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Sexta-feira, 26 de Outubro de 2007 II Série-OE — Número 1
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Reunião de 25 de Outubro de 2007
SUMÁRIO O Sr. Presidente (Jorge Neto) declarou aberta a reunião às 10 horas e 15 minutos.
No âmbito da preparação do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 162/X — Orçamento do Estado para 2008, o Ministro de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos) apresentou o Orçamento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Patinha Antão (PSD), Afonso Candal e Victor Baptista (PS), Honório Novo (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Leonor Coutinho (PS), Eugénio Rosa (PCP), Alda Macedo (BE), Hugo Velosa (PSD), António Gameiro (PS), João Semedo (BE) e Maximiano Martins (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, Srs. Secretários de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, começo por saudar os Srs. Membros do Governo, pois é a primeira vez que tenho a subida honra e o prazer de os receber aqui, na Assembleia, dado ter iniciado recentemente as funções de Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, e faço-o com particular orgulho, por se tratar de uma ocasião solene, já que é o momento em que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças faz a apresentação inicial do Orçamento do Estado para 2008.
Trata-se do cumprimento de uma obrigação legal, no âmbito da Lei de Enquadramento Orçamental, e todos estamos, de facto, curiosos para conhecer, em detalhe, a interpretação da equipa do Ministério das Finanças relativamente àquelas que são as linhas de força da política orçamental e financeira para 2008.
Atrever-me-ia, en passant, a suscitar duas ou três questões que penso estarem hoje no centro do debate político, relativamente ao Orçamento do Estado para 2008, desde logo uma que alguns classificarão de prosaica mas que não será tanto quanto isso, pode ser até uma questão substantiva, que é a questão da linguagem, muitas vezes, utilizada no próprio Orçamento e que alguns analistas dizem que aponta para um abrandamento do rigor e da exigência que foi apanágio e, digamos, a pedra de toque de orçamentos anteriores. O Sr. Ministro de Estado e das Finanças tem dito reiteradamente que não há aqui um «desapertar de cinto», que não há aqui um abrandamento, mas será, de facto, interessante aprofundar essa matéria.
Penso que a questão do quadro macroeconómico é uma outra que merece a reflexão e a ponderação de todos nós, e o Sr. Ministro de Estado e das Finanças não deixará também de sopesar e ponderar todo o argumentário relativamente a esta questão. Sabemos o que se tem passado nos mercados internacionais, ainda há dias o Secretário de Estado do Tesouro americano, Hank Paulson, relativamente a esta crise dos mercados financeiros, apontava para um significativo risco na economia americana, sabemos também o que se tem passado relativamente à Europa, à zona euro, pelo que todas estas questões colocam algumas dúvidas no horizonte e algumas interrogações quanto à prudência e ao realismo dos cenários ínsitos no Orçamento do Estado. Naturalmente, por isso, esta Comissão, os Srs. Deputados, os portugueses em geral, gostariam também de conhecer, em detalhe, a posição do Sr. Ministro sobre estas matérias.
Por último, last but not least, como diria Shakespeare, a questão central das reformas estruturais. Este Orçamento aponta, inequivocamente, para a continuação de um esforço de consolidação orçamental, mas sabemos que essa consolidação orçamental tem sido feita, nos últimos anos, mais do lado da receita do que, propriamente, do lado da despesa, isto é, continuam a existir problemas sérios no tocante à redução da despesa pública e, portanto, importa saber também, neste domínio, nesta sede, se há, já aqui, neste Orçamento do Estado, algumas pistas que permitam alterar o paradigma da consolidação orçamental, por forma a que ela se faça mais do lado da despesa e menos do lado da receita, permitindo, naturalmente, libertar recursos do sector público para o sector privado e fomentando ou criando, assim, um clima propício às empresas portuguesas, às exportações e a um crescimento económico sustentado e sólido.
Estas são algumas questões que me atrevo, en passant, a suscitar, haverá muitas outras, naturalmente, e os Srs. Deputados aqui presentes terão uma miríade de questões pertinentes e sagazes a colocar ao Sr.
Ministro.
É, portanto, com este desiderato do esclarecimento profundo, empenhado e percuciente que damos, hoje, início à discussão do Orçamento do Estado para 2008.
Como já tive oportunidade de dizer ao Sr. Ministro, o iter procedimental que está acordado nesta Comissão, relativamente ao desenlace desta audição, é o seguinte: o Sr. Ministro de Estado e das Finanças fará uma primeira intervenção, onde procederá a uma apresentação perfunctória das linhas de força do Orçamento do Estado para 2008; seguir-se-á uma primeira ronda de perguntas, em que cada um dos coordenadores dos grupos parlamentares colocará, directamente, ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças, um conjunto de questões, por um tempo-limite de 15 minutos, que espero que seja escrupulosamente respeitado; o Sr. Ministro de Estado e das Finanças responderá, pessoalmente, a cada uma dessas interpelações; a seguir a esta primeira ronda passaremos a uma segunda e, eventualmente, a uma terceira, onde haverá o agrupamento de três questões, colocadas por três Deputados de diferentes partidos, a que V. Ex.ª, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, responderá em bloco.
Assim sendo, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, tem a palavra, para esclarecer os Srs. Deputados sobre o Orçamento do Estado para 2008.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Teixeira dos Santos): — Sr. Presidente, permita-me que lhe agradeça, antes de mais, as palavras de boas-vindas e também, se me é permitido, que lhe deseje os maiores sucessos nas funções que, agora, inicia.
Gostaria de começar por afirmar, aos Srs. Deputados, que, mais uma vez, estou perante esta Comissão de Orçamento e Finanças para debater matérias de índole orçamental e, em particular, a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2008. Faço-o não porque seja um imperativo legal mas porque entendo que o diá-
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logo e o debate democráticos devem estar sempre presentes nestas matérias, pelo que, independentemente daqueles que fossem os condicionalismos legais, não deixaria de o fazer e de ter a oportunidade de debater, com VV. Ex.as
, estas matérias.
A estratégia orçamental para 2008, traduzida na proposta que aqui discutimos, reafirma o caminho que o Governo tem seguido, com sucesso e com resultados positivos já bem visíveis, e que se traduz, afinal, no seguinte: em primeiro lugar, na prossecução de uma política de rigor orçamental, tendo em vista o aprofundamento da consolidação das nossas contas públicas e a redução do peso da despesa pública na economia; em segundo lugar, é uma proposta que visa apoiar a recuperação e a reestruturação, em curso, da actividade económica e a criação de emprego na nossa economia; em terceiro lugar, é um Orçamento que visa também reforçar a capacidade de participação dos cidadãos e das famílias num esforço, que deve ser colectivo, de criação de riqueza, de modernização da sociedade portuguesa, no sentido de permitir que cidadãos e famílias possam usufruir de uma efectiva justiça e de solidariedade social no desenvolvimento desse seu esforço e desse seu contributo para o bem comum.
São eixos de referência incontornáveis na interpretação da política presente nesta proposta de lei e são objectivos que não se quedam, apenas, por boas intenções programáticas mas que se alicerçam não só na inquestionável matriz reformista e progressista deste Governo como, sobretudo, nos resultados já alcançados, que me parecem também inquestionáveis, em áreas tais como a Administração Pública, a saúde, a educação, a justiça, a adopção de uma nova geração de políticas sociais e as finanças. E, como Ministro de Estado e das Finanças, permitam-me que realce a consolidação das finanças públicas e o incremento que tem vindo a ser efectuado na transparência dos processos orçamentais e da sua execução.
Vejamos, pois, Sr.as e Srs. Deputados, um pouco mais em pormenor, estas matérias.
O esforço de consolidação orçamental que tem vindo a ser prosseguido, desde 2005, e tem apresentado resultados positivos nos dois últimos anos. O défice das contas públicas reduziu-se, aliás, para além das já de si ambiciosas metas definidas para 2006 e 2007.
Com efeito, depois de uma redução do défice, em 2006, para 3,9% do PIB, estimamos, agora, que este ano se atinja um défice de 3% do PIB. Se associarmos a isto, por exemplo, a primeira redução do rácio da dívida pública do PIB, nos últimos sete anos, com uma descida de 64,8%, no ano passado, para 64,4%, este ano, então, é com satisfação que constatamos que está perfeitamente ao nosso alcance excluir Portugal do âmbito do procedimento dos défices excessivos um ano antes da data prevista.
Tudo isto, tendo por base uma consolidação que qualificaria de virtuosa. E virtuosa, porque assenta, decisiva e maioritariamente, na contenção da despesa e no seu peso, em percentagem do PIB, em linha com os melhores parâmetros e princípios orientadores das finanças públicas. É, com efeito e por isso, uma consolidação inédita mas que, simultaneamente, tem vindo a ser acompanhada de um crescimento gradual e seguro da economia portuguesa.
De uma situação próxima da recessão económica, que herdámos no início de 2005, passámos para um crescimento de 0,5% nesse ano de 2005, tivemos um crescimento de 1,3% em 2006 e espera-se que, em 2007, tenhamos um crescimento, de acordo com o previsto, de 1,8%.
Apesar de quase me dar a impressão de que muitos se alegrariam se Portugal crescesse bastante menos do que o previsto para o próximo ano, estou seguro de que, com a prudência que tem caracterizado os cenários macroeconómicos subjacentes aos orçamentos que este Governo tem vindo a submeter a esta Assembleia e se os compararmos com as previsões de outras instituições, têm vindo, no essencial, a ser confirmadas as previsões do Governo pela realidade que se tem constatado. E vamos, com certeza, continuar numa trajectória de maior crescimento na nossa economia.
Já este ano, Portugal cresceu, em cadeia, no 2.º trimestre – recordo –, acima da média de crescimento da zona euro. Esta recuperação do crescimento teve já, aliás, reflexos na criação de emprego, já que, em termos líquidos, foram criados mais de 60 000 empregos, entre o 1.º trimestre de 2005 e o final do 2.º trimestre de 2007.
O referido rigor orçamental não tem impedido, entretanto, que apostemos na competitividade da economia, colocando-a num patamar de excelência, pela utilização dos meios oferecidos pela inovação tecnológica e científica, pela qualificação dos portugueses e pela simplificação administrativa, judicial e fiscal, em particular, como meios de redução efectiva de custos de contexto e de bloqueios à iniciativa empresarial e ao investimento.
Neste sentido, continuaremos a aprofundar o investimento na ciência e na tecnologia, no apoio à qualificação dos portugueses e à modernização do parque escolar do nosso país. É isto que, afinal, anima e justifica o aumento do investimento do Subsector Estado, em 2008, na ordem dos 25%.
As opções do Governo têm, também, permitido a correcção da injustiça social derivada de os mais desprotegidos continuarem, legislatura após legislatura, a ficar cada vez mais vulneráveis à pobreza e à exclusão, desprotegidos esses que vêem, agora, finalmente, o Estado social a ser, nas suas vidas, uma realidade e não já uma mera utopia.
Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei de Orçamento do Estado para 2008 é uma proposta que assume opções de política, no que esta de mais nobre nos permite fazer.
O Orçamento do Estado para 2008 busca, num quadro de rigor que já reafirmei, a adopção de iniciativas de grande alcance para o desenvolvimento do sector das pequenas e médias empresas e da sua actividade. A
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redução da taxa de IRC nos concelhos do interior ou o tratamento fiscal da remuneração convencional do capital social são exemplos destas iniciativas.
Atente-se também, igualmente, nas medidas adoptadas no domínio da requalificação urbana ou no aprofundamento dos programas em curso na área da simplificação administrativa e na criação de um clima mais favorável à actividade empresarial, a que se juntam, agora, medidas coerentes e articuladas no sentido de se reduzirem os prazos de pagamento por parte das entidades públicas a fornecedores, desde logo e em primeira linha, a variadas pequenas e médias empresas um pouco por todo o País.
Trata-se de uma proposta de Orçamento do Estado que visa também apoiar os cidadãos e as famílias a enfrentar os desafios que uma sociedade mais competitiva e exposta à globalização lhes coloca.
As mudanças estruturais da economia portuguesa requerem cidadãos com maiores níveis de escolaridade e com novas e melhores qualificações e impõem, entretanto, ao nosso tecido empresarial, uma estratégia de exigência e de inovação, provavelmente sem paralelo na nossa história recente.
É neste contexto que este Orçamento será uma ajuda imprescindível. Por isso é um Orçamento que não vira as costas a projectos emblemáticos e estratégicos, como sejam a iniciativa Novas Oportunidades, o Plano Tecnológico Nacional, o Programa Ligar Portugal, o reforço dos programas educativos e formativos profissionalizantes ou ainda a requalificação das condições de funcionamento das nossas escolas.
Permitam-me, antes de concluir, que retome um ponto que é muito caro a este Governo e que, há pouco, apenas sinalizei: refiro-me à prossecução de políticas sociais activas, no sentido de conferir um grau de protecção mais elevado às camadas sociais mais desfavorecidas e fragilizadas face ao flagelo da pobreza e da exclusão.
Menciono, a título de exemplo, o alargamento, já a partir de 2008, do complemento social para idosos para cidadãos de baixos recursos a partir dos 65 anos de idade; o Programa de Conforto Habitacional para Pessoas Idosas, que será gradualmente alargado às regiões mais expostas ao envelhecimento da população; a criação, no âmbito do novo regime jurídico das pensões de velhice e de invalidez, da situação de invalidez absoluta, que permitirá a milhares de beneficiários da pensão de invalidez a melhoria das suas pensões; e a implementação e a consolidação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, em que se criarão novas camas em unidades de média duração e reabilitação e de longa duração e manutenção.
Refiro-me, ainda, à adopção de políticas activas e inovadoras que procurem dar um contributo do lado do Estado, para que enfrentemos, enquanto sociedade, os desafios que nos são colocados pela curva demográfica e o inerente progressivo envelhecimento da população.
O Governo tem vindo a abraçar esta causa, não só na criação das condições que permitam a concretização de um plano para a integração dos imigrantes, mas também, e desde logo, através de medidas de apoio à natalidade, como sejam a atribuição de abono de família a partir da 12.ª semana de gestação, o aumento das prestações do abono de família ao segundo e demais filhos e a duplicação da dedução à colecta de IRS para os dependentes até aos três anos de idade.
Com a presente proposta de Orçamento, o Governo sinaliza, igualmente, neste contexto, a necessidade de os agentes económicos contribuírem, de forma, eventualmente, mais visível, para este esforço, que terá de ser cada vez mais de todos. E, em sede de incentivos às empresas, na tributação através do IRC, favorece-se o apoio à construção e manutenção de creches, jardins de infância e lactários.
Termino, pois, afirmando que o Governo está certo de que o mote que animou a elaboração desta proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2008 – consolidar agora para um futuro melhor – mantém plena actualidade e pertinência. Transmite, sem dúvida, a determinação que nos move em não baixarmos os braços até trazermos as nossas finanças públicas ao patamar expresso no objectivo de médio prazo para o saldo orçamental e para o limite do rácio da dívida pública no PIB, mas, sobretudo, inculca, mais uma vez, que este Governo busca o rigor como penhor da credibilidade perdida durante os governos anteriores, mas sempre ao serviço de criar as condições para um ambiente económico mais favorável ao investimento privado e, através dele, ao crescimento da economia portuguesa e à criação cada vez mais robusta de emprego.
Portugal tornar-se á, assim, cada vez mais, um País solidário, com recursos qualificados e mais competitivo, com ambição para aproveitar as oportunidades que o crescimento da economia global lhe proporciona.
Afinal, um país em que o Estado faz o seu papel, criando as condições para que as empresas, as famílias e os cidadãos dêem o seu decisivo contributo para que as gerações vindouras tenham claramente um futuro melhor.
Sr. Presidente, terei de responder, conforme anunciou, às perguntas das bancadas, mas não gostaria de deixar de responder às próprias perguntas que o Sr. Presidente lançou e, se me permite, responderei de imediato.
Quanto à questão do rigor, gostaria de chamar a atenção para o facto de, nas linhas orientadoras deste Orçamento, conforme referi, a palavra rigor se manter à cabeça. E é, com certeza, com o espírito de rigor que ambicionamos baixar o défice orçamental de 3% em 2007 para 2,4% em 2008. É, de facto, rigor atingirmos, em 2008, um défice que não se regista na nossa economia desde 1975 – aliás, é um défice que, de acordo com as estatísticas – e temos aqui diferentes fontes e só uma refere isso –, poderá ter sido atingido no ano de 1989.
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Com efeito, não é falta de rigor ambicionarmos uma descida de um défice desta natureza, atingindo um patamar como este; não é falta de rigor atingir um défice de 2,4% com a continuidade da política de redução do peso da despesa no PIB, que é uma redução bem mais significativa do que aquela que os próprios números poderão dar a entender.
Permita-se-me aqui um pormenor que acho que convém ter em conta: temos inscritas na despesa deste Orçamento verbas adicionais que resultam da aplicação do QREN em 2008. O conjunto de verbas adicionais que têm de ser inscritas no Orçamento, que correspondem a despesa com receita comunitária, e, como tal, têm de ser assim inscritas no Orçamento, corresponde a cerca de 0,5% do PIB.
Portanto, se compararmos o nível de despesa do Orçamento do Estado de 2008 com um Orçamento comparável em 2007, teremos, em boa verdade, uma redução do peso da despesa de 0,8 pontos do PIB e não de 0,3 pontos do PIB, como os números indicam, na medida em que temos de entrar em linha de conta com esta inovação, que é a inscrição de receita QREN com a correspondente despesa do QREN, que terá de ser aí inscrita, porque as verbas comunitárias não poderão ser obtidas pelo País se, obviamente, não derem origem à despesa que a justifica.
Quanto ao quadro macroeconómico, eu gostaria também de referir que o cenário macroeconómico que avançámos neste Orçamento é um cenário de prudência. Fizemos uma revisão em baixa da previsão de crescimento de 2,4% do PIB para 2,2% do PIB, não ignorando, obviamente, o clima acrescido de incerteza que vivemos nos mercados internacionais.
Mas tive oportunidade de constatar, nos últimos dias, por ocasião do encontro anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que, embora, conforme referiu, sejam reconhecidos pelas autoridades americanas riscos sobre a actividade económica, elas estão, em meu entender, com a firme disposição de adoptar todas as medidas que sejam necessárias para minimizar o mais possível o impacto desta situação de turbulência nos mercados financeiros na sua economia real e de impedir situações de contágio do ajustamento que ocorrerá no seu sector imobiliário para o resto da economia.
Neste momento o que se espera é que, em primeira linha – até porque é ela que está na origem da turbulência que vivemos –, seja a economia americana a poder sofrer algum impacto desta situação, impacto esse que se entende vir a ser um abrandamento do seu crescimento económico e não tanto um cenário tão catastrófico, como alguns analistas até chegaram a avançar há algumas semanas, de uma eventual recessão na economia americana.
O cenário da recessão é um cenário muito pouco provável, dada também esta determinação das autoridades, que é corroborada pela forma pronta e ousada como intervieram no início desta situação originada pela crise do subprime. Creio, por isso, que o impacto na economia americana não será tão gravoso quanto alguns analistas, conforme mencionei, apontavam há algum tempo.
Os impactos que poderão existir sobre outras regiões do globo são impactos que serão atenuados em virtude – e este também é um aspecto que foi reconhecido no âmbito do G-7 e mesmo do Comité do Fundo Monetário Internacional na sua reunião da semana passada – da reconhecida robustez das economias, não só das economias desenvolvidas mas também das próprias economias emergentes, que continuarão a ter um crescimento muito significativo.
Eu gostava de chamar a atenção para o facto de a previsão de crescimento que o Fundo Monetário Internacional adiantou há uns dias prever uma atenuação do crescimento para a Europa de cerca de 0,4 pontos percentuais, mas para Portugal prevê uma atenuação desse crescimento de 0,2 pontos percentuais.
Quer isto dizer que, por exemplo, no entender do Fundo Monetário Internacional, o impacto sobre Portugal será bem menor do que impacto sobre a Europa. E, curiosamente, o impacto que o Fundo Monetário Internacional prevê sobre a economia portuguesa são 0,2 pontos percentuais, que é o impacto que incorporamos na nossa revisão de crescimento para 2008. Daí a solidez, no nosso entender, do cenário apresentado, que é um cenário prudente e uma base sólida para a elaboração deste Orçamento.
Quanto à terceira questão que suscitou, sobre as reformas estruturais, gostaria de tornar bem claro e de comentar esse mito de que este é um ajustamento à custa da receita.
Diz o ditado que uma mentira muitas vezes repetida arrisca a tornar-se uma verdade, mas gostaria, pura e simplesmente, de dar alguns números que ilustram a natureza da consolidação orçamental conseguida entre 2005 e 2007: reduzimos o défice em 3,1 pontos percentuais, o que foi acompanhado de uma redução do peso da despesa de 2,4 pontos percentuais do PIB. Quer isto dizer que tivemos uma redução do défice que equivale, em números redondos, a 5000 milhões de euros e a redução do peso da despesa representa uma poupança da despesa de 3900 milhões de euros, numa correcção de 5000 milhões de euros. Isto é, quase 80% da redução do défice deve-se a um genuíno esforço de poupança e de contenção da despesa expresso nos números – aliás, se em vez de falarmos na despesa total olhássemos para a despesa primária verificaríamos que esta baixou em 2,7 pontos percentuais do PIB, o que corresponde a mais de 4400 milhões de euros de poupança na despesa.
Portanto, creio que o impacto que as reformas estruturais têm vindo a ter em termos de contenção e de poupança da despesa está bem evidenciado por estes números.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Vamos agora iniciar a primeira ronda de perguntas.
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Em primeiro lugar, tem a palavra o coordenador do Grupo Parlamentar do PSD, Sr. Deputado Patinha Antão, para colocar as perguntas que entender pertinentes.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros da Comunicação Social, Senhoras e Senhores que estão a ouvir e a seguir este debate pelo Canal Parlamento e por outros meios, pela internet, os nossos cumprimentos.
Ouvimos atentamente a exposição inicial do Sr. Ministro de Estado e das Finanças e os pontos que resolveu definir como essenciais para explicar as questões fundamentais do Orçamento e as opções de política orçamental e económica deste Governo.
Sr. Ministro, queríamos dizer-lhe, em primeiro lugar, que essa agenda é exactamente a nossa agenda. E vamos aproveitar este debate para debater justamente todos os pontos que fazem parte desse seu enunciado inicial, por uma razão simples: o PSD, em função da responsabilidade que os eleitores que lhe deram, é o único partido nesta Câmara responsável por uma alternativa de Governo. E é nesse sentido, Sr. Ministro, não só como partido da oposição mas como partido responsável por uma alternativa de Governo, que iremos conduzir este nosso debate.
Esta afirmação tem duas consequências práticas. A primeira, Sr. Ministro, é que ponderamos a responsabilidade que os governos têm na sua continuidade e, portanto, da nossa parte, não ouvirá relativamente aos aspectos positivos da sua gestão críticas desenquadradas; pelo contrário, ouvirá, efectivamente, menção dos aspectos positivos, porque o que os portugueses pretendem é que os governos tenham continuidade nas suas políticas ao serviço dessas suas aspirações. E vou dar-lhe exemplos em função daquilo que nos trouxe na sua primeira intervenção.
Quando referiu que é positivo que o défice orçamental tenha atingido 3% e, portanto, o limite dos défices excessivos, queremos dizer-lhe, Sr. Ministro, que isso é positivo, mas iremos debater circunstanciadamente, não neste primeira ronda mas na segunda, esse resultado e mais do que isso – o que promete a consolidação orçamental que o Sr. Ministro lidera até ao final da Legislatura.
A propósito dos adjectivos positivos, e para dar apenas um exemplo, no que se refere àquilo que é inovatório neste Orçamento do Estado relativamente aos apoios às pequenas e médias empresas ao nível dos benefícios fiscais, queremos dizer-lhe que achamos positivo que tenha sido reintroduzido em Portugal um incentivo que já houve, o qual permite às pequenas e médias empresas fazer a sua capitalização com o apoio de um benefícios fiscal.
Entendemos que isso é positivo, mas entendemos também – e, Sr. Ministro, iremos debater exactamente esse ponto – que os apoios e a visão que este Governo tem de políticas económicas para apoiar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas nos seus esforços de crescimento com produtividade e com presença forte nos mercados externos são insuficientes.
Sr. Ministro, na sua intervenção inicial há vários aspectos que não podemos deixar passar em claro, porque alguns têm o carácter de alusões que podem ser mal interpretadas. Quando o Sr. Ministro refere que alguns poderiam alegrar-se pela circunstância de, afinal, o Produto não estar a crescer tão baixo como esperavam, dir-lhe-ei que nós nunca nos alegraremos com um crescimento da economia inferior à sua projecção; pelo contrário, Sr. Ministro, o que lhe exigimos, em nome dos interesses dos portugueses, é uma política económica, que o senhor não tem, para que esse crescimento seja vigoroso e em linha com aquilo que está ao alcance do nosso potencial, e que neste Orçamento, tal como na sua política económica, não vemos.
Ainda quanto às suas alusões gostávamos de dizer-lhe, Sr. Ministro, que não é o momento nem o tempo para estarmos a falar na credibilidade dos governos anteriores – temos o debate no Plenário para isso –, mas julgo que pela forma como o disse, e também porque é economista, saberá, e concordará comigo, que na sua alusão à falta de credibilidade dos governos anteriores englobou, com certeza, os seis anos de governo socialista liderados pelo Eng.º Guterres.
É muito desagradável, Sr. Ministro, que esta matéria seja focada – e desenvolvê-la-emos em tempo certo –
, mas, como sabe muito bem, nos relatórios internacionais, e não é preciso ir mais longe do que aos relatórios da União Europeia, justamente as políticas orçamentais dos governos do Eng.º Guterres são apresentadas como o caso mau da consolidação orçamental na União Europeia, ou seja o caso que todos os países devem evitar reproduzir.
Dito isto, Sr. Ministro, vamos às questões que, para nós, constituem este debate que começamos agora.
Sr. Ministro, nesta primeira ronda o que pretendemos é debater as questões que interessam aos portugueses, a 90% da população portuguesa, que vive as consequências das políticas económicas e orçamentais e que quer ter uma palavra concreta da parte dos seus representantes aqui nesta Câmara, com a sua própria linguagem e em função das suas preocupações.
Reservaremos para uma segunda ronda, Sr. Ministro, o discurso rigoroso dos economistas e o discurso técnico, pois esse discurso interessa a 10% da população, é muito importante, mas, em primeiro lugar, repito, vamos falar para 90% da população portuguesa.
Sr. Ministro, os portugueses, em matéria de orçamentos e de política económica, sabem, fundamentalmente, três coisas: foram pedidos sacrifícios, e vamos enumerá-los; foram prometidos resultados; e, não só pelo
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que dizem os media como pelo que o senhor diz, sabem, objectivamente, que os seus resultados, em grande parte e numa medida muito considerável, não foram alcançados. Isto é o que os portugueses sabem.
Vamos ao detalhe. Quanto aos sacrifícios, este Governo tomou uma decisão de elevar a carga fiscal em 2005, aumentando de uma assentada nove impostos. Os governos anteriores do PSD, Sr. Ministro, nunca fariam este aumento da carga fiscal em face das condições… Olhe-me nos olhos, Sr. Ministro, porque na segunda ronda e no Plenário teremos oportunidade de debater este ponto! Vamos admitir-lhe o benefício da dúvida, que o senhor pediu, vamos admitir que eram necessários. Nós não estamos de acordo, mas o Sr. Ministro sabe qual é o valor desse sacrifício que pediu, o aumento da carga fiscal pode calcular-se rapidamente. Sr. Ministro, fiz umas contas rápidas e, descontando já os ganhos da eficiência fiscal na continuação do trabalho dos governos anteriores – e aí o Sr. Ministro não negará que os resultados muito bons que temos, mas não ainda suficientes, da luta contra o combate e a evasão fiscais, se devem, em grande parte também, ao trabalho feito nos governos anteriores e que este Governo continuou, e bem –, este acréscimo da carga fiscal representa, nestes anos (e desafio-o a fazer as contas), qualquer coisa como o custo da ponte Vasco da Gama. Este é o valor do sacrifício que o senhor pediu; vamos ver, depois, se era necessário ou não, mas este é o montante quantificado.
Mas o senhor não pediu apenas esse, pediu também, e aludiu a isso na sua intervenção, um outro sacrifício, que é o sacrifício social número um para as famílias portuguesas: a taxa de desemprego muito acima não só dos anúncios do Primeiro-Ministro como das próprias expectativas qualitativas que o Sr. Ministro tem evocado ao longo do tempo.
Sr. Ministro, a taxa de desemprego tolerável em qualquer economia sadia é de 4 a 4,5%. O Sr. Ministro promete aos portugueses 7,6%, 8,3%, 7,7%... Em resumo, Sr. Ministro, até ao final da Legislatura – projecção sua –, e em função dos dados objectivos, os portugueses o que sabem é que vão ter de suportar o sacrifício de ter uma taxa de desemprego que é o dobro daquela que deveria existir.
Estamos a falar de, em média por ano, mais 200 000 a 230 000 pessoas no desemprego. Dir-me-á que não é possível acabar com o desemprego excessivo. Vamos debater esse ponto, mas não negará que para os portugueses este é um sacrifício e é desejável que faça com o seu Governo tudo, mas tudo, o que estiver ao seu alcance para reduzir, o mais rapidamente possível, esta taxa de desemprego. E, quanto a nós, há políticas que o senhor não tem e que deveria ter para reduzir esta taxa de desemprego.
Falemos no outro sacrifício, que tem que ver com o Estado social. O Sr. Ministro aludiu, e vamos discutir ponto por ponto, os ganhos em qualidade da educação, da saúde, da acção social, nas políticas sociais. Há alguns aspectos positivos, mas o Sr. Ministro não recusará debater connosco aquilo que consideramos uma política completamente inaceitável, que, aliás, não foi o senhor que começou mas, sim, o seu antecessor neste cargo – aliás, tem de se dizer que o senhor não foi o primeiro Ministro das Finanças do Governo do Eng.º Sócrates.
No que respeita à política que os senhores têm, e continuam, relativamente aos reformados queremos discuti-la com toda a exaustão, mas dizemos-lhes, desde já, que esta política é inadmissível do ponto de vista social.
Portanto, estes são os sacrifícios. Quais os resultados que o senhor conseguiu? Bom, a redução da despesa. O Sr. Ministro teve o cuidado – e perdoe-me que o diga –, nas elucidações que fez às questões suscitadas explicativamente pelo Sr. Presidente da Comissão, a quem saúdo, de quase terminar o debate, porque parece que esgotou os seus argumentos. Mas agora é que vamos ter de discutir estas matérias, Sr. Ministro! O senhor disse que tinha conseguido uma redução de despesa e citou até números. Sr. Ministro, com toda a franqueza, se se olhar para o Programa de Estabilidade e Crescimento e para os resultados que o senhor tem na execução orçamental verifica-se que derrapou em 2007 e em 2008 nas despesas públicas correntes primárias, e podemos debater esses números.
Mas o senhor mesmo, como é cauteloso e prudente, e bem, disse, porque é evidente, que a sua reforma da Administração Pública não vai conseguir os seus objectivos. Poderemos dizer até, de uma forma mais objectiva e clara, que o senhor se arrisca a ter um enorme insucesso, não só orçamental como em tudo o que envolve a reforma da Administração Pública: é o número de funcionários dos quais nunca se sabe qual o número certo, mas o senhor disse que tem o objectivo de reduzir 75 000 funcionários, não se sabe se vai conseguir isso ou não, e, sobretudo, não se sabe que condições de vida é que dará a essas pessoas – e este é um elemento que está fora desta cogitação.
Sr. Ministro, vamos, pois, percorrer a sua execução na aquisição de bens e serviços e noutros itens e, como o Sr. Ministro tem uma derrapagem, nós vamos debater esse ponto.
Feitas estas considerações e para situar o debate, passo às questões concretas, porque é importante ouvilo para que se cumpra este dever de esclarecimento para com os portugueses nas questões que lhes interessam.
Sr. Ministro, em relação aos pontos que já lhe apresentei, gostaria de perguntar-lhe se, objectivamente, concorda ou não com eles, se está de acordo ou não com as contas que lhe apresentei relativamente aos sacrifícios, se os contabiliza assim ou não.
Isto é, se o senhor, ao pedir um sacrifício do aumento da carga fiscal, como eu identifiquei, com um custo que é da ordem dos 1,1% do PIB, em termos anuais, e que devidamente ponderado representa, como há pouco disse, qualquer coisa como o custo de uma ponte Vasco da Gama – e coloco-lhe a pergunta com todo
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o cuidado –, se fosse possível, o senhor evitava que os portugueses tivessem um sacrifício histórico de estarem com taxas de desemprego recorde que nós nunca conhecemos e que as famílias portuguesas nem sequer visualizam bem? É que é um choque brutal, porque as famílias não têm esse hábito, uma vez que o nosso regime sempre foi muito mais flexível – e não queira que lhe recorde o que está a acontecer em várias regiões do País onde há emigração para Espanha e em que há famílias… Portanto, pergunto: o senhor está satisfeito com as taxas de desemprego que tem? Se o senhor pudesse criava mais depressa emprego? O senhor está disposto a discutir uma agenda para criar mais emprego e para fazer crescer, de uma maneira sustentada, a economia? Sim ou não, Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Patinha Antão, peço-lhe que seja breve e que conclua o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Também lhe peço alguma indulgência, Sr. Presidente, porque, como V.
Ex.ª reparou, o Sr. Ministro utilizou – e eu acho muito bem – o tempo de que dispunha para a sua intervenção inicial para responder às questões que V. Ex.ª suscitou e que, do nosso ponto de vista, deveriam, talvez, ser objecto de um esclarecimento um pouco mais contido.
Bom, não estou a criticar o Sr. Ministro, mas estou a pedir a mesma indulgência em termos igualitários.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Ministro, uma vez que um exemplo vale mais que mil palavras, do ponto de vista da política de acção social, da política relativamente aos pensionistas – e estamos a falar em centenas de milhar de reformados –, o Sr. Ministro defende o seguinte argumento: é necessário ir à dedução específica em IRS, os pensionistas têm uma dedução mais generosa, e reduzi-la para ser igual à dos trabalhadores por conta de outrem.
É um princípio de equidade, diz o Sr. Ministro. Estamos de acordo, porque o princípio da equidade é correcto, mas o Sr. Ministro não pode ignorar por que é que os reformados tiveram uma dedução específica mais generosa. Então, vou dizer-lhe qual é a razão e o senhor vai ter de concordar comigo: o Sr. Ministro sabe muito bem que o valor das reformas que as pessoas hoje têm foram reduzidos por vários governos ao longo do tempo e as expectativas legítimas que os reformados tinham não foram cumpridas pelos sucessivos governos, por isso, Sr. Ministro, é que, por razões de igualdade, foi criada uma dedução específica maior para os reformados do que para os trabalhadores por conta de outrem, isto porque os trabalhadores por conta de outrem têm uma vida de trabalho à sua frente, têm produtividade, têm ganhos adicionais, podem ter uma reforma melhor, mas para os reformados, Sr. Ministro, não há essa igualdade. Portanto, é injusto que não contemple esta matéria.
Depois há, ainda, um terceiro ponto, Sr. Ministro, que não é um problema de insensibilidade social é de desumanização. O Sr. Ministro não pode ignorar que está a falar com gerações diferentes, o Sr. Ministro não pode ignorar que os reformados têm um consumo, infelizmente para eles, muito diferente do que têm os trabalhadores que estão no activo. Sabe porquê? Porque têm de pagar a farmácia, porque têm de pagar os exames médicos, em suma, porque têm de pagar os custos de saúde. E o Sr. Ministro sabe qual é a composição do cabaz de consumo dos reformados, dos idosos, em relação à média dos trabalhadores que estão no activo? A nossa visão é que equidade deve ser posta nestes termos e desafiamo-lo para um debate sereno em termos de equidade.
A nosso ver, Sr. Ministro, a sua política de correcção da inflação das reformas é completamente inaceitável, ela está aí e, depois, se quiser, entraremos nisso com mais detalhe, mas, desde já lhe digo que fazer a actualização, pela inflação, das reformas em escalões diferentes e, ainda por cima, de uma forma permanente, isso é um imposto escondido e como este o senhor tem outros.
Sr. Presidente, termino e ouviremos com muito interesse as explicações do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, gostaria de rapidamente responder às várias questões suscitadas pelo Sr. Deputado Patinha Antão e de realçar a partilha, que expressou, do conjunto de preocupações por parte do Governo. Pareceu-me ver aí algum apoio às orientações e às preocupações do Governo em vários aspectos presentes neste Orçamento.
Registo com agrado esse apoio, mas ao que sei penso que não terá incidência em termos de votação final, tal como já foi anunciado. De qualquer modo, fica registado.
Vejo que o Sr. Deputado considera positivo o resultado previsto da execução para este ano dos 3%, o que também registo com agrado, reconhecendo o bom resultado que atingiremos no final deste ano, bem como considera positiva a questão do apoio às pequenas e médias empresas.
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Mas, Sr. Deputado, sou franco ao dizer-lhe o seguinte: parece-me sempre curioso que o PSD que tendo tido oportunidade, que já teve, de fazer coisas positivas pela economia, não tenha feito aquilo que nós estávamos a fazer e agora venha dizer que é bom, mas não chega, é insuficiente.
De qualquer modo, repito, gostaria de registar o reconhecimento pelas iniciativas e pelos resultados que estão aqui presentes neste Orçamento que estamos a debater.
Sr. Deputado, quanto à questão do crescimento, não estou ainda satisfeito com o nível de crescimento do País, mas estou mais satisfeito agora do que estava há dois anos quando iniciei funções.
Com efeito, tendo iniciado funções com um crescimento muito próximo do zero, o facto de estarmos, em 2007, com um crescimento de 1,8% com perspectivas de um crescimento de 2,2% no próximo ano, é motivo de alguma satisfação, por um lado, mas também, de insatisfação, porque entendo que a economia portuguesa tem de continuar no conjunto de mudanças estruturais que estão em curso, reforçando a robustez da economia e, consequentemente, contribuindo para um crescimento mais forte e mais sustentado.
E, Sr. Deputado, chamo a atenção para o seguinte: o crescimento de 2,2%, em 2008, disse o Sr. Deputado que não é um crescimento vigoroso, mas é um crescimento significativo, é um crescimento em linha com o da média europeia – aliás, recordo, Sr. Deputado, é o crescimento mais elevado dos últimos sete anos, portanto, gostaria que esses comentários fossem relativizados nesta matéria.
Quando falei de credibilidade, na minha intervenção inicial, eu gostaria de chamar a atenção para o esforço considerável que este Governo tem desenvolvido na melhoria do sistema de informação no domínio orçamental, do rigor da informação prestada e na forma como a informação é apurada.
Recordo que, neste momento, o apuramento da execução orçamental é efectuado ao abrigo de um protocolo que confere esse trabalho a uma autoridade técnica independente, que é o Instituto Nacional de Estatística, o qual conta com o apoio do Banco de Portugal e, com certeza, da Direcção-Geral do Orçamento como entidade que é depositária da informação dos vários serviços da Administração Pública.
Tem vindo a ser notório o reconhecimento da melhoria da informação prestada, não só por estas entidades nacionais, INE e Banco de Portugal, mas também pelo próprio Eurostat, da qualidade e do rigor da informação prestada. E não é por acaso que o Eurostat na nota que distribuiu, há poucos dias, referente aos reportes no âmbito dos défices excessivos do mês de Setembro, Portugal venha, sem qualquer reserva, sem qualquer observação, à informação que prestou. Portugal aparece «limpinho» neste relato e neste comunicado de imprensa do Eurostat quanto à informação que prestou e isto é sintomático do esforço que tem vindo a ser feito nesta matéria. Ora, o ganhar credibilidade neste domínio é algo de muito importante para a reputação externa do País e para a confiança que os agentes económicos devem ter no trabalho que estamos a desenvolver.
Sr. Deputado, quanto à questão da elevação da carga fiscal é evidente que eu não nego – era o que faltava – as decisões que o Governo tomou em 2005 e, em 2005, o Governo tomou decisões no sentido de proceder a alterações de alguns impostos da qual a mais importante foi a alteração da taxa do IVA.
Fê-lo porque a situação orçamental do País era demasiado séria e grave para que não pudéssemos viver sem uma medida de emergência como esta que foi tomada para podermos rapidamente obter resultados no domínio da consolidação orçamental.
Recordo que o PSD também aumentou a taxa do IVA de 17% para 19%, portanto chamo a atenção do PSD para que não venha agora como arauto incontestado da defesa dos contribuintes contra a subida dos impostos, quando, de facto, também o PSD não tem uma «folha de serviços» inteiramente limpa neste domínio.
Isto porque, se o PSD invoca que teve razões ponderosas para aumentar o IVA de 17% para 19%, é tão legítimo o PS, também, invocar que teve razões ponderosas para o fazer em 2005.
Protestos do PSD.
De qualquer modo, gostaria de registar, recordando que o Sr. Deputado não é o primeiro porta-voz em matéria económica do seu grupo parlamentar que não vem defender uma baixa dos impostos (contrariamente ao seu antecessor), o tom com que abordou esta matéria fiscal. Noto aí também uma nuance que vem ao encontro dos riscos para que o Governo tem alertado quanto ao que tenho chamado de alguma irresponsabilidade em querer baixar os impostos de imediato sem termos a questão da consolidação orçamental devidamente assegurada.
Sr. Deputado, como já publicamente tive oportunidade de reconhecer, a questão do desemprego é, com certeza, o problema mais sério que temos na economia portuguesa e não é uma questão que se resolva com actos de vontade ou decretos do Governo – aliás, o Sr. Deputado sabe isso muito bem. Esta é uma questão que tem de ser resolvida pela economia, por todos quantos interferem na economia com o enquadramento económico das políticas promovidas pelo Governo, mas, acima de tudo, pela iniciativa e pela vitalidade do nosso sector empresarial, pela sua capacidade de investimento, pelo seu dinamismo e pelo aumento da produção.
Mas também não só por isso, Sr. Deputado. Não podemos ignorar que o desemprego que temos na nossa economia não é meramente conjuntural. A economia portuguesa está a registar um processo muito significati-
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vo de reestruturação do seu tecido produtivo – e este é um aspecto positivo e importante para o futuro da nossa economia.
Associada a esta reestruturação temos, de facto, características de desemprego estrutural que temos de enfrenta e que o Governo está a enfrentar. Chamo a atenção do Sr. Deputado que, se olhar atentamente para o orçamento, por exemplo, da segurança social, constata que há um aumento superior a 50% das verbas destinadas à formação profissional – são cerca de mais de 500 milhões de euros –, o que já, de alguma forma, reflecte a mudança anunciada na afectação das verbas comunitárias neste domínio, pois vamos aumentar em 10 pontos percentuais as verbas comunitárias afectas ao domínio da formação profissional.
É, de facto, com políticas de formação profissional e de requalificação que podemos habilitar os portugueses a, nestes momentos de mudança, encontrarem empregos, visto que, para os encontrarem, precisam de novas competências e de novas qualificações e é isso que está a fazer-se com a política de formação profissional.
Quanto às questões que refere de derrapagem orçamental, Sr. Deputado, gostaria de esclarecer o seguinte: primeiro, estamos a baixar o défice de forma mais rápida do que o esperado; segundo, reduzimos o peso da despesa no PIB de uma forma bastante acentuada. Recordo: em 2,4 pontos percentuais a despesa total e em 2,7 pontos percentuais a despesa primária, sem juros. Isto verificou-se em dois anos, Sr. Deputado! Digame quando é que isto aconteceu, neste país, nos últimos 25 ou 30 anos. Diga-me!
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Digo-lhe, digo-lhe na segunda ronda!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Gostaria também de chamar a atenção para o facto de que é esperado que este ano, em 2007, a despesa baixe cerca de 1 ponto percentual do PIB; as despesas de funcionamento do Estado baixem 0,7 pontos percentuais do PIB; as despesas com o pessoal nas administrações públicas tenham uma quebra de 2%; na administração central (ponho de fora outros subsectores), a redução das despesas com pessoal é de 2,5%, entre 2006 e 2007.
O Sr. Deputado não pode ignorar estes números e dar a entender que há aqui derrapagens no domínio da execução orçamental. Aliás, não se compreenderia como é que, com tais derrapagens, se pudesse atingir o valor de 3% do défice, como o que está anunciado.
Finalmente, no que se refere à questão dos reformados, o Sr. Deputado bem notou que o que está aqui em causa é, com certeza, uma questão de equidade. Não me parece, Sr. Deputado, que um indivíduo que ganhe, por exemplo, 10 000 € por ano, sendo trabalhador por conta de outrem, pague 512 € de imposto e um pensionista 188 €, isto é, menos 324 €, aproximadamente. Mas, se tivermos em conta outros níveis de rendimento, constatamos de igual forma este diferencial: por exemplo, um indivíduo com um rendimento de 15 000 €, se for trabalhador por conta de outrem, pagará 1650 € de imposto; o pensionista paga menos 615 €. Diz-me o Sr. Deputado que os pensionistas têm despesas de saúde, com a farmácia, e que o trabalhador por conta de outrem tem filhos, tem despesas de educação e de saúde — mas são dedutíveis em IRS.
Portanto, não me parece que este discurso das necessidades de um e de outro nos dê uma base sólida para justificar aquilo que me parece uma diferenciação injustificável no tratamento fiscal de titulares de idênticos rendimentos.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, mais do que enunciar coisas para segundas rondas de perguntas e para debate no Plenário, aproveitando o facto de já estarmos aqui todos, vamos directos ao assunto.
Há dois pontos que gostaria de destacar, logo no início desta discussão.
Primeiro ponto: a verdade do Orçamento do Estado. Não é usual (deveria ser normal, mas não é usual) a discussão do Orçamento fazer-se neste ambiente de tranquilidade e de confiança relativamente aos números das execuções que nos são apresentados e aos números constantes do Orçamento do Estado. Este é, desde já, um grande ganho deste Governo e um ganho, penso, do País e da discussão séria em torno de matérias igualmente sérias. A verdade está assumida, o rigor está assumido! Segunda questão: não começamos esta discussão do Orçamento do Estado nem de avaliação da execução dos orçamentos anteriores com orçamentos suplementares de permeio – e a não existência de orçamento suplementar, em dois anos seguidos, é quase, se não mesmo, inédita – nem com a discussão de receitas extraordinárias realizadas exclusivamente para compor os números do défice de forma artificial e por via de cosméticas contabilísticas ou de outros negócios e contratos que empenham o futuro do País.
Gostaria, igualmente, de considerar – e V. Ex.ª negará, se assim não for – que, para o Sr. Ministro das Finanças e para o cidadão Teixeira dos Santos, este é, porventura, o Orçamento que lhe dará mais gosto apresentar em relação aos anteriores. Não que nos anteriores não tenha feito aquilo que entendia que devia ser feito, não que neste não tenha feito aquilo que entende que deve ser feito, mas porque, claramente, este Orçamento tem vários sinais positivos, no sentido quer dos resultados obtidos fruto dos sacrifícios pedidos
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quer de alguma abertura da pressão a que o País tem estado sujeito, por questão das finanças públicas, junto de algumas classes de cidadãos mais desfavorecidas.
Portanto, certamente não me enganarei se considerar que V. Ex.ª tem aqui um gosto acrescido não só do exercício daquilo que é o seu dever e a sua competência enquanto Ministro das Finanças, mas também daquilo que é o homem político e o homem de convicções do que é justo.
Em relação à primeira questão, a questão da execução, o Sr. Ministro já disse e repetiu – mas penso que não é demais, porque muitas vezes passou a mensagem contrária e há sempre o risco de alguém, por ouvir a dita mentira repetida várias vezes, começar a acreditar nela – que os números são absolutamente claros, ou seja, a consolidação orçamental das finanças públicas nos anos 2005 a 2007 foi feita em quase 80% do lado da diminuição da despesa e apenas pouco mais de 20% pelo lado do aumento das receitas. E, portanto, aquilo que foi um compromisso do esforço de trabalhar a despesa pode entender-se, hoje, como cumprido em números que são inquestionáveis.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Afonso Candal (PS): — Diria mesmo que esse esforço é feito de uma forma também bastante relevante do ponto de vista político e da matriz deste Governo e desta maioria, porque, não obstante esse esforço, continua a haver um reforço da componente social da despesa do Estado. Ou seja, foi feito à custa de outras rubricas – de racionalização, de poupanças que foram geradas – e não, propriamente, da exigência de sacrifícios indevidos àqueles que menos têm.
Pergunto a V. Ex.ª se, entretanto, decorrido o período entre a apresentação deste Orçamento e o dia de hoje, do ponto de vista da execução orçamental para 2007, há alguns indicadores ou algumas informações relevantes que possam permitir, ainda até ao final do ano de 2007, não digo propriamente uma abertura em relação ao aumento da despesa, mas, porventura, descativações pontuais em relação a uma ou outra área que seja mais emergente, se isso é pensável ainda até ao final do ano de 2007, ou seja, como é que as coisas estão a correr e como é que correrão. Porque também é dito muitas vezes que, havendo três anos para baixar o défice aos 3%, não havia necessidade de o fazer em dois. Já agora, gostaria que V. Ex.ª nos transmitisse a sua leitura desta afirmação, sendo certo que considero que quem nos está a ouvir perceberá que, quem ano após ano vai vivendo com aquilo que não tem, ou seja, vai gastando mais do que aquilo que é a sua receita, não é por fazer isso mais um ano que fica melhor. Ou seja, quanto mais cedo for possível racionalizar a despesa de forma a que o País e as famílias gastem só aquilo que têm para gastar, tanto melhor, porque é menos ónus que fica para o futuro e é um saneamento que é feito mais cedo, o que tem efeitos multiplicadores positivos. Pedia, no entanto, a V. Ex.ª que fizesse aqui alguns apontamentos sobre isto.
Quanto ao ano de 2008, temos o aprofundamento dessa mesma consolidação orçamental; temos uma novidade, que penso que é de destacar e a que o Sr. Ministro já fez referência, que é o facto de o saldo primário ser positivo. Ou seja, se não fossem os encargos da tal dívida que o País vai arrastando e que, finalmente, em 2007, diminuiu em percentagem do PIB e se espera que diminua novamente em 2008, já estaríamos na tal situação de só estarmos a gastar o que tivéssemos para gastar. Mas, infelizmente, temos a dívida com esses encargos, o que nos obriga a ter uma despesa acrescida e, portanto, a mantermo-nos numa zona de défice, isto é, de maior despesa do que receita.
O défice previsto é, de facto, histórico em termos da sua pouca expressão, ainda que negativa e relevante.
Mas temos as boas notícias sobre algumas das grandes componentes do crescimento, desde logo, o próprio crescimento, o maior dos últimos sete anos.
Sei que V. Ex.ª não é pessoa para arriscar palpites, mas penso que há aqui algum fundamento que, pela primeira vez nos últimos anos, pode permitir-nos ter a expectativa, quanto mais não seja, de, em 2008, Portugal ter um crescimento acima do da média dos nossos parceiros da União Europeia, coisa que já não acontecia há muito tempo.
A este propósito, recordo aqueles discursos inflamados de outrora, do PSD, que se propunha conduzir o País a crescer 3% acima da média da União Europeia. Pois não o conseguiu – nem 3% acima, nem acima nem próximo da média e, por pouco, quase nem sequer conseguia que tivesse havido crescimento.
Portanto, isto não se faz com proclamações de objectivos, faz-se, sim, com trabalho e com uma sólida progressão de passos seguros, como tem vindo a ser conseguido, com o crescimento de 0,5%, em 2005, de 1,3%, em 2006, de 1,8%, em 2007, e o expectável 2,2%, em 2008.
Sr. Ministro, passo a outra novidade dos últimos anos que é a de o motor do crescimento ser o sector exportador. Falou-se disso durante anos e anos, isto é, afirmou-se que o crescimento virtuoso seria o que fosse puxado pelas exportações. Felizmente, estamos num quadro em que assim tem sido nos últimos anos e em que, de alguma forma, se prevê que, em 2008, assim seja igualmente.
De igual modo, em tempos, relativamente às previsões do cenário macroeconómico para 2006, dizia-se que era muito optimista um crescimento de 6% nas exportações. A verdade é que o crescimento foi de 9% e continuamos a crescer a ritmo elevado e com perspectivas de que assim se mantenha.
Também o investimento privado tem perspectivas de crescimento sem comparação nos últimos anos e o mesmo se prevê até em relação ao crescimento a nível do consumo privado, o que, de alguma forma, dá uma indicação de um maior desafogo das famílias, nomeadamente com o aumento do rendimento disponível.
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Relativamente à questão das receitas, também se tem falado muito do aumento do encaixe da receita fiscal.
Ora, a verdade é que não há aumento de taxas na generalidade dos impostos e, portanto, não há aqui aumento da carga fiscal.
Estão previstos crescimentos significativos em sede de IVA e de ISP, mas nem no IVA nem sobre os produtos petrolíferos há aumento dos impostos. Estes dois são impostos cuja receita cresce em função do aumento do dinamismo da economia, do aumento da actividade económica, de maior circulação, de maior número de transacções. Portanto, o crescimento da receita em sede de ISP e de IVA tem uma componente virtuosa que é a de animação da economia, quando não decorre do aumento de taxas, como é o caso.
Mesmo em termos de IRC – e o Sr. Ministro já fez referência a isso –, há abaixamento de taxas para situações específicas, nomeadamente para as empresas do Interior, e, em termos de IRS, aparece uma série de novas deduções.
Resumidamente, e para não tirar tempo ao meu camarada Victor Baptista, vou enumerar algumas novidades previstas neste Orçamento.
As deduções acrescidas para deficientes, atingindo, para o ano 2008, por deficiente a cargo, níveis já superiores a alguns dos nossos parceiros da União Europeia; as deduções por filhos até à idade de 3 anos; as deduções para idosos de baixos rendimentos; as deduções para desportistas de alto rendimento e para os desportistas deficientes. Volta e meia, faz notícia a falta de apoio aos atletas deficientes e, agora, neste Orçamento, aí está o benefício fiscal para eles.
As deduções ao nível das novas poupanças, com a criação dos PPR públicos.
Para quem vá buscar o fruto das suas poupanças em PPR, através de renda vitalícia, há um novo benefício fiscal neste Orçamento.
Há benefício fiscal ao nível das energias renováveis e, no que diz respeito à tributação automóvel, favorecendo os automóveis amigos do ambiente.
Para as empresas, remuneração dos capitais sociais, a diminuição do valor dos pagamentos por conta, que é também relevante e consta neste Orçamento.
É importante fazer referência, ainda, aos reembolsos do IVA.
Durante muitos anos, muita gente se queixou de que havia enormes atrasos por parte do Estado no reembolso do IVA e, agora, esses reembolsos estão a ser feitos a tempo e horas.
Neste Orçamento, há também uma perspectiva de forte diminuição dos prazos de pagamento aos fornecedores do sistema público.
Outras matérias serão tratadas a seguir. Gostaria de falar apenas sobre a questão dos pensionistas, para termos ideia clara do que estamos a falar.
Assim, para um intervalo de rendimentos de pensões entre 7000 € e 12 000 €, ou seja, para aqueles que, depois, são tributados, no escalão mínimo do IRS a uma taxa marginal de 10,5%, neste Orçamento do Estado, em vez de terem 6100 € protegidos de tributação passam a ter só 6000 €, o que significa que há mais 100 € que passam a ser tributados. Esses 100 € são tributados neste escalão mais baixo o IRS a uma taxa 10,5%, o que quer dizer que esses cidadãos pagarão mais 10,5 € por ano, o que equivale a 0,80 € por mês.
Portanto, pensões no valor de cerca de 8000 € (abaixo disso, dificilmente) pagarão mais 0,80 € por mês.
Quanto à «nuvem de poeira» que é atirada sobre as despesas da saúde, penso que o Sr. Ministro já falou mas é preciso ser mais veemente, porque, neste Orçamento, não se mexe em nada que se prenda com a possibilidade de dedução das despesas de saúde que mantêm o quadro integral.
Portanto, dizer-se que são prejudicados os pensionistas que têm mais despesas em saúde não é verdade, porque a dedução das despesas de saúde mantém-se exactamente igual, apenas há este agravamento. Aliás, esta convergência até já foi considerada virtuosa pela própria CGTP, na lógica de, a prazo, igualar os rendimentos de trabalho aos rendimentos de pensão, coisa que ainda está longe de acontecer. Mas há um agravamento de 0,80 € por mês para os pensionistas que, por sua vez, vêem proposta pelo Governo uma actualização das suas pensões acima da reforma.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Victor Baptista tem a palavra, e chamo a sua atenção para o tempo, pois já lá vão 15 minutos desde o início da intervenção do Sr. Deputado Afonso Candal.
Sei que fizeram a opção por uma interpelação bicéfala. Nada há a obstar, mas peço-lhe alguma brevidade, até por uma razão que, já agora, adianto.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças já me comunicou que, por razões de natureza pessoal, tem de ausentar-se mais cedo. Portanto, vamos suspender a reunião às 12 horas e 30 minutos e seria bom que até lá fosse possível fazermos uma primeira ronda de todos os Srs. Deputados.
Assim, peço-lhe encarecidamente brevidade nas questões que vai colocar.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, já ouvimos aqui, hoje, o que todos conhecemos e que a história nos tem trazido nos últimos anos.
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De facto, o PSD tem sido a alternativa ao Governo e é o maior partido da oposição. O PSD, sendo um partido de alternativa, surpreende-nos por vezes, por querer esquecer rapidamente elementos que são fundamentais na análise de um Orçamento.
Quando se analisa um Orçamento, também tem de se ter presente a história orçamental. Ora, na história orçamental portuguesa há uma questão que é evidente e que contraria um pouco aquilo que, por vezes, é dito e, permitam-me a expressão, de uma forma muito demagógica.
É que, perante o PSD a dizer «queremos uma taxa de desemprego à volta de 4%», num quadro, que todos conhecemos, das dificuldades em criar emprego que, garantida e necessariamente, está relacionado com o crescimento económico, vale a pena recuar no tempo e ver o que se passou.
A história é a de que, em 2001, tínhamos uma taxa de desemprego de 4,4% e um défice orçamental de 4,3%, apurado posteriormente. Ora, em 2001, com um défice orçamental de 4,3%, foi defendido, na Assembleia, um aumento do IVA, de 17% para 19%, num quadro em que há agravamento fiscal, mas quadro esse que está muito longe do de 2005. Em 2005, o défice real era 6,4% e a taxa de desemprego era 7,5%.
Comparando estes dois quadros, não havia alternativa, de facto, que não fosse a de aumentar o IVA.
A questão que se coloca hoje é a de saber se esse agravamento fiscal teve ou não efeitos sobre a economia portuguesa, se houve ou não consolidação das finanças públicas e se houve ou não um conter do aumento da taxa de desemprego.
Ora, a consolidação orçamental é visível, a taxa de desemprego estagnou e, tendencialmente, começa a decrescer, Portanto, a comparação não pode ser ignorada nem esquecida nestes momentos.
Este Orçamento tem particularidades positivas. Desde logo, é um Orçamento que se preocupa com a degradação das cidades, sobretudo nas zonas históricas, tem em si uma preocupação relativamente à reabilitação urbana. Aqui, mais uma vez, o IVA é reduzido e as empreitadas de reabilitação urbana passam a ser taxadas com IVA a 5% – há aqui uma compensação fiscal.
Simultaneamente, há um conjunto de bens em que o IVA é reduzido de 12% para 5% – estou a falar de massas alimentícias, do leite, dos iogurtes, das bebidas lácteas. Portanto, há algumas situações de ajustamento e há outras de redução.
Quando se fala em carga fiscal, é preciso não perder de vista uma questão fundamental, há que fazer uma comparação e verificar se Portugal tem ou não uma carga fiscal superior à média europeia. Já que os relatórios do Fundo Monetário Internacional são tão importantes para umas coisas, seria bom que também o fossem para outras.
Ora, nessa matéria, a média europeia da carga fiscal é 40,9% do PIB e, em Portugal, é 36,7% do PIB. Portanto, a carga fiscal portuguesa, segundo o relatório do FMI, está abaixo da média europeia.
Este é um Orçamento que dá garantias, nomeadamente quanto à manutenção e ao alargamento da componente de apoio aos idosos que, agora, já passa para 65 anos.
Este Orçamento alarga os benefícios à natalidade, como já foi dito.
Este Orçamento é um incentivo às empresas para terem políticas sociais para com os seus funcionários.
Nessa medida, empresas que fomentem creches têm uma majoração de 140% em matéria de dedução no IRC.
Este é um Orçamento que tem uma preocupação social, consolida as finanças e tem crescimento público.
Sr. Ministro, vou, agora, fazer-lhe duas perguntas. Até agora, não se falou em finanças locais – aliás, o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses é negativo em relação a este Orçamento –, mas q questão que lhe coloco é a de saber se a Lei das Finanças Locais está ou não a ser cumprida.
Em segundo lugar, era uma tradição, nos Orçamentos e na política dos nossos governos, em particular do Ministério das Finanças, haver atraso no reembolso do IVA e do IRS.
A pergunta que lhe deixo é a seguinte: actualmente, o reembolso do IVA está ou não em dia? É que, um Governo que pretende que os pagamentos do Estado e das empresas públicas sejam feitos dentro dos prazos de contratação – e, agora, o Orçamento aponta nesse sentido –, julgo que também tem de ter os reembolsos em dia. Não pode ter uma preocupação e não ter a outra.
É esta a segunda questão lhe coloco, Sr. Ministro. Mais adiante terei oportunidade de lhe colocar outras questões.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, procurarei ser muito breve nas respostas de forma a deixar mais tempo às outras bancadas.
Sr. Deputado Afonso Candal, reafirmo aquilo que constatou: com certeza que houve uma consolidação pela despesa. Houve quase 80% da redução do défice graças à redução do peso da despesa no PIB, o que representa uma poupança de 3900 a 4000 milhões de euros, conforme referi.
O Orçamento tem uma vertente social reforçada quanto às preocupações com o mercado de trabalho, para a qual gostaria de chamar a atenção.
Com efeito, conforme referi, há que adoptar políticas de combate ao desemprego. Vivemos um período longo de baixo crescimento: foi baixo na primeira metade desta década, até 2005, altura em que começou em recuperação gradual. Essa recuperação continuou em 2006, continua agora em 2007 e intensificar-se-á em
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2008. A consequência deste baixo crescimento, a par da reestruturação que ao mesmo tempo se denota na nossa economia, tem incidência ao nível do desemprego.
Como é que combatemos o desemprego? Vejo duas grandes linhas de orientação: termos uma economia robusta que relance o seu crescimento de uma forma sustentada — e temos já sinais positivos dessa frente — e termos políticas que vão de encontro às necessidades daqueles trabalhadores que têm vindo a ser afectados por estas mudanças na nossa economia. Há trabalhadores que precisam de ser apoiados na sua formação e requalificação e, tal como referi há pouco, essa é uma aposta forte neste Orçamento, conforme os números o indicam.
Quanto à questão dos impostos, estão previstas no Orçamento uma série de medidas de natureza fiscal que se traduzem no reforço de um conjunto de benefícios, tendo em vista não só apoiar segmentos mais fragilizados da nossa população mas também apoiar o processo de recuperação e reestruturação da nossa economia e, como muito bem lembrou, o não aumento do ISP, conforme estava previsto no Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), é uma atitude de muito realismo da parte do Governo face às condições que vivemos no domínio dos combustíveis, em particular dos derivados do petróleo e da situação dos mercados petrolíferos.
No que se refere aos pensionistas, gostaria de tornar bem claro que, apesar das medidas adoptadas, nenhum pensionista com uma pensão até 480 contos por mês a verá reduzida no próximo ano.
Quanto às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Vítor Baptista relativas às finanças locais e aos reembolsos do IVA, começo por dizer que a Lei das Finanças Locais é escrupulosamente cumprida nesta proposta do Orçamento. Quanto ao IVA, reduzimos em cerca de dois meses os prazos de reembolso. O IVA, neste momento, está praticamente em dia e este esforço correspondeu, este ano, a um desembolso em termos de reembolsos na ordem dos 520 milhões de euros para pormos em dia um conjunto de atrasados que vinham de anos anteriores.
Esse foi o esforço que desenvolvemos no domínio fiscal, de forma a pôr os reembolsos do IVA em dia, aliviando assim as dificuldades que, muitas vezes, esses atrasos causam no funcionamento das nossas empresas, em particular as pequenas e médias empresas.
O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, em nome desta bancada, começo por saudar o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado presentes.
O Orçamento deste ano é apresentado num contexto de redução do défice superior às previsões do Governo e, sobretudo, também, às obrigações que, bem ou mal (não é isso que está hoje em discussão), o Governo tinha aprovado e assumido com Bruxelas.
Em 2007, a estimativa de redução foi, primeiro, de 3,7%, depois, de 3,3% e vai acabar por ser de 3%. Os compromissos que o Governo tinha aprovado para 2008 seriam os de obter um défice de 2,6% e, agora, sem que ninguém lho pedisse nem que a isso fosse obrigado, o Governo apresenta uma estimativa de redução do défice para 2,4%.
Face a esta situação, o Governo exulta, auto-elogia-se, vangloria-se! Sr. Ministro, na opinião desta bancada — dizemo-lo frontalmente —, pensamos que o Governo não devia exultar, mas, sim, ser censurado por isso, porque quem paga a factura por este esforço desnecessário, por este esforço suplementar, não é o Sr.
Ministro, são os portugueses, especialmente, Sr. Deputado Afonso Candal, os mais desfavorecidos e a economia portuguesa e o País.
Portanto, é preciso recordar o reverso deste «foguetório»! É preciso ir «apanhar as canas» e ver a factura que o povo português e o País estão a pagar por causa dele!
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Honório Novo (PCP): — E o reverso é o seguinte: 2507 escolas do 1.º ciclo do ensino básico encerradas; encerramento de maternidades e de serviços de urgência; a chamada redefinição das unidades de cuidados primários de saúde, das forças de segurança, da rede judiciária, …. Tudo isto, que está em curso, está em marcha, significou, e vai significar, incontornavelmente, o encerramento de serviços públicos. Isto faz parte da factura, como também o faz o corte no investimento público.
Para este ano, os senhores apontam uma previsão possível de um corte de investimento público rondando os 8%, cerca de 330 milhões de euros. A execução orçamental de Setembro, em sede de verbas do PIDDAC, mostra — são os senhores que mostram, não somos nós — um valor de execução de 33% relativamente ao previsto. É o que diz o boletim de execução orçamental.
É esta a factura que o País paga através de cortes no seu desenvolvimento. Mas são também os cortes no poder de compra dos portugueses: 1,5% de aumento de funcionários públicos contra 2,3% de inflação esperados durante este ano. São os cortes nas reformas. Enfim, há um conjunto de medidas que representam a factura que os portugueses (volto a insistir para o Sr. Deputado Afonso Candal ouvir, embora ele já cá não esteja), especialmente os mais favorecidos, o País e a economia portuguesa têm pago à custa desse esforço
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suplementar — repito, suplementar —, desnecessário, que o Governo fez, está a fazer e quer continuar a fazer fora dos compromissos que assumiu perante Bruxelas.
Portanto, Sr. Ministro, deixe-me utilizar um pouco a ironia que é habitual entre nós para lhe recordar que já uma vez lhe ofereci um pão-de-ló com um grande corte no meio, que significava, na altura, o corte que o Governo tinha feito no investimento público do Orçamento daquele ano. Hoje, vou oferecer-lhe um pequeno CD com um extracto de 1 minuto e 30 segundos de um programa que, com um humor salutar, mas com dramatismo, que o senhor não pode esquecer, mostra bem qual é a factura que os portugueses mais desfavorecidos, o País e a economia estão a pagar por causa do vosso «foguetório» de ultrapassar as metas do défice orçamental com que se comprometeram com Bruxelas.
Sr. Ministro, o segundo aspecto que vou referir tem a ver com o quadro macroeconómico que os senhores apresentam para o Orçamento deste ano. Num quadro de continuada aposta no défice, os senhores reconhecem a necessidade de baixar a previsão do crescimento do PIB de 2,4% para 2,2%. Mantém, por isso, uma aposta recorrente numa divergência continuada com a União Europeia. Esta é a primeira nota que gostaria de deixar.
O Sr. Ministro, na conferência de imprensa de apresentação do Orçamento no seu Ministério, referiu que «o crescimento em Portugal, apesar de revisto em baixa, vai ser semelhante, análogo ao da União Europeia».
Pois é, Sr. Ministro, se fosse superior, ficávamos relativamente tranquilos, mas é semelhante e análogo, continuando a ser inferior, pelo oitavo ano consecutivo, relativamente às previsões que, apesar de revistas em baixa, continuam a ser aquelas que as instituições internacionais apontam para o desenvolvimento económico em 2008 na Zona Euro e na União Europeia.
Sr. Ministro, sei que discutir cenários macroeconómicos nesta conjuntura é complicado. Reconheço a dificuldade do Governo e reconheço que todas as pessoas que fazem projecções nesta matéria, neste contexto, têm tendência a ser controvertidos, com justificação.
Mas a questão não é esta, Sr. Ministro. O que me parece exagerado e carecer de explicação — e agradeço ao Sr. Ministro se quiser abordar esta questão indicador a indicador — é porque razão é que o Governo, de todos os cenários possíveis, escolhe o mais optimista. Porquê? Por que é que, por exemplo, aponta para um crescimento do consumo privado de 1,4% se estamos num contexto em que as famílias portuguesas estão fortemente endividadas, se estamos num contexto de alta de juros e se estamos num contexto em que o Governo não quer, pelos vistos, aumentar francamente o poder de compra dos portugueses. Como é que é possível apostarmos neste crescimento? Como é que é possível o Governo, prudentemente — e não numa visão meramente optimista —, apontar para um crescimento do investimento global de 4% quando sabemos que, nos últimos anos, o crescimento do investimento tem estado sempre em baixa? Nos últimos três, quatro anos, meia dúzia de anos no máximo, o investimento do nosso país foi reduzido em mais de dezena e meia de pontos percentuais. Dir-me-á o Sr. Ministro: «Ah, mas para este ano prevemos já uma recuperação de 1% no investimento». Recordo-lhe, Sr. Ministro, que a sua previsão, para o Orçamento deste ano, para este mesmo indicador, era de 1,9%, praticamente de 2%, e que ficou a metade. Então, como é que o senhor justifica apresentar uma previsão de 4%, para 2008, num contexto óbvio de retracção do investimento, ao nível internacional e nacional? As pessoas estão com à-vontade para investir? Têm taxas de juro favoráveis ao investimento? Já agora, Sr. Ministro, explique-me o seguinte: como é possível os senhores preverem uma taxa da Euribor, mesmo a curto prazo, de 4,2%, para 2008, que é inferior à taxa da Euribor, a curto prazo, em 2007, que era de 4,3%? Como é que os senhores prevêem esta diminuição, num contexto em que o próprio BCE já anunciou que provavelmente, para o ano, vai voltar a aumentar as taxas de juro? Não consigo perceber, mas talvez o Sr. Ministro tenha uma explicação plausível para isto.
Quanto ao terceiro indicador — desaceleração das exportações —, como é que, num contexto de euro forte, o senhor consegue explicar a manutenção em níveis elevados do volume das exportações relativamente a este ano? É que o valor é praticamente estacionário: 6,7 contra 6,9 (praticamente não altera). Como é que consegue explicar que as exportações possam manter-se a este ritmo, quando sabemos que as economias da zona euro que mais se interactuam com a nossa, a da Espanha e a da Alemanha, provavelmente estão a entrar em ciclo de desaceleração?
Aparte inaudível do Deputado do PS António Gameiro.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sei, sim! Espere «pela volta» que já vai ver como a crise financeira vai afectar a Espanha! Como é que se justifica isto? E como é que se justifica isto num contexto em que o valor apontado para o preço do petróleo é imprudente (mas imprudente por baixo, digamos)? Importa é referir que o Governo aposta, naturalmente porque está espartilhado num contexto de défice, num crescimento modesto, muito pequeno e, provavelmente para o quadro traçado pelo Governo, muito optimista, mas que, do nosso ponto de vista, é insuficiente.
Importa também referir que o Governo tinha mecanismos opcionais, desde que não obedecesse à obsessão de ultrapassar — já não é de cumprir, mas de ultrapassar! — as metas do défice que tinha programado…
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O Governo, dizia, tinha mecanismos opcionais de influenciar o crescimento da economia num valor superior aos 2,2. Fá-lo-ia, naturalmente, aumentando decididamente o consumo interno, defendendo decididamente a capacidade produtiva nacional e apostando no investimento público, que será aqui abordado numa segunda intervenção e que é, em sede de PIDDAC, e não só, absolutamente insuficiente, a nosso ver, ficando muito aquém daquilo que podia e devia ser desejável.
Naturalmente, isto vai ter efeitos, como já está a ter, no emprego. E, Sr. Ministro, contrariamente à afirmação que o senhor aqui fez, ao dizer que se criaram 60 000 postos de trabalho, acho que é visível nos dados deste Orçamento que os senhores desistiram de combater o desemprego — desistiram! Repare que todas as previsões que os senhores fizeram de evolução da taxa de desemprego caíram, foram abandonadas — e foram-no no sentido negativo, isto é, foram todas revistas em alta. Para 2007, os senhores previam uma taxa de desemprego de 7,5% e actualizam-na, por cima, para 7,8%; para 2008, tinham previsto uma taxa de desemprego de 7,2% e, agora, passam-na para 7,6%. E isto, segundo as contas do Governo, porque, segundo aquilo que é a realidade, a situação é muito pior. Na verdade, a taxa de desemprego, em Portugal, já é a quinta maior da Europa e já conseguimos bater um recorde ibérico que foi o de ultrapassar a taxa de desemprego da Espanha.
A terceira questão que quero abordar diz respeito à carga fiscal e à equidade e justiça fiscal, neste Orçamento.
Era importante percebermos — enfim, até em contraponto com o que foi afirmado pelo Deputado Afonso Candal — por que é que o dinamismo económico faz com que o IVA aumente provavelmente 8% e o mesmo dinamismo económico — presume-se — faz com que o IRC aponte apenas para um crescimento de 1,5%.
Não consigo perceber como é que este dinamismo económico só afecta o IVA e não afecta o IRC.
O Sr. Afonso Candal (PS): — São as deduções!
O Sr. Honório Novo (PCP): — Talvez os benefícios fiscais consigam explicar parte disto.
Por exemplo, relativamente ao IVA, sabemos que há fraudes no IVA que podem situar-se entre 2% e 10% da receita do IVA, isto é, entre 250 e 1250 milhões de euros — quem o diz é um alto responsável da DirecçãoGeral de Contribuições e Impostos. Esse mesmo responsável diz que a famosa «Empresa na Hora», que hoje não vamos aqui contestar nem discutir, pode estar a ser um factor de aumento da «fraude carrossel» no IVA.
E se olharmos para o Orçamento, não vemos nada, nada, que nos permita dizer que se vai combater este tipo de fraude. Eu não vejo nada, mas, se houver, diga-me, Sr. Ministro, quais são as estimativas que devem resultar das novas medidas de combate à fraude no IVA.
Por exemplo, a Directora do Fundo Monetário Internacional diz que, em Portugal, a economia paralela continua a representar 23% do PIB — ela disse-o nesta Sala, e não há muito tempo —, enquanto que a média europeia é de 18%. O que é que está previsto no Orçamento para combater esta questão? De seguida, Sr. Ministro, retomo uma questão que debatemos há um ano: o planeamento fiscal agressivo.
Os senhores, há um ano, fizeram aqui um escarcéu (utilizando um termo popular), dizendo que finalmente iam atacar o planeamento fiscal agressivo. Ó Sr. Ministro, durante 2007 não vi nada! Parece que está em discussão uma legislação para ter efeitos a partir de Janeiro de 2008 — pelo menos foi o que li nos jornais. Se isto for verdade, por que é que os senhores falaram disto no Orçamento do Estado para 2007? Deveriam, sim, têlo feito hoje, agora, para ter efeitos em 2008. Anteciparam-se um ano só para dizer que iam fazê-lo não em 2007 mas em 2008?! E vamos ver com que efeitos! Pela nossa parte, fico tranquilo porque voltaremos a apresentar, em sede orçamental, uma norma-travão para impedir uma taxa efectiva baixa, muito distante da taxa nominal de IRC. E iremos, naturalmente, apresentar aquilo que os senhores prometeram em Fevereiro de 2006, e que, até agora, não cumpriram — nem sequer deram sinais de estar em desacordo com a bancada do Partido Socialista, que deitou para o caixote do lixo a proposta recusada por S. Ex.ª o Presidente da República —, em sede de derrogação do segredo bancário.
A bancada do PS deitou essa proposta para o caixote do lixo, mas os senhores, que tinham anunciado aqui, em Fevereiro de 2006 — repito, 2006! —, a abordagem e o combate dessa questão, fazem agora de conta que não é nada convosco.
E já que estamos a falar em equidade e justiça fiscal deste Orçamento, podemos acrescentar dois exemplos caricatos.
O primeiro exemplo tem a ver com o seguinte: os senhores, no ano passado, tinham inscrito, como benefícios fiscais para a Madeira, 1000 milhões de euros — afinal, pelos vistos, vai ser mais. Mas, face àquilo que os senhores previram no Orçamento para 2007, o aumento dos benefícios fiscais na zona franca da Madeira sofre um acréscimo de 790 milhões de euros (1790 milhões de euros em 2008, contra 1000 milhões de euros previstos em 2007). Isso é que está previsto no Orçamento para 2007 e, para o ano, são 800 milhões de euros a mais.
E sabem quanto é que os senhores prevêem gastar com os anunciados benefícios fiscais à interioridade, em sede de IRC? É 1 milhão de euros! A despesa fiscal passa, assim, de 51 milhões de euros para 52 milhões de euros.
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E sabem quanto é que pensam gastar com os benefícios fiscais para os deficientes? Mais 4,2 milhões de euros.
O que significa que, para a Madeira, são mais 790 milhões de euros, e para os deficientes e para as empresas do interior são, somados, mais 5,2 milhões de euros.
Por aqui se demonstra quem são os privilegiados e os prejudicados, ou seja, quem são os que, de facto, «comem na mesa do Orçamento» e os que «comem na cozinha».
O segundo exemplo, Sr. Ministro, é o exemplo de algo a que não acredito que os senhores tenham dado o vosso aval, em matéria fiscal. Não acredito, porque corresponde ao pior que se pode imaginar daquilo que é a política neste país. Ou seja, que o Orçamento e as suas normas fiscais reflictam no seu texto interesses de grupo — e interesses de grupo na pior componente —, de funcionários da própria Administração Pública.
Estou a referir-me, concretamente, às alterações propostas ao artigo 36.º do novo imposto sobre veículos. Foi um imposto aqui aprovado em Julho e, por acaso, esse e o imposto de circulação eram leis acabadas, que, no conjunto, sofreram 16 alterações — mas, enfim, esse é um outro episódio.
O que queria perguntar-lhe, olhos nos olhos, Sr. Ministro, é se está de acordo que haja uma alteração «à pinça» que beneficia troca de automóveis de funcionários da Comunidade Europeia, isto é, que lhes permite ter mais privilégios na troca desses automóveis, diminuindo os anos de troca e diminuindo o imposto de reversão por matrícula privilegiada. Pergunto, pois, se acha que os senhores podem dar aval, podem aceitar que haja um grupo restrito de funcionários do Estado a influenciar, em seu benefício, o articulado deste Orçamento.
Creio que o Sr. Ministro Teixeira dos Santos, o Sr. Prof. Dr. Teixeira dos Santos, pessoa que muito respeito, não vai estar de acordo e não permitirá que isto aconteça.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, constato que o PCP continua a ser avesso a qualquer política de rigor orçamental, considera que o bom é gastar, gastar e gastar e não questiona se, sim ou não, o País, isto é, os contribuintes portugueses estão em condições de suportar o fardo que isto necessariamente implica.
O Sr. Deputado entende que a política do Governo é censurável, os resultados são censuráveis e o facto de podermos antecipar os resultados é censurável. Sr. Deputado, tire as ilações políticas de tanta censura! Penso que isso seria o mais coerente.
O Sr. Deputado mencionou a questão do corte no investimento público. Gostaria de referir que, em 2007, não há quebra do investimento (mas também não vou dizer que o investimento está a aumentar de forma muito significativa em 2007, não é isso), em comparação com 2006. Prevê-se que a formação bruta de capital fixo (FBCF), no conjunto das administrações, registe um acréscimo de quase 1%.
Aparte inaudível do Deputado do PCP Honório Novo.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Mas não é um corte no investimento em 2007, como o Sr. Deputado referiu!
O Sr. Honório Novo (PCP): — Não falei em corte!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Falou, sim, em cortes, em 2007! Sr. Deputado, terei muito gosto em receber o seu CD. Sempre que posso, vejo com agrado e sentido de humor os sketches do grupo que referiu (julgo que estamos a falar no mesmo grupo de humoristas). E quando não os vejo na televisão, vou vê-los no YouTube. De qualquer modo, recebo a sua oferta com boa disposição e sentido de humor.
Mas, Sr. Deputado, estes assuntos são sérios demais para os reduzirmos a uma mera rábula de humor.
Com efeito, o que está em causa é servir bem as populações, não é servi-las fazendo de conta que as estamos a servir, condenando-as a maus serviços e comprometendo até o futuro de muitas crianças deste país.
Isto porque, em boa verdade, as decisões tomadas pelo Governo em algumas destas áreas têm uma fundamentação técnica. E não é por acaso que são as escolas com um número reduzido de alunos que têm maior insucesso e maior abandono escolar. Não é com as escolas que o Sr. Deputado referiu que estamos a abrir horizontes às nossas crianças, porque também não é boa prestação de serviços ou de cuidados de saúde termos postos de saúde que muitas vezes são um «faz-de-conta», um mero apeadeiro ou uma paragem para encaminhar as pessoas para o hospital mais próximo, mas onde efectivamente não são prestados (muitas vezes, em situações de emergência) os cuidados médicos necessários. Pelo contrário, até podem pôr em risco a saúde das pessoas que necessitam desse atendimento de emergência, porque traduzem-se num compasso de espera, numa perda de tempo, podendo trazer uma situação de risco a essas mesmas pessoas.
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É o caso das maternidades, matéria que também já discutimos, em que pomos em risco mães e bebés devido a condições de funcionamento e até de experiência de trabalho que são deficientes.
Portanto, o que está aqui em causa é termos uma verdadeira rede de cuidados públicos na educação e na saúde, que, de facto, funcione com qualidade e que dê garantias aos cidadãos de uma melhor qualidade de serviços e de uma maior eficiência na prestação desses mesmos serviços.
O Sr. Deputado diz que tem dúvidas quanto ao cenário macroeconómico. Não vou discutir consigo as suas perspectivas quanto à economia portuguesa e confrontá-las com as minhas, que estão explicitadas no cenário macroeconómico, mas quero recordar ao Sr. Deputado que, por exemplo, no que se refere ao consumo privado, temos um crescimento de 1,4% para uma previsão de crescimento da economia de 2,2%. E, em boa verdade, este crescimento de 1,4% traduz uma redução em baixa da anterior previsão de crescimento do consumo, que era próxima de 2%. Portanto, os factores que o Sr. Deputado referiu e que de alguma forma justificam o seu cepticismo são os factores que estão por detrás da revisão em baixa do crescimento do consumo de 2% para 1,4%. Mas é claro que não ignoramos o ambiente de incerteza que as famílias poderão ter na actual conjuntura e que podem reflectir-se nas suas decisões de consumo.
Quanto ao investimento, Sr. Deputado, temos indicadores que denotam uma recuperação significativa do investimento na nossa economia, em particular do investimento empresarial. Recordo também que há um conjunto de investimentos que este Governo já negociou no âmbito da contratualização de projectos de investimento estrangeiro (muitos deles), que são projectos de investimento, porque vão entrar em execução durante 2008, que são independentes de condições conjunturais e que, portanto, serão também uma «alavanca» significativa para o nosso crescimento.
No que diz respeito às exportações, Sr. Deputado, não exageremos o impacto que uma ligeira atenuação no crescimento das economias europeias possa vir a ter na nossa exportação. Alguma terá, é claro, e está reflectida na nossa previsão. Mas também quero recordar que temos sectores da nossa exportação que têm vindo a crescer e a ganhar quota de mercado — sectores esses que têm um dinamismo muito acentuado para economias emergentes — e que continuarão a ter um crescimento robusto no próximo ano.
No que se refere à dúvida que o Sr. Deputado levantou relativamente às taxas de juro, o que tomámos como referência, Sr. Deputado, foram as chamadas taxas forward. Ou seja, aquilo que o mercado ou os mercados hoje indicam e sinalizam como sendo as taxas de juro no futuro. Portanto, são essas que servem de referência. Aliás, o quadro de referência ou o enquadramento internacional que aí está é um enquadramento que é partilhado ao nível dos países da Zona Euro na elaboração dos seus orçamentos e dos seus programas de estabilidade. Portanto, há um quadro macroeconómico internacional que é partilhado com os restantes parceiros comunitários.
Em relação à questão do desemprego, Sr. Deputado, creio que já comentei essa matéria.
É claro que considero (e mais uma vez reafirmo) que este é o problema mais sério que temos na nossa economia, no entanto trata-se de um problema que se combate com políticas adequadas. Ora, as políticas que o Governo tem vindo a adoptar são políticas que procuram apoiar a reestruturação e a recuperação do crescimento económico — o que será um motor de criação de emprego — e apoiar as pessoas na busca do seu emprego, através de políticas activas de emprego, conforme as opções do Orçamento bem denotam.
E, não tenhamos ilusões, a questão do desemprego não é uma matéria que se resolve com um «golpe de mágica», como há pouco referi, de um mês para o outro ou de um trimestre para o outro. O desemprego já entrou numa fase descendente: começámos este ano com uma taxa superior a 8%, no primeiro trimestre, e projectamos uma taxa média de 7,6% no fim do ano, o que quer dizer que temos, de facto, um movimento descendente da taxa de desemprego, que, tudo leva a crer, vai continuar, mantendo-se o dinamismo da economia e sendo adoptadas as políticas activas de emprego que há pouco referi.
Quanto à questão do crescimento, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que estamos em linha com o crescimento médio europeu, senão mesmo ligeiramente acima, cerca de 1 décima acima. Não é motivo de gáudio, não é, mas para quem andou a ouvir, durante muito tempo, que estávamos abaixo da média europeia, julgo que devo chamar a atenção para o facto de que já não estamos tão abaixo da média europeia, conforme se dizia, dado que estamos mesmo na média europeia, o que denota algum progresso.
No que se refere à Zona Franca da Madeira, o valor que o Sr. Deputado referiu é uma estimativa de crescimento da matéria colectável mais ou menos igual ao que ocorrerá no Continente em 2007. Portanto, é uma mera extrapolação desse crescimento para a Zona Franca da Madeira.
Recordo que o montante de 2006, que foi de cerca de 1356 milhões de euros, resultou do tratamento das dotações do IRS. Portanto, trata-se de dados efectivos de 2006.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Qual era a previsão?
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Não tenho aqui, mas posso obter esse valor, Sr. Deputado.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Era de mil milhões!
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O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — No que se refere à questão do combate à fraude e evasão fiscais, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga o seguinte: o número que a Directora do FMI referiu continua a ser o mesmo de 2004. É um número que toda a gente menciona, usando como base um único estudo disponível, que é o Relatório Schneider, relativo a 2004, estudo esse que não foi actualizado! Portanto, esse é um número que já não reflecte a realidade! Portanto, o combate à fraude e evasão fiscais tem prosseguido e temos avançado neste domínio. Mas o Sr. Deputado quer discutir agora uma matéria que normalmente discutimos no início do ano. Nós temos vindo a esta Assembleia todos os anos — e o Sr. Deputado tem de o reconhecer — apresentar e discutir o relatório do combate à fraude e evasão fiscais. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e eu temo-lo feito com muito gosto, continuaremos a fazê-lo e assumimos o compromisso de que o faremos, sendo este o local onde normalmente enunciamos as iniciativas tomadas, as iniciativas a tomar, os resultados obtidos, etc. Portanto, o relatório não tem sido apresentado em sede de Orçamento, pelo que, cada coisa a seu tempo.
Finalmente, relativamente à questão dos veículos que referiu, Sr. Deputado, trata-se pura e simplesmente de termos reciprocidade no tratamento destas matérias e de adoptar, em Portugal, o mesmo tratamento que outros países dão a esta matéria. É, pois, um problema de reciprocidade.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Ó, Sr. Ministro, foi esse o argumento da lei em Julho passado!
O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, dado o Sr. Ministro ter solicitado pretender ausentar-se cerca das 12 horas e 30 minutos, e uma vez que estamos perto dessa hora, vamos interromper os trabalhos e retomá-los às 14 horas e 30 minutos.
Eram 12 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, vamos reiniciar a nossa reunião.
Eram 14 horas e 55 minutos.
Tem a palavra, para colocar as questões que entender pertinentes, o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostaria de começar por cumprimentá-lo, bem como o Sr.
Ministro das Finanças e os Srs. Secretários de Estado, esperando que este nosso debate, que está agora a começar e que decorrerá durante o próximo mês, corra do melhor modo.
Começo a minha intervenção por uma apreciação de natureza geral, dizendo-lhe, Sr. Ministro, precisamente neste momento do debate na generalidade, que, na opinião do CDS, V. Ex.ª, com o Orçamento que nos apresentou, foi traído pelas expectativas. Porquê? Porque é usual assumir-se que este é o Orçamento mais importante da Legislatura. Por razões óbvias: o próximo Orçamento decorrerá em altura pré-eleitoral. Não quero acreditar que vá ser o «Orçamento da festança», mas será um Orçamento em ano eleitoral. Os Orçamentos anteriores nunca poderiam reflectir as reformas políticas. Porquê? Porque as reformas demoram algum tempo a produzir efeitos de natureza orçamental. Portanto, seria neste Orçamento que se notaria o efeito das reformas. Ora, o grande problema é que não se nota efeito nenhum de reformas a nível do Estado.
Este é o Orçamento que «seria», era este, «agarrem-me que é no próximo Orçamento»… Chegou o «próximo» Orçamento, e, de facto, temos uma enormíssima desilusão, desde logo pela magna reforma que é a reforma da Administração Pública.
Portanto, a primeira forma que usaria para qualificar este Orçamento, Sr. Ministro, é que ele é uma decepção! Já agora, como estamos no início do debate orçamental, para que nos possamos entender bem com o Governo em relação ao modo como vamos discutir este Orçamento, quero dizer que não vamos fazê-lo com base no passado. O diálogo sobre o passado, Sr. Ministro, não será connosco e terá de ser com outra «freguesia», porque a nossa preocupação é a de discutir o presente e o futuro. Não queremos estar em 2008 a discutir 2004. Queremos entrar em 2008 a discutir precisamente 2008. Como tal, esta será a nossa postura e queremos que ela fique clara desde já. O que está em causa neste Orçamento é a existência ou não de um legado por parte do Partido Socialista.
Este é também, na nossa opinião, um Orçamento «preguiçoso», porque olha para o monstro da despesa e nada faz. Aliás, a despesa aumenta em termos nominais. A despesa total, logo na primeira página do sumário executivo, valerá para o ano de 2008 mais 3233 milhões de euros do que em 2007. Fazendo a comparação entre 2006 e 2007, a diferença era de 1760 milhões de euros. Se olharmos para a despesa corrente primária, a tal despesa que conta a nível da avaliação, ela será em 2008 de 66 150 milhões de euros. Ou seja, sobe, de 2007 para 2008, 2643 milhões de euros. Gostaria de saber, com estes números, qual é a consolidação orçamental que se está a fazer pela parte da despesa.
Para não usar apenas um discurso político, diria, pegando nos números, Sr. Ministro das Finanças (e não sei se, para si, esta afirmação será um elogio ou não), que este é o Orçamento mais «guterrista» da era Sócrates.
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Em terceiro lugar, é também um Orçamento de medo quanto aos objectivos. Se apresentam como grande objectivo para este ano o de alcançar os 3% do défice – e nós pensamos que os compromissos internacionais do Estado português são importantes e para cumprir –, não entendo por que é não alteram o objectivo final para o próximo ano, que se mantém nos 2,4%. É esta a primeira gestão de expectativas em 2008? Não revêem o objectivo porque não estão, no que respeita à despesa, a fazer o que é necessário e, portanto, não podem baixar mais o défice em 2008? Por outro lado, altera-se também para baixo a perspectiva de crescimento da nossa economia em relação ao que estava previsto no Programa de Estabilidade e Crescimento, porque agora apenas se prevê um crescimento da ordem dos 2,2%.
Este é também, na nossa opinião, um Orçamento irrealista. Veja-se a previsão feita em relação ao investimento para o próximo ano e a comparação com o que está a acontecer neste ano. Nós vemos que no primeiro trimestre de 2007 o investimento registou uma quebra de 0,9% em relação ao mesmo período do ano anterior, enquanto que no segundo trimestre o aumento foi de 0,2%. Todavia, na pág. 95 do Orçamento vemos uma previsão do investimento para o próximo ano a subir 4%. Sr. Ministro, foi esta a página do Orçamento feita pelo Ministro Manuel Pinho?! Na verdade, o Ministro Manuel Pinho é a única pessoa em Portugal que dá conta destes índices de irrealismo e de confiança.
Em quinto lugar, este é um Orçamento injusto. Sabe para quem? Para todos os que estão nesta sala e para todos os portugueses, para os contribuintes que verão ser cobrados no próximo ano, em relação ao presente, mais 3250 milhões de euros de impostos. Ou seja, os contribuintes verão a sua carga fiscal alcançar cerca de 36,4% do PIB, para usar o seu critério, Sr. Ministro. Não é preciso ser um grande liberal para dizer que o razoável, em termos de carga fiscal, era um valor abaixo dos 35%. Os senhores conseguem esta coisa espantosa de, durante todo o vosso mandato, terem constantemente aumentado a carga fiscal.
Mais: constatamos com muita preocupação (e não sabemos como é que o Sr. Ministro vê esta matéria) que as empresas estão a fazer o repatriamento dos seus lucros, isto é, que não deixam os lucros em Portugal.
Estamos a falar de mais de 40% de repatriamento de lucros verificados este ano em relação ao ano passado.
Isto acontece porque Portugal não tem um sistema fiscal apelativo para as empresas. Portugal não tem um sistema fiscal que seja minimamente apelativo para o investimento estrangeiro.
Como tal, em jeito de síntese, diria que este é um Orçamento de decepção, «preguiçoso», de medo, irrealista e injusto.
Passo à questão da receita fiscal, matéria que nos preocupa muitíssimo. Diz o Sr. Ministro que não haverá aumento de impostos. Ou, melhor, que não haverá aumentos significativos das taxas de imposto, como disse um Deputado do Partido Socialista. Numa comparação com o ano passado, constatamos que as receitas de imposto sobem 5,6%. É ou não verdade, Sr. Ministro, que neste Orçamento se alarga a base tributária de imposto. Onde? Desde logo, no IRC, no imposto sobre as empresas. É ou não verdade que há alargamento da base tributária? Por outro lado, gostava que o Sr. Ministro me explicasse como é possível fazer uma previsão como a que a consta da pág. 125, de acordo com a qual o IRS, no próximo ano, terá cobranças de mais 5,5%. De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado, as principais alterações em sede de IRS e em matéria de receita são as seguintes: a actualização do valor das deduções à taxa de inflação prevista, de 2,1%, e a continuação do processo de convergência da dedução específica da categoria H (Rendimentos de pensionistas) para a categoria A. Como é que o Sr. Ministro explica, então, este aumento de 5,5%? É que mesmo a eficiência da máquina fiscal tem limites! Como tal, gostaríamos de perceber como é que consegue estes números.
Como é que consegue, por exemplo, o aumento de receita em relação ao IVA e ao imposto sobre o tabaco? Sr. Ministro, neste ano temos, em relação a este imposto, uma quebra de 7% e para o ano os senhores prevêem um aumento de 7,9%! Não sei se em Portugal o consumo de tabaco vai aumentar assim tanto, se vamos passar todos a fumar mais, mas não me parece que assim seja. Como é que se explica este aumento de receita? É que no Relatório que nos é apresentado não há qualquer explicação.
Mais: o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), sobre a gasolina, tem dois números no Orçamento, conforme se considere, ou não, a contribuição rodoviária. Considerando esta contribuição, o ISP, ao nível da sua cobrança, aumentará 6% durante o próximo ano. Estes são dados do seu Relatório, com base no qual viemos aqui fazer perguntas.
Por outro lado, Sr. Ministro, temos uma enormíssima preocupação por aquilo que se está a passar neste momento no nosso país no que toca ao respeito das garantias fundamentais dos contribuintes. Tem-se falado muito em liberdades e penso que as liberdades de reunião ou de associação sindical são importantíssimas.
Todavia, alguém – nós fá-lo-emos de certeza! – tem de se assumir definitivamente em Portugal como o partido que defende os direitos dos contribuintes, que são fundamentais.
Peguemos mais uma vez no Orçamento do Estado e no que nele nos é apresentado. A alteração proposta ao artigo 231.º da Lei Geral Tributária pressupõe mecanismos automáticos em relação à penhora de imóveis.
Têm vindo a lume notícias que não têm merecido qualquer comentário do Ministério das Finanças (apesar de o CDS já ter apresentado sobre isto um requerimento) a dizer que neste preciso momento estão a ser aplicadas medidas que ainda não foram aprovadas pelo Parlamento. Isto merece o direito à indignação parlamentar, Sr. Ministro. Não podemos admitir que um responsável das finanças venha, num jornal, dizer o seguinte: «As
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notícias que vieram a público sobre a antecipação de procedimentos por parte do fisco que ainda não têm cobertura legal são consideradas uma mera formalidade». Isto não são formalidades, Sr. Ministro. O facto de estarem a aplicar leis que ainda não foram aprovadas pelo Orçamento, para além de alterar a forma como se vê a maioria do Partido Socialista, problema que não é nosso, é um acto de uma gravidade extrema. O que lhe peço é que o Sr. Ministro assuma hoje no Parlamento a suspensão desta operação. Não é aceitável que se estejam a aplicar procedimentos que ainda não foram aprovados pelo nosso Orçamento. Não é aceitável que corra um e-mail pelas direcções de finanças a falar disto mesmo e a dizer «É preciso cobrar impostos em 2007». Estas matérias são de uma gravidade extrema. Aliás, é curioso que no mesmo jornal, no dia seguinte, tenha vindo a listagem de todos os imóveis que podiam ser penhorados. No dia seguinte e, curiosamente, no mesmo meio de comunicação social.
Outra coisa com a qual não concordamos e que denunciaremos até ao fim é a alteração proposta ao artigo 224.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. De acordo com esta proposta, pasme-se, passa a ser possível em Portugal penhorar créditos futuros de trabalhadores independentes.
Vamos tornar isto mais simples: com esta alteração passa a ser possível que alguém que tenha uma dívida perante o fisco e vá ao dentista receba uma notificação a dizer que os próximos pagamentos que terá de fazer ao dentista serão penhorados. Isto passa a ser possível. O Sr. Ministro acha-o razoável? Como é que ficam esses profissionais? Vamos aumentar a taxa de insucesso profissional em Portugal? Vamos deixar essas pessoas cair na bancarrota com este procedimento inaceitável de estar a penhorar créditos futuros? Não acredito, Sr. Ministro, que o seu sentido de justiça possa aceitar uma medida como esta.
Por outro lado, peço que o Sr. Ministro me enumere uma medida do Orçamento destinada a melhorar o funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais. Na verdade, não vejo uma única. Nada é feito em relação a esta simplificação.
Mas também é preciso terminar com a publicidade enganosa que nos foi apresentada. Tendo em conta as medidas deste Orçamento de que o Sr. Ministro falava esta manhã, começarei por dizer que consideramos importantíssimo apoiar as PME. Pensamos mesmo que é importante apoiar as PME que vão para o interior.
Cremos, contudo, que tal deve ser feito através de medidas eficazes, Sr. Ministro. Estar a dizer que essas PME vão ter, durante os cinco primeiros anos de actividade, uma taxa de 10% de IRC vai ter efeito «zero», Sr.
Ministro. Na realidade, durante os cinco primeiros anos as PME, naturalmente, não vão dar lucro, o que significa que não vão pagar imposto. Como tal, temos uma medida que fica muitíssimo bem no papel, mas que não tem efeito algum. Aliás, basta analisar o quadro sobre a despesa fiscal em relação a esta matéria para chegar a esta conclusão.
No que às creches diz respeito, altera-se o artigo 56.º-D do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Mas o Sr.
Ministro, por acaso, já leu o que está actualmente determinado no artigo 40.º, n.º 9, do Código do IRC? Nessa disposição diz-se uma coisa muito simples: «As empresas que tenham creches podem deduzir 140% do seu custo para a sua manutenção». Como tal, para as creches próprias, aquilo que os senhores vieram fazer, ao contrário do que anunciaram, foi dar um benefício para as doações a outras creches e não para a manutenção das creches próprias.
Sr. Ministro, sobre a despesa, a despesa com pessoal sobe na ordem dos 0,1%, mas eu queria que o Sr.
Ministro me dissesse, em relação aos números de funcionários públicos que tem, na ordem dos 14 000 — bem longe dos 75 000! —, quantos é que vão para a Caixa Geral de Aposentações. É porque todos esses correspondem a um custo de «2+1»: os «2» que vão para a Caixa Geral de Aposentações mais «1» que entrou. E não temos qualquer poupança! Mais: dos tais 14 000 funcionários, quantos é que pertenciam à Estradas de Portugal, quantos é que pertenciam aos Laboratórios, quantos é que pertenciam aos hospitais que passam a sair do perímetro do Estado? É que é muito fácil dizer-se que não há truques, que não há desorçamentação, mas passa-se a ter Estado fora do Estado, que é o que os senhores estão a fazer neste Orçamento.
Curiosamente, Sr. Ministro, no Programa de Estabilidade e Crescimento que Portugal tinha apresentado para o próximo ano previa-se que a despesa valesse 44% do PIB. Pois a sua previsão é de 45,1%. Esta diferença de 1,1% é superior aos 1225 milhões de euros que seriam poupados graças à reforma da Administração Pública e que não estão lá.
Aliás, procurar no Orçamento o PRACE é uma espécie de fazer aquele jogo «Onde está o Wally?», ainda por cima não o encontrando, porque ele não está lá. É que ainda podia ser pequenino, ainda podia tendencialmente aparecer alguma coisa, mas não aparece rigorosamente nada! Sr. Ministro, numa entrevista que o Sr. Ministro deu ao Expresso, diz a certa altura, sobre a alteração feita na Estradas de Portugal: «Esta operação é, no fundo, para transferir, de algum modo, o risco de financiamento para a empresa, mas também para introduzir o princípio do utilizador-pagador». Se o Sr. Ministro é tão a favor do princípio do utilizador-pagador, então o que é que estão a fazer as SCUT ainda em Portugal?! É que, para o ano, as SCUT vão custar 705 milhões de euros ao nosso erário! Há, pois, neste caso, com certeza, alguma confusão que não conseguimos perceber bem.
Por último, Sr. Ministro, gostaríamos de saber qual é o seu modelo de crescimento para a nossa economia.
Ouvimos falar muito de investimento público, mas essa conversa do «investimento público» também não é connosco. Pensamos que o crescimento da economia se deve fazer à custa das empresas. O papel essencial para que a economia cresça não é, com toda a certeza, do Governo, é do meio empresarial. E o que é preciso
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é tomar medidas «amigas» das empresas, «amigas» do investimento. Infelizmente, vemos muito pouco disso neste Orçamento.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, muito obrigado pelas suas questões.
Gostaria de lembrar ao Sr. Deputado que estou, de facto, muito preocupado com o futuro do País. E devemos olhar para as reformas que têm vindo a ser implementadas como sendo o reflexo de uma grande preocupação do Governo quanto ao futuro do País.
Se, por vezes, aponto para o passado é porque penso que quem fala sobre o futuro do País tem de ter credibilidade nas propostas e sugestões que avança. Julgo que olharmos para os actos ou omissões do passado permite ou não termos uma imagem credível dos nossos interlocutores. Por isso mesmo, vejo com muito espanto que partidos que estiveram no poder são agora os paladinos da redução da despesa, quando tiveram a oportunidade de impressionar o País, eles próprios, implementando reformas que contribuíssem de forma decisiva para essa redução da despesa. E eu não vejo nada na acção passada desses partidos que lhes dê crédito e autoridade para virem agora apontar um dedo a este Governo, dizendo que não está a reduzir a despesa. Sr. Deputado, recordo-lhe que, durante os governos do PSD/PP, o peso da despesa aumentou 2,3 pontos percentuais do PIB! Este Governo, em dois anos, reduziu-a em 2,4 pontos. Ora, vem agora o Sr. Deputado dizer-me que nós não estamos a reduzir o peso da despesa e que é pouco o que estamos a fazer?! Isto, vindo de quem vem, tem a credibilidade que tem.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Veja o seu relatório!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Com efeito, o Sr. Deputado fala-me dos efeitos das reformas no nosso Orçamento. Dou-lhe alguns elementos que lhe permitirão avaliar o efeito das reformas implementadas: durante os governos do PSD/PP, as prestações sociais cresceram, em média, 11% ao ano; durante os anos deste Governo, essas prestações sociais cresceram 5,7%, em média, ao ano, ou seja quase metade do crescimento verificado ao longo da vossa Legislatura, e esse valor é muito impulsionado pelo impacto do envelhecimento e do crescimento das pensões.
Sr. Deputado, quanto a impactos das reformas, dou-lhe o exemplo das despesas com o pessoal: as despesas com o pessoal representaram, em 2005, 14,55 do PIB; em 2007, representam 12,85 do PIB.
Mas vem o Sr. Deputado dizer: «Ah, há aí uns hospitais-empresas, etc.…» Sr. Deputado, em 2006, os gastos com o pessoal, expurgados dos hospitais-empresa, foram de 21 490 milhões de euros; em 2007, expurgados do mesmo efeito, foram de 21 168, 9 milhões de euros. Houve, pois, uma redução nominal de cerca de 320 milhões de euros, entre 2006 e 2007, no âmbito das despesas com o pessoal, pondo de lado essa externalização de alguns serviços que referiu.
Não é um exercício de «faz-de-conta», Sr. Deputado, é um efeito real de reformas que estão a ser implementadas, que terão um impacto quantitativo, como mostrei, e que terão um impacto muito importante no modelo de gestão dos nossos serviços públicos.
O Sr. Deputado quer mais impactos de reformas? Já o referi: a redução do peso da despesa, em particular da despesa primária, com uma redução de 2,7 pontos percentuais da despesa primária, despesa essa que, durante o vosso mandato, aumentou 2,6 pontos percentuais.
Isto, em euros, sabe o que é que quer dizer, Sr. Deputado? Quer dizer que enquanto os senhores foram governo gastaram mais 3740 milhões de euros e nós, com estas medidas, poupamos, em termos de despesa primária, 4450 milhões de euros. É esta a diferença entre aquilo que este Governo está a fazer com reformas e aquilo que os senhores não fizeram, querendo agora vir dar lições a este Governo de boa gestão das finanças públicas. Desculpe-me, Sr. Deputado, ouço com muita atenção as suas observações, respeito-as, mas acredite que, neste domínio, penso que quem pode dar lições é este Governo.
Ainda quanto à questão da despesa para o próximo ano, realço aquilo que esta manhã tive a oportunidade de referir. No próximo ano, temos uma redução do défice orçamental de 0,6 pontos percentuais do PIB, sendo metade desta redução (de 0,3 pontos percentuais) feita através de uma redução do peso da despesa no PIB.
E é de 0,3 pontos percentuais, porque está inscrito neste Orçamento um efeito de acréscimo de receita que tem de ser necessariamente acompanhado de despesa, que acompanha esse receita, que tem a ver com as transferências comunitárias no âmbito do QREN. Do ponto de vista do saldo é neutro, é receita e despesa em simultâneo, mas representam 0,5 pontos percentuais, quer a pesar do lado da receita quer a pesar do lado da despesa. E, não fora este efeito das transferências adicionais, graças à entrada em funcionamento do QREN, nós teríamos, em boa verdade, uma redução da despesa de 0,8 pontos percentuais que, aliás, seria superior à própria redução do défice esperada para o próximo ano.
Quanto ao cenário macroeconómico, Sr. Deputado, esta manhã já tive oportunidade de tecer considerações sobre essa matéria. Estou convencido de que o cenário em que assenta este Orçamento é um cenário
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realista, que não ignora a conjuntura internacional em que vivemos, que não ignora os eventuais impactos que a turbulência vivida nos mercados financeiros poderá ter sobre a actividade económica das nossas economias. Mas, apesar dessas incertezas e dessa turbulência, continuo a acreditar que é um cenário que, graças à robustez acrescida da nossa economia, em virtude das reformas que têm vindo a ser implementadas, e da confiança acrescida existente na nossa economia, aponta para que a nossa economia continuará a recuperar e que atingirá um nível de crescimento que a coloca na média do crescimento da Zona Euro.
Faz parte deste processo de recuperação não só a manutenção do crescimento das exportações, embora ligeiramente revistas em baixa, mas também a recuperação, que é já notória, do investimento na nossa economia.
O Sr. Deputado não acredita na iniciativa dos empresários portugueses...
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Oh! Oh! Oh!…
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Ao considerar que o investimento não irá crescer, não acredita nos empresários portugueses. O Governo acredita nos empresários portugueses e acredita que eles irão investir na nossa economia.
O Sr. Deputado fala-me nos impostos, dizendo que o que seria razoável era uma carga fiscal de 35%. Sr. Deputado, baseou-se em algum prémio Nobel, em algum estudo científico para dizer que seria 35%?! Isso parece «um coelho tirado da cartola», Sr. Deputado! Diz 35% como poderia dizer 37%, ou 40%, ou 30%. Isso não tem qualquer fundamento! Aliás, Sr. Deputado, tenho aqui um gráfico que faz a comparação da carga fiscal em Portugal e nos países da União Europeia. Não sei se o Sr. Deputado o consegue ver, mas digo-lhe que Portugal está abaixo da média dos países da União Europeia. Temos uma carga fiscal abaixo da média dos países da União Europeia e, curiosamente, abaixo da Espanha, que tanto gosta de citar como termo de comparação.
Portanto, o Sr. Deputado pode não gostar da carga fiscal, e tem todo o direito de não gostar da carga fiscal,…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Os portugueses também não gostam!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — … mas não pode dizer que temos uma carga fiscal exageradíssima em comparação com a dos demais países da União Europeia.
Mais: gostaria de frisar que o aumento verificado na carga fiscal se tem devido, essencialmente, não a agravamento de impostos mas, sim, à melhoria da cobrança fiscal, com base no combate à fraude e evasão fiscais e à eficiência da administração fiscal.
O Sr. Deputado achou mal que se alargasse a base de tributação.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Perguntei!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — E eu pergunto: acha mal que se alargue a base de tributação? Acha mal que se façam pagar os impostos a quem foge ao fisco? Acha mal, Sr. Deputado?
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é isso!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Não! É que, de facto, o que nós estamos a procurar conseguir é que o «desporto» nacional que granjeou grandes praticantes no nosso país, que é o da fuga e fraude ao fisco, seja um desporto cada vez menos praticado, com medidas adequadas de combate. Ora, o combate à fraude e à evasão repercute-se em mais receita e reflecte-se, inevitavelmente, num maior peso da receita fiscal no PIB. Portanto, este aumento do peso da receita fiscal no PIB não é porque estejamos a sobrecarregar com taxas mais elevadas a tributação dos nossos contribuintes mas, sim, porque estamos a trazer ao sistema aqueles que se têm furtado, até agora, a cumprir as suas obrigações fiscais. E fazemos isto em nome da justiça e da equidade fiscais e também em nome da própria concorrência, porque entendemos que é desleal que haja empresas que tenham vantagens competitivas no mercado só porque se conseguem furtar às suas obrigações fiscais. Isto desvirtua a verdade da concorrência e, por isso, em meu entender, é uma vantagem ilícita.
Os aumentos do IRS, do IVA e do imposto sobre os tabacos estão explicados no Relatório que acompanha esta proposta de Orçamento, mas, de forma muito breve, gostaria de referir que a evolução do IRS, com certeza, traduzirá a evolução da economia, do crescimento normal dos rendimentos gerados na economia, que será, em termos nominais, de 4,8% a 4,9% — é o crescimento nominal da nossa actividade económica. É óbvio que, mantendo as taxas, não sobrecarregando as taxas de imposto, e com alguma eficiência fiscal, naturalmente, os impostos cobrados acompanharão o andamento da economia.
Quanto à questão do aumento da receita de IVA, Sr. Deputado, que também já foi ventilada esta manhã, tem a ver com os reembolsos. Nós, este ano, fizemos um conjunto de reembolsos excepcionalmente elevado, diria, tendo em vista eliminar atrasos que se constataram no processo de reembolsos. A informatização das declarações, neste domínio, permitiu-nos, de facto, melhorar a gestão dos reembolsos, detectar e resolver
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situações de atrasos. Porém, isto representou um esforço de cerca de 520 milhões de reembolsos a mais relativamente àquilo que significará a velocidade de cruzeiro de reembolsos no IVA. Ora, se para o ano já não teremos de fazer esta correcção, haverá, com certeza, um impacto que não deixará de ser positivo na evolução do IVA.
Quanto ao aumento da receita do imposto sobre os tabacos, tem a ver com um decreto-lei que foi publicado em Agosto e que limita a «stockagem» de tabaco como forma de evitar a tributação adicional. Há um aumento de 11% no imposto sobre os tabacos e as limitações à «stockagem» impedem que haja uma forma de tornear esse aumento, «stockando» este ano e evitando o imposto do próximo ano. Portanto, isto traduz uma maior eficiência neste domínio.
Relativamente às garantias dos contribuintes, Sr. Deputado, não desistirei de lutar contra a fraude e evasão fiscais, adoptarei todas as medidas que forem necessárias para as combater, mas não deixarei de respeitar os direitos dos contribuintes. E, se alguma vez a administração fiscal desrespeitar os direitos dos contribuintes, serei, obviamente, o primeiro a exigir que seja reposta a legalidade e o respeito por esses direitos.
A notícia que saiu — e, mais uma vez, penso que dão mais importância às notícias — não tem fundamento, foi desmentida, enviámos para o jornal um desmentido que ainda não foi publicado, porque o jornal se recusou a publicá-lo. Aliás, vamos accionar judicialmente o jornal por não ter publicado o desmentido. Mas, repito, essa notícia não tem fundamento e não estão a ser adoptadas medidas que ainda não tenham sido aprovadas ou que não tenham cobertura legal.
Quanto à questão da penhora de créditos futuros, Sr. Deputado, recordo-lhe que esta medida vai no sentido de permitir estender a penhora a créditos futuros no período de um ano.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Renovável?!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Creio também que não podemos, até por um sentido de justiça, tratar pior aqueles que têm contratos prolongados e continuados, como, por exemplo, um trabalhador que tem um contrato e vê penhorado o seu salário naquilo que ainda não ganhou mas vai ganhar. Não vejo muita diferença entre o tratamento daqueles que são titulares de rendimentos por conta de outrem e o tratamento dos que são titulares de outros tipos de rendimentos, como o caso que referiu no seu exemplo. Tenho, com certeza, muito respeito pelos dentistas e por outras profissões do género, Sr. Deputado, mas, em relação a quem deve ao fisco, a minha atitude só pode ser uma: tem de pagar, tem de cumprir as suas obrigações fiscais, seja dentista, seja advogado, seja trabalhador por conta de outrem, seja quem for. E será esta atitude que sempre terei, enquanto for responsável pelo Ministério das Finanças! Quem deve ao fisco tem de cumprir as suas obrigações fiscais! Relativamente à questão da despesa fiscal e à medida para as PME, o Sr. Deputado disse que não tem impacto nenhum e que, aliás, a despesa fiscal não o reflecte. Tem toda a razão, Sr. Deputado, mas permitame que lhe chame a atenção para o facto de que, pela sua natureza, essa medida terá uma despesa fiscal não já em 2008 mas em 2009, reflectir-se-á na despesa fiscal de 2009.
Quanto às creches, não ignoro aquilo que apontou, sei da existência do apoio às creches das empresas, mas, Sr. Deputado, nem todas as empresas têm uma dimensão ou um número de trabalhadores que justifiquem que cada uma delas tenha uma creche para os filhos dos seus trabalhadores. Portanto, as medidas de apoio não devem ser só para as empresas de maior dimensão, onde, de facto, se justifica a existência de uma creche, mas para permitir e promover que as empresas possam contribuir para a criação de equipamentos neste domínio que possam, inclusive, ser partilhados por várias empresas. E daí que nos pareça que aquilo a que chamou uma «doação» com este propósito possa também ter um enquadramento fiscal incentivador, porque entendemos que a questão da natalidade não passa apenas por incentivos no abono de família, por incentivos fiscais, como os que estão contemplados no Orçamento, mas também pela disponibilização de equipamentos que, de facto, facilitem às famílias a educação e guarda dos seus filhos enquanto trabalham. E parece-nos que este esforço não deve ser só do Estado. O Estado está a adoptar iniciativas neste domínio, mas deve chamar-se a este esforço a sociedade civil e, em particular, as empresas.
Creio que, em relação às outras questões que suscitou, como as despesas com pessoal e o peso da despesa, já teci considerações suficientes para o esclarecer.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me uma interpelação à Mesa?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, relativamente à ordem de trabalhos e à intervenção que acaba de ser feita pelo Sr. Ministro, quero apenas dizer que o CDS fará chegar à Mesa, embora, com certeza, o Sr. Presidente não precise disto, porque é um insigne jurista, a norma segundo a qual o máximo que se pode penhorar, em relação a salários de trabalhadores dependentes, é um terço, enquanto que, de acordo com este regime, a penhora relativa aos trabalhadores independentes será pela totalidade.
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O Sr. Presidente: — Para formular as suas perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, seria, certamente, injusto dizer que, neste longuíssimo solilóquio em que se vai transformando esta primeira reunião com o Ministro de Estado e das Finanças, não houve nenhuma novidade. É que registei, pelo menos, uma novidade, que é o facto de o Governo, ainda agora, se ter vangloriado de, comparado com o anterior Governo de direita, ter reduzido a metade a evolução das prestações sociais. Sr. Ministro, compreenderá que, num país com 2 milhões de pobres e onde mais de metade dos desempregados não tem subsídio de desemprego, este autoelogio do Governo é a prova de que a quem tem dificuldades, em Portugal, mais vale ter alguma prudência, porque, com amigos assim, no Governo, não precisa de inimigos. E, em certa medida, Sr. Ministro, essa sua afirmação é um resumo deste Orçamento.
Quero suscitar-lhe, concretamente, dois tipos de questões, precisamente na ordem que veio convocar, o primeira dos quais sobre o défice e o segundo sobre os «negócios» do Orçamento.
Não há intervenção em que o Sr. Ministro não sublinhe o facto de se poderem vir a alcançar 3% de défice até ao final de 2007 e de estarem previstos 2,4% para 2008. Confronta isto com o que sucedeu nos Governos anteriores e sublinha a grandiosidade desta conclusão.
Ora, Sr. Ministro, eu gostaria que nos falasse um pouco sobre o futuro, porque, se vier a ser verdade que, em 2008, se alcancem os 2,4%, nos termos do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do programa contratado com Bruxelas — recentemente reafirmado pelo Comissário Almunia, em Portugal —, o Governo ver-se-á obrigado a impor, nos futuros Orçamentos para 2009 e para 2010, uma redução superior àquela que obtém se conseguir os seus resultados em 2008, visto que, em 2010, terá de estar no equilíbrio, ou seja, nos 0,4% ou nos 0,5%, e, portanto, teria de reduzir, pelo menos, 1% e não 0,6%, como ocorrerá no próximo ano orçamental.
Ora, isto sublinha, sobretudo, um facto político e social importantíssimo: Portugal teve imensas dificuldades, passou sacrifícios brutais, ao longo da trajectória de redução nos últimos anos e chegou a metade, mas a próxima metade vem depois, porque o objectivo que nos é imposto e que o Governo aceitou é que boa política é não ter défice orçamental.
Diga-se, de passagem, que o Sr. Ministro sabe — tal como eu sei e como tantas pessoas que nos ouvem sabem — que nenhum dos países que nos impõe tal meta de redução do défice orçamental jamais a aplicou para si próprio quando tinha um nível de desenvolvimento como Portugal. Nenhum desses países passou por isso. Esses países tiveram um desenvolvimento que lhes permitiu um investimento expressivo, que lhes permitiu ganhar tempo, que lhes permitiu avançar nas qualificações e que lhes permitiu infra-estruturar o país…! No entanto, Portugal não o poderá ter e, pelo contrário, terá de reduzir serviços públicos.
O Sr. Ministro explicar-nos-á, quando se pronunciar sobre esta matéria, o que é que vai ser a segunda metade da vaga de reduções no défice orçamental previstas para 2009 e 2010.
O segundo tipo de questões que quero colocar-lhe diz respeito a alguns dos «negócios» deste Orçamento.
O Sr. Ministro, quando apresentou o Orçamento ao País, destacou uma norma fiscal nova, que é bonita e que equipara uma série de empresários individuais ao regime fiscal extraordinariamente privilegiado das sociedades gestoras de participações sociais e chama-lhes os business angels, os «anjos dos negócios».
Aliás, o Sr. Ministro, na resposta anterior, sublinhou enfaticamente: «O Governo acredita nos empresários».
Ora, peço-lhe que nos explique o que é que são estes «anjos dos negócios» e em nome de quê é que um empresário em nome individual, ou seja, um intermediário de negócios vai ter essa mesma amplidão de benefícios fiscais que empresas razoavelmente escrutinadas, como são as SGPS, já têm, para percebermos o que é o «angelismo» do Governo.
Vamos, agora, aos «negócios»: há dois negócios que eu peço que me explique, tal como a filosofia que está por detrás deles.
O primeiro é muito simples: trata-se da privatização dos CTT. Gostava de saber se o Governo pretende, em 2008, avançar com a privatização desta empresa. No relatório do Orçamento não se refere a isso, mas em declarações avulsas de membros do Governo os CTT aparecem na listagem dos serviços que devem ser privatizados.
Faço-lhe esta pergunta não só pelos CTT em si, pelo grande serviço que eles representam, mas também por uma questão mais de fundo, a que o Sr. Ministro terá de ser sensível: é que este Governo especializou-se em privatizar unicamente em todos os sectores onde não há concorrência.
Normalmente utiliza-se como argumento para a privatização de negócios do Estado que eles favorecem o mercado de capitais, que aumentam a concorrência e que beneficiam os consumidores. Ora, eu não consigo ver uma única privatização das previstas para o próximo ano que seja de um sector onde há qualquer concorrência. Há concorrência nos CTT? Vai haver várias redes eléctricas nacionais? Já está a ver a complicação que seria a instalação de postos de altíssima tensão, uns cruzados com outros, uns feitos por um empresário e outros feitos por outro?!... Não vai haver concorrência e o Governo só privatiza porque não existe qualquer concorrência, porque é um negócio absolutamente garantido e com margens de rentabilidade asseguradas pelo facto de ser um monopólio e pelo facto de ser um monopólio natural.
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O mesmo se diga em relação a outros sectores, onde pode haver, no máximo, um pequeno oligopólio de dois ou três intervenientes, como é o caso da electricidade, da distribuição dos combustíveis ou de outras medidas deste tipo.
Há alguma razão concorrencial para vender os CTT? Há alguma razão de qualidade de serviço, portanto de benefício do consumidor, para vender os CTT ou é meramente uma operação de encaixe, que garante, simultaneamente, a um operador privado que, no futuro, terá taxas de rentabilidade derivadas de ser monopólio? Isto leva-nos à questão da Estradas de Portugal, sobre a qual eu peço que se pronuncie em detalhe. Na Estradas de Portugal temos exactamente o mesmo caso: temos uma operação para conseguir uma privatização parcial — venda até metade da empresa que tutela e gere toda a estrutura das redes rodoviárias nacionais —, não em nome da concorrência porque será uma única empresa, uma vez que há uma rede de estradas e não vão ser construídas outras. Trata-se, portanto, de gerir o património que o Estado construiu em regime de monopólio partilhado entre capitais privados e capitais públicos.
Mas esta questão, para além do esclarecimento sobre o fundamento, sobre a razão, para privatizar a gestão da Estradas de Portugal, merece também um esclarecimento, porque há aqui qualquer coisa que cheira a esturro, Sr. Ministro de Estado e das Finanças…! Se virmos a história legal do que o Governo está a fazer, percebe-se que isto não está bem contado: no dia 14 de Junho, o Governo fez uma resolução do Conselho de Ministros a dizer que a Estradas de Portugal, E.P.E., passará a ser uma sociedade anónima e, no dia 16 de Agosto, anunciou a aprovação do decreto-lei que transforma a empresa em sociedade anónima. Mas passaram mais de dois meses e o decreto-lei não aparece no Diário da República. É o Presidente da República que não quer assiná-lo? O que é que se passa? No dia 27 de Setembro, um mês e meio depois de ter anunciado um decreto-lei que ainda não existe, o Governo diz que para a nova empresa sociedade anónima será alargado o prazo de concessão até dia 31 de Dezembro de 2099. Uma empresa meio pública meio privada terá a gestão em exclusivo das estradas de Portugal, de todas as rodovias, até 31 de Dezembro de 2099.
No Orçamento do Estado é-nos referido todo o tratamento financeiro desta empresa.
(Neste momento o Sr. Ministro de Estado e das Finanças troca impressões com o Sr. Secretário de Estado das Finanças).
Não sei se o Sr. Ministro precisa de algum esclarecimento, mas eu posso esperar…
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Não!
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Simultaneamente, a Assembleia da República vota uma proposta do Governo, que é aprovada, assinada pelo Presidente da República e publicada, que atribui uma contribuição do serviço rodoviário — adivinhe-se a quem!... — à empresa que vai deixar de existir. O Governo já tinha determinado, já tinha feito o decreto-lei — que não existe, porque não está no Diário da República — que transforma a empresa em sociedade anónima, mas a Assembleia da República, como se nada tivesse a ver com isso, aprova uma proposta de lei que atribui uma contribuição de serviço rodoviário, ou seja, um imposto, à Estradas de Portugal, E.P.E., mas não à Estradas de Portugal, S.A.
Quais são os problemas? Sr. Ministro, acha que é constitucional um imposto afectado à rentabilidade de capitais privados? Não se trata de uma indemnização compensatória! É um imposto afectado à garantia da rentabilidade de uma empresa, metade de capitais públicos e metade de capitais privados. Pela primeira vez na História portuguesa nós pagamos um imposto para pagar a taxa de rentabilidade de um investimento de determinados capitais privados!! E não é por acaso que é até 31 de Dezembro de 2099! Isto é constitucional, Sr. Ministro? Eu percebo porque é que o Governo faz o truque de atribuir um imposto à empresa pública, apesar de já ter decidido que a empresa pública passa a ser uma sociedade anónima pública e privada: é porque, depois, pensa que se escapará a uma transição entre uma coisa e outra. Mas é uma mudança! E essa mudança é a privatização em parte da empresa Estradas de Portugal, que pode ir até 50%!! Acresce ainda que, do ponto de vista orçamental, isto é um berbicacho. É certo, Sr. Ministro, que o governo anterior, de Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, sob a égide de um «mago» das finanças, que era Bagão Félix, já tinha proposto, por razões orçamentais, tirar a Estradas de Portugal da Conta do Estado. Foi-lhe recusado pelo EUROSTAT e, agora, é recusado pelo Banco de Portugal. Não funciona! Não tenha essa ideia! Não afecta as contas do Estado, nada!, porque aqui não há qualquer receita própria, há simplesmente uma afectação de uma parte de imposto!! Portanto, Sr. Ministro, falando dos «negócios», do «coração» deste Orçamento, o que pretendo que nos explique são simplesmente duas coisas: em primeiro lugar, porque é que este Governo só faz negócios impossíveis do ponto de vista concorrencial? A sua única preocupação é privatizar. Sim, senhor! Mas privatizar o quê? Privatizar onde os sectores privados que vão ser beneficiários não têm concorrência! São eles que estabelecem os preços. Não há concorrência. Há um regulador, mas não há concorrência!
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Em segundo lugar, porquê os CTT? Porquê a Estradas de Portugal? Porquê a concessão até 31 de Dezembro de 2099? Porque é que a nova empresa Estradas de Portugal, S.A., pode estabelecer subconcessões? Ou seja: não é o Estado que determina a gestão das estradas mas, sim, a empresa privada-pública que vai subconcessionar troços das estradas de Portugal? Um último aspecto, Sr. Ministro: apesar de não haver decreto-lei ou de ele estar em segredo, porque o Presidente da República não o assinou e ele não foi publicado, ontem ainda apareceram anúncios no Diário da República para contratar serviços para a Estradas de Portugal, E.P.E. Só que, desde 14 de Junho, o Governo diz que será uma sociedade anónima.
Acresce ainda que viemos a saber pela comunicação social que há um contrato de concessão a uma empresa, que ainda não existe, a garantir-lhe que poderia impor portagens nos IP e nos IC. Como é possível, Sr. Ministro, que nesta obscuridade, que cheira a esturro desta forma, haja um contrato de concessão, uma operação em curso, em que a Assembleia da República aprova, por via da maioria, um imposto afecto a uma empresa que já sabe que acabou e que não vai existir? E o Orçamento diz-nos que, no próximo ano, a sociedade anónima, com os tais capitais públicos e privados, já vai ter este princípio de concessão nos tão auspiciosos anos que vão até 2099.
Eu sei que o Sr. Ministro só é ministro durante mais dois anos, mas explique-nos, por favor, a política secular do Governo a este respeito.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado está preocupado com a política secular do Governo, mas eu estou preocupado com as condições seculares que os cidadãos portugueses poderão usufruir. E isto tem a ver com a questão das prestações sociais que referiu.
O Sr. Deputado diz que eu me vangloriei da redução da taxa de crescimento das prestações sociais. Ora, eu acho que devemos ter razões para isso. Sr. Deputado, não tenha ilusão! Com prestações sociais a crescerem 11% ao ano — e não são precisos muitos anos — não há pino que chegue para suportar essas prestações sociais! O Sr. Deputado sabe isso. E sabe o que é que isso quer dizer? É o fim das prestações sociais, é o fim das pensões, é o fim dos cuidados de saúde para os portugueses.
Portanto, aquilo de que me vanglorio, Sr. Deputado, é de criar condições para que, no futuro, os portugueses possam contar essencialmente com pensões pagas e com cuidados de saúde, que são as grandes componentes de despesa aqui, nas prestações sociais.
Por isso, é importante travar este crescimento, que é insustentável, e o Sr. Deputado sabe isso muito bem.
O nosso objectivo é ter um défice de 2,4% do PIB em 1998 e de 1,5% do PIB em 2009. E, daqui a um ano, cá estaremos nós a discutir o Orçamento do Estado para 2009, com um objectivo que, claramente, será consentâneo com os nossos compromissos de consolidação.
O Sr. Deputado quer saber qual vai ser a segunda vaga de reduções? Vamos dar tempo ao tempo. Estou agora mais preocupado em discutir a actual vaga de políticas, sendo certo que as medidas que tomarmos hoje são medidas que nos ajudarão amanhã a obter os resultados de que tanto necessitamos para atingir os objectivos que nos propusemos.
O Sr. Deputado tem uma visão da política do tipo «guionista de filme de teoria da conspiração»… Sim, creio que vê por detrás de tudo isto sempre grandes conspirações a favor do capital e da iniciativa privada.
Aliás, não esconde o seu preconceito contra a iniciativa privada, o «mal» de todos os vícios que preocupam a economia portuguesa…! Todo o seu discurso, Sr. Deputado, é o discurso de uma desconfiança permanente sobre a iniciativa privada, porque vê nela a corporização do mal. E quase que tem uma atitude farisaica na forma como combate os interesses privados e a promoção da iniciativa privada. Isso foi claro na questão dos business angels, ou dos investidores de capital de risco. Business angels é um termo da gíria financeira nestas matérias, a que na expressão portuguesa chamámos investidores de capital de risco.
No fundo, o que se pretende com esta figura, Sr. Deputado? Precisamente incentivar a iniciativa, incentivar pessoas capazes de assumir riscos, de apostar em novos negócios de risco mais elevado do que os negócios habituais, de investir e de inovar. Porque é sabido que é graças à iniciativa deste conjunto de agentes económicos capazes de arriscar mais em negócios novos e inovadores, que até nem sabem à partida se irão ter sucesso ou não, mais assumem esse risco, que podemos ver florescer novas actividades altamente inovadoras e competitivas, contribuindo para a inovação e a modernização do nosso tecido produtivo. Por isso nos parece que se justifica que estes investidores de capital de risco possam ter um tratamento fiscal que os incentive a esta postura no mundo dos negócios, que só poderá ser benéfica para a renovação do nosso tecido produtivo e para o reforço da nossa competitividade.
Quanto à questão das privatizações, o Sr. Deputado fala nos CTT. Não foi tornado público e divulgado o nosso programa de privatizações para o próximo biénio. Os CTT não fazem parte do pacote de entidades na nossa lista do primeiro programa de privatizações que apresentámos, mas as referências aos CTT têm a ver com as transformações que estão em curso na Europa de liberalização da actividade postal. Esta é uma actividade que vai ser liberalizada na Europa, que vai ser concorrencial. Aliás, é já notório, e o Sr. Deputado sabe-
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o tão bem como eu, que há certas áreas de actividade dos CTT que já estão sujeitas a concorrência, onde há outras empresas que disputam com os CTT certas áreas de operação, certas áreas de negócio, o que reflecte já a liberalização de algumas dessas actividades e a existência de concorrência.
Quanto a esta matéria não vou dizer-lhe se vamos ou não privatizar os CTT, mas devo dizer-lhe que não tenho preconceitos neste domínio. Também acho que as privatizações, tendo, obviamente, por objectivo entregar à iniciativa privada a exploração de áreas que entendemos importantes da actividade económica, podendo assim suscitar maior concorrência onde, de facto, a estrutura seja concorrencial, não têm necessariamente de ficar por aí, porque a privatização pode também contribuir, em áreas onde não haja concorrência, para maior eficiência. Não podemos ignorar que o objectivo de melhor eficiência na gestão das empresas e na prestação dos serviços é também um ganho para todos nós, designadamente para os consumidores.
Portanto, essa questão de que só se privatiza o que não tem concorrência…, no fundo, parece que estamos aqui a beneficiar ou a criar monopolistas privados, enquadra-se bem no mundo que o Sr. Deputado constituiu, conspirativo, em torno destas coisas, onde, de facto, a iniciativa privada é algo de muito mau que deve merecer o nosso repúdio.
Quanto à questão sobre a Estradas de Portugal, gostaria de recordar ao Sr. Deputado que não há aqui nada de obscuro, conforme quis dar a entender. Porque se houvesse alguma coisa de obscuro, Sr. Deputado, o Governo nem se tinha dado ao trabalho de aprovar uma resolução em Conselho de Ministros em que mostra o «jogo» todo, permita-me a expressão! O Governo aprovou uma resolução em Conselho de Ministros em que diz o que quer fazer da Estradas de Portugal, o que vai fazer e quais são as suas intenções. Se houvesse alguma coisa a esconder nem teria havido resolução do Conselho de Ministros! Portanto, há aí uma grande contradição no conjunto de argumentos que procura avançar, dando a entender que há algo de muito obscuro em torno da mudança do modelo de financiamento da Estradas de Portugal.
Queremos que a Estradas de Portugal tenha receitas próprias, na base de uma contribuição especial. Não sou constitucionalista e, portanto, não vou pronunciar-me como sendo minha uma opinião sobre matéria constitucional mas, ao que tive o cuidado de apurar, não suscita questões de constitucionalidade a existência de uma contribuição especial nesta matéria.
Há um processo legislativo com várias vertentes legislativas em torno da Estradas de Portugal; esse processo está a seguir o seu curso normal e teremos em breve o quadro que delineámos na dita resolução do Conselho de Ministros. É óbvio que enquanto o decreto de transformação da Estradas de Portugal em S.A.
não existir, ou enquanto esta não for transformada de facto em S.A., o que temos é ainda uma E.P.E. e sempre que falarmos oficialmente na Estradas de Portugal teremos de falar na Estradas de Portugal, E.P.E., porque é a realidade jurídica que ainda existe. Mas a Estradas de Portugal, S.A., sucederá à Estradas de Portugal, E.P.E., com todas as transformações entretanto introduzidas. Penso que nada há aqui, absolutamente nada de obscuro! Gostaria de referir que o Governo procurou proceder a estas modificações com a maior transparência, porque não queremos que, de forma alguma, sejam suscitadas dúvidas quanto às implicações disto em termos orçamentais.
Não estamos a contar, nem contaremos, com qualquer efeito de tratamento contabilístico em torno destas mudanças na Estradas de Portugal para obter os resultados a que nos propomos. Não! A Estradas de Portugal tem o mesmo tratamento contabilístico que tem tido até agora, que permanece, e é com ele que definimos objectivos orçamentais, quer para este ano de 2007 quer para os anos seguintes!
O Sr. Presidente: — Para a última intervenção desta primeira ronda de questões, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, antes de mais, quero saudá-lo, bem como à sua equipa, pela presença nesta nossa primeira reunião formal, já depois da entrega do Orçamento do Estado.
Sr. Ministro, logo no dia em que V. Ex.ª entregou o Orçamento do Estado na Assembleia da República tivemos ocasião de vê-lo na televisão a apresentar as principais linhas de força do Orçamento do Estado para 2008 e a reafirmar aquilo que já toda a gente esperava — aliás, nem de outra forma poderia ser entendido, tendo em atenção os antecedentes e as políticas que este Governo tem prosseguido —, ou seja, qual era o grande objectivo deste Orçamento do Estado. E, mais uma vez, como é óbvio, é a redução do défice.
Achei curiosa a forma como o Sr. Ministro, nessa apresentação pública, justificou esta prioridade que continua a dar-se ao défice. Em primeiro lugar, é importante a redução do défice porque é bom, disse o Sr. Ministro, e, em segundo lugar, porque melhora a imagem de Portugal. Bem, ninguém tem dúvidas de que reduzir o défice é positivo, mas o problema — e isso também suscita uma observação — é que esta onda de alegria que extravasou pelos portugueses com a redução do défice foi obtida, no fim de contas, à custa de quê? Quais é que foram os sacrifícios, as alterações, aquilo que deixámos de crescer para atingir este défice? Certamente que para isso contribuiu uma política que este Governo tem prosseguido de diminuição do papel do Estado em relação às suas funções sociais e de privatização de muitas dessas funções.
Mas o Governo, que quer dar a ideia de que este Orçamento do Estado não é apenas virado para o défice, tentou tirar uma ou duas cartas da manga, designadamente a falada subida do investimento público que viria
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contrariar, afinal, os tais anos de míngua, os tais anos em que não houve crescimento do investimento público.
E sem dúvida que é importante, e estaremos todos de acordo, que o Orçamento do Estado seja um instrumento o mais claro e rigoroso possível, não apenas rigoroso para os portugueses mas que seja um instrumento transparente, claro e acessível para todos.
Desde logo, suscitou-nos uma grande questão o Sr. Ministro ter anunciado nessa apresentação pública que o PIDDAC, que é o principal programa de investimentos que temos, iria subir cerca de 6%, salvo erro. E, no entanto, Os Verdes, ao olharem numa primeira leitura, o que observaram foi uma descida nominal de 27% no PIDDAC, de cerca de 4978 milhões de euros para 3616 milhões de euros para 2008, o que dá uma descida de mais de 1300 milhões de euros.
Ora, já compreendemos, aliás, até porque o relatório faz referência a isso, que haverá aqui outros preponderantes, nomeadamente a questão da Estradas de Portugal. Deixando agora «de molho» a questão da desorçamentação que por essa via pode vir, pelo facto de sair tudo o que diz respeito a estradas e que está agora na Estradas de Portugal, que tem autonomia jurídica e financeira, o PIDDAC, naturalmente, teria de ser reduzido e de apresentar valores inferiores. Ora, eu gostava que o Sr. Ministro explicasse qual vai ser a transferência que o Estado ainda vai operar para a Estradas de Portugal para o próximo ano e de compreender se ainda assim, apenas com este facto da Estradas de Portugal, isso pode justificar uma interpretação de subida do PIDDAC. Isto é, será que essa transferência para a Estradas de Portugal vai ser superior a 1360 milhões de euros? Gostaríamos que clarificasse essa questão.
Por outro lado, já que estamos a falar de PIDDAC, Os Verdes também não podem deixar de chamar a atenção para o facto de este, mais uma vez, ser um PIDDAC de alguma forma derrotado em relação ao objectivo de combater as assimetrias regionais. Porque, Sr. Ministro, não basta reduzir a taxa do IRC nalguns concelhos no interior do nosso país quando se opera uma verdadeira sangria de serviços públicos nesses mesmos concelhos; não basta anunciar algumas medidas avulsas quando o pano geral de fundo é extremamente preocupante. Designadamente, quando olhamos para o PIDDAC — e falando apenas de verbas que dizem respeito aos distritos individualmente considerados, sem falar das verbas que dizem respeito a vários distritos —, a leitura que podemos fazer é a de que só Lisboa e Porto têm mais de 40% destas verbas de PIDDAC e que a média dos outros distritos, Sr. Ministro, é cerca de 2%. Então, como é que é possível combater as assimetrias regionais se continuamos, ano após ano, Orçamento após Orçamento, a manter estas desigualdades no Orçamento do Estado, sem tentar fazer um caminho de inversão relativamente a esta situação? Depois, Sr. Ministro, V. Ex.ª afirmou já hoje, aqui, que este Orçamento do Estado combate a injustiça fiscal.
Ora eu gostaria de perceber onde é que combate essa injustiça fiscal quando temos um aumento do peso dos impostos indirectos em PIB, face aos impostos directos. Como todos sabem os impostos directos são os mais socialmente injustos porque são socialmente cegos, atingem de igual modo todos os contribuintes, independentemente do seu nível de rendimento.
Ora, isto relembra-nos a questão do IVA que foi aumentado não só pelo anterior governo de direita mas também pelo Governo do Partido Socialista, dizendo que era transitório. E a questão que se coloca é a de saber até quando é que é transitório. É esta a questão que fica no ar. Será que o Sr. Ministro nos pode dar uma ideia? Entretanto, o Governo aumenta a carga dos impostos indirectos, por exemplo, com sujeição a IVA da taxa do audiovisual que os portugueses pagam pelos serviços de televisão e de radiodifusão, que vem incluída, como todos sabem, na factura de electricidade.
Ora, quanto a esta questão o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares já veio dizer que não haverá aumento nominal desta taxa, mas a realidade é que o aumento nominal dessa taxa costumava seguir o aumento da inflação. Assim, com uma taxa de IVA a 5 % sobre esta taxa do audiovisual, isso vai corresponder a um aumento superior àquele que sofreria normalmente se seguisse apenas a taxa de inflação prevista.
Portanto, a questão é a seguinte: ou o Governo reconhece que está aqui a agravar a carga fiscal dos contribuintes ou, então, não terá o problema de assumir que a taxa de audiovisual será nominalmente reduzida de maneira a que este acréscimo de 5% de IVA corresponda, na prática final daquilo que vai ser cobrado aos contribuintes, apenas àquilo que corresponderia o aumento seguindo a taxa de inflação.
Mas, Sr. Ministro, ainda em relação à injustiça fiscal, queria dizer-lhe o seguinte: é difícil compreender como é que este Orçamento do Estado combate a injustiça fiscal não só em relação a esta questão dos impostos mas quando reduz o peso relativo do conjunto das despesas sociais do Estado.
Na verdade, um Orçamento do Estado que não combate o desemprego, sendo que a estimativa de redução da taxa de desemprego é apenas para 7,6%, aliás, se for de tão grande confiança como a taxa de crescimento ou como a taxa de inflação — de acordo com o que se tem visto ao longo dos últimos anos —, podemos esperar eventualmente o pior a nível de desemprego para Portugal; um Orçamento do Estado que parte também de uma taxa de inflação deflacionada e subestimada, que será a baliza para os aumentos salariais e depois um Orçamento do Estado que, em termos de benefícios fiscais, reserva a maior parte, a grande fatia, de receitas que o Estado deixa de auferir para beneficiar as grandes empresas e, em particular, o offshore da Madeira.
Aliás, cerca de 65% destas verbas destinam-se às empresas, enquanto estas ficam com o brinde do «bolo rei» do Orçamento do Estado, os mais frágeis, não só a generalidade dos trabalhadores mas também os pensionistas idosos e as pessoas com deficiência, é que vão pagar a «fava».
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As pessoas com deficiência, que viram agravada a sua situação face ao que existia até 2006, conheceram, em 2007, um ataque verdadeiramente preocupante porque é iníquo e é iníquo porque as pessoas com deficiência, na nossa sociedade, continuam a padecer de uma gravosa diferença, pois apesar de formalmente terem direito aos mesmos direitos que os outros cidadãos, na prática, a sociedade, o País que eles encontram à sua volta não está preparado para os acolher de uma forma inclusiva e igualitária.
Por isso mesmo, existiam determinados tipos de benefícios fiscais com os quais o Governo do PS acabou.
Ora, nós também não dizemos que os benefícios fiscais têm de ser a forma correcta de compensar ou de ajudar estes cidadãos a atingirem o nível mínimo, que é o da igualdade de direitos relativamente aos cidadãos — pode haver outras formas de o fazer! —, agora o que não se pode fazer é acabar com os benefícios fiscais e não tomar outras medidas que sirvam para compensar estes cidadãos, isto é que é absolutamente inaceitável e não é, certamente, o aumento de meio salário mínimo na dedução à colecta que vai melhorar alguma coisa — antes pelo contrário, pelo menos a fazer fé em algumas simulações feitas pela Price Waterhouse and Coopers, consultora. Aliás, é essa consultora — e não a oposição ou os «perigosos» sindicatos — que faz essas contas e demonstra da mesma forma que também os pensionistas, à excepção do escalão mais baixo, não vêem a sua situação melhorar e são todos agravados com este Orçamento do Estado.
Finalmente, Sr. Ministro, e ainda em relação a este Orçamento do Estado e à fiscalidade ambiental, gostaria de dizer o seguinte: Os Verdes não podem deixar de congratular-se pelo facto de o Governo, ao fim de tantos anos e de sucessivos Orçamentos do Estado, ter acolhido uma proposta que Os Verdes têm repetido incessantemente e que é a de acabar com o «tecto» comum nas deduções à colecta quer para os juros do crédito à habitação quer para os investimentos feitos em equipamentos e energias renováveis.
A aposta nas energias renováveis é fundamental no nosso país. Os Verdes assim o entendem e, por isso, foi com agrado que vimos que, finalmente, o Governo decidiu dar este pequeno passo importante neste incentivo para que ele seja acessível também às famílias que têm habitação própria com recurso ao crédito à habitação — e que não são poucas! Contudo, Sr. Ministro não bastam umas flores para fazer a Primavera e este Orçamento volta a mostrar-se um deserto a nível ambiental com «uma palmeira aqui, uma palmeira ali»…, mas que, infelizmente, não chegam para fazer um oásis merecedor desse nome. Não basta aumentar a componente ambiental de um imposto sobre veículos — aliás, sem equilíbrio tributário e aproveitando a boleia para aumentar a carga fiscal —, quando as medidas para melhorar e promover os transportes públicos e colectivos acabam por não aparecer, sendo que é nesta área definitivamente que poderíamos fazer a grande diferença, não só em termos da dependência energética do País face ao petróleo e às importações energéticas, mas também no que diz respeito às emissões de gases com efeito de estufa, para além de outros efeitos extremamente positivos, quer do ponto de vista da saúde quer do ponto de vista social e ambiental.
De facto, não basta acenar com umas bandeiras para tentar esconder o óbvio e o essencial que é o cenário de fundo. Os senhores podem anunciar medidas de promoção da natalidade que serão sempre insuficientes para fazer face à precariedade laboral, à perda do poder de compra, à diminuição dos direitos e garantias sociais; os senhores podem anunciar uma taxa de IRC mais baixa para o interior, o que será sempre irrisório face à retirada do Estado dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde, segurança, face à desequilibrada distribuição do PIDDAC; os senhores podem anunciar uma ou duas medidas avulsas na área ambiental que nem por isso o Orçamento do Estado será mais sustentável.
Na verdade, 2008 será o primeiro ano do período de cumprimento ou de incumprimento relativamente a Quioto e, no entanto, há um conjunto de medidas que continuam a não constar do Orçamento do Estado, medidas fundamentais de que o País padece no que diz respeito à poupança e à eficiência energéticas e ao combate à ineficiência energética.
Aliás, quero ainda deixar uma nota em relação ao Fundo de Carbono: Sr. Ministro, registamos que depois dos 6 milhões de euros, de 2006, e depois dos 78 milhões de euros, de 2007, este ano estão contemplados 26 milhões de euros para o Fundo de Carbono. A questão, independentemente dos valores, é a de que a proposta de lei do Orçamento do Estado prevê uma cativação de 18 milhões de euros para a compra de licenças de emissão de carbono.
Gostaríamos, pelo menos, que valores equivalentes estivessem igualmente cativados para aplicação em medidas internas que também estão previstas no Fundo de Carbono e que, essas sim, seriam fundamentais para fazer a verdadeira revolução energética no nosso país, para mudar padrões de ineficiência energética para padrões mais eficientes, para melhorar o tecido produtivo, para combater, de facto, as emissões com efeito de estufa e não, apenas, cumprir os rigores financeiros e orçamentais do Protocolo de Quioto.
Estas são questões fundamentais e Os Verdes têm apresentado muitas outras propostas na área da fiscalidade ambiental que, acreditamos, não seja preciso esperar mais cinco ou seis anos para ver mais uma delas aprovada.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
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O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, começava por esclarecê-lo quanto à questão dos PIDDAC e conduzi-lo a uma segunda leitura dos números do PIDDAC.
O PIDDAC, em 2007, abrangia entidades como a Estradas de Portugal e a REFER, o que deixa de acontecer em 2008. Não quer dizer que estas duas entidades empresariais não continuem a ter meios para levar a cabo os seus investimentos, só que o financiamento tem outra fonte ou outra origem.
Portanto, não há redução do esforço de investimento ou dos meios para estas entidades; há sim, pelas mudanças em particular da Estradas de Portugal que ainda há pouco discutíamos, um mecanismo diferente de financiamento.
Ora, em 2007, o financiamento do PIDDAC ou o PIDDAC total, era cerca de 4978 milhões de euros e era financiado quer por fundos nacionais quer por fundos comunitários — como sabe e dentro do financiamento nacional temos o Capítulo 50 que está inscrito no Orçamento.
O valor inscrito no Capítulo 50, de 2007, era de 1880,4 milhões de euros e abrange não só as receitas gerais mas também receitas próprias das entidades abrangidas pelo PIDDAC. Ora, os financiamentos nacional e comunitário referentes à Estradas de Portugal e à REFER, em 2007, foi de 2034,6 milhões de euros, dos quais 482,9 milhões de euros do Capítulo 50.
Vamos, então, expurgar desses números ou dos números do PIDDAC a Estradas de Portugal e a REFER, que, em 2008, não vão ser financiadas pela via do PIDDAC, e vamos comparar o PIDDAC de 2008 sem a Estradas de Portugal e a REFER com o PIDDAC de 2007 sem a Estradas de Portugal e sem a REFER.
Então, em 2007, Sr. Deputado, o PIDDAC expurgado da Estradas de Portugal e da REFER foi de 2943,4 milhões de euros, o que compara com um PIDDAC no Orçamento para 2008 de 3616,1 milhões de euros — isto é, há uma variação de 22,9% do total do PIDDAC.
Olhemos para o Capítulo 50. O Capítulo 50, expurgado da Estradas de Portugal e da REFER, seria de 1397,5 milhões de euros, o que compara com 1507,1 milhões de euros no Orçamento para 2008, isto é, há um acréscimo de 7,8% das verbas do PIDDAC.
Espero, nesta segunda leitura, ter esclarecido o Sr. Deputado bem como os restantes Deputados quanto a estes números do PIDDAC.
O Sr. Deputado, seguidamente, refere questões de injustiça fiscal, algumas situações que têm a ver com as pessoas portadoras de deficiência, pensionistas e, até, refere o aumento do IVA na taxa com o audiovisual.
Sr. Deputado, pegando neste exemplo do IVA, recordo que a taxa do audiovisual é, neste momento, de 1,71 €. Esta taxa tem sido alterada nos anos anteriores e a opção que o Governo fez este ano foi de não a alterar, mantendo-a em 1,71 €, mas há incidência de IVA.
O Sr. Deputado fala em aumento da carga fiscal invocando o IVA. Sabe o que é que isso representa? Representa 5 milhões de euros! Sabe em quanto, Sr. Deputado? Em 14 000 milhões de euros! São 5 milhões de euros em 14 000 milhões de euros, ou seja, 0,03% da receita do IVA! E vem o Sr. Deputado dar isto como exemplo de agravamento da carga fiscal?!... Francamente, Sr. Deputado, tenhamos algum sentido das proporções!! Referiu ainda a questão do agravamento dos impostos e citou uma consultora. Aproveito para recordar que a mesma consultora diz que as actualizações dos escalões do IRS, previstas na proposta de lei do Orçamento do Estado para 2008, garantem que não há um agravamento dos impostos pagos pelas famílias, repito: garantem que não há um agravamento dos impostos pagos pelas famílias. Essa consultora também analisou o impacto da convergência da tributação dos pensionistas com os trabalhadores por conta de outrem e conclui que esse impacto é marginal nos impostos pagos pelos pensionistas. Sabe o que é que «é marginal» quer dizer? Que é pouco significativo. Repito a informação que dei esta manhã: os pensionistas até 480 contos de pensão/mês — o grosso dos pensionistas deste País — não irão receber, em termos de rendimento disponível, para o ano menos do que têm recebido este ano.
Quanto às pessoas com deficiência, o Sr. Deputado também reclama da medida tomada. Não ignoro a delicadeza do assunto. Tenho consciência de que é uma matéria sensível, mas gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado para o facto de que se trata também de introduzir equidade e justiça na forma como atribuímos benefícios fiscais neste domínio. E não me parece justo, Sr. Deputado, que duas pessoas com a mesma deficiência uma seja mais beneficiada por ter mais rendimento e outra menos beneficiada por ter menor rendimento. E é isso que está aqui em causa! Sr. Deputado, considerando duas pessoas hipoteticamente portadoras da mesma deficiência, se uma ganhar, como é a situação actual, em 2007, por exemplo, 10 000 € num ano, tem um benefício de 512 € nos seus impostos e se a outra pessoa, com o mesmo tipo de deficiência, em vez de 10 000 €, ganhar 80 000 €, terá um benefício não de 512 €, mas de 3309 €. Não me parece que faça sentido que duas pessoas portadoras da mesma deficiência, a que ganha mais, 80 000 €, beneficie de 3309 € e a outra, que só ganha 10 000 €, beneficie só de 512 €. Não me parece que isto faça sentido na forma como distribuímos os benefícios fiscais entre os contribuintes portadores de deficiência, com todo o respeito e solidariedade pela sua situação — mas também temos de ter solidariedade neste domínio, o que também obriga a que não façamos diferenciações desta natureza.
Sr. Deputado, agrada-me que reconheça iniciativas positivas por parte deste Governo no domínio das energias renováveis e, em particular, na mudança da forma como os benefícios fiscais podem ser atribuídos
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na aquisição de sistemas de produção de energia de micro-geração — e não é assim tanto «uma palmeira aqui e outra acolá»… Gostaria de referir que há um conjunto de iniciativas no âmbito energético que tem um grande impacto na política de energia do País: uma delas é esta medida de fomento à micro-geração, mas também, com certeza, as mudanças no imposto automóvel reconhecidas ao nível da União Europeia como bastante inovadoras e inspiradoras da reforma do imposto automóvel na União Europeia (sendo até reconhecido pelo Comissário responsável por esta área). Chamo ainda a atenção para o fomento que tem vindo a ser feito, por este Governo, no que se refere à energia eólica, aos biocombustíveis e à energia hídrica, como fontes importantes de energias limpas, amigas do ambiente.
Querem, ao mesmo tempo, «sol na eira e chuva no nabal», mas não pode ser, Sr. Deputado! Não podem querer que se reduzam as emissões de CO
2 e, depois, ser contra a energia hídrica ou a energia eólica. Assim não nos entendemos nem há forma de nos entendermos.
Diminuímos também, por esta via, a nossa dependência energética face aos produtos derivados de petróleo como fonte principal de energia, que ainda continua a ser.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Vamos, então, passar à segunda ronda. Como tive oportunidade de adiantar no início desta reunião, vamos agrupar as perguntas de três Srs. Deputados e o Sr. Ministro responderá de uma só vez, em conjunto, a essas três intervenções.
Peço aos Srs. Deputados que se cinjam, agora, a um tempo limite de 5 minutos por cada intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, como dissemos, nesta segunda ronda, vamos falar a linguagem dos economistas e das pessoas que entendem tecnicamente o Orçamento.
As respostas que o Sr. Ministro deu sobre as questões que colocámos e que consideramos que preocupam essencialmente os portugueses não foram suficientes, mas o que importa é o julgamento das pessoas, nas suas casas.
Em todo o caso, há uma matéria, Sr. Ministro, sobre a qual é importante que agora, como economistas ou como pessoas entendidas no Orçamento, quantifiquemos e falemos: a política sobre os pensionistas. Sublinho que sentiu a necessidade de, por quatro vezes, falar nesta política, depois de termos colocado a questão, mas não queremos daí tirar qualquer efeito.
O que queremos dizer, sobretudo, é o seguinte: na última intervenção o Sr. Ministro referiu, e bem, que não é neste Orçamento que há um agravamento significativo do poder de compra dos pensionistas por efeito de aumento da carga fiscal. É absolutamente exacto, Sr. Ministro. Mas não foi essa a questão com que o confrontámos. Confrontámo-lo com a sua política — aliás, do seu antecessor, mas que o senhor aprova e corrobora, pelo que diz — de reduzir a dedução específica de 8523 €, primeiro para 7500 €, agora para 6100 € e que continuará gradualmente este caminho até 2012.
Sr. Ministro, esta política não só está incorrecta como queremos convidá-lo agora a fazer uma quantificação e uma comparação. Admitamos, muito simplesmente, que estamos a falar no escalão dos pensionistas que têm entre 500 € por mês e 1200 € por mês — o primeiro escalão relativamente ao qual o senhor não concede uma actualização da reforma pela inflação, na plenitude, obrigando a actualizar com —0,5 pontos percentuais — e que, exactamente nesse escalão, temos 200 000 a 300 000 pessoas. Não dirá, certamente, que estas pessoas com cerca de 500 € têm uma vida desafogada — eu até diria, como há pouco referi, que fazem parte de um novo fenómeno, infelizmente, com que todos nos confrontamos, da chamada «pobreza envergonhada» (a situação é difícil e as pessoas não dizem que estão numa situação de carência).
Mas isso já foi dito, Sr. Ministro. O que lhe quero solicitar é que faça umas contas: admita que estão nesse escalão 200 000 ou 300 000; admita que a taxa efectiva destes pensionistas é igual à de todos os contribuintes em IRS, ou seja, à volta de 10%. Sr. Ministro, quando reduziu a dedução específica de 8523 € para o valor actual, criou uma matéria colectável nova, da ordem dos 240 €/ano/pensionista. Estamos de acordo?
(Aparte inaudível do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, Emanuel Augusto Santos).
Não?! É mais? Então, Sr. Secretário de Estado, fará o favor de fazer essas contas.
Sr. Ministro, deve V. Ex.ª informar esta Câmara da receita fiscal que perde por força desta política, ano após ano. É seu dever, naturalmente, esclarecer-nos.
Gostaria de confrontá-lo ainda com uma política que consideramos puro desperdício. Vendo o Orçamento, o Sr. Ministro dispõe-se a gastar, em consultoria, 190,4 milhões de euros. A verba que está no Orçamento para 2007 e que penso que será executada é de 116 milhões de euros. Isto significa um acréscimo da ordem dos 64%.
Sr. Ministro, muitos de nós já ocuparam funções governativas e posso garantir-lhe que, nesta Câmara, muitos dirão aquilo que lhe digo agora: grande parte desta consultoria é totalmente improdutiva, totalmente des-
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necessária. Peço-lhe, por isso, que atente que tem os chamados «supra-numerários» nas chefias de que o senhor não se vangloria, mas frisa sempre como um elemento importante da sua reforma da Administração Pública e que considere que tem aí muitas competências que fariam tão bem ou melhor do que muitos destes valores de consultoria que aqui estão.
Sendo isto um desperdício, gostaria de convidá-lo a pegar nestes 70 milhões de euros ou 100 000 milhões de euros e considerar, como alternativa, corrigir esta injustiça flagrante, que lhe referi, relativamente aos reformados pensionistas.
Queria também dizer-lhe, para fechar este ponto, que subscrevemos as preocupações já aqui expressas quanto às pessoas com deficiência. Por razões de parcimónia, não é este o tempo nem o lugar para fazermos ouvir o que pensamos sobre essa matéria, o que ficará para Plenário.
Vou referir-me agora, Sr. Ministro, em quatro ou cinco pontos e telegraficamente, às coisas objectivas.
Quanto ao elogio positivo que o Governo merece relativamente ao défice de 3%, isso é positivo, mas, Sr.
Ministro, temos de relativizar e quantificar.
Primeiro ponto: saberá o Sr. Ministro, como nós, o Sr. Comissário Almunia aqui nos disse, que vamos ser, conjuntamente com a Itália, o último dos 15 países europeus a sair do deficit excessivo este ano. Concordará que assim é.
(Aparte inaudível do Ministro de Estado e das Finanças.)
Não concorda?! Então, contraditará.
Disse também o Sr. Comissário Almunia que, no pipeline com défices excessivos, dos dez novos países emergentes, só quatro é que estão nessa situação de deficits excessivos — a Eslováquia, a República Checa e um terceiro país que agora não me ocorre —, mas que, segundo disse o Comissário, em 2008, já não estarão em deficit excessivo, havendo uma única excepção, a Hungria, que se comprometeu para 2009. Relativizemos, portanto: é certo que é positivo mas, atenção, já estamos na cauda da Europa relativamente a esta matéria.
Em termos práticos, qual é a vantagem objectiva deste défice de 3%, por exemplo, no custo da dívida pública? Diga, Sr. Ministro, qual é o acréscimo de credibilidade que o senhor acha que vamos ter e que se reflectirá nos spreads da dívida pública portuguesa. Gostaria de ouvi-lo pronunciar-se exactamente sobre isso porque, depois, efectivamente, teremos a realidade para demonstrar exactamente qual é o sentido exacto do relativismo deste valor.
Mas, Sr. Ministro, há mais grave do que isto. Evidentemente, não vou referir-me à forma como os portugueses receberam isto e que foi glosada a vários tons por conhecidos humoristas portugueses, em programas de televisão, aliás com grande impacto e, do ponto de vista humorístico, com grande qualidade. Não é isso que agora importa; estamos num registo de linguagem objectiva e racional.
Sr. Ministro, queria perguntar-lhe se está absolutamente seguro de que o seu é um Orçamento de rigor e de transparência.
Assim sendo, fará o favor de me responder a três ou quatro questões elementares.
Primeira: dívidas do Estado. O Sr. Ministro, deve conhecê-las, como eu conheço — recebi esses elementos, mas tem melhor informação do que eu.
Dívidas dos hospitais, quer os do sector público quer os EPE, por exemplo, à indústria farmacêutica. Sr.
Ministro, foi publicado um relatório que diz que essas dívidas são no valor de 700 milhões de euros — e tenho comigo a discriminação.
Dívidas acima do prazo comercial normal de 90 dias: estamos a falar de 400 ou 500 milhões de euros. Se não for assim, o Sr. Ministro contradirá os números.
Há uma nota objectiva, feita num estudo que foi encomendado a um distinto professor das nossas universidades, que diz uma coisa óbvia. Diz o tal estudo que os atrasos nos pagamentos do Estado fazem com que as empresas agravem o custo dos fornecimentos, e calculou um juro implícito de 28%.
Sr. Ministro, concorda que o facto de se pagar tarde significa que a despesa pública corrente a seguir vem agravada, improdutivamente, em 28%? Concorda ou não? Provavelmente, concorda, até porque tem um programa — um pouco tardio, diria — para, agora, reduzir os prazos dos pagamentos efectuados pelo Estado.
Mas o problema não está aí, Sr. Ministro, está noutra coisa, muito mais séria do ponto de vista orçamental.
Nesta Câmara, todos sabemos que o seu antecessor pediu, e obteve, um Orçamento rectificativo de 1800 milhões de euros, para pagar e limpar todas as dívidas do passado — todas, Sr. Ministro, todas! — e o senhor, reiteradamente, disse a esta Câmara que não havia mais dívidas.
Sr. Ministro, acha razoável que haja estas dívidas de que agora lhe falei? Acha razoável o que diz o Tribunal de Contas na aferição que fez dos pagamentos em 2006? Dir-lhe-ei o que diz o Tribunal: que as dívidas à saúde são de apenas cerca de 65% do resto — portanto, não estamos a falar de 400 milhões de euros. Multiplique e verá do que estamos a falar. Quanto aos prazos de pagamento, enfim, são o que lhe referi.
Portanto, tem duas fontes objectivas e, como tal, dir-me-á o que tem a dizer sobre esta matéria.
Mas há outra coisa mais importante, Sr. Ministro: o senhor é um «campeão» da não existência de receitas extraordinárias no Orçamento. É ou não verdade, Sr. Ministro? É!!
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Então, pergunto-lhe: o Sr. Ministro não acha que é uma receita extraordinária o que o Governo acaba de decidir quanto à concessão da barragem do Alqueva à EDP? O Sr. Ministro não acha que é uma receita extraordinária ter sido feita essa concessão por um valor, que agora não me ocorre, mas que andará por 300 ou 400 milhões de euros? Um outro exemplo mais grave.
Nesta fase em que temos a discussão ao nível objectivo de quem conhece o Orçamento, o Sr. Ministro encontra as mesmas perguntas por parte da oposição porque os temas são recorrentes.
Sr. Ministro, grande parte do que eu queria dizer-lhe sobre a operação fantástica deste Governo relativamente à Estradas de Portugal já foi dito pelo Sr. Deputado Francisco Louçã e não preciso de repetir. É evidente que ele disse algo que nada tem a ver com a matéria mas, sim, com o governo anterior, mas não vou perder tempo, até porque só disponho de 5 minutos, e poderemos contraditá-lo em qualquer altura. No entanto, Sr. Ministro, se quiser, faço-o! Sr. Ministro, se quiser, digo-lhe, olhos nos olhos, que é muito mais sério e honesto o que fez o anterior ministro que tutelava esta área, o Dr. António Mexia, que disse «SCUT: vamos pagá-las com portagens e de uma forma equitativa», do que o que os senhores fizeram e que foi criar uma coisa esquisitíssima, uma contribuição do sector rodoviário extraída de um imposto, e por uma razão única. É que o senhor sabe perfeitamente, tão bem quanto nós, que a técnica que utilizou faz com que o Eurostat não possa aceitar que a contribuição do sector rodoviário concebida por si seja uma receita mercantil. Como tal, não é receita própria e, como não é receita própria — estamos entendidos! —, as SCUT têm de estar no Orçamento, e o senhor tem-nas! Mas, na execução de 2007, não tem a totalidade das despesas com as SCUT, Sr. Ministro, porque não estão lá 700 milhões de euros!! Aliás, os encargos de rendas com as SCUT não são no valor de 700 milhões de euros, pois o senhor tem de calcular os reequilíbrios financeiros, as indemnizações, e o que o senhor lá tem é um deficit, provavelmente da ordem de 400 milhões de euros. Ou seja, não está coberto, vai para a empresa EPE.
O mesmo se passa, Sr. Ministro, com os resultados dos hospitais-empresa. Foram apresentados aqui os resultados do 1.º semestre. Segundo as contas do Governo, o prejuízo é de 144 milhões de euros. Se projectar até ao final do ano, então, estamos a falar em 300 milhões de euros.
O Sr. Ministro sabe muito bem que esse é um deficit que deve ser introduzido no Orçamento. E por uma razão muito simples, Sr. Ministro, porque os hospitais EPE contratam com o Serviço Nacional de Saúde e se, efectivamente, realizam despesas e se não é suficiente a verba que lhes é dada através dos contratosprograma do SNS, de duas, uma: ou é porque há suborçamentação, como muito bem concordará, ou, então, é porque não são eficientes. Portanto, diga-nos isso, Sr. Ministro, mas não negará que existem fortes reservas sobre a qualidade e o rigor do seu Orçamento.
Sr. Ministro, três pontos, porque tenho de ser muito rápido.
Não vou sequer contraditar o que o Sr. Ministro disse sobre a forma como está a executar o seu objectivo de redução da despesa primária. Olhe, basta ir à imprensa de hoje: «Despesa corrente primária acelera em 2008»; «A carga fiscal sobre a economia estabiliza no nível mais elevado de sempre»; «Reforma da Administração Pública sem efeitos até 2009»; «Economistas alertam para os perigos do aumento da despesa à medida que se aproximam as eleições legislativas»; «A reforma do Estado continua por concretizar e pode ser já demasiado tarde»; Diz o técnico do Fundo Monetário Internacional que segue Portugal: «Portugal corre sério risco de não convergir para a zona euro» e, mais adiante, diz «esperamos ver, em 2008, progressos significativos com os supranumerários» — as pessoas em mobilidade especial.
Passo ao terceiro ponto, Sr. Ministro…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Patinha Antão, peço-lhe que conclua, dado o adiantado da hora.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, é só um minuto, com sua licença.
Como dizia, em matéria de política de impostos, já foi dito o essencial.
O Sr. Ministro só tem de dizer aos portugueses e a nós próprios, nesta Câmara, quais são os critérios objectivos a que V. Ex.ª vai subordinar a sua decisão em relação ao Orçamento para 2009.
O senhor tem de dizer se vai subordinar essa decisão ao que, segundo a imprensa de ontem, fez o Primeiro-Ministro Zapatero que disse que «estamos a seis meses das eleições. Consideramos que é altura de fazermos uma redução dos impostos» — como sabe, é o que foi dito. Ora, não me parece que tal seja aceitável para os contribuintes.
Pergunto, Sr. Ministro: relativamente à sua política de impostos, considera ou não que deve subordiná-la a critérios objectivos de consolidação orçamental e de rigor? A este propósito, cito-lhe apenas os critérios da Comissão Europeia, para não perdermos tempo: «quando o défice estrutural atingir 0,5%, quando a dívida pública estiver abaixo de 60%, quando a economia estiver num ritmo de crescimento económico, faz com que não haja inversão do processo de consolidação».
Sr. Ministro, queremos uma resposta específica, rigorosa. Os portugueses merecem-na, nós exigimo-la!
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Por último, está disponível para, connosco, olhar para a intervenção do Sr. Presidente da República que disse três coisas fundamentais? Devo começar por dizer que respeitamos aquela intervenção, mas não queremos dizer que a queremos utilizar contra o Governo.
O Governo tem obrigação, tal como os partidos da oposição, em respeito ao Sr. Presidente da República, de apresentar uma posição.
O Sr. Presidente da República disse três coisas: primeira, que não devemos resignar-nos a uma recuperação da economia tão tímida como a que temos; segunda, que precisamos de políticas públicas mais eficientes; e, terceira, que precisamos de convergir rapidamente com os melhores países da União Europeia.
Sr. Ministro, fiz uma conta quanto à convergência real: nestes 10 anos, temos estado em divergência em relação à média da União Europeia, estamos a 70% dessa média!! Se o senhor admitir que a União Europeia cresce a 2% ao ano — e é pouco —, sabe de quantos anos precisamos para conseguir convergir? Precisamos de 15 anos, se tivermos a ousadia de crescer 4,5% por ano, e precisamos de 20 anos, se tivermos a ousadia de crescer 4%!! O Sr. Ministro está disponível para ouvir propostas do PSD para que possamos alcançar um patamar de crescimento bem mais vigoroso do que aquele que o senhor nos promete? É só isso que queremos ouvir.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra, para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, gostaria que me esclarecesse sobre os tempos para esta segunda volta, porque a intervenção que agora findou durou 17 minutos.
Em segundo lugar, também queria obter uma informação sobre a forma de inscrição para estas rondas subsequentes à primeira, em que usam da palavra os coordenadores de cada bancada por ordem subsequente de representatividade parlamentar.
Tanto quanto julgo, nas rondas que se seguem à primeira, sejam quantas forem, a palavra é dada por ordem de inscrição e não, obrigatoriamente, de acordo com a representatividade parlamentar.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Honório Novo, tomei boa nota das suas indicações.
Naturalmente, tem havido alguma complacência por parte da mesa relativamente aos tempos e, como é óbvio, não exclusivamente para um ou outro partido. Esta complacência tem sido apanágio da mesa relativamente às intervenções de todos os Srs. Deputados.
De qualquer forma, peço rigor e algum escrúpulo no respeito dos timings predeterminados relativamente às intervenções.
Quanto ao mais, a hierarquia do uso da palavra decorre, naturalmente, do peso específico de cada grupo parlamentar, mas também se respeita a ordem de inscrição, porque haverá alguns grupos parlamentares que não quererão usar da palavra nas voltas subsequentes. Portanto, haverá uma ponderação do equilíbrio entre o peso específico de cada grupo parlamentar e a ordem temporal de inscrição.
Posto isto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): — Sr. Presidente, comprometo-me desde já a não seguir o exemplo do meu antecessor e não demorar tanto tempo, contribuindo assim para uma maior disciplina desta reunião.
Sr. Ministro, penso que toda a gente concordará que este Orçamento tem objectivos macroeconómicos que ninguém põe em causa. Correspondem à manutenção de um esforço mas também a objectivos que, no fundo, todos sabem que é necessário atingir se queremos ter uma vida mais equilibrada no futuro e se queremos garantir um sistema social de protecção que estava em risco, há ainda pouco tempo.
No entanto, muitas vezes, nos detalhes, é que «é o diabo»! Muitas vezes, é nos detalhes que as políticas são melhores ou piores.
Penso que, relativamente a uma das políticas enunciadas neste Orçamento como sendo importante, toda a gente reconheceu a sua importância para a vida dos portugueses — refiro-me ao incentivo às políticas de reabilitação urbana.
Os portugueses conhecem as dificuldades que resultam do facto de os centros urbanos ainda terem um «livro» de recuperação muito pequeno, bastante superior ao que era no passado, mas ainda muito pequeno.
O incentivo à recuperação urbana é bem-vindo, obviamente, não só porque traz oportunidades de negócio e de habitar no centro das cidades, porque melhora a qualidade de vida, na medida em que pode facilitar às cidades terem melhor qualidade, mas também diminui a pressão sobre os preços do imobiliário situado na primeira coroa, que rodeia o centro urbano e onde, muitas vezes, aqueles preços estão um pouco inflacionados devido à escassez de oferta no centro.
Portanto, penso que há unanimidade quanto à adequação e à prioridade destas políticas. Era neste sentido que gostaria de lhe fazer algumas perguntas.
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A redução da taxa do IVA prevista para as operações de reabilitação no que corresponde às obras feitas por particulares, excluindo os materiais, já vem do passado. É, aliás, uma política que tive a honra de iniciar em 1999, em negociação com a Comunidade Europeia, que, a certa altura, foi interrompida e que, em boa hora, foi retomada. Mas nessa matéria nada de novo. O que há de novo é um certo número de reduções — bastante maiores, uma vez que incluem todas as obras — para as operações em áreas de reconversão urbanística e áreas concentradas, que poderão levar a um maior incentivo dessas obras.
A pergunta que quero fazer não tem nada a ver com estas políticas (estou a dirigir-me ao Ministro das Finanças) mas, sim, com o impacto estimado dos vários benefícios destinados a incentivar a reabilitação urbana que estão previstos neste Orçamento. Penso que esses impactos são importantes na medida em que este Orçamento também prevê que os subsídios à bonificação de juros — um programa que já acabou, mas cujo valor para 2008 é superior ao de 2007 — sejam de 231 milhões, ou seja, ainda se trata de uma política extremamente pesada, pelo que tenho esperança de que, como todos gostaríamos, neste mundo concorrencial, essa política possa ser inflectida.
No que diz respeito a algo que normalmente está escondido dos orçamentos, que são as deduções à colecta em relação aos empréstimos para casa própria, às obras que se fazem em casa ou mesmo ao arrendamento, gostaria de saber quanto é que o Estado lhes dedica, ou seja, quais são as não-receitas que tem para apoiar as classes médias em algo que é fundamental, sobretudo num período em que as taxas de juro estão a crescer e em que, portanto, estas políticas têm um impacto enorme nas classes médias. Ora, na medida em que não estão previstos valores nesta área, pergunto quais são eles.
Obviamente que saudamos a separação das energias renováveis, o que vem aumentar as deduções que as famílias podem fazer, ponto que penso que todos já terão salientado.
Gostaria de fazer uma terceira pergunta que tem a ver com o INE. As políticas de reabilitação urbana sempre foram assumidas pelos governos como sendo muito importantes. O problema está em que o seu incentivo não pode ser também só fiscal, tem de ser muito de divulgação e de um certo marketing dessas mesmas medidas, que muitos não conhecem. Penso que o INE pode ter uma importância muito grande a este nível, pois durante muitos anos, desde 1999 até 2006, este organismo tinha um certo número de estatísticas e de informação relativas à habitação, à evolução dos preços, às habitações construídas, demolidas, etc. Enfim, houve um acréscimo bastante grande de dados em relação às estatísticas que vinham do passado e que levaram a que tivessem sido cometidos erros enormes na área da habitação, os quais não estão disponíveis de há uns meses a esta parte. Pergunto se estão a pensar relançá-los e de que forma, e se estão a renovar esse programa, na medida em que é indispensável que o sector da habitação seja seguido pelo INE com detalhe suficiente e com estatísticas que possam ser importantes para os agentes do sector.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, a primeira questão que coloco resulta de intervenção recente que o Sr. Ministro fez em que defendeu, de uma forma muito emocional, a equidade, nomeadamente em relação aos deficientes, dizendo até que o Governo tinha tomado medidas para eliminar uma situação que lhe parecia não ser justa.
Aproveitando esta intervenção, coloco-lhe a seguinte situação: no ano passado, quando se debateu o Orçamento, coloquei uma questão ao Sr. Ministro para a qual obtive uma resposta, apesar de não ter sido cumprida. Com os dados de que dispunha nessa altura, constatava-se que a banca estava a pagar uma taxa efectiva bastante inferior à taxa legal. Este ano foi publicado o Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal, fiz cálculos e cheguei à conclusão de que a taxa efectiva constante dos dados do relatório correspondia apenas a 15%, ou seja, a 60% da taxa legal. O Sr. Ministro pensa que isto é equitativo? É justo que a banca continue a pagar 40% abaixo da taxa legal? E, já que o Sr. Ministro está «tão sensível» relativamente à questão dos deficientes, se não é justo, quais são as medidas que o Governo tenciona tomar — mas as medidas efectivas, pois no ano passado também prometeu e a situação não se alterou… — para acabar com este escândalo, que é o de a banca continuar a pagar uma taxa muito inferior à da generalidade das empresas portuguesas.
A segunda questão que gostaria de colocar-lhe prende-se muito com a política do Governo relativamente aos serviços da Administração Pública, a qual tem sido esquecida ou, a nosso ver, tratada de uma forma incorrecta. Gosto de quantificar as coisas para tornar o meu pensamento mais claro e fiz as seguintes contas: peguei nas despesas com pessoal e nas remunerações certas e permanentes de 2006, incluindo já a afectação da dotação provisional, actualizando esses valores para 2008 e, comparando-os com os que constam do Orçamento, incluindo o da dotação provisional para o aumento de salários, constatei que as despesas de pessoal assim projectadas são superiores em cerca de 1000 milhões às que constam do Orçamento. As remunerações certas e permanentes rondam os 600 milhões de euros — e cheguei a estes valores mesmo sem ter calculado o efeito nestes do descongelamento das carreiras.
Tendo em conta que o défice orçamental relativamente ao ano passado vai reduzir-se em cerca de 800 milhões de euros, pergunto: quem é que está a financiar a consolidação orçamental? Não serão os trabalhadores da Administração Pública? Não serão os sacrifícios dos trabalhadores da Administração Pública?
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Esta é uma questão de que se fala muito e não se trata de uma medida extraordinária, pois o Sr. Ministro disse, até em declarações públicas, que não se podia continuar a pedir mais sacrifícios aos trabalhadores da Administração Pública. Porém, não sei se isto corresponde a um sentido verdadeiro ou se é apenas uma mensagem para passar nos media… No ano passado analisei com um certo rigor o Orçamento que nos foi apresentado e, comparando os valores inscritos em remunerações certas e permanentes com os que constavam do orçamento do ano anterior, constatei que elas tinham sido reduzidas em 228 milhões de euros. Eu até disse que isto ia ter consequências a nível dos trabalhadores da Assembleia da República, nomeadamente em relação a muitos que poderiam ser despedidos ou colocados numa situação de mobilidade especial. Ora, a educação foi o sector onde o corte foi maior e tivemos conhecimento do que aconteceu como reflexo disto: milhares de professores não foram contratados e outros milhares ficaram no desemprego. Portanto, assumiu outra forma, mas o resultado foi o mesmo.
Se compararmos os valores dos serviços integrados que constam deste Orçamento com os do ano passado constatamos que há uma redução de 233 milhões de euros, portanto, superior à que se verificou em 2007 relativamente à de 2006. Se somarmos a redução que se verificou nas remunerações certas e permanentes não só ao nível dos serviços integrados mas também dos fundos e serviços autónomos também da responsabilidade do Governo, constatamos que a redução, só em remunerações certas e permanentes, é de 500 milhões de euros!! Houve até uma situação insólita, que até já foi transmitida pela comunicação social (neste caso só apareceu o valor dos serviços integrados, mas incluo neste valor o dos fundos e serviços autónomos): o que consta do Orçamento para 2008 para os fundos e serviços autónomos em termos de contratos a prazo é um valor de 240 milhões de euros, mais 20% do que no ano passado!… Portanto, corta-se nas remunerações permanentes, mas dentro delas faz-se um reagrupamento diferente… A questão que lhe coloco, perante estes dados que são dados do Orçamento, portanto não estou a inventar nada, é esta: quantos trabalhadores o Governo prevê despedir ou colocar na situação de mobilidade especial para conseguir uma redução de 500 milhões de euros nas remunerações certas e permanentes? O Governo tem esta política relativamente às remunerações certas e permanentes, portanto, em relação aos trabalhadores da Administração Pública. Mas vejamos o que é que acontece relativamente à aquisição de serviços a privados: o Governo deixa de utilizar os trabalhadores que tem e recorre aos serviços de privados.
Vejamos os valores que constam do Orçamento e qual a sua evolução: por exemplo, ao nível dos serviços integrados, as despesas orçamentadas, só em estudos, pareceres, projectos e consultoria, passam, entre 2007 e 2008, de 63 milhões de euros para 96 milhões de euros (mais 33%).
Em 2008 estão orçamentados, para a aquisição de serviços no exterior, estudos, pareceres, projectos e consultoria, assistência técnica, outros trabalhos especializados e outros serviços, nos serviços integrados, 439 milhões de euros, e nos fundos e serviços autónomos estão orçamentados 760 milhões de euros. Ao todo, 1190 milhões de euros! Admito que uma parte destes serviços tenha de ser adquirida no exterior,…
O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — … mas uma parte deles podia ser feita pelos trabalhadores.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Exactamente!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Conheço muitos trabalhadores da Administração Pública (tenho um trabalho ligado aos trabalhadores da Administração Pública), muitos técnicos, que dizem: «Nós elaboramos os nossos pareceres e não os querem, vão buscar pareceres externos porque eles se adequam às posições e às decisões que se pretendem tomar». Portanto, há uma inversão do que devia ser.
Sr. Ministro, suscito até uma outra questão: esta externalização maciça de serviços, com uma destruição, digamos, e uma subestimação da capacidade dos trabalhadores da Administração Pública, com o ataque que se lhes está a fazer, ameaçando-os com despedimentos… E estou a lembrar-me da lei sobre o regime dos vínculos, carreiras e remunerações, recentemente aprovada na Assembleia da República, que chega ao ponto de permitir (o que nem sequer existe no sector privado) que, todos os anos, na altura em que se elabora o orçamento e o mapa de pessoal, as chefias, caso considerem haver trabalhadores excessivos, despeçam imediatamente esses mesmos trabalhadores ou os coloquem na situação de mobilidade especial, apenas durante um ano, ao fim do qual são despedidos.
Mas o que é que significa esta externalização maciça de aquisição de serviços? Significa, sem dúvida, negócios chorudos para determinados grupos privados. Mas qual é o benefício que isso tem — e esta é a minha pergunta — quer para a população quer para os próprios trabalhadores? Quero ainda fazer algumas considerações sobre a proposta de aumento de vencimentos para 2008. A este propósito, ouvi as declarações públicas do Sr. Ministro e pensei que este ano o Governo ia ter uma certa abertura, até porque, desde 2000, os trabalhadores da Administração Pública e os aposentados têm perdido sistematicamente poder de compra, sendo que, neste momento, a quebra do poder de compra já ultrapassa os 9%. Assim sendo, era natural que, agora, o Governo alterasse esta política, até porque o Sr. Ministro afirmouo publicamente.
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Estive a analisar com cuidado os valores contidos, embora o Governo não os forneça, quer no Relatório do Orçamento, quer no Mapa IV, quer nos Mapas Informativos dos Serviços Integrados, e cheguei a esta conclusão: dos 600 milhões de euros de dotação provisional, o Governo pensa afectar a aumentos salariais 298 milhões de euros (o Sr. Ministro, depois, poderá confirmá-lo ou infirmá-lo). E fazendo a distribuição de acordo com o que consta do Orçamento, chego à conclusão de que, em princípio, seria afecto a aumentos salariais um valor que representaria, relativamente ao que está inscrito no Mapa IV, um aumento de 3,8%.
O Governo está a propor aos serviços da Administração Pública um aumento de apenas 2,1%, que nem garante o poder de compra. O Sr. Ministro sabe tão bem como eu que as previsões de aumento da inflação são muito semelhantes à crítica feita ao FMI: nunca acertam! Mas nunca acertam para baixo, porque a inflação tem sido sempre superior às previsões do Governo. Portanto, um aumento nos vencimentos de apenas 2,1%, como o que foi proposto aos sindicatos, vai traduzir-se, à partida, numa diminuição do poder de compra dos trabalhadores.
A questão que lhe coloco, até no âmbito da discussão que tem havido aqui, é esta: havendo maior disponibilidade no Orçamento para fazer uma proposta melhor aos sindicatos, esta proposta de 2,1% tem também como objectivo conseguir uma redução suplementar no défice? É esse o objectivo? Ou pretende-se ficar com uma folga importante para pôr em prática uma política de aumentos desiguais, utilizando o poder que a lei sobre o regime dos vínculos, carreiras e remunerações dá às chefias? As chefias, de acordo com essa lei e no caso de ela ser promulgada, poderão, a seu bel-prazer, alterar as posições remuneratórias. E contrariamente ao que o Sr. Ministro tem vindo a dizer, as carreiras da grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública, em 2008, vão continuar, de facto, congeladas — podem não o estar na lei, mas, na realidade, estãono. E o Sr. Ministro sabe porquê. Porque para mudar de posição remuneratória um trabalhador tem de ter, pelo menos, 10 créditos e a grande maioria dos trabalhadores só consegue um crédito por ano. Daqui é fácil concluir-se que, para conseguir 10 créditos, o trabalhador precisa de 10 anos de serviço. Não digo que as carreiras fiquem congeladas durante 10 anos, mas, para a grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública, ficá-lo-ão, pelo menos, durante cinco ou seis anos. Era bom que o Sr. Ministro, nas suas declarações públicas, clarificasse esse aspecto.
O Sr. Presidente: — Para responder a este conjunto de questões dos Srs. Deputados Patinha Antão, Leonor Coutinho e Eugénio Rosa, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, vou, então, responder ao conjunto de questões que foram suscitadas, começando pelas do Sr. Deputado Patinha Antão.
Sr. Deputado, os pensionistas cuja pensão seja de 500 €/mês não pagam nada de impostos.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — 1000 €!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Como deu o exemplo de 500 €, recordo-lhe que esses pensionistas não pagam, nem pagarão, impostos.
O Sr. Deputado invocou aqui questões de despesas e apontou algumas na área da consultoria, como, aliás, fez o Sr. Deputado Eugénio Rosa, dando conta de que há áreas onde se poderia poupar para evitar estar a cobrar mais impostos a estes pensionistas.
Em primeiro lugar, gostaria de referir que o que está aqui em causa não é um problema de receita, Sr. Deputado. O que está aqui em causa é um problema de equidade fiscal: não me parece justo que dois titulares de rendimentos idênticos paguem impostos diferentes só porque um deles é pensionista e o outro trabalhador por conta de outrem.
Há pouco, referi alguns exemplos a propósito das pessoas portadoras de deficiência. Agora, vou estabelecer a comparação entre titulares de rendimentos da categoria H, ou seja, pensionistas, e titulares de rendimentos da categoria A, isto é, trabalhadores por conta de outrem.
Assim, havendo dois titulares com um rendimento idêntico de 1000 €, o trabalhador por conta de outrem paga mais 324 euros do que o pensionista; e se esse rendimento idêntico for de 20 000 euros, o pensionista paga menos 615 euros do que o trabalhador por conta de outrem.
É esta diferenciação entre pessoas que objectivamente têm o mesmo rendimento, é esta discriminação fiscal contra os trabalhadores por conta de outrem que não entendo.
Trata-se de um problema de equidade fiscal. Não vejo razão para que titulares de rendimentos, neste caso, sejam titulares da categoria H, pensionistas, sejam titulares da categoria A, rendimentos do trabalho por conta de outrem, tenham aqui um tratamento fiscal diferenciado.
Apresentou o Sr. Deputado, esta manhã, algumas razões que poderiam justificar um tratamento mais favorável aos pensionistas, razões essas que, no entanto, em meu entender, não colhem, porque têm, elas próprias, um tratamento fiscal que alivia o esforço financeiro que os pensionistas têm nesse domínio, designadamente no caso da saúde.
Invocou como exemplo (e, como referi, também o Sr. Deputado Eugénio Rosa) a questão das despesas com consultoria. Devo dizer que, se há área onde este Governo tem vindo a adoptar medidas de contenção e
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de redução da despesa, é esta. E chamo a atenção para o facto de ser aqui que estão inscritas despesas que têm a ver com áreas importantes da acção do Governo, no sentido da sua modernização e da simplificação dos procedimentos administrativos.
As despesas que têm a ver com a introdução de novas tecnologias e, portanto, com a melhoria do nosso sistema de governo electrónico, com resultados já bem visíveis ao nível da nossa comparação com outros países europeus (e até com outros países a nível mundial, como fez a Brown University dos Estados Unidos da América), denotam a importância deste objectivo estratégico do Governo, que é a modernização administrativa, a simplificação de procedimentos e o uso das novas tecnologias. Ora, esses custos estão aqui englobados nesta rubrica da consultoria.
O Sr. Deputado reconhece os resultados obtidos, mais uma vez — e agrada-me que assim seja, não o escondo —, a nível do défice, mas questiona a razão de termos sido o último país da União a sair do défice excessivo. A razão é muito simples, Sr. Deputado: nós só estamos a fazer o nosso trabalho há dois anos; houve alguém antes de nós que falhou o seu trabalho.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Foi o Eng.º Guterres!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Deputado, o défice orçamental era de 4,3%, em 2001, e VV. Ex.as
, no governo, reduziram-no, até 2004, para 3,2%. E reduziram o défice de 4,3% para 3,2% aumentando a receita em 4865 milhões de euros e aumentando a despesa em quase 3300 milhões de euros, como já referi hoje.
Mais, esta foi uma consolidação falhada porque não adoptou medidas que tivessem um impacto duradouro sobre a despesa. Foi vendendo redes de telecomunicações, absorvendo fundos de pensões e titularizando créditos, tudo receitas extraordinárias, que resolveram momentaneamente alguns problemas, mas, em boa verdade, não reduziram o défice abaixo dos 3%, nem implementaram políticas que tornassem esses resultados sustentáveis.
E, agora, o espanto de sermos os últimos a sair do défice excessivo!… Sr. Deputado, desculpe dizê-lo, mas é preciso ter «lata»!
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Mas quem é que está espantado?!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — A verdade é que, como já referi, nós reduzimos o défice em 3,1 pontos percentuais, reduzimos o peso da despesa e estamos a reduzir o peso da dívida.
Quanto aos efeitos que estes resultados poderão ter sobre os spreads, não é a mim que compete a avaliar isso. Há agências de rating que se encarregarão de reflectir estes progressos nesse domínio. Mas com certeza que, continuando este processo de consolidação orçamental, com este tipo de resultados, só poderemos esperar que isto venha a sentir-se e a notar-se nesse domínio.
Em relação à questão das receitas extraordinárias e ao problema da concessão da barragem do Alqueva, com certeza, Sr. Deputado, que não haverá todos os anos uma concessão da barragem do Alqueva à EDP, isso é algo de extraordinário.
Agora, Sr. Deputado, não precisei disso para cumprir o objectivo orçamental dos 3,3%. Ajuda a fazer melhor, sem dúvida, mas não tive de vender redes de telecomunicações, créditos ou absorver fundos de pensões de entidades empresariais para chegar a este resultado. Repito: não precisei disso! Portanto, é evidente que a natureza desta operação é clara, mas, reafirmo, não é por causa dela que cumprimos os resultados que nos propusemos, que são resultados atingidos graças a medidas de natureza estrutural e sustentável.
Quanto às dívidas, recordo que, quando iniciei funções, tínhamos uma dívida, que vinha a aumentar ao longo dos anos, de 800 milhões de euros na área da saúde (o Sr. Deputado deve recordar-se disso, porque era Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde na altura), dívida essa que regularizámos, tendo reduzido os prazos de pagamento neste sector. Não nego que existe uma dívida rolante (como sabe que existe neste sector), que é uma dívida que está estabilizada, com prazos de pagamento mais curtos e, mais, Sr. Deputado, é uma dívida que está contabilizada e reflectida nas contas do Serviço Nacional de Saúde e nas estimativas da execução orçamental e do saldo orçamental. Portanto, quanto a isto, espero também que fique esclarecido.
Aliás, nos hospitais empresa, como na própria Estradas de Portugal, a insuficiência de financiamento que o Sr. Deputado notou é uma questão que está reflectida e repercutida na estimativa do défice em 2007. Portanto, não está de fora, como o Sr. Deputado verá e com vê o Eurostat, não tenha dúvidas, juntamente com as autoridades estatísticas nacionais.
No que diz respeito aos impostos, já tive oportunidade de referir a minha posição, quer aos portugueses, quer a esta Câmara, quer aos órgãos de comunicação social. A minha posição é muito clara quanto a esta matéria e, francamente, Sr. Deputado, penso que devemos discutir o Orçamento para 2008 antes de discutirmos o Orçamento do Estado para 2009. Sei que está ansioso por discutir o Orçamento do Estado para 2009, mas prometo que para o ano cá estarei para o fazer.
Relativamente à convergência com a União Europeia, Sr. Deputado, recordo que, finalmente, iremos crescer à mesma média do crescimento da zona euro. É uma convergência que foi gradual, mas conseguimos.
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Estreitámos o fosso que herdámos entre o crescimento português e o crescimento da zona euro. Repito, estreitámos esse fosso! Teremos o crescimento mais elevado dos últimos sete anos, sendo que, no último ano, crescemos porventura mais do que se cresceu nos três anos de governo do PSD/PP. Também me parece que convém não ignorar isto.
Quanto às propostas do PSD para ajudar ao crescimento da economia, serei todo ouvidos. No entanto, espero que não sejam medidas da mesma natureza das medidas que adoptaram no vosso governo, porque, em termos de crescimento, não se viu nada. Portanto, espero que haja algo de muito inovador relativamente às políticas e medidas que terão tido em mente ou que eventualmente terão implementado mas cujos resultados não se viram.
Creio que este Governo, com as políticas que tem vindo a adoptar, está a mostrar resultados no domínio do crescimento, crescimento esse que, reafirmo, terá de ser mais forte. É nisso que estamos a trabalhar. Mas o crescimento tem vindo a melhorar ano após ano, e isto é um facto indesmentível.
Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, com certeza que a aposta na reabilitação urbana,… O Sr. Patinha Antão (PSD): — Peço desculpa, Sr. Ministro, mas gostaria de fazer uma interpelação à mesa.
O Sr. Presidente: — Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Gostaria de acabar a minha resposta sem interrupções.
O Sr. Patinha Antão (PSD): — É apenas uma interpelação à mesa e é uma figura regimental, Sr. Ministro.
Se o Sr. Presidente me permite, digo em 10 segundos o que tenho a dizer.
Protestos do PS.
Quero apenas informar o Sr. Ministro que a observação que fez de que teríamos referido a situação dos reformados com 500 euros não é exacta. Nós referimos um escalão de 500 a 1200 euros, e pedimos para o Sr. Ministro fazer essa consideração.
A segunda nota é que, como dissemos, gostaremos de debater em Plenário os governos anteriores.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Patinha Antão está a dizer que utiliza as figuras regimentais como deve ser.
Por acaso, até teve azar, porque não utilizou. Talvez porque, certamente, motivado por uma qualquer excitação momentânea, nem sequer deixou o Sr. Ministro terminar a sua resposta e, pura e simplesmente, ultrapassou inclusivamente a condução dos trabalhos por parte do Sr. Presidente.
Portanto, venho aqui dar uma ajuda à mesa relativamente à condução dos trabalhos, no sentido de manter alguma disciplina, até porque há várias inscrições e vamos ter de terminar esta reunião às 18 horas, dado que há outros compromissos.
O Sr. Presidente: — Se os Srs. Deputados derem algum contributo para essa disciplina, designadamente no que concerne aos tempos que são facultados, vamos seguramente levar a bom porto esta audição.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, tem a palavra para continuar a responder aos Srs. Deputados Leonor Coutinho e Eugénio Rosa.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Começo por responder à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, dizendo que, de facto, a aposta na reabilitação urbana é uma aposta importante deste Governo.
Entendemos com esta iniciativa atingir dois objectivos, que me parecem relevantes, sendo o primeiro contribuir para a requalificação das nossas cidades.
Creio que quem conhece os centros urbanos, designadamente das principais cidades, constata notoriamente a necessidade de que algo tem de ser feito neste domínio, no sentido de melhorar o nosso património urbano e a qualidade das nossas cidades.
Depois, para além destes aspectos de ordenamento ou de planeamento urbano, a requalificação urbana tem com certeza impacto na actividade económica e, designadamente, em empresas de pequena e média dimensão que tipicamente intervêm neste sector de actividade.
Por isso, o alargamento da taxa reduzida do IVA, a isenção total ou parcial do IMI, a isenção do IRC em fundos de investimento imobiliário que se dediquem à área de reabilitação urbana ou a tributação em IRS ou
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IRC dos participantes nesses fundos creio que são medidas que poderão ter (e acredito que terão) um impacto muito decisivo no relançamento de uma actividade que me parece relevante para os efeitos que referi.
A Sr.ª Deputada colocou uma questão sobre o apoio à habitação, perguntando quanto é que esse apoio representa o esforço fiscal — no fundo, a receita que deixamos de receber ou a chamada despesa fiscal — em virtude das deduções que os contribuintes são autorizados a fazer pelos encargos com a aquisição de habitação, obras, etc. Devo dizer, Sr.ª Deputada, que essa estimativa anda em algo entre os 450 a 500 milhões de euros por ano. Será, pois, este o montante da despesa fiscal, que podemos estimar situar-se num intervalo desta grandeza.
Quanto à questão que levantou das estatísticas do INE sobre a habitação, tenho de confessar, Sr.ª Deputada, que não sei o que lhe diga. Não tenho a tutela do INE, portanto não poderei anunciar aqui qualquer compromisso do INE quanto a esta matéria. A única coisa que posso dizer-lhe é que irei tomar nota da sua preocupação e comunicá-la-ei, com certeza, ao meu colega de Governo que tem a tutela desta instituição.
Sr. Deputado Eugénio Rosa, devo confessar que tenho alguma dificuldade em responder ao conjunto de questões que suscitou, porque invoca uma série de cálculos que não posso, sinceramente, analisar, além de que não posso fazer um juízo sobre os cálculos que fez. Isto porque não sei se os cálculos que fez assentam em pressupostos correctos ou não, se utilizou ou não correctamente a informação. Sinto-me, portanto, plenamente incapaz de, perante a avalanche de números que nos foi fornecendo, poder dizer-lhe se, sim ou não, há aí algum fundamento. Gostaria, obviamente, de poder analisar e verificar a forma como o Sr. Deputado chega a esses resultados, para poder comentar e eventualmente até discordar das conclusões a que chegou.
Agora, uma coisa é certa, Sr. Deputado: há um esforço óbvio do Governo no sentido da melhoria da nossa Administração, que passa pela racionalização dos recursos que usamos, incluindo os recursos humanos.
Temos, pois, vindo a fazer um esforço de redução de funcionários no âmbito da Administração Pública, redução essa que tem vindo a ter impacto na evolução das despesas com pessoal, designadamente nas despesas com remunerações certas e permanentes.
O Sr. Deputado constata que há aumentos das verbas com as contratações. Mas permita-me que lhe recorde que, com a reforma do regime de vinculação, carreiras e remunerações, passaremos a ter, a partir de 2008, como norma no âmbito da Administração Pública o contrato e não a nomeação. Portanto, não será de estranhar que, a partir de 2008, tenhamos um aumento do número de contratados no processo de renovação da nossa Administração.
Quanto à questão da consultoria, já tive oportunidade de dar uma resposta, a propósito do comentário que fiz ao Sr. Deputado Patinha Antão.
No que diz respeito ao aumento de vencimentos, Sr. Deputado, faço o mesmo comentário: não sei como é que chega a esses 3,8%, mas devo dizer-lhe que, em boa verdade, a nossa situação orçamental não nos permite ir para além daquilo que propusemos, que foi 2,1%.
O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, por razões compreensíveis, vamos interromper os trabalhos por alguns minutos.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Estão inscritos nesta segunda volta de perguntas os Srs. Deputados Diogo Feio e Alda Macedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças: 2008! Repito, 2008! Repito, uma terceira vez, 2008! É escusado vir responder às perguntas que o CDS lhe faz com 2004 e 2005. É perfeitamente escusado! Se quer falar sobre o passado, Sr. Ministro, já lhe disse, tem de «ir pregar para outra freguesia», porque aquilo que o CDS quer discutir é o presente e o futuro.
Achei, aliás, muito curioso, porque o Sr. Ministro ainda há pouco nos dizia, numa resposta, «não me obriguem já a falar do ano de 2009». Ou seja, o Sr. Ministro não pode falar de 2009, porque é o futuro, mas pode falar de 2004. Desculpe mas isto é, politicamente, uma coisa extraordinária! E enquanto não se convencerem de que quem fala do passado se começa a tornar passado, continuarão por mau caminho. Mas isso é uma opção que os senhores tomam.
Volto a perguntas sobre a despesa e a receita, relembrando também as condições de natureza política, e não só, com que o Sr. Ministro nos foi apresentando Orçamentos e fazendo a sua execução.
O Sr. Ministro tem-nos apresentado Orçamentos e feito a sua execução em ciclos económicos de crescimento, mas, como bem sabe, os ciclos económicos vão-se repetindo de forma cíclica – há uns que não são de crescimento e há outros que são. São cíclicos e, portanto, não há qualquer determinação de natureza política sobre o ciclo que está a viver a economia.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro bem sabe que tem a condição política de uma maioria absoluta.
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Em terceiro lugar, o Sr. Ministro também sabe bem que tem tido, nos últimos tempos, um Presidente da República que não faz muitas considerações sobre vida e défice. Aliás, as considerações que faz são fundamentalmente sobre o crescimento da nossa economia, que tem de ser, de facto, a nossa grande preocupação.
Como tal, perante estas condições que o Sr. Ministro tem, este Orçamento que hoje nos apresenta é, repito, uma verdadeira decepção.
Sobre a matéria das receitas, relembro-lhe que o seu legado, de 2006 até agora, é o de ter cobrado mais, de forma suplementar, 6714 milhões de euros, que, com certeza, muito fizeram para que se pudesse alcançar este valor de défice. Como tal, com grande probabilidade, o Sr. Ministro ficará para a história como o Ministro cobrador dos impostos. E olhe que os contribuintes, muitos deles empresários individuais, não se irão esquecer de como isso tem sido feito, até porque continuou sem explicar por que razão temos, por exemplo, os aumentos de 5,5% na cobrança de IRS, o imposto que é cobrado às pessoas singulares, Sr. Ministro.
De acordo com o Relatório do Orçamento do Estado, nele estão duas medidas legislativas que têm efeito na receita. Uma com aumentos de acordo com a inflação, outra relacionada com a questão dos pensionistas.
Mas o Sr. Ministro também fez algumas afirmações muito eloquentes, dizendo que não deixará que não se respeitem as garantias dos contribuintes e, depois, fez uma acusação, dizendo «Pronto! Lá vem a comunicação social!» O Sr. Ministro sabe bem que não tenho o hábito de fazer perguntas ou política à custa de notícias da comunicação social, mas há algumas que «saltam aos olhos».
Saliento que não me estou a referir à notícia inicial de que o Sr. Ministro falava, mas a verdade é que poderemos discutir o mail que seguiu para os directores de finanças, relativo à aplicação já este ano de procedimentos que ainda não estão aprovados e que são só para 2008. Repito-lhe o que diz um responsável da administração fiscal, sob anonimato, num jornal: «As notícias que vieram a público sobre a antecipação de procedimentos por parte do fisco que ainda não teriam cobertura legal são consideradas uma mera formalidade. Com efeito, as penhoras electrónicas de imóveis apenas servem para apressar todo o processo.» Pois é exactamente de apressar que se trata, de fazer a cobrança em 2007 quando ela deveria ser feita em 2008! É esse apressar que está em causa, Sr. Ministro. Isto é de uma gravidade extrema e, como tal, o Sr.
Ministro vai ter de explicar isto muito bem perante o Parlamento, até porque não o fez quando o questionei acerca deste assunto pela primeira vez. Deve ter, contudo, uma segunda hipótese e, agora, deve dizer que esse procedimento tem de ser suspenso e que não há outra qualquer possibilidade.
Por outro lado, penso que as penhoras de créditos futuros são uma vergonha. Repare que não estamos a falar de penhoras de créditos actuais mas, sim, de penhoras de créditos futuros, sem que exista, em relação aos trabalhadores independentes, qualquer limite. Posso fazer-lhe o «cardápio» completo, mas a verdade é que, com esta medida, o senhor pode arruinar carreiras profissionais. Aliás, vai mesmo fazê-lo! E não nos diga que é só por um ano, porque a verdade é que a medida é só por um ano mas é renovável. Convém ler com rigor o que vem na proposta do Orçamento do Estado.
Sobre a despesa com pessoal, a págs. 17 do Relatório do Orçamento do Estado é-nos apresentado um quadro com entradas e saídas na Administração Pública. Da sua leitura ficamos a saber que entraram para a Administração Pública 14 123 funcionários e saíram 28 915, sendo a diferença de 14 792. Faço-lhe, então, perguntas muitíssimo concretas: dos 28 915 funcionários, quantos vão para a Caixa Geral de Aposentações? Quantos pertencem à Estradas de Portugal? Quantos pertencem aos hospitais-empresa? Quantos pertencem aos laboratórios? O que pretendo são números que o Sr. Ministro, com certeza, nos pode dar e não discurso político.
Ainda em relação ao pessoal, se considerarmos o gasto que é feito na Caixa Geral de Aposentações, temos um aumento de 2,2%. Se considerarmos a dotação provisional para aumentos, temos um aumento de 4%. Como tal, veja o Sr. Ministro o que são os números.
Em terceiro lugar, destaco o enormíssimo fracasso da política orçamental de VV. Ex.as no que toca à reforma da Administração Pública. Na pág. 49 do Programa de Estabilidade e Crescimento que Portugal apresentou, constato que, para 2008 – repito, para 2008 –, está prevista, com a moderação dos custos com pessoal da Administração Pública e com a redução dos recursos humanos, uma quebra de despesa da ordem dos 1225 milhões de euros. Onde é que ela está neste Orçamento? Não está! Esta é a tal diferença entre a previsão de despesa que faziam nesse mesmo Programa, de 44%, para aquela que hoje fazem, apontando para o valor de 45,1%. Este é o valor que prevêem actualmente.
Sobre a desorçamentação, faço-lhe uma outra pergunta concreta: para onde vão os prejuízos da Estradas de Portugal? Onde é que vão ser considerados nas contas do próximo ano? De facto, podemos ter uma situação em que o Estado se mantém, mas fica fora do Orçamento.
Volto a fazer a pergunta das SCUT, porque o Sr. Ministro não me respondeu. Veja lá que eu leio a comunicação social, leio as suas entrevistas – aliás, não tenho outra hipótese que não seja a de ler as suas entrevistas senão na comunicação social – e numa dessas entrevistas o Sr. Ministro afirma que, com esta alteração que promoveu na Estradas de Portugal, quer introduzir o princípio do utilizador-pagador. O que lhe pergunto é como é que alguém que defende o princípio do utilizador-pagador mantém as SCUT.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!
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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Explique-nos lá qual é a coerência das suas políticas, bem como das políticas do seu Governo.
Por fim, o seu Ministério tem feito a lista de contribuintes com dívidas ao Estado. Aliás, tem sido noticiado que conseguiu com isso recuperar 207 milhões de euros e que há vontade de apertar ainda mais esta malha e de fazer mais publicações deste teor. O que lhe pergunto é se esse princípio de equivalência não se poderia aplicar a uma lista de dívidas que o Estado tem perante os particulares.
O CDS apresentou uma proposta neste sentido que vai ser votada nesta Comissão na próxima quarta-feira e com a qual pretende que seja publicada essa lista em relação ao Estado, isto é, à administração central, às autarquias locais, aos institutos públicos e às empresas públicas.
Esta é uma questão de igualdade de tratamento entre os cidadãos e o Estado, Sr. Ministro, e não de coscuvilhice fiscal. Como tal, quero saber qual é a sua posição pessoal quanto a esta matéria.
De facto, as propostas que neste momento vêm do Partido Socialista apontam no sentido de termos apenas uma lista relativa à administração central. É essa também a sua opção, ou será que podemos acreditar que o bom senso do Partido Socialista vai chegar até quarta-feira?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.
A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, a questão que tenho para colocar é muito concreta e prende-se com um imposto local, o IMI (Imposto Municipal de Imóveis), e com as correcções que lhe devem ser introduzidas em sede de Orçamento do Estado, no sentido de garantir que a sua aplicação seja mais justa e adequada aos seus objectivos e natureza.
Na verdade, o IMI, sendo um imposto local, tem um objectivo muito concreto, que é o de compensar as autarquias pelo impacto da ocupação do território face à necessidade de garantir infra-estruturas, acessibilidades e equipamentos que ocupam esse território. Aquilo que existe no Código do IMI é uma isenção do Estado em relação ao seu património, aos seus edifícios que desempenham funções públicas.
Devo dizer que este princípio não nos parece equilibrado nem nos parece conduzir a uma relação equilibrada entre os órgãos de poder. Aliás, a Lei de Finanças Locais aprovada este ano já introduz uma brecha em relação a esta tradição de anos, uma vez que não isenta de IMI os edifícios que não estão afectos a actividades de interesse público. E ainda bem que o faz! Ora, o que o Bloco de Esquerda propõe é que, para além deste carácter de excepção, se acabe com esta isenção do Imposto Municipal de Imóveis para todos os edifícios que são património do Estado e que, em nossa opinião, devem pagar imposto, como pagam todos os outros edifícios. Podemos admitir uma fase de transitoriedade, um período de tempo de adaptação a este alargamento, mas a verdade é que não existe nenhuma razão válida e justificada, à luz da natureza deste imposto, que explique por que é que os imóveis do Estado estão isentos do pagamento de IMI.
Esta é a questão muito concreta que gostava de lhe colocar e sobre a qual me parece importante que o Governo tome posição, já que vários autarcas do Partido Socialista têm perfilhado exactamente esta opinião.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, noto o seu embaraço e incómodo sempre que recordo o período de 2001 a 2004. Aliás, foi bem patente a irritação com que mencionou o facto de eu, a cada passo, recordar esse período.
Compreendo a preocupação de V. Ex.ª em ajudar os portugueses a esquecerem rapidamente esse período, o que é louvável. Mas recordo-lhe que estamos numa tribuna livre e que falo do que entender que é oportuno, não me podendo o Sr. Deputado, obviamente, impedir de mencionar o período de 2001 a 2004 sempre que entender que é necessário e oportuno.
Vejo também que o Sr. Deputado avançou aqui com algumas desculpas ou justificações para o falhanço da governação nesse período. Falou num ciclo de crescimento, numa maioria absoluta – e eu recordo que o governo tinha uma maioria absoluta na base de uma coligação –, falou no papel do Presidente da República e em todo um conjunto de condições político-económicas para justificar esse período que quer que os portugueses esqueçam rapidamente. Bem, registo as afirmações de V. Ex.ª.
Quanto à questão da cobrança dos impostos, Sr. Deputado, quero ser muito claro nesta matéria: o Governo usará todos os procedimentos legais que tiver ao seu alcance para cobrar as dívidas fiscais e, como já afirmei, respeitando os direitos dos contribuintes. Quanto ao ataque que o Sr. Deputado faz a esta postura, querendo com isso dizer que o fisco está a ameaçar os contribuintes, só vejo um intuito por detrás disso, um intuito escondido,…
Protestos do Deputado do CDS-PP Diogo Feio.
… que é o de pactuar com práticas evasivas e fraudulentas e regressarmos aos maus vícios do passado neste domínio.
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O Sr. Deputado saberá os interesses que defende. Eu defendo os interesses dos contribuintes e dos portugueses e defendo um sistema fiscal mais justo e mais equitativo, combatendo, de facto, com afinco a fraude e evasão fiscais.
Relativamente à questão que o Sr. Deputado invocou como pretenso atropelo dos direitos, recordo-lhe que os procedimentos que estão a ser utilizados são legais. O Código de Procedimento e de Processo Tributário tem um regime definido no artigo 231.º e a penhora electrónica está prevista, desde 2003, nos termos do Código de Processo Civil, no seu artigo 838.º. Mas desde 2005 que o artigo 231º do Código de Processo Tributário prevê que a administração fiscal possa optar por efectuar a penhora de acordo com o Código de Processo Civil.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Ah, no processo civil!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — É isso o que estamos a fazer, Sr. Deputado, e tem uma base legal. Não procure lançar confusão naquilo que é um procedimento legal.
Se, de facto, o Estado tem penhoras em curso e se as pode executar em 2007 em vez de 2008, fá-loemos! Não tenhamos dúvidas quanto a isso! Sr. Deputado, sobre a questão da decomposição das saídas da função pública, devo referir que o número de funcionários abrangidos é de funcionários que, com certeza, têm estatuto de funcionário público e da função pública e não o de funcionários de entidades que estejam fora do perímetro e que não estejam abrangidos por esse estatuto.
Com certeza que não pensa que estarei aqui preparado para lhe dar com minúcia os números que pediu, mas tratarei disso e far-lhe-ei chegar essa informação detalhada, Sr. Deputado.
Mas parece que, agora, descobriu aqui uma grande novidade, dizendo: «Ah, afinal de contas, são aposentados!» Então, o que queria que fosse, Sr. Deputado? É evidente que sempre foi essa a dinâmica da nossa Administração Pública: grande parte dos funcionários saem do activo para serem aposentados e há uma parte mais diminuta, como sabe, Sr. Deputado, que porventura a abandonará por outras razões. Mas a dinâmica de saída do activo na Administração Pública é, de facto, por aposentação. Só que há uma diferença: é que, antes, saiam dois e entravam dois ou mais; agora, saem dois e só entra um. É esta a diferença e é isto que faz toda a diferença, Sr. Deputado! Respondendo à questão das SCUT, Sr. Deputado, a política do Governo é (e tem sido) muito clara nesta matéria. Há um conjunto de vias rodoviárias no regime de SCUT que já estão identificadas e que, de acordo com os critérios enunciados no Programa do Governo, vão estar sujeitas a portagens. Essas portagens serão introduzidas e acabará nessas auto-estradas o regime da SCUT. Outras vias rodoviárias que, de acordo com os mesmos critérios, não preencham as condições para se manterem como SCUT passarão também a ser portajadas. É esta a política do Governo e foi sempre esta a política que o Governo anunciou. Isto, consequentemente, com o reforço das receitas de natureza mercantil na entidade Estradas de Portugal Os prejuízos da Estradas de Portugal de que fala, Sr. Deputado, são prejuízos contabilizados como défice dessa entidade, que consolida com o défice das administrações públicas e que são tidos em conta na determinação do défice das administrações públicas.
Finalmente, quanto à questão da redução das despesas com pessoal, o Sr. Deputado falou aí num número de cerca 1200 milhões de euros de redução, em 2008.
Chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto de ter de ler com atenção o significado dos números. Isso pode requerer, direi, algum domínio técnico do quadro e do exercício de estimação que aí é feito, e obviamente que não é exigível que o Sr. Deputado domine esse pormenor técnico, mas o que está aí em causa, Sr. Deputado (e esses números são avançados no Programa de Estabilidade e Crescimento e, depois, na sua actualização), não é comparar as despesas com pessoal num ano t+1 com um ano t-1! Não é isso! Isso está lá explicado, Sr. Deputado. Trata-se de um exercício que é típico na avaliação de projectos, que é o de comparar a despesa que temos com as políticas com aquela que teríamos, no mesmo ano, na ausência de políticas, e não com as despesas efectuadas no ano anterior.
É dentro deste contexto, que é típico da análise de projectos, que esse número tem de ser interpretado.
Portanto, há aí um pormenor de natureza técnica para o qual chamava a atenção do Sr. Deputado, que é importante ter em conta na interpretação e no significado desses números.
Sr.ª Deputada Alda Macedo, relativamente à questão do IMI, o Governo, na proposta de lei de finanças locais que apresentou a esta Assembleia, entendeu que os edifícios públicos ocupados pelo Estado para finalidades públicas deveriam estar isentos do IMI, sendo certo que aqueles que não são utilizados para essas finalidades estarão, ou poderão estar, sujeitos ao IMI.
Diz-me a Sr.ª Deputada que o melhor era pagarem todos. Essa poderia ter sido uma opção do legislador, mas recordo, Sr.ª Deputada, que definimos na Lei de Finanças Locais transferências do Orçamento do Estado para as autarquias e essas transferências são, no fundo, financiadas por receitas.
Ora, a questão que aqui temos é a seguinte: ou temos uma transferência eventualmente menor com uma receita de IMI em tudo ou temos um cálculo dessas transferências que, obviamente, tenha em conta estas realidades. Isso não foi ignorado, digamos, na abordagem e no equilíbrio global da Lei de Finanças Locais.
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Dir-me-á: «Bem, se calhar era melhor fazer de outra forma.» Sr.ª Deputada, é uma opinião! Penso que não será ou, pelo menos, não me parece oportuno que a questão seja agora discutida. Foi uma questão que foi, obviamente, ponderada em sede da revisão da Lei de Finanças Locais e foi dentro deste espírito de equilíbrio global das relações financeiras entre o Estado e as autarquias que essa solução foi adoptada. Haverá aí uma perda ou uma penalização das autarquias? Não há, porque isso foi feito dentro desse espírito de equilíbrio global. Se alterássemos este parâmetro, então, teríamos que ver o conjunto das relações financeiras entre o Estado e as autarquias estabelecidas por essa lei.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito?
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou demorar 10 segundos com uma questão de defesa da honra, porque o Sr. Ministro fez uma acusação muito grave em relação a possíveis interesses que estavam aqui a ser defendidos.
O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É só para que fique muito claro ao Sr. Ministro que, no CDS, não admitimos que nos faça essa referência, porque o único interesse que aqui queremos defender é o dos direitos dos contribuintes que passam pelas repartições de finanças. Que isto fique muito claro! Já agora, Sr. Ministro, em relação à questão das dívidas do Estado e da sua lista, «aos costumes disse zero»!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, fica registada a sua observação, mas o Sr. Ministro quer responder.
Faça favor.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Deputado, creio que o nosso empenhamento é o mesmo: é o de defender o interesse dos contribuintes. Porém, não me parecia que fosse isso que estava, de facto, a defender ao insinuar que o fisco — e aí também creio que tenho o direito de defender a honra da administração fiscal — estava a atropelar a lei e a desrespeitar os direitos dos contribuintes ao adoptar procedimentos que, no seu entender, não deveriam ser adoptados.
Portanto, essa insinuação de que o Governo estaria a cometer ilegalidades é também uma insinuação danosa da imagem e da integridade da administração fiscal.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Creio que todos nós interpretamos estas palavras como decorrendo de um debate vivo, de um debate acalorado. Ninguém perscrutou aqui qualquer afronta à dignidade, à imagem, ao prestígio de quem quer que seja.
Nessa medida, penso que a questão está sanada.
Vamos passar a uma terceira e última ronda de perguntas, para a qual tenho cinco inscrições, que vou agrupar de uma só vez para o Sr. Ministro de Estado e das Finanças responder a final.
Queria dizer aos Srs. Deputados que desta feita serei draconiano relativamente ao controlo dos tempos.
Não podemos continuar aqui a «deslizar» relativamente a esta matéria e, portanto, a minha complacência terminou aqui. Vou, pois, ser rigoroso, nos 5 minutos atribuídos a cada um dos Srs. Deputados.
Para usar da palavra. em primeiro lugar, está inscrito o Sr. Deputado Hugo Velosa. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, logo comigo havia de ser draconiano! Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, vou ser mesmo muito breve, talvez mais ou menos com o mesmo tempo que usou a Sr.ª Deputada Alda Macedo e muito mais breve que todos os outros oradores ao longo desta tarde.
Gostaria de começar por fazer uma primeira nota ao Sr. Ministro: não temos receio do passado. Agora, há uma coisa com que V. Ex.ª e nós temos de concordar: é que, em 2009, quem vai ser julgado não vão ser os governos antigos mas este. Esta é uma questão prévia que eu gostaria de deixar.
Falando de Orçamento, que é para isso que aqui estamos e até sou daqueles que defendem que na Comissão de Orçamento e Finanças não devemos fazer muita política, mas estamos numa Casa política e todos a fazem, vou tentar enunciar questões muito concretas sobre o Orçamento, nesta discussão na generalidade, até porque, depois, no Plenário, teremos ocasião de discutir outras questões.
Vamos a uma primeira questão: os lapsos materiais. Não me lembro de um Orçamento, nos últimos anos, que, passados poucos dias, tenha tido tantas rectificações por lapsos materiais. Nada a opor às rectificações de lapsos materiais, todos nós erramos numa vírgula, numa palavra, mas a questão que vou pôr é mais pro-
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funda pois aqui não há só lapsos materiais. Basta olhar para uma série de propostas que foram introduzidas com alterações para vermos que não são lapsos materiais. Ora, se não são lapsos materiais, o Governo tem de explicar, ou através de propostas de alteração ou nos debates, por que é que faz essas alterações.
Vou dar exemplos de alterações que não são meros lapsos de vírgulas ou palavras. Por exemplo, o artigo 95.º da proposta de lei é alterado, no sentido de dizer que as regiões autónomas passarão a ter uma liquidação de um saldo até 7,5 milhões de euros. Isto não estava na versão inicial, não sabemos o que é, pelo que a primeira pergunta que fazemos é a seguinte: o que é esta liquidação de um saldo com as regiões autónomas até 7,5 milhões de euros? E, já agora, deixe-me que lhe diga que, tanto quanto se sabe, em relação ao passado, e o Sr. Ministro sabe que sou um Deputado que represento o PSD da Região Autónoma da Madeira, segundo me parece e analisei muitos documentos, há muitos acertos a fazer em relação à vigência da anterior Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e que estão a ser feitos. Portanto, gostava de saber, em concreto, o que são estes acertos.
Outro exemplo, também em relação às regiões autónomas, é o do artigo 115.º. Em relação a este artigo há uma alteração quer relativamente às regras de transferências do artigo 37.º, quer relativamente ao Fundo de Coesão, que dão alterações de verbas. Gostaria de saber porquê, qual o fundamento. É que, por acaso, isto é positivo, do ponto de vista das regiões autónomas, porque as alterações são para mais, mas convém saber qual a razão da existência dessas alterações.
Uma última questão, que também tem a ver com as regiões autónomas, vai no sentido de saber se o Orçamento do Estado prevê verbas da componente nacional nos programas. Por exemplo, as regiões autónomas concorrem em relação ao QREN, mas gostávamos de saber se há verbas, no Orçamento do Estado, para a componente nacional, nomeadamente em relação a certos programas, o que, como V. Ex.ª sabe, é uma matéria que tem vindo a ser tratada ao longo dos anos mas que, infelizmente, nunca foi resolvida.
Agora, uma pequena crítica, que parece menor mas não é e até dá aqui alguma nota de humor, porque, enfim, o Orçamento, às vezes, é uma coisa muito árida.
Costuma falar-se de «cavaleiros» orçamentais e, tendo estado a ler a lei do Orçamento do Estado, porque antes de vir para estes debates gosto de o fazer, por mau hábito pessoal ou talvez por bom hábito, diria que há aqui uma autorização para transformar a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em ordem profissional, o que é praticamente um «concurso hípico» orçamental, muito mais do que um «cavaleiro» orçamental, já que isto nada tem a ver com o Orçamento.
Portanto, independentemente de se aceitar ou não a existência de «cavaleiros» orçamentais, que é uma questão técnica, a minha pergunta vai no sentido de saber por que é que isto surge no Orçamento, quando se discute, neste momento, uma proposta do Partido Socialista — é do Partido Socialista, nem é do PSD! — sobre a criação das ordens profissionais e, portanto, vai haver regras concretas para a criação das ordens profissionais. Bom! Vão respeitar essas regras? É que se trata de uma proposta que ainda está em discussão, na especialidade.
Sobre os municípios, sinceramente – terei de ser telegráfico mas ainda havemos de ter tempo para debater estas matérias –, houve uma surpresa. No ano anterior, foi respeitada a Lei das Finanças Locais, quanto à explicação que é necessário dar, nos termos da referida Lei, sobre o porquê, as razões, os fundamentos das transferências para os municípios, porque, como é evidente, aqui, no Parlamento, queremos saber por que é que houve uma determinada verba global para os municípios e alguns recebem isto, outros recebem aquilo, etc. Soube, entretanto, pelos serviços, que esse documento deu entrada esta tarde, mas não tive tempo de o analisar. Por isso, por um lado, felicito-o, pelo facto de esse documento ter entrado esta tarde, mas, por outro, digo-lhe que era bom que tivesse entrado antes, para o podermos questionar sobre esta matéria.
De qualquer forma, o Sr. Ministro, há pouco, em resposta à primeira pergunta que lhe foi feita, disse que a Lei das Finanças Locais está a ser cumprida. Ora, esta afirmação, para nós, é pouco. É que, independentemente do documento que entrou e que nos poderá dar algumas explicações, já veio a público que há divergências quanto ao critério da receita fiscal a ter em conta para as transferências para as autarquias. Portanto, esta é uma questão concreta que também lhe quero deixar, no sentido de não dizer apenas que a Lei está a ser cumprida, embora, se o Sr. Ministro voltar a repetir que a Lei está a ser cumprida, o que teremos de fazer é realizar alguma busca para verificar se está ou não a ser cumprida.
Também de forma telegráfica, Sr. Ministro, muito sinceramente, não entendemos a questão da Estradas de Portugal. Mesmo que se diga que isto não é para sair das «Administrações Públicas» e, portanto, não há desorçamentação, que foi aquilo que o Sr. Ministro disse, ficamos com uma série de dúvidas. Então, mas a SA ainda não foi criada! Quando é que este novo quadro que foi criado fica a funcionar? Por que é que, por exemplo, saem 449,2 milhões de euros da despesa consolidada do Ministério das Obras Públicas, se ainda não foi criada a SA? Quer dizer, para nós, tudo isto faz alguma confusão.
Aliás, quero dizer ao Sr. Ministro que, mesmo que a lei estivesse publicada, o PSD nunca aceitaria a forma que foi criada, por entender que não é aceitável, sob nenhum ponto de vista, retirar uma receita de um imposto, que é para todos, para uma entidade pública, neste caso, ainda pública, que é a Estradas de Portugal.
Deixe-me que lhe diga, Sr. Ministro, e Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais — a quem gostaria de colocar algumas questões sobre política fiscal mas vejo que, agora, não vou ter tempo, pelo que o farei mais à frente —, que esta questão da Estradas de Portugal me faz lembrar o que se passou agora, recentemente,
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com a quebra do sigilo bancário, e «cheira-me» que algo de parecido vai acontecer. O Governo teimou, teimou, teimou, de uma forma inaceitável, em dizer que quem reclamasse ou impugnasse veria as contas bancárias sujeitas a quebra de sigilo. Nós dissemos, desde a primeira hora, que isto não era possível e, felizmente, o Tribunal Constitucional veio dizer que não o era.
Por isso, em matéria fiscal, vou deixar uma última questão, um pouco genérica, que tem a ver com o seguinte: este Orçamento cai no mesmo erro de todos os Orçamentos – e não vou dizer deste Governo, porque os anteriores também faziam o mesmo, mas este fá-lo muito mais –, criando uma malha de compreensão da matéria fiscal cada vez mais difícil. Antigamente, só os técnicos é que percebiam destas matérias, mas, hoje em dia, se calhar, nem os técnicos percebem o que se está a passar, quando se acrescentam tantas normas, muitas delas sem importância para virem no Orçamento, e sem se criar um verdadeiro regime fiscal «simplex». Já que o Governo gosta tanto do Simplex, não devia recorrer ao «Complex» no sistema fiscal, porque aquilo que está a acontecer no sistema fiscal é caminharmos, efectivamente, cada vez mais, para um «Complex».
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Gameiro.
O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, gostava de lhe deixar cinco questões muito concretas.
A primeira, que penso que interessa esclarecer neste debate, é a da equiparação, no tratamento fiscal, entre aqueles que, no seu dia-a-dia, vão realizando a sua prestação laboral e aqueles que vão vivendo os seus dias com a remuneração que a aposentação lhes permite, porque, a reboque de inúmeras intervenções muito baralhadas e confusas da oposição, os portugueses, em casa, não perceberam a intenção do Governo, através do princípio da equidade, aliás, exigido por muitos contribuintes há muitos anos.
Portanto, Sr. Ministro, gostava que o Sr. Ministro pudesse esclarecer os portugueses sobre qual é, afinal, o limite a partir do qual os pensionistas passarão a pagar, qual é a remuneração mínima que está em causa.
Serão os 600 €, os 650 €, dos 500 € aos 1200 €, como dizia o Deputado Patinha Antão? Quais serão os valores mensais de aposentação que farão com que alguns portugueses tenham de contribuir também, esforçadamente, para que o sistema fiscal se torne mais equitativo entre todos? Quero ainda deixar-lhe quatro perguntas da área da Administração Pública.
Quem acompanha as questões da Administração Pública, nesta Câmara e no País, tem vislumbrado e assistido à ausência de propostas alternativas, seja em que matéria for, na área da Administração Pública, por parte das oposições. As oposições, nesta Câmara, nos últimos dois anos e meio, têm-se limitado a comentar as propostas do Governo, sem nunca apresentarem propostas alternativas ou iniciativas legislativas nesta matéria. E como nunca apresentaram nenhuma iniciativa, nunca tivemos oportunidade de apreciar ou votar nenhuma.
Por isso, Sr. Ministro, gostava de lhe dizer que, de facto, este Governo lançou mãos da maior das reformas e da reforma mais importante. Esta reforma não apresentará resultados globais nos próximos anos, porque todas as experiências comparadas de reforma da Administração Pública só a 10, 12 ou 15 anos é que trazem, verdadeiramente, para cima da mesa, os resultados absolutos, em termos de crescimento económico, de valor imputado, em termos de PIB, pelas transformações sociais que essas reformas implicam.
Neste âmbito, o Governo lançou mão, desde logo, e bem, do programa de reforma da estrutura do Estado.
Assim, a minha primeira pergunta é sobre esta matéria. Ninguém lhe exige, hoje, resultados absolutos, Sr.
Ministro, mas sabemos, e o Sr. Ministro afirmou-o no ano passado, no debate do Orçamento, que o Orçamento do Estado para 2007 já repercute, de certa forma, alguns resultados de redução de despesa. E sabemos bem, e o Sr. Ministro afirmou-o, que reduzimos, em centena e meia de organismos, 25% dos cargos dirigentes. Assim, gostava de saber que impacto é possível prever para 2008. É que também sabemos que se, hoje, o Sr. Ministro afirma que o défice, em 2007, vai ficar num valor próximo dos 3%, isto vem confirmar que, em Outubro de 2006, aqui, nesta Câmara, o Sr. Ministro disse a verdade.
A minha segunda pergunta é a seguinte: dos trabalhadores que após a aprovação da Lei da Mobilidade ficaram em condições de poder integrar esta situação jurídica, quantos estão já hoje nesse quadro? Há cerca de um mês e meio, o Sr. Primeiro-Ministro deu-nos aqui um número e, por isso, gostava de saber se esse número evoluiu e se, de facto, os portugueses podem contar que as reformas levadas a cabo pelo Governo do PS, não tendo ainda resultados absolutos, começam, consolidadamente, a apresentar alguns resultados, nomeadamente nesta matéria, muito esperada pelos portugueses.
Em terceiro lugar, Sr. Ministro, quero colocar-lhe outra questão muito concreta. De facto, este Orçamento não continua a política de congelamento das progressões das actuais carreiras e, por isso, gostava de lhe perguntar como é que preconiza a evolução salarial no próximo ano e como é que, de certa forma, perspectiva a negociação que está, neste momento, a desenrolar-se, tendo em atenção, também e sobretudo, o volume dos prémios de desempenho previstos e orçamentados e a querela que hoje foi criada na comunicação social sobre esta matéria. Gostava que o Sr. Ministro se pudesse explicitar melhor, porque, há pouco, não percebi bem o ponto da situação e penso que era muito importante que os portugueses o percebessem.
Por último, o Sr. Ministro e o Governo, passados 33 anos de democracia em Portugal e, pelo menos, 30 anos de Constituição, tiveram, finalmente, a ousadia de criar, através de uma medida legislativa que deu
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entrada nesta Câmara, um subsídio de desemprego para os funcionários da Administração Pública. O Programa do Governo previa essa medida e, mais uma vez, o Governo cumpriu a promessa eleitoral, através da aprovação dessa medida em Conselho de Ministros e respectiva entrada nesta Assembleia. Também aqui não estamos perante resultados, mas, de facto, é mais uma medida, a juntar a tantas outras, que vem, de certa forma, solidificar a ideia de que este Governo diz e cumpre, não como todos, e outros, gostariam mas está a cumprir aquilo que prometeu.
Gostaria, pois, de saber, Sr. Ministro, como é que estão a decorrer as negociações com os trabalhadores e com as forças sindicais sobre esta matéria e como é que esta medida está a ser equacionada e poderá ser abrangida por este Orçamento, no ano de 2008, dado que é uma medida fundamental e que traz igualdade e equidade à forma como os trabalhadores são tratados neste País.
Mais uma vez, V. Ex.ª faz calar fundo as oposições, que, não tendo apresentando alternativa nesta Câmara, se limitam a comentar o trabalho que V. Ex.ª e a sua equipa têm vindo a desenvolver.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, antes de mais, constato que os 3 minutos draconianos não estão a ser cumpridos.
Risos.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não eram 3, eram 5, mas…
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, vou fazer um esforço para não proceder do mesmo modo.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, em primeiro lugar, gostava de deixar registada aqui uma coisa que me parece importante: fiz uma série de perguntas ao Sr. Ministro mas V. Ex.ª não respondeu a nenhuma delas, escudou-se dizendo que eram muitos números, etc. Pensava que o Sr. Ministro conhecia bem o Orçamento e estava habituado aos números… Havia, no entanto, uma pergunta que não tinha números, tinha a ver com a banca, mas o Sr. Ministro também não lhe respondeu. Constato, portanto, que, quando as perguntas são incómodas, o Sr. Ministro arranja desculpas dessa natureza.
Quero, agora, colocar-lhe mais duas questões, e só espero que desta vez não me vá dizer que têm números a mais.
O Sr. Ministro, quando apresentou o Orçamento do Estado para 2008, disse nos meios de comunicação que o investimento da Administração Pública ia aumentar 6% em 2008 e, no relatório do Orçamento, no sumário executivo, também há essa afirmação, penso que na pág. 10. No entanto, do quadro que está logo no início do Orçamento, onde estão os dados do investimento da Administração Pública, conclui-se que o aumento que vai haver é apenas de 4%.
Portanto, o Sr. Ministro tornou público um valor que é 50% acima do valor que consta desse quadro. Não sei se é engano ou se foi propositadamente.
A segunda questão que gostava de lhe colocar tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro afirmou aqui que o PIDDAC, expurgado da REFER e da Estradas de Portugal, relativamente ao ano de 2007, reduzia-se, penso eu, em cerca de 2000 milhões de euros. Comparou esse valor com o que consta do PIDDAC para 2008 e concluiu eufórico que o investimento a nível público ia aumentar 21%. Disse que nunca tinha acontecido uma coisa dessas em Portugal e, portanto, era um grande êxito do Governo.
Ora, a este respeito, quero colocar-lhe uma questão e, ao mesmo tempo, pedir-lhe que me responda. Gostaria de saber qual é o investimento que vai ser feito através da REFER e da Estradas de Portugal, porque só assim é que podemos saber se o investimento global efectivamente vai diminuir; se não for assim, se o investimento nestas duas empresas diminuir significativamente, o resultado pode ser menos investimento em 2008 do que em 2007.
Para terminar, já que a REFER está afastada do Orçamento e do PIDDAC, pergunto como é vai ser financiado o investimento das infra-estruturas ferroviárias. Penso que não há transferências, quando muito haverá fundos comunitários, por isso tem de haver receitas próprias. É suficiente o aluguer da linha às empresas que a utilizam? São estas as questões que lhe deixo, mas, desta vez, espero que Sr. Ministro responda e não diga que se assusta com os números.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, irei procurar, como o Sr. Deputado Eugénio Rosa, cumprir o tempo.
Sr. Ministro de Estado e das Finanças, sei, todos sabemos, que o senhor não é Ministro da Saúde, é Ministro das Finanças, mas também todos sabemos que, crescentemente, particularmente naquelas decisões ou
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orientações que têm uma componente financeira mais pesada, há um conjunto de responsabilidades que são partilhadas entre o Ministério das Finanças e o Ministério da Saúde.
A questão que lhe quero colocar diz respeito às razões que levaram o Governo, em matéria de construção de novos hospitais — não me quero reportar às questões que dizem respeito à orientação em matéria de política de saúde, mas apenas às questões financeiras ou ao suporte financeiro dessas decisões —, a optar pelas parcerias público-privadas. A minha pergunta incide em três aspectos: o primeiro, a questão de rigor; o segundo, a questão dos custos do capital; e o terceiro, a questão do peso financeiro que, no futuro, terá para as instituições que ficarem abrangidas nesses contratos de parceria o sustentar esses mesmos contratos de parceria.
Relativamente ao rigor, gostaria de lhe recordar — e o Sr. Ministro de Estado e das Finanças sabe isso, seguramente — que, em Portugal, há actualmente três parcerias no campo da saúde. Duas delas são de pequena dimensão, portanto não as vou abordar, até porque são muito recentes, não têm sequer um ano de vigência, mas a parceria mais conhecida é aquela que atribuiu a gestão e a exploração do Hospital AmadoraSintra a um grupo privado.
O que é que caracteriza essa gestão? Creio que é consensual dizer que todas as relações do Estado com o Hospital Amadora-Sintra têm sido uma enorme trapalhada e uma enorme confusão. A título de exemplo, quero apenas referir que as últimas contas aprovadas e publicadas referem-se ao ano de 2002, portanto já passaram cinco anos; que o Governo anunciou recentemente que iria abrir um novo concurso para renovar a concessão, mas agora já não há um novo concurso mas, sim, um prolongamento até 2010 do actual contrato; e que, creio que em 2001 ou 2002, o Estado reclamava um crédito de 38 milhões de euros, mas, afinal, o Tribunal Arbitral decidiu exactamente o contrário, ou seja, que havia um débito do Estado e, portanto, o Estado ainda teve de fazer novos pagamentos. E isto aconteceu numa circunstância até muito particular, pois a ARS de Lisboa, que creio que é quem tutela este contrato de parceria, nem sequer foi ouvida, nem sequer foi chamada a depor junto do tribunal para esclarecimento das contas e do «Deve e Haver» entre o Estado e o Hospital Amadora-Sintra.
Portanto, gostava que o Sr. Ministro de Estado e das Finanças me esclarecesse como é que o seu rigor nas contas públicas convive com esta situação do Hospital Amadora-Sintra.
A segunda questão diz respeito à filosofia das parcerias. O Sr. Ministro não desconhece que sobre isto há uma enorme controvérsia na Europa. A Inglaterra é, creio eu, o país que tem maior experiência em matéria de parcerias público-privadas na área da saúde, pois tem actualmente 85 contratos estabelecidos, dos quais, se não estou em erro, cinquenta e tal estão em funcionamento e trinta e tal estão em instalação.
O problema que hoje se coloca são os brutais encargos que conduzem à asfixia financeira das instituições abrangidas por esses contratos. Ou seja, o financiamento inicial, o financiamento privado, gera, a prazo, um défice público difícil de sustentar, do ponto de vista financeiro, na actividade dessas instituições, razão, aliás, pela qual muitas dessas instituições em Inglaterra têm sido obrigadas, para equilibrar a sua exploração, a fechar serviços e unidades de exploração clínica.
Aliás, muito recentemente, uma universidade, que é insuspeita e que tem muitos créditos em matéria de economia política e de política de saúde pública, a Universidade de Edimburgo, publicou um estudo em que, exactamente, levantava esta questão sobre a análise concreta dessas 85 parcerias com o Estado, em Inglaterra. Esse estudo dizia, primeiro, que os custos de capital são mais elevados do que se o Estado tivesse utilizado outros meios de financiamento público e, segundo, que a asfixia financeira que aperta a saúde e o equilíbrio das contas dessas instituições conduz, de facto, a grandes dificuldades de sustentação.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro, em que estudos e em que reflexão baseou o Governo esta opção? Porque a opção foi feita sobre quatro parcerias, que vão custar, no final dos 30 anos, 6000 milhões de euros, mas a estas quatro é preciso acrescentar mais seis parcerias. Por isso, pergunto-lhe, primeiro, se o Governo estudou devidamente os custos de capital desta operação financeira e se acha que esses custos defendem o interesse público e, segundo, se não considera que há um enormíssimo risco de sustentabilidade financeira dessas instituições que fiquem abrangidas por esses contratos de parceria público-privada.
Eram estas as perguntas que lhe queria dirigir.
O Sr. Presidente: — Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.
O Sr. Maximiano Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, serei muito rápido.
Julgo que, no final deste debate, que recordo que é a apreciação, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2008, quem nos estiver a ver em circuito de televisão terá dificuldade em perceber se a oposição tem uma posição relativa às opções estratégicas que estão contidas neste Orçamento do Estado. E recordo que essa opções estratégicas são: prosseguir o rigor e manter esta trajectória de consolidação orçamental, incentivar a retoma da actividade económica e lançar políticas sociais pró-activas. Teria, por isso, sido esclarecedor perceber, no final do debate, na generalidade, do Orçamento do Estado, se este modelo de opções estratégicas era partilhado por toda esta Casa ou não.
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Por outro lado, também não se percebe se a trajectória que está lançada nas contas públicas tem a compreensão da oposição ou mesmo o seu elogio.
Recordo que, quando se olha para uma trajectória — e em análise económica a trajectória é essencial — do peso no PIB de variáveis como a despesa ou a dívida… Recordo que, no caso da despesa total, no PIB, quando se olha para valores da ordem dos 44,2% em 2002, 45,8% em 2003 (mais alto), 46,6% em 2004 (mais alto), 47,8% em 2005 (mais alto), que, depois, começam a decrescer, com 46,4% em 2006, 45,4% em 2007 e 45,1% em 2008, verifica-se que esta trajectória tem, evidentemente, um percurso claro. Portanto, esta inversão deve ser sublinhada.
Por outro lado, se se olhar para a despesa primária desde 2002 ou 2003, o percurso é também uma inversão, e ela dá-se com este Governo, em 2005. Julgo que isto também deve ser sublinhado.
O mesmo acontece com o peso da dívida no PIB, que foi, recordo, 55,5% em 2002, 56,8% em 2003 (mais alto), 58,2% em 2004 (mais alto), 63,6% em 2005 (mais alto), 64,8% em 2006 (mais alto), 64,4% em 2007 (mais baixo) e 64,1% em 2008 (mais baixo). Ora, esta inversão da trajectória é um elemento da maior importância que todos deveriam reconhecer, se não fosse a dificuldade de a oposição tomar uma posição positiva e construtiva relativamente a um instrumento como o Orçamento do Estado.
A única crítica, apesar de tudo, aceitável, a meu ver, e que vem dos economistas, seria entender que o percurso deveria ser mais acentuado, mas aí também não vejo as oposições dizerem que este percurso deveria ser acentuado nos cortes da despesa e, sobretudo, em que tipo de despesa. Portanto, esta ilação final deve ser retirada.
Uma palavra final para uma variável-chave sobre a qual gostaria de ouvir o Sr. Ministro e sobre a qual, praticamente, aqui não se falou, que é aquilo que se passa com o investimento.
O investimento público e, sobretudo, o privado é talvez a variável-chave mais crítica do nosso percurso nos últimos anos. Está em queda semestre após semestre e, pela primeira vez, apresenta agora uma evolução positiva e uma evolução de 4% em 2008. A confirmar-se este número e esta evolução do investimento em 2008, julgo que se estará perante uma mudança-chave na situação económica do País e para o bem-estar dos portugueses.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, obrigado pelas perguntas que me colocaram.
Sr. Deputado Hugo Velosa, no que se refere aos lapsos materiais, não fugindo, obviamente, às questões que levantou, mas procurando também ser breve, procurarei dar-lhe as explicações solicitadas.
No artigo 95.º, que é um artigo que tem a ver com regularizações do passado, é introduzida uma alínea.
Recordo ao Sr. Deputado que tem havido reclamações por parte das regiões autónomas, quer da Região Autónoma da Madeira, quer da Região Autónoma dos Açores, quanto à necessidade de se fazer um acerto das transferências orçamentais que, ao abrigo da lei de 1998, se bem me recordo, deveriam ter sido feitas.
Eram transferências que deveriam evoluir de acordo com o comportamento da despesa corrente do Estado, mas havia aí o diferendo de saber se era da despesa orçamentada ou da despesa realizada, e mesmo sendo da despesa orçamentada, se era do Orçamento inicial ou dos Orçamentos rectificativos. Em linhas gerais, havia aqui um contencioso, chamemos-lhe assim, quanto a esta matéria, que se arrastou alguns anos.
No ano passado, pela primeira vez no Orçamento do Estado, nas operações de regularizações de situações do passado, previmos uma verba para os Açores e para a Madeira que procurava proceder já à compensação e ao acerto desse diferencial. Esse foi um compromisso que o Governo assumiu, portanto, o de atender a essa reclamação das regiões autónomas — no meu entendimento assiste razão à interpretação das regiões autónomas nesta matéria —, e isso foi feito no ano passado. E, de facto, houve aqui um lapso, deveríamos prever este ano a continuidade dessa política, e é isso que visa esse artigo 95.º.
Damos-lhe aqui um enquadramento diferente daquele do ano passado, porque se é certo que as regiões autónomas podem reclamar este crédito sobre o Estado quanto ao acerto de transferências no passado também há créditos que o Estado pode reclamar sobre as regiões autónomas, designadamente dívidas no âmbito, por exemplo, da Caixa Geral de Aposentações. E, portanto, aqui o que está previsto é um acerto de contas tendo em vista esta compensação, este «deve-haver» que de parte a parte existirá. É essa a justificação desse número no artigo 95.º. Foi, e reconhece-o, um lapso não ter sido incluída essa matéria. Aliás, isso tem que ver com uma alteração significativa introduzida neste Orçamento, em que acabámos com estas regularizações do passado, que eram objecto de observações, como sabemos, por parte do Tribunal de Contas.
No sentido até de ir ao encontro das observações do Tribunal de Contas nesta matéria resolvemos alterar o procedimento que durante anos e anos, com diferentes governos, tinha vindo a ser seguido nestas regularizações das situações do passado.
No artigo 115.º, há uma alteração que também tem que ver com um lapso. Calculámos as transferências para as regiões autónomas de acordo com uma interpretação que vem na lei. A lei indexa a evolução da transferência para as regiões autónomas à evolução da despesa corrente subtraída das transferências para a segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações. Calculámos essa transferência na base da interpre-
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tação do Ministério das Finanças de que eram deduzidas todas as transferências e contribuições para a segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, que incluía também, no nosso entendimento, a transferência das verbas do IVA cobradas e afectas à segurança social e à Caixa Geral de Aposentações.
Ora, no Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, que é, no fundo, um conselho de consulta de opinião das regiões autónomas, as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores manifestaram um entendimento diferente da Lei das Finanças das Regiões Autónomas nesta matéria. Entendo importante que arranquemos com a implementação da Lei das Finanças das Regiões Autónomas com uma interpretação que possa ser consensual entre o Estado e as regiões autónomas. Daí que o cálculo dessa transferência tenha vindo a ser refeito, indo ao encontro da interpretação dada pelas regiões autónomas.
Portanto, parece-me importante assegurar estabilidade no entendimento da lei para evitarmos que, depois, estas coisas se arrastem, que pareça que andamos todos a dever dinheiro uns aos outros porque a lei devia ter sido interpretada desta forma e não foi. Acho que — e esse foi um objectivo importante da revisão da lei das finanças regionais — temos de partir de uma base clara e de um entendimento claro das normas da lei de finanças regionais.
Muito embora a posição de partida do Ministério das Finanças fosse diversa daquela das regiões autónomas, entendi que, a bem da estabilidade que temos de ter neste domínio, devíamos ir ao encontro dessa interpretação. Daí que tenha havido a necessidade deste acerto, desta correcção, que, aliás, até é benéfica para as regiões autónomas, dado que há um ligeiro incremento no montante das transferências a efectuar.
Quanto à questão das verbas para os programas QREN, Sr. Deputado Hugo Velosa, tratando-se de políticas nacionais que tenham incidência também nas regiões autónomas com certeza que são políticas nacionais cobertas pelo Orçamento do Estado. Não tenhamos dúvidas quanto a isso, é esse o princípio.
Relativamente às transferências para os municípios, Sr. Deputado, no ano passado houve uma explicação, e este ano já foi dada, porque recordo que estávamos numa fase de mudança para a nova Lei das Finanças Locais. Tivemos até disposições de natureza provisória, porque, não estando ainda a lei em vigor e aprovada, tivemos de, em sede de Orçamento, introduzir aquilo que era expectável que viria a ser o novo enquadramento financeiro à luz da Lei das Finanças Locais que estava a ser ultimada. Daí que, na altura, tenha havido uma explicação adicional neste contexto de mudança. Este ano isso não foi feito porque se presumiu que se estamos já num quadro de finanças locais, que foi explicado e entendido, é nesse quadro que as transferências são calculadas, com respeito pelos artigos 25.º e 29.º da Lei das Finanças Locais, como afirmei.
O Sr. Deputado diz: «isso de dizer que cumprimos a lei é pouco!» Bem, o Sr. Deputado quer aqui uma inversão do ónus da prova, porque também não chega dizer «a lei não está a ser cumprida!» E eu pergunto: «porquê? Expliquem lá! Fundamentem!» Portanto, acho que o argumento é válido de um lado e do outro! É tão legítimo vir aqui dizer-me «a lei não é cumprida» como é legítimo eu dizer «não, a lei está a ser cumprida»! Reconheçam que estamos nesse pé de igualdade.
Quanto à questão que levantou sobre a Estradas de Portugal já tive oportunidade de dar uns esclarecimentos quanto a esta matéria, mas, Sr. Deputado, gostaria de salientar um aspecto. A mudança da Estradas de Portugal de EPE para SA em nada muda o tratamento contabilístico e orçamental da mesma. É isto que eu gostaria de tornar claro! Não é por agora estar em curso o processo legislativo para transformação da Estradas de Portugal de EPE em SA que se vai alterar o tratamento desta entidade empresarial.
No que respeita à questão da simplificação fiscal, tenho uma divergência quanto à opinião do Sr. Deputado. Acho que tem havido Simplex, tem havido simplificação no âmbito da administração fiscal, o relacionamento com os contribuintes é bem mais claro e eficiente neste domínio, e importantes iniciativas têm vindo a ser tomadas na simplificação desta relação, como os próprios contribuintes e as empresas reconhecem. Aí temos uma divergência de opinião.
Quanto ao sigilo bancário, é curioso que o Sr. Deputado venha aqui acusar o Governo de uma iniciativa de levantar o sigilo bancário, quando havia reclamações. Recordo que o PSD votou a favor dessa medida na Assembleia; só gostaria de recordá-lo.
Sr. Deputado António Gameiro, o limite a partir do qual os pensionistas passarão a pagar impostos, tendo como referência um pensionista padrão, que tem um gasto de saúde médio, é de uma pensão de 650 €/mês.
É a partir de um rendimento mensal de 650 € que o pensionista com despesas médias de saúde será afectado. Aliás, é isso que está reflectido nas tabelas de retenção apresentadas.
Quanto aos impactos da reforma da Administração Pública, eles são quer de natureza qualitativa quer de natureza quantitativa.
Creio que os impactos quantitativos começam já a fazerem sentir-se: a redução do número de funcionários (pela primeira vez na nossa história recente, estamos a diminuir funcionários na nossa Administração Pública), com reflexos também no decréscimo das despesas com pessoal, decréscimo esse não só em termos do seu peso no PIB mas até um decréscimo nominal destas despesas.
Espera-se que as despesas com pessoal no âmbito da Administração Pública apresentem uma redução, em 2007, de 2%. Olhando para a administração central, teremos uma redução da ordem do 2,5% das despesas com pessoal. Isto incorpora — não quero, obviamente, esconder esta informação para que não me acusem de estar a manipular os números — o efeito da criação de hospitais-empresas mas, expurgado desse efeito, mesmo assim, há uma taxa de variação negativa das despesas com pessoal entre 2006 e 2007.
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Mas também há uma mudança qualitativa na Administração Pública, que tem que ver com a reforma do modelo de gestão, no fundo. Quando falamos na alteração do regime de vínculos, carreiras e remunerações, estamos a falar na introdução de um novo modelo de gestão da Administração Pública, de um modelo de gestão que assenta na definição de objectivos, na avaliação de desempenho dos serviços, dos dirigentes, dos funcionários e numa política remuneratória baseada nessa avaliação de desempenho.
É uma verdadeira revolução na nossa Administração mudar este paradigma de gestão da nossa Administração. E chamo a atenção daqueles que querem resultados miraculosos de um dia ou de um ano para o outro: esta é uma reforma que demora tempo, porque exige novas atitudes, novos comportamentos de todos os agentes da Administração Pública, a começar pelos próprios dirigentes. Mas esta reforma é fundamental e temos de continuar este trabalho, custe o que custar. Temos de manter-nos firmes nesta reforma porque até diria que mais importante do que os efeitos quantitativos de curto prazo que estamos a obter será a mudança deste paradigma de gestão da Administração Pública, porque aí, sim, vamos ter ganhos de eficiência e de qualidade na prestação de serviços públicos aos nossos cidadãos.
Mas também falando do impacto desta reforma, se o Sr. Deputado olhar para a evolução das despesas de funcionamento do Estado, por exemplo, entre 2007 e 2008, constata que haverá uma redução das despesas de funcionamento, redução que poderemos estimar, em números redondos, da ordem dos 200 milhões de euros. E esta redução das despesas de funcionamento em cerca de 200 milhões de euros entre 2007 e 2008 é um impacto global destas reformas na Administração Pública.
Quanto à evolução salarial, já há pouco referi que a proposta de 2,1% reflecte, num quadro de rigor orçamental que temos de preservar e manter, as possibilidades que temos de actualização salarial e teremos também — e está prevista — que já em 2008 haja não só a atribuição de prémio de desempenho aos 5% de funcionários com melhor desempenho, de acordo com a avaliação efectuada, mas também mudanças de posição remuneratória, portanto progressão salarial, dos funcionários para que, de acordo com as regras assentes na avaliação do seu desempenho, possam mudar de posição remuneratória, o que abrangerá cerca de 5% dos funcionários, sendo certo que não são cumuláveis um e outro reconhecimento do desempenho.
Quanto ao subsídio de desemprego para os contratos administrativos de provimento fundamentalmente em situações similares, penso que era uma reclamação que, devo confessar, justa e que, finalmente, vê a sua consagração não no Orçamento em si mas numa iniciativa legislativa paralela à proposta de lei do Orçamento, que visa também pôr termo a uma situação que deveria ser reparada, dentro da lógica que tem norteado o Governo, que é uma lógica de convergência de regimes — prestação de trabalho, protecção social… — entre a Administração Pública e os demais trabalhadores do sector privado.
Sr. Deputado Eugénio Rosa, quanto à banca, devo dizer que eu não quis fugir à questão. Em relação ao conjunto de questões que me colocaram, não respondi a essa, mas o número que referiu também me levanta dúvidas, não sei como chegou ao número dos 15%, que referiu.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Estudando!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o facto de a banca mais do que duplicou os impostos pagos em 2007 em relação a 2006 e isso deveu-se a um conjunto de medidas relevantes.
Protestos do Deputado do PCP Eugénio Rosa.
Essa é uma matéria na qual nós continuaremos a trabalhar. Já afirmei nesta Câmara que entendo que essa discrepância entre taxa efectiva e taxa nominal de imposto terá que, obviamente, ser reduzida. Estamos a trabalhar nesse sentido e as medidas de combate ao planeamento fiscal abusivo que estão a ser preparadas, ao abrigo da autorização legislativa que nos foi dada, visam também uma melhoria neste domínio.
Quanto à questão do investimento que referiu, devo dizer que tem razão nos números, mas convém clarificar, porque entendo que ambos temos razão nos números que apontamos. Isto porque o investimento em contabilidade pública — e chamo a atenção para que o que é dito são as verbas afectas a investimento, numa lógica de cash ou de contabilidade pública — aumenta 6,3% e em contabilidade nacional aumenta 4%. São estes os dois números associados ao investimento, na lógica de contas nacionais ou contabilidade pública.
Quanto ao investimento, a sua questão é pertinente. Não tenho, para lhe dar agora, os números do investimento das entidades que referiu, mas irei diligenciar no sentido de os obter. Mas, Sr. Deputado, se me permite, deixe-me que o corrija. Quando recordou aquilo que referi do PIDDAC e da comparação, em base homóloga, do PIDDAC para 2008 com 2007, ou seja, o aumento de 22,9%, devo dizer que eu não falei em aumentos de investimento mas em aumento do PIDDAC, porque são coisas diferentes.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Com certeza que são!
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O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — O Sr. Deputado disse aqui: «o Sr. Ministro concluiu que o investimento público aumentou». Não! Pode ter sido um lapsus linguae, mas eu estava a referir-me ao PIDDAC e não a investimento.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Disso não há dúvida!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Como sabemos, são coisas diferentes.
Quanto ao financiamento da REFER, será com receitas próprias e financiamento alheio, através do endividamento e recurso a mecanismos de financiamento no mercado.
Sr. Deputado João Semedo, quanto à questão das parcerias público-privadas, como disse, e muito bem — e, já agora, permita-me que invoque esse argumento —, eu não sou o Ministro da Saúde, que, com certeza, estará em melhores condições para poder dissertar quanto à importância da figura das parcerias públicoprivadas no domínio dos hospitais e do nosso sistema de saúde, mas terá oportunidade de o confrontar com essa questão aquando do debate deste Orçamento do Estado, neste Parlamento.
Porém, gostaria de dizer ao Sr. Deputado que a lógica da parceria público-privada é a de, por um lado, assegurar um serviço público que justifica a presença do Estado — aliás, uma presença significativa do Estado —, serviço público, esse, prestado em boas condições aos utentes, e, por outro, haver um esforço de investimento não só público mas também privado em equipamentos de saúde e de partilha de risco neste domínio.
Sem querer discutir eventuais erros do passado e até de deficiências que se possam ter constatado no funcionamento deste modelo, recordo que este Governo promoveu uma alteração do regime das parcerias público-privadas que visam, de uma forma geral, reforçar a transparência, o controlo do Estado quanto aos custos envolvidos e assegurar uma efectiva partilha e transferência de riscos para o sector privado neste domínio, o que nem sempre foi claro no quadro da legislação anterior.
Portanto, creio que, tendo presente esta racionalidade e, obviamente, o reforço da transparência e da partilha e transferência de riscos para o sector privado, este é um modelo que nos permite, como dizemos na gíria financeira, alavancar o nosso esforço no sentido de dotarmos o País de equipamentos hospitalares que venham ao encontro das necessidades das nossas populações.
Sr. Deputado Maximiano Martins, gostaria de comentar as suas observações, porque, mais do que colocar questões, fez observações. Este é um Orçamento que prossegue com o rigor orçamental, o que não poderia ser de outra forma. Os resultados positivos até agora atingidos não nos podem, de forma alguma, fazer «baixar a guarda». Como já tive oportunidade de dizer, 3% é como uma meta volante: estamos a médio da corrida, a meio do esforço, e temos que prosseguir no sentido da consolidação orçamental de forma a afastar-nos desta linha, diria, de perigo, em termos de défices excessivos. Não porque — e devo dizê-lo de forma muito clara — isto resulte da necessidade de cumprir um compromisso ou um regulamento europeu mas, acima de tudo, porque finanças sãs são fundamentais para uma economia sã, para uma economia capaz de crescer, e crescer de uma forma sustentável.
Não tenhamos ilusões: os desmandos de hoje em termos de falta de controlo da despesa, em termos de défices excessivos, em termos de dívida a crescer quem os pagará são as futuras gerações. Ou até podemos pagar nós próprios, mas uma coisa é certa: pagarão os nossos filhos. Défices elevados e dívidas crescentes, hoje, só têm um significado para todos os agentes económicos: mais impostos no futuro. Entendo que esta ameaça, de mais impostos no futuro na ausência de políticas financeiras sãs por parte do Estado, é uma «nuvem» que temos de tirar do horizonte dos portugueses para que possam enfrentar o futuro com maior confiança no seu dia-a-dia.
Termino, constatando que o debate que hoje aqui tivemos foi, sem dúvida, estimulante mas trouxe aspectos que não são novos na discussão orçamental. Mais uma vez, discutimos as medidas de equidade fiscal para as pessoas portadoras de deficiência, mais uma vez discutimos as medidas de equidade fiscal para os pensionistas… Este debate foi um repisar de algumas questões apresentadas no Orçamento que apresentámos no ano passado.
Mas, quanto às inovações deste Orçamento em termos de apoio à recuperação e reestruturação das nossas empresas, em termos da requalificação urbana, em termos do apoio aos cidadãos — quer no apoio necessário aos cidadãos na sua formação e qualificação quer no apoio social àqueles que, na mudança e no ajustamento da nossa economia necessitam desse apoio social —, foi dito «nada». No entanto, uma das apostas fortes deste Orçamento é, de facto, na qualificação e formação dos portugueses e no apoio às famílias dos portugueses. Mas quanto a isso, nada foi dito.
Portanto, creio que foi um debate que procurou ignorar, porque dificilmente se poderia contestar o acerto das medidas do Governo nesta medida, apostando nas empresas, na dinamização económica, nos cidadãos, na inovação, na ciência e na tecnologia.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, chegámos ao fim desta audição com a equipa do Ministério das Finanças.
Queria dizer ao Sr. Ministro — e neste aspecto divirjo relativamente à bondade do debate que hoje aqui se travou — que foi um debate intenso, acalorado, vivo, naturalmente repisando algumas questões, mas são
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questões que permanecem actuais nos dias de hoje, permanecem actuais no Orçamento, permanecem actuais na vida dos portugueses, e daí que elas sejam repristinadas de uma forma recorrente. Mas também tratámos as questões inovadoras que decorrem do Orçamento, naturalmente com disparidade de posições, com divergência de pontos de vista. Isso é próprio da dialéctica parlamentar, não há que tomar isso à letra, há que aceitar que essas são as boas regras da convivência democrática.
Queria registar, ainda, Sr. Ministro de Estado, o estoicismo da sua resistência. Respondeu aqui a uma «bateria» de perguntas infindável sempre com galhardia e boa disposição. Agradecemos esta sua disponibilidade e o prestimoso contributo que deu para o nosso esclarecimento, para esclarecimento dos Deputados, para esclarecimento dos portugueses.
O debate está ainda apenas no início. Teremos, seguramente, oportunidade, de, na generalidade, em Plenário, aprofundar algumas questões, quer as velhas questões quer as novas questões, e, naturalmente, na especialidade, aí com mais proficiência e de uma forma mais cirúrgica, tocando as questões do passado, as novas questões, as questões de futuro, fundamentalmente procurando esclarecer os portugueses daquilo que são as linhas de força, as traves mestras, os eixos fundamentais da política orçamental e financeira traçados no Orçamento do Estado para 2008.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 5 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.