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Sábado, 28 de Outubro de 2006 II Série-OE — Número 4

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS

Reunião de 27 de Outubro de 2006

SUMÁRIO O Sr. Presidente (Patinha Antão) declarou aberta a reunião às 9 horas e 45 minutos.
Prosseguiu a preparação do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/X — Orçamento do Estado para 2007, tendo as equipas governamentais dos Ministérios da Saúde e da Educação apresentado à Comissão os respectivos orçamentos.
Relativamente ao orçamento Ministério da Saúde, o Sr.
Ministro (Correia de Campos) e o Srs. Secretários de Estado da Saúde (Francisco Ramos) e Adjunta e da Saúde (Carmen Pignatelli) deram resposta às perguntas formuladas pelos Srs. Deputados Regina Ramos e Carlos Andrade Miranda (PSD), Maria Antónia Almeida Santos (PS), Bernardino Soares (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP), João Semedo (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Manuel Pizarro (PS), Ana Manso (PSD), Jorge Almeida (PS), Helder Amaral (CDS-PP), Agostinho Lopes (PCP) e Ricardo Gonçalves (PS).
No debate do orçamento do Ministério da Educação, intervieram, além da Sr.ª Ministra (Maria de Lurdes Rodrigues) e do Sr. Secretário de Estado da Educação (Valter Lemos), os Srs. Deputados Emídio Guerreiro (PSD), Fernanda Asseiceira e Paula Barros (PS), Luísa Mesquita (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Cecília Honório (BE), Francisco Madeira Lopes (BE), Fernando Antunes (PSD), Odete João (PS), Eugénio Rosa (PCP) e Maria Júlia Caré e Bravo Nico (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 9 horas e 45 minutos.

Sr. Ministro da Saúde, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros da Comunicação Social, Minhas Senhoras e Meus Senhores, vamos iniciar a audição do Ministério da Saúde, no âmbito da apreciação, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2007.
Como sabem, esta é uma reunião conjunta das Comissões de Orçamento e Finanças e de Saúde, pelo que tenho ao meu lado a Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde.
De acordo com a metodologia que seguimos, os trabalhos decorrem do seguinte modo: começamos com uma intervenção inicial do Sr. Ministro da Saúde, que terá uma duração até 20 minutos, à qual se seguirá uma primeira ronda de perguntas, para as quais os porta-vozes de cada partido disporão de 10 minutos, após o que o Sr. Ministro responderá em bloco a essas questões, dispondo, para o efeito, de cerca de 40 minutos; seguir-se-á, depois, uma segunda ronda, com intervenções reduzidas a metade do tempo e resposta igualmente reduzida a metade do tempo.
Dito isto, e interpretando também, certamente, o desejo de boas-vindas, quer por parte da Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde quer por parte de todas as Sr.as e Srs. Deputados, endereço ao Sr. Ministro e aos Srs.
Secretários de Estado os nossos cumprimentos e o desejo de que esta nossa reunião seja profícua e útil, ao serviço dos portugueses.
Para a intervenção inicial, tem, então, a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Correia de Campos): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srs. Presidentes das Comissões de Orçamento e Finanças e de Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: O Orçamento que VV. Ex.as conhecem já, no capítulo respeitante à saúde, é um orçamento exigente e rigoroso, é um orçamento com responsabilidade social solidária, é um orçamento planeado estrategicamente para obter e ampliar ganhos em saúde, é um orçamento que defende e valoriza o Serviço Nacional de Saúde e é, naturalmente, um orçamento que desagrada às oposições, e todos compreendemos porquê.
Em primeiro lugar, o orçamento é exigente e rigoroso: a despesa total não cresce e até se reduz aqui e ali; reduz os gastos com medicamentos 6 pontos percentuais, em ambulatório, e 6 pontos percentuais, nos hospitais; congela o actual nível de despesa em meios complementares de diagnóstico e terapêuticos; contém os gastos com pessoal; permite o desenvolvimento controlado dos serviços de primeira linha — hospitais e centros de saúde —, os quais são dotados para crescerem ligeiramente mas controladamente; controla o défice de exercício em valores toleráveis.
O orçamento é um orçamento feito com responsabilidade social solidária: a dotação orçamental para o Serviço Nacional de Saúde aumenta pouco, certamente, mas aumenta 0,5.
Este orçamento dota os cuidados continuados a idosos — que é uma das grandes áreas de intervenção que tem vindo a ser omitida, sucessivamente, durante muitos e muitos anos, e que hoje se encontra na primeira linha das nossas preocupações — com 60 milhões de euros, para levar a solidariedade e os cuidados de saúde a todos aqueles que, passada a fase aguda da sua hospitalização, precisam de fazer o interface com o regresso à comunidade.
Este orçamento permite também lançar unidades de saúde familiares. Iremos alcançar 200 unidades de saúde familiares no final do ano de 2007, o que significa que ampliamos a qualidade do atendimento nos cuidados primários, ampliamos a universalidade, porque cada unidade de saúde familiar alarga o número de pacientes inscritos nas listas e melhoramos, consideravelmente, a equidade, porque, como sabeis, há 700 000 pacientes que não têm médico de família e, desses, várias centenas de milhares vão beneficiar desta medida.
Finalmente, este orçamento reorganiza a malha de serviços, nomeadamente dos serviços de urgência e emergência, para que não persistam, como hoje, 450 000 pessoas a mais de uma hora de distância e para que não persistam, provavelmente, sequer, 60 000 a mais de 30 minutos em meio rural.
Em terceiro lugar, este orçamento é planeado com estratégia para ganhos em saúde: aumenta o investimento no sector da saúde — 10% na dotação para investimento e 4% na previsão de execução orçamental; as tecnologias de informação e comunicação e os sistemas de informação são dotados com 40 milhões de euros, para continuar o esforço de modernização dos sistemas que foi realizado em 2006; reserva 5 milhões de euros para investigação em saúde, investigação que amplie e desenvolva o conhecimento e aperfeiçoe o funcionamento futuro do sistema; aumenta e melhora o acesso e a referência dos pacientes, com o Call Center, que entrará em funcionamento justamente neste ano e que tem uma dotação específica para esse efeito; avança na modernização da malha hospitalar, melhorando a sua coordenação e a sua gestão — haverá novas EPE já este ano e no próximo; novos centros hospitalares abrirão — já abriu o de São Brás de Alportel, em parceria público/privada, e Cascais terá o seu início de concretização.
Em quarto lugar, este orçamento defende e valoriza o Serviço Nacional de Saúde. Porquê? Porque gere melhor os recursos disponíveis, porque reparte melhor, com equidade, os sacrifícios, porque amplia a qualidade dos serviços, porque mantém e reforça a matriz pública dominante na sua prestação, porque melhora a acessibilidade e porque mantém a sua tendencial gratuitidade. Cerca de 55% dos portugueses, ao contrário

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do que algumas «Cassandras» tentaram fazer crer, não pagam nem pagarão taxas moderadoras. E 5 euros por dia para o internamento, Sr.as e Srs. Deputados, não têm qualquer proporção com os custos reais de um internamento, que andam acima dos 460 euros nos hospitais centrais e dos 350 euros nos hospitais distritais.
Finalmente, este Orçamento reforça a viabilidade e a sustentabilidade financeiras do modelo de Serviço Nacional que temos. Desiludam-se os que julgam que vamos assistir ao fim do Serviço Nacional de Saúde! Pelo contrário, temos um ano de exercício em que demonstramos a sua viabilidade e a sua sustentabilidade.
Naturalmente, este Orçamento desagrada às oposições. E sabem porquê, Sr.as e Srs. Deputados? Porque ele vai ser cumprido, como o de 2006, e, provavelmente, VV. Ex.as não acreditavam que isso fosse possível.
Aliás, ainda na última reunião com estas Comissões Parlamentares houve Srs. Deputados que não acreditaram nos nossos números. Espero que, agora, estejam mais convencidos…! A verdade é que o Orçamento do Estado para 2007 vai ser cumprido, como foi o de 2006, e não vai ser violado.
Mas este Orçamento também desagrada aos Srs. Deputados da oposição porque valoriza o Serviço Nacional de Saúde, torna-o mais moderno e mais ágil. Não ignoro que, para alguns de VV. Ex.as
, o melhor seria destruir o Serviço Nacional de Saúde, embora possam dizer o contrário, e também não ignoro que, para outros, o melhor seria «engordar» o Serviço Nacional de Saúde, e «engordá-lo» tanto que se destruíssem a economia e o País. Não, Sr.as e Srs. Deputados! Não é assim que se gere! Gere-se com equilíbrio, com justiça interna, com solidariedade, com equilíbrio cuidadosamente pensado e calibrado, como se fez com a repartição dos sacrifícios, que tem um saldo positivo agregado para a população, e com o controlo da instabilidade e da conflitualidade entre parceiros.
Sr.as e Srs. Deputados: Se, porventura, duvidam, comparem, pura e simplesmente, estes 10 meses de execução orçamental, a estabilidade do sector, com a estabilidade de anos anteriores. Comparem, por favor! Leiam os recortes de imprensa e verão por que é que este Orçamento também desagrada a quem quer investir na conflitualidade.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Não lhes interessa!

O Orador: — Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, as oposições, naturalmente, tentam gerar alguma confusão, tentam lançar algumas areias na engrenagem, aqui e ali tentam a omissão, aqui e ali tentam a falta à verdade, mas os factos e o registo deste ano não vos dão razão, Sr.as e Srs. Deputados da oposição!! Vejamos o caso das maternidades! Alguns de VV. Ex.as
, Sr.as e Srs. Deputados, clamaram fragorosamente, contra o Ministério da Saúde e contra o Governo, pela retirada de direitos sociais e pelo encerramento ou concentração das maternidades.
Vejam o que se passou! Estamos a caminho de se fazer a concentração total das salas de parto, que estava prevista pelas comissões técnicas competentes, e as populações, quando interrogadas, dizem que estão, agora, melhor do que estavam.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Ai sim?!

O Orador: — O vosso ruído de nada serviu — pelo contrário, só prejudicou! Quanto às taxas, no internamento, os tais 5 euros no internamento, sei que muitas pessoas tentaram escamotear a verdade, que há cerca de 55% ou mais de pacientes portugueses isentos de taxas moderadoras. Houve muita tentativa de manipulação de textos e de números.
O caso dos encerramentos dos SAP periurbanos, os «fogos fátuos» de pseudo-conflitualidade, as fictícias comissões de utentes de saúde que alguns de VV. Ex.as e os partidos que vos apoiam tentaram criar, aqui e ali, à porta dos centros de saúde, como hoje tentam criar, sempre que alguns ministros ou o próprio PrimeiroMinistro se deslocam a iniciativas internas, partidárias… Nunca se viu uma realidade destas!! Sr.as e Srs. Deputados: Vejamos o caso da reconversão do Hospital do Desterro. Alguns de VV. Ex.as protestaram rudemente contra o encerramento, quando não está na agenda, na ordem do dia, nem nunca estará, porque o Desterro vai ser reconvertido numa unidade de saúde para pessoas idosas — fiquem a saber! O mesmo se diga do protesto pelo Centro Materno-Infantil do Norte. Finalmente, agora, o Tribunal de Contas veio dizer que, realmente, o Ministério da Saúde não só nada deve como pagou demais.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Felizmente, não foi este Ministro da Saúde nem este Ministério da Saúde! Vemos o caso do Hospital Pediátrico de Coimbra, onde várias pessoas agitaram a bandeira populista e regionalista e escamotearam os erros de gestão e de construção que ali foram criados.
Vemos também o caso, este positivo, do hospital do Seixal, onde, felizmente, apesar do bombardeamento de telegramas e de faxes, a razão prevaleceu e as pessoas perceberam que o Ministério da Saúde não tinha qualquer partis-pris ideológico…

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Fale do Orçamento!

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O Orador: — … e fez aquilo que devia fazer, que era atribuir uma alta prioridade ao hospital do Seixal.
Concluo, Sr.as e Srs. Deputados, dizendo que lamento que o vosso desagrado seja o sinal da qualidade deste Orçamento.
Lamento que a agressividade verbal que alguns de VV. Ex.as
, presentes nesta Sala, têm usado, nos últimos dias, seja o sinal da vossa falta de argumentos.
Lamento também a duplicidade do pensamento orçamental de alguns de vós.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Ai é?!...

O Orador: — Vamos assistir hoje, também, uma vez mais, a dizerem, como já disseram, que o Orçamento é excessivo, a nível macro, e que é insuficiente a nível micro. Por favor, antes de falarem, resolvam as vossas contradições intelectuais! Este Orçamento, Sr.as e Srs. Deputados, não pode ser, da parte da oposição, um sinal da vossa incapacidade ou alienação do quotidiano. Todas as sugestões, e estamos a entrar na discussão na generalidade, que sejam positivas serão estudadas cuidadosamente e aquelas que forem consensuais e tiverem justificação serão aceites e adoptadas, certamente, pelo partido que apoia o Governo e também pelo Governo, embora a decisão seja essencialmente vossa, como sabem.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro da Saúde, antes de mais, quero dizer-lhe que gastou menos tempo do que aquele de que dispunha, o que é positivo.
Porém, Srs. Deputados, esta intervenção da equipa governamental não se esgota na intervenção do Sr.
Ministro, vai ser continuada pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah!… Agora, sim, vai começar o debate do Orçamento.

O Sr. Presidente: — … que dispõe de cerca de 8 minutos.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Francisco Ramos): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde, Srs. Deputados: No que respeita ao conjunto de documentação que têm na vossa posse gostava de chamar a atenção apenas para alguns pontos. A preocupação da informação adicional que distribuímos foi exactamente a de manter a linha de coerência e o formato de apresentação com aquilo que aconteceu há um ano para se poderem avaliar as tendências de execução orçamental que têm acontecido.
Em relação à previsão da execução orçamental para este ano, base da construção do Orçamento para 2007, gostaria de chamar a atenção para o facto de haver uma actualização da previsão que discutimos nestas comissões há poucas semanas. Os números não têm uma grande diferença, mas há uma actualização em relação àquilo que apresentámos e discutimos há duas ou três semanas. A razão para isso é que nessa altura estávamos a trabalhar com os dados do primeiro semestre e, nesta altura, já foi possível actualizar essa previsão com dados relativos a Agosto, ainda sem o terceiro trimestre estar completo.
De qualquer forma, a conclusão inequívoca é a de que globalmente os números se mantêm. Portanto, há ajustamentos em cada uma das componentes, mas estamos em condições de assegurar que o orçamento que aqui apresentámos há um ano tem todas as condições para ser cumprido. E, de facto, provavelmente, de uma forma que é muito rara, a execução orçamental do Serviço Nacional de Saúde ficará muito próxima do orçamento que aqui apresentámos há um ano.
Conforme o Sr. Ministro acabou de referir, esse é um facto que reforça o Serviço Nacional de Saúde, credibiliza-o, cria-nos a todos condições para actuarmos melhor a todos os níveis na saúde em Portugal, a nível de cada serviço, das administrações locais, a nível regional, central e político. É, pois, um facto que vale a pena ser assinalado e reforçado sem sombra de dúvida, porque contribui de uma forma muito positiva para todos aqueles que querem um sistema de saúde forte, moderno e capaz de resolver os problemas de todos nós.
Em relação a 2007, estão aqui os mapas que desenvolvem a conta do Serviço Nacional de Saúde. Há um aumento da transferência do Orçamento do Estado em 0,5 pontos percentuais, portanto, uma tendência positiva num orçamento que globalmente tem restrições e aponta para uma redução da despesa pública; há um aumento nas verbas destinadas ao investimento, conjugando aqui os fundos comunitários com o PIDDAC, com origem em fundos nacionais, de cerca de 10%. Há ainda um aumento de 22% nas prestações de serviços, nas chamadas receitas próprias dos serviços do SNS, que se deve a quatro factores: à tabela de preços de facturação aos subsistemas que entrou em vigor em Agosto deste ano e que fará sentir os seus efeitos por todo o próximo ano, enquanto que em 2006 apenas se sentiram efeitos por cinco meses; às novas taxas moderadoras; ao aumento da tabela das taxas moderadoras, que prevemos fazer no próximo ano, em cerca de 2%, conforme a inflação; e ainda a uma melhoria da eficácia da cobrança deste tipo de receitas, que se

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mantém ainda a níveis muito baixos, pouco mais de 30%, e que cremos claramente ser capazes de fazer melhor.
Outro ponto que gostaria de salientar a nível das receitas é a importância que tem a decisão do Governo de clarificar a atribuição das verbas provenientes dos jogos sociais. Foi possível já este ano atribuir ao Ministério da Saúde cerca de 140 milhões de euros quase na totalidade destinados ao programa Rede de Cuidados Continuados de Saúde a Idosos e Dependentes. Há também verbas para a luta contra o HIV/SIDA e para oncologia, mas a grande maioria destas verbas é exactamente para financiar o programa Rede de Cuidados Continuados de Saúde a Idosos e Dependentes. E essa é a forma adequada e correcta de criar um programa novo que é um emblema e o tapar de um buraco que o Serviço Nacional de Saúde tinha há muitos anos e que pode ser assim executado de um modo que tem um financiamento claro e assegurado.
Para concluir o raciocínio do lado da receita, estamos a prever para 2007 uma manutenção da receita em termos globais ao nível deste ano.
Do lado da despesa temos objectivos difíceis e exigentes. Desde logo a manutenção das despesas com o pessoal, ou seja, o não aumento dos encargos com o pessoal. Naturalmente, não está considerada a possível revisão da tabela salarial, isso está de fora, mas todos os aumentos decorrentes de reclassificações, de novas admissões têm de ser absorvidos pelos serviços com melhor organização, redução de horas extraordinárias e também com a utilização das novas regras da mobilidade. Prevê-se 4% para as rubricas seguintes, que fundamentalmente são hospitalares, compras e fornecimentos e serviços externos, ou seja, voltamos um objectivo de aumento de 4%, porque sabemos claramente, e já este ano há evidência suficiente, porque estamos aqui a falar de medicamentos hospitalares, que as causas do aumento da despesa são medicamentos oncológicos, os medicamentos para o HIV-SIDA e, portanto, há que encontrar espaço para um crescimento da despesa nessas rubricas.
Não queremos, ao contrário do que se diz por vezes, impedir a inovação terapêutica em Portugal, antes pelo contrário, queremos exactamente encontrar o espaço orçamental para que essa inovação possa fazer-se com regras, com rigor e com exigência. Por isso é exactamente nestas rubricas que permitimos um aumento ou que o nosso objectivo é mais amplo, de crescimento de 4%.
No que se refere aos medicamentos em ambulatório prevemos uma redução forte, fruto das medidas que propusemos no orçamento: uma redução de 6% conjugada com uma redução das taxas de comparticipação, o que quer dizer para o Serviço Nacional de Saúde uma redução de cerca de 6,5% na despesa, mas também com um saldo positivo de redução na despesa dos portugueses em medicamentos; um tecto zero nas convenções; uma redução em outros subcontratos, o que quer dizer, fundamentalmente, que os hospitais públicos terão mais capacidade de resolver e de serem capazes de não adquirir serviços a terceiros, ao sector privado; e um aumento de 4% nas imobilizações nas despesas de investimento.
Termino, Sr. Presidente, chamando a atenção para o seguinte ponto: o total da despesa do exercício que estamos a estimar para 2007 é de 0,8%, fazendo com que este seja um orçamento exigente, coerente com o Orçamento do Estado de redução da despesa pública, mas não deixando de acolher na saúde um aumento da despesa que me parece importante.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está lançado o debate. Vamos agora proceder como é habitual à primeira intervenção será da parte do PSD, cujo tempo será dividido por dois Srs. Deputados. A primeira parte desta intervenção está cargo da Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde e restantes membros da equipa, Caros Colegas, Srs. Jornalistas, os meus cumprimentos.
Sr. Ministro, vou começar por dizer uma coisa olhos nos olhos: a duração desta audição é de quatro horas sensivelmente. O Sr. Ministro poderá estar aqui quatro horas, quatro dias ou, eventualmente, quatro semanas mas não vai conseguir convencer os portugueses de que não lhes mentiu e de que o seu orçamento não contém um novo imposto. É inútil o senhor gastar tempo a explicar o que é inexplicável. O senhor, com a introdução das eufemisticamente apelidadas taxas moderadoras está a criar um novo imposto e os portugueses já perceberam isso. É, por isso, inútil qualquer explicação sobre isto, porque o seu orçamento está «assassinado» e o Sr. Primeiro-Ministro, provavelmente, vai ficar muito zangado consigo por o Sr. Ministro, com esta medida, ter descredibilizado completamente o Orçamento.
Sr. Ministro, lembra-se do artigo que V. Ex.ª escreveu há dois anos sobre as taxas de fim de verão?

O Sr. Ministro da Saúde: — Leia todos!

A Oradora: — Pois bem, o Sr. Ministro, neste orçamento, com estas eufemisticamente apelidadas taxas moderadoras não está a criar novas taxas moderadoras porque elas não servem para moderar o que quer que seja — não se moderam os internamentos nem as intervenções cirúrgicas porque não são uma escolha do utente nem do doente, trata-se de uma escolha determinada pelo médico. O que o senhor está a criar é um imposto, e não é um imposto de fim de Verão, é um imposto outonal ou, para ser mais rigorosa, um imposto da «queda da folha».

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Assuma, Sr. Ministro, perante este Hemiciclo e perante os portugueses as suas incoerências intelectuais.
V. Ex.ª falou há pouco das incoerências intelectuais da oposição,…

Risos do PS.

… assuma as suas! E eu até lhe leio o artigo para V. Ex.ª ter a percepção do que disse há dois anos.
V. Ex.ª dizia há dois anos: «não haverá então espaço para modernizar a Administração das taxas moderadoras ganhando em receita sem perder em justiça social?» V. Ex.ª, hoje, está a aplicar este conceito de que as taxas eufemisticamente chamadas de moderadoras por V. Ex.ª são um imposto, uma receita para o financiamento do Serviço Nacional de Saúde,…

Risos do PS.

… mas de justiça social nada têm, nada!!

Protestos do PS.

Não estejam nervosos! Acredito que os senhores tenham muita dificuldade em apoiar este orçamento. Não estejam nervosos e não ponham o Sr. Ministro nervoso!

Protestos do PS.

Portanto, como eu estava a dizer, de justiça social nada têm, porque o senhor está a onerar, mais uma vez, os utentes com um imposto em áreas que, neste artigo, dizia deverem ser proporcionalmente inversas ao valor do pagamento de taxas moderadoras. Mais: o Sr. Ministro converteu-se num verdadeiro «aprendiz de feiticeiro». O senhor lembra-se de que escreveu que «injustiças fiscais corrigem-se no sistema fiscal, não pelo sistema de saúde, sempre mau aprendiz de feiticeiro nestas matérias»? O que V. Ex.ª fez foi converter-se num «aprendiz de feiticeiro»…! Sr. Ministro, diga com honestidade aos portugueses que o que quer com a criação deste novo imposto é o co-pagamento pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde! Leia e assuma o que escreveu no preâmbulo do Orçamento do Estado (na pág. 17): «No que respeita ao sistema de saúde, o Orçamento do Estado para 2007 integra um conjunto de medidas muito vigorosas que tem um significativo impacto imediato na contenção da despesa pública em 2007 e, simultaneamente, dá continuidade à racionalização e reforma da gestão do sistema hospitalar e, em sentido mais lato, do financiamento do Sistema Nacional de Saúde». E aponta, imediatamente, o alargamento da aplicação deste novo imposto aos internamentos e às operações cirúrgicas.
Sr. Ministro, não lhe quero lembrar as críticas dos seus camaradas, porque já foram sobejamente lembradas. O senhor, aliás, deve ter insónias só de pensar nelas — quiçá, pesadelos!!...

Risos do PS.

Para terminar, uma vez que já me estou a alongar nesta minha intervenção, queria só perguntar-lhe…

Pausa.

O Sr. Ministro não consegue esconder que esse seu sorriso é de nervos, é um sorriso nervoso…

Vozes do PS: — Ohhh!…

A Oradora: — Considera que as taxas moderadoras podem, ou não, ter uma função de co-financiamento do Serviço Nacional de Saúde? Considera que a introdução destas taxas moderadoras no internamento pode «moderar» o aceso ao internamento? Considera que a introdução de taxas moderadoras na cirurgia de ambulatório pode moderar a procura destas cirurgias?

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr.ª Deputada.
Para complementar a utilização do tempo por parte do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Srs. Presidentes, Sr. Ministro da Saúde: Como V. Ex.ª muito bem já percebeu, este Orçamento não merece a aprovação dos portugueses.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Ohhh…!!

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O Orador: — Sob a capa de um rigorismo orçamentista, aquilo que efectivamente esconde é uma tentativa de racionar os serviços de saúde para os portugueses.
Dada a exiguidade do tempo, gostaria apenas de falar-lhe em dois ou três exemplos muito rápidos.
Um tem a ver com o facto de, em 2006, V. Ex.ª ter reduzido administrativamente, em cerca de 5%, o preço dos serviços convencionados com o Estado — aliás, um tipo de ilegalidade que, um dia (que se espera breve), terá de acabar. V. Ex.ª não monitorizou, entretanto, as consequências que daí possam ter advindo para os utentes.
Não tem, pois, o Sr. Ministro qualquer noção do impacto dessa medida. Apesar disso, apesar de saber que caminha claramente no escuro, para o ano 2007 propõe plafonar as despesas com as convenções. Isto é: quer o Estado requisite 10 quer requisite 20 serviços de imagiologia, por exemplo, propõe-se pagar apenas 10. O preço deixa de ser fixo, passando a flutuar em termos inversamente proporcionais.
Pensamos estar a antever, com algum realismo, que a consequência disto será, naturalmente, a retracção dos prestadores de serviços em ultrapassar o limite do ano anterior, a acumulação de pedidos não satisfeitos, a formação de listas de espera para os meios complementares de diagnóstico, atrasos fatais no diagnóstico clínico, corrida desnecessária às urgências hospitalares.
O Sr. Presidente da Entidade Reguladora da Saúde não tem dúvidas em declarar que esta política visa limitar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Que «antídoto» tem V. Ex.ª para obviar a esta situação? O segundo exemplo tem a ver com a péssima gestão dos recursos humanos sob a alçada do Ministério da Saúde. A confusão que grassa no sector já deu causa directa à baixa significativa da qualidade do atendimento nas urgências hospitalares, à redução dos efectivos das equipas de urgência nos hospitais, sobretudo aos fins-de-semana, à diminuição das cirurgias, à sobrecarga do SIGIC (Sistema de Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) —…

Protestos do PS.

… 227 997 portugueses inscritos —, ao aumento de despesa com pessoal.
Pergunto ao Sr. Ministro: a precipitação com que está ser implementado o encerramento das urgências hospitalares ficará a dever-se a esta desorganização dos recursos humanos, de tal modo que V. Ex.ª já só os consegue gerir se os concentrar todos à beira-mar? É já a contar com o aumento que o Sr. Ministro vai pagar a terceiros que venham substituir os médicos do Serviço Nacional de Saúde que fez inscrever, na sua proposta de orçamento, um aumento considerável com a aquisição de serviços a terceiros? Finalmente, Sr. Ministro, reporto-me às transferências a que se refere o artigo 6.º — transferências para os hospitais-empresa, para os hospitais empresarializados, os EPE. V. Ex.ª tem previsto, não ao nível destas transferências, os contratos-programa e estão orçamentados os valores inerentes aos contratos-programa. No entanto, inscreveu as transferências a que alude o artigo 6.º em branco — um cheque completamente em branco, sem limite e sem regra. Não se sabe quanto é que será transferido durante o ano para os hospitais empresarializados. Este é um dos muitos exemplos de falta de rigor na proposta de orçamento de V. Ex.ª A última questão tem a ver com a diminuição substancial do orçamento previsto para o socorro préhospitalar, a diminuição do orçamento do INEM. Se não forem reforçados os meios do INEM, esta reforma das urgências hospitalares pretendida por V. Ex.ª não tem quaisquer condições para funcionar! E não sou eu, como V Ex.ª sabe, quem o diz.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, Sr. Secretário de Estado: Para começar, eu gostaria de tranquilizar o Sr. Ministro dizendo-lhe que não estou nervosa e que não o porei nervoso, de certeza absoluta. Quanto a esta bancada, pode estar descansado.
Penso que não há melhor maneira de analisar o Orçamento do Estado para 2007 do que avaliar a execução do Orçamento em curso. Bem sei que à oposição não interessa fazer esse exercício… Desde logo, pelos vaticínios que fizeram há um ano atrás, agora têm alguma dificuldade em falar sobre esta matéria. Pensavam, talvez, que este Governo faria o que sempre fizeram, que era recorrer a manobras de «engenharia» financeira para sacudir para as contas dos anos futuros.
Nós não fizemos isso e pagámos pelo erro que os senhores fizeram. E, ao fim de um ano, o que é que acontece? Constatamos que se está a cumprir a execução orçamental e, além disso, que se produziu mais.
Nesse sentido, Sr. Ministro, gostaria de pedir-lhe elementos (se os tiver) sobre a produção do Serviço Nacional de Saúde. Por exemplo, quanto ao processo da concentração das maternidades, que mencionou, penso que talvez seja cedo para conclusões definitivas, mas parece-me uma evidência que já houve ganhos em saúde. A um Orçamento de verdade — sempre dissemos que o seria — correspondeu, de facto, uma execução de verdade.

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Mas o Orçamento para 2007 — também um Orçamento de verdade — contém medidas muito rigorosas no que diz respeito à contenção da despesa, desde logo, a revisão em baixa do preço dos medicamentos comparticipados, incluindo os genéricos. Gostaria de saber como é que esta redução será suportada, de que forma e se terá algum aumento nos encargos para as famílias.
Já agora, quanto à criação das unidades de saúde familiares, que impacto poderão ter na despesa? O Sr.
Ministro tem alguns dados que nos possa adiantar? Para terminar, Sr. Ministro, que impacto financeiro terá a fixação de preços máximos de valor inferior a 6% dos preços praticados este ano para o Estado, por um lado, e para os cidadãos, por outro lado? Quem é que vai suportar esta medida? A indústria? São estas as questões que gostaria de deixar-lhe. Muito obrigada.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada, pois utilizou o seu tempo de uma maneira notavelmente económica, o que deve ser registado com apreço.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Queria começar por dizer que teremos, nesta reunião, de responder quer à declaração política do Sr. Ministro da Saúde quer à intervenção sobre o orçamento do Sr. Secretário de Estado. Portanto, vou reconduzir as minhas palavras a estas duas intervenções, porque, de facto, não foram sobre o mesmo tema.
Quanto à questão do orçamento, queria dizer, em primeiro lugar, que a dotação orçamental global do Serviço Nacional de Saúde diminui na realidade, porque o aumento que está, neste momento, previsto não tem em conta a inflação e, mesmo acreditando na inflação que o Governo continua a assumir como sendo a que se vai verificar em 2007 (não vamos, agora, discutir isso), é evidente que há uma diminuição real do orçamento do Serviço Nacional de Saúde e do orçamento para a saúde — aliás, ao arrepio do que dizem as organizações internacionais que tomam como inevitável um crescimento da despesa em saúde. Não quer isto dizer que todo o crescimento seja boa gestão em saúde, mas o contrário também não é verdade: nem toda a diminuição é, por si mesma, um sinónimo de boa gestão e, neste caso, não é — é sinónimo de menos recursos para fazer face às necessidades das populações. A saúde pesa hoje menos no produto interno bruto, menos na administração central e o investimento diminui 22,8%, em relação aos fundos nacionais e à estimativa de 2006, e 35%, em relação ao inicialmente orçamentado.
Aliás, se compararmos este orçamento, em termos de investimento, com o último orçamento feito por esta equipa da saúde na anterior «encarnação» governamental, verificamos uma diminuição do investimento em cerca de 80%. De 2002 para agora, aquilo que está inscrito em termos orçamentais é menos 80% do que esta equipa do Ministério da Saúde inscreveu no orçamento para 2002. Assim vemos como vai o investimento em saúde no nosso país…! Gostaria ainda de colocar uma pergunta concreta em relação às parcerias público/privadas, primeiro, para saber, porque não consegui ainda encontrar esse número (provavelmente, por falha minha, pois estará nalgum mapa orçamental), o montante já gasto em 2006 com estas parcerias, se é que ele existe, uma vez que no Orçamento que aprovámos para 2006 já estava previsto. Queria também salientar que há uma diminuição que gostaria de ver explicada (e não é que discorde) dos montantes globais para as parcerias público/privadas em saúde até 2037: no Orçamento para 2006 eram de 5677 milhões de euros e neste são apenas de 3266 milhões de euros. Gostava de saber qual é a razão desta diminuição, porque, apesar de muitas promessas e de muitas intervenções nesse sentido, até agora não houve qualquer desenvolvimento da perspectiva que o Ministro da Saúde várias apresentou, no sentido de que iria ser revisto o modelo das parcerias público/privadas e, portanto, não sei se é essa a explicação.
Gostava também de saber qual é a verba prevista este ano para o hospital Amadora-Sintra (pergunta de que, com certeza, já estariam à espera…) e como é que a despesa evolui em relação ao ano passado.
Vou agora falar das despesas com o pessoal. Dispenso-me de fazer as considerações que seriam justas em relação a política do Governo para os trabalhadores da Administração Pública, incluindo os da saúde, pois têm sido abordadas em várias reuniões, incluindo com o Sr. Ministro das Finanças. Assim, vou debruçar-me sobre o que queria saber muito especificamente.
Todos sabemos que, especialmente nos hospitais EPE mas também nos outros, há cada vez mais o recurso à prestação de serviços por parte de profissionais de saúde, designadamente através de empresas que colocam mão-de-obra, seja para urgências seja através da contratação individual de profissionais muito qualificados para determinadas especialidades em que há carências. Ora, isso não aparece na rubrica da despesa com o pessoal.
O que queria saber é qual o valor, de facto, das despesas com o pessoal que estão englobadas na prestação de serviços. Portanto, para além do que está inscrito na rubrica da despesa com o pessoal, gostaria de saber quanto está inscrito no Orçamento do Estado para despesas com pessoal através das prestações de serviços.

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Esse dado é muito importante — e o Governo tê-lo-á certamente — porque é o que nos permite verificar se a tal gestão parcimoniosa do pessoal está, de facto, a ser feita.
É que os exemplos de que temos ouvido falar referem-se à contratação de profissionais, a preços muito superiores ao que é a tabela salarial da função pública, para suprir reais necessidades dos serviços de saúde, isto é, o Governo impede a entrada para a função pública, o Governo procura limitar o vínculo público de trabalho mas, depois, paga muito mais às empresas de trabalho temporário e a outras de colocação de mão-deobra para que os serviços tenham os profissionais de que necessitam. Ainda no outro dia ouvi um exemplo relativamente a um hospital da Região Centro em que foi preciso contratar um médico da Região Sul para fazer um banco de urgência durante um Domingo, serviço esse que custou 240 contos mas que teria sido muito mais barato se feito por um médico do quadro do próprio hospital.
Temos, também, o problema da disputa entre unidades de saúde acerca das contratações não diria «milionárias», porque não estamos a falar de futebol profissional, e aqueles fenómenos, que todos sabemos que existem, de profissionais que se transferem de hospital para hospital porque esse outro lhes oferece mais por hora para a mesma função.
Pergunto, pois, se esta é que é a boa gestão de pessoal no Serviço Nacional de Saúde e se é assim que vamos racionalizar os gastos em saúde e dar a melhor resposta às populações.
Ainda em relação ao pessoal, quero deixar uma outra questão.
É ou não verdade que, hoje, nos sectores mais qualificados do Serviço Nacional de Saúde e em áreas e hospitais onde há uma proximidade grande de unidades privadas em construção e prestes a abrir, estamos a assistir a uma «sangria» de equipas inteiras ou de boa parte de equipas de determinados serviços para aqueles outros hospitais privados? É ou não verdade que isto está a acontecer e que, pela primeira vez no Serviço Nacional de Saúde, temos, não casos esporádicos mas muitos casos de abandono por completo do SNS para o sector privado, sendo uma realidade que está a aumentar? Não me diga o Sr. Ministro que o que é bom é haver a diferenciação completa — também acho —, a questão que estou a colocar é a da situação em que ficam os serviços públicos que estão a ser alvo de verdadeiras «OPA’s» lançadas pelos investimentos privados sobre o seu pessoal mais qualificado. E o Sr. Ministro sabe que isto que digo é verdade.
Passo agora à questão das unidades de saúde familiar.
Segundo a filosofia apresentada pelo Governo, as unidades de saúde familiar têm princípios muito valiosos — proximidade, melhor gestão, responsabilização dos respectivos profissionais… Na realidade, isso não «cola» com a prática. A verdade é que, no outro dia, a própria Secretária de Estado levantou o problema, dando voz às preocupações e aos constrangimentos que todos sabemos que existem, não tendo dito qualquer novidade que toda a gente ignorasse.
Na realidade, esses bons princípios dificilmente têm aplicação prática quando a política é de restrição orçamental, é de restrição na contratação de pessoal. E, depois, temos situações como a de um caso concreto, que tenho documentado, de um utente que recebeu uma carta a dizer que «como o seu médico não aderiu à unidade de saúde familiar, foi transferido para outra extensão de saúde; agora é lá que tem de ir ter consulta com o seu médico porque naquela onde tinha o seu médico de família fica só a unidade de saúde familiar» e, como ele não aderiu, o utente tem de ir atrás dele.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — Muda de médico!

O Orador: — «Muda de médico», dizem os Srs. Deputados do Partido Socialista. Portanto, «mandamos às urtigas», permitam-me a expressão, a relação médico/doente!

Protestos do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.

Um utente tem o mesmo médico durante vários anos com quem desenvolve uma relação, mas,…

Protestos do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.

Quer intervir, Sr. Deputado?

Apartes inaudíveis do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.

… porque o médico não quis aderir à unidade de saúde familiar, foi transferido, com os seus utentes, para outra extensão de saúde.
Depois, temos a questão das taxas moderadoras.
A este respeito, vou voltar a dizer, só para que fique registado pois o meu tempo está acabar, que as taxas moderadoras nada moderam, nada! Ao contrário do que os vários governos sempre disseram, as taxas moderadoras nada moderam, nunca moderaram e agora também não.
Extraordinário é que, numa recente reunião da Comissão de Saúde com a presença do Sr. Ministro da Saúde, o Governo tenha passado a dizer que «afinal, não moderam; só se chamam ‘taxas moderadoras’ por-

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que, quando foram instituídas, falava-se mais francês do que inglês» — foi esta a explicação que o Sr. Ministro deu!... Assim, passamos a poder ter taxas de utilização nos internamentos e nas cirurgias ambulatórias — julgo que não estou a deturpar a explicação dada pelo Sr. Ministro. Ora, na verdade, tudo isto vai contra o espírito da Constituição em relação a esta matéria.
Pode o Sr. Ministro referir as condições socio-económicas mas não se trata das de cada utente e, sim, das condições socio-económicas gerais e, de qualquer forma, as mesmas não podem deturpar o que está antes, ou seja, a expressão «tendencialmente gratuito». Como dizia, e bem, o Partido Socialista, quando esta última expressão foi incluída na Constituição, «tendencialmente gratuita» significa algo que caminha para a gratuitidade e não que se afasta! Queria dizer-vos que o facto de o Ministério, na realidade, querer introduzir o co-pagamento comprova-se pelo que o Sr. Ministro acabou de dizer quando afirmou que se trata de uma parte reduzida do custo real. Portanto, para o Governo, a referência é o custo real, não a situação das pessoas.
Sabemos que há um muito grande conjunto de utentes isentos do pagamento de taxas moderadoras. Nunca dissemos o contrário, pelo que penso que não nos era dirigido esse comentário que o Sr. Ministro faz repetidamente, mas também sabemos, por exemplo, que um trabalhador que ganhe um pouco mais do que o salário mínimo paga taxas moderadoras e não é justo que pague as taxas que estão a ser aplicadas. Se o Sr.
Ministro quer fazer a redistribuição da riqueza, faça-a através dos impostos e não através das taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde!! Aquilo a que o Governo chama «actualização do Serviço Nacional de Saúde», de acordo com os dados que constam dos mapas, é 3,2%. Ora, o Governo prevê uma inflação de 2,1% e aumenta as taxas moderadoras em 3,2%, a que acrescem as novas taxas ditas moderadoras para os internamentos e para as urgências, cujo valor o Sr. Ministro já quantificou em 9 milhões de euros. Tudo somado, temos, no nosso país, para 2007, um aumento de taxas de 24% em relação a 2006.
Para terminar, Sr. Presidente, apenas a questão dos medicamentos.
Começo por dizer que tenho feito muitas vezes esta mesma pergunta. No outro dia, o Sr. Secretário de Estado deu-me uma resposta, mas apenas em relação aos 6% de diminuição do custo com os medicamentos.
Portanto, gostaria que os Srs. Membros do Governo quantificassem claramente quanto ganhou o Estado e perderam os utentes com a alteração dos restantes items relacionados com o preço dos medicamentos — a alteração da comparticipação, a eliminação da majoração, a alteração dos escalões — e, ainda, quanto vão perder os utentes, no próximo ano, no que se refere a estes aspectos específicos. Não vale a pena dizer que «com os 6%, vamos ter x para o Estado». Quero é saber o resto para, depois, podermos fazer as nossas comparações.
Já agora, vejamos se é hoje que o Sr. Secretário de Estado, ou o Sr. Ministro, vai dizer-nos quantas são as empresas que aderiram ao protocolo celebrado com a indústria farmacêutica, na parte hospitalar, que percentagem de mercado as mesmas significam.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, tenho de começar por dar parabéns ao Sr. Ministro — como diria a minha mãe, «gaba-te, cesta»! É porque, em Portugal, andamos todos meio deprimidos, mas o Sr. Ministro está com um extraordinário nível de autoconfiança porque, de facto, entre os que querem acabar como o SNS — e presumo que se refira a nós próprios mas, desculpe dizer-lhe, fá-lo abusivamente, pois não é isso que defendemos — e os que querem acabar com o Estado por causa do SNS — e presumo que se refira à extrema-esquerda —, aparece o Sr.
Ministro, como um «Zorro» salvador do SNS! Fico, pois, muito contente por saber que o Sr. Ministro está com esse nível de autoconfiança porque nós todos andamos mais para o deprimido…! A propósito destas notícias eufóricas de que o Sr. Ministro se vangloria, devo dizer-lhe que há aqui alguma política um pouco menos séria. É porque, de facto, se compararmos as notícias do início deste ano, em que as despesas disparavam em 30%, agora contidas, de acordo com o relatório de execução orçamental e com a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2007, a verdade é que os senhores não se coibiam de fazer críticas muito acérrimas quando o governo de coligação PSD/CDS estava exactamente nos três primeiros meses de mandato, portanto, em situação análoga àquela em que o Sr. Ministro enfrentou um acréscimo de 30% nas despesas.
Sr. Ministro, não vou falar das urgências a não ser de forma muito lateral, nem vou falar das taxas moderadoras — veja bem! —, vou falar-lhe de outros assuntos.
Em primeiro lugar, os cuidados de saúde primários, questão que, para nós, é tremendamente importante porque está aí a fonte de inúmeros problemas, como todos sabemos.
Nesta matéria, a meta assumida foi a de, até ao fim deste ano, ter em funcionamento 100 unidades de saúde familiar. Neste momento, há 16…

O Sr. Ministro da Saúde: — Esse total é o número de candidaturas.

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A Oradora: — Não, não! É o das unidades de saúde familiar em funcionamento! Sr. Ministro, desculpe, mas é só uma questão de irmos consultar as suas declarações.
Seja como for… Aliás, não é «seja como for» porque uma coisa são candidaturas, o que é muito fácil lançar, outra coisa são unidades em funcionamento.
Como dizia, a meta de, até ao fim deste ano, pôr em funcionamento 100 unidades de saúde familiar está escrita e, se o Sr. Ministro quiser, posso ir buscar o documento com as suas declarações. Neste momento, repito, temos 16 unidades a funcionar. Pergunto, então, o que se pode esperar quanto ao funcionamento deste que o Sr. Ministro considera ser o «ovo de Colombo» que encontrou.
Por outro lado, qual vai ser e como vai processar-se a articulação com as especialidades médicas e, nomeadamente, com os hospitais? A segunda questão que gostaria de abordar com o Sr. Ministro é a da organização em termos gerais, começando por perguntar-lhe onde está a organização por objectivos, e dando-lhe alguns exemplos.
O que está a ser feito em termos de reestruturação do funcionamento interno nos hospitais e nos centros de saúde? O Sr. Ministro vai «reformular» — isto para não dizer mais — o sistema das horas extraordinárias. Devo dizer que não discordamos do princípio porque, de facto, este sistema introduz um elemento de distorção. No entanto, uma tal medida só pode ser tomada se houver uma revisão séria e uma reposição da justiça no que diz respeito aos vencimentos dos médicos.
Uma outra questão relacionada com a organização diz respeito ao número de administradores nos hospitais.
A comparação que vou fazer é muito temerária, portanto, tenho de fazê-la com todo o cuidado, mas não posso deixar de citar-lhe o exemplo da Autoeuropa. É evidente que, nesta última, fabricam-se parafusos e montam-se carros enquanto nos hospitais está em causa a vida das pessoas, portanto, como disse, esta minha comparação é muito temerária.

Protestos do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.

Esta comparação é muito temerária, mas há-de reconhecer, Sr. Ministro, que não faz sentido ter, em determinados hospitais, um presidente do Conselho de Administração e cinco, sete ou nove (não sei se existirão nove, mas cinco e sete existirão, com certeza) administradores, enquanto que, na Autoeuropa, há um administrador. Penso que seria conveniente rever essa atribuição de funções.
Por outro lado, quanto às urgências, um dos seus principais problemas (o Sr. Ministro sabê-lo-á melhor do que ninguém) é a falta de ajustamento entre os recursos humanos aí existentes e os picos das urgências. Ou seja, ao longo de 24 horas, podemos ter um rácio de 200 doentes para 40 médicos, mas, depois, também podemos ter um rácio de 30 doentes para os mesmos 40 médicos. E esta é uma questão extremamente importante a resolver, do ponto de vista de uma racionalidade de gestão, em termos de poupança de verbas e a todos os níveis de uma boa gestão da saúde. Espero, pois, que o Sr. Ministro já tenha uma ideia de como vai resolver esta questão.
Por outro lado ainda, pergunto-lhe (certamente, a equipa ministerial terá estes elementos) qual é o rácio médicos/cama nos hospitais centrais e nos hospitais distritais.
Falando ainda em termos de organização, embora aqui já noutro sector, o dos meios complementares de diagnóstico e dos medicamentos, o Sr. Ministro já referiu, por diversas vezes, que considera existir um excesso de prescrição para meios complementares de diagnóstico. Não quero comentar esta matéria, mas pergunto-lhe se, do ponto de vista da tentativa de aperfeiçoamento do saber médico, o Sr. Ministro estaria disponível para discutir com a Ordem dos Médicos e com a classe médica o estabelecimento de protocolos e de guidelines, para efeitos quer de prescrição médica, quer de prescrição de meios complementares de diagnóstico.
Temos a plena consciência de que esta matéria deve ser abordada com muita cautela, exactamente porque não estamos a «fabricar parafusos» e as situações humanas e individuais de cada cidadão são muito complexas, mas não vejo por que não estabelecer um sistema de guidelines e de protocolos.
Relativamente às urgências — e não vou falar-lhe do mapa (como vê, não estou a fazer-lhe as perguntas mais comuns, Sr. Ministro!) —, pergunto-lhe se está algo previsto em termos de telemedicina, quer em termos gerais de funcionamento do SNS quer no âmbito do próprio funcionamento das urgências. Isto porque (e vou dar-lhe apenas um exemplo) um doente, um politraumatizado, por exemplo, que está a ser deslocado numa ambulância para um hospital central ou um hospital distrital pode, através destes meios, ir sendo objecto de uma avaliação. Por outro lado, a telemedicina permite grandes poupanças, nomeadamente, em termos de deslocações e de referências para convencionados. Em síntese, o que pergunto é se este meio, que permite uma intervenção muito rápida junto do doente, está a ser encarado e quais são as verbas para tal previstas.
Por outro lado (e isto também se prende com o encerramento de algumas urgências, o que provavelmente vai causar o desmoronamento de alguns hospitais), pergunto-lhe, Sr. Ministro, se, em troca destes encerramentos, está prevista a criação e o incentivo de centros de excelência. Temos alguns em Portugal, mas não temos muitos, pois não, Sr. Ministro? Temos o Hospital de Santa Cruz, para cardiologia, mas não temos, por exemplo, qualquer centro de excelência para transplantes. O que pergunto é se o Sr. Ministro vai apostar e estimular a criação de centros de excelência em diferentes especialidades.

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Relativamente à contenção da despesa, é muito difícil não falar nas taxas moderadoras, que, depois, passaram a ser «taxas de utilização» e que, em nosso entender (e nós falamos desta matéria sem os espartilhos que o Sr. Ministro tem), não passam de um co-pagamento — o Sr. Ministro não quer é reconhecê-lo!!...
No outro dia, tive oportunidade de, num debate, perguntar ao Sr. Deputado Manuel Pizarro se o Partido Socialista estaria disponível (e sei que o Sr. Ministro, neste momento, ocupa um cargo ministerial, mas nem por isso deixa de ter influência sobre a bancada que o suporta)…

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — É ao contrário!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — «Suporta» é um bom termo!

Risos gerais.

A Oradora: — … para criar condições para que, em sede de revisão constitucional, fosse retirado este termo ambíguo (já que é interpretado por variadíssimos juristas e constitucionalistas de forma diversa consoante as necessidades) da «tendencial gratuitidade» do SNS. Pergunto-lhe agora a si, Sr. Ministro, se está disponível e, não estando, como é que defende a introdução sucessiva de mecanismos de co-pagamento.
Quanto às metas, diz o Sr. Ministro, a propósito da contenção da despesa, que serão fixados preços máximos, em valor inferior a 6%, relativamente aos preços praticados em 2006, dos produtos de consumo clínico com impacto financeiro relevante. O que é isso de «impacto financeiro relevante»? Gostaria que esclarecesse.
Para concluir, quanto ao PIDDAC, devo dizer que assistimos neste domínio a uma queda estrondosa — e escuso-me de analisar aqui, item por item, o estrondo desta queda. Mas, repare, nós compreendemos… O CDS, assim como o PSD, compreendeu que havia uma necessidade de fazer uma contenção na despesa.
Ainda ontem, no debate do orçamento do Ministério da Cultura, tive oportunidade de referir este aspecto. É porque os senhores têm uma dualidade de critérios que começa a ser intolerável, Sr. Ministro! Quando a exministra Manuela Ferreira Leite assumiu a pasta das Finanças, se confrontou com um défice herdado dos senhores e falou na necessidade de conter a despesa, os senhores diziam que nós éramos uns obcecados e que «havia vida para além do défice».

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — Quem disse isso foi o Sampaio!

A Oradora: — O Sr. Ministro disse até que nós tínhamos entrado numa espiral e que castrávamos as forças criativas, éramos uns castradores! E isto, porquê? Porque cortávamos no investimento público, dizia o Sr.
Ministro. Lembra-se? Agora, veja bem: o Sr. Ministro passou de castrado, desculpe, a castrador (nos seus termos). Portanto, há aqui uma dualidade de critérios. Quando a ex-ministra Manuela Ferreira Leite falava na necessidade de contenção e fez cortes no PIDDAC, havia uma obsessão; agora, os senhores são «solidários e confrontam-se apenas com a realidade que herdaram»…! Em suma, penso que os números falam por si, relativamente à quebra do investimento público.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, recomendo à bancada da maioria que siga o conselho do seu Primeiro-Ministro, que diz (e disse-o várias vezes neste Plenário) que «ruído não é argumento» — deviam ouvi-lo!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Não é «ruído», é entusiasmo!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, muito bom dia.
O Sr. Ministro da Saúde começou por fazer uma caricatura da oposição, o que teve a vantagem de remeter este debate para as questões mais políticas do que orçamentais. Ora, sendo sensível a essa vantagem, prometo não caricaturar o seu orçamento — e não é que ele não o merecesse, tanto mais que, por exemplo, em matéria de investimento público na área da saúde, o orçamento apresentado parece mais apropriado às ilhas Berlengas do que às necessidades do nosso SNS…! Perdoe-me também por voltar a citá-lo (e não quero fazer sobre isto qualquer suspense, pelo que, digo, desde já, que o autor desta frase é o Sr. Ministro da Saúde), num texto vindo a lume, em 12 de Outubro de 2004, numa publicação do Partido Socialista. O texto é longo, mas citarei apenas um pequeno excerto, de três linhas, desse texto, que diz o seguinte: «Quando se chega aos anos de restrição financeira, a primeira tentação de um governo que fez parar a economia é obrigar os doentes a pagar uma parte do que gastam. Chamam a isto o ‘utilizador/pagador’, como se os hospitais fossem auto-estradas com vias alternativas.» O Sr. Ministro assim pensava e assim fez. Na realidade, a principal originalidade do seu orçamento é que institui uma figura nova de contribuinte — já tínhamos os contribuintes conhecidos e, agora, passamos a ter uma outra figura que se chama «o doente». Efectivamente, o orçamento transforma o doente num contribuinte

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líquido desse mesmo orçamento, através, por um lado, da receita, com o aumento das taxas moderadoras, e, por outro, da redução da despesa, com a diminuição das comparticipações nos medicamentos.
Relativamente aos medicamentos, primeiro, gostava de ouvir o Sr. Ministro responder se continua, ou não, a insistir na deslocação para as farmácias-oficina da distribuição de medicamentos para a SIDA, a tuberculose, as hepatites e as terapêuticas oncológicas. Creio que isso é (se me permite a expressão, simples mas clara) um «crime clínico» e, além do mais (e esta é a minha pergunta), julgo que isso pré-anuncia a intenção do Sr. Ministro de diminuir a comparticipação que, actualmente, nesses medicamentos, é a 100%…

O Sr. Ministro da Saúde: — Não, não!

O Orador: — … e, por isso mesmo, eles são de distribuição exclusivamente hospitalar. Gostaria, pois, que respondesse claramente a esta pergunta.
Ainda relativamente aos medicamentos, e sendo interessante esclarecer também a pergunta feita pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, queria apenas que comentasse estes números (independentemente do que tenham a dizer sobre esta matéria): nos oito primeiros meses deste ano, pela primeira vez, o valor que os portugueses pagaram pelos medicamentos comprados nas farmácias foi mais elevado do que a comparticipação pública nesses mesmos medicamentos, ou seja, enquanto que os portugueses pagaram 1130 milhões de euros nas farmácias portuguesas, o Estado comparticipou, nesses mesmos medicamentos, em 944 milhões de euros. Estes números são oficiais (li-os num estudo do Infarmed) e gostaria que os comentasse.
Ainda em relação a esta matéria, gostaria de dizer que as nossas principais críticas a este orçamento são fundamentalmente duas. A primeira é a de que, em nosso entender, este orçamento está ferido de ilegalidade, porque consideramos que as taxas moderadoras agora anunciadas para os internamentos e para as cirurgias são, de facto, ilegais. Ilegais não só porque ferem a Lei de Bases da Saúde mas também porque, do nosso ponto de vista, partilhamos interrogações que têm sido colocadas sobre a constitucionalidade destas taxas moderadoras, que, na realidade, não servem para moderar, conforme a legislação o impõe.
A outra crítica de fundo que fazemos a este orçamento é a de que, do nosso ponto de vista, o orçamento apresentado não sustenta, nem suporta, algumas das políticas que têm vindo a ser anunciadas, em vários pontos. A saber, relativamente ao projecto de reforma das urgências, não se vê neste orçamento possibilidades (ou, pelo menos, não me parece que esteja previsto) para requalificar muitos dos hospitais que necessitam de ser requalificados de modo a serem considerados uma das 13 urgências polivalentes ou superurgências, como lhe quiserem chamar. Como também não se encontra no orçamento, sendo certo que o orçamento é um pouco opaco, porque a esmagadora maioria da verba está no IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde) e a distribuição que nos foi apresentada não permite todas as discriminações, mas, seja como for, onde está o dinheiro para transformar 24 SAP’s (Serviços de Atendimento Permanente) em 24 urgências básicas? Ou, se quiser, formulando a pergunta de outra forma: onde está o dinheiro para instalar estas 24 novas urgência básicas? Como ainda — e já aqui foi referido — não se vê, nem nas verbas do PIDDAC nem nas verbas atribuídas ao INEM, dinheiro suficiente para requalificar a rede de ambulâncias de urgência e de emergência.
Também era bom que se dissesse alguma coisa sobre as verbas que estão atribuídas ao desenvolvimento do Plano Nacional de Saúde, pois são relativamente ridículas e eu creio que esse é um instrumento absolutamente fundamental para uma política de saúde que responda às necessidades de saúde da nossa sociedade e do nosso país.
Por outro lado, tenho dúvidas — acho que é um exercício muito difícil e o próprio ano em curso o demonstra — sobre como é que se pode prometer que se cortam administrativamente 6% das despesas hospitalares, dos consumos hospitalares (material clínico e produtos farmacêuticos) sendo certo que estas são duas despesas que, inevitavelmente, crescem a um ritmo superior, como a execução orçamental deste ano tem vindo a mostrar!? Relativamente às unidades de saúde familiares, quero apenas sublinhar o seguinte: o Sr. Ministro tem vindo a anunciar 100 novas unidades de saúde familiares até final deste ano, mas não consegui ler no Orçamento do Estado qualquer meta quantificada relativamente a 2007 e, portanto, gostaria de perguntar-lhe se o número que hoje aqui nos indicou, de 200 unidades de saúde familiares a funcionar até final de 2007, é, de facto, uma proposta orçamental ou é, apenas, um projecto da sua política e do seu Ministério. É porque esse é um elemento absolutamente decisivo para percebermos se o orçamento comporta ou não a possibilidade de duplicar o número de unidades de saúde familiares durante o ano de 2007.
Também tenho dúvidas — não consegui identificar no Orçamento e creio que não estão previstas essas verbas — sobre como é que o Governo vai financiar uma política, que recentemente também anunciou, que é a de alargar a influência, a intervenção e a responsabilidade, do Serviço Nacional de Saúde na assistência clínica prestada aos reclusos que estão nos estabelecimentos prisionais.
Não vi qualquer referência a isso no Orçamento do Estado, mas é também uma proposta e uma promessa política do Governo — que eu subscrevo e apoio — e não verifiquei que haja no orçamento verbas que sustentem essa proposta.

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Por último, gostaria de levantar uma outra questão relativamente ao investimento público no Serviço Nacional de Saúde. Creio que o Sr. Ministro já deve saber — porque se eu sei o Sr. Ministro soube primeiro que eu, com certeza — que não vai, de facto, haver qualquer Centro Materno-Infantil no Norte nem sequer um hospital pediátrico.

Risos do PS.

Srs. Deputados do Partido Socialista ouçam o que os Deputados da oposição dizem, porque os senhores já falaram muito sobre esta matéria e algumas palavras vão pesar-vos no futuro.
O que está previsto no relatório da ARS/Norte (Administração Regional de Saúde do Norte) é a construção de um pavilhão para consultas de Pediatria nos terrenos da maternidade, a integração dos restantes serviços do Hospital Maria Pia no Hospital de Santo António e a criação, no Hospital de Santo António, de um centro hospitalar. Ou seja: se o Sr. Ministro confirmar esta política, que lhe é proposta pela ARS/Norte, o que o Governo se prepara para fazer é exactamente o mesmo que o governo de Luís Filipe Pereira pretendeu fazer em matéria de Centro Materno-Infantil do Norte — pretendeu criar a ilusão de que estava a instalá-lo no Hospital de S. João. O Governo do Dr. Correia de Campos vai fazer o mesmo, mas mudou de hospital e fará essa mesma instalação no Hospital Geral de Santo António.
Ora, eu olho para as verbas que estão no PIDDAC e acho que as verbas são consentâneas com este miniCentro Materno-Infantil do Norte.
Portanto, gostaria de perguntar-lhe se vai ou não validar o relatório da ARS/Norte, lembrando-lhe apenas algumas citações de diversos dirigentes, Deputados do Partido Socialista, ou candidatos a dirigentes ou candidatos a Deputados ou candidatos a Ministros, feitas ao longo dos últimos dois anos sobre o Centro MaternoInfantil do Norte, porque acho que, se as coisas se concretizarem como eu estou a dizer que se vão concretizar, estamos perante demagogia «pura e dura» e acho que isso é condenável na nossa vida política. Os governantes e as maiorias que os apoiam têm de ter palavra e têm de assumir os compromissos que eleitoralmente sustentam.
Lembro-lhe que o candidato à Presidência da Câmara Municipal do Porto, Francisco Assis, em 31 de Agosto de 2005, declarava que «todas as formações partidárias devem unir-se nesta questão e reivindicar a construção de um hospital de pediatria e a sua localização no Porto».
O Sr. Ministro Correia de Campos, em 17 de Dezembro, dizia: «é possível recolocar e Centro MaternoInfantil do Norte nos terrenos que ainda restam junto à maternidade».
O Sr. Deputado Manuel Pizarro, também na mesma data, dizia: «Bom, o anúncio do Sr. Ministro da Saúde é uma excelente notícia para a cidade e para o norte; é uma luta que o Partido Socialista tem desenvolvido coerentemente nos últimos 20 anos» — e acrescentava, eufórico — «Trata-se de uma solução muito diferente do projecto redutor de construir um anexo no Hospital de São João»!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Agora é «pavilhão»!

O Orador: — O próprio Presidente da ARS do Norte que, na mesma altura, declarava que «o desafio é conseguir que o Centro Materno-Infantil do Norte vingue de uma vez por todas» e que «acelerar o processo da sua construção que foi tão doloroso e longo».
E, por último, mais recentemente, em 5 de Setembro, o líder do Partido Socialista no Porto, o Sr. Deputado Renato Sampaio, declarava que discordava da distribuição dos serviços do Hospital Maria Pia por outros hospitais e que «defendo a construção, de raiz, do Centro Materno-Infantil do Norte ou a adaptação de uma unidade hospitalar, para esse efeito, em que sejam prestados todos os serviços e especialidades relativas à saúde da grávida e da criança».
Creio, Sr. Ministro que, entre outras coisas, conviria que o Sr. Ministro esclarecesse em que é que ficamos e quem é que tem razão, em função das declarações que aqui acabei de reproduzir.
Creio que o Centro Materno-Infantil do Norte não é um pequeno projecto, não é mais um hospital, é, de facto, uma construção inovadora e capaz de responder aos problemas. O Partido Socialista — e o próprio Ministro Correia de Campos — tem particular responsabilidade no que foi dito relativamente a esta medida.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Termino já, Sr. Presidente.
E no momento em que muitos portugueses se interrogam sobre a credibilidade dos membros do Governo, gostaria que o Sr. Ministro Correia de Campos esclarecesse devidamente esta Câmara sobre o que se vai passar sobre o Centro Materno-Infantil do Norte.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

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O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, serei relativamente breve e, antes de mais nada, gostaria de dizer que admito que o Sr. Ministro, atendendo às suas conhecidas preocupações com a economia, com o corte dos desperdícios, com cortes no que diz respeito à gestão da saúde em Portugal, deve estar orgulhoso com este Orçamento do Estado para a saúde.
O Sr. Ministro deve estar orgulhoso porque a saúde tem nele um papel de destaque, porque é um dos temas, é uma das matérias que foi assumida como preponderante para combater o défice e para cortar na despesa do Estado.
Aliás, basta olhar para os documentos de apresentação do Orçamento do Estado, pois quando se fala em cortar despesas vem logo à cabeça uma questão que é a da racionalização dos gastos na saúde, a racionalização do financiamento do Serviço Nacional de Saúde, do aumento com pagamentos e com a redução das «taxas de comparticipação». Estas são medidas tidas como «fundamentais» para cortar na despesa no nosso país.
Isto não nos surpreende, é lamentável, mas não nos surpreende, dado o rumo que este Ministério e o Governo, em geral, têm vindo a seguir em termos quer da função pública quer, muito concretamente, na gestão da saúde no nosso país. Daí que, apesar de haver quem se «entusiasme» com este Orçamento do Estado, de facto, nos pareça que os portugueses não têm muitas razões para estar muito entusiasmados com as más notícias que este Orçamento do Estado lhes traz.
É preocupante ver — e, aliás, o próprio Sr. Ministro da Saúde reconhece isso — que há necessidades crescentes na saúde, mas o que temos é um orçamento decrescente.
Ora, se há necessidades crescentes na saúde e se temos um orçamento decrescente, das duas uma: ou essas necessidades não vão ser satisfeitas ou outras pessoas vão pagá-las e, olhando para este Orçamento, parece-nos que quem vai pagar, cada vez mais, a saúde são os portugueses, são os utentes do Serviço Nacional de Saúde — isso parece-nos óbvio.
Aliás, não compreendemos e, de certa maneira, parece-nos que há aqui uma omissão nos objectivos, nas razões enunciadas no relatório do Orçamento do Estado relativamente a um objectivo fundamental prosseguido pelo Governo, nesta matéria: é porque por detrás do discurso que inclui expressões como «autonomia dos centros de saúde», «contratualizações», as «parcerias público/privadas», os «aumentos de custos com as taxas moderadoras» — ditas moderadoras porque, de facto, de moderadoras só têm o nome… — ou as novas «taxas de utilização», com as quais, aparentemente, o Governo espera arrecadar 16 milhões de euros, aumentado para 0,9% o orçamento da saúde a este nível; ou a «diferenciação das taxas moderadoras, pretendendo realizar a justiça social» quando a nossa Constituição diz que deve ser realizada através do sistema fiscal e da redistribuição de riqueza e o Sr. Ministro defende que esta pode ser realizada em termos do Serviço Nacional de Saúde; ou a redução de comparticipações quer nos medicamentos quer nos subsistemas de saúde, como a ADSE, o fecho e a concentração de serviços afastando-os das populações, enfim a redução, em geral, do orçamento para a saúde e o aumento dos orçamentos familiares da saúde.
Portanto, parece-nos que há aqui um objectivo que está a ser claramente prosseguido pelo Governo, mas que não é assumido e pensamos que deveria sê-lo, porque se é isso que está em causa o Sr. Ministro deveria ter a coragem de assumi-lo e de dizer isso aos portugueses, objectivo que é uma caminhada progressiva no sentido da privatização, cada vez mais, de serviços, em termos da saúde, em Portugal. Isso não é assumido no relatório e pensamos que deveria sê-lo em nome da transparência e da honestidade para com os portugueses.
Quero deixar, ainda, ao Sr. Ministro uma outra questão que tem que ver com o seguinte: no relatório também aparece com algum destaque, pelo menos é dos primeiros assuntos que é referido, a execução de programas nacionais prioritários designadamente a luta contra as doenças oncológicas ou contra a SIDA e, no entanto, sabemos que no que diz respeito à Coordenação Nacional de Luta Contra a SIDA esta depara-se com imensas dificuldades e gostaríamos de saber, em termos de Orçamento do Estado, como é que isso vai ser resolvido e, por outro lado, soubemos, recentemente, que o Sistema Nacional de Saúde português é dos que menos investem no tratamento de doentes com cancro.
Assim, em termos do Orçamento do Estado como é que se vai reflectir esta preocupação que, aparentemente, o Governo pretende dar no seu relatório.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, tenho um pedido da bancada do Partido Socialista que me parece razoável, mas queria ter um consenso sobre ele.
O Sr. Deputado Manuel Pizarro julga ter sido — e parece que assim o foi, peço desculpa porque não assisti intensamente ao que se passou — interpelado directamente pelo Sr. Deputado João Semedo e uma vez que o Partido Socialista não utilizou o seu tempo todo na intervenção inicial, gostaria de poder usar da palavra no sentido de dar uma resposta às questões em relação às quais foi designado.
Portanto, julgo ter a anuência de todas as bancadas para, no espaço de tempo que o PS não utilizou, que o Sr. Deputado possa usar da palavra.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, julgo que o que disse sobre o Centro Materno-Infantil do Norte revela bem a atitude da oposição — aliás, eu ia referir-me a uma parte da

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oposição, mas a verdade é que, hoje, a oposição está toda muito parecida nos modos de proceder em relação às questões da política de saúde.
De facto, o que o Sr. Deputado João Semedo fez foi trazer informações sobre um relatório que não conheço, que não é do conhecimento público. Tenho procurado acompanhar a evolução do trabalho da comissão que está a elaborar o programa funcional do Centro Materno-Infantil do Norte, mas julgo que nem sequer há ainda uma versão definitiva desse trabalho.
Portanto, o que o Sr. Deputado fez foi misturar um conjunto de dados que foram apresentados como verdades e, a partir deles, retirou várias conclusões políticas – que são tão falsas como os dados apresentados –, procurando assacar aos Deputados do Partido Socialista um eventual não cumprimento de compromissos assumidos anteriormente.
Na última versão que conheço – não sei se é a definitiva – sobre o programa funcional do Centro MaternoInfantil do Norte, o que está previsto é a requalificação do espaço da Maternidade de Júlio Dinis e a construção no espaço que está disponível junto aos bairros de Parceria e Antunes. Refiro-me ao espaço disponível, e não mais do que isso, porque uma parte desse espaço foi utilizada para a construção de um bairro social, que, aliás, já foi hoje objecto de alguma agitação mediática, porque o Tribunal de Contas considerou que o Ministério da Saúde já pagou à Câmara Municipal do Porto mais do que o que esta reclama pelo bairro. Esta decisão do Tribunal de Contas foi ontem conhecida, pelo menos oficialmente.
Mas, dizia, nesse espaço disponível, está prevista a construção de um novo edifício. Tive a preocupação de inquirir sobre as áreas do novo edifício da maternidade e o que está previsto é que a soma da requalificação da maternidade e da área do novo edifício represente cerca de 24 000 m
2 de área hospitalar, dos quais, aproximadamente metade (12 000 m
2
) de construção nova.
Ora, o que temos hoje, na soma do edifício da maternidade com o edifício do Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia, são cerca de 18 000 m
2 de área, ainda por cima de construção antiga. Portanto, a relação entre a área bruta e área utilizável é muitíssimo pior! Ou seja, na pior das hipóteses, o novo Centro Materno-Infantil do Norte representa um aumento de cerca de 7000 m
2 (40%) da área hospitalar disponível.
Perante isto, o Sr. Deputado João Semedo conclui que estamos a fazer um barraco, um anexo, um pavilhão ou qualquer coisa do género. Talvez o diga porque a verba inscrita em PIDDAC para 2007, reconheço-o, é muito escassa. Mas está previsto um reforço da verba em 2008 e em 2009, o que faz com que este investimento, no seu conjunto, ronde os 32 milhões de euros. O Sr. Deputado João Semedo acha que é pouco… Se gastássemos mais, já concordaria com o Centro Materno-Infantil do Norte? Eram necessários 50 milhões de euros? 70 milhões de euros? Não sei qual era o nível de despesa que, para si, daria dignidade a este projecto.
O que parece bem ao Partido Socialista e o que honra os compromissos assumidos pelo PS e pelo Governo é que se construa um Centro Materno-Infantil com um programa funcional adequado aos nossos tempos.
Felizmente, e apesar de tudo, houve desenvolvimento de um conjunto de serviços de pediatria nos hospitais da periferia do Porto e da região Norte, o que tornou menor o afluxo de crianças aos serviços pediátricos do Porto – e esse é um dado positivo –, mas, por outro lado (e infelizmente, do nosso ponto de vista), as taxas de natalidade diminuíram muito e, de facto, há uma procura menor destes serviços.
Portanto, parece-nos absolutamente coerente que o programa funcional de 2006 seja diferente do programa funcional de há 20 anos ou de há 10 anos, quando a realidade demográfica e a realidade dos serviços de saúde eram muito diferentes das de hoje. Tal parece-nos absolutamente normal e fácil de explicar.
Também não posso deixar de referir o facto de alguns partidos da oposição terem feito a acusação de que o Governo gastou pouco tempo a apresentar o Orçamento. Acontece que os dados do Orçamento são tão claros que não necessitam de mais tempo de apresentação. Além de que, devo registar, a oposição gastou mais tempo em ataques políticos secundários do que a fazer comentários sérios ao Orçamento.
De facto, não ouvi uma proposta concreta, designadamente da parte do PSD, que é o maior partido da oposição, sobre quais as áreas onde o Orçamento devia aumentar ou diminuir a despesa. Ou seja: por um lado, alegam que o Orçamento é despesista, mas, então, deviam dizer onde é que o Governo devia cortar ainda mais a despesa; por outro lado, consideram-no insuficiente, mas também não explicam de onde viriam os recursos para colocarem mais despesas no Orçamento.
A discussão do Orçamento do Estado feita na base da crítica política genérica, sem que seja feita qualquer concretização sobre onde é que devia haver aumento ou redução da despesa (e, em caso de aumento da despesa, de onde é que deveria provir essa receita), não é um debate político do Orçamento mas, sim, pura demagogia populista.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro da Saúde, para responder às questões que foram colocadas, sendo que, naturalmente, os Srs. Secretários de Estado poderão intervir, se assim o entenderem.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito obrigado pelos vossos comentários.
Não posso deixar de corroborar as últimas palavras do Sr. Deputado Manuel Pizarro, porque, realmente, sinto-me um pouco desiludido. É que, apesar de este ser um debate na generalidade, estava à espera que

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VV. Ex.as apresentassem recomendações, críticas e sugestões que viessem pôr em causa a arquitectura do Orçamento ou a engenharia financeira e social que este Orçamento contempla. Mas, lamentavelmente, ouvi apenas pequenas notas, pequenos comentários, pequenos «borbotos» que, realmente, não consigo entender como sendo uma observação ou uma crítica consistente. Depreendo, assim, que VV. Ex.as
, na generalidade, estão de acordo com este Orçamento.
Passarei, agora, às respostas na especialidade, na medida em que elas foram apresentadas.
Começo pela Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, a quem agradeço, uma vez mais, os seus epítetos: «criação de um novo imposto», «orçamento assassinado» e «imposto de queda de folha». Sr.ª Deputada, quanto mais V. Ex.ª se especializa na linguagem impressionista, mais arreiga a nossa convicção de que não tem substância a sua crítica. Agradeço muito os seus adjectivos mas, realmente, não consigo encontrar nenhuma incoerência intelectual.
Estive a ler e a reler o meu artigo, publicado no jornal Público, a 20 de Setembro de 2004. Com certeza, a Sr.ª Deputada recorda-se que este artigo foi escrito no dia em que o Primeiro-Ministro do governo a que V.
Ex.ª pertencia veio dizer três coisas no mesmo dia: de manhã, à tarde e à noite! De facto, começou por dizer que queria taxas moderadoras para verdadeiramente financiar o Sistema Nacional de Saúde – falou exactamente em co-pagamentos na saúde. E toda a minha argumentação foi para explicar que, se queria fazer copagamentos, então teria antes de fazer uma discussão constitucional, e até dei achegas (na parte final do artigo) sobre a forma como devemos aproveitar e modernizar as taxas moderadoras.
Sobre medidas vigorosas, os 6% de congelamento… Sr.ª Deputada, pergunto-lhe se julga que é fácil confrontar os parceiros socais, chamar os industriais, os intermediários e as farmácias e dizer-lhes, o Sr. PrimeiroMinistro e eu, numa manhã: meus amigos, vamos ter de fazer exactamente o mesmo que fizemos no ano passado, que é reduzir em 6% o preço dos medicamentos. Acha que é fácil dizer à indústria que, além da «pancada» que levou, ainda vai ter de baixar 6% o preço dos medicamentos nos hospitais? Acha que é fácil chamar os representantes dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e dizer-lhes: meus amigos, vamos plafonar o vosso crescimento: no ano passado baixámos 5% e este ano vamos plafonar, porque nos parece até mais justo? Vós continuais a produzir e o que isto significa é que, à medida que a produção aumenta, o preço baixa…! Isto não é fácil, Sr.ª Deputada! Isto faz-se porque temos autoridade para o fazer! Isto faz-se porque este Governo tem consciência de que o País está a perceber as suas medidas, e elas não são fáceis de entender por toda a gente, a começar por VV. Ex.as da oposição. Têm todo o mérito em fazer críticas a este tipo de intervenção, mas não julguem que é fácil nem julguem que temos prazer em tomar estas medidas.
Há três dias, o meu colega Xavier Bertrand, Ministro da Saúde francês, chamou toda a indústria farmacêutica e disse-lhes: meus amigos, há medicamentos que vão baixar 20% e vamos descomparticipar 41 medicamentos. Isto é o que os ministros fazem…! E nós fizemo-lo alguns dias antes! É evidente que não queremos ser inovadores nesta matéria, os espanhóis também o fizeram, com uma baixa de 12%.
Estas medidas são de uma enorme dureza e custam imenso a explicar. Quando criticamos a indústria e os empresários por não estarem a ser solidários na crise nacional, temos de perceber que estes senhores também são empresários e que, apesar de tudo, aceitam o que lhes propomos. Esbracejam, é certo! Dizem que vai haver desemprego, que vão desaparecer representações estrangeiras do nosso país, etc. Estes argumentos são, naturalmente, esgrimidos, mas a verdade é que estas medidas não são fáceis, são vigorosas, mas temos a nosso favor a confiança que as pessoas depositam em nós, porque dissemos que cumpríamos um orçamento, e estamos a fazê-lo. Não agravámos prazos de pagamento, pelo contrário, encurtámo-los.
Insónias ou pesadelos? Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, tem de escolher ou uns ou outros, porque quando se tem uma insónia não se pode ter um pesadelo; quando se tem um pesadelo também não se pode ter uma insónia. Tem de escolher um ou outro! Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, também apreciei os seus adjectivos, designadamente «rigorismo orçamentista» e «racionamento». Mas tenho muito gosto em responder às perguntas que fez.
Suponho que a sua pergunta foi esta: será que o impacto do plafonamento dos meios complementares de diagnóstico vai traduzir-se em restrição da universalidade no acesso? Pelo contrário, Sr. Deputado, sem que o estejamos a incentivar muito, a dar pagamentos por fora ou o que quer que seja, alguns hospitais estão a disponibilizar os seus laboratórios para os meios complementares de diagnóstico e terapêutica dos centros de saúde da sua área, e fazem-no – atenção! – sem que isto choque com o direito de livre concorrência.
É evidente que os cidadãos têm sempre o direito de escolher o sítio onde vão fazer o meio complementar de diagnóstico mas, naturalmente, se há um canal directo, até informático, que permite que o resultado da análise seja imediatamente transferido para o centro de saúde e se essa rapidez traz vantagens para o cidadão, pois muito bem! E isto funciona como um estímulo para os prestadores privados: também podem montar os mesmos canais electrónicos de comunicação.
Sobre a Entidade Reguladora da Saúde e as afirmações que fez, permita-me que o corrija ligeiramente: o que a ERS disse foi que o fecho das convenções há 13 anos é que teve um efeito de restringir a procura. Se concordamos com o fecho das convenções? Não, Sr. Deputado, também não concordamos! Queremos abrir as convenções ao mercado e, para tanto, pedimos à ERS que fizesse um estudo – suponho que já se encontra em fase de discussão com os parceiros sociais. Neste momento, temos plena consciência de que os preços estão desajustados, temos plena consciência de que o mecanismo e o sector de mercado está cartelizado

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e temos plena consciência de que também há muita fraude no sistema. Aliás, o relatório preliminar da ERS veio não mais do que confirmar que assim é.
Sobre as transferências para o PIDDAC e o orçamento do INEM, o Sr. Secretário de Estado responderá.
Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, sobre a concentração de maternidades e de salas de parto, queria dizer-lhe que o motivo financeiro não foi o motivo número um, o primum movens, mas, sim, a qualidade.
Quisemos cumprir determinações de comissões técnicas de há mais de 20 anos, a nossa motivação foi ampliar a qualidade, por isso ainda não fizemos contas: não sabemos se gastámos ou poupámos dinheiro.
Mas sabemos, Sr.ª Deputada, porque também lemos jornais, ouvimos rádio e vemos televisão, que depois de todo o barulho criado, quantas vezes de forma artificial, à volta da concentração de maternidades, a verdade é que as mulheres parturientes e ex-parturientes, quando entrevistadas pelos meios de comunicação social, dizem que afinal correu tudo muito bem, que estão muito mais satisfeitas e consideram que estão a ser tratadas com muito mais qualidade e segurança do que no modelo anterior.
Sobre o impacto das USF (Unidades de Saúde Familiar) na despesa e quem suporta os preços máximos de 6% responderá o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos.
Sr. Deputado Bernardino Soares, o Sr. Secretário de Estado responderá às suas quatro primeiras perguntas, isto é, sobre se a dotação e o investimento diminuíram, sobre o Amadora-Sintra e sobre o pessoal e eu responder-lhe-ei a uma questão que levantou e que nos preocupa.
Relativamente ao controlo da gestão hospitalar nos recursos humanos, das horas extraordinárias do pessoal, perguntou o Sr. Deputado até que ponto é que não estaremos a fazer entrar pela janela aquilo que não queremos deixar entrar pela porta.
Ora, eu devo dizer-lhe que essa é uma questão séria e complexa. Não é muito fácil, mesmo quando visitamos hospitais – e já visitámos por três vezes este ano os «grandes gastadores», ou seja, os hospitais de maior volume de despesa –, numa discussão que dura entre uma e duas horas, identificar exactamente, no que diz respeito ao pagamento de serviços a terceiros, o que são serviços contratados episodicamente, serviços à peça, dos serviços que são substitutivos de recursos humanos.
Penso que o senhor tem uma razão que também nos preocupa, por isso estamos em negociação com os sindicatos médicos para dar execução ao compromisso que o Governo assumiu de libertar da obrigatoriedade de trabalhos extraordinários aqueles que têm apenas um horário de 35 horas.
É também por isso que vamos fixar uma condição para impedir que os médicos que, porventura, optem por não prestar serviço adicional de horas extraordinárias ao Serviço Nacional de Saúde, que tenham um impedimento de prestar serviço através de contratos com empresas ou o que quer que seja. A acusação de «mercenariados» a esses profissionais seria uma acusação que eles não merecem e que não queremos que a lei tolere que lhe seja conferida. Por isso, é nesse sentido que estamos a trabalhar.
Sr. Deputado, muito obrigado, porque os seus comentários não «caem em saco roto» e são muito ajustados.
Quanto a «sangrias» de equipas de hospitais públicos para os privados, é natural que, havendo grandes investimentos de grandes investidores em grandes hospitais novos, haja grandes equipas públicas do sector público que passem em bloco para o sector privado. Pergunta-me se estou preocupado. Moderadamente, Sr. Deputado, muito modestamente. A verdade é que temos segundas linhas nos serviços dos hospitais que estão neste momento com os acessos tapados, estão ávidos de poderem ser dirigentes, directores responsáveis por serviços e departamentos e, no entanto, têm a sua carreira bloqueada. Portanto, acredito perfeitamente… Como se sabe, estamos longe de ter falta de profissionais qualificados nos hospitais centrais, pelo contrário, com algumas excepções, certamente. Em gera, temos dotações acima da média dos outros países e, portanto, há aqui uma margem de manobra que permitirá perfeitamente conferir possibilidades e capacidades para que a segunda geração, que está aí a despontar, os possa substituir.
Evidentemente, posso ter pena que um grande nome do sector público passe para o privado, mas prefiro que um grande nome do sector público vá definitivamente para o sector privado do que esteja com «um pé cá e outro lá…». Suponho que o Sr. Deputado também está de acordo comigo nesta matéria.
Quanto às Unidades de Saúde Familiares, a Sr.ª Secretária de Estado Carmen Pignatelli partilhou com os próprios actores do sistema das Unidades de Saúde Familiares as suas preocupações. Não julgue que escamoteamos preocupações! Nós identificamos os problemas e sabemos perfeitamente que é muito difícil fazer uma revolução com contenção orçamental e com o conservadorismo tradicional dos serviços. O que estamos a fazer nas Unidades de Saúde Familiares é uma revolução. Ora, foram essas reflexões que a Sr.ª Secretária de Estado partilhou. E ainda bem, porque nos permitiu que, quando nos perguntavam se estávamos a tremer, respondêssemos: «Não, não estamos a tremer; pelo contrário, estamos a ir para a frente».
Relativamente às questões sobre as taxas moderadoras, será o Sr. Secretário de Estado Francisco Ramos que irá responder.
No que diz respeito à questão sobre «engenharia financeira», o Sr. Secretário de Estado irá responder em pormenor, mas aproveito para dizer sumariamente que a «engenharia financeira» que construímos com os 6% de corte dos medicamentos de venda a público e a redução de um ponto percentual na comparticipação de 70 para 69%, de três pontos percentuais de 40 para 37% e de cinco pontos percentuais de 20 para 15%, foi

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inversamente proporcional à importância, ao dispêndio e à vantagem terapêutica dos medicamentos, deixando completamente de lado, este ano, ao contrário do que aconteceu no ano passado, as comparticipações mais elevadas (de 100 baixaram para 95%).
Isto foi feito com uma engenharia que permite que, no total, o Estado poupe 116 milhões de euros e os cidadãos 13 milhões de euros – por razões de segurança, o Sr. Secretário de Estado irá dar conhecimento dos números que oscilam numa chaveta um pouco mais larga, pois estes meus números são números rápidos.
Ora, os 13 milhões de euros compensam e excedem os 9 milhões de euros que se espera obter como receitas do aumento da taxa moderadora de acordo com a inflação, das taxas moderadoras actuais e da criação das taxas moderadoras no internamento e na cirurgia ambulatória.
Quanto às empresas aderentes ao protocolo hospitalar, o Sr. Deputado tem razão. O Sr. Deputado faz sempre a mesma pergunta e nós nunca lhe trazemos o «número mágico». Mas parece que está aqui referido.
Vejamos: número de empresas que assinaram o protocolo com a Apifarma no âmbito hospitalar: 85; volume de negócios que o conjunto de assinantes do protocolo representam: 158 milhões de euros, ou seja, 24% do negócio hospitalar.
Mas o que nos preocupa não são os 24%, mas, sim, os 76%. Ora, essa preocupação já começou a desencadear a nossa acção, Sr. Deputado. A nossa acção passa por chamar cada uma das grandes empresas que cresceram mais do que os 4%... Depois sou capaz de lhe pedir ajuda na argumentação quando os Srs.
Embaixadores dos países de representação vierem falar comigo a queixar-se.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com muito gosto!

O Orador: — Muito obrigado.
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, V. Ex.ª gosta das expressões e dos adjectivos interessantes e pitorescos – usou o adjectivo «Zorro» do SNS. Eu considero muito simpático.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O senhor é que acha, nós não achamos!

O Orador: — O Zorro é uma figura da nossa infância, é uma figura simpática, bem mais simpática do que as palavras que alguém usou mais tarde, já no final – penso até que foi a Sr.ª Deputada –, palavras essas que tinham a ver com castração...

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O Sr. Ministro é que escreveu isso há dois anos!

O Orador: — Essas, realmente, já são um pouco menos simpáticas.
Quanto aos cuidados de saúde primários e às Unidades de Saúde Familiar, aproveito para responder à Sr.ª Deputada e a todos os Srs. Deputados, dizendo-lhes que o número 100, já que estamos em maré de «números mágicos», representa o número de candidaturas de Unidades de Saúde Familiar a que aspirávamos até ao fim do ano.
Na verdade, a aspiração está cumprida porque temos 117. Nunca dissemos que poderíamos abrir 100 Unidades de Saúde Familiar este ano, mas posso dizer-lhe que já abrimos 17 e não 16 como referiu. Posso inclusivamente dizer-lhe que há 24 Unidades de Saúde Familiar que têm data de abertura marcada até 31 de Dezembro, o que perfaz 41 Unidades de Saúde Familiar.
Sr.ª Deputada, devo confessar-lhe que a minha meta secreta eram 30. E com 41 fico acima da minha meta.
Repare que ainda não mudámos a lei e estamos ainda a discutir o diploma legal que permite fazer o modelo de retribuição por desempenho aos médicos de família. Quando isso estiver feito – esperamos que seja no final do primeiro trimestre do próximo ano – garanto-lhe que vamos ter a dificuldade inversa, ou seja, saber de que forma vamos gerir a procura nesta matéria.
Quanto à ratio médicos/camas nos hospitais, V. Ex.ª pode encontrá-la nas publicações que estão na Internet. Não as tenho aqui comigo, mas são acessíveis quer na página da Direcção-Geral de Saúde quer na página do IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira). Lá constam todos os médicos, todas as camas, todos os hospitais – aliás, existem também publicações escritas do IGIF.
Quanto à telemedicina, certamente terá grandes vantagens. A telemedicina funciona, Sr.ª Deputada; não é uma ficção nem um modelo-piloto! A telemedicina está a funcionar nos distritos mais interiorizados do País (Portalegre, Évora, Beja e Bragança). Eu já vi consultas de cirurgia de telemedicina de um centro de saúde no Alentejo para o hospital de Elvas. Realmente. A telemedicina funciona e é de uma extrema utilidade, não para todas as consultas, mas, por exemplo, em matéria dermatológica, em matéria de cirurgia mais corrente, mais ligeira, e em outras áreas, é perfeitamente possível e está já a ser praticada como actividade de rotina nesses locais.
Relativamente aos Centros de Excelência, pois com certeza, Sr.ª Deputada! Nós temos uma posição líder no transplante renal e no transplante de fígado. Há dias, nos Hospitais da Universidade de Coimbra foi realizado o primeiro transplante de fígado com dador vivo. Temos Centros de Excelência nas três grandes cidades do País (Lisboa, Porto e Coimbra). E mais: para responder à excelência dos nossos clínicos nessa matéria e

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noutras aumentámos a dotação este ano, com todas as dificuldades que temos, de 35 milhões de euros para 37,5 milhões de euros nos transplantes.
Sobre a disponibilidade política para o debate, Sr.ª Deputada, vamos ter tempo para tudo. O tempo de hoje é o tempo de cumprir o Orçamento com o modelo do Serviço Nacional de Saúde que está na Constituição. Há uma comissão que está encarregada de estudar a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e essa comissão vai realizar uma sessão pública com especialistas estrangeiros no mês de Novembro, sendo que, como se trata de uma sessão pública, ela será aberta a todos e, portanto, esse será o momento para discutir essas matérias.
A comissão é uma comissão plural, variada, composta por pessoas que não são apoiantes exclusivos do Governo – uns são, outros não – e essa comissão vai apresentar o seu relatório até ao final do primeiro trimestre do próximo ano, pelo que penso que vamos ter um ano com muita calma para olhar para esse assunto.
Porém, Sr.ª Deputada, o termo «tendencialmente gratuito» na Constituição é precedido de uma frase que está intercalada e entre vírgulas. Não me canso nunca de repetir que esta frase é: «…e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;…». Esta frase também foi dita há dias na televisão pelo recente ex-Deputado Dr. António Vitorino, exactamente com o mesmo sentido com que eu sempre tenho utilizado. Uma vez mais, chamo a atenção de V. Ex.ª para esse facto.
Relativamente aos produtos de consumo clínico de impacto financeiro relevante, vou dar-lhe dois exemplos. Quaisquer produtos que se apliquem em cardiologia de intervenção custam entre 5000 e 25 000 euros/unidade. Portanto, são produtos importantes.
Sr. Deputado João Semedo, passo por cima das Berlengas… Já não temos entre nós, no reino dos vivos, o célebre actor que realizou o filme O Rei das Berlengas. Passo por cima do utilizador-pagador e da tentação do utilizador-pagador. Já expliquei que o meu artigo de 2004 mantém toda a sua actualidade, bem como o texto que o senhor refere. Eu não mudo facilmente de opinião. As minhas opiniões são fundamentadas, como o senhor sabe, e é um pouco a prática dessas opiniões, que… A política é a arte do possível. Nem todas as minhas opiniões podem ser aplicadas de imediato ou no momento em que cada um de nós passa à prática – aliás, V. Ex.ª sabe-o, até mesmo na gestão interna do seu hospital. Por muito boas que sejam as ideias que defende, nem todas consegue aplicar ou nem todas são aplicáveis na sua forma inicial. A verdade é que também vai aprendendo com a execução, com os obstáculos, com as correcções e com a realidade. É o que estamos a fazer. O Ministério da Saúde é um ministério em contínua aprendizagem. Esta equipa aprende sempre, sobretudo com as críticas de VV. Ex.as
! Quanto à deslocação dos anti-retrovirais para as farmácias de oficina, Sr. Deputado, deixemo-nos de demagogias: quando começámos a estudar o consumo de anti-retrovirais nos nossos hospitais, verificámos que havia várias unidades hospitalares importantes no País que tinham mecanismos de dispensa de antiretrovirais com espaçamento de três meses e, nalguns casos, de seis meses, sem toma presencial, ou seja, entregando um pacotinho de anti-retrovirais ao paciente na esperança de que ele o viesse a tomar. Nos melhores casos, ele tomava-o e noutros, espero que apenas em casos marginais, vendia-o, aparecendo alguns desses anti-retrovirais noutros países.
Ora, a nossa preocupação, naturalmente, foi a de evitar este estado de coisas, pelo que fizemos uma grande acção junto dos hospitais para que aumentassem a toma presencial e reduzissem a frequência de toma. É isto que estamos dispostos a fazer com as farmácias.
Atenção, porém, ao meu discurso, que está publicado. O meu discurso fala nas farmácias que o aceitarem.
Isto é, não se trata de uma medida universal, mas, sim, de uma medida que pressupõe duas aceitações: a das farmácias que o queiram fazer e a dos hospitais que queiram articular-se com as farmácias. Isto porque a informação tem de fluidificar, tem de correr. Como digo também no meu discurso, o registo da informação de cada paciente tem de ser feito na farmácia e, depois, a referência à toma tem de ser comunicada ao hospital.
Pergunta-me se confio e se acredito que as farmácias sejam capazes de fazer com correcção e com todo o rigor este registo? Digo-lhe que sim! Os senhores sabem que sou insuspeito em matéria de discussões e de diferenças de pontos de vista com o Presidente da Associação Nacional de Farmácias, mas uma coisa lhes digo: se a Associação Nacional de Farmácias entrar neste mecanismo com rigor e com suporte técnico, com respeito pelos critérios científicos, médicos, etc., e com acordos naturais entre hospitais e farmácias, acredito que haverá todo o rigor nesta matéria.
Não se trata, por outro lado, de aumentar a facturação das farmácias, pois estas serão pagas, não de forma proporcional à despesa, mas, como fizemos com a administração dos antidiabéticos, através do pagamento de um acto farmacêutico que não crie nas farmácias a vontade de prestarem mais serviços por incentivos quantitativos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Afinal, não é de graça!

O Orador: — Os números que o Sr. Deputado apresentou, relativos aos encargos com medicamentos, causaram-nos alguma surpresa e o Sr. Secretário de Estado responder-lhe-á.
De todo o modo, suponho que estamos a confundir vendas totais com vendas comparticipadas. Se a maior parte dos medicamentos são vendidos no escalão de 70% e de 95%, que no próximo ano passará a 69%,

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custa-me muito a acreditar que haja maior participação dos utentes do que dos cidadãos. É uma aritmética que não compreendo. Suponho que o denominador que o Sr. Deputado utilizou tenha sido, porventura, o de contabilizar o total das vendas nas farmácias e não o total de medicamentos comparticipados, que são os que contam nesta análise de equidade social.
Quanto à requalificação de urgências polivalentes e ao facto de o Orçamento ser opaco, direi, antes de mais, que as urgências polivalentes estão a ser requalificadas um pouco por toda a parte. O senhor, que é do Porto, pode ir ao Hospital de São João ver o que é que os seus colegas lá estão a fazer. Montaram contentores cá fora, puseram lá provisoriamente a urgência e estão a fazer obras notáveis na urgência. Vá ao Hospital de Santa Maria ou aos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde toda esta actividade está a ser levada a cabo. A verdade é que não precisamos de incluir grandes investimentos no plano ou onde quer que seja para que os hospitais se qualifiquem, visto que os hospitais portugueses são muito fortes.
Olhe, leia uma revista ou um semanário que surgiu ontem e vá lendo todos os artigos posteriores que não conheço, alguns dos quais serão desfavoráveis ao Governo. Uma coisa lhe digo: esses artigos e essa análise são claramente favoráveis à qualidade da medicina portuguesa e à qualidade da prática dos nossos hospitais.
Aliás, ao ler estes primeiros textos confesso que sinto muito orgulho por ser Ministro da Saúde de um Serviço Nacional de Saúde que, com as limitações que sofre, consegue ter, com equidade, este desempenho técnico, científico e clínico. Não tenha, portanto, medo destes problemas.
O Sr. Secretário de Estado explicar-lhe-á como é que se cortam 6% nas despesas hospitalares de medicamentos. Se calhar, vamos ter providências cautelares e, se calhar, vamos ter queixas dos Srs. Embaixadores. Já agora, estendo a V. Ex.ª o convite para, quando recebermos os embaixadores dos países de origem dos laboratórios, nos vir ajudar. De resto, estendo este convite a todos os Srs. Deputados de todo o arco parlamentar, pois, naturalmente, seria uma forma muito interessante de reforçar a posição do Estado português, manifestando-nos absolutamente unidos nesta matéria. Suponho que estamos unidos nesta matéria, mas VV.
Ex.as dir-me-ão se não estamos.
Perguntaram-me se o Orçamento me permite a abertura de novas Unidades de Saúde Familiares e eu respondo que sim, claro que sim! As obras a fazer nestas unidades de saúde familiares são muito pequenas e a parte mais importante, mais significativa, os computadores, por exemplo, está prevista alias, como viu, temos 40 milhões de euros para isso.
Quanto à assistência clínica aos reclusos, é uma boa pergunta, Sr. Deputado. Registo, aliás, a sua simpatia para com a política conjunta dos Ministros da Justiça e da Saúde e quero dizer-lhe que nada disto será feito «às cegas», mas, sim, com transferências progressivas de verbas.
Neste momento, as verbas estão no orçamento do Ministério da Justiça e à medida que o Serviço Nacional de Saúde entrar nas prisões, para recorrer à linguagem que o Sr. Ministro da Justiça e eu próprio temos vindo a usar, as verbas passarão progressivamente para o Ministério da Saúde, não sendo, contudo, visíveis no orçamento deste ano. Tal não significa, porém, que não se comece – aliás, vamos ter uma sessão na Comissão de Saúde a este respeito dentro de dias.
Quanto ao Centro Materno-Infantil do Norte, o Sr. Secretário de Estado vai responder. Contudo, sempre lhe digo que passam, todos os dias, muitos papéis pelo meu gabinete, mas eu penso que ainda não recebi o relatório do grupo de trabalho colectivo. Sincera e honestamente, penso que ainda não estará concluído. Até pode já estar concluído e ter sido mandado, pois suponho que o prazo terminava no final deste mês. Não sei se o Sr. Secretário de Estado pode confirmar este prazo, mas ele o dirá. Uma coisa, todavia, é certa: o senhor, provavelmente, porque é do Porto e conhece os membros da comissão, como diz o povo, «bebe do fino»!...

O Sr. João Semedo (BE): — Só bebo água, Sr. Ministro!

O Orador: — Eu «não bebo do fino» nessa matéria, Sr. Deputado! Eu tenho de basear-me rigorosamente nas opiniões técnicas. A única coisa que disse à comissão, e mantenho-o porque é um ponto de honra, foi que, qualquer que seja a sua recomendação, quero que a unidade de pediatria que dali resulte se chame Hospital Maria Pia e que a unidade de obstetrícia e de ginecologia que dali resulte se chame Júlio Dinis. Disse-o porque tenho respeito por tradições seculares e pela onomástica secular de uma cidade que contribuiu de forma comunitária e popular para cada um destes dois estabelecimentos de alta qualidade.
O Sr. Deputado Madeira Lopes perguntou se as preocupações com o desperdício me dão orgulho. Não, Sr. Deputado! As preocupações com o desperdício dão-me preocupação e, se chegar ao fim e cumprir o meu dever, não tenho mais orgulho do que aquele que tenho quando todas as noites me deito e quando todos os dias me levanto com a consciência tranquila. É esse o meu lema de vida. Quando sentir que não tenho orgulho naquilo que faço, o Sr. Deputado pode ter a certeza de que mudarei de funções. Sempre fui e sou uma pessoa coerente, mas, como português, tenho orgulho no facto de conseguirmos conter o Orçamento como estamos a fazer.
Refiro-me, por fim, aos programas nacionais verticais, à luta contra a SIDA e ao tratamento de cancro. O programa de luta contra a SIDA tem financiamento próprio, como sabe, através dos recursos dos jogos sociais, tal como o programa de financiamento da luta contra a droga e a toxicodependência. Não tenha preocupações excessivas em relação aos serviços que vão ser adquiridos, não ao mercado, mas aos prestadores, à sociedade, à comunidade e às Organizações Não Governamentais. Nós também pensamos que em qual-

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quer destas áreas a luta contra estes dois flagelos passa por estarmos próximos das ONG que intervêm directamente junto da população. Uma coisa, contudo, é termos uma luta equitativa, de mão dada com todas essas instituições, e outra é, num caso ou noutro, deixarmo-nos levar por alguma fantasia menos correcta ou até por uma ou outra pequena tentativa de distorção. Temos de ter em atenção que quanto mais regulador é o Estado, ou seja, quanto menos faz directamente, mais cuidadoso tem de ser na regulação. É esta a atenção que estamos a ter.
As demais respostas serão dadas pelo Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr. Presidente, tentando, de forma rápida, responder às questões levantadas, julgo que há um primeiro comentário que importa fazer em relação ao Orçamento na sua totalidade. De facto, uma das novidades que este Orçamento tem, sendo muito justo e tendo um pequeno crescimento na dotação, é a de manifestar a preocupação de introduzir medidas que tornem possível a execução orçamental. Isto é novo! A execução orçamental e a afirmação de que seremos capazes de cumprir este Orçamento baseia-se em dois pontos: no exemplo do corrente ano, em que, de facto, com um Orçamento muito difícil estamos a demonstrar que é possível fazer uma boa execução orçamental; e no facto de, para o próximo ano, este Orçamento ter um conjunto de medidas que tornam possível a sua execução.
No que toca aos medicamentos, sem percorrer as perguntas em concreto, até porque o tempo já é escasso, os números apontam para que, em termos de impacto no Serviço Nacional de Saúde, a baixa de 6% aí prevista signifique uma poupança entre 85 milhões de euros e 90 milhões de euros.
Por seu turno, a redução das comparticipações, ou seja, a baixa das taxas de comparticipação significará uma redução de encargos para o SNS entre os 28 milhões de euros e os 30 milhões de euros.
Ora, se combinarmos as duas medidas e, portanto, obtivermos o efeito conjugado em termos de custos para o SNS e para o conjunto dos portugueses, há uma redução de encargos entre os 115 milhões de euros e os 120 milhões de euros para o SNS e de cerca de 13 milhões de euros para o conjunto dos portugueses.
Ora, houve exactamente a preocupação de que as medidas fossem calibradas para isso, para a contenção no Orçamento do Estado com um saldo positivo para os portugueses, que, mesmo num cenário de aumento de quantidade de medicamentos de 3% a 4 % – é nessa base que estas contas são feitas –, terão uma redução dos gastos com os medicamentos. O saldo final destas duas medidas, da redução de preços e da redução das taxas de comparticipação, é positivo para o bolso dos portugueses num valor que estimamos em cerca de 13 milhões de euros.
Quanto aos medicamentos hospitalares e aos produtos de consumo hospitalar, o que está no Orçamento do Estado é uma indicação claríssima para todas as administrações dos serviços de saúde de que o preço de referência para as suas compras ao longo do próximo ano seja, no máximo, 6% abaixo do preço que usaram durante o corrente ano. Isto, naturalmente, terá de ser aplicado em momentos diferentes, com conteúdos jurídicos diferentes nos concursos, nos ajustes directos, nos concursos centralizados e nos concursos de cada um dos hospitais. É, contudo, uma indicação clara que, de facto, será cumprida ainda com mais folga em alguns produtos e, se calhar, com menos folga noutros casos. De qualquer forma, a estimativa de poupança desta medida varia entre 40 milhões de euros a 50 milhões de euros.
Quem é que suporta a redução de preços dos medicamentos? A medida desenhada este ano é exactamente idêntica à que foi tomada no ano passado, ou seja, metade da redução, portanto cerca de 60 milhões de euros, será suportada pela indústria, e o restante pelos canais de distribuição, cerca de 40 milhões pelas farmácias e 20 milhões pelos grossistas. É a mesma lógica que foi usada no ano passado e que se sustenta, de facto, no argumento de que os sacrifícios que este Orçamento contém, em geral, devem ser repartidos, por fornecedores e também pelos utentes, de forma equilibrada.
No que se refere ao aumento das prestações de serviços, penso que o Sr. Ministro já referiu que, de facto, o aumento que está no Orçamento advém de vários factores, como: a nova tabela de prestação aos subsistemas; a melhoria da eficiência; as novas taxas moderadoras; e o aumento da tabela das taxas moderadoras.
De qualquer forma, julgo que vale a pena voltarmos um pouco atrás e ver a evolução do que significa a cobrança de taxas moderadoras no financiamento ou no conjunto das receitas do Serviço Nacional de Saúde.
Significou 1,2% em 1993, 1,1% em 1994, 1,04% em 1995, 0,93% em 1996, 0,96% em 1997, 0,91% em 1998, 0,82% em 1999, 0,76% em 2000, percentagens semelhantes até 2003, 0,74% em 2004 e 0,73% em 2005. Ou seja: o impacto, de facto, das taxas moderadoras tem vindo a reduzir-se. Não é conhecida qualquer crise, nomeadamente quando a taxa moderadora representava 1% do orçamento. Aquilo que está neste Orçamento do Estado levará a que as taxas moderadoras continuem claramente abaixo de 1% no total da receita.
Portanto, com estes números, falar de co-pagamento de relevância para o financiamento, julgo que é completamente desadequado da realidade.
Quanto ao INEM, devo dizer que o seu orçamento foi feito no contexto de rigor de todos os serviços do Ministério da Saúde. A rede de urgências e o reforço da capacidade de transporte é algo que ainda está a ser trabalhado e, portanto, o orçamento do INEM será, naturalmente, reforçado, se for caso disso, através dos

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mecanismos de flexibilidade orçamental que resultem das necessidades que forem apuradas quando for definida, de facto, a rede de urgências.
No que diz respeito ao Centro Materno-Infantil do Porto, a data da entrega do relatório, que era, salvo erro, 30 de Setembro, foi adiada para 31 de Outubro. Aquilo que o Sr. Ministro já disse é aquilo que posso confirmar, isto é, que o relatório está a ser finalizado com a preocupação de respeitar a existência do Centro Materno-Infantil do Norte, e, naturalmente, também com a preocupação de evitar redundâncias e duplicações e, portanto, numa lógica – e eu sei que está a ser feito assim – de articulação com o Hospital de Santo António e não de integração neste hospital.
No que diz respeito às parcerias público-privadas, os dados que estão no Orçamento são os dados que se prevê que aconteçam. A dotação do Hospital Amadora-Sintra cresce 3%, de acordo com o contrato e também de acordo com os hospitais EPE, mas o essencial é o que está no contrato.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quanto é?!

O Orador: — Já lhe digo na próxima intervenção, se não se importa.
Finalmente, no que se refere à questão do protocolo com a indústria farmacêutica, na parte hospital também nada há a esconder. Os números aí estão para tranquilidade do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde (Carmen Pignatelli): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero apenas completar a informação que já foi prestada pelo Sr. Ministro e pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde a propósito do financiamento para a requalificação das urgências.
Noutras oportunidades, a equipa do Ministério da Saúde já informou que a requalificação das urgências não termina na definição dos pontos da rede e, portanto, logo que o Sr. Ministro da Saúde assine o despacho que vai concretizar os pontos da rede da urgência geral, com os três níveis que já estão consagrados através de despacho anterior, cada uma das cinco administrações regionais de saúde terá de apresentar à tutela os planos de requalificação das suas urgências, quer polivalentes, quer médico-cirúrgicas, quer os serviços de urgência básica, com o respectivo orçamento.
Onde é que vamos encontrar o financiamento? Pois obviamente que esta situação está acautelada.
Primeiro, no PIDDAC. A componente nacional tem, como sabem, um programa que se chama «Cuidados de Saúde Diferenciados», onde estão investimentos nos hospitais. Depois, há uma outra linha de financiamento no PIDDAC que se chama «Cuidados de Saúde Primários» e se o investimento for num serviço de urgência básica instalado num centro de saúde, também poderemos aí ir buscar verbas.
Quanto à componente comunitária, temos várias fontes de financiamento, nomeadamente através do Saúde XXI, onde há uma linha só para as redes de diferenciação, e já demos orientações ao gestor do programa para aceitar propostas incluindo as que têm a ver com os serviços de urgência básica, estando este programa a ser acompanhado ao dia para conseguirmos saber que verbas é que conseguimos libertar de outros projectos que estão a ser apoiados ou que já o foram e que libertaram verbas por não terem utilizado totalmente aquilo que tinha sido aprovado.
Por outro lado, estamos a utilizar também as dotações comunitárias dos programas regionais, nomeadamente o Programa Operacional da Região do Norte, e recentemente fiz uma reunião com o gestor do Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo e o Sr. Presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo e verificámos que aqui também há possibilidade de reencaminhar dotações para a requalificação dos serviços de urgência.
Por último, e creio que já tínhamos prestado esta informação, na preparação do QREN há uma proposta para uma linha específica para requalificação das urgências, que ainda está em discussão.
Portanto, em resumo, o que estamos a fazer não tem como objectivo primeiro reduzir despesa, tem como objectivo prestar um melhor serviço, um serviço com qualidade acrescida. O que estamos a fazer é um verdadeiro programa de requalificação das urgências.
Também já tivemos oportunidade de vos informar sobre todas as medidas, por isso não as vou agora repetir ou elencar todas, mas estamos a trabalhar em várias frentes neste domínio, como na reorganização das escalas das urgências e na contratação de cuidados de saúde através de empresas, nomeadamente o licenciamento dessas empresas, as auditorias aos serviços prestados por essas empresas e o sistema remuneratório.
Quando o Sr. Ministro assinar o despacho que vai definir os pontos da rede, nessa altura estará definida a referenciação entre os diversos pontos da rede de urgência geral.
Concluí, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Antes de iniciarmos a segunda ronda de perguntas, há, pelo menos, um pedido de interpelação à mesa e, se houver algum outro pedido, agradeço que o façam chegar também à mesa.
Srs. Deputados, vamos procurar ser muito concisos na utilização deste tempo de interpelação.

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A primeira interpelação é pedida pela Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, a quem peço para indicar o fundamento da mesma.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, a minha interpelação à mesa tem uma razão muito simples e clara.
Toda a gente constatou que nem o Sr. Ministro da Saúde nem o Sr. Secretário de Estado da Saúde responderam às três perguntas que formulei sobre a questão das taxas moderadoras. A questão é de princípio.
Eu perguntei ao Sr. Ministro se considerava ou não que estas pseudotaxas moderadoras tinham uma função de co-financiamento do SNS e se achava que elas podiam moderar o acesso ao internamento e a procura de cirurgias, e nenhuma destas perguntas foi respondida claramente.
Agradeço, por isso, que o Sr. Ministro me responda e assuma claramente, perante nós e perante os portugueses, o que é que pretende fazer com a introdução de novas taxas moderadoras, com um objectivo que não é, seguramente, o de moderar.

O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro responderá em bloco a todos os pedidos de interpelação.
Agora, para interpelar a mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, a quem peço também para indicar o fundamento da mesma.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Ministro tem uma memória selectiva quer quanto ao que escreve quer quanto ao que diz, quero solicitar-lhe, Sr. Presidente, que diligencie no sentido de fazer distribuir cópias de declarações do Sr. Ministro garantindo o funcionamento de 100 unidades de saúde familiares até ao fim do ano de 2006.

O Sr. Presidente: — Assim será feito pelos serviços, Sr.ª Deputada.
Por último, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, a quem também peço para indicar o fundamento da mesma.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, a minha interpelação vai no sentido de solicitar a V. Ex.ª que inquira junto do Sr. Ministro se foi deliberadamente ou por mero lapso que ele não respondeu a duas questões com cariz mais técnico, digamos assim, que lhe foram colocadas.
Aguardo, por isso, que isso seja esclarecido e, se possível, seja dada resposta a essas questões A primeira questão tem a ver com as transferências para os hospitais EPE que, na pág. 176 da proposta, nos aparecem em branco. E a primeira tentação que temos é interpretar isto como um «cheque em branco» ao ministério para transferir livremente para os hospitais EPE o que muito bem entenda.
A segunda questão, que foi colocada por mim e pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, relaciona-se com o desdobramento do aumento da verba destinada ao pagamento de prestação de serviços, pagamento a terceiros, para sabermos em que medida é que esta verba comporta antecipadamente a previsão do aumento com o pagamento das equipas de substituição que, inevitavelmente, surgirão com a reorganização dos serviços hospitalares.

O Sr. Presidente: — Para responder em conjunto às três interpelações, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, muito obrigado por me ter lembrado essas questões.
Taxas moderadoras é uma designação, certamente, desajustada em relação à sua finalidade última, que, com este nome ou com outro – a expressão em Portugal resultou, como eu já disse há muito tempo, da tradução do ticket moderáteur dos franceses –, existem em muitos países, em praticamente todos os países, e até existem taxas moderadoras no internamento em nove dos 15 países da União Europeia, e já não falo dos novos aderentes, porque todos esses têm outros mecanismos mais explícitos de filosofia muito diferente.
Como é sabido, as taxas moderadoras não visam financiar; visam responsabilizar, melhorar e reorientar a procura. E, realmente, também lhe digo que no internamento há muita necessidade de reorientação.
Se a Sr.ª Deputada consultar as estatísticas de saúde observa que, por exemplo, nos últimos 10 anos, tem havido uma redução do número de dias de internamento, o que é importante, e que resulta de ganhos de eficiência, de concentração de serviço, de concentração de cuidados prestados em menos tempo e, até, naturalmente, da mudança de tecnologia.
A tecnologia que, hoje… Há muitas cirurgias que antigamente, há 10 anos, eram feitas em unidades de internamento e que hoje são feitas em ambulatório. São muitas! Os especialistas até dizem que até 80% das intervenções cirúrgicas podem ser feitas com cirurgia minimamente invasiva.
Hoje, sabemos – a Sr.ª Deputada sabe – que há serviços em Portugal que fazem um cateterismo com a introdução de um stent que é uma técnica altamente sofisticada; fazem-no com o doente a entrar de manhã às 8 ou 9 horas e a sair à tarde às 17 horas… Portanto, isto já se faz em variadíssimos hospitais portugueses.

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Não vou dizer-lhe aqui quais são, porque certamente omitiria alguns e, naturalmente, não cabe ao Ministro da Saúde numa sessão parlamentar fazer o ranking dos hospitais a este respeito.
Mas, como digo, isto faz-se, existe! E, portanto, há uma tendência natural para a redução das demoras médias. Mas essa tendência pode, e deve, ser acelerada, sobretudo quando estamos a entrar num programa de cuidados continuados a idosos. Temos todo o interesse nos cuidados de grande intensidade, que custam 460 €/dia, e para os quais pedimos, a menos de 45% da população, uma contribuição de 5 €. O que é isto senão uma contribuição puramente simbólica? Pois bem, quanto aos cuidados continuados a idosos, quero dizer o seguinte: há idosos que estão retidos nos hospitais por falta de outro sistema, e o que estamos a fazer, na linha dos cuidados continuados, é a criar unidades de convalescença, de internamento de média duração, progressivamente para concentra, e guardar os hospitais para aquilo que é verdadeiramente diferenciado e, progressivamente, dar ao cidadão, que já não precisa de cuidados agudos, cuidados de melhor qualidade noutra instituição.
Portanto, também este mecanismo pode servir para incentivar a passagem de unidades de média duração, nas quais, Sr.ª Deputada, não há taxas moderadoras. As unidades de convalescença de média duração não têm taxas moderadoras – também é importante que a senhora tenha conhecimento disto. E aqui tem a resposta que me parece importante.
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, sou a pessoa mais susceptível de dar a mão à palmatória. Fico, pois, a aguardar o documento no qual V. Ex.ª diz que eu digo que vamos abrir 100 unidades de saúde familiares.
Tenho falado muitas vezes nesse número mágico de «100», que foi uma meta de inscrições de unidades de saúde familiares. Sr.ª Deputada, temos 117 candidaturas e ainda nos faltam dois meses para chegarmos ao fim do ano; temos 17, e não 16, unidades de saúde familiares a funcionar; e temos mais 24 com data marcada até ao fim do ano.
Sr.ª Deputada, se V. Ex.ª não sente orgulho neste movimento, que me parece colher tanto apoio nas várias bancadas, eu devo dizer-lhe que estou totalmente satisfeito com este desempenho.
Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, quanto às transferências para o PIDDAC, não lhe sei responder, mas o Sr. Secretário de Estado vai saber; mas sei responder-lhe sobre a verba para pagamento de terceiros e pessoal – aliás, há pouco, dei parte da resposta.
Quando analisamos as contas dos hospitais, se aparece uma factura de uma empresa que vende manpower para serviços de urgência, nem sempre é fácil identificar a situação factura a factura. É evidente que os ministérios da saúde e os presidentes do Instituto de Gestão Informática e Financeira e os presidentes das administrações regionais e as agências de contratualização têm de olhar para o número para fazer uma regulação global e por alto; não têm, nem podem ter, a ambição de entrar e dizer assim: quais são os números que aqui estão para tapar buracos nos hospitais? Os hospitais são autónomos, estas rubricas são aprovadas globalmente. Os hospitais têm de ser responsáveis! E a olharmos o seu comportamento ao longo do tempo vamos verificar se há distorções ou não.
Se estou preocupado com esse efeito de «fazer entrar pela janela aquilo que não queremos deixar entrar pela porta», que bem salientou o Sr. Deputado Bernardino Soares? Estamos, certamente, e estamos a trabalhar nas medidas legislativas para prevenir esses efeitos.
Muito obrigado.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de dizer ao Sr. Ministro que o Sr. Ministro não respondeu às perguntas e fez um insulto à minha inteligência e à da bancada do PSD: não respondeu a qualquer das perguntas que foram formuladas!

Protestos do PS e do PCP.

Agradecia, Sr. Presidente, que reiterasse junto do Sr. Ministro que deve respeito às perguntas formuladas pelos Srs. Deputados, e que tem de responder explicitamente a cada uma das perguntas que esta bancada formulou.

Vozes do PS: — Mas alguém deu a palavra a esta Sr.ª Deputada? Não a ouvimos pedir a palavra, nem ninguém a dar-lhe a palavra!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, naturalmente que ouvimos o que a Sr.ª Deputada entendeu dizer.
Nesta medida, evidentemente, qualquer outra bancada se quiser, porventura, comentar o que foi dito, tem todo o direito de o fazer.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, então permito-me comentar a condução dos trabalhos feita por parte de V. Ex.ª, sem precisar para o efeito que me dê a palavra, pela simples razão que V. Ex.ª também não exigiu à Sr.ª Deputada Regina Ramos Bastos, que aguardasse pela condução dos trabalhos por parte de V. Ex.ª! Portanto, a partir de certa altura V. Ex.ª tem de pensar, porque até hoje, até este momento, a condução dos trabalhos tem decorrido com perfeita normalidade, e temos inclusivamente sido muito mais eficazes na gestão

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do tempo e no debate orçamental do que, nomeadamente no ano passado. Portanto, houve alguns ganhos.
Mas V. Ex.ª terá de estar atento a eventuais deslizamentos desta metodologia para aquilo que, infelizmente, foram más experiências do passado.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr. Deputado Afonso Candal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito obrigado, Presidente.
É a primeira vez que acontece, pelo menos neste debate orçamental, e tenho a certeza de que a mesa e o presidente farão tudo para que não volte a acontecer, a transformação daquilo que, normalmente, são interpelações com um sentido estrito, com um tempo limitado e um conteúdo bem preciso, segundo as regras regimentais, numa autêntica segunda intervenção de natureza política no debate orçamental, sem ocupação do tempo que está predestinado e previsto para a segunda ou a terceira ronda, ou seja que ronda for.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Honório Novo.
Naturalmente, cabe à mesa interpretar o sentimento das bancadas, e assim o faremos, na condução dos trabalhos.
Muito obrigado, pelas intervenções que foram feitas.
Vamos, agora, começar a segunda ronda de intervenções…

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, parece que o Sr. Ministro passou a palavra ao Sr. Secretário de Estado para responder.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o Sr. Secretário de Estado responderá na segunda ronda.
Como é normal, acontece haver uma ou outra questão que possa não ter sido respondida integralmente. É o direito dos Srs. Deputados, e o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado responderão, se porventura houver essa indicação por parte dos Srs. Deputados.
Sr.as e Srs. Deputados, vamos iniciar a segunda ronda e, evidentemente, a mesa deverá utilizar a gestão do tempo de maneira a haver um reequilíbrio na utilização do tempo por parte de todas as bancadas.
Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso para intervir, em nome do Partido Social-Democrata.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde, Srs. Membros do Governo, quero também saudá-los no início desta minha intervenção.
Começo por fazer um comentário para, em seguida, colocar algumas questões, sendo que o comentário tem a ver com a afirmação de que este Orçamento do Estado é um orçamento de rigor, que promove a despesa pública através da realização de reformas estruturais, entre as quais a do sistema de saúde e que, Sr.
Ministro, de todo em todo isso não corresponde à verdade.
Primeiro, porque não reduz a despesa pública, antes pelo contrário, aumenta-a em 2,6%, ou seja, 2000 milhões de euros; em segundo lugar, porque não há, em minha opinião, qualquer reforma estrutural no serviço de saúde, já que o que temos tido são medidas avulsas, muitas vezes mal enquadradas, mas também pouco explicadas.
Mas, Sr. Ministro, vamos às questões. A primeira prende-se com a reorganização da rede de urgências.
Fecham-se 14 serviços de urgências e, mais uma vez, à revelia das populações, dos profissionais e dos autarcas. Naturalmente que as novas urgências básicas, que vão ser criadas, vão precisar de novas equipas de profissionais e de mais recursos para prestar serviços de qualidade e com segurança, que todos desejamos.
Dada a falta de médicos e sua organização – 600 ao todo e, principalmente, no interior –, é óbvio que a rede de urgências proposta, particularmente ao nível da urgência básica, implica uma absorção de recursos médicos, que, agora, estão a fazer serviço no Serviço de Atendimento Permanente de outros centros de saúde.
Por isso, Sr. Ministro, a pergunta é muito clara: o que será feito dos SAP? É que não existem neste momento, como disse e repito, médicos e outros profissionais em quantidade e, principalmente, no interior.
Então, de onde é que vêm? Será que são deslocados dos Serviços de Atendimento Permanente que funcionam nos outros centros de saúde? Isto é, o Sr. Ministro vai, ou não, extinguir os SAP que funcionam 24 horas por dia, principalmente durante o período da noite? E, se sim, qual é o calendário? É no próximo mês, no próximo ano, ao longo do ano, ou quando, Sr. Ministro? E como é que se vai processar a afectação e a recolocação dos profissionais abrangidos por este processo? Um exemplo prático, Sr. Ministro: imagine que um doente, o Sr. Silva da cidade de Trancoso, adoece às 2 horas da madrugada. Para onde é que vai? Para onde é que deve recorrer? Para a urgência básica de Foz Côa, que dista 45 km sem IP2 – apesar das placas do IP2 lá estarem colocadas, desde o governo do Eng.º

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Guterres –, demorando 40 a 50 minutos, com bom tempo? Ou vem para a unidade médico-cirúrgica da Guarda, demorando outro tanto tempo, porque também continua a não haver IP2, apesar das placas? Sr. Ministro, veremos a que ritmo V. Ex.ª vai encerrar as urgências e a que ritmo serão criadas as urgências básicas e com que consequências sociais e económicas, já que não sabe, ou não quer dizer, quanto vai gastar com esta proposta de reorganização da rede de urgências. Quase me apetecia dizer que tapa-se de um lado e destapa-se de outro sem se visualizar qualquer melhoria na qualidade, na segurança e na acessibilidade ao serviço de saúde.
Esta parece um pouco a teoria do iceberg: já nos mostrou, e já vimos os 10%, e não gostámos, mas o pior, os outros 90%, está para vir, pondo em causa, provavelmente, princípios básicos de equidade, de coesão nacional e territorial e, acima de tudo, de solidariedade que estão explanados na Constituição, na Lei de Bases da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde.
A segunda questão diz respeito às parcerias público-privadas. O Orçamento do Estado de 2006 continha uma calendarização dos novos hospitais em regime de parcerias público-privadas; o Orçamento do Estado para 2007 já não a contém, limitando-se a descrever a situação actual dos três hospitais – Cascais, Braga e Vila Franca de Xira – e a diminuir o investimento dos dois que referi em primeiro lugar.
Em relação aos hospitais, às parcerias público-privadas da segunda vaga assumidos pelo actual Governo, como sabe, como a prioridade da sua política de grandes investimentos, deixou de haver qualquer calendarização sobre a sua construção ou a entrada em funcionamento.
O Orçamento do Estado para 2007 limita-se a elencar os hospitais – Todos-os-Santos, Faro, Seixal, Évora, Vila Nova de Gaia, Vila de Conde, Póvoa de Varzim e, com muita pena minha, não está lá o da Guarda, mais uma vez –, referindo apenas a intenção do seu lançamento até ao final da década.
Sr. Ministro, diga-me, de forma clara e precisa: primeiro, qual é a calendarização da construção destes novos hospitais da primeira vaga? Como explica a redução desses investimentos? Para quando o despacho de aprovação dos hospitais da segunda vaga? E confirma, ou não, a declaração do encarregado de missão de que o concurso do hospital de Todos-os-Santos vai mesmo ser lançado no primeiro semestre de 2007? E como explica também, o Sr. Ministro, a redução do investimento em 14 milhões de euros, que leva a que a maioria das obras tenha verbas simbólicas, verbas de faz de conta, muitas vezes da ordem dos 5000 €?

O Sr. Presidente: — Agradeço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, para uma vítima contabilística e um refém do Orçamento, a declaração pública do presidente da Entidade Reguladora da Saúde de que há fraudes nas convenções e de elas rondam os 20% é uma oportunidade a não perder e, como pede o Sr. Ministro, é uma sugestão que lhe fazemos. O combate à fraude nas convenções permite arrecadar 160 milhões de euros, é uma medida socialmente justa e tecnicamente correcta e com isso evitava que os que menos têm e mais sofrem fossem injustamente penalizados com os novos impostos no pagamento de urgências e de intervenções cirúrgicas em ambulatório, que apenas representam 9 milhões de euros.
Sr. Ministro, aqui tem esta sugestão, a escolha é sua: altere o regime de convenções e combata a fraude em vez de castigar os doentes, obrigando-os a pagar aquilo que não depende da vontade deles nem no internamento nem nas cirurgias em ambulatório.
E para terminar, digamos, não desiludindo o Sr. Ministro, porque sei que está à espera desta questão, como não podia deixar de ser, vou referir o hospital da Guarda.
O que me diz, Sr. Ministro, sobre os exíguos 360 000 € para a remodelação do antigo hospital, já que um ano passou com 150 000 € inscritos no PIDDAC de 2006 sem nada ter sido feito! Portanto, o processo ficou parado! Será que temos mais um ano perdido, isto porque os 360 000 € não dão sequer para o papel? E não me leve a mal, mas tenho de dizer-lhe, com o à-vontade e com a simpatia que nutro por V. Ex.ª, que estes 360 000 € devem ser só para arranjar a cadeira que em tempos V. Ex.ª lá deixou partida e que continua lá assim.

O Sr. Presidente: — Pelo Partido Socialista, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Jorge Almeida.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde, Sr. Ministro da Saúde, Srs. Secretários de Estado: Vou começar a minha curta intervenção fazendo uma pequena referência à execução orçamental de 2006. E vou vincar esta questão muito rapidamente, porque é bom fazê-lo: já o fizemos em Abril e Maio aquando da apreciação intermédia da execução orçamental, fá-lo-emos agora, aliás, ela já foi referenciada por colegas meus de bancada.
Queria dizer que estamos face a um momento que reputo de histórico na execução orçamental e também nas directivas, na gestão dos grandes hospitais, das grandes e das médias unidades hospitalares, onde foi possível fazer uma execução destas, cortar na tal «gordura» que o Sr. Ministro tem vindo a referenciar, encontrar ganhos na relação custo/benefício, e, para além disso tudo, fazer ainda o aumento da produção. E também é de sublinhar que se conseguiram encontrar as melhores soluções de racionalidade aumentando a pro-

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dução a todos os níveis: nas intervenções cirúrgicas, na consulta externa, nas urgências e nas consultas nos centros de saúde.
É bom referir que quando isto se discute com a oposição ficamos sempre na dúvida, nas críticas. É natural que a oposição assuma um conjunto de críticas, mas é bom mencionar que, sem racionalizar o sistema, sem cortar verdadeiramente as suas «gorduras», não é possível controlarmos um sistema que tendencialmente tem vindo a encarecer, e a encarecer desmesuradamente, atingindo patamares de gasto e de consumismo que são preocupantes.
Queria dizer que para além disto o Governo apresenta aqui dois planos, que já tem vindo a executar, que são importantíssimos do ponto de vista estratégico, para levar a cabo uma política que traga melhores custos, melhor relação custo/benefício e mais ganhos em saúde. Refiro-me concretamente às Unidades de Saúde Familiares e à Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde e Apoio Social, porque tratam de políticas com visão estratégica, que vão conduzir-nos dentro de alguns anos, dentro de uma década, a patamares de eficiência no sistema. Nessa altura, tenho a certeza que vários colegas da oposição vão referir-se a essas políticas como momentos importantes, como uma página importantíssima na política de saúde do nosso país, particularmente no Serviço Nacional de Saúde.
Sr. Ministro, permita-me dizer-lhe que considero a Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde e Apoio Social, que V. Ex.ª concebeu, uma das legislações mais importantes para o nosso Serviço Nacional da Saúde e para o nosso Estado social e que revela uma visão estratégica.
Sou particularmente sensível a esta questão não só porque tenho uma relação com o trabalho nesta área mas também com as populações e com os profissionais de saúde, que a vêem como uma medida importantíssima, que vai ao encontro dos seus desejos e das suas necessidades enquanto profissionais de saúde, sobretudo na área hospitalar.
Devo referir-lhe que sou ainda mais sensível a esta questão, porque em distritos como o meu isto é muito sentido, pois, neste momento, caminha para uma percentagem de 20% de população com mais de 65 anos e, segundo as estimativas da OCDE, num prazo de 20/30 anos pode atingir uma percentagem de 30%, pelo que, naturalmente, isto vai ao encontro dessas preocupações.
Esta linha estruturante define os patamares, a graduação nos diversos níveis de prestação, todos em continuidade, prevê uma verdadeira fileira de cuidados de nível para nível, com uma gestão muito bem programada de nível para nível, e inclui também os cuidados paliativos e os cuidados domiciliários. É um plano estruturante que, depois de aplicado, vamos com certeza reconhecer com uma grande medida no nosso Serviço Nacional de Saúde, porque, além de ser bem concebido tecnicamente, prevê também a partilha de responsabilidades com a Segurança Social e o sector privado das Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS).
E mais: é igualmente sustentável, porque prevê uma fonte de financiamento ligada aos jogos sociais.
Curiosamente, relativamente a esta questão, no início desta sessão legislativa fomos «bombardeados» pelo PSD, que não percebeu – não percebeu na altura, espero que agora venha a perceber – que o acordo feito com as misericórdias no tempo do governo anterior não foi uma medida de governo; foi uma medida de desgoverno. Isso foi corrigido, muito bem corrigido, e era bom que a oposição também se referisse a esta situação e fosse assimilando estes conceitos e este estado de interpretação das melhores soluções para a situação dos idosos e dos doentes dependentes.
Devo dizer que só no meu distrito já arrancaram duas unidades de cuidados continuados prolongados e a pergunta que quero fazer ao Sr. Ministro entronca um bocadinho nisto.
Já temos no orçamento para 2007 uma verba destinada a esta área, que pode não ser muito auspiciosa, que pode não ser uma grande verba, mas que articulada com as dos outros parceiros vai, naturalmente, concretizar a instalação de mais unidades destas.
Sr. Ministro, a pergunta que quero fazer-lhe é a seguinte: há uma previsão temporal para aplicar este plano? Isto é, gostava de saber qual é a previsão que o Sr. Ministro tem, em termos temporais, para aplicar este vasto plano.
Gostaria, ainda, de saber se quando esse plano for aplicado ficamos preparados para enfrentar o problema do apoio social aos idosos e às pessoas dependentes no cenário mais pessimista da nossa evolução demográfica.

O Sr. Presidente: — Na segunda ronda de intervenções, e pelo Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, vai permitir-me com certeza que antes de fazer aqui mais algumas perguntas, estando a olhar para a transmissão da nossa reunião, não deixe de valorizar e de cumprimentar o trabalho, que não é simples tendo em conta a diferença de termos específicos em cada ministério no âmbito orçamental, que as tradutoras de língua gestual estão a fazer e que permite que muitos cidadãos que de outra maneira não teriam acesso a este debate a ele possam aceder lá em casa. Esta é, certamente, uma novidade que enriquece muito o debate do nosso Orçamento.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado. Sr. Deputado.

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Permita-me que o interrompa para dizer-lhe que sublinhamos, e certamente penso que também o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado que estão aqui connosco, a sua intervenção, apoiando-a inteiramente e ficando satisfeitos pela circunstância de o ter referido. Naturalmente, Sr. Deputado, considere que o tempo que até agora dedicou e que está a contar está apagado.

O Orador: — Sobre a questão das inconstitucionais taxas moderadoras, vejo que não foram negadas as contas que fizemos de que a actualização normal, que está prevista nos dados do Orçamento, é de 3,2%, o que acrescentando os 9 milhões de euros das ditas novas taxas moderadoras será um aumento de 24% da globalidade das taxas em relação ao ano de 2006.
Achei muito engraçadas as contas que o Governo nos apresentou dizendo que, se bem percebi, o saldo entre a diminuição das comparticipações e a baixa de 6% dá um ganho de 13 milhões de euros para os utentes – não discutamos agora essas contas, não temos aqui, neste momento, todos os dados para confirmá-las, mas admitamos este cenário – e que estes 13 milhões de euros, se bem entendi, compensam o aumento das taxas moderadoras e a introdução das novas taxas.
Pergunto se em 2008 também vai haver compensação, porque este raciocínio – não discutindo agora o que é que são as taxas, porque já falámos sobre isso – aplica-se às contas que aqui temos e vamos dá-las de barato como verdadeiras! E em 2008? E em 2009? E em 2010? Ou o Governo compromete-se a baixar 6% todos os anos enquanto houver taxas moderadoras destas, que agora inventou, e a não aumentar as ditas taxas moderadoras? Vejamos, então, como é que o Governo resolve este problema no futuro, porque julgo que estas novas taxas para os internamentos e para as cirurgias, se não forem declaradas inconstitucionais como merecem, não estão na intenção do Governo apenas para o ano de 2007, são para outros anos e, porventura, com aumentos nos anos seguintes.
Nem comento a ideia de que elas servem para reorientar a procura que o Sr. Ministro utilizou, porque acho que é um absurdo tão grande que fala por si mesmo.
Foi publicada, hoje, a nova lei orgânica do Ministério da Saúde na sequência da legislação que tem estado a ser produzida no âmbito do Programa de Reestruturação da Administração Pública do Estado (PRACE) – ainda há dois dias saiu o quadro geral destas reestruturações.
Assim, gostava de saber quanto é que o Ministério da Saúde prevê lucrar, ao reduzir a despesa em 60% para os serviços e em 40% para o próprio Ministério, com a utilização do regime de mobilidade especial na saúde. Gostava de saber quais são os valores que o Governo prevê nesta matéria.
Quanto à questão das farmácias, pretendia saber quanto vai ser o custo por acto farmacêutico em relação à distribuição dos medicamentos que o Governo agora propõe que se faça nas farmácias. O Sr. Ministro confirmou que haverá pagamento por acto farmacêutico na distribuição dos medicamentos que até aqui eram dispensados apenas nos hospitais. Quanto custará cada acto farmacêutico? Quanto é que vai ser dado às farmácias? Qual é o total desta despesa no Orçamento do Estado? E pergunto-lhe isto, porque, afinal, não é gratuito, afinal não é sem custos para o Estado. Há, aqui, um pagamento e mesmo que o Governo negue agora que adiante vai introduzir mais custos para os utentes ou, eventualmente, uma margem para as próprias farmácias, mesmo que o Governo diga que isso não está nas suas intenções, há já um custo por acto farmacêutico que merece ser esclarecido.
Gostava, ainda, de saber como é que o Governo compatibiliza o crescimento zero nas convenções, isto é, no consumo de meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, que vem no Orçamento que apresentaram, com a possibilidade, prevista no tal «Compromisso com a Saúde», de passar a ser autorizada a existência de meios de diagnóstico nas farmácias em dimensão diferente da que existia até agora.
Outro grupo de questões tem a ver com o Protocolo com a APIFARMA. Bom, com estes números, já concluímos que o Protocolo na área hospitalar é um fracasso, como, aliás, já se vinha a intuir pela dificuldade em obter estes dados. É que 24% do total do negócio hospitalar só pode rotular-se como um fracasso, está muito longe daquelas que eram as expectativas anunciadas pelo Sr. Ministro da Saúde e pelo Governo.
Mas quero chamar ainda a atenção para uma outra matéria, que tem a ver com a questão do crescimento estabelecido neste Protocolo.
O Protocolo dizia, e diz, porque está em vigor, que, em 2006, o crescimento seria zero, descontadas as despesas em investigação, e que, em 2007, o crescimento seria zero, em função do crescimento de 2006, apenas acrescentado do valor da inflação, que, volto a dizer, não discutindo agora a inflação prevista pelo Governo, seria de 2,1%.
Ora, sucede que o termo de comparação entre estes vários anos é o nível das comparticipações. E o Governo acabou de nos dizer que, com a diminuição das comparticipações nos vários escalões, vai haver uma poupança para o Estado entre 115 e 120 milhões de euros. Foi isto que o Sr. Secretário de Estado, há pouco, disse, que a poupança para o Estado, nesta matéria, entre os 6% e mais as comparticipações, resultará num ganho, no total, de 120 milhões de euros — o total da poupança com as mexidas na área dos preços e das comparticipações. Portanto, estes 120 milhões de euros terão de ser descontados ao tal crescimento zero; isto é, pelo menos em 120 milhões de euros a indústria pode vender mais e isso continuará a ser considerado abaixo do crescimento zero. É assim que se aplica o Protocolo! O crescimento zero é com base no valor das comparticipações, pelo que se o valor das comparticipações vai ter esta diminuição isso tem de ser contabilizado. E, se à tal inflação de 2,1% acrescentarmos os 2,6% a que correspondem estes 120 milhões de

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euros — que é o que foi gasto com os medicamentos no ano de 2006, na estimativa que está apresentada pelo próprio Governo —, o crescimento possível, mantendo o nível zero, para a indústria farmacêutica, em 2007, será de 4,7%, contabilizando este abaixamento no nível das comparticipações e no preço que o Governo prevê mais a inflação prevista. Foi disto que falámos e que denunciámos, quando foi aprovado o Protocolo com a APIFARMA, e que, agora, mais uma vez, se comprova. O tal crescimento zero ou zero apenas com a inflação significa um crescimento autorizado de 4,7% em 2007.
Finalmente, uma última palavra para dizer que, quanto à rede das urgências, o Governo devia explicitar quanto é que poupa com estes encerramentos, quais são os ganhos financeiros destes encerramentos, para vermos se o que está orçamentado naqueles programas para abertura de novas urgências tem ou não compensação.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, agora, da parte do CDS-PP, teremos uma intervenção partilhada, porque é iniciada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro e será continuada pelo Sr. Deputado Helder Amaral.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, não tencionava intervir, mas, de facto, há aqui uma grande iniquidade, porque temos de utilizar o tempo da nossa segunda ronda para relembrar ao Sr. Ministro as perguntas que não nos foram respondidas, sendo que este tempo nos é cobrado. Mas vou procurar ser muito breve.
Sr. Ministro da Saúde, com toda a estima, não quero que entenda que me dirigi a si em termos menos próprios. Citei apenas um artigo escrito pelo Sr. Ministro, há menos de dois anos, relativamente ao qual peço, mais uma vez, ao Sr. Presidente, que o faça distribuir, em que o Sr. Ministro, a propósito dos cortes em PIDDAC efectuados pelo Governo de coligação, dizia que tínhamos entrado numa via de castração das forças criativas, cortando no investimento público. Foi apenas isto que eu disse e estas são palavras do Sr. Ministro! É que o Sr. Ministro, muitas vezes, tem memória selectiva, quer quanto ao que escreve, quer quanto ao que diz, quer quanto às respostas que dá às nossas perguntas.
Por outro lado, confesso-lhe que é um pouco confrangedor ver o enfado e a condescendência com que responde a algumas das nossas questões. Há pouco, perguntei-lhe acerca da telemedicina, mas sei que ela já existe, o que pretendia saber é se estão previstas verbas para impulsionar este tipo de mecanismos.
A propósito da Constituição e da expressão «tendencialmente gratuito», esta questão não é de somenos, porque, como acabámos de ver, o PCP faz o seu papel e interpreta ideologicamente estes termos. Portanto, aquilo que perguntamos é se o Sr. Ministro está ou não disposto a retirar estes dois termos, que têm por detrás uma inspiração ideológica, de modo a que não restem quaisquer dúvidas interpretativas sobre a natureza de co-pagamento das taxas moderadoras ou de utilização, ou como o Sr. Ministro lhe queira chamar, porque encontramos juristas que defendem uma coisa e outros que defendem o seu contrário. Era isto que pretendíamos saber.
Passo às questões a que o Sr. Ministro não respondeu na primeira ronda, lamento, mas tenho de voltar a colocá-las.
No que se refere às horas extraordinárias, que, de facto, como sabemos, são uma componente muito importante do vencimento alcançado pelos profissionais da saúde, o Sr. Ministro está ou não disposto a repor justiça, em termos dos vencimentos, para que os vencimentos globais não sejam feitos à custa de horas extraordinárias? Relativamente ao número de administradores, concordamos com o que o Sr. Ministro fez.
Quanto à melhor rentabilização dos blocos operatórios, é verdade que o Sr. Ministro já veio muitas vezes ao Parlamento e que em todas elas eu pergunto o que está a ser feito por forma a rentabilizar a utilização dos blocos operatórios, mas nunca consegui obter uma resposta.
Relativamente à organização das urgências, não obtive qualquer resposta quanto à adequação dos profissionais aos picos ou às quebras de utentes.
No que diz respeito à prescrição dos meios complementares de diagnóstico, também não obtive resposta sobre a disponibilidade para dar indicações para a instituição de protocolos e de guidelines, quer quanto à prescrição de medicamentos, quer quanto aos meios complementares de diagnóstico. Agradecia que nesta segunda ronda fossem respondidas estas questões.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, antes de dar a palavra ao seu colega, quero sublinhar que V. Ex.ª, como outros Deputados, utilizou a figura da interpelação à Mesa para sublinhar que, no seu entendimento, havia algumas questões que tinha colocado e que não tinham sido respondidas.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não, não!

O Sr. Presidente: — Utilizou o seu tempo de interpelação para sublinhar apenas um destes pontos. Não pode sustentar-se que há iniquidade no tratamento desta matéria.

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Posso explicar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Não, utilizou no sentido de pedir para distribuir um texto, o que foi feito. Aliás, aproveito para dizer que o segundo texto que referiu também já está a ser distribuído.
Mas é evidente, Sr.ª Deputada, que cada partido utiliza o tempo de que dispõe como entende. Há algum prejuízo na intervenção do Sr. Deputado Helder Amaral que decorre efectivamente da…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Temos de reformular as nossas perguntas da primeira ronda, porque elas não foram respondidas!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, o pedido de interpelação que utilizou servia exactamente para isso, como foi utilizado por outros colegas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, neste pouco tempo que me resta vou ficar por questões muito genéricas.
Acredito nos Orçamentos e no seu rigor, aliás, o de 2006 era um Orçamento de verdade e de rigor. O Sr.
Ministro diz que este também é um Orçamento de verdade e de rigor e acredito que assim seja, o que eu gostaria de saber era se o Orçamento é causa/efeito das políticas, porque isto, de facto, não fica claro.
O quero dizer com isto é que, embora me preocupe com o «tendencialmente gratuito», tanto do agrado de alguns partidos políticos, estou mais preocupado com o tendencialmente inexistente, que cada vez mais o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) confirma. Para ser rápido vou apenas elencar o que acontece.
No que se refere às unidades de saúde familiar, não estou muito preocupado com quantas candidaturas existem e quantas vão existir, estou mais preocupado em saber onde é que elas se vão situar. É que comparo o Serviço Nacional de Saúde a um grande hospital central que vai perdendo valências de acordo com os custos que vão tendo, vão-se cortando, alguns serviços vão-se cobrando e há até áreas desse hospital que são deixadas ao abandono, principalmente as áreas sociais. Aliás, há um exemplo de um grande hospital central em Portugal que tinha uma família a morar na cave, o que ilustra bem o que estou a dizer.
O Serviço Nacional de Saúde é um grande hospital: vão-se cortando valências, vão-se abandonando algumas áreas e vai-se transformando num hospital distrital, depois num centro de saúde e qualquer dia apenas num posto de atendimento. Portanto, o que está aqui em causa é o próprio Serviço Nacional de Saúde e o seu financiamento.
O que me preocupa é a cobertura nacional do Serviço Nacional de Saúde, não é tão-pouco a sua viabilidade financeira. Sei que há um grupo de estudo para ver a viabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde, Sr. Ministro, mas o que está em causa é a sua existência, não é a sua viabilidade financeira, para tantas zonas do país onde já não existem médicos ou eles têm uma idade avançada. Basta olhar para o PIDDAC.
Este corte no PIDDAC é um sinal indicador disto mesmo; a inexistência de alternativas ao tal hospital grande, que são as unidades de saúde familiar, será um sinal disto mesmo.
Falando nos serviços convencionados, Sr. Ministro, este «plafonamento» leva-me a algumas preocupações, no sentido de saber se não vai haver uma quebra de qualidade dos serviços que irão ser prestados pelos convencionados. Inclusive, também gostava que o Sr. Ministro me explicasse muito rapidamente essa diferença de preços entre o sector convencionado e o sector público. Há uma diferença de preços significativa entre um serviço e o outro, e penso que aqui pode eventualmente haver, mais uma vez, um prejuízo para quem está longe dos grandes centros.
Termino, Sr. Presidente, fazendo uma breve referência às parcerias público-privadas. Esta parece-me ser uma belíssima ideia, que o Governo deveria incentivar e utilizar, mas, se olhar quer para a primeira quer para a segunda fases, volto a ter a ideia clara de que está «literalizada» e que não responde àquela que, a meu ver, deveria ser a grande preocupação para os que defendem o Serviço Nacional de Saúde, porque ele não pode ser analisado só na vertente da sua viabilidade financeira nos grandes centros, é bom que exista e que tenha uma cobertura territorial do país como deve ser. E não estou sequer a falar de Olivença, que é uma questão que se dirime noutros fóruns.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado, pela forma concisa como expôs os seus argumentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, quero apenas colocar três questões.
Há pouco, quando interroguei se este orçamento sustenta a criação de 13 urgências polivalentes, como consta da proposta em discussão, não me referia, obviamente, aos três hospitais centrais. Mas questiono novamente o Sr. Ministro: os hospitais de Braga, Vila Real, Viseu, Évora e Faro estão hoje em condições de ser 5 das 13 superurgências do país? Onde está o dinheiro para as transformar nessas 13 superurgências, porque será grave pôr uma rede de urgências a funcionar quando os seus principais ancoradouros não estão em condições de prestar o serviço que está previsto?

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Relativamente aos hospitais que já há muito tempo todos percebemos serem as «meninas dos olhos» do Sr. Ministro — os Hospitais de São João, de Santa Maria e Universitário de Coimbra —, não se iluda com as publicações periódicas que fazem estudos de qualidade sobre estes hospitais, e muito menos com o último estudo publicado — enfim, estudo é até uma classificação excessiva e exagerada. Estou convencido de que, se os critérios tivessem sido outros, nomeadamente a manifestação de satisfação por parte dos utentes, os resultados teriam sido bem diferentes daqueles que a revista publica e que tanto contentamento lhe deram.
A segunda questão é sobre os medicamentos. O que afirmei foi que, pela primeira vez este ano, nos oito primeiros meses, os utentes pagaram mais do seu bolso pelos medicamentos que adquiriram nas farmácias do que o valor das comparticipações do Estado sobre esses medicamentos. Obviamente que isto inclui os medicamentos não comparticipados e os comparticipados, mas é disto que estamos a falar, de quanto custaram este ano os medicamentos aos utentes e de quanto custaram no ano passado.
Comparar só a evolução da comparticipação não me parece muito significativo do ponto de vista do modo de vida e da capacidade de os portugueses sustentarem os seus custos com a saúde.
Ainda sobre as farmácias, presumo que a questão da distribuição dos medicamentos para a SIDA, para a tuberculose, para as hepatites e dos medicamentos oncológicos nas farmácias precise de ser mais discutida, e o Parlamento talvez não seja o melhor sítio para a discutir, mas os argumentos que o Sr. Ministro adianta não são muito rigorosos e são perigosíssimos. Por que é que o Sr. Ministro, então, não diz à Direcção-Geral da Saúde que despache, legisle, o mesmo que foi legislado para a tuberculose? A medicação para a tuberculose, em Portugal, é obrigatoriamente tomada sob observação directa. Pois legisle o mesmo para a SIDA! O que o Sr. Ministro está a pretender fazer é de um enormíssimo risco não só para os doentes que vão ser sujeitos a esse sistema como para todos os outros, que vão ver-se embrulhados numa teia de novas multirresistências gravíssimas para a saúde pública. E isto, Sr. Ministro, é uma decisão que deve ponderar.
Mas o mais importante de tudo isto é que V. Ex.ª não respondeu à pergunta que lhe fiz e que foi muito clara: isto é ou não um passo para deixar de comparticipar esses medicamentos a 100%, como já aconteceu com alguns medicamentos oncológicos, que eram de distribuição exclusivamente hospitalar e que hoje se encontram à venda nas farmácias, para os quais o doente já tem de pagar 10%, 15%, 20%, 30% ou 40% do seu preço? É esta questão que está em cima da mesa e que, do ponto de vista político, é a mais importante; a outra é uma questão de natureza clínica. Toda a gente sabe que hoje o tratamento da SIDA é bem mais complexo do que dar uma pastilha a um qualquer doente que vá a um balcão receber essa terapêutica.
Por último, percebo que para os Srs. Deputados da maioria socialista o centro materno-infantil seja um tema incómodo, mas não vale a pena deturpar o que foi dito e muito menos iludir que temos aqui um grave problema. Ninguém disse que o que está previsto no plano é construir um barraco, o que eu disse, afirmei e reafirmo, é que o que está previsto na proposta que a ARS Norte (Administração Regional de Saúde do Norte) vai entregar ao Sr. Ministro, da qual, pelos vistos, ainda não tem conhecimento, é: primeiro, a criação de um edifício, construído nos terrenos da maternidade, para instalar a consulta de pediatria do actual Hospital Maria Pia; segundo, a integração das valências do Hospital Maria Pia no Hospital Geral de Santo António; terceiro, a criação de o centro hospitalar de Santo António; e, quarto (conclusão minha, não está lá escrito), não vai haver centro materno-infantil algum, nem vai haver sequer qualquer Hospital Maria Pia. O que me surpreende é que, quer a maioria quer o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado — desculpem que vos diga —, parece que andam a dormir, porque o que digo é o que é dito há muito tempo pelos responsáveis da ARS! Passo a ler, para os senhores não julgarem que se trata de alguma invenção de última hora: «O estudo da Administração Regional de Saúde (…)» — são palavras de um dirigente da ARS — «(…) conclui que não se justifica a construção do Centro Materno-Infantil do Norte…» — isto foi dito em 30 de Agosto de 2005. E os senhores estão espantados por irem receber um estudo que vos propõe que não seja construído nenhum centro materno-infantil do norte?! Não tenho dúvidas de que é isto que vai acontecer. Sei que é isto que vai acontecer!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluída a segunda ronda de questões. Cabe agora ao Sr.
Ministro da Saúde e aos Srs. Secretários de Estado responder.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr. Presidente, tentarei responder a algumas das questões colocadas, começando pela que ficou por responder da ronda anterior, formulada pelo Sr. Deputado Carlos Miranda, sobre as transferências para os hospitais EPE de verbas de PIDDAC.
Vou referir dois pontos. Tem o Sr. Deputado inteira razão quando diz que o valor não deve estar em branco, o que, naturalmente, terá de ser corrigido por nós. De facto, o valor não deve estar em branco. De qualquer forma, não é, obviamente, um «cheque em branco». O Sr. Deputado sabe exactamente do que se está a falar; essa transferência não é nova no Orçamento do Estado — já constava no Orçamento do Estado para 2006 — e visa essencialmente permitir a transferência de verbas de PIDDAC das administrações regionais de saúde e do Instituto da Qualidade em Saúde, nomeadamente as verbas para os programas de acreditação dos hospitais, que abrangem também os hospitais EPE.

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De todo o modo, quanto à inexistência no mapa entregue de qualquer valor limite para essas transferência, muito obrigado pela chamada de atenção. Esta será, naturalmente, uma questão a corrigir, para que não fique qualquer dúvida quanto à intenção e à existência dessa linha no quadro respectivo.
A Sr.ª Deputada Ana Manso não está presente mas…

O Sr. Presidente: — Está, sim. Está na mesa como Vice-Presidente da Comissão…

O Orador: — Peço desculpa.

O Sr. Presidente: — E em plena capacidade para ouvir a resposta!

O Orador: — E está muito bem! Muito obrigado, Sr. Presidente, e peço desculpa pela minha falta de capacidade visual, pois só olhei para a bancada do PSD e não observei a mesa.
Sr.ª Deputada Ana Manso, muito obrigado pela sugestão quanto às convenções, mas valeria a pena começar por conseguir convencer o seu colega de bancada Carlos Miranda, que se manifestava preocupadíssimo, na sua primeira intervenção, com os efeitos do tecto zero nas convenções, na sequência dos 5% de preço. Se há uma situação de desperdício de 20%, quer dizer que, de facto, ainda temos bastante mais margem para corrigir, sem que haja qualquer impacto na capacidade de acesso dos doentes a esse conjunto de serviços.
Provavelmente, valeria a pena também alguma coerência interna na bancada do PSD, quanto a esta matéria. De qualquer forma, penso que a sugestão é positiva. E mais: conforme o Sr. Ministro já disse, esta é a altura adequada para regular de novo e regulamentar, com algumas alterações, o quadro das convenções, com a preocupação fundamental de abrir, de facto, as convenções, porque, a situação actual é inaceitável.
Aliás, as palavras do Sr. Presidente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) visavam chamar a atenção de que o controle da despesa não é o que determina estas medidas. Foi exactamente a questão do controle da despesa que, ao longo de vários governos, incluindo os governos onde os senhores estiveram presentes, levou à manutenção da situação de fecho das convenções, o que é inaceitável.
Sr. Deputado Bernardino Soares, muito obrigado por confiar que as contas são verdadeiras, apesar do comentário de que dá de barato que são verdadeiras.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não, não! Eu só disse que não as podia comprovar!

O Orador: — Penso que a questão das compensações e dos saldos líquidos é relevante para as pessoas serem feitas ano a ano. Naturalmente que não faz qualquer sentido a comparação sistemática da política de definição e das políticas que têm de ser elencadas nos vários anos.
Como já tive oportunidade de dizer, e reafirmo, a grande novidade deste orçamento — sendo um orçamento de rigor, muito justo e difícil de executar — é que não se faz apenas apelo a uma melhoria de gestão, ao esforço de todos os agentes do sector. O Governo, na proposta de Orçamento que apresentou aqui, na Assembleia da República, elenca um conjunto de medidas que visam sustentar a viabilidade da execução orçamental. E fá-lo, exactamente, distribuindo os sacrifícios de uma forma que nos parece justa e equilibrada e não a de transferir custos para as pessoas (não é isto que lá está!). Também se pedem sacrifícios aos portugueses — estão explícitos e perfeitamente identificados, não estão escondidos, nem estão nas entrelinhas —, apontando claramente para os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde, que também terão a sua componente na partilha dos sacrifícios. E este parece-me ser um ponto que vale a pena salientar, porque é baseado numa política de credibilização do Serviço Nacional de Saúde, de protecção dos seus valores e de partilha, também pelo SNS, da política geral de contenção da despesa pública.
No que se refere ao custo por acto farmacêutico, não está ainda definido, ou seja, esta é uma questão que tem de ser negociada. Não é uma novidade completa. O protocolo actual sobre a diabetes, nomeadamente na distribuição de materiais de diagnóstico (acções de diagnóstico) que permitem o controlo da diabetes e que é um programa muito positivo, tem uma componente de distribuição directa destes materiais, que têm já uma margem zero de comercialização nas farmácias, e também engloba o pagamento de serviços farmacêuticos.
Ou seja, não estamos a falar de nenhuma novidade, não estamos a falar de algo que começa do zero. Há experiências sobre esta matéria, e, portanto, a definição dos valores tem de ser assente.
De qualquer forma, quando o Sr. Deputado diz que é um custo acrescido para os utentes, vale a pena pensar um pouquinho mais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eu não disse que era para os utentes!

O Orador: — Sr. Deputado, se não disse para os utentes, há-de ter dito para alguém, e os utentes são os portugueses que ou pagam directamente ou pagam através dos impostos, que o Estado pode usar para financiar o Serviço Nacional de Saúde. E, deste ponto de vista, os ganhos que podem existir em políticas de proximidade das pessoas, dos doentes, para recolher esses medicamentos também tem de ser assinalados.
Finalmente, no que se refere aos números que elencou sobre o protocolo com a indústria farmacêutica, permita-me que, com o respeito que me habituei a ter pelas suas intervenções, não lhe responda e lhe dê um

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conselho: reveja esses números, porque, daquilo que ouvi, parece-me que vale a pena voltar a fazer as contas, porque os números não estão certos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eu expliquei-me foi mal!

O Orador: — Penso que sim.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde.

A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde: — Sr. Presidente, começo por responder à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, dizendo que, no que se refere à telemedicina, não me parece que este problema tenha a ver com a falta de financiamento. Como a Sr.ª Deputada deve saber, a telemedicina, nos últimos seis anos, pôde recorrer a diversos fundos comunitários através de vários programas. O problema da telemedicina é outro e estamos a pensar trabalhar essa área, só que não podemos fazê-lo já. Ainda temos mais três anos de governação e, obviamente, não podemos fazer tudo ao mesmo tempo.
O grande problema no nosso país quanto à telemedicina é que não existe qualquer normativo que enquadre a actividade da telemedicina, nomeadamente (vou dar-lhe só um exemplo, que é muito importante) onde se clarifique a responsabilidade das partes: se é o médico que pede, ou se é o médico que dá o conselho através da telemedicina. Portanto, posso garantir-lhe apenas que está na nossa agenda.
Em relação aos protocolos e guidelines, sobre os quais insistiu, quero informá-la de que eles já existem em algumas áreas e uma das razões por que foram escolhidos coordenadores para programas verticais tem a ver, precisamente, com a necessidade de especialistas de grande competência para trabalharem na preparação desses protocolos, nomeadamente na área da oncologia. E tenho a certeza de que os coordenadores já estão a trabalhar nessa área.
Por último, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, a utilização dos blocos é uma questão que se insere numa reflexão bastante abrangente e que atravessa o SIGIC (Sistema de Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia). Consideramos que o SIGIC que nos deixaram é um bom sistema de informação, mas um sistema de informação não é um fim em si mesmo, tem de servir para alguma coisa. Portanto, isto tem a ver com uma reflexão sobre a actividade do bloco operatório, com a área da cirurgia,…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Com a gestão de recursos humanos!

A Oradora: — … eventualmente com a contratualização da actividade dos blocos, fazendo desaparecer, a seu tempo, a distinção entre produção adicional e produção programada, que, como sabe, leva a muitas perversões em termos quer de financiamento quer de pagamento dos próprios profissionais.
Sr. Deputado João Semedo, volto a tranquilizá-lo quanto ao local onde está o financiamento para a requalificação das urgências polivalentes. Numa próxima oportunidade (creio que esta não será a última vez que aqui vimos), posso trazer-lhe a lista dos projectos e dos investimentos já em curso — alguns dos quais foram iniciados antes de começar a trabalhar na requalificação dos serviços de urgência e ainda não estão concluídos.
Fica, portanto, prometido.
Quero ainda dizer que algumas urgências polivalentes e médico-cirúrgicas, provavelmente, nem precisarão de investimento adicional. A propósito do encerramento de algumas urgências hospitalares (não vou fazer referência ao nome dos hospitais, digo apenas que se situam na região Centro), lembro que, perante muitas notícias que alarmavam a população, assegurando que o hospital que iria acolher aqueles que até então tinham ido aos hospitais que hipoteticamente vão encerrar serviços de urgência, ou seja, o hospital de destino (aquele que se iria manter), não tinha capacidade para receber esses novos doentes, o Sr. Presidente do Conselho de Administração desse hospital de destino veio garantir que: «A partir de hoje, se quiserem, podemos já recebê-los.»

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Srs. Presidentes, Sr.as e Srs. Deputados, muito obrigado pelas vossas úteis e importantes questões nesta segunda volta.
Começo por responder à Sr.ª Deputada Ana Manso, que, neste momento, se encontra na mesa.
A Sr.ª Deputada comentou aquilo que estamos a fazer na saúde, dizendo que não há nenhuma reforma estrutural e que o Orçamento do Estado não reduz a despesa pública. Sr.ª Deputada, se entende que não reduzimos a despesa pública, agradeço que nos diga onde é que mais despesa pública pode ser reduzida no sector da saúde.
Quanto à reforma estrutural, a nossa mensagem é muito concentrada em três áreas. Em primeiro lugar, nos cuidados de saúde primários, através de unidades de saúde familiares: temos 17 abertas e 24 com data de abertura marcada até ao fim do ano.

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Aproveito para responder à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, a quem agradeço as fotocópias que me fez chegar, dizendo que falta um pouquinho mais de dois meses até ao fim do ano. Ainda temos tempo para verificar a veracidade ou não das metas. E se chegarmos ao fim do ano e verificarmos que a meta não foi atingida a 100%, se porventura for este o caso, não tenho vergonha nenhuma em assumir que só a atingimos em x%.
Como a Sr.ª Deputada sabe, tenho toda a tolerância e capacidade para reconhecer o que quer que seja que não corra bem. É este também o meu papel como Ministro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Está certo, mas há pouco disse que não havia a meta!

O Orador: — A Sr.ª Deputada Ana Manso diz que se fecham 14 urgências. Sr.ª Deputada, «não ponha o carro adiante dos bois», por favor! Há uma proposta de uma comissão técnica, fundamentada, feita por gente conceituada, que está em escrutínio público. V. Ex.ª pode contribuir para esse escrutínio público de duas formas: enviar à comissão uma opinião; ou, quando receber aqui a comissão técnica, interrogá-los sobre todas essas ideias, sobre tudo aquilo que entenda que é questionável. Mas, por favor, não use os argumentos jornalísticos que vêm na imprensa há dois dias, como o de a Ordem dos Médicos dizer que é preciso 600 médicos.
Esta afirmação, que eu saiba, não é um estudo técnico, nem é um contra-estudo técnico. Se ela foi comunicada à comissão, a comissão vai certamente escrutiná-la, digeri-la (o escrutínio funciona nos dois sentidos), e, portanto, há-de testar a validade deste comentário.
Tenhamos calma. O relatório vai poder ser discutido, escrutinado, até ao final do mês de Novembro (foi prorrogado o prazo) e teremos todo o tempo para fazer a sua aprovação e a sua aplicação com calma.
No que se refere à calendarização da primeira vaga das parcerias, suponho que é conhecida, pois já há muito tempo que tenho dado esta informação.
Toda a gente sabe que Loures retomou a estaca zero; que, neste momento, Cascais está já na fase de negociação entre os dois primeiros candidatos; que, relativamente ao hospital de Braga, já foi dado o meu despacho, aguarda apenas o do Sr. Ministro das Finanças, sobre a identificação dos dois primeiros classificados; e que também já foram entregues, pois já terminou o prazo, e estão em apreciação as propostas para o hospital de Vila Franca de Xira. Estas informações são públicas, têm sido noticiadas em toda a imprensa e eu não tenho mais informações, e entendo que os órgãos técnicos devem trabalhar com alguma autonomia.
No que diz respeito à segunda vaga de parcerias, o Hospital de Todos-os-Santos está a preocupar-nos, Sr.ª Deputada, porque a Câmara Municipal de Lisboa é um organismo muito pesado, muito complexo, com uma burocracia imensa. Por exemplo, solicitámos um documento muito simples, que identificasse as características do terreno, e pedimos para que o mesmo nos fosse entregue em Julho, a fim de podermos lançar o processo das parcerias, e responderam-nos que esse documento só estaria disponível em Outubro — já estamos a chegar ao fim de Outubro…! Tenho a melhor relação com o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e quero continuar a tê-la, embora gostasse muito que este processo decorresse com rapidez, mas não posso vencer as burocracias municipais, como todos sabemos — aliás, basta querermos fazer uma casa ou até apenas obras numa casa para ficarmos a saber quanto tempo demora a resolver estes assuntos numa câmara municipal, particularmente na da capital. Pela minha parte, o processo já estaria a avançar, mas, enfim, tenho de me submeter às leis gerais do País e à distribuição dos poderes também pelo poder local.
Quanto ao despacho sobre a filosofia da segunda vaga, Sr.ª Deputada, ainda não o emiti. Não emiti qualquer despacho orientador e, provavelmente, iremos fazer uma aplicação casuística, porque as situações são muito diversas.
Na verdade, as situações de recompensa, de retribuição financeira ou de encontrar recursos financeiros para pagar, comparticipar na criação de cada novo hospital são muito diferentes de local para local. Em Évora, por exemplo, há um património imobiliário muito valioso que pode ser abatido ao custo da parceria, o mesmo pode acontecer até no caso de outras construções, nomeadamente na do Hospital de Todos-os-Santos. Noutros casos, essa comparticipação não existe.
Se me pergunta se estou satisfeito com o método seguido até aqui, que vem do tempo do meu antecessor e que mantive, para os quatro processos que já estavam lançados apenas por uma questão de estabilidade do mercado, devo dizer-lhe que não. Em meu entender, é um método muito pesado, o mecanismo foi muito pesado, e a minha inclinação é para não o manter para além destes três processos iniciais, porque o quarto, o de Loures, já vai ser muito mais simplificado.
No que se refere ao combate à fraude nas convenções, naturalmente não discordo da posição de V. Ex.ª.
Mas o problema da racionalidade e dos ganhos de eficiência não se resolve apenas com a identificação da fraude e o combate à mesma. Certamente que o combate à fraude é essencial, mas, na saúde, não fazemos desse combate a batalha da nossa vida. A batalha da nossa vida poderão ser as unidades de saúde familiar, os cuidados primários, os cuidados continuados para idosos. Estas é que são as batalhas que vale a pena vencer, mas, naturalmente, estamos atentos, pois não podemos deixar grassar a fraude. O mais importante no combate à corrupção é a exemplaridade, não é a penalização. Não somos juízes para penalizar, queremos prevenir delitos e fraudes. Por isso, encontramo-nos neste mesmo desejo, suponho.

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Relativamente ao hospital da Guarda, talvez seja melhor falarmos aquando do debate na especialidade, uma vez que a verba que nos refere é assim tão exígua. Acho que não tem sentido estarmos a sobrecarregar este debate.
Sr. Deputado Jorge Almeida, a execução orçamental para 2006 demonstrou, efectivamente, que o sistema tem «gordura» a mais. Continuamos convencidos de que ainda há uns restos de «gordura» que podem ser extirpados ou «metabolizados», digamos, ao longo do ano 2007. Todavia, temos bem a noção de que as reduções também têm um limite, uma capacidade marginal decrescente. Portanto, provavelmente, temos de ter muito cuidado na forma como vamos executar este orçamento. No entanto, confirmo totalmente que unidades de saúde familiar e de cuidados continuados a idosos são as nossas duas grandes prioridades.
As unidades de saúde familiar, porque são a forma mais perfeita e participada de vir a ampliar a universalidade, a equidade no acesso aos cuidados de saúde primários, e de o fazer com eficiência e com satisfação para todos os profissionais que nelas trabalham — médicos, enfermeiros, pessoal administrativo —, coisa que, hoje, está muito longe de acontecer.
Em segundo lugar, os cuidados continuados a idosos visam cobrir uma enorme deficiência do nosso sistema de saúde. Fomos criando um bom sistema de saúde em muitos aspectos, mas, ao longo de todos estes anos, porque nunca conseguimos distribuir tarefas entre saúde e segurança social, temos hoje uma situação que, felizmente, estamos a resolver.
Sr. Deputado Jorge Almeida, unidades de saúde familiar e cuidados continuados a idosos não são o que, na gíria gestionária, se pode chamar quick winners, não são vencedores imediatos, rápidos. Como diz V. Ex.ª, e muito bem, estas são medidas que levam tempo, têm de ser feitas com «trabalho de casa».
Por exemplo, nos cuidados continuados a idosos, há um ano e meio, fomos muito criticados por termos rompido acordos celebrados pelo anterior governo com instituições particulares de solidariedade social. De início, até nos deparámos com dificuldade de compreensão por parte destas instituições relativamente à nossa posição. Hoje, Sr. Deputado Jorge Almeida, tenho orgulho em dizer-lhe que, esta semana, celebrámos um acordo de boas práticas entre a União das Misericórdias, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Ministério da Saúde, justamente nesta matéria dos cuidados continuados a idosos, pelo que reganhámos, com mais força e mais convicção, toda a confiança destes importantes actores sociais, que são os da comunidade dos cuidados continuados a idosos.
Quero lembrar, também, que temos novos desafios, que o sistema de saúde não se contém apenas nestas matérias, e chamo a atenção para apenas uma, que é muito importante.
Já todos sabemos que o cancro é deficientemente diagnosticado e maltratado, tal como SIDA, a saúde mental, os cuidados necessários às doenças cardiovasculares. Todos sabemos isto! Agora, todos temos estado um pouco omissos em relação ao que a Organização Mundial de Saúde (OMS) apelida de «grande epidemia do século XXI», que é a obesidade e todas as suas consequências, directas e indirectas, desde logo, na qualidade de vida e na auto-estima das pessoas, pois implica sérios problemas de saúde mental, e também os problemas da diabetes e cardiovasculares. Esta será uma batalha em que vai ver-nos muito activos este ano.
Sr. Deputado Bernardino Soares, o Sr. Secretário de Estado pede-me para o informar que, na proposta de distribuição de verbas do Orçamento do Estado para 2007 para os hospitais, o Hospital Fernando da Fonseca tem uma dotação de 124 148 567 €, o que representa um crescimento de exactamente 3% em relação ao ano anterior — repito, 124 148 567 € —, uma vez que, no ano em curso, a dotação foi de 120 532 590 €. De todo o modo, muito obrigado pela sua pergunta.
O Sr. Deputado deixou cair a expressão «inconstitucionalidade das taxas» uma vez mais, de uma forma não muito explícita mas que não posso deixar passar em claro.
O Sr. Deputado tem assistido ao debate sobre esta matéria e tem ouvido diversos constitucionalistas de relevo, até insuspeitos de serem apoiantes do Governo, dizerem que não se põe a questão da inconstitucionalidade. O Sr. Deputado pensa que sim, e poderá haver outras pessoas que pensem o mesmo.
Assim, Sr. Deputado, quero aqui, perante esta Comissão, fazer a seguinte afirmação: vamos aprovar o Orçamento do Estado para 2007 e iniciar a sua execução, após o que o Ministro da Saúde escreverá ao Grupo Parlamentar do PS, que é o partido que o apoia, a perguntar se está disponível para um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das taxas moderadoras. Serei eu próprio o primeiro interessado em pedir ao grupo parlamentar do partido que apoia o Governo que, caso assim o entenda — e o critério é o do grupo parlamentar —, suscite a questão da inconstitucionalidade das taxas moderadoras. Sr. Deputado, não estou mais disponível para ouvir acusações veladas, meias palavras, quando V. Ex.ª sabe perfeitamente que não é assim.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Veladas, não! Nem são meias palavras!

O Orador: — O Sr. Deputado colocou questões sobre o custo farmacêutico, o crescimento zero, os meios complementares, o protocolo com a APIFARMA nos hospitais, dizendo que foi um fracasso, que o crescimento será de 4,7%, suponho que já foram respondidas.
Quanto aos ganhos financeiros com aquilo a que o Sr. Deputado chama «encerramentos» e que nós designamos por «requalificação» das urgências, de locais de emergência, devo dizer, muito simplesmente,

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que não sei. Não cuidámos de fazer o estudo do que eventualmente se possa poupar com isso. Sabe porquê? Porque o que nos preocupa não é isso, é a qualidade. O que nos preocupa é garantir que os cidadãos portugueses tenham, em condições de igualdade, acesso a serviços de qualidade de urgência e emergência. Não é ratear dinheiro, Sr. Deputado! É garantir qualidade! É aumentar a qualidade! Foi por isso que fomos buscar os melhores para nos ajudarem a fazer um estudo! Foi por isso que colocámos o estudo a escrutínio público e é por isso que iremos fazer um despacho, ouvindo toda a gente, como estamos a fazer, os presidentes de câmaras…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — A Associação Nacional de Municípios Portugueses facultou-nos um espaço para debate com 30 municípios e com a comissão técnica. É isto que estamos a fazer, Sr. Deputado. É um trabalho sério! Não admito que se ponha em causa a seriedade, o rigor e a transparência deste trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essa, agora! Agora não posso perguntar!?

O Orador: — A Sr.ª Deputada Teresa Caeiro coloca a questão dos cortes em PIDDAC, mas penso que já foi respondida…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sim, essa já foi respondida.

O Orador: — A Sr.ª Deputada faz-me duas acusações; diz que apareço enfadado e condescendente e que tenho memória selectiva. Ainda bem que tenho memória selectiva, Sr.ª Deputada!

Risos do PS.

Aliás, todos temos memória selectiva — ai de nós se não a tivéssemos! —, sobretudo aqueles que têm de encontrar plataformas de entendimento com toda a gente. Sr.ª Deputada, se trouxéssemos sempre da memória passada os maus contactos que tivemos uns com os outros, nunca conseguiríamos trabalhar em conjunto.
Portanto, na nossa relação mútua, temos de esquecer agravos, maus contactos e olhar apenas para os aspectos mais positivos. Aliás, é isto que tento fazer com V. Ex.ª, e penso que sou retribuído na mesma moeda.
No que diz respeito à telemedicina, a Sr.ª Secretária de Estado já mencionou a questão do enquadramento legal e da disponibilidade. A Sr.ª Deputada também perguntou sobre o enquadramento financeiro. Não sei se a resposta já foi dada, mas a dotação de 40 milhões de euros que temos para as tecnologias de informação e comunicação e sistemas de informação visa, também, facultar esta disponibilidade.
A Sr.ª Deputada quer saber se estou disponível para retirar da Constituição a expressão «tendencialmente gratuito»? É esta a pergunta?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Como vê, a questão não é líquida!

O Orador: — Mas respondo-lhe muito simplesmente, Sr.ª Deputada: quem tem de saber se está ou não disponível é V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados, potencialmente constituintes, e não eu, o Ministro da Saúde.
VV. Ex.as é que têm o poder constitucional para rever a Constituição, não eu!

Vozes do PS: — Claro!

O Orador: — Tenho, naturalmente, a minha própria opinião sobre o assunto, mas, nesta matéria, ela nada conta.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Conta um bocadinho!

O Orador: — VV. Ex.as é que tereis, se assumirdes funções constitucionais, toda a opinião nesta matéria.
Sobre os administradores e os centros hospitalares, suponho que… mas talvez me tenha esquecido… Quanto a poupanças com centros hospitalares, poupámos 41 lugares em administrações, nos centros hospitalares já concentrados e naqueles que, este ano, vamos concentrar — e são lugares importantes e caros.
Sr.ª Deputada, para que não me acuse de ter deixado algo mais por responder, diga-me: há alguma pergunta a que eu não tenha respondido?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não, Sr. Ministro!

O Orador: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Afinal, falta responder à questão sobre a organização das urgências!

O Sr. Presidente: — Já foi respondido!

O Orador: — O Sr. Presidente acha que já foi respondido e eu louvo-me nas suas palavras.
Parece, diz a Sr.ª Deputada Teresa Venda, que não terei respondido à questão sobre os SAP — e tem toda a razão. É muito simples: a posição sobre os SAP é exactamente a mesma desde o primeiro dia, Sr.ª Deputada. Eu sempre disse que encarávamos os problemas dos SAP que estão em situação de difícil acesso depois de termos as alternativas. Estamos a trabalhar nas alternativas na malha das urgências, vamos ter o call center a funcionar e vamos ter os meios de transporte. Chegará, então, o tempo de cuidarmos dos SAP.
Não há qualquer necessidade de «pôr o carro adiante dos bois», cada coisa a seu tempo, porque o compromisso que o Ministério assumiu com as populações foi o de não apresentar, em alternativa, nada que não seja melhor.
O Sr. Deputado Helder Amaral diz que o Serviço Nacional de Saúde é tendencialmente inexistente. Ó Sr. Deputado, desculpe-me, mas o Sr. Deputado provavelmente não sabe que o SNS, em Portugal, entre 1990 e 2004, foi, juntamente com o da Irlanda, aquele em que a contribuição pública mais avançou e a contribuição das famílias mais diminuiu. Todos nós, portugueses, fizemos um notável esforço de equidade social.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — De que ano são esses dados?

O Orador: — São os dados de 2004, os últimos que estão disponíveis e publicados pela OCDE. E não há razão alguma, Sr. Deputado, para pensar que eles tenham sido alterados.
Agora, não é dizendo que o SNS é tendencialmente inexistente, não é dizendo uma boutade deste tipo, que valorizamos o que temos. Todas as bancadas, incluindo a sua (honra lhe seja feita), têm dito que defendem o SNS.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Claro!

O Orador: — Pois, então, se todos queremos defender o SNS, não vamos usar boutades deste estilo.
Quanto à questão sobre a diferença de preços nos convencionados, foi respondida? Talvez não… O Sr. Deputado João Semedo perguntou como é que o orçamento sustenta 13 urgências polivalentes. Sr. Deputado, já respondi, já disse que o mais difícil nas urgências polivalentes são os recursos humanos e não os equipamentos. Um hospital central, como o de Braga, o de Viseu ou o de Gaia, tem equipamentos de alto gabarito para poder ter uma urgência polivalente. A questão está em saber se temos uma ou outra especialidade, como a neurocirurgia, onde pode haver falta, ou se há até outros meios de suprir isto, por chamada, por comunicação rápida, o que quer que seja. Portanto, o orçamento não tem de ter uma linha orçamental que diga «sustentação de 13 unidades polivalentes», tal como não tem de ter uma linha orçamental que diga «poupança com o encerramento de maternidades». Por amor de Deus! O orçamento espelha o modelo institucional que temos.
Sobre quanto custaram, no ano passado, os medicamentos aos utentes, o Sr. Secretário de Estado já deve ter respondido, mas, se precisar de mais alguma resposta, diga, Sr. Deputado.
Quanto à distribuição dos medicamentos e, segundo o Sr. Deputado, ao «enormíssimo risco para os doentes», devo dizer-lhe que o Ministro da Saúde é o defensor dos doentes, em Portugal. Portanto, pode estar tranquilo, porque nada faremos que venha a dar razão a esta sua afirmação — nada! Tudo será ponderado em função de critérios técnicos e não avançaremos se não tivermos consenso. Agora, quando há unidades que estão a fazer distribuição dos anti-retrovirais com seis meses de espaçamento ou três meses de espaçamento e sem toma presencial, interrogamo-nos, Sr. Deputado, sobre o porquê de não terem dirigido mais cedo a vossa ira contra este enormíssimo risco para os doentes e, já agora, contra a tesouraria nacional!? Portanto, peço muita desculpa, mas não aceito qualquer acusação de que o que estamos a fazer é de um enormíssimo risco para os doentes. Pode estar tranquilo que seremos absolutamente defensores dos doentes.
Finalmente, para terminar, refiro-me à descomparticipação. O Sr. Deputado acha que a descomparticipação faz algum sentido nos anti-retrovirais, quando toda a gente sabe que os doentes com SIDA ou com cancro estão incluídos na lista de isenções das taxas moderadoras?! Acha que faz algum sentido descomparticipar medicamentos deste tipo?! Sei que, hoje, na luta contra o cancro, já há alguns que são descomparticipados, como certas pomadas que têm citostáticos, por exemplo, mas os outros têm comparticipação e, naturalmente, com maior benefício para os doentes portadores de «vinheta verde». Agora, acha que faz algum sentido que os medicamentos de toma, na fase aguda ou crónica (pelo menos, desde que o doente esteja em ambulatório), neste tipo de doença, sejam descomparticipados ou, sequer, que o seu custo seja partilhado, quando todo o sistema isenta os doentes com cancro e com essas patologias de taxas moderadoras?! Por favor! Est modus in rebus!

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O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos a concluir os nossos trabalhos. Saliento que conseguimos fazer uma gestão de tempo pontual e que estamos mesmo no final.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a terceira ronda?

O Sr. Presidente: — Um momento, Sr. Deputado! Admito que haja algum interesse para colocar questões em terceira ronda. A mesa não tinha qualquer indicação neste sentido, mas foi dada esta possibilidade.
Gostava, no entanto, de sublinhar às Sr.as e Srs. Deputados que o cumprimento dos horários é imperativo, porque às 14 horas e 30 minutos esta Comissão tem uma audição da Sr.ª Ministra da Educação. Portanto, para uma boa organização, teria sido conveniente que os Srs. Deputados tivessem feito menção de que pretendiam colocar questões em terceira ronda.
Mas, para não coarctar este direito e para equilibrar a gestão do tempo, peço aos Srs. Deputados porventura interessados nessa terceira ronda que se manifestem de imediato e que sejam extremamente concisos nas questões que vão colocar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra para interpelar a mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, para intervir na terceira ronda, inscrevemos o Sr. Deputado Agostinho Lopes, que só não se inscreveu previamente porque nos pareceu que estava assumido que haveria uma terceira ronda, como tem havido em todas as audições, e não para prejudicar o bom andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Não é exacto, Sr. Deputado, que tenha havido uma terceira ronda em todas as audições anteriores, mas esta possibilidade sempre foi considerada. E é evidente que a gestão depende da forma como os partidos, e mesmo o Governo, utilizam o tempo.
Mas, aqui chegados, é óbvio que há a possibilidade de fazê-la, com a economia de tempo que, há pouco, referi.
Assim, para a terceira ronda de pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Agostinho Lopes, João Semedo e Carlos Andrade Miranda, a quem darei a palavra por esta sequência, solicitando que as perguntas, assim como as respostas por parte do Governo, sejam muito breves.
Entretanto, os Srs. Deputados Helder Amaral e Ricardo Gonçalves também se inscreveram para intervir, pelo que vou conceder, imperativamente, 2 minutos a cada um dos Srs. Deputados para intervir nesta terceira ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, haverá certamente quem possa ter dúvidas sobre as boas intenções do Sr. Ministro, mas há intenções sobre as quais não temos quaisquer dúvidas. São as intenções do Banco Espírito Santo, do Grupo Mello e de outros grupos financeiros, em matéria de negócios de saúde. Sobre estas não temos quaisquer dúvidas.
Sr. Ministro, fiz-lhe um requerimento a propósito da ofensiva do Governo, ao nível dos Serviço Nacional de Saúde, contra o concelho de Barcelos, porque, para além das decisões concretas de encerramento da maternidade, de encerramento da urgência de obstetrícia e ginecologia do hospital, da passagem do serviço de urgência a uma urgência básica e do anúncio de encerramento das extensões, para além do problema concreto de estarmos ou não de acordo (e estamos certamente em desacordo), há uma questão de tratamento desta comunidade. O Sr. Ministro não percebe o que significa, em termos de intranquilidade, aquilo que vem acontecendo naquele concelho e àquela comunidade? Não é possível qualquer abordagem, mais global e integrada, sobre o que vai acontecer aos serviços de saúde no concelho de Barcelos? Sr. Ministro, passo a uma questão concreta sobre uma urgência que está indiciada para encerrar, relativamente à qual o Sr. Ministro disse que ainda nada estava decidido (e espero que não!), que é a urgência do hospital de Fafe.
Sr. Ministro, gostaria de lhe dar alguns elementos para o seu não encerramento: do ponto de vista das acessibilidades, há muitas zonas, servidas hoje por essa urgência, que vão ficar a mais de 30 minutos do local para onde irá a urgência, concretamente Guimarães; tem o número de doentes previsto nos critérios enunciados; encontra-se incluída no critério da capitação e no critério da sinistralidade rodoviária; e, o pior de tudo, a sobrecarga enorme que se verifica hoje na urgência do hospital de Guimarães, para onde querem enviar estes doentes, com as consequências conhecidas, inclusive com a devolução à procedência de doentes em risco de vida.

O Sr. Presidente: — Agradeço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

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O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Aliás, ainda recentemente, houve um caso com um infeliz desfecho. E, tudo isto, porque não tem a qualidade que o Sr. Ministro lhe atribuiu.
Sr. Ministro, em relação à urgência do hospital de Chaves, diz a comissão técnica que, quando houver auto-estrada, esta urgência vai encerrar, o que acho estranho. É estranho este encerramento a prazo! Para terminar, refiro o problema (ainda e sempre) da existência de cidadãos, no distrito de Braga, que continuam a pagar uma sobretaxa quando recorrem aos serviços das misericórdias que estão a prestar serviço nacional de saúde. Mas, agora, já estou a perceber como é que o Sr. Ministro vai resolver este problema, depois de anos e anos de uma manifesta incapacidade para o fazer: aumentando as taxas moderadoras do SNS até acertar com as taxas que, neste momento, as misericórdias estão a cobrar aos cidadãos de Braga.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Orador: — Sr. Ministro, isto vai continuar assim?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, serei muito rápido.
Em primeiro lugar, quero registar a declaração do Sr. Ministro da Saúde, de que não está nos planos do Governo a diminuição das comparticipações dos medicamentos actualmente comparticipados a 100%, até porque são de exclusiva distribuição hospitalar. Fica aqui o registo e esperemos que, no futuro, este registo mantenha toda a sua actualidade.
Em segundo lugar, tendo em conta que esta é uma parte do problema e que a outra é uma parte mais clínica e técnica, quero dizer-lhe o seguinte: não é só por deficiência do funcionamento dos serviços hospitalares que os medicamentos são distribuídos por intervalos de tempo tão longos; é porque não é fácil convencer um cidadão a ir todos os dias buscar o mesmo medicamento ao mesmo hospital.
O que quero sublinhar é isto: o que uma farmácia hospitalar pode fazer no fornecimento, sob observação directa, de um fármaco para a SIDA não é o mesmo que alguma farmácia-oficina poderá vir a fazer. É que, hoje, as boas farmácias hospitalares não têm apenas os farmacêuticos, os técnicos ou ajudantes de farmácia, têm também o psicólogo, o assistente social, o médico, e nada disto existe numa farmácia-oficina. Mas, se as minhas palavras não o convencerem, certamente terá tempo para ler os relatórios feitos sobre este assunto, quer pela Ordem dos Médicos, quer pela Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas e pela Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA.
Por isso, Sr. Ministro, a tendência e a tentativa de nos convencer de que as farmácias são espaços integrados no Serviço Nacional de Saúde é muito presente no nosso debate público. Mas, convenhamos, qualquer dia só falta mesmo as farmácias aceitaram órgãos para transplante, já que fazem acordos com todas as empresas para a chamada «recolha das células do cordão umbilical», e sabe, tão bem como eu, ao que me estou a referir.
Portanto, transformar a medicação para estes doentes numa solução tipo «calçado ortopédico», eu tenho muitas dúvidas que isto tenha alguma sustentação clínica, técnica ou, mesmo, científica.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, antes de mais, quero registar, para memória futura, que o alargamento da aplicação das taxas moderadoras ao internamento nos hospitais e a todos os actos cirúrgicos realizados em unidades em ambulatório integram uma medida muito vigorosa da reforma do financiamento do Sistema Nacional de Saúde, com o que o Sr. Ministro e o Governo, através desta proposta de Orçamento, abrem o debate constitucional nesta matéria.
Também para memória futura, registo que ainda não será em 2007 que vamos ter a revisão do regime de comparticipação do preço dos medicamentos em Portugal.
Agora, sim, passo a uma questão mais directa e que tem a ver com a injustiça de neste debate, depois de se ter dito que se iria cortar nas margens de comercialização dos medicamentos, não ter sido dita qualquer palavra sobre a amortização da dívida aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde e a diminuição do tempo de espera no pagamento destes fornecimentos. Seria de elementar justiça que V. Ex.ª nos dissesse qualquer coisa que, do ponto de vista da economia real do País, compensasse alguns sacrifícios que V. Ex.ª tem estado a pedir à economia e se tem consciência do que se passa hoje no INFARMED em relação aos pedidos de autorização de introdução no mercado de novos medicamentos, pedidos estes feitos pela indústria nacional de medicamentos, uma vez que, se hoje, 27 de Outubro de 2006, quiser entregar um novo dossier no INFARMED, já só o verá apreciado em 2008.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

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O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Saúde, como ponto prévio, devo dizer que, quando utilizei a expressão «tendencialmente inexistente», relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, o fiz como sinal de alerta, para que haja no Serviço Nacional de Saúde uma lógica como a militar, por forma a não haver espaços em branco no território nacional. Ou seja, não deve haver nenhum cidadão português que não tenha acesso ao Serviço Nacional de Saúde tal qual ele é pensado e idealizado.
Sou um defensor do Serviço Nacional de Saúde, mas quero-o para todos, e, neste sentido, o meu desafio é para que se pense num novo modelo de financiamento. O Sr. Ministro, passo a passo, vai admitindo e espero que um dia, com mais ou menos orçamento, com mais ou menos cortes, chegue à conclusão de que é preciso de facto repensar o SNS.
Relativamente às parcerias público-privadas, que me parecem uma excelente solução, porque, em 2020, o Estado terá custo zero, e que, a meu ver, se deve trabalhar no seu alargamento sob pena de termos graves problemas financeiros no futuro, depreendi das palavras do Sr. Ministro que não iria avançar com o modelo tal qual ele existe, iria optar por uma nova solução para as parcerias público-privadas. Lamentamos, porque parece-nos que este modelo seria exequível e que seria uma boa ferramenta para poupar custos ao Estado e potenciar a possibilidade de em muitas zonas do País existir de facto algum Serviço Nacional de Saúde.
Acerca do serviço convencionado, o Sr. Secretário de Estado falou numa margem de 20% para poder progredir, mas não sei se se estaria a referir ao relatório da Entidade Reguladora da Saúde que foca os 20% em valores pagos em situações ilícitas.
De qualquer modo, pergunto, muito concretamente: se existem situações ilícitas, quantas são? Quem as faz? O que é que o Ministério já fez? Divulgou o relatório? Enviou-o para o Ministério Público? Qual foi a atitude que tomou nesta matéria? Faço estas perguntas concretas porque, já que estamos numa questão de rigor, o esclarecimento destes aspectos também ajudam não só a moralizar como ao rigor e à transparência.

O Sr. Presidente: — Para concluir a terceira ronda de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Gonçalves.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, gostaria de responderlhe, se bem que não me compete fazê-lo…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A pergunta é ao Governo!

O Orador: — Eu sei que é, mas…

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a mesa não interfere no conteúdo das intervenções.

O Orador: — Claro, é isso mesmo, só…

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados são plenamente responsáveis pelo que dizem.
Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, agradeço que se contenha nos 2 minutos de que dispõe.

O Orador: — É que o Sr. Deputado Bernardino Soares tem esta mania de interferir no conteúdo das intervenções dos outros, mas são formações políticas que levam a estas situações.
Sr. Ministro, está ou não prevista a vinda ao Parlamento da Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Sr. Ministro é que sabe?!

O Orador: — Isto porque, se estiver, o Deputado Agostinho Lopes pode colocar lá essas questões.
Também gostaria de saber se o debate público está ou não a ser feito, porque penso que é precoce a questão que o Deputado Agostinho Lopes colocou. Aliás, devo dizer que eu já mandei para a imprensa um email, que é rgsaúde@g-mail.com, para que os cidadãos de Braga me possam dar a sua opinião sobre esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um representante do Governo em Braga!

O Orador: — Não! Eu represento os cidadãos de Braga no Parlamento, não represento o Governo em parte alguma. Fiz isto apenas para estar documentado e poder defender os interesses dos cidadãos de Braga junto do Governo.
Sabe perfeitamente que este debate está em aberto, pelo que é prematuro estar a dizer que vai fechar a urgência de Fafe ou que Barcelos vai ter uma urgência básica.

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As maternidades nada têm a ver com as urgências, porque, como sabe, as maternidades melhoraram imenso…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: — Para terminar, Sr. Presidente, quero dizer que o Sr. Deputado Agostinho Lopes tem razão naquilo que disse em relação ao que se está a pagar nas misericórdias e é um problema que tem de ser debatido — e aqui o Sr. Ministro podia dar uma ajuda. No entanto, o se paga nas misericórdias demonstra que as taxas que estão a ser cobradas e as que irão ser cobradas no sistema público são mesmo insignificantes, porque o que se está a pagar nas misericórdias é um co-financiamento.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Exactamente! Nem podia ser diferente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, é apenas para saber se há algum registo das questões já colocadas no e-mail do Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, e suspeito que elas não devem ser muitas, porque, ao longo de toda a manhã, não se sentiu impelido a intervir sobre a matéria, foi só com a intervenção do Sr. Deputado Agostinho Lopes que demonstrou estar, afinal, muito interessado na saúde do distrito de Braga.

Risos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Bernardino Soares, todos percebemos o sentido e o alcance da sua intervenção, e recordo aos Srs. Deputados que os cidadãos estão a ouvir-nos, pelo que, eles próprios, farão o seu juízo de tudo aquilo que estamos a dizer.
Para responder, em bloco, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, começo por agradecer a todos os Srs. Deputados as perguntas que me colocaram.
Sr. Deputado Agostinho Lopes, agradeço-lhe o facto de não ter dúvidas sobre as minhas intenções. Em relação às referências que faz aos capitalistas nacionais, espero que não espere que os defenda, seja em que sítio for, pois eles são maiores e vacinados e, como tal, têm mecanismos de defesa próprios.
Sr. Deputado Agostinho Lopes, da sua intervenção parece-me que existirá uma visão conspirativa contra o concelho de Barcelos.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Parece!

O Orador: — Quero dizer-lhe que o Ministério da Saúde não tem qualquer partilha nessa eventual visão conspirativa contra o concelho de Barcelos; bem pelo contrário, para ser muito directo e muito franco, gostaríamos que os hospitais de Barcelos e de Braga constituíssem um centro hospitalar. Fizemos alguns esforços neste sentido, não foi possível este ano, mas vamos retomá-los no próximo ano.
Não responderei às suas questões sobre Fafe e Chaves, uma vez que o Sr. Deputado vai ter a possibilidade de interpelar directamente a Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências e penso que ela, com mais propriedade do que eu, o poderá fazer.
Quanto às questões das misericórdias, não posso deixar de lhe dar razão, Sr. Deputado, mas não pense que fiquei inactivo nesta matéria. Temos cinco ou seis modelos de convenções com algumas instituições privadas — as misericórdias do Minho, Vila Verde e outras, a Santa Casa da Misericórdia do Porto, por causa do Hospital da Prelada, a Cruz Vermelha Portuguesa e o hospital Amadora-Sintra — e, para cada uma destas cinco instituições, temos mecanismos de financiamento completamente baseados em acordos individuais ou casuísticos. Isto preocupa-me, parece-me que temos de encontrar uma regra geral para tudo isto. E, neste sentido, encomendei um pequeno estudo técnico a uma especialista sobre esta matéria, mas, como é evidente, a conjuntura, o debate orçamental e tudo isto, postergaram para segundas núpcias esta questão. Porém, quero dizer-lhe que não esqueci o problema e que penso poder ter, ao longo do próximo ano, uma proposta com «cabeça, tronco e membros», com, digamos, uma lógica que também previna os pontos que levantou e que nos preocupam como sabe.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Deputado João Semedo, suponho que é do seu conhecimento que a possibilidade de as farmácias e os hospitais se entenderem para procederem à distribuição de alguns medicamentos até aqui de

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distribuição exclusivamente hospitalar também em farmácias de venda ao público tem um argumento irrebatível, que é o elemento da proximidade. É evidente que este é o argumento mais importante para nós, a satisfação dos cidadãos. O nosso argumento não é a satisfação dos clínicos, distintíssimos infecciologistas, que nos seus hospitais querem, escrupulosamente, manter todas as regras das boas práticas. São respeitáveis, mas, com o devido respeito, também consideramos os interesses dos cidadãos, e a proximidade é um interesse essencial.
Se quer saber se a farmácia hospitalar é diferente da farmácia-oficina, eu acho que sim, que há algumas diferenças. Agora, V. Ex.ª terá de explicar isso aos ilustres farmacêuticos, que são capazes de ter uma opinião diferente.
É curioso ver-me confrontado aqui, na Assembleia, por algumas pessoas que dizem que estou a ter uma posição próxima da da Associação Nacional de Farmácias e, há oito dias, quando estive no Congresso Nacional das Farmácias, fui violentamente criticado pelo seu Presidente. Esta amplitude da gama crítica leva-me a pensar, mesmo sem precisar de muita matemática, de muita geometria e de muita bissectriz, que estamos absolutamente no bom caminho.
Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, não é necessário memória futura, porque está escrito na proposta do Orçamento.
O Sr. Deputado pergunta se em 2007 vai haver revisão do regime de comparticipações. Não sei, Sr. Deputado. O debate sobre o diploma orçamental ainda não terminou e, se V. Ex.ª leu a minha intervenção no Congresso Nacional das Farmácias, deve ter visto que o Ministério da Saúde pensa introduzir uma cominação para, justamente, proceder à revisão do esquema de comparticipação no decurso do próximo ano.
Portanto, está lá escrito, é um compromisso público, não vale a pena elaborar mais sobre esta matéria.
O Sr. Deputado diz que não houve uma palavra sobre a amortização da dívida do Serviço Nacional de Saúde aos fornecedores de medicamentos. Sr. Deputado, tenho muito respeito por aqueles que dão emprego aos trabalhadores, por aqueles que intermedeiam entre o fabrico e a distribuição, por aqueles que investigam os melhores produtos para que tratemos melhor os nossos doentes.
Não me passa pela cabeça tratar mal estas instituições, ou tratá-las de forma discriminatória. E não o estamos a fazer, pelo contrário! Quando toleramos preços muito altos nos concursos hospitalares, sabemo-lo — como foi demonstrado pelo estudo do Prof. Miguel Gouveia, há sobrecustos de 38%. Dir-me-á que essa não é uma forma correcta.
Pois, não, mas é uma forma de uma coisa compensar a outra.
O que estamos a assistir, no que respeita à renegociação de preços, com a prática de rappels e de descontos consideráveis nesta matéria, leva-me a acreditar, efectivamente, nas vantagens da desconcentração da gestão. Os hospitais que têm mais capacidades estão, neste momento, a renegociar contratos com a indústria farmacêutica, onde a variável rapidez de pagamento entra também ao lado da variável rappel (baixa de receita). Portanto, de certa forma, todo este sistema está a funcionar.
O Sr. Secretário de Estado e eu não temos conhecimento da queixa que referiu sobre o INFARMED. Aliás, o Sr. Secretário de Estado tinha conhecimento e já pediu informações ao INFARMED. Agradecemos a sua sugestão e vamos proceder em conformidade.
Sr. Deputado Helder Amaral, a ERS é uma entidade reguladora independente e, naturalmente, toma as suas decisões sem nos consultar, que é como deve ser. E nem sequer me passou pela cabeça perguntar-lhe por que é que eles fizeram esse relatório agora! De vez em quando, peço algum trabalho e a ERS executa-o como quer e com os calendários que entende, sem estar, de maneira alguma, obrigada ao que quer que seja.
O que a lei prevê é apenas uma relação de bom entendimento, mas não há qualquer relação de dependência, como V. Ex.ª sabe. Portanto, a demonstração de práticas ilícitas não incumbe a quem as alega. E o que fez o Ministério da Saúde? Todos os anos encontramos práticas ilícitas, todos os anos há coligações e todos os anos a Inspecção-Geral da Saúde intervém. Ainda há pouco tempo, terminou um julgamento com uma pena pesada para uma dessas coligações — ou, como se costuma designar, conluios — entre um prescritor, uma farmácia e uma instituição de meios complementares de diagnóstico.
Sr. Deputado Ricardo Gonçalves, está prevista, efectivamente, a vinda à Assembleia da República da comissão técnica e suponho que já foi recebida na Comissão Parlamentar de Saúde a resposta do Ministério.
Pergunta-me ainda se o debate público está ou não a ser feito. Sim, e de que maneira, Sr. Deputado! As câmaras municipais envolvidas, todas elas, apresentaram ofícios, reclamações, pedidos de entrevista e de audiência ou, inclusivamente, estudos técnicos feitos ou encomendados por pessoas capazes. Os cidadãos estão a enviar para o nosso e-mail, e por escrito, inúmeras sugestões e as ordens profissionais, a começar pela Ordem dos Médicos, têm dado contributos sobre esta matéria.
Portanto, o debate tem sido muito rico.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro da Saúde.
Dou, assim, por concluída esta audição do Ministério da Saúde. Muito obrigado a todos.
Está suspensa a reunião.

Eram 14 horas.

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Após a interrupção, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Venda.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Eram 14 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, informo que houve um pequeno contratempo, porque um dos grupos parlamentares, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, julgava que esta audição estava agendada para as 16 horas. Os Srs. Deputados já foram avisados e estão a chegar, por isso vamos iniciar os nossos trabalhos para não adiar mais esta audição, que já leva um quarto de hora de atraso.
Vamos, então, reiniciar mais uma reunião da Comissão de Orçamento e Finanças que, em conjunto com a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, analisará o orçamento do Ministério da Educação no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2007.
Agradeço, desde já, à Sr.ª Ministra da Educação e aos Srs. Secretários de Estado a disponibilidade manifestada para fazer a apresentação do orçamento e prestar esclarecimentos.
Este ano, o figurino acordado para a gestão destes debates é o seguinte: a Sr.ª Ministra fará uma intervenção inicial por um período de 20 minutos, seguindo-se uma primeira ronda de perguntas, em que cada grupo parlamentar disporá de 10 minutos para intervir. Depois, a Sr.ª Ministra disporá de 40 minutos para responder a este primeiro conjunto de perguntas.
Seguir-se-á uma segunda ronda de perguntas, dispondo cada grupo parlamentar de 5 minutos e, no final, a Sr.ª Ministra poderá usar de 30 minutos para responder. Se houver necessidade e inscrições suficientes, faremos uma terceira ronda, em que cada pergunta terá de ser feita em 3 minutos.
Tem, então, a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação (Maria de Lurdes Rodrigues): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A actualização da ambição e das expectativas da sociedade portuguesa em matéria de educação, designadamente o aumento do nível de escolarização e do alargamento da cobertura escolar, têm sido uma constante orientadora da política educativa nos últimos 30 anos.
Nos anos 70, o referencial de formação para todos os portugueses situava-se nos seis anos de escolaridade; em 1986, quando da aprovação da Lei de Bases, estabeleceram-se nove anos de escolaridade obrigatória; em 2005/2006, este Governo elevou o referencial de qualificação de todos os portugueses para o 12.º ano de escolaridade.
No passado, a concretização de objectivos da política educativa viu-se condicionada a programas de afectação de recursos materiais, humanos e organizacionais. Eram reformas que procuravam garantir o acesso da população ao sistema educativo e implicavam a construção de escolas e outros equipamentos, a expansão do aparelho administrativo, a formação e contratação de professores, a criação e a reforma dos instrumentos pedagógicos.
Tudo isto implicou, nesta fase, um crescimento progressivo do investimento público, de forma a dar resposta ao cumprimento dos objectivos associados aos seis anos, primeiro, e aos nove anos de escolaridade, depois. O grande obstáculo a ultrapassar era, então, o analfabetismo de um grupo considerável da população.
Hoje, o objectivo dos doze anos de escolaridade para todos não exige um esforço suplementar de recursos — mais escolas, ou mais professores, ou mais equipamentos. A evolução demográfica é, inclusivamente, de decréscimo tendencial da população em idade escolar. Nos últimos 20 anos, apesar do alargamento do préescolar e do secundário, o sistema perdeu 500 000 alunos.
Actualmente, a situação do País em matéria de recursos educativos, de qualificação da população e mesmo da estrutura de evolução demográfica condiciona a política educativa de forma muito diferente e coloca novos desafios ao País.
Assim, em matéria de qualificação, o espectro do analfabetismo foi ultrapassado, mas o fardo do défice histórico de qualificações da população continua a pesar no presente. Temos 2,5 milhões de portugueses, adultos, activos que têm menos do 9.º ano de escolaridade, não podendo o défice de qualificação ser visto como uma questão indexada à idade, como acontecia com a questão do analfabetismo, como se fosse um exclusivo da população adulta e activa.
A somar a este défice de qualificação histórico, o problema foi, durante a última década, reforçado pelo insucesso e o abandono escolar, com milhares de jovens a deixarem a escola sem concluírem o nível de escolaridade mínimo com êxito. Existem hoje mais de 400 000 jovens, com menos de 24 anos, no mercado de trabalho ou no desemprego, com o 9.º ano ou o 12.º ano incompletos.
Isto quer dizer que a variável central da política educativa hoje, em face do referencial dos doze anos de escolaridade, não são os recursos. Portugal é hoje um país que investe em educação ao nível dos países mais desenvolvidos do espaço da OCDE. O fundamental é, pois, melhorar a gestão global dos recursos colocados no sistema, aumentando a eficiência, a eficácia e a transparência no uso dos mesmos, e atribuir prioridade aos resultados escolares dos alunos.

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É a aposta na qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. E o desafio é fazer mais e melhor com os recursos existentes, credibilizando e dignificando a escola pública.
Em primeiro lugar, é necessário criar condições que garantam que todos os alunos actualmente no sistema não o abandonem e concluam com êxito o 9.º ou o 12.º anos; criar condições que garantam um funcionamento sustentável, eficaz e eficiente do sistema de ensino.
Em segundo lugar, criar condições para que os adultos, jovens e menos jovens, possam ter uma nova oportunidade de qualificação.
São estes os dois grandes objectivos que organizam a política educativa deste Governo e que serão prosseguidos este ano através das medidas concretas, que passo a exemplificar.
A aprovação das cartas educativas e a correspondente reorganização da rede escolar do 1.º ciclo do ensino básico. Na próxima semana, serão aprovadas as primeiras — cerca de 40 — cartas educativas e prosseguiremos o esforço de reorganização da rede, a par da organização e do planeamento, da construção e substituição desta rede escolar do 1.º ciclo.
A generalização do ensino do inglês no ensino básico, com extensão aos primeiros e segundos anos de escolaridade, e o alargamento, também, a outras actividades de enriquecimento curricular, como sejam as expressões e a actividade desportiva, aprofundando o conceito de escola a tempo inteiro, decisivo para a consolidação do ensino básico e para a melhoria dos resultados neste nível de ensino. Podemos dizer que, hoje, mais de 90% das escolas funcionam a tempo inteiro e com actividades de enriquecimento curricular, com problemas, evidentemente, associados ao primeiro ano de lançamento do programa, mas com expectativas positivas sobre a possibilidade de o melhorar.
Outro exemplo dos investimentos feitos é o que se prende com a Rede de Bibliotecas Escolares e o Plano Nacional de Leitura, criando dinâmicas de utilização que melhorem os hábitos e competências no domínio da leitura.
A formação contínua de professores em Matemática, em Português, no ensino experimental das Ciências, em novas áreas curriculares, em Tecnologias de Informação e Comunicação e na gestão de bibliotecas escolares, continuando assim o esforço de valorização das competências de professores.
O Plano de Acção para a Matemática, envolvendo mais de 1000 escolas, dando condições e responsabilizando as escolas pela melhoria dos resultados escolares dos alunos.
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação nas escolas, o alargamento das redes locais, nas escolas básicas e secundárias, e a formação de professores, criando melhores condições para o uso efectivo das tecnologias de informação e comunicação nas situações de ensino e aprendizagem. Este ano foram colocados nas escolas mais de 24 000 computadores portáteis para uso efectivo em sala de aula pelos professores; e, no próximo ano lectivo, procuraremos melhorar o funcionamento das redes internas das escolas.
O programa de modernização das escolas, através do apetrechamento de espaços oficinais e laboratoriais para o ensino vocacional, salas de trabalho para professores, infra-estruturas básicas e redes de comunicações.
Também um outro programa concreto, a diversificação e a expansão da oferta formativa de cariz vocacional para jovens e adultos em cursos profissionais, escolas profissionais, centros de reconhecimento, validação e certificação de competências, cursos de educação e formação de adultos. Neste ano lectivo que agora começou, teremos cerca de 20 000 novos alunos em cursos de educação/formação de nível 2 e teremos cerca de 23 000 novos alunos nos cursos profissionais, abrangendo as escolas públicas e as escolas privadas.
A generalização da avaliação das escolas, tendo em vista a progressiva celebração de contratos de autonomia entre o Ministério da Educação e as escolas.
O orçamento do Ministério da Educação para este ano é um orçamento da ordem dos 5800 milhões de euros. Em relação a 2006, representa uma diminuição de 4,5% no valor geral. No que respeita ao Orçamento, a diminuição é de 4,3% e, no que respeita ao PIDDAC, é de 18,1%.
Participa, assim, o Ministério da Educação no esforço geral de contenção orçamental. Mas não se trata de reduzir pontualmente a despesa em educação; trata-se de melhorar a qualidade dos investimentos e dos recursos que o País disponibiliza para a qualificação dos portugueses de forma sustentável.
No que respeita ao orçamento de funcionamento, apesar da diminuição, os valores orçamentados são os necessários e suficientes para garantir o regular funcionamento do sistema de ensino. São os recursos adequados às necessidades das escolas medidas pelo número de professores e de alunos existentes no sistema.
Apesar de ter subido ligeiramente o número de alunos nos ensinos básico e secundário, entre 2005 e 2006, resultado das acções do Ministério da Educação para lutar contra o abandono escolar, os números que referi há pouco, ou seja, os 20 000 jovens em cursos de educação/formação, são alunos do abandono e do insucesso do 9.º ano de escolaridade.
Quando chegámos ao Ministério, o número de alunos nesta tipologia de cursos era da ordem dos 3000 e, em menos de dois anos (em 18 meses), conseguimos fazer crescer muito significativamente o número de alunos envolvidos nestes cursos, criando-lhes uma oportunidade efectiva e concreta de concluírem a escolaridade básica.
Apesar de ter subido ligeiramente o número de alunos do ensino básico, este dado mantém inalterada a série longa de perda de estudantes por parte do sistema educativo. O número de professores contratados não

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pode continuar a ignorar esta tendência, sendo essencial continuar as medidas de racionalização e de gestão mais eficazes já iniciadas.
Pode dizer-se que a credibilidade deste Orçamento assenta nos mecanismos de controlo da mobilidade, do recrutamento e da afectação dos recursos humanos em educação que temos vindo a desenvolver.
Em 2005/2006, o número de professores no sistema foi de cerca de menos 8000. Este ano esperamos que o número de professores seja reduzido em 5000.
A melhoria da eficiência e eficácia na gestão dos recursos humanos e financeiros permitirá, como já vimos, melhorar a qualidade da intervenção do Ministério da Educação na consolidação e enriquecimento do ensino básico, em particular através do alargamento do horário de funcionamento e das actividades de enriquecimento curricular, mas também com todos os programas de formação de professores e todos os programas de acção de melhoria dos resultados escolares e também melhorar a qualidade de intervenção na diversificação das ofertas formativas no ensino secundário como no alargamento das ofertas de formação para os adultos.
Importa ainda referir que o orçamento do Ministério da Educação só pode ser analisado em todo o seu alcance se tivermos em conta as articulações com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, por um lado, e com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por outro. O esforço de qualificação dos portugueses envolve os três Ministérios que, de forma articulada, prosseguem objectivos comuns e partilham os recursos disponíveis.
Com o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, o Ministério da Educação partilha a responsabilidade pela formação de jovens e adultos, fazendo, pela primeira vez, participar de forma efectiva a rede de escolas públicas neste esforço de formação.
Com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior partilhamos a responsabilidade de formação dos cursos de nível quatro pós secundário, a quem foi atribuída a responsabilidade de coordenação e estímulo a estas áreas de formação.
No que diz respeito ao PIDDAC, esperamos que a diminuição das receitas provenientes do Orçamento do Estado para o investimento na construção, manutenção e conservação de edifícios e equipamentos escolares possa ser compensada com a obtenção de fundos comunitários.
De facto, o PIDDAC do Ministério da Educação é insuficiente há vários anos. Há escolas que aguardam intervenção urgente há mais de duas décadas. A regionalização do PIDDAC conduziu a uma perda de visão nacional e estratégica da rede de escolas e dificultou, e continua a dificultar, o ajustamento da distribuição dos recursos financeiros aos movimentos da população discente. Concretamente, para dar apenas um exemplo, hoje, em Lisboa e na sua área metropolitana concentra-se o maior número de alunos e os maiores problemas de rede sem a correspondente afectação de recursos.
Temos vindo a trabalhar nos instrumentos que permitirão organizar a possibilidade das escolas públicas de todos os níveis de ensino beneficiarem do próximo Quadro Comunitário de Apoio para a sua modernização.
Designadamente no caso do 1.º ciclo, temos vindo a trabalhar com as autarquias no processo de elaboração das cartas educativas associadas ao encerramento de escolas para que, de uma vez por todas, possamos resolver o problema da rede de escolas do 1.º ciclo.
No caso das restantes escolas do ensino básico e secundário, temos em preparação o programa de modernização das escolas que arrancará ainda este ano nas cidades de Lisboa e do Porto e que, ao longo de todo o programa do Quadro Comunitário de Apoio, será alargado a todo o País. Esperamos com isso resolver não apenas o problema da preparação do apetrechamento destas escolas para o futuro como resolver problemas básicos de climatização, iluminação e comunicação de equipamento de ensino, de espaços oficinais, de laboratórios, de bibliotecas, de espaços de trabalhos para professores e alunos, de espaços desportivos e de lazer.
Temos uma rede de escolas que tem sobrevivido do passado, mas não está preparada para o futuro.
Porém, precisamos de um programa especial nacional que permita encarar de uma forma mais racional este problema. Este trabalho de modernização parece-nos essencial para, mais do que conservar as escolas, dotálas de condições materiais adequadas a formar os alunos para uma sociedade que espera sempre mais da educação.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr.ª Ministra, pela intervenção que nos trouxe, com mais informação sobre a política do Ministério da Educação relativamente ao Orçamento do Estado.
A iniciar a primeira ronda de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, permitam-me uma pequena nota prévia antes de me debruçar sobre a questão orçamental.
Sr.ª Ministra, conhecemos esta semana a decisão de um tribunal que deu razão a uma aluna que se sentiu prejudicada com a sua decisão de repetição de alguns exames nacionais do 12.º ano de Fisíco-Química. Ou seja, provou-se que a Sr.ª Ministra estava errada e que o PSD tinha razão.

Risos do PS.

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Isto é, a sua decisão, para além de grosseiramente ilegal, foi profundamente errada porque criou uma situação de favorecimento e de injustiças. No fundo, foi isto que o tribunal nos disse.
Perante esta notícia, a Sr.ª Ministra afirmou que queria cumprir esta sentença judicial. Também era só o que faltava que não cumprisse! Ainda vivemos num Estado de direito!

Vozes do PSD: — Ainda são os tribunais que mandam! O Orador: — A Sr.ª Ministra pode não respeitar nem dar ouvidos ao que lhe dizem os professores, os alunos, os pais dos alunos, os sindicatos, as associações de professores ou os partidos políticos, mas ainda tem de respeitar as decisões judiciais. Provavelmente gostaria que fosse diferente, mas em democracia é assim, Sr.ª Ministra.
Contudo, não chega dizer que vai respeitar esta decisão do tribunal. A verdade é que muito outros alunos encontram-se na mesma situação, muitos outros que eventualmente não recorreram aos tribunais, seja porque não têm condições socio-económicas para o fazer seja porque acreditaram na suas palavras, Sr.ª Ministra.
Assim, há aqui um problema para resolver a que a Sr.ª Ministra tem de dar uma resposta categórica. Como tenciona resolver esta injustiça objectiva? Sr.ª Ministra, já não se trata de uma questão de opinião, porque está provado que houve injustiças causadas pela sua decisão, exclusivamente pela sua decisão.
Como tal, o PSD coloca aqui algumas perguntas óbvias, perguntas essas que o País exige ver respondidas. Em primeiro lugar, a Sr.ª Ministra não considera que devem ser retiradas consequências políticas deste gravíssimo erro cometido pelo seu Ministério? A Sr.ª Ministra considera que dá um bom exemplo ao País, particularmente aos agentes educativos, nomeadamente os alunos mais jovens, quando perante este grave erro se resguarda no silêncio e no autismo? Em segundo lugar, o que tenciona o Ministério fazer para corrigir o gravíssimo erro que cometeu e as gravíssimas injustiças que provocou? Repito: o País exige uma resposta. A Sr.ª Ministra deve perceber que não vai conseguir fugir a estas respostas.
Colocada esta nota prévia, passemos então a uma análise do Orçamento do Estado para 2007.

O Sr. João Bernardo (PS): — Até que enfim!

O Orador: — Sr.ª Ministra, dos 16 minutos que falou, a Sr.ª Ministra gastou 6 minutos a dissertar sobre a evolução da história da educação em Portugal. Por isso, como vê, não sou só eu que não me refiro a questões concretas.
Há um ano atrás, na discussão do Orçamento do Estado para 2006, a Sr.ª Ministra afirmava o seguinte: «Apesar de se viver um período de contenção orçamental, penso que no Orçamento do Estado para 2006 se pode assinalar a inversão de uma tendência do decréscimo do investimento na educação no nosso país».
Dizia ainda no mesmo debate: «Invertemos esta tendência de decréscimo do investimento passando o PIDDAC para 120 milhões de euros».
O Partido Socialista, nesse mesmo debate, referia a importância de o Orçamento do Estado para 2006 não diminuir relativamente a 2005. Afirmavam o Governo, pela Sr.ª Ministra, e o Partido Socialista, pelos Srs. Deputados, que, apesar da crise, o Governo apostava na educação. Ora, a Sr.ª Ministra mais não fez do que continuar a propaganda que é tão cara ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Partido Socialista. Depois da «paixão» de Guterres, ao longo dos dois últimos anos os portugueses têm sido confrontados com a aposta na educação.
Este Governo quando se dirige ao País, quer pela Sr.ª Ministra quer pelo Sr. Primeiro-Ministro, propagandeia esta aposta na educação. Procura convencer os portugueses que é desta que finalmente se vai investir a sério na educação. Um ano só passado, os números mostram, com a sua frieza habitual, que afinal tudo isto não passou de uma aposta perdida. O Governo apostou, a Sr.ª Ministra apostou, mas pelos vistos perderam a aposta.
O Orçamento do Estado, como disse, e bem, regista um corte global na ordem dos 4,5%. A educação e a qualificação dos portugueses já não é a aposta principal. Há um ano atrás dizia-se: «Vejam a importância que damos à educação, pois é um sector onde não reduzimos o Orçamento». Este ano já se reduz o Orçamento.
E tudo isto no momento em que o Sr. Ministro da Economia anuncia o final da crise! Fica aqui esta dúvida.
Mas, Sr.ª Ministra, pelas suas palavras, mais grave ainda é o que se passa ao nível do investimento. A Sr.ª Ministra disse há minutos que o PIDDAC na educação é insuficiente há anos e anos. Ó Sr.ª Ministra, relativamente ao Orçamento do Estado para 2006 temos aqui um corte superior a 30%. Há um corte superior a 30% no que diz respeito ao investimento. Ou seja, para 2007, ao contrário dos 120 milhões de euros —já referi o que a Sr.ª Ministra citou há um ano atrás —, temos orçamentados 84 milhões de euros.

Vozes do PSD: — E é insuficiente!

O Orador: — O que justifica este violento corte, Sr.ª Ministra? Não posso deixar de recordar que, em 2006, o Governo fechou mais de 1000 escolas, promoveu o reordenamento da rede escolar e foi dizendo a todos os agentes educativos, sobretudo aos pais, que se iria investir fortemente numa nova rede de escolas, ou seja,

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que os centros educativos, as tais escolas de acolhimento, iriam ter todas as condições para acolher não só os jovens alunos que já eram alunos dessas escolas, mas também os que viriam das outras escolas que foram encerrando. Isto é, as fracas escolas que infelizmente grassam de norte a sul do país iriam terminar.
No entanto, os números também nos dizem que o investimento em 2006 nesta realidade específica foi claramente residual. Dir-me-ão que não sabiam ainda quais eram as escolas que iam fechar e eu aceito-o, porque ainda em Junho de 2006 a Sr.ª Ministra respondeu a um requerimento que o PSD apresentou, dizendo que estavam a preparar a rede e que, como tal, não podiam ainda fornecer à Assembleia da República a listagem das escolas que iriam fechar. Aceito esse argumento. Em 2006, de facto, não havia ainda condições para se investir nas escolas de acolhimento, pois ainda estavam a definir quais iriam fechar. Mas eu e todos os portugueses esperávamos que o Orçamento para 2007, o Orçamento que estamos hoje a discutir e que a Sr.ª Ministra apresentou, reflectisse esta política. Ou seja, em 2007, sim, já teríamos as escolas fechadas, já estariam definidas as escolas de acolhimento e teríamos aqui um programa de investimento sério no sentido da melhoria das condições desses alunos. Mas a verdade é que temos um corte objectivo de 30% no investimento patente no PIDDAC. Mais uma vez, o que se diz aqui é diferente do que se fez e do que se propõe fazer, Sr.ª Ministra, pelo que gostaria que nos explicasse o porquê desta situação.
Uma terceira ordem de questões que queria colocar tem a ver com o ensino do português no estrangeiro.
Temos ouvido dizer nos discursos oficiais do Governo que esta é, de facto, uma aposta estratégica, mas a verdade é que há um ano e meio assistimos a uma guerra dentro do Governo sobre quem tem a tutela sobre isto. Ontem mesmo, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros acabou por afirmar que a tutela iria passar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em 2008 ou 2009. Sinceramente, não me incomoda muito a questão das guerras que os senhores têm a nível do Conselho de Ministros, mas incomoda-me o que aconteceu na prática. Ora, na prática o que aconteceu foi um ano e meio de indefinição claramente expresso neste Orçamento do Estado para 2007 em desinvestimento. Se olharmos para o capítulo da difusão da cultura portuguesa, o corte não é grande, dirá V. Ex.ª. São só 4,6%, mas é, contudo, um corte. Todavia, se olharmos especificamente para a rubrica do ensino do português no estrangeiro, verificamos que o corte é de 18,6%, Sr.ª Ministra. E isto apesar dos bonitos PowerPoint que ainda recentemente o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas teve oportunidade de vir mostrar à Comissão de Educação, Cultura e Ciência. A verdade é que se diz uma coisa e se faz claramente o contrário, ou seja, desinveste-se! Isto apesar de haver cada vez mais emigrantes e apesar de o número de alunos ter vindo a aumentar. Isto é, há cada vez mais procura e a resposta que o Governo dá é a de «fechar a torneira», dando menos dinheiro.
Contudo, nesta matéria também não nos podemos surpreender muito, pois, quando nalguns países já estamos no primeiro período de férias escolares, ainda há professores de língua portuguesa por colocar.
Nesta primeira ronda, são estas as questões que quero colocar, agradecendo desde já as respostas da Sr.ª Ministra.

A Sr. Presidente (Teresa Venda): — Lembrando que estamos a discutir o Orçamento do Estado para 2007, dou a palavra à Sr.ª Deputada Fernanda Asseiceira.

A Sr.ª Fernanda Asseiceira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, precisamente porque estamos a discutir o Orçamento do Estado para 2007, quero focar a minha intervenção nessa área.
O Programa do XVII Governo Constitucional, no que se refere à educação, é explícito ao pretender mais e melhor educação. Também ao que à educação infantil, ao ensino básico e ao secundário diz respeito é explícito quando pretende apostar em mudanças estruturais para conseguir educação de qualidade para todos, colocar as escolas ao serviço das aprendizagens dos alunos, consolidar a educação básica, expandir a educação e a formação de nível secundário, promover a qualidade educativa, dar um novo impulso à educação de adultos e colocar a administração educativa ao serviço das escolas e da comunidade. Uma avaliação séria e responsável permite-nos concluir que muitos passos já foram dados pelo Ministério da Educação no sentido de concretizar estas orientações. É este o caminho que o Ministério continua a percorrer.
A proposta de Orçamento do Estado para 2007 em apreciação reflecte isto mesmo ao apresentar no seu relatório como metas o combate ao insucesso e abandono escolares, a colocação das escolas ao serviço da aprendizagem dos alunos, o alargamento das oportunidades de aprendizagem ao longo da vida e o enraizamento da cultura e da prática da avaliação.
Conforme já foi dito e é do conhecimento geral, a despesa consolidada do Ministério da Educação atinge o montante de 5841,6 milhões de euros, decrescendo, como já foi referido pela Sr.ª Ministra, em relação à estimativa de execução de 2006. Respeita, assim, a contenção orçamental solicitada aos vários ministérios, com redução de despesas de funcionamento, que também o Ministério da Educação devia cumprir. Congratulamonos, por isso, com esse esforço e com o facto de este objectivo ser atingido através da racionalização dos meios. Sobretudo, pela introdução de medidas na organização e gestão dos recursos humanos. Na verdade, não se põe, assim, em causa a concretização das medidas políticas consideradas prioritárias. Por isso mesmo, por serem consideradas prioritárias, apresentam o respectivo suporte financeiro neste Orçamento.

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Permitam-me, então, uma referência a algumas destas áreas de intervenção. No orçamento por acções, uma das áreas que merece, sem dúvida, destaque pela positiva é a rubrica referente aos complementos indicativos, que apresenta um acréscimo de 77% relativamente ao ano de 2006. A generalização do Inglês no 1.º ciclo do ensino básico, com o alargamento ao 1.º e 2.º anos de escolaridade, o alargamento das actividades de enriquecimento curricular a novas áreas, como a música e as actividades física e desportiva, num contributo fundamental para atingir o objectivo da escola a tempo inteiro, envolvendo escolas, autarquias, pais e outros intervenientes locais, não poderiam deixar de ser contemplados de forma significativa neste Orçamento. Sabemos o enorme esforço que tem sido feito nesta área, em articulação com os vários parceiros locais, particularmente com as autarquias.
Sobre esta matéria, a questão que coloco é a seguinte: considerando a importância da generalização destas actividades, considerando o reforço financeiro previsto no Orçamento e considerando a diversidade de intervenientes neste processo, como pretende o Ministério da Educação avaliar e acompanhar a execução destas medidas em termos pedagógicos e em termos orçamentais? Outra das áreas que tem caracterizado a dinâmica do Ministério da Educação tem a ver com a reorganização da rede escolar, em geral, e do 1.º ciclo, em particular. Que reflexos tem neste Orçamento? Neste aspecto, sabendo que está em curso o processo de elaboração, aprovação e homologação das cartas educativas dos 308 municípios, gostaria de saber que previsões há para 2007 relativamente a esta matéria. Refiro-me, portanto, ao estado da aprovação e respectiva homologação pelo Ministério da Educação, pois, na sua intervenção, a Sr.ª Ministra já se referiu ao que demais respeita sobre esta matéria. Sabendo que estes documentos, as cartas educativas, servirão de base para candidaturas no âmbito do QREN para a construção de novos equipamentos escolares e de novos centros educativos, que passos serão dados em 2007 relativamente a esta matéria? Para terminar, coloco uma última questão relativa ao reforço de verba para o Gabinete de Segurança nas escolas. Este é um sinal muito positivo que demonstra a atenção que o Ministério da Educação está a dar à problemática da indisciplina e da violência nas escolas. Em relação a este aspecto, este reforço traduz-se concretamente em que acções e medidas? Poderia concretizar, Sr.ª Ministra?

A Sr. Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Barros.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais gostava de explicitar que, no que respeita às questões orçamentais, entendemos claramente que políticas e estratégias estão a ser seguidas e entendemos que tem de haver solidariedade entre os diversos ministérios no que é um esforço nacional de contenção orçamental.
Para além disto, gostava ainda de deixar bem claro que este esforço de contenção orçamental não deve ser, tão-só e por si, o que sustenta algumas limitações que encontramos em certas áreas do Orçamento.
Entendemos bem melhor isto sob o ponto de vista de que, muitas vezes e em determinadas áreas, o importante não é investir mais, mas, sim, investir e gerir melhor. Parece-nos que é de acordo com esta filosofia que o Ministério da Educação está a actuar e, naturalmente, o Partido Socialista não pode deixar de a louvar e de com ela pactuar.
Sabemos bem quais são as prioridades do Ministério da Educação, elas já foram aqui referidas e pactuamos com elas, e sentimos que há um esforço substantivo do Ministério na valorização da escola pública, até por sabermos e reconhecermos que é esta a instituição que pode e deve ser responsável pela criação de uma real igualdade de oportunidades.
Por outro lado, neste âmbito, reconhecendo todo este esforço feito pelo Ministério e pela Sr.ª Ministra, e reconhecendo a sua sensibilidade em relação a áreas específicas, há uma que nos preocupa e em relação à qual gostávamos de ouvir uma explicação acrescida. Refiro-me à questão do ensino especial. Observamos que esta é também uma das áreas que apresenta um corte orçamental, neste caso de 4,1%, e gostávamos que a Sr.ª Ministra nos dissesse qual o número de professores neste momento afectos ao ensino especial.
Gostávamos, mesmo para nos esclarecer quanto a alguns «ecos» que surgiram na comunicação social, de saber se este número de professores corresponde ou não às necessidades desta área.
Sabemos, por outro lado, que a Sr.ª Ministra respondeu a uma reivindicação antiga, que passou pela criação de um quadro de professores do ensino especial. Gostávamos, portanto, de saber se a criação deste quadro está a permitir detectar situações de reais carências. Se assim for, a sua criação é extremamente positiva. Todavia, se ainda houver situações de carência efectiva, gostava de saber que medidas é que o Ministério da Educação estará a pensar adoptar no sentido de podermos corresponder a estas necessidades reais e por que via orçamental.

A Sr. Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, gostaria de começar por reflectir sobre algumas das afirmações que a Sr.ª Ministra fez na sua intervenção inicial. É verdade que algumas delas não estão directamente relacionadas com o Orçamento,

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mas se as trouxe aqui e se fez questão de as proferir publicamente aos Deputados é porque também está a pensar que temos alguma coisa a dizer sobre essas mesmas matérias.
Referiu a Sr.ª Ministra as cartas educativas. Ora, gostaria de perguntar se a Sr.ª Ministra tem a noção do que está a acontecer às cartas educativas deste país. A Sr.ª Ministra fala das cartas educativas como se elas constituíssem material importante de avaliação para o seu Ministério, mas o que sucede é exactamente o contrário. O que acontece é que as cartas educativas aprovadas em sede de executivos camarários, aprovadas pelas assembleias municipais, discutidas durante meses e meses pelos Conselhos Municipais de Educação com a participação de toda a comunidade educativa (e não só) dos respectivos Conselhos estão a ser ignoradas pelo seu Ministério. Parto do princípio de que, naturalmente, a Sr.ª Ministra é responsável pelas decisões das direcções regionais. Dou-lhe um exemplo: em Santarém, na última reunião do executivo camarário de segunda-feira, a Sr.ª Vereadora com responsabilidades do pelouro informou que foi contactada pela Direcção Regional de Lisboa, que lhe disse que, até meados de Novembro — estamos em fins de Outubro —, tinha de ter a resposta da câmara relativamente ao encerramento de duas dezenas e meia de escolas no concelho, todas elas com 20 alunos ou menos.
Ora, isto põe em causa a carta educativa do concelho, mas a resposta da direcção regional foi a seguinte: «Olhem que isto não é para fazer como no ano passado, em que vocês andaram para aqui a brigar e não queriam as escolas fechadas. Quem manda é o ministério, quem manda é a direcção regional, e as escolas são para fechar».
Portanto, gostaria de saber se a Sr.ª Ministra controla as direcções regionais e se tem a noção do não cumprimento das cartas educativas pelas direcções regionais. Isto é algo que a Sr.ª Ministra facilmente poderá indagar. Terei todo o prazer em lhe dar o telemóvel da Sr.ª Vereadora da educação do concelho de Santarém.
Uma outra questão interessante foi ouvir a Sr.ª Ministra dizer que há um decréscimo — e já lá vamos — em termos de orçamento, mas não é grave, porque os recursos que temos são adequados e respondem às necessidades. Ora, isto é exactamente o contrário daquilo que a Sr.ª Ministra disse na primeira vez que veio à Comissão de Educação, Ciência e Cultura e novamente quando veio discutir o orçamento de 2006. Nessa altura disse: «Ao contrário daquilo que alguns políticos fazem muita questão de dizer, isto é, que em educação já não é preciso gastar mais dinheiro, eu tenho exactamente a noção do contrário, de que é preciso mais investimento em educação. Portanto, este ano temos aqui, pela primeira vez, uma subida, mas não é adequada nem responde a todas as nossas necessidades».
Ora isto é, no mínimo, paradoxal. Então, este ano, que o orçamento desce, é que passa a ser adequado e a responder às necessidades?! Ó Sr.ª Ministra, convenhamos, é bom que, apesar da nova tipologia linguística, os adjectivos do ano passado não sirvam exactamente ao orçamento do ano passado e ao orçamento deste ano.
Depois, gostaria de dizer, Sr.ª Ministra — e V. Ex.ª é uma mulher ligada à ciência —, que só podemos comparar coisas iguais ou similares. E parece que este ano nenhum ministro ou ministra está disponível para comparar o orçamento inicial de 2006 com o orçamento inicial para 2007.
Sabem muitíssimo bem que não executaram o PIDDAC e que, em alguns casos, nem sequer aquilo que estava no orçamento de funcionamento e de investimento foi utilizado, porque houve cortes em nome da contenção, e, portanto, é muito mais simples para a opinião pública vir dizer aquilo que a Sr.ª Ministra disse há bocado, isto é, que nem chega a 5%, é quatro vírgula qualquer coisa, 4,3%, 4,2% ou 4,5%. Não é verdade! O orçamento inicial para 2007 relativamente ao orçamento inicial para 2006 desce 6%. E esta é que é a verdade! A Sr.ª Ministra só pode comparar o que é comparável e não pode comparar estimativa de execução com orçamento inicial, porque senão, naturalmente, quando chegar ao fim do ano de 2007, vai comparar o quê com o quê? Acho que é impossível.
Sr.ª Ministra, gostaria de entender alguns cortes. E começarei pelos recursos humanos. Como naturalmente concordará comigo, há áreas de intervenção política em que os recursos humanos são cruciais, designadamente aquelas que constituem as funções sociais do Estado, que são aquelas que neste orçamento sofrem uma queda generalizada, como a saúde, a justiça, a segurança social e também a educação. Ora, eu gostaria de saber como é que a Sr.ª Ministra consegue esta poupança nos recursos humanos de 2006 para 2007, uma vez que todos nós sabemos — e a Sr.ª Ministra também sabe, tenho a certeza — que se há falta de auxiliares educativos isto significa que a essa falta vai acrescentar mais falta.
Relativamente aos docentes, gostaria de saber se parte deste decréscimo em recursos humanos significa já a projecção económica que o seu ministério tem relativamente ao Estatuto da Carreira Docente que prevê começar a utilizar a partir de Janeiro. Portanto, gostaria de saber qual é a poupança que consegue com as quotas de acesso aos 8.º, 9.º e 10.º escalões.
Sr.ª Ministra, não sei porque é que abana a cabeça. Embora o Sr. Ministro (ou o Sr. Primeiro-Ministro) tenha dito que havia já um acordo entre a Ministra da Educação e a plataforma dos sindicatos, sabemos que não é verdade. Eu sei que a vida está difícil. A Sr.ª Ministra deve ter todas estas projecções devidamente estudadas e enunciadas e, com certeza, estará disponível para nos dizer se a poupança resulta disso mesmo, das quotas que tem para os 9.º, 10.º e 11.º escalões.
Seguidamente, gostaria de lhe dizer que os cortes são mais graves do que a Sr.ª Ministra aqui disse. A Sr.ª Ministra comparou o orçamento inicial com a estimativa de execução, mas, mais grave do que isso, não teve a

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coragem de dizer — e era bom que o dissesse, porque sei que também sabe que é verdade — que há verbas consignadas para 2007 inferiores às de 2005. Ora, lembrando-me eu daquilo que a Sr.ª Ministra disse, aquando do governo PSD/CDS-PP, acerca do orçamento de 2005, tenho de dizer-lhe que, como é óbvio, o seu está pior. Portanto, também ignorou isto, ignorou as quebras… Se tiver dúvidas, dou-lhe uma listagem de verbas inferiores às de 2005, porque tenho-a aqui. Dou-lhas todas com o máximo de prazer.
A Sr.ª Ministra falou em PIDDAC e na execução do PIDDAC e disse que aquilo que não está no orçamento de funcionamento está no orçamento de investimento e que, no investimento, estão os programas e os fundos comunitários. Naturalmente que a Sr.ª Ministra ou o seu ministério é que deram a informação da notícia que vem hoje no caderno Economia do jornal Público, chamando a atenção para o programa da educação préescolar: para quatro projectos tinha um orçamento inicial de 1,9 milhões de euros; o PIDDAC ajustado, ou seja, o PIDDAC contido, atribuiu-lhe 1,11 milhões de euros, sendo que destes, já ajustados, comprimidos, 75,1% foram cativados; sobraram 276 000 €, que foram executados a 100%. Naturalmente que se trata de uma boa execução, mas o que convém saber é que os 100% nada têm a ver com o PIDDAC inicial, têm apenas a ver com uma ínfima parte do PIDDAC, que são os 276 000 €.
Em relação à educação pré-escolar, gostava de ouvir a Sr.ª Ministra dizer alguma coisa. Gostava, por exemplo, de a ouvir falar sobre o que se passa relativamente ao pré-escolar para o ano de 2007, dado que os cortes estão cá e, portanto, há que saber o que nos espera. Sabemos todos que, nos grandes centros, não há as infra-estruturas necessárias, que se ainda são dadas respostas nos concelhos é graças às autarquias e que muitas vezes não há sequer educadoras ou auxiliares de acção educativa para colocar nas escolas e que são as educadoras que fazem a componente educativa e a componente de apoio à família, porque a Sr.ª Ministra não quer colocar mais educadoras. Era, pois, bom que falasse sobre estas matérias.
Finalmente, nesta primeira volta, gostava ainda de lhe chamar a atenção para o PIDDAC regionalizado, de que a Sr.ª Ministra também falou. Não posso deixar de considerar perfeitamente caricato… Tinha vários exemplos para lhe dar, mas como gosto de falar daquilo que já vi e conheço, vou falhar-lhe do PIDDAC regionalizado para o distrito e concelho de Santarém.

Vozes do PS: — Ah!…

A Oradora: — Ó Sr.ª Presidente, peço-lhe que vá descontando este tempo. Eu bem sei que entusiasmo o Partido Socialista, mas também não é preciso tanto entusiasmo!

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, deixem a Sr.ª Deputada terminar, senão atrasamos muito a nossa reunião.
Pode continuar. Sr.ª Deputada.

A Oradora: — O exemplo é o de um pavilhão desportivo, da responsabilidade do ministério, que nunca o quis fazer ao longo dos anos — isto acontece também no resto do País, como todos nós sabemos, e, depois, o Estado faz protocolos com as autarquias, estas fazem-nos, adiantam o dinheiro aos empreiteiros e, depois, o ministério vai pagando —, relativamente ao qual é interessante verificar que, neste PIDDAC regionalizado para 2007, o Ministério da Educação vai fazer um esforço de 5000 €, deixando em dívida 295 329 €. Portanto, é espectacular se esta situação se puder espalhar a todo o País, porque se trata, de facto, de um empenhamento em nome da aplicação de recursos em infra-estruturas e na qualificação dos portugueses, situação que, naturalmente, é de lamentar.
Sr. ª Presidente, as questões mais particulares deixarei para uma segunda intervenção.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Ministra da Educação e o Sr. Secretário de Estado, dizendo desde já que foi devido a trabalhos parlamentares que decorriam em simultâneo — ainda por cima vi passar a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado, quando pensava que esta reunião teria início uma hora mais tarde — que não pude estar presente aquando da sua intervenção inicial. É, pois, possível que algumas das perguntas que vou colocar já tenham sido respondidas. Peço, por isso, alguma compreensão para o facto, embora já tenha tentado tomar conhecimento do conteúdo da intervenção da Sr.ª Ministra.
Sr.ª Ministra, começo da mesma forma como iniciei a minha intervenção aquando da apreciação do orçamento do ano passado, dizendo que continuo a considerar que o problema da educação não é de natureza orçamental. Com isto, não quero, no entanto, dizer que a situação da educação não corresponda a um problema do Orçamento do Estado em geral. Trata-se de duas questões totalmente distintas.
Portanto, Sr.ª Ministra, não vai ouvir da minha parte um discurso a pedir mais despesa, não lhe vou pedir mais despesa de funcionamento, aliás, vou fazer a pergunta muito ao contrário, porque acho que essa é que é essencial.
A despesa do Ministério da Educação corresponde, aproximadamente, segundo o relatório do Orçamento do Estado, a 3,7% do produto interno bruto. Mais: corresponde a 10,7% do total que é gasto nas administra-

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ções públicas. Por isso mesmo, o orçamento do Ministério da Educação, o orçamento do Ministério da Saúde e o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Nacional são verdadeiramente essenciais para a determinação daquilo que é o orçamento em geral e daquele que é o peso da despesa pública.
Este ano temos uma quebra no orçamento do Ministério da Educação de 4,2%, aproximadamente 274 milhões de euros. E, mais uma vez de acordo com o relatório, aproximadamente 80% dos serviços integrados são gastos com pessoal. Portanto, temos aqui um problema sério de recursos humanos, mas é que muito um problema de despesa que constantemente é feita.
Dentro dos 4,2% de quebra, fizemos uma desagregação e constatámos que no subsector Estado a quebra geral é de 4,5%, mas a quebra com o funcionamento normal é de 4,3% e com o ensino básico e secundário é de 5,5%.
Aquilo que quero pedir-lhe, Sr.ª Ministra, é se me poderia desagregar um pouco mais estes dados.
A que é que corresponde a quebra devida ao pessoal? E o que é que na quebra do pessoal se deve a contratados e o que é que não se deve a contratados? Qual a perspectiva de evolução da despesa pública que o Ministério da Educação tem em relação ao seu pessoal? A partir do momento em que temos concursos com três anos, temos quadros mais razoáveis de saber o que é que vai ser a despesa pública com o pessoal. Se houve este ano uma quebra com os contratados, será que se pode prever que ela exista também para o próximo ano lectivo, dado que estamos a falar de uma previsão que vai abarcar o início do próximo ano lectivo? Quanto desta quebra se deve ao fecho de escolas? Quanto da quebra que se prevê também para o próximo ano se deve ao fecho de outras escolas no ano lectivo seguinte? Estas são questões essenciais para conseguirmos determinar aquilo que está ou não a ser feito no Orçamento do Estado.
Para além do mais, Sr.ª Ministra, quero aqui levantar um problema de natureza geral, que é também, se calhar, um problema de natureza ideológica, mas que assumimos por completo. Ouvimos constantemente a esquerda parlamentar falar da questão da defesa da escola pública, mas nós, nesta bancada, temos defendido uma coisa completamente distinta, que é o serviço público de educação, serviço que pode ser prestado tanto pela escola pública como pela escola privada.
Em primeiro lugar, aquilo que quero saber da parte da Sr.ª Ministra é se pondera fazer aquela que é a grande reforma de que necessitam as nossas escolas, que tem a ver com o princípio da liberdade de escolha e com a criação de critérios que possibilitem a verdadeira liberdade de escolha para os alunos entre escola pública e privada.
Em segundo lugar, gostaria de saber se a Sr.ª Ministra entende que é possível ou que é defensável, como nós consideramos, a introdução de critérios de gestão privada dentro das escolas, para que não continuemos a ter este problema da rigidez da despesa que tem o Ministério da Educação.
Em terceiro lugar, pergunto qual o nível de descentralização de funções que a Sr. Ministra admite que possa ser feita para as autarquias locais. É que, por exemplo, ao mesmo tempo que está a ser discutido o Orçamento do Estado, está em apreciação a proposta de lei das finanças locais, e se analisarmos o Fundo Social Municipal vemos que há aqui um conjunto de despesas em matéria de educação que são elegíveis para o financiamento das autarquias e que, hoje, estão inscritas no Ministério da Educação central.
Pergunto, pois, se é possível acreditar que vai haver uma transferência. Refiro-me, por exemplo, às despesas com professores, monitores e outros técnicos com funções educativas de enriquecimento curricular, que, hoje, estão previstas no Ministério. Vamos ter uma transferência generalizada dessas matérias para as autarquias? É pensável que haja aí uma descentralização maior na área da educação? Falando também em fecho de escolas, queria fazer-lhe uma pergunta um pouco ao contrário: é preocupação da Sr.ª Ministra (e eu também tenho levantado essa questão variadíssimas vezes) a questão das escolas nos grandes centros urbanos que estão, permita-me a expressão, «a rebentar pelas costuras», que têm alunos a mais? Nós sabemos bem da existência dessa situação.
Ora, tal como pretendeu que existisse alguma racionalidade de natureza económica em relação às escolas com poucos alunos, considero que essa também seria uma medida de racionalidade económica em relação a essas escolas, porque acaba por se gastar muito mais no plano orçamental do que se tivéssemos um funcionamento mais diverso.
Gostaria ainda que a Sr.ª Ministra me respondesse ao seguinte — é quase uma questão de curiosidade: qual o peso que terá o Plano Nacional de Leitura a nível orçamental para o próximo ano? Trata-se de um plano extraordinariamente importante e sabe bem que também eu próprio tive empenho em relação ao mesmo. A Sr.ª Ministra falou-nos de um plano de formação de professores para Matemática. Mas, técnicos que considero reputados diziam muitas vezes que um dos problemas da Matemática é o facto de os alunos não conseguirem interpretar o português, nem aquilo que lhes é dito pelos seus professores.
Por isso, pergunto-lhe se considera também que, a nível daquelas que devem ser as prioridades políticas para o próximo ano, está a questão do português, da formação dos professores em relação ao português e dos nossos alunos em relação ao português, e ainda qual o peso de natureza orçamental que essa matéria pode vir a ter.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, gostaríamos de saber se está aberta a um princípio de avaliação dos programas que são ensinados nas nossas escolas. A Sr.ª Ministra tem falado da questão da avaliação em relação às escolas e em relação aos professores, e eu gostaria de saber se é possível que exista um princípio de avalia-

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ção daquilo que é ensinado aos nossos alunos. É que nós também temos esse patamar: é que, além dos professores, além dos alunos, que também são avaliados, temos de avaliar aquilo que genericamente é determinado pelo próprio Ministério que seja ensinado nas escolas.
Mas a grande pergunta que quero fazer-lhe tem a ver com o modelo de ensino: Sr.ª Ministra, vamos continuar a ouvir constantemente falar da questão da escola pública, que é hoje, está visto, um problema de formação, que é muito um problema de educação, mas também é um problema de natureza orçamental e, por isso, deve ser discutida aqui? Ou vamos definitivamente começar a abrir os horizontes? Se calhar, a partir do momento em que se abram os horizontes, será mais fácil deixarmos de ter o problema orçamental a que, hoje em dia, o Ministério da Educação corresponde para as contas do Estado.
A partir do momento em que deixarmos de ter um orçamento em que 80% do mesmo é despesa fingida, teremos uma maior flexibilidade para a determinação de investimentos. É porque, Sr.ª Ministra, quando temos 80% da despesa que é fingida, qual é a tentação para cortar na despesa? É cortar nas despesas de investimento, naquela que é a parte nacional. É, evidentemente, a parte mais fácil! E nem digo tanto em relação aos programas que já estão em execução, mas digo em relação à possibilidade de novos programas, que, evidentemente, fica limitada.
Considero, pois, que este seria um esforço extraordinariamente importante que deveria ser feito. Com toda a sinceridade, penso que, para quem quiser ficar reconhecido como reformista na área da educação, esta é a grande alteração a fazer.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente em exercício, Sr.ª Ministra da Educação, Sr. Secretário de Estado, quero dizer-vos que, efectivamente, a Sr.ª Ministra conseguiu instituir um discurso ao inscrever-se no presente deste país com o seu combate ao insucesso e ao abandono escolares.
Trata-se de uma retórica fundadora das suas políticas e das suas práticas, mas a questão fundamental que hoje, aqui, se coloca é a de vermos se este orçamento corresponde e responde a essa mesma retórica, se os cortes orçamentais não implicam cortes nas políticas e se vai responder pelas políticas ou se vai responder pelo orçamento.
De facto, este orçamento preocupa — só pode preocupar — o País, Sr.ª Ministra. Regista um corte nominal de 4,2%, um corte real de 6,8%, as despesas de investimento são reduzidas drasticamente (menos 18,1%), sendo este corte, inclusivamente, muito superior ao das despesas de funcionamento. Temos o apelo à necessidade de melhorar as condições das escolas de acolhimento, pelo que fica aqui a pergunta: vão fazer como fizeram este ano, ou seja, primeiro deslocam as crianças e depois é que vêem quais são as condições das ditas escolas de acolhimento? Por outro lado, o parque escolar português está — como a senhora já admitiu — profundamente degradado, a exigir alterações profundas.
Observemos as verbas fundamentais neste contexto: apetrechamento das instalações — um corte de 20%; conservação e remodelação do parque escolar — um corte de 50%; instalações para os ensinos básico e secundário — um corte de 20%. Enfim, é caso para lhe perguntar: quais são as suas prioridades? A Sr.ª Ministra fez aqui um apelo muito significativo em torno das cartas educativas. Penso que era importante que esclarecesse esta Casa em relação ao processo de financiamento, nomeadamente quanto às expectativas que foram desenvolvidas pelos concelhos, pelas autarquias, nomeadamente quanto ao modelo.
Falou das escolas do 1.º ciclo, e quero perguntar-lhe se foi completamente abandonado o modelo das escolas básicas integradas e qual é a resposta do Ministério relativamente ao futuro modelo destas cartas educativas.
Falou-nos também da importância das tecnologias de informação e comunicação (TIC), mas o investimento para o próximo ano é reduzido em relação ao ano de 2006.
Mas continuemos a falar de cortes e de políticas e da seriedade destas políticas em articulação com este orçamento: a educação especial regista um corte de 4,1%. Abandonou, pelos vistos, a filosofia da escola inclusiva, nomeadamente com um corte de 70% das vagas para os professores do ensino especial.
O ensino de português no estrangeiro regista igualmente um corte muito significativo, deixando os professores de ter subsídio de instalação e subsídio de viagem, havendo neste momento dezenas de escolas sem aulas, porque os professores não foram colocados.
As verbas para acção social também crescem abaixo da inflação.
Quanto aos transportes escolares, o Governo tinha assumido um reforço das verbas para as autarquias, mas, como sabemos, no quadro do encerramento de 1428 escolas, ficou muito aquém das expectativas necessárias. Há um aumento, em relação a 2006, de 117 000 €, ou seja, 0,54% de aumento, muito abaixo da inflação e, provavelmente, muito abaixo das necessidades reais destas crianças.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, quero colocar-lhe uma questão que considero pertinente. A senhora fala do alargamento do ensino do Inglês aos 3.º e 4.º anos. Com certeza que são apostas que merecem ser olhadas com toda a seriedade, mas quero perguntar-lhe como é que vai fazê-lo, tendo em conta o problema da mãode-obra, da gestão dos recursos humanos. Vai fazê-lo como? Na base de subcontratação, subcontratação,

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subcontratação? Remete o problema para as autarquias para que estas o remetam para as empresas, que subcontratam? Este ano, houve professores de Inglês a ganharem 6 € à hora — a Sr.ª Ministra sabe-o muito bem. Vai fazer como? Vai estipular claramente os plafonds de remuneração (mesmo assim, uma remuneração miserável!) destes docentes? Ou vai continuar com aquele pingue-pongue entre as autarquias, em que a senhora diz que é uma coisa e as autarquias dizem que não sabem? Qual é, pois, o quadro para estes profissionais? Como é que pode, efectivamente, garantir que este projecto, que tem mérito, vai ser feito com qualidade e com os melhores recursos humanos, que é o que as crianças merecem neste país? Por que é que, por exemplo, não utiliza os professores no quadro de destacamento? Havendo professores com horário zero, por que é que com esta fonte de mão-de-obra não equaciona a realidade dos professores e não perspectiva este horizonte para assegurar a qualidade desta oferta? Ontem soubemos que vem aí a lista de supranumerários para os professores, havendo milhares deles que podem estar em risco de ficar nessa situação — aqueles que provêm das muitas escolas que foram fechadas.
Mas há muitas mais para encerrar: 4500, se não estou em erro, até 2009.
Neste momento, os professores não fazem outra coisa senão cumprir também esta redução orçamental, dado que são esmagados com uma carga horária, e eu duvido que a senhora, em muitas circunstâncias, tenha a consciência profunda do esmagamento do dia-a-dia dos professores. E esta realidade do quadro de mobilidade de milhares de professores, para além da política dos agrupamentos, poderá conduzir a uma redução muito substancial.
Queria, efectivamente, que nos esclarecesse quanto a isto com muito critério e muito cuidado. É que ontem soubemos desta realidade, deste diagnóstico e deste drama. Hoje, pelo contrário, soubemos pelo Sr. Secretário de Estado que o Ministério está muitíssimo preocupado com a formação inicial dos professores, que o Ministério vai apostar num modelo novo, modelo esse — provavelmente, também é a altura de o discutirmos aqui — em que professores de níveis diferentes têm uma formação afim e em que se exige, e bem, que estes docentes tenham 2.º ciclo. A pergunta é se este 2.º ciclo será pago pelos professores.
Mas a questão fundamental que se coloca é esta: Sr.ª Ministra, quem é que vai pagar o 2.º ciclo? É que a filosofia, em si, têm aspectos relevantes e têm aspectos positivos. A questão fundamental, Sr.ª Ministra, é como é que vamos operacionalizar.
É evidente que o modelo de formação inicial deve ser exigente; é evidente que, de acordo com Bolonha, se prevê que ele contemple o 2.º ciclo. Quem vai pagar, efectivamente, o 2.º ciclo? Mas a questão fundamental é a questão dos tempos: «ontem» são os milhares de professores que podem ter a sua profissão em risco; hoje é a grande preocupação com a formação inicial de professores. Em que é que ficamos? Como é que a senhora olha para a formação desta mão-de-obra? Como é que a integra no sistema? Como é que estabelece a relação efectiva entre as necessidades de recursos destes professores e as escolas? Nesse sentido, gostaria imenso que me esclarecesse uma afirmação sua, que considero preocupante, relativamente aos supranumerários. Disse a Sr.ª Ministra que «não está escrito em lado nenhum que tenha de haver um regime especial para os professores» — estou a citá-la…

A Sr.ª Ministra da Educação: — Está a citar-me onde?

A Oradora: — Estou a citar o que disse ao Diário de Notícias.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Peço desculpa, mas sou merecedora de um pouco mais de rigor!

A Oradora: — Estou a citar o Diário de Noticias de 27 de Outubro, que diz o seguinte: «Não está escrito em lado nenhum que tenha de haver um regime especial para os professores, mas se haverá ou não só se verá no final das negociações sobre o estatuto da carreira.» Efectivamente, Sr.ª Ministra, qual é conteúdo político desta afirmação?

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado do Partido Ecologista «Os Verdes» Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, gostaria de lhe assegurar que ninguém, aqui, pretende faltar-lhe ao respeito em termos pessoais. Naturalmente, estamos aqui a falar não da sua pessoa, mas das políticas e das opções do Governo em matéria de educação, área extremamente importante.
Gostaria de fazer notar que, de acordo com aquilo que o Governo apresentou, um dos grandes objectivos deste Orçamento do Estado é a qualificação dos portugueses. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro tem anunciado que é tempo de novos investimentos, que o tempo do betão acabou, que agora é preciso investir na formação, na qualificação dos portugueses e, naturalmente, os objectivos de combater o insucesso e o abandono escola-

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res são fundamentais, porque, infelizmente, os números demonstram que ainda estamos longe daquilo que seria desejável.
Contudo, a nível da educação, como na generalidade dos orçamentos (ou dos suborçamentos, se quiser) na área social, seja na área da saúde, da segurança e da acção social ou da cultura, este é mais um Orçamento com um forte corte não só no investimento, em termos de PIDDAC, mas também, e importante, ao nível das despesas que dizem respeito aos salários dos professores. E sabemos que estamos a falar de uma área em que as relações interpessoais são fundamentais, porque a relação entre docentes e discentes é fundamental para o sucesso educativo. Portanto, é com inquietação que vemos que o Ministério da Educação tem uma preocupação profunda em cortar nos salários dos professores.
Aliás, se alguém ainda pudesse ter alguma dúvida relativamente às intenções do Ministério nesta questão, neste momento, com o Decreto-Lei n.º 200/2006, ela já não se coloca, porque este diploma vem dizer muito claramente que os professores poderão passar para o quadro de supranumerários e daí «saírem para a rua», serem despedidos, com o pretexto de que temos demasiados professores no sistema de ensino, com o que, salvo o devido respeito, não concordamos e que, até prova em contrário, parece-nos estar por demonstrar.
O que temos é falta de professores, por exemplo para o ensino de Português no estrangeiro e para o ensino especial — como sabem, houve uma redução brutal este ano, o que tem sido denunciado na Assembleia da República com regularidade.
Este Ministério da Educação está a promover o desemprego docente e, ao mesmo tempo, através das actividades ditas de enriquecimento curricular, pretende subcontratar pessoas para essas tarefas deixando os professores de fora de matérias que deveriam pertencer, e que pertencem na teoria, ao currículo das escolas, inclusivamente ao currículo do 1.º ciclo. Portanto, isto não se tratou de uma inovação deste Governo, ele não veio descobrir nada. O que acontece é que há um conjunto de actividades, como as expressões plásticas, a música, a expressão dramática e a educação física, que estão há muito tempo no currículo mas nem as escolas têm tido condições físicas nem têm sido aproveitados professores que existem com formação nessa área para ministrar essas disciplinas nas escolas do 1.º ciclo. Esse é que é o problema. O Governo não está, pois, neste momento, a dar nada nem a inventar nada; antes pelo contrário, está a inventar desemprego docente, má gestão dos recursos do País.
A Sr.ª Ministra referiu que o PIDDAC é insuficiente. Bem, isso não é nada de novo. Infelizmente, já tínhamos dado conta disso. O PIDDAC é insuficiente há 20 anos, reconhece a Sr.ª Ministra. Isso é um facto. Portanto, já percebemos todos que o parque escolar e que muitas das obras fundamentais que estavam prometidas, designadamente nos 2.º e 3.ª ciclos e no secundário, vão ter de ficar para as calendas.
Sr.ª Ministra, já agora, se quiser, poderá explicar por que é que tantos projectos desapareceram do Orçamento do Estado, do PIDDAC, entre 2006 e 2007. Uns desapareceram completamente e não foram concretizados, outros não desapareceram, mas a verba que lhes estava destinada foi reduzida substancialmente de cerca de 200 milhões de euros para aproximadamente 5 milhões de euros, quando, na realidade, estava previsto realizarem obras até 2008.
Não se percebe o que é que se passou nessas situações, que ocorrem desde Santa Maria da Feira até ao Alentejo, como em muitos outros concelhos. Infelizmente, podemos falar de qualquer concelho. Duvido que pelo menos haja algum distrito que não saia afectado com esta questão. Falei dos concelhos de Santa Maria da Feira e da Moita, só para lhe dar dois exemplos, mas posso falar de mais.
Mas passemos a outra questão, a do reordenamento do parque escolar, que também tinha de ter implicações orçamentais.
O Governo, quando quis implementar esta reforma de reordenamento do parque escolar, que consistiu basicamente no encerramento de mais 1400 escolas do 1.º ciclo, assumiu compromissos claros de que as autarquias não seriam penalizadas por esse facto. Ora, se as verbas não estavam previstas no Orçamento do Estado para 2006, também nos parece que não é no Orçamento do Estado para 2007 que estão. Portanto, não sabemos de onde é que essas verbas virão, pois no Orçamento do Estado para 2007 só está prevista uma verba de 1,5 milhões de euros, e parece-nos que não será para isso.
A Sr.ª Ministra sabe, certamente, da realidade de muitas escolas: os alunos estão a ter aulas em péssimas condições, em contentores, apesar de estarem equipados com ar condicionado — aliás, uma opção ambiental e energeticamente muito pouco interessante. Mas os contentores, apesar disso, têm muito más condições, nomeadamente de humidade, de insonorização, de iluminação, que certamente não são as melhores para promover o sucesso escolar no nosso país. Portanto, fica aqui a pergunta de onde é que virá esse dinheiro.
Sr.ª Ministra, em relação aos transportes escolares, gostaríamos de compreender – e penso que o Ministério da Educação também deve ter uma palavra nesta questão – por que é que no artigo 26.º do Orçamento do Estado para 2006 a verba prevista era de cerca de 21 milhões de euros e a verba constante da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2007 continua a ser a mesma, uma vez que houve declarações, por parte do Governo, de que seriam precisos entre 5 a 6 milhões de euros para os transportes escolares, justamente por causa do reordenamento do parque escolar. Ora, pergunto de onde é que virão estes 5 a 6 milhões de euros, porque não estão no Orçamento, pelo menos não estão nesta rubrica. Admitimos que possamos não ter visto tudo, pelo que agradecia que a Sr.ª Ministra da Educação nos esclarecesse de onde é que vem esse dinheiro.
Sr. Ministra, finalmente, gostaria de me referir à questão do pré-escolar, porque um dos objectivos apresentados é o largamento da rede do pré-escolar. Contudo, pelos vistos, esse alargamento vai realizar-se sem

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qualquer investimento, porque a pouca verba que existia em termos de investimento na rede do pré-escolar foi reduzida a zero, ou seja, foi reduzida em 100%, desapareceu completamente. Ainda por cima, no Relatório da proposta de lei do Orçamento do Estado é referido que esse desaparecimento se deve ao facto de as autarquias não terem dado resposta, nos últimos anos, a esse tipo de programas. Ora, sabendo das dificuldades financeiras que têm sido criadas às autarquias, também por parte do governo central, isso parece-nos uma profunda hipocrisia. Além disso, é extremamente preocupante que este tipo de programas desapareça a nível do investimento, lançando-se as culpas sobre as autarquias.

A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Sr.ª Ministra da Educação, tem a palavra para responder em bloco a este conjunto de perguntas.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, muito obrigada por todos os comentários, por todas as observações e pelas dúvidas levantadas. Vou procurar responder de forma tão sucinta quanto possível, começando pela pergunta colocada pelo Sr. Deputado Emídio Guerreiro sobre os exames.
Sr. Deputado, penso que não é este o momento para colocar o problema, nem para obter resposta às suas questões, que são certamente importantes e pertinentes. Na devida altura será esclarecido pelo Ministério da Educação sobre esse assunto. Parece-me bastante inoportuno introduzir este tema, mas estarei, certamente, disponível para lhe responder em pormenor às questões que levantou.
Todavia, gostaria de recordar-lhe – não sei se esteve atento apenas a uma parte dos jornais se a todos – que houve decisões contraditórias por parte de diferentes tribunais sobre a mesma matéria.
Em relação ao seu comentário global sobre o facto de a educação, para este Governo, ser uma aposta perdida, gostaria ainda de dizer-lhe o seguinte: não é uma aposta perdida, é uma aposta ganha. E é uma aposta ganha em tudo aquilo que já conseguimos concretizar, antecipando, em muitas das matérias, aquilo que estava no Programa do Governo, concretizando melhor e mais rapidamente do que alguma vez foi possível pensar.
Falo da generalização do Inglês, da concretização do Projecto Escola a Tempo Inteiro, do enriquecimento curricular e que em menos de dois anos conseguimos transformar profundamente as escolas de 1.º ciclo.
Está tudo feito e de forma perfeita? Não, não está tudo feito, nem de forma perfeita, mas cá estamos para continuar a trabalhar e para, de forma diligente, melhorar as condições de ensino no 1.º ciclo.
Continuamos preocupados com os resultados escolares, investindo na valorização das competências dos professores, com programas de formação contínua focalizados nas necessidades de melhoria do sistema de ensino e de aprendizagem.
Mudámos completamente o panorama da formação contínua de professores, transformando-a num efectivo instrumento de melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem.
Foram envolvidos milhares de professores do 1.º ciclo nas acções de formação e esperamos continuar, este ano, com mais milhares de professores que aderiram generosa e voluntariamente a estes programas.
Trata-se do Plano de Acção para a Matemática, envolvendo mais de 1000 escolas. Trata-se do Plano Nacional de Leitura, com um forte investimento, tendo em vista, justamente, alterar a tipologia de investimentos do Ministério da Educação.
Como dizia no início, não se trata de um problema de recursos, de um problema de dinâmicas, mas de um problema de qualidade do investimento que é necessário fazer.
A diversificação da oferta formativa no secundário foi uma aposta ganha. Surpreendentemente, com o trabalho das escolas e dos professores conseguimos multiplicar por um factor enorme o número de alunos envolvidos nestas ofertas formativas: são 23 000 os novos alunos entrados nos cursos profissionais das escolas públicas e privadas contra os antigos 10 000 alunos. Há mais de 15 anos que se mantinha um condicionamento nestas áreas de formação e nós duplicámos, mais do que duplicámos, as entradas.
O que posso garantir-lhe é que este é um orçamento de investimento de qualidade na educação, que não faltará um cêntimo para nenhuma das políticas que consideramos prioritárias.
O essencial da racionalização tem que ver com a melhor gestão dos recursos humanos, sobretudo dos recursos humanos docentes, em educação.
Os quadros de escola e os quadros de zona pedagógica são rígidos, fazem com que tenhamos professores em excesso, ou melhor, sem horários atribuídos, sem turmas distribuídas, aos quais não podemos atribuir serviço docente, porque estão em quadros de escolas ou de zonas onde não há alunos, fazendo-nos falta professores em zonas onde o número de alunos cresceu. O desajuste entre os recursos, o investimento em recursos e os movimentos da população discente ocorridos nos últimos anos tem sido uma das causas da dificuldade de gestão do orçamento do Ministério da Educação. Foi isso que procurámos alterar já no Orçamento anterior e que prosseguiremos no próximo ano, gerindo melhor os recursos públicos para este efeito.
Portanto, não é verdade que o corte orçamental seja de 30%. Esse valor existe no Orçamento do Estado, nas Fontes Nacionais, mas deve ser lido com o reforço dos fundos comunitários, que nos permitirão executar de maneira diferente aqueles que são os investimentos nesta área.
Agora, ao longo desta primeira ronda de intervenções, houve sucessivas dúvidas sobre a questão das cartas educativas, da construção e da melhoria da rede do 1.º ciclo e, mesmo, do pré-escolar. Devo recordar aos

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Srs. Deputados que o 1.º ciclo e o pré-escolar são da competência das autarquias, em matéria de construção.
Portanto, os investimentos necessários estão previstos, desde logo, no próximo quadro comunitário de apoio.
E foi isto que anunciei que estávamos a trabalhar com as autarquias, na elaboração das cartas educativas, para garantir que, no primeiro dia em que o próximo quadro comunitário de apoio estiver disponível, as autarquias estarão em condições de se poder candidatar aos fundos para executar as referidas cartas educativas, construindo e melhorando ou fazendo as intervenções necessárias à melhoria da rede.
Quanto à questão do pré-escolar e da ausência de PIDDAC no orçamento do Ministério da Educação, justamente porque as verbas vinham sendo inscritas no PIDDAC para responder a compromissos de anos anteriores, como esses compromissos chegaram ao fim, neste momento, o investimento no pré-escolar ou está nos próximos quadros comunitários de apoio, quando ainda necessário, ou nos orçamentos das próprias autarquias, uma vez que é da responsabilidade das autarquias e não do Ministério da Educação, a construção desses equipamentos. Portanto, o que existia de PIDDAC nos últimos anos eram valores remanescentes de compromissos antigos do Ministério da Educação, os quais vieram a ser cumpridos e, neste momento, não existem já, sendo que, no futuro, o modelo de iniciativa é outro e passa, sobretudo, pelo orçamento das próprias autarquias.
Outra questão muito suscitada foi a do processo de encerramento das escolas e das condições de prosseguimento dessa linha de intervenção, designadamente das proporcionadas às autarquias nessa matéria.
Recordo, de novo, que a responsabilidade pelos equipamentos e os edifícios no 1.º ciclo é das autarquias. O que o Ministério da Educação fez, no passado ano lectivo, de novo, foi um trabalho de colaboração que procurámos que assentasse numa base de confiança, de trabalho conjunto, permitindo acelerar o processo de encerramento, quando ele era possível.
A questão do financiamento do transporte escolar, como a do financiamento das melhorias nas escolas de acolhimento, como a do financiamento dos centros escolares que será necessário construir são tudo questões que não têm de ter tradução neste orçamento do Ministério da Educação.
As melhorias que foram feitas, este ano, nas escolas de acolhimento, já foram feitas com o orçamento do ano anterior. Aquilo que esperamos é que, no próximo ano, já possamos contar com o quadro comunitário de apoio para começar a construir ou a modernizar as escolas que ainda sejam passíveis de recuperação.
Quanto aos transportes escolares, trata-se de um financiamento por aluno e em nada está comprometido, pois obedeceu a um protocolo celebrado entre o Ministério da Educação, o Ministério da Administração Interna e a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Não há, pois, nenhuma razão para se levantarem suspeitas ou dúvidas sobre o cumprimento, por parte do Estado ou do Governo, nessa matéria. Não haverá nenhum problema! O facto de se suscitarem dúvidas ou questões nos jornais não significa que tenham alguma razão de ser. Portanto, não há nenhum problema com o transporte escolar das 10 000 crianças, e não 20 000, envolvidas no movimento de encerramento de escolas deste ano, não haverá nenhum problema de financiamento ou pagamento do seu transporte. As verbas estão garantidas no orçamento do Ministério da Administração Interna, que é quem tem a responsabilidade de transferência dessas verbas para as autarquias, as quais são pagas por aluno. Portanto, o que as autarquias têm de fazer é apresentar as contas relativas ao transporte dos alunos.
Ainda em relação às cartas educativas, a sua elaboração é, de facto, da responsabilidade das autarquias e estavam muito atrasadas quando chegámos ao Ministério da Educação. O que fizemos foi esclarecer a relação do Ministério com as autarquias, protocolando com a Associação Nacional de Municípios um calendário e condições de pagamento dessas cartas educativas.
As cartas educativas, como já disse, são elaboradas pelas autarquias, têm procedimentos de aprovação local e têm um procedimento de homologação por parte do Ministério da Educação. Como anunciei, iremos proceder à homologação das primeiras cartas educativas na próxima semana, entre as quais estará a carta educativa de Santarém — só para informação da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Aquilo que quero dizer é que as cartas educativas são um instrumento de planeamento muito importante, não apenas para as autarquias mas também para o Ministério da Educação, não envolvem apenas o 1.º ciclo, envolvem também decisões sobre os outros níveis de ensino e são, repito, um instrumento de planeamento tanto para as autarquias como para o Ministério da Educação. E não há nenhum problema entre o Ministério da Educação e as autarquias em matéria de cartas educativas.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — O problema é o das escolas que vão encerrar!

A Oradora: — Estamos a procurar fazer o trabalho e temos o entendimento, tal como as autarquias, de que esse é um instrumento fundamental para se poderem aproveitar os próximos fundos comunitários para resolver o problema da rede escolar.
Relativamente à questão da poupança que o Ministério faz com os recursos humanos, aquilo que devo dizer é que as poupanças associadas à aplicação ou concretização do novo estatuto da carreira docente, que vier a ser aprovado, são de zero cêntimos. Pouparemos zero cêntimos com a aplicação do estatuto. O estatuto não tem esse objectivo, é um instrumento de gestão de longo prazo, com um papel, diria, estrutural no quadro de funcionamento das escolas e do sistema educativo, e não é concebido nem pensado, nem feito a correr

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para resolver o problema do orçamento do Ministério da Educação. É um instrumento estratégico para a gestão do sistema e das escolas, que não implicará nenhuma poupança neste orçamento.
Devo dizer que a poupança deste orçamento, como a poupança do orçamento do ano lectivo anterior, tem a ver com racionalização dos recursos. E aquilo que pergunto aos Srs. Deputados é se pensam que os recursos afectos ao Ministério da Educação devem ser afectos, sobretudo, ao pagamento de professores que são dispensáveis no sistema. Tendo professores em zonas pedagógicas nas quais não há alunos, sem instrumento de mobilidade para fazer com que esses professores possam ser deslocados para zonas pedagógicas onde há alunos, aquilo que o Ministério da Educação deve fazer é criar esses instrumentos de mobilidade ou é continuar a manter estas situações de enorme irracionalidade, em que temos 3000 professores sem a possibilidade de lhes ser distribuído serviço, porque não há alunos, e contratar outros tantos milhares de professores, pagando salários a uns e a outros?! Se consideram que o Ministério da Educação é uma agência de emprego, eu considero que é um organismo essencial na gestão do sistema educativo, cujo objectivo primordial é o aumento da qualificação dos portugueses, é a garantia de que o ensino e as aprendizagens se fazem com qualidade, e não uma agência de emprego onde tenham de ser resolvidos os problemas dos licenciados que aspiram entrar nesse sistema de ensino. Tenho, do Ministério da Educação, uma outra visão, tenho, da função docente, uma outra visão um pouco mais exigente e um pouco mais qualificada.
Portanto, não é verdade que esta preocupação de gestão dos recursos tenha como objectivo aumentar o desemprego dos docentes, o objectivo é fazer uma gestão adequada dos recursos, é ter os recursos necessários e suficientes para cumprir uma educação de qualidade.
Devo dizer que o desperdício no sistema não é favorável. Tenho as maiores dúvidas de que ter milhares de professores sem componente lectiva, sem serviço distribuído, no interior das escolas, sirva para aumentar a qualidade no funcionamento das escolas; pelo contrário, esse desperdício no interior das escolas contribui para demasiada entropia e demasiado mau funcionamento dessas mesmas escolas.
Diria que, no que respeita a este orçamento, nenhuma medida de política relacionada com a melhoria da qualidade das aprendizagens, com a consolidação do enriquecimento curricular e da melhoria do ensino básico, com a diversificação do ensino superior e a modernização das escolas, ficará por cumprir.
Quanto à questão suscitada pela Sr.ª Deputada Fernanda Asseiceira, sobre o 1.º ciclo e às dúvidas ou às questões em que podemos reflectir quanto às condições da generalização, trata-se, de facto, de um programa que se concretizou, tanto o do Inglês como, agora, o do enriquecimento curricular, de forma mais rápida do que aquela que era a nossa expectativa, porque penso que veio responder às necessidades sentidas pelas famílias. As famílias ansiavam e tinham uma enorme expectativa em relação a programas deste tipo e, portanto, responderam — as famílias, as autarquias e as escolas. E uma parte do êxito deste programa deve-se justamente a esta expectativa positiva, às necessidades que as famílias sentiam em relação a estes programas. Trata-se de programas essenciais para melhorar e valorizar a escola pública e são também essenciais para, no fundo, dar condições de sucesso escolar, no final do percurso, a todos os nossos alunos.
Estou convencida de que uma parte do insucesso e do abandono tem a ver com as deficientes condições de ensino ao nível do 1.º ciclo. Temos uma comissão de acompanhamento e avaliação deste programa de generalização das actividades de enriquecimento curricular que, além de envolver a Associação Nacional de Municípios, as direcções regionais e outros serviços do Ministério da Educação, tem também as associações de professores envolvidas nestes programas.
Relativamente às cartas educativas, já falei o suficiente sobre elas e esperamos que sejam todas aprovadas em 2007, porque são um instrumento de gestão muitíssimo importante.
Sobre a questão da segurança nas escolas, o aumento corresponde não só à criação do Observatório para a Segurança Escolar mas também a alterações no programa que estamos a tentar concretizar, embora ainda não o tenhamos para apresentar. Oportunamente, viremos aqui, certamente, explicá-lo.
Deixo o assunto do ensino especial para o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos, que explicará, em pormenor, as alterações que foram introduzidas neste nível de ensino.
Voltando um pouco atrás, peço desculpa, pois tinha aqui os dados e esquecia-me de o referir, o programa de enriquecimento curricular envolveu todas as autarquias, não houve nenhuma autarquia que não tivesse aderido a este programa. Foram também envolvidos nestes programas 93% dos agrupamentos de escolas.
Para além do Inglês, nos 3.º e 4.º anos de escolaridade, o ensino da Música e a Actividade Física e Desportiva envolvem, respectivamente, 95% e 96% das escolas.
No que respeita ao número de alunos abrangidos, até este momento as informações do Ministério da Educação apontam para uma cobertura de 73% dos alunos do 1.º ciclo nestas actividades. Como sabem, é obrigatória a oferta mas não é obrigatória a frequência, a procura destas actividades. Mesmo assim, pensamos que, para o primeiro ano de alargamento, estamos já com uma taxa de cobertura muito importante.
Quanto à questão do modelo e da obrigatoriedade de inclusão das expressões da actividade desportiva e do inglês nas áreas curriculares, o que procurámos fazer foi dar um conteúdo de qualidade ao alargamento do funcionamento das escolas de 1.º ciclo, criando um espaço para que as actividades de aprendizagem de música, as actividades relacionadas com as expressões e, sobretudo, o ensino precoce da língua estrangeira, que é o inglês mas em muitas outras escolas ensina-se outras línguas, fossem concretizadas com níveis de qualidade que não é possível obter com professores de 1.º ciclo.

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Como sabemos, na altura em que lançámos o ensino do inglês fizemos o levantamento do número de professores de 1.º ciclo em condições de assegurar essa actividade, não chegando a 10% o número de professores de 1.º ciclo com essa possibilidade. Assim, o modelo em que pensámos para a generalização e expansão desta iniciativa é o de uma estreita articulação com as autarquias — não podemos nunca esquecer nem menosprezar a sua responsabilidade sobre as escolas do 1.º ciclo —, dando-lhes um outro conteúdo e valorizando as possibilidades de relação das autarquias com as escolas de 1.º ciclo. Até à introdução do ensino do inglês o papel das autarquias estava, em muitos casos, reduzido a tratar da lâmpada que fundia ou da parede que era necessário pintar. O que procurámos fazer foi dar-lhe um outro sentido, indo ao encontro das aspirações dos autarcas, que têm as melhores práticas em matéria de 1.º ciclo.
Portanto, esta é uma área de intervenção que o Ministério da Educação assume com todas as consequências de partilha de responsabilidade com as autarquias. Não há nenhuma razão para pensar que as coisas não se passam como planeado, sem prejuízo de haver sempre necessidade de melhorar.
Sr. Deputado Diogo Feio, V. Ex.ª colocou uma questão de fundo, sobre se se trata de melhorar o serviço público de educação ou de melhorar a escola pública e qual a relação disto com a escola privada, estando sempre presente também a questão da liberdade de escolha. Penso que já tive ocasião, num outro debate, de responder a uma questão semelhante colocada por si ou por um outro Deputado da sua bancada. Penso que, no quadro actual em que se encontra o nosso sistema de ensino, a prioridade é melhorar a qualidade das escolas públicas. Temos um sistema extremamente desigual, temos escolas em más condições físicas e com mau funcionamento organizacional e escolas em que o desperdício de recursos é imenso. Aquilo que assumi como primeira responsabilidade neste Governo foi desenvolver um programa que permitisse elevar o nível de qualidade médio das escolas públicas.
Penso que sem esse esforço a questão da liberdade de escolha não se coloca, é uma falsa questão, porque em muitos casos essa liberdade de escolha já existe, não só nos casos em que o Ministério da Educação tem contratos de associação com muitas escolas privadas como no caso das escolas públicas secundárias, por exemplo, em que essa liberdade de escolha já existe e tem muitas vezes como resultado a «morte» de algumas escolas públicas. E, portanto, não se coloca a questão da liberdade de escolha nalguns níveis de ensino e nos níveis de ensino em que pode ter alguma pertinência é uma falsa questão. Em localidades onde não há a não ser a escola pública, que funciona mal, a obrigação do Estado é fazer com que essa escola passe a funcionar com padrões de qualidade aceitáveis, dignos e exigentes, adequados aos dias de hoje.
Portanto, esse é o meu esforço, esse é o meu compromisso. Penso que seria inverter a ordem das coisas começar por instituir a liberdade de escolha, que seria sempre liberdade apenas para alguns, abandonando à sua sorte sempre os mesmos. Esse não é o meu desafio, o meu desafio é elevar o nível de qualidade das escolas públicas, fazer com que elas participem efectivamente e cumpram a sua obrigação no desafio de qualificação dos portugueses, que este Governo tem como principal objectivo.
Depois, quanto a todas as outras questões que coloca, da gestão privada nas escolas e do nível de descentralização, penso que gradualmente temos vindo a aprofundar todos estes temas.
No que respeita à descentralização de funções pelas autarquias, o trabalho que temos vindo a fazer com as autarquias vai nesse sentido. Quando digo que qualificámos a intervenção das autarquias no 1.º ciclo, refiro-me a passos que estão a ser dados no sentido de criar as condições para que aquelas possam progressivamente assumir mais responsabilidades na área da educação. O mesmo acontece em relação à gestão das escolas. Iniciámos o programa pela avaliação das escolas, vamos prosseguir com a generalização desse programa de avaliação a mais 100 escolas no próximo ano lectivo, progressivamente celebrando contratos de autonomia que, na medida do possível, incluam a abertura da escola ao exterior, à comunidade educativa em que se insere.
Relativamente às questões levantadas sobre a avaliação dos programas dos ensinos secundário e básico, como o Sr. Deputado sabe, temos em curso um programa de acompanhamento e avaliação da reforma do ensino secundário e um programa de acompanhamento da reforma do ensino básico. A reforma do ensino básico chegou ao fim de ciclo no ano lectivo que terminou, a reforma do ensino secundário chegará ao fim de ciclo no ano lectivo em curso.
Não é possível estar a fazer reformas e revisões de programas em cima das reformas em curso. O que estamos a procurar fazer é obter informação que permita gradualmente fazer ajustes. Estou convencida de que, num prazo curto, vamos ter de enfrentar o problema da revisão de programas ou, pelo menos, do seu ajuste aos objectivos estabelecidos tanto para o ensino básico como para o ensino secundário.
Sr.ª Deputada Cecília Honório, penso que em parte já respondi às suas dúvidas sobre as questões da melhoria das escolas de acolhimento e da concretização dos programas das cartas educativas, no fundo, de todo o programa do 1.º ciclo. Uma parte da responsabilidade destes programas está nas autarquias.
A construção dos centros escolares não está inscrita no orçamento do Ministério da Educação, terá de o estar nos orçamentos das autarquias. O nosso trabalho de colaboração com as autarquias é o de preparar os instrumentos que lhes permitam dispor de reforços orçamentais no próximo Quadro Comunitário de Apoio.
Haverá nos Programas Operacionais (PO) Regionais um programa dedicado à modernização do parque escolar no 1.º ciclo, sendo o instrumento principal as cartas educativas, o que será conseguido, na minha opinião, com o esforço de atenção que o Ministério da Educação e as autarquias estão a dar a esta matéria.

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Não se abandonou o conceito de escola básica integrada. Devo dizer que, em alguns casos, no actual processo de encerramento de escolas, muitas vezes o que aconteceu nos processos de colaboração entre o Ministério da Educação e as autarquias foi justamente a concretização deste conceito. Em casos em que as autarquias não tinham a possibilidade de substituir rapidamente escolas em muito más condições, o Ministério da Educação disponibilizou espaço para turmas de 1.º ciclo serem integradas em escolas 2, 3, concretizando dessa forma não só o modelo de agrupamento como o de escola básica integrada, materializando esse objectivo em muitos casos, e devo dizer que foi muito bem sucedido em muitas situações por este país fora.
No que se refere à questão do transporte escolar, já respondi. Relativamente à mobilidade docente e à lista de supranumerários, não é verdade que as primeiras notícias tenham saído ontem. Quando concretizámos a primeira fase do concurso de professores, percebemos que ficaram milhares deles sem turma atribuída, o que não resultou do encerramento de escolas. Para terem uma ideia dos números, encerrámos 1500 escolas — reparem que são escolas com menos de 10 ou de 20 alunos, em alguns casos —, onde tínhamos cerca de 2500 professores para 10 000 alunos; era este o rácio. O que fizemos foi uma reafectação destes professores a escolas de proximidade, tendo-lhes dado até a possibilidade de escolha de lugar.
Com a racionalização de recursos, com uma melhor clarificação das necessidades das escolas e com a diminuição dos professores destacados — tínhamos milhares de professores destacadas em toda a espécie de instituições —, ficou evidente que eram muito menores as necessidades de contratação de professores.
Não só eram menores as necessidades de contratação de professores para além dos quadros e dos quadros de zona pedagógica como havia professores de quadro de zona pedagógica aos quais não tínhamos serviço lectivo para distribuir.
Neste momento, na primeira fase do concurso ficaram cerca de 8000 professores sem serviço docente atribuído. Neste momento, pensamos que há ainda 3000 professores sem serviço docente distribuído e, portanto, a prazo, com a diminuição do número de alunos, se não houver um esforço de alargamento das ofertas formativas, de alargamento do serviço público de educação, se tudo se mantiver como estava, seguramente que o número de professores será em excesso.
A nossa preocupação é a de que, num país em que, de facto, as necessidades de qualificação são imensas — mas não são necessidades de qualificação de alunos de 1.º ciclo, porque o seu número está a decrescer, são necessidades de qualificação ao nível do ensino secundário e ao nível de educação de adultos —, não só os professores que temos em excesso estão em zonas onde não há alunos e onde não há necessidades de formação como, muito provavelmente, os grupos de docência em que temos professores em excesso não são aqueles de que necessitamos para melhorar a qualificação dos portugueses. E, portanto, há um problema de desajuste entre os recursos docentes disponíveis no Ministério da Educação e as necessidades de formação das escolas e as necessidades de quadros técnicos.
O que é que estamos a fazer? Estamos a trabalhar nos instrumentos de mobilidade, nos instrumentos de reconversão, que permitam não apenas reforçar os quadros técnicos das escolas como também a reconversão profissional dos professores, se o entenderem, ou a mobilidade para as zonas pedagógicas, os agrupamentos em que, na realidade, temos ainda falta de docentes.
Sr. Presidente, vou dar ainda oportunidade ao Sr. Secretário de Estado, para responder às questões finais, que ficaram por esclarecer.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação.

O Sr. Secretário de Estado da Educação (Valter Lemos): — Sr. Presidente, queria, rapidamente, acrescentar alguns dados.
Relativamente às questões da educação especial, gostaria de dizer que, como se sabe, foi feito um reordenamento da organização da educação especial e, ao contrário daquilo que tem sido propalado, os recursos foram racionalizados, mas estão a funcionar de forma muito efectiva e eficaz.
Como se sabe, criámos quadros de docência para a educação especial, onde foram colocados 2155 professores (espero que seja este o número correcto); foram ainda destacados e afectos, através do sistema de destacamento e afectação, 2000 professores; foram também destacados para as instituições de educação especial 450 professores; foram destacados para a intervenção precoce, que é da responsabilidade conjunta do Ministério da Educação, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e do Ministério da Saúde, 550 professores; foram colocados em apoio educativo adicional — situação que antes era considerada globalmente no âmbito dos apoios educativos, em conjunto com a educação especial, e que modificámos ao separar esses dois conceitos — 1300 professores. O que totaliza cerca de 6500 professores nestas actividades.
A rearrumação destes recursos permitiu clarificar as necessidades de uma forma completamente diferente da situação que existia anteriormente, onde se confundiam as necessidades de educação especial de carácter permanente, do todo o género, com necessidades pontuais de apoio educativo de crianças que tinham dificuldades de integração familiar ou de crianças que tinham meros problemas de indisciplina. Esta clarificação permitiu que distinguíssemos de uma forma clara que necessidades mais permanentes e mais profundas é que estavam por cobrir e que e descobríssemos que havia um acréscimo de recursos nas situações pontuais, nas situações temporárias, e algumas dificuldades de recursos em situações de dimensão mais aprofundada

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e permanente. Nesse quadro, temos ainda necessidades adicionais ao nível, nomeadamente, do acompanhamento de crianças invisuais e de crianças com multideficiência, de crianças autistas.
A confusão que existia anteriormente no sistema permitiu que estas situações — que não são muitas, mas que necessitam, objectivamente, de um atendimento específico — acabassem por ser poucas e não ser consideradas no conjunto ou na globalidade do sistema. Por isso mesmo, temos trabalhado com algumas instituições de formação, no sentido de, rapidamente, vir a criar programas de formação, para conseguir formar professores nestas áreas específicas de grande complexidade técnica e pedagógica (é, se calhar, por isso que não existem os recursos).
Para além da questão da educação especial, também foram colocadas por alguns Srs. Deputados questões relativamente à gestão dos recursos humanos. Quanto a saber onde é que se fazia as poupanças, a redução dos encargos com o pessoal dos serviços centrais e regionais do Ministério da Educação é de 5 milhões de euros; a redução com os destacamentos docentes para os sindicatos de professores é de 2 milhões de euros; a redução de destacamentos de professores para funções não docentes é de 53 milhões de euros; a redução de encargos com pessoal docente para efeitos de aposentação é de 165 milhões de euros; a redução na despesa de funcionamento dos serviços de administração do Ministério (o famoso «monstro» do Ministério) é de 2 milhões de euros, 6,1% do orçamento. Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Diogo Feio, relativa ao reordenamento da rede escolar em recursos humanos, a redução é de cerca de 25 milhões de euros.
Ainda relativamente à questão dos professores contratados, posso dizer que este ano, neste momento, temos menos 6500 do que tínhamos no ano passado, na mesma data. No entanto, gostaria de dizer que os dados de que dispomos, neste momento, sobre a eficácia das actividades lectivas, são indicativos de estarmos com uma eficiência, nessa matéria, superior à do ano passado — dados esses que espero poder confirmar no final do ano relativamente àquilo que é o número de actividades lectivas efectivamente dadas nas escolas, que é o que, no fundo, importa.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado. Estão, assim, concluídas as explicações da Sr.ª Ministra e do Sr. Secretário de Estado, relativamente à primeira ronda de intervenções.
Para começar a segunda ronda, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Antunes.

O Sr. Fernando Antunes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, Sr. Secretário de Estado da Educação, pode ser repetitivo, mas, porque tem relevância política, não quero deixar de lembrar a intervenção da Sr.ª Ministra há um ano atrás, quando apreciámos, neste Hemiciclo, o Orçamento para 2006: «Apesar de se viver num período de contenção orçamental, penso que, no Orçamento para 2006, se pode assinalar a inversão de uma tendência de decréscimo do investimento em educação no nosso país». Teria, necessariamente, de concluir-se que a Sr.ª Ministra da Educação estaria profundamente desiludida. Dir-se-ia que teria de estar profundamente decepcionada pelas perspectivas do Orçamento para 2007.
Sr.ª Ministra, usando a voz do povo, estaria tentado a dizer que quem «deita foguetes antes do tempo» está sujeito a enganar-se ou, dando um conselho à moderação, «pela boca morre o peixe». Mas, pelos vistos, está contente, o que lamentamos.
A verdade é que, nesta era socialista, há muito que se esqueceu a paixão do Eng.º Guterres, que não se coibiu de deixar a educação no tal «pântano». E a Sr.ª Ministra, a quem faço a justiça de reconhecer o muito empenho e trabalho que vem fazendo, embora às vezes com pouca arte, vê agora baixar em 4,2% a aposta orçamental na educação em relação a 2006. Estranho desígnio para um País, onde se reconhece que a solução dos seus problemas estruturais, como a qualificação ou o desenvolvimento, que têm a ver com o seu futuro, passa por uma aposta forte na educação.
Deixe que ponha a V. Ex.ª algumas questões no âmbito do PIDDAC e que comece por realçar a intenção do Governo, inserida no relatório, de colaborar com as autarquias na implementação da rede de educação pré-escolar, para quem perspectiva transferir competências juntamente com o 1.º ciclo do ensino básico em termos de gestão de recursos e planeamento educativo. Mas, salvo as intenções, onde é que podemos ver essa concretização no Orçamento ou no PIDDAC? Disse V. Ex.ª que as competências para investimento nessa área são das autarquias. Pergunto, no entanto, a V. Ex.ª se tem consciência da machadada sem dó desferida pelo Governo e pelo Ministro António Costa no poder local com a nova Lei das Finanças Locais. Pergunto, mesmo, a V. Ex.ª se concorda comigo que muito do êxito que reconhecemos, por exemplo, da expansão do ensino do inglês e das refeições do 1.º ciclo, não seria possível sem a presença e empenho constante dos autarcas no terreno, arredando dificuldades e ajudando a ultrapassá-las.
A desmotivação que grassa na grande maioria das autarquias por via dos maus tratos deste Governo, que lhes retira meios, aumentando desigualdades e assimetrias, não augura, nem financeira nem animicamente, dias risonhos para a educação, nomeadamente a nível do pré-escolar. E V. Ex.ª sabe que o poder local é imprescindível em qualquer projecto educativo. Diga-nos, pois, concretamente, em 2007, como concretizar as boas intenções expressas no plano.
Sabemos que, em 2006, foi o financiamento através do eixo 3 do QCA regionalizado que comparticipou os projectos. Mas o QCA III está fechado. Como será em 2007? Dir-me-á que vem aí o QREN, mas com o atraso

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e desleixo com que o novo quadro comunitário vem sendo encarado pelo Governo, que vai retardar o seu funcionamento para as calendas, esta vai ser necessariamente uma aposta adiada. Restar-nos-á, Sr.ª Ministra, concluir as candidaturas aprovadas em 2006, no âmbito do quadro comunitário que agora encerra, ou esperar, como disse, pelos orçamentos dos municípios, o que, face à sua situação financeira, agora tão agravada por acção do Governo e do Partido Socialista, nos parece um «lavar de mãos» perfeitamente irrealista.
Mudemos, agora, a agulha para outro sector, voltando, contudo, a lembrar o relatório e a aposta, entre outras para 2007, no lançamento de um programa para o alargamento das actividades de enriquecimento curricular à actividade física e desportiva. Contudo, apesar de saudar este objectivo, onde pretende a Sr.ª Ministra promovê-lo nas escolas sem pavilhão? Nas salas de aulas ou nos corredores, não será, certamente! E penso que, à chuva, ao sol ou ao frio, o enriquecimento curricular pretendido será desastroso! Há um ano, nesta mesma sala, reconhecendo os problemas, dissemos que era um erro e uma teimosia de V. Ex.ª deixar de dar prioridade à construção dos pavilhões escolares nas escolas que os não têm. Será que a Sr.ª Ministra considera que uma escola sem pavilhão escolar é uma verdadeira escola? Ou que privar, por exemplo, as apenas 11 escolas que na Direcção Regional de Educação do Centro não têm pavilhão resolve alguma coisa em termos de défice? E nas outras direcções regionais onde os números são, felizmente, também pequenos? Sr.ª Ministra, apostar na actividade física e desportiva e dizer que as escolas podem esperar pelo pavilhão é um contra-senso. Não se esqueça, depois, das escolas de Oiã, de Oliveira do Bairro, de Oliveira de Frades, de Figueira de Castelo Rodrigo, da Mealhada, da Escola Secundária n.º 1 de Aveiro, de Mira D’Aire, de Seia, de Poiares, em Coimbra, ou de Tortozendo, no distrito da Guarda, e de todas as outras que no País não têm alternativa para a prática saudável de educação física e de desporto. Quanto mais parar, mais difícil será chegar ao fim de um programa que temos de ver concluído rapidamente. E, se não tem anulado tantos concursos, teria com certeza, nesta altura, melhor execução orçamental.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Outra questão que gostava de ver esclarecida tem a ver com as obras de conservação e de restauro. Parece-nos perigoso e tremendamente arriscado o corte drástico feito nestas rubricas, que nalgumas atinge quase 50%. E, se não investir ou adiar obras novas é uma opção política possível, cortar meios financeiros que são importantes para evitar a degradação e o envelhecimento de infra-estruturas que servem diariamente milhares e milhares de jovens — repito, Sr.ª Ministra — é o que de mais errado pode ser feito e um risco que pode sair caro.
Não podemos ter a memória curta. Não apostar na segurança é uma responsabilidade que não queria.
Temos, sim, de ter a sensibilidade para prevenir, para não termos amanhã de remediar. Há, pois, que dotar as direcções regionais com verbas para a conservação e ter directivas de exigência neste sector em relação aos responsáveis — talvez seja bem mais útil do que ver directores regionais a fazer circulares sobre a poda das árvores nas escolas!…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Este cenário que lhe expus, do qual acredito que tem consciência, é o resultado do corte, em 2007, de 30% do Orçamento do PIDDAC, em relação a 2006, ou de 18,1%, se tivermos em conta o executado.
Ainda em termos de PIDDAC, os cortes não poupam, sequer, o ensino especial. Se necessárias forem, será difícil fazer novas rampas, colocar elevadores ou outras acessibilidades, como, por exemplo, reparar ou construir casas de banho para alunos com deficiência ou adquirir equipamentos informáticos com Braille. É que o pouco que foi previsto em 2006 está reduzido a metade em 2007, o que significa 22% do realizado.
No global, a educação especial tem menos 23,6% do que em 2006. As transferências para a instituições, nomeadamente para as unidades educativas que incluem as áreas de intervenção precoce ou a transição para a vida activa, diminuem 2%. E registe-se o corte de 6,4% para a educação especial no ensino básico e secundário, afectando contratações e apoios a alunos que são «despejados» nas escolas com dificuldades de inclusão enormes, inseridos em turmas muitas vezes sem quaisquer possibilidades de aproveitamento e entregues a professores impotentes, porque impreparados para lidar com situações concretas, no sentido humano e pedagógico.
É caso para perguntar (e desculpe a ironia): que mal lhe fizeram os professores, Sr.ª Ministra? Ou, então: que culpa têm estas crianças para serem assim tratadas? É profundamente desumano sacrificar mais os alunos com deficiência, mas não o é menos em relação aos professores que se confrontam diariamente com o problema de terem de dar respostas que não têm.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradecia que concluísse. Já terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: — Vou já terminar, Sr. Presidente.

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Um corte de mais 6,4% neste sector é uma violência, porque profissionais que apoiem estes alunos são imprescindíveis nas escolas e o Ministério está, pura e simplesmente, a proibi-los.
Face ao evidenciado por este orçamento, lamento a frieza de análise do Sr. Secretário de Estado, que demonstra insensibilidade social, ao ver melhorias que não existem num sector tão sensível.
Por último, Sr.ª Ministra, gostava que esclarecesse ou fizesse um ponto da situação sobre a educação para a saúde nas escolas. É que, estando o modelo do grupo de trabalho liderado pelo Prof. Daniel Sampaio a ser aplicado, em 2006, em 188 agrupamentos de escolas, funcionando portanto como projecto-piloto, havendo intenção de generalizá-lo, em 2007, a todos os agrupamentos, como diz, inclusivamente, o Sr. Secretário de Estado em despacho de finais de Setembro; sendo esta uma verdade de que não duvidamos, como é possível alargar o programa a todo o País e, ao mesmo tempo, cortar 70% na respectiva rubrica orçamental? De facto, a verba passa de 1,8 milhões de euros para 530 000 euros. Há, pois, aqui algo que não bate certo. A menos que, depois da pompa dos anúncios, muito ao jeito da propaganda em que o Governo e o Partido Socialista são mestres, já se esteja a decretar a falência do modelo. É que «sem azeite não se fazem filhós». Gostava, pois, que nos esclarecesse.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado excedeu significativamente o tempo disponível, pelo que, por razões de equidade, vou dar o mesmo tempo aos demais intervenientes dos outros partidos.
De acordo com a nossa sequência, cabe agora a palavra ao PS, concretamente à Sr.ª Deputada Odete João.

A Sr.ª Odete João (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, Srs. Secretários de Estado, o programa eleitoral do Partido Socialista, em matéria de educação, tinha como linha estratégica de orientação política a expansão da educação e formação de nível secundário. Este item foi incluído no programa e era justificado por as taxas de frequência do ensino secundário serem inevitavelmente baixas e por as taxas de repetência e de abandono serem demasiado altas.
Apontavam-se caminhos, um dos quais era o de tornar obrigatória a frequência do ensino e formação até aos 18 anos, alargando a formação de base para 12 anos de escolaridade, no final da qual cada jovem poderia decidir se enveredava para o ensino superior ou para o mercado de trabalho.
Procurava-se também valorizar a identidade do ensino secundário e alargar a oferta de cursos profissionais e de cursos tecnológicos e artísticos, ao mesmo tempo que se procurava aproximar o ensino secundário do sistema de formação profissional.
A aposta no ensino vocacional pretende inverter aquilo que é a realidade portuguesa, onde 80% dos alunos estão a prosseguir os estudos e apenas 20% estão no ensino profissional, enquanto que, nos países da OCDE, as taxas se invertem.
Era importante, por um lado, não deixar que os alunos saíssem da escola e continuassem a sua formação até aos 12 anos de escolaridade e, ao mesmo tempo, trazer para a escola aqueles que precocemente a tinham abandonado.
E a aposta no ensino profissional é determinante na qualificação dos portugueses e na competitividade da economia do País.
Relativamente a esta matéria, e porque é preciso apostar na diversificação e na expansão da oferta educativa de cariz vocacional, passava às questões das redes de cursos. Sabemos que este Ministério apostou na existência de cursos profissionais em escolas de ensino secundário e no alargamento desses mesmos cursos também nas escolas profissionais. Isto tem a ver com uma rentabilidade dos recursos existentes, não só dos recursos humanos (como a já aqui muito falada questão dos professores que ficam sem horário) mas também do parque escolar. E contrariamente àquilo que o Sr. Deputado Fernando Antunes referiu, um pouco quase como a «fúria do cimento», de que é preciso construir mais, mais e mais, o meu entendimento é o de que é preciso reorganizar, tornar mais equilibrada a rede existente. Lembro que foi com um governo PS que se construíram as chamadas «escolas completas», ou seja, escolas com pavilhões gimnodesportivos, sendo que nenhuma escola era construída sem um pavilhão gimnodesportivo. Foi também nessa altura que um número enorme de escolas construídas pelo PSD, todas sem pavilhões gimnodesportivos, tiveram de ser completadas com a construção dos mesmos.
Evidentemente, este é um trabalho que tem de ser continuado. Em educação, é essencial a questão dos recursos humanos, mas refiro também a questão dos recursos materiais. E nesta matéria, como a Sr.ª Ministra já referiu, a questão do apetrechamento das escolas é essencial, numa lógica que tem de ser complementar àquilo que hoje existe em termos do nosso parque escolar.
Este caminho — a aposta no ensino profissional e, genericamente, no ensino vocacional — foi iniciado, no ano transacto, com um acréscimo de verbas, e, novamente este ano, o ensino profissional vai ter um acréscimo de verbas. De algum modo, isto contraria a prática seguida em educação, de, num ano, aumentarem as verbas para, no ano seguinte, serem retiradas. Ora, como já ouvimos dizer nesta Casa, não podemos ter, num ano, um aumento das verbas e, no ano seguinte, um decréscimo das mesmas. Por isso, desde que o Partido Socialista chegou ao Governo, a aposta no ensino profissional tem sido contínua, verificando-se um acréscimo de verbas, no ano passado, de 24,2%, nas escolas profissionais, e, este ano, de 30,3%, no ensino profissional.

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Como é óbvio, isto tem uma expressão no número de alunos que frequentam, neste momento, os cursos de educação e formação e os cursos profissionais. Lembro só a esta Câmara que o número de alunos dos cursos profissionais, do ano passado para este ano, quase duplicou, enquanto que nos cursos de educação e formação para o 3.º ciclo, portanto, para o ensino básico,…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa por interrompê-la, mas, como o Partido Socialista pretende que no tempo excedente haja uma intervenção do Sr. Deputado Bravo Nico, não sei se consegue terminar ou se está prestes a terminar para que o Sr. Deputado possa intervir. Se estiver quase a terminar, darei a palavra ao seu colega.

A Oradora: — Termino já, para que, depois, o Sr. Presidente possa dar a palavra ao meu colega.

O Sr. Presidente: — Então, agradecia que procurasse concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Como dizia, nos cursos de educação e formação, há, este ano, mais 5000 alunos, o que é expressivo deste investimento. Portanto, no ensino de formação vocacional, tem existido uma preocupação de investimento, que se tem consolidado de ano para ano e que importa continuar, neste trabalho que é complementar entre as escolas de ensino secundário e as escolas de ensino profissional.
Tendo em conta este entrosamento de redes de cursos profissionais em parques escolares que são distintos, mas também em cursos que obrigam a uma rotatividade muito maior em termos daquilo que é a oferta de cada uma das escolas, de modo a responder às necessidades do mercado de trabalho e a potenciar novas oportunidades para os alunos em áreas inovadoras, tendo isto em conta, a pergunta que faço nesta matéria é como é que o Ministério da Educação pensa introduzir factores que permitam esta rotatividade de cursos.
Por outro lado, sabendo que constantemente existem novas necessidades — e nesses cursos há necessidade de recursos humanos, portanto, de professores com formações especializadas, que são distintas e não se coadunam com a rigidez que temos em termos de grupos de docência —, como é que o Ministério da Educação pensa permitir essa flexibilização, em termos de contratação destes professores? Por outro lado ainda, sabendo que, por razões culturais, o ensino profissional é por vezes ainda visto como uma opção de segunda, importa valorizar esta modalidade de ensino como uma opção estratégica. Então, como pensa o Ministério da Educação valorizar esta modalidade de ensino que é essencial para o progresso do nosso país? Relativamente ao parque escolar das escolas profissionais, também aqui, temos duas realidades. Por um lado, temos escolas que, em relação a cada um dos cursos, registam uma procura de três alunos por cada vaga, portanto, um excesso de procura, mas temos também o inverso nas escolas profissionais agrícolas, que estão aquém das suas capacidades. Como pensa o Ministério da Educação compatibilizar e racionalizar esta rede? Fica por comentar a articulação com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, pois o tempo parece que vai longo.

O Sr. Presidente: — Assim é, Sr.ª Deputada. Quando estamos a falar, não damos por que ele passa muito mais velozmente do que pensamos. Por essa razão, a intervenção do Sr. Deputado Bravo Nico já não é materialmente possível (pelo menos, agora).
Passamos ao Partido Comunista Português, cujo tempo de intervenção (no máximo, 10 minutos) será dividido entre o Sr. Deputado Eugénio Rosa e a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, quero colocar-lhe duas questões concretas, retiradas não dos jornais mas de documentos que nos foram fornecidos.
Em primeiro lugar, quero chamar a sua atenção para o facto de, em 2007, comparando as despesas da função educação, que, sei, não abrange apenas o seu Ministério, com o peso destas despesas nas despesas totais, constatarmos um decréscimo de 1,3%. O que é que isto significa em valor? Uma redução de quase 760 milhões de euros relativamente a um valor que se obteria se se aplicasse a percentagem que existia em 2006.
O que é que quero dizer com isto? Que parece, pelo menos para quem analisa estes dados, que o Governo dá um sinal extremamente negativo em relação à educação, o que é preocupante tendo em conta a situação a nível de escolaridade, em que temos quase cerca de 72% dos trabalhadores com o ensino básico, ou menos.
Portanto, o País está numa situação extremamente grave e há um sinal do Governo que parece negativo.
A segunda questão que quero colocar-lhe (anteontem, já a coloquei ao Sr. Ministro das Finanças e não obtive resposta, mas como ela também tem incidência no seu Ministério, também gostaria de colocar-lha) relaciona-se com a remunerações certas e permanentes dos trabalhadores.
Os dados não estão «preto no branco» no relatório, mas, cruzando os dados de vários mapas, cheguei à conclusão de que, em 2007, o valor total orçamentado para todos os ministérios em remunerações certas e permanentes é inferior ao de 2006 em cerca de 445 milhões de euros.

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Estive a ler com muita atenção o relatório elaborado pela comissão dirigida pelo Prof. Fábrica, em que ele dizia que havia dois ministérios-chave onde haveria necessidade de se tomar medidas fortes: o da Educação e o da Saúde, devido ao número de trabalhadores.
Estive a ver os dados — agora já do seu Ministério — que constam dos serviços integrados, comparei remunerações certas e permanentes em 2000 e em 2007 e constatei que o orçamentado para 2007 é inferior ao orçamentado para 2006 em cerca de 356 milhões de euros.
Embora eu saiba que, para além do Orçamento, há vida mas também sei que por detrás dos números há pessoas — e não são só professores, são professores e pessoal não docente —, gostaria de saber como é que o Ministério da Educação vai conseguir esta redução a este nível e quais são os efeitos que, pensa, vai ter nos trabalhadores.
Finalmente, uma segunda questão — e esta já nada tem a ver com o Orçamento, mas com uma preocupação que tenho, como tem qualquer português: nós olhamos para as escolas e, como consequência da política que está a ser seguida, constatamos uma situação de confronto permanente que, com os dados do próprio Orçamento e com os dados das leis que vão ser aprovadas, dá a ideia ou, pelo menos, leva à conclusão de que essa situação vai continuar.
A questão que lhe coloco é a de saber quais são os efeitos que isto está a ter na qualidade da educação e para o País. Nós estamos numa situação em que, até para sair da crise, é necessário dar um salto a nível da educação e a nível da escolaridade e o que estamos a sentir é que as situações nas escolas como consequência da política que está a ser seguida — é uma interpretação, mas pode haver outra — é uma situação de confronto que mexe e que tem resultados tremendamente negativos.
Parece, à primeira vista, que há uma contradição muito grande.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, nesta segunda intervenção, quero colocar as restantes questões que há pouco não tive hipótese de pôr.
Começo exactamente pela educação especial. Entendo que é cada vez mais espantoso o que o Ministério da Educação está a conseguir fazer para 2007. Diria que, quanto menos dinheiro há no Orçamento do Estado, mais se faz em educação! Portanto, os senhores andaram a estragar todo o ano de 2006! Era bom que, no relatório, que, naturalmente, se fará do ano de 2006, saibamos exactamente o que aconteceu! O Sr. Secretário de Estado acaba de dizer que as medidas tomadas na educação especial vão melhorar o ensino especial para o próximo ano. Estão aqui, hoje, Deputados de todas as bancadas, com excepção da do CDS, que andaram no Debate Nacional sobre Educação e, Sr. Secretário de Estado, é de lamentar que, permanentemente, oiçamos todos os professores, sem excepção, afirmar — e estivemos em Braga, na Covilhã, em Beja, falta-nos ir a Santarém (no Funchal e nos Açores não é da vossa responsabilidade e foram os únicos sítios onde a educação especial foi menos criticada; vamos lá saber porquê?!…) — que este ano a educação especial foi muitíssimo maltratada, particularmente pelo Ministério da Educação e pelo Sr. Secretário de Estado.
E os exemplos eram sempre os mesmos: há professores a menos com formação especial e há professores, transformados em caixeiros viajantes, a responder ao dobro e ao triplo dos alunos que tiveram no ano transacto.
Mais: foi dito, em variadíssimos debates — e os Srs. Deputados do Partido Socialista podem confirmá-lo —
, que há professores convidados via telefónica para assumirem o lugar de professores especializados no ano transacto.
Portanto, duas vertentes: primeiro, menos professores colocados; segundo, professores colocados sem formação específica.
E, depois, são as informações que chegam à Assembleia da República. Não quero acreditar que o País ande a mentir para colocar mal a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado. Então, e as informações que nos chegam de escolas que até há meia dúzia de dias — eu já estou habituada a que, quando coloco a questão no debate do Orçamento do Estado, me digam que a questão foi resolvida no dia anterior, à noite — crianças cegas não têm apoio, crianças surdas-mudas não têm apoio. Estas crianças estão, desde Setembro, dentro do espaço da sala de aula, sem que nada estejam a fazer.
Ora, ouvir o Sr. Secretário de Estado dizer que a situação melhorou e, depois, olhar para o Orçamento e este dizer exactamente o contrário… É que aquilo que o orçamento diz é que para o ano de 2007 o que está previsto é inferior a 2005. Significa isto que em 2005 e em 2006 as necessidades educativas especiais desapareceram do nosso país, os problemas socioeconómicos, socioculturais, sociopedagógicos desapareceram e os senhores, com meia dúzia de tostões ou meia dúzia euros, resolvem o problema poupando recursos.
Gostaria que o Sr. Secretário de Estado explicasse isto para vermos se percebemos definitivamente e que confirmasse ou desmentisse, para que possamos dizer a todos os professores que nos disseram isto que estão a mentir, o que não acreditamos, que não há convites feitos via telefone.
Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado, ainda sobre as cartas educativas. Eu não pedi à Sr.ª Ministra que me viesse contar a história da legislação das cartas educativas. Sr.ª Ministra, tenha a gentileza de considerar que nós sabemos dos normativos que determinam a aprovação, o envio para o Ministério, das cartas educati-

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vas e, também, não lhe perguntei se a carta educativa de Santarém era uma das que fazia parte das 40 que iriam ser aprovadas.
Eu coloquei-lhe outra questão, esta, sim, da sua responsabilidade. Perguntei se foi a Sr.ª Ministra que deu ordem às direcções regionais para dizer que as cartas educativas não iriam ser cumpridas, e dei-lhe um exemplo para que a Sr.ª Ministra não perguntasse quem é que disse. Isto para não acontecer aquela história daquele despacho que ninguém sabia que existia, a não ser quem o tinha feito…! A questão é esta: foi dito à vereadora da Educação — e essa informação foi dada publicamente na sessão de Câmara — que a carta educativa para Santarém não iria ser cumprida e que o encerramento das escolas para o concelho, todas elas com 20 alunos ou menos, iria ser decidido até ao fim do mês de Novembro. Quero saber se isto é verdade ou se é mentira, para que possamos dizer que, efectivamente, quem decide é a carta educativa do concelho, quem decide é a Câmara Municipal de Santarém e que a Direcção Regional não vai impor as decisões que quer ao concelho, porque é o concelho que determina, em prol do combate à desertificação, em prol do abandono das aldeias, quais são as escolas que devem continuar abertas e aquelas que devem continuar fechadas.
Sobre o apetrechamento das escolas, gostaria, ainda, de colocar a seguinte questão: nós já vimos, e eu não vou ler, porque os Srs. Deputados leram os cortes que estão previstos e a Sr.ª Ministra sabe que estão, mas não posso esquecer-me de uma vinda do Sr. Secretário de Estado a esta Casa que, respondendo-me a uma pergunta que lhe coloquei, me disse «Mas a Sr.ª Deputada quer uma resposta mais rigorosa? Então, digo-lhe: «Não haverá nenhuma intervenção feita em escolas de acolhimento que não seja comparticipada a 100% pelo Ministério porque resulta do encerramento.». Isto foi dito e está gravado. O Sr. Secretário de Estado já se esqueceu. Vai a muitos sítios, portanto, é natural.
E dou-lhe mais o exemplo de Santarém. Estou quase a esgotar os 10 minutos de que dispunha, mas digolhe só o seguinte: Sr. Secretário de Estado, dos 100% que foram dados à DREL, esta, com muita compaixão e muito amor à arte, disponibilizou 10% para as intervenções das escolas de acolhimento.
E, Sr.ª Ministra, estas são as verdades, não são as leituras de grandes textos de política educativa, é a realidade do País. A Sr.ª Ministra há pouco reafirmou que as responsabilidades do pré-escolar vão para as autarquias, que os transportes vão para as autarquias, que a alimentação vai para as autarquias, que o 1.º ciclo vai para as autarquias. Então, a Sr.ª Ministra não sabe que o seu colega do Governo, responsável pelas verbas para as autarquias também é solidário com o Ministério da Educação e com o Sr. Primeiro-Ministro e, portanto, que os cortes também existem neste Ministério que tutela as autarquias? Como é a que a Sr.ª Ministra, se tutela a Educação, se pode responsabilizar e dizer que isso é com as autarquias e não tem nada que ver com o seu Ministério? A Sr.ª Ministra não sabe que as contrapartidas financeiras não são cumpridas com as autarquias locais, enquanto as responsabilidades e a boa vontade da Associação Nacional de Municípios Portugueses não têm fim, face à má vontade do Governo, em enviar as verbas necessárias? Era destas coisas práticas, destas coisas comezinhas, de que vivem o País, os alunos, os professores, que eu queria ouvir a Sr.ª Ministra falar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, na primeira intervenção que aqui fiz, coloquei um conjunto de questões relativas ao problema que o Ministério da Educação constitui para o todo orçamental, aliás, um pouco na linha daquilo que foi repetido pelo Sr. Deputado Eugénio Rosa.
Sr.ª Ministra, nós temos um conjunto de objectivos que foram assumidos pelo Governo como objectivos de natureza geral. Por exemplo, até ao fim da Legislatura, uma quebra de 75 000 funcionários públicos. Gostaria de saber qual a contribuição que o Ministério da Educação pondera fazer em relação a esses 75 000 funcionários públicos. Qual o contributo que o Ministério tem em relação a essa matéria.
Uma vez que temos aqui nos quadros os valores de quanto vai ser gasto em funcionalismo do Ministério durante este ano, gostaria também de saber ao certo quantos são os professores colocados, quantos são os professores contratados, quantos são os funcionários do Ministério da Educação.
Entendo que são estas perguntas que levam a que, constantemente, tenhamos de assistir, é quase inevitável, ao discurso de que o nosso orçamento é um orçamento de maior qualidade. Falamos na qualidade quando não podemos falar da quantidade. Mas aquilo que seria positivo era termos uma quebra — e tem de ser uma quebra séria — nos tais 80% de rigidez. Foi precisamente por isso que lhe lancei aquelas que nós consideramos que são as alternativas em relação a essa matéria.
A Sr.ª Ministra diz assim «não estamos ainda no estado necessário para alcançarmos esse objectivo». Portanto, aquilo que posso concluir dessa mesma referência é que nós ainda não estamos, ao contrário do que nos tem sido dito, com um Orçamento do Estado verdadeiramente reformista. Enquanto não se fizer a reforma, a sério, na despesa pública dos Ministérios da Educação e da Saúde, não temos um Orçamento do Estado que seja, de facto, reformista em relação à despesa.
A Sr.ª Ministra disse-nos o seguinte «estamos a tentar dar a melhor racionalidade económica». Sr.ª Ministra, vamos ao modelo em concreto: acha que há, de facto, racionalidade económica? Eu não estou a dizer que este problema é de agora. Que fique aqui muito claro que este problema é de há muito tempo. Quando nós

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temos uma situação de 8000 professores, no início do ano lectivo, por aquilo que percebi, em horário zero, entretanto houve uma evolução para 3000, isto é o contrário da racionalidade económica. Eu não duvido que esteja a falar perante a entidade que corresponde à maior entidade patronal do País, que é o Ministério da Educação.
Aquilo que gostaríamos de saber é se não se pode começar a pensar de uma forma mais séria num conjunto de transferências que têm de passar do sector público para o sector privado e, assim, aí criar uma situação de maior racionalidade e possibilidade de gerir um orçamento com a qualidade que é necessária, porque é, de facto, muito difícil, é quase preciso fazer milagres e ninguém os consegue fazer, porque a limitação é muitíssimo grande.
Levantei, também, o problema da liberdade de escolha. A Sr.ª Ministra disse «já há alguma liberdade de escolha. Há liberdade de escolha no ensino secundário e existem os contratos de associação.» Ora, ao ter levantado esse problema, quero perguntar à Sr.ª Ministra o seguinte: qual a perspectiva, para o próximo ano, em relação aos contratos de associação? Vamos ter mais contratos de associação do que este ano? Tem alguma previsão em relação a essa matéria? Parece-me que seria um esclarecimento importante para o Parlamento.
A Sr.ª Ministra disse «Eu, neste momento, tenho o grande objectivo de melhorar a qualidade do ensino público. A minha grande aposta é na questão da qualidade». Então, Sr.ª Ministra, quando é que acha que poderemos estar em condições de dar o passo seguinte, que é um passo necessário e que foi aquilo que eu referi há pouco, isto é, quando é que acha que teremos resolvido a questão da qualidade do ensino público, de forma a podermos dar o passo seguinte? Em terceiro lugar, quais as competências que pondera que possam ser transferidas para as autarquias locais? Que competências considera que, neste momento, não estão cometidas às autarquias locais e que deveriam estar? E qual a «almofada» financeira que estima que seria necessária para essas mesmas competências? Estas são, basicamente, as perguntas que queria colocar-lhe, uma vez mais salientando uma questão que considero que acompanha inúmeros ministros da Educação — e espero que cada vez menos os vá acompanhando —, que é a da rigidez dos números da Administração Pública no Ministério da Educação.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, queria recordar-lhe que quem faz «bolha» em torno da racionalização dos recursos é o Ministério da Educação, e fá-lo de uma forma dificilmente compreensível, até porque o investimento decresce muito mais do que as despesas de funcionamento. É mais uma «bolha» discursiva que tem, certamente, um conteúdo político que talvez possa ser esclarecido nesta sede.
Disse a Sr.ª Ministra, a determinada altura, e de forma um pouco irritada — e mais tarde corrigiu —, que o Ministério não é uma «agência de emprego». Esperemos é que não seja uma «agência de desemprego»… Ninguém falou disso aqui, nem foi esse o assunto que tratei na minha intervenção: não falei de outra coisa que não de professores, de mão-de-obra qualificada e de quadros que estão preparados para o exercício de uma função. Portanto, houve um desvio significativo em relação ao meu pedido de esclarecimento.
Neste sentido, presumo, pelas palavras que aqui ouvi, que este Ministério fará tudo o que for possível para que, do Ministério da Educação, não saia nenhum escólio preocupante para este leque alargado de desemprego previsível na função pública. Parece ter sido o que depreendi das palavras da Sr.ª Ministra. Mas, se não é assim, a Sr.ª Ministra esclarecerá garantidamente este assunto.
No entanto, há questões que são ainda muito vagas.
Por exemplo, há mais de 1000 professores que aguardam, com todo o direito, a expectativa de profissionalização, isto num quadro sem regras e completamente difuso. Queria saber o que, efectivamente, lhes vai acontecer.
Também não houve resposta a esta questão bastante simples: por que é que, dentro do programa de alargamento e das actividades extracurriculares, há, sistematicamente, recurso à subcontratação, se há professores sem horário, neste momento? Dado que a «bolha» do discurso, da gestão dos recursos humanos é vossa, entendo que esta é uma questão que exige esclarecimento rápido.
Há, no entanto, uma outra questão mais simples, que é a relativa à Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto, que aprova o regime dos manuais escolares. No seu artigo 29.º, está previsto o dever de as escolas criarem modalidades de empréstimo de manuais escolares, aguardando-se agora o despacho que estabeleça os princípios e as regras gerais desta modalidade.
As perguntas, neste caso, são muito mais simples, Sr.ª Ministra: o despacho está ou não a sair? Vai haver bolsas de empréstimos de manuais nas escolas no próximo ano? Será que o Governo sabe que esta política, a ser consequente, exige uma boa gestão de recursos e, provavelmente, o reforço orçamental das escolas? E, por último, será que o Ministério está mesmo interessado em caminhar para a gratuitidade dos manuais escolares, tendo consciência de que nas nossas escolas há, efectivamente, muitas crianças que não têm esta condição básica garantida?

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O Sr. Presidente: — Para responder, em conjunto, às questões que foram colocadas, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr. Presidente, se me permite, o Sr. Secretário de Estado da Educação vai intervir em primeiro lugar. Eu intervirei no fim.

O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação.

O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de começar por responder a uma questão que ficou pendente, sobre o ensino do Português no estrangeiro. Realmente, houve uma alteração do sistema de recrutamento e colocação de professores no ensino do Português no estrangeiro, designadamente evitando o facto de os professores serem remunerados a dobrar, como acontecia em situações anteriores.
Portanto, racionalizou-se também nesta matéria o que precisava de ser racionalizado, fazendo com que os professores tenham direito a receber o seu salário, mas o salário que lhes corresponde no país onde estão colocados. E o número de professores de Português no estrangeiro não diminuiu, bem pelo contrário.
Nesta matéria, é clara a razão por que foi feita esta racionalização: ela teve a ver com o sistema de remuneração, visto que, tal como referi, o salário era duplicado nalguns casos.
Quanto à questão da educação especial, vou repetir o que já disse à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. Mais de metade dos professores que tínhamos colocados na educação especial não apoiavam crianças com dificuldades permanentes, repito, mais de metade! E a situação das crianças com dificuldades permanentes era grave.
Neste momento, a taxa de cobertura em relação a crianças com dificuldades permanentes é maior, e só não é total porque a situação anterior não permitiu clarificar quais eram todos os casos. Por isso, só agora temos a possibilidade de ter todos os casos clarificados, um a um, e se houver situações de crianças com este tipo de dificuldades que estejam sem cobertura objectiva, solicito à Sr.ª Deputada que indique às escolas ou às entidades que me façam chegar esses dados.
Vamos ser claros, transparentes e honestos na abordagem desta situação da educação especial. O que acontecia era que havia a colocação de professores num sistema chamado «apoios educativos», onde mais de metade destes professores não eram especializados, como uma forma paralela ao sistema de colocação nacional de professores. E a maioria destes professores não chegava sequer a apoiar crianças com necessidades educativas especiais.
Ora, o que o Ministério da Educação fez foi tornar clara esta situação, identificando rigorosamente todos os casos das escolas com necessidades educativas especiais e identificando, ainda, as situações de apoio educativo temporário (que não se confundem com os primeiros casos), dispondo os recursos de forma a que os professores especializados possam ser colocados rigorosamente no apoio a crianças com essas necessidades, e não noutros sítios.
Também posso acrescentar que retirámos 300 professores de funções administrativas da educação especial para os colocarmos directamente nas escolas. Os professores mais qualificados que existiam na educação especial em Portugal estavam em funções administrativas — mais de 300 —, por isso colocámo-los directamente nas escolas, a trabalhar com as crianças.
Esta transformação permite racionalizar e, simultaneamente, tornar mais eficiente o apoio às crianças com necessidades educativas especiais.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — E às perguntas que coloquei disse «nada»!

O Orador: — Compreendo que alguns professores, os que tenham utilizado este mecanismo de uma forma diferente da que estou a referir, possam entender que esta não é uma forma adequada de gerir os recursos. Mas esta é a forma adequada de resolver o problema do apoio concreto e da identificação das necessidades específicas.
De facto, só assim foi possível identificar com rigor este problema (em vez de tentarmos confundir as crianças que verdadeiramente necessitam deste tipo de apoio com outras que não necessitam), permitindo desde já dizer, tal como referi no início, que temos dificuldades em algumas situações. Por exemplo, não há professores suficientes no sistema para algumas situações, ou melhor, há professores especializados em excesso, mas há falta de professores nalgumas especialidades. Tal como disse antes, não temos professores especializados suficientes no País para apoiar alunos cegos, tal como não há professores especializados suficientes no País para apoiar crianças autistas e crianças multideficientes.
Isto deveu-se, precisamente, ao facto de tentar confundir estas situações com todas as outras que não necessitam deste tipo de apoio. Repito o que disse: o sistema que estamos a desenvolver no terreno permite tornar o apoio a estas crianças mais efectivo e mais real relativamente às suas verdadeiras necessidades.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — E às duas perguntas que coloquei disse «nada»!

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O Orador: — Já não sei o que hei-de dizer mais, Sr.ª Deputada! Sobre a questão dos professores convidados, também tenho uma resposta a dar-lhe, que é a seguinte: os professores destacados para as instituições de educação especial são convidados por essas instituições.
Sempre o foram! Não é o Ministério da Educação que decide quais são os professores a destacar, são as instituições de educação especial que propõem os professores que devem ser destacados para essas instituições…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Não!

O Orador: — … e o Ministério da Educação limita-se a autorizar essas situações.
Este ano ocorreu uma situação adicional nesta matéria — como a Sr.ª Deputada sabe, mas não diz —, que teve a ver com o facto de o Ministério da Educação não ter permitido que os professores que foram colocados em lugares de quadro da educação especial tivessem, imediatamente e no próprio ano em que obtiveram os lugares de quadro, sido destacados para outras funções, obrigando-os a exercer as suas funções nos lugares de quadro para os quais tinham concorrido, o que obrigou as instituições de educação especial a fazerem novos pedidos adicionais para este efeito. Aliás, a Sr.ª Deputada sabe disso. É uma pena que não o tenha dito e tenha tentado confundir a questão,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Já lhe respondo!

O Orador: — … dando a ideia de que o Ministério da Educação andava a fazer convites «por baixo da mesa» por estas razões.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Não estou a dar a ideia mas a repetir o que foi dito!

O Orador: — Não é verdade! Quanto à questão da comparticipação a 100%, também quero dizer que nunca falei, nem a Sr.ª Ministra, numa comparticipação a 100%. O que dissemos foi que as intervenções nas escolas de acolhimento iriam ser comparticipadas pelo Ministério da Educação, como sempre foram. Mas nunca esteve previsto serem comparticipadas a 100%, nem nunca tal existiu! Como sabe, a responsabilidade do parque escolar é das autarquias e o que assumimos (e está escrito no protocolo), no nosso compromisso com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, foi a comparticipação da parte do Ministério da Educação, ponto que nós cumprimos rigorosamente.
Relativamente ao problema da educação para a saúde, já agora gostava de esclarecer que a redução não é o que parece, por uma razão simples: os encargos com o pessoal que estavam nessa rubrica no orçamento do ano passado transitaram para a Secretaria-Geral do Ministério da Educação este ano, por isso deixaram de constar daquela rubrica. Ora, se retirámos os encargos com o pessoal, cerca de 1,5 milhões de euros, a verba que fica, como podem constatar, é muito superior à verba que sobrava. Ou seja, antes tínhamos 300 000 € e agora passámos a ter 570 000 € na rubrica da educação para a saúde. É uma mera questão de organização financeira, portanto podem ficar descansados que não há um desinvestimento nesse programa.
Relativamente à questão do Sr. Deputado Diogo Feio, sobre a colocação e o número de professores — também referida pela Sr.ª Deputada Cecília Honório —, gostaria de dizer que em 2004/2005, quando iniciámos funções governativas, havia 156 000 professores no sistema (aliás, o Sr. Deputado Diogo Feio deve ter esta informação, porque era secretário de Estado na altura), no ano passado passámos a ter 147 000 e este ano prevemos ter 142 000.
A propósito desta redução, identifiquei as áreas onde reduzimos o número de professores, não o disse à toa! Na minha primeira intervenção, indiquei as áreas concretas em que há redução do número de professores, precisamente porque é bom clarificar que a redução dos encargos com pessoal não deriva do facto de se diminuir os salários dos professores mas, sim, de haver menos professores.
Também quero dizer, por exemplo, sobre o problema que citou de termos, no início, 8000 professores sem afectação e agora 3000, que foi a gestão cuidadosa desse sistema que nos permitiu ter, neste momento, menos 6500 professores contratados do que tínhamos no ano passado, neste mesmo dia em que estamos hoje. Portanto, este ano, o Ministério da Educação tem menos 6500 professores contratados, e isso deveu-se ao facto de termos feito uma gestão cuidadosa da situação dos professores que sobravam, digamos assim, sem horário e que estavam sem afectação, ou afectos a lugares onde não tinham horário, evitando contratar professores adicionalmente.
Ninguém ainda ouviu falar, penso, de falta de professores nas escolas. Não há notícia de que haja falta de professores nas escolas ou que os alunos estejam sem aulas. Bem pelo contrário! Tal como referi na primeira intervenção — e volto a repetir —, no fim do ano, espero poder mostrar à Câmara dados que comprovem que este ano tivemos uma maior efectividade lectiva do que no ano anterior, o que significa que esta redução de pessoal docente não está assente num pressuposto de falta de pessoal docente para o exercício das actividades mas, isso sim, numa correcta gestão dos recursos humanos, como a Sr.ª Ministra já referiu.

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Creio que é tudo da minha parte, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.
Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Antunes, na minha opinião, a aposta na educação não se mede pelo Orçamento, de uma forma superficial e ligeira, mas pelas iniciativas que se concretizam. Também não é pela retórica nem pelo discurso, mas, sim, pelas iniciativas que se concretizam.
Ora, orgulho-me de ter concretizado, nestes dois anos de trabalho, o enriquecimento curricular no 1.º ciclo, a generalização do inglês, a mais do que duplicação do número de alunos nos cursos profissionais e a recuperação do abandono e do insucesso de alunos do ensino básico. Isto corresponde inteiramente às nossas apostas, às nossas iniciativas, aos nossos objectivos como Governo e não é um problema de Orçamento, mas de trabalho concreto, de procura de concretização dos objectivos. Efectivamente, a aposta na educação deste Governo mede-se pela nossa capacidade de concretização e não pelo valor do Orçamento.
Volto a afirmar que nenhuma medida ficará por concretizar. O investimento nos cursos profissionais vai crescer 30%; nestas ofertas formativas das áreas profissionais e vocacionais crescerá 30% e o esforço financeiro no 1.º ciclo crescerá 78%. Portanto, nada ficará por concretizar no que respeita à nossa aposta na educação.
Por isso, reafirmo que estou contente e tenho orgulho no trabalho que faço no quadro deste Governo. Peço desculpa por não poder estar triste nem por dizer outra coisa.
Gostava também de sublinhar que a diminuição com a despesa de salários, com as remunerações certas e permanentes, não corresponde a nenhum abaixamento de salários, mas a uma diminuição do número de efectivos nas escolas. No fundo, esta diminuição resulta do necessário ajustamento do número de docentes às necessidades das escolas, medida pelo número de alunos existentes nestas escolas.
Em abstracto, podemos todos dizer que, num País onde falta qualificar 2,5 milhões de activos — eu própria o tenho dito —, nunca se pode falar em escolas nem em professores a mais. Sou a primeira a subscrever esta afirmação, mas esta é uma afirmação de princípio genérico. Depois, vamos ver quem são os professores que temos, quais são de facto os recursos que temos e quais são as nossas necessidades de formação.
Ora, para isso é necessário um ajuste geográfico, disciplinar e de nível de ensino. É isto que estamos a procurar fazer, controlando, em primeiro lugar, as entradas no sistema, as novas contratações de professores para que eles não continuem a ser professores do 1.º ciclo quando é justamente o nível de ensino de que menos professores precisa. Precisamos de professores nas áreas profissionais, nas áreas vocacionais e não no 1.º ciclo. Porém, o descontrolo dos concursos e da gestão do Ministério da Educação fazia com que, todos os anos, milhares de novos professores do 1.º ciclo fossem contratados, sendo que havia escolas com três alunos e dois professores ou com cinco alunos e três professores, e por aí fora… Esta é, portanto, a reorganização que é absolutamente necessária. Não se mede o esforço do investimento ou a paixão pela educação num número global do Orçamento. A paixão e a aposta na educação medem-se pelo esforço que se faz em melhorar as condições de ensino e de aprendizagem, para que se dê a garantia de que o que se oferece aos nossos alunos são condições de aprendizagem e de ensino adequadas aos dias de hoje.
Quanto à questão levantada, em termos gerais, acerca do decréscimo, compreendo que na Administração Pública possa haver um objectivo genérico de «emagrecimento» das administrações, do qual o Ministério da Educação participa, pois já diminuímos o número de funcionários no próprio Ministério da Educação, descentralizando uma parte das nossas competências para as escolas de forma inédita. Não há memória de o Ministério da Educação ter descentralizado competências suas nas escolas e nós já o fizemos, «emagrecendo» os serviços, esforço em que penso que toda a administração participa.
Outra coisa é o sector executivo de políticas educativas constituído pelas escolas, em que os principais recursos humanos são os professores. Ora, não temos nenhum objectivo genérico de diminuir o número de professores; temos, sim, o objectivo genérico de ter um número de professores necessário e suficiente para os desafios da qualificação da população discente juvenil e adulta, caso se venha a alargar a estes últimos porque, como se sabe, neste momento ainda não estão implementados programas de qualificação de adultos Quanto às remunerações certas e permanentes e aos 350 milhões de euros, o problema que se levanta é saber quais são as medidas que podem confortar esta situação. Ora, essas medidas não constituem uma diminuição dos salários dos professores, pelo contrário, será respeitado aquilo que foi determinado como aumento de salário para toda a função pública.
As medidas a adoptar são aquelas que o Sr. Secretário de Estado enumerou na sua primeira intervenção, ou seja, o reordenamento da rede escolar vai permitir um menor número de contratação de professores; a redução dos encargos com pessoal dos serviços centrais e regionais, com professores que estavam nesses serviços; a redução dos destacamentos para os sindicatos; a redução dos destacamentos de pessoal docente para funções não docentes nos mais variados organismos e que eram pagos pelo Ministério da Educação; o novo regime remuneratório dos docentes no ensino do português no estrangeiro permite também reduzir a

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despesa sem diminuição do número de professores no estrangeiro; a redução de encargos com pessoal docente por efeito da aposentação e da sua não substituição quando não se justifica (e, mesmo quando se justifica, quando um professor se reforma no 10.º escalão tem uma remuneração muito superior, ou seja o dobro, à do professor contratado para o substituir e daí decorre uma diminuição da despesa); a revisão do regime de estágios de formação inicial de docentes e a questão da profissionalização; a aposentação do pessoal docente incapacitado para o exercício de funções docentes, ao abrigo do diploma que já foi aprovado. No fundo, procura-se adequar os recursos humanos, pondo à disposição das escolas os recursos humanos necessários ao desafio da qualificação e não para outras funções que nada têm que ver com essa situação.
Quanto aos efeitos sobre os docentes, aquilo que identificamos é que há disfunções, há excessos, sobretudo nos professores do 1.º ciclo em quadros de zona pedagógica. Sabem tão bem como eu que a rigidez destes quadros nos impede de os trazer de Bragança para Lisboa, onde eventualmente possam fazer falta.
Há, portanto, uma rigidez disciplinar e geográfica.
O que acontece é que, gradualmente, estão a ser identificadas estas bolsas de professores para os quais não existem alunos nem ocupação formativa, que necessitamos de desenvolver.
Então, o que vai ser feito? Estamos a trabalhar nesses instrumentos. A propósito deste assunto e no contexto da negociação do estatuto da carreira docente, uma das propostas que fizemos aos sindicatos foi que colaborassem com o Ministério da Educação na procura de soluções de reconversão, de reafectação, ou seja, nas mais variadas soluções de mobilidade geográfica ou profissional. Aguardamos o seguimento das negociações para saber se vamos estudar estes dossiers com os sindicatos ou com os outros parceiros, nomeadamente com os próprios conselhos executivos ou com outros parceiros eventualmente interessados nessa matéria.

O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Há alguma estimativa do número de professores que podem ser afectados?

A Oradora: — Não posso responder a essa pergunta com a precisão necessária. Talvez possamos responder daqui a poucos meses. O que sabemos, no que respeita a professores do 1.º ciclo e a educadores de infância, é que estão 3000 professores sem afectação de serviço.
A sua preocupação parece-me pertinente, ou seja, olhando para as escolas, como é que se vai garantir a qualidade da educação, tendo em conta a conjuntura da conflitualidade laboral? O que lhe posso dizer decorre da minha própria observação e do trabalho com as escolas.
Penso que os professores, ao contrário de uma certa imagem que se pretende passar quanto às suas atitudes, distinguem bem o que são matérias laborais do que são matérias profissionais. Portanto, não temos nenhuma indicação das escolas de que não seja assim. Quando visito escolas ou quando trabalho com os professores, não tenho nenhuma indicação de que eles misturem as coisas e transportem para a sua actividade profissional, lectiva, de trabalho com os alunos, para a sua responsabilidade, os problemas de natureza laboral. O facto de fazerem uma grande manifestação ou uma greve não significa que estejam a fazer greve todos os dias nas salas de aula. Os professores fazem essa distinção e, portanto, fazem greve nos dias em que é decretado fazer greve e trabalham diligente e profissionalmente nos outros dias. Essa é a minha convicção e não tenho nenhuma razão para pensar o contrário.
Pelo contrário, quando as escolas e os professores foram solicitados a organizar programas para além das rotinas instituídas, como o enriquecimento curricular, os cursos profissionais, os planos de acção para a matemática, a concretização do plano nacional de leitura e as múltiplas solicitações a que as escolas são hoje expostas, apesar de sentirem alguma insegurança e incerteza em relação ao estatuto, ao futuro profissional, às questões laborais, os professores responderam profissionalmente, distinguindo muito claramente o que são as suas obrigações profissionais. Aliás, não seria de esperar outra coisa.
Portanto, a minha convicção é que a conflitualidade laboral não afectará os resultados escolares nem a qualidade da educação. De outra maneira não poderia ser porque, caso contrário, estaríamos perante um caso muito grave de falta de profissionalismo, que, penso, não afecta os professores.
Em relação às questões concretas colocadas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, sobre o apetrechamento das escolas, as autarquias e o Ministério da Educação, não vale a pena tentar fazer um caso onde ele não existe. As relações entre o Ministério da Educação com as autarquias e com as câmaras municipais no geral são relações de confiança, de trabalho concreto, que têm resultados extraordinários e surpreendentes para aquilo que era a tradição.
Portanto, nem o Ministério da Educação «sacode a água do capote» nem deixa de cumprir os seus compromissos. O acordo celebrado entre as autarquias e o Ministério da Educação é muito claro. Penso que nunca foi tão claro como é agora. O Ministério da Educação dá as orientações, propõe os programas e fornece os meios e as autarquias respondem executando da melhor forma possível, interessando-se tanto pelas escolas como o Ministério da Educação.
São instituições de proximidade, únicas para poder cuidar das escolas e espero que, a prazo, se possam transferir as competências e os recursos necessários para a sua concretização.
Penso que com isto respondi também às preocupações do Sr. Deputado Diogo Feio, sobre as transferências para as autarquias. É um caminho que vai ter de se fazer. Não lhe posso responder quando estará concluído o processo de melhoria da qualificação e de funcionamento das escolas. Todos desejávamos que tives-

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se sido ontem, mas não foi. Todavia, será um dia próximo, certamente, e trabalharemos diligente e persistentemente para alcançar os nossos objectivos.
Sobre a questão que foi colocada no sentido de dizer que este Orçamento não é reformista, não sei o que lhe responder.

Risos do PS.

Em relação à última questão que colocou, sobre os contratos de associação, a nossa previsão é a de continuar os contratos que estão em curso, não havendo qualquer justificação para o seu aumento, visto que não há aumento genérico de alunos mas, antes, um retraimento do sistema, tanto no sector público como no privado. Acompanhamos com o máximo de atenção estes contratos e penso que, no essencial, estão envolvidos menos de 100 000 alunos, que representam uma percentagem, apesar de tudo, reduzida. Como tal, as nossas preocupações estão, de facto, mais centradas naquilo que ainda é um maior número de alunos e de escolas que necessitam de um acompanhamento, de um investimento e de um nível de exigência diferentes.
A Sr.ª Deputada Cecília Honório falou da «bolha» discursiva e colocou outras questões, considerando-as simples nuns casos e complicadas noutros. Bom, direi que as questões são todas pertinentes e importantes e merecem a nossa atenção.
Perguntou, por exemplo, por que é que há recurso à subcontratação e por que é que não se utilizam os professores a mais. Esta, contudo, é uma visão simplista e linear de um processo que é muito mais complexo, como já tive oportunidade de dizer. Se há professores em excesso, eles estão em locais de onde não os podemos mover e são de níveis de ensino ou de áreas disciplinares que não são as que necessitamos de desenvolver. Ora, este desajustamento necessita de trabalho técnico para ser resolvido, mas não podemos fazer essa leitura imediatista.
Para além disso, no que respeita ao 1.º ciclo procurámos concretizar um modelo diferente de gestão de recursos. Entendendo que a área de enriquecimento curricular do 1.º ciclo é partilhada com as autarquias e tendo em conta que estas já tinham feito muito trabalho de recrutamento e de angariação de recursos para a concretização de actividades de enriquecimento curricular, procurámos tirar todo o partido desta experiência que as autarquias já tinham, valorizando e revalorizando as suas competências nesta área e criando as condições para que elas pudessem ser generalizadas e concretizadas da melhor forma possível. Como tal, neste espaço, reduzimos o Ministério da Educação a mínimos que passam pela definição clara das orientações curriculares programáticas e pelo fornecimento dos meios para este enriquecimento, respeitando sempre a autonomia das autarquias nesta organização, colaborando com os agrupamentos e procurando incluir estas actividades nos projectos educativos das escolas.
Dir-me-á: «Há problemas».

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Imensos!

A Oradora: — É evidente que há problemas, sobretudo num ano de arranque. Contudo, como disse, temos uma comissão de acompanhamento, à semelhança do que fizemos no ano passado com o programa do inglês. Aquilo que queremos é intervir para resolver os problemas que forem detectados, procurando aprender as lições do primeiro ano e melhorar para, no segundo ano, fazermos melhor, não deixando de seguir, contudo, este modelo em que é necessário respeitar e valorizar o trabalho das autarquias com o 1.º ciclo.
Quanto à questão dos manuais escolares, é impossível, como sabem, organizar as bolsas de empréstimo de um ano para outro. As crianças fazem exercícios nos manuais e, como tal, é impossível trocá-los. É necessário fazer, portanto, um trabalho de regulamentação da lei, mas esperamos aprová-lo em breve, avançando para o sistema do empréstimo e da gratuitidade. Não há qualquer dúvida ou hesitação por parte do Governo nesta matéria. Continuamos a trabalhar nela, porque a forma como actualmente são concebidos e elaborados os manuais impede que se generalizem estes sistemas de empréstimo.
Penso que o Sr. Secretário de Estado ainda quer dizer alguma coisa.

O Sr. Presidente: — Creio que ficou uma pergunta por responder e, para tal, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação.

O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Sr. Presidente, na verdade, abordarei duas questões, a primeira das quais foi colocada pela Sr.ª Deputada Odete João e é relativa às escolas profissionais públicas e à gestão dos professores. Ora, estamos precisamente a rever o quadro normativo das escolas profissionais públicas, permitindo reajustar e readaptar o seu funcionamento, visto que não faz sentido que nas escolas secundárias públicas haja agora uma possibilidade de alargamento e de flexibilidade da oferta formativa sem que isso aconteça também nas escolas profissionais públicas. Esta é uma situação que advém de um normativo muito específico para as escolas profissionais, adaptado aos financiamentos europeus mas já ultrapassado, que estamos neste momento a rever, de forma a permitir que as escolas profissionais públicas possam ter também flexibilidade na oferta formativa.

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O que queremos é que, por exemplo, as escolas agrícolas possam alargar a sua oferta formativa a outras áreas de formação, à criação de outros cursos profissionais, e possam, com isso, corresponder ao desafio geral, quer no caso dos cursos para jovens, quer no caso dos cursos para a população adulta.
No que respeita à contratação de professores e à flexibilidade para estas áreas, estamos neste momento a trabalhar numa proposta de decreto-lei que foi enviada aos sindicatos para negociação e que tem a ver com a transferência para as escolas da possibilidade da contratação de professores para as áreas profissionais, vocacionais e técnicas. Pretende, assim, permitir-se que essas contratações sejam feitas directamente pelas escolas, em função dos cursos que têm, permitindo-lhes recorrer à contratação de técnicos especializados que existam nas diversas áreas em vez de terem de recorrer ao concurso nacional de professores, que não responde a este tipo de solicitação.
Este decreto-lei vai, aliás, aumentar significativamente a autonomia das escolas em termos de recrutamento não só para estas áreas, permitindo, por exemplo, que os técnicos possam acumular nas escolas, em relação a áreas técnicas, mecânicas, etc., como permitirá que as próprias escolas venham a recrutar professores para substituir aqueles que, eventualmente, tenham de interromper a sua actividade durante o ano lectivo.
O objectivo, porém, é apenas o de dizer que este mecanismo estará à disposição das escolas profissionais públicas, bem como das básicas e secundárias, a partir do dia 1 de Janeiro, se o processo legislativo se concluir até lá, como prevemos. Esta é a proposta que o Governo tem em cima da mesa, o que permitirá avançar quanto a uma reivindicação histórica das escolas, dando-se um passo muito importante relativamente à autonomia da gestão dos seus recursos e do recrutamento de professores para áreas específicas de que as escolas necessitam.
No que respeita à profissionalização, assunto abordado pela Sr.ª Deputada Cecília Honório, penso que é muito injusto criticar este Governo pelas medidas relativas a esta matéria. De facto, foi esta equipa que introduziu condições para aumentar como nunca tinha acontecido as possibilidades de os professores acederem à profissionalização. A Sr.ª Deputada sabe-o e pode comprová-lo através de dois despachos sucessivos que foram feitos, no sentido de alargar os critérios no que respeita ao tempo de serviço que os professores poderiam ter anteriormente e no que respeita ao momento em que entravam em funções, algo que nunca aconteceu em Portugal durante dezenas e dezenas de anos.
Ora, nós permitimos que os professores pudessem ser colocados em profissionalização mesmo depois de colocados em cíclicas e mesmo sem horários completos, o que foi, aliás, objecto de crítica de alguns sectores.
Nós agimos precisamente no sentido de tentar resolver os problemas de muitos professores que estavam nestas circunstâncias, procurando evitar que pudessem ser excluídos do sistema sem terem este acesso.
Neste sentido, dificilmente poderíamos fazer mais do que isto e penso, Sr.ª Deputada, que mesmo os sindicatos dos professores tiveram a este respeito uma posição positiva e de apreço.

O Sr. Presidente: — Para iniciar a terceira ronda, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, as minhas primeiras palavras serão para o Partido Socialista, que hoje afirmou entender a política que vem a ser seguida, enquadrando-a no esforço de solidariedade para com os demais ministérios. Quero apenas recordar que isto é exactamente o contrário do que disseram no ano passado, quando estávamos a discutir o Orçamento do Estado para 2006. Na altura, mostraram regozijo pelo facto de o orçamento do Ministério da Educação ser diferente dos outros, aumentando e não diminuindo.
Sr.ª Ministra, compreendo que a matéria da repetição dos exames seja para si inoportuna e que não seja este o momento para dar explicações quanto a isso, mas tenho a certeza de que esta seria uma oportunidade para se dirigir aos milhares e milhares de jovens que foram objectivamente prejudicados por uma decisão sua.
Compreendo também a sua dificuldade em dar hoje uma resposta a este respeito, porque, de facto, não foi capaz de o fazer quando tomou essa decisão, não foi capaz de o fazer no debate tido nesta Casa no dia 20 de Julho e, pelos vistos, continua a não ser capaz de apresentar uma solução para os milhares e milhares de jovens que foram prejudicados.
Quanto à exposição que fez e às respostas que foi dando, penso que nós também gostaríamos de discutir o Orçamento. Sinceramente, não estava à espera que a Sr.ª Ministra, nas respostas que foi dando, procurasse fazer aqui um pseudo-relatório de actividades, enunciando um conjunto de intenções e de princípios gerais que fazem parte do discurso do Governo em relação a este sector há cerca de dois anos.
Na verdade, tivemos oportunidade de discutir as questões do alargamento do horário, do enriquecimento escolar e do inglês no Orçamento do Estado para 2006. Aliás, recordo que nessa altura o Partido Social Democrata, pela minha voz, teve oportunidade de se referir ao mérito dessas iniciativas. Todavia, também ficou claro para todos ao longo do debate do ano passado que, em função das medidas que foram sendo tomadas, era necessário um esforço financeiro para garantir que essas novas valências introduzidas fossem disponibilizadas aos jovens em melhores condições. Ou seja, era necessário criar infra-estruturas, porque as escolas — e são muitas — não estavam preparadas para isso, e era necessário que esse esforço financeiro fosse feito ao longo do ano.

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Permita-me que lhe diga ainda que, nesta matéria, seria justo que o Governo dissesse que o sucesso destas medidas se deveu muito ao empenho das autarquias. Era importante fazer essa justiça.
Por outro lado, não posso deixar passar em claro o facto de, afinal, o grande investimento assumido há um ano atrás ser feito apenas pelas autarquias. Penso que tal não é justo e que, ao nível do Conselho de Ministros, a Sr.ª Ministra tem de dizer ao seu colega António Costa que, com este modelo de financiamento das autarquias locais, elas não podem responder a esses desafios.
A Sr.ª Ministra lançou um dado relativo à subida exponencial do 1.º ciclo. Ora, pelos dados disponíveis do Orçamento, entre funcionamento e investimento, constato que, em 2006, estavam previstos 1159 000 000 € nessa rubrica. Em 2007, há um total de 1149 000 000 €, ou seja, um decréscimo de 1%. Não sei como é que a Sr.ª Ministra nos fala aqui em dezenas, mas enfim… Sr.ª Ministra, estas contradições relativas ao investimento não fomos nós que as trouxemos mas, sim, V.
Ex.ª. A Sr.ª Ministra, no ano passado, veio dizer o seguinte: «Nós, em 2006, invertemos a tendência de decréscimo e temos um PIDDAC de 120 000 000 €. Ao contrário dos outros, reforçámos as verbas!». Hoje, contudo, vem dizer-nos que a política de educação não se mede pelo investimento.
Gostava, portanto, que a senhora me explicasse — peço desculpa pela minha ignorância, mas penso que os portugueses também não percebem — o que é que justifica que, em 2006, estivessem orçamentados para instalações de estabelecimentos do ensino básico e secundário 48 000 000 €, estando neste momento, para o mesmo efeito, 37 000 000 €; para o aperfeiçoamento das instalações havia 10 000 000 € e agora há 8 000 000 €; para a conservação e remodelação do parque escolar havia 38 000 000 € e agora há 19 000 000 €. Ou seja, dos 120 000 000 € passámos para 84 000 000 € e isto é que é importante explicar, porque este é o momento em que discutimos o Orçamento do Estado, que, supostamente, devia suportar todos esses princípios que a Sr. Ministra gosta de enunciar. Todavia, tem de haver um suporte financeiro, e era isso que gostaríamos, de facto, de esclarecer.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Júlia Caré.

A Sr.ª Maria Júlia Caré (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, falar do combate ao abandono e ao insucesso escolar é falar da luta pelo direito de cidadania, que, no nosso país, como já foi dito, estava em situação muito periclitante – aquilo que o próprio Programa de Governo considera uma urgência nacional.
Este Governo tem optado por seguir aquilo que se nos afigura uma resposta acertada, no sentido de ir ao encontro da diversificação de cursos, de modo a poder aproveitar todos os recursos e todas as capacidades dos nossos jovens, que não podem ficar, de forma alguma, estigmatizados, até porque o insucesso e o abandono escolares são indicadores de outros problemas sociais, indicadores de risco, de jovens que precisam de ser salvos de situações de possível exclusão social e educativa.
Ora, estes jovens pertencem a faixas sociais que, normalmente, são mais problemáticas, mais débeis e mais frágeis e, evidentemente, trazer estes jovens à escola implica custos para o ministério. É preciso que haja medidas para esbater as assimetrias dos meios de onde eles são originários e isto implica verbas da acção social escolar.
É com algum agrado que se vê que, no orçamento para o próximo ano, há um certo acréscimo nas verbas da acção social escolar, e nem outra medida poderia ser tomada, uma vez que neste campo, como em muitos, a messe é imensa e é preciso, de facto, intervir no sentido de dar ao País o desenvolvimento que ele merece, aproveitando todos os recursos que estes jovens podem dar a esse desenvolvimento.
Aquilo que pergunto, Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de Estado, tendo em conta o período de contenção de despesas em que estamos e também a necessidade de dar cobertura a esta matéria, é que áreas irá privilegiar no sentido de se prosseguir numa política de combate ao abandono e ao insucesso escolar que passe da retórica de frases como «eu não desisto» para acções concretas no terreno que tragam, de facto, os jovens para as escolas?

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, vou aqui referir quatro dimensões que envolvem 400 milhões de euros e 300 000 pessoas.
Primeira dimensão: o 1.º ciclo tem neste orçamento mais de 90 milhões de euros para as actividades de reforço do seu currículo e, particularmente, para a generalização do ensino do Inglês no 1.º e 2.º anos, fazendo com que todas as crianças do 1.º ciclo tenham Inglês. Estamos a falar de 200 000 crianças e de 90 milhões de euros, que antes não estavam no orçamento e agora estão.
Segunda dimensão: formação de professores em Matemática, Língua Portuguesa, Ensino Experimental e Tecnologia. Estamos a falar de 17 milhões de euros, que não estavam no orçamento e que agora estão, envolvendo cerca de 30 000 a 40 000 professores, particularmente do 1.º ciclo.

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Terceira dimensão: ensino vocacional e profissional. Estamos a falar de 57 milhões de euros, que não estavam no orçamento e que agora estão neste, envolvendo cerca de 50 000 alunos, que não tinham acesso, pelo menos a esmagadora maioria deles, a estas oportunidades e que neste momento têm.
Quarta dimensão: centros de novas oportunidades. Estamos a falar de 226 milhões de euros, que não estavam no orçamento de 2005, por exemplo, e que estão neste, e de milhares de pessoas adultas que neste momento estão a chegar às escolas públicas, reingressando em percursos formais de aprendizagem. Só para dar um pequeno exemplo, em Mértola há 1000 adultos inscritos à espera que o centro comece a funcionar.
Ou seja, estamos a falar de mais de 400 milhões destinados a 300 000 pessoas, sendo que algumas delas, muitas, não tinham acesso ao sistema formal de educação.
E a questão que coloco, Sr.ª Ministra, embora saiba a resposta,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Então, não pergunte! Essas encomendas não valem!

O Orador: — … é como é que estes 400 milhões de euros aparecem neste orçamento, sendo que o orçamento, na sua globalidade, desce? Isto é certamente incompreensível para a esquerda e para a direita, mas eu penso que só tem uma explicação: é a boa gestão dos recursos financeiros e humanos que o País põe à disposição do Ministério da Educação que faz com que V. Ex.ª consiga construir uma omeleta maior e mais nutritiva com menos ovos.
Acho que isto é boa gestão, é extraordinário e é um exemplo de como o Governo do Partido Socialista tem uma governação de rigor, de objectividade e de grande sensibilidade social.
Para terminar, e pedindo desculpa ao Sr. Presidente pelo tempo que tomei a mais, devo dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está muito orgulhoso da equipa do Ministério da Educação, está solidário e os portugueses estão satisfeitos, certamente, com o serviço público que este Ministério da Educação lhes está a prestar, trazendo mais oportunidades de aprendizagem para mais pessoas mas gastando menos dinheiro do nosso orçamento.

O Sr. Presidente: — A sua referência gastronómica mostra que já estamos a caminhar rapidamente para a hora do jantar.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, gostaria de lhe colocar, de uma forma muito rápida, apenas duas ou três questões, sendo que a primeira se prende-se com a lei do financiamento do ensino não superior.
O Governo, com tanta preocupação de gestão dos recursos humanos e de meios, está disponível para fazer uma lei de financiamento do ensino não superior, exactamente como existe para o ensino superior? Segunda questão: veio a público – peço desculpa, mas nós, Deputados, ainda podemos ler o jornal, porque ainda não existe qualquer decreto ou despacho normativo a impedir a leitura dos jornais –…

A Sr.ª Ministra da Educação: — E outras coisas também!

A Oradora: — … uma informação relativamente à formação de professores, dizendo: «Formação de professores sem verbas. O novo Estatuto da Carreira Docente exige, porém, que dois terços da formação de cada professor incida sobre as suas áreas, mas os centros de formação de docentes foram informados de que não há financiamento para formar os professores nas matérias das suas disciplinas. Um docente propôs dois planos de formação em Lógica e Filosofia da Religião, matérias do 11.º ano, que foram recusados por não haver financiamento. A Directora do Centro de Formação de Braga, Ana Vilela,…» – parto do princípio de que não são todos perigosos comunistas, Sr. Ministra – «… diz que, numa reunião com a Direcção do Programa de Desenvolvimento Educativo, foram prometidas verbas para o 2.º semestre, mas virão tarde». Gostaria de perguntar se esta é a aposta da Sr.ª Ministra e do Sr. Secretário de Estado na formação dos professores.
Depois, refere-se as disciplinas de Matemática e Inglês sem professores e a Educação Física mesmo sem pavilhões,… enfim, todas estas coisas que ouvimos.
Um outro título de jornal, não desmentido – sei que os sindicatos têm de ser desmentidos de imediato, na sua opinião, mas, normalmente, os jornais são umas semanas depois –, dizia: «Escolas obrigadas a recuar no plano de acção para a Matemática. O combate ao insucesso escolar na disciplina conhece avanços e recuos.
Afinal as escolas não podem contratar professores nem desdobrar o horários de turmas. O ministério declara que não é ‘autorizado’ o desdobramento de turmas e que as escolas que o propuseram deverão pensar em alternativas». Curiosamente, a nota foi emitida a 15 de Setembro — o Ministério nem sempre é iluminado —, altura em que o ano lectivo já tinha arrancado e, naturalmente, a distribuição dos horários já tinha acontecido.
Dizia-se ainda: «Temos desdobramento de turmas entre o 7.º e o 9.º ano a funcionar e com resultados. Não iremos fazer mais, porque não estamos autorizados. A ideia consta do plano de combate ao insucesso da Matemática em vigor adoptado pela escola». Isto não é dito por sindicatos, é dito apenas por professores e por centros.

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Apenas mais duas coisas, Sr. Presidente. A primeira — fazendo um bocadinho de secretária do Sr. Secretário de Estado, o que faço com muito prazer — é responder às questões que o Sr. Secretário de Estado me colocou, uma vez que ele não foi capaz de responder às que lhe coloquei.
Então, em relação a convites de escolas públicas para professores (não é de escolas privadas é de escolas públicas), dir-lhe-ei o seguinte: uma escola pública com seis meninos cegos tinha, até à semana passada, uma ilustre docente especialista em Inglês – para aprender Braille, com certeza, durante os próximos meses e, assim, poder responder a essas necessidades. Mas isto é tudo em nome da boa gestão, como é óbvio.
Quanto às necessidades educativas especiais, o carácter prolongado… Tudo se encontra respondido, certamente…

A Sr.ª Ministra da Educação: — Desculpe, qual é a escola, Sr.ª Deputada?

O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Já agora, diga qual é a escola, para eu poder…

A Oradora: — Com toda a certeza. Mas o Sr. Secretário de Estado tem de me prometer que não vai despedir o conselho directivo nem o vai pôr no índex, que é aquilo que o ministério costuma fazer! Então, com a promessa pública…

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr.ª Deputada, peço desculpa, quando é que o Ministério da Educação demitiu um conselho executivo na sequência de…

A Oradora: — Se me derem mais tempo…

A Sr.ª Ministra da Educação: — Gostava que essas acusações fossem esclarecidas.

A Oradora: — Todas foram objecto de requerimento.

A Sr.ª Ministra da Educação: — É grave a acusação de que o Ministério da Educação…

A Oradora: — Sr.ª Ministra, eu estava a falar com o Sr. Secretário de Estado.

A Sr.ª Ministra da Educação: — É grave a acusação de que o Ministério da Educação…

A Oradora: — Sr. Presidente, este tempo não conta, de certo.

A Sr.ª Ministra da Educação: — … costuma despedir ou pôr processos a conselhos executivos em resultado de acções que nem sei quais são. É muito grave essa acusação.

A Oradora: — Então, já lhe dou um exemplo.
Sr. Secretário de Estado, a escola a que me referia é a escola pública EB 2,3 de Valongo.
Mas vou dar-lhe mais informações que o Sr. Secretário de Estado não tem: 380 meninos da Direcção Regional do Norte continuam sem apoio; 180 meninos da DREL, entre os quais um número razoável de cegos, continuam sem apoio, e há um conjunto muito grande de docentes sem qualquer especialização. Mas mais grave ainda é que podiam não ter especialização, mas, face à falta de recursos, já terem trabalhado na educação especial em anos transactos, porém tal não acontece. Foram escolhidos a dedo, em nome da gestão de recursos e não só não são especialistas como não têm qualquer experiência na área, mas tudo é em nome da boa gestão e da qualificação dos portugueses.
Se a Sr.ª Ministra quer um exemplo de perseguição do Ministério, eu dou-lhe um. Algumas professoras falaram, como mães e professoras, na televisão a propósito do encerramento de algumas escolas e da falta de condições das escolas de acolhimento. A direcção regional identificou as pessoas — a Sr.ª Ministra pode não ter mandado, mas já há pouco lhe disse que, se não mandou, explique — para fornecer os dados, parto do princípio, não ao Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates mas à Sr.ª Ministra da Educação.
Portanto, a Sr.ª Ministra sabe disto muito bem. Eu fiz-lhe um requerimento e a Sr.ª Ministra disse que não conhecia o processo.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, se me permite, aquilo que referiu obrigará, efectivamente, a Sr.ª Ministra ou o Sr. Secretário de Estado, se assim o entenderem, a responder ponto por ponto às questões que suscitou, porque, evidentemente, relevam de uma matéria que não só é pontual como tem alguma ressonância, que já foi, de resto, manifestada para Sr.ª Ministra.
Portanto, peço-lhe, também por uma boa gestão do tempo, que termine para podermos prosseguir.

A Oradora: — Vou terminar em dois segundos, Sr. Presidente.

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Sr.ª Ministra, quanto a técnicas especiais, existe uma resolução aprovada, por unanimidade, nesta Casa em Março de 2006. Têm sido inúmeras vezes os professores, que são pouquíssimos nestas condições, a contactar com o Governo no sentido de saber quando é que regulamentam esta resolução. Estamos quase em Novembro e a regulamentação não está feita e os professores iniciaram o ano lectivo exactamente nos mesmos termos em que iniciaram o ano lectivo passado. E a resposta que dão é sempre que anda de gabinete para gabinete e que será para o próximo ano.

O Sr. Presidente: — Ó Sr.ª Deputada…

A Oradora: — Termino, Sr.ª Ministra, dizendo-lhe que todos os outros casos de perseguição a professores estão, naturalmente, em requerimentos que lhe fiz chegar nos últimos meses. A alguns a Sr.ª Ministra já respondeu e a outros entendeu não responder.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Esses casos só chegam ao PCP, não chegam aos outros partidos! É curioso!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — É natural! Vá lá saber-se porquê!

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Ministra da Educação quer responder já ou responde no fim?

A Sr.ª Ministra da Educação: — Já terminaram os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Presidente: — Não. Ainda existe mais um Deputado inscrito.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Então, respondo no fim.

O Sr. Presidente: — Para encerrar a ronda de pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, o que lhe queria dizer com «bolha discursiva» tem exactamente a ver com o exemplo concreto que lhe vou dar, que é o seguinte: a senhora investe, e bem, mais uma vez nos projectos de recuperação para a Matemática no ensino básico – e o mundo acredita e confia – e remete, naturalmente, a responsabilidade para os projectos apresentados pelas escolas. Mas quando as escolas apresentam projectos, não só não podem fazer desdobramentos das turmas como não podem, obviamente, contratar novos professores.
Percebe neste momento um pouco melhor o que é eu quero dizer com «bolha discursiva» em torno da gestão dos recursos humanos e esta articulação difícil entre políticas e orçamento, que é a questão pela qual estamos aqui? A segunda questão – e esta penso que a senhora estará em condições de esclarecer facilmente – é a seguinte: aqui há algum tempo, nesta Casa, foi assumido que o sistema de avaliação das escolas em curso, com aspectos francamente meritórios, que reconheci na altura, recairia, em cada ano, sobre 300 escolas.
Penso que foi este o cômputo apontado. Neste momento, a senhora invoca que, no próximo ano, serão 100 escolas. Foi a referência que aqui deu. Queria tentar perceber essa diferença, essa opção, e insistir na matéria que sabe que é e será, provavelmente, preocupação desta Casa daqui a algum tempo.
Há 20 escolas que vão assumidamente entrar em contratos de autonomia. Pergunto-lhe se mantém o espírito e o corpo do que está no 115, com todas as implicações, desde a autonomia curricular e o que é que implica esta autonomia curricular; o que é que implica a contratação de professores nestes casos concretos; o que é que implica a gestão financeira nestas escolas e o que é que implica que o que está no 115, que é a manutenção do princípio electivo, no que diz respeito aos órgãos de direcção das escolas.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada, inclusive pela sua concisão.
Têm, agora, a palavra a Sr.ª Ministra, para responder, em bloco, às questões que foram levantadas.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não posso deixar de fazer um reparo à intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, que começou por anunciar que o Ministério da Educação despedia conselhos executivos e acabou numas vagas alusões a perseguição de professores e faço questão que apresente na Câmara quais foram os professores perseguidos ou mandados perseguir por mim.
Penso que é uma questão de honra.
É muito fácil, quando não há argumentação política, entrar nesta linha de ataques pessoais, de dizer não importa o quê.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — São questões políticas não são pessoais!

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A Oradora: — Mas faço questão que seja esclarecido que não persegui, não perseguirei, não tenho sequer competências para isso nem isso está nas minhas intenções nem no meu espírito, nem faço disso objectivo do meu trabalho, professores, conselhos executivos, o que seja! É pura demagogia, é uma ataque pessoal vil, que considero muito desqualificante de quem o profere.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — Voltando agora às questões políticas e deixando as de fait divers e de ataques pessoais, as questões levantadas pelo Sr. Deputado Emídio Guerreiro, provavelmente gostaria muito de editar aqui as sessões anteriores do Parlamento. Já lhe disse que não considero oportuno esclarecer as questões relativas ao exames, que estão em curso, é uma matéria que está em curso. Não é porque não seja capaz, considero-me uma pessoa capaz do trabalho que estou afazer e já disse que tinha orgulho em pertencer a este Governo.
Tenho orgulho no trabalho que estou a fazer e não é por o Sr. Deputado dizer que não sou capaz disto, daquilo e daqueloutro que alterarei um milímetro àquilo que lhe disse.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Queríamos era o esclarecimento!

A Oradora: — As explicações virão a seu tempo. Tenho muita humildade e capacidade de esclarecer, mas a seu tempo. A minha agenda não é marcada — peço desculpa — pelo Sr. Deputado Emídio Guerreiro, é marcada por mim própria, e assim farei. Não tenho qualquer problema em esclarecer perante esta Câmara todas as questões que entenda necessário esclarecer.
Também me continua a parecer que há aqui uma confusão entre aquilo que as responsabilidades sobre o 1.º ciclo, repartidas entre as autarquias e o Ministério da Educação. Como digo, é uma matéria sem problemas e penso que na história da educação não terá nunca corrido tão bem como corre agora. Quero preservar essa relação de confiança que construí com as autarquias e fazer o trabalho que é necessário, fazendo prevalecer, sempre e em qualquer caso, os interesses da educação. Este é para mim um ponto de honra e tem sido também um ponto de honra para as autarquias que colaboram com o Ministério da Educação.
Em relação à Sr.ª Deputada que questionou sobre o que estamos a fazer para a recuperação de jovens, penso que um dos números mais impressionantes talvez, e também surpreendente para nós, que penso que revela bem o esforço do nosso trabalho, é o número de jovens, cerca de 20 000, que retornam à escola ou que ficam na escola para completar o ensino básico. 20 000 jovens é um número absolutamente impressionante! Quando chegámos eram 3000 e, neste momento, temos 20 000 jovens que, em segunda oportunidade, procuram cumprir a escolaridade obrigatória.
Mas não são as únicas medidas. Os planos de acção, seja na área da leitura, do ensino experimental ou da matemática são também instrumentos importantes, e não é verdade que o plano de acção da matemática seja uma «bolha discursiva»: ele ocorre em 1000 escolas…

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — É um «bolhão»!

A Oradora: — … e não é verdade que as escolas não vão ter, a tempo e horas, os instrumentos para fazer uma gestão flexível e com autonomia dos recursos para o poderem executar.
Há um problema, de facto, no entendimento da afectação de recursos para o plano de acção da matemática, que, já agora, aproveito para também esclarecer e debater um pouco com os Srs. Deputados: é a questão do desdobramento das turmas. Essa é uma questão presente desde o primeiro dia em que começámos a trabalhar com as escolas o plano de acção para a matemática e outros planos de acção, sendo um pedido recorrente das escolas o desdobramento de turmas como técnica ou método de combate ao insucesso. Ora, desde o primeiro dia à frente deste Ministério que tenho combatido junto das escolas essa ideia de que o desdobramento de turmas é uma medida do ponto de vista pedagógico e até do ponto de vista social. Na minha opinião, essa ideia é errada e, portanto, tenho-a combatido junto das escolas.
O que é que temos permitido, em alternativa, e que temos estimulado as escolas a adoptar? É o reforço das equipas educativas. O risco associado ao desdobramento de turmas é enorme! A tentação para que este desdobramento se traduza, de imediato, nos bons alunos para um lado e os maus alunos para outro é enorme. E isto é, do ponto de vista pedagógico, muito negativo. Os alunos são o que são: heterogéneos, diferentes; e o desafio da escola pública é trabalhar com a heterogeneidade e a diferença. Logo, se queremos uma escola inclusiva, devemos tê-la inclusiva, não apenas no capítulo mais evidente, que é o da deficiência, mas também no capítulo das dificuldades de aprendizagem nas turmas. As turmas têm de ser misturadas, têm de ser diversificadas, e eu, à frente do Ministério da Educação, combaterei sempre a divisão de turmas.
Aquilo que permitimos e permitiremos, e em que as escolas estão a trabalhar, é o reforço das equipas. Não há razão alguma para que um professor que tenha dificuldades em enfrentar uma turma (enfim, há turmas

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muito difíceis) não possa ver reforçado o seu trabalho, não possa ter dois ou três professores de apoio, que o ajudem a fazer o trabalho que é para fazer com uma turma. Isso é muito diferente de permitir a divisão das turmas, e foi isso, de facto, esse desdobramento, que não permitimos.
Depois, outra questão também sempre presente é a dos limites à intervenção do Ministério da Educação.
Os Srs. Deputados ora criticam a excessiva intervenção e o centralismo do Ministério da Educação, ora criticam quando o Ministério da Educação respeita a autonomia das escolas, dos professores e das autarquias neste caso.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Nós criticamos é a perda de 30% do investimento!

A Oradora: — Portanto, aquilo que o Ministério da Educação está a fazer neste capítulo, o trabalho com as escolas, é também inovador e por vezes os problemas resultam justamente dessa inovação.
Pela primeira vez, as escolas manifestam interesse, pela primeira vez, as escolas dizem ao Ministério da Educação o que é que necessitam, e o Ministério procura responder a essa manifestação de interesse e a essa manifestação de necessidade.
Há problemas na sua concretização? Há, com certeza! Cá estamos, com as comissões de acompanhamento, para avaliar e para ir respondendo. Penso que é cedo para adjectivar este programa, que vai ter a duração de três anos, as próprias escolas estão à procura do seu caminho de autonomia na gestão dos seus problemas e na gestão dos seus recursos e o que o Ministério da Educação está a procurar é reservar ao máximo o seu papel, justamente para respeitar esta autonomia e para que possam ser as escolas a decidir em função do seus problemas e não sermos nós a arranjarmos uma solução harmonizada, igual para todas as escolas, em que não se resolve problema nenhum e de novo o mecanismo é uma simples afectação de recursos igual para todos, independente dos problemas que as escolas possam ter.
Sobre a questão que levantou da avaliação das escolas, aquilo que foi dito no dia em que aqui estivemos a apresentar os resultados do projecto de avaliação foi que, em rotina, o programa de avaliação das escolas abrangerá 300 escolas por ano. Este ano, tivemos 24, com as quais celebraremos os contratos de autonomia, mas no próximo ano alargaremos a 100, e o que esperamos é que no terceiro ano entre em rotina as 300 escolas por ano, porque é um número suficiente para, em quatro anos, dar a volta a todas as escolas.
Por conseguinte, os contratos de autonomia estão a ser trabalhados com as próprias escolas. Evidentemente que respeitaremos o que está estipulado no 115, sendo que é bastante limitado aquilo que aí está previsto e nunca foi concretizado a não ser num único contrato de autonomia. Portanto, esta experiência do trabalho com as escolar permitir-nos-á também perceber o que é necessário alterar para, justamente, responder melhor àquilo que são as necessidades das escolas.
Quanto à pergunta da Deputada Luísa Mesquita sobre se pensamos vir a dispor de um instrumento, um quadro normativo de financiamento no ensino não superior, é nisso justamente que estamos a trabalhar, pois é absolutamente essencial, até para se perceber melhor a eficácia de alguns dos recursos, vir a dispor de uma fórmula, de um cálculo que permita com mais clareza saber quais são os recursos necessários a afectar às escolas.
Sobre a formação de professores, penso que já tive a oportunidade de falar nesta Câmara. De facto, é um daqueles projectos sobre o qual gosto pouco de falar porque é muito negativo aquilo que aconteceu. O País gastou, nos últimos seis anos, 300 milhões de euros em formação de professores e, quanto aos resultados disso sobre os resultados escolares e sobre o funcionamento das escolas, podemos dizer que não teve qualquer impacto.
Era um subsistema, era um programa entregue às escolas, às associações de professores, aos sindicatos, aos centros de formação de professores. O papel do Ministério da Educação era, nestes casos, o do financiamento, da aprovação dos cursos e da definição de áreas prioritárias. Penso que houve várias falhas neste processo. Os relatórios de avaliação da formação contínua de professores são muito negativos.
Aquilo que procurámos fazer, com o pouco dinheiro que restava do Quadro Comunitário de Apoio, porque todos estes programas eram concretizados com fundos comunitários, foi procurar dar uma orientação que permitisse, de facto, fazer beneficiar o sistema deste esforço financeiro. E, sem qualquer problema, definimos com clareza quais eram as áreas prioritárias de formação de professores para o Ministério da Educação e procurámos apresentar, concretizar e desenvolver os projectos de formação contínua.
Começou com a Matemática, houve também formação para as necessidades especiais e em Inglês, enfim, houve várias áreas de formação, sendo que a formação de professores não está condicionada à existência de financiamento público, pode ocorrer independentemente do financiamento público. Se pudesse dizer alguma coisa em termos de balanço em relação ao passado, penso que foi muito negativa a existência de financiamento público para a formação contínua de professores, porque criou um sistema de consumo de dinheiros públicos em que os critérios e os resultados foram muito negativos.
Portanto, faço um balanço muito negativo — já não é a primeira vez que me refiro a isso — e vou procurar assumir a responsabilidade no Ministério da Educação definindo com clareza quais são os actos prioritários, organizando a formação e dando condições para que os professores a possam fazer, de facto, nas áreas disciplinares da sua especialidade, procurando com isso que a formação contínua possa ser um instrumento eficaz de melhoria das condições de ensino e de aprendizagem.

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O Sr. Secretário de Estado da Educação ainda tem uma coisa para dizer.

O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Srs. Deputados, só pretendia referir, muito brevemente, quanto à intervenção da Sr.ª Deputada Júlia Caré sobre a acção social escolar, que, como sabe, no processo de descentralização e autonomia das escolas, que continuadamente vamos fazendo — é um trabalho de todos os dias —, também passámos directamente para as escolas a responsabilidade da acção social escolar, uma matéria que estava nas direcções regionais de educação.
Obviamente, isso não poderia ser feito sem termos a certeza de que os recursos passados às escolas eram os adequados, daí que tenha havido até um pequeno reforço dessas verbas, dentro do possível, tendo em conta as medidas de contenção que temos, no sentido de permitir que exista uma acção mais próxima, portanto, mais adequada, mais justa e mais correcta, nesta matéria da política de acção social escolar.
Aproveito também a oportunidade para dizer à Sr.ª Deputada Cecília Honório, relativamente à matéria da autonomia das escolas, que, para além do problema que a Sr.ª Ministra focou da abolição e dos contratos de autonomia, há já a passagem de mais de 30 competências da Administração para os conselhos executivos das escolas e que, como disse há bocadinho, estamos, neste momento, numa fase de negociação com os sindicatos de um decreto-lei que permite, pela primeira vez em Portugal, a contratação directa pelas escolas de professores para programas específicos. Por exemplo, questões relacionadas com o programa da matemática — a Sr.ª Ministra não teve tempo de dizer — também aí radicam, no que respeita à possibilidade de contratação de professores para essas áreas, e também para as áreas técnicas, profissionais e vocacionais, bem como a própria substituição de professores de forma mais rápida e eficiente, que passará a ser feita directamente pelas próprias escolas.
Este é um processo de carácter genérico, que abrange todas as escolas, para além daquilo que decorre das questões da autonomia inseridas no processo, que a Sr.ª Ministra referiu, da avaliação e dos contratos de autonomia.

O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, estamos a finalizar a nossa audição e gostaria de vos dirigir uma palavra muito breve.
No entanto, a mesa tem a indicação de que há um pedido de interpelação, por parte do PCP, na pessoa da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Sr.ª Deputada, faça o favor de dizer qual é o sentido da sua interpelação.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, numa atitude de muito boa vontade, tenciono dar à Sr.ª Ministra da Educação o conjunto de exemplos que demonstram aquilo que acabei de dizer, para além de considerar que os termos linguísticos em que se me dirigiu são incompreensíveis e insustentáveis numa Assembleia da República. Portanto, quero responder exactamente a isso.

O Sr. Presidente: — Sr. ª Deputada, dou-lhe, de acordo com o que é regimental, 2 minutos. Creio que chegarão para expor a sua consideração. E a Sr.ª Ministra tem, naturalmente, o direito de replicar.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria dizer à Sr.ª Ministra que, depois de ser Ministra há mais de um ano, era natural que já tivesse conseguido perceber a diferença entre ataques pessoais e discordâncias de natureza política. Mas não, a Sr.ª Ministra não percebeu ainda porque, sempre que não estamos de acordo consigo, sempre que chamamos a atenção para questões, ou de fundo ou de superfície, relativamente à política educativa, a Sr.ª Ministra confunde isso com ataques pessoais. Naturalmente, talvez ao fim dos quatro anos já perceba – se estiver lá os quatro anos! – que não se pode confundir questões de natureza política com questões de natureza pessoal.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Esta é uma intervenção elegante!

A Oradora: — Pretendia dizer à Sr.ª Ministra que jamais farei ataques pessoais: quando aqui está é Ministra da Educação, portanto, discordarei de si sempre que entender que o devo fazer e não estiver de acordo consigo.
Relativamente aos exemplos que a Sr.ª Ministra quer…

Protestos do Deputado do PS Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe o favor de não interromper, porque esta figura regimental, como sabe, tem um âmbito específico e a Sr.ª Ministra tem o direito de responder.
Faça o favor de continuar, Sr.ª Deputada.

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A Oradora: — Considero que os termos em que a Sr.ª Ministra se me dirigiu foram, isso sim, um ataque perfeitamente pessoal: «falta e ausência de sustentação», «processos vis», etc., etc. Também está gravado! É uma atitude vil! Então, vou só dizer à Sr.ª Ministra — não lhe respondo nos mesmos termos porque considero que é demasiado vil fazê-lo — que vil é solicitar a identificação de professores que se manifestaram publicamente, na televisão, contra o encerramento das escolas; vil é a tentativa de interferir na escolha dos interlocutores, em nome dos docentes, para falarem com o Sr. Secretário do Estado; vil é solicitar a identificação, em diferentes direcções regionais, dos docentes que fizeram greve (isto foi denunciado por nós ao Sr. Primeiro-Ministro, em Plenário, e não foi desmentido nem pelo seu Ministério nem pelo Sr. Primeiro-Ministro); vil é dizer que se conseguiu, num destes últimos dias à noite, finalmente o consenso, como se adivinhava, entre a plataforma dos sindicatos e o Governo no que ao estatuto da carreira docente diz respeito, quando se sabe que isto não corresponde à verdade; vil é ameaçar os docentes que ou terminam a sua luta e não se manifestam ou o estatuto da carreira docente volta à proposta inicial. Isto, sim, é, de facto, uma atitude vil e inqualificável em termos de democracia.

O Sr. Presidente: — Agora, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação, para replicar.

A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr. Presidente, a única observação que quero fazer é que registo que acusar o Ministério de perseguir professores e conselhos executivos é discordar e não fazer um ataque pessoal. Registo!

O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para terminar, gostava de sublinhar que a Comissão de Orçamento e Finanças, em conjunto com a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, decidiu que este debate deveria ter a duração de quatro horas, isto é, o formato de maior duração. E parece-nos que fizemos isso de uma forma acertada, porque o Ministério da Educação tem, como é sabido, do ponto de vista dos recursos humanos e de outros, os mais vultosos meios deste Orçamento e é natural que, como aconteceu neste debate, tenha havido uma frequência muito significativa de questões que, num plano abstracto, deveriam caber mais num debate na especialidade e não neste, na generalidade. Mas justamente a especificidade e a complexidade das funções e das responsabilidades deste Ministério justificam que as questões mais específicas tenham tido um peso invulgar neste debate.
Permitam-me uma palavra de agradecimento a todos, naturalmente, também à Sr.ª Ministra e ao Sr. Secretário de Estado, pelo debate que aqui tivemos e que os portugueses seguiram nas suas casas.
Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 40 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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