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Sexta-feira, 27 de Outubro de 2006 II Série-OE — Número 3
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Reunião de 26 de Outubro de 2006
SUMÁRIO O Sr. Presidente (Patinha Antão) declarou aberta a reunião às 16 horas e 15 minutos.
Prosseguiu a preparação do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/X — Orçamento do Estado para 2007, tendo as equipas governamentais dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura apresentado à Comissão os respectivos orçamentos.
Relativamente ao orçamento Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Ministro (Luís Amado) e os Srs. Secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (José Gomes Cravinho), das Comunidades Portuguesas (António Braga) e Adjunto e dos Assuntos Europeus (Manuel Lobo Antunes) deram resposta às perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Henrique Rocha de Freitas (PSD), Renato Leal e Armando França (PS), Luísa Mesquita (PCP), Helder Amaral (CDS-PP), Helena Pinto (BE), Carlos Alberto Gonçalves (PSD), Maria Carrilho (PS), Paula Nobre de Deus (PS), Honório Novo (PCP) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Sobre o orçamento do Ministério da Cultura, intervieram, a diverso título, além da Sr.ª Ministra (Isabel Pires de Lima) e do Sr. Secretário de Estado da Cultura (Mário Vieira de Carvalho), os Srs. Deputados Luísa Mesquita (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP), Emídio Guerreiro e Sérgio Vieira (PSD), Manuela Melo (PS), Cecília Honório (BE), Nuno da Câmara Pereira (PSD), Teresa Portugal (PS), Agostinho Lopes (PCP) e Rosalina Martins (PS).
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda) encerrou a reunião eram 22 horas e 55 minutos.
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O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, vamos iniciar a audição do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dando, desde já, a palavra ao Sr. Ministro para proferir a sua intervenção inicial.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Sr. Presidente, Srs. Presidentes das Comissões de Negócios Estrangeiros e de Assuntos Europeus, Srs. Deputados: É com muita satisfação que aqui estamos para, junto dos Deputados das três Comissões, na medida do possível, procurarmos dar os esclarecimentos necessários para a compreensão do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
De facto, o orçamento é a base da execução política que o Ministério pretende desenvolver ao longo de 2007 e, nessa perspectiva, o orçamento deve ser interpretado, como os Srs. Deputados terão tido oportunidade de entender, na perspectiva do orçamento corrente e na perspectiva do orçamento da Presidência portuguesa, sendo que, por isso, há, no fundo, dois orçamentos e se compararmos os dados relativos ao somatório dos dois orçamentos teremos um orçamento de expansão, de crescimento, da despesa ao longo de 2007, mas esse exercício não é real se tivermos em consideração, sobretudo, a necessidade de atender ao que é a comparação entre o orçamento de funcionamento deste ano com o orçamento de funcionamento do ano que vem. Nesta perspectiva, direi que estamos perante um orçamento de contenção da despesa — naturalmente —, acompanhando o Ministério dos Negócios Estrangeiros o esforço de ajustamento que é pedido a todos os serviços do Estado, a todos os sectores da administração pública e a todos os Ministérios no sentido de ajustar a despesa, na medida do possível, às metas orçamentais macroeconómicas estabelecidas pelo Programa de Estabilidade e Crescimento.
No Ministério dos Negócios Estrangeiros esse ajustamento corresponde a uma redução global da despesa na ordem dos 14,3 milhões de euros face à estimativa da despesa executada ou a executar até ao final de 2006, sendo que esta redução traduz-se, sobretudo, ao nível dos gabinetes, menos 400 000 €, ao nível dos serviços gerais, onde há uma redução significativa de 10 milhões de euros, que terá de se traduzir em redução de encargos com pessoal, em redução de despesas com visitas de Estado e equiparadas e em poupanças em requisições de bens e serviços, seja comunicações, seja viagens, seja combustíveis.
Na área da cooperação e relações externas haverá também um ajustamento da despesa em relação à execução de 2006 na casa dos 3,4 milhões de euros, redução de contribuições e quotas em 3,9 milhões de euros e redução de despesas com acções diplomáticas extraordinárias em 1,3 milhões de euros.
Em relação ao PIDDAC, mantendo um valor próximo daquele que é a execução do PIDDAC deste ano, acentuaria, sobretudo, a importância dos projectos que, apesar de tudo, garantem financiamento no programa de investimentos que nos é apresentado, sobretudo os programas relativos à Sociedade de Informação, o programa relativo à Acção Externa do Estado e o relativo à construção, remodelação e equipamento de instalações, que são programas dotados na totalidade com 7,6 milhões de euros.
Em relação à Direcção-Geral das Comunidades e dos Assuntos Consulares temos, sobretudo, um investimento, que reputamos da maior importância, relacionado com o Portal e os quiosques electrónicos para o passaporte virtual, que assegurará uma importante renovação do ponto de vista do acesso dos utentes dos serviços consulares aos Consulados de uma forma virtual e tecnologicamente ao nível do que é hoje uma exigência de modernização que se coloca a esses Consulados. Não escondo que, relativamente à média da despesa de funcionamento, que é objecto de um ajustamento na casa, como sublinhei, dos 4,5%, sem a Presidência portuguesa, a redução no programa da cooperação oscila entre os 5 e os 9% consoante os critérios que venhamos a identificar na avaliação dessa despesa, sendo esse um dos sectores que é objecto do esforço de contenção que nos é imposto.
O orçamento da Presidência portuguesa está inscrito num programa próprio, que tem uma dotação de 51 milhões de euros, dos quais 45 milhões de euros estão afectos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com este programa pretendemos, naturalmente, responder às necessidades logísticas da realização da Presidência, mas, como é sabido, uma parte importante da actividade do Ministério estará concentrada ao longo do próximo ano no trabalho da Presidência portuguesa e por isso acreditamos que uma parte das despesas de funcionamento, que são sacrificadas com a redução que nos é imposta, possam, eventualmente, vir a ser acomodadas, desde logo, no acompanhamento do exercício de execução do orçamento da Presidência portuguesa no segundo semestre de 2007.
Independentemente disso, sabemos que ao longo do próximo ano há um conjunto de medidas de reforma que terão impacto orçamental e que esta proposta não reflecte, desde logo o impacto que decorrerá de uma reestruturação orgânica com algumas reduções ao nível das chefias de primeiro nível e intermédias e que, repito, terão reflexos na despesa ao longo do próximo ano.
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Por outro lado, vai ser desenvolvido um trabalho importante, de acordo com o compromisso já assumido perante a Comissão de Negócios Estrangeiros, de reestruturação da rede consular e da rede das missões.
De facto, este trabalho está em face final de apreciação e de decisão e, até ao final do ano, pensamos poder apresentar nesta Assembleia, perante a Comissão de Negócios Estrangeiros, a nossa proposta para a reestruturação da rede consular e para a reavaliação das missões diplomáticas externas, donde pensamos, também por esta via, ter oportunidade de, desde logo em 2007, embora os reflexos desse exercício de reestruturação se façam sentir mais tarde, eventualmente a partir de 2008, através desse exercício de reestruturação, poder realizar algumas poupanças no que respeita à execução do orçamento de 2007.
O mesmo se pode dizer relativamente aos exercícios de revisão das carreiras técnica e diplomática, que será desenvolvido ao longo do próximo ano e que permitirá, por essa via, na medida do possível, encontrar algumas poupanças.
No essencial, a perspectiva que temos é de que a organização do Ministério, seja na sua vertente central, seja na sua dimensão externa, deve servir a política e deve estar ao serviço das políticas do Ministério e não, por inércia, desenvolver-se numa actividade que, muitas vezes, em muitos casos e em situações que podemos facilmente identificar, se não adequa já ao que são as prioridades, os objectivos e as opções que, do ponto de vista político, nós próprios assumimos.
É, pois, nesta perspectiva que pensamos que o trabalho de reestruturação e de reorganização ao longo do próximo ano nos permite conferir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros alguma capacidade de ajustamento ao que são as prioridades e os objectivos de política que pretendemos realizar.
Direi que, relativamente às políticas que estarão no centro das nossas preocupações ao longo do próximo ano, como é natural, a política relativa à União Europeia, em particular o exercício da Presidência, ocupará grande parte da nossa atenção e mobilizará grande parte dos nossos recursos, humanos e financeiros, mas também, associado a esse exercício da Presidência, não deixaremos de dar particular atenção às políticas relativamente ao Magreb, em particular em relação ao mundo árabe e ao Mediterrâneo, bem como à África subsariana e teremos de ter também o dispositivo diplomático e a nossa organização mais capazes de acompanhar uma linha de preocupação com tudo o que se passa nessa área do Mundo, com renovada atenção e com concentração de meios mais compatível com as ambições e os objectivos que definimos.
Daremos também, ao longo do próximo ano, particular atenção à acção cultural externa e ao ensino da língua e, nessa perspectiva, pensamos que a refundação do Instituto Camões é absolutamente instrumental, uma vez que, como é sabido, as actividades relacionadas com o ensino do Português no estrangeiro, que até hoje tem sido tutelado pelo Ministério da Educação, serão transferidas, a partir do ano lectivo de 2008/2009, para a responsabilidade directa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Cremos que há um trabalho importante a fazer neste domínio de racionalização de recursos e de meios afectos a uma política mais ambiciosa de promoção da língua e da cultura portuguesas e o facto de podermos integrar numa mesma unidade orgânica, numa mesma instituição, a gestão do ensino do Português no estrangeiro, dos leitorados e do apoio ao nível académico e dos centros culturais e das bibliotecas de Língua Portuguesa, permitir-nos-á proceder a um exercício de racionalização de recursos e de meios, que é absolutamente compatível com os nossos objectivos.
Também daremos particular atenção ao longo do próximo ano, independentemente das opções orçamentais que o orçamento reflecte nesta matéria, à política relativa às Comunidades Portuguesas e o trabalho de reestruturação da rede consular terá de ter, necessariamente, por fundo, uma visão estratégica mais actualizada do papel das comunidades portuguesas na promoção dos objectivos, na defesa dos interesses estratégicos de Portugal no Mundo e é nessa perspectiva que este orçamento procura reflectir essa preocupação, dando um sinal claro no que respeita ao reforço do investimento — aliás, creio que é a única direcção-geral que vê o seu orçamento de investimento reforçado, porque entendemos que há um trabalho de modernização nas estruturas consulares a fazer, algo que terá de ser compatível com a ambição que assumimos relativamente ao papel estratégico das comunidades portuguesas no quadro da acção externa do Estado português.
No essencial, são estas as linhas gerais.
Creio que é mais interessante ficar agora por aqui, passando a ouvir as questões que os vários Srs. Deputados queiram colocar. Os Srs. Secretários de Estado também colaborarão connosco, dando os esclarecimentos que entenderem por convenientes.
O Sr. Presidente: — Dando início à primeira ronda de intervenções, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.
O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, começaria por cumprimentar os Srs. Presidentes da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e da Comissão de Assuntos Europeus, saudando o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado.
Quero saudar os membros do Governo pela exposição das linhas de acção do Ministério e dos eixos fundamentais definidos no quadro orçamental para o ano de 2007, que passam pela necessidade de uma reestruturação do Ministério, pela avaliação das missões diplomáticas externas e da rede consular, pela revisão do estatuto da carreira diplomática e pela nova lei orgânica do Ministério. O Sr. Ministro saberá tão bem como eu que no Ministério dos Negócios Estrangeiros é importante «arrumar a casa».
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Revemo-nos totalmente nas ideias e nos eixos fundamentais deste Ministério, no que diz respeito à Presidência portuguesa, à valorização da política de cooperação, da política das comunidades portuguesas e das relações externas culturais, obviamente com o enfoque decidido no relacionamento bilateral com a CPLP, com o espaço do Mediterrâneo e com a África subsariana. Aliás, parece que o pedido de autorização a esta Assembleia da República da deslocação do Sr. Presidente da República à área ibero-americana veio de propósito, pois este é também um dos eixos fundamentais.
Portanto, tal como o Sr. Ministro revemo-nos inteiramente nos eixos que foram definidos por si e pelo Ministério.
Estamos, contudo, a falar do Orçamento e, portanto, é a ele que temos de nos ater. Há um ano, nesta Casa, neste mesmo debate orçamental, o Sr. Professor Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros da altura, definia com alguma incomodidade o momento orçamental que estava a viver e dizia que a proposta de orçamento para 2006 se inseria no programa de correcção do défice excessivo das contas públicas. Dizia ainda que, de toda a Legislatura, o Orçamento de 2006 seria aquele em que haveria maior compressão orçamental, razão única pela qual o orçamento do Ministério representava uma redução de 3,7%. Mas, a compressão, pelos vistos, continua, pois é mesmo maior e neste ano orçamental de 2007 há uma descida de 5,2%.
Gostava de fazer aqui um parêntesis para, numa nota muito positiva, realçar o facto de o Sr. Ministro ter feito uma apresentação orçamental independente da Presidência portuguesa e outra considerando a Presidência portuguesa. Registo que não houve a necessidade de escamotear ou esconder esta realidade orçamental única na Legislatura, que são os 45 milhões de euros afectos à Presidência portuguesa.
Mas, como o Professor Freitas do Amaral entendia que 2006 era um ano de maior compressão, tinha fundadas esperanças no ano de 2007. Entendia que 2007 seria o ano de reorganização do Ministério, pensando que entre Abril e Junho de 2006 se aprovariam as leis orgânicas, o que vimos que não aconteceu e que terá «deslizado» para o final deste ano. Entendia ainda o ex-ministro que este seria o ano de abertura de novas embaixadas, do reforço da embaixada na Arábia Saudita e da abertura de duas novas embaixadas na Líbia e nos Emirados Árabes Unidos.
Pergunto, portanto, ao Sr. Ministro qual é o ponto de situação em relação a estas embaixadas. Qual é o ponto de situação da nossa embaixada em Berlim, que tem enfrentado uma sucessão de impedimentos, e qual é o ponto de situação da construção da nossa embaixada em Timor. O Sr. Ministro, de alguma maneira, já nos deu uma resposta quanto à revisão do mapa de embaixadas e consulados, mas se nos puder dizer com algum detalhe o que se passa sobre esta matéria, agradeço.
Gostava de lhe perguntar se é intenção do Ministério manter a abertura de concurso anual para adidos das embaixadas. Também gostava de lhe perguntar qual a indicação que o Sr. Ministro tem sobre a propalada redução dos lugares de conselheiros e adidos afectos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dos 110, quantos foram, efectivamente, reduzidos? Por outro lado, gostava de lhe perguntar como está a implementação do plano director dos sistemas de informação do Ministério, que julgo funcionar na secretaria-geral do Ministério, sob a orientação do Sr. Embaixador Gonçalves Pereira.
Fazendo estas pequenas perguntas, que, de alguma maneira, também se enquadram nas expectativas do anterior ministro, lembro o que ele concluía há um ano. Ora, perguntava o Professor Freitas do Amaral o que podia ser feito a partir de 2007. Não resisto a citar a resposta que ele mesmo deu, dizendo: «O aumento das verbas para a cooperação e para a acção cultural externa. Neste momento, estamos a reformular qualitativamente os sistemas. Esperamos, a partir de 2007, entrar num caminho de aumento de verbas que nos permita atingir os objectivos a que nos comprometemos para 2010.» Falemos, então, destas expectativas e desta esperança do Sr. Professor Freitas do Amaral, nomeadamente quanto à cooperação. Saliento, contudo, que o Sr. Professor Freitas do Amaral não está já em funções, mantendo-se, contudo, ainda que desgraduado, o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
Falemos, então, da cooperação. A cooperação vem claramente definida no orçamento que nos foi apresentado, nele se dizendo o seguinte: «O Ministério relançará também a política nacional de cooperação dando prioridade à implementação do conceito de cluster de cooperação.» Tivemos ainda ocasião de receber do Sr.
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação a apresentação do documento Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa, documento que, como alguém disse (que não eu), «só pode ser lido em cinco horas, com três cafés e um Xanax pelo meio»…! A verdade, porém, é que esse documento apareceu numa lógica de relançar a cooperação, tentando identificar áreas novas das prioridades geográficas da cooperação portuguesa. Que áreas são essas? São os PALOP e Timor-Leste, o que me levou a dizer na altura que estranharia que fossem os países de Leste, a Abcásia, a Chechénia, o Turquemenistão, a Ossétia do Sul ou a Quirguízia. Isso seria um momento alto da cooperação portuguesa, mas, de facto, a visão estratégica mantém-se igual ao que vinha de outros governos. Depois, também se falou de prioridades sectoriais que seriam novas, mas, quando vamos analisá-las, são exactamente as mesmas que sempre existiram, já que não me parece que a cooperação portuguesa se dedique agora à energia atómica, às componentes de electrónica nem à tecnologia aeronaval. Tudo se mantém, portanto, na lógica da educação, da saúde, da capacitação do Estado e do apoio orçamental.
Tudo isto para dizer que, de facto, há uma escrita e há uma prática e que esta última tem de ter tradução orçamental. Ora, a tradução orçamental é a que vamos ver. Peço, portanto, que estes dados que aqui tenho
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mereçam contraditório, a bem da cooperação portuguesa, porque, se assim não for, estaremos certamente out of Africa! O orçamento do IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento), que em 2006 era de 46,5, passa para 43,2, pelo que estamos a falar de uma redução de 7,8%. Todavia, se atentarmos aos exercícios orçamentais de 2003 a 2007, veremos que o orçamento de funcionamento do IPAD desce 72%. E temos de prestar atenção ao facto de o orçamento do IPAD ter sempre incorporado, todos os anos, a transição de saldos do ano anterior, pelo que gostava de saber se o orçamento de 2006 incorpora a transição de saldos de 2005.
É que, se assim for, se introduzirmos na evolução do orçamento de funcionamento do IPAD a transição de saldos, dir-lhe-ei que desde 2003, data em que o PSD e o CDS estavam no governo, até 2006, até à apresentação do Orçamento para 2007, data em que o PS está no Governo, a variação do orçamento do IPAD regista uma descida de 167%! Mas há mais: o documento sobre a visão estratégica para a cooperação é muito claro. Nele se lê o seguinte: «Apesar da quebra nos montantes atribuídos à APD (Ajuda Pública ao Desenvolvimento) em Portugal em 2003 e 2004, estamos hoje perante uma dinâmica internacional de acréscimo da APD a que Portugal não pode permanecer alheio. Existem aliás, diversos compromissos internacionais (…)» – e cito o documento estratégico apresentado nesta Casa pelo Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
Então, quais são, então, esses compromissos? No documento diz-se: «Os compromissos assumidos pela União Europeia para os valores de APD são de 0,7% do Rendimento Nacional Bruto até 2015. Como objectivo colectivo intermédio foi estabelecido para 2010 o valor de 0,56%. Este inclui objectivos individuais de 0,51% para os Estados-membros mais antigos, no grupo dos quais Portugal se insere (…).» Diz ainda este documento que «Portugal comprometeu-se ainda, em 2002, a cumprir o valor de 0,33% do RNB para a APD até 2006.» Vamos lá a ver, então, o que se passa em relação à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. A verdade é que esta rubrica, em 2005, teve 0,21% do RNB. Gostava, porém, de saber se o Sr. Ministro tem resultados finais de 2006.
Mas também é curioso que esta visão estratégica para a cooperação significa que a política de cooperação não é apenas seguida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. É uma política nacional com a qual todos os ministérios colaboram. É curioso verificar que no século XXI, nos orçamentos de 2000 a 2007, apesar de tudo, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento mantém-se e – o que é verdadeiramente fantástico, Sr. Ministro –, de todos os ministérios, o que regista uma descida mais significativa neste domínio é o do Ministério dos Negócios Estrangeiros e as verbas que lhe estão afectas. De 2000 a 2007 essas verbas descem mais de 50%! Sr. Ministro, com estes dados que lhe trago, queria chamar a sua atenção para algo que é preocupante para o PSD: a taxa de execução dos PAC (Programa Anual de Cooperação) para 2006. O Sr. Ministro tem alguma indicação sobre estes programas? Não me responda, por favor, em percentagens, mas, sim, em números reais, porque me parece que essas contas são muito difíceis de explicar.
Difícil de explicar é ainda o conceito operacional de cluster. Tanto quanto sei, o único cluster que ficou definido foi o da Ilha de Moçambique e, portanto, gostava de conhecer o ponto de situação, pensando, contudo, que Portugal não está a seguir o melhor caminho no que respeita à projecção da nossa imagem e da nossa realidade em África, que é uma prioridade estratégica para o nosso país.
Dito isto, apresento a V. Ex.ª, Sr. Ministro, cumprimentos e saudações pelo modo como expôs o documento orçamental, garantindo que tem do PSD a colaboração total quanto aos eixos e linhas fundamentais da sua acção política.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Renato Leal.
O Sr. Renato Leal (PS): — Sr. Presidente, gostava de informar V. Ex.ª que, se nos for permitido, geriremos o tempo de que dispomos entre mim, na qualidade de coordenador da Comissão de Negócios Estrangeiros, e o Sr. Deputado Armando França, como coordenador da Comissão de Assuntos Europeus.
O Sr. Presidente: — Pode fazer como entender, Sr. Deputado. Essa divisão é da livre vontade dos grupos parlamentares.
O Orador: — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Aproveito para cumprimentar os Srs. Presidentes da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e da Comissão de Assuntos Europeus, o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e os Srs. Secretários de Estado.
Gostaria, antes de mais, de realçar que, ao longo desta Legislatura, tem sido frequente a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros, tanto do actual titular da pasta, como do seu antecessor, e dos Srs.
Secretários de Estado na Comissão de Negócios Estrangeiros. Como tal, a temática hoje em desenvolvimento e em apreciação tem sido devidamente acompanhada por parte da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
O orçamento para o próximo ano contempla fundamentalmente cinco áreas: acompanhamento das missões militares ou de carácter civil com vista à manutenção da paz e de segurança internacional; política de
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cooperação; política cultural externa; políticas relativas às comunidades portuguesas, e relacionamento com os países de língua portuguesa.
Convém dizer que a parametrização deste Orçamento do Estado obriga também o Ministério dos Negócios Estrangeiros a ser capaz de continuar a aceitar este desafio, que é fazer-se cada vez mais e melhor com iguais ou menos recursos financeiros.
Nessa circunstância, gostaria também de realçar o esforço que o ministério fez de nos apresentar duas áreas completamente distintas: o orçamento para 2007 e os aspectos que têm a ver com a Presidência portuguesa, designadamente no segundo semestre do próximo ano. E aqui gostaria de realçar o que se nos afigura ser o rigor, a transparência e a verdade que este orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros encerra relativamente às políticas que se propõe seguir.
Durante a tarde de hoje, outros elementos da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas irão ter oportunidade de colocar questões ao Sr. Ministro relativamente a áreas mais específicas, mas eu gostaria de destacar aquilo que nos tem sido anunciado ao longo deste ano e que tem a ver com aquilo tem sido referido como «a arrumação da casa», no que diz respeito, designadamente, às missões diplomáticas externas e à rede consular. Se fosse possível adiantar já hoje algo mais sobre esta matéria, agradecia muito ao Sr. Ministro.
Por outro lado, gostaria que o Sr. Ministro, se assim o entender, nos dissesse se, no que diz respeito à diplomacia económica, já há, efectivamente, algo de substancial e de concreto para ser implementado no decurso do ano de 2007.
Por fim, no que diz respeito ao relacionamento com os países de língua portuguesa, gostaria de realçar a prioridade que o ministério pretende dar ao seu desenvolvimento, quer no plano bilateral, quer também no contexto da CPLP, bem como ao diálogo com o parceiros da América Latina, designadamente no contexto das cimeiras ibero-americanas.
No que diz respeito à Presidência do Conselho da União Europeia no segundo semestre de 2007, gostaria que o Sr. Ministro, se assim o entendesse, nos dissesse algo sobre temas, que sei que lhe são queridos, como liberdade, segurança, justiça e imigração ilegal.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando França.
O Sr. Armando França (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, uma primeira nota para registar as, seguramente sinceras, notas de concordância, em termos de política geral e de definição de política externa, do PSD relativamente às orientações do Governo. Sei que é apenas um comentário, esperamos é que essa adesão ultrapasse as palavras e se transforme, para além deste momento, também numa actuação diária, concreta e permanente, nomeadamente neste Parlamento.
V. Ex.ª fez exactamente aquilo que nós gostaríamos que fosse feito. O ano de 2007 é um ano de desafios – a Presidência portuguesa será, seguramente, um desafio para Portugal – e V. Ex.ª abordou aquilo que deve ser feito com um o orçamento de verdade e de rigor, mas limpo, segundo nos parece, na medida em que está expurgado de «gorduras» sob o ponto de vista financeiro, e que tem montantes que se nos afiguram suficientes para concretizar aquilo que verificamos ser uma estratégia.
A parte introdutória do orçamento e do relatório avança com uma estratégia e com prioridades, e a Presidência portuguesa é a prioridade principal, como, de resto, acabou por dizer. E a estratégia está definida de modo muito claro, em articulação com a presidência alemã e com a presidência eslovena. Aí está o futuro político da União e os desafios do alargamento, aí está a Estratégia de Lisboa – Liberdade, Segurança e Justiça – e, finalmente, o reforço da paz e da estabilidade global, em particular mediante cooperação com a ONU.
Não deixou também, e, sob o ponto de vista político, para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista isso afigura-se importante, de referenciar sempre a ideia do multilateralismo em todas as acções a serem desenvolvidas por Portugal no âmbito da Presidência portuguesa e, de uma forma geral, da política externa portuguesa. Daí que este orçamento, para além de ser limpo e de estar expurgado de «gorduras», tem uma estratégia e prioridades.
E, para nós, há uma outra ideia que gostaríamos de transmitir: parece-nos que o montante que está orçamentado no que respeita à Presidência portuguesa é um montante que permitirá uma gestão tranquila – a tranquilidade que, de resto, V. Ex.ª transpira – e com a dignidade daquilo que deverá ser a Presidência portuguesa.
Para uns o montante orçamentado é tudo, mas, para outros, não, porque o que conta é também e principalmente a qualidade dos seus executantes e dos seus responsáveis. Nesta medida e porque os seis meses da Presidência são um período importante, gostaríamos que nos desse uma ideia sobre a logística que está pensada, pelo menos nas suas linhas gerais, para a Presidência e também, na medida do possível, a ideia que há sobre a realização das muitas reuniões que vão ter de realizar-se no âmbito da Presidência, particularmente aquelas que dizem respeito aos conselhos informais.
Se a Presidência portuguesa for aquilo que achamos e que confiamos que vai ser, o ano de 2007 será para Portugal um ano bom de projecção da política externa portuguesa e de Portugal, sobretudo e principalmente no contexto da União.
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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, quero começar por saudar os presidentes das três comissões aqui presentes, o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e os Srs. Secretários de Estado, saudando, principalmente, o Sr. Ministro pela clareza da sua exposição e por não tentar confundir os Deputados com números, demonstrando exactamente as comparações entre aquilo que é hábito vir chorar-se, ou seja, as estimativas de execução e os orçamentos iniciais.
O Sr. Ministro diz que é o dinheiro que há, que não tem mais e que daqui decorrem uma série de cortes.
Quero, portanto, saudá-lo por essa clareza, que não sido muito hábito nestas nossas discussões sobre o orçamento em algumas áreas, particularmente naquelas onde, naturalmente, a fragilidade orçamental se nota mais.
Gostaria de começar, Sr. Ministro, por lhe colocar a questão do orçamento de uma forma muito genérica.
V. Ex.ª enviou-nos o orçamento por acções para 2007 e nós comparámo-lo com o orçamento por acções de 2006, que já temos, sendo aqui muito mais visíveis as leituras comparativas e muito mais fáceis de equacionar as diferenças e as semelhanças.
E aquilo que me parece evidente é que não só as verbas decrescem tal qual como já decresceram no ano de 2006, algumas delas decrescem até relativamente a 2005, como já aqui foi referido, como também os objectivos e as estratégias são iguais. Eu admito que as estratégias possam ser as mesmas, porque estamos no mesmo Governo, mas os objectivos repetem-se, o que significa que a grande maioria dos objectivos presentes para 2006 não foram concretizados.
Dar-lhe-ei um conjunto de exemplos, mas é, no mínimo, possível considerar-se, Sr. Ministro, que, face ao decréscimo de 2006, não se cumpriram os objectivos e, então, face ao decréscimo de 2007, naturalmente, teremos para 2008, mais uma vez, exactamente o mesmo orçamento com os mesmos objectivos para cumprir. Naturalmente, seria preferível definir prioridades e executá-las e não deixar sempre os orçamentos a 40% da sua execução e às vezes até a menos.
Penso que um dos vectores mais importantes do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros são os recursos humanos. Sabemos que o abate é generalizado em toda a Administração Pública e, naturalmente, também na área do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas os recursos humanos aqui, independentemente daqueles que trabalham em Portugal, são obrigatoriamente a imagem do Estado português no exterior e é preocupante saber que, a esse nível, as questões mais difíceis de resolver se mantêm inalteradas ao longo de muitos anos.
Esta é a primeira questão que lhe quero colocar, porque, aqui há um ano, quando colocámos estas questões ao Sr. Ministro da altura, ele comprometeu-se a resolvê-las todas, sem qualquer excepção, durante o ano de 2006. Estou a referir-me às actualizações salariais, que não estavam resolvidas relativamente aos trabalhadores de vinculação e aos trabalhadores contratados.
Relativamente aos anos de 2003 e de 2004 a situação foi resolvida, mas penso que a de 2005 ainda não está resolvida, que a de 2006 não foi ainda iniciada a negociação e que a de 2001 continua pendente, de acordo com a informação que tenho. Como imaginará, já veio várias vezes à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas o Sindicato dos Trabalhadores Consulares, e eu gostaria, por isso, de ouvir com clareza o que é que se passa com estas actualizações salariais.
Gostaria também de lhe perguntar, Sr. Ministro, se as contratações para os centros culturais do Instituto Camões continuam a seguir os procedimentos dos últimos anos, ou seja, contratos de ajuste directo e local, muitas vezes sem qualquer procedimento administrativo e sem a realização de qualquer contrato escrito, não tendo, por isso, os trabalhadores direito aos direitos consagrados constitucionalmente – e refiro-me, por exemplo, à assistência médica e medicamentosa, como o Sr. Ministro sabe.
Como o Sr. Ministro falou de uma reestruturação para 2007 no âmbito dos centros de língua e de cultura do Instituto Camões, seria interessante saber se essa reestruturação se fará com estes ou com mais recursos humanos ou se, quando se fala de reestruturação, estamos a falar — e esse um dado interessante no texto… É que no texto de 2006 a palavra escolhida foi sempre «reestruturação», mas no texto que nos entregou a simbologia da reestruturação é muitas vezes substituída por racionalização, que não é, como sabe, a mesmíssima coisa, mesmo em termos semânticos, quanto mais linguísticos… Assim, quando o Sr. Ministro fala da reestruturação consular e, ao longo do texto, a substitui por racionalização, e considerando que se trata de um compromisso eleitoral do Partido Socialista, que já foi anunciado duas vezes este ano como tendo terminado – abemos agora que talvez seja em fins de 2006 – pergunto-lhe se se trata, de facto, de uma reestruturação consular ou se, agora, pretende-se exclusivamente, por uma questão de contenção de recursos, racionalizar as estruturas consulares e as missões, porque, como, naturalmente, todos nós entenderemos e será fácil de aceitar, as nossas correntes migratórias são bem diferentes daquilo que eram há 10 ou 15 anos, e, naturalmente, é desejável e necessário que a reestruturação consular se faça.
Naturalmente que os dados que temos hoje do Reino Unido e da França não os teríamos há 10 ou 20 anos atrás; não os teríamos em termos de quantidade e eu diria que não os teríamos em termos de qualidade e de retrato socioprofissional e socioeconómico. E, portanto, é natural que a reestruturação seja desejável, aconte-
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ça, mas que nós saibamos exactamente com que parâmetros, objectivos e estratégias, a não ser exclusivamente a estratégia da contenção orçamental e da racionalização de recursos.
Gostaria, pois, que nos falasse um pouco mais sobre este assunto, até porque também referiu os novos estatutos de carreira. Já sabemos que não, para este ano; estavam previstos para este ano, mas vão passar para o próximo ano e, portanto, era importante saber isso, ou seja, saber o que se passa relativamente à política dos serviços dos recursos humanos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Depois, tem-nos chegado também a informação de ausência de compromissos por parte do Ministério relativamente a pagamentos atempados de trabalhadores das embaixadas e dos consulados. Chegam-nos informações, às vezes, de alguns meses de atraso; chegam-nos informações de que há trabalhadores que, ainda hoje, esperam os pagamentos em horas extraordinárias realizadas aquando das eleições para a Presidência da República – aliás, esta é uma comunicação recentíssima, chegada à Comissão e aos grupos parlamentares, e eu também gostaria de saber relativamente a esta matéria se as questões já estão ou não resolvidas.
Por outro lado, a questão dos serviços externos é importante, porque a rubrica de pessoal dos quadros de serviços externos tem uma verba inferior à de 2005.
Já vimos também que na Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas a verba para o funcionamento desce e eu gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se aquela frase, muito clara mas muito pouco sustentada em termos orçamentais, de que as comunidades portuguesas têm a garantia, através, provavelmente, penso, do Conselho das Comunidades Portuguesas, da sua operacionalidade e da sua representatividade, se prende com um processo de alterações legislativas, no que tem que ver com o Conselho das Comunidades Portuguesas, ou se se prende com algum reforço de verba que o Ministério tenha previsto para o funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas, que, como sabe, tem um plenário a realizar durante o ano 2007 e que, nos últimos anos, tem vivido com imensas dificuldades – aliás, posso até dizer que se o Conselho ainda funciona é porque os conselheiros, particularmente os que integram o Conselho Permanente, se disponibilizam a pagar as suas estadias em Portugal, vindos dos quatro cantos do mundo, e, depois, é esperar que o dinheiro apareça...
Gostaria também que o Sr. Ministro se referisse um pouco ao Fundo para as Relações Internacionais (FRI), pois tenho sempre muita dificuldade em perceber as verbas presentes neste Fundo, uma vez que, sendo certo que este Fundo é, fundamentalmente, sustentado pelos emolumentos, a sensação que todos temos, e, penso, que é correcta – aliás, creio que o Sr. Ministro também estará de acordo comigo –, é a de que os emolumentos não param de crescer mas nem sempre o Fundo para as Relações Internacionais cresce.
Assim sendo, gostaria também que me explicasse a verba, independentemente da explicação de rodapé, que aparece no Fundo para as Relações Internacionais, a não ser que existam mais alguns objectivos para este Fundo que não estejam explícitos e, por isso, é importante que o Sr. Ministro os referira.
Já aqui se referiram algumas das afirmações feitas pelo anterior ministro, Prof. Freitas do Amaral, e a verdade é que, até porque desaparecem deste orçamento, ou concluímos que todas elas se concretizaram, ou, sabendo nós qual é a taxa de execução deste Ministério, concluímos que nenhumas se realizaram e se não se realizaram seria, pelo menos, de bom-tom que se repetissem, ou, então, temos de concluir que não tinham importância, que não constituíam qualquer sustentação de estratégia e de objectivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que, por isso, desapareceram deste Orçamento.
Refiro-me, concretamente, ainda, quanto ao Instituto de Camões, àquilo que era a previsão para 2006, da criação de 60 instituições apoiadas; à intenção de aumentar em 68 o número de leitores formadores e professores contratados; à criação de mais cinco cátedras; e à criação de 16 centros de língua e de 48 pólos de formação para a formação contínua de professores do ensino secundário. Ora, parto do princípio de que tudo isto foi feito e é por isso que não está no orçamento para 2006.
Tenho aqui ainda algumas questões relativamente ao PIDDAC, que ficarão para uma próxima intervenção, embora a segunda intervenção da minha bancada esteja a cargo do Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Helder do Amaral, para intervir em nome do CDS-PP.
O Sr. Helder do Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, quero aproveitar para cumprimentar os Srs. Presidentes das Comissões, os Srs. Membros do Governo, e dizer-lhe, Sr. Ministro, completando com a clareza com que expôs o orçamento, que o felicito porque também o fez em tempo recorde.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que em matéria de política externa preocupa-nos sempre que haja algum consenso e, muito mais, quando o orçamento é de contenção. Daí que nós também concordemos com as linhas gerais da política do Ministério, com a reestruturação que aqui nos expôs e que também não nos parece que mereça grande reparo. Mas há algumas dúvidas, porque há algumas mudanças ligeiras nos eixos de acção política e que nos parece que não indicam, em alguns casos, o melhor caminho.
Assim, gostava de me centrar, para além da reestruturação, na ausência, que me pareceu existir, da leitura que fiz, daquilo que é considerada a diplomacia económica e que anteriormente, aparecia mencionada como a internacionalização da economia portuguesa.
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Ora, quando falamos de um orçamento de restrição, quando o País tem dificuldades económicas e quando as dificuldades são visíveis em todos os ministérios, parece-me que este campo de acção mereceria da parte do Governo – e não sei se o Sr. Ministro concordará comigo – uma acção muito mais efectiva.
É que me parece ser importante que Portugal possa estar presente naquilo que são os mercados emergentes, de que daria como exemplo a China e a Índia, hoje consideradas a grande fábrica do mundo, o Brasil e o México, inclusive, e, como aqui já foi referido, e bem, a nossa relação com África, nomeadamente com Marrocos. Aliás, aqui não vou sequer citar o Sr. Ministro nos comentários de V. Ex.ª aquando da sua visita a Marrocos, referindo-se à prioridade que seria Marrocos nas relações Europa-África, no que seriam com as nossas exportações para Marrocos, que é um dos nossos vizinhos com quem temos, inclusivamente, algumas cimeiras, e nas políticas, que até podem chocar, de imigração, não vou, de facto, referir-me a isso, mas gostava era de saber se não estamos numa fase de deixar aquela que era considerada a «diplomacia do croquete» para passarmos para uma diplomacia mais virada para os aspectos económicos, sendo que, no fundo, só se mexe na reestruturação.
Ficaremos, depois, a ver se vai haver ou não reestruturação das nossas embaixadas e consulados e, ainda, nestes países que citei, qual será a nossa presença em termos de embaixadas e consulados para que possamos transformar as nossas embaixadas e consulados em centros de investimento e de defesa dos interesses das empresas portuguesas – o que seria um aspecto fundamental, até o modo como elas vão funcionar, ou seja, integrando, por exemplo, o ICEP nas estruturas consulares. Aliás, parece-me que já havia algum caminho feito em governos anteriores, havia algumas ideias explanadas do Ministério, mas que, neste orçamento, não me parecem ter acolhimento.
Quanto à cooperação ela sofre um corte de 3 milhões de euros e continuamos um pouco «engajados» naquilo que é a cooperação nos movimentos internacionais e multilaterais. O que é que eu quero dizer com isto? É que, mesmo tendo em conta que a prioridade assumida eram os Objectivos do Milénio, e que isso recaía, em grande medida, sobre a cooperação, que nos obrigaria a ter uma concertação, entendo que falta aqui, no fundo, um reforço da cooperação bilateral, nomeadamente com os PALOP, que tem áreas que, para nós são prioritárias, como seja a boa governação, a democracia, o desenvolvimento sustentado, a luta contra a pobreza, em particular a educação e a saúde – e quando falo de educação e saúde refiro-me, obviamente, ao caso de Timor, Angola, Guiné Bissau –, isto sem esquecer uma área que me parece também fundamental, que é a dos apoios nos projectos técnico-científicos, nomeadamente na formação de quadros da Administração Pública nos países com quem temos responsabilidades e solidariedade, sendo que nos parece que estes objectivos não estão atingidos nem parecem ser prioridade neste orçamento.
Não sei se isso resulta do grande corte, mas o certo é que eu fiquei com a ideia, quando fizemos a primeira audição com o Sr. Ministro, de que a cooperação técnico-militar seria um facto importante também para o seu Ministério, seria, inclusive, um dos factores de afirmação do País, do reforço e da ajuda ao desenvolvimento, mas não sei se estas verbas ficam só no Ministério da Defesa Nacional ou se há depois alguma cooperação, pelo que gostaria de saber quais são os campos que ficam num Ministério ou no outro, nomeadamente o IPAD – aliás, não sei se isso resulta até da redução do orçamento que aqui já foi focada.
Quanto às comunidades portuguesas, fiquei surpreendido com a redução do orçamento e com a pouca importância que parece ser dada às comunidades portuguesas.
O Sr. Secretário de Estado apresentou, e bem, um estudo que, pelos vistos, nos deixa agora com uma ideia mais clara de quantos somos, onde estamos e o que é que temos em termos de comunidade portuguesa. Esperamos que essa visão possa ter consequência na tal reestruturação da rede consular e das embaixadas, no sentido de estarmos onde estão os portugueses.
Assim, parece-me que seria importante, numa altura em que o Ministério, embora eu tenha dito que a diplomacia económica não seja visível, faz-se uma referência à captação de investimento estrangeiro, pois na comunidade portuguesa existem muitos e variadíssimos investidores, que têm uma ligação com países muito mais agilizada e fácil, o Governo poderia concentrar-se na captação de investimento daqueles que são os nossos luso-descendentes, que têm grande poder económico, e, se calhar, seria bom dar prioridade para a captação desse investimento, em vez de, às vezes, assistirmos ao nosso Ministro da Economia anunciar investimento estrangeiro que, depois, não se concretiza.
Portanto, temos proximidade, temos, com alguns, a mesma língua e parece que a capacidade da comunidade portuguesa, nesta vertente, não está explanada neste orçamento.
Também não fica claro como irá funcionar, mas o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado, com certeza, nos esclarecerão sobre essa matéria, os chamados quiosques electrónicos dos consulados virtuais. Como é que vai ser o acesso? Como é que funciona a emissão da documentação? Para qualquer cidadão, se precisar de um passaporte, como será o acesso a esse documento? Podemos emitir ou não os passaportes electrónicos nos consulados? O acesso é feito de que maneira e a partir de onde? E isto prende-se também, numa das linhas que aparece aqui, como o aumento da eficácia da resposta dos consulados. Julgo que uma das formas da comunidade portuguesa se sentir acarinhada e de sentir que existe uma retaguarda é, de facto, este livre acesso e esta facilidade de acesso aos nossos consulados.
Gostaria também de dizer, quanto ao ensino da língua e da cultura portuguesas, que me parece ser as novas bandeiras do mundo moderno, que me parece ficar aquém daquilo que é uma ideia que consideramos prioritária. Parece-nos que o nosso reforço da presença, nomeadamente em África… E, aqui, sei bem que o
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Ministério, quer o actual Ministro quer o anterior, tinham uma linha mais virada para os PALOP, mas não me parece que isso seja suficiente e gostava de perguntar ao Sr. Ministro se considera ou não que a nossa presença em África, sendo prioritária com os PALOP, deve ultrapassar os próprios PALOP. Ou seja, a nossa relação com Africa não se deve limitar apenas e só aos PALOP, porque há outros países com representatividade regional com quem Portugal deveria ter uma presença mais efectiva e um contacto mais permanente.
Quero ainda dizer que, de facto, nos preocupa, não só porque foi difundido e largamente assumido, a reestruturação do Instituto Camões. Parece-nos fundamental e parece-nos que essa reestruturação iria torná-lo ágil e capaz de ser, de facto, um agente de divulgação da língua e cultura portuguesas mas, naquilo que é visto no orçamento, há uma ligeira redução e parece-me que essa redução pode chocar com este objectivo, que, para nós, era fundamental e prioritário.
Termino por aqui, agradecendo ao Sr. Ministro e aos Secretários de Estado.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto, para intervir em nome do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Presidentes das Comissões, Srs. Membros do Governo: Nesta primeira ronda de questões, Sr. Ministro, gostaria de centrar a minha intervenção, na abordagem de três questões fundamentais, tendo em conta a proposta de orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo que, apesar de alguns aspectos já terem sido, aqui, falados por outros Srs. Deputados e pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, no entanto, eu pretendia ainda voltar a algumas questões e pedir ao Sr. Ministro, se for possível, algumas precisões.
Há uma questão que já foi referenciada e que também não posso deixar de sublinhar: é que há um ano atrás, nesta mesma Sala, com o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros da altura, o Prof. Freitas do Amaral, muitas destas questões foram colocadas, uma determinada perspectiva foi apresentada e verificamos que, um ano depois, ou nada foi feito ou, então, aquilo que foi feito pelo seu antecessor não é considerado nesta proposta de orçamento para o ano de 2007, porque algumas questões parecem-me recorrentes.
E começaria por uma questão que tem que ver com as missões diplomáticas e com a rede consular. Aquilo que é dito nas linhas de acção política, que penso que também centram, do ponto de vista político, os objectivos do Governo para o próximo ano nesta área, é que o Ministério procederá a uma avaliação das missões diplomáticas externas a par da correspondente reestruturação da actual rede consular.
Bom, tanto quanto sabemos e tanto quanto foi aqui afirmado pelo então ministro Prof. Freitas do Amaral, essa avaliação já estava em curso, até havia alguns dados concretos. Lembro-me – fui buscar os meus apontamentos – que, inclusivamente, já se apontava, por exemplo, para a redução de 50% dos conselheiros e adidos, até já havia algumas coisas bastante concretas, e ficámos à espera, na Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, na altura, que chegasse o projecto de reestruturação.
Isto não tem só implicações no que respeita aos portugueses e às portuguesas que vivem no estrangeiro, como o Sr. Ministro sabe, tem que ver com a imagem do nosso país, sobretudo numa conjuntura em que continuam a chegar-nos diversos relatos de situações preocupantes nos consulados. Aliás, segundo a última informação do Consulado de Londres, o Ministério já está em tribunal e foi, inclusive, apresentada uma queixa-crime por alguns procedimentos em relação aos trabalhadores desse consulado, assim como chegaram informações de muitos outros consulados. E continuamos sem entender qual é a política central do Ministério não só para a reestruturação como também para servir melhor as pessoas que se encontram no estrangeiro.
Verifiquei também que vai ser criado, no próximo ano, o gabinete de emergência consular, o que saúdo.
Contudo, gostaria que o Sr. Ministro, se tivesse a oportunidade, falasse um pouco sobre o mesmo, porque no documento não é claro em que situações concretas é que ele vai actuar, se será só naquelas emergências que, por exemplo, têm que ver com catástrofes naturais ou se também terá uma vocação especial para as situações de emergência que as novas emigrações portuguesas, como, por exemplo, aconteceu na Holanda ou noutros países, têm vindo a colocar às representações portuguesas no estrangeiro – aliás, como sabemos, foi sobretudo essa situação da Holanda, que aqui também foi objecto de discussão em sede de Comissão, que levantou novas necessidades perante as novas formas de emigração dos portugueses.
A segunda questão que me parece preocupante prende-se com a cooperação portuguesa. E aqui, Sr.
Ministro, também não posso deixar de referir aquilo que se passou nesta mesma Sala, há um ano atrás: há um ano atrás, ouvimos do responsável do Governo que o aumento das verbas para a cooperação seria no ano de 2007 – e o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação da altura está aqui presente.
Aliás, Portugal tem, como outros países, o compromisso, em termos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, de, em 2015, chegar aos tais 0,7% do Produto Nacional Bruto para a ajuda ao desenvolvimento. A nossa vizinha Espanha já está praticamente a atingir esse objectivo, como sabemos (já lá está, pelo menos foi assim anunciado, não estará com certeza tão longe como nós), e, pelos vistos, Portugal, em vez de avançar no sentido de alcançar esta meta, parece seguir exactamente o sentido contrário andando para trás.
Ainda sobre a questão da política de cooperação, as linhas de acção política parecem-me, se me permite a expressão, Sr. Ministro, simples demais depois de termos discutido e conhecido o documento Uma Visão
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Estratégica para a Cooperação Portuguesa, ao qual nem uma pequena referência se faz nestas linhas do Orçamento, embora suponha que, com certeza, o Ministério continua a subscreve-lo em absoluto.
Eventualmente, terei uma leitura diferente da do Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas sobre o mesmo, mas verifico que aqui não há sequer uma referência a esse documento, que me parece um documento base e importante para toda a cooperação portuguesa, assim como não há uma referência ao combate à pobreza, relativamente ao qual há, inclusivamente, verbas estipuladas em termos da cooperação.
Gostaria, se fosse possível, que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado fossem um bocadinho mais longe nessa matéria e dissessem como é que a cooperação portuguesa vai contribuir para o combate à pobreza, até relacionando-a com as questões da imigração irregular e com outras que todos conhecemos.
Queria igualmente colocar uma questão – e com esta terminava a parte da cooperação – que se prende com a Sociedade Financeira para o Desenvolvimento.
Já no ano passado eu própria questionei o Sr. Ministro sobre o que iria ser esta tal Sociedade Financeira para o Desenvolvimento, tendo-me sido respondido, na altura, que os trabalhos sobre esta matéria estavam muito adiantados – sublinho, há um ano – e que haveria uma decisão entre Outubro e Novembro.
Solicito igualmente, se for possível, que se vá um bocadinho mais longe sobre esta matéria, o que, penso, seria importante para o nosso esclarecimento.
Por último, na sua intervenção inicial, o Sr. Ministro referiu uma questão, que me parece igualmente muito importante, que tem que ver com as prioridades das relações externas do nosso país e da cooperação, e colocou algumas prioridades: falou, por exemplo, dos países do mediterrâneo, do Magreb, da África subsariana, para onde Portugal se deve virar.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, não posso deixar de colocar-lhe esta questão, para finalizar esta intervenção, que se prende com a posição de Portugal nas Nações Unidas em relação à proposta de resolução sobre o Sahara Ocidental.
Portugal absteve-se numa resolução, contrariando o seu voto anterior, pois, no ano passado, tanto quanto sei, votou favoravelmente resoluções semelhantes, e não se entende esta posição. Aliás, trata-se de uma resolução apoiada pela esmagadora maioria dos países da União Europeia, que reconhece o direito dos povos à sua autodeterminação e à independência.
Logo, até tendo em conta aquilo que o Sr. Ministro disse sobre as prioridades e as áreas de intervenção do nosso país em termos de relações externas, parece-me que era importante perceber se há ou não uma mudança de posição e o que é que vai acontecer, porque a resolução será novamente sujeita a votação na Assembleia Geral. Portanto, pergunto, qual será o sentido de voto do Governo português numa matéria com esta importância.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, para responder em bloco às questões que foram levantadas.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, tentarei ser sucinto e responder, tanto quanto for possível, a todas as questões que foram colocadas. Naturalmente, depois darei a palavra aos Secretários de Estado para que possam, relativamente a algumas das questões mais directamente relacionadas com a área da sua tutela, complementar as minhas respostas.
Gostaria de começar por dizer o seguinte: estamos a trabalhar um Orçamento, portanto, uma matriz de despesa para o Estado ao longo do próximo ano, e temos de ter a noção da conjuntura em que a preparação do Orçamento é feita. Temos de ter em consideração, relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estamos num ano em que vamos ter um exercício muito importante, que é o exercício da Presidência portuguesa, sendo que sabemos, à partida, que esse exercício é caro – entre 50 a 60 milhões de euros, no mínimo –, pois é um exercício que envolve 27 Estados-membros e toda a logística é da responsabilidade do Estado.
Depois, temos de ter outra noção, que é a de que temos de fazer um ajustamento orçamental doloroso ao longo deste ano, o que significa que temos de cortar 500 milhões de euros na despesa pública e isso tem de ser repartido pelos diferentes ministérios.
Portanto, sabendo, à partida, que vamos ter mais despesa obrigatória do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por força do compromisso que é a realização da Presidência portuguesa, naturalmente que seria absolutamente inaceitável, do ponto de vista político, que o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não colaborasse relativamente ao exercício que é necessário fazer da redução da despesa de funcionamento, para além do exercício da Presidência portuguesa. É por isso que o Ministério dos Negócios Estrangeiros até é dos poucos ministérios que cresce, que tem uma despesa prevista, para o próximo ano, maior do que a que teve para 2006.
Mas se tenho à partida 50 milhões de euros de despesa para orçamentar, se tenho que acompanhar a solidariedade que todo o Governo deve ter em relação à contenção da despesa, reduzindo o défice para 3,7% do Produto Interno Bruto, é óbvio que tenho de fazer alguma coisa.
Srs. Deputados, por isso, o primeiro exercício que fiz foi dizer-vos exactamente o que é que ia cortar. Não tinha outra razão para fazer esse exercício! Não estive aqui com um exercício de lucubração a dizer que o orçamento do Ministério vai aumentar, porque até vai, mas isso vai suceder porque há um exercício da Presi-
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dência e esse exercício é caro, custa, no mínimo, 45 a 50 milhões de euros, portanto, tem de poupar-se em algum lado e têm de fazer-se sacrifícios.
E não nos esqueçamos que este é um documento financeiro e que o principal objectivo, do ponto de vista das finanças públicas, é cumprir o Programa de Estabilidade e Crescimento e reduzir o défice. Não tenhamos nenhuma ilusão sobre isso.
Por isso mesmo, a solidariedade que qualquer membro do Governo deve ter em relação ao Ministério das Finanças deve ser assumida em primeira-mão, politicamente, por ele próprio. E os riscos deste orçamento, naturalmente, são assumidos, no caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. E não tenho nenhuma dúvida em considerar que este é um exercício exequível: é um orçamento de contenção, mas que não põe em causa os objectivos e as prioridades que nos propomos realizar ao longo do próximo ano.
Relativamente às questões concretas que o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas colocou, creio que no que diz respeito, sobretudo, às relacionadas com o orçamento da cooperação já lhe respondi.
Fizemos um ajustamento no orçamento da cooperação na casa dos 7%, 8% e um ajustamento médio na casa dos 5% nas despesas de funcionamento em todos os outros sectores da política do Ministério. Não seria compreensível que a ajuda ao desenvolvimento também não fosse objecto desse ajustamento, a não ser numa situação de excepção em que, por automatismos decorrentes de compromissos, se tivesse de respeitar esse princípio. Contudo, o único compromisso efectivo que temos em relação ao próximo ano é o da realização da Presidência portuguesa e o financiamento de toda a sua logística, e esse é um compromisso que não posso, de forma alguma, ignorar.
É certo que há compromissos políticos. Como o Sr. Secretário de Estado tem sublinhado, estamos a meio de uma Legislatura, temos um documento de orientações estratégicas, temos metas definidas, procuramos caminhar para elas e haverá um momento em que poderemos fazer algum ajustamento nesse sentido.
Não venho aqui dizer que para o ano vamos aumentar o orçamento da cooperação, aliás, seria estultícia da minha parte dizê-lo desde já, mas faremos um esforço no sentido de cumprir os objectivos estratégicos que nos propusemos realizar nesse sector, que me são, aliás, muito caros.
Como sabe, o Sr. Secretário de Estado exerce as funções que desempenhei durante quatro anos e meio, pelo que tenho grande sensibilidade para as questões da cooperação, sei quanto elas valem e quanto elas pesam do ponto de vista da afirmação externa de um Estado, mas, infelizmente, não temos um instrumento que nos permita resolver todos esses problemas, como têm outros Estados, designadamente a Holanda, que tem um automatismo orçamental, aliás, é o único orçamento que não é discutido, mesmo quando há problemas orçamentais da política de ajuda ao desenvolvimento, precisamente porque é 1% do PIB; aplica-se a taxa e o orçamento está feito.
Nós não temos, efectivamente, essa metodologia, temos feito um esforço grande – e o Sr. Deputado também reconhecerá o nosso mérito nesse domínio, até porque, como Secretário de Estado, também contribuiu para essa orientação – e, progressivamente, as questões relacionadas com a ajuda ao desenvolvimento têm vindo a ganhar um lugar de relevo, no contexto da política externa do Estado, de afirmação dos nossos interesses e de realização dos nossos objectivos. Esta linha de orientação vai manter-se, independentemente do pequeno esforço de ajustamento que tivemos de fazer aqui, pelas circunstâncias muito próprias que decorrem do facto de termos, para o ano, uma despesa excepcional, relacionada, justamente, com a realização da Presidência da União Europeia. Mais 50 milhões de euros para acomodar num orçamento que anda na casa dos 320 ou 330 milhões de euros não é um exercício fácil e, portanto, algum ajustamento tinha de ser feito, designadamente neste sector.
Em relação às questões mais concretas, dir-lhe-ei que abriremos a embaixada em Trípoli até ao final do ano e ficaremos com a rede de embaixadas no Mediterrâneo, do Cairo até Rabat, preenchida. Não abriremos ainda em Abu Dhabi – não vejo condições para abrir no próximo ano –, faremos um exercício de avaliação, como foi dito, das nossas missões diplomáticas e veremos em que condições é que esse objectivo pode vir a ser cumprido.
Relativamente a Berlim, é sabido que há um problema com a embaixada em Berlim, porque ela foi sobredimensionada no projecto inicial e, pelas informações que tenho – estou há muito pouco tempo nestas funções –, estão em curso diligências no sentido de identificar alternativas que permitam, designadamente, ter uma embaixada com dignidade mas sem uma sobredimensão como aquela que, em princípio, o projecto inicial nos apresentou.
O projecto para a realização da nossa missão em Timor está inscrito no Orçamento, pelo que podemos avançar com ele no próximo ano.
Em relação ao concurso para adidos de embaixada, está uma proposta, na Assembleia da República, sobre essa matéria.
No que diz respeito à redução de conselheiros, é inevitável, precisamente pelas limitações orçamentais que temos, pelo que teremos de fazer uma reavaliação no sentido de ver onde é que os conselheiros são mais necessários, qual o seu papel e quais as suas funções.
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Quanto ao plano de informatização, é uma das informações de que não disponho, neste momento, em pormenor, embora me tenha interessado, particularmente, por saber em que ponto é que está o projecto de informatização.
De qualquer modo, é sabido que está inscrita uma verba, em PIDDAC, para dar continuidade ao desenvolvimento desse projecto. Considero que é da maior importância termos uma rede informática que nos permita, de forma integrada, responder à modernização dos serviços não apenas do Ministério mas também das nossas missões diplomáticas e dos nossos consulados.
Por último, e ainda em relação às questões da cooperação, embora o Sr. Secretário de Estado, depois, o possa completar, dir-lhe-ei que a taxa de execução tem sido relativamente aceitável e creio que tem vindo a aumentar nos últimos anos, pelo menos de acordo com os dados que tenho. Devemos, aliás, considerar que, na avaliação que é feita da nossa ajuda ao desenvolvimento, não devemos subestimar o que outros fazem, designadamente outras instituições que têm uma metodologia de avaliação da despesa diferente da usada pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD), da OCDE, nomeadamente o Center for Global Development.
Trata-se de uma instituição que nos coloca sempre num ranking acima do nosso ranking da OCDE, precisamente porque considera como critérios relevantes para a apreciação do esforço de ajuda à promoção do desenvolvimento outros critérios que não são os estatísticos que o CAD utiliza.
Assim, se for ver os rankings do Center for Global Development, nós estamos sempre bastante acima da posição que temos no CAD. De facto, a percentagem, no CAD, em função do produto, de 0,21%, em 2005, está aquém das expectativas e dos compromissos que nós próprios queremos assumir, mas as circunstâncias são as que conhece e, por isso mesmo, não enjeito aqui uma fragilidade da nossa posição em termos orçamentais. Não enjeito isso, de forma alguma! Se é uma realidade, por que a havemos de ignorar?! Mas há outros factores que devem compensar essa situação e o Sr. Secretário de Estado dar-lhe-á uma resposta mais completa.
Em relação às questões do Sr. Deputado Renato Leal sobre a diplomacia económica, dir-lhe-ei apenas que haverá continuidade no trabalho que foi feito. O meu antecessor deixou uma resolução, aprovada em Conselho de Ministros, e essa resolução será implementada, também no quadro de reestruturação do Ministério, em que, pela primeira vez, temos uma estrutura central com vocação para os assuntos económicos, o que permite, por isso, desenvolver uma acção de backup e de coordenação muito importante em tudo o que tem a ver com a promoção económica no exterior e com a acção de acompanhamento de todas as iniciativas que os diferentes ministérios, sobretudo os da área económica, desenvolvem nesse domínio. É, sem dúvida, uma das tarefas principais que temos pela frente, no processo de reestruturação não apenas do Ministério mas também das missões diplomáticas e dos próprios consulados.
Na medida do possível, o esforço de internacionalização da economia portuguesa e, sobretudo, o esforço de promoção do comércio externo e da captação de investimento passa, necessariamente, também por uma acção diplomática mais concentrada nessa acção.
E há alterações no âmbito do processo de reavaliação das nossas missões, de revisão da carreira diplomática e de reestruturação da rede consular que podem ser orientadas para esse fim, designadamente os objectivos que sejam definidos, desde logo, ao nível do Ministério e que sejam assumidos na Carta de Missão que o próprio diplomata aceita quando desempenha um posto no exterior. Penso que há ideias novas sobre essa matéria que podem ser implementadas e nós trataremos de, no âmbito do processo de reforma em curso, maximizar todo o trabalho que possa ser orientado para esse fim.
O Sr. Deputado Armando França colocou-me algumas questões em relação, sobretudo, à clarificação do programa da Presidência e dir-lhe-ei que essa apresentação, em pormenor, será objecto de uma reunião, a muito breve prazo, com a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e com a Comissão de Assuntos Europeus, onde eu e o Sr. Secretário de Estado teremos oportunidade de apresentar, em detalhe, esse programa, o qual está em fase final de ultimação com o Governo alemão e com o Governo esloveno.
Relativamente à logística, o que lhe posso dizer é que haverá 10 conselhos informais, para além dos conselhos formais, e teremos a preocupação de que os conselhos informais que se realizem em território nacional possam, na medida do possível, ser distribuídos por diferentes áreas do território. Foi assim no passado, nas outras Presidências, e será também uma preocupação na nossa Presidência.
Quanto aos demais aspectos logísticos, como sabe, são da responsabilidade do nosso Ministério e do Governo português, quer o que diz respeito a hotéis, ao financiamento das missões, à tradução, representando, por isso, um orçamento pesado, mas todos os pormenores sobre o orçamento e o programa serão apresentados em momento próprio ao Parlamento.
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita manifestou uma preocupação, eventualmente pertinente, em relação aos objectivos, mas dir-lhe-ei que os objectivos de política externa são objectivos muito permanentes. Haverá, eventualmente, diferentes opções que se colocam em função das conjunturas, pois, quando temos de lidar com certas situações, naturalmente, podemos flexibilizar as opções em matéria de objectivos e de definição de prioridades. Não temos qualquer preconceito em fazê-lo! Mas, se há área da governação em que há uma relativa estabilidade, na definição e na implementação de objectivos, é na área da política externa e, por isso, no essencial, não creio que a sua inquietação seja de reconhecer.
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Por outro lado, já considero pertinente um outro conjunto de questões que colocou, relativamente à área dos recursos humanos e que, confesso-lhe, sem nenhum desassombro, me preocupa. De facto, em relação à imagem do Estado português no estrangeiro, há um conjunto de situações que, do nosso ponto de vista, é difícil de aceitar e que, em grande medida, são resultado de uma desatenção do centro, do comando político que toda a política deve ter. E, por isso, falo tanto na necessidade de o Ministério, no âmbito de uma reestruturação orgânica que está em curso, dar a maior das atenções a estes aspectos.
A Sr.ª Deputada referiu algumas dessas situações, com as quais concordo, porque, por exemplo, é difícil aceitar que haja processos de actualização salarial que se prolongam desajustadamente. Dir-lhe-ei que, em relação a 2005, o processo está encerrado, serão pagas as actualizações no mês de Novembro, e, em relação a 2006, ontem mesmo, foi feito um acordo no sentido de, entre Dezembro e Janeiro, serem pagas. Confesso que ainda não há acordo, em relação a 2001, porque, de facto, a burocracia neste sector é muito grande. Mas, se a Sr.ª Deputada se incomoda, legitimamente, eu também não posso deixar de manifestar o meu incómodo com esta situação e dizer-lhe que tentaremos resolver o mais rapidamente possível estas situações.
O mesmo se diga relativamente a situações que se verificam nos consulados, em que não há descontos para a segurança social, como registei em Londres. Considero absolutamente inaceitável que haja uma cumplicidade, por inacção ou por passividade, com uma situação que não é, de todo em todo, tolerável. Por isso mesmo, demos uma orientação firme no sentido de que se passassem a promover os descontos, de forma compulsiva, relativamente aos funcionários que exercem a actividade consular no consulado, em Londres.
Nós não podemos pactuar com situações de ilegalidade, mitigada num acordo ou numa cumplicidade ou conivência de interesses. Consideramos isso absolutamente inaceitável e, por isso, reconhecendo a pertinência das suas questões, também lhe digo que este orçamento, ou, pelo menos, a orientação política que será dada, irá no sentido de, na medida do possível, debelar situações que não ajudam, de todo em todo, a promover a imagem de Portugal, sobretudo quando se passam em consulados e em embaixadas portuguesas no estrangeiro. Mas há, infelizmente, muitas situações como essa – aliás, tenho sido surpreendido por esse facto e teremos de lhe dar a maior das atenções.
Em relação ao Conselho das Comunidades Portuguesas, relativamente a este ano, o Orçamento cresce, pouco, mas já há uma atenção em relação ao Conselho das Comunidades. Se, eventualmente, tem havido alguns problemas quanto ao financiamento das suas acções, estaremos atentos, no futuro, pois, como lhe disse, procurarei dar a maior das atenções à política das comunidades.
Tenho o entendimento de que a política das comunidades não é uma política periférica à acção externa do Estado português, é uma política que deve estar no centro das opções estratégicas, do ponto de vista da promoção dos nossos interesses e da nossa influência no mundo, e, por isso mesmo, darei a maior das atenções a essa política. Aliás, teremos oportunidade de promover esse debate, a curto prazo, desde já lhe dizendo que, também em matéria de reestruturação consular, as propostas serão apresentadas à Comissão até ao final deste ano ou, o mais tardar, no princípio de Janeiro. De qualquer forma, as propostas estão ultimadas, há apenas o exercício de avaliação política que, eu próprio, tenho de fazer e no qual me quero envolver, e a muito breve prazo promoveremos esse debate com a Assembleia, em sede própria.
Relativamente ao Fundo para as Relações Internacionais não há nada a esconder sobre esta matéria. O Fundo está regularizado, o que tem havido é, por parte das finanças e por razões de equilíbrio orçamental, uma imposição de um tecto de despesa, tecto este que é inferior à receita, porque o saldo tem vindo a acumular, há um saldo acumulado que transita. E porquê? Porque estamos num processo de contenção orçamental, e, do ponto de vista do Ministério das Finanças e da Administração Pública, tanto se lhe dá que haja ou não receita, o que não quer é que haja mais despesa, por isso não deixa que os saldos transitem.
Ainda este ano, quando cheguei ao Ministério, o orçamento foi reforçado, designadamente para o financiamento do passaporte electrónico; houve um reforço do orçamento com a libertação de saldos de 7,2 milhões de euros do orçamento do Fundo para as Relações Internacionais (FRI).
Nada há a esconder sobre esta matéria, o que há é um saldo que transita. Este ano vai transitar um saldo na ordem dos 6 ou 7 milhões de euros para o próximo ano e haverá, portanto, um saldo acumulado na ordem dos 12 milhões de euros, creio eu.
O princípio é a limitação da despesa. Posso dizer «tenho receita, deixem-me usá-la», mas como o Ministério das Finanças tem de controlar a despesa ministério a ministério não facilita. Aliás, esta questão vale também para a cooperação, porque o grande problema da transição de saldos na afectação às despesas da cooperação prende-se justamente com o controlo que as Finanças fazem das verbas em saldo e que transitam para os anos seguintes. Uma das expectativas que temos relativamente a alguns programas importantes é a de, se a execução orçamental corre bem num determinado ano, podermos ter sempre essa garantia. É, aliás, uma válvula de segurança que temos na execução orçamental num ministério como este, em que há uma bolsa de recursos próprios que podem ser afectos a despesa própria do ministério. Se a execução orçamental estiver a decorrer dentro das metas definidas pelo próprio Ministério das Finanças até ao último trimestre do ano é provável que haja mais facilidade depois em negociar o reforço do orçamento com base na contrapartida dessas mesmas receitas.
Em relação ao Instituto Camões (IC), dir-lhe-ei que este Instituto tem um ajustamento no seu orçamento semelhante aos ajustamentos que os outros institutos e serviços têm. O que aqui referi é que, tendo em vista
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a necessidade de reestruturar o IC, diria mesmo refundi-lo, na perspectiva de passar a acolher também o ensino de português no estrangeiro, é óbvio que o seu orçamento terá de ser muito reforçado para acolher justamente os programas hoje previstos no Ministério da Educação e que não fazem parte deste orçamento.
É, por isso, natural que, a partir do ano de 2007/2008, se até lá houver condições para fazer o trabalho de reforma que é necessário fazer para dotar o IC das valências e das capacidades próprias para a assunção desta nova e importante função, o orçamento deste Instituto para o ano seguinte seja muito significativamente reforçado nesta perspectiva.
Depois há a vantagem de integrarmos de uma forma mais razoável os recursos hoje dispersos pelos centros culturais, bibliotecas, centros de lusofonia, universidades, comunidades portuguesas, associações, escolas. Há hoje uma grande dispersão de recursos que não estão integrados numa política comum relativa à língua, ao ensino do português e à cultura no estrangeiro. Portanto, parece-me ser um exercício perfeitamente pacífico, que todas as forças políticas concordarão em que o Estado terá muito a ganhar se conseguir fazer esse exercício de reforma, mas essa projecção far-se-á, naturalmente — e debateremos isso aqui, com certeza —, no orçamento para 2007-2008.
Dir-lhe-ei que a questão dos conceitos racionalização e reestruturação estão a par. Quando refiro a racionalização é porque ela é necessária, sobretudo num contexto de contenção orçamental. Se um determinado dirigente tem menos recursos, tem de racionalizar a despesa necessariamente. É-lhe imposto este exercício automaticamente, porque, se tem menos recursos, tem de fazer um exercício de racionalização. Ou seja, se no ano passado tinha 20 e agora tem 15, tem de saber o que é prioritário. Onde é que vai cortar e onde é que não pode cortar. O ajustamento tem implícito um exercício de racionalização, mas, independentemente disto, tem de haver um trabalho de reestruturação da rede consular, como é sabido. Esse trabalho está pronto, está ultimado do ponto de vista técnico. E assumirei, politicamente, perante o Parlamento, a muito curto prazo, esse debate.
Creio que respondi a algumas das questões que o Sr. Deputado Helder Amaral colocou.
Quanto à diplomacia económica, dir-lhe-ei que, relativamente a alguns dos casos que referiu, «toca na ferida», na medida em que há países em relação aos quais devemos dedicar a maior das atenções do ponto de vista estratégico, envolvendo ao mesmo tempo a acção diplomática, a acção política, a parte comercial, o investimento e a parte das comunidades.
Os países com os quais temos cimeiras anuais, como os que referiu, o Brasil, Marrocos, Espanha, devem merecer uma atenção particular da parte do Ministério no acompanhamento envolvente e integrado de toda a acção que se desenvolve com esses Estados, e que é muito densa, porque, quando há cimeiras anuais, as agendas das cimeiras vão puxando pelos sectores todos, e hoje não há praticamente sector nenhum da Administração ou do Governo que não tenha relações muito desenvolvidas com esses outros Estados. Por isto mesmo é necessário um trabalho de concentração que remeto para a reestruturação orgânica do Ministério.
No Ministério, independentemente das estruturas e de uma forma mais ad-hoc, tem de haver um acompanhamento sistemático dos países que identificamos como países-alvo da acção estratégica, não apenas económica mas nas várias vertentes. E, como lhe digo, este é um trabalho que está presente em todo o processo de reestruturação e de reavaliação das nossas missões.
Passo a questões mais concretas.
A cooperação técnico-militar tem um financiamento no Ministério da Defesa Nacional. Embora haja uma crescente articulação entre os Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros no acompanhamento destas acções e destes programas, o seu financiamento é da total responsabilidade do Ministério da Defesa Nacional, apesar de, às vezes, haver programas em que há cooperação entre o Ministério e o IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento) em particular.
Quanto aos passaportes electrónicos, o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas pode dar uma informação mais actualizada, mas eu posso dizer que eles têm vindo a ser implementados na rede consular, numa percentagem ainda aquém das necessidades, mas vamos cumprindo na medida do possível os objectivos definidos.
Relativamente às questões sobre o IC, creio que já respondi, mas estou de acordo consigo quando diz que a nossa ambição no relacionamento com África se não deve esgotar no relacionamento com os países africanos de expressão portuguesa. Embora devamos ter em consideração a relação bilateral com esses países, não devemos deixar de considerar a dinâmica de integração que esses próprios países vivem e conhecem e que, no plano multilateral, sobretudo, deve manter-nos muito atento ao que se passa em África. Aliás, em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas em particular, quando debatermos o programa da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, teremos oportunidade de discutir as políticas regionais e, particularmente, aquela que tem a ver com o continente africano e o mediterrâneo. Hoje, não é o momento para o fazermos, mas dir-lhe-ei que esta será seguramente uma das orientações determinantes da nossa acção no relacionamento com o continente africano; ou seja, não tornar exclusiva a nossa relação com o continente em torno das relações bilaterais — queremos valorizá-las, sem dúvida, mas sem as tornar exclusivas — com os países africanos de expressão portuguesa.
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Por último, Sr.ª Deputada Helena Pinto, creio que, no essencial, respondi à primeira questão que colocou.
Sobre as missões diplomáticas e a rede consular, creio que dei mais ou menos conta do que pretendemos fazer e da forma como avaliamos estas questões.
Quanto ao consulado em Londres, já disse o que está em causa. Do meu ponto de vista, é inaceitável uma situação como aquela que encontrámos e por isso mesmo tomámos as decisões que tomámos, que estão a gerar uma grande agitação, mas, enfim, viveremos com a agitação… Difícil é viver com a ilegalidade; com a agitação vive-se.
O gabinete de emergência consular é isso mesmo, um gabinete de emergência, tanto quanto entendo, mas o Sr. Secretário de Estado poderá dar-lhe uma resposta complementar.
Em relação à SOFID (Sociedade Financeira de Desenvolvimento), esta instituição está ultimada e em condições de poder ser apresentada publicamente a muito curto prazo. Estamos num processo apenas de identificação dos corpos sociais da sociedade. Os estatutos estão preparados, o financiamento está definido e até ao final do ano será eventualmente apresentada a Sociedade Financeira de Desenvolvimento.
No que se refere à cooperação portuguesa, a Sr.ª Deputada questionou os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, creio que já respondi em parte a esta questão, mas devo dizer que temos uma estratégia bem definida, temos quem oriente na prossecução dos objectivos definidos e temos um problema circunstancial de financiamento este ano que, do nosso ponto de vista, não é problemático, não põe em causa, de forma alguma, nem os compromissos que definimos, que são a médio e a longo prazos e não para um ano específico, nem os programas a que devemos dar cumprimento. Por isso, não tenho grande preocupação relativamente a esta matéria, embora reconheça que temos aqui uma situação de fragilidade. Se tivéssemos mais 50 milhões de euros, seria óptimo, mas vamos ter a presidência do Conselho da União Europeia, e, portanto, temos de viver com o que temos.
Em relação ao Sáara Ocidental, dir-lhe-ei que a posição portuguesa é a mesma. No ano passado, houve um consenso entre as duas partes que este ano se não verificou. Apresentámos uma declaração de voto da abstenção que assumimos, que far-lhe-ei chegar, Sr.ª Deputada.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, José Luís Arnaut.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, para complementar a resposta do Sr. Ministro, dispondo para o efeito de 4 minutos.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (José Gomes Cravinho): — Srs. Presidentes das comissões parlamentares e Srs. Deputados, como o enquadramento global já foi feito pelo Sr. Ministro, começo por recordar sinteticamente apenas dois elementos. O primeiro, evidentemente, é o enquadramento global: este é um orçamento de contenção e a área da cooperação não é excepção neste contexto. O segundo elemento é o facto de esta ser uma legislatura de quatro anos e meio e os objectivos no Programa do Governo serão atendidos no contexto desta Legislatura.
Vou procurar responder a cada uma das questões colocadas, algumas de maior substância e outras mais pontuais.
No que se refere às questões de maior substância não deixo de dar razão à Sr.ª Deputada Helena Pinto, quanto ao parágrafo descritivo que acompanha o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros no que toca à cooperação, uma vez que não é particularmente feliz. No entanto, isto não significa que a estratégia de cooperação não esteja reflectida no orçamento. Está reflectida de forma muito visível, desde logo, numa alteração com alguma consequência relativamente à orçamentação do P005. O P005, o programa orçamental da cooperação, está neste orçamento, pela primeira vez, dividido em medidas que reflectem os objectivos fundamentais da cooperação portuguesa. São sete medidas, seis são de substância e a última é de gestão da cooperação.
Com esta forma de orçamentar passamos a ter, pela primeira vez, um instrumento que nos permite um acompanhamento inteligente, isto é, qualitativo da execução do orçamento da cooperação. Anteriormente, apenas se poderia fazer um acompanhamento quantitativo, sem ter qualquer tipo de ideia sobre se as despesas correspondiam a boas despesas ou a despesas sem qualidade. Temos, portanto, um reflexo que é visual e que é um instrumento fundamental para as reformas qualitativas que estão em curso.
Apenas para complementar uma informação já prestada pelo Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, quanto à cooperação técnico-militar, quero dizer que está em curso uma alteração paradigmática que se impunha nesta área, que se resume à sigla PAMPA — Programa de Apoio às Missões de Paz em África — e que foi assinado pelos anteriores titulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Defesa. O IPAD também apoia, com uma verba na ordem dos 600 000 euros, a formação na área da cooperação técnico-militar. E, portanto, o que temos aqui é uma reorganização da cooperação de acordo com as nossas prioridades.
Em relação a algumas questões mais pontuais, o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas coloca a questão da diminuição nos montantes atribuídos à APD nos últimos anos, o que me surpreende, de algum modo,
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porque teve funções nesta área. Mas recapitulo: em 2002, estávamos em 0,27 de rácio de APD para o rendimento nacional bruto; em 2003, caímos para 0,23; em 2004, caímos para 0,20; em 2005 — pergunta se os resultados já estão disponíveis, mas, como saberá, eles estão sempre disponíveis em Abril do ano seguinte —
, subimos ligeiramente para 0,21. É assim que estamos. Como poderá ver, em 2002, estávamos em condições de atingir os objectivos hoje enunciados, nomeadamente em relação a 2006; hoje, deixamos de estar.
As taxas de execução subiram muitíssimo. Não tenho tempo para entrar em pormenor, mas terei muito gosto em apresentar uma informação muito mais detalhada à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, logo que houver oportunidade para isso.
Se me permite, gostaria de fazer só uma referência a algo que não está visualizável no orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas que é importante para a parte da cooperação. Trata-se de dois benefícios fiscais novos: um, alargando o mecenato para abranger a cooperação para o desenvolvimento; o outro, equiparando, para efeitos de evitar dupla tributação, o trabalho de empresas portuguesas nos países africanos de expressão portuguesa.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Também para complementar as respostas, tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, dispondo de 4 minutos para o efeito.
O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (António Braga): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de deixar três notas muito breves que complementam o enquadramento feito pelo Sr.
Ministro à política dirigida às comunidades portuguesas e que se enquadram não apenas numa perspectiva saudosista de relação ou de sentimento de pertença à cultura portuguesa mas potenciam e maximizam quer o relacionamento económico quer o relacionamento cultural e linguístico.
Na matéria da diplomacia económica, na vertente financeira, há um grupo de trabalho que, neste momento, estuda justamente a exploração dessas potencialidades entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a economia, para criar um programa que permita uma linha de capital de risco para as parcerias e o investimento das comunidades portuguesas em Portugal e, eventualmente, também para as realizadas nos países de acolhimento. Isto responde à questão colocada pelo Sr. Deputado Helder Amaral, quanto à potenciação destas capacidades.
Sobre o passaporte electrónico, não haverá descentralização, no sentido em que ele será emitido unicamente na Casa da Moeda, em Lisboa, e, como a prática vem a demonstrar, há a capacidade de o entregar em 48 horas em casos de urgência ou, no limite máximo, em seis, sete dias. Assim, quanto à questão de escolher entre a descentralização ou a capacitação dos níveis de segurança ao seu máximo, devo dizer que o passaporte passa hoje todos os níveis de segurança nas entidades internacionais — tem 32 níveis de segurança assinaláveis com os dados biométricos. É esta a capacitação que está instalada, e devo dizer que, recentemente, tive ocasião, por exemplo, de, ao chegar a Macau, assistir à entrega de passaportes que tinham sido requeridos 48 horas antes.
Neste sentido, a questão colocada é a da segurança e Portugal nunca mais terá aqueles níveis de roubo, desaparecimento e falsificação de passaportes portugueses,…
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — … que tinha até há muito pouco tempo, porque, como bem sabemos, o nosso documento «passaporte» era relativamente fácil de falsificar. E esta foi uma escolha que o Governo fez em prol da segurança.
Portanto, quer o cumprimento dos níveis de qualificação de entrega ao cidadão, quer o cumprimento dos níveis de qualidade, está conseguido por esta fase, pelo menos para já, nos próximos tempos, pois tudo indica que os níveis tecnológicos encontrados não permitem a sua falsificação.
No que diz respeito ao Conselho das Comunidades Portuguesas, gostava de dizer à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita — aproveito também para agradecer a questão, assim como ao Sr. Deputado Helder Amaral — que ele tem um crescimento no orçamento. É pequeno, é verdade, mas é o crescimento possível num orçamento de contenção, como a Sr.ª Deputada bem sabe. E com a lei que está na Assembleia da República, que, creio, brevemente será aprovada, teremos eleições para o Conselho das Comunidades no próximo ano e podemos garantir que ele tem e terá, do ponto de vista do seu financiamento, condições para funcionar. E, já agora, também sublinho à Sr.ª Deputada que nenhum Sr. Conselheiro tem pago qualquer instrumento para o exercício dessa actividade que não seja pago pela Secretaria de Estado ou pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mais: até facilitámos, porque neste momento permitimos um adiantamento de 50% das verbas que vão à conta dos conselheiros das comunidades portuguesas.
Por último, sobre o gabinete de emergência, uma questão colocada pela Sr.ª Deputada Helena Pinto, a nossa ambição é criar uma estrutura que responda a todas as situações de emergência que se coloquem relativamente quer aos portugueses que vivem fora de Portugal quer àqueles que, por tempo curto, em passeio ou noutras circunstâncias, possam necessitar dos nossos serviços consulares. Os serviços consulares estão definidos em convenções, mas trata-se, sobretudo, da criação de condições de apoio ao regresso ou à retirada de situações de perigo ou de dificuldade emergente que surja nos sítios mais díspares do mundo.
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Nuns casos, proporcionaremos esse apoio através da nossa rede consular; noutros recorremos aos acordos quer em parcerias com outros países quer no contexto da União Europeia em casos em que Portugal responde aos cidadãos desses outros países, nomeadamente em alguns países de África, e em casos em que são esses países que prestam esse apoio, como foi o caso recente do Líbano, em que recorremos à colaboração da França, embora pilotado também pelos nossos diplomatas.
Sr. Presidente, tentei ser sintético, cumprindo as suas instruções. Muito obrigado, Srs. Deputados.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado. Cumpriu, aliás, o tempo que foi distribuído e a grelha que está aprovada.
Entramos na segunda ronda de perguntas. Cada partido dispõe de 3 minutos e o Governo responderá em conjunto, no final.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.
O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, vou fazer uma breve intervenção centrada na área das comunidades portuguesas, porque entendemos — e, neste aspecto, concordamos com o Sr. Ministro — que é uma área central da nossa política externa.
Independentemente de concordarmos com as declarações do Sr. Ministro e de que estamos num orçamento de contenção, se esta área é prioritária, aceitaríamos pelo menos que, neste orçamento, a diminuição de verbas para a área das comunidades fosse igual à do restante Ministério. Sentimos, no entanto, que a área das comunidades portuguesas é um dos parentes pobres no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo uma diminuição na sua área de funcionamento de 13%, o que demonstra aquilo para o qual temos vindo a chamar a atenção há algum tempo: a insensibilidade do actual Governo em relação à matéria das comunidades portuguesas. E posso referir-lhe duas ou três matérias muito simples, que foram aqui levantadas.
Quanto ao Conselho das Comunidades Portuguesas, espero que possa funcionar, mas recordo as declarações dos Srs. Deputados do Partido Socialista, aquando do Orçamento para 2005, numa situação análoga.
E por isso é estranho ver agora posições perfeitamente diferentes das que há um ano foram tomadas em relação ao mesmo órgão e, ainda por cima, com verbas que, no fundo, são parecidas, tanto mais que, no ano que vem, para além das eleições, vamos ter também um plenário. E, portanto, eu gostava de saber como é que as coisas poderão decorrer.
Mas o que para nós é fundamental tem a ver, no seguimento da intervenção do Sr. Ministro, com a questão da racionalização e reestruturação da rede consular.
Sr. Ministro, estamos preocupados com um conjunto de matérias e uma delas tem a ver com os recursos humanos. Trata-se de uma área de soberania muito importante para o Estado português e há um conjunto de conteúdos funcionais que não se coaduna com situações de precariedade laboral. Neste momento, não vale a pena avançar com passaportes electrónicos com níveis de segurança elevados, quando, a montante, temos alguns funcionários que são recrutados após uma breve entrevista, que têm um vínculo ao Estado de apenas seis meses, não tendo assim, como é evidente, qualquer garantia de que possam cumprir com as funções para que foram recrutados, visto que o tempo de trabalho será apenas de seis meses.
Portanto, Sr. Ministro, é fundamental para uma área como esta que, num conjunto de funções (não digo em todas), haja realmente funcionários com vínculo para que o Estado possa ter neles a garantia suficiente de que estão a desempenhar as funções da melhor forma e no sentido das orientações do Estado, para bem de Portugal.
Por isso, Sr. Ministro, a questão dos recursos humanos é fundamental e por isso, quando falou da reestruturação da rede consular, fiquei algo preocupado com as suas declarações, porque a única coisa que nos disse a mais, para além de que, até ao fim do ano, iria entregar a proposta de reestruturação consular, é que essa proposta já poderia fazer algumas economias em termos de despesa. Pensei, Sr. Ministro, que a reestruturação consular seria para adaptar a realidade da nossa rede às necessidades das nossas comunidades. E não vejo neste Orçamento do Estado, nem em matéria de novos migratórios, nem em matéria de ensino do português — e, neste momento, nos países que acolhem as nossas comunidades, já se está a preparar o próximo ano lectivo — como é que vai ser possível, tanto na rede consular como na refundação do Instituto Camões, ter, no ano que vem e de uma forma correcta, estes órgãos a funcionar.
Para terminar, Sr. Ministro, quero dizer-lhe duas coisas que me parecem importantes.
Em primeiro lugar, onde é que está o fórum dos luso-eleitos? Temos, no ano que vem, eleições em dois países primordiais e não houve o fórum dos luso-eleitos.
A última questão, que me parece fundamental, tem a ver com a Escola Virtual. O Sr. Secretário de Estado, há pouco tempo, em comissão, anunciou que 3000 pessoas já pagaram ou já obtiveram o cartão para a Escola Virtual. Tivemos a analisar o Orçamento e não conseguimos ver as receitas obtidas com esse cartão. Pior do que isto: temos informações —e gostava que o Sr. Secretário de Estado nos confirmasse, porque são preocupantes — de que os consulados de Portugal, não tendo instruções da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, ainda não integraram as verbas auferidas na venda destes cartões na contabilidade consular.
Esta é uma preocupação que temos, e gostaríamos de saber o número real de utentes que beneficiaram deste serviço. E mais tarde, noutra comissão, falaremos do aproveitamento em torno deste serviço, com o qual con-
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cordámos, aquando do seu lançamento, pois acreditamos que possa ser importante para fazer chegar aos portugueses a língua portuguesa.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — O Partido Socialista reparte o tempo disponível por dois Srs. Deputados e, assim, tem, em primeiro lugar, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros evidenciou, na sua exposição inicial, a coerência da política governativa aplicada ao seu Ministério. Ou seja, uma política de verdade, de contenção e de realismo, como aqui foi sublinhado, mantendo, embora, a prossecução das orientações estratégicas que fazem parte do Programa do Governo.
Permita-me que sublinhe em especial a atenção que o Sr. Ministro dedicou, na sua exposição e também nas respostas que deu, à questão das comunidades portuguesas.
Com efeito, as comunidades portuguesas, como muito bem referiu, devem ser vistas não tanto numa perspectiva tradicionalista mas como um trunfo a usar no jogo estratégico da política internacional. É uma orientação muito exigente, que, creio, requer, nos próximos anos, um acréscimo na sua tradução orçamental.
Quanto aos esclarecimentos, vou limitar-me apenas àqueles que têm incidência a nível das comunidades portuguesas.
Está prevista uma reestruturação do Instituto Camões, já está em curso uma reorganização do ensino do Português no estrangeiro e, como aqui já foi referido, o ensino do Português via Internet já conta com 3000 aderentes. Agora veremos onde está o dinheiro, para onde vai, etc., mas o que é facto é que este projecto já está em curso e a ter o seu sucesso.
Entretanto, o novo sistema de contratação de professores vai permitir uma poupança de cerca de 6 milhões de euros. Ora, peço ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas que nos esclareça sobre a utilização prevista para esta verba.
Gostaria ainda de falar dos fluxos migratórios, mas já não disponho de tempo para tal. De qualquer forma, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus talvez pudesse esclarecer-nos sobre a ligação do programa da presidência portuguesa e este tema, que evidentemente terá de ser considerado no seu conjunto, ou seja, Portugal como destinatário e como país de origem de fluxos migratórios.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.
A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, começo por felicitá-lo, pois o Sr. Ministro bate recordes não só na gestão do tempo mas também em eficácia. Um exemplo disto é a presidência portuguesa da União Europeia, porque o guichet das reclamações, nesta matéria, não chegou a abrir, Sr.as e Srs. Deputados.
Vozes do PSD: — Está a falar antes de tempo!
A Oradora: — Pelo menos, até agora, não abriu, pelo que as reclamações certamente serão muito poucas e, se calhar, muito insignificantes.
De qualquer forma, naquilo que nos diz respeito, ao fazermos uma análise rigorosa do orçamento, podemos dizer que temos um orçamento para cumprir objectivos e que o Governo português está a fazer um grande esforço para valorizar a presidência enquanto momento de afirmação de Portugal na União, não só pelos temas que debate mas pelo próprio orçamento que concebeu. Portanto, é interessante constatar que, até agora, nenhum partido encontrou matéria para beliscar o Ministério, nem ao de leve, neste domínio.
Trata-se, pois, de um orçamento real, ajustado a uma presidência digna e sóbria e adequado a um país que está em período de resguardo orçamental.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Sr.ª Deputada, peço que tenha atenção ao tempo.
A Oradora: — Sr. Presidente, agradeço-lhe a lembrança, mas deu-nos 4 minutos (aliás, o PSD também geriu 4 minutos e 65 segundos). De todo o modo, vou ser muito breve.
Como dizia, neste período de resguardo orçamental que o País atravessa, o Ministério teve a capacidade de partilhar recursos — e, inclusive, no 2.º semestre, de partilhar os próprios recursos do Ministério com os da Presidência.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: — Portanto, a única coisa que gostava de saber é como é que, com este rigor que está a implementar, consegue gerir todo o trabalho que tem e em que áreas é que ainda conseguiu fazer uma melhor gestão dos recursos que tem com o rigor que nos apresenta.
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O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, começo por uma questão ainda relativa aos recursos humanos do Ministério, o que é essencial para projectar a imagem de Portugal no estrangeiro.
O Sr. Ministro, em resposta à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, foi inteiramente claro quando abordou os problemas da precariedade e a forma como quer resolvê-los.
No entanto, olhando para o orçamento, temos claramente, em termos de encargos com pessoal, uma diminuição de cerca de 3% (concretamente, 2,8%), diminuição esta que, com a inflação resultante do aumento de salários, ultrapassará, em termos reais, seguramente os 3%.
A este propósito, pergunto-lhe: quais são as expectativas do Ministério quanto a reduções de pessoal? E, em termos quantitativos, que consequências pode ter esta redução nas missões de projectar Portugal no estrangeiro? É que 3% sobre 3800 funcionários, são mais ou menos 112 (em números redondos). Mas esta é uma conta empírica que certamente será desfeita e corrigida pela resposta do Sr. Ministro.
Quanto à presidência portuguesa, obviamente não estamos aqui a discutir as prioridades políticas mas a inscrição de uma verba, uma verba de 45 milhões de euros. Ora, é evidente que esta verba não aparece por acaso; aparece certamente suportada numa experiência que Portugal tem. De facto, é a terceira presidência portuguesa, a mais próxima foi em 2000 e a verba inscrita basear-se-á na verba inscrita nessa altura. Não sei se assim é ou não, parto do princípio de que possa ser… Mas a verdade é que, olhando para os 45 milhões de euros e para aquilo que são as obrigações decorrentes da presidência de um qualquer país, considero-a uma verba relativamente exígua. Diria mesmo, uma vez que não disponho de dados comparativos (corrigirme-á se os tiver), que é uma verba bastante limitada e, porventura, insuficiente para fazer face aos encargos.
Mas isto é especulativo — e, se me permite, vou continuar nesta especulação (depois, naturalmente explicarme-á, pois tem informação suficiente para tal).
Como é que, admitindo que esta verba é insuficiente, o seu Ministério vai responder aos problemas financeiros que se vão colocar? Qual é a sua retaguarda? É a retaguarda interna ao próprio orçamento do Ministério? Vou dar-lhe dois exemplos. Por um lado, há aqui um aumento significativo de transferências correntes e de transferências de capital, que não vi inteiramente justificadas no orçamento e que admito possam constituir a sua retaguarda para fazer face a despesas eventualmente reais resultantes da presidência portuguesa. Por outro lado, há pouco, quando falou de saldos de um programa, não sei se esses saldos também poderão ser utilizados, ou não… De qualquer maneira, a necessidade que tenho é de perceber, com alguma base científica e alguma base racional, o seguinte: primeiro, se os 45 milhões de euros são suficientes e com que critérios é que foram aqui inscritos; e, segundo, admitindo que são insuficientes, como parece à partida, do meu ponto de vista, qual é a sua retaguarda? É interna ao Ministério? Se o é, é à custa de quê? Se não é interna ao Ministério, é a custa de onde, de alguma dotação provisional? Enfim, dir-me-á certamente.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, começo igualmente por cumprimentar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado. Em jeito de nota prévia, gostaria de registar, como já foi aqui realizado, a seriedade política com que V. Ex.ª apresentou este orçamento, ao nos vir dizer que há dois orçamentos neste Ministério dos Negócios Estrangeiros: um com a presidência da União Europeia e outro sem a presidência da União Europeia. Felicito-o por isto, pois acho que é uma questão de seriedade política e que é positiva.
A minha intervenção é apenas e só relativamente aos assuntos europeus e à presidência portuguesa, pelo que não vou discutir o valor de 45 milhões de euros para o Ministério dos Negócios Estrangeiros — não sei se é pouco ou se é muito, não vou entrar nesta especulação e, aliás, o parâmetro que V. Ex.ª poderia ter também não é assim tão exacto, porque o número de países, agora, é diferente, pois, nessa altura, decorria a fase do pré-alargamento. Quero somente desejar, em nome do CDS-PP, que seja um enorme sucesso, idêntico ao das presidências anteriores, e para isso contará com todo o nosso apoio e toda a nossa colaboração.
Como já tive oportunidade de dizer a V. Ex.ª, em reunião da Comissão de Assuntos Europeus, dentro das prioridades — porque também a verba e a organização da presidência têm a ver com as prioridades políticas da presidência portuguesa —, entendemos que o espaço liberdade, segurança e justiça deverá ser uma das prioridades fundamentais (se me permite a redundância) e, dentro destas, a questão da imigração. Por isso, preocupa-nos um pouco que, sendo a dotação total para a presidência portuguesa de 51,5 milhões de euros (dos quais 45 milhões de euros para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o que é compreensível, e depois outras dotações para a Defesa, a Justiça, a Agricultura e o Ambiente), no Ministério da Administração Interna estejam apenas inscritos 50 000 euros. Dir-me-á que isto é uma questão para o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna — e fá-la-ei também na discussão do respectivo orçamento. Em todo o caso, V. Ex.ª é o responsável máximo. E não estou a dizer que é pouco, se calhar até se justifica, mas, aparentemente, tendo em atenção aquilo que para nós deve constituir uma prioridade e sendo certo que a questão da imigração e do
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espaço liberdade, segurança e justiça tem muito a ver com o Ministério da Administração Interna, esta verba residual de 50 000 euros parece-nos bastante curta.
A minha segunda e última questão tem a ver com a reestruturação da rede consular. O meu colega Helder Amaral já teve ocasião de expressar, e bem, a opinião do CDS-PP em relação à questão da emigração, mas há aqui também uma questão que nos parece essencial e tem ainda a ver com o Ministério de V. Ex.ª, que é a questão da imigração.
Sem embargo de tudo o que foi dito, e bem, repito, pelo meu colega, achamos que na reestruturação desta rede consular seria muito importante dotar, nomeadamente, a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e o pessoal daí decorrente nas várias embaixadas e consulados portugueses, sobretudo tendo em conta aqueles que são os países de origem mais habituais para Portugal e aquilo que foi política do anterior governo, de oficiais de ligação do SEF que, em estreita colaboração com as embaixadas e o seu pessoal, não só fariam a gestão dos fluxos (e não estamos só a falar da questão securitária) mas também assegurariam a tal flexibilidade da imigração, com a concessão de vistos (e sabemos quanto se atrasa a concessão de vistos e quanto isto provoca a imigração ilegal).
Neste aspecto, gostaria de obter um comentário de V. Ex.ª sobre as medidas que se propõem, já que neste orçamento nos parece relativamente exígua a verba prevista em relação a esta matéria, pedindo que nessa reestruturação seja também tida em atenção esta questão da imigração e dos países prioritários de origem de imigração para Portugal.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, começo por fazer um pequeno comentário. O Sr. Ministro, quando questionado sobre a redução de verbas em várias matérias do seu Ministério diz «bom, paciência, temos um orçamento de contenção e, para mais, temos a presidência da União Europeia».
Na mesma medida em que o Sr. Ministro foi frontal connosco e muito claro na sua exposição, acho que também é bom dizer que o Governo já previa o orçamento para a presidência da União Europeia, pelo que não me parece que essa redução se deva a este motivo… Aliás, o Sr. Ministro, na sua primeira intervenção, disse logo que eram dois orçamentos, o orçamento corrente e o orçamento para a presidência portuguesa da União Europeia, sendo esta última uma questão extraordinária que temos no 2.º semestre do próximo ano.
Portanto, o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros vai reduzir, nomeadamente o orçamento para a cooperação torna a reduzir (reduziu, em 2006, e torna a reduzir, em 2007). São opções políticas do Governo e são-no nomeadamente porque o Governo continua refém do Pacto de Estabilidade e Crescimento — a questão de fundo é esta. E, com certeza, teremos ainda outras ocasiões para debater esta opção política do Governo.
Não se trata, portanto, de termos um orçamento para a presidência da União Europeia. Acho que é preciso tirar esta conclusão (pelo menos eu tiro-a) e não outra qualquer, porque os factos falam por si.
Sr. Ministro, ainda sobre as questões do «ajustamento da cooperação», como o Sr. Ministro lhe chamou na sua intervenção inicial (eu chamo-lhe redução), quero colocar-lhe uma questão, de que há pouco me esqueci, e que tem a ver com a contribuição e quotas para os organismos internacionais, onde o Sr. Ministro disse que iria haver uma redução, e, de facto, no orçamento, está reduzido. Penso que seria importante informar a Assembleia da República de quais são as organizações internacionais para as quais vamos deixar de pagar quota. É que, como sabe (e o Sr. Ministro saberá melhor do que eu), já houve um período em que Portugal não cumpriu esses compromissos internacionais, o que, penso, também não abonou muito a nosso favor, em termos da nossa imagem e, sobretudo, em termos daqueles compromissos que, como Estado de direito democrático, deveremos ter em relação aos outros Estados do mundo e no combate à pobreza. Por isso, acho que aqui também importava termos essa clareza.
Para terminar — esta ronda é muito mais curta, o que não nos permite aprofundar muitas questões —, uma vez que também já aqui foram feitas várias referências, quer por Srs. Deputados, quer por Membros do Governo, em relação à cooperação com os países africanos, não só de expressão portuguesa mas com todos os países africanos, eu gostaria que o Governo reafirmasse o seu compromisso, o compromisso de Portugal, em dar maior visibilidade e em colocar objectivos concretos em termos da cooperação portuguesa no domínio da saúde sexual e reprodutiva, dos direitos das mulheres e, nomeadamente no que tem a ver com os direitos humanos, no combate às práticas nefastas, como seja a mutilação genital feminina, por forma a estes compromissos também terem visibilidade em toda a política de cooperação do Governo.
O Sr. Presidente (José Luís Arnaut): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, dispondo, para o efeito, de 15 minutos.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, com a brevidade possível, responderei apenas a duas ou três questões que foram colocadas, já que as outras, sendo questões mais de pormenor, serão respondidas pelos Srs. Secretários de Estado, que estão aqui comigo e, assim, teremos o privilégio de ouvir, de voz própria, uma resposta mais adequada.
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De qualquer forma, Sr. Deputado Carlos Gonçalves, dir-lhe-ei que as considerações que fiz sobre a política de comunidades e sobre o legado, no contexto da acção externa do Estado português, pressupõem uma reavaliação das acções, iniciativas e instrumentos de que hoje este sector da política externa do Estado está dotado. E, por isso mesmo, remeti para um debate a promover em momento próprio o que possa representar de essencial esta minha concepção. Não entro em pormenores relativamente a esta matéria precisamente porque entendo que dever ser objecto de um debate que está para lá da discussão do Orçamento.
Este orçamento reflecte naturalmente a matriz de despesa que tem a ver com as iniciativas, as acções, os instrumentos que existem, mas poderemos fazer, seguramente, um debate mais enriquecedor sobre a política de comunidades no quadro de uma nova ambição para esta política, que me parece legítimo, neste momento, assumir.
Sobre a precariedade do vínculo de muitos dos recursos humanos, é um facto, tem sido assim nos últimos anos. Creio que o Sr. Deputado também foi secretário de Estado e não resolveu o problema da precariedade do vínculo laboral dos funcionários consulares e a situação não mudou de então para cá, pelo contrário.
A situação financeira tem sido objecto de intervenções sucessivas por parte dos governos que lhe sucederam, e, por isso, há aqui uma consideração de carácter geral. Reconheço que é preciso alguma estabilidade no corpo de funcionários que têm de lidar com esta matéria, mas, neste momento, temos um número significativo de pessoas com contratos locais e que estão com esta situação de precariedade.
De qualquer modo, o Sr. Secretário de Estado poderá complementar a resposta a esta questão em particular.
Associando esta questão à colocada pelo Sr. Deputado Honório Novo, direi que, de facto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem vindo a perder significativamente recursos humanos, sobretudo em 2002, altura em que perdeu 270 — e estes dados estão no relatório que vos foi apresentado.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sim, sim!
O Orador: — Perdeu 270 ou 280 funcionários nos últimos quatro, cinco anos, sobretudo em 2002, altura em que houve 217 saídas do Ministério por causa das questões relacionadas com a aposentação, que motivaram a saída de muitos funcionários, e, entretanto, não houve um processo de recuperação do quadro de funcionários do Ministério em número compatível. Reconheço que, em algumas áreas, temos manifesta falta de funcionários diplomáticos, em condições de poder responder às expectativas e, sobretudo, às exigências que se colocam hoje à acção externa do Estado.
Por isso mesmo é que penso que é absolutamente indispensável fazer uma avaliação rigorosa das nossas missões diplomáticas, da sua importância, da sua acção, do resultado da sua acção. E, havendo missões onde pode haver 20 funcionários e outras onde pode haver quatro, tendo nós a ideia de que a que tem quatro é a mais importante, do ponto de vista dos interesses do Estado, do que a outra, precisamente porque há uma inércia nas organizações que faz com que a matriz de organização, muitas vezes, fique cristalizada no tempo, às vezes durante décadas, sem ajustamentos que são necessários fazer, admito que neste exercício de racionalização e reestruturação se possa fazer um aproveitamento mais eficaz dos recursos que temos, embora reconheça que a «sangria» que se tem verificado em recursos humanos no Ministério dos Negócios Estrangeiros ao longo dos últimos anos não se adequa ao nível de responsabilidades que, entretanto, tem vindo a ser exigido ao Ministério, designadamente com a abertura de novas missões, como foi o caso do recente alargamento da União a Leste, que se traduziu por novas embaixadas abertas em todos os países da adesão.
É um trabalho que tem de ser feito e que será, seguramente, objecto de uma reflexão e de um debate adequado também nesta Casa, em momento próprio.
Sobre a verba do orçamento para a presidência portuguesa da União Europeia, também tenho as minhas dúvidas em relação à verba. Mas digo-lhe que os cálculos que foram feitos, os orçamentos que foram apresentados, andavam na casa dos 55 a 60 milhões de euros. Agora, os orçamentos também são feitos para estas questões, como sabe, sempre um bocadinho por cima e na base de critérios que, num contexto de crise e de recessão, também devem ser um bocadinho moderados.
Podemos não fazer tudo em hotéis de 5 estrelas, podemos usar hotéis de 4 estrelas, sempre é mais económico, mas, à medida que a presidência portuguesa da União Europeia for sendo desenvolvida, veremos como é que o orçamento é gerido. Agora, do meu ponto de vista, não há grande dificuldade em responder à realização da presidência nessa perspectiva, haverá sempre possibilidades de correcção; estamos a falar de verbas pouco significativas, no contexto da execução orçamental que nós conhecemos, e, portanto, admito que não tenhamos qualquer problema grave na execução do orçamento da presidência.
É certo que é um orçamento com 27 Estados, mas também é certo que é um orçamento no 2.º semestre, onde há menos um mês e meio de acções e iniciativas,…
Risos do Deputado do PCP Honório Novo.
… porque o mês de Agosto e a segunda metade do mês de Dezembro são meses de praticamente pouca actividade…
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O Sr. Honório Novo (PCP): — Os outros foram no 1.º semestre!
O Orador: — É verdade! Os outros foram no 1.º semestre, mas tinham menos Estados; na nossa última presidência eram 15 Estados e, agora, são quase o dobro.
Mas, como lhe digo, não me parece que este seja um problema sério na gestão do orçamento da presidência ao longo do próximo ano.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Qual é a sua retaguarda?
O Orador: — Já dei alguns exemplos. Há retaguardas desde logo na dotação provisional, que é para isso que serve, como calcula — o Estado português não deixaria, seguramente, de realizar uma cimeira internacional por causa do orçamento da presidência ser escasso. E há alavancas próprias na gestão flexível do Ministério, designadamente o fundo para as relações internacionais e os saldos não transitados da cooperação, que podem, eventualmente, ser aplicados — porque não? Há, digamos, «almofadas» que permitem gerir, do ponto de vista da gestão flexível corrente, alguns percalços que possamos ter. Não é, asseguro-lhe, um problema grave que tenhamos para o próximo ano. De qualquer modo, há mais 5 milhões de euros, que estão orçamentados noutros ministérios para actividades locais, actividades nacionais, e não vejo que haja grande dificuldade em desenvolver a presidência portuguesa com um orçamento próximo desses valores.
Sr. Deputado Nuno Magalhães, creio que já respondi às questões que me colocou, sobretudo do ponto de vista do orçamento.
Quanto à imigração em particular, questão que lhe é muito cara, dir-lhe-ei que ela será central na presidência portuguesa na União, considerando, sobretudo, as circunstâncias que vivemos e a importância crescente que o fenómeno tem como catalisador de um conjunto de problemas que vão desde a segurança, à integração social, à política de ajuda ao desenvolvimento. A imigração é hoje um catalisador de um conjunto de políticas da União Europeia que têm de ser assumidas de uma forma cada vez mais integrada. E, por isso, faz sentido, quando a pressão é tão grande, como aquela que estamos a viver neste momento, colocar as questões migratórias no centro da agenda europeia e fazer na presidência portuguesa, tanto quanto possível, um exercício de dar visibilidade a esta temática, reconhecendo que há, no processo de reestruturação consular, um trabalho a fazer. O trabalho que foi feito durante o vosso governo não deixou de ter continuidade neste Governo, designadamente a atenção que tem sido dada aos oficiais de ligação nos consulados, e mesmo o processo de abertura de novos consulados tem tido em atenção os países de origem de imigração e não apenas os países de acolhimento de emigrantes portugueses.
Sr.ª Deputada Helena Pinto, para não dizer que omito qualquer consideração sobre as questões que colocou, devo dizer que a pergunta sobre contribuições e quotas é pertinente. De facto, o Orçamento está um bocadinho aquém, não muito, das necessidades, precisaríamos talvez de mais 3 milhões de euros. Mas, porque a inércia no exercício destes compromissos é muito grande e há um pagamento automático de coisas que, muitas vezes, a prioridade política que definiu a sua opção já não se justifica, penso que se impõe fazerse um exercício. Acho que é saudável olharmos, de vez em quando, para a forma como gastamos o dinheiro do Estado e fazermos um exercício de custo/benefício. Perguntar-nos: vale a pena estar a apoiar esta organização? Nesta dimensão? Que contrapartidas é que temos? Parece-me que este trabalho também tem de ser feito e, se for possível fazer alguma poupança que se justifique, sem pôr em causa interesses do Estado português no quadro multilateral, penso que é um exercício saudável e que decorrerá também de algum trabalho de racionalização.
A Sr.ª Deputada não concorda com o PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), portanto há aqui um divórcio insanável. Lamento, mas não posso fazer nada.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Patinha Antão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, para complementar as respostas dadas pelo Sr. Ministro.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: — Sr. Presidente, começo por comentar uma das questões colocadas pela Sr.ª Deputada Helena Pinto que, com alguma persistência, que não deixo de admirar e, aliás, de partilhar também, tem manifestado interesse e preocupação em matéria da cooperação portuguesa na área da saúde sexual e reprodutiva e da equidade de género. Trata-se de uma matéria que é contemplada na estratégia; trata-se de uma área que temos vindo a trabalhar de forma menos visível, porque o trabalho de gabinete é esse, mas é um trabalho que precisa de ser feito.
Quando tiver oportunidade de ir à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas terei muito prazer em partilhar com os Srs. Deputados um documento de estratégia nesta área, que identifique os mecanismos através dos quais colocaremos esta questão no cerne das nossas preocupações em relação a todos os programas, esta é uma preocupação transversal e, portanto, lá estará.
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A Sr.ª Deputada também manifestou preocupação em relação às quotas internacionais, associando-a a este último ponto, dir-lhe-ia apenas que, em 2006, duplicámos a contribuição para o FNUAP e, em 2007, voltaremos a duplicar a contribuição para este Fundo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas também para complementar as respostas dadas.
O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados, nomeadamente ao Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves que acompanha com muita intensidade este tema das comunidades portuguesas e reconhece que o Governo tem vindo a enquadrar a sua projecção da política das comunidades no contexto dos negócios estrangeiros.
Quero dizer-lhe que, quanto à questão dos contratos a termo, temos 216 contratados a termo certo, como, aliás, o Sr. Deputado bem sabe, e, neste momento, estamos a fazer uma avaliação rigorosa de todas as situações, quer no contexto de relacionamento com a segurança social e com os impostos, quer no contexto das necessidades face à própria remodelação da rede consular. Não fazia sentido que antes disto tivéssemos uma avaliação; só agora, com o trabalho completo, em termos de proposta de revisão da rede consular, é que vamos compaginar com ele as necessidades de pessoal e, à luz desta avaliação, regularizar, de acordo com as regras que o Governo implementou — por cada dois funcionários públicos que saem só entra um —, o contrato individual de trabalho desses trabalhadores com contrato a termo certo.
Quanto à Escola Virtual, o Sr. Deputado Carlos Gonçalves reconhecerá o mérito do exercício desta ferramenta de trabalho, que é complementar às outras situações de ensino de língua portuguesa. E, fruto desse protocolo que temos estabelecido com os outros parceiros, que são, aliás, bem conhecidos dos Srs. Deputados, temos, neste momento, contabilizados 3000 cartões distribuídos. Não foram todos vendidos, alguns deles foram oferecidos às escolas — a cuja distribuição aliás o Sr. Deputado já assistiu —, mas, neste contexto, as instruções são rigorosas, incluem-se, evidentemente, nas receitas do consulado, à luz do próprio regulamento consular, numa interpretação que foi, aliás, fornecida a todos os consulados.
Sobre o fórum dos luso-eleitos, como o Sr. Deputado bem sabe, não havia qualquer trabalho nesta matéria, de identificação dos portugueses eleitos nas diferentes comunidades de acolhimento. Não tinha sido feito esse levantamento, fizemo-lo, temos cerca de 700 portugueses identificados e, no 1.º trimestre do próximo ano, realizaremos o primeiro encontro, que será em Lisboa, e já temos cerca de 200 inscritos, para além de associações de luso-eleitos em diferentes países do mundo.
A questão que a Sr.ª Deputada Maria Carrilho colocou tem a ver com o Programa do Governo. Nós mudámos a natureza da contratação dos professores para contrato local, decaindo justamente a ideia do destacamento, que onerava o Estado em cerca de 35 milhões de euros/ano. Com esta contratação local fizemos uma poupança de mais de 5 milhões de euros, que ambicionámos aplicar no próximo ano (não reduzindo, portanto, esse investimento), criando, nomeadamente, uma nova área de coordenação educativa na Venezuela, por exemplo, e incrementando, quer nos Estados Unidos, quer no Canadá, a presença de professores no contexto do ensino, já, esperemos, sob a responsabilidade do IC.
Sr. Deputado Nuno Magalhães, os Vistos também vão migrar para um sistema mais seguro, com a questão dos dados biométricos. Cumpriremos sempre Schengen; temos acordos de parceria estratégica no contexto da CPLP e dos PALP, como bem sabe, para facilitar a circulação. De qualquer modo, são sempre identificados os fluxos de maior imigração, no sentido da chegada a Portugal, e, em cada posto, há uma consulta permanente, quer à base de dados Schengen, quer ao próprio SEF, e nenhum Visto é emitido sem que, nessa regularização de consulta, seja obtido o consentimento, o seu acordo. E cada situação será analisada em concreto.
No caso dos países que referiu, os países de Leste, temos, evidentemente, oficiais no SEF que estão a cooperar localmente, em muitos casos, com as embaixadas e com as secções consulares.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus, também para complementar as respostas.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus (Manuel Lobo Antunes): — Sr. Presidente, farei três brevíssimas observações sobre três temas que foram levantados nesta segunda ronda de questões e que têm directamente a ver com a presidência portuguesa da União Europeia: a primeira é sobre imigração, a segunda sobre orçamento e a terceira sobre JAI (Justiça e Assuntos Internos).
Sobre imigração, gostaria de dizer à Sr.ª Deputada Maria Carrilho que o programa conjunto que estamos a desenvolver com a Alemanha e com a Eslovénia, efectivamente, dá um destaque importante à questão da imigração numa tripla vertente: na vertente da cooperação para o desenvolvimento, isto é, de ajuda ao desenvolvimento dos países de que são oriundos muitos destes imigrantes, naturalmente com o objectivo de criar condições que permitam a fixação das pessoas nos seus países de origem; na vertente do reforço da cooperação, quer entre Estados-membros quer ao nível de mecanismos de Bruxelas, para o combate à imigração ilegal; e, finalmente, na vertente de inserção dos imigrantes que já temos no espaço europeu.
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Portanto, estas três vertentes da questão imigração são bem reflectidas no programa das três presidências, podendo, como se sabe, cada uma das presidências, naturalmente nos seus seis meses respectivos, sublinhar aqueles aspectos que, do ponto de vista nacional, lhe pareçam mais importantes e relevantes.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já se referiu à questão do orçamento. Evidentemente, aos 45 milhões de euros inscritos para a missão presidência da UE haverá que acrescentar as outras verbas inscritas nos ministérios sectoriais. Julgo que é positivo fixarmos esta verba de 45 milhões como objectivo a atingir.
Sabemos qual é o objectivo, sabemos qual é o plafond e sabemos qual é a meta! A meu ver, é preferível esta solução a, digamos, orçamentos abertos e quase de objectivo incontrolado. Temos este objectivo e sabemos que temos, e devemos, de o atingir. Este é também um desafio à imaginação, à racionalização e à contenção que me parece muito positivo. Temos a experiência de presidências anteriores, de outras presidências e, agora, temos de ter uma experiência de sobriedade no exercício da presidência da UE, preocupando-nos sobretudo com a eficiência, a eficácia e a substância.
Portanto, todos trabalharemos neste sentido, no respeito pelos plafonds, e espero que seja possível atingir o objectivo fixado.
Finalmente, sobre a questão da orçamentação da JAI, obviamente, o ministério sectorial responderá por isso, mas, de qualquer modo, eu gostaria de esclarecer que algumas das iniciativas que, durante a presidência portuguesa da União Europeia, caberão no âmbito da justiça e assuntos internos, e que serão organizadas em território português, serão também cobertas pelo orçamento previsto para a missão presidência. Portanto, nesta matéria, nem tudo cabe ao Ministério, haverá uma parte importante destas iniciativas — são despesas de funcionamento, digamos assim — que caberá no orçamento da missão presidência.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
O Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas (José Luís Arnaut): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas quero dar nota de que teremos de entregar o nosso relatório sobre o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros até ao dia 3 de Novembro, às 18 horas, pelo que proporia a seguinte metodologia: caberá ao PSD a elaboração do relatório, cujo relator, tanto quanto sei, será o Sr. Deputado Mário Santos David, que será entregue aos serviços da Comissão até quinta-feira, dia 2 de Novembro, às 12 horas, por forma a poder ser distribuído a tempo aos grupos parlamentares e ao Governo para ser discutido e aprovado na reunião da Comissão no dia 3 de Novembro, sexta-feira, às 10 horas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, dou por terminada esta audição com equipa ministerial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, agradecendo ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado a colaboração prestada.
Sr.as e Srs. Deputados, declaro suspensa a reunião.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Após a interrupção, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Venda.
A Sr.ª Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Vamos retomar os trabalhos da Comissão com a audição do Ministério da Cultura, cujo objectivo é o aprofundamento do orçamento para 2007 do Ministério da Cultura.
Como está convencionado, a Sr.ª Ministra fará uma intervenção inicial, a que se seguirá uma primeira ronda de perguntas, cabendo a cada grupo parlamentar o tempo de 10 minutos, e, no fim, a Sr.ª Ministra responderá em bloco, dispondo de 20 minutos para o efeito. Haverá depois lugar a uma segunda ronda de perguntas e, porventura, uma terceira ronda e tantas quantas as que os Srs. Deputados entenderem.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Na segunda ronda de perguntas, cada grupo parlamentar dispõe de 5 minutos e a Sr.ª Ministra disporá de tempo equivalente para responder. Nas terceira e quarta rondas, cada intervenção terá, no máximo, a duração de 3 minutos.
Desde já agradeço a disponibilidade da Sr.ª Ministra e do Sr. Secretário de Estado da Cultura para estarem aqui hoje, a esta hora, mas foi a possível, para este debate.
Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura para uma intervenção inicial.
A Sr.ª Ministra da Cultura (Isabel Pires de Lima): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A elaboração da proposta do orçamento para 2007 do Ministério da Cultura mantém como linha orientadora o Programa do
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para o sector, tendo ainda em atenção o compromisso, de médio prazo, de consolidação orçamental plasmado no Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Apesar da contenção verificada ao nível das receitas gerais do Orçamento do Estado, ao nível do orçamento de funcionamento registam-se variações positivas na receita própria, com mais 7,4%, e no financiamento comunitário, com mais 147,8%, que permitem que, no essencial, as políticas traçadas pelo Governo para este sector possam ser prosseguidas, embora em alguns casos com sacrifícios da sua velocidade de execução.
Por outro lado, permito-me registar uma alteração qualitativa da natureza da despesa, com uma redução das despesas de aquisição de bens e serviços, um reforço da aquisição de bens de capital e uma redução das despesas de pessoal. Mais ainda, a capacidade de execução do Ministério da Cultura atingiu patamares superiores aos registados em anos anteriores, tendência que acreditamos que se manterá em 2007.
O orçamento do Ministério da Cultura para 2007 apresenta um valor global de 236,8 milhões de euros, correspondendo a uma quebra de 6,9% face à estimativa de execução para 2006, conforme foi devidamente demonstrado no Relatório do Orçamento do Estado para 2007. Apesar desta limitação, o Governo prosseguirá o cumprimento do seu Programa e assegurará as metas definidas nas Grandes Opções do Plano.
No que respeita à política de salvaguarda e valorização do património cultural, orçamentam-se intervenções num montante global superior a 30 milhões de euros, assegurando a execução dos principais projectos previstos nesta área, designadamente no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, no Mosteiro de Tibães, no Mosteiro de S. João de Tarouca, no Mosteiro da Batalha, no Mosteiro de Pombeiro, na Sé do Porto, no Convento de Cristo, no Convento de Jesus e no Palácio Nacional de Queluz, entre outros.
Na área dos museus e do património móvel, o esforço de actuação no Ministério da Cultura, orçado em 11 milhões de euros, estará centrado na construção do Museu do Côa e do Museu do Douro, bem como na continuação das remodelações do Museu Nacional de Machado de Castro, do Museu de Aveiro, do Museu de Évora e do Museu de José Malhoa. Será concluída a intervenção no Museu da Terra de Miranda e, no 1.º trimestre de 2007, aberto ao público o Museu D. Diogo de Sousa.
A requalificação da zona museológica de Belém será iniciada em 2007, com o início da construção do novo Museu dos Coches, Picadeiro Real, e com a alteração do projecto museológico do Museu de Arte Popular, orientado para um museu da língua portuguesa, centro de interpretação das Descobertas. Este projecto visa a criação de um centro temático de exposição e de comunicação interactiva que proporciona experiências e percursos interpretativos das explorações oceânicas portuguesas e da inerente disseminação do português, recorrendo a tecnologias audiovisuais interactivas. Procura-se dinamizar a zona estabelecendo sinergias com outros elementos culturais correlacionados, nomeadamente o Padrão dos Descobrimentos, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu da Marinha e o Planetário. A abertura ao público está projectada para 2008.
A intervenção nestes sectores não se limita, contudo, à realização de obras de conservação e recuperação do património, embora se reconheça que esta vertente é aquela que apresenta maior visibilidade pública. Na salvaguarda do património será prosseguida uma política de aproximação e articulação com as autarquias locais para a definição de zonas especiais de protecção de imóveis e sítios classificados — estão, neste momento, já definidas 286 zonas e em instrução 265 — e instituída uma estrutura de coordenação de nível intergovernamental, envolvendo os Ministérios da Cultura, do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, de forma a articular as políticas sectoriais com impacto na salvaguarda do património classificado em cumprimento, aliás, do disposto na Lei n.º 107/2001, de 10 de Setembro.
A Comissão de Regulamentação da Lei do Património apresentará os primeiros diplomas regulamentares no decurso de 2007, dando início a um processo que se encontrava bloqueado há seis anos. O reforço da valorização territorial e da competitividade regional e local só será plenamente alcançado com uma maior descentralização das competências e dos meios envolvidos na gestão e dinamização do património classificado.
Nestes termos, o Ministério da Cultura procurará um maior envolvimento das autarquias na gestão do património e no desenvolvimento de políticas para a sua fruição e na passagem da tutela de alguns museus com colecção de âmbito local e regional para as autarquias em que se encontram situados, visando potenciar economias de escala que, pela sua dependência da administração central, se encontram desvalorizadas. Cito, a título de exemplo, os Museus de Castelo Branco, de Terra de Miranda, da Nazaré, de Cerâmica, em Caldas da Rainha, de Pescaínhos e Abade de Baçal.
No apoio à criação artística e à difusão cultural, o Ministério da Cultura desenvolverá a sua actuação em torno do programa Apoio às Artes com uma dotação de 19 milhões de euros e o novo Programa Território Artes, a ser brevemente apresentado, com uma dotação e 1,2 milhões de euros. Deste modo, não irão ser prosseguidas as iniciativas de natureza pontual.
A introdução deste novo sistema de apoios visa, entre outros aspectos, favorecer a descentralização e correcção das assimetrias regionais, bem como a valorização de entidades de criação artística com massa crítica técnicoprofissional e a sua distribuição equilibrada pelo território, assim como o desenvolvimento de parcerias de apoio à criação e à programação, designadamente de cine-teatros e outros equipamentos municipais,
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envolvendo agentes culturais, autarquias e o Ministério da Cultura. Trata-se de uma modalidade nova a que chamamos «apoios indirectos».
Saliente-se ainda a dinamização da itinerância através do Programa Território Artes — Oficina Virtual já em fase experimental no último trimestre do corrente ano, que promove o funcionamento em rede dos equipamentos culturais municipais, permitindo a contratação e o agendamento em linha de produções artísticas de qualidade em diferentes géneros artísticos. As condições de agendamento são tanto mais favoráveis quanto mais intensa for a itinerância de cada produção, optimizando deste modo a relação entre criação e difusão.
Importa sublinhar ainda a desmaterialização e a desburocratização dos procedimentos para a apresentação de candidaturas, todas em linha partir de agora, o que permitirá obter ganhos de eficiência quer ao IA (Instituto das Artes) quer aos agentes culturais, bem como ainda facilitar o trabalho das comissões de acompanhamento e avaliação, na medida em que proporciona um acesso mais fácil e imediato aos dados das entidades beneficiárias e permite maior transparência na avaliação comparativa, diacrónica e sincrónica das suas actividades.
Os objectivos que moveram a realização das capitais nacionais de cultura eram não só os de cumprir uma função de animação cultural mas também de desenvolver potencialidades políticas e estratégicas, gerando dinâmicas em várias dimensões, transformando a realidade social em termos de práticas e consumos culturais.
Neste sentido, estas iniciativas não têm sido consequentes. Os dados disponíveis sobre o impacto que estas organizações deixaram na sociedade apontam para um alheamento pela iniciativa e marcas muito indeléveis na região e País aferidas pelo distanciamento da população residente e do público em geral, dos agentes culturais e visitantes estrangeiros.
Os avultados recursos que se movimentaram não tiveram, pois, o retorno esperado. As capitais nacionais da cultura funcionaram apenas como um programa de animação cultural, mas não influenciaram o consumo cultural em termos de formação e alargamento de públicos e demonstraram que, com este modelo, as cidades não se renovaram pela cultura. Assim, o Governo abandonará definitivamente este modelo, carreando os meios para os programas acima enunciados.
Na área do cinema e do audiovisual, onde se prevê no orçamento do ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia) um investimento nos apoios à criação, produção, difusão e formação no montante de 11,9 milhões de euros, regista-se, em 2007, uma viragem histórica: a criação do Fundo do Cinema e do Audiovisual, já aprovado, o qual vai permitir mais do que duplicar o montante global dos apoios a este sector estratégico das indústrias criativas. Através de protocolos já celebrados e a celebrar nas próximas semanas, bem como da mobilização de recursos previstos no âmbito do próximo quadro comunitário de apoio, o Fundo disponibilizará, já em 2007, com incentivos directos ao empreendimento das pequenas e médias empresas de produção independente, cerca de 15 milhões de euros, montante que poderá aumentar em anos subsequentes. Assim, ao apoio ao cinema e ao audiovisual saltará globalmente cerca de 12 milhões de euros, em 2006, para cerca de 27 milhões de euros, em 2007.
Estabilizadas as condições de financiamento e funcionamento dos organismos de produção artística do Ministério da Cultura, o orçamento para 2007 atribui-lhes uma dotação de 30 milhões de euros. O ano 2007 consagrará a sua transformação em entidades públicas empresariais, conferindo-lhes maior autonomia e flexibilidade de gestão, cumprindo-se deste modo mais uma meta do Programa do Governo.
A política de difusão cultural é também assegurada por entidades privadas que, sob a figura de fundação, prosseguem finalidades complementares às do Estado e que por ele são financiadas. Em 2007, manter-se-ão os financiamentos às fundações Casa da Música, Centro Cultural de Belém, Vieira da Silva e Serralves. Será assinado com esta Fundação um protocolo, em substituição do já existente, com o objectivo de rever a participação do Estado no fundo de aquisição de obras de arte.
Relativamente à recém-criada Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Colecção Berardo, o Ministério da Cultura aguarda, até 15 de Dezembro, que lhe seja presente a proposta de orçamento da Fundação, como está estipulado na respectiva legislação.
No domínio da qualificação do tecido cultural, através da constituição de redes dinâmicas de equipamentos e actividades culturais, a intervenção do Ministério da Cultura centrar-se-á em torno dos programas da Rede Portuguesa de Museus, com um investimento na ordem dos 670 000 euros, do PARAM (Programa de Apoio à Rede de Arquivos Municipais), com um investimento de 990 000 euros, e da Rede de Bibliotecas Municipais, onde se prevê um investimento na ordem dos 3,5 milhões de euros.
O programa de apoio a cine-teatros será reequacionado de forma a proceder à sua revisão, escalando os equipamentos às populações que irão intervir e procurando criar condições para a existência de uma efectiva programação que os transforme em pólos de desenvolvimento e fruição cultural.
No ano de 2007, dar-se-á igualmente início ao projecto da imprescindível expansão dos depósitos da Biblioteca Nacional e à construção de uma nova sala de leitura de periódicos, com um investimento global de 12,5 milhões de euros, entre 2007 e 2009. No ano 2007, será realizado um investimento de 400 000 euros; será dado início ao projecto de ampliação do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, um investimento de 1 milhão de euros, que permitirá acolher o arquivo fílmico da RTP, o que justifica, aliás, o crescimento da dotação orçamental global da Cinemateca em cerca de 600 000 euros, expurgada, naturalmente, da integra-
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ção de saldos de 2005 que, desde que autorizada, se encontra sujeita ao cumprimento da regra do equilíbrio orçamental.
Será desenhado um novo figurino para o Museu da Música, transformando-o em museu da música e do som, associando deste modo a vertente museológica com a vertente de recolha, conservação e disponibilização de registo sonoros em articulação com a revisão da lei do depósito legal, que se pretende publicar também no decurso do próximo ano.
A ausência de indicadores fiáveis para o sector cultural levou a que o Ministério da Cultura encomendasse ao Observatório das Actividades Culturais um estudo, visando a criação de um sistema de informação estatístico do sector que permita carrear informação necessária à tomada de decisão. Planeia-se que este sistema entre em funcionamento pleno ainda no ano de 2007.
A promoção e difusão internacional da cultura portuguesa, que envolverá verbas no montante de 1,750 milhões de euros desenvolver-se-á em torno da participação da bienal de Veneza, bienal de São Paulo e quadrienal de Praga. A exposição em Encompassing the Globe, em Washington, e Novos Mundos — Portugal e a época dos Descobrimentos, em Berlim, terão o seu apoio consagrado no orçamento do Ministério da Cultura.
Será igualmente concretizado o Ano de Portugal, em Espanha, bem como o início das comemorações do II Centenário da Chegada da Corte Portuguesa ao Brasil.
Permito-me ainda realçar a realização, no último trimestre de 2007, da primeira exposição Hermitage em Lisboa, em cumprimento do protocolo concluído em Março último entre o Ministério da Cultura e o Museu Hermitage. Esta será a primeira das três exposições a realizar com vista à eventual constituição de um pólo Hermitage em 2010.
Na área do livro, encontra-se prevista a participação nas feiras de Frankfurt e Londres, na bienal de São Paulo e, em equação, a preparação da participação na Feira do Livro de Guadalajara na qualidade de país convidado, em 2008.
O ano de 2007 consagrará igualmente a implementação do PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) no Ministério da Cultura. A sua concretização contribuirá para uma maior racionalização das estruturas, visando obter uma maior eficiência dos serviços e, por esta via, canalizar mais meios para o desenvolvimento de projectos na área da cultura, contribuindo, em paralelo com outras iniciativas do Governo, para o esforço de qualificação da população portuguesa.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr.ª Ministra, por nos ter feito um desenvolvimento do programa do Ministério da Cultura…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, antes de darmos início ao debate, gostaria de fazer uma interpelação à mesa.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem então a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, como é do conhecimento da Comissão, é fundamental para o nosso trabalho, para a discussão orçamental na Assembleia da República, podermos contar com o maior número de informação disponível, muito similar àquela que a tutela possui, para que esta discussão possa ser séria e profunda.
Acontece que o orçamento por acções do Ministério da Cultura, que no ano passado também nos foi trazido muito em cima do acontecimento, acabou de chegar, há uma hora, antes de termos iniciado os nossos trabalhos, para além de um outro conjunto de documentos e de todo este material que aqui tenho e que desconheço o que seja, porque não tive condições de verificar.
Portanto, Sr.ª Presidente, é de lamentar que isto aconteça. Esta reunião está marcada há vários dias para as 19 horas, são 19 horas e 30 minutos, e o Ministério fez chegar aos Deputados das respectivas bancadas a documentação em cima da hora do início dos nossos trabalhos. E, como é óbvio, não podemos vir para a reunião ler as informações que se encontram no CD, a não ser que venhamos para aqui com um computador ou que interrompamos os trabalhos, imprimamos tudo o que nos foi fornecido pelo Ministério, e depois de lermos toda a documentação voltemos a reunir, hoje, a partir das 21 ou das 22 horas, ou amanhã.
É lamentável que isto aconteça e já não é a primeira vez; no ano passado, passou-se exactamente o mesmo.
Vozes do PCP: — É verdade!
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Sr.ª Deputada, registo a sua interpelação à mesa.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Peço a palavra para interpelar a mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, gostaria de subscrever nos exactos termos o que foi dito pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Compreendo a dificuldade da Sr.ª Presidente, mas penso que não basta registar este nosso descontentamento. De facto, estes elementos são fundamentais para que possamos apreciar devidamente o orçamento que é apresentado.
Acresce que, ao contrário do que é a prática, o relatório que nos foi apresentado quando foi entregue o Orçamento do Estado, é absolutamente imperceptível. Parece que se pegou em todo o léxico de lugarescomuns e de termos politicamente correctos do «culturês» e que foram despejados para duas páginas de uma forma quase anárquica, não nos permitindo, de forma nenhuma, através dos quadros ter a percepção dos montantes que vão ser canalizados para diversíssimos organismos. Como tal, não só o documento original que nos foi entregue é imperceptível como este, que nos poderia ajudar a acompanhar a política cultural, foi entregue há minutos atrás. A verdade é que acabaram de me entregar a disquete, pelo que não estou em condições para, em representação do CDS-PP, fazer uma discussão adequada deste orçamento, o que lamento.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr.ª Presidente, lamento esta realidade, que, contudo, não nos surpreende, porque já no ano passado aconteceu esta mesma coisa com este mesmo Ministério. Estávamos convictos de que, de um ano para o outro, a melhoria ia ser um facto, mas, infelizmente, repetiu-se a mesma coisa.
Quero, contudo, afirmar claramente que o PSD está pronto para fazer a discussão do orçamento hoje mesmo, a partir de agora.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, registámos todas as interpelações à mesa e o sentido que elas tomaram.
Como sabemos, todas as particularizações feitas no âmbito da discussão do Orçamento costumam chegar com a apresentação de cada ministério. Isto é, não se trata de uma situação nova, como alguns registaram.
Estou certa de que se a Sr.ª Ministra o tivesse podido fazer teria feito chegar mais cedo esta informação. Creio que esta interpretação vale, sobretudo, para que consigamos, no próximo ano, receber este documento com um pouco mais de antecedência.
Creio que a experiência dos Srs. Deputados nos permite iniciar o debate, como o Sr. Deputado Emídio Guerreiro sugeriu. Nesse sentido, dou de imediato a palavra ao Sr. Deputado Sérgio Vieira.
O Sr. Sérgio Vieira (PSD): — Sr.ª Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Ministra da Cultura e o Sr.
Secretário de Estado, recordando que no ano passado, quando debatemos o Orçamento para 2006, a Sr.ª Ministra classificou o último Orçamento do governo do PSD e do CDS-PP como «fantasioso». Devo dizer, todavia, que o Orçamento que a Sr.ª Ministra nos apresenta hoje para o próximo ano é mais uma mentira eleitoral do Partido Socialista.
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — O quê?!...
O Orador: — Vamos aos números «nus e crus»: a verdade é que há um corte de 9% no orçamento da cultura em relação ao ano passado; a verdade é que o orçamento da cultura, que tem 236,8 milhões de euros, é o mais baixo apresentado nesta Casa desde há sete anos; a verdade é que o peso do orçamento da cultura em todo o Orçamento do Estado baixa de 0,5% para 0,4% — isto quando o deixámos há dois anos em 0,6%!! Por que é que digo que este orçamento é uma mentira eleitoral do Partido Socialista? Porque o Governo, no seu Programa, é muito claro em relação à cultura (e passo a citar): «A política cultural para o período 20052009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram.» Ou seja, «asfixia financeira» era a que dava à cultura 0,6% do Orçamento do Estado — hoje, a mesma cultura representa 0,4% do Orçamento do Estado…!! Mas o Governo, no seu Programa, diz ainda: «O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento do Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo, importando retomar a trajectória de aproximação interrompida no passado recente». Ou seja, quando os senhores escreveram este Programa do Governo a cultura representava 0,6% do Orçamento do Estado e hoje representa 0,4%!! É por isto que digo que este orçamento é mais uma mentira eleitoral do Partido Socialista.
Mentiras eleitorais foram ainda as promessas de não aumentar os impostos, de não colocar portagens nas SCUT e esta de aumentar o peso da cultura no Orçamento do Estado, quando os senhores estão a fazer precisamente o contrário!
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Sr.ª Ministra, o PSD seria demagógico se viesse aqui exigir que o orçamento da cultura representasse 1% do Orçamento do Estado. Todavia, não é demagógico pedir ao Governo que caminhe nessa direcção, sendo que os senhores estão a fazer precisamente o contrário e, pior!, o contrário do que prometeram!! Sr.ª Ministra, algumas pessoas poderiam perguntar o que significa esta falta de peso do Ministério da Cultura no Orçamento do Estado e poderiam até pensar que esta é uma consequência do facto de V. Ex.ª ter pouco peso político no Governo ou de lhe ter criado alguns embaraços. Eu não vou por aí, porque, apesar do caso do túnel de Ceuta, apesar do caso Joe Berardo e apesar do Rivoli, não pactuo com o facto de o Sr. Primeiro-Ministro se esconder constantemente atrás dos ministros. Eu entendo que a primeira e mais directa responsabilidade do que está a acontecer na cultura é do Engenheiro José Sócrates, Primeiro-Ministro de Portugal, que prometeu aumentar o peso da cultura no Orçamento do Estado e fez precisamente o contrário.
O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): — Essa é que é a verdade!
O Orador: — Ou seja, é até devida uma palavra de solidariedade para com a Sr.ª Ministra, porque acredito profundamente que quando V. Ex.ª foi convidada para assumir a pasta no Ministério da Cultura lhe terá sido prometido que, de facto, a intenção do Primeiro-Ministro e do Governo de Portugal era a de cumprir a meta de dar ao orçamento da cultura 1% do Orçamento do Estado.
O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): — Foi enganada!
O Orador: — Acredito que isso lhe tenha sido prometido e acredito que a Sr.ª Ministra tenha acreditado e, como aconteceu a muitos portugueses, julgo que já terá chegado à conclusão de que faltaram à verdade com a promessa que lhe fizeram.
Posto isto, queria colocar duas questões muito directas à Sr.ª Ministra da Cultura, a primeira das quais relativa ao CCB (Centro Cultural de Belém) e ao Teatro Nacional de São Carlos. Quer o CCB quer o Teatro Nacional de São Carlos sofrem cortes neste Orçamento do Estado, cifrando-se o primeiro em 7,5% e o segundo em 5%. Os directores destas duas instituições já manifestaram as suas preocupações em relação a este corte, se bem que a minha preocupação em relação ao CCB seja maior, porquanto, com a deslocação do Museu Colecção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, as receitas devem diminuir, ou seja, podemos ter aqui um corte muito importante em relação ao CCB.
Todavia, sobre isto a Sr.ª Ministra disse publicamente o seguinte: «Os directores encontrarão formas de gerir a situação, racionalizando recursos de toda a natureza, incluindo recursos humanos». Ora, o que lhe quero perguntar é se, com estes cortes introduzidos nas verbas do CCB e do Teatro Nacional de São Carlos e com esta «racionalização de recursos humanos», não vamos ter despedimentos.
A segunda questão que lhe quero colocar prende-se com os museus e com o Instituto Português de Museus, que no ano passado teve um aumento de dotação de cerca de 23%. Este ano, contudo, a leitura do orçamento revela que este Instituto tem um corte de 23%. O que me preocupa é o seguinte: se, com o aumento de 23% do ano passado, houve uma crise muito séria nos museus em Portugal durante o mês de Maio, tendo, pela primeira vez, quase todos os directores de museu do País escrito à Sr.ª Ministra a dar conta das grandes dificuldades que estavam a enfrentar, com este corte não temos razões para temer que volte a acontecer o mesmo? Ou seja, será que este ano não vamos ter museus a ameaçar encerrar por falta de verbas e de funcionários? Esta é uma preocupação que temos e sobre a qual gostaríamos que a Sr.ª Ministra nos dissesse algo.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, sei que esta primeira intervenção do Partido Socialista vai ficar a cargo das Sr.as Deputadas Manuela Melo e Teresa Portugal.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, é óbvio que estamos perante um Orçamento de contenção. Não vou sequer contestar as contas feitas pelo meu colega Sérgio Vieira, porque basta olhar para o orçamento e fazer as contas para chegar a essa conclusão.
É verdade, portanto, que este é um orçamento de contenção, mas é preciso dizer que este é um orçamento real. Digo-o porque me lembro de que há dois anos, quando houve uma grande contenção no Ministério da Cultura, verificaram-se, à partida, cativações nas despesas de funcionamento e de investimento. Ora, estas cativações, feitas as contas, davam um orçamento desta ordem, mas os Srs. Deputados do PSD e do CDS esqueceram-se de o dizer! Neste orçamento há apenas cativações nas despesas de investimento e algumas das instituições que aqui estão e que irão passar a empresas públicas deixarão também de ter qualquer espécie de cativação. Há, portanto, um pequeno acerto que é necessário considerar.
É evidente que, tal como fizemos quando aqui veio o ex-ministro Pedro Roseta dizer que tinha um corte no orçamento, afirmamos que lastimamos. Dizemos hoje o mesmo que dissemos ao ex-ministro Pedro Roseta: conte connosco para fazer tudo para que se reforcem as verbas do seu orçamento. É isso que lhe dizemos a si também, Sr.ª Ministra.
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Protestos do PSD.
Mas há uma diferença: na verdade, ao então ministro Pedro Roseta perguntámos, apesar desse corte que lastimámos mas que tivemos de «engolir», quais eram as suas prioridades e percebemos que ia cortar um bocadinho em tudo. E esta é a diferença fundamental entre dois orçamentos de contenção. É que aqui é muito claro que há opções nítidas na aplicação das verbas, algo que nos consola. Ainda mais quando essas opções vão dar resposta directa aos objectivos que traçámos no nosso programa eleitoral.
Falarei apenas da área do património e a Deputada Teresa Portugal falará da área das artes «performativas». Em relação ao património, há algumas formas de ler este orçamento que gostaria de realçar. Uma passa pelo favorecimento do funcionamento em rede. Este era um pressuposto do nosso programa eleitoral e a verdade é que está aqui expresso não só nas bibliotecas (continua a célebre rede de bibliotecas) como nos arquivos municipais. Lembro que o processo de apoio a estes arquivos foi protocolado e iniciado em 1998 e que eles estiveram completamente parados neste últimos anos. Agora, todavia, a prioridade de apoio vai precisamente para os arquivos que não pertencem ao Estado mas, sim, aos municípios, como os de Albergaria, Paredes de Coura, Monção, Serpa, Montemor, etc. Isto é, o Estado abdica das coisas que poderia fazer nos seus arquivos para as fazer nos arquivos municipais.
Mas há que realçar ainda a questão dos museus, sendo curioso verificar quais são as prioridades. Ora, estas incidem sobre os museus que se situam fora da cidade de Lisboa, sobre museus paradigmáticos para algumas regiões como o Douro e o Côa. Em Lisboa há apenas um museu que vai reforçar um núcleo importante, o de Belém, mas são alvo de atenção o Machado de Castro, em Évora, o Malhoa, ou o da Terra de Miranda. Quem é que se lembra de como estava este museu?...
Mas estas redes são ainda importantes porque estão definidas algumas ligações a outras instituições, como as autarquias, muito viradas para o exterior. Ou seja, o Ministério da Cultura mostra neste orçamento que, por exemplo, no Instituto Nacional de Arquivos há um projecto, muito importante em termos culturais, que se destaca em termos orçamentais, que é o «Memória e gestão da Administração Pública». Trata-se de criar um modelo para uma coisa que é um autêntico caos, porque não há decisor político, investigador ou um simples cidadão neste país que consiga saber seja o que for nos arquivos de qualquer ministério ou serviço público.
Aquilo que está em curso — já se começou a resolver o problema dos 700 km de prateleiras de documentos em Lisboa em que ninguém mexe — e aquilo que se vai projectar no próximo ano é exactamente essa valorização, esse meter em rede, esse digitalizar, segundo normas universais, não só do património da responsabilidade do Ministério da Cultura mas também de toda a Administração Pública.
Diz o Sr. Deputado que o IPPAR sofre cortes no PIDDAC. É verdade que sofre, mas há uma evolução na qualidade do seu serviço, designadamente na relação com as autarquias, que têm sido chamadas de uma forma exemplar. O IPPAR está a melhorar muitíssimo a imagem que a salvaguarda do património sempre pôs nas pessoas e nas autarquias, e isso é fundamental.
A Biblioteca Nacional Digital começou no tempo de um governo socialista e, pelos vistos, acelerará — espero — também neste Governo socialista.
Quanto à rede virtual do IPLB, há menos dinheiro para abrir novas bibliotecas, mas devo dizer que a rede está mais completa do que estava há uns anos atrás. A rede virtual é muito importante para pôr em rede aquilo que já são as construções de hoje.
No que se refere à Cinemateca, há anos que andamos a suspirar por uma sua extensão e, finalmente, ela aí está na Casa das Artes no Porto. A última vez que isso aconteceu foi durante o Porto 2001 — Capital Europeia da Cultura.
Depois, há aqui uma coisa importante, que é uma visão mais ampla do que é património… Claro que há um património construído, e a Sr.ª Ministra já referiu as intervenções novas, designadamente no Convento de Cristo, mas há também um património documental.
Por exemplo, o Centro Português de Fotografia aparece aqui com um orçamento que lhe permite manter aquela qualidade do tratamento do documento em base fotográfico.
O arquivo da RTP, que muitos não acreditavam que pudesse ser preservado, finalmente também está aqui no orçamento.
A criação da fonoteca, que é uma promessa eleitoral do Partido Socialista — e recordo que, quando viemos aqui defender a alteração da Lei da Rádio para defender a música portuguesa na rádio, houve quem dissesse: «pois é, e quem vai pagar a defesa da música portuguesa vão ser os operadores privados, coitadinhos?» —, aqui está e o Estado entra com um elemento fundamental, que é preservar a música portuguesa, o som que faz parte da nossa História! Mas ainda há outro património imaterial, sendo um deles a Língua Portuguesa. Alguma vez alguém sonhou ou pensou que a Língua Portuguesa servisse de museu? Pois é, e está na parte mais nobre do ponto de vista museológico da cidade de Lisboa.
Por outro lado, em relação a tudo o que tenha a ver com a protecção dos direitos de autor — GDA e IGAC — não há cortes neste orçamento. Ou seja: aquilo que é o fundamental da criação artística é salvaguardado neste orçamento.
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Portanto, Sr.ª Ministra, há menos dinheiro, mas vamos lutar para que seja mais. Mas o que deve existir são opções claras, alteração na filosofia de actuação dos serviços, partilha de responsabilidades e prioridade a projectos situados fora da capital.
Considerando que o PRACE está em curso e que, para o ano, haverá os primeiros sinais e que, há dois dias, o Parlamento Europeu aprovou o Programa para a cultura a integrar no QREN para 2007/2013, a pergunta que lhe quero fazer é se a Sr.ª Ministra acha que é possível prever que possa haver a única coisa que é precisa neste orçamento, que é reforço de verbas, porque a definição política está toda aqui no orçamento.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Não sei se a Sr.ª Deputada Teresa Portugal quer usar já da palavra ou se usará dela na segunda ronda.
A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Na segunda ronda, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, gostaria de começar por dizerlhe que não é com surpresa que olhamos para este orçamento, pois estamos perante um Governo que apresenta o maior corte nas funções sociais do Estado — na educação, na ciência e na cultura — de que há memória nos últimos 10 anos. Portanto, era natural que a cultura não fosse excepção.
Risos da Ministra da Cultura e do Secretário de Estado da Cultura.
Não sei se a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado acham esta afirmação divertida, mas eu, pelo menos, estava à espera que a achassem preocupante.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Na ciência acho divertido!
A Oradora: — Ó Sr.ª Ministra, já ontem discutimos isso com o Sr. Ministro Mariano Gago e já descobrimos por que é que a ciência, aparentemente, tem como propaganda o aumento…! Gostaria de dizer que só podemos comparar aquilo que é similar. A Sr.ª Ministra compara um orçamento inicial com um orçamento de execução, que não é similar. A Sr.ª Ministra está em condições de comparar a execução no fim de 2007. O que é importante é que a Sr.ª Ministra compare o seu orçamento inicial com o orçamento inicial de 2006. Isso, sim, pode comparar-se. E, naturalmente, lembrar-nos-emos todos das dificuldades vividas pelos homens e pelas mulheres da cultura e pelas respectivas instituições ao longo de 2006, com o orçamento inicial previsto.
E sabemos bem que, havendo um corte de mais de 9% relativamente ao inicial — e os 7% são relativamente à execução —, isso significa que, mesmo assim, tendo havido cortes tão grandes em 2006, a execução ainda ficou aquém daquilo que havia disponível para gastar e, portanto, ainda se fizeram mais restrições à intervenção cultural, é natural que o ano de 2007 — não é preciso ser bruxo para o adivinhar — vai ser mais complicado do que o ano de 2006.
Também não deixa de ser interessante que, há pouco, o Sr. Deputado Sérgio Vieira tenha chamado a atenção para o facto de este ser orçamento mais baixo dos últimos sete anos, mas esqueceu-se de referir exactamente qual é o momento dessa transição. É em 1999, também com um governo socialista e com um homem da cultura.
Depois, como também já aqui foi dito, existe uma diminuição do peso da cultura na despesa da administração central. Onde está o tal 1%, de que tantas vezes ouvimos aqui falar nos anos anteriores, quando o Partido Socialista tomasse posse? É porque, afinal, o peso da despesa da cultura passa de 0,5% para 0,4%.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, é difícil ouvi-la ler o seu texto, segundo o qual tudo corre bem, e, depois, olhar para os números. Peço à Sr.ª Ministra, agora que estamos numa discussão orçamental a falar do orçamento da cultura para 2007, que não nos fale da sua intervenção mas, sim, que nos diga, em termos de verbas, porque o que temos aqui são as verbas, o que é que vai acontecer a estas instituições com os cortes, naturalmente, consensualizados com a Sr.ª Ministra.
Dou-lhe dois ou três exemplos: as delegações regionais deixam de ser importantes na área da cultura? A descentralização já não tem qualquer importância? É porque descem todas as delegações, com excepção da Delegação Regional do Norte… Estas descidas não têm qualquer importância? É já a reestruturação e a racionalização dos recursos humanos? É já essa a previsão? Depois, o Instituto Português do Património Arquitectónico, o Teatro Nacional S. João, a Orquestra Nacional do Porto, o Instituto Português dos Museus, o Instituto das Artes, o Centro Português de Fotografia, a Biblioteca Nacional, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, o Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, Instituto Português de Conservação e Restauro, a Academia Portuguesa de História, a Academia
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Nacional de Belas Artes e a Academia Internacional da Cultura Portuguesa têm verbas inferiores a 2005 — e já não comparo com 2006, porque já sabemos que descem.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Não são, não senhora!
A Oradora: — Eu acredito que sejam «não são, não senhora» no orçamento que o Partido Socialista tem, mas eu estou a falar daquele que nos foi enviado antes destes documentos que nos chegaram agora.
Portanto, temos aqui um conjunto de verbas, em que a sua descida é extremamente preocupante, porque estamos a falar de decréscimos relativamente não a 2006 mas a 2005, e era importante que a Sr.ª Ministra explicasse como é que estas instituições vão viver. Se iremos assistir novamente, em Abril e Maio, à situação do Instituto Português dos Museus ou se iremos receber na Comissão de Educação, Ciência e Cultura o «movimento 31» e todos os artistas do País na área da dança, do teatro e da música a dizerem-nos que os apoios não estão garantidos, que os apoios não estão pagos e, por isso, que estão sem condições para exercer aquilo que é o seu trabalho, que é a criação.
Todos nós sabemos que há áreas onde os recursos humanos são mais importantes do que noutras e nas funções sociais do Estado os recursos humanos são cruciais, são cruciais na educação, na ciência, na segurança social, na justiça e na cultura. Portanto, quando a Sr.ª Ministra fala em reestruturação e racionalização dos recursos humanos, o que é que isto quer dizer? Quer dizer que é encerramento de instituições? Quer dizer que é fusão de instituições? É o despedimento puro e simples? Gostaria que a Sr.ª Ministra explicasse também esta questão.
A Sr.ª Ministra diz, neste relatório, que foi o único a que tivemos acesso com antecedência (pág. 228): «Será ainda dada prioridade à entrada em funcionamento, com programação regular, da Casa das Artes na cidade do Porto e serão lançados os espaços culturais e apresentado o anteprojecto relativo ao estatuto socioprofissional do artista». Gostaria que a Sr.ª Ministra nos explicasse que espaços culturais são estes, porque parto do princípio de que sejam diferentes daqueles que o Partido Socialista chumbou e que foram propostos pelo PCP. Portanto, gostaria que nos dissesse que espaços culturais são, a quem são dirigidos, quem pode utilizá-los e que áreas é que podem ser estar afectas a estes espaços culturais.
Quanto à apresentação de um anteprojecto relativo ao estatuto socioprofissional do artista, estou bem recordada das críticas feitas pelo Partido Socialista ao anterior governo, porque, sabendo que isto era crucial para os artistas, não apresentou o diploma relativo ao estatuto socioprofissional do artista, os mesmo acontecendo com os Deputados do PSD e do CDS-PP. Agora, ainda vamos ter acesso ao anteprojecto?! O Governo, ao longo deste ano e meio de trabalho, ainda não teve hipótese de discutir e consensualizar um texto com os interessados, com os interlocutores e com os seus parceiros para estar em condições de apresentar uma proposta? Então faz parte do Orçamento do Estado para 2007 que um dos objectivos é apresentar um anteprojecto?!...
O PCP acabou de apresentar o seu projecto de lei, que discutiu com os parceiros numa audição pública realizada aqui na Assembleia da República e que está a discutir com mais parceiros que aqui não vieram.
Portanto, o nosso projecto de lei está pronto e entregue e já foi anunciado em Plenário, aguardamos agora que o diploma do Governo socialista chegue, não como anteprojecto mas, sim, já como proposta de lei, para que possa ser discutido conjuntamente com o nosso, Nesta mesma pág. 228, quando se fala da qualificação do tecido cultural, afirma-se: «Será implementada a nova regulamentação em matéria de cinema e de audiovisual e desenvolvida a rede de cinema digital». É outra diferente daquela que estava prevista em 2006 ou é a mesma? Se é a mesma, é porque não foi feita; se não é a mesma, é porque é outra. Gostava de saber se é outra, porque o texto é exactamente igual, mas pode ser que já se tenha iniciado e que agora seja a sua continuidade. Ou, então, as verbas descem e, depois, transcreve-se o relatório ou transcreve-se o texto, mas as verbas são menores…! Finalmente, porque já estou em cima dos meus 10 minutos, Sr.ª Ministra, por mera coincidência, a Visão sai hoje e sai com uma entrevista muito preocupante de António Hespanha relativamente às responsabilidades do Governo no que tem a ver com a cultura e com as suas decisões face à cultura, aquilo que ele considera o «show off da cultura», para fingir que há cultura no País, e aquilo que ele considera os desperdícios permanentes na área da cultura.
Naturalmente que ele fala de um governo e de um ministério da cultura que não é o seu no início deste processo, pois é um processo que se desenvolve entre 1995 e 1999. Mas, em determinado momento, diz António Hespanha que relativamente àquilo que resta — e ele diz que ainda é muito — de todo o material que foi pago com o dinheiro dos contribuintes de 1995 a 1999 está hoje a apodrecer. E fala, para além dos livros, dos CD-ROM, das fragatas. Portanto, há um enunciado imenso de material que está a apodrecer, e chama a atenção para algum até que, estando quase pronto, não foi concluído, e que é quase que dado ao desbarato, para além de outro que é vendido, como ele diz, a preço de saldo. E é por isto, é porque isto é presente, que naturalmente a Sr.ª Ministra tem alguma responsabilidade, se conhece isto. E parto do princípio de que conhece porque, pelo menos, António Hespanha afirma aqui que neste momento estas são decisões do Governo e do Ministério da Cultura.
Eu gostaria que nos explicasse — penso que também já leu a entrevista e conhecê-la-á — quais são as responsabilidades do Ministério da Cultura relativamente à «venda em saldo» de todo este material e do apo-
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drecimento que tem algum deste material, armazenado aí nalgumas infra-estruturas, penso que públicas, naturalmente, e portanto também da nossa responsabilidade, em termos de Governo e Assembleia da República.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, tenho de começar por dizer que, ao contrário do PSD, não concordo que estejamos em verdadeiras condições para discutir seriamente este orçamento e, portanto, não me posso abstrair deste facto. Penso que a cultura é uma matéria suficientemente séria para não ser falada de uma forma leviana. E nem o relatório nem, infelizmente, o discurso que nos foi trazido aqui pela Sr.ª Ministra são suficientemente concretos nem suficientemente elucidativos por forma a permitirem-nos fazer uma abordagem muito para além do político-partidário, e isto dos poucos elementos que nos foram entregues.
E refiro, mais uma vez a total, confusão do relatório que é entregue com o Orçamento do Estado, que mais parece um panfleto; é qualquer coisa entre um panfleto e um programa eleitoral, senão vejamos: «vamos fazer os trabalhos arqueológicos», «será iniciada a transformação», «vamos apresentar anteprojectos», «apoiar a criação artística»… Mas depois, em concreto, relativamente aos vários organismos, ficamos sem saber o que é que vai acontecer.
Ficámos um pouco mais elucidados depois da intervenção mas, em todo o caso, não posso deixar de referir — e mais uma vez, porque é difícil resistir, depois dos ataques a que foi sujeito o governo de coligação PSD/CDS relativamente ao afastamento em relação ao eterno objectivo do 1% do Orçamento do Estado para a cultura — que cada vez mais nos afastamos desse objectivo, agora, com 0,4% do Orçamento do Estado e com quebras tremendas em sectores muitíssimo importantes.
De facto, estamos conscientes de que estamos numa época de contenção — aliás, também o «tempo de vacas gordas» para os governos socialistas não é bom, porque o que aconteceu quando havia dinheiro foi o ex-ministro da cultura socialista ter-se dedicado a multiplicar direcções-gerais em todo o Ministério da Cultura, o que certamente não foi adequado em termos de uma correcta utilização das verbas.
Não posso deixar de registar isto porque é irónico, depois daquilo que ouvimos os socialistas dizerem relativamente aos orçamentos apresentados pelos governos de coligação. E lembro-me da discussão do orçamento para a cultura, que tivemos no ano passado, em que VV. Ex.as queriam fazer entender que haveria um crescimento relativamente ao orçamento para 2005, porque faziam exactamente a comparação com a expectativa de execução. Agora, não ficam quaisquer dúvidas: não há crescimento de qualquer espécie!! Mas vamos começar pelos mais prejudicados. O Instituto Português de Museus (IPM): menos 23,2%. Isto vai significar o quê? Em todo o caso, quero deixar os parabéns pela primeira exposição que se perspectiva em Portugal em colaboração com o Museu Hermitage.
Mas o que é que vai acontecer aos nossos museus — isto já aqui foi questionado — em relação aos funcionários, às exposições temporárias, à preservação dos espólios? E aqui não resisto, porque de facto é irresistível, a ler um pouco do que escrevia o Prof. Augusto Santos Silva, colega de Governo da Sr.ª Ministra, e hoje em dia Ministro dos Assuntos Parlamentares, relativamente ao orçamento para 2005 do governo de coligação CDS-PP/PSD. Entre outras coisas, dizia ele: «Os dois principais institutos (…) — leia-se o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) e o Instituto Português dos Museus (IPM) — (…) perdem inclusivamente dinheiro: (…)». E isto, Sr.ª Ministra, apesar de um aumento de 4% do orçamento, e não de uma quebra de 7%.
Mas, dizia eu, citando o Ministro Augusto Santos Silva: «Os dois principais institutos perdem inclusivamente dinheiro: o IPPAR, que trata do património edificado, leva um corte de 5%, o IPM, que trata dos museus, perde 10%.(…). Ora, nós sabemos que ambos os institutos estão no limite das suas possibilidades e, portanto, menos dinheiro para as despesas correntes significará horários de funcionamento (ainda) mais reduzidos, mais salas de exposição permanentemente fechadas, menos programas educativos, menos exposições temporárias, menos pessoal para a guarda, a conservação e a divulgação, maior degradação do serviço prestado…» Não sei que comentários é que a Sr.ª Ministra gostaria de fazer a estas palavras do seu colega de governo, escritas há menos de dois anos…?! Mas vamos seguir para outro grande prejudicado, que é a Cinemateca: tem um corte de 26,6%. Penso que este terá sido, provavelmente, o preço a pagar pelo facto de o Dr. João Bénard da Costa — um extraordinário director! — ter sido mantido no lugar. De facto, foi um «castigo» que a Sr.ª Ministra lhe aplicou.
Relativamente ao IPPAR: um corte de 17%. Aqui, pergunto como é que a Sr.ª Ministra pensa dar cumprimento ao seu discurso, relativamente aos vários museus de que falou, quando há um corte de 17%, e não se tem verificado um acréscimo nas receitas próprias.
Mais uma vez, não resisto a citar, relativamente ao Orçamento para 2005 e, repito, apesar de ter havido um aumento de 4%, o que dizia Artur Santos Silva, actual Ministro: «Ora, o IPPAR responsável pela preservação
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do nosso património, nomeadamente em termos de património histórico e de monumentos»... Portanto, ele fazia aqui uma leitura absolutamente negra de um corte de, apenas, 3%.
O que é que acontece, em termos de organização? O organigrama que foi distribuído ao abrigo do PRACE já vai ser aplicado? Ou seja, o IPA vai ser integrado no IPPAR? Mais uma vez — isto é irresistível — dizia o Prof. Augusto Santos Silva: «E a questão não é apenas financeira: o IPPAR e o IPA estão paralisados, o IPM não dispõe de condições para concretizar o saldo qualitativo que representou a recente aprovação da lei-quadro de museus, e está agora colocada a ameaça de extinção do CPF, por via de uma espécie de dissolução no Instituto das Artes, o que, a concretizar-se, significaria um enorme retrocesso».
O que pergunto é, de acordo com o organigrama elaborado ao abrigo do PRACE, se vai concretizar a integração do Centro Português de Fotografia no Instituto das Artes e se concordam com esta fusão.
Relativamente ao Instituto das Artes: como é que o Instituto das Artes vai poder continuar a financiar as artes do espectáculo com este corte? É porque, de acordo com o que pude ver, há aqui uma discrepância entre o que diz a Sr.ª Ministra, que há apenas um corte no funcionamento, e o que diz o director do Instituto das Artes, o Sr. Dr. Jorge Vaz de Carvalho (aliás, uma pessoa absolutamente louvável, e aqui de uma lealdade institucional inquestionável). Ele diz: bom, os programas continuam, mas vão é ter que abrandar.
Ora, como sabemos «abrandar» é não executar. O que é significa «abrandar» nos programas? É não os executar, pelo menos este ano, e protelá-los para melhores dias?...
Relativamente ao Centro Cultural de Belém, eu perguntava se esta quebra de 7,5%, ou seja, de 600 000 €, se prende de alguma forma com a atribuição de 1,750 milhões de euros para a Fundação Berardo. Há aqui algum nexo? Pergunto, Sr.ª Ministra, se o facto de o CCB receber menos 600 000 € se prende de alguma maneira com a atribuição de 1,750 milhões de euros para a Fundação Berardo.
E pergunto se a Sr.ª Ministra não fica preocupada — como eu estou, francamente, e como todos os portugueses, certamente, estarão — com a necessidade de cortes e alterações na programação na prevista. Doulhe apenas um exemplo de um inquestionável sucesso, que é o Festival da Música, em que o director do CCB já diz: bom, se calhar, vamos ter de fazer um Festival da Música mais comezinho, com menos orquestras, com músicos de menor qualidade…! Pergunto, pois, Sr.ª Ministra, se não fica preocupada. Eu fico, porque quando há um bom exemplo de práticas culturais, penso ser extremamente negativo não as prosseguir.
Já agora, o que é que vai acontecer com o Museu do Design? O que é que acontece com o espólio do Museu do Design? Vai para onde, vai para casa do proprietário? O que é que vai acontecer? Sr.ª Presidente, deixo o resto das minhas questões para a segunda ronda. Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada, agradeço-lhe o ter respeitado o tempo. Vi que, mesmo assim, se não conheceu muito o orçamento já teve oportunidade de fazer muitas perguntas à Sr.ª Ministra…
Risos do PS.
De qualquer maneira, lembro que esta ainda é só a preparação do debate, na generalidade, do orçamento do Ministério da Cultura. Até ao fim do mês de Novembro temos, com certeza, muitas oportunidades de aprofundar, querendo os Srs. Deputados, junto do Ministério, as diferentes dúvidas que houver sobre o orçamento.
Mas independentemente disso, dou desde já a palavra à Sr.ª Deputada Cecília Honório. A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura e Sr. Secretário de Estado da Cultura, cumprimento-os.
A Sr.ª Ministra disse-nos aqui, no início, que estava a cumprir a linha orientadora do Programa do Governo.
Pelo que já percebemos, vai ser difícil manter esta afirmação, quando a linha orientadora do Programa do Governo era de 1% do orçamento da cultura dentro do Orçamento do Estado. Efectivamente, este é o maior corte de há sete anos, com uma baixa muito significativa de 0,5% para 0,4%.
Neste sentido, parece pertinente perguntar se lhe parece possível assumir a sua maior responsabilidade perante um orçamento ou perante as políticas que este orçamento deveria poder sustentar. Parece-me que essa escolha, obviamente, terá de ser feita pela Sr.ª Ministra, dado o esmagamento do investimento, que é aqui proposto, e este sacrifício da velocidade de execução parece uma razoável figura de estilo à luz deste mesmo estrangulamento do investimento.
Talvez a Sr.ª Ministra também nos possa esclarecer por que é que o Governo fez apanágio e «encheu as bocas do mundo» com a ciência e o investimento na ciência e tenha relegado a cultura para este humilde e derradeiro lugar nos investimentos do próximo ano.
Neste sentido, gostaria de colocar-lhe algumas questões, algumas das quais já aqui foram enunciadas e que nos preocupam, particularmente no que tem a ver com a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Colecção Berardo.
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O Sr. Deputado do PSD manifestou aqui preocupação relativamente ao futuro quanto à gestão dos recursos humanos e à possibilidade de despedimentos. Esses despedimentos já ocorreram e a Sr.ª Ministra sabe bem que eles fazem parte do lançamento deste processo e que o próprio Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém definiu o seguinte: «Este conselho de administração pode vir a ter de proceder a uma significativa redução dos meios humanos actualmente disponíveis em consequência da redução de outras actividades que o citado acordo celebrado com o Estado e o Sr. Berardo venha a impor».
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — Esta é, obviamente, uma preocupação de fundo que se articula com outra. Para além de todo este processo, que já foi discutido nesta Câmara e que reputamos de uma má gestão dos interesses públicos e cujos contornos a Sr.ª Ministra deve conhecer… Vejo que a Sr.ª Ministra está a conversar com o Sr. Secretário de Estado, por isso posso esperar.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Pode continuar, por favor.
A Oradora: — Estava eu a dizer que a Sr.ª Ministra conhece perfeitamente os contornos desta má gestão dos interesses públicos e deste prejuízo para a maior sala de exposições deste País.
Em todo o caso, queria perguntar-lhe se, para além dos 500 000 € que compete ao Estado atribuir para o fundo de aquisição de obras, pode já explicitar o que está no decreto-lei relativamente às verbas a inscrever quer para as despesas de funcionamento quer para a contribuição destinada às obras de adaptação da sala de exposições, ou seja, se estas verbas estão já definidas e se pode dar-nos alguma luz sobre os seus valores e o seu enquadramento.
Vou colocar-lhe duas outras questões.
O complexo de Belém está a avançar com o projecto de um museu que aqui referiu e queria perguntar-lhe se já conhece o futuro do Museu Nacional de Arqueologia, relativamente às sempre propostas obras de remodelação e de ampliação desta estrutura museológica fundamental. Gostaria de saber se poder dar-nos informações sobre o futuro deste Museu, que ocupa, obviamente, um espaço nuclear no dito complexo de Belém.
E, finalmente, relativamente a este orçamento de contracção, a este orçamento que se não sabe, efectivamente, muito bem que políticas sustenta, a este orçamento que todos nós aqui, nesta Casa, lemos de forma enviesada, dado que é difícil discuti-lo com a profundidade que certamente mereceria, queria perguntar-lhe se não considera que neste âmbito da «contracção pela contracção» — e essa parece ser a preocupação dominante, parece ser a primeira prioridade, esse parece ser o discurso instituído — o valor do aluguer das instalações do futuro museu multicultural, a estabelecer no 1.º andar da Estação do Rossio, que será feito à REFER, E. P., por 700 000 €/mês (é esta quantia que conheço, mas se for outra a Sr.ª Ministra vai desmentir-me, com certeza), é absolutamente despropositado, uma vez que a primeira prioridade é a contracção do orçamento e da despesa.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Creio que estamos em condições, agora, de dar a palavra à Sr.ª Ministra da Cultura, para responder em bloco a este conjunto de perguntas.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, muito obrigada pelas vossas intervenções, observações e análises.
Gostaria, antes de responder directamente a algumas questões concretas colocadas por cada um dos Srs. Deputados, de referir o seguinte: este orçamento, como aqui foi dito desde logo por mim, no início de minha intervenção, é, claramente, um orçamento de contenção e, simultaneamente, é um orçamento solidário com o Governo nessa matéria.
Como terão tido ocasião de constatar, o quadro orçamental é genericamente de contenção, salvo raras excepções, uma das quais é certamente a ciência, que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita não conseguiu percepcionar como um aumento de investimento,…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Não fui só eu!
A Oradora: — … o que é verdadeiramente surpreendente.
Mas, na verdade, este orçamento é genericamente um orçamento de contracção…
Protestos do PSD.
… e um orçamento de solidariedade para com uma meta que o Governo definiu como prioritária e na qual o Ministério da Cultura, obviamente, participa, isto é, o combate ao défice, que é uma das prioridades definidas claramente pelo executivo.
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Para além disto, gostava também de dizer que este orçamento não põe em causa uma das linhas estabelecidas como um objectivo do Governo para esta legislatura no que à cultura diz respeito, que é atingir a meta de 1% para a cultura.
Esse 1% do Orçamento para a cultura continua a ser uma meta do Governo para esta legislatura;…
Risos do PSD e do PCP.
… é assim que ela está definida no Programa do Governo e, até ao momento, o Governo não rejeitou essa sua linha programática.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E a trajectória ascendente?
A Oradora: — Vai continuar a defendê-la até ao termo da legislatura, sendo que, como os Srs. Deputados poderão constatar, estamos no início da legislatura, isto é, passou tão-só um ano e meio de Governo. Lamento, mas há mais 3 anos à nossa frente.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não há 3 orçamentos!
A Oradora: — Portanto, na verdade, Srs. Deputados, essa meta persiste e, insisto, é uma meta da legislatura.
Por outro lado, gostava de acentuar que este orçamento, que corresponde a 0,4% do Orçamento do Estado, tem vários aspectos positivos, a alguns dos quais fiz referência, mas, porventura, há um que me importa evidenciar neste momento, o que passarei a fazer.
O Sr. Deputado do PSD frisou que este orçamento era fantasioso, que não era um orçamento verdadeiro.
Ora, este Governo com o orçamento com que lidou em 2006, ao contrário de todos os governos anteriores, e muito especialmente do governo do PSD, que deixou, como o Sr. Deputado lembrou, 0,6% do Orçamento do Estado para a cultura, apesar de não ter 0,6% do Orçamento do Estado para a cultura executou mais do que qualquer um — Sr. Deputado, mais do que qualquer um!! — dos governos anteriores no que à cultura diz respeito!
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — A nossa capacidade de execução em 2006, no que respeita à cultura, foi superior, repito, à de qualquer governo anterior!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Peço desculpa, mas insisto: com todos os «magníficos» orçamentos…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — O do Carrilho!...
A Oradora: — … que terão tido não executaram o que nós executámos em 2006! Exactamente, não executaram o que nós executámos em 2006! E gostava, Srs. Deputados, de lhes mostrar um gráfico que demonstra isso de uma forma muito clara. Façam o favor de reparar nas duas linhas que revelam…
O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): — Não se vê!
A Oradora: — Vê-se, Sr. Deputado!! Mas se quiser digo-lhe números, porque talvez veja melhor com eles. Então, vou dizer-lhe com os números: de 1999 até 2007, o maior orçamento para a cultura foi no ano de 2001 e rondou os 293,790 milhões de euros; em 2002, foi de 293,454 milhões de euros; em 2003, foi de 255 milhões de euros; em 2004, foi 273 milhões de euros; e, em 2005, foi de 285 milhões de euros.
Ora, vão fazer o favor de reparar que, quando falamos do orçamento de 293 milhões, em 2001, foram executados 239 milhões de euros, portanto, o maior orçamento teve uma execução de 239 milhões de euros.
Destes todos, o Ministério da Cultura…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Está aqui, neste gráfico.
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A Oradora: — Então, se está o Sr. Deputado sabe bem que as duas linhas que estou a indicar se aproximam — isto, com certeza, verá —…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Mas nós não estamos a discutir o orçamento de execução de 2006!
A Oradora: — … exactamente devido à nossa capacidade de execução! Isso sucede, por um lado, porventura, devido a algumas capacidades de gestão que revelamos e que os outros não revelaram e, por outro lado, porque este é um orçamento de verdade! O orçamento de 2006 foi de verdade, como o orçamento para 2007 é de verdade, coisa que não aconteceu com os orçamentos anteriores! Por isso é que esta linha é tão distante! Está a ver, Sr. Deputado? É exactamente por essa razão!!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
É porque nós estamos a lidar com orçamentos de verdade!! Mais, Srs. Deputados: a prova de que este é um orçamento de verdade, como já foi o de 2006, é que as cativações previstas para 2007 são zero, no que ao orçamento de funcionamento diz respeito, e 7,5%, no que ao PIDDAC diz respeito,…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Ahhh!…
A Oradora: — … contra os 25%, 27%, de 2005, por exemplo. Portanto, estamos a falar, de facto, de orçamentos de verdade! Esta é uma diferença que opõe completamente o actual Governo e os governos anteriores no que respeita à concepção dos orçamentos! Logo, gostava de acentuar este dado com muita clareza! E posso até precisar mais, se os Srs. Deputados quiserem. Posso até lembrar que, por exemplo, na área do património, em 2006, executámos o que nunca foi executado, nunca em governo algum anterior! O mesmo acontece com as artes visuais e do espectáculo: nunca tanto foi executado! E, no que diz respeito a arquivos e bibliotecas e às actividades de apoio sócio-culturais, só uma vez é que alguém executou mais do que nós executámos em 2006, exactamente porque lidamos com um orçamento de verdade, tal como estamos a lidar para o próximo ano!
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — O Programa do Governo é que não era «de verdade»!
A Oradora: — Agora, dirijo-me mais directamente ao Sr. Deputado do PSD, para responder a questões concretas que colocou, passando ao lado da «questão Rivoli», que não é, como é evidente, do Governo mas, sim, de um autarca do PSD e da Câmara Municipal do Porto. Portanto, é um assunto que, obviamente, diz tãosó respeito à Câmara Municipal do Porto, conforme reiterei variadíssimas vezes em declarações que fiz.
Trata-se de um equipamento municipal, como há muitos outros no país que são geridos por empresas municipais, pelas vereações das câmaras, por associações privadas, enfim, das mais diversas formas, onde, obviamente, a tutela do Ministério da Cultura não pode nem deve interferir.
Dito isto, passo a responder a uma questão que colocou.
Manifestou, aliás, como outros Srs. Deputados, preocupações no que diz respeito ao orçamento do Centro Cultural de Belém (CCB). Ora, o orçamento do CCB diminui este ano em 600 000 €. Como sabem, o orçamento do CCB não era no ano passado, como não é este ano, um orçamento apenas do montante correspondente ao esforço do Estado, como é evidente, dado que o CCB tem outros meios, designadamente ao nível da receita, do mecenato, etc., que lhe permitem ter um orçamento praticamente do dobro do que corresponde ao esforço do Estado. Agora, este corte de 900 000 euros não me preocupa — há outros cortes que me preocupam, naturalmente, e que, num orçamento em contracção, só podem preocupar o Ministro da tutela. Mas não é esse o caso do CCB, o CCB não me preocupa por várias razões, desde logo, porque, no próximo ano, vai gerir uma área muitíssimo menor, como sabe, na medida em que o Centro de Exposições deixará de ser gerido pelo CCB.
Ora, ao contrário do que o Sr. Deputado possa ter imaginado — e creio que o imaginou, pelas palavras que nos trouxe, na medida em que falou em perda de receitas significativas, por causa do Centro de Exposições —, do ponto de vista estritamente orçamental, a perda do Centro de Exposições nada de preocupante significa para o CCB; bem pelo contrário, o CCB deixa de ter à sua conta a despesa e o défice que o Centro de Exposições gerava. E o Centro gerava um défice sistemático de 900 000 euros! Portanto, esse défice deixa de carregar o orçamento do CCB, o que significa que um corte de 600 000 euros, tendo em conta que não haverá programação para essa área e tendo em conta que deixará, inclusivamente, de haver défice, não é um real corte.
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Por outro lado, também não estou preocupada, porque o novo Conselho de Administração do CCB revelou uma capacidade de gestão inovadora e apresentou uma programação de maior qualidade, incomparavelmente, do que aquela que o CCB manteve nos últimos cinco ou seis anos, para não ir mais atrás e para não exagerar.
Quanto à questão que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro colocou, a respeito do CCB, revelando preocupação pela mudança de modelo da Festa da Música, estou cansada de assistir a atitudes sistematicamente conservadoras diante de todas as manifestações de cultura. A mentalidade dominante, neste campo, é conservadora, tudo o que signifique uma pequena alteração, uma mudança, não se sabe se para melhor se para pior, se para diferente, se para mais ou menos inovador, traduz-se, normalmente, num drama mediatizado.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas as palavras não são nossas!
A Oradora: — Na verdade, a alteração de paradigma da Festa da Música não é, necessariamente, negativa. Veremos! Vamos ver o que vai acontecer! Todavia, volto a frisar que, de facto, não estamos perante um real corte no CCB, independentemente de o seu administrador e programador entender alterar o perfil da Festa da Música. Mais: parece-me até, se quer que lhe diga, que já devia ter sido alterado há muito tempo, porque o esforço orçamental que a Festa da Música implica é completamente desproporcionado, em face do orçamento do CCB, e já não devia existir naqueles moldes há muito tempo, dado que corresponde a um disparate de gastos, em três dias, muito exagerado em relação às capacidades orçamentais do CCB. E é com essas capacidades orçamentais que o CCB tem de viver.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E o sucesso que o evento tem não interessa?
A Oradora: — Uma outra questão com a qual manifestou preocupação tem a ver com o Teatro Nacional de São Carlos.
O Teatro Nacional de São Carlos é, efectivamente, uma das estruturas que tem um corte não de 5% mas de 2,4%. No entanto, devo dizer que o Teatro Nacional de São Carlos, como os outros organismos do Ministério da Cultura, também tem de ser solidário com o orçamento do Ministério da Cultura. O que quero dizer é que quando fazemos, conjugadamente, um esforço de contenção essa contenção toca a todos, embora haja, como é evidente, opções políticas que determinam que haja cortes ou manutenção de orçamentos, consoante as prioridades de política cultural que são estabelecidas, e que eu assumo.
No caso do Teatro Nacional de São Carlos, entendo que este corte é perfeitamente acomodável na gestão do Teatro, tanto mais quanto, a breve prazo, o Teatro Nacional de São Carlos, como, de resto, os outros organismos de produção artística tutelados pelo Ministério da Cultura passarão a ser empresas públicas. No caso, a OPART (Organismo de Produção Artística, EPE), a empresa pública que gerirá o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado, vai permitir gerir o mesmo orçamento de uma forma muito mais ágil. Aliás, como sabe, este é um desiderato manifestado pelos organismos de produção artística de há muitos anos a esta parte, na medida em que a produção artística e a programação da produção artística são particularmente complicadas, como é sabido, quando sujeitas às regras estritas da Administração Pública.
De resto, importa acentuar que a Companhia Nacional de Bailado tem um aumento de 3,7%, na sequência de uma política pela qual optei, quando cheguei ao Ministério da Cultura, de fortalecer o défice sistemático, de anos e anos, que a Companhia vivia e que era insustentável. Procurei, desde o início, alterar essa situação e, por isso mesmo, por opção política — aí está! —, não houve corte na Companhia Nacional de Bailado, houve até fortalecimento.
Desta forma, com o Teatro integrado na OPART, juntamente com a Companhia Nacional de Bailado, com a integração dos dois organismos na empresa pública, haverá, com certeza, uma forma muito mais ágil de gerir o mesmo orçamento.
Portanto, e no que à programação diz respeito, entendo que é perfeitamente possível, sem drama algum, acomodar este orçamento. De resto, se pensarmos nos orçamentos conjugados do Teatro Nacional de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado, a quebra passa a ser de 0,7%.
Uma outra questão que o Sr. Deputado me colocou reporta-se ao Instituto Português de Museus (IPM), que é um dos organismos que sofre um corte particularmente significativo, embora não seja um corte de 23% mas de 20%, e procurámos centrar esse corte, sobretudo, no funcionamento. Porquê? Porque, como sabe, o Instituto Português de Museus é um dos organismos que, no âmbito do PRACE, vai ser extinto. Ora, o Instituto Português de Museus e o Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR) darão origem a um novo organismo, pelo que entendemos que, neste caso, como, de resto, acontece com o IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) e o IPA (Instituto Português de Arqueologia), há formas de, com esforço e, sobretudo, com uma gestão de enorme rigor, que é, de resto, aquilo que praticámos este ano e que nos permitiu aquilo a que fiz referência no início, que foi esta capacidade de execução, podermos ultrapassar obstáculos.
Vamos, pois, a partir da criação desse novo instituto, procurar obter sinergias que decorrem da presença conjugada de recursos humanos, e outros, dos dois institutos e tornar menos pesado esse corte, que, evidentemente, é um corte que me preocupa, se bem que, como disse no início da minha intervenção, estejam
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garantidas intervenções que me parecem fundamentais na política de salvaguarda, quer em obra, quer em estratégia política, que é também algo que faltava cabalmente no IPPAR, que era estratégia e política para a salvaguarda e a preservação. Temos estado a trabalhar nisso e isso pode nem custar dinheiro, porque, às vezes, as coisas não custam dinheiro. E, no caso do IPPAR, essa parte até nem custa dinheiro, custa apenas vontade política e capacidade de executar. O IPPAR é um dos organismos do Ministério da Cultura onde houve uma inflexão política nítida. De resto, a Sr.ª Deputada Manuela Melo, há pouco, lembrou exactamente isso, ou seja, é um dos organismos do Ministério da Cultura onde houve o desenvolvimento de uma política de proximidade, relativamente às autarquias, onde houve, de facto, uma política que tem procurado inflectir relativamente à política conservadora.
Gostava ainda de acentuar um dado a que não quero deixar de fazer referência. É que os Srs. Directores dos museus têm sabido gerir os museus com muito equilíbrio e com muita capacidade de gestão e a prova disso é que, apesar do quadro de contenção em que têm estado a trabalhar nos últimos anos, e em que estiveram a trabalhar também este ano, a verdade é que aumentaram significativamente as suas receitas. Este é outro aspecto positivo da gestão do orçamento em 2006: aumentámos as receitas em 7% e um bom contributo para o aumento dessas receitas veio exactamente do IPM. O IPM foi um dos organismos que mais contribuiu para o aumento da receita do Ministério da Cultura.
Gostava ainda de acentuar o seguinte: a Sr.ª Deputada Manuela Melo fez referência a alguns aspectos que lhe pareceram positivos neste orçamento, e agradeço as suas observações, designadamente ao investimento que procurámos fazer no fortalecimento das redes que já estão lançadas pelo Ministério da Cultura e também, digamos assim, no fortalecimento do funcionamento em rede dessas redes. Estamos a fazer um esforço nesse sentido — o Programa Território Artes (PTA) é um exemplo desse esforço, que, como disse, esperamos apresentar em breve — e a rede bibliográfica do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) é exactamente uma outra rede das que estamos a lançar, redes que, de resto, têm uma componente virtual, o que fortalecerá e potenciará muito o investimento que vários governos, até agora, têm feito nas redes de bibliotecas, de cine-teatros e de arquivos. Creio que é importante que, agora, desenvolvamos exactamente a vertente virtual das redes de apoio a essas redes. É fundamental que isto aconteça! Gostaria ainda de sublinhar uma observação que fez no que diz respeito à política que estamos a desenvolver no âmbito do lançamento de um mecanismo com uma componente também virtual, mas não só, no IAN/TT (Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo), quando lembrou o projecto memória e gestão da Administração Pública. Trata-se exactamente de um dos organismos do Ministério da Cultura onde mais de novo se fez neste ano e meio de Governo. E fez-se com poucos meios financeiros! Foi talvez o organismo do Ministério da Cultura onde mais coisas novas se desenvolveram, onde houve uma inflexão política total. Evidentemente, dizer que houve uma inflexão política total é uma forma de expressão, mas houve uma inflexão política muito grande.
E era urgente desenvolver esse projecto memória e gestão da Administração Pública exactamente no sentido de, como o nome do projecto indica, preservar uma memória da Administração Pública que está caoticamente desorganizada em centenas e centenas de quilómetros de arquivos.
Por outro lado, gostava também de acentuar que no que à Cinemateca diz respeito — a Sr.ª Deputada fez uma referência a esse aspecto e aproveito para responder também à Sr.ª Deputada do CDS-PP, que manifestou a sua preocupação relativamente ao assunto — há, com certeza, um lapso no relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2007. O que de facto se passa na Cinemateca é algo de bastante distinto.
A Cinemateca até teve um fortalecimento…
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Que grande lapso!
A Oradora: — Pois é, mas é a verdade, Sr.ª Deputada! Posso dizer-lhe os números com todo o rigor.
A Cinemateca tem um aumento de 14,6%. Penso que o lapso terá tido origem no facto de na Cinemateca irem transitando saldos desde há vários anos, os quais estão incluídos na comparação entre 2005 e 2006. Isto é, como sabe, os institutos, como é o caso da Cinemateca, para que os saldos transitem de um ano para o outro têm de ter receitas próprias superiores a esses saldos. É o que não tem acontecido com a Cinemateca, donde esse montante, em comparação com o Orçamento deste ano, corresponde exactamente a saldos que estão incorporados no orçamento do ano passado e que, na verdade, não correspondem ao real orçamento.
Posso dizer os números rigorosos do ano passado e deste ano, até porque este aumento de 14% na Cinemateca não é…
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas isso sempre assim foi, Sr.ª Ministra!
A Oradora: — Está certo, mas o que lhe digo é que, porventura, há um lapso no relatório. Deixe-me dizerlhe os números, Sr.ª Deputada, que é mais simples. Os números esclarecem que houve um reforço do orçamento da Cinemateca, e nem podia deixar de existir se queremos construir no próximo ano, de resto, já foi lançado o concurso e estará construído durante o próximo ano, mais um depósito do Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), mais um depósito para recebermos o espólio cinematográfico da RTP.
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Como sabe, o espólio cinematográfico da RTP esteve, durante anos, em condições precárias, atacado pelo síndrome do vinagre. Neste momento, foi recuperado e aguarda condições ideias no ANIM, na Cinemateca, para ser recebido, só que esse acolhimento implicava a construção de um novo cofre. É isso o que estamos a fazer, o cofre estará pronto no próximo ano e implica um investimento, que, aliás, referi na minha intervenção, e daí este aumento do orçamento da Cinemateca. Mas, Sr.ª Deputada, se me dá licença, vou dizer-lhe os números.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas onde é que estão os números? Nós só temos o texto do relatório!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Exactamente! São menos 26%!
A Oradora: — Está certo, compreendo, Sr.ª Deputada, mas vai fazer o favor de me deixar dizer os números.
O orçamento da Cinemateca em 2006, no total, portanto, o orçamento de funcionamento e o PIDDAC, foi de 4,117 milhões de euros; em 2007, será de 4,704 milhões de euros, isto é, há um aumento de 14,26%.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas então como é que aparece este quadro?
A Oradora: — Foi isso o que tentei explicar-lhe, Sr.ª Deputada! O lapso decorre, como lhe disse, do facto de aparecerem integrados os saldos quando, na verdade, a Cinemateca, até ao momento, não gerou receitas próprias passíveis de lhe permitirem gastar esses saldos. Mas, na verdade, o montante a que fiz referência, e como poderá ter ocasião de verificar, refere-se aos números objectivos do orçamento inicial do ano passado, de 2006 — portanto, como disse, do PIDDAC e do orçamento de funcionamento —, que é de 4,117 milhões de euros, e em 2007 é de 4,704 milhões de euros, sendo que 1 milhão de euros se destinam exactamente à obra a que fiz referência.
Voltando à questão mais ampla a que a Sr.ª Deputada há pouco fez referência, a propósito ainda das políticas de apoio às artes do Ministério da Cultura, gostava de referir que, ao contrário do que aqui foi dito, o orçamento do Ministério da Cultura para o apoio às artes não diminui, pelo contrário.
No que diz respeito ao orçamento de investimento, o orçamento de apoio às artes, que como a Sr.ª Deputada sabe sai basicamente do PIDDAC, não foi tocado no que ao apoio concerne; o que foi tocado foi o orçamento do Instituto das Artes (IA). Portanto, o acréscimo que se verifica, da ordem dos 4,4%, é apenas no funcionamento do IA, exactamente porque nos pareceu que era possível encolher as despesas daquela estrutura, ainda mais porque o facto de termos posto a funcionar on line o apoio às artes permite uma economia de recursos.
Portanto, não há diminuição do apoio às artes, bem pelo contrário, até há um reforço, a que fiz também referência na minha intervenção inicial, no âmbito desse novo Programa Território Artes, que lançaremos dentro de poucos dias, na medida em que vamos carrear para esse programa 1,2 milhões de euros. É um programa que visa sobretudo o apoio à programação a partir de uma espécie de diminuição de custos por uma possibilidade de compra em cadeia pelos organismos de produção — cine-teatros de toda a natureza — de espectáculos já apoiados previamente pelo Ministério da Cultura. Portanto, é uma espécie de plataforma virtual que tem incentivos à programação.
Por outro lado, respondendo à questão que a Sr.ª Deputada Manuela Melo me colocou no que diz respeito às virtualidades do PRACE e ao investimento que o QREN poderá permitir-nos no âmbito da cultura, claro que temos muitas expectativas — e acabei de referir já algumas delas — no que ao PRACE diz respeito. É nosso entendimento que o PRACE vai permitir uma redução de custos de suporte, e a isso se chama, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, racionalizar recursos.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — O que eu queria era que me explicasse o que é!
A Oradora: — O PRACE vai permitir-nos reduzir custos de suporte e racionalizar recursos, incluindo humanos, não há que temer dizê-lo. Não é compreensível que no Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) existam mais arqueólogos do que no Instituto Português de Arqueologia (IPA). Não é compreensível, em parte alguma do mundo! Portanto, importa de facto racionalizar recursos. Pensamos que o novo organismo que nascerá da extinção do IPPAR e do IPA, como, de resto, o que nascerá da extinção do Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR) e do Instituto Português de Museus (IPM), vai permitir uma redução de custos, obter uma maior racionalização e uma exploração muito maior de sinergias que ambos os organismos facultarão.
Sr.ª Deputada Manuela Melo, ainda respondendo à questão sobre o PRACE, este vai permitir-nos, de facto, como eu estava a dizer, uma maior racionalização de recursos de várias naturezas, incluindo recursos humanos, e vai permitir-nos, por exemplo, uma redução no orçamento do Ministério da Cultura de 1,3 milhões de euros em cargos dirigentes. Portanto, vamos ter uma redução em cargos dirigentes que vai permitir-nos poupar 1,3 milhões de euros no nosso orçamento.
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No que ao próximo QREN diz respeito, evidentemente que a cultura vai poder ser integrada em qualquer um dos três programas que aquele apresenta e também, como é natural, nos programas de âmbito regional.
Neste momento já desenvolvemos um grande trabalho nesse campo, na medida em que, como é sabido, estão a ser desenvolvidos os instrumentos para a gestão do QREN. A cultura estará certamente presente, inclusive neste momento já há muitos projectos que estamos a gizar no âmbito do QREN. Um deles é o Museu Nacional de Arqueologia, que, como a Sr.ª Deputada lembrou, é um museu que há muitos anos pretende ter obras de beneficiação e de ampliação.
Como sabe, Sr.ª Deputada, este museu está numa zona muito complexa do ponto de vista patrimonial, na medida em que se situa num dos ícones da nossa cultura patrimonial e, portanto, todos os cuidados têm sido poucos nessa matéria. Ou melhor, não sei se têm sido poucos, mas são compreensíveis nessa matéria. O que quero dizer é que o historial que esse museu tem quanto aos vários projectos apresentados e sistematicamente rejeitados ou semi-rejeitados pelo Conselho Consultivo do IPPAR tem sido uma das razões para o arrastamento desse projecto. Neste momento a nossa intenção, que, de resto, tem sido bem acolhida pela Comissão de Coordenação de Lisboa e Vale do Tejo, é acolher essa remodelação do Museu Nacional de Arqueologia no âmbito do próximo Quadro Comunitário. Evidentemente, neste momento, o ponto da situação passa ainda por um parecer do Conselho Consultivo do IPPAR.
A algumas das questões que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita me colocou já tive ocasião de responder, gostava tão-só de dizer o seguinte: a Sr.ª Deputada faz sempre uma leitura catastrofista da realidade…
Risos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.
… e é absolutamente catastrofista dizer que, durante o ano de 2006, tudo correu mal no apoio às artes. Diz a Sr.ª Deputada que nós não pagámos os subsídios aos artistas, que nós não cumprimos as nossas obrigações… Falso, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Eu não disse isso!
A Oradora: — Não, não! Disse! Disse que estava cansada de ouvir os Srs. Representantes da plataforma x ou y virem à Assembleia dizer-lhe que o Ministério não cumpriu as suas obrigações. Cumprimos! Cumprimos todas as obrigações no apoio às artes e vamos cumprir, de novo, este ano, até de uma melhor maneira, porque vamos fazê-lo ao abrigo de um novo programa de apoio às artes,…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — É a sua leitura, que não é a nossa!
A Oradora: — … o qual, no nosso entendimento, vai permitir regras muito mais eficazes e sérias que conduzem a um muito maior equilíbrio territorial na distribuição dos apoios do que o que até agora se verificou.
Portanto, é evidente que há muita coisa na cultura, como em qualquer outra área, que não corre bem, mas há algumas coisas que correm bem. E uma das coisas que corre bem — e a Sr.ª Deputada aqui também dramatizou —…
Risos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.
… é o orçamento de alguns organismos.
A Sr.ª Deputada, com certeza com propriedade, fez referência a vários organismos do Ministério da Cultura que sofrem cortes mais ou menos significativos. Têm mesmos de sofrer cortes. Pois se o orçamento tem um corte da ordem dos 7%, mais exactamente 6,9%, forçosamente tem de sofrer cortes.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — De 9,1%!
A Oradora: — Ora, a verdade é que há organismos que não têm corte e até há organismos que têm mais meios. Por exemplo, o Instituto Português de Arqueologia (IPA) tem um aumento de 112%, porque, finalmente, vamos concretizar um projecto que se arrasta desde há não sei quantos anos a esta parte, que é o Museu do Côa. Portanto, o IPA é substancialmente fortalecido, como são fortalecidos outros organismos: o Gabinete de Relações Internacionais, pois temos a presidência portuguesa da União Europeia à porta; a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC); o Gabinete do Direito de Autor; a Delegação Regional da Cultura do Norte, exactamente porque vamos concretizar um outro projecto que estava às portas de se perder, no âmbito do actual Quadro Comunitário, quando chegámos ao Governo, que é o Museu do Douro.
Na verdade, existem vários cortes que temos de saber gerir. Espero conseguir fazê-lo como fiz este ano, isto é, com uma margem de execução que se aproxima dos 100%. Se eu conseguir isso, Sr.ª Deputada, garanto-lhe que me considerarei muito feliz e que não gerirei mal dinheiros públicos. Com certeza que há cortes que são preocupantes e, nesses casos, vamos procurar garantir uma gestão de maior rigor e mais eficaz.
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No que à Casa das Artes diz respeito, colocou-me uma questão que, confesso, já não me lembro muito bem…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Há várias questões que não se lembra bem, mas vou relembrar na minha segunda intervenção!
A Oradora: — … mas penso que a interrogação era sobre o destino…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Não falei da Casa das Artes, Sr.ª Ministra!
A Oradora: — Não? Então, peço desculpa, porque anotei mal.
Uma outra questão que colocou — que, de resto, nada tem a ver com o orçamento, mas que terei todo o gosto em responder — vem na sequência de uma entrevista alarmista que leu…
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Alarmista?
A Oradora: — Absolutamente alarmista — não tenho receio da palavra.
Como estava a dizer, leu uma entrevista do Sr. Prof. Hespanha, que muito prezo e que, além do mais, é meu amigo pessoal, mas não deixo de entender que se tratou de uma entrevista alarmista.
Penso que saberá que parte do espólio da Comissão dos Descobrimentos veio para o Ministério da Cultura.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — Por esse, respondo eu e posso garantir-lhe que não está a apodrecer em lado nenhum. Até lhe digo mais: custa-nos muito dinheiro manter uma parte dele, certamente por a Comissão dos Descobrimentos sobredimensionar as capacidades de escoamento, por exemplo, das suas publicações, que temos albergadas e acolhidas num espaço que nos custa muito e custa muito ao orçamento do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB). Portanto, não está a apodrecer. Está, de facto, tratado e cuidado.
Também não está a apodrecer a parte do espólio que foi entregue ao Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT) — trata-se da componente da biblioteca especializada e temática dos descobrimentos. Pelo contrário, essa parte foi afecta ao IAN/TT e faz parte de um núcleo da biblioteca referente aos descobrimentos.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Ainda bem!
A Oradora: — Não está a apodrecer, está bem tratada e está à disposição do público.
O mesmo acontece com praticamente toda a iconografia. Foi entregue à Biblioteca Nacional e está tratada e à disposição do público na Biblioteca Nacional.
Sr.ª Deputada, no que às responsabilidades do Ministério da Cultura diz respeito, não descuramos a parte do espólio que recebemos da Comissão dos Descobrimentos. Não posso responder pelas outras áreas que não couberam ao Ministério da Cultura, como, por exemplo, o espólio de exposições, mas respondo por aquilo que nos coube. E o que coube ao Ministério da Cultura está tratado na Biblioteca Nacional — por exemplo, mapas antigos. No arquivo também há documentação de arquivo, para além da biblioteca a que fiz referência.
Portanto, não há razão nenhuma para o alarme, pelo menos no que ao Ministério da Cultura diz respeito, do Sr. Prof. António Hespanha.
Há várias questões que queria ainda responder, mas aproveitarei para o fazer na resposta à segunda ronda, visto que já ultrapassei o meu tempo. Aliás, gostaria que o Sr. Secretário de Estado respondesse a algumas delas.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno da Câmara Pereira.
O Sr. Nuno da Câmara Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, vou abordar o tema não pelo lado das despesas mas pelo lado das receitas, já que devemos falar do lado construtivo e não do lado destrutivo, e há duas receitas que me parecem não estar convenientemente previstas, direi mesmo que me parecem estar subaproveitadas, no orçamento apresentado.
A primeira diz respeito à verba de 6,2 milhões de euros que vão ser postos à nossa disposição relativos às jóias da Coroa, que foram delapidadas e desapareceram abruptamente do nosso património e que parece não constar do orçamento. Também não sei se teriam de estar, visto que há receitas que podem ser provisionais, mas isso é discutível.
De qualquer forma, vindo ou não as receitas ainda em 2006 (é anunciado publicamente que virão), gostaria que a Sr.ª Ministra dissesse, aqui e agora, se espera que tal verba seja aplicada total e cabalmente no Minis-
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tério da Cultura, já que foi dele que desapareceu tal património, e onde é que a vai aplicar, ou se, já que fomos «amputados» desse património, vamos investir numa «prótese», como, por exemplo, na trituração da máquina burocrática do Estado, do Ministério da Cultura, investindo em capital circulante em vez de ser em capital imobilizado, que é exactamente o património monumental que temos e que precisa, como sabemos, de tanta recuperação.
Assim, como primeira questão, gostaria que a Sr.ª Ministra nos dissesse se espera, ou não, que estas receitas sejam aplicadas totalmente no Ministério da Cultura e onde é que as vai aplicar, porque gostaria que essa verba fosse concreta, materializável e aplicada no reconhecimento do nosso património monumental e não que caísse na tal capitalização das empresas públicas, que o Ministério da Cultura vai criar.
Outra questão tem a ver com a proposta de lei n.º 99/X, que adita ao Estatuto dos Benefícios Fiscais um novo capítulo, sob a epígrafe «Benefícios relativos ao mecenato». Não parece estar aproveitada, aqui, mais uma vez, a Lei do Mecenato. Analisando a proposta de lei, não vi que ela viesse quantificar ou qualificar melhor a antiga Lei do Mecenato e penso que se está a perder uma grande oportunidade. Realmente, poderíamos potenciar, aqui, a insuficiência do orçamento que o Ministério da Cultura vai ter em relação aos seus investimentos, qualificando e quantificando melhor os incentivos fiscais e alargando esse âmbito não só simplesmente às empresas — porque o que vejo é que se tentou alargar o âmbito das empresas, mas não a sua natureza. Não se aumentaram em nada os incentivos e, conhecendo mais ou menos a Lei do Mecenato Cultural, um dos grandes problemas é que as nossas empresas não têm incentivos suficientes para acorrer à chamada, que é para isso que existe a Lei do Mecenato.
Por isso, parece-me que perdemos uma de duas oportunidades e não queria que isso acontecesse: por um lado, o enriquecimento do nosso património e, por outro lado, chamar as empresas à corrida da insuficiência orçamental, através da Lei do Mecenato.
Por último, a Sr.ª Ministra falou na racionalização dos meios humanos. Gostaria também de saber se vai haver despedimentos no âmbito dos diversos sectores do Ministério da Cultura.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Portugal.
A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado: Não posso deixar de começar pela questão da «mentira eleitoral», referida pelo Sr. Deputado Sérgio Vieira, porque penso que, em política, nunca é demais exortar o exercício da verdade e da seriedade. Considero que a Sr.ª Ministra fez aqui esse exercício: fez um discurso sério e com verdade.
Quero, justamente, fazer um apelo a que falemos verdade, e por isso começo por fazer uma pergunta: quem é que esperaria outra coisa que não fosse um Orçamento de contenção (que é a palavra mais falada nesta Assembleia, nos últimos dias), um Orçamento com alguns cortes, um Orçamento em que o sinal menos, sem esquecer os sinais mais, pode aparecer em algumas leituras orçamentais comparativas? E quem esperaria que, neste quadro governativo, que convoca como objectivo prioritário a correcção do défice em resultado dos compromissos que são conhecidos, o orçamento do Ministério da Cultura se desviasse desta orientação global para ser, nestas circunstâncias, a excepção e não a regra? Por isso, nestas discussões sobre o orçamento, há, de facto, pouco lugar para o inesperado e pouca margem para a surpresa. Não faz, assim, muito sentido reclamar o que não deve haver e fazer oratórias sobre números que não são o que desejaríamos que fossem.
Ao contrário, creio que será um bom exercício observar como, face às actuais restrições, se situam as prioridades seleccionadas e de que maneira é garantida a manutenção dos quatro eixos definidos no Programa do Governo e nas Grandes Opções do Plano, os quais me escuso aqui de relembrar.
Também fará sentido que esta discussão dirija a sua atenção crítica sobre a expressão em orçamento das garantias do Estado relativamente a uma contínua afirmação do retrato cultural identitário do País.
Assim, com espírito de compreensão solidária a que as circunstâncias nos obrigam, relevo por isso as declarações feitas pelo Director do Apoio às Artes, porque me parece interessante recordá-las aqui, quando ele diz que o Governo compreendeu que o apoio às artes não pode descer e que se preferiu cortar no funcionamento do que no apoio dos artistas. Acho que este é um espírito exemplar que deve dominar a actual gestão deste orçamento. Portanto, definir opções em favor do serviço público, dos criadores, dos agentes culturais, que são o tecido vivo do território cultural português.
Creio que, neste aspecto, a agilização das novas regras do apoio às artes (da responsabilidade deste Ministério) dará uma óptima ajuda, porque clarifica a diferenciação entre os tipos de apoio, em função da natureza das entidades e dos projectos. Por outro lado, o novo regime de apoio quadrianual e bienal vai permitir uma maior sustentabilidade das entidades apoiadas, enquanto que o alargamento a novos parceiros (naquele compromisso tripartido referido pela Sr.ª Ministra entre o Ministério da Cultura, as autarquias e as entidades a apoiar) vem acrescentar novas vias de apoio. Portanto, tudo isto, no seu conjunto, contribui para uma maior estabilização do panorama cultural do País — até me permito dizer que sem mesmo «arranjar um trinta-eum».
Nesta linha, o orçamento assegura o funcionamento e as programações das principais instituições — reafirmo que estão assegurados no orçamento —, como a Sr.ª Ministra também já disse. A saber, do Teatro
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Nacional São João, do Teatro D. Maria, do Centro Cultural de Belém, da Companhia de São Carlos, da Companhia Nacional de Bailado — e também não é demais recordar esta responsabilidade do Estado e do Ministério da Cultura, num tempo em que outras instituições, com grande responsabilidade cultural, tomaram outras opções referentes a uma outra companhia de bailado — e da Casa da Música.
Um aspecto que também me parece interessante que consta do orçamento é o apoio às actividades culturais amadoras, porque existe, de facto, «um outro país». Há dias, li um interessante artigo num jornal sobre o país que somos, e que não é conhecido, na área da ciência. Acho que também na área da cultura podia escrever-se artigo semelhante, porque há «um outro país» que o País desconhece, nesta área. Por isso, é muito importante este apoio — e não se trata só de folclore, como muitos julgam, mas de um trabalho artístico e cultural muito sério.
Também não deixo de registar que está contemplada a criação de um novo espaço no Porto, que vem completar o trabalho, a programação e as funções do Teatro Nacional São João.
Relevo também a questão do Programa Território Artes, de que a Sr.ª Ministra também já falou, porque esta mobilidade e itinerância dos actores culturais é também uma resposta a favor da descentralização num país em si mesmo tão assimétrico.
Sr.ª Ministra, gostaria de fazer-lhe duas perguntas. Este orçamento define as fontes de financiamento que, numa primeira leitura, é permitido, como o PIDDAC, o Programa Cultura e, enfim, várias outras fontes de financiamento. No entanto, acho que seria útil esta Câmara ter conhecimento de outro tipo de fontes de financiamento que, porventura, existam para além daquelas que estão contempladas no orçamento.
Depois, sabendo que há uma equipa ministerial que está a trabalhar na questão do «estatuto do artista», um ponto muito importante que há muito espera resolução, gostaria de saber como é que no orçamento está prevista a dotação para eventuais despesas para as soluções (e desconheço-as) que venham a ser adoptadas.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, o meu grupo parlamentar irá dividir o tempo que dispõe para esta segunda ronda de pedidos de esclarecimento entre mim e o Sr. Deputado Agostinho Lopes, começando por intervir o meu colega.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, começo por uma questão geral e passo, depois, a questões bastante concretas.
Penso que a Sr.ª Ministra sabe que uma atribuição e competência da Assembleia da República e de cada Deputado é fiscalizar a actividade do Governo. Um dos campos em que essa fiscalização, ou, se quiser, acompanhamento, se exerce é a execução orçamental. Ora, isto só pode ser feito se eu conhecer, relativamente a cada euro que o Governo gasta em cada ministério, onde e como ele vai ser gasto. E isto deve ser feito fortalecendo aquela ideia da ligação dos eleitos aos eleitores, e não fazendo o ataque antidemocrático que o PS se prepara para levar a cabo, alterando as leis eleitorais.
A pergunta geral que lhe faço, Sr.ª Ministra, é esta: por que é que um conjunto de propostas do Ministério não estão no PIDDAC regionalizado que nos é distribuído? É uma questão que não consigo perceber. Que falta de rigor é esta? Por que é que estes projectos não estão aqui, se agora até aparecem nos documentos que a Sr.ª Ministra acabou de entregar, à última hora? Por exemplo, por que é que o Mosteiro de Tibães ou o Mosteiro de Vilar de Frades não fazem parte deste PIDDAC regionalizado que nos foi distribuído? Afinal, fazem, mas só agora é possível sabê-lo.
No mesmo sentido, gostaria de saber que projectos correspondem, de acordo com os dados que agora forneceu, a 317 000 € para Guimarães e a 8000 € para o concelho de Amares — não sei se é o Mosteiro de Rendufe que está em cima da mesa… Em resumo, gostaria de saber quais são os projectos que estão abrangidos por estas dotações.
Uma outra questão, que, aliás, já lhe coloquei no ano passado, é esta: por que é que o projecto do museu do Douro, no PIDDAC regionalizado de Vila Real, não está localizado no concelho da Régua e permanece localizado no concelho de Vila Real? Não consigo perceber a «geografia» deste PIDDAC.
Algo que não está no PIDDAC (ou, se está, são esses 8000 €, o que é manifestamente pouco) e relativamente ao que gostaria de algum esclarecimento da Sr.ª Ministra diz respeito ao Mosteiro de Rendufe. O Mosteiro de Rendufe é um bom exemplo de como é que a Assembleia da República decide em quatro Orçamentos do Estado atribuir dotações e de como é que essas dotações não são minimamente cumpridas. Continuo sem saber — e a Sr.ª Ministra não foi capaz de responder a um requerimento que fiz — o que foi feito dos 3 milhões de euros de dotação do QCA III que se destinavam exactamente a este projecto. A resposta de que houve ali um problema de compra de terrenos é manifestamente insatisfatória, dado que muitas obras poderiam ter avançado sem a aquisição de terrenos, que também continua a ser necessária.
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Gostaria de saber qual é a notícia que este PIDDAC nos traz relativamente a este património, até porque, na resposta que me foi dada, é anunciado que o Governo tem em cima da mesa um conjunto de projectos para concretizar.
Depois, a Sr.ª Ministra falou na abertura do Museu D. Diogo de Sousa, além do Museu de Tibães. Qualquer destes museus, como penso a Sr.ª Ministra sabe, enfrenta, neste momento, problemas de falta de pessoal, tendo, inclusive, o Museu de Tibães restringido o tempo de abertura por motivo de falta de pessoal, o mesmo acontecendo no Museu D. Diogo de Sousa quanto ao pessoal de vigilância, de atendimento e quadros superiores. Gostaria de saber se vai haver alguma resposta a este problema ou se ele ainda vai agudizar-se mais.
Uma outra questão que, há um ano, também ficou sem resposta diz respeito à Sociedade Martins Sarmento. Gostaria de saber, pois também nada consta do PIDDAC, se é desta vez que vai ser assinado o protocolo e quando é que se espera que isso venha a acontecer relativamente a esta Sociedade.
Vou terminar, Sr.ª Ministra, com a questão de Guimarães, Capital Europeia da Cultura. A Sr.ª Ministra acabou de anunciar, em Conselho de Ministros (num daqueles Conselhos de Ministros «turísticos», que se costumam fazer), que Guimarães iria ser, daqui a cinco anos, Capital Europeia da Cultura. Espero que esta indicação não signifique o que significou para Guimarães e para o Alto Douro Vinhateiro a sua declaração como Património Mundial pela UNESCO, pois houve essa declaração, mas, depois, os governos seguintes abandonaram completamente qualquer apoio a estes patrimónios.
O que lhe pergunto, Sr.ª Ministra, é o seguinte: há alguma disponibilidade do Governo — e cinco anos de preparação parece muito tempo, mas não é tanto tempo como isso — no orçamento do próximo ano para acorrer às despesas, que certamente serão significativas, de preparação do evento Guimarães, Capital Europeia da Cultura?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, propunha que a sua intervenção passasse para a terceira ronda de pedidos de esclarecimento, não só porque há mais uma inscrição como também porque, assim, poderíamos gerir melhor os tempos.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Muito bem, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, começo por me dirigir aos Srs. Deputados do Partido Socialista, dizendo o seguinte: não queria politizar excessivamente este debate, mas, quando oiço a Sr.ª Deputada Teresa Portugal dizer «quem é que esperaria outra coisa que não fosse um orçamento de contenção», gostaria de relembrar que, quando a ex-Ministra Manuela Ferreira Leite falou na necessidade de contenção da despesa, prosseguida, depois, pelo ex-Ministro Bagão Félix, os senhores é que diziam «há vida para além do défice». Ou seja, é um pouco confrangedor a disparidade de critérios em que os senhores insistem, porque, agora, não se pode esperar outra coisa senão a contenção, agora, os senhores são confrontados com a realidade, mas, quando era o governo de coligação a falar na necessidade de contenção orçamental, éramos uma direita obcecada! Isto só para esclarecer o seguinte: os senhores têm de ter alguma memória — e não é necessária uma memória histórica, basta uma memória de há dois anos atrás, não se pede mais! — e lembrar-se de que os senhores é que diziam que havia vida para além do défice.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — E há!
A Oradora: — É que é um pouco confrangedor estarmos constantemente a ouvir isso.
Isto também para referir, a propósito do PRACE, o seguinte: a Sr.ª Ministra disse que se congratulava com o facto de ter sido feito um esforço no sentido da racionalização e da poupança em termos de despesas de funcionamento e de uma redução nas direcções, mas pergunto, mais uma vez, à bancada do Partido Socialista — e a Sr.ª Ministra não tem culpa porque não estava lá —, quem é que multiplicou, ad infinitum, as direcções-gerais no âmbito do Ministério da Cultura. Foram os governos socialistas, nomeadamente o então Ministro Manuel Maria Carrilho! É preciso haver um pouco de memória. Portanto, o que agora está a ser feito tem uma origem.
Relativamente ao Centro Cultural de Belém, a Sr.ª Ministra chamou ao PSD e ao CDS retrógrados por defendermos a Festa da Música. Parece-me de meridiano bom senso…
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Conservadores!
A Oradora: — Sim, conservadores. Devo dizer que não nos caem os parentes na lama, mas a forma como a Sr.ª Ministra nos apelidou de conservadores foi entendido como «os senhores não vêem nada para além da Festa da Música». Ora, a Festa da Música, para uma população pouco alertada, pouco sensível e pouco frequentadora de espaços culturais, nomeadamente de eventos culturais, penso que é desejável que exista e
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gostaria que continuasse a existir este tipo de eventos. Por que não insistir num modelo que já provou ser de grande sucesso? Aliás, em 2005 conseguiu atrair 62 000 pessoas para o Centro Cultural de Belém. Pode ser conservador, mas, perdoar-me-á a franqueza, é melhor isso do que as pessoas ficarem em casa a ver reality shows.
Depois, de duas, uma: ou a Sr.ª Ministra não é solidária com o Presidente do Conselho de Administração do Centro Cultural de Belém (CCB) ou, então, é o Presidente do Conselho de Administração do CCB que não é solidário com a Sr.ª Ministra. Isto porque o Dr. Mega Ferreira — e desculpem-me estar com estas citações mas é que depois, aqui, dizem o contrário — diz o seguinte: «Se para o ano houver mais cortes, é triste dizer mas fechamos!». Diz Mega Ferreira numa frase que é, sobretudo, uma metáfora. Quando, em Junho, Mega Ferreira anunciou a sua primeira programação — ele entrou no CCB em Janeiro —, ao seu lado estava uma optimista Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, que confirmou a participação dos 8 milhões de euros do Estado e elogiou a nova filosofia do CCB. São muito amigos, mas o que diz o Presidente do Conselho de Administração do CCB é que, se houver mais cortes, vão ter de fechar. Mais: diz que vão ter de ser feitos acertos, que vão ter de ser contratados mais artistas nacionais — e nada tenho contra os artistas nacionais —, vai ter de ser diferente, vai ter de haver uma «reformatação». Ora, quando falamos em «reformatação», normalmente não é para melhor mas para pior… Mas isso a Sr.ª Ministra saberá!… Ainda relativamente ao PRACE, pergunto: o IPA vai ser integrado no IPPAR, ou não? O Centro Português de Fotografia vai ser integrado no Instituto das Artes, ou não?
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sim!
A Oradora: — O outro não. Muito bem! Porque nem tudo é mau,…
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Ah!
A Oradora: — … congratulo-me com o facto de a Sr.ª Ministra ter, finalmente, dado uma «bolsa de oxigénio» à Companhia Nacional de Bailado, que, como sabemos, padecia desde há muitos anos de um «buraco» financeiro inultrapassável.
Protestos da Deputada do PS Manuela Melo.
Mas, Sr.ª Deputada Manuela Melo, sabe com quem começou esse «buraco» financeiro, não sabe? Foi com a Sr.ª Secretária de Estado Catarina Vaz Pinto. Foi essa a origem do défice crónico da Companhia Nacional de Bailado. E também sabe por que é que esse «buraco» financeiro foi crescendo, não sabe?
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sei!
A Oradora: — Muito bem! Outra questão: o que é que está previsto, se é que está previsto alguma coisa, para o Mosteiro de Alcobaça em termos museológicos? É que, de facto, temos aquele espaço extraordinário, que agora foi recuperado, e a verdade é que não tem havido uma programação adequada, para não dizer outra palavra, para este Mosteiro.
Relativamente ao IAN/TT, vejo uma verba em que se prevê uma redução de 14,3% e outra em que se prevê um aumento de 0,6%.
Voltando à entrevista do Prof. António Hespanha, que é uma pessoa insuspeita de ser simpatizante da direita, ele preocupa-se, para além dos aspectos que já aqui foram focados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, com o nosso extraordinário património em termos arquivísticos. Pergunto: o que está previsto para efeitos da preservação desse património, já que será impossível mantê-los num espaço físico da Torre do Tombo? Vão ser criados novos espaços? Vão para outros sítios? Gostaria de saber, porque não serão de desprezar as preocupações do Prof. António Hespanha.
Relativamente aos cineteatros que a Sr.ª Ministra falou, pergunto se não está a ser ponderada uma ideia que me parece pertinente, que é a de, em vez de insistir nos cineteatros, criar espaços multiusos. Como sabemos, muitas vezes, nomeadamente a nível concelhio, são construídos cineteatros que têm depois uma utilização relativamente limitada e a maior parte das vezes não têm uma agenda e uma programação que os possa preencher. Portanto, a solução passaria por, de ora em diante, não insistir nos cineteatros mas em espaços multiusos que possam servir para exposições mas também para outro tipo de programação cultural.
Pergunto também, porque, confesso, não consigo perceber, o que é este programa Cultura e onde é que ele vem orçamentado. É que consta do relatório da proposta de lei do Orçamento do Estado o programa Cultura, com 99,8 milhões de euros, dando corpo a uma série de medidas, como a divulgação e promoção das artes, o desenvolvimento de redes culturais, a promoção do livro e da biblioteca. Pergunto: isto é retirado de cada um dos orçamentos? Qual é o elemento aglutinador deste programa? Como é que ele vai traduzir-se na prática? Onde é que, em suma, está a inscrição deste programa?
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Sei que é muito aborrecido quer para quem está a ouvir quer para quem tem de ouvir estas verdades, mas vou aproveitar o último minuto de que disponho para ler, mais uma vez, o que disse o actual Ministro Augusto Santos Silva, antigo Ministro da Cultura do Partido Socialista: «Uma política cultural digna desse nome tem de ser de largo espectro: não é dizer-se 'agora vamos cuidar da formação de públicos' ou 'agora vamos incentivar a descentralização', é avançar articuladamente na frente patrimonial e no apoio à criação, na estruturação cultural do território e na internacionalização, na qualificação e profissionalização dos agentes e meios artísticos e na formação cultural dos cidadãos.»
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda) — Sr.ª Deputada, faça favor de terminar.
A Oradora: — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
E vangloria-se dos governos socialistas, porque «esse esforço significou um aumento progressivo da proporção da despesa em cultura no total da despesa do Estado (…)» — isto nos governos socialistas. E, depois, acrescenta o Professor Augusto Santos Silva: «Foi preciso que a direita regressasse ao poder para que este difícil percurso e os seus ainda escassos resultados fossem brutalmente interrompidos, com um desinvestimento deliberado, como nunca antes se conhecera, quer no lado financeiro, quer mesmo no lado da acção política.» Bom, penso que é óbvio que estamos perante um desinvestimento, pelo que peço à Sr.ª Ministra que comente esta escrita, de 2004, do Professor Augusto Santos Silva.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, como estamos a ver, há alguma dificuldade em discutir este orçamento com a qualidade, com a seriedade, com a profundidade que ele, com certeza, mereceria, mas, em toda a intervenção da Sr.ª Ministra, pareceu-me que é bastante mais difícil para si do que para nós sustentá-lo, perceber e explicar a esta Casa por que é que a cultura está, efectivamente, na «cave» do Orçamento do Estado. Pareceu-me pela sua intervenção que é insustentável explicar por que é que este Governo empolou o papel da ciência e relegou a cultura para a situação em que, efectivamente, ela se encontra com este orçamento.
Mas, Sr.ª Ministra, há questões em que vou insistir.
Não esclareceu o que se passará com as verbas da Fundação Berardo. Para além da dotação que compete ao Estado para aquisição do Fundo, não explicou quais são as verbas para funcionamento e quais são as verbas atribuíveis às obras necessárias no Centro de Exposições. Disse-nos aqui que o défice do Centro de Exposições era qualquer coisa como 900 000 € e eu pergunto se a Sr.ª Ministra não pode assumir que aquilo que o Estado vai gastar neste processo é bastante superior ao défice que aqui evocou.
Gostaria, também, de lhe recordar que há cinco meses fizemos um requerimento sobre, nomeadamente, a falta de clareza de todo o processo que conduziu, e vai continuar a conduzir, aos despedimentos e até hoje esperamos pela sua resposta, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra apontou aqui o reforço de 11 milhões do Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual como um aspecto francamente positivo — penso que foi esta a informação que deu —, e eu, um pouco à revelia, se quiser, deste Orçamento, gostava de saber se considera ou não que o enquadramento legal em vigor para o cinema e para a produção do cinema em Portugal, enquadramento legal que continuará e prolongará aquele que já existe, é, efectivamente, satisfatório para o cinema português, se, efectivamente, garante condições para a divulgação da produção nacional. Este é um contexto extremamente preocupante e eu penso que a legislação em vigor não satisfaz expectativas fundamentais para a cultura portuguesa, nesta matéria.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda). — Sr.ª Deputada, agradeço, mais uma vez, a sua capacidade de síntese, porque ajuda imenso a gerir o nosso tempo.
Vou dar a palavra à Sr.ª Ministra da Cultura para responder a este conjunto de perguntas e, conforme sugeriu, começará por responder às Sr.as Deputadas que há pouco ficaram preteridas na resposta.
Tem a palavra.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Conforme a Sr.ª Presidente acabou de dizer, começo por responder a algumas questões que a Sr.ª Deputada Cecília Honório, do Bloco de Esquerda, me colocou.
Antes de mais, um curto esclarecimento prévio: relativamente ao espaço destinado à multiculturalidade, que é, neste momento, ainda um projecto em construção, na verdade, houve um lapso de leitura, porque o montante da renda proposta pela REFER — nem sequer está fechada essa negociação — é de 80 000 € e não de 800 000 €.
Uma outra questão que fez o favor de colocar diz respeito à Fundação Colecção Berardo e articulou-a com a questão do défice sistemático que a programação do Centro de Exposições trazia ao orçamento do CCB.
Primeiro, estão em causa dois projectos totalmente diferentes e, como a Sr.ª Deputada saberá, desde o seu nascimento, o CCB estava vocacionado para ter um museu. Isso está fixado em corpo de lei e, portanto, não vamos comparar um centro de exposições com um museu, pois são realidades bastante diversas uma da
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outra, sobretudo quando esse museu tem, à partida, uma colecção para gerir, quer ao nível de exposições, quer ao nível de troca com outras exposições.
Respondendo à questão que me colocou sobre os dinheiros, devo dizer que o que está estipulado por lei, na sequência do acordo entre o Estado e a Colecção Berardo, é que, para além de uma dotação destinada ao orçamento de funcionamento (que não é fixada em lei mas, sim, estabelecida anualmente pelo Ministério da Cultura), também haverá um contributo de 500 000 €/ano para o fundo de compras — 500 000 € oriundos do Ministério da Cultura e 500 000 € do Comendador Berardo.
Para além disto, há o compromisso por parte do Estado de proceder às obras de adequação, obras que, neste momento, não estão ainda devidamente orçamentadas. De qualquer modo, temos estipulado, como montante máximo para essas obras, 500 000 €, sendo que 250 000 € se situam no âmbito da comparticipação nacional de dinheiros comunitários.
Portanto, no fundo, estão em causa 500 000 € (máximo de montante possível) provenientes de duas vias — Orçamento do Estado e fundos comunitários — para a realização de obras de adequação e, ainda, 500 000 € para o fundo de compras.
Entretanto, como disse na minha intervenção inicial, a lei estipula que a Fundação Colecção Berardo terá de apresentar até 15 de Dezembro a sua proposta de orçamento. Aguardaremos essa proposta de orçamento.
Relativamente à questão dos despedimentos no CCB, a verdade é que os despedimentos ocorridos até ao momento não tiveram rigorosamente nada a ver com a instalação do novo museu. Foram despedimentos absolutamente pontuais, decorrentes de um claro excesso do peso da despesa com pessoal, designadamente nos serviços educativos, para o orçamento do Centro Cultural de Belém. Tratou-se de uma opção da direcção.
Aliás, Sr.ª Deputada Cecília Honório, despedir pode ser, como em qualquer empresa, uma necessidade de gestão. Portanto, foi a administração do CCB que entendeu que devia proceder a esses despedimentos, que foram, volto a frisar, absolutamente pontuais.
No que diz respeito à questão do Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual, peço-lhe o favor de aguardar um pouco, porque o Sr. Secretário de Estado tomará a seu cargo essa vertente.
Por outro lado, gostava de frisar, mais uma vez, algumas questões colocadas pela Sr.ª Deputada do CDSPP Teresa Caeiro.
Primeiro, espero que se repare que não sou nem o Ministro Manuel Maria Carrilho nem o Ministro Augusto Santos Silva. Espero que se note, espero vivamente! Eu respondo apenas e tão-só pelo que cai no âmbito da minha actividade enquanto Ministra da Cultura!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Claro! Só queria um comentário seu!
A Oradora: — Por favor, não tenho de responder pelas afirmações proferidas pelo então Ministro Manuel Maria Carrilho ou pelo então Ministro Augusto Santos Silva. Não é minha obrigação, nem tenho de responder por isso! Quero apenas referir este dado à partida.
A questão da Festa da Música será também respondida pelo Sr. Secretário de Estado.
Queria agora retomar uma pergunta que me fez e que não tive ocasião de responder, que é a que se prende com o destino do Museu do Design. Devo esclarecer que essa é uma questão da inteira responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa, por isso terá de dirigir à Câmara a pergunta. O Museu do Design é um museu camarário que estava apenas acomodado no espaço do Centro Cultural de Belém. Portanto, a Câmara responderá, certamente, a essa sua preocupação quanto ao espólio do museu.
A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro colocou-me mais questões e eu, se tiver tempo, referir-me-ei a elas mais tarde. Queria garantir-lhe, desde já, o seguinte (como, de resto, já o garanti a alguém, no início do exercício das minhas funções no Ministério da Cultura, quando questionada sobre se os Srs. Directores dos museus poderão vir a fechar os museus): seguramente, os museus não vão fechar e, seguramente, o Centro Cultural de Belém não vai fechar. Esta é uma garantia que lhe dou, Sr.ª Deputada. Pode tomar como certo que o Centro Cultural de Belém não fechará! Também queria sublinhar — e aproveito para responder à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita — que, no que diz respeito às questões levantadas pelo Sr. Prof. António Hespanha, deve ter havido alguma confusão da parte da Sr.ª Deputada, porque falei de duas realidades distintas: uma coisa é o espólio da Comissão dos Descobrimentos, outra coisa é o programa a que fez referência.
No que se refere ao espólio da Comissão dos Descobrimentos, gostava de dizer o seguinte: para além de respondermos pelo espólio que temos à guarda, há um outro dado que gostava de acentuar — e agora dirijome à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita —, que é o facto de ainda termos de pagar 500 000 € de uma dívida da Comissão dos Descobrimos. Portanto, não apenas guardamos o espólio como ainda pagamos uma dívida, dívida essa que, naturalmente, também preocupava o Sr. Prof. António Hespanha. A dívida ficou e foi preciso pagá-la! A questão relativa ao estatuto do artista, também colocada pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, será respondida pelo Sr. Secretário de Estado.
Aproveitaria agora para esclarecer por que razão não constam do PIDDAC alguns projectos que foram aqui referenciados, designadamente o relativo ao Mosteiro de Tibães. Ora, isso tem tão-só a ver com a forma de organização do PIDDAC. O PIDDAC está desdobrado em programas e em projectos e o que acontece é que
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alguns destes projectos — é o caso do de Tibães — estão na estrutura do PIDDAC a um nível inferior, isto é, incorporam um dos projectos aí mencionados e, portanto, não aparecem na especificação que é feita. No entanto, posso adiantar que o Mosteiro de Tibães…
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Já sei essa explicação há alguns anos!
A Oradora: — Como me colocou a questão, estava a tentar responder! Mas se o Sr. Deputado já sabe, escusávamos de ter perdido tempo.
Outra preocupação que manifestou foi a relativa à Sociedade Martins Sarmento. Estamos, neste momento, a ultimar uma proposta, proposta essa que tem sido trabalhada conjugadamente com a Sociedade Martins Sarmento, no sentido de encontrarmos uma nova forma de vida para a Sociedade. Neste momento, o acordo entre o Ministério da Cultura e a Sociedade Martins Sarmento está selado, apenas estamos em diálogo com a Câmara Municipal, que, como sabe, é uma outra parte que importará envolver. De resto, é para nós condição sine qua non envolver a Câmara Municipal para selarmos essa nova forma de gestão da Sociedade Martins Sarmento. E estão orçamentados 300 000 € para este projecto.
Outra questão que queria abordar está relacionada com a candidatura de Guimarães para Capital Europeia da Cultural. Como foi lembrado, esse anúncio foi feito numa reunião do Conselho de Ministros, a qual, depreciativamente, o Sr. Deputado intitulou de «turística». Entendo que essas são reuniões do Conselho de Ministros desconcentradas e julgo que faz todo o sentido que o Governo as faça numa lógica de proximidade do poder central relativamente ao espaço físico português.
No entanto, centrando-me na questão da candidatura de Guimarães para Capital Europeia da Cultura, é óbvio que este projecto envolve um esforço de investimento por parte quer da autarquia quer do Ministério. É mesmo forçoso que assim seja. De resto, o primeiro passo a desenvolver implica a criação de uma comissão mista, exactamente nascida do acordo entre a Câmara Municipal e o Ministério da Cultura, para gizar uma proposta que deve ser apresentada até ao final de 2008. Esta primeira proposta deve conter as linhas gerais de programação, o tema-base da capital, as linhas estratégicas de desenvolvimento e de tratamento do património e de investimento em infra-estruturas culturais.
Portanto, como é natural, haverá disponibilidade por parte do poder central e do poder autárquico para concretizar este projecto. Como o Sr. Deputado disse, temos algum tempo pela frente e temos, sobretudo, esta primeira tarefa, até ao fim de 2008, de gizar a programação. Claro que as responsabilidades do Ministério da Cultura serão tidas em consideração.
Se me permite, Sr. Presidente, passaria agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Cultura para responder às restantes questões.
Antes, porém, em relação à questão que me foi colocada sobre o roubo das jóias da Coroa portuguesa — confesso que, com a falta de tempo, já estou um pouco perdida, à procura dos vários papéis —,…
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Das jóias!
A Oradora: — … já disse publicamente, e reitero aqui, que o nosso objectivo, bater-me-ei por isso, é o de que o montante de que o Estado será ressarcido pela perda das jóias — e, como se sabe, nestas situações, o processo normal é que o dinheiro seja entregue ao Ministério das Finanças — seja destinado a investimento em património. É essa a minha opção. Ainda não está definido em quê, mas será destinado a investimento em património. Sr. Deputado, não nos falta onde investir e não esteja preocupado porque não vai ser em nada de volátil. Há muito onde investir. Há até demais onde investir, se tivermos em conta que estamos no final do III Quadro Comunitário de Apoio, como, por exemplo, em salvaguarda do património.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura vai agora responder e eu depois responderei a outras questões que colocou.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Mário Vieira de Carvalho): — Sr.ª Presidente, gostaria de começar por me referir a uma questão colocada pela Sr.ª Deputada Teresa Portugal sobre que outras fontes de financiamento existem para além daquelas que estão contempladas no orçamento do Ministério da Cultura.
Gostaria de lembrar, desde logo, que não está incluído, por exemplo, o Teatro Nacional D. Maria II, que teve uma dotação inicial de 4,2 milhões de euros em 2006 e vai ter uma dotação inicial de 5,1 milhões de euros em 2007, havendo, pois, um aumento de 900 000 €. Ora, estes 5,1 milhões de euros acrescem ao orçamento do Ministério da Cultura, repondo números de 2003.
Por outro lado, também não constam do orçamento do Ministério da Cultura tudo o que diga respeito a mobilização de recursos, inclusive recursos públicos, designadamente através de fundos comunitários, como é o caso do Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual. Como a Sr.ª Ministra já aqui referiu, prevêse que o Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual possa vir a atingir cerca de 16 milhões de euros, mais do que duplicando os actuais apoios ao cinema e ao audiovisual, que rondam os 12 milhões de
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euros/ano. Já há protocolos celebrados, designadamente com a PT, que se compromete com uma participação de 5 milhões de euros, prevê-se que as televisões, cujos acordos estão praticamente concluídos ou em muito boa marcha, participem com 5 milhões de euros e o que está inscrito por via do QREN, através do Ministério da Economia, ronda os 6 milhões euros/ano. E, neste caso, gostaria de salientar esta parceria intersectorial, que também se estende a outros ministérios, entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Economia que vem fazer justiça, pela primeira vez, ao problema que foi colocado pela Sr.ª Deputada Cecília Honório, do Bloco de Esquerda, e que tem a ver com a forma como é dado o apoio ao cinema. De facto, o cinema tem esta dupla realidade: por um lado, é arte, arte cinematográfica, que tem de ser apoiada na perspectiva da avaliação da qualidade das obras do ponto de vista estético, do ponto de vista da criatividade que elas trazem, e, por outro, é um sector estratégico da economia, provavelmente um dos sectores mais importantes para o desenvolvimento económico do País como área das indústrias criativas. Aí há que apoiar, por um lado, os artistas, os criadores, mas, por outro, os agentes económicos fundamentais para que o sector se desenvolva, que são as pequenas e médias empresas de produção independente do cinema e do audiovisual. Isto é garantido pela nova legislação que já foi aprovada em Conselho de Ministros e que articula estas duas dimensões. E o Fundo vem dar um contributo decisivo.
Relativamente ao Instituto da Artes, a Sr.ª Deputada Teresa Portugal falou dos acordos tripartidos. Estes acordos vão ter uma importância estruturante quer no apoio à criação, quer no apoio à programação. Estão ainda previstas no Instituto das Artes várias parcerias entre ministérios que não estavam previstas no quadro legislativo anterior e que também já estão a ser desenvolvidas através da conjunção de contributos do Ministério da tutela e do Ministério envolvido.
Quanto ao CCB e à Festa da Música, temos de distinguir a rentabilização do êxito acumulado lá fora e o valor acrescentado cá dentro. Ou seja, podemos fazer um evento que tem uma grande repercussão cá dentro, mas não traz… Por exemplo, o Festival de Bregenz não tem uma orquestra sinfónica nem Bregenz é sequer uma grande capital europeia mas desenvolveu um festival que recebe pessoas de todo o mundo. Isto acrescenta imenso valor a uma terra, trazendo lucro, trazendo desenvolvimento cultural, trazendo desenvolvimento económico, trazendo visibilidade, a essa terra.
Ora bem, nós pretendemos que haja Festa da Música no Centro Cultural de Belém, mas temos que avaliar a proporção em relação à programação. E a Festa da Música estava a custar dois terços do orçamento da programação do CCB, ou seja, cerca de 1 milhão de euros.
A questão que se coloca é esta: se calhar, até vale a pena gastar dois terços do orçamento do CCB se se traduzir num grande valor acrescentado para a visibilidade do Centro Cultural de Belém a nível internacional e mundial e desde que atraia turistas de todo o mundo interessados em ouvir a música que ali é apresentada, como acontece noutros festivais espalhados pelo mundo. Essa avaliação pode ser feita.
O que posso dizer em relação ao que me foi dado conhecer sobre possíveis alternativas ao formato tradicional da Festa da Música é que há muito mais valor acrescentado nessas alternativas do que no formato tradicional, que me parece ser mais rentabilização de um êxito acumulado de mais-valias que são, sobretudo, de fora.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, para a terceira ronda de perguntas, estão inscritos vários Srs. Deputados. Agradeço que nesta ronda utilizem apenas os 3 minutos previstos para cada pergunta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr.ª Presidente, prometo ser muito rápido.
Esta minha intervenção vai na sequência de algumas respostas que a Sr.ª Ministra foi dando a outras questões e que me suscitaram algumas dúvidas. Refiro-me em concreto à questão da Sociedade Martins Sarmento porque retive que está a ser elaborado um protocolo, mas, em simultâneo, a Sr.ª Ministra disse uma frase que me preocupou. Ou seja, disse que a participação da Câmara Municipal era uma condição sine qua non para se protocolar com a Sociedade. Gostaria de perceber melhor o porquê. Não duvido que a Câmara Municipal participe, mas não consigo perceber por que razão um protocolo entre o Ministério da Cultura e uma sociedade como a Sociedade Martins Sarmento, que tem uma actividade cultural muito boa, fantástica mesmo, que gere um património muito vasto, muito interessante e muito rico, tem de ficar condicionado à participação da Câmara. Se, porventura, numa negociação destas a Câmara, por qualquer razão, decidir não participar…Ou seja, o objectivo central aqui, penso, é dar condições para que a Sociedade Martins Sarmento possa desempenhar cada vez melhor o seu papel. Por isso, tenho alguma dificuldade em perceber essa condicionante que a Sr.ª Ministra referiu. Gostaria, de facto, de perceber melhor esta questão.
A outra que gostaria de colocar tem a ver com uma não resposta da Sr.ª Ministra, certamente por falta de tempo, a uma pergunta colocada aqui; de qualquer forma serve para avivar a memória. Há pouco mais de um ano tivemos o prazer de estarmos juntos na sessão de inauguração do Centro Cultural Vila-Flor, em Guimarães. Nessa altura, a Sr.ª Ministra disse que era importante que o Estado comparticipasse nos custos da obra para que não ficasse apenas e só a Câmara Municipal com as responsabilidades. Compreendi que para o Orçamento do Estado para 2006 seria impossível dar corpo à intenção que a Sr.ª Ministra anunciou em Guimarães, mas estava à espera que neste Orçamento isso se reflectisse. A questão foi levantada anteriormente pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes, mas a Sr.ª Ministra não respondeu e eu gostava de perceber qual é, no
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Orçamento do Estado para 2007, a comparticipação que o Ministério da Cultura vai dar. Penso que é importante que os compromissos que se fazem publicamente sejam traduzidos na prática, do ponto de vista orçamental.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.
A Sr.ª Rosalina Martins (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, há cerca de três horas, quando a Sr.ª Ministra iniciou a apresentação do orçamento do seu Ministério, disse que se tratava de um orçamento de contenção, de um orçamento solidário e que prosseguia o objectivo da consolidação orçamental e da redução da despesa pública. Por isso mesmo, propunha-se o Ministério da Cultura elencar prioridades, concretizá-las e definir linhas e estratégias políticas muito concretas.
Houve aqui, por parte da oposição, algum lamento na dificuldade de ler o orçamento porque não era entendível, porque levava a uma leitura enviesada… Ora, fui consultar as Grandes Opções do Plano, que antecede a apresentação do Orçamento do Estado, e verifiquei que tudo aquilo que a Sr.ª Ministra aqui apresentou está vertido nas Grandes Opções do Plano, que já eram de conhecimento desta Câmara e de todos os Srs. Deputados.
Por isso mesmo, a Sr.ª Ministra apresentou um orçamento de verdade. Esse orçamento de verdade centrado numa realidade concreta de números, acabou agora de ser reiterado pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, que referiu que o Teatro Nacional D. Maria II não constava do orçamento e que terá uma dotação de 5,4 milhões de euros — ninguém deu pela falta do Teatro Nacional D. Maria II! —, tendo referido também o Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual, no valor de 16 milhões de euros, o Quadro Comunitário de Apoio, etc.
Ficou, portanto, claro para o Partido Socialista que este orçamento contém metas a atingir durante o ano 2007 para que, se conseguirmos cumprir esses objectivos, no próximo ano já não voltem a estar inscritos no Orçamento do Estado.
A propósito disso, estou a lembrar-me da rede de bibliotecas. É que estamos há muitos anos a falar deste assunto e só agora nos propomos cumprir o tal objectivo das 300 bibliotecas municipais. Além das bibliotecas, temos os arquivos, os cineteatros, o Programa Território Artes, que prevê uma descentralização, e, finalmente, também ao fim de quase uma década, a concretização do Museu do Côa e do Museu do Douro, projectos que nunca avançaram, certamente por incapacidade do anterior governo PSD/CDS.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Quando se refere a vocês é por falta de dinheiro, quando se refere a nós é por incapacidade!
A Oradora: — A Sr.ª Ministra referiu um dado muito importante na apresentação deste Orçamento do Estado quando falou na alteração qualitativa da natureza da despesa. Efectivamente, esta afirmação gerou algum incómodo no CDS, que até trouxe à discussão as intervenções da ex-Ministra Manuela Ferreira Leite, do ex-Ministro Bagão Félix e até passou pela leitura de alguns textos do actual Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva. Tivemos um elencar de citações. O PSD ficou-se pelo texto do programa eleitoral, mas esqueceu-se que esse texto também tem plasmado alguns vectores.
A minha pergunta concreta tem a ver com um dos vectores importantes do Programa do Governo do PS que está concretizado neste Orçamento do Estado e que tem a ver com a afirmação de Portugal no mundo, nomeadamente no espaço europeu e no espaço lusófono. Já aqui foram referidas as exposições internacionais, feiras do livro, mostras de arquitectura e artes plásticas, edições de autores portugueses, inclusive a Sr.ª Ministra referiu também a exposição Hermitage.
Tendo em conta que, no próximo ano, vamos ter a presidência portuguesa da União Europeia, tendo já aqui referido que o Gabinete de Relações Internacionais vai ter um aumento de dotação para poder cumprir as obrigações desta organização e tratando-se de uma organização que é transversal a todo o Governo, pergunto se o Ministério da Cultura vai aproveitar a presidência portuguesa da União Europeia para dar alguma visibilidade àquela nova estratégia de cooperação com os países da CPLP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, vou apenas recordar as questões que, após a sua resposta, ficaram por abordar, para o caso de a Sr.ª Ministra ter interesse em responder-lhes.
Antes de mais, gostaria que dissesse algo acerca dos passes culturais, informação que já há pouco solicitei, e, depois, gostaria que dissesse alguma coisa acerca do anteprojecto do estatuto socioprofissional do artista, questão que já coloquei há cerca de duas ou três horas.
Depois, faria duas ou três reflexões sobre esta nossa discussão, a primeira das quais para dizer que não estamos hoje a discutir as Grandes Opções do Plano. A Sr.ª Deputada Rosalina Martins deve ter tido muito que fazer e, por isso, ainda não se lembrou que hoje estamos a discutir o Orçamento do Estado. O debate das
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Grandes Opções já foi em Julho! Hoje, estamos, portanto, a discutir o Orçamento e a verdade é que as enormes intervenções discursivas do Partido Socialista e da Sr.ª Ministra não esclarecem as dúvidas orçamentais.
A Sr.ª Ministra não podia estar à espera que a oposição lhe desse os parabéns pelo orçamento e que o Partido Socialista a criticasse. Como tal, tudo está a correr como V. Ex.ª previa: o Partido Socialista a sustentar o seu orçamento, dizendo que tudo está muito bem e que os cortes nem têm grande importância, porque há grandes estratégias, faltando-lhe apenas o dinheiro, e a oposição, que não tem acesso às reuniões entre o Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a manifestar dúvidas. Mais: a Sr.ª Ministra ajudou a criar, a construir e a consolidar estas dúvidas. De facto, se a Sr.ª Ministra pretendia que não fôssemos alarmistas, catastrofistas, etc., só tinha de fazer uma coisa — enviar atempadamente o orçamento por acções.
Imagine que até nos fez colocar a questão da Cinemateca, com um corte de quase 30%, tendo vindo hoje dizer que isto é um engano no relatório que recebemos, porque, afinal, aquilo não tem corte nenhum, mas, sim, um aumento. Mas estas coisas são sérias!
Protestos da Deputada do PS Rosalina Martins.
Não, Sr.ª Deputada, isto é sério! Pode não parecer, mas é sério! Quanto aos outros cortes, não a ouvimos dizer que houve enganos. Contudo, era bom que assim fosse e ficaríamos muito felizes se nos dissessem que, em vez de ser apenas o da Cinemateca, tinha havido erros nos cortes das academias, das direcções regionais, à excepção da do Norte, e de todos aqueles institutos e instituições que referimos. A verdade, porém, é que eles têm cortes, pelo que a Sr.ª Ministra não pode esperar que digamos que é mentira, que não têm cortes e que até têm um sinal positivo! Depois, a Sr.ª Ministra disse que estamos no início da Legislatura, mas esqueceu-se que, na verdade, em termos de Orçamentos, já estamos a meio, visto que já temos dois Orçamentos e que só faltam outros dois para 2009. Ora, seria interessantíssimo, mesmo que se tratasse de uma previsão com algumas interrogações, que a Sr.ª Ministra nos dissesse como é que prevê preencher o que falta para que o orçamento da cultura represente 1% do Orçamento do Estado — que também não é muito, são só 0,6%, só temos de passar de 0,4% para 1%! Ora, seria interessantíssimo que nos dissesse o que prevê para 2008 e para 2009, por forma a alcançar este valor de 1%. É já em 2008 que haverá alguma recuperação ou fica tudo para 2009, que é ano de eleições? Como é? É que, de facto, não estamos no início da Legislatura.
Depois, Sr.ª Ministra, na questão que coloquei sobre o apoio às artes e sobre as grandes dificuldades vividas pela dança e pelo teatro, não falei das audiências do Grupo Parlamentar do PCP. Pelo contrário, tive todo o cuidado de referir as audiências da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. De uma ponta a outra deste Hemiciclo, estão aqui Sr.as e Srs. Deputados (e quero crer que nem sempre a memória é atacada e que há momentos em que a lucidez nos permite dizer a verdade) de todas as bancadas que bem se lembram de todas as audiências que fizemos com estes criadores e daquilo que nos contaram. Parto, portanto, do princípio de que para o Governo são todos mentirosos e de que, afinal, o Sr. Secretário de Estado e a Sr.ª Ministra é que são sérios… Por outro lado, a Sr.ª Ministra também recebeu as cartas que o Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura lhe dirigiu, pedindo a sua intervenção para resolver alguns problemas complicados na área da dança e do teatro. Não sei, portanto, por que é que a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado ficaram tão ofendidos. A verdade é que não estou a inventar uma história, mas, sim, a relatar factos que todos conhecemos, sem qualquer excepção.
Terei todo o prazer em pedir ao Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura que envie à Sr.ª Ministra e ao Sr. Secretário de Estado a listagem destas audições.
Fazendo uma alusão a uma frase dita en passant pela Sr.ª Ministra acerca da ciência, diria que o que se passa, Sr.ª Ministra, é que não estamos a discutir o orçamento da ciência e do ensino superior. O que fiz foi uma referência contextualizada e comparada com o Ministério da Cultura, mas, já agora, digo-lhe que se a Sr.ª Ministra da Cultura considera que a descida do Orçamento do Estado na área do ensino superior, dos politécnicos e das universidades e dos 11 laboratórios do Estado é um grande aumento na ciência, é lamentável. Eu lamento essa descida, mas trata-se da sua opinião, como militante socialista e como elemento do Governo do Partido Socialista. Se a Sr.ª Ministra considera positiva a existência de um «bolo», de um grande «saco rosa» que, como o Sr. Ministro aqui disse, dá o dinheiro de acordo com candidaturas selectivas, tratase, claramente, apenas da sua opinião. Mas a verdade é que o que lhe compete fazer é defender o Ministro Mariano Gago, independentemente de a política científica não ser, acima de tudo, uma política pública para o Governo socialista.
Finalmente, eu não sou advogada de defesa do Sr. Prof. António Hespanha, que, aliás, não precisa de ser defendido. Quero dizer-lhe, contudo, que, ao contrário de si, que considera isto um alarmismo, penso que este tema está em tudo relacionado com o Orçamento que estamos a discutir. Tudo! O que aqui se diz, nesta entrevista do citado Professor à Visão, é que o Estado está a vender a «preço de saldo», a três contos, a obra completa de Gil Vicente, em CD ROM. Parece que é um Estado rico! Por outro lado, afirma-se que, quando a Comissão dos Descobrimentos acabou, o espólio foi recolhido pelo Ministério da Cultura e que ainda que se fizeram três exposições, tendo cada uma custado cerca de 200 000 contos e não se sabendo onde pára o material destas exposições.
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Quanto à comissão liquidatária e ao espaço temporal de 1995 a 1999, recordo a Sr.ª Ministra que tínhamos então o governo de António Guterres e do Partido Socialista. A senhora na altura era Deputada e bem se lembra das discussões acerca da comissão liquidatária, que teve como primeiro efeito esta medida: o despedimento colectivo de todos aqueles que trabalharam, fundamentalmente dos que tinham relações mais precárias e de mais difícil sobrevivência.
Portanto, Sr.ª Ministra, isto está relacionado com o Orçamento do Estado, porque está relacionado com o dinheiro de todos nós. O orçamento que a senhora gere é o dinheiro dos contribuintes portugueses, como é o orçamento de todos os outros ministérios.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, a quem peço uma boa gestão do tempo de que dispõe.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, serei telegráfica.
Sr.ª Ministra, concluindo a questão das citações, e prometendo não fazer mais nenhuma, compreendo que V. Ex.ª não se reveja nas execuções de ex-Ministros da Cultura como o Professor Manuel Maria Carrilho e o Professor Augusto Santos Silva, mas esperávamos alguma coerência e continuidade, visto que os senhores são todos do mesmo partido e suportam todos o mesmo tipo de governo. Era isso que esperávamos, mas a Sr.ª Ministra está no direito de não concordar com o que disseram e defenderam os seus antecessores.
Em relação às questões, Sr.ª Ministra, peço-lhe que me diga, se puder, o que está previsto para o Mosteiro de Alcobaça depois das obras de reconstrução e de reabilitação.
Relativamente à questão dos cineteatros, pensa rever o modelo para espaços multiusos, em termos de construções para o futuro? Estão previstas algumas verbas, que tardam, para o acesso de pessoas com deficiências várias aos museus que fazem parte do Instituto Português de Museus? O que é que vai acontecer, de facto, ao Museu de Arte Popular? Relativamente ao IAN/TT, o que lhe perguntei há pouco não se prende com as questões levantadas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, mas, sim à outra parte da entrevista do Professor António Hespanha. O que pergunto é se, no orçamento, estão previstas verbas para acautelar todo o rico património arquivístico que temos.
Estão previstas verbas para a criação de sites com visitas virtuais aos museus? Finalmente, gostava de saber se é verdade que o Museu dos Coches vai mudar. Para onde? Por que não para o Picadeiro Real? Tal faria todo o sentido — há, aliás, exemplos internacionais nesse sentido — e permitiria conjugar a parte museológica com a arte equestre que, como sabemos, é uma das grandes atracções turísticas de Viena.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Estando concluída a terceira ronda de questões, dou desde já a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr.ª Presidente, serei muito breve e começarei por responder às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. Antes de mais, quanto ao Instituto das Artes, assumimos todos os compromissos de apoio que havia a assumir em relação a essa entidade.
Digo-lhe ainda que nenhum ministério da Cultura dialogou tanto com os agentes culturais como este, tendo o novo quadro normativo, aprovado em Conselho de Ministros, sido largamente debatido (diria que foi debatido até à exaustão) com esses agentes. Tal vai permitir no futuro corrigir situações de subfinanciamento crónico, que não são aconselháveis nem desejáveis, permitindo ainda evitar situações de sobrefinanciamento que também identificámos. Não havia, portanto, um sistema adequado à avaliação crítica dos diferentes agentes culturais e não havia sequer qualquer critério sobre núcleos de massa crítica técnico-profissional que permitissem distinguir uns projectos dos outros. Aliás, mesmo depois de o projecto estar em discussão, demos acolhimento a algumas sugestões que nos foram feitas e pensamos, por isso, que o novo quadro de apoio às artes vai ser muito mais eficiente e vai ao encontro dos próprios interesses dos agentes culturais.
Por outro lado, relativamente ao estatuto socioprofissional do artista, que, aliás, está relacionado com esta questão, tenho de refrear o seu entusiasmo quanto à proposta apresentada pela sua bancada. De facto, já estamos a trabalhar com um grupo nomeado e presidido pela Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho e estamos, portanto, a proceder a um estudo bastante aprofundado das situações. Ora, a primeira abordagem que fizemos do projecto apresentado pela sua bancada foi a de que ele é bastante insatisfatório, visto que não contempla a complexidade das questões e não contempla a delicadeza de vários aspectos, designadamente no que se refere a quatro pontos que, pensamos, precisam de um tratamento muito mais aprofundado. Refirome à falta de acreditação profissional, à precariedade contratual, ao desajustamento do tempo de trabalho e à falta de protecção para profissões de desgaste rápido, como a dos bailarinos.
Em relação a estes quatro pontos, que são muito importantes, achamos que o vosso projecto de lei não dá resposta satisfatória suficiente e, por isso, estamos a trabalhar numa proposta de lei que contemple estas questões, e outras, de uma forma mais aprofundada.
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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Podem contar com toda a nossa disponibilidade para isso!
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sr.ª Presidente, vou tentar responder, com brevidade, a algumas questões a que não tive ocasião de responder há pouco e a outras que me foram colocadas nesta última ronda.
Começo por me referir à questão da Sociedade Martins Sarmento, colocada pelo Sr. Deputado do PSD.
Creio que é inequívoca a vontade política do Ministério da Cultura em envolver-se numa solução para a Sociedade Martins Sarmento e já aqui referi que, para esse envolvimento, está, inclusivamente, orçamentado para o corrente ano num montante de 300 000 euros. De resto, estamos a trabalhar conjugadamente com a Sociedade Martins Sarmento e as soluções encontradas têm-no sido em perfeito diálogo, exactamente porque reconhecemos que se trata de uma sociedade que tem um espólio de referência, designadamente ao nível da sua biblioteca e do seu património, quer móvel quer imóvel. Portanto, faz todo o sentido que seja, finalmente, reconhecido à Sociedade Martins Sarmento esse papel.
Agora, entendemos que foge completamente àquela que tem sido a linha estratégica das políticas do Ministério da Cultura não envolver as câmaras que abrigam esta e outras realidades. Temos desenvolvido uma política, de resto numa lógica de descentralização e de desconcentração, de proximidade com as câmaras, o que leva ao envolvimento destas nas suas responsabilidades no desenvolvimento cultural da região.
Não faria qualquer sentido que não houvesse interesse por parte da câmara municipal, que, com certeza, não se alheará (aliás, tem-se preocupado) em se conjugar com o Ministério da Cultura para encontrar uma solução digna para a Sociedade Martins Sarmento, ainda mais agora que estamos às portas, embora algo longínquas, de Guimarães vir a ser capital europeia da cultura.
Neste caso, como em outros — e ainda há pouco o referi na minha intervenção —, procuraremos remeter para a gestão camarária alguns dos museus nacionais que têm uma vertente mais claramente regional. Tratase de uma atitude que é decorrente de uma linha estratégica, de uma opção política estratégica do Ministério da Cultura.
Gostaria também de referir uma outra questão, que me foi aqui reiteradamente colocada pela Sr.ª Deputada do CDS, que tem a ver com o Mosteiro de Alcobaça. E o que lhe vou dizer para o Mosteiro de Alcobaça vale para outros equipamentos ou monumentos que têm sido recuperados na área do património e que precisam inequivocamente de um investimento na sua animação. Essa tem sido, aliás, uma das limitações das políticas de salvaguarda e preservação do património imóvel. De resto, a animação desses espaços não foi devidamente contemplada no quadro comunitário anterior.
Exactamente no âmbito do QREN, aquilo que vamos propor, no âmbito da criação da linha competitividade ou da linha valorização do património e do território — e cabe nas duas, como verificará —, é a criação de instrumentos que nos permitam desenvolver essa questão da animação dos espaços, e alguns deles, recém recuperados, bem precisam. Essa é, de resto, uma das grandes preocupações das câmaras. As autarquias têm-nos manifestado sistematicamente essa preocupação e penso que, de facto, importa desenvolvê-la.
No que diz respeito ao caso concreto do Mosteiro de Alcobaça nada tenho a dizer. O que sei dizer-lhe é que, neste momento, já há projectos a serem gizados pela câmara municipal para animação do Mosteiro de Alcobaça, a fim de serem apresentados e desenvolvidos no âmbito do próximo quadro comunitário. Não posso, realmente, dizer-lhe de que teor, mas ainda há bem pouco tempo falei com o Sr. Presidente da Câmara de Alcobaça a este respeito.
Uma outra questão que também aqui foi colocada reiteradamente pela Sr.ª Deputada reporta-se à questão dos cineteatros. Ora, na minha intervenção inicial, fiz referência a uma intenção do Ministério da Cultura de reavaliar o programa de apoio à criação de cineteatros, exactamente porque temos a percepção de que, à beira do novo quadro comunitário, importa criar novas regras. É claro que, neste momento, em muitos pontos do País, deparamos com equipamentos sobredimensionados ou inadequados às necessidades culturais da região.
De resto, quando, neste quadro comunitário, falamos em cineteatros, como a Sr.ª Deputada sabe, estamos muitas vezes a falar em espaços que têm já outras vertentes. São cineteatros, mas, na verdade, também têm muitas vezes um espaço para exposições ou um espaço para acolhimento de «ninhos» de associações culturais da região. Portanto, faz todo o sentido rever o tipo de programa chamado «Cineteatros» e, provavelmente, poderá vir a ter outro nome. Isto não significa que, no próximo quadro comunitário, não vamos inscrever — iremos fazê-lo — uma linha de prosseguimento das redes de cineteatros, porventura com outro nome, e de programação das mesmas.
Por outro lado, há qualquer confusão por parte da Sr.ª Deputada no que diz respeito à questão do Museu dos Coches, que está sedeado no Picadeiro Real.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Eu disse mal! Era aproveitar o Picadeiro Real, onde está sedeado o Museu dos Coches!
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A Oradora: — A ideia de criar um novo Museu dos Coches é exactamente no sentido de libertar o Picadeiro Real para as funções de picadeiro, porque entendemos que elas têm virtualidades turísticas e culturais que importa potenciar num momento em que queremos revitalizar, ou melhor, criar uma centralidade mais forte no campo cultural na zona de Belém. O Museu dos Coches será construído na mesma zona, no espaço onde actualmente está sedeado o Instituto Português de Arqueologia e onde funcionam outros equipamentos do Ministério da Cultura, basicamente de armazenamento do IPM, mas não só. Portanto, ficará sedeado nesse espaço e será financiado com verbas das contrapartidas do jogo e de instalação do Casino de Lisboa, as quais serão geridas pelo Ministério da Economia, conforme está estipulado por lei. O Museu dos Coches será, por isso, construído na zona de Belém.
No que diz respeito ao Museu de Arte Popular, a resposta é muito clara: vai ser extinto e nesse espaço vai ser criado um outro museu — o nome definitivo ainda não está encontrado — destinado à língua portuguesa e às descobertas. Já tive ocasião de, na minha intervenção de há pouco, fazer referência exactamente a isto.
Trata-se de um museu com um acervo virtual, destinado a ser um centro de habitação da língua portuguesa e das navegações, na medida em que o destino da língua portuguesa, como é de todos nós conhecido, está intrinsecamente ligado ao processo dos descobrimentos.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — E o que é que acontece ao espólio?
A Oradora: — Acho essa pergunta verdadeiramente extraordinária, porque me parece óbvio que o espólio de um museu terá de ser distribuído por outros museus, como acontece sempre que se extingue um museu em qualquer parte do mundo, e não apenas em Portugal. Em qualquer parte do mundo, quando um museu é extinto, colocam-se as colecções que aí estavam depositadas noutros espaços museológicos.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Porque é que a pergunta é estranha?!
A Oradora: — Foi isso que aconteceu, por exemplo, quando foi fechado o Museu Etnográfico do Porto, por condições de precariedade do Palácio de São João Novo, onde, de resto, acabámos de fazer um investimento importante, que foi a sua compra, para instalar uma nova unidade museológica no Porto. Quando o museu foi fechado, há vários anos atrás, evidentemente que o Ministério da Cultura encontrou lugar para depositar o seu espólio. A maior parte da colecção ou, pelo menos, a sua parte mais significativa está no Museu dos Biscaínhos, em Braga, e noutros museus do Norte do País.
Como sabe, neste momento, há uma grande vocação etnográfica na nossa rede de museus. Quer dizer, temos imensos museus etnográficos, por isso não há a mais pequena dificuldade em alojar as colecções do Museu de Arte Popular noutros museus etnográficos, a começar, naturalmente, por um museu que fica no Restelo, a dois passos, que é o Museu Nacional de Etnologia, onde parte dessa colecção, certamente, ficará albergada. Será encontrado destino durante o presente ano para essa colecções.
A respeito da preocupação que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita manifestou, sobre o que pensamos fazer com a criação de passes culturais, gostava de lhe dizer que, de facto, aquilo que projectamos nesse domínio é a criação de um passe que não tem uma vertente tradicionalmente social, na medida em que essas vertentes sociais estão já acauteladas na actual política de ingresso nos museus e nos palácios – por exemplo, para a terceira idade, escolas, grupos escolares, infância –, o mesmo acontecendo com passes múltiplos para turistas, de vários dias. As câmaras já têm acautelada essa solução.
Portanto, não se trata de um passe social, embora seja sempre social, na medida em procurará incentivar o consumo, mas trata-se basicamente de um passe de incentivo ao consumo. Estamos ainda a estudar como se irá processar isso, mas será sempre uma espécie de passe acumulativo de vantagens a partir do momento em que se fizer despesa em cultura. Por isso, é basicamente um passe de incentivo ao consumo na área cultural, mas, como digo, ainda estamos a trabalhar nesse projecto.
Gostava ainda de fazer referência a uma questão que me foi colocada há pouco pelo Sr. Deputado, no que diz respeito ao mecenato, aproveitando, de resto, para fazer também um comentário a uma observação que a Sr.ª Deputada do PS fez há pouco, instando-me a que falasse sobre outras fontes de financiamento para a cultura.
Em primeiro lugar, queria referir que os incentivos contemplados na actual proposta de lei do Orçamento são incentivos que melhoram esta questão, apesar de não terem diferenças profundíssimas e de, porventura, não solucionarem algumas das dificuldades que tem a actual lei do mecenato, sobretudo para as pequenas e médias empresas. Concordo com o Sr. Deputado, no entanto, como reparou, ela amplia o tecto, sem mexer nas majorações, aliás, também não se justifica que mexa.
A nossa Lei do Mecenato tem majorações idênticas e, até, tendencialmente melhores do que as de muitos outros países da Europa, portanto, não há qualquer razão para aumentar a majoração, mas há a questão do plafond, do tecto estipulado, que é maior. Isto é, as empresas podem propor-se a um tecto de mecenato maior. Ora, isto é bastante importante, sobretudo para as grandes empresas, que, como sabe, são tradicionalmente os maiores mecenas do Ministério da Cultura.
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57 | II Série GOPOE - Número: 003 | 27 de Outubro de 2006
De alguma forma, respondendo também ao repto da Sr.ª Deputada do PS, uma das fontes de financiamento do nosso orçamento é o mecenato, pelo que estamos a desenvolver esforços, e pode crer, Sr. Deputado, que esta será uma das áreas em que vamos procurar fazer uma investida (estou certa que com êxito), aproveitando os incentivos ao mecenato, inclusivamente, reconquistando mecenato – por exemplo, para o Teatro D. Maria II, que perdeu o seu mecenas em 2005 e entendemos que importa recuperá-lo, embora não seja forçosamente o mesmo, como é evidente, mas importa recuperar um grande mecenas.
Temos mecenato significativo quer na área dos museus quer na dos organismos de produção cultural. O Teatro Nacional São João, o Teatro Nacional de São Carlos, a CNB, e muito especialmente os museus, mas não apenas os museus, também os monumentos, têm apoio mecenático, e é aí que os nossos grandes mecenas mais têm manifestado o seu apoio.
Temos desenvolvido um grande trabalho nesse domínio e as receitas próprias do Ministério da Cultura aumentaram 7% este ano, não apenas pelo mecenato mas, como eu disse, também por causa de receitas próprias dos organismos de expressão artística e do IPM, sobretudo, mas também por outras fontes de financiamento relacionadas com o mecenato, e vamos continuar a desenvolver trabalho neste domínio.
Entendemos que a sociedade civil pode, e deve, ser envolvida em projectos culturais, exactamente, através do mecenato. Iremos procurar criar incentivos de outra natureza (estamos a trabalhar nisso com o Sr. Ministro da Finanças), para além dos incentivos tradicionais de mecenato. Inclusivamente, vamos procurar enquadrálos na regulamentação da lei do património, que estamos a levar a cabo.
Reportando-me ainda à intervenção da Sr.ª Deputada do PS, que saudou a reutilização que vamos incentivar do espaço de S. Bento da Vitória, quero também referir que passará a ser gerido pelo Teatro Nacional São João. Isso vai significar não apenas mais um espaço onde, no futuro, o Teatro Nacional São João poderá vir a desenvolver a sua actividade artística, performativa, e não só a sua, porque aquele é um espaço vocacionado para teatro e, sobretudo, para a música. Portanto, importará que essa programação na área da música se desenvolva num outro enquadramento.
Por outro lado, isso vai possibilitar diminuir também custos do Teatro Nacional São João, na medida em que serão transferidos, além dos serviços de contabilidade, uma série de outros serviços, designadamente a própria sala de ensaios passará a localizar-se no espaço de São Bento da Vitória. Isto vai permitir também que os espaços tradicionais de ensaio do Teatro Nacional São João e os do Teatro Carlos Alberto (TeCA) possam ser usados com mais eficácia pelas companhias que são acolhidas pelo Teatro Nacional São João e pelo TeCA, designadamente companhias do Porto e da região norte.
Assim, evidentemente, poupa-se o aluguer de tudo isso, que pesava no orçamento do Teatro Nacional São João, passando a ter também uma fonte de financiamento significativa no espaço de São Bento da Vitória, porque este espaço já é rentabilizado com a utilização de foro privado, por instituições que alugam aquele espaço para actividades. Já hoje acontece assim, de resto já acontecia com o INP, e continuará a poder acontecer.
Quero ainda responder à Sr.ª Deputada do CDS-PP, pois tenho de insistir no seguinte: não tenho de concordar nem de discordar dos meus antecessores nesta pasta. Aliás, não lhe disse se concordava ou se discordava, essa é uma interpretação da Sr.ª Deputada. Apenas lhe disse que não me cabe estar aqui a tecer considerandos, entendo que não o devo. A mim cabe-me, sobretudo, responder aqui por aquilo que executei e por aquilo que me proponho executar. É para isso que aqui estou e é isso que importa que eu faça.
Portanto, Sr.ª Deputada, não faça interpretações daquilo que eu não disse. Quer dizer, não me revi, nem deixei de me rever, pura e simplesmente não me pronunciei sobre esse assunto, entendo que não tenho de me pronunciar e que tenho apenas de responder pela minha execução e pelo orçamento que venho aqui defender.
Por último, vou tecer algumas considerações finais, muito brevemente, reiterando o seguinte: embora eu não estivesse, evidentemente, à espera que os Srs. Deputados, particularmente os Srs. Deputados da oposição, me dessem parabéns nem pelo orçamento nem pelas minhas opções na sua gestão, já podia esperar, designadamente da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, por parabéns no que diz respeito à execução do orçamento para 2006.
Para terminar, aquilo que quero reiterar é que o orçamento que aqui apresentei é um orçamento de verdade – reitero-o contundentemente. A prova maior que posso trazer de que este é um orçamento de verdade é exactamente a capacidade de execução que manifestei no que diz respeito ao orçamento para 2006. Permitam-me insistir: pela primeira vez, aproximamo-nos dos 100% e executamos mais do que qualquer governo anterior, com orçamentos iniciais muito superiores àquele que tivemos em 2006.
Por outro lado, quero reiterar que este é um orçamento de solidariedade com o Governo e, dentro do Ministério da Cultura, de solidariedade entre os vários organismos. Insisto nisso! Por último, gostava de reiterar aquilo que é óbvio: estamos perante um orçamento de contenção, mas um orçamento que vai permitir, como já o permitiu o de 2006, solidificar menos despesas e consolidar mais receitas. Na verdade, conseguimos, em 2006, solidificar menos despesas, inclusivamente com custos de pessoal, que é, como sabem, um dos pesos excessivos do Ministério da Cultura, mesmo antes de termos avançado com o PRACE, e conseguimos também mais receitas.
Era fundamente isto o que queria reiterar e, por mim, terminei.
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58 II SÉRIE-OE — NÚMERO 3
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Em relação a Vila Flor, não pode dar um esclarecimento, ainda que em 10 segundos?
A Oradora: — Sr. Deputado, no que diz respeito a Vila Flor, posso dizer-lhe que sei que há um protocolo assinado, mas até ao momento eu não tive condições de poder responder a esse protocolo. Aliás, não é o único que o Ministério da Cultura foi assinando ao longo dos vários governos, de uma forma mais ou menos sistemática, em todo o país e que, depois, não teve condições de cumprir. Acontece que, até ao momento, eu não tive condições para os cumprir.
Aquilo que publicamente referi na abertura do Centro Cultural de Vila Flor foi que entendia (continuo a entender isso e, através do Território Artes, espero podermos responder a essa minha afirmação), relativamente a esses espaços que não tiveram o apoio do Ministério da Cultura ou do programa operacional da cultura para a sua construção física, que deve haver uma atenção particular no que diz respeito ao apoio à programação. Reitero, pois, essa intenção e, de facto, gostava de rectificar que não fiz essa referência nos termos em que o Sr. Deputado aqui colocou a questão.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado!
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à mesa.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Qual é o objecto da sua interpelação, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço muita desculpa, mas tem estado na ordem do dia a questão do fim de algumas isenções fiscais para as pessoas com deficiência. A posição do CDS tem sido a de entendermos que não há uma política global e eu pedia à Sr.ª Ministra que respondesse apenas com um «sim» ou com um «não» sobre se estão previstas verbas para a adaptação de museus para pessoas com deficiência, nomeadamente pessoas com deficiências motoras.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.
A Sr.ª Ministra da Cultura: — Sr.ª Deputada, estão certamente, por exemplo, no Instituto Português de Museus, no IPPAR e no IPLB, como já têm estado noutros anos. Nesses orçamentos tem havido medidas para tratar exactamente essas situações.
Uma das questões que, como sabe, se têm colocado e que tem vindo a ser respondida pelos vários organismos é a questão das acessibilidades. Portanto, certamente que terão sido previstos pelos vários organismos orçamentos para responderem a essas questões. Não posso precisar-lhe, como pode imaginar, se o Instituto Português de Museus, o Instituto Português do Património Arquitectónico, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas… Não sei responder com rigor a essa sua observação, posso é garantir-lhe que tem sido política do Ministério da Cultura preocupar-se em responder a essas situações e tudo indica que continuará a ser.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, só queria acrescentar que temos, aliás, uma preocupação pró-activa em relação ao problema de deficiência, porque, no âmbito do apoio às artes, estamos a desenvolver, precisamente com a Secretaria de Estado da Reabilitação, programas que tendem a permitir uma afirmação do artista deficiente enquanto artista, para além de qualquer discriminação, portanto, estamos a trabalhar neste sentido com muito empenho.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, penso que estamos em condições de encerrar esta reunião.
Creio que foram 4 horas em que conseguimos aprofundar o orçamento do Ministério da Cultura.
Queria agradecer mais uma vez à Sr.ª Ministra e ao Sr. Secretário de Estado pela disponibilidade e aos colegas que contribuíram para aprofundar este debate.
A próxima reunião realizar-se-á amanhã, às 9 horas e 30 minutos, e destina-se a ouvir o Sr. Ministro da Saúde e a aprofundar o orçamento do seu Ministério.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 22 horas e 55 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.