim, nem qual é a justificação desta alteração.
Ainda relativamente às parcerias público-privadas, coloco uma questão que tem a ver com a sua relação, o seu estatuto perante o Serviço Nacional de Saúde.
O governo anterior disse uma vez, e nunca o desmentiu – portanto, depreendemos que era verdade –, que estes hospitais não integrariam o Serviço Nacional de Saúde, antes prestariam um serviço ao Serviço Nacional de Saúde.
Gostaria agora de saber qual é a óptica deste Governo em relação a esta matéria. Se considera que os hospitais entregues às parcerias público-privadas integrarão o Serviço Nacional de Saúde, então explique-nos como se processa essa integração e que mecanismos existirão para que essa integração seja efectiva.
Quanto aos novos hospitais SA, ainda a concretizar em 2005, com as verbas para constituição de capital social – os falados Hospital de Santa Maria e Hospital de São João –, gostaria de saber se, com estes hospitais, também vão celebrar-se contratos-programa e se as verbas resultantes dos contratos-programa serão, ou não, bastante superiores ao que tem sido transferido anualmente.
Pelo menos, há a convicção do Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, expressa numa entrevista, de que se houver um contrato-programa, este Hospital terá direito a uma verba muito superior à que tem sido transferida para as despesas correntes, e que, julgo, este ano acabou em Fevereiro ou Março –o que é, aliás, muito significativo da gestão suborçamentada que se tem feito na saúde, nos últimos anos.
Gostaria ainda de saber o que o Governo tem previsto (questão que também não foi respondida em sede de discussão na generalidade) em matéria de subcontratação de serviços. Isto é, qual é a orientação que o Governo dá aos hospitais SA no sentido de procurarem, ou não, que vários dos seus serviços sejam concessionados ou subcontratados a entidades externas. Define como orientação a procura dessas subcontratações, dessas concessões da radiologia, da imagiologia, das urgências, da anatomia patológica, do que seja!, a entidades externas ou, ao invés, como julgamos que é adequado, contraria essa orientação, no sentido de manter e de preservar um bom funcionamento público, de gestão pública destas unidades? Esta é a forma de não termos uma unidade que continua a ser pública porque o seu capital social continua a ser exclusivamente público mas que, depois, tem na base uma série de concessões privadas que faz com que a prestação seja, afinal, mais privada do que pública na sua lógica de gestão.
Gostaria, também, que o Governo nos explicitasse, em relação às dívidas ao Serviço Nacional de Saúde, qual é o estado actual delas e como se desagregam, designadamente taxas moderadoras, seguradoras e subsistemas. Essa desagregação é importante para analisarmos a evolução dos últimos anos, especialmente no que diz respeito às seguradoras, que é sempre uma matéria em que há maior curiosidade – penso que havia um quadro que já se referia a essa matéria, mas já vou verificar qual era dúvida em concreto.
Para já, ainda em relação aos mapas que nos foram distribuídos, parece-nos haver uma divergência entre os mapas apresentados na lógica da contabilidade nacional e os anteriores na apresentação tradicional.
Desde logo, pelas contas que fizemos, se pegarmos no saldo acumulado negativo que está estabelecido para 2003 – 2414 milhões de euros – e lhe formos somando ou diminuindo, conforme sejam os saldos que o Governo prevê para os anos seguintes, chegamos à previsão para 2006, e não nos parece que o saldo acumulado seja aquele que o Governo prevê, isto é, 1103 milhões de euros. Será, sim, um saldo acumulado (sempre tomando como base os dados do Governo, de um mapa e de outro) de 3274 milhões de euros! Porque se pegarmos na verba que está prevista para 2003 e lhe formos somando os défices do exercício de 2003, 2004, 2005 e a previsão para 2006, o valor é muito diferente daquele que o Governo apresenta, o que gostaria de ver explicado.
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Também em relação ao défice de exercício para 2006, temos no Quadro II do mapa que o Governo nos apresenta (nos papéis que nos entregaram antes da última reunião) uma previsão de zero no que diz respeito aos saldos de gerência dos serviços, do Serviço Nacional de Saúde.
Ora, sempre há uma previsão, mesmo que residual, de alguma verba nesta matéria. E se tomarmos em linha de conta o que está previsto para 2005, admitindo que seja um valor aproximado ao que será necessário para 2006, então o défice de exercício não será de 136 milhões de euros mas de cerca de 250 milhões de euros, grosso modo.
Como o Sr. Secretário de Estado nos disse que estes 136 milhões de euros correspondiam a três meses dos pagamentos e, portanto, significavam uma dimensão de boa gestão, mais do que triplicando essa verba, já estaremos um pouco além dessa boa gestão! Em todo o caso, gostaria que nos explicasse qual é a razão desta divergência.
Ainda em relação à transformação dos hospitais SPA, seja em sociedades anónimas seja em entidades públicas empresariais, é de salientar que o Governo – o que já fizemos no debate na generalidade – nomeou uma comissão para estudar a experiência destes hospitais SA, mas entretanto já decidiu que este esquema, agora em EPE, vai continuar a ser alargado. É um pouco antecipar a conclusão da comissão com a decisão política. Mas esse ponto já foi debatido noutro momento.
O que é curioso é que estive a ler um relatório do grupo de trabalho sobre indicadores de monitorização de hospitais, hospitais SA e centros de saúde, da Direcção-Geral de Saúde, numa perspectiva de melhoria de gestão da direcção, que, a páginas tantas, nas conclusões, refere que ao comparar os hospitais EPE, incluindo aqui os SA e os SPA com as mesmas características, classificados no âmbito do mesmo grupo e convenientemente homogeneizados, verifica-se que, apenas com algumas excepções, não são os hospitais EPE os mais eficientes.
Depois dá vários exemplos, dentro dos diversos grupos homogeneizados, acabando este grupo de trabalho por concluir que, afinal de contas, mesmo com todos os constrangimentos que os sucessivos governos deixaram nos hospitais SPA, e que não têm razão de existir, e não é preciso transformá-los em empresas públicas para que eles sejam eliminados, este grupo de trabalho acaba por concluir — penso que a conclusão merece alguma credibilidade — estes hospitais continuam a ser os mais eficientes e não os que estão empresarializados.
Quanto ao artigo da proposta de lei do Orçamento do Estado que refere o congelamento das admissões na função pública, gostaria de saber qual é o efeito que esta medida vai ter na saúde. A saúde vai aplicar estritamente esta norma de congelamento das admissões na função pública ou vai assumir que a partir de agora, na saúde, vai passar a vigorar o contrato individual de trabalho? Isso não conta para este congelamento de admissões na função pública? Como sabemos, na saúde faltam profissionais, não sobram, sendo necessário contratá-los. Alguns desses profissionais têm vínculos precários e precisam de ver o seu vínculo estabilizado para poderem desempenhar com mais qualidade e mais segurança o seu trabalho.
Portanto, uma norma como esta aplicada à saúde — também é aplicada à restante Administração Pública — é gravosa e tem consequências sérias na qualidade da prestação dos cuidados pelos serviços e na sua estabilidade, já não falando na estabilidade dos profissionais e no seu direito a um vínculo certo. Gostaria de saber o que irá acontecer e se os SA ou os EPE estão abrangidos por esta norma ou se nesses casos não há essa restrição.
O artigo 71.º da proposta de lei do Orçamento também fala numa matéria que diz respeito ao pagamento da assessoria à Parpública — Participações Públicas, SGPS, SA para as parcerias público-privadas. Este pagamento tem um valor de 1,2 milhões de euros. Gostaria, pois, de saber quanto é que foi utilizado nas parcerias público-privadas da saúde, se tiveram a assessoria da Parpública e como é que entra aqui a assessoria privada que também funcionou em relação aos hospitais SA. Aliás, uma das entidades que prestou assessoria na elaboração do caderno de encargos também está agora do lado dos concorrentes, como todos sabemos, o que não abona a favor da transparência e da boa gestão pública. Mas isso são «contas do rosário» do governo anterior.
Ainda quanto aos hospitais EPE, o Governo autorizou a Assembleia da República, autorização essa pouca rigorosa em termos técnico-jurídicos, a permitir que os hospitais EPE indiquem e enviem funcionários para o quadro de supranumerários. Será que o Governo está a prever que haja excedente de pessoal nos hospitais que hoje são SA, e passarão a ser EPE, e nos que hoje são SPA, e passarão a ser EPE, para enviar para o quadro de supranumerários ao ponto de nem sequer manter esta função junto do Ministério da Saúde, delegando-a nos hospitais, cada um por si? É que, supostamente, nesta lógica terão imensa gente para mandar para os supranumerários, porventura para depois contratar outros com um vínculo precário. Isto é, vai suprir as necessidades do pessoal que entretanto vai para os supranumerários com profissionais e trabalhadores com vínculo precário e com um desempenho de trabalho e funções em piores condições.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Governo e o Partido Socialista têm qualificado a sua proposta de lei do Orçamento do Estado com alguns epítetos. Começam por dizer que é
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um Orçamento de verdade, de seguida dizem que é um Orçamento de verdadeira consolidação orçamental, seguidamente que é um Orçamento de rigor e contenção, depois que é um Orçamento com prioridades e, finalmente, que é um Orçamento que combate a fraude e a evasão fiscais.
Aliás, esta foi a «minuta» que tem constado em todos os relatórios aprovados nas comissões para que o Orçamento pudesse ser presente ao Plenário e aprovado na generalidade.
Contudo, quando falamos de um Orçamento de verdadeira consolidação orçamental há uma observação que gostaria de fazer. Este Orçamento tem um aumento de 30% em relação ao Orçamento inicial de 2005 e foi reconhecido no âmbito das audições, aqui mesmo, que esse Orçamento, apesar desse aumento, continuava a ser deficitário em mais de 100 milhões de euros. Portanto, quando falamos em verdadeira consolidação orçamental estaremos provavelmente a falar numa consolidação orçamental q.b. (quanto baste).
No que diz respeito ao rigor e contenção, e face ao panorama geral do Orçamento do Estado para 2006, não me parece que exista contenção no orçamento para a saúde. Aliás, é na saúde que se verifica o tal aumento de 30%, o que, evidentemente, atribui uma responsabilidade ao Governo. É que, no fundo, foi colocada aqui a questão de que, em 2005, no Orçamento rectificativo se tinha procurado regularizar a dívida acumulada e o subfinanciamento do orçamento para a saúde.
Ora, já tem sido dito sucessivamente que na área da saúde temos um problema de organização, mais do que falta de meios financeiros. Inclusivamente, foi dito várias vezes por antecessores do Sr. Ministro que não era «despejando» mais dinheiro na saúde que se resolvia o problema do Orçamento do Estado.
Assim, quando olhamos para o relatório do Orçamento do Estado, que refere a reorganização do Serviço Nacional de Saúde através da generalização dos hospitais EPE, da contratualização, da política do medicamento — algumas matérias já foram discutidas aqui na Assembleia, nomeadamente o fim da bonificação dos genéricos, a redução do preço de medicamentos, a liberalização dos preços dos medicamentos, enfim o que quer que seja que isso venha a significar, bem como as novas farmácias e a venda de medicamentos fora das farmácias —, a verdade é que estamos todos a falar de medidas que já avançaram, mas cujos resultados ainda não são avaliáveis neste momento, ou de medidas que ainda não estão postas em prática.
Ora, a questão fundamental é a seguinte: para que este seja um Orçamento de verdade a principal preocupação será a sua execução. Ou seja, para que este Orçamento seja verdadeiro é necessário que a sua execução seja igualmente verdadeira.
Essa é a principal responsabilidade que o Sr. Ministro tem «sobre os seus ombros». Efectivamente, durante as audições, o Sr. Ministro assumiu aqui que este era um Orçamento de verdade. Isso significa que o Sr.
Ministro vai ter de provar que, ao contrário do que tem sido dito sucessivas vezes por antecessores seus (quanto mais dinheiro se dá para a saúde mais dinheiro é gasto), com todas estas medidas conseguirá gastar exactamente aquilo que se propôs gastar, mais o tal défice que o Sr. Ministro reconhece logo à partida que existe e que me levou a fazer aquela observação inicial.
Posto isto, há algumas questões que gostaria de colocar.
No que diz respeito à área de Lisboa, verificamos que para os hospitais de Loures, Cascais e Vila Franca de Xira o que está previsto é zero! Nada vai suceder no próximo ano ou qual é o ponto da situação em relação a esses hospitais? Relativamente à venda de medicamentos fora das farmácias, uma medida emblemática do seu Governo, foram públicas e constatadas na comunicação social as dificuldades com a respectiva distribuição. O Sr.
Ministro tem alguma informação adicional para que fiquemos mais esclarecidos ou quiçá mais tranquilizados em relação a esta matéria? Finalmente, para que possamos ficar tranquilos com aquele que é um Orçamento com prioridades, seria necessário, sem dúvida, que, para além do elenco de todas as dificuldades que existem no sector da saúde, tivéssemos a certeza de quais são as matérias em relação às quais o Sr. Ministro tenciona fazer contenção orçamental, uma vez que não está suficientemente identificado.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, já tivemos oportunidade de referir anteriormente que este orçamento para a saúde deve ser entendido essencialmente como um instrumento de uma política escolhida pelo Governo para o sector da saúde. O Sr. Ministro e o Governo têm dito que este é um Orçamento de verdade. Aliás, penso que a estratégia de propaganda passou bem até para a opinião pública.
Ora, se é verdade que pela primeira vez temos uma tentativa de não fazer uma suborçamentação no sector da saúde, como tivemos oportunidade de discutir noutro momento, durante o debate na generalidade, ele não deixa de ser um Orçamento sonhador, que prevê que haja crescimento «zero» nos gastos com meios complementares de diagnóstico terapêutico, com os produtos de venda em farmácia. Enfim, já tivemos oportunidade de discutir esta matéria.
Para apressar o andamento dos trabalhos, o Deputado Bernardino Soares fez aqui uma análise exaustiva dos mapas orçamentais para o sector da saúde. Foi colocado um conjunto de perguntas que me parecem importantes, pelo que me vou escusar de as voltar a repetir.
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Portanto, vou dedicar-me às questões centrais da política seguida pelo Ministério e das notícias que têm vindo a público. Vou, pois, concentrar-me nas escolhas fundamentais do Orçamento do Estado enquanto instrumento de uma determinada política.
Sr. Ministro, nós vivemos nos últimos dias os últimos episódios daquilo a que se chama a «crise dos SA» ou a «SAgate», que é aquilo que já acontece hoje em Portugal. O relatório oriundo da Direcção-Geral de Saúde veio expressar aquilo que vária vozes vinham dizendo, ou seja, que o modelo de gestão empresarial empregue nos SA não gera mais eficiência, nem gera mais qualidade. E, para além da questão da eficiência e da qualidade, temos também a percepção de que tem havido um delapidar do capital inicial dos hospitais SA, pois há, como sabe, um défice acumulado de 439 milhões de contos em quatro anos e há, por parte da Comissão Europeia, as maiores dúvidas quanto à forma como foi capitalizada a criação dos hospitais SA, como forma de arranjar estratagemas e engenharias financeiras, de modo a reduzir o défice.
Como tal, Sr. Ministro, no debate do Orçamento do Estado, não posso deixar de lhe perguntar como é possível que o Ministério mantenha a estratégia de avançar com novas empresarializações, com uma nova aplicação do modelo de gestão, que, segundo tudo indica, não é o mais eficiente, continua a ser gastador, gera dificuldade na percepção e na transparência das contas e não é, sequer, compreensível, justo e sério na forma como se faz a aplicação dos dinheiros na gestão dos défices dos hospitais. Esta era a primeira questão que queria colocar-lhe.
A segunda questão, que também já lhe foi colocada, mas eu gostaria de obter alguma clarificação mais específica, tem a ver com a cobrança de receitas por parte do Serviço Nacional de Saúde. Sabemos que há um conjunto de dívidas acumuladas por parte dos subsistemas, das seguradoras e dos privados e há indicações de que, em particular por parte das seguradoras, os contratos com o Serviço Nacional de Saúde têm, na expressão do Dr. Manuel Delgado, «formas subtis» de protelar os pagamentos. Pergunto: qual é a estratégia do Ministério no que toca a esta matéria? A terceira pergunta tem a ver com algo que ficou relativamente claro após a discussão na generalidade que aqui tivemos na semana passada, ou seja, a estratégia seguida pelo Governo para a saúde. Ora, esta é uma estratégia de contenção não só de despesa mas também de produtividade. A portaria que foi assinada pelo Sr. Secretário de Estado vem mostrar-nos claramente que a vontade de travar os custos por parte do Serviço Nacional de Saúde é feita através da travagem da produção. E, se temos em Portugal um problema de acesso aos serviços de saúde, se temos um problema de tempos de espera no Serviço Nacional de Saúde, devo dizer que é incompreensível a portaria que o Governo emitiu no sentido de reduzir a produtividade dos hospitais.
A quarta pergunta é quase uma questão de tira-teimas. Tivemos, no último mês, quatro ou cinco debates sobre a política de medicamentos aqui, na Assembleia da República, e o Bloco de Esquerda tem vindo a dizer que há uma estratégia por parte do Governo no sentido de reduzir os custos do Estado e de os transferir para os utentes. Agora, penso que já não é apenas o Bloco de Esquerda a ter esta noção, porque na 9.ª Conferência Nacional de Economia da Saúde houve uma interessante comunicação feita por um conjunto de investigadores do Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia que contém, muito claramente, um conjunto de números e de estimativas que eu gostava de partilhar convosco.
Assim, com as alterações nas comparticipações nos medicamentos, as reduções de preços e todas as medidas que foram tomadas pelo Governo em Setembro de 2005, estima-se: quanto a medicamentos genéricos, que os utentes poderão gastar mais 4,2 milhões de euros/trimestre (um acréscimo de mais 29,6%) e que o Serviço Nacional de Saúde e os subsistemas menos 6,7 milhões de euros/trimestre (menos 17,5%); quanto a medicamentos comparticipados pelo Escalão A, que o impacto global seja de 1,6 milhões de euros/semestre de encargos adicionais para os utentes (mais 48,9%) e que haja um decréscimo de 8,1 milhões de euros/semestre para o Serviço Nacional de Saúde e para os subsistemas. A conclusão diz o seguinte: «As recentes medidas legislativas, no âmbito da redução de preços e da alteração dos escalões de comparticipação de medicamentos, irão traduzir-se numa poupança para o SNS e os SS, mas com um impacte negativo para os utentes (aumento da despesa) para os medicamentos com pedido de isenção de redução de preço, os medicamentos genéricos e os medicamentos comparticipados pelo Escalão A».
O Sr. Presidente: — Para responder em bloco às questões colocadas, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, se me autorizar, à medida que se mostrar necessário, recorrerei ao auxílio dos Srs. Secretários de Estado para completarem as respostas.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Ministro.
O Orador: — Muito obrigado.
Srs. Deputados, antes de começar a responder à primeira pergunta feita pelo Sr. Deputado Carlos Miranda, que até foi colocada por três pessoas, vou fazer uma pequena estatística das questões que me foram colocadas: o Sr. Deputado Carlos Miranda fez-me 7 perguntas, a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos
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2, o Sr. Deputado Bernardino Soares 19, o Sr. Deputado António Carlos Monteiro 6 e a Sr.ª Deputada Ana Drago 5. E peço que me ajudem a gerir esta manta de informação e que nos chamem a atenção se faltar a resposta a alguma destas perguntas.
Sr. Deputado Carlos Miranda, começo pela empresarialização e pelo estudo de avaliação da eficiência dos hospitais, que, de acordo com o Sr. Deputado, será contrário à corrente do jogo e vem a despropósito. Bom, para si, o estudo vem a despropósito, mas para os Srs. Deputados do PCP e do Bloco de Esquerda o estudo é um «maná celestial»…
Risos do PS e do PCP.
… para as políticas que defendem. Logo, nada mais natural que uns fiquem preocupados e outros satisfeitos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o Governo?
O Orador: — E, como uns ficam preocupados e outros satisfeitos, achamos bem que este estudo tenha vindo a lume. Este é um estudo interno feito Direcção-Geral de Saúde e, se tiverem a curiosidade de consultar alguns «blogues» sobre esta matéria, verificarão que está já a ser muito criticado pela sua metodologia. Não vou aqui falar das críticas a essa metodologia, vou apenas dizer que o papel do Governo nesta matéria é o de propiciar a discussão.
Este estudo está cá fora, e não vou comentar a forma como ele apareceu na página da Direcção-Geral de Saúde — e ainda bem que apareceu —, mas temos mais dois estudos «para a troca», um que, como sabem, está anunciado há muito tempo e que versa sobre os hospitais SA, e será apresentado até ao fim do ano pela equipa independente conduzida pelo Professor Miguel Gouveia, e um outro que nem conheço, apesar de ser feito por gente da minha universidade, da minha escola, que avalia o desempenho dos hospitais SA, um memorando com resultados provisórios, datado de 14 de Novembro de 2005, que foi exactamente ontem. É natural, portanto, que até venham a existir outros estudos.
A posição do Governo nesta matéria é a de aguardar serenamente estes estudos e a sua análise para, depois, podermos conversar. É muito bom que os estudos estejam disponíveis, pelo que vamos pedir que o estudo da Escola Nacional de Saúde Pública fique disponível na sua página da Internet, se ainda lá não estiver, e também iremos colocar à disposição de todos o estudo da «Comissão Miguel Gouveia», logo que o tivermos, porque a transparência nestas avaliações é absolutamente essencial. Ninguém pode ter o monopólio da verdade nesta matéria. É preciso ter uma visão crítica sobre os estudos, o que já se está a fazer com grande visibilidade em relação ao documento referido por vários Srs. Deputados.
Quanto ao artigo 8.º da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006, o Sr. Deputado Carlos Miranda classificou esta matéria com uma série de epítetos gravíssimos, como se esta fosse uma norma confeccionada, antijurídica, um capricho do Ministro da Saúde, que torpedeia o Instituto de Gestão de Créditos, etc., etc.
Quero dizer-lhe que, pelo muito respeito que me merece o Sr. Deputado, não ponho em causa, minimamente, a sua independência de julgamento nesta matéria, pois certamente terá lido, como os Srs. Deputados leram, o extenso documento que a Associação Nacional de Farmácias fez chegar a VV. Ex.as e também a mim — aliás, até outros colegas meus do Governo o receberam e alguns deles mo remeteram, pelo que, neste momento, já tenho uma pilha de documentos iguais em cima da minha mesa —, e, portanto, não tomo os seus comentários como bebendo da opinião da Associação Nacional de Farmácias mas apenas como uma opinião muito legítima e muito séria.
Todavia, creio que não leu bem o artigo, porque se o tivesse feito, percebia que não há qualquer discriminação em função dos créditos. Trata-se dos créditos sobre todas as entidades públicas que integram o SNS por serviços de venda de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e outros serviços de saúde. O diploma atinge, assim, a generalidade dos serviços de saúde e prestações privadas a utentes do SNS.
Por outro lado, no que respeita a medicamentos, também não entendo por que é que o Sr. Deputado se refere à Associação Nacional de Farmácias como sendo a queixosa, uma vez que há outras entidades que são e podem ser credoras do SNS e que não são representadas pela Associação Nacional de Farmácias — lembro apenas a Associação das Farmácias de Portugal. E gostaria muito que também tivesse tomado a peito a defesa da Associação das Farmácias de Portugal.
Trata-se de um sistema geral e abstracto e, mais do que isto, é um sistema que regulariza uma prática irregular. Porquê? Porque é um sistema que cria uma norma habilitante para a celebração de contratos no âmbito das dívidas do Serviço Nacional de Saúde e que não existia. Nós, através deste artigo, preferimos o procedimento concursal, em razão de critérios de economia, de eficiência e de transparência. Contudo, se VV. Ex.as entendem que sobre o procedimento concursal deve prevalecer o procedimento de considerar uma entidade patronal como intermediária de gestão financeira, lamento, mas este não é o nosso ponto de vista, nem me parece, sequer, que ele seja de defesa do interesse público. Não estou a imaginar os bancos a venderem medicamentos, tal como não me parece que uma associação patronal de organizações de venda a retalho deva fazer intermediação financeira, obtendo com isto lucros consideráveis, como toda a gente sabe, que não são taxados. É que a intermediação financeira ainda paga impostos, esta intermediação nem isto paga. Por-
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tanto, quer no esquema de valores últimos, quer no esquema formal, não temos qualquer problema nesta matéria.
Mas fomos mais longe, pois não nos bastava uma norma habilitante. Considerámos que deveríamos ter uma norma habilitante com a exigência adicional da intervenção do Ministro de Estado e das Finanças. Por que é que esta exigência adicional se justifica? Por três razões: por controlo orçamental, por defesa do mercado e dada a natureza das partes envolvidas nos negócios de sub-rogação de créditos por terceiros. Estamos a falar de intermediação financeira, pelo que não fazia sentido não ter o Ministério das Finanças no meio da questão.
Não temos, portanto, qualquer problema com esta legislação e, de resto, se tivéssemos oferecíamos o merecimento dos autos. Isto é, há sempre forma de requerer a inconstitucionalidade, e seria sempre possível fazê-lo, a todo o tempo, pelas entidades competentes.
Quanto à questão dos recursos humanos e à reorganização, e na proposta de lei do Orçamento fala-se realmente nisto, na extinção das sub-regiões, na extinção de serviços, em excedentes de pessoal, o Sr. Deputado Carlos Miranda quer saber o que está previsto, em termos de dimensão e destino. O que está previsto são, desde logo, as auditorias pelos ministérios, e a auditoria do Ministério da Saúde começará pelos serviços centrais, mas, com os recursos de «bordo», prolongar-se-á pelos serviços e instituições autónomas quer da administração central desconcentrada quer dos serviços e instituições autónomas.
Na realidade, não temos qualquer dúvida de que as auditorias vão revelar duas coisas: uma, que tanto V.
Ex.ª como eu sabemos que é verdade, mas há outros ilustres Deputados desta Câmara que entendem não ser verdade, é a de que temos excesso de pessoal; e outra, que outros ilustres Deputados desta Câmara entendem ser verdade, assim como eu e, suponho, V. Ex.ª, é a de termos falta de pessoal.
Imagine este paradoxo: há realmente falta de pessoal em profissões técnicas especializadas — é conhecida a falta de médicos de família, há 750 000 pessoas sem médicos de família — e temos cada vez mais dificuldade em recrutar pessoas para algumas especialidades hospitalares, desde a Medicina Interna à própria Obstetrícia e Ginecologia, à Anestesia e outras especialidades, como sabem; e em muitas outras áreas há excesso de pessoal, temos de o reconhecer. A nova administração do Hospital Santa Maria também disse que, dos 6000 funcionários, pelo menos 1000 poderiam ser redundantes. O que é que vamos fazer a este pessoal? Vamos colocá-lo na rua? Não! Vamos colocá-lo nos quadros de excedentes gerais que são criados não apenas para a saúde, nem para os hospitais, mas para todos os ministérios, onde, durante três meses, auferirão o vencimento actual e, ao fim deste tempo, retirar-se-lhes-á o vencimento de exercício, ficando com cinco sextos da retribuição.
Ora, a estas pessoas ser-lhes-á oferecida, como a todas a outras do quadro de supranumerários, uma hipótese de requalificação profissional, e aqui há um desafio importante a fazer, porque é importante saber como é que requalificamos profissionalmente algumas pessoas que têm dificuldades em requalificação.
Teremos certamente ocasião de voltar a esta Câmara no decurso da execução orçamental deste ano, porque, como sabem, a nossa disposição é a de vir ao Parlamento de, pelo menos, três em três meses, depende do pedido ou da proposta de VV. Ex.as
. Mas, mesmo que este pedido ou proposta não exista, accionaremos as medidas regimentais para poder comparecer com alguma regularidade.
O Sr. Deputado Carlos Miranda pergunta-me se o hospital de Vila Nova de Gaia será uma realidade já em 2009. Creio que o Sr. Deputado não tenha lido bem as declarações… É possível que algumas das declarações tenham dito que o hospital será uma realidade em 2009, mas a construção do hospital terá início em 2009.
Pergunta-me também onde é que este hospital se vai situar. Bom, como sabe, está a ser executado e prestes a terminar um estudo de prioridade dos seis hospitais PPP adicionais, da segunda vaga, e o hospital de Vila Nova de Gaia é exactamente um destes hospitais.
Quanto a saber se o hospital de Vila Nova de Gaia vai situar-se no local onde se encontra hoje ou se se vai situar na envolvente da circular do Freixo e se vai ficar apenas como está ou se vai acolher o hospital pediátrico Maria Pia no seio, tudo isto pertence, digamos assim, um pouco ao futuro, porque não é possível neste momento ter uma ideia absolutamente rigorosa sobre esta matéria, já que cada uma das soluções tem vantagens e inconvenientes.
Se temos uma noção absolutamente correcta é a de que o hospital pediátrico Maria Pia deve ser colocado junto de um grande hospital central, mas já não temos qualquer segurança quanto a ele dever ser colocado junto ao Hospital de São João, porque o espaço se encontra atafulhado, e também já sabemos, através de estudos físicos, que ele não pode ficar junto ao Hospital de Santo António, uma vez que a cerca do ex-CICAP está completamente ocupada. Resta-nos uma solução, de que não gostamos, que é a de manter a autonomia do hospital pediátrico Maria Pia, ou seja desligado de um hospital geral, mas, ao menos, em condições de segurança, que é o que hoje não acontece, ou a possibilidade de o integrar num outro hospital geral de grande proximidade, que pode ser o de Vila Nova de Gaia ou outro.
Esta é uma questão à qual não sei dar resposta neste momento, seria uma estultícia da minha parte pronunciar-me sobre ela antes de o grupo técnico, que está a estudar este problema, o poder fazer. As únicas certezas que vos posso dar são: primeiro, o Ministério está profundamente empenhado em relocalizar o hospital pediátrico Maria Pia, pela razões que já referi, de segurança, acima de tudo; e, segundo, o Ministério faz
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questão de que o hospital pediátrico Maria Pia seja transladado com total integridade da sua equipa de recursos humanos e com o seu nome.
Estas são as únicas certezas que tenho sobre esta matéria.
Relativamente à transferência dos 200 milhões de euros para as autarquias, talvez o Sr. Secretário de Estado possa responder melhor a esta questão, mas creio que já temos um mapa onde esta informação está presente.
Os 200 milhões são o limite total para o Ministério das Finanças, dos quais, salvo erro, já estão cativos 178 milhões de euros e 17,8 milhões de euros correspondem a transferências de protocolos para a realização de centros de saúde e outras iniciativas do Ministério da Saúde. Portanto, não há qualquer discordância; estão previstos os protocolos existentes.
Como o Sr. Deputado é, como eu, do distrito de Viseu, aproveito para o informar de que o protocolo para a concretização do centro de saúde 3 de Viseu…
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — 2!
O Orador: — Não, o 2 é de lá de cima, o 3 é que é o de Abraveses…
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não! O centro de saúde 2 é que é de Abraveses!
O Orador: — Então, peço desculpa.
Mas, como eu dizia, o protocolo para esse centro de saúde, que foi celebrado pelo governo anterior, mantém a sua vigência total, pelo seu montante total, apenas estamos interessados num outro modelo de hospital, e, por isso, gostaríamos que a câmara municipal não avançasse com a abertura das propostas, nem com a adjudicação, para que não assuma às suas custas as responsabilidades, com as quais não concordamos. O nosso entendimento é o de que este centro de saúde, que custa cerca de 2,5 milhões de euros, seja transformado em duas ou três unidades de saúde familiares, com muito maior proximidade e utilidade para os cidadãos. São exemplos destes que certamente vamos encontrar ao longo do próximo ano.
Os incentivos à indústria farmacêutica de base nacional não estão concretizadas, mas, curiosamente, estão muito avançados. O Sr. Secretário de Estado da Saúde participou há dias, pela primeira vez, na Farma Portugal em Madrid. Nunca houve um interesse tão grande da indústria em que aparecêssemos juntos numa mostra da indústria farmacêutica nacional no estrangeiro. Ficámos a saber, coisa que não sabíamos, que há 280 milhões de euros de exportação de medicamentos nacionais, e não se trata apenas de matérias-primas para a indústria farmacêutica.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — É igual ao montante da exportação do Vinho do Porto!
O Orador: — Não sei se o do Vinho do Porto não será já superior.
A verdade é que este é um montante que não podemos esquecer e que devemos, com certeza, valorizar e há mercados emergentes no Norte de África e no Médio Oriente — oxalá que o Iraque se pacifique e constitua também um mercado emergente nesta matéria, assim como os países do Próximo Oriente —, que vale a pena explorar e aproveitar.
O que é que estamos a fazer? Convidámos todos os gestores de todas as empresas multinacionais em Portugal a falar connosco, com quem tivemos conversas de duas horas e onde lhes dissemos directamente o seguinte: «Meus amigos, os senhores até agora têm usado Portugal como uma feitoria para a venda de produtos. Os senhores têm em Portugal, ou portugueses, 250 doutores em biologia molecular, têm a indústria farmacêutica equipada com as good manufacturing pratices do mais alto nível, têm um clima e, porventura, as melhores ajudas industriais da União Europeia, venham para Portugal em qualquer situação da vossa fase de investigação ou de execução». É isto que estamos a dizer-lhes! No princípio estava céptico sobre esta conversa, mas a verdade é que nos batem à porta não apenas os vice-presidentes das empresas de investigação da Europa, que já foram ver os nossos seis laboratórios de referência onde é possível fazer boa biologia molecular, como agora também — imagine-se! — os embaixadores, que nos convidam para jantar com vicepresidentes das companhias de origem dos seus países, para conversarmos sobre esta matéria. Estão, portanto, ao que parece, a levar a sério esta vontade de realizar trabalho com a indústria farmacêutica nacional.
Portanto, alguma coisa vai acontecer ao longo deste ano, não serão apenas meras intenções.
No que respeita à toxicodependência, sinceramente, não sei onde é que o Sr. Deputado Carlos Miranda foi buscar o montante de 6% do financiamento para prevenção. O que estamos a fazer, como, porventura, sabe, é a dar resposta à modificação do padrão de comportamentos e de consumos. Observamos, felizmente, o declínio dos consumos convencionais de droga, que é mensurável pela redução da procura de consultas nos CAT (centros de atendimento a toxicodependentes), mas sabemos que há um aumento da procura, por parte de jovens e de outras pessoas que não se assumem como toxicodependentes, de outros produtos, como os ecstasy e outros, que, como todos sabemos, fazem parte da noite, sobretudo. São pessoas que têm, aparentemente, uma vida normal e que não se consideram toxicodependentes. E nós não estamos, honestamente o
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confessamos, aparelhados tecnicamente para resolver esta situação, nem os nossos CAT estavam ou estão aparelhados para resolver a situação do excesso de álcool.
Portanto, o que temos de fazer é reconverter, de certa forma, a luta contra a toxicodependência na fase de resposta, digamos assim, mas, antes disto, também, e sobretudo, desenvolver os aspectos da prevenção. E para os aspectos da prevenção vamos, de certa forma, utilizar o arsenal anterior, mas revigorado e agora reinserido no Ministério da Saúde.
As comissões de dissuasão, que tinham uma dupla dependência — saúde e governos civis, estes últimos até pagavam as rendas das casas —, passam, como sabe, pois há um dispositivo no Orçamento neste sentido, para o Ministério da Saúde. Portanto, vamos concentrar e, provavelmente, tornar a gestão destas comissões não colegial mas unirresponsável, e elas ajudarão os municípios e os outros agentes, no terreno, no combate à toxicodependência através da prevenção.
Se faltar algum aspecto na minha resposta, Sr. Deputado, estarei, naturalmente, à sua disposição.
Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, o défice é crónico e incurável. Se me permite, vamos rever esta sua afirmação.
Penso que não podemos falar em doença crónica de um comportamento que tem a ver com a obrigação de dar resposta a necessidades crescentes da população. Se sabemos que a população se torna crescentemente mais idosa; se sabemos que aparecem novas infecções que não estavam previstas nem são tratáveis com o arsenal de sulfamidas e antibióticos de há 50 anos; se sabemos que temos disfunções sociais na fase adulta dos homens, dos jovens e que temos uma nova população imigrante com novos problemas de saúde (com enormíssimos e novíssimos problemas de saúde), temos de encontrar respostas para estas situações.
Ainda ontem, na abertura solene do ano lectivo da Faculdade de Medicina de Lisboa, um ilustre professor da Universidade de Harvard dizia que, do total dos 400 biliões de euros gastos em saúde nos EUA, o ano terminal de vida consumia 70 biliões de euros.
Ora bem, o nosso sistema de saúde não é como o Medicare, que até aos 65 anos mantém as pessoas sem seguro e que depois dos 65 anos mantém as pessoas sob tratamento, em que lhes dá tudo, absolutamente tudo, sobretudo na fase terminal, quando dá às pessoas aquilo que era bom que tivessem tido durante a sua fase activa. Portanto, não é este o sistema que defendemos, mas sabemos que, infelizmente, temos tratado mal os problemas de saúde dos idosos, e é também por isto que estamos a fazer uma reforma substantiva. E espero ter legislação sobre a organização dos cuidados de saúde aos idosos até ao final do ano, para não considerar apenas uma «lavagem de mãos» e dizer que isto são problemas da segurança social, porque não são — não são apenas problemas sociais, nem da segurança social —, são problemas de saúde específicos, próprios e muito diferentes dos problemas de saúde e das questões agudas que afectam a população.
A Sr.ª Deputada pergunta se o Serviço Nacional de Saúde tem o dinheiro que prevê gastar. Nenhum serviço de saúde no mundo tem o dinheiro que prevê gastar, Sr.ª Deputada. E o nosso Serviço Nacional de Saúde também não tem o dinheiro que prevê gastar.
O dinheiro que o Serviço Nacional de Saúde prevê gastar, como se disse e como se reconheceu aquando do debate na generalidade, é inferior (136 milhões de euros) àquilo que nós gostaríamos. E esta diferença significa 2,5 ou 2,6 meses de atraso nos pagamentos. Nada de grave, porque são atrasos de pagamento normais, regulares, não entram, sequer, no conceito de mora.
Porém, não queremos escamotear a realidade. Quando dizemos que o sector dos medicamentos e meios complementares de diagnóstico tem um crescimento de 0%, é porque sabemos que vamos obter algumas poupanças com todas as medidas que foram devidamente anunciadas. E, portanto, esse 0% não é, como alguém dizia há pouco, um número mágico, é apenas uma questão de realismo. Por exemplo, em relação aos medicamentos hospitalares, admitimos um crescimento de 4%, porque temos menos facilidade de controlo.
Enquanto que nos medicamentos de venda ao público podemos fazer um acordo com a indústria e fixar um tecto — e todas estas negociações estão no bom caminho —, em relação aos medicamentos hospitalares, a dispersão de serviços de estabelecimentos, que leva à dificuldade de controlo da informação, e o facto da indústria usar o canal hospitalar como o canal da pressão da inovação medicamentosa torna muito mais difícil este rigor.
Quanto ao alcance da medida de intermediação financeira prevista no artigo 8.º, Sr.ª Deputada, é este artigo que nos vai permitir levantar a cabeça, pura e simplesmente. Trata-se apenas disto, de avançar de cabeça levantada! Rigorosamente, não mais do que isto! Cumpriremos os compromissos se entendermos que eles devem ser cumpridos e não os cumpriremos se entendermos que eles não devem ser cumpridos, mas andaremos de cabeça levantada. E garantiremos aos nossos fornecedores, nomeadamente às farmácias, não aquilo que o Sr. Deputado Carlos Miranda disse, que era «mais do passado», «more of the same», se me permite a expressão, mas alguma coisa de diferente, se me permite também a expressão, «back to the future»; isto é, vamos tentar fazer com que, no futuro, as nossas farmácias sejam pagas com regularidade através desta intermediação bancária, negociada por via concursal, por entidades que para isso estão habilitadas e pagam os devidos impostos. E, ao mesmo tempo, ter uma lei habilitante, como se disse há pouco.
Bom, agora vem a parte mais difícil, porque o Sr. Deputado Bernardino Soares fez 19 perguntas.
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À primeira questão, ao facto de ser uma coincidência estranha o crescimento de 0% dos medicamentos, suponho que já respondi.
A pergunta sobre os hospitais SA e como se desagrega a despesa inscrita, fica para o meu colega e amigo Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos o prazer de lhe responder a esta pergunta.
O Sr. Deputado diz que as despesas com o pessoal e a empresarialização em 2006 não estão contempladas. Pois não, nem deveria estar! Não deveria estar, porque temos de partir do que existe. Ainda não sabemos quando é que os hospitais vão ser empresarializados. Sabemos que queremos empresarializar dois hospitais até ao fim do ano, mas não se empresarializa um hospital por «dá cá aquela palha». Não empresarializamos 31 hospitais de uma só vez. Vamos fazer as coisas com cabeça, tronco e membros, com peso, conta e medida.
Por isso, as iniciativas de empresarialização não são nossas, cá de cima, do topo, mas dos próprios estabelecimentos, que para isso têm de apresentar as suas contas, as suas propostas e fazer um estudo económico muito rigoroso, que, depois, é analisado não apenas por nós mas pelo Ministério das Finanças, pela Secretaria de Estado do Tesouro, com quem estamos em permanente diálogo, como acontece agora, por exemplo, no caso do esforço de empresarialização dos Hospitais de Santa Maria e de São João. E há imensos problemas que nos surgem e que não contávamos. Por exemplo, não contávamos que no Hospital de São João houvesse responsabilidades relativamente a pensões, de antigos funcionários da Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência e outras, no valor de 100 milhões de euros, e são responsabilidades que temos de fundear.
Portanto, são surpresas destas que fazem com que, em relação aos diferentes hospitais, cada caso seja um caso. Não vamos pegar na dívida acumulada dos hospitais, saldá-la, dar-lhes mais um tanto para fazerem algumas pequenas obras e dizer-lhes:«Governem-se!». Não! As coisas têm de ser bem feitas.
A pergunta sobre a discrepância entre os 5,5 milhões de euros dos orçamentos relativos à aquisição de serviços, que aparece nos orçamentos privativos de fundos e serviços autónomos, e o montante que está destinado à aquisição de serviços dos hospitais SA é tão interessante que vou deixá-la para o Sr. Secretário de Estado da Saúde responder.
Quanto às taxas moderadoras, eu sei dar uma resposta, mas tenho medo de não… Sr. Deputado, não me parece que um aumento de 9,1% seja alguma coisa do outro mundo, aliás, até parece modesto como recuperação do passado. Se o que o Sr. Deputado Bernardino Soares quer extrair das minhas palavras é o irmos aumentar as taxas moderadoras,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eu não quero!
O Orador: — … então, digo-lhe que sim, que vamos. Sabe o que vamos fazer? Vamos actualizá-las em função do custo de vida.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah!…
O Orador: — Pelo menos isto vamos fazer, e, se calhar, ainda vamos fazer uma coisa mais, que é modular as taxas moderadoras de utilização de serviços onde não se justifique a utilização naquele momento, como, por exemplo, as urgências… Há 40%, já não são 80% como se dizia no passado. Os estudos mais recentes demonstram que 60% das pessoas que vão aos hospitais precisam mesmo de ir à urgência dos hospitais, mas há cerca de 40% que podem esperar pelo dia seguinte, pelo menos. Por isso, nada obsta a que essas pessoas, podendo e querendo pagar, cumpram a sua obrigação financeira através da taxa moderadora.
Relativamente à alteração da majoração de 25%. suponho que esta questão foi aqui analisada, e estamos todos de acordo em que esta alteração da majoração seria não só uma operação de grande interesse financeiro para o Serviço Nacional de Saúde mas também uma operação penalizante para os utentes, naturalmente. Salvo erro, na altura estimámos 5 milhões de euros por semestre, 10 a 11 milhões de euros, no total, por ano.
Portanto, faça-se o que se fizer nesta matéria — e há argumentos económicos muito bons para defender o desaparecimento desta sobretaxa de 25%, nomeadamente o entrarmos na verdade das contas do estímulo ao mercado —, a verdade é que há razões sociais importantíssimas que, como o Sr. Deputado bem sabe, fazem com que tenhamos de ter aqui algum cuidado.
No que diz respeito à transferência de verbas para o Hospital Amadora-Sintra e para o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, não sei se o orçamento deve ter estas verbas, mas o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos responderá, se quiser ter a bondade de ajudar a esclarecer o Sr. Deputado, pois seria muito útil.
Em relação às parcerias público-privadas, à justificação do aumento para quase o dobro da verba do comprador público para o novo hospital de Loures, não se trata de qualquer discrepância, Sr. Deputado, trata-se, apenas, de uma técnica,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma técnica?!
O Orador: — … da técnica da análise custo/benefício, que é feita com valor actualizado. Eu explico!
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Explique!
O Orador: — Eu explico, Sr. Deputado! O valor relativo ao comprador público de cerca de 800 milhões de euros está definido em termos de valor actualizado líquido — e está medido a preços constantes de Janeiro de 2004, e, portanto, hoje já está desactualizado — para os encargos dos dois tipos de sociedades gestoras de parcerias neste Hospital de Loures: a entidade gestora dos edifícios, que tem 30 anos, e a entidade gestora do estabelecimento, que tem 10 anos. Ora bem, esta actualização para 800 milhões de euros é feita porquê? É para tornar comparáveis as propostas com o comprador público e entre si, entre as candidaturas, e é feita através de uma taxa de desconto nominal oficial de 6,08% — Despacho n.º 13 208/2003, de 7 de Julho, da Sr.ª Ministra das Finanças, que tenho aqui e que também posso facultar a V. Ex.ª —, que, como é habitual, multiplica uma componente da taxa de inflação previsível (2%) e uma taxa de desconto real de 4%. O que é esta taxa de desconto real? Não é a taxa de inflação! Esta taxa de desconto real é a taxa que reflecte as preferências intertemporais. Isto é, 100 unidades monetárias daqui a 20 anos não é o mesmo que 100 unidades monetárias hoje. É muito menos. Portanto, tenho de fazer o cálculo do valor antecipado.
É assim que se faz a avaliação dos estudos de custo/benefício e é para tornar comparáveis coisas que podem ser difíceis de comparar. Neste caso, as comparações estavam facilitadas, porque as implicações no tempo são as mesmas para todos os concorrentes, mas poderiam não ser as mesmas, e é nesta situação que se faz esta análise nos estudos das parcerias, aqui, ou em Inglaterra, ou em França, ou em qualquer outro sítio, e que dá uma taxa de desconto nominal de 6,08%.
Então, o que é a verba de 1744 milhões de euros? Refere-se exactamente à mesma realidade. Ou seja, parte da mesma programação de pagamentos, mas sem actualização de valores. Incorpora, portanto, a inflação prevista ao longo do período e a taxa de desconto real. É uma soma aritmética de valores anuais a preços correntes não ajustados, de modo a traduzir o fluxo total, não actualizado, dos desembolsos públicos para o Estado no âmbito do contrato de parceria. Portanto, não há aqui qualquer «gato escondido com o rabo de fora», Sr. Deputado.
O Sr. Deputado pergunta se existe quebra substancial das verbas a transferir para o sector privado. Existe, certamente. A programação financeira plurianual, a partir de 2020, deixa de contemplar a vertente de prestação de serviços clínicos com os contratos PPP previstos, como é natural, e, por isso, cai muito, porque a componente de gestão clínica é a mais dispendiosa no total do processo. Logo, a componente contratual da gestão clínica tem uma duração de 10 anos e a contratual infra-estrutural uma duração de 30 anos.
Assim, o valor de 51,7 milhões de euros corresponde apenas a pagamentos devidos por serviços infraestruturais para os contratos nessa altura em vigor. Nada, portanto, de suspeito, simplesmente a realidade.
Pergunta-me: os hospitais SA não integram o Serviço Nacional de Saúde? A resposta é simples e telegráfica: sim, na nossa concepção.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já é alguma coisa!
O Orador: — Relativamente à pergunta «os novos hospitais EPE, Santa Maria e de São João, terão direito a verba superior?», há pouco já expliquei como é que se está a fazer essa empresarialização. Estamos a trabalhar a todo o vapor para a conseguir terminar antes do fim do ano, e, portanto, até lá teremos notícias muito concretas.
Sobre a contratação de serviços nos hospitais, em todos os hospitais e não apenas nos SA, EPE, SPA, etc., de meios complementares de diagnóstico, pergunta-me: «Então, o senhor vai manter as subcontratações de serviços?» Sim, Sr. Deputado! Oxalá houvesse muitos concorrentes a apresentar propostas de subcontratação de serviços! Oxalá houvesse um mercado diversificado capaz de oferecer este tipo de trabalho! Oxalá! Porque o que temos hoje, graças a medidas tomadas ao longo do tempo, com a sua permanente simpatia, certamente, é uma rigidez total no funcionamento dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica nos hospitais, uma rigidez que faz com que esses meios de diagnóstico e terapêutica tenham profissionais subutilizados, equipamentos parados da parte da tarde e profissionais desmotivados, muito embora a qualidade possa não estar em causa.
Olhe, vou dar-lhe um exemplo interessante: uma vez visitei um hospital que tem um dos melhores serviços de imagiologia do País — a transmissão é digital, desapareceu o filme radiográfico, é tudo por écran, recupera-se a imagem radiográfica de há 8 dias, de há 15 dias ou de há meio ano, é tudo com janelinhas no écran de alta resolução, uma coisa fantástica —, com o mais moderno instrumental de imagiologia não apenas para obter a imagem como para a transmitir e para a arquivar, e que tinha 11 especialistas de radiologia. E este serviço recusava-se a interpretar as análises do Centro de Saúde de Viseu 2 ou 3 — já não sei bem como é que se chamava —,…
O Sr. Carlos Miranda (PS): — Era do 2!
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O Orador: — … precisamente do centro da saúde que eu tinha acabado de inaugurar na véspera, com um equipamento de radiologia com transmissão digital para aquele hospital, hoje central.
Sr. Deputado, realmente cresciam-me as mãos naquela altura. Mas, se fosse partidário dos seus pontos de vista, eu tinha mandado instaurar um processo disciplinar, tinha mandado um inspector, tinha mandado fazer uma inspecção, que iria demorava três meses, entretanto o ritmo e a produtividade das pessoas a serem inspeccionadas ia por aí abaixo, desmoralizavam-se, zangavam-se muito connosco, trabalhavam ainda menos, a certa altura o hospital começava a comprar serviços… Este é o fadário das soluções que o Sr. Deputado defende.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não, não!
O Orador: — Nós não defendemos este fadário, defendemos um fadário em que os meios complementares de diagnóstico e terapêutica ou outros serviços que não tenham a ver directamente com a assistência directa prestada ao utente, que possam trazer imediatamente problemas de responsabilização séria — terapêutica, de atitude sobre o utente, etc. —, possam ser prestados pelo mercado e o desenvolvimento de um mercado destes serviços. Tomara eu! Tomáramos nós que houvesse um mercado destes serviços, para os fazermos embaratecer e para fazer com que não tivéssemos de os comprar ao exterior.
O Sr. Deputado sabe quanto é que o Hospital de Santa Maria gasta em meios complementares de diagnóstico comprados ao exterior? Sabe?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sei!
O Orador: — São 10 milhões de euros!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já me disse da outra vez!
O Orador: — Se lhe disse da outra vez, já era altura de ter aprendido já, Sr. Deputado! Por amor de Deus!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já lhe vou dizer qual é a solução!
O Orador: — Pergunta-me: como é que se desagregam as dívidas ao Serviço Nacional de Saúde? Esta pergunta já foi respondida nos mapas entregues em devido tempo.
A pergunta «porquê a divergência entre os mapas de contabilidade tradicional e de contabilidade nacional?» é tão interessante que o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos vai responder-lhe.
Pergunta-me: o saldo de gerência é igual a zero? Creio que já respondi a esta pergunta, mas, se não o tiver feito, o Sr. Secretário de Estado fará o favor de responder.
Décima sexta pergunta: «A passagem a EPE e o relatório da Direcção-Geral de Saúde. Não são os EPE os mais eficientes?» Esta pergunta já foi respondida a outro respeito.
Em relação ao congelamento de admissões na função pública, o Sr. Deputado pergunta se vamos passar tudo para o contrato individual de trabalho. Sr. Deputado, na saúde faltam e sobram profissionais. Está dito. É a realidade da vida. Queremos continuar a admitir profissionais nos hospitais e todas as regras de congelamento têm tido, ao longo dos anos, excepções, como todos sabemos. Haverá descongelamentos por razões devidamente justificadas e de interesse público. Haverá, certamente, descongelamento para profissões de enfermagem, se é o que quer saber directamente, haverá descongelamento para algumas especialidades médicas, não todas, e não haverá, certamente, descongelamento para muitas outras profissões onde há números excedentários. Gerir é justamente tratar o diferente de forma equilibrada. Gerir é isto.
Pergunta: haverá pagamento de assessoria à Parpública? A verba de 1,2 milhões creio que não tem a ver com a saúde, porque a Parpública não trabalha só para as parcerias público-privadas da saúde,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eu sei! Eu sei!
O Orador: — … terá, certamente, a ver com outras.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas não há nada para a saúde?!
O Orador: — Não! As verbas para a saúde estão noutro lado. Os encargos de serviços prestados às parcerias de saúde estão contados no orçamento na parte das parcerias. Se quiser ter a bondade de ver, está lá incluído isto. Não sei exactamente de cabeça qual ele é, mas está lá um montante orçamentado.
Décima nona, e última, pergunta: há um dispositivo legal, diz o Sr. Deputado, que autoriza os futuros hospitais EPE a enviar funcionários para o quadro de supranumerários. Se me permite, corrijo a sua leitura. O que diz o decreto-lei é que eles têm competência para propor ao Ministro da Saúde a passagem ao quadro de supranumerários, o que é completamente diferente daquilo que o Sr. Deputado disse.
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O Sr. Presidente: — Se o Sr. Secretário de Estado da Saúde quiser acrescentar já alguma coisa, faça favor.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, gostava de agradecer todas as questões colocadas, porque, de facto, me parece que é muito útil todo este escrutínio de todas as peças que integram o orçamento. É útil e vantajoso ver que os números são analisados, estudados e discutidos ao pormenor.
Quanto à Parpública, penso que a questão que o Sr. Deputado pôs se refere ao artigo da regularização de dívidas. De facto, a informação que temos é que é zero na parte da saúde, ou seja, que não há nessa verba de regularização de dívidas algo relacionado com o apoio da Parpública às parcerias na saúde.
Quanto à questão dos custos dos hospitais SA, de facto, eles não foram entregues. Naturalmente que estes hospitais já prepararam os seus orçamentos e estão, neste momento, exactamente em fase de preparação para discussão. Suponho que já falámos nisto.
Aliás, é o despacho que a Sr.ª Deputada Ana Drago referiu na sua intervenção que determina que, até ao final do ano, se desenvolva um processo de contratualização com todos os hospitais, independentemente do seu estatuto jurídico, porque, de facto, na nossa posição quanto à gestão hospitalar e aos compromissos que os hospitais têm de assumir de boa gestão e de contenção de despesa não discriminamos entre SA, EPE, SPA ou qualquer outro acrónimo que se queira pôr. A nossa exigência é que, de facto, todos devem maximizar os seus critérios de gestão, sabendo, naturalmente, que as possibilidades e os instrumentos de gestão existentes são maiores nos hospitais empresarializados do que naqueles que se integram ainda no sector público administrativo.
Portanto, o trabalho que está em curso permitirá exactamente fazer essa agregação e uma negociação para estabelecimento dos objectivos para todos os hospitais consonantes com o orçamento que apresentamos.
Penso que o Sr. Ministro já abordou este assunto, mas não tenho a certeza. De facto, os mapas que apresentámos e a perspectiva de orçamento não incorporam os processos de empresarialização de vários hospitais que ocorrerão no futuro. E não integram porque nos pareceu que a única base sólida que podemos apresentar nesta altura, perspectivando o ano de 2006, é a situação actual e não qualquer outra que previsse a empresarialização de 5, 6, 7 ou 8 hospitais, porque, de facto, não temos um programa fixado pela tutela de quais são os hospitais que vão avançar para o estatuto empresarial. Este é um trabalho que, de facto, decorre de proposta dos próprios hospitais.
Pareceu-nos, portanto, a forma mais adequada de ponto de partida para a orçamentação de 2006 e para a apresentação dos projectos de despesa detalhados pôr a situação actual. Naturalmente que, quando quisermos fazer a execução, isto terá de ser levado em linha de conta.
Quanto à questão da diferença entre mapas nas aquisições de serviços e à sua compatibilidade ou não com a previsão orçamental de execução financeira do mapa que distribuímos na anterior reunião desta Comissão, suponho que o Sr. Deputado Bernardino Soares se refere a um quadro da pág. 180 do Relatório, em que, na lógica da contabilidade pública, se referem 5200 milhões de euros de aquisição de serviços.
Sr. Deputado, para se fazer a correspondência com esta aquisição de serviços, uma vez que na lógica da contabilidade pública temos três grandes rubricas (despesas com pessoal, aquisição de serviços e aquisição de bens de capital), temos de somar, na lógica de contabilidade empresarial ou na do Plano Oficial de Contabilidade, em que, naturalmente, apresentamos a projecção de execução financeira, não só o total da rubrica de subcontratos, os cerca de 4390 milhões de euros, mas também, naturalmente, as compras e os fornecimentos e serviços de terceiros, o que dá cerca de 5600 milhões de euros — e perdoar-me-á se falho a conta, mas estou sem calculadora —, valor este ainda superior àquele que está orçamentado na lógica da contabilidade pública, e sabemos que há, em regra, uma não coincidência entre estas lógicas. Portanto, não há essa diferença. Ou, melhor, se a questão era saber onde é que estão estes cinco mil e tal milhões de euros de aquisição de serviços, temos neste mapa de execução financeira cerca de 5600 milhões. Portanto, parece-me que a questão também não se põe, pelo menos da forma como o Sr. Deputado a colocou.
Quanto ao pagamento aos hospitais Fernando da Fonseca e Cruz Vermelha, de facto, estão orçamentados na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, naturalmente, como compete. Posso dizer-lhe — tenho aqui a informação — que se prevê, em 2006, pagamentos de 120 milhões de euros, no que respeita ao Hospital Fernando da Fonseca, e de 23 milhões de euros, em relação ao Hospital da Cruz Vermelha. Não consigo dizer-lhe de memória o que é que isto representa em termos de variação de 2005, porque não tenho aqui esta informação, mas será, como é natural, facilmente acessível.
Passo agora a uma questão levantada pelo Sr. Deputado Eugénio Rosa, na última reunião, e colocada ao Ministério da Saúde, que tem a ver com as regras de pagamento aos hospitais dos contratos-programa, naquilo que se prende com a produção abaixo e acima da contratada. Qual é a regra que hoje vigora? Até aqui — e há um pequeno pormenor que é importante —, a produção abaixo da contratada era financiada em 50% dos custos fixos. E, apesar de tudo, percebe-se a lógica, pois, estamos a falar de hospitais públicos, que têm uma forte componente de custos fixos e os preços reflectem esta estrutura. De qualquer forma, há uma penaliza-
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ção por ficar abaixo do contrato-programa e um pagamento de, apenas, 10% do valor do preço, no caso de produção adicional, acima da que está contratada, o que também tem alguma explicação. Ou seja, é suposto toda a estrutura fixa de custos estar financiada com o cumprimento do contrato-programa; e, portanto, os custos variáveis — e vou arriscar um valor —, que andarão entre 20% e 25% do total da despesa, estão, na prática, financiados em metade do seu custo.
Este é um mecanismo que, no fundo, incentiva a quê? A que, de facto, os hospitais procurem programar e executar a sua actividade de forma a ficarem o mais próximo possível daquilo que está programado. Ou seja, não é um mecanismo que incentive produzir o mais possível e, apesar de tudo, penaliza o hospital se, de facto, estabelece o seu programa de actividades para valores impossíveis de atingir.
De qualquer modo, não me parece um método tão descabido, quanto à primeira vista possa parecer.
Porém, no âmbito do tal trabalho de contratualização, este é um ponto que está em discussão interna e provavelmente sofrerá, já para 2006, alguns ajustamentos. Aliás, estamos exactamente a trabalhar na revisão do modelo de contratos-programa, tentando também simplificá-los e, sobretudo, objectivá-los, pelo que este é um dos pontos que provavelmente terá alterações, embora me pareça que este mecanismo não é tão perverso quanto isso.
O Sr. Ministro diz-me que posso comentar a questão colocada pela Sr.ª Deputada Ana Drago, que tem a ver com o despacho que fiz, exactamente, dando instruções para que este processo de contratualização se iniciasse e onde, de facto, consta que, como referência, deve ser utilizada a produção realizada em 2005 e não, apenas, uma previsão, digamos, sem fundamento, feita com base nos elementos disponíveis no final do 3.º trimestre. Isto significa duas coisas.
Primeiro, uma posição claramente política, no sentido de que não vale a pena querer aumentar produção por aumentar produção. Por exemplo, a hospitalização de dia é uma questão que não está claramente definida em termos conceptuais; estamos também a trabalhar nisto e espero fazê-lo ainda este mês. Mas há aumentos que, provavelmente, se percebem mal e que, se calhar, são mais estatísticos do que outra coisa.
Segundo, o estabelecer um referencial, porque não é, naturalmente, o Sr. Secretário de Estado ou o Sr.
Ministro que vão negociar com os hospitais. Os serviços do Ministério, concretamente as agências, precisam de ter uma orientação global, um referencial para essa negociação e, naturalmente, foi esta a opção tomada, e isto não significa, como já vi escrito, proibir os hospitais de trabalharem mais. Não é, rigorosamente, nada disto, mas é um assumir de um referencial, que vai servir de base à negociação e ao estabelecimento de objectivos.
Quanto a saber se os contratos-programa com os hospitais de Santa Maria e de São João vão ter mais verbas, devo dizer que terão as verbas que forem contratualizadas, mas não é, certamente, por serem empresarializados. No entanto, não me parece que tenham um aumento significativo, ou, melhor, terão certamente um aumento significativo em relação às verbas iniciais de 2005. Não tenho a mais pequena dúvida de que em relação à dotação inicial de 2005 vão ter, certamente, um fortíssimo acréscimo de dotação no seu contratoprograma, mas já tenho dúvidas de que tenham verbas muito superiores à dotação final de 2005, que também já foi, aliás, objecto de contrato-programa.
Devo dizer que beneficiámos, se quiserem, também de alguma prática, que a máquina do Ministério foi tendo apesar de tudo, de fazer contratos-programa, mesmo com os hospitais do sector público administrativo, o que foi útil.
Passo à questão sobre os défices acumulados. Sr. Deputado, é uma questão de aritmética, e, muito francamente, não percebo a sua contabilidade, quando diz que se vai acumulando défices, porque a lógica deste formato de apresentação é, digamos, a independência de coluna a coluna. Ou seja, é suposto que o défice do ano anterior transite, na coluna seguinte, para a despesa de anos anteriores. Há de facto um diferencial enorme de 2003 para 2004, devido à regularização de dívidas, que esta Casa aprovou.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é isso!
O Orador: — Como digo, é uma questão meramente de aritmética e de modelo. Não é legítima dizer-se que se vai acumulando esses défices, uma vez que, em cada coluna… Por exemplo, na coluna de 2005, em despesas de anos anteriores, temos 967 milhões de euros, que é exactamente o défice estimado, a dívida acumulada no final de 2005.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O problema não é esse!
O Orador: — Antes de mais quero fazer uma pequena correcção: os três meses não têm a ver com os 136 milhões de euros que estimamos de dívida a gerar défice no exercício mas, naturalmente, com a dívida acumulada no final do ano. Ou seja, a referência, os dois ou três meses de prazo de pagamento não são, naturalmente, os 136 milhões de euros mas, sim, o total.
Em relação ao saldo de gerência zero em 2006 e ao seu impacto no défice, é indiferente… Em termos de saldo, o que está aqui está certo. No entanto, se o saldo de gerência não for zero, ou seja, se as disponibilidades de cada um dos serviços integrados no SNS forem alguma coisa — e, de facto, há uma rotina de cerca de 100 milhões de euros —, isto quer dizer que a dívida será maior. De qualquer modo, em termos de saldos, é
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compensada pela existência de disponibilidades de100 milhões de euros, se isto se vier a verificar, como, historicamente, se comprova. Ou seja, mais uma vez, a questão do saldo está certo, e provavelmente é isto que interessa discutir nesta altura, quais são as nossas perspectivas, em termos de saldos finais para 2006 e não se há, ou não, disponibilidade em tesouraria em cada dos serviços.
Srs. Deputados, se ficou alguma questão por responder, agradeço que o digam.
O Sr. Presidente: — Para completar as respostas aos pedidos de esclarecimentos formulados, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde: — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Reporto-me, agora, aos comentários do Sr. Deputado António Carlos Monteiro, do CDS-PP, e, depois, da Sr.ª Deputada Ana Drago, do BE.
Sr. Deputado António Carlos Monteiro, agradeço-lhe o facto de ter mencionado os epítetos deste orçamento — e uso uma expressão sua —, verdade, consolidação, rigor, combate à fraude e evasão fiscais. É certo que eles fizeram parte do discurso de todos os Ministros aqui e, nomeadamente, da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, com muita honra! Não foi pura propaganda, porque, na realidade, foram estes mesmos epítetos, ou outros próximos, que nós ouvimos nos comentadores políticos, nos comentadores económicos e em praticamente toda a imprensa. E, portanto, nem sequer nos parece que estes comentários sejam, de qualquer forma, exagerados.
Segundo o Sr. Deputado, há uma contradição visível entre esta retórica de rigor e contenção e a prática, no Ministério da Saúde, de aumentar o orçamento inicial de 30%. Sr. Deputado, é justamente aqui que nós encontramos uma razão para reforçar a retórica da verdade da consolidação, porque, nos anos anteriores, não havia verdade, nem consolidação, e, no ano passado, o desastre foi enorme! Quer dizer, este ano tivemos de aumentar o orçamento inicial de 30% para podermos chegar à verdade dos números.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?
O Orador: — Tenha a bondade!
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — O Sr. Ministro, nas audições, não informou que havia ainda mais 100 milhões! Não constavam?! Portanto, a verdade é sempre relativa! «Qb», foi aquilo que eu disse!
O Orador: — Não são 100 milhões, são 136 milhões e foi explicado com total transparência o que se passa.
Se me pergunta se eu gostaria de ter mais 136 milhões, digo-lhe que, certamente, gostaria, mas um orçamento é uma operação de vida difícil.
Protestos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.
Bom, diz o Sr. Deputado um truísmo: na saúde não há falta de dinheiro, há falta de organização. Tem sido verdade. Não há falta de dinheiro depois, mas há falta de dinheiro na hora! Até agora, sempre que se faz despesa, que se gere o orçamento, tem havido uma crónica falta de dinheiro, e o mais paradoxal é que esse dinheiro surge depois. Portanto, o que se fez este ano, pela primeira vez, foi fazer surgir esse dinheiro antecipadamente. Porquê? Basicamente, Sr. Deputado, porque isto dá uma outra autoridade à gestão, dá uma outra flexibilidade a quem gere um hospital ou um serviço de saúde e permite-lhe fazer aquisições verdadeiras por preços comprimidos, explorando bem todas as possibilidades do mercado nas aquisições, gerindo bem todos os seus recursos. Caso contrário, quando se está com uma mão atrás e outra à frente, tem de se recorrer àquelas intermediações financeiras de que já falámos há pouco, em que todos perdemos a razão! E quando aparece um ministro cheio de boas vontades (que, por acaso, é da coligação ministerial do anterior governo, o Ministro Luís Filipe Pereira), que, na melhor das intenções, se quer libertar da intermediação financeira, há pouco aqui tão glosada, depara-se com um parceiro social poderoso do outro lado, que abre a pasta e tira 200 cessões de crédito em papel branco, porque já não há papel selado, certamente confirmado notarialmente. É a chamada «captura», ou que outras palavras queremos nós utilizar para designar uma realidade destas?! Queremos ficar «capturados» ou queremos ser gestores livres, políticos livres, governos livres?! É isto que queremos fazer, não queremos nem mais nem menos do que isto.
Perguntou-me o Sr. Deputado quais são as medidas em que ainda não há resultados ou não foram postas em prática. Bom, nós estamos a discutir… Se bem entendo, o Sr. Deputado manifesta algum cepticismo em relação às medidas de redução da despesa que apresentámos. Julgo que o seu cepticismo é perfeitamente possível, mas já não é compreensível quando essas medidas não vão começar em 1 de Janeiro do próximo ano, já começaram, Sr. Deputado! Já começaram em 15 de Setembro, já se concretizaram no dia 31 de Outu-
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bro, e, portanto, não há razão alguma para descrer que estas medidas não vão ser realizadas! Já estão a ser realizadas! No passado, falava-se, falava-se, falava-se; agora, faz-se, faz-se, faz-se!
Risos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.
Lamento muito dizer-lhe isto, mas o nosso lema é fazer as coisas! Por outro lado, estamos a discutir não a Conta mas o Orçamento, e este admite uma enorme margem de execução. Pode vir a acontecer um cataclismo no próximo ano, e até poderemos ter de recorrer à majoração de 25% nos medicamentos, à qual, como há pouco expliquei ao Sr. Deputado Bernardino Soares, não gostaríamos de recorrer. Mas imagine que há um cataclismo, que o petróleo passa para 100 dólares o barril, ou que há uma drama europeu, como, por exemplo, uma revolução ou uma devastação na Alemanha, que é um dos nossos principais parceiros económicos, e que tudo isto se traduz num caos. Bom, se isto acontecer, teremos de adoptar outras medidas. O Orçamento é muito certo, cheio de boas intenções, mas não estamos a discutir a Conta, estamos a discutir o Orçamento.
Risos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.
Quanto à Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente Loures, Cascais e Vila Franca de Xira, diz o Sr. Deputado que eu pus igual a zero — são as suas palavras. Isto tem sido tão falado que eu julgava que já estava perfeitamente interiorizado pelos Srs. Deputados, mas vejo que o Sr. Deputado não está a par do assunto; contudo, tenho muito gosto em referir um por um.
Comecemos por Loures. O processo de Loures está a aguardar parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para sabermos se vamos validar o concurso ou se o vamos anular na totalidade ou parcialmente, admitindo a um novo concurso apenas os primeiros quatro concorrentes. Deve estar a cessar o prazo de 30 dias de consulta da Procuradoria-Geral da República, o acórdão já deve ter ido a sessão pública.
Não tenho notícias, nem é meu feitio telefonar todos os dias para a Procuradoria-Geral da República, de resto, não sou jornalista para andar na Procuradoria-Geral a saber factos, esconsos ou outros, não tenho este hábito, tenho relações institucionais muito saudáveis com o Sr. Procurador-Geral e espero que ele nos venha a informar do parecer da Procuradoria-Geral muito brevemente.
Passo a Cascais. Aqui há razão para o Sr. Deputado ter alguma dúvida. Acontece que tivemos uma crítica interna dos nossos serviços, da Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde (DGIES) — e ainda mantemos serviços púbicos tradicionais —, sobre uma avaliação feita por uma empresa de engineering do exterior, no que respeita aos pressupostos de análise. Entendemos que esta era uma questão muito séria na avaliação das propostas e resolvemos parar durante duas semanas, até que a mesma seja aclarada; está, portanto, a «rebentar» a declaração oficial relativamente a Cascais.
Relativamente a Vila Franca de Xira, terminaram já as discussões entre a Secretaria de Estado do Tesouro e Finanças e o Ministério da Saúde sobre as condições de abertura do próximo concurso. Portanto, o concurso vai ser aberto por um despacho assinado por mim — sinceramente, nem sei se já não assinei, os papéis são muitos…; de qualquer forma, a realidade substantiva é esta.
Quanto à venda de medicamentos fora das farmácias, perguntam-me que informação eu tenho sobre as dificuldades com a distribuição. Exactamente a mesma que o Sr. Deputado tem sobre esta matéria, talvez um bocadinho mais.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — O Sr. Ministro governa!
O Orador: — Sim, governo, mas não tenho a polícia política ao meu lado, Sr. Deputado. Portanto, tenho um bocadinho mais de informação sobre esta matéria. Sei aquilo que vem nos jornais, que houve queixas de grossistas de que tinham recebido pressões dos seus clientes farmacêuticos no sentido de que se vendessem medicamentos não sujeitos a receita médica às lojas de venda pública sofreriam retaliações, não sendo mais aceites como fornecedores dessas farmácias. Tenho a confirmação — e agora é mais do que aquilo que vem nos jornais —, porque, entretanto, o INFARMED realizou uma sessão de consultas às 29 instâncias de venda pública e ontem já tinha os resultados de 9 delas, de coacção em 7 destas instâncias. É evidente que esta confirmação de coacção, quando estiver coligida em relação a todas as empresas, será transferida para a Autoridade da Concorrência, que tem os seus meios próprios.
Entretanto, também me permito dizer-lhe que o Ministério da Saúde não ficará inerme nesta situação, só que, como naturalmente compreenderá, a reserva que estes problemas têm, a conotação negativa que têm para alguns dos nossos parceiros sociais, impede-me de ir mais longe hoje, nesta matéria, no esclarecimento público.
Pergunta-me em que matérias se fará contenção orçamental. Sr. Deputado, é possível que não tenhamos, na proposta de lei do Orçamento do Estado, uma disposição a explicar todas as medidas de contenção. Mas tem conhecimento da redução de 6% no preço dos medicamentos comparticipados; da mudança no escalão da comparticipação, de 100% para 95%; da retirada do apoio artificial da comparticipação de 10% nos genéricos; da prevenção da fraude na comparticipação adicional aos pensionistas, que, artificialmente, alegam estar
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abaixo da pensão mínima, elevando a mais de 53% o número de prescrições com a chamada «vinheta verde»; da redução média de 5% nas tabelas dos meios de diagnóstico e de terapêutica convencionados. Bom, suponho que o Sr. Deputado tem conhecimento disto tudo.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Prioridades!
O Orador: — Quais são as medidas que adoptámos? — perguntam. Adoptámos várias, a saber: os crescimentos tolerados de 0% nos medicamentos comparticipados vendidos em farmácias, devido à redução de 6% sobre o PVP (preço de venda ao público), de 0% nos meios de diagnóstico, de 1,5% nas despesas com pessoal, sem incluir o aumento geral ao funcionalismo, de 4% nas compras hospitalares, constituídas, fundamentalmente, por medicamentos e material de consumo clínico, e de 9% dos hospitais, SA — um pouco acima da média, para compensá-los selectivamente das perdas registadas nos dois anos da sua gestão.
É também, Sr. Deputado, um Orçamento de contenção no investimento —…
Risos do Deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.
É! Não pense que não é verdade, é mesmo, porque dispõe de 52 milhões de euros no PIDDAC, verba inferior à desejável, mas, mesmo assim, superior à de 39 milhões que se espera gastar durante o corrente ano.
Vamos ter, apesar de tudo, um bocadinho mais do que vamos gastar este ano.
Contudo, estes 52 milhões de euros não estão sós, estão adicionados a outros recursos, que somam, na totalidade, 208 milhões de euros. Vou explicar-lhe como esta soma é feita: PIDDAC, componente nacional, 52 milhões; FEDER, Programa Operacional Saúde XXI, 50 milhões de euros; programas regionais do QCA III, 36 milhões; programa de desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) na Saúde, que saem do nosso Orçamento ordinário, 40 milhões; Euromilhões, 50% de 60 milhões de euros para investimento, 30 milhões. Tudo isto dá uma total de 208 milhões de euros, que vamos ter para investimento possível na saúde, em 2006. Portanto, os 52 milhões de euros são um «milagre da multiplicação dos pães», porque vão passar a ser 208 milhões facilmente.
Agradeço ao Sr. Deputado as perguntas que me fez e passo a responder às que me foram colocadas pela Sr.ª Deputada Ana Drago, se o Sr. Presidente me autorizar.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Ministro.
O Orador: — Quanto à estratégia de propaganda, ao «orçamento sonhador», ao crescimento zero em medicamentos e farmácia, Sr.ª Deputada, perdoar-me-á que não lhe responda, mas já expliquei isto três ou quatro vezes.
No que toca à «SAgate», à afirmação de que o modelo SA não gera mais qualidade, também já respondi três ou quatro vezes, e penso que não vale a pena ser redundante.
Segundo Sr.ª Deputada, as novas empresarializações não são mais eficientes, nem mais justas, nem mais sérias; dir-lhe-ei que, apesar de tudo, parecem-nos ser mais eficientes, mais justas e mais sérias. E, portanto, aqui estamos perante uma questão de fé; a nossa fé é substanciada na experiência nacional e internacional, a sua é substanciada, porventura, na ideologia — nada tenho a opor em relação a isto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso também é uma resposta muito «estafada»!
O Orador: — Qual a estratégia para a cobrança de receitas, dívidas de subsistemas e de seguradoras que protelam pagamentos? É verdade que protelam pagamentos e também é verdade que vamos «andar em cima» dos hospitais para insistirem, reforçando os seus serviços de contencioso. E se, porventura, for necessário mudar a lei, cá estaremos e, certamente, será uma lei da Assembleia da República; e gostaríamos muito de contar com a sua colaboração para fazer aprovar, na Assembleia da República, uma lei que nos permitisse ser mais rigorosos em relação às dívidas de terceiros, nomeadamente às da indústria seguradora.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem! Vamos a isso
O Orador: — Passo à questão de tira-teimas sobre a política de medicamentos, redução dos custos do Estado e a 9.ª Conferência Nacional de Economia da Saúde.
Bom, no passado, como primeiro Presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde e organizador dos primeiros encontros, era suposto eu ler, antecipadamente, as comunicações dos participantes,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso era controlo!
O Orador: — … não para as censurar mas para me informar e, assim, poder organizar os discursos de abertura e de encerramento. Hoje, fui apanhado completamente desprevenido, o que significa que estamos
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num Estado de direito, onde há uma enorme transparência e liberdade, só que, deixe-me dizer-lhe, a Conferência ainda não se realizou, vai realizar-se, salvo erro, na próxima semana. Mas desta vez não posso participar na Conferência, o que lamento, pois sou o primeiro Presidente da Associação e, actualmente, sócio honorário, penso até que sou o único sócio honorário vivo neste momento. De qualquer modo, não posso participar, o que lamento muito.
Quanto aos medicamentos, acho muito bem que os números dos investigadores — nem sei quem é o autor deste trabalho, mas certamente é um trabalho de qualidade cuja apresentação está marcada…
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Deveria estar feliz com a 2.ª Conferência!
O Orador: — Como? Bom, não tenho qualquer razão para discutir esse trabalho, mas tenho os nossos dados, que valem o que valem, certamente, como os do trabalho que referiu. E os nossos dados são os seguintes: as famílias têm um prejuízo de 18% a 21% (18 a 21 milhões de euros) com a retirada da comparticipação de 10% nos genéricos e de 5 a 6 milhões de euros com a baixa da comparticipação de 100% para 95% e são beneficiadas em 2,6 milhões euros com a baixa dos preços provisórios e em 40 a 50 milhões de euros com a redução de 6% no custo dos medicamentos. Portanto, temos aqui um valor líquido ainda francamente positivo, pelo que não temos razão para nos queixarmos sobre esta matéria. Se os meus colegas investigadores da Conferência tiverem outros resultados, óptimo, porque a diversidade é o sal da vida.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluída a primeira ronda de intervenções e respectivas respostas.
Só para nos organizarmos informo que o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda pediu a palavra não para uma segunda intervenção mas para replicar, e que já se encontram inscritos, para a segunda ronda, os Srs. Deputados Ana Manso, Eugénio Rosa, Bernardino Soares, Jorge Almeida e Manuel Pizarro.
Vamos praticar o que é habitual, ou seja, vamos intercalar as intervenções dos Srs. Deputados não pela ordem por que foram registadas mas em função dos partidos a que pertencem e o Sr. Ministro, nesta segunda ronda, responderá também em bloco.
Começaremos com a réplica do Sr. Deputado Carlos Miranda e, seguidamente, terá a palavra o Sr. Deputado Jorge Almeida, do PS. Depois, diremos quais as intervenções subsequentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, a minha réplica será muito breve, apenas os segundos indispensáveis para me permitir retomar a questão do artigo 8.º da proposta de lei, porque da resposta de V. Ex.ª resultou claro, para mim, que não terá compreendido, na totalidade, a questão que lhe coloquei e, por outro lado, era importante que ficasse bem esclarecida a nossa posição acerca desta problemática.
A primeira questão que importa esclarecer é a de que este artigo 8.º se divide em três partes bem distintas que não merecem o mesmo tratamento da parte da minha bancada. Uma parte é uma questão de princípio e corresponde ao n.º 2 do artigo 8.º, ao qual não colocamos qualquer óbice, que tem a ver com o princípio da contratualização de serviços, nomeadamente de serviços financeiros, serviços bancários, mediante procedimento concursal ou outro, com vista a que o Estado contratualize o pagamento das suas dívidas a fornecedores. Estamos perfeitamente de acordo, é um princípio comummente aceite e, como diz o Sr. Ministro, talvez se justificasse alguma norma habilitante nesta matéria.
Outra questão que não nos oferece dúvida é a de que o Governo e, neste caso, o Sr. Ministro da Saúde, como parte outorgante de acordos ou contratos celebrados pelo Estado, por governos anteriores e em legislaturas anteriores, é, naturalmente, livre de os rescindir, nos termos em que, legalmente, possam ser rescindidos. Aqui, não interferimos, a não ser do ponto de vista da avaliação política que se venha a fazer da utilidade, da oportunidade e da economia que dessa rescisão possa resultar. Isto não significa que, concretamente em relação ao acordo com a Associação Nacional das Farmácias e com as farmácias, não ocorram duas questões, que são as seguintes: por um lado, conjunturalmente, pelas informações de que dispomos, não existirão, neste momento, da parte do Ministério, dívidas para com as farmácias superiores a cinco meses, o que significa que, neste momento, não estará o Ministério da Saúde incurso no pagamento de uma sobrecarga de taxas de juro, pelo que não nos parece oportuno que seja esta a razão da rescisão; mas a rescisão será do livre arbítrio de V. Ex.ª e, naturalmente, nos termos em que estas rescisões possam ser legalmente feitas, não nos envolvemos na questão.
Agora, quanto ao n.º 1 do artigo 8.º, Sr. Ministro, permita-me dizer-lhe que os negócios jurídicos de que ele trata não têm a ver, em exclusivo, com fornecimentos de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e demais serviços de saúde. Não têm, exclusivamente, a ver com isto, têm a ver com todos os negócios jurídicos que tenham por objecto as dívidas das instituições e serviços. Estou a recordar-me daquela empresa nacional, fornecedora dos hospitais, em matéria de produtos químicos de limpeza, em relação à qual existe, efectivamente, uma dívida avultada que ela pretende dar em pagamento, em cumprimento, cedendo o seu crédito a uma entidade sua fornecedora, a montante, sendo que, por força do n.º 1 do artigo
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8.º, esse negócio é nulo, Sr. Ministro. E, parece-me que, politicamente, por força de uma norma destas, o Ministério e o Estado não podem interferir nos contratos de cessão de créditos que são, em princípio, livres entre as instituições.
Mais: este n.º 1 também é inaceitável como critério de nulidade de um negócio jurídico que só incida sobre as situações que envolvam eventual cobrança de juros convencionais; ou seja, só quando os juros são convencionados mais baratos é que o negócio é nulo, porque se se tratar de uma cessão de créditos com juros legais — taxa do Banco Central Europeu mais 7 pontos percentuais — o negócio já não é nulo.
O n.º 1 deste artigo, Sr. Ministro, aplique-se ou não às farmácias, com o carácter geral e abstracto que tem, torpedeia o instituto da cessão de créditos e é absolutamente intolerável numa lei de Orçamento.
Bom! Sr. Ministro, há ainda um segundo ponto para o qual peço a sua atenção e agradeço, antecipadamente, as suas respostas.
Ainda em relação aos recursos humanos na saúde, ficou um pouco por dizer — a nós, que somos Deputados daquele interior que nem sempre é muito protegido — se V. Ex.ª tem previstos incentivos concretos para a mobilização ou deslocalização de recursos humanos, nomeadamente de clínicos de medicina geral, para colmatar as faltas no interior do País. Gostaríamos de saber se há convénios com as autarquias ou incentivos directos, porque, digamos, não vejo esta medida prevista na sua proposta de Orçamento.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Jorge Almeida.
O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, muito sucintamente, quero, antes de mais, rebuscar uma questão que foi aqui suscitada pelas três bancadas relativamente às unidades SA, SPA e EPE. Aliás, rebuscando também alguma comunicação social, é evidente alguma confusão a respeito destas terminologias e daquilo que está no documento de avaliação que aqui foi trazido.
Ora, o documento de avaliação da eficiência destas unidades compreende, relativamente a 2003, uma comparação das unidades SPA com unidades SA. E o Sr. Deputado Carlos Miranda não ficou muito preocupado, porque, efectivamente, talvez tivesse ideias diferentes ou alinhasse com ideias diferentes acerca da eficiência e do desempenho das unidades SA.
De facto, aquele relatório penaliza uma quantidade significativa de unidades SA, comparando-as com as SPA. Mas não confundamos o modelo de empresarialização que o Governo vai imprimir, que é o da utilização da gestão empresarial, com os objectivos correctos, definidos para um hospital público, ou seja, centrando a preocupação no cidadão e centrando o hospital público nos ganhos em saúde, mediante a utilização correcta do modelo da gestão empresarial e tendo em conta os ganhos que o hospital público pode conseguir com uma gestão empresarial.
Portanto, há aqui uma baralhada de conceitos que gostaria de recolocar.
O modelo EPE vai agora ser instalado. Contrariamente àquilo que as outras bancadas também foram referindo, o modelo EPE não foi avaliado, será avaliado para o ano ou daqui a dois anos. E, aliás, aproveito para dizer que esta avaliação também será feita, agarrando, agora, um conceito que já foi aqui definido pelo Sr.
Secretário de Estado, reportando-se ao Despacho n.º 22 205/2005, que, concretamente, referindo a contenção de custos — e não a limitação da produtividade, como a Deputada Ana Drago referiu —, a responsabilização das administrações e o estabelecimento de regras com a negociação e a celebração de contratosprograma, pode permitir-nos, efectivamente, no terreno, uma verdadeira contenção de custos e ganhos de eficiência.
Quero, muito sucintamente, pedir ao Sr. Secretário de Estado que, olhando para o teor do despacho, explique, um pouco melhor, se com estes contratos-programa, para além da contenção de custos e dos ganhos de eficiência, poderemos conseguir monitorizar o desempenho e a qualidade do desempenho destes hospitais EPE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, quero colocar-lhe três questões, duas das quais decorrem das respostas que deu.
Assim, a primeira questão refere-se aos custos da parceria na saúde. O Sr. Ministro afirmou que a quebra que se verifica em 2020, para 51 milhões de euros, resulta dos contratos de 10 anos de serviços clínicos. A pergunta que lhe faço é a seguinte: não havendo aqui o valor que se vai pagar a partir dessa altura — e os hospitais, naturalmente, não vão fechar —, posso concluir que vão voltar à gestão pública ou isto resulta apenas de não se ter considerado este custo? É que, se vai continuar a gestão privada, naturalmente, ela terá um custo que parece não estar aqui considerado, mas se o Sr. Ministro me disser que voltará à gestão pública, então, neste caso, o custo desaparece.
A segunda questão tem a ver com o hospital de Loures. Penso que a resposta que o Sr. Ministro deu, tecnicamente, não é consistente. Não sei se o Sr. Ministro sabe o que é o valor actual líquido… É que eu vi que esteve a ler um papelinho e teve dificuldade em lê-lo, pelo que também é natural que não domine esta matéria, mas vou explicar-lhe.
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O valor actual líquido é um método que se utiliza para analisar se um investimento vale ou não a pena.
Normalmente, o que fazemos é actualizar para o momento zero os cash-flow e, depois, comparamos esse valor actual com o investimento feito. Esta é uma medida no sentido de esclarecer se vale ou não a pena fazer o investimento. Parece-me, no entanto, que o Sr. Ministro não estava a falar disto, mas, tecnicamente, quando se fala em valor actual líquido, é isto que está em causa.
Mais: o Sr. Ministro talvez se tenha esquecido de ler o mapa que está na pág. 126, onde, referente a Loures, há uma designação extremamente clara, que é a do «valor nominal». Pergunto: o Sr. Ministro sabe o que é o valor nominal? É que é completamente diferente daquilo que o Sr. Ministro disse. Quer dizer, não vale a pena estarmos a esconder outras situações.
Mas a questão concreta que lhe havia colocado era outra, Sr. Ministro, e não a da comparação. Na altura, a questão inicial que lhe coloquei era outra. A questão que lhe coloquei na discussão na generalidade, em Comissão, era a seguinte: o maior valor que os quatro concorrentes apresentaram, para a construção do hospital de Loures, se a memória não me falha, foi de 1100 milhões de euros, isto é, variava entre o valor de 789 milhões — Misericórdia do Porto — e o de um grupo que pedia 1100 milhões de euros.
O Sr. Ministro da Saúde: — Isso é o valor actualizado!
O Orador: — Ó Sr. Ministro, então, o valor deles não era actualizado?! Era a preços correntes?!
O Sr. Ministro da Saúde: — Exactamente!
O Orador: — Sr. Ministro, se o valor deles é nominal, então, tem de ser comparado com este valor nominal do quadro da pág. 126.
Agora, apenas um esclarecimento de natureza técnica para que eu perceba melhor alguns dados que aqui estão.
Este ano, dois hospitais, o Hospital de São João e o Hospital de Santa Maria, vão passar de hospitais SPA para hospitais EPE, para aproveitar o dinheiro que ainda há no Orçamento para empresarialização. O esclarecimento técnico que pretendo pedir serve para eu, depois, perceber outros dados.
Em relação aos hospitais SA — vou dar um exemplo concreto —, onde está classificada a despesa com o pessoal? Aparece em Despesas com o Pessoal do sector Estado? O Sr. Secretário de Estado, depois, explicar-me-á. Depois da empresarialização parece que passa a ser uma aquisição de serviços, porque é um pagamento do Serviço Nacional de Saúde, com base no contrato-programa, a esses hospitais. Portanto, penso que essa despesa inclui-se na rubrica relativa à aquisição de serviços.
Sr. Ministro, é este o esclarecimento que peço. Ou seja, enquanto hospital SPA, como é que está classificada a despesa com o pessoal e, quando o hospital passa a EPE ou a SA, como é que a mesma despesa é classificada?
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.
A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde e Srs. Secretários de Estado, as minhas saudações.
Como o Orçamento do Estado traduz a política da saúde, vou, na primeira questão, falar exactamente sobre a política da saúde. De facto, o crescimento dos gastos é nulo, porque, segundo o despacho do Sr.
Secretário de Estado, o aumento da actividade hospitalar também tem de ser nulo, no sentido em que, comparando com o ano de 2005, se parte do pressuposto adquirido de que é melhorada a eficiência.
Quero saudar o Sr. Secretário de Estado pelo despacho em causa, porque, quer no que diz respeito aos princípios, em que se diz que importa garantir a sustentabilidade financeira e controlar o ritmo de crescimento da despesa do Serviço Nacional de Saúde, quer no que diz respeito à previsão das respectivas deduções orçamentais, que podem ser revistas em alta ou em baixa, e às regras da sua negociação e da calendarização, penso que a questão da política de saúde está clara. Gostaria, por isso, de saudar o Sr. Secretário de Estado pela clareza do despacho. Tenho dúvidas, porém, relativamente aos critérios que vão ficar subjacentes à monitorização, pois sobre isto ele é omisso.
Referindo aquilo que o Sr. Ministro disse, ou seja, que este é um Orçamento de verdade, a minha preocupação é sobre a execução. Mas cá estaremos para ver, e naturalmente que, nessa altura, poderemos discutir esta matéria.
Numa outra nota, mais regional, gostaria que o Sr. Ministro me dissesse de uma forma muito clara, olhos nos olhos, se considera que o hospital da Guarda é o «patinho feio». E vou explicar porquê. Antes de o Sr.
Ministro exercer essas funções já dizia que o hospital da Guarda e o hospital do Algarve, que na altura ainda o acompanhava, eram os únicos retirados do grupo dos 10 das parcerias público-privadas. Depois, o Hospital Distrital de Faro continuou e o hospital da Guarda foi o único que saiu desse regime de parcerias públicoprivadas. Agora, numa segunda fase, é despromovido ou, pior do que isto, é dividido para um lado e para o outro, numa operação oculta (digo oculta não com qualquer intenção mas porque é do desconhecimento do próprio conselho de administração do hospital da Guarda).
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Por que é que digo isto, e por isso é que lhe pergunto se há alguma razão de fundo que o leve a ter esta atitude em relação ao hospital da Guarda? A faculdade de medicina na Covilhã foi criada baseada em três pilares: os hospitais de Castelo Branco, da Guarda e da Covilhã. Estes três hospitais passaram a desenvolver acções e programas em conjunto. Agora, na Portaria n.º 1140/2005, de 7 de Novembro, assinada pelo Sr.
Secretário de Estado da Saúde, diz-se que a área de atracção do hospital da Guarda passa para a área de atracção do hospital de Viseu.
O Sr. Ministro da Saúde: — Área de influência! Não é de atracção!
A Oradora: — Diz claramente! Pode ler-se: «(…) o que não se compadece com a situação actual, considerando as respectivas valências e área de influência,…» — área de influência, Sr. Ministro! — «… abrangendo os distritos de Viseu e da Guarda (…)».
A questão que coloco — e quando digo despromoção posso dizer também duplicação — é a de saber se o hospital da Guarda fica como pilar da faculdade de medicina da Covilhã, como está legislado, ou se o mesmo é retirado desta função e passa a ser também integrado, como diz a portaria, no hospital de Viseu. Em que é que ficamos? Sr. Ministro, esta é a dúvida que eu gostaria de ver claramente esclarecida, porque isto tem a ver também, como o Sr. Ministro compreende, com o investimento ou desinvestimento e com o eventual encerramento de serviços (quiçá a maternidade, não sei…). Ou seja, dada a verba existente em PIDDAC, que é pura e simplesmente simbólica (e este é o termo mais soft que encontro), parece-me que tem a ver, acima de tudo, com uma política subjacente. É por isso que pergunto se considera o hospital da Guarda o «patinho feio» dos hospitais no interior do País.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, nesta fase final da nossa reunião, pois a tarde deste debate parlamentar já vai longa, quero apenas acrescentar algumas notas que me parecem fundamentais e que poderão contribuir para um melhor esclarecimento.
De facto, temos alguma dificuldade em perceber as dúvidas que estão a ser colocadas em relação às medidas para combater o que aqui já foi classificado numa sessão plenária da Assembleia da República como a «cartelização» na área da política do medicamento, «cartelização» esta que nos parece claramente prejudicial para o Estado democrático. Aliás, o Sr. Ministro já aqui o referiu hoje, ao dizer que já aconteceu até com antecessores seus, no governo anterior, ficarem «prisioneiros» do actual esquema de negociação e de pagamento dos medicamentos, o que se traduz também num prejuízo para o interesse público. Tenhamos em vista precisamente as notícias, de que alguns Deputados aqui fizeram eco (não sei é se não se fez eco dessas notícias com algumas «lágrimas de crocodilo»), relativas às dificuldades que as empresas que pretendem vender medicamentos não sujeitos a receita médica estão a encontrar no mercado, fruto de verdadeiras práticas anticoncorrenciais e à margem da legalidade que estão a ser seguidas aparentemente por alguns grossistas, por acaso — ou sem ser por acaso — influenciados pelo mesmo grupo farmacêutico que domina o cartel desta área.
O que não se percebe claramente é se se colocam questões quanto ao princípio, isto é, se o que está em causa é não se estar de acordo com o combate a essa cartel, ou quanto ao modus operandi, sendo que este seria sempre passível de discussão e de acerto.
O que me parece é que estão a colocar-se dúvidas em relação ao princípio de combater a «cartelização» na área da política do medicamento. Sobre este tema, gostaria de dizer que a nossa posição é de completo apoio àquilo que tem sido feito em matéria de política do medicamento. Se houvesse alguma crítica a fazer, seria a de dizer que era preciso fazer mais, porque, de facto, é intolerável aquilo que o Orçamento do Estado e as famílias portuguesas despendem com o medicamento, que, seguramente, poderia ser encurtado sem qualquer prejuízo, se calhar até com algum benefício, para a saúde pública.
Gostava ainda de abordar um outro aspecto. Consideramos até estranho e um pouco anacrónico que, no início do século XXI, se faça aqui um debate sobre quem faz a radiografia, quando vou a um hospital e preciso de uma. Ou seja, não estamos preocupados em saber se o cidadão que faz a radiografia é de uma empresa privada ou pública,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É igual!
O Orador: — … se está ao abrigo de um contrato individual de trabalho ou se está integrado nas carreiras da função pública. Isto parece-me um pouco estranho! A meu ver, a preocupação que deveríamos ter era sobre a qualidade desse trabalho e o que pagamos por ele. Esta é que, na minha opinião, deveria ser a nossa real preocupação.
É sempre perigoso falarmos antes do Sr. Deputado Bernardino Soares, porque ele aproveita para interromper a nossa intervenção mesmo podendo falar a seguir.
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Mesmo assim tenderei a acentuar que há uma rubrica e uma inovação neste orçamento para a saúde que merece ser destacada: a criação de uma verba de 5 milhões de euros, que não é tão desprezível quanto isso, para a investigação sobre o funcionamento do próprio sistema. Gostava que houvesse algum esclarecimento sobre a aplicação desta verba, porque isto parece-nos absolutamente central.
Quero chamar a atenção para o facto de os processos de acreditação que estão em curso em várias unidades de saúde, que, apesar de tudo, são muito importantes, não acreditarem uma componente essencial, a componente da chamada clinical governance, que tenho alguma dificuldade em traduzir mas que tem a ver com a qualidade técnica dos cuidados de saúde efectivamente prestados. São acreditações que se baseiam mais na qualidade dos processos administrativos, dos tempos de espera mas que avaliam pouco a qualidade dos serviços prestados, que é absolutamente essencial e que, esta sim, é uma responsabilidade do Estado.
Ou seja, é responsabilidade do Estado assegurar que a qualidade dos serviços prestados é elevada, seja qual for o mecanismo da sua prestação.
A introdução desta verba para investigação dos cuidados de saúde parece-me absolutamente essencial e de saudar. Gostaria, por isso, de obter esclarecimento adicional a este respeito.
Quero ainda chamar a atenção para uma nota relacionada com esta matéria. Posso estar enganado, mas julgo que é primeira vez que ouvi um alto responsável pela saúde em Portugal dizer algo que é de liminar verdade para todos os que trabalham no sector: a maior parte dos doentes que acorrem às urgências dos hospitais têm razão para lá ir. O habitual é dizer-se que os doentes vão às urgências inapropriadamente, que não têm razão alguma para lá ir, que as urgências são demasiados caras ou prestam maus cuidados, em vez de se reconhecer que, se calhar, o que se passa é o contrário. Neste sector, há muita conversa baseada no senso comum e muito pouco discurso alicerçado em conclusões e em documentos cientificamente comprovados.
Daí a utilidade desta investigação na área da saúde.
No caso português, só conheço um estudo — não sei se há mais — realizado com base científica sobre a adequação do recurso ao serviço de urgência, feito num hospital central do Norte do País, o qual, no caso concreto e com os critérios utilizados, comprova que 56% dos doentes acorreram com justificação ao serviço de urgência, ao contrário dos números frequentemente traduzidos.
Foram aqui referidos e esgrimidos vários estudos ao longo deste debate parlamentar, mas todos os estudos são susceptíveis de escrutínio nos seus critérios e nas metodologias utilizadas para se concluir. Não ponho em causa, porque é óbvio, que, quanto aos medicamentos que tinham 100% de comparticipação e passaram a ter 95% ou quanto aos medicamentos genéricos, as populações vão pagar mais, pois esta é uma verdade quase «lapalissiana». A questão é saber se aquilo que as famílias pagam pelos medicamentos vai aumentar ou diminuir. E tenho de fazer fé numa coisa que também me parece óbvia: a redução do preço de 6% do conjunto dos medicamentos vai, no conjunto do orçamento das famílias, repercutir-se numa poupança superior ao gasto adicional nas outras rubricas. Ora, sem o conhecimento destes números não é possível, naturalmente, travar um discurso sério.
O Sr. Presidente: — Para terminar este ciclo de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde e Srs. Secretários de Estado, começo por fazer dois ou três comentários e depois um reforço de perguntas, muito breve.
Em primeiro lugar, quero dizer que gostei muito da apreciação que o Sr. Ministro fez sobre a existência de um estudo que se pronunciava quanto à qualidade da gestão e dos resultados dos hospitais SPA, da sua referência a existirem vários estudos e a um que ainda há-de existir e que foi encomendado pelo Governo. Já todos percebemos como é que isto funciona: o Governo já decidiu avançar com a empresarialização do resto, e agora os estudos virão, e algum deles fundamentará, de forma adequada, essa norma.
Quanto às despesas com pessoal para 2006 e à sua presença ou não na rubrica relativa às aquisições de serviços, registamos que os valores que estão indicados, tendo em conta a alteração que vai existir em 2006, implicarão que, numa das tais reuniões trimestrais, o Governo nos possa dar, durante o próximo ano ou no Orçamento rectificativo, quando entender que seja mais útil, uma perspectiva de qual será de facto a alteração.
Gostaria ainda de saber se é possível termos os dados referentes à desagregação da despesa dos hospitais SA pelas várias parcelas, que o Sr. Secretário de Estado disse não poder apresentar neste momento por estar em curso a contratualização. Portanto, gostaria de saber se, na tal reunião de Janeiro, poderemos ter então essa desagregação, uma vez que nessa altura já estarão terminados os contratos-programa, e fazer essa análise mais fina. Gostaria de saber se pode haver este compromisso.
Quanto à majoração dos 25%, o Sr. Ministro pode dizer que essa questão é muito gravosa para as populações — e é! — e que só se utilizará se houver um cataclismo ou uma coisa do género, mas o que é facto é que alguém (não sei se foi o Ministério das Finanças) incluiu essa medida, pois é dito, na pág. 224 do relatório, o seguinte: «Redução gradual da majoração de 25% sobre o preço de referência para os utentes do regime geral». Está lá escrito e não está condicionada a qualquer cataclismo, mas como um objectivo de redução gradual desta majoração. Portanto, o Sr. Ministro pode dizer que isso não está nos seus planos, porque, pelos
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vistos, está nos planos do Governo. Se calhar, não o informaram, o que também não acredito. Mantém-se, portanto, a questão de saber qual é este gradualismo e quando é que se inicia.
Em relação à questão da subcontratação de serviços, disse: «Oxalá houvesse mais interessados». Sr.
Ministro, tem graça que os ministros de sucessivos governos, que muitas vezes já tiveram responsabilidades nesta área, invocam sempre a ineficiência dos serviços que eles próprios dirigiram para justificar a entrega ao privado daquilo que o público não faz suficientemente bem. É muito engraçado…!!
Protestos do Ministro da Saúde.
E, depois, vem sempre a questão ideológica. Tanto é ideológica a defesa da prestação pública como é ideológica, liberal e neoliberal a defesa da entrega ao privado, como se o privado fizesse melhor do que o público. É tanto ideológica uma como é outra e o Sr. Ministro sabe muito bem disso. Ideologia há para todos os gostos! Portanto, o exemplo que o Sr. Ministro encontrou de um serviço que se recusou a servir um centro de saúde da sua área, tendo capacidades óptimas para isso (aliás, amplamente equipado pelo dinheiro público), não se resolve entregando essas capacidades tecnológicas de ponta ao sector privado, para daí retirar uma confortável e segura margem — é o chamado «negócio sem risco», «investimento sem risco». Resolve-se pondo o serviço público que tem essas características a funcionar. Considero também curioso que esse hospital seja um hospital SA… E há tanta autonomia de gestão para melhor funcionamento… Mas a autonomia de gestão não serve para pôr a funcionar os serviços quando funcionam mal. Pelos vistos, para isso os hospitais SA não servem.
Finalmente, sobre a política do medicamento, o Sr. Ministro repetiu aqui dados que já tinha dado, honra lhe seja feita. Simplesmente, há aqui uma pequena diferença: é certo o aumento dos custos para os utentes no fim da majoração de 10% dos genéricos e na diminuição de 100% para 95%; é verdade que o Governo legislou para a diminuição de 6% do preço dos medicamentos; mas não sabemos ainda como é que a indústria farmacêutica vai reagir e se vai, ou não, conseguir ultrapassar essa baixa pela introdução de novos medicamentos e pela indução da compra e da prescrição desses medicamentos. Aí é que teremos de fazer o balanço para saber se os utentes, mesmo com estes 6% a menos porque os 10% e a diminuição dos 100% para os 95% comprovadamente prejudicam os utentes, vão, de facto, compensar essa outra baixa.
Termino agradecendo, porque penso que é devida, a minúcia com que foram respondidas as questões, mesmo não gostando de algumas das respostas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde, para responder em bloco ao conjunto das perguntas.
O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, estou desvanecido com este último comentário, com este cumprimento à minúcia e ao rigor com que respondemos. Mas fico simultaneamente muito triste porque não posso acompanhar quotidianamente os vossos trabalhos e, ao tratar-me de forma excepcional, o Sr. Deputado Bernardino Soares está a deixar-me entender que não é esta a regra de jogo desta Casa,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ai não é, não, pode ter a certeza!
O Orador: — … o que me deixaria profundamente entristecido e sem grande esperança no futuro da democracia se fosse um céptico, mas não sou.
Risos do PCP.
Sr. Deputado Carlos Miranda, vamos tratar, então, do artigo 8.º.
Em primeiro lugar, o artigo 8.º visou estabelecer, pela primeira vez, o quadro jurídico legal e abstracto da intermediação financeira respeitante ao pagamento a terceiros de dívidas contraídas pelo Estado e outras pessoas colectivas públicas no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
Em segundo lugar, este quadro jurídico estabelece, como me parece que V. Ex.ª concorda, a preferência por instituições de crédito ou sociedades financeiras na intermediação financeira, considerando, naturalmente, que a concorrência — o concurso — poderá gerar maiores benefícios para o interesse público, nomeadamente através da diminuição da despesa e de prestações de saúde aos utentes menos onerosas. Através de procedimentos concursais, o Serviço Nacional de Saúde encontrará melhores condições de pagamento e de taxas de juros, como naturalmente se espera. Por outro lado, favorece-se a transparência e o escrutínio público na eleição dos intermediários financeiros.
Em terceiro lugar, ao contrário do que até aqui acontecia, esses procedimentos concursais serão abertos com intervenção conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, com o fim de articular o montante das despesas do SNS com a despesa orçamental global. Portanto, não tem qualquer inconstitucionali-
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dade a preferência legítima, porque não arbitrária, de instituições financeiras para a organização de intermediação financeira. Estamos totalmente de acordo! Por outro lado, a lei orçamental não é retroactiva, não assume a natureza de lei medida, fotografada, em relação a um determinado interventor, porque não rescinde o protocolo actualmente vigente. A lei orçamental não rescinde o protocolo. A lei orgânica permite que ele seja rescindido, o que é completamente diferente.
De resto, a rescisão dos negócios jurídicos que está no n.º 3 do artigo 8.º dirige-se essencialmente aos contratos a celebrar no futuro com instituições financeiras «se» e «quando» as condições oferecidas deixarem de corresponder ao interesse público.
Então, e esta rescisão unilateral é alguma novidade? É algum choque no ordenamento jurídico português? Não, nada é de novo! Está prevista no Código de Procedimento Administrativo a liberdade de o Estado rescindir os contratos administrativos.
Não está de acordo?
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Continuamos de acordo!
O Orador: — Só que aqui foi-se mais longe! Sublinhou-se, tornou-se mais exigente essa rescisão, condicionando-a à intervenção conjunta de dois membros do Governo, bem como ao pagamento integral das quantias em dívida. Claro e transparente!!
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Continuamos de acordo!
O Orador: — É claro que o poder da rescisão unilateral tem como contrapartida a obrigação do pagamento da justa indemnização se aquela rescisão, que tem de ser ponderada naturalmente, suscitar prejuízos que atentem contra o equilíbrio económico-financeiro dos contratos. Ora, o que acontece é que a instituição que hoje faz a intermediação não tem legitimidade alguma, não tem qualquer expectativa legítima para continuar a receber este contrato por muito mais tempo. De resto, ela sabe que o contrato pode ser rescindido unilateralmente pelo Governo no final do próximo ano, por decisão comunicada até ao fim do primeiro semestre.
Portanto, não se trata de qualquer questão nova, diferente. Pelo contrário, torna-se obrigatória a intervenção do Ministro de Estado e das Finanças para analisar as condições dos negócios celebrados com instituições não financeiras, numa perspectiva de controlo da despesa pública.
Portanto, Sr. Deputado, se estamos de acordo, não vale a pena acenar agora com fantasmas de que estamos a torpedear o instituto da cessão de crédito ou o que quer que seja. Penso que não se justifica, pois não há qualquer problema. A lei orçamental não viola, não tem efeito retroactivo; diz apenas que o Governo poderá fazê-lo em certas circunstâncias, que têm de ser os dois ministros e tudo o que foi referido.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não analisou o n.º 1. Esse não acolhe o nosso acordo!
O Orador: — Analiso o n.º 1, Sr. Deputado, mas, sinceramente, penso que já o analisámos.
O n.º 1 determina a caducidade dos acordos, contratos, protocolos que tenham por objecto o pagamento a terceiros de dívidas do SNS, desde que a entidade pagadora não seja um banco ou uma sociedade financeira.
Esta é a crítica que se faz. Todavia, é injustificada, porque a norma só dispõe para o futuro e não há qualquer cláusula de retroactividade nesta lei do Orçamento. Os novos negócios jurídicos abrangidos pelo n.º 1 só serão submetidos ao regime que vigorará a partir de 1 de Janeiro de 2006. A norma não é retroactiva e, mesmo que o fosse, importaria verificar que a inconstitucionalidade de leis retroactivas, se é isso que pretende argumentar, só tem como limite as matérias sancionatórias e as que versem sobre direitos, liberdades e garantias, o que não é manifestamente o caso.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Essa é a argumentação da ANF!
O Orador: — Ainda bem que não está a usar a argumentação da ANF e, se não o está a fazer, Sr. Deputado Carlos Miranda, vamos aos problemas de fundo.
O Sr. Deputado não está de acordo que o Estado se liberte desta captura, seja da ANF seja de todos os intermediários? E não está de acordo que a intermediação seja feita por concurso público bancário? Diga-me: estão ou não está de acordo? É isso que quer ou quer manter a intermediação actual? Seja franco! Seja completamente verdadeiro!
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, uma vez que foi interpelado directamente, o Sr. Deputado Carlos Miranda tem de usar da palavra, usando o microfone.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, não queria prolongar esta questão, porque ela tem talvez alguma tecnicidade jurídica que ultrapassa a discussão política deste momento. Estamos de acordo com o Sr. Ministro quanto aos n.os 2 e 3 do artigo 8.º. Estamos de acordo com o procedimento. Estamos de acordo com o concurso público para encon-
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trar a instituição financeira que melhores condições dê ao Estado para resolver os problemas financeiros junto dos fornecedores do Estado, seja do Ministério da Saúde seja de qualquer outro ministério. Estamos perfeitamente de acordo com os mecanismos legais de rescisão dos acordos e contratos administrativos que o Estado celebra — absolutamente de acordo! Não há dúvida alguma! Não estamos, contudo, minimamente de acordo — e V. Ex.ª não abordou essa questão — com a ingerência desta norma num instituto que deveria merecer todo o respeito e que é derrogado ilegitimamente por uma intenção política que este artigo 8.º contém, que é a norma do n.º 1 do artigo 8.º, e que tem a ver com cessão de créditos. Até lhe dei um exemplo, que nada tem a ver com farmácias nem medicamentos, de uma empresa que é fornecedora de produtos químicos para limpeza dos hospitais e que pode livremente ceder os seus créditos, que nada tem a ver com medicamentos. Vamos restringir, Sr. Ministro, vamos corrigir. Disponha-se o Ministério a aceitar a nossa proposta de alteração deste artigo 8.º e com certeza que não ficará o Orçamento manchado por uma norma absolutamente ilegítima.
O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado. Vou dar a palavra ao Sr. Ministro, se quiser replicar, no entanto, creio que é patente e notório que esta é uma matéria, por um lado, de elevada tecnicidade e, por outro, creio que está perfeitamente clarificado o que deve ocupar os Srs. Deputados quanto ao essencial deste ponto.
Eventualmente, o Sr. Ministro, se assim o entender, para além de usar da palavra já a seguir para poder responder a esta réplica da argumentação do Sr. Deputado, poderá facultar a esta Comissão, mais tarde — e talvez seja útil —, uma exposição mais detalhada, por escrito, do que é a argumentação do Governo em torno desta questão na sua vertente mais técnica.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.
O Orador: — Sr. Presidente, agradeço muito a sua ajuda mas dispenso a «muleta», se me dá licença, e explico porquê.
Vamos ler o n.º 1 deste artigo 8.º: «Os negócios jurídicos que tenham por objecto as dívidas das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, incluindo qualquer modalidade de cessão de créditos, e que envolvam a eventual cobrança de juros convencionais com entidades que não sejam instituições de crédito ou sociedades financeiras, dependem, sob pena de nulidade, de autorização do Ministro de Estado e das Finanças.» Sr. Deputado, desculpe lá, quer amputar o Estado, através do Ministro das Finanças, do direito de se pronunciar sobre dívidas de instituições que são tomadas com créditos cedidos a instituições que não são financeiras?!
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não é isso!
O Orador: — Sr. Deputado, então, isto é alguma violação do instituto da cessão de créditos?! O instituto da cessão de créditos continua; historicamente, existe desde o tempo do Direito Romano!
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — É claro!
O Orador: — Não se preocupe com o instituto da cessão de créditos porque ele sobreviverá sempre! Preocupe-se, sim, Sr. Deputado, com o facto de que o Ministério das Finanças dever ter uma palavra a dizer para autorizar este procedimento anormal. Ou o Sr. Deputado considera normal este procedimento? Diga-nos! Passando para outros casos, e como muito bem refere, vamos «tirar da berlinda» a instituição em que todos estamos a pensar.
Vamos passar para um outro caso, por exemplo, o de uma dívida a uma empresa de limpeza. Então, o Sr. Deputado não acha que o Ministério das Finanças tem toda a legitimidade para autorizar,…
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Autorizar ou não!
O Orador: — … para que os negócios futuros sejam feitos com a sua obrigatória autorização, em matéria em que se substitui uma entidade financeira por uma outra entidade, intermediadora?! Por amor de Deus, em que mundo estamos?!...
Sr. Deputado, muito obrigado. De qualquer forma, foi muito interessante e simpática esta troca de impressões… Sr. Presidente, parece-me que o Sr. Deputado quer replicar…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, vamos permitir-lhe que intervenha muito rapidamente. Tem a palavra.
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O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Não desejo, de forma nenhuma, «quadruplicar» sobre esta matéria. Acho que as posições estão perfeitamente esclarecidas e nada mais diria sobre isso. Apenas pediria ao Sr. Ministro a fineza de responder à segunda questão que lhe tinha colocado.
No que se refere a esta matéria, penso que não há lugar a mais qualquer consideração.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro, naturalmente, responderá, como tem sido seu timbre, a todas as questões que foram suscitadas. Creio que isto preclude o pedido de interpelação à Mesa do Sr. Deputado e, assim, confinamo-nos na boa prática parlamentar.
Sr. Ministro, tem a palavra para continuar a responder.
O Orador: — Só par finalizar esta última questão, devo dizer, Sr. Deputado, que é bom que fique claro nos nossos espíritos que o n.º 1 do artigo 8.º não tem qualquer aplicação retroactiva, é uma disposição para o futuro.
Vozes do PS: — Claro!
O Orador: — É preciso termos bem essa noção.
Passando à segunda questão, o Sr. Deputado perguntou-me se havia incentivos concretos para a mobilização/deslocalização de clínicos gerais e convénios com autarquias. Sim, Sr. Deputado, e tenho muito gosto em dizer-lhe que já há um sistema que vou expor.
Os próximos concursos de internato vão dar uma situação de privilégio a algumas especialidades médicas, nomeadamente, aos médicos de família, aos médicos de saúde pública e a algumas especialidades hospitalares — não todas. Isto é: a possibilidade de passagem à situação de vínculo permanente ao Estado seria privilegiada em relação àquelas especialidades onde todos sabemos existir carência grave. Esta é, portanto, a forma de diferenciar e de atrair jovens médicos para estas especialidades, para suprir esta carência de médicos de família que tanto preocupa o Sr. Deputado e também a mim próprio.
Por outro lado, por via de um protocolo assinado com a Fundação Calouste Gulbenkian, colocámos, já nos primeiros seis meses deste ano, cerca de 100 médicos estrangeiros, oriundos de países do Leste e outros, que foram objecto de um trabalho de actualização profissional e de exames, com a colaboração da Ordem dos Médicos.
Celebrámos já novo acordo com a Fundação Gulbenkian no sentido de, com mais 100 profissionais, repetir este tipo de actividade.
Como sabe, sem que precisemos de dar qualquer instrução, por todo o País estão a ser recrutados, através de contrato individual de trabalho, médicos de família, sobretudo nas zonas fronteiriças. Não sei exactamente quantos estarão hoje a trabalhar em Portugal. já me falam em mais de 2000 e há até quem fale em 3000, não sei…
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Espanhóis!
O Orador: — A verdade é que «onde não há, el-rei perde» e, não havendo, temos de recorrer onde o há.
Sr. Deputado Jorge Almeida, sobre o estudo dos hospitais SA, ao contrário do que o Sr. Deputado Bernardino Soares pretende intuir, nós não «mudamos o alvo para depois dispararmos as setas»! Não é esse o caso!! Pelo contrário, estamos totalmente disponíveis para apreciar o desempenho destes hospitais, institucionalmente ou em comparação, em benchmarking, com os hospitais EPE e os SPA. Mas a apreciação até é enriquecida pela pluralidade de estudos, de projectos e de trabalhos.
Neste momento, surgiu um estudo, até publicado por serviços oficiais do Ministério; surgirá outro, a publicar no fim do ano; há um terceiro estudo, solicitado pela Unidade de Missão Hospitais SA a uma universidade.
Todos esses estudos são absolutamente essenciais.
Apenas me permito avançar um pouco no conteúdo material do primeiro estudo mencionado — e quem tenha paciência para ler os chamados blogues já deve ter visto algumas referências a esse estudo.
Em primeiro lugar, o estudo refere-se a dados de 2003, que foi o ano de arranque dos hospitais SA, como muitos VV. Ex.as sabem. Em segundo lugar, o estudo organiza os hospitais em clusters e dentro do cluster, quando se não encontram indicadores completos num determinado atributo, o estudo utiliza valores médios daquele cluster.
Acontece que há, pelo menos, um caso em que o cluster tem cerca de sete ou oito hospitais e há só dois valores, um que é 27 e outro que é 1030. é evidente que aplicar a média entre 27 e 1030 à média dos outros estabelecimentos quanto a este atributo é, pelo menos, discutível… Mas «damos o merecimento dos autos».
Este estudo está na net, deve ser comentado, deve ser criticado e avaliado.
Dentro dias, teremos disponível o portal da saúde do nosso Ministério, mas até lá, temos o portal da Direcção-Geral de Saúde. Temos todo o interesse e todo o empenho em que nos façam chegar os vossos comentários.
O Sr. Deputado Eugénio Rosa colocou-me a questão de os custos da gestão privada irem cessar ao fim de 10 anos e perguntou-me se isso significa que os hospitais vão deixar de ser geridos privadamente ao fim des-
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se período. Respondo que não ou, melhor, até pode acontecer, mas não é essa a razão. A razão, pura e simplesmente, é a de que pode bem acontecer que, ao fim dos primeiros 10 anos, os contratos possam vir a ser renegociados e pode até o Estado vir a assumir essa responsabilidade, pelo que não é possível orçamentar agora para daqui a 10 anos uma componente contratual ainda não prevista nem autorizada. Portanto, não é possível avançar para o futuro numa modalidade que ainda não sabemos «se vai ser assim, se vai ser assado»… O Sr. Deputado gostaria que fosse «assado», eu também sou capaz de gostar que seja «assado», mas há outros que também gostam que seja «assim»… Vamos ver…! Isso depende do futuro, depende de muitas circunstâncias… O Sr. Secretário de Estado estava aqui, há pouco, a dizer-me ao ouvido que, como isto vai decorrer daqui a 10 anos, quase de certeza muitos de nós já aqui não estamos nessa altura… Portanto, podemos até quase considerar que tudo poderá ser «cor-de-rosa»…, mesmo que não o venha a ser.
Sobre a sua questão de eu não saber o que é a diferença entre o valor «nominal» do contrato e o valor «actualizado» em causa para o hospital de Loures, dir-lhe-ei que ele é de 1774 milhões de euros, ou seja, valores não actualizados. Este valor actualizado a Janeiro do ano de 2004 representa cerca de 800 milhões de euros. É tão só isto!! E a actualização é feita através desta combinação de duas taxas: uma taxa de 2%, que nos dá a inflação e que foi fixada pelo Sr. Ministro das Finanças, e uma outra taxa que representa a variação de valor que os cidadãos dão à disponibilidade do dinheiro: «disponibilidade agora» ou «disponibilidade posterior».
É a isso que se chama valor actualizado, como o Sr. Deputado sabe. Já agora deixe-me que lhe diga, há pouco, o Sr. Deputado estava a confundir um estudo custo/benefício com actualização dos valores com um estudo de rentabilidade, misturando o cash-flow… Tudo isso nada tem a ver com o assunto, são coisas diferentes!
Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.
Ó Sr. Deputado, quer que eu diga que me enganei…? Ó, Sr. Deputado, óptimo. Pronto, enganei-me!...
Estou totalmente disponível para lhe fazer a vontade… Se é isso…
Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.
Ó Sr. Deputado…! Eu digo-lhe isto por complacência… Já lhe expliquei, Sr. Deputado!! Por amor de Deus, não nos faça perder a paciência, porque não o consegue! Já lhe expliquei,
Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.
Já lhe expliquei, Sr. Deputado! Desculpe lá, Sr. Deputado, mas eu ensino Economia da Saúde há 30 anos!... Quer dizer, eu sei fazer a avaliação custo/efectividade com a actualização de valores!... Provavelmente o Sr. Deputado nunca fez qualquer actualização de valores… e não compreende esta técnica, não compreende a diferença entre os valores nominais não actualizados e os valores actualizados. Trata-se do mesmo valor, Sr. Deputado! Lamento muito repetir mas trata-se do mesmo valor!! Por favor, a consideração que tenho por V. Ex.ª não é compatível com posições dessas, lamento dizerlho… Quanto à questão sobre novas entidades públicas empresariais, já respondi. Com certeza, suponho que vamos ter novas entidades públicas empresariais, mas não sabemos exactamente quantas nem como. Como foi dito, não queremos tomar decisões irreflectidas e impensadas.
Sr.ª Deputada Ana Manso, ilustre Presidente em exercício, agora aqui mais próximo, olhos nos olhos, é possível dar-lhe uma resposta.
A Sr.ª Deputada felicita o Sr. Secretário de Estado pela clareza do despacho, mas tem dúvidas quanto à sua aplicação e aos critérios, dizendo que cá estará para ver — muito bem! Agora, quanto à afirmação de o Hospital Sousa Martins, na Guarda, ser o «patinho feio», nada me pesa na consciência sobre essa acusação — aliás, não foi uma acusação, foi um receio que V. Ex.ª emitiu de que eu considerasse o Hospital da Guarda um «patinho feio». Não, não é um «patinho feio»! É um hospital muito activo, muito operacional, que, é certo, vive com muitas dificuldades em certas áreas, nomeadamente na da pediatria, cujas necessidades históricas são conhecidas. Porém, até na confrontação com os hospitais do distrito mais a sul, tem um melhor desempenho, por exemplo, em número de partos e de intervenções a eles associadas.
Portanto, não me cabe desvalorizar o desempenho do hospital. De resto, devo dizer que, quando visitei o hospital (e já foi há quatro anos), fiquei muito bem impressionado com várias unidades, nomeadamente uma unidade de quimioterapia, que, na altura, me pareceu ser dirigida por uma pessoa cheia de energia e de capacidade (não sei se ainda lá está…).
Assim sendo, não tenha receio, porque não vamos desgraduar o Hospital Sousa Martins — mais a mais, com um nome tão ilustre como é o do Prof. Sousa Martins.
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Em segundo lugar, quanto à área de influência, será que, com a promoção do Hospital de Viseu a hospital central, o Hospital da Guarda vai incluir-se na área de influência do Hospital de Viseu e, por isso, deixar de ser um pilar da Faculdade de Medicina da Covilhã? De modo algum! A classificação dos hospitais nada muda à realidade substantiva. O Hospital da Guarda é — ainda bem e muito bem! — uma peça essencial para o ensino médico na Universidade da Beira Interior. Pude aperceber-me disso, e eu próprio estou à vontade para dizê-lo porque, em 1997 ou 1998, na minha qualidade de cidadão, ajudei a encabeçar um movimento pela reivindicação para a cidade de onde sou originário de uma faculdade de Medicina. Portanto, estou absolutamente à vontade para dizê-lo. Hoje, conheço a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, que tem um excelente relacionamento com os três hospitais distritais que servirão de locais de ensino clínico. Portanto, tenho o maior dos respeitos e não me parece que Viseu, como hospital central, possa vir a tirar qualquer protagonismo ao Hospital da Guarda.
De resto, se eu tivesse dúvidas, quero dizer-lhe que o Sr. Secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos, aqui ao meu lado, que assinou o despacho de designação do Hospital de Viseu como hospital central, mais não fez do que confirmar uma deliberação tomada pelo anterior governo, da maioria a que V. Ex.ª pertence,…
Entretanto, reassumiu a presidência a Sr. Vice-Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Teresa Venda.
A Sr.ª Presidente: — Exacto!
O Orador: — … que não estava sob forma legal. Por isso, o que nós fizemos foi, pura e simplesmente, regularizar essa situação.
Em terceiro lugar, quanto ao encerramento de serviços, maternidade, etc., sei que esse é um problema que a todos preocupa, as populações e naturalmente o Ministério da Saúde, e quero dizer-lhe claramente, também olhos nos olhos, o seguinte: o Ministério da Saúde nunca tomará decisões unilaterais, nem decisões de surpresa, nessa matéria. As decisões que tomar serão sempre norteadas no interesse dos doentes. E se entender que o interesse dos doentes fica mais bem servido com modalidades organizativas actuais, muito bem; se entender que o interesse dos doentes e a qualidade dos cuidados de saúde prestados fica mais bem servido com outras modalidades organizativas, muito bem também. Portanto, o nosso «farol» é o interesse dos doentes e a qualidade dos cuidados de saúde prestados. E carecem totalmente de fundamento todas as movimentações, ameaças e receios, que não têm razão de ser em relação à «amputação de órgãos vitais» nos cuidados de saúde. Essas reorganizações e requalificações, quando forem feitas, serão discutidas cuidadosamente com as populações, os autarcas, os governadores civis, os serviços de saúde e as forças vivas locais, e teremos todo o prazer em explicá-las quando elas forem adoptadas.
A Sr.ª Presidente (Ana Manso): — Não foi esse o caso, Sr. Ministro!
O Orador: — Em relação a…
A Sr.ª Presidente (Ana Manso): — Àquilo que disse.
O Orador: — À Guarda?
A Sr.ª Presidente (Ana Manso): — Sim, ao hospital. E à zona de influência.
O Orador: — Peço desculpa, Srs. Deputados, e espero que não levem a mal esta interpelação directa que me faz a Sr.ª Presidente. É uma questão de boa vizinhança aqui, na presidência, e de boa vizinhança também geográfica, porque somos de distritos vizinhos.
Quanto à venda a público de medicamentos — e passando agora às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Manuel Pizarro —, creio que não vale a pena falar mais sobre a «cartelização», a captura e as dificuldades manifestadas por alguns grossistas. Penso que ainda é cedo para termos notícias a este respeito. Há realidades que são inelutáveis. Quer dizer, quando um país atinge um nível civilizacional que cria uma entidade reguladora do seu próprio mercado e quando essa entidade reguladora tem legitimidade, força e capacidade, acho que não vale a pena estarmos a julgar que os mercados vão ser «torcidos». A lei do mercado, aí, vai ajudar a esclarecer tudo calmamente. Há todas as indicações de que vão haver muitos locais de venda a público de medicamentos — já há 75 solicitados e 29 já abriram. Aqui e ali, estão a surgir algumas dificuldades no relacionamento com os grossistas, como já se viu, porque os grossistas já confessadamente admitiram que estavam a ser coagidos, em violação das regras da concorrência, a fornecer medicamentos. Porém, sendo Portugal um país com leis, o sistema jurídico certamente irá levar isso a bom termo.
Também concordo com o Sr. Deputado Manuel Pizarro sobre os meios complementares de diagnóstico — o seu comentário é absolutamente justo, o que nos interessa é a qualidade e não o mito da pertença ao sector público ou ao sector privado.
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Já agora, intercalo uma resposta ao Sr. Deputado Bernardino Soares, com a seguinte pergunta: por que é que temos tanta dificuldade em gerir bem instituições que gastam muito dinheiro e onde temos de prestar serviços rápidos, na hora, eficientes e económicos às populações? É porque, com a ajuda de muitos de nós e, sobretudo, de vós, Sr. Deputado, se criou uma carapaça jurídica que impede a flexibilidade da gestão, uma carapaça jurídica que torna absolutamente impossível gerir qualquer coisa, o que quer que seja. Evidentemente, não excluo que eu próprio tenha contribuído para essa carapaça jurídica — e os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP também não são imunes a esse pequeno «pecado» de todos termos, em nome dos direitos dos profissionais e dos trabalhadores, ajudado a criar uma carapaça jurídica que asfixia o funcionamento regular destas instituições. Portanto, se elas estão asfixiadas, o que é que vamos fazer? Vamos rebentar a carapaça? Vamos mudar subitamente as leis? Meu Deus! A mudança mais pequena, mais simples, das leis, desencadeia todas as guerras que VV. Ex.as conhecem!… Assim sendo, talvez haja soluções mais fáceis e mais directas, que contemplem toda a gente e ponham toda a gente satisfeita, que ainda gastem menos dinheiro e que aumentem, pelo menos, a qualidade.
Naturalmente, não recomendo esta medida para todos os serviços, mas recomendo-a — e insisto bem — para todas aquelas actividades que são apenas instrumentais.
Quanto a saber se à investigação vai ser atribuída uma verba de 5 milhões de euros para investigação sobre os serviços de saúde, com o apoio técnico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sem dúvida. Os estudos sobre a qualidade, sobre a gestão clínica, a clinical governance, que referiu, a infecção hospitalar, a avaliação económica, o impacto de serviços, a satisfação do utente ou o benchmarking comparativo, tudo isto faz hoje parte de um conjunto de tópicos de investigação sobre o próprio sistema de saúde, o health services research, como dizem os anglo-saxónicos, em que, há muitos anos, estamos «deprimidos», pois não o fazemos em quantidade suficiente.
Sr. Deputado Bernardino Soares, desta vez, não foram 17, mas cinco, as perguntas que fez. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado considerou que o Governo já decidiu a empresarialização e que depois se verá… Não, Sr. Deputado! No Programa do Governo, já se diz que todos os hospitais SA passam a hospitais EPE — isto consta, de um modo muito claro e transparente, do Programa do Governo. Mas também se diz claramente no Programa do Governo que se vai fazer a avaliação dos hospitais SA. Não são coisas incompatíveis mas coadjuvantes e muito importantes para melhorarmos e avançarmos com os futuros hospitais EPE. Nós só ganhamos com a avaliação dos hospitais SA, seja ela positiva ou negativa. E nada quero antecipar, nada! Nada sei de substantivo, não tenho qualquer imagem substantiva completa sobre o quadro dos actuais hospitais SA, pelo que não posso dizer se são melhores ou piores, do ponto de vista do desempenho. Serão certamente melhores do que alguns dos outros hospitais do sector público administrativo, nuns atributos, e serão certamente menos boas, noutros, mas, neste momento, não tenho informação suficiente (ainda não conheço os estudos) para lhe poder adiantar algo mais. Assim como não tenho rigorosamente qualquer parti pris ideológico sobre essa matéria. Por isso, solicitámos a uma comissão, o mais independente possível, a elaboração de um estudo. E por isso pusemos na Net um trabalho que é provavelmente muito orientado para um dos lados da balança. A nossa orientação é de total abertura — estamos aqui para aprender e para, depois, aplicar as melhores soluções.
O Sr. Secretário de Estado já lhe prometeu que, em Janeiro, terá provavelmente a desagregação dos elementos da contratualização.
Sobre a redução da hipotética majoração de 25% no preço dos medicamentos, está tudo dito, não valendo a pena repisar o assunto.
Quanto à contratualização e a saber se quem tem poder somos ou não nós, dizendo o Sr. Deputado que nada disto se resolve entregando-a ao sector privado, também já respondi.
Finalmente, o Sr. Deputado questionou sobre como vai a indústria reagir à diminuição de 6% no preço dos medicamentos. Esta é uma pergunta importante. Não julgue o Sr. Deputado que também não tenho as minhas angústias sobre o comportamento económico do sector produtivo para tornear as medidas que aplicámos, mas também espero que não julgue que nós estamos inermes. E porque não estamos inermes, mantivemos sempre uma capacidade negocial que nos é dada pelo facto de os chamados «preços provisórios» terem de passar a definitivos, sendo que, na portaria em vigor até ao fim do ano, eles baixam para um patamar de 10% em cada ano. Ora, até lá, esperamos ter o acordo celebrado com a indústria e, até lá, ainda temos essa arma — essa e outras, Sr. Deputado. Como compreenderá, um governo não pode negociar com parceiros sociais que legitimamente têm muita força — tal como o retalho na venda de medicamentos e, sobretudo, a produção de produtos farmacêuticos, que têm uma enorme força negocial — sem ter algumas alternativas. Ora, nós temo-las, pelo que espero que confiem nelas e em nós.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Se a Sr.ª Presidente me permite, gostaria somente de fazer um comentário em relação à questão das contas e da nossa vinda aqui, em Janeiro.
A Sr.ª Presidente (Ana Manso): — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
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O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Naturalmente, é com muito gosto que cá viremos, mas a disponibilização da informação, seja sobre os hospitais SA seja sobre qualquer contrato-programa, está também incluída no famoso despacho, ou seja, imediatamente após a homologação, está lá previsto que a mesma deve ser disponibilizada nos sites da Internet dos próprios hospitais, do IGIF e da Unidade de Missão dos Hospitais SA, o que deve acontecer ainda este ano.
A Sr.ª Presidente (Ana Manso): — Muito obrigado, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado.
Srs. Deputados, terminou a audição, em sede de debate na especialidade do Orçamento do Estado, da equipa do Ministério da Saúde.
A Comissão de Orçamento e Finanças voltará a reunir amanhã para a audição da equipa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 50 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.