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Terça-feira, 18 de Novembro de 2008 II Série-OE — Número 8
X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Reunião de 17 de Novembro de 2008
SUMÁRIO O Sr. Presidente (Jorge Neto) declarou aberta a reunião às 9 horas e 50 minutos.
Prosseguiu a discussão, na especialidade, da proposta de lei n.º 226/X (4.ª) — Orçamento do Estado para 2009.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado), apresentou à Comissão o orçamento respeitante ao seu Ministério, tendo depois respondido a questões colocadas pelos Srs. Deputados José Cesário (PSD), Leonor Coutinho (PS), Telmo Correia (CDS-PP), António Filipe (PCP), Mário David e Carlos Gonçalves (PSD) e Maria Carrilho e Jacinto Serrão (PS).
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva) apresentou à Comissão o orçamento relativo ao seu Ministério. Posteriormente, o Sr. Ministro e a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação (Idália Moniz) deram resposta às questões colocadas pelos Srs. Deputados Miguel Santos (PSD), Isabel Santos (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Eugénio Rosa (PCP), Mariana Aiveca (BE), Adão Silva (PSD) e Isabel Coutinho (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a reunião.
Eram 9 horas e 50 minutos.
Vamos começar a nossa reunião de hoje com a audição do Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Começo por agradecer a presença do Sr. Ministro e dos Srs. Secretários de Estado e também a do Sr.
Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Europeus. Está também presente a Vice-Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros, mas como vai intervir não está aqui na mesa connosco.
Srs. Deputados, o debate de hoje é sobre o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros e eu gostava de lembrar aos Srs. Deputados que foi entregue na Comissão de Orçamento e Finanças, nos termos regimentais, o relatório relativo ao orçamento afecto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da autoria do Sr. Deputado Telmo Correia e que tem a chancela da Vice-Presidente da Comissão, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
Em traços muito gerais esse orçamento releva o seguinte: a despesa consolidada prevista para o ano de 2009 do Ministério dos Negócios Estrangeiros ascende a 354 milhões de euros, o que corresponde a 0,4% da despesa total da administração central e a 0,2% do PIB.
Em termos comparativos gostava de dar nota de que o orçamento mais elevado no Orçamento do Estado é aquele que é afecto ao Ministério da Saúde, com cerca de 8500 milhões de euros afectos à despesa global, o que corresponde a 11% da despesa total da administração e a 5,1% do PIB e isto é importante porque esse é o orçamento mais elevado do Orçamento do Estado. Todavia, este orçamento não será o menos elevado, pois penso que o Ministério da Cultura tem um orçamento mais baixo ainda que o do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros será, porventura, o segundo mais baixo em termos orçamentais e é importante referir aqui este aspecto para o nosso debate.
Por outro lado, o montante total do orçamento de funcionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros é de 322 milhões de euros, dos quais 316 milhões provêm do Orçamento do Estado e 5,4 milhões de dotações com compensação em receita.
A perspectiva da natureza das despesas irão englobar os 23 milhões referentes à presidência da União Europeia, sendo que a previsão de execução para 2008 situou-se nos 305 milhões de euros em comparação com os 322 milhões de euros para 2009, o que corresponde a uma variação positiva de 5,5%.
Quanto à natureza das despesas, deve sublinhar-se que as despesas ou encargos com pessoal apresentam um peso relativo de 56,1% com uma variação de 4,2% e a rubrica relativa à aquisição de bens e serviços tem um peso de 12,2%, ou seja, com um encobrimento de 3%.
No tocante às variações mais significativas a projecção da despesa de 2008 relevam os incrementos orçamentais da Secretaria-Geral, das embaixadas, consulados e missões e do Instituto Camões.
Por comparação com a previsão de execução para o ano 2008, este orçamento do PIDDAC representa ainda um acréscimo de 23,4%, correspondente a cerca de 2,8 milhões de euros.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentou ainda o seu plano de investimentos para 2009, um mapa discriminado do PIDDAC dividido em programas que correspondem a opções políticas concretas de política externa, nomeadamente assuntos europeus, comunidades de língua portuguesa, mas que não foram objecto de uma apreciação detalhada do parecer da Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Estes são, em traços gerais, as linhas enformadoras do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Obviamente, há também um parecer da Comissão de Assuntos Europeus, mas creio que, no geral, faz referência a estes mesmos dados orçamentais, não havendo, pois, diferença significativa.
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros apresentou, e fez chegar aos Srs. Deputados, a sua proposta de orçamento para 2009 em que basicamente são esses os dados mais relevantes.
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Atrevo-me apenas a sintetizar que, de acordo com o documento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há quatro ou cinco pontos relevantes das linhas de acção política que merecem uma ênfase particular e que estão em linha de continuidade com o passado.
Recordo, em concreto, o acompanhamento do processo de ratificação do Tratado de Lisboa pelos Estadosmembros; a questão das comunidades portuguesas, que é o segundo ponto das linhas políticas de acção do Ministério para 2009, com particular destaque para o Observatório da Imigração; a política cultural externa com a divulgação e a promoção do ensino, da língua e da cultura portuguesas; a política de cooperação com o objectivo de contribuir para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, missões e manutenções de paz e segurança internacional, naturalmente a promoção dos interesses nacionais nas instâncias mais relevantes concretamente a NATO e a força de acompanhamento de matérias relacionadas com o desarmamento, a não proliferação e controlo armamento não convencional e químico; e, por último, a reestruturação do Ministério com a revisão da rede de estruturação externa e a continuação dos trabalhos para a reforma do estatuto das carreiras de pessoal diplomático e respectivo regulamento cuja conclusão se prevê que possa acontecer em 2009 – aliás, a este propósito recordo que ainda recentemente o Sr. Ministro numa entrevista fez referência à necessidade de reorganização dos serviços vis-à-vis a nova realidade geopolítica e a necessidade de promover os interesses nacionais noutros fora.
Em suma, em traços gerais são estas as linhas de fundo do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Srs. Deputados, o Sr. Ministro fará uma exposição mais detalhada e aprofundada desta matéria, de cerca de 15 minutos, penso eu, e depois iniciaremos uma primeira ronda de perguntas que será de 10 minutos para cada grupo parlamentar, como é normal, e o Sr. Ministro responderá no final. Se houver necessidade faremos uma segunda ronda de perguntas de 5 minutos para cada grupo parlamentar a que o Sr. Ministro responderá no fim.
Resta-me recordar que o Sr. Ministro poderá delegar no Sr. Secretário de Estado qualquer resposta mais particular a questões mais específicas.
Tem, então, a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Muito obrigado, Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças.
Srs. Deputados, creio que todos tiveram oportunidade de ler o relatório e o orçamento. É um orçamento de continuidade em relação aos orçamentos apresentados anteriormente – aliás, outra coisa não era de esperar.
Alguns dos dados mais significativos do orçamento já foram enunciados pelo Sr. Presidente da Comissão, mas eu gostaria de, muito sinteticamente, desenvolver algumas considerações sobre as preocupações principais da actividade do Ministério ao longo do próximo ano, que são sustentadas por este orçamento, que está ao serviço do Ministério e ao serviço de um conjunto de políticas que devem ser clarificadas quando se debate o orçamento do Ministério.
Trata-se, pois, de um orçamento de crescimento moderado seja nas despesas de funcionamento seja nas despesas do PIDDAC. Aliás, não se compreenderia que não fosse assim, atendendo a duas circunstâncias: em primeiro lugar, como temos vindo a sublinhar, pelo facto de o orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros ter, durante alguns anos, vindo a perder peso relativo no conjunto das despesas do Estado, da Administração Central, e na relação com o PIB, pelo que era, do nosso ponto de vista, neste momento oportuno dar um sinal, face às circunstâncias com que nos confrontamos e ao peso que tem a acção externa no desenvolvimento do país, de atenção política ao orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros e esse sinal é dado de forma moderada, mas interrompendo um ciclo de perda de peso, que, do nosso ponto de vista, se justifica.
Embora o crescimento da despesa seja muito moderado no contexto da crise financeira e orçamental que todos conhecemos e sabendo que o país está confrontado com bastantes dificuldades, a questão do Estado e do peso do Estado não deixa de ser uma questão central neste debate e vamos reabrir este debate ao longo
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dos próximos meses e do próximo ano, sendo que a próxima campanha eleitoral será muito centrada, de novo, na questão do Estado, mas, independentemente disso, reconhecemos que é absolutamente indispensável dar um sinal ao mesmo tempo de contenção, de moderação mas de particular atenção ao papel que a política externa pode assumir num contexto de crise como a que conhecemos e com a complexidade e a dimensão que todos reconhecemos.
Este orçamento financia uma rede, para a qual tenho chamado a atenção recorrentemente, de 137 postos no exterior – 76 embaixadas, 51 consulados e 9 missões –, sendo, pois, uma rede significativa de interesses do nosso país que tem de ser, do nosso ponto de vista, potenciada nos seus efeitos de intervenção ao serviço dos interesses do país seja na área económica seja na área cultural, seja na área político-diplomática e financia uma rede de recursos humanos que tem vindo a ser ajustada ao longo dos últimos anos, sendo que temos hoje 3705 funcionários, menos 27 do que em 2007 e tínhamos 4118 em 2002, ou seja, o Ministério foi ajustando o seu quadro de pessoal, progressivamente, ao longo dos últimos anos e por isso, aliás, quando se pôs a questão do reajustamento nos quadros de pessoal da administração pública ao longo dos últimos dois anos no âmbito da reforma em curso, essa realidade estava há muito assumida pelo Ministério, uma vez que esse ajustamento nos seus quadros foi sendo feito progressivamente ao longo dos anos.
Temos no quadro, como sabem uma parte significativa, 60%, de recursos humanos afectos às missões e aos postos no estrangeiro, envolvendo, por isso, uma realidade muito diversificada, nem sempre fácil de gerir, e que tem, recorrentemente, criado alguns problemas na gestão corrente do Ministério.
Temos regimes jurídicos de pessoal, com que nos confrontamos, muito variados, situações de contratação local que representam o grosso do pessoal colocado no estrangeiro e que impõe, por isso mesmo, do nosso ponto de vista, a agilização de procedimentos de gestão ao nível dos recursos humanos para os quais o Ministério ainda não está preparado e por isso temos dado particular atenção ao esforço de reestruturação do Ministério, que se impõe, em várias frentes como forma de o dotar de meios e recursos que permita uma gestão e uma organização compatíveis com as exigências da realidade contemporânea.
Em termos de organização daremos particular atenção ao longo do próximo ano a alguns aspectos de reforma para os quais gostava de chamar a atenção dos Srs. Deputados.
Em primeiro lugar, vamos dar muita atenção à revisão dos sistemas de informação do Ministério. Há muitos anos que, e quem conhece bem o Ministério sabe, esta é uma das pechas na gestão do Ministério, pois há uma grande descoordenação e diversidade dos serviços de informação, sendo que a reforma desse sector é absolutamente inadiável. Certo é que houve várias tentativas no passado, que foram interrompidas, infelizmente por razões várias, mas achamos que é absolutamente indispensável aproveitar o próximo ano para dar impulso à reforma dos sistemas de informação do Ministério.
Um aspecto essencial que se prende também com uma maior eficiência da gestão orçamental e dos recursos afectos ao Ministério prende-se com o património do Ministério. Temos um património espalhado por todo o mundo, algum desse património é propriedade do Estado, outro não é afecto ao regime de arrendamento local, permanentemente actualizado em função da dinâmica dos mercados de arrendamento nos mais diferentes países do mundo.
Uma reforma importante que se impõe no Ministério e que está neste momento em curso é a de revisitar todos os sistemas de gestão deste património e dar-lhe alguma coerência de forma a que o Estado não desperdice recursos como tem desperdiçado ao longo dos últimos anos. Nós pagamos por ano com arrendamentos qualquer coisa como 14 milhões de euros, em arrendamentos sempre sujeitos às regras do mercado e com actualização permanente e muitos desses edifícios que estão sob regime de arrendamento estão em capitais de países com quem Portugal vai ter relações toda a vida e do nosso ponto de vista não faz sentido continuar com esta situação.
Recentemente criámos com o Ministério das Finanças uma equipa para conceber um mecanismo de gestão do património que permita transferir para a propriedade do Estado português património que hoje está sujeito ao regime de arrendamento e que gera um permanente aumento de despesa e uma grande instabilidade na própria gestão, uma vez que, frequentemente, os contratos cessam e o embaixador tem de
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andar meses, quando não anos, à procura de uma nova residência, de uma nova chancelaria, mais cara, necessitando obras de adaptação. Nesses períodos de transição, boa parte da actividade diplomática despende-se justamente em tarefas desse tipo, por isso a estabilidade do património do Ministério é, do nosso ponto de vista, absolutamente indispensável.
Assim, em conjunto com o Ministério das Finanças, vamos tentar encontrar as fórmulas adequadas para gerir o referido património segundo este princípio de estabilidade, e estabilidade também no que diz respeito aos equipamentos.
Como sabem, nas mudanças de pessoal, designadamente dos chefes de missão, ainda há procedimentos hoje que, do nosso ponto de vista, não se justificam pelo desperdício que acarretam e pela instabilidade que produzem.
Quanto a nós, é, pois, necessário estabilizar o referido património, fisicamente e do ponto de vista do seu estatuto de propriedade.
Um terceiro aspecto de acção que consideramos importante para dar mais eficiência à gestão do Ministério prende-se com o reforço da Inspecção-Geral Diplomática e Consular.
Infelizmente, a Inspecção-Geral está subdotada de recursos e pouco orientada para a pedagogia e a prevenção que se justificam na gestão de recursos afectos ao Estado português espalhados um pouco por todo o mundo.
Quanto a nós, a Inspecção-Geral Diplomática e Consular tem de ser reforçada, pelo que ao longo do próximo ano procuraremos ajustar, do ponto de vista orgânico, os normativos necessários para que esta entidade se projecte como uma importante instituição do Ministério na boa gestão dos recursos afectos ao mesmo.
O mesmo direi em relação à actividade do Instituto Diplomático. Penso que o mesmo deve ser convocado para a assunção de responsabilidades a níveis para os quais até hoje não tem sido chamado, dada a necessidade de formação recorrente dos nossos diplomatas e do pessoal afecto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, e, sobretudo, para orientar a formação do nosso pessoal nas áreas que, do ponto de vista político, são valorizadas na forma como o Ministério identifica as prioridades e define os objectivos para a sua actividade.
Penso que, ainda durante o próximo mês de Janeiro, apresentaremos a reforma do Estatuto da Carreira Diplomática, o qual precisa de ser ajustado em três domínios essenciais: as competências do Secretário-Geral que, do nosso ponto de vista, devem ser reforçadas; o papel do Conselho Diplomático; e o estatuto de avaliação do pessoal diplomático. Estes são três aspectos contemplados no novo Estatuto da Carreira Diplomática que, como referi, será apresentado à Assembleia da República no início do próximo ano.
Ao mesmo tempo, vamos dar uma particular atenção ao necessário reajustamento da rede diplomática, aliás, nada de diferente do que outros países estão a fazer.
O mundo está a sofrer transformações muito rápidas. Há uma redistribuição da riqueza em diferentes regiões do mundo. O sistema geopolítico está num processo de reconfiguração e a máquina diplomática, a rede de representação externa do País, tem de ser muito rapidamente adaptada à nova realidade. Não podemos cristalizar na forma de representação que adoptámos, correspondente a uma realidade internacional bem diferente da que hoje conhecemos e, por isso, precisamos de nos adaptar muito rapidamente.
Do meu ponto de vista, é absolutamente inadiável proceder a alguns ajustamentos na rede diplomática por forma a que a mesma corresponda mais à representação, que projectamos, dos nossos interesses nas diferentes regiões do mundo.
Estamos sobrerepresentados na região europeia. Compreende-se que assim seja porque, nos últimos 30 anos, o esforço do nosso país foi justamente o de colocar de novo Portugal no centro da Europa.
Na verdade, fizemos um enorme esforço para a integração europeia; fizemos um grande esforço para pertencer ao núcleo duro da União Económica e Monetária; e acompanhámos com particular activismo o processo de alargamento, tendo estado na linha da frente dos Estados que assumiam o alargamento como objectivo estratégico da União, o que teve um preço que se traduziu numa sobrerepresentação, em relação
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aos recursos de que o País dispõe, da nossa presença na União Europeia, mais ainda quando vemos o conjunto dos recursos.
Do nosso ponto de vista, esta crise até evidencia bem as dificuldades com que nos confrontamos quando temos toda a nossa representação orientada para o espaço da União Europeia, quando 75% a 80% do nosso comércio se orienta para o espaço da União Europeia. Só que o mundo está a mudar muito rapidamente, há outras regiões que emergem, com poder geopolítico, poder comercial, poder financeiro, e temos de ajustar a representação dos nossos interesses a essa nova realidade emergente.
Esse esforço de readaptação passa também por uma reflexão sobre a rede diplomática e consular que temos. É absolutamente indispensável que tenhamos isso em consideração, já a pensar também no próximo movimento diplomático.
Prioridades da acção política. Para além da reforma em curso nos sectores que identifiquei, a que daremos a maior das prioridades, temos de prestar particular atenção a um conjunto de iniciativas de acção política que estão em curso e que se prendem com compromissos que o Estado português assumiu.
Como sabem, projectámos uma acção externa ao longo destes anos, procurando fazer suceder sempre a grande visibilidade que Portugal tinha na União Europeia com outras iniciativas.
Por isso, ao longo do próximo ano, presidiremos à CPLP até 2010, bem como presidiremos à Comunidade Ibero-Americana e à Comunidade das Democracias. Assim, teremos em curso três exercícios de presidência que dão visibilidade e projecção ao País, particularmente em algumas áreas e regiões específicas e, assim, ao longo do próximo ano, daremos particular atenção ao desenvolvimento nestes sectores.
No que diz respeito à CPLP, o programa é conhecido. A presidência de Portugal iniciou-se em Julho, com a cimeira realizada em Lisboa, a qual, como sabem, se centrou, sobretudo, na projecção da língua portuguesa, assumida pelos Deputados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como a bandeira da acção da Comunidade ao longo dos próximos dois anos.
Na vigência da nossa presidência, terá lugar uma importante reunião ministerial a realizar em Cabo Verde, pelo que não onerará muito o orçamento do Estado português. A presidência seguinte, a de Angola, organizará a próxima Cimeira de Chefes de Estado, em Luanda, em 2010, provavelmente em Julho.
Como foi sublinhado, durante o próximo ano, daremos particular atenção ao apoio por acção do Estado português nos diferentes sectores — seja no sector dos Negócios Estrangeiros seja, em particular, no da Educação e no da Cultura —, ao esforço para promover o Português como uma língua com vocação universal, com estatuto para se afirmar como uma língua das principais organizações internacionais, designadamente da ONU. É óbvio que, no quadro da presidência da CPLP, sendo esse um objectivo assumido por todos, Portugal tem de ter um papel liderante no processo, a par de outros Estados como o Brasil que, ultimamente, muito se tem empenhado na projecção do Português como língua de vocação universal.
Sublinho uma vez mais que, no exercício da presidência da CPLP, daremos particular atenção à acção política de promoção do estatuto da língua portuguesa.
No domínio da Comunidade Ibero-americana, vamos aproveitar a presidência ao longo do próximo ano para dar uma particular dinâmica às nossas relações com a América Latina, um espaço com enorme potencial de crescimento dos nossos interesses em todos os domínios — cultural e linguístico sem dúvida, pela catalisação que o Brasil representa nesse domínio, mas também do ponto de vista da projecção dos nossos interesses económicos.
Actualmente, temos já, no Brasil, plataformas importantes de representação dos nossos interesses económicos e empresariais e começamos a estruturar uma representação significativa na Venezuela, onde há uma comunidade de meio milhão de portugueses.
Não obstante, no espaço da América Latina, há outros países que estão em expansão do ponto de vista económico, que estão num acelerado processo de integração que vai acentuar-se ainda mais nos próximos anos por força da realidade internacional financeira e económica.
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Assim, vamos aproveitar a presidência da Comunidade Ibero-americana precisamente para dar um novo impulso ao nosso relacionamento com todo esse vastíssimo espaço, tão importante para Portugal do ponto de vista geoestratégico como é o mundo latino-americano.
Em Lisboa, vamos ter a Cimeira Ibero-Americana, em Novembro ou Dezembro, a qual já será organizada pelo novo governo saído das eleições legislativas mas preparada pelo actual Governo. Teremos de ajustar-nos ao calendário desta importante Cimeira que, em princípio, se realizará no Estoril, no mês de Novembro de 2009. Até lá, temos um importante trabalho de preparação dos programas centrado no domínio da inovação tecnológica e do conhecimento, sector em que poderemos apresentar algumas iniciativas e alguns projectos interessantes que dêem uma imagem diferente do País, de como a nossa economia se transforma e se adapta à competição global, e projectar mais acentuadamente os nossos interesses nesse espaço.
Aguardamos a entrada em funções de uma nova Administração nos EUA para avaliar a dinâmica que imprimiremos à Comunidade das Democracias, pois, como sabem, esta iniciativa, lançada no final da década de 90, é muito ligada à Administração americana.
Em Julho próximo, organizaremos em Lisboa uma importante cimeira ministerial que definirá novas balizas para a evolução desta iniciativa que, como sabem, tem uma carga ideológica muito grande. Este tema esteve presente na campanha eleitoral americana, os dois candidatos fizeram-lhe referência como sendo uma iniciativa de bandeira para a política externa americana e a candidatura McCain, sobretudo, deu particular atenção à formulação de uma liga para as democracias como uma instituição de referência na reforma do sistema internacional.
Vamos, pois, esperar pela entrada em funções da nova Administração americana para, dialogando com eles, tentarmos ajustar o desenvolvimento desta importante iniciativa e acredito que a Cimeira, que se realizará em Lisboa, em Julho de 2009, poderá marcar um horizonte de mudança relativamente a esta iniciativa da Comunidade das Democracias.
No seguimento deste conjunto de iniciativas, vamos dar atenção à preparação da cimeira com a NATO, a ter lugar em 2010, já com uma nova Administração americana em pleno funcionamento.
Ao longo do próximo ano, vamos ainda preparar, por meio de um esforço e de uma concertação intensa dos serviços externos do Estado português, a candidatura ao Conselho de Segurança para o período 2011/2012 – aliás, trata-se de uma candidatura muito exigente em que temos fortes competidores: o Canadá e a Alemanha – que foi lançada ainda em 2000 ou 2001.
É uma candidatura que tem, do nosso ponto de vista, todas as condições para se afirmar como uma candidatura de sucesso. Mas para isso é preciso trabalhar bastante desde já. É certo que todo o trabalho de projecção do País que temos vindo a fazer, seja no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, seja no âmbito das presidências da CPLP, da Ibero-Americana ou da Comunidade das Democracias, nos ajudam a projectar a imagem do País como um País capaz de desempenhar um papel no sistema internacional compatível com o destino de pertencer temporariamente ao Conselho de Segurança, com um mandato de dois anos.
Mas, como disse, temos dois competidores difíceis, com muitos recursos – políticos, diplomáticos, financeiros – e precisamos de intensificar a acção diplomática ao longo do próximo ano para que possamos chegar à candidatura em 2010 em condições de podermos ser bem sucedidos.
Do ponto de vista das políticas, responderei, depois, às vossas questões. Vou ser muito sintético, dando particular atenção, do ponto de vista da política europeia, ao acompanhamento da forma como a Europa se vai posicionar para responder à crise económica e financeira, que já atingiu fortemente o espaço europeu.
Estamos em recessão no espaço do euro e, nessa perspectiva, os trabalhos ao longo dos próximos Conselhos, seja o de Assuntos Gerais, seja o Conselho Europeu, vão centrar-se muito na resposta da União Europeia à crise financeira e económica.
Vamos dar atenção a todo o processo de desenvolvimento do Tratado de Lisboa e, no domínio das relações externas, e sobretudo da reconfiguração da política europeia de segurança e defesa, temos de estar
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atentos aos passos que podem vir a ser dados ao longo do próximo ano, de forma a que o País se posicione também para as reformas ou para os novos procedimentos que venham a ser adoptados no âmbito europeu.
Faremos particular atenção ao follow up da Cimeira Europa-África. Há um programa para cumprir. É preciso que os Estados ponham alguma energia no desenvolvimento desse programa e dos mecanismos nele previstos. Daremos, pois, ao longo do próximo ano, uma especial atenção ao desenvolvimento destes processos.
No âmbito da cooperação, centrados nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, vamos dar cumprimento ao programa que entretanto foi concertado com o Ministério das Finanças e que está expresso no programa-piloto que integra o Orçamento do Estado. É um programa apresentado pela primeira vez com carácter plurianual, vinculando, por isso, também as finanças a um conjunto de metas e de objectivos, que, do nosso ponto de vista, devem ser firmemente perseguidos pelo Estado português.
Não podemos abandonar a batalha do desenvolvimento no sistema internacional, se queremos evitar uma recessão profunda à escala global, ou mesmo uma depressão internacional. Todos os analistas têm identificado a necessidade absoluta de não descurar os investimentos que é necessário garantir para que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio sejam atingidos. Isso pressupõe um esforço muito grande de todos os Estados que têm anunciado contribuições e firmado compromissos em os perseguirem e o Estado português, com a responsabilidade externa que tem, e com a visibilidade grande que tem no plano internacional, não pode descurar este domínio.
Em termos de política das comunidades, vamos continuar centrados nos dois principais vectores políticos.
Por um lado, facilitar todo o processo de relacionamento das comunidades com Portugal, com o Estado português, com a sociedade e a economia portuguesa, consolidando a reforma consular, modernizando os seus serviços — é esse processo que está em curso — e, ao mesmo tempo, promovendo mais iniciativas no espaço do movimento associativo que permitam um vínculo mais estreito dessas comunidades a Portugal.
Em particular no domínio económico penso que há muito trabalho a fazer de forma a fazer interagir mais os interesses económicos dessas comunidades com a realidade económica do País. Há um trabalho de motivação, de estímulo e de desenvolvimento de iniciativas que pode ser aprofundado, ao mesmo tempo que uma vertente política de apoio à integração das comunidades nos países e nas sociedades de acolhimento se impõe como uma determinante política que vem sendo prosseguida ao longo dos últimos anos por este e por outros governos.
Para terminar, dou particular atenção a dois domínios de acção política intersectorial: a progressão da língua e da cultura. Do meu ponto de vista, estamos a fazer um esforço muito pertinente de coordenação com outros departamentos do Estado e da Administração, de forma a dar mais densidade à nossa capacidade de acção neste domínio da promoção da língua e da cultura portuguesas.
Sabemos que sem a colaboração do Ministério da Cultura e da Educação a acção do Ministério dos Negócios Estrangeiros será sempre redutora e não integradora dos recursos e dos meios necessários para projectar melhor os nossos interesses neste domínio. Esse trabalho passa pela reforma do Instituto Camões, que estará pronta antes do final do ano, pela implementação do fundo para a promoção da língua portuguesa e pela implementação da resolução aprovada relativa ao património no mundo, que deve ser identificado devidamente, deve ser transmitido às gerações futuras como referência da grandeza da presença de Portugal no mundo e, na medida do possível, deve ser instrumento de acção diplomática nas relações bilaterais com os países onde esse património é hoje uma realidade.
Por último, refiro a acção económica externa. O País precisa de vender mais, precisa de captar mais investimento, precisa de captar recursos para o seu sistema financeiro, precisa de captar mais turismo para a sociedade e para a economia portuguesas.
Precisamos, por isso, de fazer todo o esforço possível para promover melhor os nossos interesses económicos no estrangeiro. Trata-se de uma batalha que o País tem de travar no seu conjunto e, como tenho sublinhado, não pode desperdiçar esse importante braço e instrumento, que é a representação externa. Como disse, são 137 postos, um vastíssimo número de agentes que está no terreno.
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Como disse também essa representação tem de ser ajustada à realidade da economia mundial em transformação acelerada. Mas deve ser absolutamente central na acção de cada diplomata e de cada agente de representação externa do País o esforço que o País tem de fazer para vender mais, para captar investimento, para captar turismo, para melhor proteger a realidade da economia do País.
Esse esforço nem sempre foi feito com a devida consequência, o devido planeamento e a devida concertação de esforços que é necessário assumir.
Vamos dar particular atenção, como temos vindo a fazer ao longo dos últimos anos, à realidade das economias emergentes, em particular Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC). Temos relações com estatuto diferenciado com Brasil, com a Rússia, com a China e a com a Índia. Temos posto muita energia e muita acção diplomática na valorização das relações com estas quatro grandes economias do mundo.
Vamos dar atenção, como temos vindo a dar, ao longo do próximo ano, às economias emergentes, sobretudo aos países que nos fornecem petróleo e gás. Temos um enorme desequilíbrio da relação comercial com os países que nos fornecem gás e petróleo e essa situação é um dos problemas estruturais da nossa balança externa, porque não vendemos praticamente para os países aos quais pagamos uma elevadíssima factura de importação de petróleo e de gás e, por isso, temos de fazer um esforço muito grande, do ponto de vista político e diplomático, para abrir frentes de mercado nessas economias. Isto passa necessariamente por um esforço muito grande de coordenação interministerial, envolvendo os ministérios que têm, hoje, uma acção de projecção dos nossos interesses económicos externos.
Temos a intenção de dar mais dinâmica ao Conselho para a Internacionalização da Economia Portuguesa, que coordene melhor os serviços dependentes de vários ministérios, mas cuja concertação é absolutamente essencial para que possamos promover com mais equilíbrio e mais ambição os nossos interesses no estrangeiro.
Srs. Deputados, excedi-me um pouco, mas estou à vossa disposição para as questões que queiram colocar.
O Sr. Presidente: — Vamos, então, iniciar a primeira ronda de perguntas, começando pelo Sr. Deputado José Cesário.
O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, quero, antes de mais, começar por cumprimentar-vos, dar-vos as boas-vindas a esta Comissão, particularmente à Sr.ª Secretária de Estado na sua primeira deslocação aqui e desejar que possamos ter longos e frutuosos debates, não apenas sobre a questão da integração europeia, mas também sobre a política externa.
Nunca foi nem será por iniciativa do PSD que a política externa portuguesa se transformará numa área de confronto. Entendemos mesmo que devemos ter uma política externa em que se reveja a esmagadora maioria do povo português e, por isso, o PSD deseja activamente que possamos convergir, e não divergir, em relação às questões essenciais com que estamos confrontados.
Também não deixo de salientar o facto de, mais importante do que discutir este ou aquele número, importar fundamentalmente discutir políticas e perceber exactamente quais os instrumentos que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Governo pretendem desenvolver para poderem atingir os objectivos da nossa política externa que, de uma forma geral, são do nosso acordo. Exactamente por isso vamos tentar, então, centrar-nos em aspectos muito práticos, muito concretos, que têm a ver com os instrumentos postos à disposição do Governo e que têm implicações no próprio Orçamento.
Registámos o optimismo moderado do Sr. Ministro relativamente ao que diz ser um crescimento relativo do Orçamento para 2009. Não quero, porém, deixar de chamar a sua atenção — aliás, na sequência das palavras que o Sr. Ministro nos dirigiu — para o facto de haver um conjunto de compromissos (é verdade que não temos já a presidência da União Europeia) sob o ponto de vista externo, referidos por V. Ex.ª e constantes da documentação que nos foi enviada e referidos no Orçamento: a presidência da CPLP, a presidência da Conferência Ibero-Americana, a Presidência da Comunidade das Democracias, a candidatura ao Conselho de
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Segurança da ONU e a própria complexidade que se sente da agenda internacional, que obrigarão a um esforço significativo por parte de Portugal, para o qual, aliás, o Sr. Presidente da República já chamou a sua atenção, todavia tenho algumas dúvidas de que o Orçamento corresponda exactamente a um nível de exigência deste tipo, mas, admitindo que corresponde, fazendo fé nas palavras do Sr. Ministro, vamos ver alguns aspectos em concreto.
Em primeiro lugar, quanto à questão da reestruturação do Ministério, V. Ex.ª referiu um conjunto de aspectos que, em grande parte, transitam do passado e que desejaríamos que, neste momento, já estivessem mais dos que concluídos.
Foram feitas muitas referências, por parte do V. Ex.ª, do seu antecessor e até por parte de outros governos, a questões como a circulação da informação, a informatização do Ministério, a propriedade das instalações das nossas missões, os nossos postos no exterior, os meios físicos dos chefes de missão e a reforma da inspecção e do instituto diplomático. Seria, pois, bom que V. Ex.ª concretizasse um pouco mais como é que pretende realizar esta matéria até porque, olhando para os aspectos específicos da reestruturação e considerando os compromissos assumidos já nos últimos anos por V. Ex.ª perante esta Assembleia, verificamos, por exemplo, que V. Ex.ª dizia no ano passado que se previa que em 2008 pudesse estar concluído o processo de revisão de estatutos das carreiras – aliás, referia, na altura, a carreira diplomática e a carreira do pessoal dos serviços externos.
Ora, para 2009, prevê-se de novo que o Ministério prosseguirá com a reforma do estatuto da carreira do pessoal diplomático — e, desta vez, já não refere o estatuto do pessoal dos serviços externos.
O que é que isto significa? O Sr. Ministro disse que, em Janeiro, deverá apresentar a esta Assembleia uma proposta de lei relativamente ao estatuto diplomático. Como sabe, já estamos à espera dessa proposta há algum tempo. Desejamos que assim seja, mas, relativamente ao estatuto do pessoal dos serviços externos, há alguma alteração de política? Deixou de ser um objectivo a sua revisão? O que é que está em causa? Por outro lado, relativamente à questão da reorganização do Ministério, quero referir um outro aspecto que tem a ver com a rede. O Sr. Ministro assumiu aqui, no passado, conjuntamente com a sua equipa — e o Sr.
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas esteve e está muito envolvido neste processo —, um conjunto de medidas práticas, a saber: aberturas e encerramentos. Efectivamente, foi encerrado um conjunto de postos. E percebi, hoje, pelas suas palavras, que continua a equacionar a possibilidade de continuar a mexer na rede, porventura, a nível das embaixadas, a partir de 2009.
Mas deixou de se falar em alguns aspectos muito concretos, como, por exemplo, o que vai acontecer aos consulados de Nova Iorque e de Sevilha — e era bom que o Sr. Ministro, de uma vez por todas, dissesse se fecham ou não, para ficar claro o que vai acontecer. Como deixou de se falar em algumas criações, na criação de postos de diversa tipologia, por exemplo, no Ticino ou em Orlando (na Florida), no Vice-Consulado de Fortaleza, no Consulado Honorário de Ontário (na Califórnia) — e era bom que pudesse ser dito qual é exactamente o calendário que vamos ter.
Outra questão é a da língua — aliás, língua e política de ensino, porque o Ministério assumiu, já pela voz do seu antecessor, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros seria o Ministério coordenador da política do ensino do Português no estrangeiro.
Está enunciado um conjunto de propósitos, de intenções louváveis, como a criação do Fundo da Língua Portuguesa. Gostaríamos de saber a que acções concretas vai dirigir-se o Fundo. Assim como gostaríamos de saber, exactamente, quando, em termos práticos, é que o Ministério assume a coordenação do Português no estrangeiro. É que o Sr. Ministro voltou a referir hoje que é seu objectivo proceder à refundação do Instituto Camões — e percebemos que também para este efeito –, só que, como este propósito já foi anunciado por si várias vezes no passado (e até pelo seu antecessor), estamos confrontados com um atraso claro. Por outro lado, gostaria de saber se vai reestruturar o Instituto Camões com um orçamento exactamente igual, em 2009, àquele que ele tem, em 2008. Que tipo de reestruturação vamos ter com um aumento claro de competências, sobretudo no domínio do ensino?
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Também era bom que o Sr. Ministro dissesse qual é o orçamento de que vai dispor para efeito do ensino de Português no estrangeiro. Quero recordar-lhe que, em 2004, esse orçamento, gerido pelo Ministério da Educação, era de 46 milhões de euros — é bom ter isto em consideração como ponto de referência para o futuro e para V. Ex.ª não vir a ter problemas herdados, porventura, de uma gestão incorrecta e inadequada, e de opções, pelo menos, duvidosas por parte do Ministério da Educação.
Outra área sobre a qual gostaria que V. Ex.ª se pronunciasse diz respeito à ajuda pública ao desenvolvimento. Recebemos, uma vez mais, na semana passada, a plataforma das ONG, organizações não governamentais que se dedicam ao trabalho nesta área, tendo sido aqui denunciado um conjunto de questões que são graves, algumas das quais ressaltam claramente de uma leitura do orçamento e outras não tanto.
A primeira questão é a evolução claramente negativa deste sector em termos orçamentais, traduzindo-se numa insuficiência de verbas. Estamos muito longe dos objectivos, a nível internacional, que este próprio Governo anunciou, em 2006, pela voz do Sr. Secretário de Estado do Tesouro, ao dizer que era seu objectivo atingir 0,51% do PIB, para efeito da ajuda pública ao desenvolvimento — estamos muito longe disso! Aliás, de 2008 para 2009, há uma redução também significativa. E, mais do que a redução, o que nos preocupa e preocupa a plataforma das ONG é que há ministérios, como, por exemplo, o Ministério das Finanças — muito cumpridor nas palavras, mas pouco cumpridor nos actos —, que não chegam a executar metade do «bolo» que gerem a este nível e que executam essa metade (ou essa menos de metade) em projectos de enquadramento duvidoso nesta área, como, por exemplo, a circular da Cidade da Praia ou a importação de material destinado ao caminho-de-ferro da Bósnia. Isto revela que não há coordenação deste sector por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela parte da cooperação, apesar de essa coordenação ser assumida politicamente pelo Ministério. Portanto, há aqui uma contradição entre discurso e prática. Ora, gostaríamos que V. Ex.ª, mais do que pronunciar-se sobre isso, pudesse corrigir este tipo de aspectos.
O meu tempo está a terminar, mas o Sr. Deputado Mário David fará uma intervenção numa fase subsequente.
Em qualquer circunstância, quero referir apenas um aspecto final, que se prende com a evolução dos nossos fluxos migratórios e para o qual peço a sua atenção e um esclarecimento.
O Sr. Ministro já foi confrontado com esta questão várias vezes pela nossa parte, sabe perfeitamente a situação económica que estamos a atravessar, sabe perfeitamente a tendência para a evolução do desemprego com que, neste momento, estamos claramente confrontados, sabe também que infelizmente muitos dos países destinatários da nossa emigração (os países para onde muitos dos nossos emigrantes foram nestes últimos anos, particularmente Espanha e Inglaterra) têm as mesmas dificuldades económicas que nós temos (aliás, é generalizado, a nível mundial), e a verdade é que, da parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros não se vê qualquer intenção de responder ao acompanhamento deste fenómeno, obviamente em termos sociais.
Gostaria que V. Ex.ª referisse exactamente quais são as verbas previstas, para 2009, para o ASIC, quanto foi executado em 2008, qual é a previsão para 2009, relativamente ao ASIC e ao ASEC, e para outro tipo de apoios sociais e, mais do que isso, qual é a capacidade de intervenção da rede consular no acompanhamento deste fenómeno, para evitarmos situações de autêntica escravidão, que, como sabe, se têm generalizado em alguns países e que podem agora aumentar.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): — Sr. Presidente, gostaria também, em nome do PS, de cumprimentar o Sr.
Ministro e os Srs. Secretários de Estado que aqui o acompanham, uma vez que a discussão do Orçamento está, de facto, ao serviço das políticas e o Ministro explicou-nos aqui muito claramente quais são as políticas com que somos confrontados.
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Em primeiro lugar, devo dizer que as três presidências que vamos assumir nos próximos tempos são, obviamente, um reflexo do papel que Portugal tem sabido granjear a nível da política externa e que tem melhorado e até valorizado fortemente a presença de Portugal no mundo.
As três presidências, da CPLP, Ibero-Americana e da Comunidade das Democracias, projectam-nos para um tipo de intervenção que tem sido muitas vezes falado mas que actualmente tem uma expressão bastante maior. E, a esse nível, a coordenação com os outros departamentos do Estado da política da língua, da cultura e da educação, de modo a valorizar a língua portuguesa, a CPLP e as nossas comunidades, tem, neste âmbito, uma expressão bastante maior do que é habitual, com a reforma do Instituto Camões, a criação do Fundo da Língua Portuguesa, a valorização do património de Portugal no mundo.
Assim sendo, gostaria que o Sr. Ministro aprofundasse um pouco o enquadramento desta linha-força que actualmente está no centro das nossas preocupações no próximo ano.
O Sr. Ministro também falou aqui de algo que nos parece bastante importante e que tem a ver com a reforma do Ministério e, sobretudo, com a adaptação cada vez maior do Ministério e da rede diplomática aos países emergentes e à representação dos interesses portugueses a nível económico, num mundo que está em grande mudança.
Foi aqui salientado o facto de nós sermos pouco exportadores e de até termos poucas ligações económicas com os países que mais nos fornecem petróleo ou gás. Portanto, gostaria de ouvir também o Sr.
Ministro nesta vertente da reestruturação diplomática ao serviço desse forcing económico que cada vez mais é necessário que façamos.
Lembro-me de que o Sr. Ministro, em 2008, referiu aqui que 2009 seria o ano da reestruturação do Ministério. Foram aqui referidas as várias vertentes dessa reforma, que, aliás, são conhecidas, como a dos sistemas de informação, a de uma melhor gestão do património do Ministério e a do reforço da InspecçãoGeral.
E há um aspecto que nos é aqui muitas vezes referido e que tem a ver com o próprio pessoal diplomático.
Ora, a esse nível, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se, no próximo ano, está previsto algum concurso, algum reforço deste pilar forte do Ministério.
No que diz respeito à cooperação, continuamos a não cumprir as metas, como, aliás, muitos países europeus. Mas penso que importa sublinhar que, apesar da crise, mantemos as mesmas metas, ainda que não as possamos, neste momento de crise, respeitar. A este nível, gostaria de salientar a maior transparência, o número de concursos que têm sido feitos pelo IPAD e a avaliação positiva do Tribunal de Contas no que diz respeito à nossa cooperação.
É evidente que a apresentação de um programa piloto plurianual justamente neste domínio da cooperação representa um saldo positivo que, julgo, é visto por todos com grande esperança, na medida em que todos concordamos que a cooperação terá de ser feita a nível plurianual e que o facto de ela depender de orçamentos anuais é um enorme handicap. Para além de que esta nova maneira de orçamentar poderá permitir uma maior coordenação dos vários ministérios que contribuem para essa política de cooperação e que muitas vezes lhe tiram alguma da sua eficácia e da sua coordenação.
A esse nível, gostaria também de saber que acções de coordenação estão previstas, uma vez que, parece, todos concordamos com a necessidade de centrar cada vez mais a nossa cooperação nos objectivos do milénio, mas existem muitas críticas no sentido de essa cooperação, sobretudo a que é feita pelo Ministério das Finanças, nem sempre corresponder exactamente a esses objectivos.
Por último, ao nível da língua portuguesa, que como foi aqui dito é um dos pontos importantes, gostaria que nos falasse um pouco mais do Fundo da Língua Portuguesa, que, obviamente, é algo que todos reconhecem que pode ser extremamente importante no âmbito destas políticas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em primeiro lugar, gostaria de cumprimentá-lo, bem como ao Sr. Secretário de Estado.
Em segundo lugar, gostaria de fazer duas referências genéricas. A primeira para dizer que, ainda que as análises sejam às vezes difíceis de fazer, naquelas análises mais ou menos jornalísticas dos Ministérios, o MNE é dado a «descer», ano após ano, o que mais recentemente se justifica com o fim da Presidência Portuguesa da União Europeia. Mas isso é uma realidade mais ou menos habitual, que é uma realidade, no entanto, que não me parece que deva ser a questão central ou a questão principalmente preocupante. Isto porque quando temos um Orçamento que é o Orçamento com a maior despesa pública (e esta talvez seja a nossa maior crítica, do nosso ponto de vista e da nossa área política), haver Ministérios que nalgumas matérias têm menos despesa pública não é forçosamente um factor negativo nem esta lógica é necessariamente uma lógica de perda e de ganho. Penso que isso não faz qualquer sentido. Ou seja, não faz sentido que, quando precisamos de reduzir a despesa pública, venham depois alguns Ministros (não é o seu caso) muito embaraçados ou muito incomodados porque o seu Ministério este ano tem menos dinheiro.
Repito, penso que isso não faz sequer muito sentido.
A segunda para dizer que os objectivos gerais que estão nessa área são objectivos que merecem a nossa concordância. A reestruturação, a utilização de novas tecnologias, os consulados, os métodos informáticos, tudo isso são ideias que, em geral, merecem a nossa concordância. Aliás, como tivemos ocasião de referir num relatório elaborado a propósito deste orçamento, penso que o orçamento corresponde basicamente aos grandes eixos da nossa política externa, que são eixos consensuais, sendo que por aí não existem grandes dúvidas nesta matéria, porque são adequados ao que, do nosso ponto de vista, deve ser consensual, que são os grandes eixos da nossa política externa.
Feitas estas duas considerações, há três matérias onde me parece que talvez fosse útil o Sr. Ministro, se possível, ser um pouco mais concreto do que aquilo que permite a leitura dos documentos que temos na nossa posse, que são de leitura puramente orçamental, algo esotérica para políticos generalistas como é o meu caso, designadamente no que se refere à aplicação concreta das verbas, que, como compreenderá, não estando dentro da sua feitura, é sempre de difícil leitura, e os objectivos políticos que temos em cima da mesa.
Portanto, repito, são essencialmente três as matérias onde gostaria que o Sr. Ministro, se possível, fosse um pouco mais longe.
Ponto primeiro: não está nos objectivos políticos a relação transatlântica, o eixo transatlântico, designadamente a relação com os Estados Unidos da América do Norte. Esta questão não é mencionada, como não foi mencionada noutros orçamentos anteriores, como um eixo fundamental da nossa política externa. Nós consideramos que se trata de um eixo fundamental da nossa política externa. Pergunto-lhe, por isso, em primeiro lugar, porquê essa omissão? Em segundo lugar, Sr. Ministro, gostaria de saber se não considera que estas múltiplas declarações a que temos assistido de um lado e de outro do Atlântico, seja da Europa, seja da futura administração norte americana, de novo relacionamento e de nova colaboração não implicarão, até desse ponto de vista, uma maior disponibilidade e eventualmente um maior empenhamento dos países europeus e designadamente daquele que é talvez o mais atlântico dos países europeus que é Portugal.
Por outro lado, num aspecto mais concreto, não está também referida a renegociação do Acordo das Lajes, que é uma matéria que pode ou não ter uma relevância estrutural do ponto de vista da relação com os EUA e do futuro trabalho em conjunto. Pergunto-lhe, por isso, se nos pode adiantar qualquer coisa sobre esta matéria.
Ponto segundo: a questão da língua, matéria onde, de facto, como já aqui foi dito, não é exactamente claro o que vamos fazer. Em sucessivas vindas à Comissão, o Sr. Ministro tem anunciado algumas intenções sobre esta matéria, voltou a falar-nos da reforma do Instituto Camões, pelo que gostaria que concretizasse um pouco em que é que se vai traduzir essa reforma. Depois, gostaria que nos dissesse em que é que o Fundo da Língua Portuguesa, que nos anuncia, vai concretizar-se e que acções é que ele vai suportar. O ensino do Português no estrangeiro (é uma percepção que tenho, eventualmente errada) é muito visto na lógica das
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comunidades portuguesas, o que é da maior importância. Mas que eu entendo que, sobretudo nos países de língua portuguesa, o ensino do Português deveria ser estrutural na formação desses países, na formação das elites, com a presença e criação de escolas portuguesas como formação, como método de penetração, até porque numa altura destas, de crise, a diplomacia pode e deve, quanto a mim, ser um investimento estrutural.
O terceiro ponto onde penso que seria desejável que o Sr. Ministro fosse um pouco mais concreto diz respeito à questão da diplomacia económica. Trata-se de uma questão antiga, que passou por várias realidades e por vários governos.
Compreendo a preocupação. Estive a ler o documento que nos foi distribuído e penso que não é muito claro, logo na página 2, onde se diz: «No plano bilateral, intensificar-se-á o diálogo com países da África, América Latina e Ásia». Bom, África, América Latina e Ásia, tirando a Europa, é quase o mundo inteiro, portanto, tudo pode caber nesta realidade, mas pressupõe as especiais relações que temos com alguns destes países.
Depois, fala no investimento económico e no investimento turístico. Por acaso entendo que, do ponto de vista económico e, sobretudo, do ponto de vista turístico, onde temos de ir buscar, onde temos de intensificar esta acção é, sobretudo, a leste. A China será, com certeza, o maior mercado emissor do mundo em poucos anos, tal como a Índia, seguramente, mas a leste, em países como a Rússia e outros, aí é que está o mercado emissor que pode evitar o drama que temos cada vez que há uma relação complexa de paridade, como sucede, por exemplo, entre o euro e a libra. Ou seja, um euro forte faz com que aquele que é nosso principal mercado emissor, o Reino Unido, se desvie para outros países onde a libra poderá ter uma posição mais favorável. Portugal tem uma dependência enorme de dois ou três mercados, a começar pelos ingleses.
Depois, se somarmos a eles os espanhóis e os alemães, está aí a esmagadora maioria de pessoas que recebemos e que permitem a nossa riqueza, desse ponto de vista.
Penso que um momento destes, em que se verifica um fenómeno de flutuação do euro em relação à libra, que se traduz numa quebra da libra e numa subida do euro, pode automaticamente deixar Portugal (e pensemos, por exemplo, no Algarve) numa situação complicada. Não quero ser pessimista, mas pode acontecer. Penso, por isso, que estes novos mercados são fundamentais. Portanto, sendo que muita desta verba estará seguramente, por exemplo, no Ministério da Economia, gostaria de saber em que é que a acção dos Negócios Estrangeiros se pode traduzir aqui. É de sensibilização? São acções conjuntas? São os nossos diplomatas? É a colocação de novos responsáveis nos nossos postos com especial vocação para esta área? Talvez alguma concretização nesta matéria fosse útil, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado O Sr. António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não sendo membro da Comissão de Negócios Estrangeiros nem da Comissão de Economia, é um prazer para mim participar nesta reunião e ter a oportunidade de colocar algumas questões ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo em conta a sua intervenção de apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2009.
Registo uma resposta que o Sr. Ministro já deu a uma pergunta que eu pretendia colocar relativamente à definição do estatuto dos trabalhadores consulares. Creio que o Sr. Ministro anunciou essa definição para o início do próximo ano, informação que registo, considerando-a, repito, como resposta a uma questão que lhe queria colocar.
Mas há outras cinco questões que tenho para lhe colocar.
A primeira diz respeito às verbas para funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas, que vinham tradicionalmente consagradas no âmbito da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares. No entanto, não vislumbramos neste orçamento com que recursos financeiros é que o Conselho das Comunidades poderá contar para o seu funcionamento durante 2009. Dispenso-me aqui de referir a importância que deve ser atribuída ao funcionamento deste Conselho, que tem, como se sabe, duas reuniões mundiais por ano e que, para além disso, tem seis comissões temáticas que obviamente têm todo o interesse em funcionar. Dado que
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se trata de reunir compatriotas nossos residentes em várias partes do mundo, interessaria saber qual é o empenhamento que o Governo tem no funcionamento do Conselho das Comunidades e quais são os recursos financeiros que vão ser afectos para que esse funcionamento seja possível. Portanto, esta é a primeira questão que creio que valeria a pena ser abordada.
Disse que tinha cinco questões para colocar. Duas delas têm a ver com algo que já foi aqui referido pelos Srs. Deputados que intervieram antes de mim, sendo que a segunda tem a ver com a promoção do ensino da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro e com o Instituto Camões.
De facto, está dito e redito, desde há vários anos, que o Instituto Camões passaria a assegurar a rede de ensino de português no estrangeiro, o que não foi concretizado até à data, sendo que nada é dito relativamente à sua concretização para 2009. Nada é dito, nem oralmente nem nos elementos que nos foram fornecidos acerca do orçamento para 2009. Portanto, compartilho o que já foi aqui dito por outros Srs. Deputados no sentido de que importaria que o Governo nos dissesse algo mais acerca da promoção do ensino da língua portuguesa no estrangeiro e de como está a prever essa promoção no próximo ano. Como já referi, a proposta de lei do Orçamento do Estado nada esclarece a este respeito e o Governo também ainda não o fez nesta reunião e creio que valeria a pena que o fizesse, dizendo, concretamente, qual o papel do Instituto Camões, que passos vão ser dados para a integração de rede de ensino do português no Instituto Camões e o que é que o Governo tenciona fazer em matéria de promoção da língua e da cultura portuguesas no estrangeiro.
Há mais uma questão que gostaria de colocar e que ainda não foi colocada nesta reunião, que tem que ver com a vertente da participação cívica e política dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Como se sabe, está em curso nesta Assembleia um processo de alteração do modo de votação para os cidadãos portugueses no estrangeiro, passando do voto por correspondência para o voto presencial em todas as eleições em que isso ainda não se verifica. Portanto, está em curso um processo legislativo que tenderá, esperamos nós, à uniformização dos procedimentos de votação, sendo que todos os cidadãos passarão a votar presencialmente, o que consideramos ser um grande progresso em termos democráticos, dado que assegura a genuinidade e a verdade no processo eleitoral.
Sem fazer qualquer juízo de valor acerca do voto por correspondência e dos termos concretos em que o mesmo se processa, parece-nos, no entanto, inquestionável que a votação presencial é mil vezes mais segura do que a votação por correspondência que se tem verificado até agora. Mas isso tem exigências, inclusivamente, terá exigências do ponto de vista orçamental, porque um dos pressupostos para o bom funcionamento deste sistema é que os locais de votação não se limitarem aos consulados, porque seria extremamente redutor e, de facto, poria em causa o direito a voto de muitos dos cidadãos portugueses.
Portanto, é desejável — do nosso ponto de vista, não é só desejável, é obrigatório — que o voto presencial seja feito em mais locais, enfim, locais públicos, inclusivamente, com recurso, até, a outros locais, onde esteja presente a comunidade portuguesa, desde que se assegurem condições para a fiscalização do acto eleitoral por parte das várias forças políticas concorrentes. Mas isso implicará um esforço a dois níveis.
Creio que valeria a pena haver um esforço de investimento no recenseamento eleitoral, no estrangeiro, de cidadãos portugueses que ainda não estejam recenseados. Obviamente que, para além disso, quando haja eleições (e, em 2009, haverá seguramente dois actos eleitorais com a participação de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro), importaria saber como é que o Governo está a prever garantir o bom funcionamento desses processos eleitorais; isto, sendo certo que estamos convictos de que as próximas eleições para a Assembleia da República já decorrerão com o voto presencial dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Há ainda uma questão que quero colocar — sendo certo que não é um problema que se resolva em 2009, e que não é fácil —, que é a garantia de alguma fiabilidade relativamente ao levantamento dos cidadãos portugueses eleitos no estrangeiro. Nós temos funcionado sempre na base de estimativas e, depois, cada um faz as que quer. Fala-se em 5 milhões; enfim, fala-se muito por alto, quando se procura saber quantos cidadãos portugueses residem efectivamente no estrangeiro, quantos somos nós, no fundo — falamos todos
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em estimativa, são estimativas extraordinariamente vagas. E, portanto, sendo este um processo que, reconhecemos, não é fácil — o de fazer o recenseamento dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro — e, até porque, como há um recenseamento, que é feito de 10 em 10 anos, dos cidadãos residentes no território nacional, valeria a pena começar a apontar para encontrar formas mais fiáveis de procurar saber quantos cidadãos portugueses vivem além fronteiras e onde.
Questiono, pois, o Governo sobre se não pensa nisso e se não considera que isso tem alguma importância; e pergunto como é que encara este problema de encontrar uma forma de recensear, não para efeitos eleitorais, mas para efeitos gerais — um censo, se quiser, da população portuguesa que abranja não apenas a que reside no território mas também a que reside além fronteiras.
Estas são as questões que eu queria colocar nesta primeira fase.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado António Filipe.
Sr. Ministro, para responder a este primeiro conjunto de questões, tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as perguntas a todos vós e a oportunidade também de clarificar algumas das áreas de acção política do Ministério, que estão subentendidas nas vossas questões, procurando, apesar de tudo, ser minucioso em relação a uma ou outra questão mais pontual que me foi colocada.
Sr. Deputado José Cesário, vemos sempre com bons olhos a atitude de convergência e construtiva na abordagem das questões de política externa. Não escamoteamos que é um activo que o País deve continuar a merecer — a convergência de forças políticas no Parlamento —, independentemente de objectivos diferentes que, num ou noutro momento, numa ou noutra circunstância, são identificados pelas diferentes forças partidárias.
É bom que haja o mais amplo consenso na sustentação da acção externa do Estado português. Isso dá credibilidade ao Estado português e à sua política externa; torna o Estado português um actor fiável, encarado pelos seus parceiros e aliados como um actor reliable. E, nessa perspectiva, todo o discurso das diferentes forças políticas que se pronunciam nesse sentido não pode deixar de merecer um acolhimento caloroso da parte do Ministro dos Negócios Estrangeiros, que também contribui para esse ambiente, sempre e na medida do possível, precisamente pelo entendimento que tem dos altos interesses do Estado português a proteger nesta área.
Por isso, a palavra inicial vai para a nota positiva, construtiva, que o Sr. Deputado José Cesário, apesar das críticas, que são recorrentes, aliás, em algumas das questões que coloca, não deixa de formular.
Sobre a reforma do Ministério, as questões são prolongadas no tempo, como disse. Há um conjunto de situações que identificamos há uma década e que não conseguiram ainda ser ultrapassadas, designadamente a reforma do sistema informático. Lembro-me de ter estado no Ministério, há quase 10 anos atrás, e de esse problema ter sido encarado, de ser objecto de estudos feitos por entidades responsáveis, e de não ter havido lastro político suficiente para os implementar, pelo que, hoje, estamos na mesma situação em que estávamos há 10 anos atrás.
Do ponto de vista da gestão do sistema informático do Ministério nada mudou, infelizmente, ao longo dos últimos 10 anos, precisamente também porque não houve continuidade no esforço de reforma que estava a ser implementada; e as mudanças de Governo também não ajudaram muito.
Gostaríamos de que, daqui até ao final do mandato, fosse possível clarificar — na base de tudo o que foi feito para trás e de estudos, que estão todos feitos — uma linha de orientação que a própria oposição assumisse como válida, do ponto de vista da reforma que é preciso implementar no Ministério, para não desperdiçarmos mais recursos e não adiarmos uma decisão que tem de ser tomada.
Não faz sentido nós termos serviços que são incompatíveis, até, do ponto de vista dos sistemas que adoptam e das plataformas que estão em utilização; dentro do mesmo Ministério, às vezes, entre dois andares
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diferentes, há problemas de compatibilidade de sistemas. E isso resulta, a nosso ver, muito das mudanças que se imprimem aos programas e aos projectos sem sustentação. É um facto que estamos a tentar contornar.
A reforma do estatuto da carreira diplomática atrasou-se na medida em que mudámos de secretário-geral e uma das alterações importantes que tem o novo estatuto prende-se com os poderes do Secretário-Geral. Do meu ponto de vista, não faria sentido pressionar o novo Secretário-Geral a avançar com um documento de reforma, que estava praticamente ultimado, sem que o novo Secretário-Geral pudesse ter o entendimento exacto do alcance das propostas inseridas nesse projecto.
Mas, como lhe disse, o projecto está em condições, a muito curto prazo, de poder seguir a sua via normal (e já esperámos tanto tempo que podemos esperar um pouco mais). Em Janeiro, penso que a Assembleia da República pode receber esse projecto e pronunciar-se sobre ele.
Sobre a rede consular, quer em relação a Nova Iorque quer a Sevilha, ainda não tomámos qualquer decisão definitiva, na medida em que o entendemos dever fazer na base de uma concertação clara com outras áreas, designadamente com a área de representação dos interesses económicos no exterior. Relativamente a Nova Iorque, considero não fazer sentido ter um cônsul em Nova Iorque, como tínhamos, que, normalmente, era escolhido, em fim de carreira, e enviado para Nova Iorque para uma sinecura ou para um estágio dourado, de fim de carreira. Esta foi a prática seguida no Ministério durante muito tempo. Era um lugar, sem dúvida, apetecível! Há muitos candidatos a viver em Nova Iorque, sobretudo com vista para o Central Park»
Risos.
Mas considero muito importante olhar para Nova Iorque e ter um programa para aquele consulado. Só assim faz sentido tê-lo! Ora, esse trabalho está em curso e penso que, até ao final do ano, teremos uma decisão sobre Nova Iorque, exactamente, o programa e o formato que pretendemos para aquele consulado.
Em relação à ajuda pública ao desenvolvimento, de facto, não estamos satisfeitos com o que está a ser feito nesse domínio; gostaríamos que houvesse uma firmeza maior nos compromissos que estão assumidos.
Trata-se de um problema que não é apenas do Estado português.
Em tempo de crise, como é sabido, os ajustamentos orçamentais impõem-se em todos os governos, praticamente, com o mesmo sentido, exceptuando aqueles que estão vinculados por lei a uma percentagem fixa do peso das despesas da APD (Ajuda Pública ao Desenvolvimento) no Orçamento do Estado, no caso da Holanda, praticamente, em todos os países, quando há ajustamentos orçamentais e há corte de despesa, é óbvio que se corta na despesa da ajuda. Esta tem sido uma realidade recorrente ao longo das últimas décadas. Nós gostaríamos que isto assim não fosse, mas isto pressupõe também um compromisso internacional mais firme.
Se tem estado atento ao que se tem estado a passar relativamente à resposta à crise económica internacional, verificará que os apelos que têm sido feitos são no sentido de não se interromper o processo de desenvolvimento da Agenda do Milénio e da ajuda consagrada por parte dos países mais desenvolvidos aos países menos desenvolvidos. Este debate que está em curso é absolutamente fundamental para consolidar, da parte de todos os Estados, a vontade firme de, apesar das dificuldades, comprometerem as respectivas percentagens de despesa à ajuda pública ao desenvolvimento.
Este esforço global deve ser assumido pela comunidade internacional e a União Europeia tem estado a reafirmá-lo; apesar de tudo, deixe-me corrigir, não é claro que se tenha reduzido o peso da ajuda. Se verificar, pelos dados de 2007, o peso da ajuda foi de 0,22%; em 2006, tinha sido de 0,21%; cresceu um pouquinho, não o que deveria ter crescido em função das metas que nós próprios tínhamos definido, mas não é verdade que tenha caído, relativamente à despesa do ano anterior. Vamos ver quais são os dados de 2008.
O Ministério tem uma dificuldade, o Sr. Deputado, que foi secretário de Estado, conhece bem aquela casa e sabe das dificuldades que o Ministério tem em gerir um orçamento que não é seu. O orçamento do Ministério para este ano, no programa, é de 162 milhões de euros, sendo um terço, aproximadamente, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e uma parte significativa, maior, do IPAD.
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O controlo da gestão de um orçamento que não é, na sua elaboração e, sobretudo, na sua execução, dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros é sempre um tanto ou quanto aleatório. E, sobretudo, é verdade que o peso do Ministério das Finanças na gestão desse orçamento é enorme e que nem sempre os critérios que este Ministério utiliza são os mais rigorosos do ponto de vista dos objectivos da política de ajuda ao desenvolvimento, uma vez que os seus objectivos são, designadamente, de consolidação orçamental; por isso, o corte da despesa em alguns sectores, que para o Ministério das Finanças não são considerados prioritários, é determinante.
Mas deixe-me só dar-lhe uma nota positiva neste contexto: este programa piloto, que, pela primeira vez, se consagra, é um instrumento importante para racionalizar esta área da acção política, porque, sendo um orçamento de programa plurianual, permite, pela primeira vez, comprometer o Ministério das Finanças com montantes de despesa que permitem realizar objectivos que estão definidos no próprio programa. Se ler o programa, verificará que ele tem uma estrutura diferente, embora reproduzindo a que já estava no P05 do ano passado, porque a projecção plurianual obriga o Ministério das Finanças a comprometer-se de forma absolutamente inovadora com os objectivos que tinham sido definidos. É um passo significativo no sentido de gerir um orçamento que, sendo, na realidade portuguesa, um orçamento interministerial, extenso — que foi sempre assumido politicamente por todos os governos como uma riqueza também da cooperação portuguesa —, não pode deixar de nos colocar obstáculos muito grandes do ponto de vista da gestão e da coordenação por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A realidade não é a ideal, reconhecemos; mas, do nosso ponto de vista, apesar de tudo há elementos importantes que nos permitem avaliar, positivamente e com algum optimismo, a evolução do orçamento neste sector para o próximo ano. Também pelo facto de que, como terei a oportunidade de esclarecer a seguir, nós vamos dar particular atenção à implementação de uma política de apoio à língua, muito centrada na expansão dos sistemas de ensino dos países de língua portuguesa, no apoio directo aos sistemas de ensino, designadamente em colocação de professores nos países africanos de língua portuguesa e em Timor-Leste, o que nos vai permitir fazer crescer a despesa no sector da educação, cumprindo os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio nesse domínio. Acredito que, no final do ano, poderemos ter um orçamento mais reforçado para a ajuda pública ao desenvolvimento, mas penso que é um compromisso político que a comunidade internacional tem de ser capaz de assumir no seu conjunto, é um desafio que Portugal também terá de assumir, e o Governo português assumi-lo-á.
Em relação à evolução dos fluxos migratórios, partilho da sua preocupação. Estamos confrontados com uma realidade económica e social muito volátil. Quando olhamos para a evolução, ao longo do último ano, das expectativas e dos indicadores mais relevantes, do ponto de vista macroeconómico, financeiro ou social, é absolutamente extraordinária a volatilidade com que nos confrontamos, no plano internacional, em todos os domínios, ou seja, no domínio político — é certo! — mas também no domínio da realidade económica. A economia alemã, no primeiro trimestre deste ano, teve um comportamento absolutamente extraordinário, tendo crescido e deixado toda a gente surpreendida pela força do crescimento que evidenciou nesse período; nos dois trimestres seguintes, caiu 0,5 e 0,4 e entrou em recessão. Foi uma surpresa total para os dirigentes alemães e para todos os dirigentes europeus.
Há, por isso, aspectos erráticos na dinâmica da economia internacional que não podemos deixar de acompanhar e que têm um reflexo particular do ponto de vista social, têm um forte impacto social. Estou de acordo consigo que temos de olhar para a realidade social com instrumentos excepcionais, porque a situação é, de facto, excepcional e penso que as políticas económica e social têm de ser muito flexíveis e devem ser geridas com instrumentos que permitam, justamente, uma abordagem flexível da realidade económica e social com que nos confrontamos. A condução da política económica e da política social tendo sempre por objecto a situação da realidade das famílias e das empresas é absolutamente determinante para ultrapassar algumas dificuldades com que estamos confrontados e todas as instituições, em geral, têm de olhar para essa realidade com enorme capacidade de adaptação e de flexibilidade.
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Em relação à evolução dos fluxos migratórios, tínhamos uma realidade de forte pressão migratória atraída por mais altos salários e mais favorável relação cambial com alguns mercados europeus, como sabe, designadamente o Reino Unido, que citou, a Suíça e mesmo a Espanha, aqui ao lado, ou a França.
A pressão migratória nesse sentido foi enorme, nos últimos anos, mas é uma realidade diferente da pressão migratória, como tive oportunidade de enunciar, em debate consigo, do meu ponto de vista, porque se trata de um mercado interno. A economia portuguesa, hoje, não é subsumível ao espaço económico nacional, uma vez que se desenvolve, cada vez mais, no espaço ibérico, e num mercado interno que, do ponto de vista dos fluxos financeiros, económicos, comerciais e laborais, tem dinamismos bem diferentes dos que se verificavam há uma década atrás.
Portanto, também no domínio da política migratória, do meu ponto de vista, não se deve encarar a realidade com os instrumentos e a moldura de análise tradicional dos fluxos migratórios. Isto não dispensa a necessidade de, como disse, adaptar a resposta política a esta realidade com flexibilidade.
E a nossa intenção é a de nos adaptarmos à realidade que enunciou, independentemente da opção que foi assumida pela Secretaria de Estado, de contratualizar com o Instituto de Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa um observatório para as migrações, que permita fazer a monitorização desses fenómenos com alguma regularidade e dando aos decisores políticos instrumentos de análise, de observação e de decisão importantes.
Assim, a minha intenção é a de, com a Secretaria de Estado, olhar para a realidade em Espanha, no Reino Unido, nos mercados que estão em recessão, onde temos forte concentração de mão-de-obra jovem, temporária ou sazonal, e tentar encontrar respostas flexíveis de acompanhamento dessa realidade social. E penso que devemos ser capazes de reforçar, aqui e ali, os elementos de acompanhamento dessa realidade, nas embaixadas e nos consulados, de forma a responder com instrumentos extraordinários a uma situação absolutamente extraordinária como aquela que estamos a viver. Penso que este princípio vale para toda a realidade económica e social com que nos confrontamos e para a acção das instituições em geral. Por exemplo, não acredito que a banca possa responder às situações com que se vai confrontar e com que já está confrontada, seja no âmbito das famílias, seja no âmbito das empresas, sem encarar com muita capacidade analítica as várias situações com que se confronta. Se usar os «cardápios» tradicionais, de resposta tradicional às situações de crise, a resposta será devastadora, porque a situação em que estamos nada tem a ver com as crises que vivemos no passado.
Portanto, a minha resposta é a de que precisamos de nos adaptar a esta realidade com muita agilidade, do ponto de vista institucional e do ponto de vista político.
Sobre a língua, e esta é uma pergunta que foi feita por vários Srs. Deputados, no sentido de mais clareza relativamente aos objectivos de política neste sector, respondo a todos em conjunto, com a resposta que vou dar ao Sr. Deputado José Cesário.
Se o Sr. Deputado olhar para trás e tomar consciência das decisões que tomámos, aperceber-se-á de que não há, na abordagem desta política, nada de casuístico, pelo contrário, há um trabalho de planeamento que tem vindo a ser consistentemente assumido pelo Governo.
Reparem que, quando nos candidatámos a realizar a Cimeira da CPLP, em Lisboa, em 2008, fizemo-lo com cálculo e com cálculo estratégico relativamente ao tema, e o tema era, justamente, o da língua portuguesa como elemento central na actividade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esta decisão foi tomada há mais de dois anos atrás, em Bissau, mais concretamente em Julho de 2006, antes da Presidência Portuguesa. E não apenas nos candidatámos a realizar essa Cimeira como propusemos, de imediato, que o tema da Cimeira fosse o da promoção da língua portuguesa como língua com vocação universal. Temos trabalhado na perspectiva de envolver as diferentes instituições — o Sr. Presidente da República tem tido uma contribuição importante no reforço deste objectivo, que é um objectivo do Estado português e não apenas deste Governo — e temos vindo a consolidar com os nossos parceiros da CPLP uma abordagem completamente diferente, do ponto de vista estratégico, da promoção do português no mundo.
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Repare que temos de ter consciência de que a afirmação da língua portuguesa como língua de trabalho das organizações internacionais ou como língua com vocação universal não pode ser feita por Portugal isoladamente. Seria absolutamente impossível, ao Estado português, nos fora internacionais, afirmar, em seu próprio e exclusivo nome, a língua portuguesa como língua com vocação e personalidade universais. Por isso, a estratégia que definimos foi a de envolver a CPLP e aproveitar, sobretudo, a circunstância de o Brasil, que se projectou extraordinariamente no plano internacional nos últimos três ou quatro anos, passar a valorizar também o instrumento que é a língua como elemento de afirmação dos seus interesses estratégicos no plano internacional, a caminho do Conselho de Segurança das Nações Unidas e capaz, também por isso mesmo, de a impor nas Nações Unidas com interesse próprio.
O objectivo de fazer do Português uma língua de trabalho das Nações Unidas no horizonte dos próximos quatro anos é, do nosso ponto de vista, absolutamente instrumental para afirmar o Português como língua de profundidade universal, a par das línguas que são hoje assumidas pela comunidade internacional como línguas de comunicação global.
Mas, Sr. Deputado, só podíamos fazê-lo com a CPLP e, por isso, quando nos propusemos fazer a Cimeira da CPLP e colocar o tema da língua como central foi, justamente, para criar a massa crítica de apoio estratégico à promoção do Português como língua de vocação universal e como língua de trabalho nas organizações internacionais. E, felizmente, a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, que se realizou em Julho, em Lisboa, foi muito bem sucedida a esse nível, porque houve uma grande convergência de interesses estratégicos de todos os países, no sentido de dar um novo impulso à projecção do Português como língua de trabalho. E só assim é que lá chegamos! De outra maneira, se não tiver essa densidade, essa vocação universal, expressa, designadamente, na ambição de fazer do Português uma língua de trabalho das Nações Unidas, o que, com o Brasil, com Angola, com Moçambique, com os países de língua portuguesa em geral, seremos capazes de realizar, mas sozinhos não conseguiríamos, o Português desvaloriza-se, mesmo no contexto europeu.
Portanto, esta nova abordagem estratégica, de conciliar a presidência da CPLP com uma acção unilateral do Estado português, no reforço da valorização do Português e da sua política de língua, foi absolutamente indispensável. E talvez percebam mais facilmente a importância de acompanhar o Brasil no esforço de conferir universalidade, no espaço da CPLP, ao acordo ortográfico. Sem este movimento teria sido muito difícil criar a plataforma de consenso necessária, no quadro da CPLP, para perseguir esses objectivos.
Assim, a estratégia que foi seguida foi a seguinte: valorizar a acção do Estado português, no quadro da CPLP, do ponto de vista bilateral e do ponto de vista unilateral, no âmbito da acção política do Estado português. O que é que fizemos, no âmbito do Estado, em termos de política do Governo? Procurámos reforçar os instrumentos de acção política neste domínio.
Em primeiro lugar, aprovámos uma resolução, em Conselho de Ministros, que é uma resolução singular e não tem paralelo em nenhuma acção ou iniciativa tomada por nenhum Governo relativamente à definição do quadro estratégico para a política da língua. É que a língua andou sempre muito atomizada, na acção política, pelas iniciativas e acções de vários Ministérios, designadamente da Educação, da Cultura, dos Negócios Estrangeiros, da área da comunicação social. Enfim, nunca houve um esforço de concertação efectivo para fazer da língua um vértice de uma acção política consistente, coerente e capaz de realizar objectivos que nos propomos. Esta estratégia, se tiver em consideração a resolução do Conselho de Ministros, que creio já estar publicada, procura, no fundo, definir a importância cultural, geoestratégica e económica da língua, com base em quatro princípios essenciais.
O primeiro princípio tem a ver com a rede, pois precisamos de uma rede qualificada de ensino do Português e precisamos de a trabalhar, uma vez que aquilo que temos são instrumentos absolutamente descoordenados de acção neste domínio: temos a rede de leitores; temos a rede de professores para as comunidades portuguesas; temos, aqui e ali, o português, como língua, em institutos de línguas internacionais, mas sem qualquer certificação e sem qualquer ligação à acção política; temos os sistemas de ensino em desenvolvimento nos países de língua portuguesa sem nenhum efectivo acompanhamento, designadamente
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por parte da política de apoio ao desenvolvimento; temos o Português formalmente assumido como língua de trabalho nas organizações internacionais mas sem qualquer acção política directa relativamente à sua sustentação, nomeadamente no domínio da tradução e da interpretação.
Portanto, o que é que fazemos? Procuramos definir um conjunto de princípios que permita consolidar uma rede qualificada de ensino do Português e apoiar o desenvolvimento do Português nos sistemas de ensino em expansão, designadamente nos países que têm o Português como língua nacional mas que não têm ainda uma rede qualificada de ensino interna, bem como o Português como língua de trabalho nas organizações internacionais, que é absolutamente fundamental para dar profundidade à nossa visão do Português como língua de vocação universal.
Essa resolução do Conselho de Ministros cria dois instrumentos fundamentais para a sua implementação: o Instituto Camões, refundado e assumindo a coordenação efectiva de toda a acção política neste domínio, incluindo a rede de ensino do Português às comunidades portuguesas, que passará a ter um conselho estratégico que integrará necessariamente os elementos do Ministério da Educação, do Ministério da Cultura e da comunicação social que permita fazer uma gestão coerente dos vários interesses sectoriais que se projectam na política da língua; E criámos um fundo para sustentar e apoiar esta acção política, porque sempre reconhecemos que havia escassez de recursos.
Quando pergunta onde é que estão os recursos do Instituto Camões refundado, eles vêm, por um lado, do apoio que lhe pode ser dado pelo fundo e, por outro lado, da transferência dos recursos que estão afectos ao Ministério da Educação que financiam o programa do Ministério da Educação e que serão transferidos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, para o Instituto Camões. Sem esse movimento, de facto, não faz sentido. Veremos, depois, quanto é exactamente. Teremos os valores de referência. Mas não faz sentido estarmos a apostar na política da língua com a ambição que aqui vos exprimo se não tentarmos reforçar esses meios.
Como lhe disse, temos os meios que estão afectos, hoje, ao financiamento do programa no Ministério da Educação e temos, supletivamente, os fundos que identificamos no novo Fundo para a Língua Portuguesa, que podem ser afectados também ao desenvolvimento desta acção política.
No essencial, esta é uma abordagem estratégica da política da língua que penso que é absolutamente inovadora e que pode ser sustentada, a prazo, com ambição, com forte motivação por parte dos serviços nela envolvidos e com uma enorme responsabilidade política que deve ser assumida, penso eu, pela generalidade da sociedade portuguesa e, em particular, por esta Câmara. Porque todos nós, hoje, facilmente identificamos a valorização que a língua pode trazer para a acção externa do Estado português e para a afirmação de Portugal no contexto internacional.
Felizmente, todos os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa hoje partilham este ponto de vista. Todos identificam que a valorização do português como língua oficial desses Estados é um activo importante para a sua afirmação e para a afirmação dos seus interesses nos diferentes contextos estratégicos regionais e é nesse sentido que a nossa acção política vai ter continuidade.
Os programas do Fundo nesta primeira fase, sobretudo respondendo à pergunta mais concreta do Sr. Deputado José Cesário, vão incidir na despesa afecta ao apoio aos países de língua portuguesa que têm ainda níveis de escolaridade muito baixos e que precisam de muitos recursos para poder alargar a escolaridade obrigatória, portanto para promover mais o ensino em português, porque esses sistemas de ensino são em português. E verificando sobretudo os níveis de escolaridade que temos quer em Angola, quer em Moçambique, quer na Guiné-Bissau ou em São Tomé ou em Timor, vemos o esforço que ainda precisamos de fazer para dar apoio em professores, em recursos, em meios, à expansão desses sistemas de ensino. É sobretudo aí que nesta primeira fase o fundo vai centrar os seus programas cumprindo ao mesmo tempo, como disse, o objectivo de reforçar a ajuda pública ao desenvolvimento e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio no sector do ensino: reduzir o analfabetismo no horizonte de 2015.
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Creio que no essencial respondi às questões do Sr. Deputado José Cesário, bem como à questão que me foi colocada por todos os Deputados que se inscreveram que me questionaram em relação à língua e ao Fundo.
Respondo, agora, à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho sobre a adaptação da rede externa, clarificando um pouco mais a adaptação da rede externa e a realidade que enunciei dos países fornecedores de petróleo e de gás.
Quando em Julho deste ano vimos que a factura energética do País duplicou abruptamente – altura em que o petróleo atingiu os 140 dólares e o gás atingiu um preço equivalente na proporção dos aumentos do petróleo – percebemos a debilidade estrutural da nossa balança comercial na relação com os principais fornecedores de petróleo. É um problema estrutural sério que temos na nossa realidade económica externa.
Se olharmos (creio que já o disse também na Comissão e não me queria repetir) para a matriz dos nossos fornecimentos energéticos – onde compramos gás e petróleo – e se identificarmos a factura respectiva, se sobre essa factura colocarmos o peso das nossas importações, percebemos que temos, aqui, um problema sério.
Sabendo a enorme dependência energética que o País tem em energia fóssil e a fragilidade das nossas relações comerciais com esses países (da Venezuela ao Golfo da Guiné, a Guiné Equatorial, a Nigéria, a Argélia, a Líbia, a Arábia Saudita, os Emirados, o Cazaquistão ou a Rússia), basta olhar para essa matriz de relações comerciais para perceber uma enorme fragilidade com que o País se confronta.
Portanto, estamos numa situação mais difícil do que muitos dos nossos parceiros europeus que têm a mesma dependência energética mas que constituíram, ao longo das últimas décadas, uma balança equilibrada de relações económicas com os seus principais fornecedores de petróleo. E nós não podemos manter esta relação de desequilíbrio, pois não é saudável nem para a nossa economia, nem para a nossa balança comercial, tem igualmente implicações no desequilíbrio grave que temos na nossa balança de transacções correntes, precisamente porque não conseguimos fazer face a este desequilíbrio profundo que identificamos facilmente nas relações comerciais com este conjunto de países.
Logo, temos procurado desenvolver uma acção diplomática e política consistente no sentido de valorizar a nossa relação com esses países e de conseguir, efectivamente, alguns negócios, alguns contratos importantes com alguns deles países que nos permitam equilibrar melhor esta situação. Vamos continuar a fazê-lo e nessa perspectiva a revisão da matriz que identifiquei tem que ver com essa realidade.
Temos que reforçar as relações com o Golfo, pois é uma das regiões que concentrou nas últimas duas décadas mais recursos financeiros. Não é por acaso que antes da Cimeira de Washington tanto Gordon Brown como o presidente da França se dirigiram a essa região e pediram aos diferentes Estados que colaborassem no esforço para a estabilização do sistema financeiro, precisamente porque há ali uma concentração de recursos financeiros brutal. A riqueza está a ser transferida para essa região com uma velocidade vertiginosa, portanto há aqui um desequilíbrio geopolítico que tem que ser corrigido.
Do nosso ponto de vista, estamos sub-representados nessa região. Durante muito tempo, tivemos em Riade uma embaixada subequipada, subdotada de recursos, subfinanciada e em toda uma região que está num processo de integração, eventualmente até à beira de ter uma moeda única a curto prazo e de ter o primeiro acordo de cooperação inter-regional com a Europa, aonde se concentram hoje os principais movimentos de relações comerciais. Temos, necessariamente, que reforçar a presença nessa região.
Quanto ao reforço das relações com a Líbia, não tínhamos lá embaixada, mas, este ano, importámos da Líbia quase um bilião e meio de petróleo, que é de grande qualidade, e não vendemos nada para a Líbia, nem temos interesses praticamente nenhuns com a Líbia, ao longo dos últimos anos. Não fazemos nada que outros não façam.
Temos necessidade de equilibrar a balança comercial com a Argélia. Uma parte importante do gás que nos abastece é proveniente da Argélia, portanto temos que equilibrar a relação com a Argélia. O mesmo se passa com a Nigéria, com a Guiné Equatorial, com a Venezuela. Relativamente a Angola, felizmente, há uma
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situação bem diferente da que temos com os outros fornecedores de petróleo – aliás, é a única, a singular, também por razões históricas que são compreensíveis.
Portanto, há um problema de sub-representação nas regiões que mais interesse económico têm para Portugal, sobretudo num contexto de grande agressividade, como aquele que conhecemos, na disputa de novos mercados quer para os produtos quer para o fornecimento de gás.
Logo, temos que ajustar essa matriz, e foi isso que procurei transmitir quando fiz a referência aos países produtores. Da mesma maneira que na representação dos nossos interesses quer na China, quer na Rússia, quer na Índia, quer no Brasil – embora no Brasil tenhamos, de facto, uma rede de representação muito boa – temos que reforçar os mecanismos de acção e de movimentação, do ponto de vista político e diplomático, nesses mercados com grande potencial de geração de recursos e de atracção de bens e de serviços.
Creio que respondi à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
Agora, ao Sr. Deputado Telmo Correia gostava de responder a duas questões.
Na minha intervenção, fiz referência à importância que vamos dar, ao longo do próximo ano, à preparação da cimeira da NATO, em 2010.
No planeamento da nossa acção e das iniciativas externas, tivemos a presidência da União Europeia a que se segue a presidência da CPLP, a presidência da Cimeira Ibero-Americana e a realização da cimeira da NATO.
Em 2009, há uma cimeira da NATO que celebra os 60 anos. De facto, há uma omissão. Deveria ter-se feito uma referência – reconheço – no texto introdutório à importância que atribuímos à preparação dessa cimeira e, em particular, ao acompanhamento de toda a actividade da Aliança Atlântica ao longo do próximo ano. Um ano decisivo, do meu ponto de vista, para o futuro da Aliança Atlântica considerando a tensão que se vem consolidando na relação com a Rússia e na fronteira Leste da Europa, o papel de uma nova administração nos Estados Unidos e também a mudança de posicionamento da França, que envolve, necessariamente, uma reconfiguração, em perspectiva, da Política Europeia de Segurança e Defesa no quadro da Aliança Atlântica.
Por isso dou a mão à palmatória e reconheço que o Sr. Deputado Telmo Correia tem razão pelo facto de no texto, por incúria nossa, não se ter dado a valorização devida à importância do acompanhamento desta questão.
Do meu ponto de vista, é prematuro colocar na agenda a renegociação do acordo da Base das Lajes.
Vamos esperar pela nova Administração americana para ver como é ela que encara as principais questões com que se confronta, e são muitas, seja na frente interna seja em relação à sua política externa.
Teremos que perceber exactamente com os diferentes interlocutores e os diferentes níveis da Administração qual o lugar exacto que na política externa americana as Lajes podem e devem ter. Não tenhamos ilusões, pois não somos nós que identificamos o interesse estratégico das Lajes para os Estados Unidos. O movimento é um bocadinho contrário e às vezes alguns observadores da realidade portuguesa pensam que somos nós que definimos qual é o interesse estratégico para os Estados Unidos em torno das Lajes. Temos que ser mais humildes e moderados nesse aspecto, mas acredito que no próximo ano, nos contactos com os novos responsáveis pela política externa americana, se possa clarificar um pouco mais o que se está a passar a esse nível.
Sabe que está em curso – já não é segredo para ninguém — ao nível técnico, entre as forças aéreas dos Estados Unidos e de Portugal, o exercício de avaliação de outras valências e do potencial de cooperação para a Base das Lajes, com o acompanhamento político ao nível do Departamento de Estado e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Pentágono e do Ministério da Defesa. Mas esse debate circunscreve-se, neste momento, a uma avaliação pelas forças aéreas respectivas.
Sobre a diplomacia económica, estou de acordo relativamente a um ponto que referiu: que do ponto de vista do turismo em Portugal a valorização do Leste da Europa é muito importante. Todos os operadores turísticos o têm dito. Temos que identificar essa região como sendo de grande interesse estratégico para Portugal.
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Quando o Sr. Presidente da República foi à Polónia, concentrámos num seminário realizado em Varsóvia todos os diplomatas da região, precisamente para se tentar definir em conjunto orientações mais agressivas relativamente à captação de turismo para Portugal. Mas há um trabalho muito importante a fazer de concertação das várias áreas e dos vários departamentos da administração central que têm aqui uma forte envolvência.
Também a diplomacia económica, do meu ponto de vista, não tem qualquer possibilidade de realização efectiva de novos objectivos se não houver uma estrita concertação entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Economia e os ministérios sectoriais que têm hoje forte envolvente externa, como os das Obras Públicas, Comunicações, Ambiente e Agricultura.
Há, por isso, como tive oportunidade de dizer na minha intervenção inicial, sobretudo num contexto de crise económica com grande impacto externo como esta, necessidade absoluta de reforçar os mecanismos de internacionalização do Conselho, identificando todas as sinergias entre os diferentes serviços e ministérios e afinando as orientações políticas.
Estou de acordo que, em relação ao mercado turístico, temos de diversificar mais.
O mercado potencial da Rússia e dos países de Leste é muito importante; é ele, aliás, que está a alimentar destinos turísticos que são competidores do destino Portugal, como é o caso da Turquia, do Egipto e de alguns países do Norte de África. Mas também é preciso olhar para o mercado árabe, um mercado que tem tido um peso enorme na economia do turismo de alguns países nossos concorrentes e que tem sido totalmente desprezado por Portugal, também por força de um dispositivo de representação e de uma acção política, ao longo dos últimos anos, muito incipiente junto desses países, que são grandes mercados, com poder de compra e com poder efectivo de influenciar a nossa balança turística.
Dir-lhe-ia ainda que, quando fiz a referência genérica à América Latina, à Ásia e à África (e é óbvio que valorizamos a acção de algumas regiões), nós todos, que estamos a assistir a um processo de reconfiguração da geopolítica mundial, já percebemos que a riqueza se transferiu muito rapidamente, nas últimas décadas, por força desses recursos energéticos — petróleo e gás —, pondo um potencial comercial extraordinário nalgumas dessas regiões, designadamente na Ásia, e um potencial agrícola, por exemplo, na América Latina, por força da elevação dos preços das commodities agrícolas.
É, pois, um facto que estamos a assistir, no contexto desta crise tão complexa, a um processo de reconfiguração do sistema de poder internacional, por arrastamento da nova geopolítica económica mundial. E neste exercício não podemos desprezar a nossa capacidade de acompanhar este movimento, explorando nichos de presença e de relacionamento histórico como os que temos com algumas regiões.
Por exemplo, acho que temos de revisitar a nossa presença em Macau e na China. Faz 10 anos que Macau mudou da administração portuguesa para a administração chinesa e faz 30 anos que temos relações diplomáticas com a China. A China mudou muito nesta última década e esse pólo de representação dos nossos interesses tem de ser reajustado a esta nova realidade.
Por exemplo, tenho dito que a região da ASEAN tem de constituir um pólo mais expressivo de projecção dos nossos interesses, porque há uma economia muito dinâmica, arrastada pela economia chinesa, mas que, ao mesmo tempo, se procura consolidar como um pólo alternativo à China, do ponto de vista geopolítico.
Portanto, é uma região que se está a integrar muito rapidamente e que está a pedir apoio à Europa para o fazer, e nós temos uma representação muito incipiente dos nossos interesses nessa região, como sabe.
Existem embaixadas em Bangkok e em Djacarta, mas precisamos de adaptar-nos muito rapidamente, em termos de representação dos nossos interesses, a uma região com a qual temos hoje óptimas relações, passado que foi o período de congelamento das relações por causa do dossier de Timor. Temos, pois, ali um pólo muito importante.
Quando falo na relação com a Ásia, refiro-me a três pólos essenciais, dois muito relevantes do ponto de vista económico: Macau, China e ASEAN. E temos também, necessariamente, os interesses de Timor, que nos ligam à Austrália e à Indonésia.
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Em relação às questões do Sr. Deputado António Filipe, devo dizer que o Conselho das Comunidades Portuguesas tem um orçamento de 150 000 € — diz-me o Sr. Secretário de Estado — e não será, seguramente, por dificuldades orçamentais que deixará de realizar os seus objectivos. É nossa pretensão conferir a esse Conselho um estatuto relevante na coordenação da acção das diferentes comunidades, sobretudo na promoção da sua ligação mais dinâmica, e menos formal ou institucional, aos interesses efectivos do nosso país.
As garantias políticas estão dadas em relação ao acompanhamento do processo eleitoral, isto se a lei — que é uma responsabilidade da Assembleia da República — vier a ser aprovada, promulgada e entrar em vigor. Se as eleições tiverem de realizar-se com esse novo formato legislativo, existem as garantias políticas de que todos os recursos serão dados para que essas eleições possam ter a universalidade desejada e a maior expressão possível.
Em relação às questões relacionadas com o recenseamento, foi feita uma pergunta em concreto e eu devo dizer que temos aqui alguma dificuldade face à dinâmica dos fluxos migratórios de hoje, sobretudo os novos fluxos migratórios para o mercado interno europeu, visto que são muito ajustáveis à dinâmica da economia.
Não é uma imigração que se fixe, que se estabeleça, é uma imigração que se desloca no mercado interno.
Há um novo nomadismo nos mercados de trabalho internacionais que tem de ser percebido como uma realidade diferente, que não é enquadrável à luz do que eram as convenções tradicionais do ponto de vista da imigração. É, no fundo, a expressão da mobilidade no factor trabalho no espaço dos mercados que estão cada vez mais interdependentes.
Nesta perspectiva, o papel e a acção do Observatório é muito importante. Esperamos que esse projecto se consolide e desenvolva, pois é sobretudo a ele que caberá também a tarefa de acompanhamento do recenseamento das nossas comunidades.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar na segunda e última ronda de perguntas ao Sr.
Ministro, dispondo agora cada grupo parlamentar de 5 minutos de intervenção, podendo esse tempo, naturalmente, ser utilizado em várias intervenções.
No caso concreto do PSD, encontram-se já inscritos dois Srs. Deputados, os Srs. Deputados Mário David e Carlos Alberto Gonçalves.
Começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Mário David.
O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, serei breve.
Sr. Ministro, agradecendo a exposição que fez, gostaria de regressar a um tema que já abordou, que é o do dispositivo das nossas representações diplomáticas.
Recordo-me que já o antecessor de V. Ex.ª veio referir a iminente abertura da nossa embaixada nos Emirados Árabes, e sei que esse é também um dos desideratos que o Sr. Ministro quer concretizar. Pergunto, por isso, se já pode dar-nos alguma ideia mais concreta, face aos sucessivos adiamentos dessa abertura e sendo inquestionável o interesse e as razões (que o Sr. Ministro já abordou) pelas quais é importante uma maior representação portuguesa nessa áreas.
Sr. Ministro, já que estamos a falar de zonas que viram o seu poderio económico crescer exponencialmente nestes últimos tempos, deixava dois novos desafios relativamente ao Cazaquistão e ao Azerbeijão. Julgo que, tambçm aí, era importante estabelecer representações que nos permitissem activar» Sr. Ministro, a culpa não é sua, obviamente, nem será deste Governo! Foi há dois ou três governos atrás que, em Portugal, começámos a falar de diplomacia económica — e, portanto, mea culpa também —, mas a verdade é que os resultados não são brilhantes desde essa altura.
Talvez por isso fosse útil fazer uma reflexão sobre o que tem falhado e sobre o que nos impediu de conseguir melhores resultados, não só na canalização de investimentos estrangeiros em Portugal (bem sei que a oferta internacional é cada vez maior, mesmo dentro da própria União Europeia, com as vantagens que
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tal pode representar para alguns investidores) como na colocação das nossas exportações fora dos nossos tradicionais parceiros económicos.
Neste ponto, assume especial importância a questão da captação do turismo. Por isso, dado o meu background, diria que o diagnóstico que o Sr. Ministro nos apresentou está correcto, mas faltou a prescrição do tratamento.
Finalmente, formulo a seguinte pergunta muito concreta: Sr. Ministro, mesmo sabendo que o Tratado de Lisboa não está ainda em vigor, o que é que o seu Ministério tem vindo a fazer para que Portugal fique devidamente representado e possa colocar-se nos blocos de partida (outros Estados já o fizeram) no serviço de acção externa que se projecta para a União Europeia?
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.
O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, de uma forma muito breve, queria recolocar algumas questões que o Sr. Deputado José Cesário já fez ao Sr. Ministro, mas para as quais não obteve resposta.
Em primeiro lugar, recordo a questão relativa à criação dos consulados que foram aqui prometidas, ou pelo menos equacionadas, pelo Governo quando se discutiu a questão da reestruturação consular, visto que o Sr.
Ministro não adiantou qualquer palavra sobre esta matéria.
Em segundo lugar, gostava de lembrar que a questão social não se prende só com esta crise económica.
Há muito tempo que andamos a falar nela e apresentámos uma iniciativa legislativa neste Parlamento, pois entendemos que a questão do apoio social às comunidades portuguesas deveria ter sido encarada há muito tempo e que não deve ser só a situação económica de agora que deve obrigar o Governo a agir — o Governo já devia ter agido há muito tempo! A pergunta que faço é sobre os valores gastos em relação ao ASIC e ao ASEC e a outro tipo de apoios sociais às nossas comunidades.
Em relação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Ministro não se referiu ao estatuto do pessoal do quadro externo, apenas respondeu à questão do estatuto dos diplomatas. Também não fez qualquer referência a uma matéria que foi objecto, este ano, de um grande debate no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a questão do regulamento consular. Como o Sr. Ministro não teve qualquer palavra para esta questão, nós gostaríamos de o ouvir.
Para terminar, gostaria de dizer que a questão do recenseamento eleitoral é importante. Recordo que houve uma alteração legislativa nesta matéria e que deveriam ser encaradas algumas medidas em termos de comunicação e de informação às nossas comunidades. No Orçamento do Estado, não conseguimos saber qual é a verba disponível para o recenseamento eleitoral e gostávamos de ter essa informação.
Também o apoio ao movimento associativo é uma das prioridades que o Governo aponta no Orçamento do Estado. Ora, o movimento associativo tinha uma verba de cerca de 250 000/260 000 € no ano passado, uma grande parte gasta no apoio individual a cidadãos em situações de indigência e não ao movimento associativo, e nós gostávamos de saber, face ao que está aqui prometido, qual é a verba disponível para apoiar o movimento associativo português.
Uma última palavra para a questão do fórum dos luso-eleitos, que é a quarta vez que aparece como prioridade do Orçamento do Estado do Governo. Como estamos próximos de 2009, talvez calhe bem a realização deste encontro do fórum dos luso-eleitos, mas, no fundo, foram três anos perdidos, uma vez que já foi prioridade em três Orçamentos do Estado, defendidos até por dois Ministros.
São estas as únicas perguntas que deixo, dado que já excedi o tempo de que dispunha.
O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, irão intervir a Sr.ª Deputada Maria Carrilho e, a seguir, o Sr. Deputado Jacinto Serrão.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
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A Sr.ª Maria Carrilho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, muito do essencial já foi abordado na primeira volta desta audição. Diga-se também que, na intervenção inicial do Sr. Ministro, foi conferido aos números e aos quadros que acompanham este orçamento o necessário contexto para um entendimento claro e geral, donde ressalta — é bom sublinhar — a linha de consistência com o Programa do Governo.
Não podemos considerar este orçamento como produzido numa época habitual. Pessoalmente, não tenho muitas dúvidas de que a conjuntura que estamos a viver irá marcar um «antes» e um «depois», e ninguém aqui presente, em boa-fé, pode ignorar os condicionalismos já evidentes a nível internacional e a nível global.
Não vou entrar em enumerações relativas à forma positiva como o orçamento defronta esta situação, vou apenas sublinhar dois objectivos de grande alcance estratégico, que são bem evidenciados e que, embora provenientes de áreas diferentes, acabam por confluir no mesmo esforço e num objectivo comum., que são a internacionalização da economia e a promoção da língua portuguesa.
Estas são também áreas fulcrais para uma política consistente relativa às comunidades portuguesas e, em geral, aos portugueses espalhados pelo mundo, quer emigrantes de longa data, quer, cada vez mais, portugueses que se deslocam por períodos mais curtos e que necessitam, principalmente estes últimos, de manter canais constantes de ligação a Portugal, seja no plano profissional, seja no plano do enquadramento pessoal e familiar, de onde emerge a necessidade de um constante domínio da língua, eventualmente renovado, e da educação dos filhos.
Não vamos entrar em qualquer incursão sobre a alteração do paradigma do serviço diplomático, mas é sempre boa altura para recordar, como já aqui foi feito, que a sua natureza se alterou, porque, evidentemente, esse já não é mais um serviço de intermediação, de mensagens e de informações é, antes, uma actividade cada vez mais relacionada com o campo da economia, e é evidente que isso enforma uma parte das orientações específicas que estão presentes neste Orçamento do Estado.
Não há país algum que, ao projectar os seus interesses, não utilize também o instrumento da língua e da cultura. Muitos não conhecerão, mas eu gostava de recordar que, nos anos 20 e 30 do século passado, os Estados Unidos investiram fortemente na difusão da língua inglesa e da sua cultura na Europa.
Estes são dois objectivos que me parecem consistentes e ligados de uma forma muito positiva e de grande alcance.
Portanto, é de saudar o cabimento que este orçamento confere à promoção da língua portuguesa.
No entanto, há um aspecto que aqui não foi focado, ou que foi focado sobre outro ponto de vista, que é o da operacionalização dos diferentes instrumentos e recursos destinados a esta área. E, nomeadamente — é uma questão que coloco —, gostava de entender melhor qual é o papel que nesse processo irá ter a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
Quero também mencionar o esforço que é feito, através do FRI, de investimentos PIDDAC quanto a um aspecto de grande interesse para as nossas comunidades, que é o de dar continuidade e consolidar a racionalização e modernização dos serviços externos. Mencione-se, a título de exemplo, a informação que é veiculada, que constitui um aspecto central, e o próprio consulado virtual, que é um sucesso.
Gostava ainda de colocar uma outra questão relacionada com uma preocupação que a Secretaria de Estado manifestou desde a sua a sua criação e que tem a ver com a emergência consular. Em boa hora, a Secretaria de Estado criou o Gabinete de Emergência Consular. Mas agora deparamo-nos com situações que poderão, eventualmente, tornar-se extremas, por isso gostava de lhe colocar uma questão muito concreta: será que, em determinadas circunstâncias extremas, os portugueses no estrangeiro poderão contar com o apoio de carácter social e jurídico, assim como com a possibilidade de repatriamento em situações, por exemplo, de incumprimento por parte dos empregadores? Tinha mais questões para colocar, mas estão a fazer-me sinal de que tenho de repartir o tempo com o meu colega, coisa que não estava prevista inicialmente, por isso termino, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
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Não só tem de repartir o tempo como o tempo que estava disponibilizado para o Partido Socialista foi excedido. Por isso, vou conceder, a título excepcional, 3 minutos ao Sr. Deputado Jacinto Serrão, repristinando o tempo que não foi utilizado na primeira ronda, para que possa, de facto, usar da palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jacinto Serrão (PS): — Sr. Presidente, a Comissão de Assuntos Europeus também analisou, como é óbvio, o Orçamento do Estado e as políticas que mais directamente nos dizem respeito. O parecer foi elaborado pelo insuspeito Sr. Deputado Luís Pais Antunes e mereceu o voto favorável do Partido Socialista, exceptuando, como é óbvio, a opinião que não é votável neste tipo de pareceres.
O Orçamento do Estado demonstra coerência relativamente às políticas e objectivos do Governo, rigor na gestão das contas, com um aumento de investimento e diminuição da despesa, havendo um conjunto de campos de acção que espelham várias preocupações que importa valorizar.
Um desses campos diz respeito à estratégia intitulada «Europa Global: competindo no mundo». Há um conjunto de preocupações por parte do Governo em relação a essas matérias, já aqui afloradas na primeira ronda, que têm a ver com as migrações e o controlo de fronteiras e com a consolidação do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça.
Gostaria também de deixar aqui, em jeito de questão, um pedido ao Sr. Ministro para que nos possa explicitar melhor qual o campo de acções e de meios para os problemas que se prendem com a ratificação do Tratado de Lisboa, tendo principalmente em conta que esta Estratégia de Lisboa já é reconhecida, não só no espaço europeu mas também por alguns Estados que não fazem parte da Europa, como sendo parte da solução para os graves problemas da crise mundial que estamos a viver. Importa, por isso, ter aqui um conjunto de medidas e de acções políticas para dar espaço a esta Estratégia de Lisboa, de forma a que ela possa concretizar os seus objectivos, tendo em conta que começa a ser reconhecida internacionalmente como um excelente instrumento para resolver problemas mundiais.
Portanto, a minha questão situa-se, precisamente, em torno destes dois temas: Estratégia de Lisboa, em que é necessário acentuar a informação em torno das questões europeias, e as questões da maior aproximação dos cidadãos à Europa, tendo em conta que são estas duas questões que foram identificadas para o «não» do referendo da Irlanda. Interessa, por isso, intensificar mais a acção política nestes campos, de maneira a podermos ratificar o Tratado de Lisboa.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Jacinto Serrão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, eu poderia até começar pelo Tratado de Lisboa, mas não sei se tenho o mesmo optimismo que o Sr. Deputado Jacinto Serrão e também não sei se o Sr. Ministro terá ou não esse optimismo. Contudo, não é essa a questão que tenho para colocar ao Sr. Ministro.
Começo por fazer uma referência muito breve às questões que foram feitas e cujos esclarecimentos da parte do Sr. Ministro agradeço. Quero dizer-lhe apenas que compreendo perfeitamente não só a sintonia mas também a resposta que dá à relação transatlântica, designadamente com os Estados Unidos. É normal que assim seja e que estejamos numa fase ainda de intenções com a nova Administração americana.
Também quero deixar duas notas em relação a duas questões que vários Deputados colocaram e que eu também coloquei. Admito que não se possa ir agora mais longe e que este, se calhar, não seja o fórum para se fazer essa discussão mais detalhada, mas quando falava na língua — e nós não temos de ter qualquer complexo com a projecção e com a consonância estratégica na defesa desses interesses, porque outros países não o têm, por muito europeus que sejam e por muitas responsabilidades europeias que tenham, basta ver o relatório, por exemplo, do Sr. Hubert Védrine, pedido pelo Presidente Sarkozy, onde a defesa dos interesses da França é permanente —, uma questão que me parece essencial, mas que poderá não ser para discutir agora, é a questão da formação das elites.
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O Sr. Ministro diz — e bem — que, por exemplo, os PALOP estão muito atrasados em termos da formação e de escolaridade, mas nessa lógica de projecção dos nossos interesses e de formação do Estado acho que a capacidade de Portugal de formação de elites nesses países não devia ser descurada e devia até ser vista como essencial. E dou-lhe, mais uma vez, o exemplo dos países que têm ou que tiveram essa vocação colonial e, por consequência, universal, como é o caso da França, da Inglaterra e até da Alemanha, que têm escolas de referência nos vários países.
Quanto à questão da diplomacia económica, acho que ainda há ainda um longo debate longo a fazer nesta área. Todos temos responsabilidades no sucesso ou no insucesso nessa matéria, mas é uma matéria onde acho que continua a haver uma lógica de «capelinhas». Lembro-me, por exemplo, de uma das grandes iniciativas anuais do turismo português — este ano será em Macau, e ainda bem —, que é o Congresso das Agências de Viagens, em que sempre se discute muito, por exemplo, se o comércio e a indústria podiam ou não estar juntos com o turismo, ou seja, se a promoção externa, se a divulgação, se o vender» E havia uma frase que nós ouvíamos sempre: «vender sapatos não é o mesmo que vender turismo ou que vender um destino turístico». Ainda há aqui muito uma lógica de «capelinha» das várias instituições.
Só aí temos duas realidades dentro da lógica da economia e, portanto, acho que esse debate sobre a estratégia da diplomacia económica e da sua eficácia é um debate que tem de ser mais concretizado.
Obviamente que não será aqui, mas concordo com as suas preocupações e com os aspectos que nos deixou.
Estas são referências em relação àquilo que já tinha sido dito. Trata-se só de duas notas para um debate que prosseguirá, mas, provavelmente, não hoje.
Uma questão que não coloquei na primeira ronda e que gostaria agora de colocar — esta, sim, nova —, ainda dentro da preocupação da tal projecção e defesa dos nossos interesses, tem a ver com o seguinte: acho que Portugal tem, hoje em dia — e isso é fruto de circunstâncias que, em alguns casos, nem sequer me enchem especialmente de alegria, como, por exemplo, aquelas que levaram a que o Presidente da Comissão Europeia seja português, que são circunstâncias que, como compreenderá, para mim não foram da maior felicidade nem de especial alegria, pelas consequências políticas que também, em alguma medida, tiveram —, pessoas em alguns postos-chave da União Europeia (o caso do Presidente da União Europeia é o exemplo mais flagrante), mas não sei se temos a capacidade de acompanhamento e de formação de quadros intermédios em questões europeias.
Basta até ter a experiência de uma vaga passagem por organizações de âmbito internacional, como é a minha, para perceber que a existência de quadros intermédios portugueses colocados nessas instituições, com especialização em questões europeias, com formação nessa mesma área, pode ser uma ajuda enormíssima para as nossas pretensões e para os nossos interesses.
Portanto, a minha preocupação é sobre esse tipo de formação, por isso quero perguntar-lhe que tipo de apoios é que o Ministério canalizará ou não para que esses quadros portugueses — alguns dos quais jovens — possam integrar essas instituições, onde Portugal, hoje em dia, tem uma palavra e até algum prestígio, porque tem representantes a um nível mais elevado com alguma relevância.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Telmo Correia.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, vou ser breve e vou referir-me a um ponto que já aqui foi abordado, até pelo Sr. Ministro, que tem a ver com a Base das Lajes.
O Sr. Ministro referiu que o interesse estratégico da Base das Lajes para os Estados Unidos é um problema daquele país, que não somos nós que definimos qual é o interesse estratégico que a Base tem para os Estados Unidos. Mas há uma questão que nos diz estritamente respeito, que é o cumprimento do acordo existente entre Portugal e os Estados Unidos relativamente à Base das Lajes, o qual está muito longe de ser cumprido do lado norte-americano.
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Ou seja, ninguém ignora — aliás, a Comissão de Negócios Estrangeiros já teve oportunidade de se debruçar sobre esse ponto nesta Legislatura, até com a presença do Embaixador Bramão Ramos — o reiterado incumprimento do acordo laboral da Base das Lajes por parte das autoridades norte-americanas. E a situação, hoje — e estamos a falar, obviamente, de muitas centenas de trabalhadores portugueses —, é que não existem mecanismos que permitam resolver um diferendo laboral que exista entre um trabalhador português ao serviço da Base das Lajes e as autoridades norte-americanas que a tutelam, na medida em que o que está previsto no acordo laboral são mecanismos de decisão sem prazos, que passam por diversas instâncias e que deixam qualquer trabalhador absolutamente desprotegido para a resolução de qualquer diferendo que lhe diga respeito.
Este problema não está resolvido. E não está resolvido um outro problema ainda mais grave, que é o de saber se, caso um trabalhador recorra para os tribunais portugueses, as autoridades norte-americanas respeitam essa decisão. Isto não está resolvido, por isso creio que valeria a pena fazer aqui esta referência.
Quando o Sr. Ministro falou da necessidade de Portugal e de os Estados Unidos se entenderem sobre o futuro quanto à utilização da Base das Lajes, creio que uma questão fundamental e que releva da soberania portuguesa sobre o nosso território é a de acertar, como se costuma dizer, preto no branco, com as autoridades norte-americanas quais são os direitos e os deveres de ambas as partes. É que temos assistido a um incumprimento, da parte norte-americana, de aspectos que estão consagrados no acordo relativo à Base das Lajes, não tendo esse incumprimento quaisquer consequências.
Nas reuniões semestrais que se realizam em Washington, creio — em todo o caso, nos Estados Unidos —, o que se verifica é que, apesar de constantes reclamações por parte dos participantes portugueses nessa comissão conjunta, as autoridades norte-americanas fazem «orelhas moucas», passe a expressão, àquilo que é dito.
Portanto, creio que, para nós, esta não é uma questão de somenos, porque havendo um acordo internacional com duas partes é suposto que ambas as partes cumpram o que está acordado. Isso, efectivamente, não tem vindo acontecer e também não temos visto da parte portuguesa um suficiente empenhamento para que isso aconteça.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está encerrada a segunda ronda de questões.
Sr. Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito sinteticamente, vou procurar responder a todas as questões.
Sr. Deputado Mário Santos David, perguntou quando é que haverá decisões sobre os países do Conselho de Cooperação do Golfo. Muito brevemente. Mandámos fazer um estudo da situação interna do Ministério, houve um diplomata que ficou responsabilizado por avaliar as condições para abertura de novas representações dos países do Conselho de Cooperação do Golfo.
A realidade interna do Conselho é complexa pelas sensibilidades entre os diferentes Estados que o compõem, designadamente pelas rivalidades tradicionais que há entre alguns Estados-membros. Portanto, pareceu-me bom, antes de tomar uma decisão, avaliar bem os diferentes interesses em presença para o Estado português e as diferentes sensibilidades que se projectam nessa região, bem como avaliar em que medida é que, abrindo nos Emirados Árabes Unidos uma representação, cujo compromisso foi assumido e que será honrado já no início do próximo ano, não teríamos que fazer mais alguns movimentos no sentido de assegurar uma representação equilibrada dos nossos interesses nesse contexto, dada a idiossincrasia da região e a necessidade de abordarmos aquela região como um todo e termos uma presença equilibrada dos nossos interesses aí. Por isso, anunciaremos a muito curto prazo qual será a nossa representação nessa região.
Estou de acordo consigo em relação a uma questão: não fiz referência à Ásia Central, mas no âmbito da avaliação que fiz do desequilíbrio que existe entre a nossa representação externa e a importação de gás e
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petróleo, o Cazaquistão é um fornecedor de petróleo a Portugal também e, de toda a região da Ásia Central, é hoje das regiões mais importantes para a Europa do ponto de vista da diversificação das suas fontes energéticas e no sentido de aliviar a excessiva dependência do mercado da Rússia e do Médio Oriente. É óbvio que também nessa região estamos totalmente — não digo sub-representados — sem representação.
Estamos representados, mas a partir de Moscovo.
Por isso, essa ç uma das regiões para as quais»
O Sr. Mário Santos David (PSD): — Às vezes, é pior a emenda que o soneto!
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: — Sim, isso também não nos ajuda muitas vezes. Mas é um facto que temos de olhar para essa região, e na avaliação que está a ser feita no Ministério de como é que a rede deve adaptar-se no futuro não enjeito a eventualidade de termos de ter também naquela região uma missão, que neste momento não existe em nenhum daqueles países.
Quanto à diplomacia económica a sua questão é pertinente.
Eu não diria que nada tem sido feito, pelo contrário. Acho que o Ministério dos Negócios Estrangeiros também não pode cair no exagero de ser excessivamente activista nesse domínio pelas sensibilidades que aí se geram, porque o Ministério, ao contrário de outros ministérios em outros países europeus, não tem tutela de nenhum sector de promoção externa, nem na área do turismo nem na área do comércio externo. Temos outros exemplos em que precisamente para pôr a máquina do ministério mais em consonância com os interesses de representação económica externa a integração de algumas dessas áreas da administração é fundamental. Mas não é essa a experiência portuguesa, não é essa a tradição e, por isso, o excessivo activismo do Ministério dos Negócios Estrangeiros na representação de interesses económicos gera, muitas vezes, mais problemas do que aqueles que resolve.
O que temos feito, isso sim, ainda que informalmente, é uma acção muito discreta de abertura de novas perspectivas de mercados em muitas regiões com as quais temos tido dificuldade de relacionamento. Não há dúvida de que a acção política e diplomática, às vezes até a relação pessoal, acaba por ser uma alavanca poderosa na abertura de novas perspectivas, de novas oportunidades e de projecção de interesses.
É o que temos feito nas principais regiões com as quais temos estado a trabalhar, designadamente na região que referi, do Golfo, da Ásia, do Cáucaso e da Ásia Central, onde temos tido oportunidade, durante a Presidência portuguesa e já depois disso, de desenvolver manobras de aproximação e de relação que não existiam, nem existem.
Com algumas regiões, designadamente no Norte de África e na América Latina, a capacidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros de gerar uma dinâmica de interesse e de abertura aos nossos interesses é fundamental, e aí a acção política e diplomática deve fazer o seu trabalho. Necessariamente, a acção interministerial mais directamente tutelar dos interesses económicos tem de fazer o seu trabalho a seguir.
Se quer que lhe diga com grande franqueza o que penso sobre essa matéria, sobre onde estão os problemas na frente diplomática externa, julgo que eles existem em dois domínios essenciais. Primeiro, no domínio da representação do Estado e da falta de coordenação efectiva entre os diferentes departamentos.
Há um trabalho de coordenação interministerial incipiente. Foi sempre assim em todos os governos, precisamente por aquilo a que o Sr. Deputado Telmo Correia chamava a «política de capelinhas», e que não ignoramos. Há uma hipersensibilidade na definição da fronteira entre os diferentes serviços. É um mal da Administração Pública portuguesa, e acredito que não é só nosso, mas é essa coutada de poder que caracteriza hoje uma parte significativa da nossa Administração que acaba por se perpetuar, muitas vezes, na penalização de interesses do Estado.
Esse problema existe e precisamos de concertar mais a acção diplomática externa. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem uma grande responsabilidade do ponto de vista da acção desse conselho para a internacionalização. Este é o problema número um.
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O problema número dois é a articulação com a representação associativa do sector exportador, onde há problemas terríveis, como sabemos. E, portanto, o mesmo problema que temos na Administração encontramolo na esfera privada, com uma dispersão de associações, uma dispersão de acções e de iniciativas avulsas que se desenvolvem. Podemos até ver presidentes de câmaras no Chile, com um conjunto de empresários do seu município, para conseguir negócios, muitas vezes até sem a embaixada ter conhecimento, porque são coisas tão voluntaristas e tão avulsas que acabam por não significar nada do ponto de vista estratégico e político.
Mas há aí um problema, e temos de trabalhar em conjunto no sentido de ultrapassar estes dois problemas, que são quase problemas culturais, seja no sector associativo seja no sector da Administração Pública.
O conselho de internacionalização é, do meu ponto de vista, um instrumento muito importante, que tem de ter uma liderança forte no sentido de identificar bem os objectivos, de definir bem prioridades estratégicas em relação a cada um dos sectores e de articular bem a parte económica com a parte da representação externa.
Podíamos, de facto, ter mais resultados na acção dos nossos diplomatas se houvesse também uma cultura induzida a partir do centro, a partir do Governo e do Ministério em particular, que obrigasse os nossos diplomatas e os nossos representantes no exterior a orientar-se para a acção, para objectivos e projectos concretos. Muitas vezes não o fazem precisamente porque há falta dessa cultura de retaguarda, de organização, de planeamento e de iniciativa.
Mas estou de acordo consigo, Sr. Deputado, em que essa é uma área que tem de ser valorizada, e cada vez mais, no que diz respeito a problemas com que nos confrontamos, de dificuldades económicas crescentes e da absoluta necessidade que o País tem de reforçar o seu potencial económico e equilibrar a sua balança de transacções correntes. Só é possível fazer isso exportando mais, conquistando mais quota de mercado, captando mais turismo e mais investimento directo estrangeiro no País, o que pressupõe uma forte dinâmica de internacionalização, uma forte dinâmica de acção diplomática e política consistente, coerente e articulada entre o sector público e o sector privado.
Quanto ao Tratado de Lisboa, estamos a acompanhar o processo de ratificação. Como sabe, não é fácil perspectivar o que se vai passar no próximo ano na Europa. Vamos ter as presidências checa e sueca, uma grande crise económica em curso, longe de se perspectivar ainda a estabilização definitiva dos mercados financeiros, e uma situação de tensão em algumas regiões e na regulação de alguns conflitos. Vamos ter um ano muito difícil, sendo que, do meu ponto de vista, as dificuldades evidenciam mais a necessidade de se «arrumar» com a questão institucional europeia, porque elas têm também mostrado as fragilidades e as vulnerabilidades do dispositivo institucional que a Europa adopta hoje na sua acção externa.
Direi, por isso, que, do ponto de vista político, há mais condições, por um lado, para se avançar mais rapidamente para o Tratado, mas poderemos ser confrontados com dificuldades inesperadas.
Estou moderadamente optimista em relação à sua execução. Sei que o governo da Irlanda está muito empenhado na sua ratificação. Eu próprio falei com o meu colega irlandês à margem da Cimeira que teve lugar há duas semanas, que me deu conta do trabalho que está a ser feito nesse domínio. Em Dezembro, haverá orientações assumidas em conjunto.
Relativamente a preparação para o Tratado, estamos a fazê-la internamente. Vamos precisar de mais diplomatas. Um concurso extraordinário de novos diplomatas está preparado para recolher o apoio do Ministério das Finanças e permitirá antever a necessidade de, eventualmente em 2010, sermos confrontados com solicitações para o serviço diplomático europeu externo. Esse é um desafio ao qual, necessariamente, não podemos deixar de fazer face, considerando que temos vindo a perder diplomatas. Temos menos 50 diplomatas do que tínhamos em 2002 e temos a ambição de ter mais representação em algumas regiões, como aquelas que identifiquei como regiões em que estamos subrepresentados.
Sr. Deputado Carlos Gonçalves, o regulamento consular está em Conselho de Ministros para aprovação, depois de ter merecido o consenso da Associação dos Diplomatas e da Associação Sindical do Pessoal Consular. Ele permitirá consolidar alguns aspectos da reforma consular que estão ainda pendentes da respectiva entrada em vigor para a sua efectiva consolidação.
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Sobre os valores que questiona em relação à ASIC e à ASEC, as fontes de financiamento são o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e as misericórdias. O Sr. Secretário de Estado diz-me que há um apoio identificado no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de 1 milhão de euros para apoio a esses projectos, mas há também apoios das misericórdias.
Não vou discutir esse valor. O Sr. Secretário de Estado está sempre disponível para vir à Comissão e para ser interpelado pelos Srs. Deputados. O que lhe digo é o seguinte: reforçando o que acabei de dizer há pouco, precisamos de olhar para esta crise a todos os níveis, não apenas para o sector público do Estado, do Governo ou das instituições, encarando-a como uma crise absolutamente excepcional, extraordinária, que exige respostas adequadas em todos os sectores e a todos os níveis. Por isso, dir-lhe-ei que, em concertação com a Secretaria de Estado e com os outros ministérios envolvidos, teremos de dar atenção a essa realidade que está presente nas suas interrogações, na sua inquietação, que é justa, na sua qualidade de Deputado que representa os círculos da emigração.
De que forma é que algumas comunidades podem ser atingidas por esta crise? Podem também ser atingidas de forma extraordinária. Por isso, temos de nos preparar para a resposta necessária a dar a essas situações. O Sr. Secretário de Estado acompanhará, com certeza, nos próximos meses, a realidade de algumas das comunidades mais afectadas pela crise e estaremos em concertação convosco a pensar nas melhores opções para fazer face a alguns desses problemas.
Os financiamentos para o recenseamento eleitoral e o movimento associativo serão assumidos pelo Fundo para as Relações Internacionais — era assim também no seu tempo. Independentemente disso, o Fundo é, naquela casa, sobretudo em relação à política de apoio às Comunidades, sempre um instrumento de gestão corrente. E faz todo o sentido que assim seja, uma vez que o Fundo é uma emanação de receita sobretudo proveniente das Comunidades e dos actos consulares e, por isso, o orçamento do Fundo é uma espécie de orçamento volante a que todos os ministros dos negócios estrangeiros e secretários de estado recorrem para fazer face às despesas mais imprevistas.
Do meu ponto de vista, não há nenhuma dificuldade — o Sr. Secretário de Estado seguramente estará de acordo, embora não queira concordar comigo publicamente — em recorrer a esse financiamento para qualquer actividade de recenseamento eleitoral e para apoio excepcional ao movimento associativo. Também era assim no seu tempo, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Não!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Não diga que não.
Sr.ª Deputada Maria Carrilho, relativamente às questões relativas à língua, há, de facto, um fio de coerência que é preciso identificar, e que a Sr.ª Deputada identificou, entre as perspectivas para a política das Comunidades, para a política de ajuda ao desenvolvimento e na própria internacionalização da economia.
Temos tido a preocupação de dar alguma coerência a esta acção neste domínio.
Sobre a operacionalização dos aspectos da política da língua, há de facto, ainda, algumas zonas de penumbra em relação à forma como o sistema se vai consolidar. O Instituto Camões (ICA) vai ser a instituição que integra todas as valências no ensino: com o apoio do Ministério da Educação, na qualificação, na gestão da rede qualificada de ensino às Comunidades, na rede de ensino do Português como língua estrangeira, no apoio à promoção do Português como língua nas organizações internacionais. O ICA vai, pois, ter uma grande responsabilidade na gestão da política da língua. A sua tutela no Ministério dos Negócios Estrangeiros está definida na própria resolução, mas há um conselho estratégico que permite a concertação com as outras áreas do Governo e, dentro do MNE, quer a vertente Comunidades, quer a vertente Ajuda ao Desenvolvimento têm de estar muito presentes, sob pena de também se perder algum do efeito de acção política que pretendemos.
Sobre a emergência consular, já respondi. Considero que estamos numa situação de excepção em termos internacionais que nos obriga a olhar para todos os instrumentos de emergência possíveis. A Secretaria de Estado e os ministérios directamente envolvidos no apoio social têm de encarar as várias opções que podem
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ser identificadas como instrumentos políticos de acção num momento excepcional em que esse apoio é necessário.
Sr. Deputado Jacinto Serrão, em relação ao Tratado de Lisboa, no essencial já lhe disse o que pensamos.
Sobre a Estratégia de Lisboa, dir-lhe-ei que vamos acompanhar a sua implementação. O Conselho Europeu de Dezembro vai abrir um debate importante, que está, aliás, em curso no Conselho de Assuntos Gerais. Já esteve latente neste Conselho Europeu extraordinário como é que a Europa responde do ponto de vista do impacto da crise financeira na crise económica e como é que a Europa coordena as políticas económicas. Como sabem, no Conselho, a divergência de doutrina, a fractura ideológica entre mais liberais e mais intervencionistas está latente e hoje há referências claras à Estratégia de Lisboa como instrumento de referência, uma vez que ele foi objecto de um consenso. Houve várias intervenções de alguns sectores do Conselho mais reactivos em relação à coordenação ou pelo menos à harmonização de políticas económicas para fazer face à crise que acabam por remeter para a Estratégia de Lisboa o instrumento de referência para a adaptação reactiva da Europa à nova realidade económica internacional e à forma como ultrapassar o impacto que a crise financeira está a provocar na economia real.
Creio, por isso, que vamos assistir a uma revalorização da Estratégia de Lisboa enquanto instrumento de referência para a afirmação da capacidade de a Europa se afirmar como pólo de competitividade na economia global e de reagir à crise. Mas isso não dispensa, necessariamente, o trabalho que é necessário continuar a acompanhar da sua adaptação às mudanças que, entretanto, estão em curso e que se acentuaram com esta crise financeira e a pressão que tem na realidade da economia mundial. É preciso dar particular atenção à forma como a Europa pode reagir a uma situação de perda em que se encontra, porque, no fim desta crise, é muito provável que a redistribuição do poder na economia mundial seja mais evidente do que é hoje e que haja pólos de economia emergente que se afirmem, se forem capazes de resistir melhor a esta crise do que resistiram a outras crises no passado.
Os indicadores que temos, designadamente em relação ao comportamento da economia asiática, vão no sentido de que ela está a reagir melhor do que reagiu a outras crises no passado e que, apesar de tudo, está a consolidar um poder que foi ganhando, sobretudo na última década, com os excedentes que foi capaz de acumular. Embora ache que o horizonte ainda não está definido para se perceber com clareza que tipo de transformações vamos ter, é provável que, aí, se imponha um desafio muito grande a Europa, que revalorize a Estratégia de Lisboa, adaptando-a às circunstâncias da economia global saída desta crise.
Sr. Deputado Telmo Correia, relativamente à língua, talvez não tenha percebido bem o que eu exprimi quando dei ênfase à prioridade que o Fundo deve dar ao apoio aos sistemas de ensino dos países de língua portuguesa. Não o disse com qualquer sentido pejorativo, disse-o como uma constatação da realidade. São países que estão num estádio de desenvolvimento dos seus sistemas de ensino que precisam de grandes investimentos, de muito apoio, e sem dúvida que o apoio à formação das elites desses países passa pelo sistema de ensino. E passa necessariamente também, como referiu, por escolas de referência. As nossas escolas, quer em Luanda, quer em Maputo, são hoje escolas de referência para os sistemas de ensino respectivos. Tem havido uma boa cooperação entre essas escolas e os ministérios da educação desses dois países no sentido de aproveitarem as sinergias possíveis com a sua actividade.
Sobre a diplomacia económica, no essencial respondi. Reconheço que há necessidade de dar mais atenção à nossa representação nas organizações internacionais. Estamos bem representados, sobrerepresentados face à quota ou à proporção do nosso peso geopolítico no sistema internacional, mas precisamos de valorizar mais. Acredito que as novas gerações estão a ser mais bem preparadas para isso, seja nas universidades, seja, desde logo, nas escolas. A universalização do acesso ao Inglês muito cedo é um instrumento que vai ter, a prazo, um impacto muito grande, porque o domínio da língua inglesa é hoje determinante para a assunção de responsabilidades maiores nas organizações internacionais. Sem dúvida que isso já acontece em relação às gerações que estão a sair hoje das universidades. Temo-lo visto pelo impacto que têm tido os programas Inov, seja na área económica, seja na área internacional, e agora também no domínio da cooperação para o desenvolvimento e nas organizações de ajuda ao desenvolvimento. Acho,
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pois, que há aí um desafio que se coloca às novas gerações que tem vindo a ser sustentado. Encontrei no Ministério uma situação bem diferente da que existia quando o deixei há alguns anos atrás: uma maior centralização das actividades de acompanhamento e de coordenação de tudo o que é concursos para organizações internacionais e de informação pública dessas candidaturas. Era um serviço que não existia, que foi criado por anteriores governos e que, do meu ponto de vista, está a dotar o Ministério de uma acção mais consequente com a importância desse objectivo.
Sr. Deputado António Filipe, estou de acordo consigo: a definição dos interesses estratégicos americanos para as Lajes não dispensa que nós não tenhamos o nosso interesse estratégico identificado em relação à Base das Lajes. Tem toda a razão. E, em particular em relação ao problema que coloca, trata-se de um problema que não podemos escamotear; ele existe, tem sido objecto de concertação. Não sei se nesta ou na próxima semana há uma nova reunião da comissão bilateral, desta vez em Washington (alterna entre Washington e Lisboa). Essa é uma questão que está no centro da agenda da reunião da Comissão Bilateral Portugal/Estados Unidos para a Base das Lajes. Está, aliás, uma proposta sobre a mesa que permitirá, eventualmente, ultrapassar o problema que temos, que se tem vindo a gerir nos últimos anos com dificuldade.
Mas estou de acordo consigo: há um problema que não devemos ignorar e temos de confrontar a Administração americana, como tem sido feito no plano político e no plano técnico da comissão bilateral, com a existência de uma situação de incumprimento, tendo também a parte americana, com alguma razão, evocado a falta de clareza dos normativos estabelecidos no acordo relativamente a essa matéria.
Trata-se, pois, de um problema que existe, que nós não ignoramos e que é objecto das concertações que estão em curso entre as Administrações portuguesa e americana.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Tratou-se de um debate muito interessante, sereno, calmo, sobretudo disciplinado, porque conseguimos cumprir as três horas que eu tinha previamente antecipado que duraria este debate.
Sr. Ministro, muito obrigado pela sua presença, pela presença do Sr. Secretário de Estado. Também agradeço a participação dos Srs. Deputados.
Está interrompida a reunião.
Eram 12 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente (Jorge Neto): — Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: — Começo por agradecer a presença do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e dos Srs. Secretários de Estado. Agradeço ainda a presença, ao meu lado, do Sr. Presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.
O tema da nossa reunião é o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que foi, como sabem, objecto de um relatório da Comissão respectiva, nos termos regimentais.
Atrevo-me a elencar, muito perfunctoriamente, os traços essenciais desse relatório.
O relatório é subscrito pelo Sr. Deputado Costa Amorim e pelo Presidente da Comissão Alberto Arons de Carvalho e sublinha, desde logo, que o plano de acção para 2009 do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social estabelece os seguintes objectivos estratégicos: primeiro, garantir as bases de um sistema público e universal de segurança social sustentável; segundo, combater a pobreza e salvaguardar a coesão social e inter-geracional; terceiro, apoiar as famílias e proteger os grupos especialmente vulneráveis como as crianças e os jovens em risco; quarto, alargar e melhorar a política de reabilitação; quinto, reforçar a qualificação dos portugueses; sexto, promover a criação de emprego e prevenir e combater o desemprego; sétimo, melhorar a adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas; oitavo, promover a igualdade das
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oportunidades, designadamente política de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres; e, nono, reforçar a eficiência administrativa do sistema de segurança social.
No que concerne ao objectivo de reforço da qualificação dos portugueses, o Governo compromete-se com a realização das medidas previstas no acordo para a reforma da formação profissional e na continuidade da concretização dos objectivos da iniciativa Novas Oportunidades, com o alargamento dos centros Novas Oportunidades (500 até 2010), tendo como meta a emissão de 165 000 certificados até 2009.
Visando a criação de emprego e a prevenção e combate ao desemprego, o Governo desenvolverá ainda programas gerais de emprego focados no estímulo ao empreendedorismo, na qualidade do emprego, no ajustamento entre oferta e procura e na procura de emprego. O Programa Inov-Jovem, que promove a inserção de jovens qualificados na vida activa, abrangerá 5000 jovens quadros.
Temos ainda respaldado no Orçamento do Estado como objectivo para 2009 a implementação do plano de acção inspectiva da Autoridade para as Condições de Trabalho, que visará o combate ao trabalho não declarado e ao desenvolvimento irregular de flexibilidades nas relações de trabalho.
No âmbito das políticas de promoção da igualdade de oportunidades, será ainda desenvolvido, em 2009, o III Plano Nacional para a Igualdade.
É ainda apontado um programa integrado de melhoria de atendimento nos serviços de segurança social, reformulando os canais de atendimento ao cidadão, com o início do funcionamento do contact center da segurança social (com previsão de 3,8 milhões de atendimento por ano).
No que ao Orçamento do Estado diz respeito, em sentido estrito, releva, para efeitos desta discussão (estamos em sede de discussão do Orçamento do Estado na especialidade), o seguinte: o valor de 7907,4 milhões de euros, que é o valor previsto da despesa total consolidada para 2009, beneficiando o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de um aumento de 7,9% face à estimativa de execução de 7329,2 milhões de euros no presente ano de 2008.
O aumento mais significativo é o de 9,9% na rubrica referente ao subsector serviços e fundos autónomos e é justificado no relatório do Orçamento do Estado pelo reflexo do reforço das políticas de emprego e formação profissional no orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional e pelo aumento da despesa relativa ao Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu.
No que concerne ao orçamento da segurança social, cujo debate já fizemos aqui com alguma profundidade, mas que está no âmbito do orçamento lato sensu do Ministério do Trabalho, há que referir que se trata da fatia nuclear do orçamento do Ministério, representando, em termos de transferência de Orçamento do Estado mais IVA, qualquer coisa como 7547,46 milhões de euros, ou seja, um aumento de 7,3% relativamente ao ano de 2008, ascendendo as demais contribuições a 13 865,93 milhões de euros.
Vale isto para dizer que o orçamento do Ministério do Trabalho, muito por força do orçamento da segurança social, é nada mais nada menos do que o segundo em termos sectoriais no Orçamento Geral do Estado. O primeiro é o orçamento do Ministério da Saúde, como sabem, com o valor de 8500 milhões de euros, 11% da despesa total da administração central do estado, 5,1% do PIB; o segundo é o orçamento do Ministério do Trabalho, muito por força do orçamento da segurança social; a uma certa distância vem o orçamento do Ministério da Educação, com cerca de 5 mil milhões de euros de despesa respaldada no Orçamento Geral do Estado. Isto é importante para percebermos a ordem de grandeza das coisas e o reflexo que efectivamente o orçamento do Ministério do Trabalho tem no Orçamento Geral do Estado.
Ainda no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, importa relevar que o orçamento da segurança social regista uma evolução positiva desde 2007, prevendo-se para 2009 um saldo positivo de 1554,77 milhões de euros. Este é um objectivo crucial, tendo em conta a necessidade da sustentabilidade da segurança social nos tempos vindouros. Este valor é naturalmente importante em termos orçamentais e não pode deixar de merecer nota positiva da parte dos Srs. Deputados e da Comissão de Orçamento e Finanças.
Esta foi uma apresentação muito perfunctória, elencando, de facto, os traços mais significativos do relatório da Comissão de Trabalho. Aqui chegado, é o momento de dar a palavra a quem de direito, ao Sr. Ministro do
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Trabalho e da Solidariedade Social, para fazer, com mais detalhe e mais profundidade, uma apresentação das linhas gerais que enformam o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para 2009.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (Vieira da Silva): — Sr. Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr. Presidente da Comissão de Trabalho, Sr.as e Srs. Deputados: Como disse o Sr.
Presidente, em grande medida um primeiro debate sobre o Orçamento para 2009 nas áreas da responsabilidade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social foi já aqui, nesta sala, levado a cabo, aquando do debate na generalidade, em virtude de uma parte substancial do orçamento do Ministério corresponder — e quando não corresponde, tem estreitas ligações — ao orçamento da segurança social. No debate que teve lugar há umas semanas atrás foi possível também abranger muitos outros aspectos que não têm uma incidência imediata no orçamento da segurança social. É, pois, um debate de aprofundamento que iremos aqui desenvolver nas próximas horas.
Por isso mesmo, talvez pudesse utilizar de forma sóbria o tempo que está disponível e chamar a atenção apenas para os principais pontos que, numa óptica de execução das políticas e numa óptica de execução orçamental, formatam o orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
Como sabem, e peço desculpa por me repetir, o Ministério tem um conjunto diversificado de áreas de intervenção. Hoje, vou começar por destacar aquelas que têm a ver com as políticas de emprego e formação.
Estas verbas são significativamente influenciadas pela execução do Programa Operacional do Potencial Humano (POPH), que é coordenado pelo Ministério do Trabalho, apesar de ser um programa que integra todas as áreas apoiadas pelo Fundo Social Europeu. Portanto, este é um factor muito relevante para o desenvolvimento das políticas de emprego e formação.
Chamo a atenção para o facto de o aumento das transferências para emprego e formação e para apoios ao emprego se situar, para o ano de 2009, em 4,5%, depois de um acréscimo muito substancial realizado em 2008, que correspondeu ao primeiro ano de execução desenvolvida do QREN nas áreas apoiadas pelo Fundo Social Europeu.
No entanto, para além deste crescimento, que julgo que não necessita de grande justificação dado o carácter estratégico desta área, destaco dois grandes domínios de intervenção neste plano das políticas de emprego e formação. Um que tem a ver com os incentivos à contratação e com a revisão das políticas de emprego, com uma previsão de mais 40% de abrangidos e um investimento da ordem dos 150 milhões de euros (estamos a falar, fundamentalmente, de despesa fiscal e contributiva), com destaque para um novo incentivo à conversão em contratos de trabalho de relações precárias de trabalho, para além dos incentivos fiscais da ordem dos 74 milhões de euros que se enquadram também nas políticas de apoio ao emprego.
Há aqui uma linha de intervenção que é já tradicional, que tem a ver com as políticas de isenção para o apoio à contratação, e uma outra que tem a ver com as políticas activas de emprego, em particular no domínio da formação, em que a previsão que suporta os dados orçamentais tem um conjunto de elementos estruturantes. Em primeiro lugar, um reforço em 15% do número de abrangidos pelas políticas activas de emprego — aproximar-nos-emos do meio milhão de beneficiários destas políticas activas. Destaco, pelo seu carácter, a meu ver, estratégico, o reforço previsto do sistema de aprendizagem que, como sabem, é um sistema de formação inicial da responsabilidade do Ministério do Trabalho, que prevê abranger mais 32%, ou seja, mais 6000 abrangidos neste sistema de formação em alternância, cujas vantagens são muito conhecidas do ponto de vista da empregabilidade dos jovens.
Também (não tendo eu tempo para desenvolver este ponto) o orçamento do Ministério do Trabalho nesta área dá um destaque significativo à execução do programa Novas Oportunidades, com o objectivo, já foi citado pelo Sr. Presidente, de atingir, em 2009, 165 000 certificados. Como sabem, este programa é um programa de responsabilidade conjunta do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho, sendo que uma das instituições que tem uma responsabilidade significativa do lado do sector público é o Instituto do Emprego e Formação Profissional, havendo, para além disso, os centros Novas Oportunidades da responsabilidade do
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Ministério da Educação e muitos outros que são tutelados conjuntamente pelos dois Ministérios, porque são de iniciativa de organizações da sociedade civil.
Também um outro aspecto muito importante é o aumento da dotação dos centros protocolares. Fizemos uma opção de reforçar, de forma significativa, em 38% as dotações orçamentais para os centros de formação profissional geridos em pareceria entre o Estado e as associações empresariais ou sindicais, bem como de reforçar a medida de formação-acção para as pequenas e médias empresas, onde se prevê abranger 4500 empresas, e uma dotação orçamental de 100 milhões de euros.
Ainda nas áreas do emprego e do trabalho, concretamente agora na vertente do trabalho, e referindo-me muito brevemente às dotações orçamentais, este Orçamento prevê um crescimento das verbas atribuídas à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) de 6,3%. Portanto, é um crescimento claramente acima da inflação e que, a nosso ver, irá permitir o reforço das acções de fiscalização em mais de 7%, sendo esta uma das prioridades para o ano de 2009 das políticas do Ministério.
No domínio das políticas sociais, gostaria aqui de destacar o objectivo de completar a cobertura do País por comissões de protecção de crianças e jovens na área das crianças e jovens em risco com mais 21 comissões e com um acréscimo de 12% do orçamento do Ministério para esta área e a generalização a todas as instituições de acolhimento de crianças e jovens do programa Desafios Oportunidades e Mudanças, que é um programa de reforço da capacitação técnica destas instituições que será completado durante o ano de 2009.
O tempo escasseia, mas gostava de referir uma outra área da responsabilidade do Ministério, que é a área das políticas de deficiência. Gostava de chamar a vossa atenção para o facto de estar inscrita nas prioridades políticas do Governo para esta área a revisão do sistema de prestações sociais para as pessoas com deficiência ou incapacidade, na linha do que já fizemos aquando da reforma do sistema de segurança social, mas também um reforço da qualificação das instituições das organizações não governamentais desta área e as políticas de incentivo fiscal que prevêem um acréscimo da despesa fiscal em cerca de 30 milhões de euros para esta área.
Falámos já aqui de forma desenvolvida dos apoios às famílias constantes do orçamento do Ministério concretamente incluídas na área do orçamento da segurança social, mas na sua esmagadora maioria, para não dizer na sua totalidade, da responsabilidade de transferências do Orçamento do Estado. As várias dimensões, nomeadamente as políticas de apoio à família, têm uma tradução orçamental que ronda um crescimento de 15,3% para 2009 e desagrega-se nas várias áreas das majorações do abono de família, da criação de novas responsabilidades nesta área e o apoio às famílias mais numerosas.
Apesar de o tempo ser curto para as diferentes áreas, gostaria também de destacar no orçamento da segurança social, ainda no domínio social, o reforço de 77% — o qual já tivemos oportunidade de debater há algumas semanas atrás — do orçamento para o complemento solidário para idosos, com uma dotação de cerca de 200 milhões de euros para 2009 e também de uma política de rigor do ponto de vista das despesas de administração do sistema, que também foi um ponto que já debatemos, quer no conjunto do Ministério do Trabalho, como acrescenta um crescimento de 0% com despesas com pessoal nos serviços de administração central e um crescimento de 2,6% da despesa com pessoal no sistema de segurança social.
Finalmente, como já me estou a aproximar do tempo que me foi atribuído, gostaria de referir as opções tomadas no domínio das políticas de sustentabilidade da protecção social que estão em desenvolvimento, nomeadamente aquelas que correspondem à revisão do código contributivo que será apresentado ainda este ano para debate e, espero, para aprovação, bem como o que já foi destacado no debate anterior, que corresponde à possibilidade de, pela primeira vez em vários anos, cabimentar dois pontos percentuais da quotização dos trabalhadores por conta de outrem para reforço do Fundo de Estabilização da Segurança Social no montante de 783,6 milhões de euros.
Esta é uma medida possível em virtude do desenvolvimento do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social e que, neste ponto como em muitos outros, corresponde a um cumprimento rigoroso da Lei de Bases da Segurança Social, nomeadamente em termos da adequação selectiva das fontes de
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financiamento das despesas de protecção social, garantindo que são as transferências do Orçamento do Estado que cobrem todas as despesas não contributivas da protecção social no nosso país.
Estes são alguns dos pontos de um orçamento muito amplo, como se sabe, mas estou certo de que, na sequência das questões que vão ser colocadas pelas Sr.as e pelos Srs. Deputados das diversas bancadas parlamentares, teremos oportunidade de aprofundar muitos mais pontos do que aqueles que agora apenas aflorei.
Muito obrigado, Sr. Presidente. Ultrapassei num minuto o tempo de que dispunha.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social. V. Ex.ª foi muito cauto e prudente no tempo utilizado. Como é norma nesta Comissão, o tempo atribuído para a exposição inicial é de 10 a 15 minutos. O Sr. Ministro falou durante 11 minutos, pelo que o felicito pela sua disciplina.
Vamos, então, dar início ao nosso debate.
Vou apenas explicar aos Srs. Deputados o modus operandi da Comissão de Orçamento e Finanças nestas audições, que tem sido e vai continuar a ser o seguinte: são atribuídos 10 minutos a cada grupo parlamentar numa primeira ronda — as perguntas são agrupadas em bloco e o Sr. Ministro, depois, responderá de uma só vez — e numa segunda ronda serão atribuídos 5 minutos a cada grupo parlamentar, sendo as perguntas novamente agrupadas em conjunto, a que o Sr. Ministro responderá no final, encerrando o debate.
Vamos, então, começar a primeira ronda de perguntas pelo maior partido da oposição, o PSD.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, há uma série de questões que gostava de lhe colocar, confiando na oportunidade das suas respostas da forma como mais recentemente o Sr. Ministro nos tem habituado aquando das suas vindas à Comissão.
A primeira questão que gostava que o Sr. Ministro esclarecesse diz respeito ao BPN. Ou seja, nos últimos dias, mercê do processo de nacionalização do BPN, mercê de toda a polémica que gerou esse processo e que ainda gera, têm vindo a público notícias relativas à participação da segurança social em depósitos efectuados em contas do BPN, nomeadamente o facto de a segurança social ter retirado 200 milhões de euros em Agosto. Mais recentemente, a segurança social terá efectuado novo depósito. As notícias dos jornais não são nada tranquilizadoras e isso vê-se nos títulos que têm vindo a público.
Fundamentalmente, o que pretendíamos em relação à questão do BPN era que o Sr. Ministro, de uma forma simples e directa, nos esclarecesse qual tem sido a participação da segurança social nos depósitos efectuados no BPN, quais os seus fundamentos e intuitos.
Gostaríamos também de saber — e para nós esta questão assume alguma importância — a origem das verbas que são depositadas no BPN. É que, suponho, no Orçamento do Estado para 2008 não houve qualquer tipo de consignação, qualquer dotação orçamental para operações deste tipo. Logo, as verbas têm de sair de alguma dotação. Assim, gostava que o Sr. Ministro nos explicasse qual a origem das verbas que têm sido depositadas no Banco Português de Negócios.
Outra questão que gostaria de colocar diz respeito ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Obrigatoriamente, tenho de recordar as palavras proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro, há algum tempo atrás, num célebre comício, no distrito de Braga, em Guimarães, em que afirmou, peremptoriamente, que por uma questão de princípio o dinheiro da segurança social não era para ser jogado na bolsa, não era para servir uma economia de casino. Se não foram estas as palavras — admito que não tenham sido exactamente estas —, penso que o sentido delas é este e que não estou a desvirtuá-las.
Em relação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, gostava que o Sr. Ministro nos explicasse, perante as afirmações que o Primeiro-Ministro fez à época, qual é o ponto da situação. Em que ficamos? É que ou o Sr. Ministro não cumpre as directivas do Sr. Primeiro-Ministro ou o Sr. Primeiro-Ministro ignora aquilo que respeita à utilização de uma verba considerável do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para ser capitalizada e, mais concretamente, para ser aplicada em bolsa.
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Em relação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, gostava, pois, que o Sr. Ministro, de uma vez por todas, nos explicasse a questão de princípio.
Há também alguns aspectos relacionados com o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social em relação aos quais V. Ex.ª, enquanto Ministro do Trabalho, tem tido alguns amargos pessoais políticos. É que o Código do Trabalho surgiu como a opinião pública se apercebeu e como todos aqui percebemos nesta Casa. Foi curioso comparar as afirmações que o Sr. Ministro produziu enquanto Deputado, em 2003, a propósito do Código do Trabalho que foi aprovado na altura pelo anterior governo com as posições que o Sr.
Ministro assumiu agora com esta proposta que defendeu e foi aprovada.
Também foi curioso perceber, aquando da reforma da segurança social, que o Sr. Ministro, de uma forma hábil, presumo, utilizou a figura da privatização para descrever e caracterizar a proposta que o PSD apresentou. O Sr. Ministro repetiu nos jornais, na Assembleia, sempre a epígrafe «a privatização», ou seja, que o PSD queria privatizar a segurança social.
É igualmente curioso verificar que, afinal, há uma verba considerável do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, cerca de 20%, a que corresponderão 600 milhões de euros. É uma questão que o Sr.
Ministro também devia esclarecer porque já foi interpelado aqui várias vezes pelo Grupo Parlamentar do PSD e por outros grupos parlamentares e nunca esclareceu cabalmente qual é o valor que está a ser operacionalizado em bolsa.
Mas, como referia, na reforma da segurança social o Sr. Ministro inviabilizou a proposta do PSD dizendo que çramos liberais e que queríamos privatizar a segurança social, um crime de lesa pátria!» Afinal, verificase que o Sr. Ministro utiliza parte do fundo de estabilização financeira para ser capitalizado ou, nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro, para ser julgado em bolsa.
Sr. Ministro, o que pretendemos saber é o seguinte: como está essa parte (os 20% que correspondem a 600 milhões) do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que «está a ser jogada em bolsa», nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro? Qual é a rentabilidade dessa parte considerável do fundo de estabilização, tendo em atenção, inclusive, que o relatório do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social afirma que a forma como está a ser utilizada essa parte do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social entre Janeiro e Setembro deste ano já fez com que perdesse 250 milhões de euros? Sr. Ministro, isto é verdade? É mentira? Explique-nos lá como é que está a reagir este Fundo.
Também gostava que o Sr. Ministro nos explicasse a questão da gestão do Fundo. É que, tanto quanto sabemos, e julgo ser assim, o Fundo está entregue a entidades privadas. Certamente, o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social supervisiona, dará indicações, mas o fundo está entregue a entidades privadas. Se assim não é, tem aqui oportunidade para esclarecer e para o negar; se assim é, tem aqui também a oportunidade para o confirmar e, mais do que isso, para nos explicar qual foi o processo de escolha dessas entidades privadas, como foi o procedimento administrativo para escolher essas entidades privadas e quem são essas entidades privadas.
Julgo que, desta forma, estou a contribuir para o Sr. Ministro esclarecer, de uma vez por todas, esta questão, que já anda nesta Casa nos últimos dois meses sem que tenha sido esclarecida.
Gostaria também de colocar uma questão que diz respeito ao meu distrito, o distrito do Porto — o distrito do Porto tem sido o mais flagelado pelo desemprego, logo seguido pelo distrito de Braga —, e sobre a necessidade, ou não, de o distrito do Porto beneficiar de medidas activas de promoção e de emprego neste período tão difícil.
O governo anterior aprovou na altura um programa especial para o distrito do Porto de promoção de medidas activas, o PROPEP (Programa de Promoção do Emprego no Distrito do Porto), programa que os senhores herdaram quando assumiram funções e que abandonaram completamente, abandonando também o distrito de Porto.
Foram permitindo a execução das candidaturas, que já vinha de trás, por forma a serem finalizadas, e acabaram por deixar caducar o programa.
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Para meu espanto, no anterior fim-de-semana (não este último mas o anterior), o Partido Socialista organizou o Congresso da Federação Distrital do Porto do PS. E, nesse Congresso, verifiquei que o mais alto responsável do Partido Socialista do Porto afirmou, na sessão de encerramento, que, durante o ano 2009, o Governo iria promover um novo programa, com medidas activas de promoção do emprego, para o distrito do Porto.
Ora, se estava em vigor um programa especial para o distrito do Porto, que teve resultados e que, eventualmente, poderia ser melhorado, se assim fosse entendido, mas que os senhores abandonaram e deixaram caducar, pergunto: tendo em conta as baixas taxas de crescimento do desemprego previstas pelos senhores, qual o motivo para, agora, apresentarem um programa especial para o distrito do Porto? Sr. Ministro, assim, gostava que nos esclarecesse sobre a dotação orçamental, os objectivos, o que pretende» Recordo que o Sr. Secretário de Estado estava presente naquela sessão partidária. Devo dizer que também fiquei admirado por uma eventual medida deste tipo ser anunciada numa sessão partidária, pois, a meu ver, o seu anúncio competia ao Governo. No entanto, como vi que o Sr. Secretário de Estado estava presente, julgo que é um anúncio com algum fundamento. Neste sentido, gostava que nos esclarecesse sobre este programa, a que é que diz respeito e quando irá entrar em vigor.
Tenho pouco tempo disponível, mas ainda vou abordar mais dois temas de forma muito rápida.
O primeiro diz respeito ao complemento solidário para idosos, que começou em 2005, de forma muito burocratizada, com uma execução muito baixa, numa altura em que nem sequer havia impressos para as pessoas apresentarem as respectivas candidaturas, questão que o Governo depois corrigiu.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não havia impressos?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Ministro, em 2005, quando surgiu o programa, os centros distritais da segurança social não tinham impressos para as candidaturas, situação que os senhores depois corrigiram, e bem.
Mas, de facto, os senhores têm gerido este programa de forma política, claramente política, porque o programa começou com um alto nível de burocracia, com elevados requisitos de acesso para os idosos ao longo dos anos 2006, 2007, 2008 e em finais de 2008, princípios de 2009, fizeram um reforço de verba da ordem de 70% (200 milhões de euros) e verificamos que desburocratizaram o programa, que alargaram as condições de acesso e que baixaram a idade dos idosos para a respectiva candidatura.
Sr. Ministro, acho intolerável esta atitude, porque consubstancia claramente uma planificação eleitoralista do complemento solidário para idosos. Em 2009, ano em que há eleições, os senhores reforçam em 70% a verba do complemento solidário para idosos, simplificam tudo e permitem a um maior número de idosos o acesso a este complemento, o que não fizeram em 2005, 2006 ou 2007, esperaram por 2008/2009 para o fazer.
Sr. Ministro, em Setembro, quando esteve na Comissão, referiu que havia 45 000 candidaturas pendentes.
O Sr. Ministro alguma vez considerou a hipótese de transferir a competência de atribuição do complemento solidário para idosos para as autarquias locais, que, numa política de proximidade, teriam condições para avaliar estas candidaturas de uma forma mais célere? Finalmente, para terminar, passo à questão dos 7,6% de taxa de desemprego prevista.
Sr. Ministro, acho que há aqui alguma falta de rigor, porque só o senhor é que acredita — se acreditar! — que esta previsão de 7,6% para a taxa de desemprego tem alguma previsibilidade de execução. Mais ninguém acredita. Aliás, tal como eu próprio, também o projecto de relatório do Conselho Económico e Social, que hoje foi conhecido, e o próprio FMI o afirmam, só o Sr. Ministro é que acredita nestes 7,6%. Assim, gostava que o Sr. Ministro nos explicasse qual é, de facto, o fundamento para a base desta previsão.
Muito obrigado, e peço desculpa pela delonga.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Miguel Santos.
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Por razões óbvias e para que não haja qualquer suspicácia de falta de imparcialidade e isenção por parte do Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças na condução dos trabalhos, vou, naturalmente, estender aos demais grupos parlamentares a condescendência que tive para com o Sr. Deputado. Portanto, vou conceder mais 3 minutos e 29 segundos a qualquer um dos outros grupos parlamentares.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Santos.
A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Sr. Presidente, tentarei não usar esses 3 minutos e cumprir rigorosamente o tempo que nos é estipulado.
Começo por dizer que se tivéssemos alguma dúvida sobre a avaliação altamente positiva do orçamento que aqui nos é apresentado o silêncio quase absoluto da bancada do PSD sobre este mesmo orçamento seria a melhor avaliação que poderíamos ter.
De facto, o Sr. Deputado Miguel Santos, sabendo que, depois desta reunião, iremos ter uma audição com o Sr. Ministro para falar do Fundo de Estabilização Financeira, veio aqui ocupar quase todo o seu tempo a falar sobre o mesmo. Isto prova que, em relação à matéria do Orçamento, pouco ou nada tem a dizer.
Quanto à questão do programa de medidas activas de política de emprego para o distrito do Porto, eu estive, por acaso, na mesma sessão em que o Sr. Deputado Miguel Santos esteve na qualidade de convidado, e quero dizer que o que foi falado e até foi divulgado em diversos órgãos da comunicação social pelo Presidente da Federação Distrital do PS/Porto, que, aliás, também é Deputado, foi que iria propor ao Governo a tomada de política activas de emprego para o distrito do Porto. Não foi dito que o Governo iria promover qualquer tipo de medidas, nem foi anunciado qualquer programa, ao contrário do que o Sr. Deputado interpretou, provavelmente, por se encontrar menos concentrado no que estava a ser dito.
Passamos à discussão do orçamento. Já aqui muito se falou sobre as principais linhas deste orçamento, nomeadamente nas que têm a ver com a consolidação da situação financeira da Segurança Social, o apoio às famílias, o combate à pobreza, as questões da reabilitação do desemprego, da igualdade, do reforço e eficiência administrativas, tudo isto traduzido em crescimentos percentuais das verbas a cada um deste itens, mas as questões que vou colocar ao Sr. Ministro são muito claras e têm a ver com a tradução prática deste orçamento.
Quanto ao apoio às famílias, se bem que as prestações sociais já foram aqui alvo de uma avaliação que tenho por suficientemente escalpelizada, eu gostaria de aprofundar as questões que têm a ver com a conciliação da vida familiar e profissional, nomeadamente naquilo que concerne ao acesso a equipamentos de apoio à família. A questão que quero colocar ao Sr. Ministro tem a ver com o Programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), mais concretamente com o crescimento da verba consignada a este Programa. Quais as metas de evolução em termos de número de vagas a criar? Quais as metas para o número de vagas em creches com horário alargado? E hoje mesmo, num jornal, tive a oportunidade de ler a abertura de um site, ao qual qualquer cidadão poderá ter acesso, naquilo que concerne às unidades de cuidados continuados, onde há uma longa lista de espera. Pergunto: qual é a previsão do número de vagas a serem criadas ainda este ano? Verifica-se também um aumento em 9,8% da receita da Segurança Social. Gostaria que o Sr. Ministro fizesse aqui uma avaliação da componente que este aumento traduz, no que tem a ver com o sucesso da política de combate à fraude e à fuga contributiva levada a cabo desde o início desta legislatura.
Uma outra nota tem a ver com a diminuição das despesas de administração e a procura de uma maior eficiência nos serviços administrativos. Pergunto: como é que isto se compagina com o aumento da fiscalização das condições de trabalho e também da fiscalização na verificação das doenças e desemprego? Quanto à protecção às crianças e jovens em risco, já aqui se falou do objectivo de alargamento da cobertura das comissões de protecção na criação de mais 21 comissões, cobrindo 99% do território.
Há coisa de dois anos foi feita uma avaliação extensíssima pela Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades e verificou-se na altura que, para além do aumento da cobertura e da criação de comissões, havia também a necessidade do fortalecimento das condições de funcionamento das comissões existentes.
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Peço ao Sr. Ministro que faça uma avaliação das metas já atingidas e que também nos dê uma indicação das metas estabelecidas para o próximo ano.
Eram estas as questões que queria colocar ao Sr. Ministro, e penso ter cumprido o tempo estipulado, deixando bastante tempo, que poderá reverter a favor do Governo aquando das respostas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, também tentarei não usar os 3 minutos adicionais, mas duvido muito que consiga.
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, fiquei surpreendido com o facto de receber uma segunda convocatória desta reunião, dividindo-a em duas partes, sendo a primeira parte destinada à apreciação do Orçamento e a segunda ao Fundo de Estabilização Financeira, mas, obviamente, respeitarei essa regra. Por isso mesmo, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe três questões muito focadas para as quais também peço, se for possível, uma resposta muito directa e muito focada.
Estamos perante um cenário de crise nacional e, provavelmente, dos quatro Orçamentos que o Partido Socialista apresentou, este é aquele que é feito num cenário de maior incerteza e de mais profunda crise económica e também social. E, obviamente, o que se espera de um Governo nesta altura é que seja capaz, por um lado, de estimular a economia e, por outro, de apoiar socialmente os mais desfavorecidos, os mais carenciados e aqueles que têm, por um motivo ou outro, ficado para trás e não conseguem acompanhar o grosso da sociedade.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, perante as dificuldades que neste momento o país atravessa, as taxas de desemprego que são das mais altas que temos tido nos últimos 30 anos (estamos com taxas de desemprego, se quisermos ver a sua dimensão, da ordem de 7,6% e, em alguns casos, já chegaram mesmo a 8%), se olharmos para os últimos 20 ou 25 anos temos uma enorme incerteza sobre o futuro. Aliás, é muito curioso verificar, por exemplo, que o parecer do Conselho Económico e Social, que tivemos oportunidade de debater nesta mesma Comissão há poucos dias, alertava muito para os números do desemprego inscritos no Orçamento, porque, no entender do Conselho Económico e Social, esses números poderiam ser um pouco irrealistas.
Sr. Ministro, pergunto: neste momento, está ou não disponível para olhar de forma um pouco diferente para o subsídio de desemprego e perceber que há hoje situações de enorme desespero social em algumas famílias que se vêem confrontadas com o facto de os dois membros do agregado familiar, marido e mulher, os dois companheiros do agregado familiar, estarem ao mesmo tempo em situação de desemprego? Está ou não disponível para, nestes casos, fazer uma majoração dos seus subsídios de desemprego, permitindo que estas pessoas tenham de alguma forma uma ferramenta, entre aspas, que melhor possa responder à enorme situação de carência social em que se encontram? Ainda no âmbito do subsídio de desemprego, há, infelizmente, cada vez mais períodos mais longos de permanência do mesmo beneficiário no subsídio de desemprego, passando, muitas vezes, algumas pessoas do subsídio do desemprego para o subsídio social de desemprego. Pergunto: o Governo está ou não disponível para, excepcionalmente, no ano de 2009, fazer uma majoração dos prazos do subsídio de desemprego, permitindo que estas mesmas pessoas possam beneficiar durante mais algum tempo de um apoio do Estado e não se vejam de repente sem quaisquer apoios? Sr. Ministro, passo às pensões mínimas, tema de que já falei aqui várias vezes. A verdade é que, desde 2005 até hoje — refiro-me aos aumentos das pensões feitas pelo Governo do Partido Socialista —, os beneficiários da pensão mínima perderam 0,5% do seu poder de compra. Porquê? Se somarmos todos os aumentos de pensões e a inflação, verificamos que estas pessoas perderam realmente poder de compra.
Estamos a falar da pensão mínima, que, hoje, ç de 236 €/mês. Com o aumento do ano que vem, de 2,9% (já ç possível estimá-lo nesta altura), esta pensão passa para 242 €/mês. Não sabemos qual irá ser a inflação do próximo ano, a estimativa do Governo é de 2,5%, mas não sabemos se, em 2009, essa estimativa é realizável
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ou não. Só para termos um termo de comparação, lembro que, para 2008, o Governo previa uma taxa de inflação de 2,1%, mas ela chegou quase aos 3%. Portanto, houve uma grande diferença para mais entre a taxa de inflação prevista e a taxa de inflação real.
Podemos estar à beira de ver os beneficiários da pensão mínima a perderem, mais uma vez, poder de compra, ao contrário do que o Governo anunciava com a nova fórmula de cálculo, segundo a qual o aumento do valor das pensões mínimas seria pelo menos igual à do valor da inflação.
Sr. Ministro: está ou não disponível para fazer um aumento extraordinário das pensões mínimas — e já agora também das pensões de sobrevivência e das do regime dos rurais —, retirando o gasto excessivo, o que é possível retirar do rendimento social de inserção, que são os casos de abuso que têm vindo a ser detectados? O Governo está ou não disponível para retirar cerca de 100 milhões de euros ao rendimento social de inserção? Relembro que, entre o que estava previsto para 2008 e para 2009, há um crescimento desta prestação em 16%. Há 16% a mais na verba do rendimento social de inserção! Está ou não o Governo disponível para fazer uma avaliação rigorosa do rendimento social de inserção, como muitas vezes as finanças fazem às empresas e aos contribuintes em falta, restringindo o que é abuso, o que é excesso do rendimento social de inserção, para, com esse dinheiro, fazer um aumento extraordinário das pensões mínimas que permita a estas pessoas terem melhores condições de vida e dar-lhes um aumento real no seu poder de compra? Sr. Ministro, terceira e última questão, no dia 30 de Outubro de 2008, o Governo publicou um decreto-lei (que foi aprovado em Conselho de Ministro, mas cujo texto ainda não conhecemos) que altera as regras relativas à atribuição do abono de família aos trabalhadores independentes. Ainda não conheço o texto, mas penso que vem na senda de uma reclamação, com mais de um ano, feita pelo CDS sobre uma verdadeira injustiça social levada a cabo pelo Governo do Partido Socialista. Esta injustiça social é muito fácil de explicar.
Há cerca de um ano, o Governo do Partido Socialista passou a considerar como rendimento dos trabalhadores independentes todo o seu volume de negócios. Isto quer dizer que alguém que tenha uma pequena empresa ou uma loja aberta, de repente, todo o seu volume de negócios passa a lucro, como se esta pessoa não tivesse de pagar salários, água, luz, gás, electricidade e as mercadorias. O Governo alterou esta regra e, agora, para fazer a contabilidade do seu rendimento passará a existir uma regra diferente, mediante a qual, no caso dos serviços, só 70% do volume de negócios é que contará e, no caso da venda de mercadorias, só 20% do volume de negócios é que contará. Espero que isto venha, de uma vez por todas, resolver a situação, porque era uma flagrante injustiça, tal como o CDS-PP anunciou há muito tempo a esta parte.
Porém, há uma questão que fica por resolver: estas pessoas, ao longo de 2007, mas, acima de tudo, de 2008, foram sistematicamente penalizadas e perderam direito a uma prestação, à qual, do ponto de vista das regras do Estado social, deveriam poder aceder.
Pergunto: o Sr. Ministro está ou não disponível para inserir uma norma no Orçamento que permita a estas pessoas recuperarem, com retroactivos, os abonos de família perdidos? Estas pessoas, sem terem culpa alguma, sem terem feito nada por isso, de repente, viram-se confrontadas com uma situação em que perderam o abono de família e perderam, em muitos casos, um rendimento muito importante para o seu agregado familiar.
Está ou não o Governo do Partido Socialista disponível para corrigir esta situação e inscrever no Orçamento para 2009 uma verba para pagar retroactivos a estes portugueses que trabalham, que criam riqueza, que pagam os seus impostos e que, de repente, se viram confrontados com uma situação de enorme injustiça por parte do Partido Socialista?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, fizemos um requerimento ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social a solicitar dados sobre os reformados, repartidos por escalões de valores
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de pensões, e recebemos uma resposta e são precisamente esses dados que vou utilizar para colocar uma questão ao Sr. Ministro.
De acordo com os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, em 2007, cerca de 80% dos reformados do regime geral recebiam pensões inferiores a 403 € — por exemplo, 60% tinha pensões compreendidas entre os 250 € e os 283 €. Se juntarmos a estes os beneficiários das pensões social e rural chegamos à conclusão de que cerca de 85% dos reformados estão a receber pensões inferiores ao salário mínimo nacional.
Portanto, a conclusão que se tira com a comparação destes dados com os que foram divulgados aquando da elaboração dos estudos para a reforma da segurança social é a de que não se verificou uma alteração sensível nesta situação, pois a maioria dos reformados continua a receber pensões manifestamente insuficientes, para não dizer pensões de miséria.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o que é o Governo pensa da situação e como pensa alterá-la? O Sr. Ministro tem-nos dito que esta nova fórmula de cálculo de actualização das pensões vai contribuir para alterar esta situação. Estive a fazer uma análise (já aqui foi referida, mas faço-a com dados ainda mais concretos) da evolução das pensões e do índice de preços no consumidor (IPC) neste período em que este Governo está em funções (e até podemos comparar com o ano em que se começou a aplicar esta fórmula) e a conclusão a que se chega é a de que, em 2005, as pensões aumentaram, em média, 2,3% e o índice de preços no consumidor 2,3%. Em 2006, as pensões aumentaram 2,3% e o índice de preços no consumidor 3,1%.
Portanto, por decisão deste Governo, as pensões aumentaram menos do que a taxa de inflação.
Em 2007, ainda não estava em vigor esta nova fórmula de cálculo da pensão, as pensões mais baixas aumentaram 3,1%, as outras 2,6% e 2,4% e a partir de determinado montante as pensões ficaram congeladas.
Portanto, as mais baixas aumentaram 3,1% e a inflação foi de 2,5%.
Em 2008, primeiro ano em que se aplica esta nova fórmula de cálculo da pensão, de acordo com a Lei n.º 53-B/2006, as pensões aumentaram entre 2,4% e 1,7%, já para não falar daquelas pensões superiores a 12 IAS (indexante dos apoios sociais), enquanto a taxa de inflação aumentou 2,9%. Logo, a taxa de inflação foi superior a qualquer aumento verificado nas pensões, o que determinou uma redução não direi muito significativa mas importante, pois, para quem tem muito pouco, acaba por ser significativa.
Para 2009, aplicando-se a fórmula desta lei, o aumento das pensões vai variar entre 2,9%, 2,4%, 2,2% e 0%.
Partindo desta análise do concreto e não de palavras (e, como vimos, de acordo com os dados do próprio Governo, a grande maioria dos pensionistas, 81%, tem pensões inferiores a pouco mais de 400 €), pergunto ao Sr. Ministro se o Governo não estaria disponível para garantir uma pequena melhoria das pensões mais baixas, porque, enquanto o crescimento económico for inferior a 2%, essas pensões não terão qualquer melhoria, quanto muito o aumento será igual ao Índice de Preços no Consumidor, e a situação que verificámos pelo que está acontecer, com base nos dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, parece-nos insustentável.
Uma outra questão, que já aqui foi levantada, prende-se com a retirada, injustamente, durante quase dois anos, de 55 €/mês a 40 000 reformados, tendo esta injustiça sido corrigida — e bem, congratulámo-nos com isso! —, mas só produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009.
Tendo em conta que o saldo positivo que a segurança social alcançou de 1172 milhões de euros, em 2007, e de 1459 milhões de euros, em 2008, foi conseguido atravçs da espoliação de cerca de 55 €/mês a esses reformados, cujas pensões rondam os 400 €, pergunto, Sr. Ministro: o Governo não estaria tambçm disponível para corrigir totalmente a injustiça? O Governo corrige a injustiça a partir de 2009, mas aquilo que foi retirado aos reformados estima-se, de acordo com os cálculos que eu fiz, em 28 milhões de euros. Para a segurança social não é uma despesa incomportável, mas, para quem sofreu esta espoliação, é extremamente pesada.
Por isso, pergunto, mais uma vez, se o Governo, por uma questão de justiça, também não estaria disponível para resolver este problema.
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Uma outra questão prende-se com o aumento da precariedade em Portugal, e só vou analisar esta Legislatura, e com o incumprimento da lei. Peguei nos dados do INE, somei os contratos a prazo, outras formas de contrato e trabalhadores independentes, e verifiquei que, entre o 2.º trimestre de 2005 e o 2.º trimestre de 2008, portanto, em três anos, o aumento da precariedade passou de 31% (calculámos este total, comparando com o número de empregados) para 35%. Neste período, os contratos a prazo aumentam em 219 000 e os precários em 250 000, para um aumento de emprego na ordem dos 96 000. Portanto, há um aumento da precariedade.
Ouvi, e todos tivemos possibilidade de ler, as declarações do Presidente da Autoridade para as Condições do Trabalho, que foram transcritas na imprensa, e vou referir algumas com as quais gostaria de confrontar o Sr. Ministro.
O Presidente da Autoridade para as Condições do Trabalho diz que há apenas metade dos inspectores necessários para fiscalizar eficazmente o cumprimento da lei. Portanto, estamos aqui ainda aquém do número ideal para termos uma resposta extremamente eficaz. O número ideal é de 550 inspectores e parece que só têm 240 ou 244 em funções efectivas.
Eu já, por várias vezes, levantei esta questão ao Sr. Ministro e lhe pedi que nos desse dados sobre a evolução do número de inspectores de trabalho nesta Legislatura e o número actual de efectivos. Também agora pergunto se este número, que o Presidente da Autoridade para as Condições de Trabalho avançou, corresponde ou não à verdade, porque a falta de condições para fazer cumprir a lei acaba também por ser um estímulo ao incumprimento. O Sr. Ministro tem-me respondido que estão abertos concursos, mas não é esta a questão que lhe coloco. O que eu gostava de saber, no concreto — e a resposta pode ser muito breve —, é o número de inspectores que havia em 2005 e o número que há actualmente.
O Sr. Ministro fala-me em concursos, mas sabe-se que, entre a data da abertura do concurso e a data em que um inspector entra verdadeiramente em funções, medeia cerca de dois a três anos. Portanto, não é através dos concursos que se resolve esta questão.
O Sr. Ministro também referiu aqui que as prestações para deficientes iriam ser alteradas. Cerca de 65% das pessoas com deficiência em Portugal recebe menos de 800 €/mês e 27% atç têm prestações inferiores a 403 €. Portanto, qual ç a dimensão dessa alteração para uma situação que, para além daquela que colocamos em relação aos reformados, também é insustentável.
Passo a uma questão que se prende com a recente aprovação das alterações ao Código do Trabalho.
Devido ao artigo 557.º do Código do Trabalho — norma da sobrevigência —, até este momento, já caducaram, se a memória não me falha, cerca de 14 convenções colectivas da trabalho, portanto, em relação a um número elevado de trabalhadores, criou-se uma situação da vazio contratual. O Código já previa a arbitragem obrigatória, que nunca foi aplicada, pelo que esse vazio continua. Esta alteração introduzida no Código do Trabalho vai determinar também a caducidade das convenções colectivas de trabalho que têm uma cláusula de renovação, que impedia que já tivessem entrado em caducidade. Por isso, depois da entrada em vigor destas alterações, vai constatar-se um maior número de convenções que deixarão de vigorar.
Perante este vazio contratual, que a experiência passada já mostrou que o Ministério do Trabalho não tem conseguido alterar, pergunto ao Sr. Ministro que medidas é que o Governo pensa tomar para evitar que este vazio se alargue, tanto mais que quem tem experiência de contratação colectiva — e eu tenho tido experiência prática na mesa de negociações — constata que muitas vezes as entidades patronais utilizam esta cláusula da sobrevigência para, efectivamente, conseguirem alcançar objectivos que, de outra forma, não conseguem, anulando, portanto, regras contratuais que foram acordadas entre as partes.
Para finalizar, de acordo com a proposta de lei que altera o Código de Trabalho, o prazo para o trabalhador recorrer aos tribunais, no caso de despedimento, é reduzido de um ano para apenas 60 dias. Não sei se o Sr.
Ministro tem presente o Decreto-Lei n.º 34/2008, que regulamenta as custas processuais da justiça em Portugal — os encargos com a justiça, as custas são extremamente pesadas para os trabalhadores, chegando até, se eles recorrerem e tiverem de pagar essas custas, a representar várias vezes o seu salário. Ora, o trabalhador, de acordo com este Decreto-Lei, que vai entrar em vigor apenas em 1 de Janeiro de 2009, só
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estará isento se previamente recorreu a uma estrutura de resolução de litígios, ao chamado «sistema de mediação laboral», que tem um prazo para decidir de 90 dias. Como os senhores encurtam o prazo para o trabalhador recorrer ao tribunal para 60 dias, pergunto: qual vai ser a possibilidade de o trabalhador obter a isenção, uma vez que, para a obter, tem de recorrer à mediação, que tem um prazo de 90 dias, quando para recorrer aos tribunais tem 60 dias? Estas são as questões que deixo e às quais gostava que o Sr. Ministro respondesse também com objectividade.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Eugénio Rosa.
Tem, agora, a palavra — é a última intervenção desta primeira ronda — a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, estamos a discutir o Orçamento do Estado para 2009, mas gostaria de lembrar, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que este Orçamento fica, inevitavelmente, marcado pela coincidência da aprovação de um Código do Trabalho que representa, quanto a nós, um retrocesso nas leis do trabalho em Portugal.
É verdade que o Governo fez coincidir a discussão destas duas matérias — vamos lá saber porquê! —, porque, com certeza, tinha algum receio de que os portugueses e as portuguesas percebessem o que por aí vem. E o que por aí vem, em termos do Código do Trabalho, por mais que o Sr. Ministro tente aqui demonstrar que este seu orçamento tem uma tradução prática — utilizando as palavras da Sr.ª Deputada do Partido Socialista — na protecção das pessoas, é a desprotecção é total, quando, em simultaneidade com este orçamento, entrar em vigor um Código do Trabalho que privilegia as relações de trabalho precárias e desprotege as relações colectivas dos trabalhadores, e, por conseguinte, não há orçamento que tape esta grande falha.
Sr. Ministro, a propósito do orçamento, quero apresentar-lhe quatro questões.
A primeira proposta tem a ver com o subsídio de desemprego. Ninguém acredita — nem sequer sei se o Governo continua a acreditar — que o desemprego não vai subir muito mais do que aquilo que está perspectivado no Orçamento do Estado. E a verdade é que este orçamento tem para esta protecção social — subsídio de desemprego — um crescimento de apenas de 3,6%. Significa isto que vamos continuar a ter mais desemprego e menos protecção social. Aliás, esta tem sido a tónica desde que o Governo do Partido Socialista tomou posse.
Ora, se analisarmos os dados do INE, que até estão transcritos no Livro Branco das Relações Laborais, na sua pág. 37, e compararmos o número de desempregados com o número de desempregados a receber subsídio de desemprego entre o 1.º trimestre de 2005 e o 1.º trimestre de 2008 verificamos que os níveis de protecção foram sempre a descer. Em 2005, tínhamos uma protecção de 72,4%, mas, entretanto, o Governo do Partido Socialista alterou — eu bem sei que o Sr. Ministro me vai dizer que alterou com base no acordo da concertação social subscrito por todos os parceiros sociais, mas eu dir-lhe-ei: e daí?! —»
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — E daí?!»
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Não é por aí que as leis são mais justas! E esta começa a demonstrar que é uma lei injusta, que desprotege mais as pessoas, tirando, naturalmente, aquilo que é o combate à fraude, que, como qualquer combate à fraude em qualquer dimensão, não é só para os desempregados, é em todas as dimensões. Mas a verdade é que há menos pessoas a receber este subsídio. E porquê? Porque as alterações, quer em relação ao acesso, quer também, depois, em relação aos períodos de concessão, pioraram — e muito! — e penalizaram particularmente os mais jovens, e são estes que mais sofrem com a precariedade, com o trabalho temporário, com os falsos «recibos verdes» e com os contratos a termo.
Aliás, no relatório do Orçamento do Estado, bem se diz na pág. 101 que o crescimento que houve no emprego é absolutamente suportado ou significativamente suportado pelo aumento dos contratos a termo em
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10,3%, porque os contratos sem termo, o trabalho certo, este quase «só por um canudo» é que se começará a ver.
Dizia eu que esta proposta relativamente ao subsídio de desemprego deveria ser acolhida pelo Sr. Ministro, porque é numa altura em que a fragilização é maior que os sinais de protecção têm de ser também maiores. O desafio já foi feito por nós numa primeira reunião que aqui tivemos sobre o Orçamento do Estado, mantemo-lo agora e, por isso, o Bloco de Esquerda irá apresentar essa proposta.
A segunda questão tem a ver, exactamente, com os pensionistas. Também decorrente de uma alteração da Lei de Bases da Segurança Social — e o Sr. Ministro não pode dizer que não se previa que a fórmula de cálculo fosse afectar mais as pessoas —, os exemplos começaram a «chover» de todo o País, vindos de todos os lados, particularmente das regiões onde os salários são mais baixos. Chegaram imensos exemplos ao Governo dos distritos a norte, designadamente do distrito de Braga, onde o nível salarial e de pensões é muito baixo. Estes pensionistas sofreram muito com os cortes enormes, porque em pensões de 230 € ou 240 € havia cortes de 40 € e de 50 €.
O Sr. Ministro sabia bem que a alteração que produziu na Lei de Bases da Segurança Social iria dar este resultado. E tanto sabia bem que vem agora neste Orçamento do Estado — e bem! — corrigir tamanha injustiça. O que já não se percebe é por que é que a injustiça só é corrigida a partir de Janeiro de 2009. Não se percebe tal situação. É obrigação do Governo corrigir os seus erros a tempo e com justiça, e estes pensionistas merecem-no. Por isso mesmo, Sr. Ministro, o que sugerimos é que o recálculo das pensões não seja só a partir de Janeiro de 2009 mas, sim, desde a altura em que a lei começou a ser aplicada, ou seja, desde Maio.
Uma outra questão que quero colocar tem a ver com a protecção na doença. Neste momento, temos um subsídio por doença, que é atribuído por um período máximo de 1095 dias, e temos um regime de excepção, nomeadamente na protecção da tuberculose, onde a remuneração é superior e o período de espera de três dias não se verifica, sendo correcto que esta situação ocorra.
Penso que as leis têm de ser adequadas aos nossos dias e há hoje patologias que mereciam ter o mesmo regime. Como o Sr. Ministro bem sabe, na atribuição do subsídio de doença, o vínculo de profissionalidade é de quatro meses, no entanto, podem ocorrer recaídas em determinadas doenças. Quando esta situação ocorre, as pessoas ficam novamente de baixa médica, perdem esse vínculo de profissionalidade e ficam sem direito ao subsídio de doença. O que propomos é que a excepção estabelecida para a tuberculose, a discriminação positiva, se assim se quiser chamar, seja alargada a outras doenças, nomeadamente à doença inflamatória do intestino, que é uma doença que provoca muitas vezes recaídas com as quais se confrontam as pessoas.
Ainda nesta área da protecção na doença, verifica-se que um crescimento mínimo no orçamento, o que significa que ou se espera que os portugueses não fiquem doentes ou se espera uma menor protecção das pessoas. De qualquer forma, o que propomos, relativamente a uma melhor protecção noutras doenças, é que se alargue o regime jurídico já estabelecido para os doentes com esclerose múltipla aos doentes com esclerose lateral. Isto traria alguma vantagem, é uma questão de justiça e o orçamento da segurança social tem de ter tradução prática na protecção das pessoas.
O Sr. Presidente: — Para responder a este primeiro acervo de questões, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por dar algumas respostas, mas, no fim, peço aos Srs. Secretários de Estado que completem as respostas com a informação que entenderem.
Sr. Deputado Miguel Santos, o senhor colocou de início um conjunto de questões que já foram devidamente esclarecidas. Não tenho qualquer problema. O Sr. Deputado disse várias vezes «de uma vez por
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todas», e eu esclarecerei «de uma vez por todas». Só não posso garantir que o Sr. Deputado fique esclarecido «de uma vez por todas». Mas este já é um problema do Sr. Deputado, não é meu.
Estamos no debate do orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Sr. Deputado gastou 8 minutos do seu tempo a levantar questões sobre os depósitos no BPN e o Fundo de Estabilização da Segurança Social. Provavelmente, se estivesse com um pouco mais de atenção aos esclarecimentos que foram dados, não precisaria de gastar tanto tempo, a não ser que a observação atenta dos congressos e comícios do PS lhe estejam a ocupar demasiado tempo e não lhe deixem tempo disponível para colocar outras questões, talvez mais pertinentes. Mas eu esclareço-o, Sr. Deputado.
Relativamente aos depósitos da segurança social, repetindo o que já disse imensas vezes, mas digo-o outra vez, o que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social fez foi o que se chama aplicações de tesouraria e suponho que o Sr. Deputado saiba o que isto significa. Isto significa que no orçamento, que é de mais de 20 000 milhões de euros, global do sistema de segurança social existe sempre um montante significativo de várias centenas de milhões de euros, que não é uma disponibilidade a longo prazo mas de curto prazo, entre o momento da entrada das receitas e o momento do pagamento das prestações. Há sempre, como teria de existir (mal seria se assim não fosse), um «volante» de tesouraria que é aplicado na generalidade do sistema financeiro, do sistema bancário, em aplicações de curto prazo de 15, 30, 60 ou 90 dias, no máximo, em função do plano de tesouraria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, ou seja, da previsão da entrada de receitas e da previsão de saída.
O que se passou com o BPN, como com outros bancos, não foi mais do que isto e não sei de onde vem a intranquilidade do Sr. Deputado. Também não posso dar-lhe muita tranquilidade, mas posso dizer que os portugueses podem estar tranquilos, porque os depósitos são aplicações de curto prazo numa lógica de plena utilização dos recursos da segurança social, de plena rentabilização e disponibilidade em função das necessidades de pagamento das pensões, de subsídio de desemprego, etc. Esses excedentes de tesouraria são geridos, tanto no BPN como em todos os outros bancos com os quais fazemos este tipo de aplicações, em função das condições são oferecidas ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Por vezes, os montantes são mais elevados numa instituição do que noutra, depende da gestão, que é necessariamente uma gestão de curto prazo, porque não estamos a falar de saldos mas, como referi há pouco, do «volante» de tesouraria. Suponho que isto é conhecido de todas as pessoas que se relacionam com a forma de gerir os recursos de uma instituição com a dimensão financeira que tem a segurança social.
Portanto, como já disse várias vezes, não houve qualquer aplicação. Já ouvi, aqui e noutros sítios, dizer que a segurança social tinha ido «a correr» depositar dinheiro e depois tinha ido «a correr» levantar dinheiro» Não sei se a crítica foi por ter ido «a correr« depositar ou «a correr« levantar» Mas não foi «a correr« fazer uma coisa nem a outra, foram operações normais. Quando o dinheiro vence o prazo, se ele for necessário ou se, no caso de a permanência por período igual, chocar com as necessidades de tesouraria da segurança social é levantado, se assim não for ele é mantido nessa mesma aplicação ou, se houver uma aplicação melhor, numa outra e tudo isto decorre na maior das normalidades e das tranquilidades.
Portanto, o Sr. Deputado está intranquilo, mas que não tem razão alguma para estar intranquilo.
A questão do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social já foi aqui levantada várias vezes, pelo que não vou debatê-la muito, até porque temos uma reunião prevista para essa discussão após deste debate.
Sr. Deputado, eu também gostaria de dizer «de uma vez por todas», embora não tenha uma expectativa muito grande de que seja entendido «de uma vez por todas», que há uma grande diferença entre um sistema de segurança social em que as prestações correntes, uma parte significativa dele, dependem de uma capitalização, ou seja, de uma aplicação em bolsa das contribuições de quem faz parte desse sistema (e, no caso das pensões, veríamos a pensão fortemente condicionada pela evolução da tal capitalização, não necessariamente bolsista mas da capitalização do mercado financeiro) e a melhor forma de gerir um excedente público global em que a gestão é feita segundo uma legislação que foi aprovada por um governo da República e da forma mais correcta e eficaz que é possível. E a prova de que são bem geridos (e já aqui
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descrevi todos os mecanismos de controlo, todas as regras que foram fixadas nesses regulamentos) é o facto de, seja em contexto de valorização no mercado de capitais, seja em contexto de desvalorização, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social ter vindo a apresentar melhores resultados do que a maioria, para não dizer a generalidade, dos fundos idênticos.
Portanto, Sr. Deputado, a pretensa contradição entre o que disse o Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista, num comício realizado na cidade de Guimarães, e aquilo que é a opção do Governo, consubstanciada no Programa do Governo, nas leis que defende, algumas das quais contribuiu para que fossem aplicadas, não existe. Essa contradição não existe. Existe, eventualmente, na cabeça do Sr. Deputado, mas isso é apenas um fait divers político. O Sr. Deputado, à falta de outras questões para colocar acerca do orçamento, veio, mais uma vez, com essa contradição.
Sr. Deputado, ninguém põe em causa que o mercado de capitais é um instrumento importante nas economias, pois promove o desenvolvimento, capta as poupanças, etc. Porém, outra coisa é colocar uma parte das pensões da generalidade dos portugueses dependente desse mercado de capitais. E esta foi, várias vezes, ao longo dos últimos anos, a proposta que o PSD fez! Eu não sei se ainda é a mesma, mas fê-la em várias legislaturas.
Repare, o Sr. Deputado não estava ainda nesta Casa, mas o PSD chegou a fazer uma proposta, está escrita (já o disse e repito), segundo a qual os contribuintes poderiam pôr uma parte das suas contribuições num fundo privado. Se ele não der resultado, tem pelo menos garantido o que daria a pensão «pública». É a isto que se chama uma proposta ousada! É o mesmo que dizer: se ganhares, ganhas; se perderes, o Estado paga! Se alguém tem de esclarecer alguma coisa sobre esta questão é o PSD, não é o Governo! Portanto, ou o Sr. Deputado está um pouco enganado sobre os conceitos do que é a gestão privada ou, então, o Sr. Deputado está a tentar introduzir aqui uma falsidade no debate. Não há nenhuma gestão privada, já disse isto aqui várias vezes! Também já disse que — aliás, se bem me recordo, está no Programa do Governo — da parte do Governo não há qualquer rejeição a que uma parte dos fundos de estabilização possam ser colocados sob gestão de uma entidade que para tal apresente condições mais favoráveis. Mas, e também já disse várias vezes, todos os contactos que têm sido feitos ao longo dos anos têm conduzido à conclusão de que não existiu até agora (e duvido que agora exista) nenhuma instituição privada que ofereça ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social melhores condições de rentabilização daqueles fundos do que aquela que é garantida pelo Estado. Por isto mesmo não foi entregue qualquer pacote ou parcela ou mandato desse fundo a qualquer instituição privada.
Mas se o Sr. Deputado considera que, conforme a lei determina, até 25% do Fundo pode ser aplicado em papéis, em acções, em fundos de rendimento variável entregue ao sector privado, então o que tem de pôr em causa é a legislação que foi aprovada e essa legislação não foi aprovada pelo governo que o senhor apoiou. O que o governo que o senhor apoiou fez (e eu nem sequer o critico) foi passar de 20% para 25% a percentagem do Fundo que poderia ser aplicada nessas acções. É isto que o Sr. Deputado tem de criticar, não ç a gestão que segue rigorosamente esse diploma»
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Seja honesto e explique rigorosamente por que é que passou de 20% para 25%!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Deputado, não sei, porque não fiz parte desse governo. Estou a dizer que não pus em causa!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Seja honesto e explique!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Deputado, agradecia que não me interrompesse. Não sei as razões e até disse que nem sequer critico, porque se criticasse tinha proposto a
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alteração! Achei razoável os 25%, quando comparamos com outros países, onde o valor é de 40% ou 60%.
Não pus em causa, não critiquei! As razões são muitas vezes conjunturais e outras vezes estruturais. É a dimensão do Fundo, o seu crescimento (e poderíamos dizer quem contribuiu para isso) que muitas vezes justifica que se diversifique mais a carteira de aplicações. Um fundo mais pequeno tem uma lógica, um fundo maior tem outra lógica.
Como o Sr. Deputado estava a sugerir, e bem, e não tenho qualquer problema em reconhecê-lo, se bem percebi, por vezes até podem nem existir obrigações públicas em quantidade suficiente. Se bem que sempre existirá a outra parcela, que é obrigações de países terceiros. Portanto, não era obrigatório que se acrescesse em acções.
Mas eu não critico essa opção. Mas o Sr. Deputado antes de fazer esses apartes deveria pensar um pouco porque, às vezes, pode «sair o tiro pela culatra», como se costuma dizer.
Sr. Deputado Miguel Santos, não vim aqui para comentar o congresso federativo do Partido Socialista, no Porto. O que sei dizer, Sr. Deputado — e esta é a verdade —, é que, com este Governo, as políticas activas de emprego para o distrito do Porto cresceram de 75 milhões de euros, em 2005, para 88,5 milhões de euros, em 2008 — um crescimento de 17% —, bem como os activos, os trabalhadores e os beneficiários cobertos por essa acção.
Mas, mais importante do que isto, Sr. Deputado, é a verdadeira dimensão da vontade do Governo em reforçar as verbas dirigidas às políticas activas de emprego no distrito do Porto e que está expressa no Quadro Comunitário de Apoio, porque nós defendemos a competitividade entre as regiões. Aquilo que é expectável que o distrito do Porto venha a absorver dos fundos do Quadro Comunitário de Apoio — já está, aliás, a absorver, porque, ao contrário do que dizem alguns, as verbas deste programa operacional estão já a ser amplamente utilizadas pelas instituições — é superior em 140%, repito, em 140%, àquilo que foi a absorção no III Quadro Comunitário de Apoio. Se o Sr. Deputado acha que isto não é uma prioridade às políticas activas de emprego nessa área»! Ó Sr. Deputado, já discutimos, várias vezes, o complemento solidário para idosos, que, de facto, está a crescer em linha com a previsão que o Governo tinha quando lançou esta prestação. O Sr. Deputado disse — se bem percebi — que tinha sido «baixada a idade»?! Sr. Deputado, aquilo que aconteceu foi muito simples: desde o primeiro momento que consta do Programa do Governo que esta é uma prestação para cobrir, progressivamente, todo o escalão etário dos 65 até qualquer idade.
Fizemos uma aceleração não este ano, nem no ano passado, salvo erro foi em 2006, logo no final de 2006, pois o programa foi lançado em 2006 e não em 2005. Não me recordo da inexistência de documentos, deve estar a fazer confusão com qualquer outra situação.
Sr. Deputado, já aqui discutimos várias vezes a taxa de desemprego. A estimativa que o Governo apresenta no orçamento é face à evolução recente, em 2007 e em 2008, do desemprego em Portugal e reconhece uma situação mais difícil do que aquela que vivemos, em que a taxa de desemprego desceu de 8,4% para 7,3%. Esta foi a situação que vivemos, basicamente, no último ano. Ora, como se vê, a estimativa que apresentamos agora, em função da situação que vivemos, é, infelizmente, diferente da tendência que verificámos.
Quero também dar algumas notas de resposta à Sr.ª Deputada Isabel Santos, que falou de alguns programas de natureza social.
No que respeita ao programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), naquilo que está, neste momento, aprovado na sua generalidade e, em muitas áreas, já está em pleno desenvolvimento, o que se prevê é um acréscimo de 37 000 lugares nas várias valências que integram esse Programa.
Como é sabido, a prioridade foi colocada na valência creches, onde tínhamos uma grande distância ao que era recomendado pela Carta de Barcelona, e, segundo as nossas estimativas — a não ser que haja uma alteração muito radical da dinâmica demográfica, e seria bom que existisse —, aquilo que vai acontecer é, em 2009, com os investimentos que já estão em curso ou contratualizados, já termos atingido ou superado a taxa
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de 33%, que é a taxa fixada pela União Europeia. Portanto, é esta a dimensão. Ora, isto vai permitir, Sr.ª Deputada — e aproveito para deixar aqui essa nota —, que o próximo programa de investimentos em equipamentos sociais, que é o programa integrado no QREN e no POPH (Programa Operacional Potencial Humano) e que vai ser lançado ainda no decorrer do corrente ano, possa privilegiar outras duas áreas, que não já a primeira infância, nomeadamente a das pessoas com deficiência, como primeira prioridade, e da situação dos idosos, como segunda prioridade.
Sr.ª Deputada, de facto, o programa relativo aos cuidados continuados vai continuar a reforçar-se. Temos a expectativa de terminar o ano de 2008 com 4000 camas e o ano de 2009 com 7000 camas. É um programa novo, se bem que recupere muitas experiências já existentes, e julgo que aponta num sentido absolutamente estratégico relativamente às necessidades de apoio social no nosso País.
Sr.ª Deputada, permita-me que faça também uma referência à situação das comissões de protecção de crianças e jovens.
De facto, como disse, existe não apenas um reforço da cobertura que referi na minha intervenção inicial mas também um reforço significativo do funcionamento dessas comissões, obviamente sempre aquém da nossa ambição.
Se a memória não me falha, em 2006, definimos 10 medidas de reforço dessas comissões, as quais passavam, nomeadamente, pela colocação de técnicos nas mesmas, pela colocação de professores, a meio tempo, para manterem a ligação à escola, nas maiores comissões de protecção, por um reforço da formação, por um reforço da articulação entre a comissão nacional e as comissões de base concelhia ou infraconcelhia, por uma maior articulação com as políticas e com o Ministério Público. Trata-se de um conjunto de medidas que, se a memória não me falha, estão, todas elas, plenamente concretizadas, sendo que agora a nossa prioridade é muito forte e é no sentido da formação e requalificação quer nas comissões quer nas instituições de acolhimento de crianças e jovens, como tive oportunidade de referir na minha intervenção inicial.
Sobre a Autoridade para as Condições do Trabalho, julgo que tem sido visível, para qualquer observador, o reforço da intensidade e do trabalho dessa autoridade, um reforço muito significativo no que respeita às acções, em virtude da reorganização profunda que sofreu, e espero que ela seja reforçada com os novos recursos que decorrem das decisões entretanto tomadas e também das decisões que têm a ver com o acordo de concertação social obtido em torno das relações de trabalho, que fixou novas metas para esta área.
Uma das prioridades será, seguramente, com a nova legislação (entretanto, aprovada pela Assembleia da República, ainda que não esteja promulgada) sobre a presunção de laboralidade nas relações de trabalho, com este novo instrumento e com outros, nomeadamente ao nível das sanções, a de a Autoridade para as Condições do Trabalho poder ser mais eficaz na detecção e na correcção das situações ilegais de precariedade.
Se eventualmente eu não tiver respondido a alguma questão, os Srs. Secretários de Estado, se o tempo o permitir, e espero que sim, estarão disponíveis para o fazer.
Se bem me recordo, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares não esteve presente no debate do orçamento da segurança social, por razões, obviamente, muito louváveis.
Sr. Deputado, as questões que colocou são as que tem vindo a colocar e vou começar a responder pela última, que tem a ver com o abono de família.
Já lhe disse isto várias vezes, mas, se o Sr. Deputado quer que eu repita, eu repito: não houve qualquer alteração da legislação feita pelo Governo do Partido Socialista relativamente ao abono de família para os trabalhadores independentes. A lei que estava em vigor era a que estava a ser aplicada, da mesma forma como continua a ser aplicada; as orientações que os serviços do Ministério emanavam (e mesmo as decisões judiciais que conhecemos, face à legislação anterior, nomeadamente no Supremo Tribunal Administrativo) eram cumpridas desde que a legislação foi criada. Aliás, já apresentei na Assembleia os elementos da Direcção-Geral, que tem por missão definir as orientações de aplicação das políticas, salvo erro de 2004 ou 2003, que definiam claramente o que é o rendimento para efeito daquela prestação. Nós julgámos que isto deveria ser alterado, foi alterado e, a partir de agora, há uma nova legislação. Há uma nova legislação! Não
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havia uma legislação anterior que foi mudada em 2007, Sr. Deputado. Não havia! Nem sequer havia qualquer diferença de interpretação! Se o Sr. Deputado disser que há uma actuação diferente dos serviços, do ponto de vista do cruzamento da informação que era prestada pelos contribuintes, isso é verdade. Porém, não houve qualquer alteração de critérios. Vai haver, agora, quando a legislação entrar em vigor, como espero, e as informações que o Sr. Deputado fez o favor de avançar são as que vão ser criadas. Não há, a meu ver, justificação alguma para qualquer espécie de retroactividade nessa lei.
O Sr. Deputado faz, mais uma vez — já a ouvi, várias vezes, neste debate, mas isso é perfeitamente legítimo —, uma declaração que é, no mínimo, curiosa: «Por que é que o Governo não vai buscar 100 milhões ao rendimento social de inserção e os coloca nas pensões mínimas?» Ó Sr. Deputado, por que é que o Governo não faz isto?! O Sr. Deputado, que é jurista, além de ser Deputado, não sabe o que é uma lei?! A lei da República, no que toca ao rendimento social de inserção, é para ser cumprida, e nós cumprimo-la! E cumprimo-la com mais rigor do que estava a ser cumprida no passado! Se quiser, comparo consigo a taxa de fiscalização que é aplicada e o crescimento de 50% que houve nas acções de fiscalização, e não é uma fiscalização tipo «Loto», em que se mete a mão num saquinho, não sei de que cor, tira-se um número e diz-se: «Olha, agora vou fiscalizar aquele»«! Não!» É uma fiscalização com critérios, que posso indicar.
Por exemplo: às famílias que não apresentem nenhum rendimento fazemos logo uma fiscalização, porque consideramos esta situação menos provável de ser de real fragilidade social; as famílias que já tenham tido processos de avaliação e que tenham apresentado resultados menos adequados, do ponto de vista do rigor do cumprimento da lei, também são inspeccionadas. Foi com este tipo de inspecção, que se reforçou em 50%, que aplicámos o rendimento social de inserção.
O Sr. Deputado diz: «Tirem 100 milhões! Tirem 100 milhões!». A quem, Sr. Deputado?!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Ao complemento!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — É também com a lógica de meter a mão no saquinho?! Ou está a fazer uma proposta de alteração à lei?! Então, faça-a, Sr. Deputado! A alteração que o Sr. Deputado fez, do ponto de vista orçamental, não foi para reduzir a despesa, foi para aumentá-la! Sr. Deputado, no rendimento social de inserção, o que o seu governo fez foi criar majorações que só tiveram um problema: ainda não estavam pagas, mas já estavam na lei! Isto, além de terem atrasado, e de que maneira, o pagamento dessa prestação.
Portanto, Sr. Deputado, o que é que está aqui a propor?! Isto é uma questão de um orçamento de um Estado de direito! Estamos a falar de um direito social! «Peguem em 100 milhões e coloquem»« — ó Sr. Deputado, isto nem parece seu! Relativamente às pensões mínimas, o Sr. Deputado faz sempre essas contas e eu já desisti de lhe mostrar qual ç a diferença» Não vou desistir, vou mostrar-lhe outra vez qual é a diferença entre a actualização de uma prestação com base na inflação passada e uma actualização com base na estimativa da inflação.
Sr. Deputado, há mais modelos, mas, quando estabilizámos o modelo da actualização das prestações em função da inflação passada — foi o que decorreu de um acordo de concertação social, sei que isto não faz lei, mas foi o que decorreu, ou seja, optámos em conjunto por ser esta a melhor forma de garantir, no mínimo, a defesa do valor das pensões mais baixas, que são cerca de 80% ou mais, e não apenas das mínimas — foi para garantir que, qualquer que fosse a evolução da inflação num determinado ano, a prestação seria sempre corrigida quando o ano terminasse e lhe fosse aplicada a actualização.
Se alguns Srs. Deputados começam a fazer comparações com a inflação futura, podem fazê-lo, mas não é muito sério. O que é sério é ver se o Governo está ou não a aplicar a lei e a aumentar as pensões com base naquilo que a lei diz, no âmbito da qual as pensões abaixo de 1,5 do indicador IAS (indexante dos apoios
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sociais), todas elas, em qualquer conjuntura económica, ainda que a economia cresça abaixo de 2% — seja 1%, 0% ou (-)1% —, terão sempre garantido o poder de compra.
Foi isto que aconteceu, Sr. Deputado, e esta situação, além do mais, introduz um factor que, a meu ver, é de profunda moralização da vida pública neste domínio, que é o de as pensões serem actualizadas em função de uma realidade objectiva e não de vontades sujeitas aos ciclos político-económicos. É assim que se passa na generalidade dos países europeus. Por que é que, em Portugal, haveria de ser diferente?! É assim que se passa! Se discorda desta fórmula de actualização, tenha a coragem de propor outra.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Já propus!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não, não propôs!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Já propus nesta Câmara! Já propus e o PS chumbou!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Tenha a coragem de propor uma alteração à lei e explique quais são as suas consequências.
O Sr. Deputado e a sua bancada fazem, sistematicamente, a afirmação de que conhecem o valor das pensões. Já agora, Sr. Deputado, como já lhe disse várias vezes, é preciso não confundir pensões com pensionistas, porque o valor das pensões não é o valor do rendimento dos pensionistas. Há muitos milhares de pensionistas que têm mais do que uma pensão e, portanto, o valor dos seus rendimentos não é o valor das pensões. Aquelas frequências de pensões que se fazem, e que também foram feitas pela bancada do PCP, não correspondem à verdadeira situação dos pensionistas.
Mas, deixando isso de lado, Sr. Deputado, aquilo que o Governo diz é que, hoje, temos um instrumento que não existia. Quando se diz que há alguém, com mais de 65 anos, a viver com a pensão social, que não tem mais rendimentos do que a pensão social e que esta situação é injusta, concordo e, por isso mesmo, já criamos todas as condições para que esta situação não exista. Hoje, em Portugal, com a lei que temos, ninguém é obrigado a viver com o rendimento único de uma pensão social ou de uma pensão mínima do regime geral, por exemplo, de 15 anos. Porquê? Porque o complemento solidário para idosos foi criado, precisamente, para evitar esta situação, que, de facto, era de uma profunda injustiça. O Sr. Deputado tem uma outra posição e continuará a defendê-la, como continuarei a defender aquela que considero ser a forma mais eficaz de combater a pobreza nos idosos. E é por isto que já são mais de 165 000 os idosos que recebem um complemento social que lhes permite sair, efectivamente, da situação de pobreza em que viviam apenas com o valor das suas pensões ou pouco mais do que isto.
O Sr. Deputado fez, novamente, as propostas relativas ao subsídio de desemprego — e estamos sempre disponíveis para ouvir todas as propostas —, mas, devo dizer que os recursos financeiros do Estado têm sido orientados, como já demonstrei, várias vezes, nesta Casa, para o reforço das políticas sociais. As opções que o Sr. Deputado defende não são as que defendo, mas temos de conviver com isso.
O Sr. Deputado Eugénio Rosa, relativamente às pensões, coloca a mesma questão que o Sr. Deputado Pedro Mota Soares. Sinceramente, Sr. Deputado, sei que o senhor percebe, perfeitamente, a diferença entre actualizar uma prestação pela inflação passada e pela estimativa da inflação. E suponho que concordará comigo que actualizar uma prestação pela inflação passada é a garantia de que essa prestação nunca sofre diminuição do poder de compra.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não, não concordo!
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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Por isso mesmo, desde que esta lei está em vigor para a grande maioria das pensões, qualquer comparação entre a inflação passada e a evolução das pensões só pode garantir que estas não perderam poder de compra.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não, mas perdem durante o ano!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não! Se a sua proposta é a de que haja um fraccionamento do ano para actualização das prestações é livre para a fazer, mas não tem sido essa a tradição nem é a orientação razoável do ponto de vista das políticas públicas.
O que nós aprovámos foi que, ao contrário do que já aconteceu muitas vezes no passado, situações diferentes sejam tratadas de forma diferente. Uma grande maioria das pensões é enquadrada no conceito de pensão mínima, mas a situação real das pessoas não é exactamente a mesma, sendo certo que, e repito, muitos pensionistas têm mais do que uma pensão. Há várias situações possíveis, desde logo a acumulação de uma pensão social com uma pensão de sobrevivência, a acumulação de uma pensão com um subsídio por dependência, a acumulação de uma pensão no estrangeiro com uma pensão nacional. Ora, defendo o princípio de que a verdadeira igualdade não é tratar todos de forma igual mas de forma diferente aquilo que é diferente, numa lógica de justiça social reforçada.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Exactamente! Uma justiça para baixo!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O Sr. Deputado veio falar, outra vez, da questão da espoliação, como lhe chamou.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que existia uma lei que tinha duas alternativas e nós fizemos uma lei que aponta para uma fórmula de cálculo das pensões baseada na consideração da totalidade da carreira contributiva, coisa que, aliás, se bem me recordo, Sr. Deputado, e posso estar enganado, nunca foi muito simpática para essa bancada, mas, agora, o Sr. Deputado vem dizer que, quando a totalidade da carreira contributiva determina uma pensão mais alta, aí, sim, ela deve ser utilizada. E, Sr. Deputado, aquilo que fizemos foi aplicar a lei a partir deste momento, considerando que, neste momento, há condições para que isso se verifique. É tão simples quanto isto! Não há nenhuma espoliação, não há nenhum incumprimento, há apenas o reconhecimento de que podemos ter uma melhor protecção, e criámos essa melhor protecção.
Sobre a questão da precariedade, Sr. Deputado,»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Agora, vai dizer que não há!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Esses seus comentários são dispensáveis, Sr. Deputado, mas faça favor.
Ninguém nega que existe um elevado nível de precariedade no nosso País. A mim, preocupa-me principalmente a precariedade ilegal. O Sr. Deputado gosta de dizer esses grandes números e soma tudo! Soma os trabalhadores independentes da agricultura, soma os agricultores, que são, naturalmente, trabalhadores independentes, porque é essa a sua opção, soma os independentes que o são porque entendem, soma os contratos a prazo, os legais e aqueles que possam ser menos legais, enfim, soma tudo, obtém um número e aí está a precariedade. Não é bem assim, Sr. Deputado!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Ah! Não é?!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — A realidade não é bem essa, Sr. Deputado! De qualquer forma, é uma realidade que cresceu e por isso é que tomámos as decisões que tomámos relativamente ao combate à precariedade. O senhor não concorda com elas, prefere outras.
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O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Quantos são os inspectores?!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Já lá chego, Sr. Deputado! Tenha calma, porque ainda tenho alguns minutos.
O Sr. Deputado teve um lapso momentâneo, que foi o de reconhecer que, em 2005, a precariedade se situava em 31%.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — E agora é de 35%!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Ao ouvi-lo, até parece que a precariedade foi uma coisa que apareceu agora, criada pelo Governo do Partido Socialista, de um momento para o outro. Não! A precariedade ç algo que nos acompanha desde há muito tempo,»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Mas agora aumentou!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — » atç, porventura, desde o tempo em que vigoravam algumas leis que os senhores, agora, gostariam de ver repostas.
Portanto, trata-se de um problema complexo, temos a nossa forma de o contrariar, que não é a sua, mas, mais uma vez, cada um defende as suas fórmulas.
Acerca da Autoridade para as Condições do Trabalho, temos, neste momento — são dados de 10 de Novembro —, 267 inspectores, ou seja, um pouco mais, ligeiramente mais, mais 1 inspector do que havia em 2005. Mas, como sabe, porque esse tema já foi aqui muito glosado, está a decorrer, em fase terminal, o concurso para admissão de 100 novos inspectores. O Sr. Deputado diz-me assim: «Ah! Mas eu não quero saber do concurso, arranjem outra maneira». Qual, Sr. Deputado?! O senhor sabe o que é um inspector do trabalho?!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — O senhor diz-me isso há 3 anos!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Ó Sr. Deputado, ouça-me, por favor! O Sr. Deputado está a querer dizer que não é por concurso que entram?! Está a querer subverter as leis da República?!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Essa resposta não é séria!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Está a querer que eu faça um despacho onde diga: «coloque-se alguém, mascarado de inspector, que não tem o curso de inspector, não está preparado para tal, a substituir um inspector»! Está bem, o Sr. Deputado pode fazer esse discurso as vezes que entender!» O Sr. Deputado tentou aqui «vender» a ideia de que a aplicação do princípio da caducidade estava a conduzir a um caos na contratação colectiva. Sr. Deputado, até Outubro de 2008, foram abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho 1 743 000 trabalhadores — é só o valor anual mais alto desde que há registo de contratação colectiva em Portugal! Portanto, não me parece que a afirmação que fez, de que a caducidade provocou um vazio brutal na negociação colectiva, tenha sentido, porque 1 743 000, até Outubro, é superior a 1 582 000 trabalhadores abrangidos em 2007, que já foi o segundo ano mais alto desde o início dos anos 90.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — E quantos deixaram de ser abrangidos?!
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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O Sr. Deputado não gosta destes números, está no seu direito.
Ó Sr. Deputado, esse debate está feito e penso que ninguém, no nosso País, percebe por que é que, no entendimento do PCP, alguém deve ter um contrato que, por decisão de uma das partes, se possa eternizar.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — E por decisão de uma das partes desaparece!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — É um debate que já foi feito, é um debate no qual os senhores não têm razão e a história, mais uma vez, vai encarregar-se de provar que não têm razão.
O Sr. Deputado sabe, tão bem quanto eu, se teve algum cuidado em acompanhar o Código do Trabalho, que a iniciativa de que se fala para o trabalhador recorrer de uma situação de despedimento nada tem a ver com aquela que existia na vigência do actual Código. Como se vai ver na regulamentação do Código,»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Vamos ver!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — » ç apenas uma iniciativa, não uma acção, ç uma iniciativa judicial à qual tem de ser o empregador a dar resposta. Portanto, a questão dos 60 dias e de 1 ano não é comparável, porque não estamos a falar da mesma coisa, e o Sr. Deputado sabe disto muitíssimo bem. Além disso, haverá sempre a possibilidade de, nas fases subsequentes, recorrer ao apoio judicial que está previsto na legislação.
Peço desculpa, porque estou a ficar sem tempo, mas não quero deixar a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca sem resposta.
A Sr.ª Deputada fez uma série de considerações sobre o Código do Trabalho que me dispenso de comentar. Porém, tentar dizer que há uma coincidência nos momentos» Ó Sr.ª Deputada, atç poderíamos ter discutido o Código do Trabalho mais cedo, mas ele anda a ser discutido há dois anos, em Portugal. Já ouvi todas as críticas! Mesmo antes de ele existir, os senhores já sabiam o que era e já o haviam caracterizado de todas as formas! Agora, vem dizer que o Governo o aprovou naquela data para esconder alguma coisa?! Ó Sr.ª Deputada, há limites! Sobre a questão do subsídio de desemprego, só posso considerar que a Sr.ª Deputada conhece mal a legislação. Por exemplo, a Sr.ª Deputada desconhece que com a nova legislação do subsídio de desemprego há muitas situações — e aquelas que a Sr.ª Deputada sabe que são das situações mais graves de desemprego como, por exemplo, as de trabalhadores mais idosos com longas carreiras contributivas — em que o período de duração do subsídio de desemprego aumentou e não diminuiu.
Como também não é verdade, Sr.ª Deputada, se olharmos para os números que devem ser utilizados neste caso, que haja uma diminuição da taxa de cobertura do subsídio de desemprego,»
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Há, há!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — » porque nestes casos ç face ao valor de quem toma a iniciativa de procurar trabalho e de se inscrever nos centros de empregos que os subsídios de desemprego devem ser considerados.
A Sr.ª Deputada, se quer utilizar o INE, que é a fonte oficial de estatísticas de desemprego, também teria de usar os dados sobre o subsídio de desemprego que lá estão. Então, verificaria»
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Estão, estão. São 60%.
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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não é, não, Sr.ª Deputada! Está muito enganada! Vá ver os dados que provavelmente até fica surpreendida! Sr.ª Deputada, as questões que colocou quanto às pensões já foram respondidas aquando da resposta a outros Srs. Deputados.
Quanto ao subsídio de doença, estamos sempre disponíveis para melhorar a prestação e a protecção na doença. Só queria dizer-lhe que às vezes também fico um pouco surpreendido, pois parece-me que a Sr.ª Deputada confunde um pouco a especificidade das prestações sociais num debate orçamental.
Quando colocamos uma previsão orçamental no subsídio de doença é isso mesmo, é uma previsão, não é um tecto nem um plafond! Não estamos a dizer que só podem ser aqueles doentes! A Sr.ª Deputada insinuou, aqui, que iria existir uma política de restrição da protecção social na doença, quando sabe, aliás, que o Governo de que faço parte corrigiu uma injustiça no que respeita à diminuição da protecção na doença, que vinha do Governo anterior, aumentando a proporção da prestação em função do salário das pessoas. Se o Governo fez alguma coisa nesta prestação foi precisamente aumentar a sua protecção e não diminui-la! Sr.ª Deputada, se a despesa não aumentou é porque temos um sistema de verificação mais eficaz. A Sr.ª Deputada está contra esse sistema de verificação? Não está! E tem sido esse sistema de verificação da doença que tem permitido que a evolução da despesa, sem pôr em causa os direitos e até aumentando esses direitos, tenha vindo a manter-se em níveis compatíveis com o que consta no Orçamento.
Os tempos também são outros, Sr.ª Deputada. Sabe que hoje a existência de uma incapacidade permanente não é irreversível. Quando a situação de uma doença prolongada ultrapassa um certa duração e isso implica que se passe para uma situação de incapacidade permanente não quer dizer que mais tarde, quando houver uma reversão dessa doença, não se possa voltar a ter uma actividade profissional, descontos para a segurança social e a retomar a situação normal contributiva.
Contudo, estamos sempre disponíveis para avaliar situações concretas e não apenas a da tuberculose.
Como sabe, há mais doenças envolvidas em situações de protecção reforçada»
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Claro! A esclerose múltipla, por exemplo.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — » e teremos disponibilidade para discutir todas as que forem justas e justificáveis.
Sr. Presidente, se me permitir, gostaria que passasse a palavra aos Srs. Secretários de Estado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Secretária de Estado.
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação (Idália Moniz): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria apenas falar-vos, na sequência da intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Santos, do trabalho que tem sido feito nas comissões de protecção e da nossa expectativa, os quais se inscrevem também neste Orçamento do Estado.
As comissões de protecção — 283 na sua totalidade — são entidades dinâmicas em permanente aperfeiçoamento, mas também em permanente avaliação, e essa tem sido a nossa grande preocupação. Por isso mesmo têm sido fonte de grande investimento nesta Legislatura e penso que algo que adquirimos e que marca definitivamente o modo de funcionamento das comissões de protecção é o estreitamento que existe, hoje, entre a Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, entre o seu presidente e os seus elementos, e todas as comissões de protecção que temos espalhadas pelo País.
Também não será alheio a este reforço e a esta nova forma de funcionar mais coordenada e mais eficaz todo o investimento que temos feito, desde o início da Legislatura, nas comissões de protecção. E dir-lhe-ia, só a título de curiosidade e de mera informação, que quanto ao orçamento para funcionamento das comissões de protecção transferimos (é transferido através das autarquias, de seis em seis meses e de forma regular, sem
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quaisquer percalços), durante o ano 2008, 5 815 000€ e temos previsto neste Orçamento 7 235 000€.
Portanto, há aqui um investimento muito claro e muito significativo.
Quanto ao reforço técnico das comissões de protecção, de que o Sr. Ministro já aqui falou, colocámos, efectivamente, 139 novos técnicos de reforço nas comissões que tinham um volume processual superior a 150 processos, temos ainda um total de 251 técnicos da segurança social que integram as nossas comissões de protecção em tempo total, ou a meio tempo, de acordo com o volume processual das comissões, temos professores tutores a meio tempo do seu horário lectivo, porque é fundamental que não se perca a sua ligação com a escola. Temos 348 professores, neste momento, não a tempo inteiro, pois não faria sentido porque o protocolo firmado pressupõe que o absentismo, o abandono escolar, que era uma das principais causas de sinalização das comissões, seja trabalhado desta forma mais estreita entre a comunidade educativa e as comissões de protecção, Também a informatização dos processos individuais está, neste momento, a ser aplicada e manuseada em 48 comissões e, numa fase experimental, as aplicações informáticas para gestão dos processos.
Gradualmente será introduzido nas restantes comissões de protecção o manuseamento desta ferramenta.
Posso dizer-lhe que a formação para manuseamento desta aplicação foi efectuada por 1970 formandos, portanto abrangeu a totalidade dos membros das comissões restritas, e foi frequentada em e-Learning por 1752 formandos numa acção complementar.
A própria Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco desenvolveu, no ano de 2007, formação para 3175 técnicos, num total de 5036 horas, portanto dentro dos temas e das problemáticas que decorrem da intervenção.
O Instituto da Segurança Social fez cerca de 1000 horas de formação específica para os seus representantes da segurança social e para os técnicos de reforço que estão nas comissões.
E dir-lhe-ia que já em 2008 tivemos 2210 formandos a frequentar cerca de 3570 horas de formação. Logo, os nossos compromissos têm sido não só cumpridos como são permanentemente avaliados e toda a nossa intervenção é feita em função dessa avaliação que achamos extremamente produtiva.
Como resposta ao Sr. Deputado Eugénio Rosa acerca da previsão do trabalho que será feito no âmbito das prestações sociais para a deficiência, a única coisa que lhe diria é que estamos efectivamente a trabalhar no sentido de promover uma mudança nas prestações sociais da deficiência, mudança essa que será feita de forma diferenciada em função dos rendimentos das diferentes pessoas e da sua situação, assim como em função de uma acumulação, que queremos cada vez mais que seja feita, com rendimentos do trabalho. A situação que existe, neste momento, não permite acumular pensões sociais com rendimentos de trabalho e esta é uma alteração que queremos promover e na qual estamos a trabalhar.
O Sr. Presidente: — Como mais nenhum Sr. Secretário de Estado quer falar neste momento, vamos passar à segunda ronda de perguntas. Cada grupo parlamentar tem 5 minutos. Uma vez mais as perguntas serão agrupadas em bloco com resposta final do Sr. Ministro.
Começando naturalmente pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Srs. Presidentes, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Secretários de Estado: Tenho 5 minutos para colocar algumas questões, portanto procurarei ser muito breve.
A primeira pergunta tem que ver com o código contributivo.
Não foi ainda aqui referido, durante esta tarde, mas a verdade é que o Governo se propõe alterar o código contributivo, tem-no dito ano após ano, e parece que no ano de 2009 tal virá a acontecer. Esperamos que assim seja, sobretudo porque o Governo prevê, como é sabido, alterar as contribuições para a segurança social privilegiando, e bem, a situação dos contratos de trabalho sem termo.
No entanto, a pergunta que coloco é a seguinte: quando é que o código contributivo dá entrada no Parlamento? Porque ou estou enganado — mas o Sr. Ministro vai-nos esclarecer com certeza — ou se o
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código contributivo não for aprovado e publicado antes do final do ano não poderá haver a redução da taxa social única para quem faz contratos sem termo; não poderá haver o aumento dos três pontos percentuais para quem faz contratos de trabalho a termo; e não poderá haver uma taxa de 5% de contribuições para a entidade que acolhe trabalhadores em situação de recibo verde.
Portanto, pretendo saber para quando está prevista a entrada da proposta de alteração ao código contributivo no Parlamento. Além disso, gostava de saber se, de facto, ainda se vai a tempo ou não para, a partir do dia 1 de Janeiro, se promover a estabilidade do emprego e a luta contra a precariedade laboral através de modelação da taxa social única.
A outra pergunta tem que ver com o seguinte: durante o debate, na generalidade (e agora vou entrar numa questão mais de especialidade, portanto, com alguns números à mistura), o Sr. Primeiro-Ministro disse, e várias vezes, que a despesa com a acção social na segurança social ia aumentar 18%. Eu, que tinha estudado previamente o orçamento da segurança social como todos os demais, fiquei surpreendido com essa percentagem que foi reafirmada várias vezes, pelo que afirmei: «Deve ser alguma gafe que o Sr. PrimeiroMinistro está a cometer. Com certeza que não foi o Sr. Ministro do Trabalho que lhe disse isso, porque o Sr.
Ministro nestas coisas como noutras tem a seriedade suficiente para não dizer um nõmero ‘ao calhas’«.
De facto, não consigo encontrar estes 18%..., mas gostava que o Sr. Ministro me explicasse se o aumento é de 18% ou se é, como se lê no orçamento, apenas de 10,4%. Bom, é porque há uma diferença substancial.
Para lá de esclarecer esta situação, esta proclamação que nos parece exagerada e que não corresponde, a meu ver, à realidade, há uma outra situação que me suscita uma pergunta. Este aumento de 10,4% poderia, aparentemente, ser um aumento extraordinário espectacular porque, face a 2008, vai haver um aumento de 115 milhões de euros para despesa na acção social. Poderia dizer-se que, de facto, há aqui um aumento muito consistente, mas, depois, fui levado a fazer uma análise mais detalhada entre o que é orçamentado e o que é executado na acção social e dei com uma situação verdadeiramente singular para a qual pedia uma explicação, que é a seguinte: em 2007 (veja bem!) estavam orçamentos 1576 milhões de euros e foram executados — e falo de 2007 porque é o ano cuja execução já se fechou — 1407 milhões de euros. Isto é, ficaram por executar, Sr. Ministro, 169 milhões de euros na acção social. E a pergunta que faço é esta: por que é que, em 2007, não foi gasto este valor (169 milhões de euros), de um orçamento que totalizava 1576 milhões de euros? Sobretudo, fico um pouco perplexo porque, como é sabido, esta rubrica ou este grupo de despesas na acção social tem muito a ver com acordos de cooperação com as IPSS, com a luta contra a pobreza e a exclusão social, pagando uma diversidade de iniciativas e de acções neste domínio.
Gostava, de facto, que o Sr. Ministro me desse uma explicação — porque estamos, no fundo, a avaliar o orçamento e avaliar um orçamento também é avaliar um histórico orçamental — sobre como ficaram por gastar, em 2007, 169 milhões de euros. Até podemos chegar à conclusão de que o Governo vai fazer um esforço extraordinário para gastar estes 115 milhões de euros que, em 2009, vão acrescer à verba prevista para 2008; ou, se calhar, em 2009, apesar deste aumento (que creio ser de 10,4% e não de 18 %...!), vamos ter uma situação de muita esperança no início e nos anúncios mas de pouca concretização na realidade.
Termino aqui a minha intervenção porque, entretanto, esgotei o tempo de que dispunha e que procuro respeitar.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Coutinho, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Isabel Coutinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, na minha curta intervenção, irei abordar um assunto da maior importância relacionado com o aprofundamento dos direitos de pessoas com deficiência.
Esta deverá ser uma questão da maior importância no que diz respeito à mobilização da sociedade em geral para o reconhecimento e o apoio a estas pessoas e, em particular, deverá constituir uma preocupação
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do Estado. É esta preocupação, esta orientação que vai garantir a estes cidadãos uma efectiva igualdade de oportunidades e, também, o pleno exercício da sua cidadania.
Neste domínio, gostaria de realçar toda a acção encetada pelo Governo no que diz respeito a um conjunto de medidas, do qual destaco o Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapacidade, o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade e a criação de redes de serviços de informação e mediação para as pessoas com deficiência e suas famílias nas autarquias.
Neste contexto, reforçando mais uma vez a importância que o acesso ao mercado de trabalho e as respostas sociais assumem para as pessoas com deficiência, gostaria de colocar duas questões concretas.
Em primeiro lugar, tendo em conta que o Programa do Governo assume — e muito bem! — que a protecção das pessoas com deficiência passa, entre outros factores, pelo aumento das respostas sociais, gostaria de saber, concretamente, qual o esforço que o Governo tem vindo a encetar no sentido de alargar a rede de equipamentos sociais destinados a estes cidadãos, em particular no domínio das respostas residenciais e, portanto, num registo de proximidade.
Em segundo lugar, tendo em conta que o Governo defende, no que respeita a estas políticas para a deficiência, uma política de transversalidade de respostas, pergunto qual tem sido o esforço realizado no que diz respeito à aproximação dos Centros Novas Oportunidades das necessidades destas pessoas com deficiência.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, já nos conhecemos há algum tempo e V. Ex.ª sabe que é típica do meu carácter alguma teimosia quando, infelizmente, o Sr. Ministro foge ou não dá resposta às perguntas que lhe formulamos.
Vou voltar, Sr. Ministro, ao problema dos trabalhadores independentes.
Mais de 1 milhão de pessoas em Portugal são trabalhadores independentes, de acordo com os últimos dados do INE. Ora, essas pessoas, esses agregados familiares que sempre receberam o abono de família por não terem rendimentos tão elevados quanto isso e por estarem dentro dos escalões do abono de família, de repente, em 2007, foram confrontados com a seguinte situação: com o cruzamento de dados entre o fisco e a segurança social, passou a ser considerado como lucro, como o que levam no final do mês para casa, todo o seu volume de negócios. Assim, a partir do ano de 2007, foi denegado a estas pessoas um direito social que tinham, o abono de família! O Sr. Ministro fala muitas vezes do Estado de direito e eu pergunto: acha normal que, num Estado de direito, a um agregado familiar que tem necessidades lhe seja denegado um direito social que é seu? O Sr. Ministro hoje, finalmente, percebeu e corrigiu esta situação, porque havia aqui uma injustiça social! Por isso mesmo, o Governo sentiu a necessidade de alterar a lei para, finalmente, responder a esta situação.
O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Pedro Marques): — Só falam» Mas nada fizeram!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O CDS já o tinha feito há um ano atrás, quando apresentou um projecto de lei nesta Câmara, que a maioria do Partido Socialista chumbou! O nosso projecto de lei também solucionava este problema.
A questão que coloco, Sr. Ministro, uma vez que há aqui uma injustiça que todos reconhecemos, é se está ou não disponível para inserir uma verba no Orçamento para pagar retroactivamente o que estes agregados familiares perderam ao longo do ano de 2008.
Se o Sr. Ministro está a falar de regras de um Estado de direito, então é importante que ninguém seja esbulhado num direito social; se o Estado é uma pessoa de bem, o mínimo que pode fazer a estas pessoas é pagar-lhes a verba retroactivamente!
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Em segundo lugar, o Sr. Ministro disse que não se pode tirar 100 milhões de euros do rendimento social de inserção para dar às pensões. Com alguma bonomia, respondo-lhe numa linguagem que o Sr. Ministro percebe: «Yes, we can!«»
Risos.
Sr. Ministro, é muito fácil tirar 100 milhões de euros ao rendimento social de inserção para dar às pensões, basta fazer uma avaliação e uma fiscalização rigorosa no rendimento social de inserção.
Mais uma vez, Sr. Ministro, falo-lhe com o à vontade de quem já apresentou nesta Câmara essa proposta, proposta que — desculpe confrontá-lo com a realidade — o Partido Socialista votou desfavoravelmente. Mas também lhe digo que a bancada do CDS vai apresentar uma alteração muito profunda às regras do rendimento social de inserção para, também, tornar a fiscalização mais efectiva e permitir fazer o controlo do que está a gastar-se nesta verba orçamental.
O que não é possível, Sr. Ministro, é que, de 2008 para 2009, comparando o que é comparável (as inscrições e as previsões do Orçamento do Estado), esta verba suba 16%! No orçamento de 2008, os senhores tinham inscrito 371 milhões de euros para execução do rendimento social de inserção e este ano inscrevem 430 milhões de euros, ou seja, há um crescimento de 59 milhões de euros! Não há nenhuma verba, Sr. Ministro, de prestações sociais estabilizadas que cresça 16% num ano!? Tenho comigo todos esses dados, se o Sr. Ministro os quiser confirmar.
Mais uma vez lhe digo: também nesta matéria apresentámos normas que a bancada do partido que suporta o Governo (às vezes, parece mesmo que é o único que suporta a maioria!») chumbou. Portanto, sobre isso, Sr. Ministro, nada posso fazer.
Última nota: percebo tudo o que o Sr. Ministro diz relativamente às prestações e às pensões mínimas, mas a verdade crua dos números, desde 2005 até hoje, anos em que o Partido Socialista esteve no Governo, é que a inflação subiu sempre acima do que subiram as pensões mínimas.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Falso!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Ministro, compare os dados de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. Quer que lhe dê os números? É muito fácil dar-lhe os números: a inflação, nestes anos, subiu 8,5% e as pensões mínimas não subiram igual valor! Estes são dados objectivos.
Por isso mesmo, Sr. Ministro, para terminar, mais uma vez lhe lanço um apelo: estes portugueses, os da pensão mínima, são aqueles que têm tido mais dificuldades e que estão a pagar a factura mais alta da crise, pois foram-lhes retirados benefícios em sede de medicamentos, nomeadamente com a comparticipação e a majoração dos genéricos; vêem, todos os dias, uma taxa de inflação que lhes «come» o seu rendimento — a taxa de inflação destas pessoas é muito mais elevada do que a taxa de inflação de uma família típica, normal, porque os preços dos bens essenciais delas têm subido muito mais e ocupam uma grande parte do seu orçamento.
Para não ultrapassar o tempo de intervenção que me foi atribuído, Sr. Ministro, termino com este apelo: pensem nestas pessoas e permitam que, em 2009, haja um aumento extraordinário das suas pensões.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Pedro Mota Soares, com simpatia lhe digo que nunca imaginei ver o CDS-PP citar o slogan da campanha democrática nos Estados Unidos»
Risos.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Há coisas que mudam» E assim o Sr. Ministro compreendeu!
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O Sr. Presidente: — São coisas» Coisas da vida!
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Rosa.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, a primeira questão que coloco prende-se com o facto de V. Ex.ª nos ter fornecido alguns dados sobre os trabalhadores abrangidos por contratos recentes. Vou dar-lhe alguns exemplos de sectores onde os contratos caducaram: cordoaria e redes, fabricação de papel, têxtil e vestuário, metalurgia e minas, comércio, indústria de cerâmica, indústria de mármores, indústria mineira. Todos esses contratos caducaram e, em sua substituição, temos um vazio contratual! Podia dar-lhe uma lista com mais exemplos, Sr. Ministro, que até foi retirada de uma informação do Ministçrio do Trabalho»
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não é verdade!
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não vale a pena dizer que não é verdade, porque é verdade. É verdade! E estou a falar de milhares de trabalhadores.
Uma outra questão que gostava de colocar prende-se com o subsídio de desemprego.
Esta questão já aqui foi levantada, mas gostava de reforçá-la e abordá-la sob a seguinte perspectiva: se analisarmos a evolução das previsões na despesa com subsídio de desemprego — temos de comparar previsões com previsões, execução com execução, pelo menos é o mais correcto tecnicamente —, constatamos que, de 2008 para 2009, há uma quebra, uma redução de cerca de 11,3% em relação às previsões. Mesmo se compararmos o executado com a estimativa de 2008, o crescimento da previsão para 2009 é de apenas 3,6%! Quase não dá para pagar a um maior número de desempregados, dará para actualizar o subsídio de desemprego. É natural que trabalhadores que se desempreguem tenham salários mais elevados em cerca de 5%, o que dá, portanto, um subsídio de desemprego mais elevado. E tudo aponta — muitas vezes, o Governo fecha os olhos à realidade —, agora, no último trimestre deste ano, para que haja uma viragem na curva do aumento de desemprego. Todas as previsões para 2009, repito, apontam para um crescimento do desemprego.
Ora, a previsão de redução na despesa do subsídio de desemprego só poderá ser atingida se houver redução do número de desempregados a receber subsídio de desemprego — o que também parece ser uma tendência verificada nos últimos trimestres. Aliás, segundo os dados do próprio Instituto do Emprego e Formação Profissional, em Maio de 2008 estavam a receber subsídio de desemprego 266 000 pessoas e em Agosto apenas 244 000. Portanto, há uma quebra.
Não sei se é intenção do Governo continuar com esta redução de desempregados a receber subsídio de desemprego, apesar de todas as previsões apontarem para um aumento do desemprego em 2009.
Relativamente às comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) — esta questão está relacionada com a intervenção feita pela Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação —, gostava de colocar a seguinte questão: ouvi com atenção uma série de números de técnicos de apoio a essas comissões, mas uma coisa é o que se diz, outra coisa é a própria realidade.
Por exemplo, dos 138 técnicos de reforço de que falou, informámo-nos de que, pelo menos, parte deles foram contratados através de empresas de trabalho temporário, o que não dá, evidentemente, qualquer segurança na continuidade.
Outro aspecto é o da desarticulação que existe no terreno entre Ministério Público e outras entidades, o que também cria problemas graves à sua eficiência. Por exemplo, na Comissão de Protecção de Crianças e
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Jovens do Seixal, como consequência de todas estas desarticulações e da falta de técnicos, há cerca de 450 processos que estão pendentes por falta de» Outra situação que se constata é que muitas vezes a rede social não tem equipamentos de apoio para colocar crianças, etc. Por exemplo, em relação à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Odivelas, temos a informação de que são as próprias técnicas que pagam os transportes das crianças.
Portanto, quando se passa dessas declarações para a realidade prática, no campo, constatamos que há uma diferença muito grande entre uma coisa e outra.
Para terminar, vou colocar novamente uma questão que já colocámos, mas para a qual nunca recebemos uma resposta clara, relativamente ao PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), que é esta: qual é a prestação média que as famílias vão pagar para aceder aos novos equipamentos sociais?
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Eugénio Rosa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, muito frontalmente, e ainda a propósito do Código do Trabalho, quero colocar-lhe a seguinte questão: o Sr. Ministro veio dizer-nos que o Código foi aprovado agora por uma mera coincidência, parece que é isso que nos quer dizer. Ora, eu relembro-lhe quem é que impôs o calendário, e aqui não há coincidências, há um propósito claro de aprovar o Código do Trabalho exactamente neste ano de 2008 e nesta altura. Sr. Ministro, relembro-lhe quando é que a proposta de lei entrou na Assembleia. O Sr. Ministro diz, com a maior desfaçatez, o seguinte: «Há dois anos que Código anda a ser discutido».
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — É mentira!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Muito bem! Mas a proposta de lei esteve em discussão pública, como bem se lembra, imposta pelo Governo do Partido Socialista, em pleno mês de Agosto e, decorridas as audições em Setembro e Outubro, restaram à Comissão de Trabalho desta Casa quatro dias e meio para a discutir na especialidade. Ó Sr. Ministro, para quem, em 2003, achava que o processo de discussão na especialidade não era cçlere, ç obra»! Portanto, foi esta nota que eu aqui quis deixar e que o Sr. Ministro vem contestar de uma forma absolutamente inaceitável.
O Governo do Partido Socialista quis que o Código do Trabalho passasse exactamente neste tempo, «como gato por brasas», para ninguém dar por ele nem lhe dar a devida dimensão.
É a primeira vez que uma legislação de tão grande importância é metida dentro de uma outra discussão, que é a discussão mais importante do ano parlamentar.
Sr. Ministro, retomando ainda a questão do subsídio de desemprego, é verdade que a sua lei permitiu que carreiras contributivas mais longas tivessem aqui um prémio naqueles blocos de cinco anos com acréscimos.
A questão que lhe quero colocar — e é isso que temos vindo a fazer — é que há outras pessoas, nomeadamente os jovens, que nunca conseguem satisfazer o prazo de garantia instituído, que é de 360 dias, quando se sabe muito bem que, para os menores de 30 anos, a precariedade aumentou, como ainda há pouco reconheceu.
Por outro lado, e ainda a propósito da taxa de cobertura, quero dizer-lhe que, se as contas estão mal feitas, então também a Comissão do «Livro Branco» as reproduz mal, porque o que aqui está, preto no branco, é que no 1.º trimestre de 2005, a percentagem de desempregados a receber subsídio de desemprego era de 72,4% e, no 1.º trimestre de 2008 (números do INE), é de 60%. Há um decréscimo de mais de 12%, Sr. Ministro, se está a melhorar a protecção no desemprego, não se entende. Não há, portanto, por parte desta bancada, qualquer confusão.
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Por último, relativamente à questão que lhe coloquei sobre a atribuição do subsídio de doença, quero dizer o seguinte: quando digo que o que está inscrito no orçamento relativamente ao subsídio de doença deixa antever que não se vai alargar a outras doenças qualquer discriminação positiva como aquela que se faz para a questão da tuberculose, creio que isto é verdadeiro. Se o Governo tivesse intenção de corrigir o vínculo de profissionalidade, que ç de quatro meses» O Sr. Ministro sabe bem, com certeza, que há situações de grande aflição de pessoas que, interrompendo por mais de 30 dias a sua baixa por doença, têm de voltar a trabalhar quatro meses para readquirir o direito ao subsídio de doença, ou seja, para efectivar o vínculo de profissionalidade de quatro meses.
Também sabe que quem sofre, por exemplo, de doença de Crohn, de colite ulcerosa ou de outras doenças, em que as pessoas até vão trabalhar com algum estímulo para não estarem inactivas tanto tempo, mas, se o fazem por um período inferior a 30 dias, têm de voltar a trabalhar mais quatro meses, sob pena de não terem o direito a novo subsídio de doença.
Ora, era exactamente esta situação que lhe estava a colocar, a do alargamento a estas situações daquilo que é considerado para efeitos de tuberculose, e não só, porque há outras excepções — mas adquiri como bom aquilo que é considerado para a tuberculose —, que é a não consideração do período máximo dos 1095 dias, a não consideração do período de espera dos três dias e também esta questão do vínculo de profissionalidade dos quatro meses.
O Sr. Ministro tem por hábito responder-nos assim «em redondo» para, depois, não nos dar respostas claras. E as respostas claras que queremos aqui quanto ao subsídio de desemprego são: está o Sr. Ministro disposto a permitir que os jovens que não conseguem ter um período de descontos de 360 dias tenham protecção quando ficam desempregados, quando são corridos de empresas de trabalho temporário ou até de falsos recibos verdes? Está o Sr. Ministro disposto a fazer uma alteração à lei do subsídio de doença, no sentido de também proteger mais as pessoas?
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
Tem, agora, a palavra, para responder a este segundo e último grupo de perguntas, o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, como já várias vezes afirmei, o código contributivo será apresentado brevemente e, logo que seja discutido e aprovado, entrará em vigor. E será nessa altura que todos os pontos do acordo tripartido de concertação social poderão estar plenamente em vigor.
Tínhamos como objectivo que o Código do Trabalho, que, como sabe, enquadra todas essas dimensões, ainda que algumas delas necessitem de desenvolvimentos legislativos adicionais, fosse aprovado durante o ano de 2008, era esse o nosso objectivo, portanto trabalharemos tão rapidamente quanto possível para que todo o restante acordo seja concretizado.
Sobre a acção social, o que, de facto, sempre dissemos e que está nos documentos é que o crescimento da acção social irá ser de 10,4%, o que corresponde aos valores que estão nos mapas do orçamento e também, como sempre, à avaliação da evolução entre o que está orçamentado e aquilo que é a previsão de execução para 2008. É assim que, normalmente, as contas são feitas e é assim que elas devem ser apresentadas, pelo menos na minha óptica. Não há aqui qualquer expectativa de que haja qualquer outro tipo de situação ou qualquer saldo excepcional. Aquilo que prevemos que possa crescer, face à execução de 2008, é, efectivamente, 10,4%, valor que citou.
Pedirei, depois, ao Sr. Secretário de Estado para responder às questões sobre as pessoas com deficiência, e, em relação a isso, apenas direi que, obviamente, a nossa intervenção, em termos de futuro e face às orientações estratégicas, não é muito diferente daquela que concretizámos até agora.
No PARES já houve uma prioridade, ainda que não fosse a primeira, em relação ao alargamento dos equipamentos para pessoas com deficiência, particularmente os equipamentos residenciais. Eu já disse, há
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pouco, que a maior prioridade do QREN vai ser no que toca a equipamentos sociais, bem como no que toca à protecção das pessoas com deficiência.
Já fizemos uma mudança, que é significativa, no que toca à pensão de invalidez, no sentido de aproximá-la dos valores equivalentes a uma carreira contributiva completa, o que será atingido em 2011 ou 2012. Portanto, a nossa perspectiva é ir reforçando progressivamente a protecção social das pessoas com deficiência.
O Sr. Deputado Pedro Mota Soares foca o número de 1 milhão de trabalhadores independentes, dando a ideia de que terá havido aqui uma quebra de beneficiários de abono de família de uma dimensão catastrófica.
Ó Sr. Deputado, não houve nada disso! Olhe para os números! Ou, então, estará a pensar que houve uma explosão demográfica, que a estatística não identificou?! É porque, se houvesse essa situação tão dramática de famílias que deixaram de ter o abono de família, isso reflectia-se no crescimento do abono de família não só em termos financeiros como, principalmente, em termos numéricos, e isso não aconteceu!
Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
Ó Sr. Deputado, V. Ex.ª sabe, por exemplo, que, quando chegámos ao Governo, fizemos uma alteração à lei para permitir — aí sim! — o acesso ao abono de família para crianças que já viviam em Portugal, mas às quais não era atribuído esse abono porque não eram portuguesas?! Esses, sim, é que foram alguns milhares de crianças que passaram a ter o abono de família que não tinham. Agora, a lei já era aquela, Sr. Deputado! Nós não inventámos qualquer lei! A lei era aquela e era aquela a interpretação.
Agora, fizemos uma lei nova e, portanto, não existe qualquer razão, não há sequer qualquer quadro, que, a meu ver, permita que ela seja aplicada retroactivamente.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Há alguma norma no Orçamento do Estado?!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Deputado, relativamente à questão que colocou no que toca, mais uma vez, ao rendimento social de inserção, eu sei que percebe, mas não lhe convém politicamente reconhecer isso.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não é verdade!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O Sr. Deputado sabe que o crescimento financeiro dessa prestação não corresponde a um crescimento do número de beneficiários, não correspondeu, ao longo dos últimos anos, a um aumento do número de beneficiários, correspondeu a coisas tão simples quanto isto»
Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
Sr. Deputado, vou dizer-lhe outra vez os números e, depois, se quiser, ponho-lhe tudo isto em fórmula matemática, para perceber qual é a percentagem do aumento de despesa que é da responsabilidade de aceleração dos prazos de pagamento, que, na 1.ª prestação, eram à volta de 500 dias, por exemplo 400 dias em Lisboa, 350 dias no Porto e que agora são 94 dias e 111 dias. O Sr. Deputado não percebe que essa aceleração tem uma consequência financeira, porque essas pessoas já tinham o direito.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Este ano são 2% de beneficiários!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — É 2% o número de beneficiários, que tem crescido ao longo destes últimos anos.
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O Sr. Deputado não pode falar sobre esta matéria como se estivesse com uma «folha branca» em cima, porque sabe que faz parte de um partido que teve responsabilidades na pasta que tem a tutela do rendimento social de inserção (e até lhe mudou o nome), e fez um conjunto de alterações que não foram tantas quanto queriam, porque o Tribunal Constitucional as considerou ilegítimas. Do ponto de vista da fiscalização, estamos conversados. Hoje, é feita mais 50% fiscalização do que nos tempos em que foi criado o rendimento social de inserção. E refiro-me aos tempos em que foi criado, porque no que se refere a ter sido aplicado temos de ir com calma, visto que foi só uns aninhos depois. Portanto, é esta a realidade.
Já que o Sr. Deputado falou de Estado de direito,»
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Ó Sr. Ministro, confirme-me só se antes eram 312 000 e agora são 450 000 os beneficiários do rendimento social!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O Sr. Deputado entendeu, decerto, aquilo que eu expliquei: uma coisa são processamentos, outra coisa são famílias com o direito. O facto de não estar ainda a ser processada a prestação de uma família em 2005, não faz com que, quando a primeira prestação lhe é paga, por exemplo, um ano ou um ano e meio depois (que era como acontecia no seu tempo), se lhe pague não digo que retroactivamente, mas a partir do momento em que entregou»
Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.
O Sr. Deputado sabe que podia ter alterado a lei nesse sentido. Era mais fácil para si. Para si, não, porque não estava no governo nessa altura. Mas era mais fácil alterar a lei e estabelecer que só se paga a partir do momento em que é aprovado. Mas não é isso que está na lei. A lei diz que se paga a partir do momento em que é entregue o requerimento, desde que seja aprovado, e que se paga o montante todo.
Também lhe dá jeito que a lei esteja assim, porque permite-lhe falar das centenas de euros que se pagam aos beneficiários, quando, de facto, em média, um beneficiário recebe um quinto do salário mínimo nacional. É disso que estamos a falar.
O Sr. Deputado pode insistir nessa via, mas a fiscalização é hoje mais rigorosa, continuará a ser e aplicaremos a lei.
Sr. Deputado Eugénio Rosa, aquilo que disse sobre a caducidade não corresponde à realidade. Disse que caducaram uma série de contratos, mas foram assinados novos contratos pelos mesmos sindicatos: pelos têxteis e vestuário, pela cordoaria»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não foram, não! Não é verdade!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Foram assinados e, portanto, estão em vigor contratos colectivos! Não há qualquer caducidade, isto é, houve caducidade, mas houve contratação nova pelos mesmos sindicatos! Aliás, apenas pelos mesmos sindicatos! Quer dizer-me que não houve contratação colectiva nos têxteis e vestuário?! Peço desculpa, mas o Sr. Deputado está um bocadinho desactualizado.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não é verdade! Está mal informado!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Sr. Deputado, quer que eu lhe diga? Eu digolhe! Foram os sindicatos da CGTP que assinaram os contratos.
Portanto, não há qualquer vazio criado, na esmagadora maioria dos casos. Não pude reter todos de cabeça, mas se quiser enviar-me essa lista, posso dizer-lhe em quantos é que houve a criação de vazio.
Duvido que encontre algum com um mínimo de significado numérico.
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O Sr. Deputado disse uma coisa extraordinária que, de facto, não estava à espera de ouvir de si! Disse que se deve comparar o orçamental com o orçamentado. Mas quando?! Onde é que está escrita a regra de que o que se compara é o orçamental com o orçamentado?! Não, Sr. Deputado! A evolução das políticas, o objectivo da política mede-se relativamente ao executado face ao orçamentado,»
Risos do PCP.
» porque senão temos de refazer todo este debate e ir buscar os orçamentos de vários anos»
O Sr. Honório Novo (PCP): — Bem me lembro quando o Sr. Ministro estava sentado na bancada do PS!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Se o Sr. Deputado quiser convencer os portugueses de que há uma diminuição da dotação para desemprego comparando o que estava orçamentado para 2008 com o que está orçamentado para 2009, pode fazer essas tentativas, mas não convence ninguém, porque o que tem de comparar é o que é gasto com aquilo que é previsto que se gaste para o ano. Esse é que ç o compromisso do Governo! Essa teoria, Sr. Deputado, ç verdadeiramente original»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — A sua ç que ç «original«»!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — A bancada do PCP, com frequência, opta por comparar orçamento com orçamento ou execução com orçamento, conforme lhe dá mais jeito. Para medir o impacto, o alcance e para avaliar as políticas deste orçamento, tem de se comparar a previsão orçamental — aliás, estamos numa altura em que ela é conhecida com rigor — com o compromisso de execução para o ano que vem. Isto é óbvio e, na minha opinião, não merece sequer discussão.
O Sr. Deputado colocou uma questão a que obviamente não lhe posso responder de uma forma concreta.
Perguntou qual é a média do pagamento das famílias nos equipamentos sociais. Sr. Deputado, depende da valência, depende dos rendimentos das famílias... Aquilo que lhe posso dizer é que há normas que são cumpridas e que estabelecem que as famílias pagam em função dos seus rendimentos um complemento, para além daquilo que é o apoio do Estado. O Sr. Deputado sabe isso muito bem. Se quiser explicitar o sentido da sua pergunta», talvez eu possa responder de outra forma. No entanto, a essa «pergunta redonda» que o Sr. Deputado deixou, não lhe posso responder, mas obviamente que fará um requerimento e tentaremos obter valores médios de pagamentos das famílias nos equipamentos sociais que têm acordos de cooperação com o Estado.
Sinceramente, aquilo que me palpita — e posso estar errado — é que o Sr. Deputado não gosta deste modelo de cooperação e preferia defender (como já várias vezes o fizeram) que tudo deveria ser equipamentos públicos. Mais valia dizê-lo de forma clara, porque, assim, teríamos aqui um debate mais interessante e eficaz.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Não faça processos de intenção!»
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Era isso que o Sr. Deputado queria perguntar, mas não o quis fazer. Fica para a próxima.
Sr.ª Deputada Marina Aiveca, aquilo que eu disse sobre o Código do Trabalho mantenho. A Sr.ª Deputada quis passar aqui a ideia de que houve um objectivo escondido por parte do Governo em aprovar o Código do Trabalho no mesmo dia do Orçamento do Estado. Pode afirmar o que entender.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Claro! Fica à vista de todos!
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O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — O que acho que fica à vista de todos, Sr.ª Deputada, é que poucas vezes uma iniciativa legislativa teve um processo de debate tão alargado e aprofundado como o do Código do Trabalho.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Foram 4, 5 dias para fazer a discussão» Está a brincar connosco!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — A Sr.ª Deputada não quer reconhecer isso nem quis ouvir o que eu disse, mas isso é um problema seu. Não há muitos exemplos de uma iniciativa legislativa ter tido um debate preparatório e um envolvimento da sociedade na sua discussão tão aprofundado como o Código do Trabalho. De tal maneira que os senhores já tinham opinião sobre ele quase um ano antes de ser apresentado na Assembleia! Veja lá a intensidade da profundidade!
Protestos da Deputada do BE Mariana Aiveca.
Os senhores marcaram um agendamento potestativo sobre o Código do Trabalho, Sr.ª Deputada, meses antes de ele ser apresentado! E foi aqui debatido! Portanto, está agora dizer-me que não houve debate, que foi tudo feito às escondidas?! E também o PCP marcou outro agendamento potestativo! Aliás, até houve uma moção de censura em torno dessa questão.
A Sr.ª Deputada, de facto, disse o que disse. E disse que as verbas que estavam no Orçamento do Estado para o subsídio de doença indicavam que havia aqui uma política de redução dos direitos sociais.
Protestos da Deputada do BE Mariana Aiveca.
Disse isso, está gravado! Não indiciam nada, Sr.ª Deputada! Indiciam que a política que tem sido desenvolvida nesta área vai continuar a ser desenvolvida.
Sr.ª Deputada, nós temos (e acho bem que tenhamos) um dos períodos de duração da protecção na doença por incapacidade temporária para o trabalho mais alongados que existe nos países europeus! Há muitos países que têm apenas um ano, passando-se a seguir para uma incapacidade permanente. E há países que têm muito menos tempo do que nós. Temos uma duração elevada dessa protecção, e bem, porque ela é muito importante para os rendimentos das famílias.
O índice de proporcionalidade do subsídio de doença é de 12 dias de trabalho efectivo nos últimos quatro meses.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Exactamente!
O Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social: — Não são quatro meses, mas 12 dias de trabalho efectivo nos últimos quatro meses. A Sr.ª Deputada disse que era quatro meses. Veja lá como é que os nõmeros são tão traiçoeiros»! Obviamente que, se a Sr.ª Deputada quiser questionar sobre se é necessário ou vantajoso que mais alguma das doenças crónicas possa ter um tratamento diferente, estaremos disponíveis para fazer esse debate, mas não me parece que seja esta a sede, neste momento concreto. A Sr.ª Deputada e o seu grupo parlamentar farão as propostas que entenderem e o Governo naturalmente que as avaliará com toda a seriedade, porque julgo que reforçar a protecção na doença é uma das questões fundamentais em qualquer sistema de protecção social.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação.
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A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por responder à questão que foi colocada pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista sobre as pessoas com deficiência. Quando reforçámos toda a rede de equipamentos sociais para a deficiência, quer os residenciais nas duas vertentes, autónoma e do lar residencial, quer os centros de actividades ocupacionais, tivemos a preocupação de atender a distritos que tinham uma resposta quase nula. Relembro que o distrito de Bragança nem sequer tinha respostas de actividades ocupacionais. Portanto, houve, aqui, toda uma questão de equidade que esteve nas nossas preocupações.
Hoje, estamos em face de uma realidade demográfica que é muito dinâmica para a deficiência. Estamos a encontrar cada vez mais pessoas com deficiência com uma idade mais elevada. Há bem pouco tempo, há poucos anos, tínhamos uma esperança média de vida muito curta e, por isso mesmo, tivemos que redimensionar toda a rede, mas também uma cobertura mais justa, mais igual em todo o território nacional de respostas para a deficiência.
Relembro que, quando lançámos o Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapacidade (PAIPDI) e definimos metas, durante o processo de discussão pública foram definidas essas mesmas metas como sendo muito ambiciosas e dificilmente alcançáveis.
Pois, Sr.as e Srs. Deputados, lamento ter de falar em números, mas acho que é com números que nos responsabilizamos uns aos outros. Tínhamos uma capacidade instalada, em 2004, de equipamentos para a deficiência e, com o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais, primeira e na segunda fases, com o Programa Operacional do Potencial Humano, de que o Sr. Ministro já falou, e com todos os equipamentos que tinham sido iniciados e que tivemos de concluir — porque também fomos confrontados com a realidade de equipamentos cujos compromissos não eram efectivos, mas que já tinham sido assumidos perante as organizações —, prevemos ter uma capacidade alcançada, até ao final de 2009, que representa um acordo de 60,7 milhões de euros de investimento mais os acordos de cooperação. Assim, prevemos alcançar uma meta em centros de actividade ocupacional, que era de 10% no PAIPDI, de 12,39%, em respostas residenciais, que era no PAIPDI de 17,5%, de 49,99%, e em serviço de apoio domiciliário, que era de 30% no PAIPDI, de 41,19%.
Portanto, as nossas metas estão para além daqueles que foram os nossos compromissos no Plano de Acção, mas por isso é que é bom falarmos de números e comprometermo-nos com números, porque não há nada melhor para fazer avaliações como, de facto, comprometermo-nos através de metas e de objectivos que possamos estabelecer.
Quanto à questão das Novas Oportunidades que foi aqui referida, a nossa preocupação foi adaptar os referenciais para os diferentes tipos de deficiência: para as sensoriais, as motoras e as mentais. E, nesse sentido, contratualizámos, através de cinco protocolos de cooperação, a adaptação dos referenciais de avaliação e de certificação das competências das pessoas com deficiência. Em 2009, teremos os referenciais já adaptados, mas entretanto, nos cinco centros Novas Oportunidades, já estamos a acompanhar 627 pessoas com deficiência e temos certificadas cerca de 100. Portanto, o que queremos é, efectivamente, promover uma igualdade de oportunidades para todos.
Por isso, estamos a adaptar referenciais e queremos, cada vez mais, um maior número de pessoas com deficiências abrangidas neste processo de qualificação, que é de todos os portugueses, mas só será de todos os portugueses se atendermos às diferenças de cada um.
Respondendo à questão que o Sr. Deputado Eugénio Rosa me colocou acerca das comissões de protecção de menores, ó Sr. Deputado, lamento ter de falar em números desta forma tão exaustiva, mas relembro-lhe que houve uma altura em que não havia investimentos e em que as comissões de protecção não tinham qualquer protecção. Eu até fazia parte de uma comissão de protecção e ter-me-ia sabido muito bem, assim como aos outros membros da comissão de protecção, que houvesse uma solidariedade tão alargada das senhoras e dos senhores do seu grupo parlamentar!... Tinha-me sabido muito bem, numa altura em que ninguçm olhava para as comissões de protecção de menores!»
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Sr. Deputado, o senhor fala aqui nos 138 técnicos e na respectiva contratualização através de empresas de trabalho temporário.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — E é verdade!
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Mas relembro-lhe que estávamos perante uma situação de acumulação de processos muito preocupante — estamos a falar da intervenção social de emergência — e, caso não tivéssemos agido daquela forma, provavelmente andaríamos aqui todos a dizer que há três anos tínhamos dito que íamos abrir concurso, que o concurso não estava terminado»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — E agora?
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Entretanto, questiono-me sobre a noção de intervenção social, nomeadamente com menores e crianças em risco.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Agora já não há?!
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Com certeza que há! Assim como existe uma preocupação em dar seguimento a este reforço dos recursos humanos, tendo em conta toda a mais-valia que estes técnicos adquiriram no trabalho com as comissões de protecção.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Mas continua o trabalho temporário!
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Eu questiono-o, Sr. Deputado: qual é a sua solução milagrosa, dado que estamos a falar de emergência com crianças e jovens e sabendo que as comissões de protecção intervêm anualmente com cerca de três dezenas de milhares de crianças? Se não o fizesse, em vez de ouvirmos falar de um dois casos de insucesso, ouviríamos falar de muitos mais.
O Sr. Deputado refere ainda a desarticulação que existe com o Ministério Público. Ora, considero essa afirmação de uma grande injustiça e julgo que não há nada melhor do que citarmos casos concretos. Há instruções muito claras do Sr. Procurador-Geral da República quanto à forma de articulação entre as comissões de protecção e os senhores magistrados.
O que temos, Sr. Deputado, é uma incapacidade muito grande em gerir pequenos poderes e de gerir algo que vai para além do superior interesse da criança, que é tantas vezes invocado, mas que fica tantas vezes esquecido. Essa é uma das consequências que resulta de alguns dos problemas das comissões de protecção! Porém, como já lhe disse, não há nada melhor do que falarmos de casos concretos para os podermos avaliar concretamente.
O Sr. Deputado referiu que a Comissão de Protecção de Menores do Seixal tem 450 processos pendentes por falta de» O Sr. Deputado não concluiu. Ainda tentei questioná-lo daqui, mas não consegui perceber qual era a falta a que se referia. Estamos a falar de 450 processos instaurados, reabertos, arquivados, activos, pendentes?...
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Pendentes! Foi a informação que nos deram!
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Ó Sr. Deputado, 450 processos pendentes! Parece-me uma situação bastante estranha, nomeadamente porque esta comissão de protecção tem dois técnicos de reforço e um técnico da segurança social a tempo inteiro! Certamente, irei verificar o que se passa com esta comissão e retirarei da sua intervenção as minhas ilações.
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Referiu que a Comissão de Protecção de Menores de Odivelas não tem meios. Não consegui perceber a que se referia porque o Sr. Deputado falou em falta de respostas de equipamentos, depois falou no facto de as tçcnicas terem de pagar os transportes»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Os transportes das crianças!
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Sr. Deputado, as comissões de protecção têm um fundo de maneio que todas podem utilizar e está sempre disponível. Ora, esse fundo de maneio era de 73 000 euros para o ano de 2008 e de 297 000 euros para o ano de 2009, mas fica aquém da sua utilização.
Muitas vezes não é pouco. Vá ver a execução do fundo de maneio e verá que não é pouco.
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Dá para tudo»
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação: — Muitas vezes há uma incapacidade das pessoas, dos técnicos de utilizarem todos os instrumentos que têm à sua disposição, não obstante todo este investimento na formação, para que possam resolver os problemas e, aí sim, defender o superior interesse da criança e actuar numa situação de emergência.
Sr. Deputado, agradeço-lhe imenso o seu cuidado, a sua solidariedade com as comissões de protecção. Só tenho pena, repito, de não a ter sentido quando passei por uma comissão de protecção de menores!»
O Sr. Eugénio Rosa (PCP): — Os «culpados» são os técnicos!
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária de Estado.
Chegámos ao final do nosso debate. Queria agradecer ao Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e aos Srs. Secretários de Estado Pedro Marques, Idália Moniz e Fernando Medina pelo contributo prestimoso que deram com o esclarecimento das questões do Orçamento atinentes a esta área sectorial.
Gostava de lembrar aos Srs. Deputados que há outra reunião, mas essa exclusiva da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, que se seguirá após um intervalo de 5 minutos.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 10 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL