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II Série -Número 116
Sexta-feira, 2 de Julho de 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
SESSÃO SUPLEMENTAR
SUMÁRIO
Revisão constitucional:
Proposta de aditamento e alteração a artigos da Constituição, apresentadas pela ASDI.
Propostas de aditamento a artigos do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, apresentadas pela UEDS.
Propostas de lei:
N.° 82/II (Atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos) - Propostas de alteração apresentadas, em conjunto, pelo PSD, CDS e PPM.
N.° 116/II (Concede ao Governo autorizações para legislar sobre a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento) - Ofício do Ministro para os Assuntos Parlamentares retirando a proposta de lei e impugnação da ASDI relativamente à sua admissão.
Projecto de lei n.º 352/II:
Elevação da vila de Oliveira de Azeméis à categoria de cidade (apresentado pelo PSD).
Proposta de resolução:
Relativa à abstenção, pelo Governo, até conclusão da discussão e votação dos pedidos de ratificação do Decreto-Lei n.° 224/82, de 8 de Junho, de proceder ao depósito dos instrumentos a que se refere o n.° 3 do artigo 8.º do Decreto n.° 31/82, de 9 de Março, quanto à Convenção Europeia sobre o Cômputo de Prazos.
Requerimentos:
Do deputado Leonel Fadigas (PS) ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes e ao conselho de gerência da CP sobre o estado de degradação da linha do Oeste.
Do deputado Adelino de Carvalho (PS) aos Ministérios da Indústria, Energia e Exportação e das Finanças e do Plano acerca da crise da MOMPOR, empresa de montagem de empreendimentos.
Dos deputados Jerónimo de Sousa e Georgette Ferreira (PCP) aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria, Energia e Exportação acerca da situação laboral na empresa Luso-Belga.
Do deputado Jorge Lemos (PCP) aos Ministérios da Educação e das Universidades e da Habitação, Obras Públicas e Transportes acerca das carências em infra-estruturas escolares na zona de Santo António dos Cavaleiros/Flamenga/Cidade Nova (Loures).
Dos deputados Silva Graça e José Manuel Mendes (PCP) ao Ministério da Administração Interna sobre pedidos de verbas para construção, reparação ou beneficiação de sedes de juntas de freguesia entrados no ministério.
Do deputado Dias de Carvalho (ASDI) aos Ministérios dos Assuntos Sociais e dos Negócios Estrangeiros pedindo cópia do Código Internacional de Comercialização dos Substitutos do Leite Materno, adoptado pela OMS.
Do deputado Oliveira Martins (ASDI) ao Ministério da Cultura e Coordenação Científica sobre:
Defesa e salvaguarda dos arquivos de O Século;
Promoção e apoio à difusão da cultura portuguesa através de programas, televisivos;
Classificação como edifício de interesse histórico e patrimonial da casa onde viveu no Porto ao escritor Joaquim Pedro Oliveira Martins.
Do mesmo deputado ao Governo e à Câmara Municipal de Lisboa pedindo lista dos edifícios e zonas urbanas de Lisboa sujeitos ao regime especial de defesa do património cultural.
Do mesmo deputado ao Governo acerca dos debates sobre regionalização por ele promovidos.
Do deputado Mário Tomé (UDP) aos Ministérios das Finanças e do Plano, do Trabalho e da Indústria, Energia e Exportação sobre a concessão de créditos bancários à Metalúrgica Duarte Ferreira.
Nota. - Até este momento, sobre a revisão constitucional, além das propostas de alteração aos textos da Constituição do Comissão Eventual para a Revisão Constitucional contidas neste número, foi publicado mais o seguinte:
Suplemento ao n° 115, de 1 de Julho de 1982 (e mais o suplemento que nele se indica).
Proposta de aditamento de uma nova alínea ao n.º 2 do artigo 102.º da Constituição e de alteração do artigo 103.º
1 - Com vista a uma melhor ordenação de matérias, propõe-se que ao n.° 2 do artigo 102.° da Constituição seja aditada uma nova alínea d), passando a alínea d) do texto da Comissão a alínea e), do seguinte teor:
d) Promoção do escoamento dos produtos agrícolas no âmbito da orientação definida para as políticas agrícolas e alimentar, com fixação, no início de cada campanha, dos respectivos preços de garantia.
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2 - A ser aprovada esta proposta, o artigo 103.º - da Constituição passará a dizer:
ARTIGO 103.°
(Ordenamento e reconversão agrária)
O Estado promoverá uma política de ordenamento e de reconversão agrária, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do País.
Assembleia da República, 1 de Julho de 1982.- Os Deputados da ASDI: Jorge Miranda - Dias de Carvalho - Vilhena de Carvalho - Oliveira Martins.
Proposta de aditamento de uma nova alínea d) ao n.º do artigo 96.º (texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional)
1 - .............................
d) Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos materiais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração.
Assembleia da República, 1 de Julho de 1982.- Os Deputados do Grupo Parlamentar da UEDS: Lopes Cardoso - António Vitorino - Teresa Santa Clara Comes.
Proposta de aditamento de um novo n.º 2 do artigo 86.º do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
2 - A reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola, tendo em vista a transição para o socialismo.
Assembleia da República, 1 de Julho de 1982.- Os Deputados do Grupo Parlamentar da UEDS: Lopes Cardoso - António Vitorino.
PROPOSTA DE LEI N.° 82/II
ATRIBUIÇÕES DAS AUTARQUIAS LOCAIS E COMPETÊNCIAS DOS RESPECTIVOS ÓRGÃOS
Proposta de alteração ao artigo 2.º
No n.° 3 do artigo 2.° aditar "com recurso para os tribunais administrativos competentes".
No artigo 2.° aditar um novo número, que será o n.° 4, com a redacção seguinte:
4 - Enquanto não for publicada a nova lei do contencioso administrativo, a competência prevista na parte final de número anterior cabe à auditoria administrativa territorialmente competente, com recurso para a 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
Assembleia da República, 1 de Julho de 1982.- Os Deputados: Silva Marques (PSD) - Luís Sampaio (CDS) - Ferreira do Amaral (PPM).
PROPOSTA DE LEI N.º 116/11
CONCEDE AO GOVERNO AUTORIZAÇÃO PARA LEGISLAR SOBRE A ADESÃO DE PORTUGAL AO FUNDO AFRICANO DE DESENVOLVIMENTO.
Exmo. Sr. Chefe do Gabinete de S. Exa. o Presidente da Assembleia da República:
Encarrega-me S. Exa. o Ministro para os Assuntos Parlamentares de solicitar a V. Exa. se digne mandar dar sem efeito a proposta de lei que visa autorizar o Governo a legislar sobre a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento.
Nestes termos solicito e agradeço se digne mandar devolver a este Gabinete a referida proposta de lei.
Com os melhores cumprimentos.
Gabinete do Ministro para os Assuntos Parlamentares, 1 de Julho de 1982. - Pelo Chefe do Gabinete, (Assinatura ilegível.)
Impugnação
1 - Pela própria natureza das coisas e por força dos artigos 167.° e 168.° da Constituição, o instituto das autorizações legislativas reporta-se à função legislativa do Estado e tem em vista conferir ao Governo a faculdade de legislar sobre certas matérias, em princípio, reservadas à Assembleia da República ou seja, só há autorizações legislativas no domínio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Toda a prática e toda a doutrina jurídico-constitucionais corroboram este entendimento.
2 - A aprovação de tratados internacionais, prevista, quanto à Assembleia da República, no artigo 164.°, alínea f) e, quanto ao Governo, no artigo 200.°, alínea c), não cabe no exercício da função legislativa. £ uma competência política, insusceptível de qualquer tipo ou forma de autorização ou delegação.
Por outro lado, a aprovação de convenções internacionais não toma a forma de lei ou de decreto-lei:
Toma, sim, a forma de resolução ou de decreto (simples). Assim resulta da conjugação dos artigos 164.°, 169.°, 200.° e 201.°
3 - Invocando o artigo 110.° da Constituição, acaba o Governo de enviar a esta Assembleia a proposta de lei n.° 116/II, destinada a conceder autorização ao Governo para legislar sobre a Adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento.
Junta anteprojecto de decreto-lei, cujo artigo único tem o seguinte teor:
Pelo presente decreto-lei é aprovada a adesão de Portugal ao Tratado Internacional de Constituição do Fundo Africano de Desenvolvimento, anexo a este diploma e que dele faz parte integrante.
4 - A simples leitura destes textos mostra que se pretende, por esta via, nada mais nada menos do que fazer aprovar pelo Governo um tratado internacional que tem por objecto matéria de reserva absoluta de competência do Parlamento, e que, para tanto, se pretende usar a forma de decreto-lei.
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I Série - Número 116 Sexta-feira, 9 de Julho de 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
SESSÃO SUPLEMENTAR
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE JULHO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias
Secretários: Exmos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos sobre a substituição de deputados do PSD, do PS, do CDS e do PCP.
Prosseguiu a discussão e votação dos projectos de alteração à Constituição- artigo 136.º
Usaram da palavra, a diverso título (incluindo declarações de voto), os Srs. Deputados Sousa Tavares (PSD). José Luís Nunes (PS), Vital Moreira (PCP), Jaime Gama (PS), Carlos Brito (PCP), Carlos Robalo e Luís Beiroco (CDS). Veiga de Oliveira (PCP), Jorge Miranda (ASDI). Fernando Condessa (PSD), José Manuel Mendes (PCP). Lopes Cardoso (UEDS). Luís Nunes de Almeida (PS), Mário Tomé (UDP). Almeida Santos (PS). Herberto Goulart (MDP/CDE), António Vitorino (UEDS). Borges de Carvalho e Luís Coimbra (PPM), Silva Marques (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 24 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Rosário Pereira.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Alberto Monteiro Araújo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Damásio Capoulas.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Artur Morais Araújo.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eduardo Manuel Lourenço Sousa.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Baptista Nogueira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
João Vaz Freixo.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Luís Figueiredo Lopes.
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José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Dias Moreira.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Maria Dias Lopes.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata Cáceres.
Maria Emília Moreira da Silva.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Manuel de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Mendes Carvalho.
António Paulo Rolo.
António Pedro Silva Lourenço.
António Oliveira Santos.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
Jorge Moura Neves Fernandes.
José Alberto de Faria Xerez.
José Amândio Carvalho Monteiro.
José Augusto Gama.
Hélio Mário de Castro Pereira.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Carneiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luisa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Manuel Lemos Couto Azevedo.
Maria José Paulo Sampaio.
Maria Tábita Mendes Soares.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro Eduardo Freitas de Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
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António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Custódio Silva Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Sérgio Ferreira Pinto.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida,
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Osvaldo Sarmento de Castro.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luis Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social Democrata Independente (ASDI)
Fernando Dias de Carvalho.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda P/Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nicolau de Freitas para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Nicolau de Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Comissão de Regimento e Mandatos Relatório e parecer
Em reunião realizada no dia 8 de Julho de 1982, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
1) Solicitadas pelo Partido Social Democrata:
Natália de Oliveira Correia (círculo eleitoral de Lisboa) por Fernando Baptista Nogueira. Esta substituição é pedida por um período não superior a 45 dias, a partir do dia 8 de Julho corrente, inclusive;
José Augusto Santos da Silva Marques (círculo eleitoral de Leiria), por Fernando Fleming de Oliveira. Esta substituição é pedida por um período não superior a 45 dias, a partir do próximo dia 20 de Julho corrente, inclusive.
2) Solicitada pelo Partido Socialista:
Rui Fernando Pereira Mateus (círculo eleitoral de Lisboa), por Edmundo Pedro. Esta substituição é pedida para os próximos dias 12 a 17 de Julho corrente, inclusive.
3) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (círculo eleitoral de Braga), por Maria Helena Vilela Lopes de Castro Pimenta de Castro. Esta substituição é pedida para os próximos dias 13 e 14 de Julho corrente, inclusive;
Américo Maria Coelho Gomes de Sá (círculo eleitoral do Porto), por Manuel Eugênio Pimentel Cavaleiro Brandão. Esta substituição é pedida para os próximos dias 13 a 16 de Julho corrente, inclusive.
4) Solicitada pelo Partido Comunista Português:
Octávio Rodrigues Pato (círculo eleitoral de Lisboa), por Artur Manuel Mendonça Rodrigues. Esta substituição é pedida para os dias 8 de Julho corrente a 31 de Agosto próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos Partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
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As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos Deputados presentes que formaram maioria.
A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Mário Marques Ferreira Madure (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PCP e do PPM e com a abstenção da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar o debate relativo ao artigo 136.°.
O Sr. Deputado José Luís Nunes tinha feito uma intervenção, relativamente à qual há várias inscrições.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: A sua entusiástica referência ao pensador Maurice Duverger tem o maior interesse para a questão que estamos a debater. De facto, Sr. Deputado, o problema que eu ponho é que o sempresidencialismo é uma grandessíssima história sem fundamento científico e sem possibilidade de distinção dos dois regimes que existem: o presidencialismo e o parlamentarismo.
Temos que assentar de uma vez para sempre se o princípio de soberania essencial é o princípio da soberania parlamentar, ou se é o da soberania presidencial.
A construção de Duverger foi feita para agradar ao General De Gaulle, ou na sequência das teorias políticas do General De Gaulle e da Constituição que ele tinha elaborado à sua própria medida, teoria essa que, como se vê, assenta fundamentalmente numa prática total do presidencialismo.
A França é, actualmente, o país mais presidencialista que conheço, muito mais presidencialista que os países norte-americanos, na medida em que o Senado nos Estados Unidos da América tem um poder independente do Presidente - totalmente independente. Em França, ao contrário dos Estados Unidos, o Presidente é, não só o chefe do Executivo, como é o chefe do partido maioritário e da maioria da Assembleia; tem, portanto, nas mãos o conjunto de todos os poderes.
E essa essência de poder presidencialista que tem perturbado muitos espíritos em Portugal, quer de um lado, quer de outro, pensando-se que pode também o Presidente vir a ser um chefe de abóbada à maneira francesa. Ora, basta o nosso sistema eleitoral - que nunca criará uma maioria nesta Assembleia - para que essa teoria não seja possível.
Em segundo lugar, esse sistema não parece desejável, porque, por um lado, o problema não tem solução quando a maioria presidencial não for coincidente com a maioria parlamentar e, por outro, continua a não ter solução quando houver essa coincidência, pois o poder do Presidente fica de tal modo ilimitado que é duvidosa a essência da democracia em face desse problema.
Não compreendo, assim, como é que a oposição portuguesa criticou tão duramente a campanha do General Soares Carneiro, dizendo que a conjunção do Presidente, da maioria parlamentar e do Governo destruía a democracia. Afinal, em determinadas ocasiões, ela parece defender esta mesma teoria.
É isso que eu considero perfeitamente ilógico. É importante, no princípio do capítulo em que estamos a construir a figura jurídica do Chefe de Estado e dos seus poderes, que se compreenda que a essência do Chefe de Estado não pode ser a de um super-executivo, a de um homem que manda no Governo, mas tem, sim, que se configurar cada vez mais com a figura do rei constitucional eleito. Ou seja, um poder moderador, eleito por sufrágio universal, que adquira perante o povo uma determinada majestade e importância, mas cujo poder não pode, de maneira nenhuma, coarctar-se com o poder derivado de uma Assembleia. É esse mito do semipresidencialismo, de repartição de poderes, em que metade de um poder pertence a um lado e a outra metade a outro, que tem criado grandes obstáculos ao desenvolvimento do nosso processo político.
O semipresidencialismo, verdadeiramente, não existe. É um artifício para explicar uma situação momentânea do caso francês que pretende corresponder à ideia de eleição do Presidente da República por sufrágio universal. Na teoria política, porém, o semipresidencialismo não é nada e filosoficamente não resiste a uma critica séria em face dos factos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, não é um pedido de esclarecimento. Tinha-me inscrito para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Com certeza Sr. Deputado. Nesse caso, se assim o desejar, tem a palavra para responder o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Sousa Tavares acaba de pôr uma série de questões que tinham muito mais cabimento num colóquio acerca da obra do Professor Duverger do que num debate na Assembleia da República.
Risos do PS e do PSD.
Eu não faço uma referência entusiástica; sublinho só que alguns fazem referências demasiado depreciativas, sobretudo quando me lembro que na página 37 do programa eleitoral do PSD se defende que se deve consagrar um sistema de parlamentarismo mitigado que simultaneamente garanta a eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal, a responsabilidade do Governo perante o Parlamento e dê satis-
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facão a necessidades inegáveis de estabilidade governativa.
No que diz respeito ao problema do semipresidencialismo, eu direi que a expressão semipresidencialismo è pouco expressiva para fazer ressaltar uma realidade. Simplesmente em política a lógica predominante não é uma lógica dedutiva ou cartesiana, mas sim uma lógica tópica.
E, falando-se em semipresidencialismo, o que acontece é que o semipresidencialismo já entrou nos conceitos habituais da análise constitucional portuguesa e não vale a pena estar a perder muito tempo a exorcizá-lo.
No que respeita ao problema de saber como é que se integra esse sistema semipresidencial, é minha profunda convicção de que é errado...
Dr. Sousa Tavares, eu estou aqui a fazer um grande esforço para poder responder às suas inteligentíssimas questões. Peço-lhe por isso a sua atenção.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado, eu estou com o máximo de atenção.
O Orador: - Acontece é que, no seu caso, o máximo de atenção não é suficiente. Pedia-lhe mais alguma!
Risos do PSD.
Digamos, Sr. Deputado, um semi-máximo de atenção, já que estamos a falar de semipresidencialismo!
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - O Sr. Deputado José Luís Nunes quer que me ponha de joelhos?!...
O Orador: - Não senhor! Ainda não chegamos a esse ponto! Lá iremos!...
Dizia eu que, no que se refere ao problema da maioria presidencial coincidente com a parlamentar, a primeira pode e deve ser coincidente com a segunda, desde que partidariamente assumida. Quando, por exemplo, em França, o Presidente Mitterrand consegue uma maioria parlamentar coincidente com a maioria presidencial, as pessoas estão a votar um partido político. Quando se pretende uma maioria parlamentar coincidente com uma maioria presidencial, em que o Presidente da República põe como tema essencial da sua campanha não pertencer a nenhum partido político - como era o caso da candidatura do General Soares Carneiro...
Vozes do PSD: - Do General Eanes!
... -, é evidente que se não pode teorizar ou, como se diz vulgarmente, comer a dois carros. Ou se tem uma maioria presidencial e as pessoas despem a farda e se inscrevem no partido político - isto para tomar a sua tese como boa e fazendo o que se chama a crítica interna; ou então não há, pura e simplesmente, maioria presidencial, mas também as pessoas não podem dizer que o Presidente da República que é apartidário e independente coincide, afinal, com uma maioria partidária que como tal se assume.
Quanto ao que se diz sobre o rei constitucionalmente eleito, sobre isso tenho uma posição muito clara. É que o rei, figura magestática que se pretende criar, não pode ser colocada através... Ou melhor, o Presidente da República é o Presidente da República, e o rei ê o rei. Aqui temos a legitimidade do sangue, da família; ali, aquela legitimidade muito mais importante para nós, que é a da eleição.
É neste sentido que entendo que não podemos falar num rei eleito e que é um grave erro pensar que o Presidente da República, no regime constitucional português, é uma espécie de rei. Não é, pois os contornos da sua figura são absolutamente diferentes.
Creio serem estes os pontos que liminarmente se podem referir acerca da sua tão interessante exposição conceituai sobre o semipresidencialismo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de obter a clarificação de dois pontos da sua intervenção, Sr. Deputado José Luís Nunes.
Em primeiro lugar, supus - e pode ter sido um equivoco meu - que o Sr. Deputado defendia a solução que ora se apresenta, atacando a que actualmente existe, em nome do antimilitarismo.
Gostaria de saber, Sr. Deputado, se o militarismo é chamado a esta questão, quer contra uma, quer a favor de outra solução, e se nos regimes constitucionais, onde a designação das chefias militares compete exclusivamente ao Presidente da República, isso será sinal de militarismo.
A segunda questão que gostaria de ver esclarecida é a seguinte: supus ouvir que esta solução, no entender do Sr. Deputado José Luís Nunes, implica um aumento dos poderes do Presidente da República. Ora, sabendo-se que actualmente ele tem o poder de os designar, no quadro da solução constitucional e legislativa que dela decorre, e que segundo essa nova solução, embora mantendo o poder de nomear, perde o poder de escolher, as chefias militares, assim como o poder de escolher o momento, gostaria de saber onde é que se manifesta esse aumento de poder.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que eu chamei à colação a expressão militarismo e antimilitarismo, porque essa expressão é erradamente usada até por pessoas com responsabilidade que tinham obrigação de dela fazer um uso correcto.
Não se quer dizer - nem de forma alguma se pensa - que aqueles regimes em que as chefias militares são nomeadas directamente pelo Presidente da República sejam regimes militaristas. Falou-se no militarismo como forma de enquadramento para vincar a seguinte ideia: o cumprimento da lei, da ordem e da disciplina nada tem a ver com militarismo. Militarismo é as Forças Armadas terem um projecto político próprio. Isso é que é ser militarista. E geralmente o que acontece é que quanto mais militaristas são as Forças Armadas, mais abastardadas se tornam no plano disciplinar.
O problema de saber onde há aumento de poder é um problema que tem como background a distinção entre poderes constitucionais e poderes conferidos por um decreto do Conselho da Revolução. E a capacidade de nomeação das chefias militares por parte do Presidente da República não é um poder constitucional.
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O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado, não estava certamente a pretender dizer que a solução legislativa que lhe confere esse poder é inconstitucional?
O Orador: - Sr. Deputado, quando se diz que a capacidade de nomeação do Presidente da República não é um poder constitucional, não se tiram, de tal facto, as cavilosas insinuações do Sr. Deputado Vital Moreira.
É evidente que há toneladas de decretos que saem constitucionalmente definidos; há até um caso em que são atribuídos poderes ao Presidente da República - é o caso da presidência do Conselho Superior da Magistratura em que, na base da teoria dos poderes constitucionais implícitos, se explicitou um poder. É uma teoria que eu critico bastante, embora não seja inconstitucional.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Mas esse é um caso claramente inconstitucional, Sr. Deputado! A atribuição ao Presidente da República da presidência do Conselho Superior da Magistratura é uma situação clara, nítida e irremissivelmente inconstitucional. Sempre o defendemos. Agora, a atribuição - essa é que é a diferença, e foi para isso que eu pretendi chamar a atenção - ao Presidente da República da designação das chefias militares não é inconstitucional, pois é um claro desenvolvimento legislativo da atribuição constitucional ao Presidente da República das funções do cargo de Comando Supremo das Forças Armadas.
Essa ê que é a diferença fundamental.
O Orador: - Por acaso acontece que eu também estou de acordo consigo quanto à inconstitucionalidade da presidência do Conselho Superior da Magistratura.
Mas o que aqui se está a discutir, Sr. Deputado, é que, pelo facto de ser concedido ao Presidente da República, por decreto do Conselho da Revolução, um determinado poder de nomeação, não quer dizer que esse poder seja inconstitucional. É essa a minha convicção. O que acontece é que esse poder não está protegido pela maioria de dois terços que é conferida pela Constituição em relação à sua revisão; não é, portanto, um poder que tenha sido conferido pelos próprios Deputados constituintes. E isto tem uma consequência: é que enquanto os poderes constitucionais conferidos ao Presidente da República só podem ser revogados em termos de revisão constitucional, os poderes que lhe foram conferidos por decreto do Conselho da Revolução podem ser revogados, nos termos constitucionais ou de revisão, como qualquer lei ordinária.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que o volte a interromper, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para além de achar que é extremamente discutível saber se seria constitucional a revogação da lei que atribui ao Presidente da República a designação das chefias militares - pois isso, em meu entender, seria esvaziar totalmente de sentido a actual competência constitucional do Presidente para o cargo de Comando Supremo das Forças Armadas -, não é verdade que essa lei só poderia ser vetada pelo Presidente e, por outro lado, o veto poderia ser ultrapassado pela maioria de dois terços aqui na Assembleia? Não é verdade, portanto, que, embora indirectamente, ela tem uma protecção agravada em relação às leis ordinárias, e nesse sentido bastante aparentada com a protecção das próprias normas constitucionais?
O Orador: - Deixei sempre o Sr. Deputado Vital Moreira interromper-me, porque nós lentamente - «grão a grão enche a galinha o papo» - chegamos lá! É que o que o Sr. Deputado está a levantar não é nenhuma questão jurídica; é uma questão puramente política e de opção ideológica sua e da sua bancada.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não fuja do plano em que estamos, Sr. Deputado!
O Orador: - No que se refere à revogação constitucional do decreto do Conselho da Revolução - e vou fundamentar -, esta revogação pode ser sempre feita, da mesma forma que foi feita a atribuição e promulgado o decreto. Poderia pura e simplesmente o próprio Conselho da Revolução fazer um novo decreto dizendo que agora a nomeação dos chefes militares cabe ao Governo, ao Conselho da Revolução, etc...
Em segundo lugar, seria e será absolutamente constitucional - como o Sr. Deputado vai ter ocasião de ver quando votarmos esta alínea b) - esta modificação dos poderes do Presidente da República.
Em terceiro lugar, pergunta-se: se se mantivessem as coisas como estão, poderia ou não o Presidente da República utilizar-se da maioria qualificada de dois terços da Assembleia da República?
A questão é muito simples. É evidente que o Presidente da República em relação a qualquer decreto que lhe retirassem este tipo de poderes -como aliás em relação a qualquer normativo oriundo de qualquer dos órgãos de soberania - pode utilizar os seus poderes de veto, nos termos constitucionais. Mas isso não coloca este decreto num plano diferente daquelas outras manifestações gerais de vontade legislativa que podem ser usadas pelos diferentes órgãos de soberania, nos termos da Constituição.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Eram sempre precisos os dois terços, Sr. Deputado!
O Orador: - Leva porém, à seguinte consequência: é que o Presidente da República seria juiz em causa própria!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Isso já é outro código Sr. Deputado!
O Orador: - Se por acaso o Presidente da República vetasse uma lei que lhe põe em causa os seus poderes, e que aconteceria - e parece que é isso que o Partido
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Comunista deseja - era um enfraquecimento claro da figura do Presidente da República, ao ser juiz em causa própria.
Ora nós entendemos que os poderes do Presidente da República são aumentados - os seus poderes constitucionais ao ser-lhe conferido um direito que é praticamente um direito de veto em relação às chefias militares. Porque não há chefias militares nomeadas se o Presidente da República não quiser. Simplesmente, também entendemos que de forma nenhuma o Governo pode ser afastado, da sua competência, deste momentoso problema das chefias militares seriam demasiados poderes num só orgão do Governo, sobretudo num órgão não colectivo.
Tudo isto, pondo entre parêntesis as boas intenções das pessoas que se não discutem nem põem em causa -, se aparentava muito com um projecto de poder pessoal, inaceitável para qualquer democrata.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma questão que está na origem de uma vastíssima polémica na nossa vida política, cuja resolução será encontrada por esta Assembleia, ao abrigo dos respectivos poderes de revisão.
O problema da designação das altas chefias militares não é necessariamente um problema que tenha que obter solução em sede constitucional. A maioria dos países remete a resolução deste problema para a lei ordinária e não para a Constituição.
E na generalidade dos sistemas políticos existentes - particularmente os sistemas políticos democráticos-, a designação das altas chefias militares, particularmente dos Chefes de Estado-Maior de cada um dos ramos das Forças Armadas, ou do Chefe de Estado-Maior conjunto, quando exista, compete ao poder executivo. Se o poder executivo é, de acordo com o respectivo sistema constitucional, o Presidente da República, tal poder compete ao Presidente da República; se o poder executivo é o Governo, tal poder, de acordo com o referido sistema constitucional, competirá naturalmente ao Governo. É assim que acontece na generalidade dos regimes políticos existentes.
E é assim, porque nas sociedades politicamente organizadas a inserção das Forças Armadas na Administração Pública e no sistema político se faz através dessa modalidade.
Quando não são os poderes executivos a designar as altas chefias militares, é porque já se vive num regime onde são as altas chefias militares a designar os poderes executivos. É, de resto, o que acontece na generalidade das ditaduras. Temos bem presente o exemplo do que se passa com o regime argentino e os resultados que derivam, quer para os cidadãos em geral, quer para o próprio prestígio, independência e missão nacional das Forças Armadas dos regimes onde são as chefias militares a designar os titulares máximos do poder político.
Em Portugal existe um sistema semipresidencialista cuja natureza não será alterada - será antes conservada e desenvolvida- na actual revisão constitucional: o Presidente da República é eleito por sufrágio directo e universal; o Governo responde perante o Presidente da República e perante a Assembleia da República, sendo que o sentido essencial da escolha dos governos e dos programas de governo é dado pelos cidadãos, não através da eleição ou da escolha do Presidente da República, mas sim através da eleição e escolha dos Deputados nas eleições para a Assembleia da República.
E o Governo, de acordo com o sistema constitucional, é o órgão de orientação suprema de toda a Administração Pública.
Naturalmente que nestas circunstâncias - e tendo por missão essencial esta revisão constitucional pôr fim ao período de transição em que as Forças Armadas estiveram submetidas ao Conselho da Revolução, quer no plano político, quer no legislativo- se põe o problema de saber para onde transitam as competências do Conselho da Revolução em matéria militar.
Para alguns dos elementos desta Assembleia, tais competências deveriam transitar exclusivamente para o Presidente da República. É, no fundo, a solução que tem sido defendida -não em termos estruturais, mas em termos de mera conjuntura e de pura relação de forças no plano político pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não é verdade, não defendemos isso!
O Orador: - Tem sido uma constante dos seus documentos, das suas propostas e das posições que o seu Partido tem vindo a assumir, quer publicamente, quer na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, quer ainda no próprio Plenário da Assembleia da República.
Não sei se tais concepções teriam sido assumidas pelo Partido Comunista Português se tivesse sido diferente o resultados das últimas eleições presidenciais. Porque então se assistiria ao paradoxo de ver o Partido Comunista Português pugnar publicamente pela subordinação total e completa das Forças Armadas portuguesas ao General Soares Carneiro. A prova cabal de que as posições assumidas pelo PCP nesta matéria não assentam em nenhuma concepção de regime nem em nenhuma noção estrutural sobre a vida institucional dos portugueses penso que é testada por esta simples constatação.
O Partido Comunista Português, a propósito da questão militar e das Forças Armadas, defende uma alteração do regime semipresidencial existente e ainda, através da tematização deste problema, uma evolução presidencialista do actual sistema semipresidencial. Defende uma distorção presidencialista e defende, em relação à subordinação das Forças Armadas ao poder político, uma solução pessoalista, absolutista, militarista e miguelista.
Na realidade, se passarmos em revista o que é a nossa história constitucional em matéria de integração das Forças Armadas no poder político, constatamos que a Constituição de 1822 afirmava designadamente o seguinte:
Haverá uma força permanente de mar e terra determinada pelas Cortes, com sujeição do governo, a quem somente compete empregá-la como lhe parecer conveniente.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Mas o rei era o chefe do governo, Sr. Deputado!
O Orador: - Mas governava por intermédio dos seus ministros!
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Ele era o chefe do poder executivo e exercia esse poder por intermédio dos seus ministros. É essa a grande alteração entre a monarquia absolutista e a monarquia constitucional, como V. Ex.ª bem sabe.
A Carta Constitucional de 1826 dizia o seguinte: «à Força Armada essencialmente obediente ao poder executivo compete privativamente empregar a força armada de mar e terra como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do reino».
A Constituição de 1838 proibia expressamente que o rei comandasse a Força Armada, que existisse em tempo de paz um Comandante Supremo da Força Armada e que o rei pudesse, em tempo de guerra, nomear como Comandante da Força Armada algum príncipe ou membro da família real ou mesmo os infantes, visto que a Força Armada existe para manter a segurança do reino com sujeição ao governo, ou seja, a grande conquista da monarquia constitucional portuguesa da I República, em oposição à tradição miguelista, segundo a qual o Comandante em Chefe da Força Armada era o rei - em cima de um cavalo, como V. Ex.ª particularmente se deve recordar.
Risos do PS. do PSD e do PPM.
Esta tradição liberal e democrática não é assumida pelo PCP que regressa aos pontos de vista do miguelismo, do anti-liberalismo, do antiparlamentarismo e do anticonstitucionalismo, em matéria de resolução do problema da subordinação da Força Armada ao poder civil democrático.
Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!
De resto, através da revisão constitucional, será efectuada uma distribuição adequada das competências actualmente existentes no Conselho da Revolução pelo Governo e pelo Presidente da República, constitucionalizando-se a temática da designação das altas chefias militares, ou seja, através da revisão constitucional, esta matéria passa a ser resolvida em sede constitucional, o que não acontecia; em segundo lugar, o Presidente da República passa a ser participante num poder que não detinha e que em exclusivo estava cometido ao Conselho da Revolução.
Por outro lado, esta solução permite ao sistema político democrático definir coerentemente uma política de defesa e o vector militar dessa política, com o consequente controlo democrático que não existe neste momento.
V. Ex.ª não pode esquecer-se de que ao pretender subtrair as Forças Armadas ao controlo do Governo está também, e por consequência, a subtraí-las ao controlo do Parlamento e ao controlo democrático.
Este sistema permite, ainda, que as Forças Armadas se empenhem no cumprimento das suas missões nacionais e que não sejam partidarizadas.
De resto, o autogoverno das Forças Armadas, através da solução Conselho da Revolução, experimentada ao longo do período de transição, demonstrou: que não era um método adequado para possibilitar a definição e a execução de uma política de defesa nacional coerente e controlada por instituições representativas; que não era um método adequado para proceder à modernização das Forças Armadas; e que não era o sistema ajustado para impedir a partidarização das próprias Forças Armadas.
Trata-se de um sistema porventura ajustado ao período de transição para que foi previsto. Trata-se de um sistema que não é o mais adequado para a resolução, em permanência, de uma questão que é pacífica, que não pode ser encarada em termos de mera lógica de conjuntura, que não pode ser encarada na perspectiva maniqueia e de fogosidade permanente com que o PCP encara muitas das grandes questões da vida nacional.
Trata-se de uma questão institucional, de direito constitucional, não de uma questão de conjuntura, nem de uma questão de mera propaganda ou agitação política.
O nosso país é e será -e esta revisão constitucional serve para o demonstrar- uma democracia cada vez mais aperfeiçoada.
Sobre esta questão concreta, os dispositivos que foram elaborados na Comissão servem para integrar, de forma clara e inequívoca, o regime democrático português no vasto conjunto das democracias europeias, prestigiam a história política e institucional do regime democrático português posterior ao 25 de Abril e fazem-nos, finalmente, regressar à tradição liberal democrática e constitucional da monarquia constitucional e da I República.
Nesse sentido, pode dizer-se que neste ponto a revisão constitucional não é uma mutação drástica. É apenas o aperfeiçoamento de uma salutar continuidade de liberdade, de fidelidade aos princípios democráticos e de acatamento pleno de um regime constitucional representativo por parte das Forças Armadas Nacionais.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jaime Gama: Quando pedi a palavra tinha pensado inicialmente fazer um protesto em relação às suas afirmações.
Elas são, em todo o caso tão inconsistentes, as tentativas de acusar e de atacar o PCP resultaram tão inconsistentes das duas afirmações que resolvi não fazer nenhum protesto mas, antes, dar-lhe alguns esclarecimento e pedir-lhos também, finalmente.
Aliás, creio que a maneira como o Sr. Deputado Jaime Gama abordou esta questão é muito significativa. Trata-se de uma grande operação de diversão, para afastar, efectivamente, as questões muito vivas e graves que decorrem da solução que o Sr. Deputado Jaime Gama acaba de defender.
Começando pelo esclarecimento que lhe queria dar, devo dizer-lhe que é completamente falsa a sua afirmação de que o PCP defende a transferência de todas as competências militares do Conselho da Revolução para o Presidente da República.
Isso é completamente falso. Está comprovado em muitíssimas publicações do meu partido e até no preâmbulo do nosso projecto de revisão constitucional.
Aí dizemos (e leio porque vale a pena); «O PCP opor-se-á, designadamente, a qualquer solução que, a pretexto de uma viciada concepção do princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder civil, se traduza numa alteração substancial do actual equilíbrio entre os vários órgãos de soberania que conduza à governamentalização das Forças Armadas, tornando-as dependentes da situação política e do governo de cada
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momento ou que implique o abandono da necessária institucionalização do compromisso das Forças Armadas com o regime democrático-constitucional».
Tais são, portanto, as razões salientes que levaram o PCP a adiantar, na Resolução de 14 de Fevereiro, como alternativa possível para o desempenho das funções de regulamentação e administração das Forças Armadas, que actualmente competem ao Conselho da Revolução, a criação de um novo orgão, com um nome adequado, presidido pelo Presidente da República e que deve incluir, entre outros, o CEMGFA e os CEM's isto sem prejuízo de as funções legislativas de normação fundamental no campo militar deverem ser mantidas na competência exclusiva, que passará a não ser delegável, da Assembleia da República.
Isto é o resumo que aqui incluímos. Como vê, pensávamos num órgão (uma solução um pouco semelhante aquela que a FRS chegou a adiantar e relativamente à qual recuou), de um conselho superior de defesa nacional, talvez com atribuições mais vastas do que aquelas que a FRS lhe atribuiu.
Não temos culpa de que a FRS tenha abandonado essas ideias e que no texto agora proposto pela Comissão - assente no acordo do PS com a AD - o Partido Socialista tenha recuado sobre essas posições e tenha entregue, efectivamente, a direcção e administração das Forças Armadas ao Governo, com os imensos perigos, que temos apontado, da governamentalização, da partidarização e do controlo das Forças Armadas pela AD.
Passando adiante. O Sr. Deputado Jaime Gama perguntou-nos como teríamos procedido se o General Soares Carneiro tivesse ganho as eleições presidenciais.
Penso que esta pergunta se poder fazer perfeitamente ao Partido Socialista. Como é que o Partido Socialista teria procedido se o General Soares Carneiro tivesse ganho as eleições? Teria apresentado esta proposta?
O Sr. Jaime Gama (PS): - Claro!
O Orador: - Há todas as razões para duvidar disto. Esta proposta, como é sabido, não é uma proposta original do Partido Socialista. Esta proposta aparece pela primeira vez no projecto de revisão constitucional do Dr. Sá Carneiro.
Em substância, esta proposta é a bandeira de luta da AD nas duas últimas campanhas eleitorais, particularmente na última, em que colocou com força as questões da revisão constitucional. É a sua bandeira de luta.
O Partido Socialista até esse momento não se pronunciou sobre esta questão. Não se pronunciou durante as campanhas eleitorais. É só depois da eleição do General Ramalho Eanes que o Dr. Mário Soares, chamado à televisão e muito oportunamente, para responder a tal questão, adianta esta solução.
Quer dizer: E nessa altura que o Dr. Mário Soares adianta a solução da AD e não a solução do PS, que não se conhecia. E nessa altura que o Dr. Mário Soares adianta a solução da AD, isto é, o Dr. Mário Soares só adianta a solução da AD depois do General Ramalho Eanes estar reeleito Presidente da República.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - É, então, legítimo perguntar: Tendo em conta, de maneira muito séria, a conduta do Dr. Mário Soares durante a campanha eleitoral do General
Ramalho Eanes, uma mais do que equívoca posição, teria o Dr. Mário Soares apresentado esta proposta - como fez na televisão depois de o General Ramalho Eanes estar eleito -, se a eleição tivesse sido ganha pelo General Soares Carneiro?
Esta é que é a questão concreta que se pode colocar. Esta é que é a questão a que o Partido Socialista e o Deputado Jaime Gama têm que responder, porque esta é que é a questão que a nossa vida política coloca na ordem do dia.
Sabendo-se da fogosidade e da desenvoltura com que alguns dirigentes do Partido Socialista atacam o actual Presidente da República, então é de todo legítimo colocar esta cruciante interrogação no Plenário da Assembleia da República.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carlos Brito veio reproduzir as concepções do PCP, segundo as quais as chefias militares devem depender do Presidente da República enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas. É esse, aliás, também, o sentido da proposta que o PCP aqui apresenta.
Ora, é preciso que fique registado na história política portuguesa e europeia que o PCP, em 1982, é partidário de um sistema político constitucional segundo o qual as altas chefias militares devem depender do Comandante Supremo das Forças Armadas e devem depender do Presidente da República enquanto Comandante Supremo dessas mesmas Forças Armadas, nada tendo a ver com o restante sistema político-constitucional.
Disse o Sr. Deputado Carlos Brito que é falso que o PCP defenda que todas as competências do Conselho da Revolução passem para o Presidente da República. No entanto, até hoje, o PCP ainda não explicitou quais as competências que entende que devem passar para o Presidente da República, quais as competências que devem passar para o Governo...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Está aqui indicado. Não fuga à questão!
O Orador: - ... e quais as competências que devem passar para a Assembleia da República e para os tribunais.
De resto, o PCP pela «pena» e pela voz, por vezes excitada e nem sempre serena, do Sr. Deputado Vital Moreira, elaborou a teoria da governamentalização das Forças Armadas. Na base desta teoria, no seu centro, está um ataque político ao Partido Socialista.
Diz-se: «Então se o Governo é da AD, os senhores ao pugnarem por responsabilidades do Governo em matéria de defesa estão a entregar as Forças Armadas à voragem da Aliança Democrática».
Esta tese é perfeitamente insustentável em regime democrático e em termos de definição institucional de um sistema político.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Socialista não é anarquista quando está na oposição e ultracentralista quando está
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no poder. O PS tem uma concepção estrutural acerca do sistema político.
Somos contra a Aliança Democrática e pugnamos para que ela seja derrotada em eleições e para que sejamos a alternativa à Aliança Democrática. No entanto, não confundimos esta luta política no quadro institucional com a distorção desse próprio quadro, para impedir o sistema político de funcionar e para obstaculizar a que a defesa nacional seja definida em sede competente pelos órgãos de soberania a quem a Constituição compete a gestão desse sector: O Governo e o Parlamento.
Quando se é contra a governamentalização das Forças Armadas é se também contra o controlo da defesa e das Forças Armadas pelo Parlamento e apenas se pretende entregar as Forças Armadas a uma entidade unipessoal que só responde de 5 em 5 anos perante o eleitorado e que, de acordo com a Constituição da República, não é titular do poder executivo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Referiu o Sr. Deputado Carlos Brito a proposta de um conselho superior de defesa nacional. Nós avançamos com essa proposta.
No entanto, a nossa proposta de um conselho superior de defesa nacional era a de um órgão consultivo. Para o PCP tal conselho é um órgão executivo, em paralelo com o Governo e é um órgão de maioria militar.
Protestos do PCP.
O Orador: - Pasme-se! Um Partido Comunista, em plena Europa e em 1982, defende em matéria de defesa e de segurança nacional a doutrina vigente em muitos dos países da América Latina.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É totalmente falso!
O Orador: - Defende o conceito de auto-organização das Forças Armadas, com um poder executivo próprio, em paralelo com o Governo e com os restantes órgãos do sistema político-legitimados pelo sufrágio universal.
Sublime contradição a de um partido comunista que se identifica com a concepção militar e de defesa de muitas das ditaduras existentes em países árabes, africanos e da América Latina!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como é que o Partido Socialista procederia se o General Soares Carneiro tivesse sido eleito? Pois exactamente da mesma forma.
O mérito da nossa solução...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não é um mérito, não!
O Orador: - ... é que ela não se aplica a um homem, a um vencedor ou a um derrotado, antes se aplica indiferentemente, seja qual for o resultado das escolhas eleitorais.
O demérito da vossa solução é que é uma solução táctica, oportunista,...
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... demagógico, não institucional e que só se aplica num caso e não se aplica noutro.
Isto porque se nas próximas eleições presidenciais o resultado dessas eleições der como Presidente da República, hipoteticamente, o Secretário-Geral do meu partido ou o Prof. Freitas do Amaral, naturalmente veremos o Partido Comunista Português contestar, repudiar, mudar de posição e dizer exactamente o contrário daquilo que está a dizer hoje.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
Isto porque o Partido Comunista Português não tem uma concepção institucional e estrutural do regime democrático, antes tem uma concepção instrumental das instituições, as quais são umas numa determinada conjuntura e outras noutra.
Vozes do PS, do PSD e do CDS: - Muito bem!
Aqui está lançado um grande desafio político. É que se o PCP «flutua» tão insistentemente em matérias de concepções militares, que garantia nos dá que não «flutua», também tão insistentemente, em matéria de direitos, liberdades e garantias?
Vozes do PS, do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
Qual a credibilidade de uma força política que acerca da «ossatura» essencial do regime democrático não consegue ter mais do que meras opções conjunturais de interesse imediato, de campanha propagandística e de mero oportunismo táctico.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Disse ainda o Sr. Deputado Carlos Brito que -e com isso revelou uma ignorância total acerca dos factos e acontecimentos da nossa vida política, porque a sua lógica é uma lógica utópica e não uma lógica cronológica - a nossa solução reproduzia a solução preconizada pelo Dr. Sá Carneiro no seu célebre projecto de revisão constitucional.
Em primeiro lugar, é preciso «atar» as coisas. O projecto de revisão constitucional do Dr. Sá Carneiro é elaborado numa fase de acentuado presidencialismo e pró-eanismo do PSD e do Dr. Sá Carneiro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Socialista no seu Congresso, no documento dos anos 80 e através de um documento sobre a defesa nacional, com o qual se submeteu às eleições intercalares, já definia, de forma muito clara, os seus pontos de vista acerca desta matéria e das modalidades mais adequadas para a integração das Forças Armadas no sistema democrático.
Não se trata, portanto, de nenhuma viragem feita depois do General Eanes ter ganho as últimas eleições presidenciais.
O Sr. Carlos Bruto (PCP): - Ah, pois não!...
O Orador: - Não se trata de nenhuma recuperação de qualquer tese de outra força política.
O Partido Socialista tinha solução para esta matéria e devo dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito que em pura
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ortodoxia democrática, em pura normalidade constitucional e institucional não haveria lugar para constitucionalizar a designação das chefes militares.
Não há nenhuma constituição democrática que constitucionalize a designação das chefias militares. Mais ainda: só tendo em vista a realidade concreta portuguesa, as vicissitudes da nossa história recente e as necessidades de harmonizar o conjunto dos órgãos de soberania e a própria estrutura militar na gestão dos problemas da defesa nacional é que os CEM's virão a ser designados conjuntamente pelo Governo e pelo Presidente da República.
Não é essa a solução da grande generalidade dos próprios sistemas semipresidencialistas. O Sr. Deputado Vital Moreira sabe-o bem.
Deve ser portanto louvada, como esforço de compromisso muito razoável e como uma tentativa de englobar partes cuja vontade tem de ser considerada, esta solução de compromisso que foi obtida.
As palavras o PCP em matéria de defesa nacional não têm a menor credibilidade, antes são pontos de vista de subdesenvolvimento político e de incultura constitucional e democrática.
E mais lhes digo, Srs. Deputados do PCP: A vossa doutrina de defesa nacional è a mesma que em muitos países e regimes tem conduzido, em linha recta, à ilegalização do vosso partido e à morte e à prisão de muitos comunistas.
Aplausos do PS e da UEDS.
O Orador: - É necessário que o Partido Comunista Português não se faça o arauto de concepções de defesa, de segurança e de militarização do regime que são uma desvirtuação, gravíssima, do ideal democrático e da ortodoxia institucional da democracia política.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular um protesto, o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era para um protesto que, no entanto, será feito, da minha parte, no tom desapaixonado de quem efectivamente tem razão.
O Sr. Deputado Jaime Gama trouxe-nos aqui novamente a conceição intriguista da política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PSD.
O Orador: - É o seu modo de ser, de falar e de agir.
Na verdade, para combater as nossas posições o Sr. Deputado Jaime Gama carece de deformá-las e de distorcê-las corripletamente.
A nossa posição em relação a esta questão é perfeitamente clara. A nossa proposta está no preâmbulo do nosso projecto, não é aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama acaba de dizer, como todos tiveram oportunidade de verificar, e está defendida nas intervenções que fizémos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e nas intervenções que aqui continuaremos a fazer hoje.
Não estou especialmente preocupado com essas deformações e é, portanto, uma outra ordem de questões que vou abordar.
Sr. Deputado Jaime Gama, se alguém em Portugal é conhecido pela sua falta de respeito com os princípios, esse alguém é a Direcção do Partido Socialista
Aplausos do PCP.
Protestos do PS e da UEDS.
O Orador: - Srs. Deputados, acalmem-se, pois nós ouvimos calmamente!
Sr. Raúl Rêgo (PS): - Pois não parece!
O Orador: - Essa também é uma prova de apego à liberdade e à democracia.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Na Constituinte não diziam o mesmo!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos tranquilizar os espíritos e continuar o debate.
O Orador: - Estamos calmos. Estamos a discutir coisas sérias.
Protestos do PS.
O Orador: - Os Srs. Deputados não protestaram há pouco, quando o Sr. Deputado Jaime Gama nos dirigiu os piores insultos, que nós ouvimos...
O Sr. Cal Brandão (PS): - Quais insultos!
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Só disse a verdade!
O Orador: - Ah, ele disse a verdade!
Srs. Deputados, eu estou a dizer a verdade. Por isso ouçam agora - se não ouvirem, falo mais alto!
Dizia eu que se alguém em Portugal é passível da suspeição permanente de não honrar os compromissos, esse alguém é a Direcção do Partido Socialista.
Aplausos do PCP.
Protestos do PS.
O Orador: - Nós temos toda a legitimidade para dizer que quem «meteu o socialismo na gaveta» também pode «meter na gaveta» a liberdade e a democracia em Portugal.
Aplausos do PCP.
Protestos do PS.
O Orador: - Isto é a réplica ao Sr. Deputado Jaime Gama. No caso concreto, o Sr. Deputado Jaime Gama até os ajuda, quando diz que são muito raras.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Esquece-se da entrevista à Oriana Fallacil.
O Orador: - ... as constituições que constitucionalizam a questão da designação das chefias militares.
Sendo assim, Sr. Deputado Jaime Gama, porque é que o Partido Socialista propôs a constitucionalização da designação das chefias militares e o propôs desta maneira?
Aceitávamos, como tivemos ocasião de dizer na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que
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tudo ficasse como está, que não se mexesse. Ainda hoje mantemos essa proposta.
Uma voz do PSD: - Conservadores!
O Orador: - Não somos nós que dizemos «constitucionalize-se». Fizémos uma proposta no sentido de se constitucionalizar mas neste momento, em face da situação que está criada, até admitimos que se deixe ficar tudo como está.
Quem tem, portanto, essas concepções terceiro-mundistas quem tem essas concepções retrógradas, quem tem essas concepções miguelistas não é o PCP. Até aceitamos que a questão não seja constitucionalizada.
Uma voz do CDS: - Vocês são uns santinhos!
O Orador: - Por isso é que ganha todo o relevo a questão que aqui trouxe e em que, provavelmente, os Srs. Deputados do Partido Socialista ainda não tinham pensado. No entanto, é uma questão grave e é a seguinte: porque é que o Dr. Mário Soares só depois do General Ramalho Eanes estar eleito é que aparece com esta solução, que mais tarde veio a ser incorporada no projecto da FRS?
Sr. Deputado, não é ignorância dos factos. Estes são os factos da história política portuguesa, como se poderá ver consultando os jornais e a comunicação social da altura.
Uma voz do PS: - Já agora consulte os documentos do Partido Socialista, Sr. Deputado!
O Orador: - É por isso, Sr. Deputado Jaime Gama, que esta questão ganha aqui uma grande força.
Não é o PCP que é conjunturalista. Não é o PCP que se reporta à conjuntura e a uma situação existente na conjuntura.
É o Partido Socialista que é conjunturalista, porque duvido que se outro tivesse sido o candidato a ganhar as eleições, Dr. Mário Soares tivesse avançado essa solução.
Esta suspeição é perfeitamente clara, Sr. Deputado Jaime Gama, e os senhores não lhe deram resposta. E é tanto mais clara depois da atitude equívoca que o Dr. Mário Soares teve durante a campanha eleitoral do General Ramalho Eanes.
É isso que dá força a esta questão. É nisso que os Srs. Deputados têm que pensar e têm que reflectir.
Sr. Deputado Jaime Gama, não lhe nego que não possamos muitas vezes em política, - aliás como todos os partidos desta Casa ser conjunturalistas. Mas nós procuramos ser conjunturalistas para defender a democracia,...
Risos do PSD, do PS, da ASDI e da UEDS.
O Orador: - ..., para impedir que as forças da reacção ganhem mais posições e mais poder.
O Sr. Deputado Jaime Gama e a Direcção do Partido Socialista são também conjunturalistas. Isso decorre claramente, como se vê dos argumentos que lhe oponho, da sua intervenção, quando o senhor diz que até nem se devia constitucionalizar.
Portanto, até os senhores são conjunturalistas, mas são-no para dar armas à reacção, para dar força à AD e para pôr em perigo a democracia em Portugal.
Essa é que é a diferença essencial das nossas posições.
Aplausos do PCP.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para contraprotestar, o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa e para contraprotestar, naturalmente.
Não vou referir as partes menos claras, menos próprias, menos ajustadas e menos serenas que foram uma constante na intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, intervenção essa perpassada de um tom frenético, de onde se deduz claramente a fraca consistência dos pontos de vista que fundamentam e fundamentaram as palavras do Sr. Deputado Carlos Brito.
Disse o Sr. Deputado que o PCP tinha uma posição clara sobre esta matéria. Não tem. Ficou demonstrado desde há vários meses, ficou demonstrado no projecto de revisão constitucional do PCP, tem vindo a ficar demonstrado neste debate e ficou claramente demonstrado nas intervenções do Sr. Deputado Carlos Brito, que o PCP não tem uma visão clara sobre matéria institucional, nem tem um projecto de regime.
E não o tem, nem pode ter, porque o PCP privilegia, neste debate e neste confronto, claramente a oposição verbal e ideológica, a manipulação da opinião, a catadupa de propaganda contra o PS.
O PCP vê esta questão constitucional não como a questão de revisão constitucional em si, mas como a questão da luta de classes, como a questão da propaganda ideológica contra o Partido Socialista.
Quem se coloca num nível tão conjuntural, tão mediocremente conjuntural, não tem a clareza de ideias necessária para pensar um problema na sua essencialidade.
Sobre esta matéria o PCP produz literatura, literatura de propaganda, má literatura de propaganda, mas não produz ideias. E não produz porque as não tem.
De resto, neste debate o PCP tem revelado a fronteira clara que o separa de um partido como o Partido Socialista.
O PCP tem uma concepção minoritária e vanguardista da história e da luta política, não aceita a dinâmica do próprio regime democrático e pensa que os seus pontos de vista só podem ser viabilizados na sociedade portuguesa não por via de alternância democrática eleitoral, mas por via do braço armado, da instrumentalização das Forças Armadas.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Orador: - Daí que o Partido Comunista Português neste debate não ser o portador de uma concepção democrática do socialismo mas de uma concepção autoritária, minoritária e militarista do próprio socialismo. Felizmente, é esta uma das «pedras de toque» que separam os nossos dois partidos.
Estão aqui em causa, no fundo duas culturas: Uma, que enraíza no liberalismo, na tradição democrática e na tradição do socialismo democrático europeu; outra, que radica no miguelismo, no obscurantismo, no vanguardismo e no militarismo.
O PCP tem uma desconfiança em relação ao regime democrático. Nós temos convicção e confiança no regime democrático.
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Não queremos distorcer mas, sim, aperfeiçoar o regime democrático, para sermos alternativa através do voto popular. O PCP quer bloquear e distorcer o sistema político, para impedir que as livres escolhas do eleitorado tenham uma assumpção plena em termos de resultantes política, legislativa e governamental.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Deputado Carlos Brito argumentou de uma forma que lhe não é comum e que passou a utilizar depois do discurso do seu Secretário-Geral no encerramento da festa do Avante e nós ficamos também com a dúvida se a tradição do vosso partido entronca no profundo enraizamento liberal português ou no messianismo-, discurso que é um conjunto de dislates acerca da vida política portuguesa e onde o Secretário-Geral do seu partido acusou o Partido Socialista de ser conivente num golpe de Estado, quando o Sr. Deputado Álvaro Cunhal pode vir aqui ao Parlamento pedir a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito a esse golpe de Estado, ou pode apresentar uma queixa na Polícia Judiciária, com dever, aliás, de o fazer se são verdadeiras as acusações que aduz contra nós.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Orador: - O que não tem é o direito de confundir a opinião pública, sob pena de se tornar a si próprio um irresponsável, cujas palavras e conceitos já nada significam.
O Sr. Deputado aludiu a «falta de respeito para com os princípios», «socialismo na gaveta», «O Partido Socialista pode meter a liberdade e a democracia na gaveta».
Sr. Deputado Carlos Brito, não é do seu partido, não é da tradição política do seu partido, não é dos compromissos internacionalistas do seu partido que o Partido Socialista recebe a menor lição de transparência democrática ou a menor lição em matéria de liberdades públicas.
Vozes do PS: - Muito bem!
Ainda ontem, quando aqui se aludiu à questão da agressão ao jornalista Carlos Fino, a bancada do seu partido veio imediata, desvelada e embevecidamente tornar a defesa da grande pátria soviética.
É verdadeiramente lastimável que haja no Parlamento português um partido que na opção entre as grandes questões do interesse nacional e de outro país, faça o seu «coração» e as suas «palavras» moverem-se não no sentido do interesse dos cidadãos portugueses mas, sistematicamente, ao lado da política externa da União Soviética.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM e da ASDI.
O Sr. Limo Lima (PCP): - Essa é uma afirmação de cabo de esquadra!
O Orador: - Não se excite, Sr. Deputado, não se excite! Sr. Deputado Lino Lima, V. Ex.ª tem a obrigação de ser uma pessoa bem educada, não perante os parlamentares dos restantes partidos mas perante si próprio.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Eu estou a classificar o seu raciocínio!
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito veio aqui defender uma concepção de «presidencialização pessoalista», de «militarização miguelista», do regime político português.
E é natural que o Sr. Deputado tivesse procedido dessa maneira. Primeiro, porque ao de cima devem assomar as vicissitudes que resultaram no facto de o Sr. Deputado Carlos Brito ter sido candidato presidencial.
Risos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - E a distorção que V. Ex.ª realiza em matéria de defesa nacional e de forças armadas tem certamente, incita a óptica de um candidato presidencial, para mais um candidato presidencial desistente em favor de outro candidato, isto é, um candidato presidencial que quase não chegou a ser, porque outro já era.
Risos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - E, naturalmente, decorre desta situação de candidato duplo o facto de V. Ex.ª vir agora tão entusiasticamente preconizar e militar a favor da «presidencialização» das forças armadas.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Essa agora é de Parque Mayer!
O Orador: - Mas V. Ex.ª disse algo que surpreendeu: «deixe-se ficar tudo como está». Ou seja, V. Ex.ª é partidário de que, uma vez extinto o Conselho da Revolução, não se constitucionalize o sistema de designação das chefias militares, e que tal matéria venha a ser resolvida em sede de lei ordinária. Quando é certo que pela Constituição actual que o Sr. Deputado pugna que fique como está - só a lei de defesa é que é objecto de maioria qualificada de dois terços. Para além de que a matéria atinente à designação das altas chefias militares não cabe na Lei de Defesa, mas na Lei de Organização das Forças Armadas.
Protestos do PCP.
O Orador: - Pelo menos é lícito, a qualquer maioria parlamentar, que assim interprete.
V. Ex.ª, no seu afã de denegrir e caluniar o Partido Socialista português, não pondera os seus argumentos e não verifica que, na prática, é o Sr. Deputado quem acaba por entregar à maioria da Aliança Democrática o poder de escolher a forma de designação das chefias militares e nessa ocasião, naturalmente, se esperaria que a Aliança Democrática excluísse dessa escolha o Presidente da República.
Não sei se V. Ex.ª ponderou as consequências do seu argumento. Se não o fez, era bom que as tivesse ponderado antes de ter proferido semelhante raciocínio.
Vem o Sr. Deputado novamente à carga com o problema de que o PS só depois da vitória do General
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banes é que passou a adoptar este ponto de vista. É inteiramente falso. Já o demonstrei a V. Ex.ª, há documentos escritos...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mostre-me os documentos! Onde estão?
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Mostre aqui o que é que lá está!
O Orador: - ... tenho muito gosto em oferecer-lhos, até porque penso que sobre essa matéria de defesa nacional o Sr. Deputado tem ao seu alcance a possibilidade de consultar o documento intitulado «uma política para os anos 80 - mudar Portugal», adoptado no nosso penúltimo congresso em 1979, e tem igualmente ao seu alcance, para consultar, um documento específico sobre questões de defesa nacional que o Partido Socialista Português apresentou, e com o qual se candidatou às eleições intercalares de finais de 1979.
Devo dizer-lhe que a linha dominante desse documento vai no sentido do reforço do Ministério da Defesa Nacional, vai no sentido da integração das chefias militares como ramos da Administração Pública Militar no Ministério da Defesa, e é um documento em relação ao qual a posição consagrada no texto elaborado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional é já um saudável compromisso, não sendo, no entanto, a nossa posição inicial.
Diz o Sr. Deputado Carlos Brito: «O Partido Socialista Português quer entregar as forças armadas à Aliança Democrática». É um argumento, do meu ponto de vista, verdadeiramente indigente. É um argumento que não tem a menor consistência em regime democrático, porque a consequência lógica da sua posição - em termos de estruturação coerente de um regime político, em que existe um Presidente da República com uma determinada composição política, e existe uma maioria parlamentar e um Governo com outra, e V. Ex.ª necessariamente opta por um contra outros- seria a de defender um tipo de regime em que todas as questões essenciais da administração, o próprio Governo, as questões essenciais da vida do Estado, estivessem «penduradas» na figura do Presidente da República.
Esta concepção tacticista, concepção que tem por base determinante da sua formação a análise da relação de forças, mas não o interesse nacional nem o interesse das instituições, nem a lógica democrática, merece a mais viva reprovação por parte do meu partido.
Naturalmente que somos um partido de oposição à Aliança Democrática, mas não vamos defender um regime político em que o Governo não governe, para que a Aliança Democrática não governe. A nossa forma de combater a AD, não é sabotar constitucionalmente o regime democrático, é opormo-nos em termos parlamentares e democráticos, para sermos alternativa parlamentar e de governo à Aliança Democrática.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não podemos, nem desejamos destruir, bloquear, obnubilar, entorpecer ou distorcer o regime democrático, só porque a AD está no poder.
De resto, estamos convictos de que quanto mais o regime democrático se clarifica, quanto mais transparentes forem as instituições democráticas, quanto mais adulta e menos tutelada por instituições provisórias for a nossa democracia política, melhores são as condições para se exercitar a alternância democrática.
V. Ex.ª entendeu, exactamente, o contrário. É um ponto de vista do qual nós discordamos profundamente.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos Brito, que a colagem sistemática do PCP aquilo que intitula «os militares», aquilo que intitula «as forças armadas», aquilo que intitula os «Conselheiros da Revolução» e ao Presidente da República, são factores altamente negativos da nossa vida política, da nossa instabilidade institucional e da normalização psicológica e profissional das Forças Armadas portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Devo dizer-lhe, também, que os senhores prestam um gravíssimo serviço ao país, à normalização democrática, à institucionalização de um regime democrático de serenidade - e não de excitação permanente como aquele em que V. Ex.ª parecem mergulhar permanentemente - não contribuindo no mínimo para resolver esta questão institucional. E a colagem de V. Ex.ªs a certas personalidades, a certos órgãos de soberania ou a certos sectores das forças armadas é o pior serviço que lhes podem prestar.
Protestos do PCP.
O Orador: - Porque, a colagem dos senhores, seja a que posição for, tem o «mérito» imediato de pôr contra essa posição a esmagadora maioria do povo português...
Vozes do PS, do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Orador: - ... porque são uma força absolutamente minoritária em termos nacionais.
E naquilo que respeita à revisão constitucional e à clarificação de um regime democrático normal, V. Ex.ª ainda são mais minoritários porque é o vosso partido que se auto-exclue do processo de revisão constitucional. Auto-esclui-se de dar um contributo, que seria importante que tivesse dado, para o aperfeiçoamento do sistema democrático português.
Os senhores têm uma atitude condenável, não entendível em termos de democracia política e que trará pesadas consequências estou certo para o próprio futuro político do vosso Partido.
Protestos do PCP.
O Orador: - Sr. Deputado, não é do Partido Comunista Português, não é da esquizofrenia de um secretário-geral que anuncia golpes de Estado, cada domingo...
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Agora o PS não pateia!
O Orador: - ... que não prova e que se não verificam...
Protestos do PCP.
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O Orador: - ... que o Partido Socialista aceita lições de democracia.
Protestos do PCP.
O Orador: - Não é de uma força política que se recusa a assumir integralmente um projecto em defesa das liberdades públicas - que fecha permanentemente os olhos às violações dos direitos humanos numa parte do Mundo, que está constantemente a aludir a essas violações onde e quando lhe convém- que o povo português, esta Assembleia da República, e a consciência liberal, democrática e socialista dos portugueses, pode aceitar qualquer lição.
O PCP fala para o passado, nada diz ao presente, e não fala para o futuro.
Aplausos do PS, do PSD. do CDS e do PPM
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Agradecia que me informasse para que efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Agradecia que fosse breve e se restringisse à defesa da sua dignidade e honra. Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jaime Gama: Vou ser breve. Usarei o direito de defesa não só em meu nome pessoal, mas também em nome da minha bancada.
Começarei por afirmar que os ataques e as calúnias - que me dispenso até de qualificar- que o Sr. Deputado Jaime Gama lança sobre o meu partido, sobre os dirigentes e deputados do meu partido, estão na razão directa da consciência, da má consciência que o Sr. Deputado tem, dos serviços que o senhor e a direcção do seu partido - a equipa que está actualmente à frente do seu partido estão a prestar à AD, estão a prestar à direita e à reacção em Portugal.
Aplausos do PCP.
O Orador: - O Sr. Deputado teve a prova disso nos aplausos com que a sua intervenção foi calorosamente saudada pelas bancadas da AD.
Protestos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Eu dispenso-me, por isso mesmo, de responder às torpes calúnias que lançou sobre nós nos mais diversos aspectos.
Protestos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Queria dizer-lhe, Sr. Deputado Jaime Gama, que a consciência dessas cedências faz com que proceda da maneira como aqui hoje, exuberantemente, demonstrou.
Também quando fizeram a aliança como CDS, puseram o socialismo «na gaveta», e fizeram um conjunto de cedências a essa força que se iam aliar...
O Sr. António Arnaut (PS): - Não apoiado!
O Orador: - Os senhores procuraram explicar isso em nome da estabilidade do regime, em nome da democracia. Mas não foi nem em nome dessa estabilidade, nem do reforço da democracia...
Protestos do PS e do CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa é a vossa maneira de ver!
O Orador: - ...e tão pouco contribuiu para tornar o Partido Socialista mais forte. O Sr. Deputado deve saber tão bem como eu que data dessa altura a queda súbita do PS em termos eleitorais.
Agora quando o Partido Socialista e o seu principal dirigente se orientam para outras alianças, para outras ambições, para outras posições, os senhores cometem de novo o mesmo erro,...
Uma voz do PCP: - Muito bem! A questão é essa!
O Orador: - ... com a convicção -que eu admito que em muitos de vós seja perfeitamente honesta, perfeitamente segura, - de que isso será um contributo para consolidar a democracia em Portugal. Os senhores estão a ceder mais e mais trunfos à direita -como vêm fazendo ao longo destes últimos seis anos -, estão a ceder mais posições, mais meios, para a direita continuar a atentar contra a democracia em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD e do CDS.
O Orador: - E é aqui que veio a questão do golpe de Estado. O meu camarada Álvaro Cunhal não afirmou que os senhores estavam com a AD num golpe de Estado contra a democracia. Não afirmou isso.
Protestos do CDS.
O Orador: - O Secretário-Geral do meu partido o que afirmou é que se estão a chegar a soluções...
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quer interromper? Para ajudar o Sr. Deputado Jaime Gama? Olhe que ele bem precisa!
Faça favor.
Risos do PCP.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Queria-lhe perguntar se agora, em matéria de golpe de Estado, ía realmente tirar o «coelho do chapéu».
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
Risos do PSD, do PS, do CDS e do PPM.
O Orador: - Olhe Sr. Deputado Luís Beiroco, historicamente os senhores fizeram um golpe de Estado infamante para Portugal, que foi o 28 de Maio. Nós tivemos o 25 de Abril.
Em matéria de golpe de Estado, estamos conversados!
Aplausos do PCP.
Protestos do CDS.
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O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado também quer ajudar o Sr. Deputado Jaime Gama, ou quer ajudar o Sr. Deputado Luís Beiroco?
Sr. Presidente, eu nestas circunstâncias levo mais tempo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado é que está no direito de deixar ou não que o interrompam.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Os meus princípios de comportamento democrático,...
Risos do PSD, do PS, do CDS e do PPM.
O Orador: - ... e que nunca desmenti nesta Casa, levam-me a que, quando um Sr. Deputado me pede para interromper, eu conceda.
O Sr. Presidente: - Com certeza. Sr. Deputado, está no seu direito.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Mas, Sr. Deputado Carlos Brito, eu não quero que sejam as circunstâncias, mas sim o seu comportamento parlamentar -e repito parlamentar- que permita ou não permita a interrupção.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Queria dizer-lhe que não estou em apoio do Sr. Deputado Jaime Gama nem de ninguém, até porque não tenho uma noção colectivista da actuação parlamentar.
A única coisa que acontece é sorrir-me um pouco com a mediocridade de apartes e de intervenções. E é, de facto, pelas aleivosias de V. Ex.ª que sou levado a referir esta mediocridade, esta noção colectiva que nada tem a ver com a actuação parlamentar, nem com regimes democráticos,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ele só sabe fazer isso!
O Orador: - ... ainda que naturalmente o Sr. Deputado vá enchendo para si mesmo a boca com a palavra democracia.
Era só isto que lhe queria dizer.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Robalo, permiti a interrupção julgando que era para uma coisa séria. Afinal, eu também me rio com certas intervenções parlamentares e da sua mediocridade, Sr. Deputado Carlos Robalo.
Protestos do CDS.
O Orador: - Volto à questão que estava a abordar, se os Srs. Deputados do CDS me deixarem dialogar livremente com a bancada do PS e com o Sr. Deputado Jaime Gama.
Dizia eu que foi o mesmo erro de cálculo que vos levou nessa altura a fazer cedências ao CDS que se demonstraram pela vida e pela prática, extremamente desastrosas para a democracia portuguesa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Agora, levados por outras ambições, por outras alianças, pela vontade de conquistar outras posições que até para muitos de vós, podem aparecer como conduzindo à consolidação da democracia portuguesa os senhores estão a cometer todos estes erros que conduzem àquela situação que o meu camarada Álvaro Cunhal aborou no seu discurso do passado domingo, na festa do Avante.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Isso é que é o golpe de Estado. São nestas soluções, desde as condições em que é dissolvido o Conselho da Revolução, às soluções dadas às funções agora exercidas por este Conselho, como Tribunal Constitucional, como órgão de parecer e conselho do Presidente da República, como órgão de direcção e administração das Forças Armadas; é a solução dada aos poderes do Presidente da República: é esta questão em relação às chefias militares; é enfim, neste conjunto de soluções como dizia o meu camarada Álvaro Cunhal - que se está a consumar o golpe de Estado.
São estas soluções que os senhores adoptaram no vosso acordo com a AD que conduzem ao seu fortalecimento, que lhe permitirá - e particularmente tratando se de matéria militar amanhã dar o golpe de Estado contra a democracia portuguesa.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - É nesta base que os acusamos de estarem a prestar um péssimo serviço à democracia portuguesa, de estarem a pôr nas mãos da AD, nas mãos da força da direita, nas mãos da reacção, meios extremamente poderosos para que elas ataquem amanhã a democracia portuguesa, dando um golpe de Estado contra o regime democrático.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É a isto que os Srs. Deputados não responderam. E o Sr. Deputado Jaime Gama, ao longo da sua intervenção, não foi capaz de responder cabalmente à maneira como lhe coloquei aqui a questão das chefias militares e contrapor a nossa posição nesta matéria, incluindo a posição de que fique tudo como está.
Em relação a este problema os senhores é que querem mudar. E a vossa mudança, a alteração que propõem, vai favorecer a AD e os seus planos de conspiração e de subversão contra o regime democrático. Não "arrepiem" caminho e conversaremos daqui por seis meses, - mesmo em relação a certos planos que têm de eleições legislativas antecipadas, para já não falar nos resultados que terão nas eleições para as autarquias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PS.
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O Orado?: - Aí os senhores vão pagar tudo isto, se entretanto não arrepiarem caminho. Mas não somos nós que queremos isto...
Protestos do PS.
O Orador: - Se nós quiséssemos isso, diríamos.
Faça o Sr. Deputado Jaime Gama mais alianças com a AD, dêem mais à AD. O povo português sabe depois ajuizar, como ajuizou do vosso acordo com o CDS. Foram os senhores que pagaram, fundamentalmente, o preço desse acordo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Só que infelizmente o nosso povo e o regime democrático também pagam por isso.
Hoje o regime democrático é muito mais fraco que era à data do vosso acordo e do vosso governo com o CDS,...
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - ... como o será se estas alterações passarem. Mas não somos pessimistas em relação ao futuro. Mais fracas embora, pelos vossos erros e cedências à direita, as forças da democracia terão capacidade para defender a democracia em Portugal. Esta é a nossa convicção.
Aplausos do PCP.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime gama pretende responder? Agradecia que fosse breve.
Tem V. Ex.ª a palavra Sr. Deputado.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Mas isto agora é indefinido?
O Sr. Jaime Gama (PS): - Começou o Sr. Deputado Carlos Brito por referir a equipa que actualmente está à frente do meu partido. É um motivo para que o meu partido se congratule, o de ter equipas que «actualmente» estejam à frente da sua direcção e não equipas eternas, imutáveis, como a do seu partido.
Vozes do PS, do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - E, naturalmente, V. Ex.ª tem aí um salutar motivo de confronto. Quando referiu dessa forma o meu partido, ao pretender criticá-lo, estava a atrair sobre o seu próprio partido uma crítica que lhe é feita por muitos democratas portugueses e por muitos dos seus militantes e eleitores.
Protestos do PCP.
O Orador: - Em segundo lugar, referiu o Sr. Deputado Carlos Brito que o PS tinha má consciência pelos serviços que estava a prestar à AD, nesta matéria.
Sr. Deputado, não cheguemos a tão baixo nível! Não cheguemos a tal plano de dislate! Não cheguemos a tais métodos de «gangsterismo» político!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Que falta de argumentação!
O Orador: - Não enveredarei por esse tipo de linguagem e não curarei de averiguar a quem presta serviços o seu partido e a sua direcção.
Vozes do PS, do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): A quem é que o Sr. Deputado presta serviços?
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito, procurando já sair desta temática em discussão sobre as chefias militares, porque é a única coisa que o preocupa, e sabendo V. Ex.ª que este terreno é extremamente desfavorável ao seu partido -possivelmente até nem concorda inteiramente com aquilo que acabou de dizer - tentou desviar a atenção de um tema onde sabe que não tem argumentos e onde sabe que não é capaz de produzir ideias, referindo, por isso, a aliança do PS com o CDS.
Mas, então, o PS não pode fazer um governo com o CDS, quando nessa altura o PCP preconizava, como solução política nacional, um governo do PCP, do PS, do PSD e do CDS? Isto é, o Partido Comunista Português pode estar num governo em que está o CDS e o governo é progressista e quando o Partido Socialista faz um governo com o CDS o governo é reaccionário.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Então o PS não pode fazer uma aliança de governo com o CDS, e o PCP pode-se aliar ao CDS e ao PSD para derrubar um governo do PS?
Aplausos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Isto é, o PS é um partido reaccionário se faz um governo com o CDS; o seu partido é um partido progressista se faz oposição parlamentar em conjugação e em comunhão de esforços com o CDS!...
V. Ex.ª não fale mais do Governo PS/CDS!...
Risos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - V. Ex.ª é que não fale!
O Orador: - Por outro lado, disse o Sr. Deputado:
O Partido Socialista, com os seus erros, as suas cedências, está a favorecer a direita, a hidra da direita.
Em primeiro lugar, o seu partido não é o partido guia da esquerda portuguesa.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Não é a matriz ideológica da esquerda portuguesa. Não é quem nos ensina a estratégica e a táctica. Somos um partido independente do vosso, maior do que o vosso, mais importante do que o vosso, e que mais tem contribuído do que o PCP para a existência do regime democrático em Portugal.
Aplausos do PS.
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O Orador: - Em segundo lugar, devo dizer-lhe que se a direita se tem vindo a reforçar no nosso País, muito se tem ficado a dever à forma como o Partido Comunista Português actua na vida política nacional,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... à forma como o PCP agiu em 1975, à forma como o Partido Comunista Português permanentemente envereda em acções desestabilizadoras. Porque mais não faz, do que caluniar e insultar todas as restantes forças políticas, a começar pelo próprio Partido Socialista, porque o PCP não é um partido autónomo em relação à União Soviética...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... muito do reforço da direita se tem ficado a dever à forma como o PCP encarou o próprio processo de revisão constitucional.
Então, V. Ex.ª tem o desplante de dizer que o Dr. Álvaro Cunhal não disse o que disse? E pior, que o golpe de Estado é a revisão constítucional?!
Mas qual é a matriz democrática de um pensamento que qualifica de golpe de Estado uma revisão constitucional democrática elaborada por uma maioria de dois terços de um parlamento livre e que representa 85% do povo português? Como se pode classificar semelhante revisão constitucional de golpe de Estado? Só na mente «esquizofrénica» de um partido que não consegue respirar a vida democrática, porque não vive a vida quotidiana, porque está isolado num «ghetto mental» e apenas contacta com a realidade concreta da vida e dos sentimentos democráticos do povo português, através de um mensageiro ou de um periscópio.
Risos do PS, do PSD e do CDS.
O Orador: - Foi, certamente, tendo em vista essa esquizofrenia do golpe de Estado que o PCP, anteontem, veio aqui na Assembleia da República dar um contra-golpe de Estado preventivo - com as propostas que aqui apresentou e que têm a maior incoerência jurídica e constitucional. Ao golpe de Estado seria preciso contrapor o contra-golpe de Estado preventivo!
Mas V. Ex.ª não saberá que o país já não está em 1975?
Vozes do PS, PSD, CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Quer V. Ex.ª queira, quer não, há uma democracia normalizada. A revisão constitucional completará essa normalização.
O partido do Sr. Deputado é um partido que se comporta como uma entidade em estado «politicamente selvagem...»
Risos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - ... e porventura a culpa é da democracia portuguesa, que não conseguiu ao longo destes anos «domesticar» e «civilizar» o Partido Comunista Português.
Risos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
Orador: - O partido político a que V. Ex.ª pertence vive verdadeiramente num clima alucinante, arrastando os seus militantes para uma batalha permanente contra inimigos imaginários, para golpes de Estado que se não verificam, para contra-golpes de Estado que é necessário fazer, como se nós vivêssemos num far-west e como se o PCP fosse um bando de índios em pé de guerra permanente.
Risos do PSD, do PS, do CDS e do PPM. Protestos do PCP.
O Orador: - Srs. Deputados, não pretendo prolongar este debate com o Sr. Deputado Carlos Brito nem com o seu partido, uma vez que as questões estão totalmente esclarecidas.
O PCP tem uma visão instrumental da questão da defesa, uma visão instrumental e partidária da questão militar. Defende a «presidencialização», a «pessoalização das forças armadas, a evolução do regime semi-presidencial português, para um presidencialismo unipessoal de tipo autoritário, e com as forças armadas dependentes de um só homem.
O Partido Socialista tem uma concepção totalmente diferente, e é essa que fará largo vencimento na maioria qualificada nesta Assembleia. Uma concepção não oportunista, nem instrumentalizadora, não manipulada, nem partidarizada, mas uma concepção institucional.
Temos um conceito de democracia política, de sistema institucional democrático, de regime constitucional.
O Partido Comunista Português tem uma prática de relação de forças e de propaganda e agitação política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Entendemos que a defesa é um ramo de acção do Governo, e não que o governo ou a política sejam um sub-sector da segurança nacional.
O PCP tem a concepção latino-americana, autoritarista, da totalização da segurança nacional, do carácter liderante das Forças Armadas sobre a sociedade e as instituições, da redução da vida democrática a mecanismos não inteiramente transparentes, não dinâmicos, nem susceptíveis de gerarem alternativas democráticas.
Defendemos a integração das Forças Armadas no sistema político democrático representativo, porque essa é a única forma de o povo dirigir, através das suas instituições, toda a orientação global da vida do Estado.
O Partido Comunista Português entende que ao povo, através do sistema político que qualifica de formal, apenas cabe gerir questões de equipamento social. Entende que a defesa é um terreno à parte que não deve ser controlado pelas instituições democráticas representativas, nem pelo Parlamento; entende que os militares não devem estar integrados no sistema da Administração Pública ou que a política militar deve ser feita à revelia do Governo, sem inserção no sistema político.
É uma concepção que nós não partilhamos. Concepção que parece supor a existência de dois governos: um que presta contas à Nação, através de eleições e através das instituições representativas; outro que apenas presta contas a uma «corporação» isolada da realidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Consideramos que com a nossa posição, em primeiro lugar, se aperfeiçoa a democracia, se
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credibiliza o sistema democrático no qual, naturalmente, o PCP é chamado a assumir um papel, importante, construtivo, relevante, mas não um papel de bloqueio e de sabotagem permanente.
Queremos uma democracia transparente até ao ponto de pensarmos que essa é a forma de o Partido Comunista Português modificar as suas orientações políticas, tornando-se mais consentâneo com os interesses do regime democrático português.
Em segundo lugar, porque pensamos que è a nossa solução, e não a vossa, que mais serve a dignidade, a inserção, a independência, o profissionalismo, o patriotismo da esmagadora maioria dos militares portugueses. Maioria que está consciente de que só através da integração do sistema militar na estrutura política é que as Forças Armadas se reconciliam com a Nação, se identificam com o povo de que emanam, acatando a ossatura essencial do sistema democrático. E só assim poderão, em termos de valorização técnico-profissional, em termos de dimensão moral da sua própria vocação, assumir o pleno exercício das suas funções.
É, portanto, para bem do regime democrático e para bem das Forças Armadas Portuguesas que nós vamos rever, neste ponto, a Constituição da República e vamos fixar um regime de estabilidade através do qual a democracia em Portugal sairá reforçada.
Estou convicto de que a esmagadora maioria dos militares portugueses e a esmagadora maioria dos portugueses está ao lado da revisão constitucional democrática e está contra a permanente campanha de inviabilização e de bloqueio da revisão constitucional. Está do lado dos interesses de aperfeiçoamento essencial do sistema democrático e não do lado do seu bloqueio nem do lado daqueles que, através de uma concepção obscurantista da história e da política, são fixistas em matéria institucional.
E é na convicção destes dois pressupostos que nós entendemos que o PCP não tem absolutamente razão nenhuma, que os seus argumentos não são ideias mas sim slogans tácticos e que a coerência, a verticalidade, a concepção clara, transparente e genuinamente democrática está inteiramente do nosso lado.
Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, tenho que voltar a pedir a palavra para exercer o direito de defesa da minha bancada, porquanto o Sr. Deputado...
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
O Orador: - ... Jaime Gama, na intervenção que acaba de fazer,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, um momento, se faz o favor.
O Orador: - ... comprazeu-se em novos ataques, em novos...
Protestos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, peco-lhe que aguarde um momento.
O Orador: - ... e inexoráveis ataques...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, há um acordo que estabelecemos por consenso, na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, no sentido de que neste debate fosse cumprido o Regimento.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Então porque é que deu a palavra ao Jaime Gama?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Qual foi a figura regimental em nome da qual o Sr. Deputado Jaime Gama usou agora da palavra?
O Sr. Presidente: - Sistematicamente, quando alguém exerce o direito de defesa, temos dado a palavra ao interpelado para responder ao exercício desse direito. Assim tem sido sistematicamente.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O que aconteceu é que foi o Sr. Deputado Jaime Gama que exerceu o direito de defesa e eu...
O Sr. Presidente: - Não, não!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, basta consultar a gravação. O Sr. Deputado Jaime Gama pediu a palavra para exercer o direito de defesa. E eu...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Gama pediu a palavra, depois do protesto de V. Ex.ª, e eu perguntei se era para um contraprotesto ou para...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não foi assim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Peço desculpa de insistir mas o Sr. Deputado Jaime Gama disse-me que poderia exercer o direito de defesa ou contraprotestar e eu dei-lhe a palavra para um contraprotesto. O Sr. Deputado Carlos Brito invocou a sua dignidade...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E volto a invocar novamente...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, agradeço que V. Ex.ª siga o que estou a dizer. Depois do contraprotesto do Sr. Deputado Jaime Gama, o Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para defender a sua dignidade pessoal e a do seu Grupo Parlamentar e eu dei-lhe a palavra. Depois o Sr. Deputado Jaime Gama pretendeu, tal como temos feito nessas circunstâncias, responder aos termos em que V. Ex.ª exerceu o direito de defesa, pelo que lhe concedi a palavra. Agora é que não posso voltar a dar-lhe a palavra, Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu creio que terá reparado que o Sr. Deputado Jaime Gama o fez
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em termos tão insultuosos para a minha bancada que nós não podemos deixar de replicar a...
Protestos do CDS.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - ... essas acusações e insultos que nos foram dirigidos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa. O Sr. Deputado permitirá, com um mínimo de confiança, que a Mesa conduza os trabalhos.
A verdade é que da lógica do próprio debate parlamentar não pode resultar que se tenha sempre a última palavra. De facto, há dois Deputados do PCP inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama. A verdade é que o Sr. Deputado Carlos Brito, se tem as suas razões, - e elas serão necessariamente fortes para o estar a fazer insistir com a Mesa nestes termos - não pode prejudicar as outras intervenções que estão para se fazer. Peço, pois, que considere tudo isso e me deixe dar a palavra aos oradores que estão inscritos a seguir...
O Sr. Carlos Muito (PCP): - Sr. Presidente, a verdade é que fui insultado pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
Eu posso aceitar o que me diz porque é ao Sr. Presidente que cabe dar a palavra. Aceito mas não posso deixar de protestar pela discriminação que a Mesa faz em relação à minha bancada e em relação aos meus direitos regimentais. É uma discriminação que ficará gravada, é uma discriminação negativa contra o PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - A Mesa entendeu que não há qualquer espécie de discriminação, assume toda a responsabilidade e não dá a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito.
Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente é para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O nosso Grupo Parlamentar entende - e já ontem tivemos aqui ocasião de suscitar este incidente a propósito da utilização das figuras regimentais -, que a atitude da Mesa é de clara discriminação em relação ao comportamento que teve ontem, pelo que não podíamos deixar passar em silêncio este incidente.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Assumo também a crítica do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não basta assumir. É preciso emendar o erro!
O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra para interpelar a Mesa, dou a palavra ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jaime Gama: Depois de encaixar, pela terceira ou quarta vez, a parte que me toca de esquizofrenia, a parte que me toca de mistificador, de completamente estranho à realidade portuguesa, de autoritário, de bloqueador, de sabotador e de tantos outros epítetos que o Sr. Deputado Jaime Gama dirigiu ao PCP e à minha bancada, depois de encaixar tudo isso não resisto à tentação de lhe dizer que o Sr. Deputado Jaime Gama revelou, claramente, nesta última meia hora, aquilo que se poderia chamar o sindroma do «anti-pecêpismo». E mostrou que está numa f ase obsessiva.
É que o Sr. Deputado Jaime Gama conseguiu esta coisa simples: a pretexto de uma intervenção que deveria versar sobre a questão essencial de saber como ficariam inseridas as Forças Armadas no quadro constitucional democrático da organização do poder político e a pretexto de dar esclarecimentos e de fazer protestos, o Sr. Deputado Jaime Gama passou três quartos de hora a atacar, sem nenhum pudor e de uma forma completamente gratuita, a propósito de tudo e de nada, o meu partido, a minha bancada, a nossa linha política, as nossas posições, aquilo que decidimos ou não decidimos, a forma de estar no País, etc.
Sr. Deputado, isto é claramente uma forma conseguida de evitar discutir a questão que estava em apreço e que será discutida porque o que quero, neste momento, é voltar à questão.
O Sr. Deputado começou por fazer um bosquejo histórico que nos fez recuar mais de cem anos. Também aí não se dispensou de sacar uma acusação para o PCP, que eu nunca tinha ouvido e que terá, pelo menos, o mérito de ser a primeira vez que é feita: a de que nós somos miguelistas.
Mas o problema que se põe em relação à inserção da instituição militar no quadro da organização do poder político não pode ser iludido, ainda que com esse bosquejo histórico. Porque a questão que se põe é a de saber se a vossa solução, aquela que dizem ser vossa e que está hoje na proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, contribui para uma manutenção do equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania e se contribui para garantir a inserção das Forças Armadas na defesa do regime democrático e conforme à Constituição (que nós pretendemos que continue a ser a Constituição de Abril). É esta a questão.
Ora, o que nós dizemos é que a vossa solução, agora adoptada pela Comissão, é uma solução susceptível, que pode levar à governamentalização das Forças Armadas, e, por isso mesmo, à partidarização das Forças Armadas. E não há, Sr. Deputado Jaime Gama, nenhuma obscenidade em fazer afirmações deste tipo. Não há aqui nada de misterioso. Percebe-se claramente o que se quer dizer, tanto mais que, tendo o Sr. Deputado Jaime Gama feito o bosquejo histórico que fez, esqueceu-se de pensar que para recuar um século pode ter que recuar menos do que um século, pode ter que recuar simplesmente uma dezena ou dezena e meia de anos.
Eu gostaria que o Sr. Deputado Jaime Gama me respondesse claramente a esta questão: é ou não verdade que em Portugal as ditaduras têm revestido sempre a forma da governamentalização e da instrumentalização das Forças Armadas? É ou não verdade que, durante o regime fascista, o ditador Salazar era presidente do Conselho de Ministros, era Chefe do Governo e que foi a
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partir do Governo que manipulou, instrumentalizou e fez totalmente depender de si as Forças Armadas, pondo-as ao serviço do seu partido único e da sua ditadura?
Ora, Sr. Deputado, a questão que nos preocupa é uma questão que tem a ver com o regime e não apenas com a conjuntura.
Mas falemos de conjuntura se quiser. O Sr. Deputado fez aqui, entre outras coisas, ficção política, porque não é mais do que ficção política dizer: «... e se se tivesse passado isto o que é que seria?». Naturalmente que todos nós pudemos sempre adiantar, como forma especulativa, quaisquer «sés», adiantar perguntas e daí sacar respostas que agradem à defesa desta ou daquela posição que queiramos tomar. Mas a pergunta que faz quando diz «e se tivesse sido eleito presidente o General Soares Carneiro que posição defenderia o PCP», é uma pergunta que vale igualmente para qualquer força política que aqui está.
Ora, esta pergunta deve ser vista num quadro mais especial. É que antes mesmo das eleições presidenciais e da morte do Dr. Sá Carneiro, era exactamente o Dr. Sá Carneiro que defendia a solução que vocês hoje defendem. Ê deve-se perguntar porque é que era ele que defendia essa solução - ele que era Chefe do Governo, o Primeiro-Ministro na altura. Esta pergunta, sim, talvez seja mais útil para compreender o eventual resultado da solução que vocês propõem.
Mas mais, Sr. Deputado Jaime Gama. V. Ex.ª proeurou sempre situar-se ao nível cio discurso teórico, isto é, teorizou a respeito da democracia, teorizou a respeito do sistema democrático, teorizou a respeito da Constituição, teorizou a respeito das Forças Armadas, teorizou a respeito da inserção das Forças Armadas no enquadramento constitucional. Teorizou a respeito disto tudo.
Mas, Sr. Deputado Jaime Gama, a questão que temos diante de nós é uma questão concreta e devo-lhe dizer que mesmo na ciência a teoria vem depois. Primeiro vem a f actualidade da realidade e só depois vem a ciência, só depois vem a teoria. E o que o Sr. Deputado Jaime Gama fez foi, mais uma vez, iludir a questão concreta que temos diante de nós e que é a de saber se a solução que vós propusesteis e que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional adoptou e que corresponde à solução do Dr. Sá Carneiro, em 1979 - é ou não boa, se ela é ou não susceptível de conduzir à partidarização das Forças Armadas, à sua governamentalização, e de, portanto, abrir o caminho a que tentações do diabo se repercutam gravemente sobre a democracia portuguesa. Esta é que é a questão, Sr. Deputado. Não é a questão de fazer teoria a respeito disto ou daquilo.
E sempre lhe direi que nem os exemplos estrangeiros colhem. Porque o Sr. Deputado Jaime Gama sabe muito bem que há um país - que o Sr. Deputado não excluirá dos países democráticos - que por ser um regime democrático, é um País que o Sr. Deputado não excluirá da Europa e que por ser da Europa é um país que o Sr. Deputado não excluirá dos regimes semi-presidencialistas. Refiro-me à Finlândia em que a solução adoptada é precisamente aquela que nós, PCP, propomos. Não percebo, pois, porque é que a solução do PCP é antidemocrática, é anti-nacional, é todos esses «antis» que o senhor disse, e a solução finlandesa é democrática porque democrático é o regime finlandês e não é anti-nacional porque nacional é o regime finlandês. Não percebo porque é que a solução finlandesa não foi citada nem foi havida pelo Sr. Deputado Jaime Gama. Esta é também uma questão a que V. Ex.ª devia responder.
E devia responder a mais, Sr. Deputado. Quando se quer inculcar a ideia de que a não dependência exclusiva do Governo é já uma espécie de compromisso com a direita, como o Sr. Deputado lhe chamou, eu poderia perguntar-lhe: então o que é que a direita desejava, se isso é apenas uma solução de compromisso? Quer explicar-me qual é o termo inteiro da direita se aquilo é apenas o meio termo? Não compreendemos. O Sr. Deputado defende que a solução do Partido Socialista é a de total e exclusiva dependência do Governo. Muito bem. Mas eu então pergunto qual é o termo inteiro da direita e para que foi essa solução de compromisso com a direita?
É também necessário que seja explicado aqui, claramente que do ponto de vista da subordinação das Forças Armadas ao poder político e às instituições democráticas pelo menos tanto vale que elas estejam inseridas ao nível do Presidente da República, que é um órgão eleito por sufrágio popular, como sejam submetidas ao Governo, que, por acréscimo, não é directamente eleito por sufrágio popular e é um orgão caracterizadamente, e por força da sua nascença, partidário pelo que poderá ter tentações de partidarizar as Forças Armadas.
Estas questões não podem ser vistas em teoria, Sr. Deputado Jaime Gama. Assim, deve aqui responder concretamente porque é que se afastou da análise concreta da nossa realidade e se limitou a fazer circunlóquio a respeito de todas as teorias possíveis em termos de instituições democráticas e em termos de inserção das forças armadas no poder político democrático.
Estas são questões às quais poderia responder com mais proveito do que fez há pouco e deixar-se de ataques gratuitos e por isso mesmo obscenos ao PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Enquanto o Sr. Deputado Jaime Gama falava reflectia comigo que porventura o seu discurso contém a mais alta taxa de adjectivos e de advérbios de modo por 10 palavras. E reflecti também comigo que porventura esse excesso de adjectivos não compensa a falta de ideias, o excesso de advérbios não compensa a falta de argumentos, a insanidade verbal é porventura sinal de falta de razão, o histrionismo e o funambulismo podem porventura fazer rir bancadas de circo mas não dão propriamente razão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Vem isto a propósito da necessidade que teve em incorrer em falsificações de tal monta e em incoerências de tal profundidade que eu pergunto a mim mesmo se, sendo esses os únicos modos para defender a vossa proposta, ela tem, ao fim e ao cabo, qualquer modo de ser defendida.
Tinha para mim até agora que, das propostas em discussão, nenhuma delas era susceptível de ser condenada sob o ponto de vista dos princípios democráticos ou não, e que, qualquer delas era susceptível de ser defendida com argumentos pertinentes
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mais ou menos relevantes. Afinal, enganei-me. Cheguei à conclusão de que desses argumentos pertinentes o Sr. Deputado Jaime Gama não conseguiu elencar um e que preferiu entrar pela defesa passional dos princípios e amarrar ao pelourinho da condenação histórica soluções que até agora ninguém tinha tido por antidemocráticas, por anticonstitucionais, ou sequer, por ininteligentes.
Mas vamos ao discurso do Sr. Deputado Jaime Gama. É um rosário de falsificações, por um lado, e de incomensuráveis incoerências, por outro lado. Seleccionemos, falsificação n.º 1, o Sr. Deputado Jaime Gama afirma: o PCP é partidário de uma evolução presidencialista do regime, propõe a concentração no Presidente da República de todas as competências militares e a transferência para o Presidente da República de todas as actuais atribuições cometidas ao Conselho da Revolução.
Ora, isso é, falso e, pior do que isso, o Sr. Deputado Jaime Gama sabe que é falso. Não propusemos a transferência nem de um só dos actuais poderes do Conselho da Revolução para o Presidente da República. Não propusemos um aumento qualquer aumento - dos poderes militares do Presidente da República. Propusemos isso sim - e assim o dissemos - a criação de um Conselho Superior de Defesa Nacional, com uma competência a determinar, que herdasse as competências do Conselho da Revolução.
O Sr. Deputado Jaime Gama é conhecido como leitor atento dos documentos do meu Partido. Mas mesmo que o não fosse aí está o projecto de revisão constitucional que apresentámos para o dizer. Já foi lido, mas importa dizê-lo porque nós provamos com os documentos que invocamos, ao contrário do Sr. Deputado Jaime Gama que invocou documentos, como por exemplo o «Portugal dos Anos 80», em que, na verdade, não se diz nada daquilo que se pretendeu ou insinuou dizer que lá estava, porque até ao projecto de revisão constitucional da FRS, ou, melhor dizendo, até à declaração do Dr. Mário Soares após as eleições, nunca, até então, o Partido Socialista tinha defendido a posição que nessa altura era sim já a da AD, constante do seu compromisso constitucional durante as eleições locais.
Leia-se então o preâmbulo do projecto do PCP: «Tais as razões que levam o PCP a propor, como alternativa possível para o desempenho das funções de regulamentação e administração das Forças Armadas...», que são as do Conselho da Revolução - «... um novo orgão, com uma designação adequada, presidido pelo Presidente da República e que deve incluir entre outros o CEMGFA e os CEM's...».
E quanto às funções legislativas propúnhamos a sua atribuição à Assembleia da República e, como são estas as atribuições em matéria militar, nenhumas delas propúnhamos para o Presidente da República.
E, pois, falsa a imputação. E essa falsificação é deliberada. Porque é que o Sr. Deputado Jaime Gama teve necessidade desta falsificação qualificada, desta imputação totalmente inverídica, que se choca com toda a realidade, para tentar provar o seu ponto?
Falsificação n.º 2: O Sr. Deputado Jaime Gama atribui-nos que o tal Conselho Superior de Defesa Nacional - que só depois descobriu que propúnhamos e que afinal descobriu que era a ele que atribuíamos as tais competências que o Sr. Deputado Jaime Gama originariamente tinha dito que nós atribuíamos ao Presidente da República- iria ter uma composição maioritariamente militar. É falso. Em nenhum lado está isso.
Dizemos claramente no preâmbulo do nosso projecto que a composição seria determinada por lei e composta, entre outros, pelo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e pelos Chefes de Estado Maior, coisa, aliás, que a própria FRS propunha no seu projecto. Não sei a que vem esta imputação, por sobre ser uma falsificação, à ideia constante do nosso projecto.
Porquê, aqui também, o Sr. Deputado Jaime Gama teve a necessidade de falsificar deliberadamente (porque eu não acredito que ele não tenha lido ou, lendo, tenha treslido o preâmbulo do nosso projecto) para provar o seu ponto de vista?
Deixemos as falsificações, passemos às incoerências.
Incoerência n.º 1: o Sr. Deputado Jaime Gama diz que atribuir ou continuar a atribuir ao Presidente da República a competência para designar as chefias militares é miguelismo, antidemocratismo, anticons-titucionalismo e antiliberalismo. E diz mais: que o que se marca aqui são duas culturas, a cultura democrática, constitucional e liberal da proposta do Sr. Deputado Jaime Gama, que é também a da AD e de outros notórios liberais, democratas e constitucionais, e a nossa, essa sim, antiliberal, antidemocrática e anticonstitucional.
Mas, Sr. Deputado Jaime Gama, a coerência devia-o levar a invocar o governo monárquico, em que aliás o Chefe de Estado era o Chefe do Executivo, e levar a invocar também o regime salazarista, que, por acaso, até foi um dos mais longos regimes que tivemos e em que a tal solução liberal, democrática e constitucional era aquela que efectivamente vigorava. E, portanto, terá de provar aonde está a coerência da tal única solução que, só por si, prova o seu carácter democrático, liberal e constitucional a qual, de acordo com a nossa tradição, constituiu a solução adoptada, praticada com notório sucesso pelos seus propósitos pelo regime salazarista.
Mas se o atribuir ao Presidente da República esta competência é miguelismo, então como qualificar a concentração, não apenas do poder do Presidente da República para nomear, mas também da própria qualidade de Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, que o Partido Socialista deixou manter, durante vários anos, entre 76 e 80, sendo mesmo Governo com esse notório exemplo de líder miguelista, que foi o General Ramalho Eanes enquanto manteve não só a qualidade de Presidente da República e de nomeador do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, como também se manteve ele mesmo a exercer essa mesma competência. Como foi possível que o Partido Socialista - e o CDS - se deixassem nomear e governar com esse notório exemplo de ultra miguelismo que era a concentração não apenas da chefia do Estado mas também da própria chefia e comando directo e efectivo das Forças Armadas.
Incoerência n.º 2: o Sr. Deputado Jaime Gama proeurou atrelar a nossa posição ao pelourinho da história, dizendo - imaginem! - que o PCP em 1982 propõe, no seu projecto, que a competência para a designação das chefias militares sejam uma derivação da qualidade do Presidente da República como Comandante Supremo das Forças Armadas. E fez essa acusação histórica com o peso, a gravidade de quem estava a amarrar aos pés dos PCP toneladas de chumbo que o atirariam para as profundezas infernais da história. Mas - ó infelicidade!- não é esse exactamente o propósito no projecto da FRS? Não diz exactamente o projecto da FRS que é «... na qualidade
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de Comandante Supremo das Forças Armadas que ao Chefe do Estado ou Presidente da República compete designar as chefias militares...»? E então essa imputação, essa derivação, essa qualificação é, quando somos nós a defendê-la, susceptível de nos atirar para as profundezas antidemocráticas da história, e, no caso do Partido Socialista, é prova de respeito pela tradição liberal, democrática e constitucional?
Como se justificam estas falsificações e estas duas incoerências?
Porque é que o Sr. Deputado Jaime Gama, em vez de optar por defender a proposta naquilo em que é possível defendê-la, optou por falsificar uma, duas e mais vezes (limitei-me a referir duas) de forma qualificada, deliberada, e logo de má-fé, as posições do meu Partido? E porque é que incorreu nestas incoerências, que seriam graves na pessoa de qualquer deputado, mas que são gravíssimas na pessoa de um dirigente partidário? E porque é que assume a vis a defesa das regras democráticas e que ousa qualificar todos os outros como antidemocráticos? Como é que isto se justifica senão como falta de razão, incapacidade de as assumir e incapacidade de as fundamentar?
Em matéria de funambulismo e de variação de posições não somos nós que variamos. Nós não propomos nenhuma alteração no status quo constitucional. Quem propõe é o PS. Quem propõe é a AD. Quem propõe são os dois. Quem mudou em relação à solução que tem vindo a propor é o PS e a AD. E, portanto, não somos nós que temos de justificar uma mudança que não existe, uma solução que não propomos alterar. É o PS e a AD que têm de justificar porque é que alteram. E se nós entendemos que a AD tem sobradas razões para o propor, gostaríamos de ouvir as razões que o PS tem para concordar com a AD.
Depois destas falsificações qualificadas -e que palavra poderiamos utilizar para as qualificar senão a de «gangsterismo» político - e destas sobradas incoerências - e que palavra melhor para as qualificar senão a de funambulismo, de falta de concepção de regime, de tacticismo pedestre e sem sentido -, cabe-me reflectir. É que quando estava a ouvir o Sr. Deputado Jaime Gama veio-me à mente se uma tal insanidade verbal, uma tal paixão contra as soluções adversárias e uma tal falta de convicção na defesa das próprias, não era produto de um qualquer síndrome psicológico que, no seu antimilitarismo mais ou menos passional, levasse a ver-se dominar, como Ministro da Defesa, esse execrável corpo que se chama Forças Armadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas imediatamente verifiquei que esta era uma exploração, uma aproximação pouco razoável para o assunto.
É, ao ouvir o libelo acusatório contra o meu Partido, que levou e fez gastar mais de metade do tempo do Sr. Deputado Jaime Gama, eu imaginei claramente que uma tal insanidade verbal e uma tal paixão acusatória não tinha alguma coisa a ver com uma concepção salazarista em relação ao meu Partido. Subitamente dei comigo a pensar, ao ouvir o libelo acusatório e ao conseguir abstrair-me da voz que o estava a produzir, se não tinha ouvido aquilo já em qualquer lado, em qualquer galáxia histórica e política e se aquele libelo não poderia ser bem o do promotor de um tribunal militar que tivesse a seu cargo a acusação de inconstitucionalizar o meu Partido.
Aplausos do PCP.
E então dei comigo a concluir: as coisas têm todas as suas razões. Não pode ser aquele o propósito do Sr. Deputado Jaime Gama - quero-o admitir. Cheguei então, a esta conclusão simples: é que o Sr. Deputado Jaime Gama entendeu desviar-se completamente, despropositadamente e sem qualquer ligação, da defesa de uma proposta que, de facto, não tomou a peito fazer (não sei se não tem argumentos para o fazer) para transformar no libelo acusatório em relação ao meu Partido, repetindo uma cassette -que, porventura, podemos chamar a cassette número l - sobre as declarações do Sr. Deputado Jaime Gama em relação ao PCP por duas razões fundamentais. É que quando na verdade não se tem segurança acerca da razão dos nossos argumentos nas próprias hostes, procura-se o inimigo externo, o adversário. E quando se procura preparar o caminho para uma aliança num sentido, ataca-se no sentido inverso.
Vi, depois, por uma referência, porventura descuidada, do Sr. Deputado Jaime Gama que uma boa parte da justificação para este insólito, despropositado e completamente injustificável ataque ao PCP está, certamente, na peripécia de anteontem. O Sr. Deputado Jaime Gama não conseguiu ainda ressarcir-se do abalo que as propostas do PCP, a defesa que fizemos delas e a denúncia que fizemos da insegurança que o acordo AD/PS deixa o período transitório, do abalo que essas propostas, esses argumentos e essa denúncia provocaram nas suas próprias bancadas. É justo que tente obviamente ultrapassar essa questão. Mas creio que o facto de ser justo não lhe dá propriamente razão no ponto que estamos a tratar.
E recordo que sempre que o Partido Socialista quis trilhar o caminho, preparar o ambiente, criar condições para um clima de aliança com a direita sempre engendrou meios para imaginar, para ficcionar em contencioso qualificado com o PCP. Não vale a pena citar exemplos, mas eu pergunto se esta declaração formal do Sr. Deputado Jaime Gama, no seu excesso, no seu despropósito, na sua insanidade verbal, na sua paixão anti-PCP, na sua quase sofreguidão nervosa em relação a coisas laterais e marginais das que estamos a discutir, não é o primeiro acto da afirmação solene e pública do Partido Socialista acerca da sua próxima táctica política no que respeita a coligações governamentais, no que respeita a eleições presidenciais e no que respeita, ao fim e ao cabo, à posição do Partido Socialista nos próximos tempos.
Se isso é assim, obviamente não tenho que criticar esse propósito do Sr. Deputado Jaime Gama. Apenas lamento que em vez de se assumir expressamente como tal, tenha vindo por baixo do tapete, aproveitando uma questão que nada tem a ver com a que agora está em causa e, ao fim e ao cabo, mal utilizando, mal baratando a Assembleia da República, as figuras regimentais e o debate constitucional, para um fim completamente alheio, completamente à margem e completamente despropositado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 13 horas...
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O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, eu pedia o prolongamento dos trabalhos por 8 a 10 minutos para responder a estas questões.
Vozes do PCP: - Não pode ser, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há objecções por parte pelo menos de um grupo parlamentar, pelo que, não havendo consenso, não posso aceder. O Sr. Deputado fica com a palavra reservada para a reabertura dos trabalhos, às 15 horas.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Quando suspendemos a sessão, o Sr. Deputado Jaime Gama tinha ficado com a palavra reservada para responder a pedidos de esclarecimento.
Não estão ainda presentes na Sala, os Srs. Deputados que o interpelaram. Vamos, pois, aguardar uns momentos.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama, para responder, se assim o desejar.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho naturalmente o maior gosto em responder aos pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Veiga de Oliveira e Vital Moreira, que intervieram neste debate depois das desastrosas intervenções anteriores da sua bancada.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não apoiado!
O Orador: - E intervieram com o sentido de procurar repor alguns elementos interessantes e importantes nesta discussão. Fundamentalmente, é importante que esta discussão não se afaste dos seus objectivos essenciais.
O Sr. Deputado Vital Moreira referiu questões perfeitamente laterais que têm a ver com a conjuntura política, que têm a ver com práticas adivinhatórias em relação à táctica presente e futura do PS, nomeadamente, naquilo que se refere às alianças do Partido Socialista. Devo dizer ao Sr. Deputado Vital Moreira que, contrariamente ao que tem sido a intenção manifesta do seu partido, de intervir desde o passado fim-de-semana nesta polémica, não é o Partido Socialista, não são os socialistas nem é a bancada parlamentar do Partido Socialista que sai ser dividida deste debate mas, sim, o próprio núcleo central de ideias daqueles que comungam no seu partido por não poderem compreender na sua globalidade o sentido do ataque sistemático do PCP ao Partido Socialista, como se não existisse o Governo AD, como se não existisse maioria AD.
Aplausos do PS e do Deputado César de Oliveira, da UEDS.
O Orador: - O PCP que centra oitenta por cento de toda a sua linguagem política no combate frenético ao Partido Socialista.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para impressionar!
O Orador: - O PCP, sistematicamente, tece boas à unidade com os socialistas mas, ao mesmo tempo que avança com essas palavras, desenvolve, nos seus comícios, na sua propaganda política, em cartazes, em inscrições que manda pintar nas paredes aos seus militantes, uma campanha deformatória, caluniosa, insultuosa e indigna contra o Partido Socialista, como aquela campanha a que presentemente se assiste. Isso compreende-se, porque, segundo a estratégia da direcção do PCP, há que reforçar a direita, há que manter a AD no poder, há que enfraquecer o Partido Socialista para fazer contrapor a uma direita conservadora forte, o PCP como campeão da esquerda e o campeão das classes trabalhadoras.
E o PCP quem cria as condições políticas objectivas porque não existe em Portugal uma unidade da esquerda.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado Raul Rego.
O Orador: - É o PCP que, a todo o momento, procura através do seu anti-socialismo primário bloquear as condições efectivas para que haja uma alternativa ao Governo da Aliança Democrática.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É falso!
O Orador: - Disseram os Srs. Deputados da bancada do PCP que o Dr. Álvaro Cunhal não tinha falado em golpe de Estado. Disseram que era uma pura atitude de imaginação delirante dos socialistas.
Pois, Srs. Deputados, não é o «Diário» -, que os Srs. Deputados costumam dizer que não reproduz oficialmente a posição do PCP - mas o vosso órgão oficial o «Avante» - «Revisão da Constituição, Golpe de Estado» - que diz, pela boca do secretário-geral do vosso partido o seguinte, e cito, e não invento:
«Dentro de mais alguns dias, segundo o acordo de Mário Soares com a AD, serão também aprovados na Assembleia da República, pelos deputados reaccionários e pelos deputados do PS, os artigos referentes ao Presidente da República e aos outros órgãos de soberania. Os actos preparatórios do golpe de Estado, estão, assim, a consumar-se».
Aplausos do PCP.
O Orador: - Mas, a revisão...
A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - E agora?
O Orador: - Os Srs. Deputados, ao vosso secretário-geral, até dão palmas quando sou eu quem o cita.
Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI. Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Mas - e continuo a citar - «a revisão que a AD e o PS estão a fazer é um atentado contra a própria Constituição, contra a legalidade, contra o regime democrático».
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Aplausos do PCP.
Uma voz do PS: - Tenham vergonha!
O Orador: - Eu peço que só aplaudam, tal como nos discursos do vosso secretário-geral, quando chegar ao fim e eu fizer sinal.
Aplausos do PS.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção.
O Orador: - Esta revisão - diz o Dr. Álvaro Cunhal - é um dos elementos do verdadeiro golpe de Estado que a AD está a procurar levar a cabo e que tem como primeiro objectivo o Conselho da Revolução e as Forças Armadas.
Aplausos do PCP.
O Orador: - O PS, com o seu secretário-geral, assume a responsabilidade, não só de servir, uma vez mais, de suporte à continuação da AD no Governo, como de ser cúmplice da AD numa revisão constitucional que é parte integrante de um plano golpista contra a democracia.
Aplausos do PCP.
O Orador: - O PS ficará para sempre marcado pelo ferrete da cumplicidade com a reacção, num momento crucial para a democracia portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ora, Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta situação fala por si, esta citação desmente a tentativa de embranquecimento do conteúdo político do discurso do secretário-geral do PCP, que os deputados da sua bancada procuraram esta manhã fazer, aqui, na Assembleia.
Voltando aos temas essenciais, disse o Sr. Deputado Veiga de Oliveira que esta solução é susceptível. É susceptível! O carácter dubitativo do Sr. Deputado Veiga de Oliveira é uma nuance a reter no presente e possivelmente para o futuro que pode levar à governamentalização das Forças Armadas e, por isso, à sua partidarização. Com efeito, a ditadura governamentalizou e instrumentalizou as Forças Armadas e foi com Salazar que as Forças Armadas serviram a ditadura.
Bom, Sr. Deputado Veiga de Oliveira, há uma diferença simples: as ditaduras também têm Presidente da República, as ditaduras têm Governo, as ditaduras têm Administração e as ditaduras até têm tribunais.
Mas nós vivemos em democracia. A situação do nosso país é totalmente diferente e não colhe vir invocar o regime anterior, seu Governo e o então Presidente da República- porque, de resto, foi no regime anterior, que pela Lei n.º 2084, de 16 de Agosto, de 1956, pela primeira vez na história portuguesa o Presidente da República passou a ser considerado o Chefe Supremo das Forças Armadas de terra, mar e ar, coisa que nunca tinha acontecido no nosso direito constitucional e na nossa tradição militar, excepto durante o miguelismo. O facto de ter existido um governo no regime anterior, isso não significa que- em democracia, com uma situação politicamente diferente, com o poder político emanado do sufrágio universal - o Governo, como orgão de condução superior de Administração Pública, e também o Presidente da República e esta Assembleia não tenham poder nem alçada sobre as Forças Armadas.
De resto, a teoria expressa pelo Sr. Deputado Vital Moreira, ao invocar que o PCP não propõe um aumento de poderes presidenciais neste campo, cai completamente pela base.
Com efeito, e em primeiro lugar, o PCP desenvolve a ideologia da antigovernamentalização das Forças Armadas. Pura ideologia, pura retórica ideológica, nenhuma doutrina consistente no plano constitucional e das ideias políticas.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Vital Moreira e o seu partido propõem que seja o Presidente da República unipessoalmente a nomear e a exonerar todos os chefes militares.
E, em terceiro lugar, propõe que a política de defesa superior seja delineada no âmbito de um Conselho Superior de Defesa em que os chefes militares e o Presidente da República, que os nomeia, estão obviamente em maioria, visto que o Sr. Deputado Vital Moreira nunca proporia o contrário.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - A gente não diz nada disso.
O Orador: - Ora, daqui se infere legitimamente que, em termos de efeito jurídico concreto, aquele que o PCP propõe através da conjugação de certos poderes presidenciais com outros poderes a atribuir ao Conselho Superior de Defesa, inteiramente dominado por entidades militares unicamente escolhidos pelo Presidente da República, é a presidencialização absoluta e absolutista das Forças Armadas portuguesas.
Disse o Sr. Deputado Veiga de Oliveira que foi Sá Carneiro o autor dos nossos pontos de vista. É inteiramente falso e o Sr. Deputado Veiga de Oliveira e o seu partido têm de ser, de uma vez por todas, desmentidos categoricamente a este propósito, para não andarem a repetir, à ignorância, aquilo que afirmam com tanta altivez.
No projecto de revisão constitucional elaborado pelo Dr. Sá Carneiro, em finais de 1978 e divulgado no início de 1979, o que se propõe é, tão-só, que o Presidente da República nomeie e exonere, por proposta do Governo, o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É o essencial, é o poder!...
O Orador: - Deixando em situação inteiramente omissa, quer a exigência de uma maioria qualificada para a aprovação da lei de organização das Forças Armadas, quer a escolha dos restantes chefes militares.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, Srs. Deputados do PCP, não há qualquer coincidência, entre aquilo que está proposto no projecto do Dr. Sá Carneiro e aquilo que é o acordo do PS na Comissão para a Revisão Constitucional. E, mesmo que houvesse coincidência, não seria pelo facto
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de o Dr. Sá Carneiro dizer qualquer coisa, ou qualquer outra pessoa, inclusivamente o Sr. Deputado Vital Moreira ou um deputado do seu partido, que nós iríamos inflectir a nossa opinião, só pelo argumento da autoridade.
Mas, convém repor a verdade, para dizer que, contrariamente ao que os Srs. Deputados do PCP aqui disseram, não há coincidência entre essa proposta de revisão constitucional e os nossos pontos de vista.
De resto, Srs. Deputados, conviria ver entre quem é que há coincidências em matéria de estruturação das Forças Armadas e em matéria de integração das Forças Armadas no sistema político.
E, então, pasme-se, Sr. Presidente, Srs. Deputados, porque a actual formulação constitucional do PCP em matéria de articulação das Forças Armadas com o sistema político é ipsis verbis, a articulação enunciada na proposta de lei de defesa do Primeiro Ministro Mota Pinto e do Ministro da Defesa Loureiro dos Santos. Isto é, a formulação constitucional do PCP em matéria de estruturação da defesa nacional,...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Chega tarde, chega tarde!
O Orador: - ...porventura por uma afinidade de pensamento de escola de Coimbra entre tão ilustre primeiro-ministro, o Dr. Mota Pinto e tão ilustre constitucionalista, o Dr. Vital Moreira, é semelhante à contida no projecto de lei do governo Mota Pinto que os senhores consideravam - e muito bem - de governo de direita conservador, que os senhores consideravam governo reaccionário a abrir o caminho do fascismo -e, porventura, muito bem! E agora V. Ex.ª reconduzem-se à subserviência intelectual perante os pontos de vista enunciados por governo de tão curta duração!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É o vosso ministro.
O Orador: - E o poder de o Presidente da República...
Voz do PCP: - É muito canhestro
O Orador: - ...nomear exclusivamente, tal como V. Ex.ª propõem, os Chefes dos Estados Maiores, é claramente escrito no artigo 22.º, n.º 5, desse projecto, onde se diz:
«O CEMGFA e os Chefes dos Estados-Maiores dos ramos são nomeados pelo Presidente da República, ouvido o Conselho Superior de Defesa Nacional.
Há, aqui, uma excelsa identidade de concepções em matéria de organização da defesa nacional.
Devo dizer aos Srs. Deputados do PCP que, em outras circunstâncias, e desde há muito, o Partido Socialista tem concepções inteiramente diferenciadas. Recordo aos Srs. Deputados, que já em plena Assembleia Constituinte, em Dezembro de 1975, defendi nesta Assembleia o seguinte: «As Forças Armadas enquanto instituição, através do seu Chefe de Estado Maior, participam na definição e execução de política nacional de defesa. Mas, não é a elas que cabe ou deve caber o privilégio da sua definição exclusiva. Se assim acontecesse, o Ministro da Defesa seria apenas um adido militar no governo, ou um embaixador do governo junto das forças armadas. Não haveria inconveniente maior para os militares democratas, nem para a democracia, que fosse aperfeiçoado o mecanismo constitucional de modo a permitir a plena integração das forças armadas num Estado e a sua articulação com a acção governativa resultante da escolha popular. A hipótese de um Conselho de Ministros restrito, presidido pelo Presidente da República e a que assistissem os Chefes dos Estados Maiores não seria de excluir com o objectivo de se evitarem descoordenações desaconselháveis no sector da defesa.
E é assim que no desenvolvimento destes pontos de vista o meu Partido, já em Março de 1979...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - De quando é que é o jornal?
O Orador: - O jornal é uma reprodução de documentos existentes anteriormente e que terei o maior gosto em facultar ao Sr. Deputado, ao Sr. Deputado Vital Moreira, ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira e, eventualmente, ao secretário-geral do seu partido.
Voz do PCP: - É feito agora, não é?
O Orador: - Trata-se aqui de uma separata que cita as publicações anteriores. Cita fidedignamente, como é evidente! No entanto, se o Sr. Deputado assim o desejar, posso fornecer-lhe os próprios originais ou fotocópias deles.
Creio, de resto, que já distribuí, em tempos, essas fotocópias, aos parlamentares da Comissão de Defesa e aos representantes do vosso partido que fazem parte dessa Comissão.
Dizia eu já em Março de 1979 o meu partido, através de uma resolução do seu Congresso e de um documento programático, preconizava a articulação dos vários níveis de organização da defesa com os órgãos de soberania, concretamente o Governo.
Srs. Deputados, num estado moderno, as forças militares são um serviço público; a defesa nacional é, ao mais alto nível, uma questão política e daí envolver a Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e o Conselho de Ministros e, muito em especial, o Ministro da Defesa encarregado da coordenação dos sectores militar e civil da defesa.
A criação de um Conselho de Ministros restrito, o Conselho Superior de Defesa, poderá ser um valioso elemento de coordenação. O mesmo se passando com a criação de um autêntico Ministério de Defesa e a ligação estreita com os Estados-Maiores.
A subordinação da política de defesa nacional ao Governo e à Assembleia da República, como é usual nos países democráticos, implica obviamente, no momento oportuno, a extinção do Conselho da Revolução e o fim da concentração na figura do Presidente da República das funções de Presidente do Conselho da Revolução e de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, bem como a definição constitucional da função de Comandante Supremo.
Estas noções são desenvolvidas no opúsculo que divulgámos aquando da realização de eleições intercalares.
De resto, devo dizer a V. Ex.ª, a este propósito - V. Ex.ª que, por vezes, gostam de ser mais papistas que o Papa -, ...
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Até agora ainda não disse nada sobre a questão!
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O Orador: - ...que o actual Presidente da República, em 1976 (quando e muito bem - alterou a composição política do Conselho da Revolução e, através de uma violação da Constituição e da prática de um acto contrário ao próprio sistema constitucional, adquiriu o poder de nomear os Chefes de Estado Maior, invocando a legitimidade do sufrágio face a um órgão não eleito, numa situação transitória para o poder inerente à designação das chefias) no discurso de posse do Almirante Souto Cruz como Chefe do Estado-Maior da Armada disse, nomeadamente, o seguinte:
«A democracia instituída colocou os governantes na exclusiva dependência do voto popular, retirando às Forças Armadas determinação política autónoma.
E disse mais:
«...que a defesa constitui um imperativo de soberania. Se aos militares cabe prepará-la, incumbe à Nação responder por ela. Compete-lhe, através do Governo e da Assembleia da República, formular uma filosofia de defesa. Pertence aos militares, no quadro filosófico legal definido pela Nação, estabelecer uma estratégia».
É bom que V. Ex.ª retirem daqui algumas ilações políticas e algumas ilações em matéria de direito constítucional.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - O que é que isso quer dizer? Nada!
O Orador: - Embora me pareça que o não consigam fazer, visto que o vosso partido, em matéria de defesa nacional, nunca produziu um único documento, uma única ideia, um único ponto de vista de fundo onde se delineasse uma posição clara acerca do problema das Forças Armadas e acerca do problema da defesa nacional.
Mas há mais! As únicas publicações conhecidas em matéria militar e de defesa nacional que podem ter origem na filosofia que enforma o vosso partido são o opúsculo do General Vasco Gonçalves acerca da doutrina militar e a edição de uma publicação de Lenine sobre a questão militar e o trabalho político nas forças armadas.
Tudo isto para dizer que, para V. Ex.ª, a questão da defesa nacional não é uma questão institucional, não é uma questão constitucional, não é uma questão de regime democrático, não é uma questão de legalidade, é, apenas, uma questão de trabalho político no interior das Forças Armadas, e nada mais. E, nesta precisa conjuntura, é não só uma questão de trabalho político no interior das forças armadas mas também uma questão de trabalho político em direcção a um eleitorado do Partido Socialista.
V. Ex.ª não se conseguem libertar do «affairismo tacticista» e colocar-se no plano da mera dignidade institucional.
De resto, o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, confirmou os meus pontos de vista quando disse que esta questão não era uma questão de teoria, era uma questão concreta - primeiro os factos e depois a teoria. Não, Sr. Deputado, é exactamente o contrário!
Nós ouvimos aqui V. Ex.ª durante a Assembleia Constituinte, para impedirem a aprovação da Constituição, defenderem tantas vezes que era impossível constitucionalizar a Revolução. Agora, defendem o ponto de vista de que é impossível reter a Constituição! Tudo fizeram contra a aprovação da Constituição, tudo fazem contra a sua revisão democrática!
Srs. Deputados, primeiro as ideias! Primeiro as grandes concepções sobre o sistema político, a filosofia política constitucional e democrática e depois os factos!
Isso é o que nos separa de V. Ex.ª!
V. Ex.ª afirmam o primado dos factos e da relação de forças sobre as ideias e sobre os valores.
Nós afirmamos o primado das ideias e dos valores sobre os factos e sobre as relações de forças.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ora, diz V. Ex.ª, Sr. Deputado Veiga de Oliveira: se é solução de meio termo esta a que o PS chegou, qual é o termo que a direita queria?
Sr. Deputado, aqui há muitas direitas! Aqui há muitas direitas, repito. E o Partido Socialista, sobre esta questão militar e de defesa nacional, teve e tem que dialogar com muitas direitas. E o que lhe digo é que a solução de compromisso que foi obtida não foi, porventura, exclusivamente a pensar na bancada da Aliança Democrática. Foi também obtida a pensar na situação existente nas Forças Armadas. Foi obtida a pensar na necessidade de assegurar um pequeno novo período de transição no que se refere à questão militar e à plena assunção democrática de uma política de defesa nacional.
Os nossos pontos de vista estavam enumerados desde o 25 de Abril, com coerência, com rigor, com precisão. Estão aprovados por Congressos nossos e constituem deliberações do nosso partido. A solução a que nós chegámos em sede de revisão constitucional é um compromisso, e um compromisso que nós pensamos ser vantajoso. Com efeito, se se procedesse com a ligeireza de V. Ex.ª, a partir do momento em que fosse extinto o Conselho da Revolução, e não fosse constitucionalizada a designação das chefias militares, então essa competência seria definida numa lei em relação à qual não é difícil imaginar nesta Assembleia uma maioria.
E muito me inquieta que o Partido de V. Ex.ª, que no início desta semana, no desenvolvimento prático das concepções teóricas do vosso secretário-geral, veio pretender acautelar a problemática da extinção do Conselho de Revolução com a votação prévia da Constituição do Tribunal Constitucional, do Conselho Superior de Defesa, do Conselho de Estado, etc. etc., não queria agora nesta questão prática, onde se acautela a extinção do Conselho da Revolução com a constitucionalização de um dispositivo que faz resultar a designação das chefias militares da vontade conjugada do Governo, dos militares e do Presidente da República, muito estranho, repito que o vosso partido não queira dar anuência a essa maneira de proceder. É uma atitude puramente contraditória com o desenvolvimento da vossa própria táctica.
O Sr. Deputado Vital Moreira referiu como um facto, porventura escandaloso, a concordância entre vários partidos e o Presidente da República quando o Presidente da República acumulava as funções de Chefe do Estado-Maior General com a de Presidente da República.
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Já lhe expliquei que, em meu entender, se tratou de um acto de violação da Constituição consentido pelo Conselho da Revolução, esse da delegação do poder de designação das chefias militares no actual Presidente da República. Nessa altura, um acto político de normalização da vida democrática, contrário ao projecto político do partido de V. Ex.ª. E um acto salutar para o reequilíbrio das Forças Armadas na sociedade portuguesa.
Mas, desde logo, o meu partido preconizava, em documentos que estão publicados e adoptados, a não acumulação de tais funções. E V. Ex.ª bem sabe que uma das cláusulas do acordo entre o Partido Socialista e o General Eanes para a sua recandidatura consistia exactamente na obrigatoriedade de o Presidente da República não acumular, caso viesse a ser reeleito, as suas funções de Presidente da República com as funções de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Nesse campo, não temos a receber nenhuma lição de V. Ex.ª.
Penso que os argumentos aqui produzidos, esclarecem, não direi a bancada do Partido Comunista Português, mas, sobretudo a opinião pública, a consciência democrática do País e esclarecem, também, as nossas Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas, de facto, não merecem constituir um palco de instrumentalização por nenhuma força política. E o PCP que tanto clama a não partidarização das Forças Armadas devia ser a primeira força a dar o exemplo concreto da não partidarização nem instrumentalização das Forças Armadas. Não me refiro ao passado recente, de que todos ainda nos recordamos, refiro-me ao presente.
Esta conduta política de V. Ex.ª, na Assembleia da República e fora dela, que é um gritante exemplo de tentativa fracassada e ingénua de instrumentalização das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas afirmaram a independência nacional desde o início da nossa Pátria, quer na luta para sul, quer na luta com Castela. Foram um factor determinante das descobertas dos portugueses, foram um factor determinante da descolonização e estão, agora, prontas para assegurar uma cooperação militar com os povos e com os países de língua portuguesa.
As Forças Armadas portuguesas, no liberalismo, tiveram uma conduta exemplar em defesa da liberdade e dos valores do constitucionalismo. As Forças Armadas bateram-se na guerra de catorze-dezoito e hoje as Forças Armadas assumem o seu lugar na democracia portuguesa, não através da mão de V. Ex.ª, não através das loas hipócritas que V. Ex.ª tecem às Forças Armadas, mas, sim, através do papel que elas sabem que é o seu, como garante da independência nacional contra as agressões e ameaças externas, como garante da liberdade dos Portugueses, não ao serviço de um projecto político ou partidário específico mas ao serviço da Pátria, da independência nacional, da liberdade do povo e da normalidade do funcionamento nacional.
E, Srs. Deputados, é por esta razão que estou certo que desta revisão constitucional resultará um regime político mais ajustado para resolver os problemas nacionais e para facultar às Forças Armadas a plena possibilidade de exercerem no sentido técnico-profissional e no sentido ético a sua missão, em democracia e em liberdade.
Aplausos do PS e dos Deputados José Vitorino, da UEDS e Mário Adegas, do PSD.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende usar da palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Aguardava que o intervalo do almoço tivesse aconselhado e bem avisado o Sr. Deputado Jaime Gama acerca da questão em causa e da possibilidade de colher, através de uma investigação rápida, algum suplemento de argumentos e de razão que o ajudassem a sair da triste situação em que saiu, de manhã, nesta Assembleia.
Risos do PSD e do CDS.
O Orador: - Mas o Sr. Deputado Jaime Gama, como se já nos tivéssemos esquecido, veio louvar o facto de termos reposto a questão no seu verdadeiro pé. Todavia, depressa se esqueceu disso e de imediato voltou a outra coisa que nada tinha a ver com a questão. E, como se nos tivéssemos esquecido, qualificou como questões laterais as questões que lhe pus.
Eu acusei, Sr. Deputado Jaime Gama! Acusei o seu discurso de duas graves acusações, de duas falsificações qualificadas, deliberadas e de má fé das posições do meu partido. Isto são questões laterais?
O Sr. Deputado Jaime Gama falsifica deliberadamente duas posições e depois acha que isto são questões laterais.
Então o Sr. Deputado Jaime Gama incorre em duas contradições qualificadas, acusando-nos de adoptar posições lesivas de todos os princípios democráticos. E, quando eu lhe digo que elas são, também, as posições da FRS, quando lhe aponto a contradição insanável acha que isto é lateral?
Então, eu acuso o Sr. Deputado Jaime Gama de ter considerado como antidemocrático, como, de princípio, profundamente lesiva de todos os princípios liberais, democráticos e internacionais uma posição que também é a posição de deputados do seu partido, que também é a de dirigentes qualificados do seu partido, que foi e é, ao fim e ao cabo, a de muitos cidadãos deste país e que qualificou-a de antidemocrática quando lhe apontei que aquele que defende como democrática foi também a do salazarismo. O Sr. Deputado considera que esta contradição insanável é uma questão lateral?
Mas o Sr. Deputado Jaime Gama fez de conta que estas são questões laterais e insistiu nas suas afirmações. Insistiu como se elas não tivessem sido apontadas. É como um ébrio batendo na parede a julgar que é uma porta e depois de avisado que não é porta nenhuma mas uma parede insiste em bater com a cabeça na parede, porque tem de provar que tem razão, apesar de não ter qualquer razão. E vem insistir na questão do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Mas, Sr. Deputado Jaime Gama, onde é que viu a nossa proposta para a composição de Conselho Superior de Defesa Nacional, onde é que viu que nós propúnhamos uma predominância militar desse Conselho
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Superior de Defesa Nacional. Onde viu tal coisa, Sr. Deputado?
Como nos pode imputar, seriamente e de boa fé, essa posição quando se sabe que ela foi produzida, quando sabe que ela não é assim, e quando sabe que está deliberadamente a falsificar uma posição só para ganhar um argumento, lá, onde o não tem.
Sr. Deputado Jaime Gama, quando um Governo presidiado por Mota Pinto - que, aliás, foi ministro de um governo socialista apresentou à Assembleia da República um projecto de lei de defesa nacional, reproduziu a situação existente, no fundamental, em matéria de competência para a designação das Forças Armadas, que não tinha sido contestada por ninguém e, muito menos, pelo Partido Socialista.
Na Assembleia da República, que eu saiba Sr. Deputado Jaime Gama, se alguém criticou a lei de defesa nacional, por outros pontos, é certo, fomos nós. Mas ninguém ouviu o Sr. Deputado Jaime Gama. Nem ninguém da bancada do Partido Socialista criticou essa proposta de lei de defesa nacional. Muito menos por isto, por esta questão da designação das Forças Armadas.
Como é que, sendo confrontado directamente com uma proposta de lei que continha essa solução - que pela voz do Sr. Deputado Jaime Gama é considerada como o supra-sumo do miguelismo, do antidemocartismo, do antiliberalismo, do anticonstitucionalismo, uma solução que é possível de ser atada ao pelourinho como atentado qualificado a qualquer ideia razoável em matéria de Forças Armadas o PS tenha adoptado o silêncio, tenha adoptado o "não protesto", tenha adoptado o «deixa passar».
Como teria sido curioso que essa proposta de lei tivesse sido submetida à votação!
Porventura teríamos ouvido o Sr. Deputado Jaime Gama com o mesmo fervor, a mesma atenção, o mesmo frémito, aplaudir como constitucional, democrático, liberal e correspondente às nossas tradições, essa solução proposta pelo Governo Mota Pinto.
Mas a verdade é que o PS nunca se manifestou, nem aí, nem em lado nenhum, sobre a questão da competência para designação das chefias militares.
Mas apesar dos esforços enormes que o Sr. Deputado Jaime Gama fez, lendo passagens e mais passagens de documentos, - que aliás eu também aqui tenho, - ele não conseguiu encontrar uma onde se provasse que o PS, antes das eleições presidenciais de Dezembro de 1980, alguma vez tivesse defendido a posição que agora vem defender, tivesse alguma vez, explicitamente, contrariado a solução que estava em vigor. E nem sequer no compromisso eleitoral da FRS, em matéria constitucional, isso consta. O que consta, é certo, é a separação material entre a chefia da Presidência da República e a chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas, que agora o Sr. Deputado Jaime Gama, e porventura com alguma razão posterior, - qualifica de duvidosa constitucionalidade.
Sr. Deputado Jaime Gama, mas se era de duvidosa constitucionalidade, como é que os senhores durante quatro, cinco, seis anos, suportaram tal situação inconstitucional no silêncio?
Uma situação qualificada agora de miguelista, ultramontana, de tudo o que há de pior. Como é que a suportaram em silêncio sem ao menos uma vez dizerem «isto não pode ser» nem explicitaram as vossas posições, já não digo quanto a essa, mas ao menos quanto à questão de competência para a chefia das Forças Armadas.
A verdade não a pode contradizer o Sr. Deputado Jaime Gama. Até depois das eleições presidenciais últimas, o PS nunca adiantou esta solução, nunca contraditou a que estava em termos explícitos, e tudo aquilo que leu passa sempre à margem dessa questão. Mesmo quando lá estava em cima, mesmo quando se via que se quisesse fazê-lo tinha de o dizer no chamado «Documento para os anos 80», onde se cita essa questão da conglobação das chefias presidencial e militar, e onde essa questão é prudentemente passada à margem, nem uma palavra disse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a verdade é que a questão que está em causa é uma questão parcelar da questão militar em termos constitucionais, e não é lícito conglobá-las para assim a fazer afogar no maré magnum da questão militar, para efeitos da revisão constitucional.
As soluções aventadas podem ser objecto de discussão, de argumento contra e a favor, mas não podem ser objecto de discussão religiosa, constitucional e emocional, como aquela que o Sr. Deputado Jaime Gama aqui trouxe.
O Sr. Deputado Jaime Gama disse, dirigindo-se a nós, «primeiro as ideias». Nós estamos de acordo Sr. Deputado, se disser «primeiro as ideias e não as emoções, primeiro o discurso-cérebro e não o discurso-fígado, primeiro o discurso da razão e não o discurso constitucional, primeiro o argumento e não a execração, primeiro o ataque aos argumentos do adversário e não a sua condenação pública, primeiro a defesa de argumentos e não a sua utilização como prosélito de qualquer religião, primeiro o ataque ao adversário pelas suas posições e não a sua execração pública como inimigo público n.º 1».
É isto que está em causa, é o discurso do cérebro e não o discurso do fígado. É o discurso das ideias e não o discurso da emoção. É a contradição do argumento do adversário e não a sua condenação confessional. É isto que está em causa e foi disto que o Sr. Deputado Jaime Gama não foi capaz, nem na sessão da manhã, nem na sessão da tarde.
O Sr. Deputado Jaime Gama teve, até agora, o privilégio, na bancada do Partido Socialista, de ter à sua disposição a maior quantidade de tempo de que até agora dispôs qualquer deputado socialista, para qualquer questão singular que fosse.
É um privilégio que não posso deixar de lhe reconhecer. Mas devo dizer-lhe, Sr. Deputado Jaime Gama, que se é com discursos desta natureza que pretende exalçar-se à posição de grande teórico e estratégia do Partido Socialista, pelo efeito que produziu, não consegue sequer compensar o défice de aplauso e concordância na sua própria bancada com os aplausos da bancada da direita.
Aquilo que conseguiu, até agora, foi apenas transformar-se em estrela quotidiana, hoje, das bancadas do PSD e do CDS.
Aplausos do PCP.
Apenas, mais uma questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Fomos mais uma vez acusados de privilegiarmos o ataque ao Partido Socialista em relação ao ataque ao Governo. Não é verdade.
Se até agora alguém tem liderado a contestação a este Governo, procurado mobilizar o descontentamento popular e utilizar as formas constitucionalmente legíti-
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mas - todas elas para obter o termo da maioria parlamentar da AD, a dissolução da Assembleia da República, a demissão do Governo e dar de novo a voz ao povo para pôr termo a esta situação - tem sido o PCP.
E quando o Partido Socialista, que até agora nem sequer conseguiu dar a impressão de fingir que se opõe realmente ao Governo, tem anunciado ofensivas, elas têm-se saldado pelo mais ridículo fracasso.
Foi anunciada a ofensiva de Verão que terminou pura e simplesmente num balão desenchido, ou na ridícula afirmação, que pôs o país às gargalhadas, segundo a qual tinha bastado a ofensiva para que a um Governo da AD se tivesse substituído outro Governo da AD.
E nós até já tememos que depois do fracasso e do esquecimento da ofensiva do Inverno e da ofensiva da Primavera, que nem sequer foi anunciada, se houver novo anúncio, isso de traduza na substituição de um segundo Governo da AD por um terceiro Governo da AD que dure ainda mais.
E se os resultados das ofensivas do PS contra o Governo da AD são esses, apenas substituir um Governo da AD de seis meses por outro de um ano, então é caso para dizer, Sr. Deputado Jaime Gama: mantenham-se na prudente situação de silêncio, de não oposição, em que se têm mantido, porque as vossas ofensivas são mal asadas.
O que está em causa, Sr. Deputado Jaime Gama, é, pura e simplesmente, a mais avisada, a mais prudente solução constitucional para a questão das chefias militares.
E existe uma, existe um status quo constitucional, existe uma solução que não tem provado mal, existe uma solução que não é susceptível de ser condenada à luz de qualquer principiologia democrática ou constitucional.
Os senhores pretendem substituí-la por outra. É a vós que compete provar que a actual é má, tem provado mal, é prejudicial à democracia, é prejudicial ao regime democrático e que a vossa que agora propõem ensaiar, que por acaso até coincide com a da AD, no fundamental, é que é melhor, é que é a mais avisada e mais congruente com os interesses actuais da democracia portuguesa.
E, Sr. Deputado Jaime Gama, lembre-se que quando, em matéria de discussão de soluções que têm contra si e a favor de si argumentos da mais variada ordem, se recorre à ordem dos princípios, à grande exorcização histórica, à grande condenação confessional e emocional, é porque falha alguma coisa na lógica do argumento. E, sobretudo, não se pode esquecer que as posições que defendemos de não alterar a situação constitucional não é apenas compartilhada por nós, mas também por gente dos mais variados quadrantes políticos e, designadamente, dentro do seu próprio partido.
E seria, pelo menos, prova de deselegância da parte dum dirigente do partido, qualificar uma posição (que qualificados militantes do seu partido também defendem) como a de uma reprodução já feita duma solução antidemocrática, miguelista, trauliteira e antiliberal, como o Sr. Deputado não teve pejo e pudor em qualificar na sessão da manhã.
Devo dizer que foi com alguma satisfação que ouvi esta sua segunda intervenção porque, apesar de tudo, o tom, esse, mudou alguma coisa. E prova, com algum esforço, que o Sr. Deputado Jaime Gama se habituará a não fazer discursos parlamentares que, além de ideias, mesmo quando elas a nosso ver não são boas, tenham outras coisas que nada têm a ver com as ideias.
E se tivermos êxito nisto, então podemos felicitar-nos por esta discussão.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Jaime Gama, nesta sua resposta aos meus pedidos de esclarecimento, não respondeu às perguntas que lhe fiz.
Fugiu a referir as situações que citei.
Fugiu de, concretamente, defender a solução que á do PS e a da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e de argumentar contra a solução que nós propusemos, e que é, no fundamental, a manutenção da actual situação.
Fugiu de explicar porque é que considera a nossa proposta, umas vezes como se ela não existisse, porque o diz de vez em quando, outras vezes como atrabiliária, antidemocrática e não sei que mais adjectivos que lhe junta.
Fugiu de tudo isso e voltou a fazer um discurso em que há alguns matizes em relação ao discurso anterior, mas em que, no fundamental, volta a fazer o discurso da teoria sobre este assunto, volta a falar de questões completamente neutrais, mistura questões que nada têm a ver com aquilo que se está a discutir, que é o poder de designar e nomear as chefias das Forças Armadas e com a herança dos poderes que neste momento são do Conselho da Revolução.
Mistura tudo isso, não responde às questões, cita-se a si próprio - porque de alguma citação que fez se apercebeu que eram suas - e de bandeira em arco, o que ninguém contestará, reputa-se, em tudo o que diz e na maneira como fala, como um entendido em questões militares, como um expert.
Finalmente, terminou o seu discurso com aquilo que poderia chamar um hino póstumo às Forças Armadas. Fez um tão descabido e desengraçado elogio às Forças Armadas desde o inicio da nacionalidade, na conquista do sul e na defesa contra Castela que estávamos à espera que ao fim cantasse «A Portuguesa», ou qualquer hino monárquico mais adequado.
O Sr. António Moniz (PPM): - O Hino da Carta!
O Orados: - Sr. Deputado Jaime Gama, isso também não estava em causa e ninguém aqui está, que eu saiba, a atacar ou a defender as Forças Armadas, ninguém aqui está a pôr em causa a necessidade da instituição militar e o seu papel importantíssimo na vida nacional. Isso não foi, que eu saiba, posto em causa, não é isso que está em causa. Interessa-nos, sim, conservar a instituição militar e garantir que seja assim.
Ora bem. Sr. Deputado, nas muitas coisas que disse, naquelas que não disse e sobretudo naquelas que fugiu responder, terá de permitir que insista em alguns aspectos.
Em primeiro lugar, tarde, e um pouco a medo, veio reputar a questão que eu lhe imputei, de se refugiar numa teorização do problema, fugindo a discutir a questão em concreto.
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É bem visto que se escusou a falar em princípios. Eu admitia que o Sr. Deputado me dissesse que primeiro estão os princípios, depois temos que examinar os factos e depois ainda temos de teorizar esses factos. Mas o Sr. Deputado fugiu, como o diabo da cruz, da palavra princípios. Eu entendo perfeitamente. De facto, o seu discurso, uma coisa que não tem é princípios.
Mas nós voltamos ainda ao assunto, Sr. Deputado. A questão que está aqui para ser resolvida, para ser discutida, é uma só: é se a solução proposta pelo CERC, que divide a competência de designar e nomear as chefias das Forças Armadas por esta maneira - o Governo escolhe, tem o poder de facto de escolher; o Presidente da República tem o poder bastante mais formal que é o de nomear - e a outra solução, proposta por nós, em que o Presidente da República é órgão por sufrágio popular, é órgão que representa o poder civil e o poder político, tão bem ou melhor que o Governo, e é ao Presidente da República que compete nomear e designar a chefia das Forças Armadas, é ou não tão democrática como a primeira, corresponde tão bem ou melhor que a primeira à subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático e portanto à legalidade democrático-constitucional.
Esta é a questão que tem de der debatida e o Sr. Deputado continua a fugir à sua discussão.
Eu falei na Finlândia em que há uma solução que corresponde exactamente àquela que nós propusemos - Finlândia que o Sr. Deputado não vai acusar de país não democrático e que não é da Europa e outras coisas também faladas a respeito de soluções diversas. Mas o Sr. Deputado recusou-se a referir esta questão.
O Sr. Deputado Jaime Gama, nas suas citações, tudo o que conseguiu dizer a respeito das posições do Partido Socialista, foi qualquer coisa como o Conselho de Ministros restrito presidido pelo Presidente da República e que seria uma imagem do Conselho Superior da Defesa Nacional.
Bom, é bem verdade que isto já não é o cerne da questão. Mas não percebo porque é que quando essa solução ë adiantada por nós - um Conselho Superior de Defesa Nacional presidido pelo Presidente da República que inclua entre outros os Chefes Militares o Sr. Deputado a chama miguelista e outros nomes feios que não vêm a propósito.
Era também uma questão que conviria que o Sr. Deputado explicasse.
O Sr. Deputado continua a fazer confusão quando confunde o problema que estamos a discutir, que é a designação e nomeação das chefias militares, com por exemplo, a questão da legislação e da organização das Forças Armadas.
Por exemplo, para demonstrar que a vossa solução nada tem que ver com a de Sá Carneiro, diz V. Ex.ª que Sá Carneiro propõe que a designação e nomeação feita pelo Presidente da República seja só a do Chefe do Estado-Maior General, não fala dos outros, e diz que depois fala da legislação militar atribuindo-a ao Governo.
O Sr. Deputado, não é isso que estamos a discutir, continuamos a fugir ao problema.
Tente por favor, se quiser contraprotestar, dizer-nos claramente porque é que reputa a vossa solução de democrática, e só a vossa, e porque é que entende que a nossa é antidemocrática.
Nós já conhecemos a sua posição; o Sr. Deputado também conhece a nossa e a Assembleia da República não foi feita para ser transformada numa Assembleia em que o PCP se debate com o PS. Mesmo se o Sr. Deputado defender que é o PS o grande defensor da democracia em Portugal, eu devo dizer-lhe que, neste debate, a sua actuação tem levado a transformar a Assembleia da República na comissão de conflitos entre o PS e o PCP, o que não é propriamente uma contribuição para a defesa da democracia em Portugal.
Deixando de lado e de que maneira -, a direita, que de tempos a tempos goza com o que o Sr. Deputado diz e de tempos a tempos o aplaude e embandeira em arco com as suas afirmações.
Pausa.
O Sr. Deputado, para além de ter deformado claramente as propostas do PCP e de se ter escusado a discutir ou a argumentar a suposta não democraticidade dessas propostas, além de se ter escusado a discutir a única proposta tida por si como democrática e defensora da democracia em Portugal, que é a vossa, continuou a apresentar o PS como supostamente inflexível nas suas soluções, e disse-nos, entre outras coisas - quando tentou responder à pergunta «qual é o termo que a direita pretende?» -, porque é que a vossa é uma proposta de compromisso e que aqui há vários direitos. E depois, ao contrário do hino que no fim teceu às Forças Armadas, falou em atender também àquilo que se passa no interior das Forças Armadas.
Nós registamos este facto porque o Sr. Deputado, que em termos de teoria é tão anticonjunturalista, revelou aqui, com esta sua afirmação, um profundo sentido de oportunismo e uma alta sensibilidade para os factos.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que, não concordando com a invocação que fez, penso que, realmente, há que ter em conta também esse aspecto. Não no sentido em que invocou, mas num outro; é que nós entendemos que a solução que venha a ser consagrada na Constituição deve preservar a autonomia relativa, indispensável e necessária à independência e isenção das Forças Armadas como instituição. Deve preservar a possibilidade das Forças Armadas intervirem na vida política, conforme com a Constituição e em defesa do Estado democrático constitucional, e não deve ajudar a que se partidarizem as Forças Armadas.
Finalmente, Sr. Deputado, também não respondeu a uma questão muito importante: o Sr. Deputado tem estado a defender a solução de o poder fundamental ser o Governo, em matéria de Forças Armadas. E defende-a como sendo só essa a solução democrática.
Eu lembrei ao Sr. Deputado que a ditadura que precedeu o 25 de Abril, porventura a mais longa que já sofremos, pelo menos nos tempos modernos, se serviu justamente dessa solução para poder instrumentalizar, partidarizar e manipular as Forças Armadas e pô-las exclusivamente ao seu serviço e contra o povo português.
O Sr. Deputado quase não comentou isto. Eu pretendo que o Sr. Deputado diga claramente, se é ou não verdade o que eu digo, que uma tal solução permite, pelo menos, a quem tenha a tentação de voltar ao 24 de Abril de, a partir desse poder, a partir do poder exclusivo ou quase exclusivo do Governo, escolher as chefias militares, voltar a instrumentalizar e a manipular as Forças Armadas e voltar a amarrá-las ao carro antidemocrático que destrua o regime democrático português.
É esta questão concreta que se põe, Sr. Deputado. Não é nenhuma outra, e eu espero que o Sr. Deputado,
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se entender contraprotestar, por uma vez se refira à questão concreta que estamos a tratar, isto é, de saber qual das duas soluções que estão em causa, é melhor que a outra e porquê.
Quais são os argumentos? Quais são as seguranças que o Sr. Deputado encontra na sua e que não encontra na nossa? Quais são os perigos que encontra na nossa e não encontra na sua?
Em resumo, porque é que defende tão acaloradamente e tão sem argumentos a vossa solução, e porque é que aproveita, afinal, esta discussão, que tem que ver com uma questão fundamental do futuro texto constitucional, para se limitar a fazer ataques destemperados, despropositados, gratuitos e por isso obscenos ao Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama, para contraprotestar.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As ideias e as posições estão suficientemente elucidadas e de forma alguma eu pretenderia figurar na estratégia política dos Srs. Deputados desta bancada, prolongando um debate que, para toda a opinião pública e para esta Câmara, está mais do que suficientemente esclarecido e será rapidamente decidido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção bastante curta porque o debate já vem longo, porque já na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional tive ocasião de expor, com desenvolvimento e clareza, as posições da ASDI acerca do problema das designações das chefias militares, e porque o nosso tempo disponível para este debate é bastante escasso.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Nós iremos votar a proposta vinda da Comissão a respeito das designações das chefias militares, não porque essa solução seja a única possível, não porque seja a única solução democrática possível, mas, antes de mais nada, porque é a solução correspondente ao projecto de revisão da Frente Republicana e Socialista, e nós assumimos e respeitamos os nossos compromissos políticos, e ainda porque consideramos que esta solução, mesmo não sendo eventualmente óptima, é uma solução institucionalizadora, equilibrada e harmónica com um sistema de Governo semipresidencial que consta da Constituição de 1976.
É uma solução institucionalizadora porque pensada, não para o imediato, não para este ou aquele Governo, mas sim uma solução susceptível de valer para todos os Presidentes da República e para todos os Governos que venham a encontrar-se em funções.
É uma solução capaz, idónea, de promover a institucionalização da vida pública em Portugal e de contribuir para uma correcta inserção das Forças Armadas Portuguesas dentro do sistema político.
É uma solução que poderá valer, não apenas para 1982, mas também para 1985 ou 1990, uma solução que poderá valer para o desenvolvimento da vida democrática portuguesa a curto prazo, a médio prazo e a longo prazo.
É uma solução equilibrada, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, porque se inspira num princípio de divisão de poderes entre diferentes órgãos de soberania. Os altos chefes militares serão designados e exonerados, não apenas por acto e por vontade do Presidente da República, ou não apenas por acto e por vontade do Governo. Serão designados e exonerados na base de um acordo do entendimento entre o Governo e o Presidente da República.
E nós pensamos que mal iria este país, que mal iria esta democracia, se ao menos no tocante à designação e à exoneração do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e dos restantes Chefes de Estado-Maior não fosse possível encontrar um entendimento e um acordo entre o Presidente da República e o Governo.
O Governo proporá, o Presidente da República designará, nomeará.
E nem a intervenção do Governo será uma mera intervenção secundária, ou sem real significado político, nem a intervenção do Presidente da República estará destinada a ser uma mera homologação formal daquilo que o Governo tenha vindo a decidir.
É uma solução equilibrada ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque ela se conjuga com outras soluções que constam do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que são designadamente as seguintes: a atribuição à Assembleia da República da reserva de competência legislativa, não apenas no tocante à organização de Defesa Nacional mas igualmente no tocante às bases gerais de organização, disciplina e funcionamento das Forças Armadas; a atribuição ao Presidente da República de um veto qualificado no concernente a estas matérias; a atribuição ao Governo da direcção da administração militar do Estado; a criação do Conselho Superior de Defesa Nacional como órgão que poderá vir a ter competências administrativas por força de lei; a definição do Presidente da República como Comandante Supremo das Forças Armadas, a qual não é puramente honorífica; e a atribuição ao Presidente de República da Presidência do Conselho Superior de Defesa Nacional.
No quadro de todas estas soluções, aquela que consta do artigo 136.º da Constituição, parece-nos uma solução bastante equilibrada e ao mesmo tempo bastante prudente.
Finalmente, a solução que vamos votar é uma solução que aparece em conformidade com o sistema de Governo semipresidencial.
Se este sistema de Governo se vem radicar na existência de dois órgãos, cujos titulares são eleitos por sufrágio universal, o Presidente da República e a Assembleia da República, então o haver altos chefes militares, que são, por seu turno, nomeados e exonerados a partir duma intervenção, quer do Governo responsável perante o Presidente e perante a Assembleia, é perfeitamente compatível, é perfeitamente conforme com o esquema de Governo semipresidencial que consta da Constituição de 1976 e que nós queremos manter depois desta revisão constitucional.
Admitimos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que outra solução, ou que outras soluções pudessem ser aventadas, mas esta tem estes méritos, e se porventura tem alguns riscos, estamos convencidos de que serão susceptíveis de ser vencidos através da prática democrática, através da institucionalização democrática, através da vontade firme, que há neste país, de impedir a partidarização das Forças Armadas, e de as pôr sujeitas ao poder civil democrático, que é o poder integrado pelo Presidente da República e pelo Governo.
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Por isso, repito, em obediência aos compromissos que assumimos no âmbito da Frente Republicana Socialista, e porque essa solução foi aquela que obteve o consenso maioritário na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, e aquela que tem os méritos que apontei, nós iremos votar favoravelmente o texto do artigo 136.º da Constituição, vindo da Comissão de Revisão Constitucional.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento em que está em causa a revisão da Constituição, após este período transitório em que o Conselho da Revolução centrou em si poderes em domínios militares, várias questões se colocam a quem tem a tarefa de efectivamente fazer a lei de revisão constitucional.
Quanto à questão da gestão da administração militar, dado que até aqui o órgão supremo da direcção militar era o Conselho da Revolução, entendemos, tal como os outros partidos democráticos, que a superintendência de toda a administração, seja ela civil ou militar, deve ser do executivo, deve ser do Governo, quer venha a ficar explicitamente constitucionalizado, quer isso venha, no fundo, a ter solução em legislação ordinária.
Outra questão será a das promoções dos diferentes postos militares e, designadamente, como questão importante, a das nomeações para os altos cargos de chefia das Forças Armadas.
Nesta matéria, e no nosso projecto, não contemplávamos uma solução a constitucionalizar. A verdade é que na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional evoluímos e hoje entendemos, tal como o CDS, tal como o PS, que efectivamente a solução mais aconselhável é a de consagrar uma solução desde já na Constituição.
E isto devido à dignidade e importância dos cargos.
Isto pela necessidade, findo o período transitório, em que as Forças Armadas tiveram, realmente, um regime especial, um regime anómalo de auto-Governo.
Isto para evitar que um sistema qualquer, que se venha numa primeira fase a consagrar, possa ser flutuável através de maiorias alternantes que apareçam em momentos seguintes e portanto para criar um sistema estável que, no fundo, acabe com a polémica, e até com uma certa divisão na opinião pública portuguesa, dos partidos e até dos militares, uma questão que para nós nos parece sensível, findo este período transitório, sabido como é, que, muitas vezes, as Forças Armadas tem sido utilizadas, têm sido instrumentalizadas, e depois do 25 de Abril, aliás, essas tentativas, verificaram-se muitas e muitas vezes.
Decidido assim o interesse em constitucionalizar uma solução, a questão que se punha era saber que solução.
Para nós, desde logo, teria que se afastar a ideia de criar um qualquer órgão, qual sucedâneo do Conselho da Revolução, qual um novo Conselho da Revolução, sem prejuízo de se aceitar, evidentemente, a criação dum Conselho de Defesa Nacional consultivo, mas que nunca pusesse em causa a superintendência, a junção que normalmente deve caber aos órgãos de soberania, isto é, nunca aceitaríamos que houvesse um governo militar ao lado do Governo do país.
Deve haver um só governo para todos os portugueses, um só governo para toda a Administração, um governo legitimado pelo povo português.
Mas, entre uma solução em que fosse o Governo a decidir inteiramente nesta matéria, colegialmente ou através do Ministro de Defesa, ou uma solução em que fosse o Presidente da República a tomar livremente as decisões, nós optámos realmente por uma solução de colaboração. E diria mesmo que a solução que nos é apresentada pelo texto de sistematização é uma solução de ampla colaboração. Uma solução em que o Governo propõe, em que o Presidente da República nomeia, e em que o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, uma vez designado, dá parecer em relação aos três chefes dos diferentes ramos.
Portanto uma colaboração entre os diferentes órgãos de soberania e as Forças Armadas.
E nesta solução está subjacente, por um lado, uma oposição ou uma solução em que fosse só o Presidente da República a tomar posição, e isto por desconfiança, conforme se deduz de muitas intervenções aqui feitas, em relação ao Governo.
No fundo uma certa preocupação pelos tempos de ditadura, um síndroma do salazarismo, que faz ter medo dos governos, apesar de estarmos em regime democrático, que faz ter medo de militares numa perspectiva para nós absolutamente inaceitável.
É claro que esta norma também servia para o debate feito em torno de determinadas preocupações de conjuntura, ou seja, porque o Governo, neste momento, é da Aliança Democrática. Mas, conforme outras bancadas já o referiram, quando se trata de um problema de máxima importância, como é o de constitucionalizar soluções, a conjuntura não pode ser tomada em consideração e todos os democratas têm de aceitar que não se pode ter em conta o «quem está hoje e quem estará amanhã», mas sim procurar a solução mais adequada em termos genéricos.
Subjacente à solução que agora apoiamos está, também, uma oposição a teses que propugnariam que fosse apenas o Governo a decidir em última instância e que ignoram o princípio já constitucionalizado que o Presidente da República tem funções de Comandante Supremo das Forças Armadas para além de ser um órgão de soberania eleito pelo voto directo. Esta nossa posição é independente da consideração de maior ou menor apego, ou maior ou menor simpatia, pelo actual Presidente da República por parte das diversas bancadas e isto porque, também aqui, nestas considerações, apenas estão em causa elementos de conjuntura.
A nossa posição é, portanto, uma posição dirigida numa perspectiva de procura da solução institucional mais correcta e mais estável, e, por isso, é aquela que nos parece ter - e só isso a justificava o acolhimento de toda a Câmara.
Diga-se, aliás, que noutros países é mesmo a solução que merece o maior acolhimento e eu referiria, não os países de regime parlamentar em que ela é dominante, mas os regimes semipresidencialistas da Áustria, da França e da Finlândia. Na Áustria é o Governo, não é o Presidente da República, através do Ministro da Defesa, que faz estas nomeações. Na França e na Finlândia é o Chefe de Estado, sob proposta do Governo. Nos Estados Unidos, país de regime presidencialista, o Chefe de Estado-Maior do conjunto das Forças Armadas é
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nomeado pelo Presidente, que, é sabido, é o chefe do executivo, sob proposta do Secretário de Estado e está dependente da aprovação do Senado. Isto é, a lição dos outros países - que não somos obrigados a seguir mas que, de qualquer maneira, deverá ser um elemento para nos fazer pensar aponta, também, maioritariamente no sentido que o texto em debate nos propõe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em conclusão o que temos de perguntar é se terão razão aqueles que dizem não ser esta a solução desejável, que Portugal de 1982 ainda não é um Portugal de democracia madura dado o facto de não há muito tempo ter conseguido fugir ao sistema de ditadura, que se retira poderes ao Presidente da República e que se dão, acentuam, poderes ao Governo. Nós pensamos que nenhuma destas teses pode merecer acolhimento, os actuais poderes do Presidente da República nesta matéria são, desde logo, precários, transitoriamente aceites - talvez em termos não constitucionalmente admissíveis para os artigos 113.º, n.º 2, como aliás, outros parlamentares já o referiram-, porque são poderes transitórios ligados à própria existência do Conselho da Revolução e sujeitos à sorte desse órgão de soberania.
Diremos, ainda, que não se pode medir o valor relativo dos poderes dos diferentes órgãos de soberania pelas atribuições desta competência, a menos que os defensores desta tese, da competência exclusiva do Chefe do Estado, estejam a pensar dar-lhe tais poderes que permitam ao seu titular instalar-se pessoal e ditatorialmente no poder. Ocorrência que não podemos de maneira nenhuma admitir!
Falar em «democracia imatura» só é entendível se pretender significar uma certa necessidade de regime especial, tal como aquele que ocorreu a seguir ao 25 de Abril, como necessidade de cimentação da democracia. Nós sempre defendemos que depois do 25 de Abril tal tese não seria admissível, mas a verdade é que este período especial existiu - foi o período transitório - e o que se pretende neste momento, em que fazemos a revisão constitucional, é acabar com esse período transitório, por isso, votando a extinção do Conselho da Revolução não podemos ter, para outras soluções, presente uma certa necessidade de prorrogação desse mesmo período.
Esta é, portanto, a solução da máxima colaboração - numa perspectiva positiva em termos de fazer e numa perspectiva negativa em termos de evitar que se faça, na medida em que o Presidente da República não será fiscalizável contrariamente ao Governo que depende politicamente do Parlamento e que, por isso, é controlável por ele- adequado para procurar as melhores saídas, é a solução que nos ensina a história de outros países democráticos ocidentais onde tem sido testada, é a solução que não vai contra a nossa própria tradição e é porque tem o acolhimento da maioria esmagadora desta Câmara, a própria Comissão Eventual para a Revisão Constitucional já manifestou ser essa a solução preferível constitucionalizar, que o meu grupo parlamentar lhe vai dar o seu voto favorável.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, muita coisa vai dita neste debate e, porventura, muita coisa há para dizer.
O Sr. Deputado, na sua intervenção, para além de ter, uma vez mais, afirmado o que para nós era óbvio, que não lhe assiste a si qualquer desconfiança em relação ao Governo, ao contrário do que acontecia connosco - aproveito para lhe dizer que, na realidade, existe, da nossa parte, mais do que desconfiança, uma firme e viva oposição-, referiu que a solução encontrada, consignada no texto da CERC, é a solução institucional mais correcta e mais estável. Poderia em torno destas suas afirmações proceder a considerações muito amplas. Lembraria, por exemplo, ao Sr. Deputado Fernando Condesso que os últimos 162 anos de vida portuguesa têm sido marcados pela intervenção, muitas vezes irrita, dramática e antidemocrática das Forças Armadas - o que não quer dizer que, em alguns outros momentos, não tenha havido, como aconteceu no 25 de Abril, uma actuação positiva - e que nós ainda não conseguimos, em sede jurídico constitucional, ou mesmo em sede de debate da própria ideologia e dos próprios problemas políticos, solucionar esta questão.
Lembrar-lhe-ia, do mesmo modo, que esta irrupção, de modo genérico, antidemocrática das Forças Armadas no tecido social, tem sido acalentada, estimulada, perpetrada, por aqueles que permanentemente se esparramam em loas à submissão do poder militar ao poder civil. Essas afirmações, mais de música celestial do que relacionadas com a autenticidade e com a integridade política, mereceu, naturalmente, o relevo que mereceu e não importa considerá-las excessivamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
De todo o modo queria salientar que não é possível, sob pena de ser absolutamente farisaico e imaturo, considerar o problema das Forças Armadas como quem tem a verdade absoluta na mão e como quem entende que as soluções que preconiza são as únicas democráticas, que todas as outras posições (as das outras forças políticas) sejam apodadas de antidemocráticas. Já aqui foi claramente demonstrado pela minha bancada, e já outros deputados de outras bancadas o disseram, que a solução que nós propomos, sobre ser uma solução igualmente correcta, é, sob o ponto de vista da principiologia democrática, totalmente inatacável.
Há um aspecto que julgo merecer do Sr. Deputado Fernando Condesso alguma consideração, o qual se prende com a afirmação que produziu relacionada com o facto desta solução ser a mais estável. Quando estamos a fazer a revisão de uma Constituição, ou quando estamos a intervir em qualquer processo legiferante, devemos ter em conta, antes de mais nada, a própria realidade.
Os Srs. Deputados têm sido hoje pródigos em proclamar o seu repúdio pela conjuntura. Terei muito gosto, noutra oportunidade, em provar como esses mesmos deputados, aqui e noutras sedes, frequentemente recorrem a raciocínios de carácter conjuntural para justificar as posições que assumem (o Sr. Deputado Fernando Condesso, de resto, também não se eximiu a isso).
Eis por que lhe pergunto: atendendo à realidade que é a nossa, a de um país cuja democracia se vem constitucionalizando, é mais estável não contar com a solução hoje conhecida, o statuo quo que é conhecido no domínio da nomeação e da exoneração das chefias militares e no que demais concerne à sua Administração, que não provou ser errado? Ou, pelo contrário, é mais
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proposta de nomeação e de exoneração das chefias militares, sabendo-se, como se sabe, que os governos se sucedem, minoritários ou maioritários, e estes últimos, apesar de se dizerem sólidos, estáveis, coerentes, são a prova provada da maior instabilidade e fragilidade?
É ou não é colocar o país nas mãos da instabilidade e da desestabilização permanente aprovar essa solução, a de entregar aos governos, que se sucedem uns após outros, o conjunto dos direitos relativos à nomeação e exoneração das chefias militares?
Em que ficamos, Sr. Deputado Fernando Condesso? É do ponto de vista da estabilidade que louva a sua própria proposta e a sua própria doutrina? Ou terá que buscar noutros argumentos, com bastante mais peso, pertinência e fundamento, aquilo que julga ser substancial e determinante para defender as teses que apresenta?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, se assim o entender, o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados muito rapidamente para dizer o seguinte: nada direi acerca da desconfiança mais uma vez declarada pelo Sr. Deputado em relação ao Governo.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É muito mais que isso!
O Orador: - Dir-lhe-ei que estamos em sede de revisão constitucional e que o Governo é o «orgão governo» e não o Governo AD. É isto, e apenas isso, que está em causa!
No que diz respeito ao problema de eu ter apodado a vossa solução de antidemocrática, eu não disse isso. Louvei-me apenas ao defender a solução que é a solução da maioria AD e PS, não só em argumentos que, para nós, são decisivos mas, também, na lição de outros países, na lição do direito comparado.
Ao referir-me à estabilidade eu dizia que é mais estável decidir já esta solução, decidir já fixar regras na Constituição, do que deixar isso para a legislação ordinária, na medida em que os debates se prolongariam e provavelmente não chegaríamos a outra solução - até porque entendemos que esta é a melhor - e para não se estar a prolongar esse debate e não fixar na Constituição algo que para nós não parece ganhar dimensão e importância, e isto porque o domínio das Forças Armadas é um domínio sensível e a questão fica efectivamente solucionada.
Em relação à questão em si, Sr. Deputado, dir-lhe-ia, repetindo, que VV. Ex.ªs poderão ter muitas razões em relação a argumentos que aqui aduzem, simplesmente a verdade é esta: na solução que aqui é proposta intervém o Governo, o Presidente da República e as próprias Forças Armadas.
Em relação às perguntas que me fez, aos pedidos de esclarecimento que me colocou, são estas as três questões que merecem uma resposta da minha parte.
Vozeado PSD: - Muito bem!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não me convenceu!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se tivéssemos alguma vez tido dúvidas que a matéria referente à nomeação das chefias militares era um dos temas mais polémicos e quentes da revisão constitucional, o debate que aqui se trava nesta Câmara desde ontem à tarde e principalmente a vivacidade que este debate assumiu hoje de manhã ter-nos-ia certamente tirado essas dúvidas.
Talvez não valesse a pena dizer muito mais para além do que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Jaime Gama. Penso, no entanto, que ainda valerá a pena, sem paixão e serenamente, defrontar alguns problemas e sobre eles raciocinar.
A primeira questão que se coloca nesta matéria é a de saber se a nomeação das chefias militares deve ou não ser resolvida em sede constitucional. Esta questão prende-se claramente com a extinção do Conselho da Revolução e com a subordinação das Forças Armadas ao poder civil democrático.
A extinção do Conselho da Revolução implica necessariamente a distribuição das numerosíssimas competências que este órgão de soberania detém pelos restantes órgãos de soberania, é importante - direi mesmo fundamental - para o êxito desta revisão constitucional que essa distribuição se faça de uma forma adequada e equilibrada. A subordinação das Forças Armadas ao poder civil é um dos grandes objectivos da revisão constítucional para as forças democráticas e não é um objectivo que resulte dos seus programas partidários, é um objectivo que resulta da própria lógica da Constituição, na medida em que findo o período transitório as Forças Armadas deveriam, por via disso, sair do regime de autogoverno, em que até aqui têm vivido ao longo destes anos, para um regime de normalidade, que terá, necessariamente, de ser de subordinação ao poder político civil.
No entanto, não importa fazer essa subordinação de qualquer forma. As Forças Armadas são um corpo que integra o próprio Estado e para que esta subordinação e esta integração se faça de uma forma adequada e sem sobressaltos importa, a nosso ver, que todos os órgãos de soberania estejam associados a essa integração, e é por isso que defendemos - isso consta do texto da Comissão Eventual para Revisão Constitucional - que os poderes do Conselho da Revolução passem para, por um lado, a Assembleia da República, por outro, para o Presidente da República e, por outro ainda, para o Governo.
Os poderes legislativos do Conselho da Revolução passam - na sua parte mais significativa, naquilo que têm a ver com a definição das missões que às Forças Armadas incumbe cumprir para a Assembleia da República e houve mesmo o cuidado, para além do caso da lei de Defesa Nacional e dos deveres dela decorrentes - que já constavam do elenco de matérias que uma vez vetadas pelo Presidente da República necessitavam para a aprovação uma segunda leitura de maioria de dois terços -, de, também, elencar entre essas matérias aquilo que respeita aos princípios e bases gerais da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas.
As competências administrativas do Conselho da Revolução passam, naturalmente, para o Governo, mas o passarem para o Governo não pode ser, de maneira nenhuma, entendido como certas forças políticas
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- designadamente o PCP - o têm feito crer, nem a governamentalização das Forças Armadas, e, muito menos, a sua submissão. Pelo contrário, isso significa - como aqui hoje já foi reconhecido - que haverá nessa matéria um controlo do Parlamento visto ser evidente que se essas competências administrativas passassem para o Presidente da República não é responsável perante o Parlamento, ficando o único controlo a cargo dos eleitores que, no caso do Presidente da República solicitar uma segunda investidura popular, o fariam na base da sua actuação no exercício dos seus poderes.
Entendemos, também, que o Presidente da República devia ser associado a esta distribuição de competências. No projecto que saiu da CERC o Presidente da República é associado não apenas nesta matéria respeitante à nomeação e exoneração das chefias militares mas noutras formas, designadamente, através da competência do Conselho Superior de Defesa Nacional. Este facto de o Presidente da República ficar associado a esta distribuição das competências do Conselho da Revolução e à estabilização do Estatuto das Forças Armadas foi a razão fundamental que levou a Aliança Democrática - que no seu projecto de revisão constitucional tinha deixado omissa esta questão - a aderir à tese defendida pela FRS de que a matéria e a questão devia ser resolvida em sede de revisão constitucional.
E porquê? Pela razão simples de entendermos que o Estatuto de Presidente da República deve depender exclusivamente da Constituição e que a sua alteração não deve estar à mercê do legislador ordinário. A maneira de conseguir que esse Estatuto fosse estável e que os poderes que o Presidente da República tivesse nesta matéria não pudessem amanhã ser postos em causa era resolver esta questão em sede constitucional. A segunda questão que, em meu entender, se pode colocar baseia-se em saber se a solução encontrada é a conveniente. Aqui há que ponderar, por um lado, as experiências de direito comparado nesta matéria e, por outro, atentar na realidade portuguesa, nas tradições que a instituição militar tem em Portugal, e, também, no passado recente que, como já referi, originou que as Forças Armadas vivessem nestes últimos anos uma posição de autogoverno.
Quanto ao direito comparado, matéria que já ontem suscitou algumas interrogações, devo dizer que no mês de Fevereiro tive oportunidade de fazer, como deputado, um requerimento ao Sr. Ministro da Defesa Nacional solicitando que me fossem fornecidos, através do Ministério da Defesa, alguns elementos de direito comparado que fosse possível reunir sobre diversas questões relativas ao tratamento constitucional e legal dado às Forças Armadas e às relações entre os órgãos de soberania e as Forças Armadas. A resposta a esse requerimento, que terei o maior gosto de facultar a todos os colegas deputados que nele possam estar interessados, é bastante sintomática: quanto à questão da nomeação das chefias militares, entrando em linha de conta que foram analisados os regimes jurídicos nesta matéria de 21 países - Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Dinamarca, Egipto, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Israel, Itália, Jugoslávia, Noruega, Reino Unido, República Federal Alemã, Suécia, União Soviética e Venezuela -, passo a ler as conclusões desse estudo, para poupar tempo à Câmara e não abusar da sua paciência: «Nos países analisados há fundamentalmente três sistemas quanto à nomeação do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, ou cargo equivalente.
Num primeiro grupo, a competência para essa nomeação pertence em exclusivo ao Governo sem intervenção do Chefe do Estado. É o caso do Canadá e Israel, onde tal poder pertence ao Conselho de Ministros e é, também, o caso da Áustria e da República Democrática Alemã onde esse poder pertence ao Ministro da Defesa; pode incluir-se neste primeiro grupo a Grécia uma vez que aí a competência pertence ao Conselho Superior de Defesa Nacional que é um Conselho de Ministros restrito.
Num segundo grupo, a nomeação do Chefe de Estado-Maior compete ao Chefe do Estado, Rei ou Presidente, mas sob proposta do Governo. É o caso da generalidade das monarquias parlamentares - Reino Unido, Bélgica, Holanda, Noruega e Espanha- das repúblicas parlamentares - Itália-, das repúblicas semipresidencialistas -França, Finlândia- ou das repúblicas presidencialistas puras - Estados Unidos».
Há algumas variantes que creio que não há interesse salientar. Apenas direi, em relação àquilo que foi dito, e repetido, pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, que embora o Presidente da República da Finlândia tenha algumas competências específicas em matéria militar, a competência para a nomeação dos Chefes militares, designadamente do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, é uma competência exercida em Conselho de Ministros e sob proposta do ministro competente.
Nos países socialistas a competência para a nomeação do Chefe de Estado-Maior-General surge formalmente atribuída ao Chefe de Estado colegial, desconhecendo-se os mecanismos reais de escolha ou de proposta.
Verificamos, assim, que há um substancial leque de sistemas que, talvez, genericamente o sistema mais utilizado seja o da competência pertencer ao Governo e que existem alguns sistemas políticos, designadamente os semipresidencialistas, onde há uma competência conjunta do Governo e do Chefe do Estado.
No fundo, e para Portugal, estava em causa saber qual o regime mais adequado. Parece-nos que tendo Portugal um sistema semipresidencial, o sistema em que existe uma dupla legitimidade democrática, por um lado, do Presidente da República - eleito por sufrágio directo e universal- e, por outro, do parlamento -de onde o Governo deriva e que é eleito, também, por sufrágio directo e universal-, se imporia que o regime fosse dotado da necessária estabilidade através da colaboração do Governo como Presidente da República. É esse, no fundo, o sistema proposto pela Comissão Eventual para a Revisão Constítucional em que há a necessidade de uma colaboração de vontades e de controlo de dois órgãos de soberania. No fundo, é mais um controlo que a nossa Constituição estabelece e que os sistemas semipresidenciais vinculam, na esteira da fórmula de Montesquieu, para que não se possa abusar do poder é preciso que o poder detenha o poder.
É este o cerne da fórmula que defendemos e que consta do Relatório da Comissão Eventual para a Revisão Constítucional, é a fórmula que nos parece ser a mais adequada para o nosso país, tendo em conta, e entrando em linha de conta, com o facto de, por um lado, as Forças Armadas terem historicamente um peso importante na sociedade portuguesa e, por outro, com o facto de terem vivido todos estes anos em sistema de autogoverno.
Finalmente uma terceira questão pode colocar-se relacionada com o facto de se saber se este poder de nomea-
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cão e exoneração das chefias militares deve ser considerado como um poder próprio do presidente da República ou como um poder que o Presidente exerce na qualidade ou no exercício do cargo para quem o entender como tal de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Foi uma questão que foi alvo de grande controvérsia na Comissão Eventual de Revisão Constitucional. A Aliança Democrática não pode ser nesta matéria acusada de qualquer fixismo porque teve oportunidade de propor várias fórmulas alternativas, desde uma fórmula em que se considerava, no fundo, que essa qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas correspondia a três poderes que classicamente lhe são atribuídos - o poder de declarar a guerra e fazer a paz, o poder de nomear as chefias militares, o poder de presidir a um órgão do tipo do Conselho Superior de Defesa Nacional -, até à fórmula, que foi a que veio obter vencimento, que preconizava que os poderes eram poderes próprios do Presidente da República. Solução, talvez, preferível, solução que, talvez, possa contribuir de uma forma mais transparente e duradoira para o objectivo que se pretende alcançar de subordinação das Forças Armadas ao poder civil, englobando, neste último, a totalidade dos órgãos de soberania que representam a vontade popular.
O que não se pode aceitar, e foi por isso mesmo que não obteve vencimento, é a concepção de haver dois cargos exercidos pela mesma pessoa - o cargo de Presidente da República e o cargo do Comandante Supremo das Forças Armadas - saindo do cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas um certo número de competências e deixando um pouco no vago e em branco a determinação de outras (talvez como cabide onde amanhã a lei pudesse pendurar outros chapéus). Isso não poderia, de maneira nenhuma, ser aceite e, por isso, na Comissão se optou pela solução que consta do Relatório.
Pensamos que a solução encontrada contribui para o prestígio do Parlamento e para o reforço e aperfeiçoamento do sistema democrático. Pensamos, também, que a solução encontrada contribuirá para a dignificação da instituição militar, dignificação em que todos os militares portugueses estão empenhados, sabendo como sabem, quer o peso histórico que a instituição militar tem em Portugal quer os serviços que ao longo de séculos a Nação lhe deve.
O problema é de regime e de construção do Estado democrático e por isso foi sem surpresa que verifiquei as clivagens que hoje de manhã ocorreram na Assembleia da República são as clivagens que existem na sociedade portuguesa quando se trata de definir e constituir o Estado democrático.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: A questão essencial que está em causa, a propósito da discussão das propostas, que vêm da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e de algumas propostas que lhe estão ligadas, sobre o mesmo assunto, apresentadas pelo PCP e pelo MDP/CDE, relativas à escolha e nomeação das chefias militares é, sem dúvida, uma das mais importantes desta revisão constitucional.
Notemos, em primeiro lugar, que esta questão essencial resulta - é forçosa - em razão do desaparecimento do Conselho da Revolução e em consequência de se pretender esvaziar o conteúdo do cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas que, por inerência, pertence ao Presidente da República.
O que está em causa é a inserção da instituição militar no quadro do sistema de Governo que resultará após a revisão da Constituição. Mas o que está em causa também é a autonomia, ou melhor dizendo, o grau de autonomia que a natureza da instituição militar exige para que o seu funcionamento se revista da necessária e indispensável independência, face a eventuais e conjunturais alterações políticas e seja sempre conforme à Constituição e à defesa do regime democrático-constitucional.
Por outras palavras, é, por um lado, do equilíbrio e independência dos órgãos de soberania que se trata é, por outro lado, trata-se da salvaguarda da intervenção democrática das Forças Armadas e do seu empenhamento permanente na defesa da democracia portuguesa conquistada com o 25 de Abril.
Algumas questões que lateralmente se têm colocado são ou falsas questões ou simplesmente questões forjadas a preceito, com objectivos difusos, mas que, no essencial, resultam no obscurecimento dos verdadeiros problemas quando não são à partida nuvens de fumaça encobridoras de objectivos inconfessáveis.
Assim é, por exemplo, quanto à subordinação das Forças Armadas ao poder político civil. É óbvio que quanto a este aspecto tanto valeria a inserção da instituição militar total e exclusivamente ao nível do Presidente da República, como a sua total e exclusiva inserção ao nível do Governo.
Mais; se diferença há, ela vai no sentido de privilegiar o órgão Presidente da República, uma vez que apresenta a vantagem de resultar directamente de sufrágio popular e corresponder à máxima estabilidade constitucional possível.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo é por excelência menos estável, menos distante da luta política diária e, por isso mesmo, sujeito a variações conjunturais. Por sobre tudo, o Governo é em geral um órgão de soberania partidariamente definido, podendo portanto conduzir à partidarização das Forças Armadas, ou pelo menos ser tentado a isso, com graves consequências para a independência e isenção democráticas que devem caracterizar as actuações das Forças Armadas e os graves perigos decorrentes para a consolidação da democracia portuguesa.
A partidarização e consequente instrumentalização das Forças Armadas tem sido entre nós a via para os regimes ditatoriais e tal objectivo tem sido obtido através da governamentalização das Forças Armadas e dos restantes poderes do Estado.
Lembremos que Salazar era o Presidente do Conselho de Ministros, o Chefe do Governo, o Chefe da União Nacional, partido totalitário e único que dominava a seu bel-prazer as Forças Armadas.
Há também quem fale do Direito comparado e procure buscar, em exemplos de outros países, justificação para defender uma outra solução.
Sendo certo que nesta matéria todos os cuidados são poucos, já que a nossa realidade concreta não pode ser sujeita a figurinos que lhe não correspondam, a verdade
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é que, da longa e desgostante - porque vazia- resposta dada ao Sr. Deputado Luís Beiroco, ao requerimento que ele ainda agora mencionou, a única coisa sólida que resulta é não haver nesta matéria nenhuma fórmula exclusiva que possa, à partida, servir-nos de guia isto como mínimo.
Mas, pelo menos dos vários exemplos que foram dados, podem concluir-se, sem margem para dúvidas, que são falsas as acusações de presidencialista e antidemocrática à solução que propomos. Isto é, defendemos - porque não propusemos nenhuma solução, isto que fique claro o status quo actual, tudo o que fazemos é pedir que os Srs. Deputados da AD e do PS que justifiquem a nova solução que propõem, que provem que ela é melhor que a anterior.
Outra questão que muitas vezes se coloca é a de saber se o carácter semipresidencialista é afectado pelas soluções, ou melhor, a de saber se se mantém o equilíbrio e a interdependência dos órgãos de soberania resultantes directa e indirectamente do sufrágio popular.
Ora, é evidente que o poder de nomear as chefias militares sob proposta do Governo resulta, de facto, na remissão do poder de escolha para o Governo e deixa ao Presidente da República o poder formal de nomear quem lhe seja para esse fim indicado. E nem se argumente que o Presidente da República poderá sempre recusar porque, se é facto que pode, o que na prática se tem que configurar é que a recusa carece de justificação, e se a primeira carece de justificação, a segunda e a terceira também carecerão, e justificações a uma recusa, em regime democrático, serão sempre difíceis de dar.
No mínimo, o que se pode dizer é que a solução da FRS e da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, isto é, aquela que foi acordada entre a FRS e a AD, corresponde a uma clara diminuição dos actuais poderes do Presidente da República e um crescendo de muito peso aos poderes actuais do Governo.
Daí que ninguém, razoavelmente e com fundamento, possa defender que o equilíbrio entre os poderes dos diversos órgãos de soberania, que se verificava com o actual sistema constitucional, não seja profundamente alterado no caso de vir a ser adoptada a solução proposta pela Comissão, com o acordo da AD e do PS.
Só que esta profunda alteração comporta perigo que a nossa história já comprovou. Comporta o perigo da governamentalização das Forças Armadas e por essa mediação a sua partidarização, por essa via a sua manipulação e instrumentalização e, logo, a colocação da instituição militar ao serviço de qualquer candidato a ditador que tenha eventualmente assento na cadeira de Primeiro-Ministro.
Só que esta profunda alteração pode ter por acréscimo e com não menos perigo, o efeito de afastar a instituição militar do seu verdadeiro papel de garante da independência nacional e da defesa da democracia portuguesa.
Perante os riscos que se correm e a experiência positiva dos últimos anos quanto à actual solução que a nossa proposta visa manter, ou melhor, que a nossa defesa visa manter, nem serve meter a cabeça na areia nem serve fugir para a frente.
Por isso insistimos friamente em apelar para a reponderação desta questão, por isso não nos poupamos nem em argumentos nem em tempo - que tão escasso é neste debate para que fique claro o que até agora não foi minimamente contestado.
Isto é, a única solução com provas dadas no Portugal democrático, é aquela que defendemos, é a manutenção do stato quo, è a manutenção do poder de Presidente da República de escolher e nomear as chefias militares, garantindo, pela melhor forma, após o desaparecimento do Conselho da Revolução - que a maioria da Assembleia preconiza e votará - a independência e isenção das Forças Armadas e o seu empenhamento permanentemente na defesa do Estado democrático constitucional.
Finalmente, não podemos deixar de chamar a atenção para o facto de que esta alteração de equilíbrio de poderes entre órgãos de soberania não se compor só de uma peça. Isto é, esta alteração que a AD e o PS parecem pretender, potência e ao mesmo tempo é potenciada por outras importantes alterações que aparecem como resultado do referido acordo. É assim quanto à dupla responsabilidade do Governo, é assim quanto ao controle da constitucionalidade das leis. Eis porque os perigos que ela comporta podem ser não só muito graves como virem mesmo a verificar-se, se o Srs. Deputados insistirem por este caminho.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, ao que suponho para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, os Srs. Deputados Luís Beiroco, Lopes Cardoso, Nunes de Almeida e Sousa Tavares.
Estas perguntas serão formuladas a seguir ao intervalo regimental, que se vai fazer imediatamente, recomeçando a sessão às 18 horas.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, o Grupo Parlamentar do PCP solicita a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, está concedida a suspensão dos nossos trabalhos por 30 minutos.
A sessão reabre às 18 horas e 30 minutos.
Eram 18 horas e 2 minutos.
Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficaram inscritos, para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, os Srs. Deputados Luís Beiroco, Lopes Cardoso, Nunes de Almeida e Sousa Tavares. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, perdoe-me a imodéstia mas creio que poderei dizer que se outro mérito a minha intervenção não teve, ela teve pelo menos o mérito de levar a que da parte da
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sua bancada houvesse uma intervenção mais serena sobre esta matéria.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - É verdade!
O Orador: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira, por um lado, tentou demonstrar que a solução que o seu partido preconiza e que conduz à manutenção do status quo em matéria de nomeação das chefias militares, é uma solução democrática.
Creio que isso não está em causa e eu próprio tive ocasião de dizer, ao citar as várias soluções possíveis, que essa era uma das soluções e outra seria a de essa competência ser exclusivamente do Governo, o que, aliás, é a solução mais generalizada das democracias pluralistas.
Mas, realmente, o que está em causa é saber se essa é a mais adequada.
Em contraposição, o Sr. Deputado Veiga de Oliveira tentou demonstrar -do meu ponto de vista sem êxito-, que a solução preconizada pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional tem o grave defeito de poder permitir a governamentalização das Forças Armadas e nega que as soluções de direito comparado possam servir para Portugal, usando até o argumento de que a única solução com provas dadas em Portugal é exactamente a actual.
É evidente que, para além do que isto representa de conservadorismo, essa é a única solução experimentada porque, como deriva do próprio Pacto MFA/Partidos, outra não pode ser experimentada, o que é óbvio.
No entanto, resta saber se essa solução, ainda admitindo que era uma solução adequada e conveniente para o período de transição, é a solução mais adequada no momento em que se pretende que as Forças Armadas deixem de viver em sistema de autogoverno para estarem subordinadas ao poder político.
E a questão que quero pôr ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira é muito simples. Pensa realmente que a solução preconizada corre o risco de governamentalizar as Forças Armadas? Penso que não corre, que não provocará esse resultado e que eventualmente a solução de conferir esse poder ao Governo, essa sim, poderia ter esse perigo.
Mas não pensa o Sr. Deputado que a solução que preconiza, essa sim, corre o risco de presidencializar as Forças Armadas? E sabendo que os maus exemplos históricos do presidencialismo em Portugal tenderam sempre para o puro poder pessoal, não pensa que a forma mais adequada de evitar, quer um perigo quer outro, é, de facto, aquela que é preconizada, na medida em que estabelece um sistema de controle mútuo? Não pensa que o controle do Parlamento é também um controle essencial nesta matéria? Ou será que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira tem realmente pouca fé nas virtualidades do controle parlamentar?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, como referi há pouco, há mais oradores inscritos para pedirem esclarecimentos. O Sr. Deputado prefere responder já ou no fim em conjunto?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Prefiro responder já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tentarei ser curto uma vez que o tempo já gasto é muito.
Respondendo ao Sr. Deputado Luís Beiroco, quero dizer que a intervenção que li, embora tivesse espaços em branco, estava feita muito antes de o Sr. Deputado ter produzido a sua e, portanto, se ela foi serena já o era.
Efectivamente, a serenidade da minha intervenção não se deve a nenhuma intervenção sua. Pode ser que noutra altura se deva, mas não desta vez.
Quanto à questão que pôs sobre a democraticidade da nossa posição, folgo muito em ouvir agora da boca do Sr. Deputado Luís Beiroco - que certamente é suspeito nesta matéria - que, de facto, não têm nenhum mérito, não têm nenhum fundamento as acusações que ouvimos esta manhã quanto à solução que defendemos. É interessante e que sirva -passe o termo popular- de guardanapo a quem hoje de manhã se espalhou, abusando do banquete que parecia ter à frente.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Quanto às questões propriamente ditas, Sr. Deputado, a solução que eu disse ser aquela que deu provas é a do Portugal democrático.
De facto, no Portugal democrático a única solução que deu provas é esta. E não se chama ninguém conservador porque quer conservar uma coisa que tem provas dadas, e boas. Se é isso que é ser conservador, então, Sr. Deputado, eu serei porventura dos habitantes mais conservadores deste país.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - É com certeza!
O Orador: - Mas não é esse o significado que habitualmente se dá à palavra conservador. Conservador no sentido normal do termo não é aquele que conserva o que é bom, é aquele que quer conservar aquilo que não presta, que já se mostrou que não serve.
Vozes do CDS: - Ah!...
Vozes do PCP: - Muito bem!
Em relação à pergunta concreta que me pôs, em que disse que afirmámos que se corre o risco de governamentalizar as Forças Armadas, coisa de que o senhor duvida, uma vez que diz que a solução preconizada pela AD e apoiada pelo PS, ou às avessas, -enfim por ambos- é uma solução que, apesar de tudo, divide entre dois órgãos o poder de escolher e nomear, divisão esta que, como dissemos, não é de, forma nenhuma, equitativa, por sobre ser a diminuição do actual status quo em matéria de Presidente da República e o aumento de poder...
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, desculpe-me mas se realmente essa divisão não é equitativa é porque o poder principal é do Presidente da República, a quem cabe a última palavra.
E conhecendo-se, como certamente se conhece, alguma coisa da forma como funcionam as instituições
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militares, com certeza que em Portugal nenhum governo responsável quererá propor chefes militares tendo fundadas dúvidas de que o Presidente da República os nomeie.
O Orador: - Sr. Deputado Luís Beiroco, a este respeito o nosso ponto de vista já foi largamente expendido mas, no entanto, em resumo, para não gastar muito tempo, vale apenas dizer que é exactamente o oposto. Aliás, o Sr. Deputado sabe que o que nós vemos de perigoso nesse sistema, ou melhor, um dos perigos que vemos - embora seja um perigo lateral - é que esta solução sirva essa divisão que dizemos que é duplamente desfavorável ao Presidente da República porque lhe retira o poder que hoje tem, tout court, e porque a divisão que faz dá o poder de escolha - que é um poder originário - ao Governo, quando ele é um poder formal de nomeação.
Mas, o que vale a pena acrescentar, como perigo lateral, mas que é um perigo também, é a introdução de mais uma forma de afrontamento institucional. E o Sr. Deputado sabe muito bem que todos temos boas razões para poder pensar e até afirmar que não seria nada para estranhar que um Governo - este ou outro qualquer parecido - pudesse a certo momento usar mais esse instrumento de afrontamento institucional para com o Presidente da República.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Dá-me licença que o interrompa de novo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, permita-me que lhe diga que se acha que a constituição de sistemas de controlo que envolvem o acordo de vontades de dois órgãos diferentes são uma forma de eventualmente poder potenciar confrontos institucionais, então Sr. Deputado, o que está claramente a pôr em causa é o sistema semipresidencial do Governo porque a base deste sistema é a existência desse tipo de controlo. Se é isso que pensa, está afinal a dar razão a quem, a propósito da Constituição de Weimar, falava no processo mortal de formação do poder em Weimar.
Se é essa a sua posição, então, realmente, é um ataque ao sistema semipresidencial que quer fazer e, nesse caso, admito que se pense que este sistema gera instabilidade. Mas, então, é melhor dizê-lo claramente.
O Orador: - Sr. Deputado, esta sua interrupção permite esclarecer, mais uma vez uma coisa que já hoje tive ocasião de esclarecer.
Estas questões têm que ser discutidas à luz de princípios. Ninguém pode discutir nada se não tiver um qualquer conjunto axiomático em que funde o seu pensamento, embora haja gente que fala a respeito de tudo sem nenhuma espécie de princípios, mas não estou a falar desses.
Assim, quem quer discutir alguma coisa seriamente tem que ter um fundamento axiomático, portanto, princípios. Mas a partir daí, Sr. Deputado, não vamos teorizar. E o que o Sr. Deputado agora começou a querer fazer foi novamente a teorização do semipresidencialismo.
Ora, Sr. Deputado, eu entendo, com bom fundamento em princípios que tenho e que presidem ao meu raciocínio, que, nesta matéria, teremos que discutir e pesar em concreto as vantagens e desvantagens desta e daquela solução aliás, o Sr. Deputado tentou formular a sua pergunta nesta base - e só depois poderemos tentar fazer qualquer teorização, mas só depois porque antes isso ela pode atrapalhar-nos o pensamento e, sobretudo, tolher-nos a visão dos factos.
Ora, a pergunta fundamental que o Sr. Deputado me pôs era se eu achava ou não que, havendo perigos de governamentalização, - que o Sr. Deputado não reconhece- a solução de defender o statuo quo não constituía, ela própria, um perigo de presidencialização das Forças Armadas.
Quanto a isto, Sr. Deputado, digo que o fantasma do presidencialismo em Portugal é realmente um fantasma que nunca fez provas práticas duradouras. Porém, governamentalização do poder do Estado, essa, deu provas e provas substanciais no nosso país e todos nós as conhecemos.
Não vale a pena estarmos aqui a imaginar um fantasma quanto a provas feitas porque essas provas - como disse na minha intervenção e em outras ocasiões na sessão de hoje - são o facto de ter sido a governamentalização dos poderes do Estado e das Forças Armadas que tem servido para instalar e sobretudo para fazer durar e predurar, os regimes ditatoriais antidemocráticos. Esta é que é a questão. Não podemos ter em conta perigos que possam existir - porque existem perigos em quaisquer soluções -, só porque eles são eventualmente possíveis, em contraposição a perigos reais, conhecidos, praticados e vividos no nosso país.
São esses perigos que prioritariamente temos que ter em conta e são esses que nos fazem dizer que a solução que vós propusesteis, ou que o PS propôs e que recebeu o vosso acordo, comporta os perigos de se vir a reeditar aquilo que já tivemos no nosso país, isto é, a governamentalização dos poderes do Estado e das Forças Armadas, a sua instrumentalização e a destruição do regime democrático em Portugal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira insistiu, por mais de uma vez, no sentido de que a proposta do PCP tinha em vista a manutenção estrita do statuo quo e parece que não é exactamente isso que o PCP propõe, que há algo de diferente e que essa diferença não é irrelevante.
O Partido Comunista propõe a pura e simples transferência em exclusivo para o Presidente da República da capacidade de nomeação das chefias militares, sem audição de qualquer órgão, enquanto que o statuo quo é no sentido da nomeação pelo Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução.
Portanto, não é exactamente a manutenção do statuo quo que se propõe, é algo de diferente. É a concessão ao Presidente da República desse poder, sem qualquer espécie de limitações, a personalização desse poder, sem a audição de quaisquer outros órgãos, designadamente das próprias instituições militares.
Creio que há uma nuance e que importa recolocar o problema.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado Lopes Cardoso felizmente fez-me uma pergunta muito concreta, o que me evitará gastar muito tempo.
Em primeiro lugar, devo dizer que nós não temos uma proposta no sentido formal, apenas defendemos numa solução. Isto é, a proposta que fizemos em relação ao artigo 137.º, é uma proposta que deve ser vista num enquadramento geral porque, como todos sabem, nunca propusemos o desaparecimento do Conselho da Revolução e é nesse enquadramento que ela deve ser vista.
Mas, Sr. Deputado, na discussão efectuada na Comissão...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, mas usando o seu tempo...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Com certeza, Sr. Deputado. Era o que faltava...
O seu partido não propõe a dissolução do Conselho da Revolução mas propõe que este deixe de ser obrigatoriamente ouvido pelo Presidente da República para nomear as chefias militares. Isso foi proposto e tem um significado.
Portanto, aquilo que propõe não é realmente a manutenção do statuo quo.
Q Orador: - Sr. Deputado, agradeço-lhe esta interrupção porque ela permite que eu esclareça melhor o nosso pensamento.
De facto, quando se discutiu este assunto na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional insistimos várias vezes em saber quais as nuances que poderiam haver nas propostas da FRS a respeito de ouvir outros órgãos e até a respeito da possibilidade de fundamentar decisões de intervenientes através da audiência.
E nós não nos escusámos, de forma nenhuma, - aliás, isso é dito no nosso preâmbulo, que há pouco foi citado - a que tudo isso fosse feito através da audição, no quadro do Conselho Superior da Defesa Nacional ou ainda por qualquer outra forma que pudesse servir como almofada de conselho à decisão do Presidente da República.
Isso está fora de causa para nós e pensamos que a proposta que vós defendeis contem os perigos que já anunciei e em que não vou insistir para não fazer perder tempo à Câmara nem a nós próprios.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, vou procurar e vou mesmo executar não entrar em qualquer polémica sobre questões teóricas.
Não vou discutir com V. Ex.ª esta questão do ponto de vista da teoria, o que já foi aqui profundamente debatido hoje.
Como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira disse, interessa também que esta questão seja vista no plano prático. Assim, vou colocar-me no seu terreno, no plano prático, e discutir consigo puramente nesse terreno.
Começarei por registar dois factos, duas afirmações. A primeira é no sentido de que era necessário regular esta questão na Constituição em virtude da extinção do Conselho da Revolução.
Ora, registo este facto na medida em que isto traduz, desde logo, uma contradição clara com a afirmação feita hoje de manhã pelo Sr. Deputado Carlos Brito de que mais valia, face à solução preconizada no projecto da FRS, que tudo ficasse na mesma, mesmo extinguindo-sé o Conselho da Revolução. E registo porque isto demonstra, pelo menos por parte do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, algum realismo face a essa afirmação, que considero enorme, do Sr. Deputado Carlos Brito.
De facto, se tudo ficasse na mesma, extinguindo-sé o Conselho da Revolução - e eu gostaria que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira me dissesse se partilha ou não desta minha opinião-, reconhece ou não o Sr. Deputado que a actual maioria parlamentar ficará com as mãos inteiramente livres para, através de lei ordinária, resolver a questão da nomeação das chefias militares como muito bem entendesse?
E vou-lhe dizer porquê, Sr. Deputado. Porque das duas uma: ou se entende que esta matéria é relativa à organização da defesa nacional ou se entende que é matéria atinente à organização e funcionamento das Forças Armadas.
Assim, se entende que esta matéria é relativa à organização da defesa nacional, então, é porque necessariamente se entende que o decreto-lei do Conselho da Revolução que atribui tal competência do Presidente da República é inconstitucional visto que, de acordo com o actual artigo 167.º da Constituição, a competência legislativa em matéria de organização de defesa nacional é exclusiva da Assembleia da República.
O Conselho da Revolução só tem competência para legislar sobre matéria de organização e disciplina das Forças Armadas e, portanto, se se entender que isto é matéria de defesa nacional, então, o decreto-lei do Conselho da República que atribui tal competência ao Presidente da República é organicamente inconstitucional, tese que suponho que não é partilhada pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira porque se o fosse haveria de admitir que seria sempre possível requerer a declaração de inconstitucionalidade de tal diploma.
Mas, se se entender que esta matéria é atinente à organização e funcionamento das Forças Armadas, nesse caso só depois da revisão constitucional é que a legislação atinente a tal matéria, no caso de ser votada pelo Presidente da República, exige, para confirmação, maioria qualificada de dois terços.
Isto é, se se extinguir o Conselho da Revolução e tudo ficar na mesma, isso significa que a actual maioria fica com as mãos livres para entregar a nomeação das chefias militares a quem muito bem entender, designadamente e tão-só. ao Governo.
O segundo ponto que gostaria de focar é o seguinte: o Sr. Deputado Vital Moreira disse ontem que esta questão não era discutível com argumentos de principiologia democrática.
Vou-me colocar nesse terreno e, portanto, em termos de principiologia democrática qualquer das soluções seria possível.
Vamos admitir que assim é. Portanto, o ataque à solução preconizada, à solução da FRS não resulta de ela ser democraticamente inaceitável à base dos princípios.
Disse o Sr. Deputado Veiga de Oliveira que a questão era de saber qual a melhor solução, designadamente em termos de proporcionar uma melhor integração das
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Forças Armadas no sistema político, independentemente da conjuntura política.
Vejamos se assim é e se são ou não razões de integração das Forças Armadas independentemente da conjuntura política, que movem as críticas, do PCP, porque tais críticas resultam de dois argumentos fundamentais: o primeiro, é o de que a solução preconizada no nosso projecto conduz mais facilmente a uma partidarização das Forças Armadas, o segundo, é o de que conduziria a um poder exclusivo sob as Forças Armadas o que poderia destruir o regime democrático. Foram estas as duas razões apontadas pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Eu tenho para mim que nenhuma destas razões é suficiente para, independentemente da conjuntura política, justificar uma solução face à outra. Não é a da partidarização, porque se nós afastarmos a conjuntura política as situações podem ser muito diferentes. Podemos amanhã ter um Presidente da República com uma origem partidária, podemos ter um Presidente da República que esteja até em consonância partidária com o Governo ou que seja até partidariamente não consonante com o Governo, mas de qualquer maneira partidariamente alinhado isto independentemente da conjuntura.
Esta hipótese não é uma hipótese a excluir e, portanto, nessa medida, não há nenhuma garantia e não há melhor forma de demonstrar que uma solução face à outra tem mais ou menos riscos de conduzir à partidarização das Forças Armadas. Diria que a que tem menos riscos de conduzir à partidarização é a que assenta no pressuposto de uma confluência de vontades e não de uma única vontade. É aquela que assenta na necessária consonância de dois órgãos e não na entrega da competência exclusivamente a um deles.
Mas isto é igualmente verdade para o segundo argumento. É a de que um poder exclusivo sobre as Forças Armadas pode conduzir à destruição do regime democrático. É que de facto nesta solução que nós propusemos não há um poder exclusivo e na solução que V. Ex.ª preconiza existe de facto um poder exclusivo.
Poder-se-á dizer que a conjuntura política aponta para perigos numa e não na outra, mas isso já não é raciocinar independentemente da conjuntura política, é um raciocínio que V. Ex.ª poderá fazer apenas face à conjuntura.
Sr. Deputado Veiga de Oliveira, isto significa que não é por razões de principiologia como o Sr. Deputado Vital Moreira já disse mas também não é por razões independentes da conjuntura política que este debate se trava. O debate trava-se apenas por razões de conjuntura política. A posição do PCP tem que ver apenas com uma determinada análise da conjuntura política e essa análise parte deste ponto: temos um Governo de direita, e temos um Presidente da República que assegura de uma forma mais cabal do que o Governo a garantia das instituições democráticas e, portanto, tendo em conta estes factores de conjuntura política, mais vale entregar esse poder ao Presidente da República e manter esse poder no Presidente da República que levá-lo a dividir esse poder com o Governo. Esta é a única razão que pode justificar a posição do PCP.
Mas vejamos se tal análise se justifica e se o peso deste argumento é suficiente, continuando sempre a mover-me dentro do terreno em que V. Ex.ª colocou a questão: Teremos aproximadamente dois anos, no máximo, após a entrada em vigor da lei de revisão. Dois anos em que tal conjuntura política se pode manter. E digo dois anos, no máximo, Sr. Deputado Veiga de Oliveira, porque se formos minimamente crentes nas capacidades da oposição, essa conjuntura política não se prolongará certamente por tanto tempo e, portanto, as razões conjunturais ainda menos se justificam.
Vozes do CDS: - Não apoiado!
O Orador: - Mas admitindo a hipótese mais negativa, mais pessimista, de que a conjuntura se prolongaria por dois anos, pois mesmo aí Sr. Deputado eu digo-lhe que estão a cometer um grave erro, na medida em que podem estar a hipotecar uma solução e as soluções conjunturais para daqui a dois anos por aquilo que pode acontecer até no imediato, e tendo em conta o imediato que não se caracteriza como o Sr. Deputado o caracterizou mas se caracteriza de forma diferente.
Caracteriza-se de forma diferente na medida em que esta solução é contrária ao que tem sido dito em documentos do PCP, que poderei mostrar-lhe, de que nós entregamos a nomeação das chefias militares ao Governo, o que é falso, como são falsas as afirmações nesta matéria.
O que acontece, diz o Sr. Deputado, é que o Governo escolhe, o Presidente da República pode recusar. Mas para recusar tem que justificar e se pode justificar uma vez, duas, ou mesmo três, torna-se difícil justificar mais vezes. V. Ex.ª esquece-se que a competência do Presidente da República não é apenas para nomear mas também para exonerar. Esquece-se que se o Presidente da República para recusar uma nomeação tem que o justificar, o Governo para propor uma exoneração também tem que justificar, e a verdade é que quando o sistema entrar em vigor estarão em funções chefes de Estado-Maior nomeados por este Presidente da República que se mantêm legitimamente em funções depois da entrada em vigor da lei de revisão constitucional e que só podem ser exonerados se o Presidente da República assim o entender e se o Governo o justificar suficientemente perante o Presidente da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E que, portanto, o Presidente da República ficará durante esta fase - e repare Sr. Deputado Veiga de Oliveira que é uma conjuntura que não durará mais de dois anos - com a faca e o queijo na mão para muito simplesmente não estar colocado nessa situação, bastando-lhe não exonerar os Chefes de Estado-Maior que estiverem em funções e que ele próprio escolheu ainda na fase anterior.
Se o Sr. Deputado Veiga de Oliveira quiser discutir depois o que se passará daqui a dois anos, depois de eleições futuras e de futuras eleições para a Presidência da República, então isso será futurologia política porque o Sr. Deputado nessa matéria não pode garantir que não tenhamos eventualmente um Presidente da República mais à direita e um Governo mais à esquerda.
Sr. Deputado, entendo eu que as razões que V. Ex.ª apontou, não se baseando na principologia política, não se desligando da conjuntura, fazem uma análise errada da conjuntura ou então partem do pressuposto de que o actual Presidente da República é um fraco, incapaz de resistir a qualquer proposta de um Governo AD.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para responder.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nunes de Almeida: Antes de tudo, e talvez começando pelo fim, penso que o Sr. Deputado poderia fazer a si próprio uma pergunta que seria esta: se o Sr. Deputado acredita tanto nas virtudes para o Presidente da República e dentro da sua análise conjuntural que analisarei daqui a pouco - não terá receio de que essa sua demonstração possa fazer com que os apoiantes da proposta voltem a trás.
Dir-lhe-ia à resposta que no íntimo encontraria que não tenho nenhum receio porque toda esta argumentação - eu seio-o - essa sim é conjuntural, não tem nenhum valor, não tem nenhum significado e os meus interlocutores da AD percebem que não tem nenhum significado se não tentar anular e diminuir os argumentos que foram expostos pela bancada do PCP, nomeadamente aqueles que referenciei.
Mas, passando às questões mais concretas, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado entendeu muito mal e eu suponho que se justifica o mau entendimento que foi feito das palavras do meu camarada Carlos Brito.
Justifica-se até porque na sessão da manhã as coisas correram num ambiente nada propício a que alguém se entendesse. A culpa não foi nossa mas a verdade é que decorreram nesse ambiente. É que o meu camarada Carlos Brito quando diz -ele está aqui e pode confirmar que então é melhor que tudo fique na mesma, não se está a referir a nenhum texto mas ao s tatuo quo, isto é, é melhor que fique tudo na mesma, isto é, que o Presidente da República continue a dispor do poder que hoje dispõe de nomear as chefias militares, mesmo desaparecido o Conselho da Revolução. Mas para que tudo fique na mesma é preciso que alguma coisa se faça. Portanto, o Sr. Deputado entendeu mal, porque entendeu que ficar tudo na mesma é não se fazer nada, não se dizer nada, e não é isso, porque então, obviamente, todo aquele seu raciocínio brilhante era verdadeiro, mas também é óbvio que não somos assim tão inocentes que pudéssemos pensar cair numa trampa - passo o termo em espanhol- como essa, isto é, uma ratoeira como essa.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): - O Sr. Deputado reconhece então que a solução que nós propusemos era melhor do que não ficar nada no texto constitucional, e sem o Conselho da Revolução?
O Orador: - Sr. Deputado, não foi isso que eu reconheci.
O Sr. Nunes de Almeida (PS): - Pergunto-lhe se sim ou não.
O Orado?: - Sr. Deputado, eu não reconheci. A vossa solução não é a que defendemos para ficar no texto constitucional, a que defendemos, que fique no texto constitucional corresponde a manter o statuto quo. O Sr. Deputado sabe isso, conhece-a. A vossa não corresponde a isso, corresponde sim a alterar profundamente o statuo quo. E o que eu lhe disse e tentei esclarecer é que foi mal entendido o que o meu camarada Carlos Brito disse. O que ele quis dizer é que era preciso que ficasse tudo na mesma, mas não no texto porque ficar tudo na mesma no texto significava alterar-se tudo e portanto os seus raciocínios brilhantes são brilhantes só que não têm cabimento face às afirmações do meu camarada Carlos Brito. Trata-se, pois, de um mal entendido.
Quanto à questão que o Sr. Deputado põe a respeito de conjuntura devo notar que nós que temos sido tão acusados de conjunturalistas temos realmente lições a aprender, porque o Sr. "Deputado fez aqui uma ficção de conjuntura de tal maneira perfeita que me leva a pensar, no mínimo, mesmo reconhecendo-lhe as suas qualidades de inteligência, que já fez este exercício muitas vezes e que se limitou a repetir de memória um exercício bem estudado, bem repetido, bem condicionado com todos os «ss» e não «s» e que realmente se preocupou - e de que maneira - com a conjuntura. Isto para dizer que essas acusações, várias vezes repetidas, de conjunturalismo são acusações que realmente não acrescentam nem tiram nada à questão.
E óbvio que não se chega ao futuro sem passar pelo dia do amanhã e que só um tonto ou um néscio é que julga que poderá pensar soluções de futuro sem verificar se elas servem já hoje, se elas servem já amanhã. Mas não é isso que está em causa, o que está em causa é a questão que o Sr. Deputado põe de saber - e agora vamos outra vez arredar a conjuntura - porque eu quando a referi o que disse era «eventuais alterações conjunturais de política que ficariam a pesar sobre as Forças Armadas», querendo eu dizer, por outras palavras, que eventuais alterações do Governo, da maioria da Assembleia, muito mais flutuante que o próprio Presidente da República iriam andar aos esticões sobre as Forças Armadas. Foi isto que eu disse quando falei em eventuais alterações conjunturais da política, isto é, alterações conjunturais de Governo da maioria da Assembleia da República. Não foi, portanto, na análise conjuntural, no sentido pejorativo do termo.
O Sr. Deputado pergunta-me o que é que será melhor, qual das duas soluções será melhor, e põe-me a questão de que a nossa, atribuindo tudo ou pretendendo atribuir tudo ao Presidente da República, comportaria mais riscos do que uma que pretende dividir, ainda que mal, segundo o meu ponto de vista, dando a parte de leão para o Governo e deixar quase nada ao Presidente da República. Segundo o seu ponto de vista é o contrário, mas essa solução de qualquer forma comportaria uma divisão de poder.
Sr. Deputado, duas questões: em primeiro lugar, não é verdade que nós defendamos uma solução que dê tudo ao Presidente da República porque nós não defendemos que seja o Presidente da República a fazer leis sobre a defesa nacional, nós só defendemos que seja figura pública a designar a chefia das Forças Armadas que, como sabe, não são tudo sobre as Forças Armadas porque se fossem tudo estaríamos já definitivamente mal parados. Não refilamos tão pouco que a administração das Forças Armadas seja atribuição ou competência do Presidente da República. Portanto, em matéria de Forças Armadas, e de gestão militar o que defendemos é de facto correspondente a uma divisão entre os três órgãos de soberania, entre a Assembleia da República, a quem compete a legislação, o Governo, a quem compete a administração, e o Presidente da República, a quem
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compete as chefias militares, que não tem nada que ver com a presidencialização das Forças Armadas ou com o querer entregar tudo ao Presidente da República.
Apraz-me registar que o Sr. Deputado Nuns de Almeida aceite navegar no nosso campo quando diz que não se pode aqui pôr nenhuma questão de principiologia democrática nem de qualquer outra, mas isso, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, é afinal o reconhecimento tardio de que os ataques intempestivos desta manhã não faziam qualquer sentido.
O Sr. Deputado insistiu várias vezes que mais uma vez a nossa proposta atribuía o poder em exclusivo e eu já lhe expliquei que é só este poder; mas as Forças Armadas não são só este poder, são mais três poderes e eles estão de facto repartidos pelos três órgãos de soberania.
Insistiu que não havia nenhuma garantia de uma face à outra do ponto de vista da tal análise de conjuntura que fez, mas não é essa a nossa conjuntura que está em causa e há de facto uma garantia de uma face à outra, e a garantia é a da prática do nosso pais, Sr. Deputado. A prática do nosso país mostra que é através da governamentalização que se tem defendido e persistido nas ditaduras e não através da presidencionalização.
Lembra-se, Sr. Deputado, quantos poderes tinha o Presidente da República na Constituição de 1933? Então também sabe muito bem porque vias é que esses poderes não eram exercidos! E sabe muito bem que essas vias passavam justamente pelo poder militar e pelo poder das Forças Armadas e das polícias estar concentrado nas mãos do então Presidente do Conselho de Ministros, ou seja, do ditador Salazar.
De facto o Sr. Deputado fez todo o seu pedido de esclarecimento em volta, por um lado, dum mal entendido das palavras do meu camarada Carlos Brito, em relação ao qual suponho que fica esclarecido e, por outro lado, fez o seu pedido de esclarecimento no pressuposto de uma análise conjunturalíssima, «conjuntérrima», que nós teríamos feito para defender as nossas propostas quando de facto não é dessa análise que se trata; trata-se sim da experiência portuguesa nesta matéria, da nossa experiência nesta matéria e de tentarmos acautelar que não se abra novamente o caminho à governamentalização dos poderes do Estado e designadamente à governamentalização das Forças Armadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares, também para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, no fundo o que está aqui a discutir tenho a impressão que é uma coisa muito simples. O facto de haver ou não ditaduras não depende das Constituições nem da sua organização, infelizmente, e a prova é que tínhamos a Constituição de 1933 e vivemos 40 anos em ditadura; a prova é que a Rússia tem uma Constituição e vive em ditadura; a prova é que há imensos outros países que têm Constituição e vivem em ditaduras completas. O viver ou não em ditadura depende do espírito democrático que existe num país e da vontade de viver em democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E as instituições devem corresponder a esse desejo de ser democracia. Nós temos o desejo de ser democracia; não sei se o PCP terá e por isso não queremos utilizar as Forças Armadas e por isso nós queremos que as Forças Armadas dependam de vários poderes de soberania repartidos.
O PCP é que como pensou que poderia instrumentalizar o Chefe de Estado pensa que fazendo depender as Forças Armadas exclusivamente do Chefe de Estado as podia continuar a intrumentalizar como tem tentado desde 1974. Esse é que é o problema fundamental e esse é que fica sem resposta em tudo o que os senhores dizem porque é evidente que a construção constitucional de fazer repartir pelos vários órgãos de soberania -e já ontem à noite eu coloquei esta questão e resume tudo para mim -, que sejam os vários órgãos de soberania a ter superintendência sobre as Forças Armadas e a assumirem a responsabilidade da nomeação dos altos cargos das Forças Armadas, é uma solução de tal maneira harmónica num país democrático que não pode sofrer contestação. Só pode sofrer contestação se houver o intuito e a intenção oculta de que as Forças Armadas não dependam em caso nenhum do Governo porque se pretende que dependam de outro órgão de soberania que julga que se pode instrumentalizar.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O nível baixou logo!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para responder.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado Sousa Tavares não resistiu a fazer umas tantas provocaçoezinhas. Eu realmente como prezo muito o assunto que estamos a discutir vou deixar neste momento passar em claro as provocações para outra altura e então terá a resposta adequada. O Sr. Deputado conhece-me há muitos anos e sabe que não costume deixar os meus créditos por mãos alheias, mas isso fica para outra altura.
Entretanto vamos aquilo que continua a ser o assunto. Sr. Deputado, a sua confissão de fé e desejo de viver em democracia é uma confissão muito útil mas que não vem ao caso. Nem a sua nem a de ninguém. Se bastasse que todos desejássemos viver em democracia para realmente vivermos, não tínhamos passado tantos anos em ditadura porque certamente o Sr. Deputado reconhecerá que a maioria do povo português sempre desejou viver não na ditadura em que vivia, mas em democracia, mas isso não depende da vontade individual de ninguém nem da vontade de um conjunto de cidadãos.
A questão que se pôs - e é disso que estamos a tratar - é que a organização do poder político pode abrir portas ou fechar portas às tentações de possíveis candidatos a ditadores. Isto é, quando nós nos baseámos na nossa experiência histórica para estigmatizar uma solução, que nessa experiência já demonstrou que serviu de porta aos candidatos a decorrer não só de porta como serviu depois de hall e de palácio até a esses ditadores, quando chamamos a atenção para isto, apontamos com o dedo a vossa solução como sendo uma solução que já o permitiu no passado, não estamos, de forma nenhuma, a exprimir nenhum desejo de viver em democracia ou não, estamos simplesmente a chamar a atenção para que a alteração que pretendem fazer na estrutura de poder político pode conduzir, efectivamente, à degradação e até mesmo à
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destruição da democracia portuguesa porque há experiências no nosso pais a este respeito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares, para protestar.
O Sr. Somou Tavares (PSD): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, desculpe mas os argumentos que o Sr. Deputado dá viram-se contra si, e viram-se contra si porque o senhor quer entregar o poder militar a um homem só e então a intenção de ditadura não pode surgir num homem. Normalmente os ditadores são homens, mais do que assembleias. Ditadura de assembleia, tirando a assembleia do terror, não conheço muitas, ao passo que ditaduras de um homem conheço muitas.
De maneira que, temperar o poder militar entre um homem que é eleito por sufrágio universal e uma assembleia que é eleita por sufrágio universal eu prefiro esse regime a entregá-lo a um homem só. O Sr. Deputado Veiga de Oliveira é partidário do homem só. Muito bem. Qual de nós é que estará na esteira da ditadura? Será o senhor ou serei eu?
Quer dizer, tirando a Assembleia do terror não tenho mais nenhum exemplo de ditadura de assembleia ao passo que ditaduras de um homem só tenho muitos, e essa tentação existe sempre.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para contraprotestar.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado Sousa Tavares parte sempre da definição que - perdou-se-me - é falsa, pois não pretendemos entregar o poder militar a um homem só; nós pretendemos entregar talvez nem a terça parte do poder militar a um homem só visto que a legislação será da Assembleia, a administração será do Governo e só a designação de chefias militares será do Presidente da República. Fica tripartido. Os senhores é que pretendem concentrar isto...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Quem nomeia?
O Orador: - Quem nomeia é o Presidente da República mas é um poder formal, já o disse há pouco. Os senhores é que pretendem entregar tudo isto ao Governo e à sua maioria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para uma intervenção.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos assistido aqui a uma discussão que já vai longa e que no fundo está a pôr duas questões fundamentais.
Uma delas é a consolidação da democracia que no entender dos vários oradores estará a ser feita nesta Assembleia e outra é a de que forma as Forças Armadas se inserem na consolidação dessa democracia que no entender de vários oradores, repito, está a ser feita nesta Assembleia.
Gostaria de introduzir aqui um factor novo que é de que forma encaram os trabalhadores portugueses esta questão. Quando falo em consolidação da democracia os trabalhadores portugueses que estão lá fora e que sentem aumentar cada vez mais a repressão, as perseguições e a miséria, não acreditam que se esteja a consolidar a democracia, antes pelo contrário, pressentem, sentem - e lutam contra isso, e muito bem que se está a avançar em passos largos não para a consolidação da democracia mas para a fascização do regime pela mão do Governo AD.
Esta é a questão fundamental e é esta questão que se nos põe, efectivamente, Srs. Deputados do PS, na apreciação da conjuntura. Se assim fosse, isto é, numa perspectiva de que a democracia no nosso país está consolidada, vai perdurar, etc, etc, não está efectivamente em perigo eminente, a vossa teoria era capaz de não ser contestável, mas essa teoria é pelo menos ingénua, pois é não perceber que neste momento a conjuntura mostra que o Governo AD serve-se de todos os momentos e de todas as possibilidades para reforçar o seu poder reaccionário, e não é um poder reaccionário que ajuda a consolidar a democracia.
Veja-se como eles são democráticos de vez em quando e quando podem avançam para soluções fascizantes do regime como aconteceu nomeadamente com o candidato Soares Carneiro. É esta a questão fundamental. O regime está-se a fascizar e é contra isso que temos que lutar e é contra isso que os trabalhadores lutam. Aliás o PS tem essa vocação, que é a de fazer um ninho muito apetitoso para os cucos irem pôr os ovos, só que esses ovos estão já com o embrião bastante desenvolvido da serpente do fascismo. Esta é que é a questão fundamental. Os cucos aqui são os deputados da AD e a serpente do fascismo e esse embrião está a ser desenvolvidos por eles.
A questão fundamental é a de saber como é que as Forças Armadas se inserem nesta democracia.
Os trabalhadores, Sr. Presidente e Srs. Deputados, também se interrogam no sentido de saber que democracia é que há com estas Forças Armadas, se estas Forças Armadas têm em si algum factor democrático e se as Forças Armadas no nosso país têm defendido a democracia.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Têm sim senhor!
O Orador: - Quando se avançou para a defesa da democracia, isto é, para derrotar o fascismo não foram as Forças Armadas que o fizeram mas o movimento dos capitães, indo mesmo contra a própria hierarquia das Forças Armadas, hierarquia que hoje, pelas mãos do 25 de Novembro, está de novo reposta.
Que democracia então há nas Forças Armadas? Cumpre-se a Constituição nas Forças Armadas? Os oficiais de Abril os democratas estão nas Forças Armadas? Não é verdade que aqueles que estão, estão nas prateleiras para não terem qualquer papel activo? São estas as questões que temos de colocar, são estas as questões que os trabalhadores colocam.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado Mário Tomé?
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Faça favor, Sr. Deputado, desde que o tempo que gastar seja descontado no tempo do seu partido, visto o meu dispor de pouco tempo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, gostaria de o informar que as interrupções são sempre descontadas no tempo do interveniente.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Mário Tomé, queria só perguntar se V. Ex.ª está como aliás parece que está - empenhado em fazer a demonstração de que o actual sistema não funciona e não serve.
O Orador: - Sr. Deputado, eu estou empenhado é em dizer que o actual sistema político, que se apoia na hierarquia destas Forças Armadas, não serve.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Grande confusão! O Orador: - Não é confusão nenhuma!
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Qual é então a sua proposta?!...
O Orador: - Os trabalhadores percebem isto muito bem.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Quais trabalhadores?!
O Orador: - Quando se foge ao esquema dos Srs. Deputados de pretenderem demonstrar que é aqui dentro que se está a preservar a democracia, os senhores ficam bastante incomodados. É que lá fora a democracia está permanentemente a sofrer atentados gravíssimos, avançando-se para a fascização. Essa é que é uma realidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que os trabalhadores dizem...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Mas quais trabalhadores?!
O Orador: - ... é que situação política não se pode, de forma alguma, reforçar, seja de que maneira for, o inimigo principal dos trabalhadores, isto é, o Governo AD e a AD.
É nesta perspectiva que nós consideramos que a nomeação das chefias militares não pode, nem deve, ter qualquer influência do Governo AD, porque isso será mais um reforço do seu poder, o que faz debilitar a capacidade de luta dos trabalhadores.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, desde que o tempo que utilizar seja descontado no tempo do seu partido.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Com certeza, Sr. Deputado.
Se depois precisar de algum tempo, nós veremos se lhe podemos emprestar.
O Orador: - Muito obrigado. Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Por um lado, o Sr. Deputado explicou-nos que o 25 de Novembro tinha reposto na hierarquia militar tudo quanto havia de fascista neste país, de modo que, enfim, até já não devemos estar muito preocupados como é que vai passar-se no futuro. Mas, por outro lado, parece-me que o Sr. Deputado pretende que o responsável militar pelo 25 de Novembro continue, ele e ele só, a poder pôr nas chefias militares quem muito bem entender.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Claro! Quem nomeia as chefias militares são os trabalhadores. O Sr. Deputado Lopes Cardoso não percebe nada disto!
O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, o responsável militar pelo 25 de Novembro saiu à cabeça dos responsáveis civis do 25 de Novembro e hoje esse 25 de Novembro foi aproveitado pelas forças mais reaccionárias para se instalarem no poder.
Assim, hoje em dia o inimigo das forças democráticas e dos trabalhadores são essas forças reaccionárias que estão instaladas no poder não na perspectiva da alternativa democrática em que fingem querer cair nessa esparrela PS, porque no fundo percebem muito bem o que está a passar-se, mas na perspectiva de se perpetuarem no poder através do golpe, através da manipulação das Forças Armadas e dos generais, como o fizeram e como o continuam a fazer, e através da perpetuação e da garantia do controlo das Forças Armadas.
É esta a questão que se coloca e é por isso que a UDP vota contra a possibilidade de a AD ter qualquer influência na nomeação das chefias militares. Já basta o Governo ter a administração das Forças Armadas.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Que grande elefante!
O Sr. José Luís Numes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra. Sr. Deputado?
O Sr. José Luís Numes (PS): - Sr. Presidente, só pedia a palavra para pôr ao Sr. Deputado Mário Tomé uma pequena e muito simples questão.
A questão é esta: sendo, como ele afirmou, péssima a actual solução, pergunto que solução é que o Sr. Deputado preconiza, para além dos habituais slogans da vontade dos trabalhadores. Não deixa de ser curioso que, quanto mais minoritário é um partido, mais ele fala em nome dos trabalhadores, ou mais pretende fazê-lo.
A segunda questão é a seguinte: acredita o Sr. Deputado Mário Tomé que nalgum sítio do mundo, com a experiência que tem do tempo em que não era deputado, existem Forças Armadas que não obedeçam a uma hierarquia?
A terceira questão é a seguinte: é ou não exacto que umas Forças Armadas são democráticas na medida em que respeitam as Constituições e não na medida em que são portadoras de um projecto político próprio e se transformam, pura e simplesmente, naquilo que foi o 28 de Maio, que não foi nada do que aqui se disse? O 28 de Maio, como alguém teve ocasião de o qualificar, foi a desorganização da hierarquia militar republicana e foi um soviete tenente. Mais nada!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, quanto ao facto de a UDP ser um partido minoritário e falar em nome dos trabalhadores, devo dizer-lhe que a UDP tem essa legitimidade por uma razão muito
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especial: é que a UDP é o único partido que não levou a cabo, nem nunca preconizou, uma política contra os trabalhadores. A UDP nunca apoiou, nem admitiu, as políticas que foram praticadas desde o PS à AD, políticas, essas, de confronto para com os trabalhadores, de ataque às conquistas do 25 de Abril, de utilização das forças repressivas sobre os trabalhadores, com assassinatos dos próprios trabalhadores. Esta é a grande legitimidade que a UDP tem. Há camaradas meus que foram assassinados por essas forças repressivas comandadas por governos desde o PS à AD, quando estavam em defesa dos trabalhadores, os quais também muitos deles morreram por essas acções repressivas.
Em segundo lugar, é claro que não há Forças Armadas sem hierarquia.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - Só que, Sr. Deputado, o problema é vosso. É que a hierarquia que preconizamos para as Forças Armadas nem é a que lá está actualmente nem é a que os senhores querem porque, ao fim e ao cabo, o que os senhores querem é preservar a que já lá está e a forma como está estruturada. A nossa hierarquia, Sr. Deputado José Luís Nunes, tem que vir da luta democrática dentro dos quartéis por parte dos oficiais patriotas e progressistas que neste momento estão a ser saneados com o aval do PS e da AD.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Mas que grande mentiroso!
O Orado?: - É esta a hierarquia que preconizamos para as Forças Armadas. É uma hierarquia que tem a ver com a democratização plena dentro dos quartéis, com o saneamento dos fascistas dentro dos quartéis e com a reintegração plena de todos os oficiais democratas e que fizeram o 25 de Abril.
É esta hierarquia que preconizamos.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Mário Tomé, gostava de dizer que o interrompi porque tenho consideração pessoal por V. Ex.ª, como deputado que é eleito pelo povo a esta Assembleia.
Gostava aqui de dizer-lhe, com toda a franqueza, que aquilo que acaba de dizer não tem qualquer espécie de sentido. Muitas vezes na história sentimo-nos maltratados pelas instituições a que pertencemos, mas o nosso primeiro dever é o de não nos revoltarmos contra as instituições e apoiarmos os homens. Criticamos os homens não as instituições.
Desculpe dizer-lhe mas não posso aceitar nada do que o Sr. Deputado está a dizer, que é uma coisa que não tem sentido.
O Orador: - Isso é música, Sr. Deputado.
Risos.
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Que grande maestro!
O Orador: - Estas instituições são determinadas por forças políticas e é em função dessas forças políticas que essas instituições funcionam e são determinadas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão das chefias militares não será uma questão central da revisão constitucional, mas é seguramente uma das mais importantes questões da revisão constítucional. A prova disso é inclusive as longas horas de debate, por vezes bastante acalorado, que já aqui travámos e tem ainda a sua comprovação no facto de ter sido uma das questões mais discutidas e, diria mesmo, mais polémica que mais afectou e interessou a opinião pública em relação a este processo de revisão constítucional.
Ao longo destas horas, temos estado a discutir fundamentalmente a proposta vinda da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional; contudo, estariam também em debate duas propostas apresentadas, respectivamente, pelo PCP e pelo MDP/CDE.
Permitam-me, Srs. Deputados, porque entendemos ser útil, sobre ela prestarmos um esclarecimento a todos os Srs. Deputados, que faça algumas referências à proposta do MDP/CDE.
Na nossa proposta sugere-se que a nomeação das chefias militares, ou seja, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, o Vice-Chefe, caso exista, e os Chefes dos Estados-Maiores dos ramos das Forças Armadas, seja da competência do Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas. Esta formulação equivale neste aspecto à do projecto inicial da FRS. Contudo, esta situação deve ser articulada com os artigos posteriores - no nosso projecto são os artigos 276.º-A/B e C sobre um órgão que propusemos. Naturalmente iremos trazer essa discussão à Assembleia na altura própria, embora saibamos que não terá acolhimento nesta Assembleia mas interessa chamar a atenção para ela, porque isso será a lógica de toda a nossa proposta.
Esse órgão, designado no nosso projecto, por Conselho Superior das Forças Armadas, tem, entre outras missões, a de assistir ao Presidente da República na sua qualidade de Comandante Supremo das Forças Armadas.
Esse órgão teria uma composição que, no nosso projecto, ficaria a cargo da lei ordinária. E ficaria a cargo da lei ordinária não por, neste momento, não querermos fazer o debate mas por entendermos que, em matéria extremamente complexa em relação à qual é necessário encontrar o máximo possível de consensos, fora do momento polémico, agitado como é o de uma revisão constitucional em que há tantos pontos de vista contraditórios, isso seria melhor. E naturalmente tendo eventualmente a defesa do recurso ao voto qualificado de dois terços em relação ao eventual veto presidencial.
Chamo, porém, a atenção que, embora remetendo a composição desse órgão para a lei ordinária, o nosso projecto referia que, para além do mais, esse órgão deveria incluir os Chefes dos Estados-Maiores dos ramos das Forças Armadas, oficiais-generais de cinco estrelas, se existissem, e representantes do Governo e da Assembleia da República com responsabilidades no âmbito da defesa nacional.
Não se diga, pois, que neste projecto a nomeação das chefias militares pelo Presidente da República seria uma
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decisão individual do Presidente da República, que seria algo como que um poder autoritário, arbitrário de um órgão unipessoal ou que seria algo que indiciasse um culto de presidencialismo não, pelo contrário, era naturalmente uma decisão articulada, necessariamente articulada, com representantes de outros órgãos de soberania, que não era apenas o Governo.
No nosso projecto e isso está induzido na formulação que há pouco acabei de ler não só teriam que, necessariamente, participar neste processo de nomeação das altas chefias militares representantes do Governo das áreas ligadas à defesa nacional que a própria lei estabeleceria, como representantes da Assembleia da República, o que desde logo, se houvesse de facto entendimento em termos de lei, esses representantes da Assembleia da República poderiam expressar não só a presença de forças apoiantes do Governo, como inclusive de forças que se situassem nos quadrantes da oposição.
Quer isto, pois, dizer que esta era uma situação que não tornava as Forças Armadas numa dependência exclusiva do Presidente da República no que à nomeação das chefias militares se refere, mas tornava a possibilidade, e mesmo a exigência, de que a nomeação pelo Presidente da República tivesse que ter em conta, nesta importante questão nacional, o sentido não só do órgão responsável pela execução da política de defesa nacional - como o Governo-, como inclusive sentir a opinião, auscultar o pensamento sobre as diversas personalidades das diversas forças políticas com representação parlamentar.
Pensamos que a solução que apresentamos neste nosso projecto é igualmente pertinente, é possível, diria mesmo, é exequível em relação ao órgão que vai seguramente ser aprovado nesta lei de revisão constitucional - o Conselho Superior das Forças Armadas.
Então qual é a diferença fundamental entre os pontos de vista que aqui procurámos, em síntese, apresentar - e naturalmente aqueles que defendemos- e a proposta que vem apresentada pela Comissão Eventual para a Revisão da Constituição?
A diferença fundamental, em nosso entender, situa-se no facto de a nomeação ou exoneração pelo Presidente da República das chefias militares ser feita sob proposta do Governo.
Nesta decisão do Presidente da República caberia perguntar qual é de facto o factor determinante da decisão. Será o acto formal de nomear, ou será o acto inicial de propor candidatos ou de propor exonerações?
Parece que ninguém terá dúvidas de que será este segundo factor o factor determinante. Esta é que é de facto a situação inovatória da formulação da Comissão Eventual para a Revisão-Constitucional quando comparada com a actual situação de facto. Por ela o Governo deterá, face aos outros órgãos de poder político, o poder determinante da escolha das chefias militares.
Não é uma situação de envolvimento, de compromisso comum na escolha ou na exoneração das altas chefias militares; é o condicionar, por parte do Governo, a própria escolha do Presidente da República.
Não vou deter-me de momento em avaliar se a solução proposta pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional corresponde a um aumento dos poderes constitucionais do Presidente da República, embora se devesse talvez antes cotejar qual é a situação de poderes com a situação dos poderes de facto visto que o que está em causa são as alterações da Constituição na decorrência da dissolução do Conselho da Revolução; não vou também deter-me em situações de análise a partir do Direito Comparado, por muito interessantes e úteis que sejam pois isso levar-nos-ia às experiências históricas de cada um dos país com os quais quiséssemos comparar e ao conhecimento pormenorizado da realidade política e social de cada um desses países e dos momentos em que as respectivas soluções de nomeação de chefia foram estabelecidas: nem vou sequer, de uma forma exaustiva, avaliá-la dentro das diferentes concepções, entre as forças políticas aqui representadas, de enquadramento institucional das Forças Armadas, embora não possa deixar de ter por vezes este aspecto em consideração. Vou fundamentalmente, para apreciar a proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, ater-me na realidade portuguesa actual e previsível.
Naturalmente que ninguém negará a importância política, para quem quer que seja, que tem o domínio das Forças Armadas, pelo peso ou pela força política que daí deriva.
Isso explicará mesmo a importância e o calor postos na discussão desta alteração à revisão constitucional, assim como também explica a constante preocupação e as formas de actuação de certas forças políticas na tentativa de, permanentemente, exercerem influências dentro de altos responsáveis militares.
Aliás, as Forças Armadas portuguesas sempre tiveram um papel relevante na vida política portuguesa e passaram pelos últimos 50 anos os do anterior regime que deixaram marcas, deixaram um estilo, deixaram um espírito de casta muito acentuada e, acima de tudo, deixaram uma estrutura extremamente hierarquizada.
Por isso, todas as tentativas para exercer influência sobre as Forças Armadas, nomeadamente sobre a sua acção ou sobre o seu comportamento perante o regime, têm como vector fundamental a tentativa de influenciar a cúpula da hierarquia militar, o esforço para controlar e dominar a cúpula da hierarquia militar e, em sequência, prosseguir pela cadeia de comando.
A realidade política portuguesa não é a de uma democracia suficientemente estabilizada que vai entrar em fase de rotina. Seguramente não será a dissolução do Conselho da Revolução e as alterações que, no quadro do poder político, vieram a ser aprovadas por esta Assembleia da República, que conseguirá tal fase de rotina, digamos quase que obtida por artes mágicas.
É, pelo contrário, uma situação de profundas tensões sociais e políticas de existência de fortes clivagens no seio da sociedade portuguesa.
Essas tensões e essa clivagem têm por base o facto de estarmos numa sociedade em dinâmica de mudança, com uma infra-estrutura não consolidada em que uns tentam influenciar os factores de mudança num sentido, enquanto que outros tentam influenciá-los em sentido inverso.
No fundo é ainda uma questão de regime, no sentido da precisão dos seus contornos, que se encontra em causa e este processo de revisão constitucional é um exemplo bem claro disso.
Se compararmos as divergências profundíssimas entre o projecto inicial de revisão constitucional apresentado pela AD que, mais do que um projecto de revisão, configurava uma tentativa de constituição de uma nova Constituição da República - com os projectos naturalmente divergentes, naturalmente com grandes diferenças e até com posições contrárias, mesmo de frontalidade em
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relação às outras forças que apresentaram projectos de revisão constitucional - a saber, a FRS, o PCP e o MDP/CDE - verificamos que as clivagens entre estes dois blocos de projectos são muito grandes e profundas. Isso significa que na sociedade portuguesa a questão dos contornos efectivos do regime político vigente continua a ser uma questão fundamental, continua a ser uma questão que divide as forças políticas.
Os acordos realizados ou os consensos maioritários que se vão encontrando na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional podem permitir que se avance e se encontre soluções de ligeira alteração; não vão com certeza é chegar para fazer iludir esta realidade das profundas divergências e clivagens existentes na sociedade portuguesa.
É pelo exercício do poder executivo que mais fortemente se luta por moldar a sociedade, a vida política e o próprio sentido do regime na tentativa de influenciar directamente os factores de mudança que existem na nossa sociedade.
A influência decisiva do Governo sobre as Forças Armadas que configure uma situação de dependência das Forças Armadas do Governo e, na nossa perspectiva, pela escolha das chefias militares a tal situação pode chegar-se - tem a nosso ver, na situação actual da sociedade portuguesa, a consequência de transformar o muito reclamado princípio de subordinação das Forças Armadas ao poder civil numa situação de possível instrumentalização das Forças Armadas por forças partidárias e, em extensão de raciocínio, constituir uma ameaça real sobre o próprio princípio da alternância do poder.
É para nós uma situação diferente se a predominância quanto à indispensável isenção na nomeação das chefias militares estiver centrada sobre um outro orgão de poder civil - o Presidente da República.
Em primeiro lugar, pela diferente natureza das suas atribuições que, reconhecemos, têm uma grande carga de função arbitrai; em segundo lugar, pela diferente natureza dos compromissos assumidos perante o eleitorado no processo autónomo da sua eleição; em terceiro lugar, pela diferente natureza ainda da sua propositura e candidatura, formalmente apartidárias.
Por estas razões, entendemos trazer a Plenário a proposta do projecto inicial do MDP/CDE que consideramos ser uma base que interessava trazer ao conhecimento de todos os Sr. Deputados, naturalmente sem prejuízo de, pela nossa parte, considerarmos outras situações que não o privilegiamento do Governo nesta matéria de nomeação de chefias militares e face à afirmação do Governo, qualquer que ela seja.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No concreto desta revisão que está a ser feita, com a actual composição da Assembleia da República, com a existência deste terceiro Governo da AD, permitam-me, apesar das acusações que me poderão fazer, que manifeste, agora e finalmente, as nossas preocupações de natureza essencialmente conjuntural.
À nova situação de enquadramento das Forças Armadas, na sequência da dissolução do Conselho da Revolução, ao diferente papel atribuído à Assembleia da República e ao Governo, surgirá, inevitavelmente, por parte da AD, uma exigência: a de adaptar as chefias militares ao novo quadro de regulação das Forças Armadas. É fácil adivinhar quem são as cabeças que serão exigidas, quem serão as novas chefias militares que procurarão ser impostas.
Também é fácil adivinhar a forma como esse processo se desenvolverá. Bastará ter em conta como há bem pouco tempo a AD procedeu à sua remodelação ministerial e ao comportamento que nesse acto teve perante o Presidente da República.
A questão que, penso, é importante levantar é se, como há pouco dizia o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida, as forças democráticas, os portugueses em geral, vão ficar perante esta situação que, quanto a nós, é apreensiva na dependência da atitude individual do Presidente da República.
Estamos à vontade para falar sobre o Presidente da República relativamente ao qual não temos uma atitude de manifestar publicamente posições de oposição ou posições de ataque. Não está sequer em causa a emissão de um juízo de valor, de coragem ou de determinação do Presidente da República para se manter na defesa firme da existência de chefias militares que mereçam a sua confiança e para as quais não veja razões para a sua substituição.
No novo quadro que se desenha nesta revisão constitucional, o Presidente da República não terá quaisquer poderes militares, salvo os decorrentes, por um lado, desta situação de Comandante Supremo das Forças Armadas e, por um lado, desta situação de Comandante Supremo das Forças Armadas e, por outro lado, da situação que lhe é atribuída, após proposta do Governo, de poder nomear as chefias militares. Salvo esses poderes, o Presidente da República não tem quaisquer outros poderes militares. Naturalmente que a sua força política e moral, perante aqueles que passarão a ter poderes efectivos sobre as Forças Armadas, é bem mais frágil, é bem menor do que a que tem hoje.
Por outro lado, o Presidente da República, órgão unipessoal que é, deixará de ter um orgão de Conselho efectivo como actualmente tem - um órgão que inclusivamente tem influência e prestígio nas Forças Armadas - e passará a ter à sua volta, se for por diante, sem quaisquer alterações, a revisão constitucional proposta pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, não um órgão de apoio mas um orgão de cerco, um órgão de afrontamento, como já há dias afirmámos na Assembleia.
Nestas circunstâncias há duas alternativas naturais - e isto não é fazer futurologia, mas pura e simplesmente ter em conta as leais intenções da AD. Ou surge a alimentação de uma nova forma de «guerrilha institucional» entre o Presidente da República e o Governo, com todo o desgaste que acarreta para o normal funcionamento das instituições, o desprestígio do regime e até a descrença entre certos sectores populares, o que é ainda mais uma forma de enfraquecer o regime; ou então, de mão-beijada, entrega-se à direita, a esta direita de fachada democrática...
O Sr. Borges Carvalho(PPM): - Não diga asneiras!
O Orador: - .... um meio essencial para a manipulação das Forças Armadas.
Julgamos que havia possibilidades de encontrar soluções mais equilibradas para esta questão da nomeação das chefias das Forças Armadas do que aquela que vem proposta pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Pelo nosso voto, não nos co-responsabilizaremos com a proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional porque, em síntese, consideramos que ela lança
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uma séria ameaça sobre o futuro do regime democrático.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Pergunto-lhe se os cinco minutos de que ainda dispomos é tempo bastante para produzir a intervenção.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Vitorino também está inscrito para uma intervenção. Faltam apenas cinco minutos para o intervalo. Não sei se o tempo é compatível com a extensão da sua intervenção?
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, de facto 5 minutos não é compatível.
O Sr. Presidente: - Suspendemos então os trabalhos para os retomarmos às 22 horas. Está suspensa a sessão.
Eram 19 horas e 56 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados temos quórum, pelo que declaro reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Estamos a chegar ao fim do debate do artigo 136.º, alínea p), uma dura prova de resistência que passará de certo a ser a réplica constitucional da célebre obra Os Cavalos também se Abatem.
Talvez pareça despiciendo referir, no decurso deste debate, que o artigo 136.º, alínea p), tem por fonte próxima o projecto da FRS. O que já não será despiciendo referir é que a solução adoptada no texto da CERC tem, para o grupo Parlamentar da UEDS, as seguintes dominantes fundamentais: trata-se de constitucionalizar um poder que hoje é atribuído ao presidente da república por lei ordinária, mais especificamente por decreto do Conselho da Revolução, cujo desaparecimento colocaria nas mãos de qualquer maioria circunstancial no Parlamento a definição do novo regime de nomeação dos altos cargos militares; e se se tratasse da presente maioria AD, a avaliar pelo seu próprio projecto de revisão, o Presidente da República ficaria mesmo marginalizado, de todo em todo, de uma tal nomeação.
Trata-se de definir a participação obrigatória de dois órgãos de soberania na nomeação das altas chefias militares. É uma competência convergente de dois órgãos de soberania que, pelo conjunto das suas atribuições constitucionais, estão particularmente vocacionados a interferir decisivamente em tais nomeações.
O Presidente da República, em nosso entender, deve intervir, porque não faria sentido ser apenas ele a nomear as chefias militares à revelia do órgão a que incumbe a direcção da administração militar, isto é, o governo. E o presidente da República não pode ser deixado de fora destas nomeações, pois ele é o Comandante Supremo das Forças Armadas, nos termos do artigo 137.º, alínea a); é ele que preside ao Conselho Superior de Defesa Nacional, nos termos do artigo 136.º, alínea o), ao qual poderão ser atribuídas competências administrativas por força do n.º 2 do artigo 274.º, e é ele ainda que assume a suprema garantia da independência nacional, para cuja preservação estão vocacionadas as Forças Armadas, por conjugação dos artigos 123.º e 275.º. O governo, em nosso entender, deve intervir, porque não faria sentido ser apenas o governo a designar isoladamente as chefias militares, à revelia daquele que é o Comandante Supremo das Forças Armadas e, sobretudo, à revelia daquele que é o presidente da república, garante da unidade do Estado.
O governo intervém porque, em nosso entender, não há governo que não dimane da Assembleia da República, e este é o órgão de soberania, eleito por sufrágio directo e universal, a quem compete legislar sobre organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, nos termos da nova alínea;), do artigo 167º que passa a ser considerado reserva absoluta de competência legislativa.
É o Governo ainda que intervém, porque lhe compete dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, quer civil, quer militar.
A solução do texto da CERC acolhe aquilo que é possível dizer ser a máxima participação democrática na nomeação das chefias militares; e este é o princípio fundamental da organização do Estado de direito democrático que enformou a nossa proposta inicial e o projecto da Frente Republicana e Socialista.
A interdependência de dois órgãos de soberania, legitimados pelo voto popular, na designação das chefias militares é uma pedra de toque determinante da efectivação do princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático, sem o que não haverá verdadeira democracia política. Mas a nomeação das chefias militares não esgota esta problemática: outras soluções complementares serão necessárias, não apenas em sede constitucional, mas também no concernente aos métodos de funcionamento e organização das Forças Armadas. Quando discutimos a Lei de Defesa Nacional e a Lei de Organização das Forças Armadas, ater-nos-emos com mais detalhe a esta matéria.
E gostaríamos de recordar que a História do nosso país nos permite concluir que os golpes de Estado militar nunca foram feitos pelas chefias militares, mas sempre contra as próprias chefias militares.
Criticam-nos por ignorarmos as condições objectivas da conjuntura política actual, ao propormos esta solução. Somos acusados de pormos as Forças Armadas nas mãos da AD e eventualmente até de cabalas bem mais gravosas...
A esta crítica que nos parece excessivamente panfletária, contrapomos a serenidade de três argumentos fundamentais.
Em primeiro lugar, consideramos que a convergência de dois órgãos de soberania na designação das chefias militares, decorrendo de uma imposição constítucional, ao colocá-los num inelutável plano de colaboração, contendo um comando jurídico segundo o qual as nomeações só podem resultar das vontades coincidentes desses dois órgãos, se e quando elas forem coincidentes e responsabilizando em absoluto os titulares dos respectivos órgãos de soberania, garante, em nosso entender, a estabilidade do funcionamento do regime democrático e a necessidade imperiosa de, em torno de uma questão tão determinante, governo e presidente da
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república - qualquer governo e qualquer presidente da república não se entregarem a uma guerrilha irresponsável e perigosa para o próprio regime democrático.
Em segundo lugar, não somos nós que utilizamos, em relação à conjuntura política concreta a técnica da avestruz: meter a cabeça num buraco na areia.
É que nós, ao debater esta questão, não nos limitamos à visão contabilística deste Presidente e desta maioria parlamentar, visão que consideramos cega a atribularia, de uma lamentável ausência de dimensão estratégica, de visão prospectiva e de concepção estrutural do futuro da nossa democracia.
É que a questão de fundo que aflora neste debate, de que as chefias militares são apenas mero pretexto, é uma questão que divide, de facto, tacticamente a esquerda portuguesa. Não vale a pena ignorá-lo. É uma divisão real entre aqueles que consideram que os partidos de esquerda é que têm que assumir nas suas próprias mãos os destinos da sua estratégia política própria, tendo como objectivo central a conquista da vitória eleitoral por métodos democráticos e esta é a nossa opção; e entre aqueles que, para esconderem as suas próprias incapacidades e a minoridade do seu pensamento político, fazem repousar uma pretensa estratégia de esquerda em mãos alheias, nas mãos de um messianismo presidencialista e de uma eventual vitória em eleições presidenciais, que, em nosso entender, não corresponde às necessidades de formar uma alternativa ao actual poder AD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em terceiro e último lugar, fazer da questão dos mecanismos de nomeação das chefias militares um factor de guerrilha e de divisão entre a esquerda é desestabilizador das próprias Forças Armadas, é irresponsável para a edificação de um poder democrático e progressista e é perigoso para a estabilidade do próprio regime democrático.
Votaremos, por isso, serenamente e em consciência, o artigo 136.º, alínea f), proposto pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Aplausos da UEDS, do PSD, do PS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições acerca das alíneas que têm estado em debate. Nos termos do requerimento ontem apresentado, porém, a sua votação fica adiada para a sessão da próxima terça-feira.
Está assim, encerrada a discussão, passando-se agora à alínea n) em relação à qual há uma proposta de aditamento de uma nova alínea dos partidos da Aliança Democrática.
Vai ser lida
Foi lida. E a seguinte:
ARTIGO 136.º
n) Determinar o recurso ao referendo popular, nos casos previstos no artigo 142.º.
O Sr. Presidente: - Está em debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A AD, por uma questão de coerência de princípios, resolveu manter esta proposta de um referendo. Parece que ela, afinal, não é tão absurda como se poderia imaginar, quando ainda há pouco tempo, numa sessão que foi bem pública, vemos o Dr. Medeiros Ferreira, praticamente o representante das forças políticas que rodeiam o Sr. Presidente da República, a admitir a hipótese de um referendo para avaliar a revisão constítucional que aqui estamos a fazer.
Penso que a hipótese é, por si, absurda demais, tanto mais depois de uma campanha e uma propaganda ferozmente efectuadas contra o referendo em que se lhe chamou golpe de Estado, inconstitucional, tentativa de ditadura. Porém, é agora alvo de uma recuperação por aquelas mesmas pessoas que o alcunharam com todos esses nomes!
É evidente que isto é um pouco estranho, um pouco escandaloso e cria-nos, de certo modo, uma situação, paradoxal, na medida em que sempre lhe fomos fiéis, pois na própria Comissão Eventual para a Revisão Constitucional defendemos o referendo -ou referendum, como o Partido Socialista insiste em chamar-lhe -, por coerência, sem grande esperança de que ele fosse minimamente adoptado, embora pudéssemos admitir que seria útil, já não como instrumento constítucional, mas para auscultar democraticamente a opinião do povo em grandes questões nacionais - como podem ser, por exemplo, o aborto e outras do mesmo tipo como, aliás, é prática em outras democracias europeias, tanto mais que muitas vezes os deputados não se encontram mandatados ou esclarecidos sobre as próprias posições do eleitorado em relação a determinadas questões concretas. Este instituto, limitado, portanto, a uma forma de conhecer a vontade do povo sobre determinadas questões concretas - e não como instrumento constítucional -, não creio que devesse ser recusado como instituto de essência fundamentalmente democrática, que é.
É evidente que a vontade da maioria dos cidadãos eleitores constitui, só por si, uma participação, sem dúvida democrática, da instituição do referendo.
Admitindo-se que a revisão constitucional deve unicamente ser feita por dois terços - ou seja, uma maioria qualificada -, não se pode deixar de reconhecer que o referendo poderia ser uma forma de violação desse resguardo da Constituição que se pretende através da maioria qualificada.
Por isso eu defendo neste momento o referendo como um instituto possível de admitir na Constituição para consulta popular sobre determinados problemas concretos que podem interessar ao conjunto da população e sobre os quais a determinação governativa deve ser essencialmente ditada pela vontade do povo, mais do que por programas políticos partidários.
Por outro lado, penso que seria de abandonar definitivamente a ideia do referendo como processo constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A constitucionalidade do recurso ao referendo popular constitui, desde a criação da Aliança Democrática, uma proposta política que a AD sempre manteve e que não enjeita no momento da revisão constitucional.
O recurso ao referendo popular, como um processo genuinamente democrático de auscultação da vontade popular por iniciativa do Presidente da República, foi previsto no projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática, em dois casos absolutamente distintos.
Por um lado, no artigo 142.º do projecto da Aliança
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Democrática previu-se o referendo legislativo ou constitutivo. Neste caso o referendo teria que versar sobre questões de relevante interesse nacional.
No entanto, sabendo a Aliança Democrática como é difícil arranjar um critério material que delimite correctamente as questões que podem ser objecto de referendo, sabendo como noutros países, designadamente em França em 1962, a questão do referendo foi alvo de uma acesa polémica, a Aliança Democrática teve o cuidado, quanto a este tipo de referendo, de apenas o admitir por iniciativa do Presidente da República, mas mediante uma necessária conjugação de vontades dos três órgãos de soberania: do Governo, da Assembleia da República, através de uma deliberação aprovada pela maioria dos deputados em efectividade de funções, a deliberação que finalmente, poderia ser posta à consideração do eleitorado se o Presidente da República assim o entendesse necessário e oportuno.
Quer dizer que se trata claramente de um caso em que o projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática determinava um aumento significativo dos poderes do Presidente da República atribuídos pela Constituição.
Vozes do COS: - Muito bem!
O Orador: - Este é o mais importante tipo de referendo proposto pela Aliança Democrática.
As cautelas que foram tomadas quanto às condições em que o mecanismo referendário podia ser desencadeado revelam bem que houve o cuidado de impedir que alguma vez esse instituto fosse utilizado não para que o eleitorado se pudesse livremente pronunciar sobre uma relevante questão de interesse nacional, mas para sufragar uma determinada política ou, pior ainda, uma determinada personalidade.
Foi sempre este o pensamento da Aliança Democrática. Tive o cuidado de, eu próprio, o afirmar na primeira vez que tive a honra de intervir nesta Assembleia da República aquando da discussão do Programa do Governo de Sá Carneiro.
Foi sempre tendo presente os perigos do mecanismo referendário, se não fossem suficientemente delimitadas as condições do seu possível desencadear, que a Aliança Democrática formulou a sua proposta.
Por outro lado, não me referindo agora ao caso do referendo a nível local, o qual será abalizado noutra ocasião, quereria referir também o segundo caso em que a Aliança Democrática admitia a possibilidade do referendo, neste caso o chamado referendo constitucional ou ratificativo.
Tratar-se-ia do caso em que determinadas alterações à Constituição não obtivessem a maioria de dois terços, tendo, no entanto, sido aprovadas pela maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.
Também nesse caso a iniciativa do referendo caberia, única e exclusivamente, ao Presidente da República a quem competiria julgar da oportunidade da iniciativa.
Tratava-se, no fundo, apenas de uma cautela destinada a evitar algum impasse constitucional.
Quero, finalmente, referir que na proposta da Aliança Democrática não se contempla, em nenhum caso, o referendo de iniciativa popular.
Sendo uma questão muito debatida, sendo um instituto consagrado noutras constituições, entendemos que seria um entorse grave ao princípio da democracia representativa que defendemos o consagrar o instituto com essa delimitação.
Por isso, o referendo, na nossa concepção e em qualquer dos casos, representaria sempre a necessidade de colaboração de pelo menos dois órgãos de soberania.
Continuamos a pensar, hoje como ontem, não obstante as circunstâncias poderem ser diferentes, que o referendo era um instituto que enriquecia a Constituição portuguesa e que poderia ser utilmente utilizado em Portugal.
Não pensamos a construção do Estado democrático consoante as circunstâncias do momento, consoante as conjunturas mutáveis. Pensamo-lo, isso sim, face a princípios que defendemos em todas as circunstâncias.
Por isso mantivemos no projecto de revisão constitucional, até à discussão em Plenário, as nossas propostas. Por isso elas ainda estão a ser consideradas pela Assembleia da República.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido nunca aceitou que os constituintes de 1976 tivessem feito da Constituição um texto rígido à medida dos seus desejos e que aqueles deputados que se lhes seguissem coarctada a sua liberdade e o seu poder constituinte.
De facto, não aceitamos que constitucionalmente se possa condenar os deputados a não serem deputados de parte inteira, a não representarem os que os elegeram com todos os poderes que estes lhes conferiram.
Desde a primeira hora condenámos esta Constituição e o seu artigo 290.º Continuamos hoje e aqui a fazê-lo com o mesmo vigor.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Por essa circunstância terá sido o meu partido talvez o primeiro - foi-o com certeza - a propor que, por via referendária, se ultrapassassem esses limites ilegítimos da Constituição.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Não apoiado!
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Por isso mesmo não propusemos o referendo referendário da Constituição, perdoe-se-me o pleonasmo. Propusemos um referendo que permitisse que o povo português se pronunciasse sobre esse ficcismo e sobre esse conservadorismo constitucional.
Para nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as constituições duram e prolongam-se em vigor no tempo quando têm condições para reunir à sua volta o consenso popular, quando têm condições para ser, de facto, um elemento de união entre todos os cidadãos num país e não quando fixam a si próprios limites que não podem ser ultrapassados pelas gerações vindouras, limitando assim o poder e a soberania do povo, que o voto deveria exprimir integralmente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, o referendo poderia também ser desencadeado para outros efeitos, nomeadamente questões de grande importância e de grande interesse nacional, como seria, por exemplo, a adesão à
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CEE e a opção nuclear, a qual tem desencadeado referendos em muitas democracias europeias - na Áustria, na Noruega, na Suécia, na Suíça, etc, - e nunca ninguém se terá lembrado de dizer que esses países não eram democráticos por causa disso.
No entanto - e é isso que neste momento importa, politicamente, afirmar também, Sr. Presidente e Srs. Deputados -, os partidos da Aliança Democrática (na circunstância PSD e CDS) que propuseram o candidato General Soares Carneiro às eleições presidenciais, tendo feito do instituto do referendo um dos principais motivos da sua campanha eleitoral, obviamente nesse aspecto apoiados pelo meu partido, não viram o seu candidato ganhar as eleições. E, democraticamente, submeteram-se ao veredicto popular, veredicto esse de que um dos resultados foi precisamente a recusa do referendo proposto.
Não temos qualquer pejo em o confessar. As consequências autênticas das eleições presidenciais, nunca as negaremos; assim como também não deixamos que outros prolonguem essas consequências para além dos seus estritos limites.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso - porque a Aliança Democrática, democraticamente, se submete ao voto popular e não ultrapassa o seu sentido, nem deixa que outros o ultrapassem; não deixa que outros penetrem no seu mandato como não tenta penetrar no mandato dos outros, como exige que respeitem o seu mandato, como respeita o mandato dos outros - é por isso, dizia, que a Aliança Democrática, neste momento, não pode admitir que, na forma mais vil, oportunistas políticos venham a propor agora o referendo, quando ele pode, eventualmente, ser agradável ao «chefe», quando ele pode, agora sim, ser realmente antidemocrático pela forma como é proposto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque aqueles que fizeram do anti-referendo, o leit-motiv da campanha eleitoral, esses é que não têm o direito de vir agora propor ao povo português o referendo.
E porque desejamos...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Tenha a bondade, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado, costuma-se dizer que «para bom entendedor, meia palavra basta», mas eu devo ser mau entendedor. A que oportunistas se referia o Sr. Deputado?
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Olhe, Sr. Deputado, eu tenho de V. Ex.ª a opinião de que, para além de um deputado brilhante, de homem inteligente e de um «político de primeira», é também um homem bem informado. E, como aquilo que o Sr. Deputado acaba de dizer tem o significado de que V. Ex.ª nem os jornais lê, eu quero crer que V. Ex.ª está a tentar, enfim, fazer um fait-divers parlamentar, procurando que eu venha aqui expor os nomes desses oportunistas a que me referi.
São vários, V. Ex.ª conhece os seus nomes - melhor do que eu, com certeza -, ainda há pouco um foi citado pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, como sabe há outros que aparecem todos os dias nos jornais. Portanto, V. Ex.ª informe-se, não serei eu que lhe servirei de imprensa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para finalizar apenas diria que é porque desejamos, de facto, que a soberania popular, em Portugal, seja a cem por cento -e não a noventa ou a oitenta, ou naquilo que os constituintes de 76 desejaram a bem das suas ideologias e doutrinas -, é porque desejamos que os deputados desta Casa sejam a todo o tempo «deputados de parte inteira» e representem a cem por cento essa soberania também, é por isso que nos manifestámos um dia a favor do referendo que ultrapasse os limites do artigo 290.º da Constituição e é por isso que hoje aqui - mais uma vez - denunciamos essa norma antidemocrática da Constituição de 1976.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso é que é golpismo!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É infame!
O Sr. Presidente: - Para que fim deseja usar da palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu pedi a palavra, primeiro para um pedido de esclarecimento e depois para um protesto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Queria perguntar ao Sr. Deputado Borges de Carvalho se admite que o referendo que nos propõe possa ultrapassar os limites materiais da revisão constitucional que a própria AD fixava no seu projecto de revisão constitucional, e qual seria então nesse quadro o significado dessa sua proposta de nova redacção para o artigo 290.º
O protesto que eu queria fazer, Sr. Deputado, é que lamento não lhe poder devolver os «piropos» que me dirigiu, e ter que reconhecer que o Sr. Deputado não tem a coragem de assumir aqui, plenamente, o conteúdo das suas afirmações.
Eu posso desconfiar quem são os oportunistas a que o Sr. Deputado se refere. O povo português que segue estes debates, talvez não o desconfie. E o Sr. Deputado tinha pelo menos a obrigação de assumir até ao fim as suas afirmações e não se refugiar por detrás de subterfúgios.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Creio que até os próprios oportunistas tinham o direito de exigir de si uma atitude diferente, pois a sua, para além de oportunista, é pouco corajosa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De certa forma lamento a maneira como o Sr. Deputado Lopes Cardoso se me quis dirigir agora, não pela retribuição de piropos que lhe dei - porque, evidentemente, eu não os mereço, ou a minha
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modéstia não me permite dizer que os mereço- mas pela maneira pouco cordial como se me dirigiu.
Quanto ao conteúdo do referendo, creio que me referi claramente a ele durante a minha intervenção. E creio que aquilo que referi foi, de certa maneira, complementado com a intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco, que explanou claramente a forma, os cuidados, as cautelas que a aplicação desse instituto merecia no projecto da Aliança Democrática.
Agora, obviamente, mantemos a proposta enquanto coligação. Mantêmo-la na afirmação de um principio. Sabemos que não passará nesta Câmara, não comentamos isso, pois cada partido é livre de assumir a atitude e o voto que entender.
No entanto, por uma questão de coerência e até talvez - quem sabe, é legítimo pensá-lo - porque poderia ser possível um rebate de consciência de algum partido desta Câmara, mantivemos esta proposta.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Não tem nada a ver!
O Orador: - Quanto à segunda parte da intervenção de V. Ex.ª, devo dizer que, como sabe, a ideia do novo referendo foi lançada por um articulista chamado Rabaça. Depois, várias outras pessoas, publicamente, o afirmaram.
Portanto, se era isso que V. Ex.ª queria, aqui tem.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Entenda-se que eu recorro a esta figura porque não me resta outra.
A minha intenção era apenas registar o facto de o Sr. Deputado Borges de Carvalho ter respondido por insistência minha, ainda que parcialmente à primeira questão, não ter respondido à segunda, mas talvez que, continuando a insistir, possa vir a obter resposta.
Uma coisa é defender o referendo - e admito que haja argumentos para o defender, e nós oportunamente assumiremos a nossa posição nessa matéria pela voz do meu camarada António Vitorino -, outra coisa é defendê-lo na base dos argumentos que o Sr. Deputado Borges de Carvalho evocou, para contrapor a uma certa limitação da liberdade e do Estatuto do Deputado decorrente do quadro constitucional actual e que residia, nomeadamente, na existência de limites materiais para a revisão constitucional.
Já passo de barato o facto de o Estatuto do Deputado variar conforme as questões saem para fora desta Assembleia ou não. Penso que já é algo de extremamente criticável.
Mas o que o Sr. Deputado não me disse, não me respondeu, é se, de facto, o referendo proposto pela AD ê susceptível de ultrapassar os limites materiais que o próprio projecto da AD continua a impor a qualquer revisão constitucional.
Nessa altura, penso que continuarão os futuros deputados a ter o mesmo estatuto diminuído, contra o qual o Sr. Deputado Borges de Carvalho tão veementemente protesta, e que resulta da existência desses limites materiais.
Só que para o Sr. Deputado a diminuição do Estatuto só tem sentido quando somos obrigados a fazer aquilo que acha que nós devemos fazer - aí tudo bem; quando é obrigado a fazer aquilo que os outros e uma maioria entende que deve fazer, aí, nessa altura, tudo mal.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra. É para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado, quanto à primeira parte da sua intervenção, julgo que seria para a gravação. Se o gravador está a funcionar, ficou registada e, portanto, o desiderato de V. Ex.ª ficou cumprido.
Quanto à segunda parte, é pena que V. Ex.ª não tenha ouvido a minha intervenção. Eu disse que o meu partido tinha defendido, desde a primeira hora, o instituto do referendo para ultrapassar o artigo 290.º Essa foi uma posição partidária que assumimos em tempo oportuno e que continuamos a assumir. Os compromissos que daí por diante sobrevieram, por virtude das vicissitudes da vida política, já são outra coisa.
O que eu disse, na minha intervenção, foi que o meu partido preconizou, desde 1977, o instituto do referendo para ultrapassar uma coisa a que, desde a primeiro hora, chamou de monstruosidade e que continua a ser uma monstruosidade - o artigo 290.º da Constituição.
Se V. Ex.ª está contente com esse artigo, se V. Ex.ª acha que era mais deputado em 1976, como constituinte, do que é agora, o problema é seu. Agora, nós é que não aceitamos um atestado de menoridade política enquanto deputados, por virtude do artigo 290.º que V. Ex.ª tanto defende. É esta a diferença.
Vozes do PPM: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, se pretender responder tem a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - De facto, creio que tinha razão. O Sr. Deputado não aceita um estatuto de menoridade em função do actual artigo 290.º, mas aceitará um estatuto de menoridade para os futuros deputados em função do artigo 290.º que a AD propõe.
O Sr. Presidente: - Continua em debate. Pausa.
Não há inscrições. Vamos, então, votar a proposta da AD de aditamento de uma nova alínea n) ao artigo 136.º
Submetida à votação, registaram-se 98 votos a favor (do PSD, do CDS e do PPM) e 78 votos contra (do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP), não tendo sido considerada aprovada por não atingir os dois terços exigidos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nunes de Almeida pede a palavra para que efeito?
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - É para uma declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma brevíssima declaração de voto, na medida em que suponho que neste momento, nesta
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ocasião, o problema do referendo è um problema ultrapassado e não merece que se perca agora muito tempo com ele.
No entanto, registo apenas dois factos: o primeiro é que a Aliança Democrática manteve esta proposta para o Plenário mas manteve-a com manifesta falta de convicção. E com tanta falta de convicção que a Aliança Democrática, embora prevendo o recurso ao referendo em termos de competência do Presidente da República no artigo 136.º, aí remetia para o artigo 142.º do seu projecto de revisão constitucional, onde regulamentava e definia os casos em que tal referendo podia ocorrer.
Ora, registamos que esta falta de convicção foi ao ponto de se manter a proposta de alínea n) no artigo 136.º, mas não foi essa convicção tão longe que mantivesse o próprio artigo 142.º do seu projecto.
Em segundo lugar, para registar com agrado o facto de, todavia, a Aliança Democrática ter mantido esta proposta de alínea no artigo 136.º, e de ter submetido a sua votação ao Plenário da Assembleia da República para que assim ficasse claramente demonstrado que o recurso ao referendo é ilegítimo e continuará a sê-lo porque inconstitucional e porque não adoptado, nesta Câmara, pela maioria requerida de dois terços.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, para registar ainda que das intervenções aqui feitas, ou, se quisermos até do próprio texto originário da AD e mais claramente da intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho, verifica-se que a intenção deste recurso ao referendo, não era tanto o de consultar as populações sobre questões que directamente lhe interessassem, mas tinha sim o objectivo de subverter e de derrubar a Constituição, através de uma forma ilegítima, na medida em que o recurso ao referendo, para aprovação de alterações à Constituição por parte de uma maioria que não seja a maioria de dois terços, é uma forma de ladear a revisão constitucional, consistindo na negação da própria ideia de Constituição. Ideia de Constituição que assenta fundamentalmente na protecção das minorias porque se as maiorias pudessem fazer o que entendem o seu bel-talante e em qualquer circunstância então era a própria ideia de Constituição que se não justificava, que se tornava completamente inútil na medida em que as Constituições servem, como é óbvio, para proteger as minorias contra as maiorias e não para permitir a ditadura ou as imposições das maiorias.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nessa medida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós consideramos que esta votação acabada de efectuar foi importante e útil e que o nosso voto é um voto coerente de quem esteve contra o referendo antes, de quem está contra o referendo agora. Não houve aqui incoerências da nossa parte. A nossa posição foi sempre a mesma. A nossa posição não se alterou.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar...
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado. O Sr. Deputado Luís Beiroco pede a palavra para que efeito?
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, para além de estar inscrito para uma declaração de voto, queria fazer um protesto contra a declaração de voto do Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sabe que uma declaração de voto é excepcional...
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Este caso também é excepcional, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado António Vitorino não vê inconveniente, embora já lhe tivesse dado a palavra...
Pausa.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho que lamentar e protestar firmemente contra a concepção que o Sr. Deputado Nunes de Almeida aqui acabou de exprimir.
O referendo, mesmo o referendo constitucional ou de ratificação, proposto pela Aliança Democrática não pode nunca ser considerado como uma forma de subversão de uma Constituição. É evidente que a ideia de Constituição está ligada à protecção dos direitos e à limitação dos poderes do Estado. Mas é também evidente que a fórmula proposta pela Aliança Democrática não deixava na disponibilidade da maioria a iniciativa de recurso a esse referendo. Seria outro órgão de soberania que tinha de ajuizar se estávamos, de facto, perante um caso de impasse constitucional e, porventura, de um caso de impasse político grave para recorrer a esse tipo de instituto. É evidente não se poder aceitar que uma maioria, que teve lugar num determinado momento histórico e num determinado circunstancialismo, possa deliberar, para todo sempre, sobre o futuro de uma determinada comunidade política.
Mais ainda: se porventura houvesse uma conjunção de vontade de uma maioria e de um Presidente da República que, de uma forma não justificada, pusessem em andamento o processo referendado, mesmo assim, a última palavra caberia sempre à soberania popular.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!
O Orador: - E aqueles que acreditam no povo e no seu voto não têm nunca medo do referendo.
Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - É um breve contraprotesto, Sr. Presidente.
Começaria por manifestar a minha surpresa pelo facto de o protesto ter vindo do Sr. Deputado Luís Beiroco. E, Srs. Deputados, manifesto essa surpresa pelo facto de que entre a intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco a apresentar o referendo e a intervenção do Sr. Deputado
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Borges de Carvalho tem existido uma grande diferença, diferença essa que eu registei na minha declaração de voto, na medida em que a intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco foi, manifestamente, mais cuidadosa, mais cautelosa do que a do Sr. Deputado Borges de Carvalho, que não escondeu - honra lhe seja feita - os objectivos que presidiam à ideia do referendo na sua bancada.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Tenho muita honra nisso!
O Orador: - Gostaria, todavia, de esclarecer o Sr. Deputado Luís Beiroco de que quando há pouco referia que as Constituições servem para defender as minorias contra as maiorias - e a ideia de Constituição é a de uma defesa das minorias - não estava a referir-me a qualquer maioria em geral e, muito menos, à actual maioria em particular. Muito menos, ainda, me referia a uma maioria parlamentar.
E, Sr. Deputado, quando me referia a que as Constituições servem para defender as minorias contra as maiorias eleitorais, não tenha a esse respeito a menor dúvida. Se as maiorias eleitorais pudessem tomar toda e qualquer deliberação, a qualquer momento, então, a ideia de Constituição era uma inutilidade e, por isso, mantenho o que disse.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não vale a pena argumentar com o recurso à soberania popular, porque a soberania popular tem limites e a Constituição é uma limitação à soberania popular.
Aplausos do PS, da ASDI. da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. António Arnaut (PS): - Voluntariamente aceite pelo povo!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Beiroco, é assim que eu coloco o problema. E, existem - a favor e contra o referendo, contra os referendos de vária espécie, de contra-tipo - muitas espécies de referendo. Mas eu referi-me só ao referendo constitucional.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que o referendo constitucional, onde existe, é, normalmente, um referendo que permite ratificar ou não alterações constitucionais introduzidas. A AD, no seu projecto, não previa isto; previa que quando um projecto de uma determinada revisão constitucional não obtinha na Assembleia da República a maioria requerida, se recorresse a referendo para conseguir suplantar essa maioria requerida através do recurso directo ao voto e, portanto, prejudicando os direitos das minorias, não das minorias parlamentares mas das próprias minorias eleitorais.
Ora essas também têm direito a ser protegidas e defendidas porque, sem isso, não há Constituição, há sim um arremedo de Constituição.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a proposta da Aliança Democrática, não porque sejamos contrários ao princípio do referendo em abstracto, mas porque entendemos politicamente mais correcto, neste momento, introduzir na Constituição Portuguesa, indiciariamente, um instituto paralelo, subsidiário da democracia directa, se bem que de âmbito mais restrito, que é o instituto das consultas populares locais, constante do projecto da Frente Republicana e Socialista.
Pensamos que a rejeição desta proposta demonstra claramente que, daqui para o futuro, não será legitimo definir pela lei ordinária o recurso ao referendo, nem o referendo a titulo consultivo, nem o referendo a titulo deliberativo, muito menos será legítimo voltar a argumentar com o referendo de revisão constitucional como compatível com o texto da Constituição de 76.
E, neste sentido, a votação que acabámos de fazer é uma votação de reforço das instituições da democracia representativa, que a Constituição amplamente consagra.
Finalmente, diria que o grupo parlamentar da UEDS compreende bem o afã que o Sr. Deputado Borges de Carvalho colocou na defesa do referendo. Com a rejeição do referendo já não haverá possibilidade de, em Portugal, proceder à restauração referendaria da monarquia.
A partir de agora só resta ao Sr. Deputado Borges de Carvalho o regresso sebastianista do rei a cavalo, numa manhã de nevoeiro.
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São bem conhecidas as razões porque nos pronunciámos contra o referendo, tal como constava da proposta apresentada pela Aliança Democrática.
Sinteticamente, recordá-las-ei neste momento. Em primeiro lugar, se nada temos contra o referendo em abstracto, como instituto de democracia directa, temos a profunda convicção de que esse instituto só deve ser utilizado, a nível nacional, depois de uma experimentação a nível local.
Nesse sentido, no projecto de revisão da Frente Republicana e Socialista, aparece o referendo a nível local. No caso de tal proposta vir a ser aprovada e no caso de a experiência ser positiva, então estaremos dispostos a adoptar o referendo a nível nacional, numa próxima revisão. A experiência de outros países tem mostrado que a democracia directa só tem sentido integrada com a democracia representativa, e não contra a democracia representativa.
Por outro lado, não podemos ignorar nem esquecer as circunstâncias históricas em que o referendo foi defendido, preconizado e vivamente sustentado, designadamente em 1980, pela Aliança Democrática.
Era um referendo contra a Constituição, esteve ligado a uma campanha de destruição da Constituição de 1976.
E na fórmula que acaba de ser votada o referendo aparecia na alínea n) do artigo 136.º sem qualquer limite no tocante ao poder que, por essa via, era atribuído ao Presidente da República.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Nem tanto, Sr. Deputado!
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O Orador: - Com efeito, como o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida há momentos lembrou, o artigo 142.º do projecto de revisão da Aliança Democrática não era mantido.
O nosso voto, o voto desta Assembleia da República, foi, pois, um voto de consolidação do regime constitucional democrático. Foi a demonstração, simultaneamente, de que o referendo defendido em 1980 pela Aliança Democrática era ilegítimo e inconstitucional e, ao mesmo tempo, a demonstração de qualquer outro tipo de referendo não pode vir a ser adoptado em Portugal. Digo, qualquer outro tipo de referendo, seja o referendo no sentido do referendo destinado a pôr em causa quaisquer limites de revisão constitucional, seja qualquer forma de referendo para infirmar a lei de revisão, a revisão que aqui está a ser votada.
Srs. Deputados, apenas a Assembleia da República pode fazer revisão constitucional. Nem antes, nem depois é admissível qualquer recurso ao referendo. É, em total coerência com as nossas posições que recusamos qualquer referendo, venha de onde vier.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, também este é um dos casos em que a invocação de princípios em abstracto não resolve nem para um lado nem para outro. A grandeza e miséria do referendo é que é pau para toda a colher.
Tem sido instrumento de consolidação e desenvolvimento de democracias populares e de democracias representativas, tem sido instrumento de autoritarísmos mais ou menos bonapartistas e de projectos para os plebiscitados de poder.
Não estão em causa, pois, princípios. Está em causa sobretudo o tempo, o lugar e o modo do referendo.
E a questão é que o tempo e o lugar se sucedem a uma campanha da AD de utilização golpista do referendo contra a Constituição da República, de ultrapassamento do modo de revisão da Constituição e dos seus limites materiais, de um projecto plebiscitado de poder, personalizado na candidatura do General Soares Carneiro.
O projecto e a ideia de referendo, qualquer que fosse a ideia que se pudesse ligar a ela, foram inquinados nos tempos mais próximos, por esse projecto golpista de utilização do referendo contra a Constituição e contra a democracia Constitucional em Portugal.
Mas não apenas isso. É que o modo por que a AD continua a propor o referendo no seu projecto é totalmente inaceitável. E vejamos porquê: é que o referendo era utilizado apenas como instrumento das conveniências da maioria.
Seria proposto pelo Presidente da República apenas se como e nos termos em que a maioria parlamentar e o Governo o propusessem, ou quando fosse meio de ultrapassar o limite formal de revisão constitucional, quando a maioria de cada momento não obtivesse os dois terços necessários para a rever.
Quer dizer, não apenas se insistia na ideia de utilização do referendo como instrumento circunstancial da maioria, como se insistia, sobretudo, numa versão soft core do projecto golpista que instrumentalizou e que consumiu o projecto Soares Carneiro de candidatura presidencial.
E é verdade que nem numa nem noutra das circunstâncias podíamos coonestar esses projectos da AD.
Foi aqui dito, sem qualquer fundamento, que isto constituía um aumento de poderes do Presidente da República. Não era tal coisa.
Este referendo só podia ser proposto quando a maioria parlamentar e o Governo o quisessem.
E se, porventura, no caso de ele ser proposto, o Presidente da República do momento não aderisse a esta proposta, era um meio de achincalhamento, de luta contra o Presidente da República e não um meio de reforçar os seus poderes. Nestas circunstâncias, da nossa parte, não poderia haver um voto que não fosse o voto contrário.
Mas é importante tirar daqui a ilação conveniente.
E apesar de, insolitamente, da parte de deputado do PPM, vir a insistência da ideia desse partido de que mantém o projecto golpista de utilizar o referendo contra a Constituição, importa dizer, claramente, que a manutenção desta proposta e a sua rejeição, significa, de uma vez por todas, que no Estado Constitucional não há democracia fora da Constituição, que a vontade popular é, ela mesma, constituída, que o referendo é ilegítimo e inconstitucional quando não previsto na Constituição, e que, se dúvidas houvesse, nunca as podia ter havido logicamente, a partir de agora, qualificadamente. Pensar em utilizar o referendo é um atentado contra a Constituição e não pode haver outra forma de expressão da vontade popular senão aquelas constituídas na própria Constituição.
Importa, pois, tirar esta ilação desta votação: é que a partir de agora não possa sem um protesto - e é este protesto que estou a fazer -, o ser invocada a ideia do referendo como princípio em abstracto contra a Constituição e contra a democracia constituída.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Numa breve declaração de voto quero lamentar que a Assembleia da República não tenha querido enriquecer a Constituição com um instituto que representa, inequivocamente, uma forma legítima de auscultação da vontade popular.
Haverá, provavelmente dentro em breve, acontecimentos relevantes que justificariam que o povo português pudesse ser consultado por referendo. Refiro-me, obviamente, à adesão às Comunidades Europeias. Seria um assunto de relevante interesse nacional, em que se justificava que as opções não fossem tomadas apenas em circuito fechado, e que houvesse uma adesão popular em termos duma participação eleitoral directa.
Além disso, quero aqui afirmar que o meu partido, ao manter com os outros partidos que integram a Aliança Democrática a proposta de referendo constante do seu texto de revisão constitucional, não enjeita nenhuma das posições que assumiu no seio da Aliança Democrática, nem no apoio à candidatura do General Soares Carneiro.
Não estamos arrependidos das posições que tomámos, que considerámos posições justas e patrióticas, e temos muita honra em as termos defendido.
Aplausos do PSD e do CDS.
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O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, a insistência do Sr. Deputado Luís Beiroco é grave e importa não a deixar em silêncio.
A proposta de referendo, que estava incita na candidatura de Soares Carneiro, traduzia um projecto golpista, antidemocrático e anticonstitucional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD e do CDS.
Foi um projecto derrotado e exige-se claramente que da parte da AD, dos partidos que a compõem, haja a afirmação se aceitam ou não, por um lado, os resultados eleitorais em termos políticos, e, por outro, o reconhecimento que a proposta de referendo significa a aceitação da sua ilegitimidade. Se assim não acontecer estamos perante quem não só cometeu uma infração contra a democracia constitucional mas também perante quem insiste relapsamente nela.
Isto é importante neste momento em matéria de revisão constitucional, significa que da nossa parte, que nos temos oposto a aspectos relevantes desta revisão, queremos saber se à sobreposse ainda teremos de exigir dos restantes contratantes que assumam as suas responsabilidades, para que não assumamos compromissos com quem manifesta claramente estar de má fé, deslealmente, atentatoriamente, a defender ideias que não abandonou e que na próxima oportunidade as pretende voltar a utilizar através de métodos golpistas, anticonstitucionais e antidemocráticos, atentatórios da Constituição da República.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Vital Moreira, creio que o meu partido deu provas cabais, durante todo este processo de revisão constitucional, que aceitou os resultados eleitorais e que está a colaborar num processo de revisão constitucional decorrente das normas previstas na Constituição, mesmo quando, em relação ao artigo 290.º, por exemplo, manifestamente não concorda com algumas das disposições.
É isso que estava em causa neste processo de revisão constitucional e não é, obviamente, o passado no que se refere a uma campanha presidencial visto que este processo de revisão resulta das eleições presidenciais.
Se aquilo que o Sr. Deputado Vital Moreira queria era que renegássemos aquilo que fizemos na Aliança Democrática..., desengane-se porque nunca o renegaremos!
Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peco a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, em nome do meu grupo parlamentar, utilizar o exercício do direito de defesa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado foi ofendido...?
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Gravemente ofendido, Sr. Presidente.
Vozes do PCP: - Gravemente?
O Sr. Presidente: - Se se sente ofendido, faça favor de usar da palavra.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado do PC...
Vozes do PCP: - PCP!
O Orador: - Srs. Deputados, quando nós dizemos PC não tem nada de pejorativo; é como dizer Rossio em vez de Praça D. Pedro IV. Por mais que se diga que o nome é D. Pedro IV a praça será sempre Rossio, o Terreiro do Paço é o Terreiro do Paço e não a Praça do Comércio, o PC é o PC e nunca será o PCP. Não tem, pois, nada de pejorativo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de defender a sua dignidade.
O Orador: - Vou continuar a fazê-lo se não for interrompido pelos apartes dos Srs. Deputados.
De facto, fomos aqui chamados de golpistas, de antidemocráticos, e não sei mais que epítetos, acabando a girândola final do Sr. Deputado por nos chamar desleais.
Nós não recebemos lições de democracia do PC, nem hoje, nem ontem, nem amanhã se Deus quiser. Em matéria de golpismo o PC tem lições para dar a todos nós, mas nós não as queremos receber, nem aceitamos o seu professorado.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Já o ultrapassaram.
O Orador: - Em matéria de deslealdade prefiro não falar!
Queria ainda dizer ao Sr. Deputado o seguinte: se V. Ex.ª considera que continuar a defender uma proposta do seu partido, quando e como quiser, que foi vencida nesta Casa, é um acto desleal e antidemocrático não sei com que linhas me possa coser quando VV. Ex.ªs continuarem a defender posições que aqui foram vencidas. Todos temos o direito à opinião, todos temos o direito a defender aquilo que defendemos e a continuar a defendê-lo, quer seja uma posição maioritária qualificada ou não, quer seja uma posição minoritária.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, nós podemos poupar palavras e até decibéis se me disser que a próxima vez que se propõe defender essa proposta, em termos de alteração da ordem jurídica,
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vai ser na próxima revisão constitucional. Se é essa a declaração que tem a fazer retiro imediatamente tudo aquilo que disse.
O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Para asneiras já basta!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Se é mais do que isso que quer dizer, isto é, se não declarar expressamente que não se proporá um novo "candidato Soares Carneiro" aditado à ideia de utilizar o referendo contra a Constituição, então mantenho que os Senhores persistem num projecto golpista, antidemocrático e desleal porque estão a fazer uma revisão constitucional sob uma reserva mental de má fé para na próxima oportunidade voltarem à tentativa de alterar a Constituição da República mediante um golpe de Estado.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Orador: - E o complexo do golpe de Estado que não viesse outra vez à tona!
Afinal, as afirmações do Sr. Dr. Cunhal também são partilhadas pelo Sr. Deputado Vital Moreira! Tínhamos esperança que houvesse alguma diferença e afinal não há!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É sempre tempo de desilusões!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado, quero ainda dizer-lhe uma coisa: propor candidatos à Presidência da República foi coisa que nunca fizemos nem faremos. Portanto, por esse lado pode estar descansado!
Risos e aplausos do PPM, do PSD, do CDS e da ASDI.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Essa tem piada mas não responde!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamentamos profundamente que o instituto do referendo, o recurso ao referendo popular, não tenha sido aprovado nesta Assembleia através da respectiva maioria qualificada.
Mas lamentamos também e uma vez mais que, em nosso entender, não tenham forma nem conteúdo as justificações que foram dadas pelas diversas bancadas contra o referendo.
A fundamentação usada pelo PS foi no sentido de que o referendo visaria, essencialmente, por parte da AD, as questões de revisão inconstitucional da Constituição; por parte da UEDS foi feita uma declaração um pouco mais aberta no sentido de dizer que a FRS tem proposto o referendo a nível local mas que ele era perigoso a nível nacional; a ASDI foi ao ponto de dizer que aceita o referendo por uma questão de princípio, mas que, de facto, era necessária uma certa pedagogia pois o povo português ainda não está preparado para poder tomar a sua opção num referendo popular e o PCP funcionou mais uma vez em termos de conjuntura e não em termos de profundidade, em meros termos constitucionais e de respeito pela soberania popular, ao afirmar que o tempo
e o lugar não eram adequados à criação do referendo e referiu também o próprio modo do referendo.
Ora, ainda bem que o Sr. Deputado Vital Moreira me chamou a atenção para aspecto. O modo do referendo poderia, se os partidos da oposição estivessem interessados na criação do instituto do referendo, ser limitado e regulado através de propostas de alteração, apresentadas pela oposição, ao artigo 142.º, conforme se faz referência na proposta da AD, que dizia claramente que determinar recurso ao referendo popular seria possível nos casos previstos no artigo 142.º
De facto não houve essa abertura, porque parece - e neste caso creio mesmo que foi evidente- que os partidos da oposição, quando se fala no instituto no referendo, têm uma predisposição para aceitar o princípio de dizer «não» a um referendo, mas não de dizer «não», de uma vez para sempre, a esse aspecto, que é muito superior, do povo português, sendo ele próprio a grande soberania popular, podendo dizer sim ou não ao facto de a Constituição poder ser revista e em que limites materiais.
Mas, de facto, perdemos simultaneamente outra oportunidade porque os Srs. Deputados não quiseram sequer ter uma abertura que possibilitasse avançar com propostas que, de comum acordo poderiam regular o artigo 142.º, o instituto do referendo.
E, Srs. Deputados, independentemente do meu partido se continuar a bater pelo instituto do referendo - talvez com redobrado vigor - nós, PPM, não nos esquecemos de lembrar ao povo português que foram os partidos da oposição que, nesta revisão constitucional, não quiseram que o povo português pudesse vir a referendar a adesão à CEE, que é de importância relevante para o país!
E mais: sempre que for discutido, seja porque bancada for e seja com que opção for, a questão das centrais nucleares, por exemplo - que não são de âmbito local, que são de âmbito nacional tal como a adesão à CEE -, é negada ao povo português a possibilidade de se referir directamente a ela, apenas podendo votar nesta ou naquela opção indirectamente, num conjunto mais vasto, dentro de uma campanha eleitoral para uma Assembleia Legislativa. E isto sobre questões que podem ser fatais e essenciais para o futuro de Portugal!
Para terminar, quero apenas dizer que, em parte, o que estava em causa era a questão dos limites materiais e nós estávamos dispostos, inclusivamente, a tratar dessa questão nesta revisão da Constituição, embora, com certeza, vão haver outras. Assim, apenas podemos dizer que Portugal tem nove séculos de história, já teve vários regimes - um que, razoavelmente, durou oito séculos, outro que em 70 anos deu, infelizmente, 50 anos de ditadura - e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, talvez não para esta geração mas para as gerações que hão-de vir, esta será apenas mais uma das muitas constituições que este país milenário há-de ter.
Aplausos do PPM e de alguns Deputados do PSD.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - É para uma breve declaração de voto em nome do meu partido. Embora nos mantenhamos fiéis à nossa ideia sobre o
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referendo, por coerência com o aspecto histórico, e não estejamos arrependidos de o ter defendido porque entendemos que ele é um instituto que devia entrar na Constituição, declaramos, com a maior hombridade e com a maior sinceridade, que consideramos que, a partir desta votação, o referendo morreu como eventual processo constitucional em Portugal.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem! Até que enfim!
O Orador: - Que não haja qualquer dúvida a esse respeito. Declaramo-lo com a maior lealdade e, aliás, foi com esse espirito que o tratámos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
No entanto, lamentamos - e o diálogo sobre este assunto na Comissão foi bastante aberto - que não tenha havido abertura para que se pudesse estabelecer o referendo para questões de interesse nacional, extra - constitucionais, inclusivamente, como já se referiu, sobre a adesão à CEE, sobre a regionalização e sobre vários outros problemas que são fundamentais para o pais e sobre os quais interessaria conhecer a vontade maioritária do povo.
Mas havia realmente, penso eu, uma carga sentimental demasiadamente recente para que este instituto pudesse ter sido examinado com o sangue frio suficiente para poder ser separado de uma conjuntura eleitoral que tinha sido relativamente recente.
Por isso não podemos deixar de lamentar que não tenha havido abertura para o referendo. Nós podíamos ter modificado a nossa proposta, inclusivamente estaríamos abertos a que outros partidos viessem com uma contraproposta sem que o referendo tivesse ficado excluído do processo constitucional da revisão e portanto nunca pudesse servir para um processo que abolisse a maioria qualificada de dois terços mas pudesse, contudo, ser um instituto que enriqueceria, como disse o Sr. Deputado Luís Beiroco, a nossa Constituição no sentido de permitir a consulta popular sobre assuntos de extrema importância nacional.
Quanto ao problema que aqui se falou dos limites materiais da Constituição é um problema que nunca esteve em causa e que não está no nosso ânimo pôr em causa a não ser pelo processo de revisão constitucional de dois terços.
Consideremos, aliás, que os limites materiais de uma Constituição correspondem, ou devem corresponder, à meta política ou seja à filosofia básica que está na base de uma Constituição.
Isto é, toda a Constituição representa uma concepção da cultura política do Homem e da sociedade e esses limites materiais da Constituição devem corresponder aos limites dessa cultura, quer dizer, a forma de vida que queremos que exista num determinado país. É por isso que considero importante, e justifica, o esforço de aproximação que fizemos e que tão censurado tem sido e que inclusivamente tem sido alcunhado de nomes feios entre partidos que pensam de maneira diferente para estabelecer uma Constituição dentro desses limites materiais que corresponde, de facto, a uma forma de cultura comum e à maneira de sentir e de viver que nós todos portugueses queremos adoptar.
É esse o triunfo desta revisão constitucional e penso que não é só para mim, como é para todos os que colaboraram e tiveram iniciativas.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pedi a palavra imediatamente a seguir à declaração de voto do Sr. Deputado Luís Coimbra, mas V. Ex.ª não viu. Se acha que ainda é possível que eu tome a palavra...
O Sr. Presidente: - Mas para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para protestar relativamente à declaração de voto do Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado ajuizará da gravidade e da importância do protesto que quer fazer. É excepcional a utilização do protesto em relação a declarações de voto, mas não é impossível se considera grave.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Se V. Ex.ª me permitisse pretendia, pois, rapidamente, fazer o protesto.
O Sr. Presidente: - Agradecia-lhe então, que fosse breve, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Luís Coimbra, V. Ex.ª, de forma excessivamente rápida, condenou a República em não apenas absolvição, porque V. Ex.ª nem sequer pôs a questão nesse pé, mas em elogio da monarquia. Penso que nem a República nem a monarquia poderão ser defendidas de uma forma tão rápida.
V. Ex.ª disse aqui que a República teve várias ditaduras em setenta anos. Quantas ditaduras não terá tido a monarquia em oito séculos? Mas seria caricático da minha parte, Sr. Deputado Luís Coimbra, fazer um ataque tão rudimentar à monarquia.
Aplausos do PS e risos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra para contraprotestar.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Silva Marques: De facto, a interpretação de que eu estive aqui a condenar a República foi sua. Eu penso que não, penso que me limitei a constatar um facto e é lamentável para muitos republicanos que o regime em setenta anos tenha tido cinquenta anos de ditadura.
Quanto à questão dos oito séculos, se houve mais ou menos liberdade, eu penso que temos que comparar as situações em termos históricos com o que de facto acontecia. Não vou fazer comparações, de maneira nenhuma, com as instituições que existiam noutro pais, não penso que estivéssemos muito atrasados em termos de poderes políticos em relação a outros países nomeadamente da Europa, penso que a acompanhámos razoavelmente, e em muitos casos estivemos na vanguarda dos progressos das instituições registadas nesse tempo.
Agora, se de facto o protesto do Sr. Deputado Silva Marques foi para, eventualmente, um dia destes, se abrir um debate sobre a questão do regime - se monarquia, se República - para nós isso seria de facto uma situação agradabilíssima porque tal como antes do 25 de Abril
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nunca nos recusámos ao diálogo com os nossos adversários como também agora não nos íamos com certeza eximir a essas situações.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Obrigado por me ter deixado interromper.
Era para lhe dar razão Sr. Deputado. Eu não estou de acordo com o Sr. Deputado que o criticou, eu acho que na verdade na monarquia houve menos ditaduras. Houve uma só!
Aplausos do PS.
Risos.
O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos refere-se à ditadura que fez Portugal?
O Sr. Almeida Santos (PS): - A isso e a outras coisas, claro!
Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a chegar à hora limite dos nossos trabalhos.
Cumpre-me informar à Câmara de que deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 354/II - Uso de meios de comunicação social em período eleitoral-, apresentado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, da ASDI, o qual baixa à 3.º Comissão e a proposta de lei n.º 121/II - Concede ao Governo autorização para legislar sobre Finanças Locais -, a qual baixa à 16.» Comissão.
A próxima sessão terá lugar amanhã, às 10 horas. Está acordado que no período de antes da ordem do dia só haverá declarações políticas. O período da ordem do dia consta, na 1.ª parte, da discussão do recurso, interposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, quanto à admissão da proposta de lei n.º 120/II, e, na 2.º parte, da continuação da discussão das propostas de lei n.º 100/II e 103/II.
Está encerrada a sessão.
Eram 24 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Adriano Silva Pinto.
António Vilar Ribeiro.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Francisco de Sousa Tavares.
José Augusto Santos Silva Marques.
José de Vargas Bulcão.
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Joaquim Pita Guerreiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Centro Democrático Social (CDS)
Hélio Castro Pereira.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Partido Comunista Português (PCP)
Artur Manuel M. Rodrigues.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Maria D'Aires Sande Silva.
Maria Odete dos Santos.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Partido Socialista (PS)
António José Vieira de Freitas.
Carlos Cardoso Lage.
Etelvina Lopes de Almeida.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Centro Democrático Social (CDS)
João António de Morais Leitão.
Os REDACTORES DE 1.º CLASSE: Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz.
Declaração de voto enviada para a Mesa e relativa à proposta de alteração ao artigo 124.º da Constituição
l - Votámos contra a proposta de alteração ao artigo 124.º da Constituição apresentada por Deputados da Aliança Democrática por este voto ser o único compatível com o nosso entendimento dos princípios da independência nacional e de liberdade e igualdade eleitorais. Votámos contra, tendo em conta a natureza unipessoal do cargo e as funções específicas do Presidente da República.
O princípio da independência nacional - da independência do Estado Português no seu sentido próprio e complexo - não se compadeceria com a atribuição do direito de sufrágio a milhões de portugueses, vivendo no estrangeiro, afastados dos problemas concretos do país e eventualmente sujeitos às pressões sociais e políticas dos países em que se encontram: são tantos que poderiam até ser mais do que os portugueses residentes em Portugal (aqueles sobre que, ao fim e ao resto, irão recair imediatamente as opções do Presidente a eleger); e com a Lei n.º 37/81 ainda mais serão, porque doravante (e bem) ninguém será privado senão por sua vontade da cidadania portuguesa. Do mesmo modo, o principio - essencial para um regime democrático - da liberdade e igualdade eleitorais só pode ser assegurado plenamente
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em território sobre que Portugal exerça autoridade efectiva. Como admitir uma eleição democrática do Presidente da República que fosse decidida por cidadãos residentes em países onde não pudesse decorrer uma campanha eleitoral nos termos da Constituição? Certo, poderá alegar-se (e tem sido alegado) que destes princípios deveria resultar logicamente a não atribuição de sufrágio aos emigrantes na eleição da Assembleia da República. Mas não é assim, porquanto não pode ser obliterada a nítida diferença entre os dois órgãos.
O contra-argumento apenas seria pertinente se a Assembleia da República não fosse um órgão colegial e se a Constituição prescrevesse uma correspondência estrita entre o número de eleitores e o número de Deputados a eleger pelos portugueses residentes no estrangeiro. Ora, bem pelo contrário, tal correspondência ou proporcionalidade não vale senão para os círculos do território nacional (artigo 152.º, n.º 2) e só vale, exactamente pelas mesmas razões por que os portugueses residentes no estrangeiro não devem votar na eleição presidencial (como sublinhou o primeiro signatário desta declaração de voto, na Assembleia Constituinte: v. Diário n.º 113, pág. 3725).
É completamente diverso eleger 4 ou 6 ou 8 ou 10 Deputados em 250 ou eleger, sem qualquer possibilidade de distinção ou atenuação, o Presidente da República.
Nem, muito menos, se invoque incongruência de soluções. Há diferenças objectivas ligadas ao estatuto próprio do Presidente da República.
As regras especificas sobre capacidade eleitoral activa do artigo 124.º têm de ser pensadas em conjunto com as regras particulares que, simultaneamente, se estatuem sobre elegibilidade e reelegibilidade, juramento, ausência do território nacional ou responsabilidade criminal (artigo 125.º; 126.º; 130.º; 132.º; e 133.º; respectivamente). E todas essas regras radicam na noção que hoje mesmo inserimos no artigo 123.º: «O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade de Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas».
2 - Agora a proposta apresentada pela Aliança Democrática, poderia ainda haver outra orientação capaz de, com respeito pelos princípios atrás referidos, vir a ser sustentada: aquela que consistiria em os cidadãos recenseados no estrangeiro votarem na eleição do Presidente, desde que o fizessem em território nacional. Seria uma forma limitada ou incipiente de participação (reconhecemos) e, talvez geradora de desigualdades (entre emigrantes residentes em países situados perto ou longe de Portugal). Poderia, porém, ser experimentada e, por isso, poderia ser admitida por lei (cfr. Jorge Miranda, Um projecto de revisão constitucional, Coimbra, 1980, pág. 106-107).
3 - A terminar, quereríamos frisar que a não concessão de direito de sufrágio aos emigrantes na eleição presidencial não significa menos apreço pela sua participação na vida pública e não significa que formas de compensação ou de superação não existam ou não possam ser defendidas.
A nosso ver, a representação dos emigrantes na Assembleia da República dificilmente poderá deixar de ser pouco mais do que simbólica (até porque, a não ser assim, teríamos um Parlamento encarregado de legislar para Portugal formado por um terço ou metade dos Deputados ou mais eleitos por colégios de fora do país).
Mas não se esgotam aqui os direitos políticos dos emigrantes. Por um lado, poderão e deverão ser reforçados e dinamizados dois institutos criados por lei há algum tempo. São as comissões consulares de emigrantes e o Conselho das Comunidades Portuguesas (este, porventura susceptível de eleger um membro do futuro Conselho da República).
Por outro lado, deverão envidar-se esforços para que (na linha de projectos em estudo no Conselho da Europa ou preconizados por vários partidos europeus) os emigrantes portugueses possam intervir nas eleições locais nos países em que trabalham e, desta maneira, possam contribuir activamente para a resolução de problemas imediatos das suas vidas quotidianas (habitação, transportes, escolas, etc.).
Isto mesmo sem esquecer a Convenção de Brasília sobre igualdade de direitos de portugueses e brasileiros e possíveis instrumentos internacionais semelhantes.
Os caminhos da participação são múltiplos. Falta procurá-los e efectivá-los com imaginação e vontade política.
Lisboa, 7 de Julho de 1982. - Os Deputados do Partido da Acção Social Democrata Independente: Jorge Miranda - Magalhães Mota - Vilhena de Carvalho - Dias de Carvalho.
Declaração de voto do Sr. Deputado Fernando Condeno (PSD) relativa à votação de uma proposta de aditamento da AD de uma nova alínea n) ao artigo 136.º:
Votei a favor, porque penso que deve ser o Presidente da República a determinar o referendo, sendo certo que esta competência, em face do artigo 113.º, n.º 2, lhe tinha de ser expressamente atribuída no texto constitucional.
Considero, no entanto errado que a AD tenha deixado cair os artigos 142.º e 287.º do seu projecto que regulavam os termos em que poderiam ser desencadeados, quer o referendo político, quer o referendo de revisão constitucional o que faria deixar tudo, sobre os tipos, competência de iniciativa e processo referendário para lei ordinária, dado que, tendo este instrumento de democracia directa alguns perigos, designadamente pela possibilidade de utilização arbitrária e transformação em plebiscito, se impunha constitucionalizar regras mínimas que ficariam indisponíveis a maiorias simples, ocasionais e alternantes.
Os termos propostos pela AD poderiam não ser os mais correctos, mas, abertos a alterações que se impusessem, não pode deixar de se reafirmar a democraticidade ôntica deste meio de intervenção dos cidadãos na vida pública.
A complexidade dos Estados modernos impõe que as decisões se tomem normalmente por mediação das instituições representativas, mas a necessidade de poder dispor, em situações excepcionais, deste instrumento de consulta directa dos cidadãos tem sido reconhecida, em Portugal e no estrangeiro, onde o referendo é expressamente consagrado nas constituições italiana de 1947, francesa de 1958 e espanhola de 1978, sendo certo que outros países utilizam apesar das respectivas constituições o não preverem, embora se tenha de reconhecer que, à excepção da Suíça, não há grandes tradições do seu uso frequente.
Para garantir a sua autenticidade, essencial é pugnar por que os termos do processo referendário com as devidas cautelas, em lei especial, feita pela Assembleia
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da República, em termos que mereça a concordância de uma maioria qualificada da mesma e que não ponha em causa a oportunidade de todas as forças políticas, pelo menos, as que tenham representação parlamentar, poderem emitir as suas posições e influenciar a decisão final, tal como se se estivesse perante um processo eleitoral, em termos propiciadores de um debate político geral, público e suficiente.
Não pode acreditar-se que democratas autênticos sejam contra o referendo enquadrado nos termos expostos, pelo que só razões de conjuntura explicarão que ainda desta vez, o instituto não tenha obtido, expressa ou implicitamente, consagração constitucional, o que não deixa de ser lamentável, uma vez que ele permitiria responder não só a situações extremas de bloqueamento na sociedade portuguesa, mas também à necessidade que os titulares dos órgãos representativos, por vezes, sentem de, em matérias de importância e melindre especial, normalmente não previstos em programas eleitorais e, por isso, sem opção sufragada, devolverem aos eleitores a emissão directa da sua vontade.
Em coerência com aquilo que o PSD defendeu ontem, o voto de hoje não pode deixar de significar um empenhamento de luta no amanhã. Com este sentido útil, votei favoravelmente a proposta residual da AD.
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