O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 65

Quarta-feira, 30 de Março de 1988 II Série - Número 5-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 3

Reunião do dia 16 de Março de 1988

SUMÁRIO

Iniciou-se a discussão do 2.º relatório da Subcomissão da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, respeitante aos artigos 12.° a 23.º da Constituição e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente em exercício, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), José Magalhães (PCP), Helena Roseta (Indep.), António Vitorino (PS), Sottomayor Cárdia (PS), Costa Andrade (PSD), Herculano Pombo (PEV), Jorge Lacão (PS), Raul Castro (ID), Alberto Martins (PS), Miguel Macedo e Silva (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).

Página 66

66 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, já vos devem ter sido distribuídos os primeiros relatórios da Subcomissão. Há ainda mais alguns que estão a ser preparados e que não houve oportunidade de dactilografar e, consequentemente, distribuir, mas já lemos na nossa posse material suficiente para esta e mais algumas reuniões.

Ora, de acordo com aquilo que tínhamos combinado, o l.fi relatório, respeitante aos artigos 1.° a 11.°, foi distribuído, mas não será, porem, objecto desta nossa reunião de trabalho. Ficará, pois, para o fim o relatório que abrange o preâmbulo e os preceitos relativos aos princípios fundamentais.

Deste modo, iríamos iniciar as nossas actividades com a discussão dos princípios gerais contidos nos artigos 12.° e seguintes.

Trata-se, como também acordámos, de fazer naturalmente uma leitura comentada, que permitirá a discussão, a defesa dos pontos do vista dos proponentes e as perguntas que VV. Exas. entenderem por pertinentes, mas não procederemos a nenhuma votação. Quando muito, se for caso disso, poderemos ir identificando as questões que não oferecem controvérsia, como sejam as respeitantes àqueles artigos que nem sequer são objecto de nenhuma modificação, bem como os problemas que advêm de uma redacção deficiente, a fim de nos facilitar o trabalho de fundo.

Antes de iniciarmos a leitura desse relatório, gostaria de referir que está distribuído o borrão relativo à acta n.° 1, que ainda não tive oportunidade de ler, bem como certamente VV. Exas. Todavia, agradecia que fizessem chegar até sexta-feira de manhã os comentários que eventualmente vos ofereça o texto acerca da existência de alguma inexactidão que não tenha correspondido àquilo que se passou na reunião, a fim de não atrasarmos a publicação.

Portanto, se VV. Exas. estivessem de acordo, iríamos então iniciar a nossa leitura pelo primeiro título da parte I, ou seja, dos direitos e deveres fundamentais. Trata-se, pois, do artigo 12.°, cuja epígrafe é "princípio da universalidade" e sobre o qual há apenas uma proposta da aditamento ao n.° 2, apresentada pelo CDS, que e do seguinte teor:

2 - As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, de acordo com a Constituição e com a lei.

Segundo penso, não está presente o Sr. Deputado do CDS, para vos dar a justificação do que propõe acrescentar ao n.º 2 do artigo 12.º No entanto, o aditamento à redacção inicial e compreensível por si.

Entretanto, se VV. Exas. estivessem de acordo, passávamos adiante na discussão dos preceitos que se seguem. Na hipótese de o Sr. Deputado chegar...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, o problema e que precisávamos dessa explicação, porque não estou a ver bem a justificação do acrescento.

Portanto, estou também de acordo que se aguarde a vinda do representante do CDS.

O Sr. Presidente: - Na verdade, a explicação é tão necessária que é melhor aguardar a sua presença.

Vamos então passar à análise do artigo 13.°, cuja epígrafe é "Princípio da igualdade".

Temos, em primeiro lugar, uma proposta de substituição do n.° 2 do artigo em causa, apresentada pelo PCP.

Entretanto, proporia a VV. Exas. que seguíssemos a ordem da apresentação dos projectos de revisão, por me parecer mais simples esta metodologia.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O primeiro projecto foi o apresentado pelo CDS.

O Sr. Presidente: - No entanto, no relatório da Subcomissão o PCP está em primeiro lugar.

Vozes.

Vamos então, seguir a ordem do relatório da Subcomissão, por uma questão de facilidade. Faço notar a VV. Exas. que não há na Comissão nenhuma diferença em lermos partidários, pelo que se deve apenas seguir a ordem de apresentação constante do relatório da Subcomissão. Ora, neste relatório, refere-se que o PCP acrescenta ao n.° 2 do artigo 13.° a expressão "estado civil", ficando, pois, com a seguinte redacção:

Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, estado civil, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

Suponho, portanto, que a única diferença do texto inicial é o aditamento da expressão "estado civil", como, aliás, já linha referido.

Perguntaria, pois, ao PCP se está correcto o que acabei de dizer.

Vozes.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, na p. 25 da colectânea elaborada pelos serviços da Assembleia não é o PCP que altera o n.° 2 do artigo 13.°, mas sim o PEV, cujo projecto de lei de revisão constitucional tem o n.º 8/V. Deste modo, ou a colectânea ou o relatório tem uma gralha.

O Sr. Presidente: - Um momento, Sra. Deputada, vamos consultar a Bíblia!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Deve ser o relatório que está mal e não a colectânea, porque julgo que foi a Sra. Deputada Maria Santos que propôs essa alteração.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, desejo referir que o PCP começou por afirmar claramente que não apresentou, quanto ao artigo 13.°, uma proposta de

Página 67

30 DE MARÇO DE 1988 67

alteração do n.° 2, mas sim uma proposta de aditamento de um n.° 3 ao referido preceito constante do seu projecto de lei da revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Portanto, Srs. Deputados, a proposta de alteração do n.9 2 do artigo 13.°, há pouco lida, é da autoria do PEV.

Tem a palavra a Sr.8 Deputada Helena Roseta.

A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, penso que posso fazer apresentação conjunta dos projectos de lei de revisão constitucional n.º 5/V e 6/V, que num ponto são idênticos ao n.° 8/V- De facto, o aditamento, no n.° 2 do artigo 13.°, da expressão "estado civil" é comum aos três projectos que acabei de referir.

Poder-se-á perguntar por que é que se colocou essa expressão no n.° 2 do artigo 13.° Direi, tão-só, que é evidente estar garantida na Constituição a igualdade perante os sexos, mas que as pessoas que mais lidam com problemas de discriminação contra a mulher sabem que muitas vezes ela não se verifica apenas em função do sexo, mas lambem do estado civil. Há, de facto, uma atitude cultural ainda um pouco obsoleta que discrimina as pessoas em função do estado civil, não apenas as mulheres, mas, muitas vezes, as mulheres. Refiro-me à situação das divorciadas, das viúvas, etc., que aparecem com dificuldades concretamente no mercado de trabalho e em outros sítios. É, porem, evidente que isso não tem qualquer base legal, mas que e uma questão cultural.

Perante isto, pensámos que seria importante a Constituição consagrar esta não discriminação em função do estado civil, para dar dignidade a essa mesma igualdade, que queremos que seja total e ampla.

Ora, a ideia de acrescentar essa expressão ao n.º 2 do artigo 13.º nem foi individualmente minha nem do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia ou da Sra. Deputada Maria Santos, no respeitante, neste caso, ao projecto de revisão apresentado pelo PEV, mas sim das próprias organizações de mulheres, que, em audiência com a Comissão Parlamentar da Condição Feminina, sugeriram este inciso no texto constitucional. Posteriormente, tornei-me porta-voz dessa pretensão, com o conhecimento da comissão parlamentar que acabei de referir, dando também conhecimento à Sr." Deputada Maria Santos, que faz igualmente parte dela. Portanto, e esta a razão da inclusão dessa expressão. Sc, entretanto, VV. Exas. quiserem, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia poderá explicar o outro inciso constante do referido n.° 2 do artigo 13.° dos projectos de lei de revisão constitucional n.ºs 5/V e 6/V, que e a expressão "atitude perante a religião".

Neste momento poderíamos discutir a questão da inclusão da expressão "estado civil" e depois a outra, ou então como o Sr. Presidente quiser.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Exas. querem lazer alguma observação sobre a matéria relativa ao "estado civil"?

Pausa.

Aliás, penso que a explicação foi suficientemente clara para se perceber a razão da mesma.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, quero somente esclarecer-me um pouco acerca da ideia da Sra. Deputada Helena Roseta. Sc percebi, a proposta de alteração justifica-se para proibir a discriminação que hoje em dia existe em relação a situações de união de facto.

A Sr.1 Helena Roseta (Indep.): - Não necessariamente, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Então, a que outro tipo nos estamos a referir, Sra. Deputada?

A Sra. Helena Roseta (Indep.) - Ao problema que advém, por exemplo, das situações de divórcio, que estão perfeitamente permitidas à luz da nossa legislação, mas que depois, na prática, acarretam discriminações.

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, para tentar perceber, e juntando-me à pergunta do Sr. Deputado António Vitorino, quer dizer que...

A Sra. Helena Roseta (Indep.) - Segundo penso, a união de facto não é propriamente um estado civil, pelo que não é disso que se trata.

O Sr. Presidente: - Portanto, a sua ideia é a de que, a inscrever no n.° 2 do artigo 13.° a expressão "estado civil", há como que um reforço que ultrapassa o simples normativo, porque esse já está conseguido na legislação civil, onde existe uma perfeita igualdade, pois não há discriminação em função do estado das pessoas. No entanto, não é essa melhoria que se pretende implementar, mas sim aperfeiçoar a matéria de facto do tipo de conformação das relações sociais.

A Sra. Helena Roseta (Indep.) - É um pouco isso, Sr. Presidente.

No entanto, é evidente que é um tanto ou quanto redundante, uma vez que comecei por dizer que já está consagrada a igualdade, mas que pode ser importante em determinadas situações, em relação às quais a Constituição consagra explicitamente que não pode haver discriminação em função do estado civil. E temos conhecimento - aliás, a Comissão Parlamentar da Condição Feminina foi alertada para isso - de situações, designadamente no mercado de trabalho, em que o estado civil, sobretudo das mulheres, é muitas vezes uma forma de fazer discriminação. Seria, pois, importante para elas que isto ficasse claro e aceite constitucionalmente, ou seja, que fizesse parte daquele conjunto de normas que todos aceitam sem discussão.

O Sr. Presidente: - O que significa que VV. Exas. aceitam plenamente que este artigo lenha efeitos nas relações privadas entre os cidadãos.

Poderíamos então passar à explicação da inclusão da expressão "atitude perante a religião".

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Determina o artigo 13.º da Constituição que ninguém pode ser positiva ou negativamente discriminado "em razão de [...] religião". Todos vi bem os que, através de tal fórmula, quis o legislador constituinte proibir qualquer desigualdade de direitos ou obrigações por motivo de opinião, crença ou prática religiosa, não religiosa ou anti-religiosa.

Para nós, intérpretes temporalmente próximos dos trabalhos constituintes, esse entendimento é evidente e incontroverso. Sabemos também que o dispositivo legal radica no princípio da liberdade de consciência; sabemos que em 1976 diversa não poderia ler sido a vontade do legislador,

Página 68

68 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

sabemos que assim é e sempre foi unanimemente interpretado; sabemos que outra não 6 a razão da norma; sabemos que essa é não só a vontade do legislador constituinte, mas a vontade da própria lei constitucional.

Todavia, esta pode não ser a única interpretação literal. Não é seguro que um dia algum hermeneuta, quer actualista quer formalista, não produza exegese restritiva do preceito. E não podemos sequer garantir que em tal exegese se não invoque, contrariamente ao que sabemos ser a vontade da lei, o artigo 41.° para sustentar que o interesse protegido é apenas o que materializa em "convicções e práticas religiosas", sem idêntica salvaguarda de convicções e práticas não religiosas ou anti-religiosas. De facto, não ser religioso ou ser anti-religioso é direito tão fundamental das pessoas como ser religioso.

A questão pode hoje parecer bizarra, pretensiosa, quiçá filosófica. Pode até ofender o senso jurídico da nossa contemporaneidade. Pode afigurar-se irrelevante ou até impossível, pressupostas que sejam singelas exigências de lisura intelectual. E, todavia..., todos lemos notícia da frequente tentação de, com fundamento em mera correlação de forças, incorrer no que o Sr. Deputado Adriano Moreira gosta de chamar "normas semânticas". Até porque não é certo que o senso jurídico dos nossos descendentes seja idêntico ao nosso, nem que os nossos critérios de lisura intelectual se tornem definitivos e irreversíveis.

Pode, por exemplo, ocorrer que o conceito de liberdade religiosa volte a ser entendido apenas como ausência de coacção e não como ausência de discriminação, como ainda o era na letra da declaração Dignitatis Ilumanae, do Concílio Vaticano II (1965). Pode, por exemplo, acontecer que um germe de mudança hermenêutica flua do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho, e da Portaria n.º 831/87, de 16 de Outubro, do actual Ministro da Educação.

Aliás, em rigoroso ensaio de exegese constitucional, um especialista tão autorizado e conhecedor da matéria como o padre Amónio Leite declara explicitamente que "o estado [...] deve ser respeitador e até favorecedor da vida religiosa dos cidadãos". Respeitar a vida religiosa dos cidadãos é obviamente dever do Estado. Não se entende, todavia, como possa favorecê-la sem necessariamente desfavorecer análogo valor da vida de outros cidadãos. O tema merece reflexão, mesmo que se não atribua qualquer alcance jurídico, mas unicamente ideológico, à afirmação subsequente de que "o Estado deve ser vitalmente cristão, ainda que não oficialmente confessional" (Estudos sobre a Constituição, vol. II, pp. 302-303, Lisboa, 1978).

Pode, em suma, voltar a pensar-se, e independentemente de qualquer adesão a uma precisa religião positiva ou sequer a uma precisa religião natural, que, na ordem axiológica da nação portuguesa, ser religioso é mais do que não ser religioso ou ser anti-religioso. Porque não queremos que tal seja algum dia o pensamento interpretativo de um tribunal ou a vontade de um legislador, temos agora oportunidade de deixar consignado no texto constitucional que ninguém será privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por motivo de religião ou atitude perante a religião. Pormenorizada como é, a Constituição acolherá, sem incoerência de estilo, tão concisa precisão. Diversa não é a razão de ser da proposta de aditamento que apresentei ao artigo 13.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, o meu pedido de esclarecimento vai no sentido de saber, não colocando em causa o bem fundado da intervenção que o Sr. Deputado acaba de fazer, o que é que, no entendimento de V. Exas., esta nova formulação acrescenta no campo pragmático dos direitos fundamentais que a Constituição ainda não garanta. Convinha, pois, antes de outras considerações que eventualmente se façam, que ficasse claro o que é que de útil pode trazer esta nova formulação.

De facto, em relação à expressão "estado civil", e independentemente das posições que venhamos a tomar, verificamos que ela tem um conteúdo útil, pois desse modo a norma acrescenta algo, traz novidade e o ordenamento jurídico fica mais rico.

Entretanto, com essa outra formulação, permito-me perguntar-lhe de novo em que é que a ordem jurídica, independentemente das questões de estilo e de palavras, no aspecto da espessura dos direitos das pessoas em razão da religião, resulta enriquecida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, a pergunta é, de facto, muito pertinente.

O que procurei dizer na minha intervenção foi que esta proposta nada acrescenta do ponto de vista normativo, apenas clarifica o que está já adquirido. Esta é hoje a interpretação unânime.

Na verdade, o que a nova formulação desautoriza é a eventualidade de, em futuras interpretações, ser dado entendimento restritivo. Foi por isso que tomei a liberdade de citar, a título de exemplo, alguns factos que poderão indiciar a adopção futura e eventual de uma interpretação restritiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nas conversas que efectuamos neste momento não estamos ainda a tomar, obviamente, uma posição definitiva. De facto, procuramos o esclarecimento mútuo sobre o significado e o alcance das propostas de alteração que são apresentadas.

Entretanto, já perguntei - e mantenho esta dúvida, por ser um ponto importante- se em matéria de direitos fundamentais vamos ou não esclarecer ou redigir os textos de maneira a resolver um problema importante, que formulei há pouco, em termos de efeitos nas relações entre os particulares entre si, tal como usei a expressão conhecida na dogmática alemã por Dritwirkungen. No entanto, isso tem uma outra formulação e uma outra importância.

Daí perguntar o seguinte: o vosso entendimento vai também no sentido de que, para alem do rigoroso cumprimento do princípio da não discriminação em termos amplos, como, aliás, tem vindo a ser comummente interpretado o artigo 13.° da Constituição, nas relações de facto, isto é, nas que não estão ao nível da formulação das normas jurídicas, o Estado deve ter uma atitude fiscalizadora e interveniente? Em caso afirmativo, interessaria igualmente ver como é que isso se pode realizar, ou seja, através de que instrumentos e meios é que se poderia verificar esse papel interveniente ou fiscalizador do Estado. Estou a referir-me às relações em que o Estado não intervém, pois passam-se na sociedade civil, ou seja, para alem da Administração Pública - aqui isso está naturalmente fora de causa, uma vez que o princípio dos efeitos, em relação a terceiros, dos direitos fundamentais não se coloca neste âmbito.

Devo dizer a VV. Exas. que não pretendo que isso se discuta agora, mas que é certamente um ponto importante para determinarmos o alcance e as consequências das

Página 69

30 DE MARÇO DE 1988 69

inovações apresentadas, sem o que a discussão ficaria depois amputada de alguns aspectos extremamente importantes. Aliás, vamos ter oportunidade de ver mais adiante outros pontos onde o mesmo problema se coloca com igual agudeza.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quero somente perguntar - e isto para evitar aquilo que nesta formulação me pareceria de algum modo uma repetição - se a segunda expressão "atitude perante a religião" não dispensava melhor a primeira do que esta a segunda. E coloco esta questão por julgar que todas as clarificações são úteis, como é óbvio, mesmo que pareçam redundantes.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Propõe V. Exa. que fique só a expressão "atitude perante a religião"?

O Sr. Almeida Santos (PS): - É uma hipótese.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Penso, na verdade, que a religião é uma atitude perante a religião, mas não faria essa proposta.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, a expressão "atitude perante a religião" abarca tudo, ou seja, ser ou não religioso, combater a religião, ser agnóstico, etc.

Se colocarmos as duas expressões, verificar-se-á uma duplicação inútil.

Deste modo, pergunto se, apesar de tudo, os proponentes admitem que, em vez da expressão "religião, atitude perante a religião", fique só a formulação "atitude perante a religião", que já abrange as duas. Penso que isso seria mais fácil de aceitar.

Pergunto ainda se não receiam que a menção da expressão "estado civil" como fonte de não discriminação possa vir a inconstitucionalizar leis que já existem para proteger os casais em matéria fiscal, de crédito, ete, e que se verifique o mesmo em ralação a outras formas de protecção que venham a existir, como seja o apoio legal às pessoas casadas, mas não àquelas que o não são, sendo também certo que, para quem é solteiro, podem também justificar-se estímulos. Tudo depende da política demográfica que se adopte. Sc adoptarmos um ponto de vista neomalthusiano, iremos provavelmente preocupar-nos em estimular o celibato e não o casamento.

Em suma: questiono se os proponentes não receiam que isso venha a inconstilucionalizar leis que já vigoram ou que no futuro possam revelar-se necessárias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma pequena observação relativamente à proposta da autoria do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia sobre esta questão da inclusão da expressão "atitude perante a religião" no dispositivo legal do n.º 2 do artigo 13.°

De facto, parece-me que aquilo que o Sr. Deputado pretende acautelar - e isso resulta do que acaba de expor - é uma eventual e futura interpretação restritiva relativamente à liberdade de religião. Julgo que esta interpretação, que pretende acautelar, fica sempre salvaguardada pelo sistema em que se insere todo o conjunto dos direitos fundamentais e, designadamente, pelo direito de liberdade de consciência.

Ora, além dessa inutilidade patente que me parece existir, esse acrescentamento tem aquilo que me faz sugerir a ideia de efeito nocivo. De facto, esta aclaração pode obrigar a novas aclarações, porque, se vamos falar nesta sede em técnica de interpretação, poder-se-á dizer que, se o legislador constituinte quis aqui aclarar e discriminar, então não pretendeu o mesmo em relação a outros índices possíveis de tratamento discriminatório. Por exemplo, não quis aclarar a atitude perante as convicções políticas ou ideológicas ou a atitude perante a raça. E tenho a impressão, repito, de que se cria daqui um efeito nocivo relativamente a essa aclaração que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia pretende introduzir no texto actual.

Resumindo, a inutilidade, para efeitos de prevenção, de uma atitude interpretativa no sentido de uma restrição futura acautelada pelo sistema e pela garantia do direito fundamental de liberdade de consciência e a eventualidade de uma interpretação multiplicadora dão ideia de que o legislador constituinte, ao querer fazer uma nuance no respeitante à religião e à atitude perante ela, esqueceu ou pretendeu esquecer a atitude face a outros índices possíveis de discriminação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero dizer a VV. Exas. que estamos a fazer um ensaio, pois ainda vamos na discussão dos primeiros artigos. Daí pensar, sem pretender cortar a palavra a ninguém, que devemos não descer a uma análise tão minuciosa que signifique já o encerramento prático do debate. De facto, iremos ter ainda uma segunda leitura.

Portanto, convém esclarecer quais são os problemas que se colocam. Aliás, pareceram-me muito pertinentes as observações que até agora foram produzidas nesse sentido, mas talvez não tenhamos de proceder a uma análise exaustiva do problema.

Tem então a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Em primeiro lugar, responderia muito sucintamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

A questão da inclusão no normativo constitucional do n.° 2 do artigo 13.° da expressão "atitude perante a religião" leva-me a dizer que, se a proposta apresentada por V. Exa. for mais fácil de aceitar pela Comissão do que a minha, não há objecção da minha parte. A proposta apresentada pelo Sr. Deputado Almeida Santos acolhe plenamente a minha.

Todavia, embora apenas por motivo psicológico, não sei se ela é mais fácil de aceitar do que a minha. Se for, não lenho -repilo- objecção a fazer. Em todo o caso, significarão necessariamente e sempre o mesmo. Também se poderia dizer, então, que se devia retirar tanto "religião" como "atitude" e escrever, por exemplo, "liberdade de consciência". Seria outra hipótese.

Diz a Sra. Deputada Assunção Esteves, se bem entendi, que aclarar este ponto e não aclarar outros pode contribuir para deixar menos claro o conteúdo de outros pontos. Salvo erro, referiu dois - os direitos políticos e a questão da não discriminação por motivo da raça - que já estão expressamente mencionados no artigo. É precisamente porque já aí está explícita a referência à raça, bem como a referencia a convicções políticas, que não valerá a pena aclarar. Desculpe, mas certamente interpretei mal a sua pergunta. Se deseja interromper-me, faça favor, Sra. Deputada.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, trata-se exactamente da mesma questão que pretendo referir em relação à religião. A atitude perante as convicções

Página 70

70 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

políticas ou ideológicas ou perante a raça seria uma forma de aclaração, um atributo a acrescentar a estes índices possíveis de discriminação, que, por omissão relativamente à possibilidade de se fazer aqui incluir a atitude perante a religião, faria pensar que onde o legislador quis de facto discriminar ou distinguir assim o fez e que o resto não quis distinguir e não o fez, pelo que o intérprete tem de se sujeitar a essa não distinção.

Portanto, cria-se um efeito perverso com esta aclaração e com este atributo, o que, em minha opinião, é óbvio.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS):-Do meu ponto de vista, toda a atitude perante o fenómeno político constitui uma convicção ou opinião política, mas nem toda a atitude perante a religião é ou resulta, ou pressupõe, ou significa uma atitude religiosa, e, porque assim e, afigura-se-me que não têm procedência as considerações que foram produzidas.

Relativamente à segunda questão, que foi colocada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, não é minha intenção inconstitucionalizar as disposições legais a que fez referencia. Não e essa a intenção, mas a Sra. Deputada Helena Roseta responderá de forma mais precisa a esse ponto.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não estamos a ouvir o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado lerá de falar um pouco mais alto, mas também devo dizer que de vez em quando há um sussurro, um pano de fundo sonoro, que perturba as intervenções dos nossos colegas que usam da palavra.

Tem a palavra, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Já tinha terminado, Sr. Presidente.

Risos.

O Sr. Presidente: - Foi exactamente por não se ter ouvido bem que não nos apercebemos de que já linha terminado.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que há aperfeiçoamentos possíveis nesta área. Nós próprios, em outra sede, sobre o artigo 41.º, temos uma sugestão que nos parece ser de alguma utilidade. A questão da liberdade religiosa não é entre nós um edifício tão inteiramente acabado que devamos indisponibilizar para considerar aperfeiçoamentos, discussão, a apresentação e o subsequente debate já feito. Quanto a mim, isso permite fazer algumas triagens e separar aquilo que são receios e apreensões legítimas de outros que não nos pareçam grandemente fundados, isto é, não temos nenhum preconceito - gostaria de declarar isso - em relação às aclarações. Aliás, diversos partidos apresentam sugestões e propostas de aclaração, algumas bastante perversas em si mesmas e não como efeitos indirectos, ao passo que em relação a outros isso não acontece.

No caso concreto, não nos preocupa a questão do argumento a contrario que aqui foi brandido. Estamos no âmbito da revisão constitucional e não no da legislação ordinária e, portanto, aquilo que o argumento a contrario permite nesta sede e bastante mais limitado do que aquilo que pode permitir noutras sedes, ainda que obviamente, não seja irrelevante. Aquilo que o legislador constituinte ou de revisão constitucional quis clarificar, por razões fundadas, quis, "ponto parágrafo", e mais nada! Daí não se retira a contrario "coisíssima" nenhuma em regra, salvo se houver suporte - e aqui suponho que não existirá e que estaremos todos carreando o material bastante para que isso fique certo.

Porém, há uma outra questão que nos preocupa. Trata-se da questão da necessidade, desde logo, da aclaração e, depois, da sua adequação e de não exceder os próprios limites do pensamento com que é aduzida. Neste caso concreto, e tanto quanto me pareceu, a preocupação do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia não era a de todas as dimensões da liberdade religiosa. Tratava-se, suponho, de uma certa dimensão dessa liberdade, isto é, a preocupação, tanto quanto percebi, era a de conseguir uma fórmula bastante ou um pouco mais abrangente, que adiantou por aditamento, embora pudesse não o ter feito. Poderia eventualmente tê-lo feito por substituição da fórmula actualmente constante do texto constitucional, que permite situar aqueles fenómenos em torno da questão da religião - e não digo da questão religiosa- em si mesma, os "sins" e os "nãos" e não só os proselitismos religiosos, como também as atitudes anti-religiosas ou aquelas que, na vasta gama de comportamentos possíveis, são possíveis de delinear em relação à religião. Sc assim for, então a sugestão do Sr. Deputado Almeida Santos poderia comportar todas as vantagens me parecem estar no espírito do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, som comportar qualquer dos inconvenientes que pareciam comportar a bancada do PSD, designadamente quanto às famosas interpretações a contrario e outros aspectos, porque assim situaríamos apenas a questão da tutela constitucional das várias atitudes - e, sublinho, todas as atitudes - possíveis face ao fenómeno religioso. Aí a questão da garantia do Estado, colocada pelo Sr. Presidente, já se coloca em termos distintos, visto pôr-se "precisissimamente" nos mesmos termos em que se coloca hoje, face a todos os elementos constantes do artigo 53.°, todos "exactissimamente" no mesmo plano, sem outras implicações que não rigorosamente as mesmas que são as que constam daquilo que numa hermenêutica razoável do artigo se alcança sempre.

Gostaria só de sublinhar que não me parece que possamos adoptar como ponto de vista nesta sede, sempre ou como preocupação dominante ou absorvente, o hermeneuta aberrante, o povo destituído de bom senso, os governantes acéfalos ou o pior dos interpretes possíveis e que, portanto, as cautelas a adoptar hão-se ter, apesar de tudo, o proviso de que - não vou citar o Código Civil e, portanto, a presunção de que o legislador soube encontrar sempre a melhor, mais atilada, positiva e correcta das soluções possíveis - pelo menos não existe o raciocínio absurdo e a restrição arqui-inconstitucional por parte do legislador, o que é uma questão que, felizmente, não está colocada no quotidiano português e, suponho, não estará colocada no futuro. Porém, a questão que coloco ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e a seguinte: se pensa o que creio que pensa, ou a formulação do Sr. Deputado Almeida Santos exprime em palavras mais rigorosas aquilo que consta do projecto que apresentou ou então existe um equívoco que deve ser esclarecido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, congratulo-me que V. Exa. tenha chamado à colação os artigos iniciais do Código Civil em matéria de hermenêutica, porque, embora a nossa Comissão seja muito poderosa, não poderemos, em todo o caso, jugular as sãs regras da hermenêutica jurídica. Convém não perder isso de vista, mesmo em matéria de interpretações a contrario.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

Página 71

30 DE MARÇO DE 1988 71

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães: Reconheço que a formulação do Sr. Deputado Almeida Santos é mais perfeita do ponto de vista técnico.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Helena Roseta.

A Sr.8 Helena Roseta (Indep.): - Gostaria de responder à pergunta que foi formulada pelo Sr. Deputado Almeida Santos no sentido de saber se a inclusão do "estado civil" neste artigo 13.° não iria inconstitucionalizar algumas leis. Julgo que isso não acontece, embora não tenha feito um levantamento exaustivo. Penso que eventualmente poderá acontecer a inconstitucionalização de algumas portarias ou regulamentos, mas que isso não é grave e que ate será excelente, se acontecer. Temos de progredir em matéria de igualdade efectiva dos direitos consagrados na Constituição.

Posso recordar a prática que tenho destas coisas e alguns exemplos concretos em que isso poderia vir a ocorrer, apenas para tentarmos perceber o mecanismo das coisas. Concretamente em matéria de acesso à habitação ou de distribuição de habitação social e eventualmente em matéria fiscal isso poderia vir a acontecer.

Recordo-vos, contudo, que, por exemplo, em matéria fiscal foi alterado o normativo relativo ao imposto complementar, exactamente por se ter constatado que havia um privilégio devido ao estado civil, o que era incongruente, porque as pessoas divorciadas eram beneficiadas, em termos de imposto complementar, face às pessoas casadas. E o normativo foi alterado para acabar com essa incongruência, que pode dar-se tanto num sentido como noutro.

Cito-vos uma outra experiência concreta que conheço relativamente ao problema do acesso à habitação. É muito frequente, em matéria de habitação social, haver discriminação na distribuição de casas pelas famílias em função da atitude que a assistente social, responsável pela atribuição, tenha perante o problema do estado civil. Se há uma pessoa, com uma certa abertura de vistas, que encara de igual forma os divorciados ou os casados - nem sequer refiro os solteiros, pois apenas me refiro aos divorciados com filhos, embora possa também colocar o problema dos solteiros com filhos -, isso demonstra que a decisão fica ao arbítrio da atitude que tem a pessoa que deve resolver a questão. Ora, o direito à habitação e um direito de toda a gente e o problema deve ser colocado em função do número de cabeças que tem de ser alojado e não em função da atitude que se tenha perante o estado civil.

Já nem estou a chamar à colação a união de facto, como já foi citado, porque ela não e um estado civil. Limito-me, por isso, a chamar à colação a situação de casais divorciados, de mães divorciadas, que ficam com o encargo dos filhos. A legislação já hoje as protege, isto é, toda a legislação do Código Civil e a parte do direito da família, que foi alterada, já protege bastante essas situações, mas, em todo o caso, a verdade e que isto não está consagrado constitucionalmente. Portanto, ainda que viesse a dar-se o caso levantado pelo Sr. Deputado Almeida Santos de isto poder vir a inconstitucionalizar algumas disposições, julgo, pela prática que tenho, que isso viria a inconstitucionalizar eventualmente algumas portarias ou regulamentos e não propriamente legislação. Porém, penso que isso seria excelente, porque permitiria a progressão nesses mesmos normativos.

O Sr. Presidente: - Penso, em todo o caso, que em matéria de hierarquia das leis poderíamos elevar um pouco o nível e provavelmente teríamos mesmo alguns decretos-leis, senão leis, que seriam inconstitucionalizados.

O problema que o Sr. Deputado Almeida Santos colocou parece-me muito importante, mas talvez não valha a pena estarmos aqui a discuti-lo em pormenor. Ao levantar o problema, no qual é o aspecto positivo e não o negativo que interessa, e, por exemplo, se houver uma determinada política em matéria de imposto complementar que favoreça os casais, interessa saber se ela é ou não inconstitucional. Isto é diferente.

A Sra. Helena Roseta (Indep.): - A situação é a inversa.

O Sr. Presidente: - Está bem, mas nessa percebe-se a explicação. A outra é mais complicada.

Todavia, penso que não vale a pena e que não se justifica estarmos agora a descer a uma análise mais pormenorizada. O problema ficou levantado e oportunamente, quando o debatermos em termos de votação, voltaremos à questão, se for necessário.

Já agora, gostaria de dizer, porque pode ser útil em termos de hermenêutica, que nem todas as discriminações são inviabilizadas pelo artigo 13.° Obviamente que só serão inviabilizadas aquelas que não tiverem fundamento.

A Sra. Helena Roseta (Indep.): - E as negativas.

O Sr. Presidente: - Não sei se serão as negativas, e não diria isso por uma questão de cautela.

A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Não esquecer que há discriminações políticas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há um problema no n.º 1, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado, mas quanto ao n.º 2 do artigo 12.°

O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Ainda não chegámos lá. Vamos na proposta do PCP, mais concretamente no n.° 3. Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, Linha pedido a palavra para propor desde logo uma rectificação àquilo que penso ter sido um lapso ou esquecimento no 2.° relatório da Subcomissão.

A Sra. Helena Roseta (Indcp.): - Já foi esclarecido.

O Sr. Presidente: - Exactamente, já foi esclarecido.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Quero também responder ao Sr. Deputado Almeida Santos.

Do nosso ponto de vista, quando propusemos o aditamento da expressão "estado civil" ao artigo 13.º fizemo-lo convictos de que, se por acaso alguma lei - lei, decreto-lei, decreto regulamentar ou seja o que for - vier a ser declarada inconstitucional em razão disto, não advirá mal ao mundo, antes pelo contrário. Como princípio geral.

Página 72

72 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

entender-se que os cidadãos não devem ser discriminados, nem negativa nem positivamente, em razão do seu estado civil e correcto e como tal assumimo-lo.

Faço minhas as palavras da Sra. Deputada Helena Roseta, que, com outra qualidade, explicou anteriormente o assunto.

O Sr. Presidente: - Podemos passar agora ao aditamento de um n.° 3 proposto pelo PCP, nos termos do qual ao texto inicial, que, como sabem, só tem dois números, se adita um n.° 3 do seguinte teor:

Incumbe ao estado garantir o princípio da igualdade, designadamente através da remoção de obstáculos sociais à sua realização.

O PCP gostaria de explicar o sentido da proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito sucintamente, Sr. Presidente, gostaria de dizer que o aditamento proposto visa permitir que à proclamação de um princípio, com a importância que tem na configuração do Estado de direito democrático, se some um aspecto a que, aliás, o Sr. Presidente há pouco concedia particular importância e que é a questão de que a própria garantia da forma, bem como a realização e a concretização desse princípio, há-de ter lugar num determinado quadro social. A ênfase da importância de situar como incumbência estatal não só a garantia do princípio da igualdade proclamada como tal como, a título exemplificativo, a necessidade de se impulsionar a própria remoção de obstáculos sociais, sabido que e nessa área, nesse terreno, que se faz a conquista da igualdade, parece-nos importante - e naturalmente não de per si. A reconstrução da sociedade civil, que não se situa nesse terreno, mas no terreno jurídico e no terreno da arquitectura constitucional do estado de direito democrático, traduz, em todo o caso, uma preocupação que sinaliza da parte da Constituição aquilo que deve ser uma tarefa a executar através dos múltiplos instrumentos que a própria Constituição prevê e, naturalmente, através da acção dos mecanismos próprios.

Esta proposta não passa disto e é apenas um sinal, mas um sinal que nos parece bastante importante num caminho que é pedregoso. Digamos que esta é a proposta que aponta para que essas pedras sejam transpostas com um impulso de que o estado não abdique.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães.

À primeira vista, afigura-se isto quase como uma deslocação sistemática deste n.º 3 do artigo 13.°, porque a incumbência do Estado neste domínio aparentemente estaria melhor se constasse do artigo 9.º, onde se referem as incumbências fundamentais do Estado. A minha dúvida vai no sentido de procurar saber por que é que então não terá sido apresentada uma reformulação de algumas das alíneas do artigo 9.º quanto às incumbências do Estado.

Também gostaria de perguntar ao Sr. Deputado José Magalhães se ele não admite que na alínea b) do artigo 9.º, que é a que comete ao Estado o dever de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do estado de direito democrático, esteja já absorvido o conteúdo essencial e útil deste n.° 3 que agora propõe.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação às preocupações do Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer que é óbvio que a Constituição espalha pelo seu articulado materializações, explicitações, decorrências e sequelas daquilo que é a definição constitucional das tarefas fundamentais do estado. Essas explicitações abundam e não nos parecem despiciendas.

Qual é o conteúdo útil? Terá algum conteúdo útil?

Essa é a razoável pergunta. Creio que tem o mesmo conteúdo útil - e foi isso o que nos levou a apresentá-la - e certas precisões de incumbências que o Sr. Deputado Jorge Lacão encontra em outros artigos da Constituição, designadamente em artigos como os constantes do capítulo li, em relação aos "Direitos e deveres sociais", em que a preocupação de rastreio e definição das incumbências é permanente e materializada em múltiplos dispositivos. Neste caso não fomos tão longe, pois fazemos a definição de uma incumbência geral, fixada ela própria em termos razoavelmente genéricos. Não se quis pesar o texto excessivamente; quis-se não prescindir das outras sinalizações e precisões - apresentamos algumas - e não deixar de fazer aqui uma explicitação daquilo que é uma tarefa fundamental do Estado, enunciada no artigo 9.°, com a redacção que tem ou com aquela que vier a decorrer do debate e das votações que sobre ele se venham a travar.

Aqui asseguraríamos que, independentemente das precisões ou alterações que venhamos a realizar ou que uma determinada maioria venha a realizar quanto ao artigo 9.°, haja em relação a um aspecto capital, que é o aspecto da igualdade, uma explicitação com um grau razoável e em sede própria, que é esta. Ser razoável comporta uma outra ideia, que é a de ser não excessiva. E é por isso que não desenvolvemos o preceito, o que poderia realmente abrir flanco à observação de excesso ou de inserção imprópria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Propõe o PCP que a Constituição diga, no n.º 3 do artigo 13.°:

Incumbe ao Estado garantir o princípio da igualdade, designadamente através da remoção de obstáculos sociais à sua realização.

O núcleo essencial do valor que por essa via se pretende assegurar merece a minha aprovação. Duvido, todavia, que o lugar de inserção do princípio seja o mais adequado e afigura-se-me mesmo que o texto se presta a interpretações perigosas para um correcto entendimento do princípio da igualdade, inclusive para o legítimos interesses e direitos do PCP.

Sabemos que esta proposta radica, de algum modo, na apresentada pelo PCP à Assembleia Constituinte, transcrita na p. 908 do n.º 33 das respectivas actas.

Não entrarei no debate teórico sobre o fundo da questão. É matéria que, desde a Revolução Francesa, pelo menos, tem constituído um dos temas mais dramática e apaixonadamente empolgantes da história do pensamento democrático. Sucessivas gerações de democratas o debateram e

Página 73

30 DE MARÇO DE 1988 73

continuarão a debater. Diversos foram, são e serão os binómios utilizados para o designar. Variáveis, conforme as tradições nacionais, os substratos ideológicos predominantes, os factos que os materializam, a utensilagem filosófica usada. Na linha da precisão conceptual, devida a Isaiah Berlin, é hoje assinalada pela dicotomia liberdade negativa - liberdade positiva. Não vou obviamente expor o meu pensamento teórico sobre o fundo da questão. Procurarei apenas situar a proposta do PCP na razão de ordem do texto constitucional, chamar a atenção para uma conexão decorrente da jurisprudência e propor texto alternativo.

Primeiro, a inserção de tal dispositivo, claramente programático, fragilizaria o alcance vinculativo do artigo 13.º e indirectamente toda a garantia dos direitos de protecção enunciados no título "Direitos, liberdades e garantias". A conceptualização das noções de liberdade civil e liberdade política não deve ser confundida, sob qualquer forma, com o entendimento, necessariamente subjectivo, de quais as condições mais favoráveis e menos favoráveis à realização dos valores teleológicos havidos como subjacentes no plano das diversas ideologias. Não interessa sequer chamar à colação a doutrina do actual Govêrno sobre o binómio justiça-liberdade. Nem imputar ao sistema higeliano a culpa de haver sido adoptado positivamente tanto por Marx e discípulos como por Mussolini e discípulos. Nem o PCP nem nenhum de nós dispõe de qualquer garantia contra a eventualidade de um legislador, distorcendo o dispositivo no plano hermenêutico - e quantas distorções dessas não estarão já ocorrendo -, o fazer aplicar com lesão de legítimos direitos do próprio PCP, a pretexto de que tal lesão constituiria afastamento de um obstáculo à realização da igualdade. Não seria infelizmente a primeira vez na história que formulações de inspiração marxista teriam sido utilizadas como caldo de cultura para a instalação, implantação e consolidação de populismos antidemocráticos.

Aliás o núcleo essencial do valor que o PCP pretende proteger, como disse o Sr. Deputado Jorge Lacão - e peço desculpa de repetir -, encontra-se já consagrado na alínea d) do artigo 9.° da Constituição, através da expressa menção - que aliás se me afigura suficiente - de que e tarefa do Estado promover "a igualdade real entre os Portugueses e a efectivação - sublinho efectivação- dos direitos económicos, sociais e culturais".

Segundo, que - e de outro modo não teria feito esta intervenção - a jurisprudência do Tribunal Constitucional inclui o Acórdão n.° 423/87. Não aprecio neste momento as suas conclusões, que aliás me parecem socialmente convenientes e eventualmente conformes a uma boa política legislativa. Aprecio tão-somente um elemento do raciocínio interpretativo do ilustre relator, o Sr. Conselheiro Monteiro Diniz, que muito admiro como cidadão, intelectual e juiz. Aí se lê:

A dimensão real da liberdade, de todas as liberdades, [...] depende fundamentalmente das situações sociais que permitem ou impedem o seu desfrute existencial como opções reais. A questão deve centrar-se na transformação do conceito de liberdade-autonomia em liberdade-situação, isto e, no significado positivo de liberdade enquanto poder concreto de realizar determinados fins que constituem o seu objecto, não só pela remoção dos entraves que impedem o seu exercício, como também pela prestação positiva das condições e meios indispensáveis à sua realização, [...] A liberdade [...] deve entender-se não como uma mera independência, mas como uma autêntica situação social. [...] O Estado não é um ente alheio aos valores e interesses da sociedade, antes constitui um instrumento ao seu serviço. [...] A neutralidade estatal significa radical indiferença por toda a valorização [...], mas não já enquanto facto constitutivo de uma certa procura social.

Em síntese: "Enquanto dinamizador dos valores e interesses socialmente legítimos que deve garantir e desenvolver", o Estado poderia, sem quebra do princípio de igualdade, proceder às prestações positivas solicitadas pela legitimidade daqueles valores e interesses.

A possibilidade de um tão eminente jurista ter subscrito tal doutrina, não - esclareça-se - a respeito de direitos económicos, sociais e culturais, mas a propósito de direitos, liberdades e garantias pessoais, lançou grande perplexidade no meu espírito.

Explico muito abreviadamente a razão da perplexidade.

O alcance de normas jurídicas tutelares de direitos fundamentais - civis, políticos ou laborais - não deve ser objecto de interpretação emergente de critério axiológico, ditado por qualquer concepção de justiça social ou outra lida como tanto ou mais valiosa. A justiça social, pode, inigualitariamente, ser entendida conforme o critério "a cada um segundo a sua posição". Ou pode, igualitariamente, ser entendida conforme critérios diversos, como "a cada um segundo os seus méritos", "a cada um segundo as suas obras", "a cada um segundo as suas necessidades", "a cada um o mesmo" e porventura outros. As liberdades fundamentais são justas. Todavia, a justiça das liberdades consagradas na Constituição, no título "Direitos, liberdades e garantias", deve necessariamente ser entendida conforme o critério "a cada um o mesmo". No plano das liberdades fundamentais, o direito de cada um deve ser idêntico ao direito de todos os demais. A igualdade, no plano das liberdades fundamentais, é uma igualdade-identidade. Liberdade fundamental quer dizer idêntica liberdade de todos.

Conheço a objeção. A justiça - alega-se - consiste em tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual. Toda a questão consiste em determinar o que, no exercício de uma liberdade, na fruição de um direito ou no alcance de uma garantia, torna um comportamento desigualmente valioso em relação a outro comportamento, uma opção desigualmente valiosa de outra opção.

A vida de um génio é juridicamente mais valiosa do que a vida de um imbecil? Não creio. A liberdade de opinar a favor de uma lei é mais valiosa do que a liberdade de opinar em desfavor dessa lei? Não creio. A liberdade de em Beja ser comunista é mais valioso do que a de ser democrata-cristão a de em Viseu ser democrata-cristão mais valiosa do que a de ser comunista? Não creio. A liberdade de ser a favor da maioria é mais valiosa do que a liberdade de ser contra a maioria? Não creio. A liberdade de professar confissão maioritária é mais valiosa do que a de professar confissão minoritária, não professar nenhuma ou sustentar opiniões contra algumas ou todas? Não creio. A liberdade de um comunista é mais valiosa no Alentejo do que nos Açores? A liberdade de um socialista é mais valiosa em Coimbra do que em Évora? A liberdade de um PSD é mais valiosa na Madeira do que em Portalegre? A liberdade de um democrata-cristão é mais valiosa em Braga do que em Setúbal? Em nada disso creio. A liberdade de ser a favor da justiça social é mais valiosa do que a liberdade de ser contra a justiça social? Não creio. A liberdade de ser a favor da liberdade é mais valiosa do que a liberdade de ser contra a liberdade? Não creio. A liberdade de defender qualquer dessas teses é tão valiosa como a de as contradizer. Mas se as

Página 74

74 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

subscrevesse reflectidamente, não me consideraria nem liberal nem democrata. Ora a nossa vontade é a de, em oposição a valores antidemocráticos, consagrar na lei fundamental os princípios básicos da democracia. E um desses princípios é o de que toda e qualquer liberdade fundamental, considerada enquanto instituição jurídica justa, se entende à luz da justiça como identidade de tratamento e não à luz de qualquer outro critério de justiça.

Replicar-se-á que a liberdade de praticar a justiça é juridicamente mais valiosa do que a liberdade de a combater. Não tem sentido o enunciado, pela simples razão de que a liberdade de praticar a justiça é exactamente a mesma liberdade de praticar a injustiça.

Tenho consciência de que a maioria dos grandes filósofos do Ocidente se revolveria em seus túmulos se a minha voz a tão alto pudesse chegar.

Vozes: - A tão baixo!

Risos.

O Orador: - A tão alto, em sentido axiológico.

Mas, para tudo dizer de modo simples, foi precisamente contra o pensamento político dos grandes metafísicos que se ergueu um Stuart Mill, um Tocqueville, um Raymond Aron, um Karl Popper. É com esses que estou. Espero que, independentemente de considerações filosóficas, os Srs. Deputados estejam também.

Se a proposta do PCP for acolhida, poderá entender-se que a doutrina expendida no citado acórdão passa a dispor de sólido pilar constitucional, o que, por analogia de decisão - digo "decisão" porque não houve caso julgado - e como muito bem sublinhou o Sr. Conselheiro Vital Moreira, poderá conduzir a que se justifique uma situação jurídica favorecedora do partido mais representativo ou do clube de futebol mais representativo. Tal justificação obviamente se situaria na antítese do pensamento do Tribunal Constitucional, do pensamento do Sr. Conselheiro Monteiro Diniz, do pensamento do PCP e, segundo presumo, do pensamento de todos nós. Todavia essa hipotética justificação leria cabimento lógico à luz do conceito de liberdade positiva, tal como o acórdão o interpreta. A história mostra que e sempre em nome de "uma" liberdade - de "uma" liberdade especialmente valiosa - que, em nossos dias, se ofende ou suprime a liberdade.

Terceiro, por esta ordem de razões, apresento à Comissão a seguinte proposta, em alternativa à do PCP:

Artigo 13.º-A

Princípio da liberdade

1 - No universo dos direitos, liberdades e garantias, a liberdade consiste na faculdade de fazer tudo quanto a Constituição não proíbe ou não autoriza proibir.

2 - Todos tem igual direito à liberdade.

Ficará assim liminarmente afastada a possibilidade de o conteúdo de uma liberdade fundamental ser entendido à luz de um conceito de liberdade positiva formulado em razão de "valores e interesses socialmente legítimos" ou da sua "procura social". A democracia não e simplesmente o poder da maioria ou a realização dos interesses da maioria. A democracia e a regra da maioria no respeito da igual liberdade de todos.

Apenas retomaríamos uma tradição que, embora com afloramentos diversos, radica na Declaração Francesa dos Direitos do Homem de 1789 (artigo 6.°) e passa pelo artigo 2.° da Constituição de 1822, pelo § 1.° do artigo 145.º da Carta Constitucional, pelo artigo 9.° da Constituição de 1838 e pelo n.º 1 do artigo 3.° da Constituição de 1911. A tradição foi interrompida em 1933, por contrária à natureza da Constituição, e não retomada em 1976, por desnecessária. A experiência jurisprudência, ensina hoje que a tradição constitucional liberal não perdeu razão de ser, não se esvaziou. Onde, mesmo ignorando os seus pressupostos e as suas consequências, ressurge a tentação antiliberal ou a ilusão supraliberal, devem os princípios liberais ser reafirmados como conquista da civilização jurídica e do Estado de direito. O socialismo democrático em nada colide com tal exigência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, achei a sua intervenção naturalmente interessante.

Quero, porem, pedir aos Srs. Deputados que, pelo menos nesta fase dos trabalhos, fizéssemos uma distribuição mais equitativa do tempo por todos os intervenientes, para que pudéssemos, porventura, marchar um pouco mais celeremente. Há, sobretudo, um ponto que me parece importante: é que, se houver propostas alternativas decorrentes dos textos que foram apresentados inicialmente pelos partidos com a extensão da intervenção que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia agora apresentou, talvez haja vantagem em as distribuir por escrito, acompanhadas da sua fundamentação, para que possamos beneficiar e discutir em melhores condições, pois oralmente é muito mais difícil apercebermo-nos do sentido e alcance dessas mesmas intervenções.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, entendemos que é desnecessário o aditamento proposto do um n.º 3 ao artigo 13.º, porque o princípio da igualdade já co-envolve um direito individual à igualdade, que se impõe tanto ao Estado, como aos entes privados - isso resulta, aliás, do artigo 18.º -, a igualdade real está salvaguardada, como referiu o Sr. Deputado Jorge Lacão, nos termos do artigo 9.°, no âmbito dos princípios fundamentais, a própria Constituição consagra em elenco de direitos económicos, sociais e culturais que salvaguardam essa igualdade real e, finalmente, o Estado não é nem deve ser o único agente de promoção da igualdade. É por estas razões que não admitimos a inclusão do aditamento do n.º 3 proposto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me, para aproveitar tempo, perguntar, na decorrência daquilo que há pouco referi, se na proposta do PCP a ideia da remoção dos obstáculos sociais e da sua realização pelo Estado é fundamentalmente vista como uma intervenção de ordem legislativa e apenas em consequência dessa definição legislativa de ordem administrativa ou se, pelo contrário, existiria o propósito de ir mais além e, consequentemente, intervir as relações entre terceiros em termos da sociedade civil, aproveitando a tal ideia dos efeitos de terceiros a que há pouco tive oportunidade de me referir, ou seja, fiscalizando e intervindo nessa sede.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

Página 75

30 DE MARÇO DE 1988 75

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a proposta do PCP teve desde logo o mérito de acordar no espírito do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia um conjunto de reflexões a ter em conta. Porém, a proposta final que o Sr. Deputado fez não tem literalmente nada a ver com o conteúdo material, directo e imediato daquilo que nós propusemos, mas sim com toda uma outra problemática - que, aliás, o Sr. Deputado teve ocasião de desenvolver na intervenção que produziu - que culmina de uma forma que me parece bastante expressiva. E o mero cotejo entre a proposta que o Sr. Deputado fez e o texto que o PCP adiantou permite destrinçar que estamos perante realidades de tipo totalmente diferente.

Desde logo, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia invocou a proposta apresentada pelo PCP na Assembleia Constituinte, o que quer dizer que trouxe a debate a memória histórica da discussão então travada. Só que essa discussão foi a discussão da génese da Constituição e a remissão feita pelos projectos apresentados por cada um dos partidos - e todos o fizeram - foi a remissão para um determinado universo, que não aquele que resultou a fim no texto aprovado em 1976, texto esse que não foi também um mero somatório dos textos originariamente apresentados por cada um dos partidos. Aduzo isto para dizer que a memória do debate na Constituinte e dos projectos apresentados por cada um dos partidos é possível, mas provavelmente inútil, inoportuna e porventura também indutora de alguma dificuldade de percepção, porque o código conceptual para que nós nos remetemos ao propor o aditamento de um n.° 3 com o teor proposto é única, exclusiva e precisamente o código constitucional da Constituição tal qual está em vigor, e não outro qualquer.

Isto é, não há aqui um regresso à Constituinte nem estamos em processo constituinte que tale nem, sobretudo, estamos em 1974, como também salta aos olhos, o que quer dizer que a reflexão sobre as dimensões do princípio da igualdade não se pode fazer hoje face ao terreno "limpo", ao terreno vazio, de reflectir sobre quantas dimensões esse princípio deveria ter, no sentido de se saber se deveria ter só a dimensão clássica liberal, se deveria admitir uma outra dimensão de carácter mais democrático ou se se lhe deveria dar uma terceira dimensão, uma dimensão socialista, com este ou aquele cunho. Havemos de nos ater ao facto de que no nosso Estado de direito democrático, independentemente da visão - que terá de ser necessariamente plural - que cada uma das forças políticas tenha desse Estado de direito democrático, o princípio da igualdade e um princípio estruturante e entendido em três dimensões, e não apenas numa, ou seja, não apenas na vertente liberal, pois há mais duas vertentes a considerar.

Ou seja, a nossa proposta não quer fazer revolver ninguém no túmulo, onde deve descansar em paz, como convém; nem exorcizar ilusões de carácter liberal ou, pelo contrário, ale exorcizar perigos e tendências supraliberais e amortalhá-las, encafuá-las, limitá-las, espartilhá-las, etc. nem, naturalmente, queremos entrar em nenhum concurso - creio que isso não é regular nem razoável face ao quadro constitucional que nos rege - sobre a desigual ou igual valia das liberdades que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia enunciou longamente e que, portanto, me dispenso de reproduzir - a enumeração e perfeitamente possível, podendo, aliás, ser aditada -, e menos ainda, naturalmente, fazer comparações e cotejos entre a vida dos génios e a vida dos imbecis. Está, portanto, perfeitamente fora de questão o facto de tudo isso estar salvaguardado à luz de reflexões que partilharemos - nós e o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia - seguramente em muitas medidas. E não se trata de fazer esse tipo de pensamentos, porque a Constituição nos dispensa disso.

Em suma, o que nos preocupa é apenas o facto de que, dentro desse código conceptual que referi, o único no qual nos caberia a todos movermo-nos, se acentue um aspecto nas dimensões do princípio da igualdade, ou seja, o da sua função social. Princípio da igualdade que, sem acções que permitam remover os obstáculos de carácter social, cultural, etc., não passará de uma ficção simpática, o que num Estado como o nosso seria muitíssimo pouco.

Pode-se é argumentar noutro terreno: o terreno da desnecessidade. Isto e, se o desenho constitucional das igualdades, uma vez que delas se deve falar no plural, para delas se falar bem, com as explicações que pela Constituição se encontram esparsas - e de algumas os Srs. Deputados do PSD procuram, naturalmente, curar no sentido da eliminação- e com a riqueza a que alude a Sra. Deputada Assunção Esteves, é uma riqueza sumptuária, devo dizer que é também a riqueza vigente, e não aquela que consta do horizonte projectivo do PSD, que a empobrece substancialmente, por vezes de maneira bastante rude. Pode dizer-se que nesse campo a nossa proposta seria sumptuária e desnecessária, mas isso não nos parece exacto, até por algumas das razões que durante este debate se afloraram.

Uma das interrogações colocadas parece-nos bastante interessam, e registamos a afirmação de que já está tudo no artigo 9.º Note-se que, neste caso, a questão é a de que esse artigo não seja empobrecido, mutilado, invertido e desviçado, sendo interessante que o PSD o diga e que isso fique registado na acta. É interessante que se diga que há direitos - e aí haverá que acautelar que estes não sejam mutilados - e também que o Estado não deve ser o único garante desse princípio, o que é óbvio, desde logo porque o garante dessa questão é aquilo que no fluxo social e na realidade da sociedade se move contra a igualdade e a favor dela, uma vez que não há aqui uma identidade de pontos de vista nem um grande coro que, nas sociedades, se erga até aos céus grilando "igualdade, igualdade!". Há, naturalmente, quem forceje, quem lute e quem trate de fazer "tratos de polé" a igualdade no quotidiano através das diversas formas em que isto se exprime, e é óbvio que não se nos afigura dever ser o Estado o único a assegurar esse objectivo. Agora, em sede constitucional, haverá, naturalmente, que fixar as obrigações do Estado e, neste caso, as suas incumbências.

Devo dizer -isto para responder à pergunta do Sr. Presidente- que não vemos esta questão com um estatuto e um carácter distinto do estatuto das restantes incumbências do Estado a serem exercidas através dos meios que a própria Constituição prevê nos seus termos, dentro do actual quadro e segundo os códigos e as orientações de carácter geral, mais ou menos densificadas, nela própria previstas. Neste ponto, a nossa proposta é o mais chãmente reprodutora do universo conceptual da Constituição e logo da panóplia de meios de intervenção do Estado, o que quer dizer que não estamos situados aqui - desejaríamos nós- no cerne das grandes polémicas que assolam tantos corações e mentes sobre o papel do Estado, o papel da sociedade civil e essa pugna inextricável que os opõe, um ao outro, em termos antitélicos. Estamos a situar-nos - nem mais nem menos - dentro do quadro que precisamente decorre daquilo que é o património hermenêutico da Constituição nesse preciso ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

Página 76

76 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, em face das explicações que me deu e que registei, devo dizer que arquivei três preocupações.

A primeira é relativa ao facto de o artigo 13.9 consagrar no seu n.° 1 a mesma "dignidade social" e a "igualdade" perante a lei - isto no que se refere a igualdade jurídica. No que se refere ao aspecto social, refere a "dignidade" e não mais do que isso. Esqueçamos o n.° 2, porque já por lá passámos. Mas o n.° 3 proposto pelo PCP cria-me algumas perplexidades. A primeira vai no sentido de saber se, não imputando nós ao Estado igual obrigação em todos os princípios - e não apenas no da igualdade e no dos direitos -, o facto de consagrarmos a igualdade neste caso não enfraquecerá os casos em que essa consagração não existe?

Em segundo lugar, gostaria de saber como é que se garante o princípio. É que, se o princípio existe, terá de se garantir algo mais que não esse mesmo princípio, ou seja, terão de ser garantidos os direitos em que se traduz esse princípio, e isso já consta do artigo 9.º Ora, na medida em que agora se garante só o princípio, quando ali se garantiam os correspondentes direitos, não será que também em relação a este princípio da igualdade poderá haver um enfraquecimento?

A terceira preocupação é relativa ao facto de o PCP referir na sua proposta: "designadamente através da remoção de obstáculos sociais à sua realização". Este destaque dado aos "obstáculos sociais" não deixará na sombra os obstáculos económicos ou de outra ordem à realização do princípio da igualdade jurídica? Não seriam os obstáculos "jurídicos" os principais a considerar num artigo que destaca a "igualdade jurídica" com desprezo por todas as outras igualdades? Não é que essas igualdades não existam, mas o facto é que não foram mencionadas.

Estas são as minhas três preocupações. Mas certamente que o Sr. Deputado José Magalhães me tirará todas as dúvidas e receios que tenho neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, pode-se, obviamente, ter a preocupação de que fosse virtuoso e meritório precisar constitucionalmente incumbências estaduais noutras áreas, designadamente nas áreas que o Sr. Deputado Almeida Santos começou por sublinhar, isto é, garantir especialmente a dimensão liberal e também alguns aspectos da dimensão democrática. Pareceu-nos, no entanto, que neste caso se justifica particularmente um reforço ou uma cautela face, inclusivamente, à própria ponderação que podemos fazer da conformação projectiva final do próprio artigo 9.º, em relação ao qual há conhecidas propostas que nos parece deveriam ser contrabalançadas - e digo isto com toda a frontalidade. É que não me parece que isto aconteça em relação aos outros aspectos que o Sr. Deputado Almeida Santos enumerou, mas aqui parece-nos acontecer de pleno.

Quanto ao segundo aspecto, que é a questão de a nossa proposta ser incompleta, ou seja, se não haveria que aludir também à remoção dos obstáculos de carácter cultural e económico, há duas hipóteses a considerar. Uma delas e a da alusão a um conceito genérico que suporte toda a espécie de obstáculos de modo a ser abrangente e não redutor; a outra é, naturalmente, a de multiplicar a enumeração por forma a esgotar ou, pelo menos, preencher vastamente o universo conceptual que se está a explorar.

Devo dizer que, sob esse aspecto, a nossa proposta, como, aliás, muitas outras, não é um absoluto - não o poderia ser e seria estulto que fosse proclamada como tal. E, assim sendo, a observação feita parece-me tocar um aspecto relevante. Neste sentido se deveria explorar e reflectir sobre o seguinte: em primeiro lugar, se a ideia de uma ênfase não é relevante - e parece-me depreender da sua intervenção que é sua opinião a de que seria relevante ou encarável; em segundo lugar, se essa diferenciação em relação ao estatuto de outros princípios não seria incorrecta, absurda ou de excluir, porque tem o grau de fundamentação bastante; em terceiro lugar, se, a ser encontrada uma solução desse tipo, ela deveria ter a preocupação de não excluir ou não deixar de abranger certos obstáculos, quiçá mais relevantes do que aquele que referimos na nossa proposta originária.

Creio que, sendo este o tipo de grelha analítica da proposta apresentada, teríamos um campo de reflexão bastante fecundo para trabalhar e não me parece, aliás, que a observação feita pela bancada do PSD nesta matéria seja incompatível com este quadro de análise e com a flexibilidade que, naturalmente, decorre de tudo aquilo que afirmei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Submetendo-me a esta última grelha que o Sr. Deputado José Magalhães referiu, penso que, apesar de tudo, ainda ficam por esclarecer três interrogações.

A primeira é de ordem sistemática e não tão despicienda quanto isso, porquanto lodo o título I da parte I da Constituição está construído na óptica dos direitos. E essa foi uma preocupação da primeira revisão constitucional, ou seja, a de distinguir claramente a vertente institucional (atributiva de atribuições e competências a órgãos do poder político) do tratamento na óptica dos próprios direitos.

O argumento de que a redacção está pensada em função de eventuais malfeitorias que pudessem vir a ser introduzidas no artigo 9.°, sendo embora subsidiária de uma jurisprudência das cautelas, não colhe, na medida em que o projecto do PCP, quando entrou na Mesa, ainda não podia adivinhar quais as malfeitorias que os outros projectos entregues posteriormente se preparavam para fazer em relação ao referido artigo 9.º

Quanto à segunda ordem de questões, devo dizer que não me parece que a resposta do Sr. Deputado José Magalhães seja convincente quanto aos riscos de a consagração de uma norma deste género não comportar consequências enfraquecedoras de outros deveres consagrados em especial na Constituição. Não vou referir que, obviamente, a consagração de um direito pressupõe sempre a existência de um dever e que há deveres que são oponíveis ao Estado e deveres que são oponíveis apenas perante terceiros, mas sim colocar a questão de saber se, existindo diferentes graus de realização dos direitos consagrados na Constituição, esta preocupação de consagrar numa norma sintelizadora uma incumbência genérica de realização da igualdade não acaba por ser redutora da própria lógica do texto constitucional, texto esse que entendeu, discriminaioriamente, colocar especial ênfase em alguns direitos e não noutros. Ênfase esse que constitui instrumento orientador do próprio legislador ordinário, que me parece poder ler virtualidades que sairiam desfeiteadas com uma norma deste género.

Quanto à terceira ordem de preocupações, devo dizer que normas de carácter genérico como esta são sempre de difícil

Página 77

30 DE MARÇO DE 1988 77

redacção e correm sempre o risco de, ao pretenderem eliminar qualquer dúvida interpretativa, abrir a porta a ainda maiores dúvidas de aplicação concreta. E coloco a questão nestes termos: o princípio da igualdade é um princípio extremamente controverso, ao contrário do que se possa supor, em toda a história constitucional e tem dado origem a debates apaixonados, intervenções doutas e divergências interpretativas muito profundas, mas todos os sistemas constitucionais tem confiado preferencialmente no valor da jurisprudência constitucional como elemento integrador do próprio princípio da igualdade e não na letra da Constituição como demiurgo de todas as dúvidas de aplicação do princípio da igualdade.

Parece-me extremamente difícil confiar num texto escrito para "varrer a testada" de todas as inúmeras sequelas do princípio da igualdade, que podemos prefigurar em tese geral com maior ou menor imaginação, mas que, de facto, não se contem numa norma seca e sintética, que, em meu entender, continua a correr o risco de ser redutora.

Estas eram, portanto, as três questões que, apesar de tudo, parecem ter ainda ficado em cima da mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio, Si. Presidente, que estas questões implicam e são um contributo bastante interessante para que possamos aprofundar o debate em qualquer das vertentes que foram enunciadas.

E começaria pela última. O Sr. Deputado António Vitorino, relativamente ao texto tal qual vem redigido, empregou a expressão "seca, sintética e redutora", mas devo dizer que a secura não é em si mesma desvalia. Pode ser, obviamente, "molhada", e, se o PS adiantar o líquido adequado, teremos naturalmente a maior receptividade. O mesmo direi em relação à síntese, mas já em relação à redução a questão merece reflexão mais aturada. E creio que a correcção ou sugestão da melhoria de redacção adiantada pelo Sr. Deputado Almeida Santos poderia obviar à própria objecção aduzida pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Isto é, uma redacção que acautelasse uma referência abrangente e genérica à questão dos obstáculos e acentuasse a função ou vertente social do princípio da igualdade não seria despicienda. Isso conduz-nos ao segundo dos argumentos aduzidos pelo Sr. Deputado António Vitorino, que é o de se saber se, estando a fazer isto a que meritoriamente poderíamos chegar, estaremos a fazer alguma coisa de útil ou a criar dificuldades adicionais à própria aplicação da Constituição. É evidente que a reflexão sobre o princípio da igualdade não é uma reflexão simples -como, afias, acontece com a generalidade delas no plano Constitucional, pois aí teremos dificuldades em fazer destrinças -, mas controversa e evidentemente susceptível de divergências.

No entanto, gostaria de reafirmar que o nosso caminho ou a nossa margem de dificuldade face a isto não tem qualquer comparação possível com aquela que existiu historicamente em Portugal em 1974, 1975 ou 1976, ou seja, que a Constituição e nesse ponto como que um marco, estabelecendo um quadro de referências que, obviamente, tem de ser integrado e ser objecto de interpretação e de uma luta pelo direito e pela transformação social através dos meios que o próprio quadro constitucional proporciona. E é evidente que a Constituição não será demiurgo de coisa nenhuma nem pode ser vista como a "chave mágica", a "pedra-de-toque" ou a "varinha de condão" de tudo o que e a realidade nas suas diversas vertentes, que muitas são.

Agora estaremos a dificultar? Obviamente que não estaremos a substituir-nos ao Tribunal Constitucional ou aos outros órgãos de soberania nem à iniciativa própria dos cidadãos, ou seja, não estaremos a substituir-nos a nada. Estaremos apenas a aditar, num sítio onde esse aditamento, dentro da arquitectura geral da Constituição, pode ter fundamento - e não me pareceu que isso ficasse excluído da parte da vossa bancada -, alguma coisa que sinaliza uma preocupação de acentuação de uma realidade que tem de ser vincada para que se consiga o objectivo, que é uma tarefa fundamental do Estado, da igualdade real entre os Portugueses. Isso parece-nos merecer alguma atenção adicional.

Quanto ao argumento de carácter histórico sobre aquilo que se pretendeu e qual o cunho próprio deste título da Constituição, creio que a invocação da operação feita na primeira revisão constitucional não faz grande sentido, já que assenta num equívoco. Aquilo que se fez na primeira revisão constitucional foi, noutra sede, ou seja, na de transformar incumbências do Estado em direitos fundamentais, conferir a estrutura de direitos fundamentais àquilo que eram, até então, incumbências do Estado.

Quanto à coerência de o fazer agora, face a propostas de outros partidos, creio que o próprio PS prevê - e isso não nos provoca nenhuma sensação de rejeição - que aditemos incumbências do Estado nesta parte, designadamente quando no artigo 20.°, e muito bem, se desça até ao pormenor de sublinhar que deve ser o Estado a suportar o custo da informação e consulta jurídica, etc., fixando aí uma obrigação muito específica, mais do que uma incumbência geral, que não nos produz nenhum problema de inserção sistemática e nem nos parece que isso venha bulir com qualquer cânone que refira, na parte I, título I, relativo aos princípios gerais, o seguinte: "não incluirá nenhuma incumbência do Estado". De facto, não há nenhuma expressão similar deste tipo na Constituição, ou melhor, nos casos em que existe essa formulação também se verifica que diversos partidos propõem que deixe de estar consignado isso e passe a referenciar-se incumbências específicas.

Portanto, creio que seria bom e interessante manter em aberto este campo e aprofundar-se um tamanho e um conteúdo adequados a que se frise uma preocupação hoje constante da Constituição, que é uma dimensão, mas que, no nosso entendimento, poderia e deveria ser acentuada neste contexto e face a todo um conjunto de referências que fiz sem carácter caviloso, uma vez que no nosso projecto de revisão apenas nos limitámos a projectar um cenário, um quadro ou uma hipótese, que, infelizmente, se concretizou por demais quanto ao artigo 9.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos, em primeiro lugar, que há uma relação entre a proposta de aditamento ao artigo 13.° e o artigo 9.9 Simplesmente, partilhamos daquilo que julgamos ser a preocupação de quem apresentou essa proposta, isso é, o PCP, quanto ao problema da igualdade real entre os Portugueses. E fazêmo-lo com esta apreensão, sabendo antecipadamente que esta não é uma convicção que seja comum a todas as bancadas. Aliás, foi já referido nesta sede, pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, que isso não faz parte dos objectivos do PSD, como, aliás, consta do próprio projecto de revisão apresentado por este partido.

Página 78

78 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

Entretanto, perguntaria em que termos é que o problema é apresentado. De facto, pensamos que, numa primeira reflexão, tem realmente cabimento essa formulação, porque o artigo 13.° acentua a vertente social ao utilizar, nomeadamente no seu n.° 1, a expressão "dignidade social". E daí este aditamento de um n.° 3 referir a "remoção de obstáculos sociais".

Além disso, há uma certa diferença entre o artigo 9.° e este n.° 3 agora proposto, na medida em que o primeiro refere "tarefas fundamentais do Estado" e o novo número do artigo 13.e utiliza a expressão "incumbe ao Estado garantir". Ora, é evidente que garantir é uma coisa e ter a tarefa de assegurar outra. No novo n.° 3 do artigo 13.°, proposto no projecto de revisão apresentado pelo PCP, sublinha-se que o Estado deve garantir o princípio da igualdade e acrescenta-se como é que o deve fazer, ou seja, removendo obstáculos sociais, Portanto, desta nova fórmula advém, no nosso entendimento, a coerência da proposta de aditamento ao artigo 13.° em relação ao próprio sentido do preceito, nomeadamente patente no n.° 1.

Sem prejuízo de considerarmos que numa segunda reflexão o assunto merecerá ser mais aprofundado, designadamente em função da conexão desta norma do n.° 3 do artigo 13.º com a alínea d) do artigo 9.º, pensamos também que resta saber como é que o Estado garante o princípio da igualdade, questão que já foi formulada, salvo erro, pelo Sr. Presidente. É certo que também os tribunais são órgãos do Estado, além do Governo, da Assembleia da República, etc., e convém não esquecer que, mesmo no respeitante às relações privadas, os tribunais tem um papel importante a desempenhar para assegurar os princípios constitucionais. Alem disso, e estabelecer-se um princípio é muito importante para quem litiga, porque pode invocá-lo perante o tribunal e, assim, obter a cobertura judicial para ele.

É por isso e por partilharmos da mesma preocupação quanto à necessidade de se assegurar na Constituição a igualdade social entre os Portugueses que, em princípio, estamos abertos a esta proposta de aditamento ao artigo 13.º

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só não percebi da intervenção de V. Exa. - o seguinte: quando fala em que os tribunais tem a possibilidade de aplicar os princípios consignados na Constituição, parece-me que só o podem fazer se forem competentes para o efeito. E a questão que coloquei inicialmente prende-se com o facto de se saber se nas relações entre os particulares podem os tribunais aplicar esses princípios. Isto significa precisamente a aplicação dos chamados Dritwirkungen.

É, pois, esta a questão, já que não basta invocar que os tribunais são órgãos do Estado, sendo também necessário saber se eles podem, nos litígios entre particulares, aplicar esses princípios. Em caso afirmativo, isso significará que são vinculantes. No entanto, iremos com certeza ter oportunidade de discutir essa matéria.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, quanto a este ponto, a minha ideia e a de que os tribunais só podem aplicar um princípio se ele estiver consignado na lei, nomeadamente na Constituição. Assim, se um particular quer num litígio invocar o princípio da igualdade, este terá obrigatoriamente de constar da Constituição, pois, caso contrário, não o poderá fazer. Mas, além de o invocar, o tribunal é obrigado a cumpri-lo.

O Sr. Presidente: - Porém, Sr. Deputado, a minha dúvida estava em saber se o princípio vinculava ou não os particulares. E digo isto porque ele pode constar da Constituição e vincular apenas o Estado, como também poderá acontecer o mesmo relativamente aos particulares. De facto, V. Exa. é da opinião de que o princípio, caso conste da Constituição, pode vincular os particulares.

O Sr. Raul Castro (ID): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, desejo apenas fazer uma breve reflexão sobre o seguinte: creio que esta norma do n.° 3 do artigo 13.° ínsita no projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelo PCP é, em grande medida, excedentária - e digo isso para reforçar argumentos de ordem sistemática que foram apresentados - não só pela inovação que surgiria pelo facto de se positivarem direitos negativos, mas ainda em face da conexão estabelecida entre o artigo 9.° e o artigo 22.° da Constituição, quando este último remete para a responsabilidade do Estado, por acções e omissões resultantes da violação dos direitos, liberdades e garantias.

Deste modo, parece-me que nesse sentido esta norma abrangeria em grande medida aquilo que a proposta apresentada pretende consignar.

O Sr. Presidente: - Suponho que a ideia que o Sr. Deputado exprimiu foi a de que haveria uma conexão com o artigo 22.º, quando neste preceito se refere a expressão "acções e omissões".

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quanto à questão da inserção sistemática, as reflexões são virtualmente...

O Sr. Presidente: - O que o Sr. Deputado Alberto Martins empregou foi a expressão "uma conexão sistemática" e não "inserção sistemática".

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, quanto à inconveniência genérica de positivar aquilo que o Sr. Deputado Alberto Martins chamou de direitos negativos, creio que é uma preocupação susceptível de ser colocada em lese geral.

Aliás, se V. Exa. fixar um cânone, a esta hora, sobre essa matéria, pode ser perigoso, porque passado algum tempo estaremos a positivar direitos negativos até por proposta do PS. Trata-se tão-só de procurar fazer uma acentuação em termos genéricos quanto a uma incumbência. E, pois, só isto o que está em causa. A conexão feita entre a norma do n.º 3 do artigo 13.º e o artigo 22.°, salvo melhor opinião, não tem qualquer legitimidade possível. De facto, como se traia de fixar uma incumbência genérica, cuja materialização se faz pelos métodos constitucionalmente previstos, fazer-se uma inferência desse tipo levaria, quanto a disposições de carácter similar da Constituição, que são múltiplas, o Estado Português, todos os dias e provavelmente a todas as horas, a todos os bancos dos réus onde e possível sentar um Estado.

Página 79

30 DE MARÇO DE 1988 79

Portanto, é tão ilegítimo fazer a conexão que o Sr. Deputado Alberto Martins acaba de fazer em relação à proposta do PCP sobre o artigo 13.° como o seria no respeitante a outras com o mesmo estatuto na Constituição, que, aliás, existem em abundância e às quais nunca ninguém fez essa inferência. Seria, pois, uma interpretação verdadeiramente original, quiçá bastante rendosa, e talvez um novo meio de acção política que nos daria a possibilidade de criarmos uma nova frente, como seja a de fazer manifestações e outras acções necessárias e úteis - trabalhar na frente institucional, etc. -, mas também laborar nessa frente institucional que são os tribunais. Daí poder dizer-se: "Estado Português para o banco dos réus, já!"

Penso, na verdade, que não é isso o que resulta dos outros artigos da Constituição nem da nossa proposta de aditamento ao artigo 13.°, a não ser que haja alguma dimensão oculta no seu conteúdo de que nem nós próprios nos tenhamos apercebido - coisa, aliás, que creio não se verificar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, verifico que o CDS continua ausente.

Entretanto, passaríamos ao artigo 14.°, em relação ao qual não há propostas de alteração, de substituição ou de aditamento.

Srs. Deputados, falta discutirmos o n.º 1 do artigo 13.°, cuja proposta de alteração é igualmente da autoria do CDS. Já em relação ao n.° 2 há uma proposta de eliminação constante do projecto de revisão do mesmo partido.

No respeitante ao n.º 2 do artigo 12.e, seria necessário estar presente o CDS. Como tal não se verifica, vamos avançar na discussão. Se, eventualmente, o CDS se fizer representar na Comissão, voltaremos então um pouco atrás.

Deste modo, iríamos passar à análise das propostas sobre o artigo 15.p, cuja epígrafe e "Estrangeiros e apátridas".

Temos uma proposta de aditamento, apresentada pelo PS, no que concerne a este preceito. Propõe-se o aditamento de um n.º 4, do seguinte teor:

4 - A lei pode atribuir a estrangeiros, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para eleição dos Ululares dos órgãos das autarquias locais.

Embora este texto seja muito claro, pergunto se algum dos Srs. Deputados proponentes quer justificar esta nova formulação.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, começo por me congratular com o facto de V. Exa. considerar o nosso texto como claro, o que e um bom augúrio para o vermos aprovado.

O Sr. Presidente: - É um bom augúrio para a entender.

Risos.

O Orador: - Na verdade, Sr. Presidente, uma vez entendida, toma-se tão forte a razão que lhe subjaz que decerto não poderá haver resistência à sua aprovado.

Ora, devo dizer que a lógica que lhe preside é a seguinte: pensamos que era importante introduzir no texto constitucional esta possibilidade de os cidadãos estrangeiros residentes no território nacional terem capacidade eleitoral nas eleições para os titulares dos órgãos das autarquias locais, atendendo ao regime jurídico que permite a fixação de residência no território nacional e justifica o enraizamento desses cidadãos no domínio das comunidades locais em que se inserem, para além da justeza que assiste a também terem voz na designação dos titulares dos órgãos autárquicos.

Acontece que aditámos o inciso em condições de reciprocidade, embora saibamos que no âmbito comunitário esta matéria é debatida em profundidade. Aliás, o Parlamento Europeu tem sido confrontado por diversas vezes com esta questão e existem mesmo pendentes de apreciação projectos de resolução que prevêem, pura e simplesmente, a consagração em todos os países da Comunidade deste direito das cidadãos dos Estados membros da CEE, no sentido de poderem votar e ser eleitos para os órgãos das autarquias locais.

Perante isto, pensamos que o Estado Português devia acompanhar este movimento em termos flexíveis a integrar em concreto pelo legislador ordinário. Assim, nesta fase, propomos a cláusula de reserva de condições de reciprocidade, mas admitimos, inclusivamente, que a tendência seja para que não se requeira essa condição de reciprocidade. Porém, parecia-nos que se tratava de uma medida de entrosamento dos cidadãos estrangeiros residentes permanentemente em Portugal e de um texto legitimador de reivindicação paralela, a ser feita junto de outros Estados das Comunidades por parte das comunidades emigrantes portuguesas.

Como se sabe, é um objectivo desde há muito ambicionado actos emigrantes portugueses nos países da Comunidade poderem participar mais intensamente na vida colectiva dos países de acolhimento, o de que lhes seja reconhecido no mínimo o direito de voto para os órgãos autárquicos.

O facto de a Constituição Portuguesa consagrar um normativo deste género reforçaria e legitimaria essa reivindicação dos nossos emigrantes, que, aliás, nos parece ser justa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado António Vitorino, podemos visionar alguns possíveis cenários decorrentes da aplicação prática deste n.° 4 do artigo 15.º E para eu ter uma visão um pouco mais clara desta problemática, perguntaria o seguinte: o que é que se entende por capacidade eleitoral? Entender-se-á capacidade eleitoral nos dois sentidos, ou seja, eleger e ser eleito? Com a expressão "A lei pode atribuir a estrangeiros" constante do n.º 4 do artigo 15.°, na proposta de aditamento apresentada pelo PS, que espécie de estrangeiros é que seria abrangida por esse normativo?

Formulo estas questões porque no n.° 4 do artigo 15.º não se inclui nenhum tipo de definição.

Perguntar-lhe-ia ainda se, em condições de reciprocidade, não será já este dispositivo um handicap que, de qualquer modo, iria entravar as justas aspirações dos emigrantes portugueses integrados em várias comunidades na Europa. Ou seja, não funcionará ao contrário da intenção manifestada?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, a consagração neste n.° 4 do artigo 15.º da

Página 80

80 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

capacidade eleitoral sem qualificativos comporta por si, em termos genéricos e definitórios, a capacidade eleitoral activa e passiva nos termos a definir pelo legislador ordinário.

Naturalmente que a definição dos contornos desta possibilidade seria sempre remetida para a lei específica, e aí radica a razão de não termos avançado desde logo com uma definição mais rigorosa do que é que se entende por estrangeiros. Posso até adiantar-lhe, a Ululo pessoal, que entendo que os estrangeiros a quem poderia ser concedida desde já capacidade eleitoral seriam os residentes no território nacional portadores de bilhete de identidade de cidadão estrangeiro oriundos dos países da CEE, e, portanto, observando as regras vigentes de fixação de residência em Portugal previstas na lei. Exigir-se-ia sempre uma fixação no território e uma certa familiaridade com os problemas que são colocados numa eleição deste âmbito.

Quanto à questão de a exigência da cláusula de reciprocidade ser um elemento enfraquecedor das justas aspirações dos emigrantes, devo dizer-lhe que, salvo melhor opinião, o facto de não se exigir a reciprocidade não constituiria em si, e não por si, nenhum reforço dessas justas aspirações, porquanto a circunstância de se definir logo à partida e em termos unilaterais por parte do Estado Português na Constituição a disponibilidade para aceitar um tal princípio é que reforça precisamente essas aspirações e essa reivindicação dos emigrantes portugueses. Aliás, esta orientação insere-se, naturalmente, num movimento que existe no âmbito das Comunidades Europeias no sentido de conceder esse direito sem excepção.

Portanto, o que em última instância este artigo pressupõe são acordos bilaterais neste sentido. Sc, entretanto, o Parlamento Europeu vier eventualmente a adoptar recomendações nesse sentido e a Comissão perfilhar mesmo directivas nestas matérias que tenham de ser acolhidas pelos Estados membros na sua origem jurídica interna, a ressalva da cláusula de reciprocidade cairá por natureza.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado, penso que com essa formulação resultará daí uma lei regulamentadora ou não.

O Sr. António Vitorino: - É claro, Sr. Deputado, que pode sempre o Governo, ou melhor a Assembleia da República, que tem reserva exclusiva de competência legislativa sobre esta matéria, entender que não deveria num dado momento usar dessa faculdade constitucional, que não apresenta uma obrigação de facere. Porém, o que se passa no meu entendimento é que sem esta norma constitucional a Assembleia da República nunca poderia, por lei ordinária, conceder essa capacidade eleitoral (activa ou passiva). O que pretendemos e que se consagre uma faculdade constitucional que a Assembleia da República poderá usar ou não, consoante melhor o entenda.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta matéria, o Grupo Parlamentar do PSD, apesar de a entender e compreender, não tem uma posição preconceituosa. De facto, repilo, entendemos e compreendemos esse movimento que perpassa pela Europa, nomeadamente pelos países da Comunidade Económica Europeia. Julgo que, por exemplo, em França já existe um dispositivo legal similar, embora abrangendo só a capacidade eleitoral activa, pelo que, ainda que não tomemos posição neste momento em relação a esta matéria, estamos abertos a discutir este ponto de vista do PS e a tomar a posição que na altura conveniente julgarmos mais própria no que concerne a este ponto.

Era esta a posição que queríamos expressar relativamente a esta proposta de aditamento ao artigo 15.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, desejo apenas fazer duas precisões, pois o Sr. Deputado António Vitorino já disse tudo, e bem.

Assim, chamo a atenção para dois pormenores, que passo a referir.

O primeiro pormenor é o de que a lei pode atribuir "a estrangeiros" e não "aos estrangeiros" e, portanto, pode discriminar alguns de entre os estrangeiros, no sentido de ver a quais interessa atribuir uma faculdade ou impor uma obrigação. Aliás, já se disse que, ao mencionar-se a capacidade eleitoral sem se distinguir se é activa ou passiva, essa é uma opção que se deixa ao legislador. De facto, ela abrange as duas e não compromete nenhuma das soluções.

O segundo pormenor é o de que se não tomarmos esta atitude pode acontecer que, quando exista uma norma da CEE nesse sentido, encontre uma norma de sentido inverso na Constituição, porque hoje só os cidadãos portugueses podem eleger e ser eleitos para as autarquias. Vale, pois, a pena eliminar uma ocorrência dessa ordem.

O terceiro pormenor prende-se com o facto de eu julgar, sinceramente, que deveríamos colocar toda a ênfase na reciprocidade. Isto é, que não podemos deixá-la cair pela razão simples de que, sendo Portugal um país de emigração e não de imigração, os estrangeiros são muito poucos no território nacional. Como é óbvio, não há entre nós muitos imigrantes estrangeiros, pelo que, tendo Portugal muitos emigrantes no exterior só podemos ganhar com o "negócio". (Entre aspas, como é óbvio.)

De facto, temos 3 ou 4 milhões de cidadãos no exterior que ganharão o direito de votar e, em troca, muito poucos estrangeiros ganharão igual direito em regime de reciprocidade. Portanto, a reciprocidade e um tópico fundamental da razão de ser deste dispositivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que as respostas às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Herculano Pombo adiantaram já um conjunto de observações que, de outra forma, teria gostado igualmente de propiciar.

Ora, julgo que está de facto subjacente a este normativo uma grande opção e também muitíssimos pormenores. A discussão destes é, porventura, supérfula neste momento, mas a da grande opção também origina demarcações bastante simples de fazer. De facto, o PS coloca-se numa postura de vanguardismo europeísta, que é, no fundo, um estandarte possível e perceptível. O PS foi aparentemente com essa redacção para além do próprio vanguardismo motivante. As correcções já adiantadas procuram naturalmente reajustar a alma e a forma, que, aliás, têm a vantagem de estar casadas.

Entretanto, creio que ficaram em aberto algumas questões que são talvez as mais motivadoras para o debate a estabelecer e que ficará em fermentação. Refiro-me ao acto de pensarmos na Câmara de Vila Real de Santo António, presidida pelo Mr. Smith, que é uma possibilidade real neste cenário.

Página 81

30 DE MARÇO DE 1988 81

Ora, a discussão é naturalmente interessante e apaixonante, mas, quanto à redacção do n.º 4 da proposta de aditamento ao artigo 15.° da autoria do PS - e aqui reside o problema -, a razão invocada de iminência, tanto quanto a informação nos chega do Parlamento Europeu, é, no fundo, não iminente. Será eminente, mas não é iminente. Portanto, sendo esta a revisão constitucional de 1988, a necessidade de armar o País para a hipótese que o Sr. Deputado Almeida Santos cenarizava talvez não seja uma premência tão instante que leve Portugal a estar em risco de ter às costas uma directiva que me parece de bem problemática elaboração, além de que as ditas cujas tem o estatuto que possuem no respeitante às relações com o direito interno.

Relativamente aos pormenores, é evidente o que o Sr. Deputado António Vitorino sublinhava, aliás com rigor, ou seja, que os estrangeiros são todos aqueles que têm o bilhete de identidade emitido nas condições do direito interno português. Por sua vez, o Sr. Deputado Almeida Santos acrescentou que a norma se refere a "estrangeiros" e, portanto, não a "todos os estrangeiros", o que significa que haverá alguns que estão "bilhetados" mas não são chamados a este artigo.

Entretanto, e apesar de tudo, a margem de discricionariedade deixada ao legislador é muito vasta, porque estão a adiantar um preceito pensado para a Comunidade, mas que não exclui que o legislador opte pela concessão de igual faculdade a outros cidadãos estrangeiros. Assim, não me parece que a questão se coloque em iguais termos para o Sr. Wilbur Smith of Nottingham e para o Sr. José ou o Sr. Fernando de Vila Real de Santo António, não obstante preocupações ecuménicas e universalistas, do estilo de todos deverem amar a sua terra e ate a alheia, participar na gestão autárquica e dar o seu melhor para transformar as nossas vilas, aldeias e cidades.

Parece-me efectivamente isso, embora não queira lazer nesta sede grande chauvinismo nem uma apóstrofe anticosmopolita, mas parece-me que o nosso direito eleitoral nessa parte tem aqui uma margem nacional que deveria ser bastante preservada, para que possamos continuar a ser nós mais ou menos a determinar o destino das coisas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só anoto o seu optimismo de fazermos a revisão constitucional em 1988. De facto, pelo andar da carruagem, não sei se a concluiremos durante o corrente ano, se um pouco mais tarde.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, o argumento que chamarei "Vila Real de Santo António" é mais aparente do que real. De facto, não vejo a população dessa cidade a votar no "Manolo" do lado de lá, isto é, de Ayamonte.

Risos.

Aliás, a verdade e que seria preciso que se concebesse que do lado de cá havia uma tal espanholização no eleitorado português ou existiam tantos espanhóis nessa zona que surgiria o risco de se eleger um deputado espanhol. No entanto, como a lei não vincula necessariamente a consagração da capacidade eleitoral activa e passiva, bastaria o legislador ordinário só consagrar a primeira para esse risco desaparecer.

Julgo, aliás, que seria mais verosímil configurar o Tony Coelho como presidente dá Câmara Municipal de Ponta Delgada, se aqui é lícita uma breve ironia!...

Já no caso que V. Exa. me apontou - não parece que o risco efectivo seja tão grande que devamos desconfiar a esse ponto quer do legislador português - que se não presume estúpido nem insensato- quer do eleitorado português, que não é de modo nenhum antipatriota.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD regista o facto de o n.° 4 do artigo 15.° ter uma redacção prudente, no sentido de remeter para a lei a atribuição da capacidade eleitoral de estrangeiros. De facto, ela pode vir a consagrar critérios de residência e tipos de capacidade eleitoral.

Perante isso, o PSD reserva a sua posição definitiva para mais tarde, mas tendo em conta esta remissão prudente para a lei feita pela própria Constituição.

O Sr. Presidente: - De resto, Sra. Deputada, não estamos ainda a expender posições definitivas, mas sim a fazer uma leitura que eu desejaria que fosse rápida, mas que se mostra desproporcionadamente lenta. No entanto, estamos ainda a desenvolver um primeiro exercício de análise.

Se estivessem de acordo, iríamos agora passar à análise da proposta do CDS.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Nós não nos esquecemos disso, Sr. Deputado. O que aconteceu foi que o CDS não estava presente.

Vozes.

Tem toda a razão, Sr. Deputado, há também uma proposta subscrita pela ID.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a minha presença aqui hoje é um pouco improvisada e por isso peço desculpa pelas minhas entradas e saídas e de, inclusivamente, pedir o uso da palavra antes de tempo.

Queria pedir à benevolência de V. Exa. e da Comissão o favor de me permitir que não só justifique a nossa posição em relação ao artigo 15.° como também o faça relativamente aos artigos 12.° e 13.°

O Sr. Presidente: - Isso é com certeza possível, Sr. Deputado. Nesse caso, talvez seja preferível acabar-mos agora este número, ou seja, a análise da proposta da ID. Podemos proceder assim, a não ser que V. Exa. tenha já de se ausentar. Sc não fosse esse o caso, poderíamos acabar rapidamente com este problema da proposta de substituição do n.° 3 do texto inicial apresentado pela ID e depois analisaríamos, em conjunto, esses três pontos. V. Exa. tem algum motivo de premência que justifique procedermos de uma outra maneira?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Como V. Exa. deve ter reparado pelas minhas entradas e saídas, e porque hoje há realmente um certo improviso na minha presença nesta Comissão, lenho alguns motivos. Se a Comissão fosse condescendente, aproveitaria, então, essa oportunidade.

Vozes.

Página 82

82 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, gostaria de me pronunciar sobre o n.° 4 do artigo 15.° do projecto do PS.

Permito-me fazer a seguinte sugestão: onde se diz "para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais" deveria passar a ler-se "para a eleição de titulares de órgãos das autarquias locais".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, começaria por justificar a posição que o CDS defende relativamente ao n.° 2 do artigo 12.°, em relação ao qual temos uma proposta a apresentar.

A nossa proposta acrescenta ao texto actual uma referencia à Constituição e à lei. Do cotejo com o n.° 1 do mesmo artigo, entendemos que, lendo em conta a natureza eminentemente jurídica da criação da própria personalidade colectiva, seria desequilibrado não referir aqui a Constituição - ao contrário do que acontece com o n.º 1 - e, por outro lado, não lhe acrescentar também uma referência à lei. Essa é, pois, a razão de ser do nosso aditamento.

Em relação ao artigo 13.°, com a epígrafe "Princípio da igualdade", propomos para o n.° 1 ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, nós propúnhamos que a análise se fizesse artigo por artigo.

O Sr. Presidente: - De facto, Sr. Deputado, é esse o critério que temos seguido.

Algum dos Srs. Deputados quer fazer comentários a esta proposta do CDS relativa ao n.º 2 do artigo 12.º?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, ainda nesta fase de reflexão, e com preocupações mais de carácter técnico do que político, gostaria de dizer que esta proposta nos oferece alguma dificuldade.

Compreende-se que no n.° 1 se fala na Constituição, porque se trata de referir a matriz, a cartilha onde estão os direitos fundamentais. No entanto, para as pessoas colectivas há um princípio de equiparação, que é o da compatibilidade com a sua natureza. O que significa a expressão "de acordo com a Constituição e com a lei"? Qualifica e é um outro limite em relação à compatibilidade? Qual e a função deste princípio? Em relação a isto temos algumas dúvidas.

Nesta primeira aproximação, parece-nos que a redacção anterior era melhor. Isto porque os direitos de que as pessoas colectivas gozam são, tal como os das pessoas privadas, os consignados na Constituição, passando pela fieira da compatibilidade com a sua natureza. Se colocar-mos aqui a expressão "de acordo com a Constituição e com a lei", teremos de ter em conta dois critérios: primeiro, os que são compatíveis: segundo, o estarem na Constituição e na lei. Pode haver aqui um conflito entre a compatibilidade e a Constituição. Como é? Tenho algumas dúvidas em relação a este aspecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O problema é que o Sr. Deputado Nogueira de Brito não conseguiu justificar a necessidade deste acrescento.

Em primeiro lugar, penso que nunca poderia ser contra a Constituição e a lei. Como é óbvio, tudo o que acontece neste país no domínio da regulamentação jurídica é feito de acordo com a Constituição e a lei.

Volto a colocar as objecções do Sr. Deputado Costa Andrade. É que a Constituição não tem nenhuma regra de compatibilização entre os direitos que consagra e o seu exercício por pessoas colectivas. Portanto, ficamos rigorosamente na mesma. O melhor é deixarmos isso à doutrina e à natureza das coisas. Como é evidente, as pessoas colectivas ainda não se podem casar...

Risos.

Há que confiar na natureza das coisas e na doutrina jurídica. Se formos ater-nos só às regras constitucionais sobre compatibilidade, ficaremos completamente em branco e remeteremos para alguma coisa que não existe, o que só poderá gerar confusão.

Andamos à procura de uma regra da compatibilidade e não encontramos nenhuma. Portanto, o melhor é não alimentarmos a confusão e deixarmos estar tudo como está.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, parece-me que realmente não há um esclarecimento sistemático e completo do verdadeiro alcance da natureza jurídica da personalidade colectiva resultante da colocação destes dois números, que gozam de, uma grande independência entre si. Por isso, entendemos que seria necessário, atenta a natureza eminentemente jurídica da personalidade colectiva, não deixa de referir o limite constitucional e acrescentar-lhe também o limite legal, ou seja, não desequilibrar, de acordo com a Constituição, o n.º 2 em relação ao n.° 1 e acrescentar-lhe ainda, e em razão das objecções que o Sr. Deputado Almeida Santos acaba de fazer, a lei, que é a fonte e o código fundamental da personalidade colectiva.

Isso pareceu-nos efectivamente conveniente, precisamente nesta perspectiva das objecções que acabam de ser feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, pergunto se V. Exa. entende que a redacção proposta pelo CDS é idêntica a esta outra: "As pessoas colectivas gozam dos direitos e deveres consignados na Constituição e na lei, desde que sejam compatíveis com a sua natureza." Ou seja, a sua ideia base e a de que a pessoa colectiva e idêntica à pessoa singular quanto aos direitos e aos deveres - e é por isso que se fala aqui da Constituição -, embora depois haja uma limitação da sua natureza?

O Sr. Nogueira de "Brito (CDS): - Sr. Presidente, o que fundamentalmente pretendemos fazer ressaltar com a nossa proposta, em relação aos n.ºs 1 e 2 do preceito é a natureza eminentemente jurídica da personalidade colectiva. Portanto, entendemos necessário e conveniente não deixar de fazer uma referência a Constituição e acrescentar-lhe, como criação eminentemente jurídica deste tipo de personalidade, a lei, o que pode não resultar claro do cotejo dos actuais dois números do artigo 12.º

Página 83

30 DE MARÇO DE 1988 83

O Sr. Presidente: - Percebo isso, Sr. Deputado. No entanto, parece-me que isso talvez seja desnecessário, visto que a personalidade colectiva é sempre uma criação do legislador.

O meu problema não é esse, mas sim o seguinte: a doutrina - é o caso, por exemplo, da doutrina alemã, mas o problema também já se levantou em Portugal - tem por vezes suscitado a questão de saber se as pessoas colectivas podem invocar direitos fundamentais, designadamente para efeitos da sua aplicação directa, nos termos do artigo 18.° É isso o que se pretende sublinhar na proposta do CDS ou esse aspecto está, quer em termos favoráveis quer em termos desfavoráveis, considerado resolvido?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Presidente. Esse aspecto ficará resolvido com o nosso aditamento.

O Sr. Presidente: - Portanto, é isso que se pretende resolver?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Presidente.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Não estamos aqui a resolver o problema do CDS, mas sim a esclarecer qual é o intuito com que foi apresentada essa mesma proposta. Não quereria ir mais longe.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, se não se quer ir mais longe, então ficamos por aqui. Se se vai mais longe, e porque se tem alguma coisa a dizer.

O Sr. Presidente: - Estamos apenas a fazer um ensaio, Sr. Deputado. São VV. Exas. que decidem se querem ou não ir mais longe. Estou apenas a fazer uma tentativa de economizar algum tempo.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, penso que gastando agora um pouco mais de tempo podemos economizar tempo mais à frente.

Salvo melhor opinião, creio que o Sr. Deputado Nogueira de Brito não tem razão. Isto porque sempre se lerá de entender que a identificação dos direitos fundamentais reivindicáveis por pessoas colectivas não tem como critério o facto de eles terem assento constitucional ou legal; tem sim, como critério único a natureza compatível com a característica de pessoa colectiva. Portanto, sempre haverá lugar à operação inteligível de determinação da sua aplicação, independentemente de figurar ou imo este inciso no artigo 12.º

Em meu entender, este inciso proposto pelo CDS indicia que a Constituição forneceria, ela própria, critérios de compatibilização. Na realidade, a Constituição não fornece nenhum critério de compatibilização entre direitos fundamentais e natureza das pessoas colectivas, que os podem reivindicar. Portanto, esta proposta não resolve nada, não acrescenta nada e, em meu entender, lança ate alguma confusão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atrevo-me a subscrever a sua opinião, embora de uma maneira mais sucinta. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que o CDS está ciente, como todos nós, das dificuldades de interpretação que o n.° 2 deste artigo da Constituição suscita.

Penso que o CDS não ponderou que o leque de preocupações que quer projectar tem de se filiar num conjunto de referências bastante diferente. Há várias portas que estão abertas e não vale a pena tentar arrombá-las. Toda a reflexão sobre se os direitos fundamentais se aplicam ou não às pessoas colectivas e em que medida, se a panóplia de direitos fundamentais é uma realidade individuocêntrica e aos indivíduos circunscrita, etc., foi ultrapassada com a génese do texto tal qual hoje está conformado. Portanto, a questão do saber, designadamente se há uma destrinça enorme entre os n.ºs 1 e 2 é uma questão que se podia suscitar em termos de génese, em termos de prospecção ante constitutionem, mas que hoje em dia, como tal, já não se coloca. A preocupação há-de ser outra, isto é, mais aquela que o Sr. Deputado António Vitorino agora procurou situar. A ser essa, a redacção do artigo é inútil. Se fosse interpretado da forma que foi sugerida, que seria absurda e perigosa, poderia gerar alguma confusão.

Em suma, não encontrámos, no debate que travámos sobre a proposta do CDS, um sentido útil para a redacção adiantada. Encontrámos, sim, alguns sentidos, mais do que inúteis, perniciosos. De resto, lembro que em 1980 o CDS acabou por se inclinar, pelo menos nos trabalhos preparatórios, para não apresentar proposta nenhuma nessa matéria, por entender que a matéria poderia muito bem ser sanada pela doutrina e jurisprudência. Não creio que lenha havido uma grande mudança quanto a este ponto, a não ser que estejamos equivocados quanto ao alcance exacto da proposta que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui nos motivou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a nossa proposta visa fundamentalmente o equilíbrio do texto constitucional, ou seja, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.°, que, com uma leitura menos erudita, pode resultar prejudicado por esta ausência de referencias no n.° 2.

Por outro lado, visa realmente consagrar este princípio da especialidade. Não é, porventura, um pomo fundamental da nossa proposta, mas supomos que significa, ao contrário do que aqui se disse, um avanço, especialmente para o leitor mais desprevenido e menos preparado do texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, entendemos que a prova de que em matéria de pessoas colectivas o critério da natureza das coisas é decisivo para orientar o legislador, seja ou não ordinário, está demonstrada pela própria teoria civilística do princípio da especialidade do fim.

Em matéria de pessoas colectivas há sempre uma vinculação do legislador à natureza das coisas e à própria artificial idade da personalidade jurídica. Portanto, parece-me despiciente e até complicativo acrescentar o que quer que seja.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora ao artigo 13.º

Página 84

84 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

Não sei se o CDS quer explicitar as propostas de alteração relativas aos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.°

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, com a eliminação do qualificativo "social" damos uma ênfase muito maior à redacção do n.° 1 do que aquela que propomos para o n.° 2 do artigo 12.°

Entendemos que a dignidade dos cidadãos e das pessoas não deve exprimir-se num conceito de relação, tal como o faz o n.° 1 do actual texto constitucional, que fala de "dignidade social". Por outro lado, esse mesmo conceito de relação em que se exprime a dignidade pessoal é limitativo. Portanto, em relação ao qualificativo "dignidade", pretendemos que se elimine a expressão "social".

A redacção que propomos 6, portanto, a seguinte:

Artigo 13.°

Princípio da igualdade

1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei.

Esta é, pois, a razão de ser da alteração que propomos para o n.° 1.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cosia Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Somos levados a acreditar que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem razão.

Aliás, parece-me que a própria legislação ordinária portuguesa já antecipa isto.

Chamo aqui o testemunho, por exemplo, do Código Penal. Antes de se terem descoberto os bens jurídicos fundamentais no direito constitucional já o Código Penal falava disso. Hoje, por exemplo, o Código Penal já tutela a dignidade, independentemente da sua dimensão social, em dois crimes: o crime de difamação, que pune o prejuízo da imagem das pessoas perante outrem, e o crime de injúrias, que pune quem lesar a própria dignidade pessoal sem qualquer projecção no exterior e nas relações sociais. Portanto, o Código Penal já protege a dignidade tout couri. Isto significa que já há uma dignidade pessoal sem uma dimensão social.

Parece-me que, em relação a este aspecto, a alteração proposta enriqueceria as coisas.

O Sr. Presidente: - Se bem percebi, a ideia era a de evitar um adjectivo que seria redutor e, portanto, não interpretar "social" no sentido da societas societatis, mas num sentido contraposto a económico.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não só isso, mas lambem a própria dignidade existencial, a dignidade da pessoa em si mesma.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não e só um conceito relacional, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Portanto, e um conceito em si ligado à ideia da pessoa humana.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, concordo inteiramente com esta proposta do CDS. Na verdade, afigura-se-me que a eliminação da palavra "social" nada altera. Clarifica. E sobretudo introduz rigor no texto, o que me parece em si mesmo um valor positivo.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ouvimos atentamente as observações feitas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.

A questão da dignidade não é indigna e tem um tratamento constitucional abundante. Foi uma preocupação seguramente cardeal não só do processo de elaboração da Constituição, como também, em certos aspectos, da primeira revisão constitucional.

Em relação à questão da eliminação do inciso "social", há também que ponderar quais podem ser as duas faces da lua. Esta e uma, mas pode haver outra. É evidente que da dignidade cura a Constituição em muitos sítios, nas suas diversas dimensões, incluindo nessa, que é pessoal, única, intransmissível, e se aplica tanto ao pobre Robinson como ao astronauta que está na estratosfera, sozinho na sua pequena cápsula, tão homem como qualquer de nós e tão carente de ser tutelado nos seus direitos fundamentais como todos nós. Quis-se acentuar, por razões que não me parecem apenas circunstanciais, a questão relacional que em relação à dignidade parece ser crucial - e independemente agora de toda a longa polémica filosófica que isto implica e de todas as concepções existenciais que podíamos invocar, a esta hora, para aqui nos acompanharem. Creio que esta ênfase constitucional não é um "menos" nem um "em vez de". É apenas uma forniu de enfatizar uma questão, sem a qual poderemos imaginar Robinsons que realmente não o são a título nenhum, porque terão toda a dignidade possível e imaginável na sua essência e serão eminentemente respeitáveis, mas também terão contra si tudo aquilo que impede que essa dignidade seja uma projecção concreta e tenha as manifestações adequadas. Disso haverá de curar especialmente a Constituição, até porque de muitos outros aspectos pode curar com vantagem um conjunto de coisas de que todos somos capazes de nos lembrar. É a moral de um lado; é a ética do outro; é a religião quiçá; são os diversos componentes - penso nas artes, nas ciências, nas letras e em vários aspectos que são fundamentais.

Agora aquilo que se procura aqui enfatizar é isto, que se traduz, até concretamente, na proibição das formas de tratamento socialmente discriminatórias e em pôr fim a um certo estado de coisas e tem um conteúdo que e bastante mais que proclamatório. Creio que seria mau que, a qualquer título, esse conteúdo se perdesse, sobretudo em nome de uma abrangência que podia ser menos abrangente do que o conceito que está, o qual é razoavelmente abrangente e sobretudo muito prudente face às experiências históricas, que poderão ser também experiências futuras. É uma cautela que me parece razoável.

Neste sentido, penso que este inciso é muito incisivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Latão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer a lei nas observações aos Srs. Deputados Nogueira de Brito e Costa Andrade.

O princípio fundamental da dignidade tout court já está

Página 85

30 DE MARÇO DE 1988 85

consagrado no artigo 1.º da Constituição. Aí se diz que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana". Portanto, a consagração do princípio da dignidade é desde logo no artigo 1.º vertida em princípio fundamental. Não tem, pois, sentido que se procure reafirmar em sede de princípios fundamentais um princípio que já está afirmado.

Relativamente às observações do Sr. Deputado Costa Andrade, gostaria de dizer o seguinte: aquilo que o Sr. Deputado qualificou como princípio geral da dignidade, que tem o seu acolhimento em sede de legislação criminal, talvez tenha a ver com a consagração do direito fundamental patente no artigo 25.º, no qual se define o direito a integridade moral e física. É porventura, em nome do direito à integridade moral que resultam os afloramentos constitucionais que referiu.

Portanto, em nome do princípio fundamental, que já está consagrado, e em nome do direito fundamental, que também o está, teremos de procurar conhecer qual o alcance útil distinto que o artigo 13.º nos traz. E penso que o alcance útil é justamente essa lógica da relação entre a dignidade e o social. Sc suprimíssemos a expressão "social", não só estaríamos a reafirmar o que a Constituição já disse como perderíamos um dos conteúdos essenciais do direito à igualdade, que é, afinal, aquele de que trata o artigo 13.°

Em conclusão, penso que seria não só desnecessário como restritivo se, na sequência daquilo que o CDS pretende, viéssemos a eliminar a referencia ao "social".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Navego nas mesmas águas que o Sr. Deputado Jorge Lacão. Ou seja, nós não estamos a procurar uma definição filosófica. Se estivéssemos, então a expressão "dignidade" seria mais abrangente. Estamos, sim, à procura de uma definição jurídica. O que o legislador quis foi referir a "dignidade social" e não outra coisa, assim, como não quis a igualdade tout court, mas sim a igualdade perante a lei.

Parece-me que, pela mesma lógica, o CDS deveria propor o seguinte: "Todos os cidadãos tem a mesma dignidade e são iguais perante a lei." Porem, não e disso que se trata. Trata-se da dignidade social e da igualdade jurídica perante a lei, e é isso o que se quer. Quando se está a fazer uma lei e a definir direitos, quanto mais abrangente é a definição mais relativa e redutora a lei é. Isto é muito concreto. Queremos que os cidadãos sejam iguais perante a lei e tenham a mesma dignidade social. Foi isto o que se pretendeu.

Compreenderia mal também que a eminente dignidade da pessoa humana se referisse num outro dispositivo geral. Aliás, o projecto do PSD diz, no artigo 1.º, que "Portugal é uma República soberana, fundada na dignidade da pessoa humana". Não vamos agora discutir se isto se justifica ou não. Há quem seja personalista e quem o seja menos. No entanto, do que se trata aqui é da dignidade social e da igualdade perante a lei. Não é a igualdade económica nem a igualdade física - aliás, essa seria impensável - nem qualquer outro tipo de igualdade que está em causa.

Foi isto o que se quis. Tirar o qualificativo "social" significa reduzir, não aumentar e, mais uma vez, confundir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, nós entendemos o contrário, ou seja, que o qualificativo reduz a dignidade a um conceito, pura e simplesmente, de relação. Entendemos que não é assim, designadamente porque pensamos que tirar o qualificativo não diminui o alcance normal. A parte mais significativa e útil do preceito - expressão "são iguais perante a lei" - fica lá.

Portanto, entendemos que isso não só é redutor - antes pelo contrário - como também não introduz qualquer confusão. É neste preceito que a dignidade deve ser pura e simplesmente afirmada, sem qualificativos. O que é redutor é qualificar a dignidade. Ao definir o princípio da igualdade, o que é redutor é qualificá-la, e não o contrário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que os pontos de vista são claros. Há quem considere que a Constituição, apesar de tudo, tem uma dimensão jurídica e, portanto, é relacional; há quem entenda que se podem fazer referencias.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, se entendêssemos que estamos a lidar com conceitos jurídicos e de relação, então essa preocupação esgotaria os objectivos ou, pelo menos, distribuiria um ou dois por todas as frases da Constituição.

Nesse caso, teríamos a preocupação permanente de afirmar esta matriz do direito como realidade relacional. No entanto, ela está lá: "são iguais perante a lei". O que têm é uma mesma dignidade, que não é apenas a dignidade social nem uma dignidade derivada de serem seres em relação. É evidente que estamos a tratar deles nessa dimensão, mas a dignidade da pessoa humana é anterior à dimensão social. Era isto que não queríamos deixar de exprimir.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Não vamos entrar numa discussão filosófica, Srs. Deputados.

Subscrevo essa sua ideia, Sr. Deputado. Tenho algumas dúvidas quanto à sua consignação aqui, mas isso é outra coisa. Percebo muito bem qual é o sentido filosófico subjacente, o qual subscrevo.

Vozes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, estou de acordo com as intenções, enquanto legislador constitucional, do Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas discordo da fundamentação filosófica que no seu espírito subjaz à proposta.

Como não sou jurista, ignoro se retirar o adjectivo tem alguma implicação normativa. No entanto, permite-me sugerir que, na eventualidade de se considerar que e juridicamente útil mantê-lo, se diga "dignidade jurídica". Aliás, quando aqui se falou do adjectivo "social", ouvi usar o adjectivo "jurídica".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que estamos esclarecidos quanto aos dissensos.

Vamos passar à outra parte que ainda falta esclarecer da proposta do CDS e que e relativa ao n.º 2.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, ao n.° 2 o CDS nada acrescenta, mas retira a referência à língua.

Pensamos que o n.º 2 tem de ser efectivamente entendido de um modo um pouco diferente daquilo que acontece com

Página 86

86 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

o artigo 12.º, ou seja, como um desenvolvimento, pura e simplesmente, do n.º 1. Portanto, o princípio fundamental está afirmado no n.° 1 e explicitado e desenvolvido no n.° 2, sem uma preocupação de se chegar a tudo.

Realmente, no contexto português a referência à "língua" não faz sentido. Porventura, não fará mesmo sentido num outro contexto. Portanto, propomos a sua eliminação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a fundamentação do CDS radica num equívoco.

Tanto quanto me lembro da polémica em que o CDS participou, essa dúvida não decorria da emergência possível de uma questão linguística em Portugal, obviamente inexistente, ainda que não queiramos realmente malar o mirandês. A questão que aí se levantou foi a de saber se o facto de a Constituição aludir à circunstância de ninguém poder ser beneficiado em função da língua impediria ou dificultaria, de alguma maneira, as acções necessárias de defesa da língua portuguesa. Na primeira revisão constitucional, o Prof. Jorge Miranda chegou a apresentar, no seu projecto pessoal, uma proposta nesse sentido, a qual não veio a colher aprovação, porque se chegou, entre outras coisas, à conclusão de que não havia obstáculo nenhum e não decorria daqui uma proibição de que o Estado e todas as entidades que o quisessem pudessem realizar todas as acções possíveis e imagináveis de defesa da língua portuguesa. Isto se é essa a preocupação.

Se a preocupação é outra, ou seja, por causa da situação existente em relação a outras línguas faladas em Portugal, creio que, pura e simplesmente, a questão não se coloca. No entanto, talvez fosse bom que o CDS pudesse dizer, ultrapassado este cabo, se ainda há outro à frente.

O Sr. Presidente: - Tenho uma dúvida, que é a seguinte: numa interpretação desprevenida, legítimo, por exemplo, exigir que se fale português num exame? É esse tipo de problemas que o CDS procura obviar? Pretende-se, por exemplo, exigir que haja um domínio da língua portuguesa num concurso para o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou, pura e simplesmente, nos exames nas escolas portuguesas? Pode haver um direito à educação e haver esse problema da limitação, embora, a meu ver, seja uma dificuldade que poderia ser removida por outro processo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não me parece que a explicação dada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito tenha lido peso suficiente para nos "cortar a língua". Até pela graça ou desgraça que isto tem, não me parece que se justifique.

Em segundo lugar, o problema que aqui se coloca não é só o da situação que existe no território nacional, porque também se fala aqui no território de origem.

O problema é o de que, enquanto o n.° 1 fala em "todos os cidadãos", o n.º 2 refere "ninguém" e não "nenhum cidadão". Portanto, o n.° 2 não se aplica só a cidadãos e a território de origem, refere-se necessariamente aos estrangeiros.

O que isto quer dizer é que um indivíduo que é hebreu não pode ser proibido de litigar nos tribunais ou ler a religião que quiser. A meu ver, isto é uma disposição tendo por destinatários estrangeiros, para quem não fala o português; para o cidadão português não existe esse problema.

Parece-me, sim, que se trata de uma protecção para quem não fala a nossa língua, e não vejo que isto possa ter grande significado para quem fala português.

Não vejo razão nenhuma para se eliminar a expressão "língua". O Sr. Deputado diz que isso já está incluído no n.° 1. Então, tudo o mais também está incluído no n.° 1 e esta objecção vale para qualquer das outras menções. Por que é que se distinguiu esta de todas as restantes? Só para nos cortar a "língua" e não o resto?

Isto faz lembrar o velho Eça quando, respondendo ao director da Companhia das Águas, que lhe havia mandado cortar a água, lhe retorquiu: "V. Exa. mandou-me cortar a água; eu tenho de cortar qualquer coisa a V. Exa." No entanto, penso que o CDS não nos deve cortar nada.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, concordo, naturalmente, com aquilo que já foi adiantado, em especial pelo Sr. Deputado Almeida Santos, ou seja, que é de se manter, visto ter motivações fundadas, o adjectivo "língua".

Quero, no entanto, aproveitar esta ocasião para corrigir um lapso. É que o projecto do CDS também elimina, no n.° 2, a palavra "beneficiado". Parece-me que este problema ainda não foi levantado, mas creio que se poderá concluir que essa é uma questão que o CDS deixou cair.

Portanto, o projecto do CDS elimina duas expressões: "língua" e "beneficiado".

Vozes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, creio que isso deve-se ao facto de isso estar incluído na expressão "privilegiado". Creio que a ideia é essa.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É evidente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, sinto bastante embaraço em me pronunciar sobre esta questão.

Afigura-se-me que, tendo há pouco o Sr. Presidente considerado a circunstância de um exame e podendo os estrangeiros ser funcionários públicos e, portanto, professores, eles devem falar português. Não sei exactamente qual é a maneira de salvaguardar este valor e duvido que esta seja a sede própria para tanto. Parece-me todavia que este valor deve ser acautelado. Mas não sei se em relação a este ponto é necessário dizer alguma coisa na constituição.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Não é admitido, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É uma resposta possível, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, essa é a realidade.

Aliás, se o Sr. Deputado, como professor universitário, fizer um exame e se o indivíduo, o examinando, não falar português, V. Exa. não está, em princípio, autorizado a fazer-lho, porque deve usar a língua portuguesa.

Página 87

30 DE MARÇO DE 1988 87

Servi-me deste exemplo apenas para dizer que, neste domínio especial da língua, esta interpretação do n.° 2 tem de ser hábil. É a chamada protecção de origem, que foi há pouco referida pelo Sr. Deputado Almeida Santos. É o caso, por exemplo, de alguém que domine mal o português por ter vindo de um país de expressão oficial portuguesa. Há aí um propósito de protecção contra qualquer tentativa discriminatória.

Já não é admissível entender que, pela simples circunstância daquilo que está aqui consignado, alguém possa arrogar-se de, ignorando por completo a língua portuguesa, ter os mesmos direitos que aquele que fala o português quanto a matérias em que é exigível falar a nossa língua.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Concordo consigo em relação a esse ponto, Sr. Presidente.

Uma outra questão é a que se prende com o facto de se referir "beneficiado" e não apenas "privilegiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever".

De início também se me afigurou que literariamente ficaria mais enxuto dizer como o CDS propõe. Porem, depois de reflectir, afigura-se-me que pode haver o entendimento de que certos benefícios, mesmo em sede de direitos, liberdades e garantias, não são privilégios. Por essa razão, sou a favor da conservação do texto tal como ele está.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Da expressão "língua", Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não, Sr. Deputado, refiro-me a privilégios e benefícios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, queria alertar para um dos riscos que pode comportar a eliminação do inciso "língua".

Na realidade, há quem entenda que um dos critérios atributivos da cidadania deveria estar relacionado com o critério da língua. Há mesmo quem entenda que o facto de não se dominar a língua deveria, em certas situações limite, decorrentes da liquidação do império colonial, permitir a retirada da nacionalidade portuguesa a alguns cidadãos que hoje a têm, mas que não dominam a língua portuguesa.

Creio que a eliminação do inciso "língua" deste artigo 13.º seria uma legitimação dessas interpretações, que me parecem atentatórias da tradição histórico-portuguesa e das próprias soluções jurídicas concretas encontradas nestes últimos doze anos de experiência descolonizadora.

Acresce ainda que a preocupação deste artigo não se aplica apenas a estrangeiros, mas também, segundo penso, aos portugueses emigrantes das segunda e terceira gerações, que tem dupla nacionalidade, isto é, aos emigrantes em outros países que, não perdendo a nacionalidade portuguesa, adquiriram outras nacionalidades e que não dominam a língua portuguesa, mas que nem por isso deixaram de ser portugueses e que em relação ao Estado Português não podem nem devem ser prejudicados pelo facto de não dominarem a língua portuguesa.

Creio que a eliminação do inciso comportaria riscos que, pensamos, não seria necessário correr.

O Sr. Presidente: - Há pouco referi que o princípio da igualdade não é de uma aplicação cega, isto é, que quando haja justificações para a desigualdade se impõe que as pessoas sejam tratadas desigualmente. É preciso é que existam essas justificações. E é essa a razão que, quando para um determinado posto é fundamental que se domine o português, leva a tratar desigualmente uma pessoa que não sabe falar a nossa língua.

Não se pode permitir, por exemplo, que, com base nesta ideia da "instrução" do n.º 2, um analfabeto possa vir a desempenhar a profissão de médico. Isto significa que o n.° 2 tem de ser devidamente interpretado, não se podendo deixar de ter isso em consideração.

Por outro lado, não podemos também ignorar que a eliminação de algumas destas expressões pode historicamente ter um determinado significado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... Que são lei interna. Penso que só lá falta a cor dos olhos. Aquela lista é tão extensa que está lá tudo, incluindo a língua. Vamos tirá-la? Penso que isso seria, pura e simplesmente, inútil. Continuaria a estar, como se expressamente lá estivesse.

Além do mais, é um acto inútil.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de me pronunciar em relação à conexão que foi estabelecida entre a possível relevância desta eliminação e algumas soluções legalmente encaráveis quanto à questão da cidadania.

Tendo em conta o conteúdo da Constituição em matéria de cidadania - e, que me lembre, há nesta sede uma proposta de alteração do CDS -, não me parece que ela tenha a ver com aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino aqui configurou em termos bastante abertos, isto é, não específicos. Dado o conteúdo da Constituição, designadamente aquilo que decorre do artigo 4.°, "são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional". Nada mais se diz. Hoje em dia sabe-se, pois, que a lei diz o que diz quanto à aquisição e à perda da cidadania e que também dá um certo valor, que é, a certa altura, a relatividade, ao domínio da língua portuguesa. Não nos parece e que da reflexão sobre o artigo 13.º se possa extrair o que quer que seja no sentido apontado pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Em todo o caso, e por todas as razões aduzidas, mantenho as considerações feitas quanto à não bondade de que cortemos a "língua". Agora, a orientação da "língua" no sentido de alguns argumentos e que não me parece ler espessura e sustentáculo bastante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de afirmar a minha convicção de que retirar daqui o termo "língua" é entrarmos por um terreno um pouco escorregadio. Não podem estar aqui previstas todas as situações.

Penso que se deve manter o termo "língua", que deve ser entendido não só como tal mas também como nível e tipo de linguagem. Isto porque penso que nenhum cidadão pode ser prejudicado em razão do tipo de linguagem que usa

Página 88

88 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

- ainda que não consiga usar língua nenhuma - ou do nível de linguagem de que seja capaz de fazer uso.

Portanto, penso que a manutenção da palavra "língua" é necessária e imprescindível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pensamos que esta emuneração não pode ser nem é exaustiva. E o Sr. Deputado Almeida Santos acaba de o comprovar, tendo referido outras mais exaustivas do que esta.

Por outro lado, entendemos que, dentro de uma emuneração que não tem de ser necessariamente exaustiva, pode ser conveniente eliminar a referencia à língua neste n.° 2. Isso pode ser vantajoso ou conveniente para nós. Não é que o façamos com o intuito de ir discriminar quem não tenha a nossa língua, mas, na realidade, nem estão aqui todos os factores de discriminação possíveis nem a igualdade em função desses factores está aqui expressa de uma forma definitiva. O que, do ponto de vista de um país ou uma nação em diáspora, pode ser estrategicamente vantajoso é não ter aqui a referencia à língua.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, gostaria de responder ao Sr. Deputado José Magalhães. E gostaria de o fazer em dois planos.

Em primeiro lugar, desejaria, para lhe responder, louvar-me na intervenção acabada de proferir pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. É exactamente isto, e nada mais, o que quero dizer.

Em segundo lugar, quero dizer que o facto de estar aqui o inciso "língua" constitui um travão adicional (alem dos outros que a Constituição já contém) para impedir interpretações como aquela que referi.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de responder à questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado Raul Castro.

Por que e que nós eliminamos a expressão "beneficiado"? É que entendemos que o texto deveria ser enxuto e ser o menos possível objecto de interpretações controversas e duvidosas. Parece-nos que realmente havia uma duplicação desnecessária.

Por outro lado, a expressão "beneficiado" levaria a discussões linguísticas que prejudicariam a verdadeira natureza do texto.

Não há, pois, na eliminação dessa expressão outro sentido que não este.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, teremos certamente oportunidade de aprofundar este diálogo, e talvez nessa altura algumas das observações feitas já venham mais espessas com a fundamentação e quiçá com os documentos probatórios, que nesta matéria dão sempre jeito.

É que o Sr. Deputado António Vitorino louvou-se na intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito, que era alusiva a uma certa estratégia de que a supressão da "língua" no n.° 2 do artigo 13.° poderia ser vantajosa para Portugal.

Só que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tinha sido extremamente conciso na alusão a essa estratégia. Não a Unha definido minimamente nem tinha ficado absolutamente claro em que é que ela pudesse consistir e qual fosse a sua vantagem. Era a questão da diáspora? Era a nossa diáspora portuguesa pelas sete partes do mundo? Era a diáspora de outros em relação a Portugal? Era a desvalia da língua nesse caso, uma vez que aí, então, sendo a língua uma questão secundária, essa estratégia de diáspora para cá seria viabilizada? A concisão do Sr. Deputado António Vitorino seria absolutamente simpática, não tivesse sido o Sr. Deputado Nogueira de Brito de uma concisão fulminante. Assim sendo, é tanto intrigante, codificado e misterioso circular, mas absolutamente opaco, o debate travado.

Portanto, das duas uma: ou o Sr. Deputado Nogueira de Brito consegue definir abertamente a estratégia ou, então, a questão do corte da "língua" fica pendente e teremos uma semana para reflectir sobre ela.

O Sr. Presidente: - Tal como referiu o Sr. Deputado Almeida Santos, estamos a fazer uma leitura rápida, ao correr dos olhos, do texto da Constituição. Daí estarmos há três horas nesta reunião e só irmos passar para a análise do artigo 15.º

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a minha observação refere-se a um outro aspecto do artigo 13.º Por conseguinte, pedirei a palavra quando estiver encerrada a questão relativa à "língua".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, este debate não foi nada opaco, como o Sr. Deputado José Magalhães pretendeu insinuar. E nem preciso fazer apelo à imaginação transbordante que o caracteriza para dizer que, de todos nós, ele terá sido decerto o que melhor percebeu este debate.

Quero apenas dizer que não me parece que a invocação de critérios de conveniência ou de estratégia de recessão "diasporana" seja suficiente para eliminar deste artigo este inciso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, somos absolutamente contra a eliminação do inciso "língua" do n.9 2 do artigo 13.° por todas as razões, excepto a aduzida pelo Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. Presidente: - Já percebemos isso, Sr. Deputado. Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

O Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 13.°, pensamos que a eliminação do termo "língua" não nos deverá, em princípio, deixar descansados nos termos em que o Sr. Deputado Nogueira de Brito o referiu. É que, mesmo que isto não tenha de ser uma emuneração exaustiva, deve tender a sê-lo. Portanto, só aquilo que escapar à nossa capacidade de previsão é que deve deixar de figurar neste elenco de razões, pelas quais ninguém pode ser efectivamente priveligiado ou prejudicado.

Página 89

30 DE MARÇO DE 1988 89

Uma questão que gostaria de levantar é a de saber se, de facto, a eliminação do inciso "língua" do n.° 2 do artigo 13.° não pode bulir com o n.º 1 do artigo 15.° Tendo em conta que os estrangeiros falam a sua língua e não a nossa, não haverá aqui um certo prejuízo do princípio da reciprocidade consagrado no n.° 1 do artigo 15.°? E, nesse sentido, há aqui uma razão juridicamente forte para prevenir a subtracção do termo "língua" a este elenco do n.° 2 do artigo 13.º

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, espero que da Constituição não resulte que no autocarro se tenha de falar chinês, japonês, etc., só para garantir o princípio da igualdade.

Vozes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, para concluir esta troca de impressões sobre o artigo 13.°, gostaria de dizer o seguinte: afigura-se-me que a referência à "instrução" deve ser entendida como relativa ao tipo de instrução e não ao grau de instrução. Não proponho a eliminação do termo "instrução" no pressuposto de que se refere ao tipo de instrução e não ao grau de instrução. Se se referisse ao grau de instrução, a expressão deveria ser eliminada. Para além das razões já aduzidas pelo Sr. Presidente, a promoção da escolaridade obrigatória implica limitações nesta matéria, aliás vigentes, e que devem continuar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 15.°, relativamente ao qual há duas propostas de substituição do n.° 3 apresentadas pelo CDS e pela ID.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, com a redacção que propomos para o n.° 3 pretendemos salvaguardar uma questão de reciprocidade.

Em relação ao que foi consagrado em alguns países de língua oficial portuguesa, não queremos limitar efectivamente o acesso às Forças Armadas e à carreira diplomática. Portanto, a razão que nos leva, porventura, a eliminar o inciso "língua" no n.° 2 do artigo 13.º é a mesma que nos leva aqui a fazer este alargamento, que é a reciprocidade.

O Sr. Presidente: - Há mais alguma observação que os Srs. Deputados queiram formular?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria apenas de referir que, mais do que o acesso à prestação de serviço às Forças Armadas e à carreira diplomática, nos preocupa - e penso que em breve isso será também objecto de discussão - o acesso ao serviço cívico alternativo. Nessa medida, comungo, de alguma forma, destas preocupações e considero que aos cidadãos de língua portuguesa podem também ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, estes direitos que aqui vêm consagrados, bem como a prestação de um serviço cívico alternativo. Gostaria de deixar aqui presente esta proposta de reflexão.

Não proponho a inclusão, a substituição ou a retirada de nada do que vem expresso no respectivo texto, mas penso que, reflectindo um pouco sobre o texto actual, quando se faz referência ao serviço nas Forças Armadas concomitantemente se deve também referir ou, pelo menos, ter subjacente a ideia de um serviço cívico alternativo, uma vez que o nosso direito consagra já o direito à objecção de consciência e à prestação normal de um serviço cívico alternativo. Enfim, sugiro isto um pouco à laia de reflexão.

O Sr. Presidente: - Compreendo, mas, como o Sr. Deputado bem entende, o serviço cívico como uma consequência do exercício de direito à objecção é completamente diferente do que aqui está consagrado, que é um direito concedido aos estrangeiros e não propriamente um dever.

De qualquer modo, fica registada a sua preocupação.

Passaríamos agora à discussão da proposta de substituição apresentada pela ID, que pretende apenas a alteração da expressão "países de língua portuguesa" pela expressão "países de língua oficial portuguesa".

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Srs. Deputados, naturalmente que não se trata aqui apenas de uma questão formal. Na realidade, já na anterior revisão constitucional esta expressão não foi alterada. A expressão correcta e legítima não é a que consta actualmente do texto da Constituição, ou seja, a expressão "países de língua portuguesa", mas sim "países de língua oficial portuguesa". E porquê? Porque, naturalmente, isto diz respeito em particular, como é sabido, aos novos países africanos, os quais têm uma língua própria. Simplesmente, eles adoptaram como língua oficial a portuguesa, o que não significa que deixem de ter a sua língua própria.

Portanto, é compreensível que, tratando-se de um problema que diz respeito a um elemento fundamental da nacionalidade, que é a língua, a questão aqui não seja apenas formal, mas sim de fundo, o que, suponho, terá o consenso dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Gostaria de salientar, principalmente no que respeita à proposta do CDS, que a circunstância de termos entendido o seu alcance não significa obviamente nenhum assentimento em relação à mesma. Significa apenas que a entendemos, o que, de resto, era facilmente compreensível na motivação da proposta.

Julgo que chegámos a uma altura em que não se justificará estarmos a entrar na discussão do artigo 16.º, que é um artigo complexo. E mesmo neste sistema de leitura apressada é provável que a sua discussão se prolongue um pouco para além dos dez minutos que nos restam até às 19 horas.

Assim, Srs. Deputados, dada a velocidade com que os trabalhos decorreram, propor-vos-ia o seguinte: iríamos acelerar ligeiramente o ritmo dos nossos trabalhos e teríamos a próxima reunião, como é habitual, na quarta-feira, embora talvez pudéssemos começar às 15 horas e não às 15 horas e 30 minutos, o que nos permitiria avançar um pouco mais.

Vozes.

Está bem, mas a minha proposta vai um pouco mais longe. Proporia que também trabalhássemos na quinta-feira de manhã, embora simultaneamente se reúna o Plenário.

Srs. Deputados, provavelmente teremos depois de reunir mais vezes. Para já, esta foi uma fase inicial; estamos de certo modo a adaptar-nos, ou seja, verificou-se o "ensaio de tiro", e isso leva sempre algum tempo.

Página 90

90 II SÉRIE - NÚMERO 5-RC

Portanto, o que vos proporia é que reuníssemos na próxima quarta-feira, às 15 horas, e no dia seguinte, quinta-feira, das 10 às 13 horas. Nessa altura poderemos fazer o ponto da situação e decidir como é que vamos orientar os trabalhos na semana seguinte.

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Está bem, Sr. Deputado. Se o motivo particular é esse, ou seja, o de se ir verificar uma interpelação em que o Partido Socialista está particularmente interessado, compreende-se que este queira mobilizar uma parte dos seus deputados.

Sendo assim, reuniríamos na quinta-feira todo o dia: começaríamos às 10 horas, interromperíamos para o almoço e recomeçaríamos às 15 horas.

Entretanto, se não virem nada em contrário, a Subcomissão reuniria na próxima quarta-feira às 15 horas e 30 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 16 de Março de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
Luís Filipe Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Rui Manuel Chancerelle de Machete (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PCP).
José Manuel de Melo Antunes Mendes (PCP).
António Marques Júnior (PRD).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (Os Verdes).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×