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Quinta-feira, 5 de Maio de 1988 II Série - Número 9-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 7

Reunião do dia 20 de Abril de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão das propostas de alteração dos artigos 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 24.°, 25.° e 27.º apresentadas pelo CDS, referidas nos 2.° e 3.º relatórios da Subcomissão da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC).

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), António Vitorino (PS), José Magalhães (PCP), Maria da Assunção Esteves (PSD), Raul Castro (ID), Sottomayor Cárdia (PS), Vera Jardim (PS), Costa Andrade (PSD), Herculano Pombo (PEV) e Miguel Macedo e Silva (PSD).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, quero começar por comunicar à Comissão que o Sr. Deputado Adriano Moreira me dirigiu uma carta pedindo a sua escusa de participar nos trabalhos da Comissão por motivos relacionados com a sua actividade parlamentar e profissional. O mesmo Sr. Deputado também me comunicou que o CDS vai providenciar no sentido de fazer substituir a sua representação. Suponho que é essa a razão por que temos hoje entre nós o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Vamos prosseguir na análise, que tem sido mais detalhada do que seria de esperar quando adoptámos esta metodologia, dos diversos artigos que foram objecto de propostas de alteração por parte dos diversos partidos e dos Srs. Deputados individualmente tomados.

Como VV. Exas. sabem, o artigo que se segue é o artigo 28.e, relativo à "prisão preventiva" e em relação ao qual há propostas de alteração do PSD e da ID, mantendo-se a epígrafe do artigo inalterada.

Relativamente ao n.° 2, o PSD propõe a substituição da expressão "ou por medida de liberdade provisória prevista na lei" por "ou por qualquer medida prevista na lei".

Por outro lado, a ID propõe a eliminação da expressão "decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de", contida no n.° 3 deste artigo, bem como a substituição da expressão "pessoa da confiança" por "pessoa de confiança".

Resulta assim da eliminação e da substituição propostas a seguinte redacção para o n.° 3:

A privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança do detido por este indicados.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer a V. Exa. e à Comissão que estou aqui em substituição do Sr. Deputado Adriano Moreira. Espero que o meu partido proceda formalmente a essa substituição e que o faça por forma escrita, forma, aliás, correspondente àquela que foi utilizada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira.

Nesta circunstância, gostaria de solicitar a V. Exa. e à Comissão que me concedessem a oportunidade de justificar as propostas de alteração do CDS relativas aos artigos anteriores, ou seja, àqueles que se situam entre o artigo 16.º, que ainda foi justificado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, e o actual artigo 27.° Creio que já foi manifestada aqui a opinião de que era lamentável o facto de o CDS não estar presente para justificar as suas propostas. Congratulo-me com essas manifestações e espero que, ao intervir, não vá realmente provocar uma falta de consenso. Aliás, o Sr. Deputado Raul Castro foi o único que atribuiu à ausência do CDS uma vantagem, que era a de provocar fácil consenso contra o CDS. Espero não alterar esse bom clima!

Sr. Presidente, na altura em que inicio a minha participação nestes trabalhos, gostaria de saber se V. Exa., enquanto presidente da Comissão e representante do PSD, poderia efectivamente dar-nos alguma informação sobre notícias que chegaram hoje ao conhecimento do público e, portanto, dos membros desta Comissão - que nessa matéria também são público interessado - e que referem a existência de um acordo particular em vias de ser celebrado ou negociado entre dois dos partidos que tomam assento nesta Comissão, concretamente o PSD e o PS. É evidente que, em coerência com tudo aquilo que o CDS tem afirmado sobre a revisão constitucional, não seremos nós a colocar aqui qualquer entrave à realização de diligências que possam conduzir à formação da maioria de dois terços. Por outro lado, também não temos ilusões sobre qual o nosso papel para a formação dessa maioria, que não é nenhum, mas temos consciência de que desempenharemos um papel importante nesta Comissão. Gostaríamos que essa tentativa de acordo fosse feita no âmbito desta Comissão e com o conhecimento dos que nela participam.

Nessa medida, pergunto a V. Exa. se nos pode dar alguma informação sobre que tipo de diligências está preparado, que calendário está previsto e que resultado é possível neste momento augurar para esse tipo de diligências.

Era isto que, neste primeiro dia em que tenho a honra de estar presente nesta Comissão, gostaria de dizer como introdução.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, em relação à primeira parte da sua intervenção, é óbvio que V. Exa. terá, de imediato, a oportunidade de defender e explicar a motivação das propostas do CDS relativas aos vários artigos já analisados, em cuja discussão nenhum deputado do CDS esteve presente.

V. Exa. - também referiu um segundo ponto, em relação ao qual aquilo que lhe posso dizer é o seguinte: como sabe, não faço parte dos corpos directivos do meu partido e, portanto, não tenho nenhuma qualificação particular para lhe dar uma informação. Em termos de Comissão, subscrevo a ideia de que, obviamente, não pode haver nenhum acordo que não passe por aqui. Quem faz a revisão constitucional é o Parlamento, quem está encarregue disso é esta Comissão. Portanto, não poderá haver nenhum acordo que passe por fora desta Comissão.

Penso ser razoável que os dirigentes partidários troquem impressões acerca de métodos que poderão vir a ser propostos e que possam garantir que os trabalhos se cumpram dentro de um prazo razoável. Tanto quanto sei, aquilo que neste momento existe não passa de uma proposta formulada pelo PSD, que vai no sentido de marcar um encontro onde se troquem impressões gerais sobre esta matéria, e de uma anunciada intenção de resposta por parte do Partido Socialista - e há aqui vários Srs. Deputados do PS que podem, eventualmente, dar uma informação mais pormenorizada sobre o assunto -, em que se refere que essa troca de impressões é positiva e que estarão dispostos a fazê-la.

A única coisa que gostaria de lhe assegurar, como deputado designado para esta Comissão e, mais particularmente, como deputado eleito para presidir a esta Comissão, é que não seria uma metodologia aceitável a de haver acordos que não passassem não só pelo conhecimento como também pelo consentimento desta Comissão.

É isto o que neste momento lhe posso esclarecer.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, a preocupação do Sr. Deputado Nogueira de Brito é legítima, na medida em que, naturalmente, tudo o que diga respeito à revisão constitucional interessa aos Srs. Deputados e, muito em particular, a esta Comissão.

Tomámos conhecimento pelos meios de comunicação social e através de uma carta dirigida à direcção do Partido Socialista de que o PSD pretendia a realização de um encontro entre os dois partidos sobre matéria atinente à

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revisão constitucional. Sempre fomos da opinião de que a Assembleia da República é o local próprio para debater e apreciar as alterações à Constituição, e o processo de revisão constitucional é um processo em que mais relevantes do que as possíveis maiorias de dois terços são os contributos que os deputados individualmente considerados e todos os partidos, sem excepção, podem dar na sede própria para o debate da revisão da Constituição.

Até ao presente momento temos progredido nos trabalhos desta Comissão no sentido de apreciarmos e valorarmos as várias propostas, independentemente da sua origem e do peso dos seus proponentes para a formação das possíveis maiorias de dois terços. Sempre nos temos comportado e pautado por esta regra. É por ela e pela regra de que 6 a Assembleia da República, através da CERC, que nesta fase tem competência e responsabilidade para decidir em matéria de revisão constitucional que nos continuaremos a pautar. Sempre dissemos - e continuamos a dize-lo - que estamos abertos e disponíveis para dialogar sobre a matéria da revisão constitucional com todas as forças políticas de todos os quadrantes, fora e dentro do contexto parlamentar.

Foi exactamente de acordo com este princípio de abertura ao diálogo que decidimos, como já foi comunicado por carta ao PSD e, publicamente, através de uma declaração do secretário-geral do Partido Socialista, aceitar o encontro com o PSD, o que não substitui o trabalho por si e por definição insubstituível desta Comissão, não impõe nenhuma regra de observância obrigatória aos deputados que a integram, designadamente aos do Partido Socialista, nem impede que sejam realizadas outras iniciativas de diálogo e de confronto de opiniões com outras correntes políticas no âmbito parlamentar ou fora dele.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, teria colocado precisamente a mesma questão, provavelmente em termos similares àqueles que foram utilizados pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, não fora ter-se dado o caso de a reunião ter começado com um tema e só depois, por incidente, ter evoluído para a apreciação desta questão, que, quanto a mim, é prévia e influenciadora de vários aspectos do trabalho da Comissão.

Gostaria apenas de dizer que não é porventura tempo para gritar "escalracho!", ou qualquer expressão similar, nem para rasgar as vestes, mas que também não é tempo de guardar silencio. Nesse sentido, é positivo que travemos aqui um debate mínimo, já que não somos jogadores de xadrez nem, seguramente, receptores passivos daquilo que sejam ditames e "tam-tans" traçados num sítio que não seja este, onde deve, naturalmente, fazer-se a revisão constitucional. Enquanto representantes de partidos, somos todos livres. Os partidos são eles próprios livres de desenvolverem todas as iniciativas que entendam por necessárias para exprimir os seus pomos de vista, quaisquer que sejam, no quadro da ordem constitucional. Isto aplica-se, palavra por palavra, à revisão constitucional.

Em lodo o caso, devo dizer que é verdadeiramente estranho que se possa exarar em acta uma declaração como aquela que o Sr. Presidente acabou de referir. Penso que isso e verdadeiramente um símbolo da situação bizarra que se vive entre nós em matéria de revisão constitucional.

O PSD, que, depois de ter rejeitado por todos os meios propostas que lhe foram feitas por um partido político, as assumiu como tais, na sequência das eleições, para debater, pelas formas apropriadas, todo o quadro de alterações a introduzir na ordem jurídica em diversas vertentes, instâncias e níveis - e portanto, não só no nível constitucional, mas também no nível da lei ordinária - e que, a partir dos meses de Outubro e Novembro, enveredou a galope por uma política de consumação de pacotes; o PSD, que rejeitou todas as propostas de alteração aos pacotes e às peças legislativas individualmente consideradas que lhe foram feitas no sentido de lhes mitigar ou reconformar o conteúdo; o PSD, que, depois de ter concluído que a revisão constitucional devia obedecer a um calendário, ter datas e temas precisos, milimetricamente fixados e cronometrados, abandonou esse calendário; o PSD, que anunciou que a revisão constitucional devia concluir-se até ao Verão e que depois anunciou que isso talvez não fosse possível, mas que, em lodo o caso, estávamos em mora (e Deus sabe porquê!); o PSD, que, depois disto tudo, lançou ainda uma campanha pública em torno de um alegado atraso da CERC, de um carácter supostamente académico dos debates que aqui se realizam e do facto de estarem a ser descuradas as questões centrais da revisão constitucional e outras peças que tais, que constarão dos respectivos autos e dos livros de recortes que eventualmente se façam sobre este triste tempo, abriu-se ontem ao diálogo. E não só se abriu ao diálogo como também subiu à tribuna da Assembleia da República para fazer um convite, que foi formulado em termos tais que o secretário-geral do PS o qualificou de calúnia - e até o cidadão mais distraído compreende que isso é uma calúnia -, mas que, na óptica do meu partido, não passa de uma provocação.

É uma provocação na medida em que não se pode fazer um apelo a um debate sereno, eficaz e sem fronteiras - que não as constitucionais - sobre um tema institucional e de Estado como o da revisão constitucional, acompanhado e enroupado de um conjunto de observações, algumas das quais são da maior gravidade e lembram claramente a famosa política da canhoeira aplicada à revisão constitucional, e sorrir exclamando: "O que praticamos e diálogo!" Parece-nos mais que releva de má fé e de uma tentativa de criar uma situação nos termos da qual os convidados, como é próprio, tribunício e um tanto militar, mas no mau sentido, sofrem o tratamento adequado.

Não nos cabe exercer a função de guarda pretoriana do Partido Socialista. Cabe-nos exprimir aqui não a preocupação relativa àquilo que lhe pode acontecer na sequência do convite, uma vez que se dispõe a outros convites em relação aos quais não corre esses riscos, mas sim a preocupação de que isto seja feito desta forma.

Vozes.

Sobretudo, cabe-nos exprimir a preocupação de que isto seja feito de uma forma aqui e de outra forma junto da opinião pública. Isto foi feito através de uma carta em que, segundo aquilo que o Diário de Notícias revelou hoje e que não foi desmentido pelos Srs. Deputados do PSD, o PSD exprime o desejo de obter uma rápida ultimação do processo de revisão constitucional e, por outro lado, afirma estar disponível para dialogar com iodas as forças democráticas, em particular com o PS, com o objectivo claro de se alcançar uma revisão constitucional que sirva os interesses do País. O PSD entende que a revisão deve unir e não dividir os Portugueses e que o processo deve introduzir na lei fundamental alterações que confiram flexibilidade bastante para que o projecto possa ser executado. É isto o que se diz! Eis aquilo que ontem ouvimos!

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Aquilo que aparece nesse convite é o seguinte:

a) Uma acusação de seguidismo em relação àquilo que se qualifica como uma táctica e uma orientação obstrucionista do PCP;

b) Um conjunto de acusações verdadeiramente descabeladas, no plano sindical, a uma suposta actuação "roboquista" e subordinada, acompanhada por um conjunto de intrigas absolutamente inaceitáveis;

c) Um conjunto de chufas sobre a realização de manifestações unitárias comemorativas do 25 de Abril, das quais, naturalmente, não prescindimos. Sobretudo, não prescindimos de as fazer, consoante se entenda, em termos de unidade, que tem de ser dialogada, mas para a qual não são seguramente convidados os que tem disso a visão policial que ontem foi exibida no Plenário da Assembleia da República.

Tudo isto somado configura uma situação que é preocupante. Era isto o que gostaria de dizer, sem pôr em causa o que quer que seja quanto ao exercício normal de direitos. Todavia, ficámos demasiado instruídos e habilitados por certas experiências recentes para deixar de entrever que atrás de um convite deste tipo não está uma sobremesa favorável à democracia.

O Sr. Presidente: - Penso, em todo o caso, que é importante não abrir o precedente de fazermos um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia. A minha ideia 6 a de que, dentro daquilo que 6 razoável, nos ocupemos basicamente da problemática da revisão constitucional e não enveredemos por um debate de política geral, que pode, obviamente, ser tentador, mas que nos afastaria dos nossos objectivos.

Nesse sentido, penso que devemos registar as preocupações expressas pelo Sr. Deputado José Magalhães acerca da eventual "candura" e dos perigos que o PS corre.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, suponho que não errarei se começar por justificar a proposta de eliminação do artigo 17.° que está consubstanciada no projecto de lei de revisão constitucional n.° 1/V, apresentado pelo CDS.

Como V. Exa. calcula, aproveitei a vantagem de conhecer o que aqui já foi dito sobre as nossas propostas em concreto. Aproveitei também a vantagem de conhecer a discussão que foi feita em torno das outras propostas, a partir das justificações que sobre elas foram apresentadas.

Do conjunto de observações que me foi dado ler nas actas das reuniões passadas já disponíveis verifiquei que algumas intervenções atribuíam ao projecto do CDS, nesta matéria dos direitos fundamentais, um intuito redutor. Suponho que tal intuito não encontra a mínima tradução naquilo que efectivamente se propõe. Desde logo no artigo 16.º - que aqui foi justificado pelo meu colega de partido e antigo presidente Professor Adriano Moreira- não encontra qualquer justificação na simples consideração de facto que assente na situação de o CDS estar relegado para a oposição há vários anos. Não se compreenderia que, nesta matéria dos direitos fundamentais, o CDS optasse por uma atitude redutora, nem é essa, efectivamente, a nossa atitude.

Desde logo, ao propor a eliminação do artigo 17.°, o CDS procede ao inverso daquilo que poderia ser a expressão de uma atitude redutora. E explico porque. Em várias

ocasiões, alguns dos membros da Comissão invocaram a necessidade de ter em consideração a história do artigo 17.°, que me parece, de facto, fundamental, na medida em que, não obstante este preceito ter tido alguma evolução na revisão de 1982, esta não foi, porém, suficiente. A referência do texto desta norma, que já na versão de 1976 constava como artigo 17.g, tinha a ver com a sistematização que então era dada aos direitos fundamentais. Designadamente, a necessidade do alargamento dos direitos previstos no título n que se sentia tinha rigorosamente a ver com o resto da redacção do artigo 17.° Porém, supomos que a nova sistematização dispensa efectivamente esta referência ao título II.

Por outro lado, referiria também a discussão que aqui teve lugar, designadamente entre o Sr. Deputado António Vitorino e o Sr. Presidente, aquando da apreciação do artigo 18.º O Sr. Presidente, ao justificar a redacção proposta pelo CDS para este preceito - e a passagem do artigo 18.° a artigo 20.° parece-nos constituir uma alteração sistemática adequada e correcta -, viu alguns inconvenientes na perspectiva de alargamento sustentada pelo Sr. Deputado António Vitorino, temendo que essa perspectiva fosse provocar o aparecimento de novas hierarquias entre as normas, o que se compreende para o PSD, que repudia a figura da lei orgânica, que é algo que lhe faz impressão.

O Sr. Presidente: - Mesmo não repudiando, faz impressão.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em nosso entender, toda esta discussão ilumina a desnecessidade deste artigo 17.°, tal como está redigido, e o papel que hoje desempenha neste contexto de normas respeitantes aos direitos fundamentais, porque é esse preceito que é redutor, seja qual for a redacção que lhe for dada, acabando sempre por desempenhar, em si e na actividade interpretativa que provoca na sua sequência, um papel redutor. E, percorrendo as normas principais respeitantes ao regime dos direitos, liberdades e garantias, verificamos que efectivamente o seu interesse fundamental poderia existir em relação ao preceituado no n.º 1 do artigo 18.°, mas já não quanto aos restantes preceitos.

Faço, no entanto, um parêntesis para aceitar que, numa óptica de interpretação histórica, a eliminação do preceito possa, aí sim, ter inconvenientes. Daí a abertura do CDS à apreciação de sugestões nesta matéria, sendo certo que, de uma maneira geral, não consideramos que as propostas sejam fechadas no que diz respeito aos direitos fundamentais. Isto porque consideramos esta parte da Constituição que temos muito aceitável e muito positiva.

Mas a razão de ser da nossa proposta de eliminação reside no facto de entendermos que é a existência deste preceito que funciona com carácter redutor, principalmente para quem, como nós, adoptou uma tese aperturista - como há pouco dizia, e bem, o Sr. Deputado António Vitorino - em relação ao artigo 16.°, dada a referência que aí fazemos a valores e princípios fundamentais.

O Sr. Presidente: - Gostaria de pedir aos Srs. Deputados para não repetirem a discussão já havida. Isto significa que a circunstância de as afirmações agora produzidas pelo CDS não serem especificamente impugnadas não traduz nenhum consentimento ou concordância nem necessariamente nenhum dissentimento. Ou seja, a nossa posição depende daquilo que foi anteriormente dito e que, consequentemente, consta das actas.

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Com esta ressalva, feita no intuito de pouparmos tempo, daria agora a palavra ao Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Coonestaria a tese de que não se trata de reabrir o debate e limitar-me-ia apenas a dizer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que, se a intenção que presidiu à proposta do CDS é essa, ela coincide com as nossas preocupações. Contudo, e salvo melhor opinião, o resultado prático alcançado com a proposta de eliminação do artigo 17.° não é o que o Sr. Deputado afirma como sendo o pretendido pelo CDS, ainda que se possa considerar que é tautológico que o artigo 17.° faça referência expressa ao título n. De facto, deverá sempre entender-se que aquele título da Constituição que, por razões de ordem sistemática, refere "Direitos, liberdades e garantias" inclui os direitos, liberdades e garantias todos eles sujeitos ao regime jurídico do artigo 18.° Mesmo concedendo a bondade dessa argumentação, deverá sempre entender-se que a eliminação deste preceito afasta por completo a operação relativa aos direitos fundamentais de natureza análoga. Isto ó, a eliminação do artigo 17.8 deixaria de permitir a existência de título constitucional habilitador da aplicação do regime do artigo 18.° a direitos fundamentais de natureza análoga, quer em relação aos consagrados constitucionalmente, como é entendimento unânime da Comissão, quer quanto aos que decorram de instrumento do direito internacional ou sejam emergentes de lei ordinária, como é entendimento do meu partido, quando defende a não introdução do inciso limitativo "previstos na Constituição" proposto pelo PSD.

Resumindo, diria que com a eliminação do artigo 17.° o Sr. Deputado Nogueira de Brito inconstitucionaliza qualquer aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias a direitos fundamentais de natureza análoga, operação essa que sem o artigo 17.° nunca poderia ser efectivada.

O Sr. Presidente: - Ou seja, não constitucionaliza.

O Sr. António Vitorino (PS): -Não, Sr. Presidente, inconstitucionaliza, na medida em que, se hoje é possível aplicar o regime, com a eliminação do artigo deixaria de ser possível aplicá-lo.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Tenho opinião contrária, Sr. Presidente. De facto, continuamos a pensar que é o artigo 17.c, com as várias propostas de redacção e de entendimento apresentadas, que 6 sempre redutor. Isto porque, se considerarmos a redacção que propomos para o artigo 16.° e lermos depois as disposições respeitantes ao regime, verificamos que não haverá qualquer redução pela inexistência do artigo 17.°

Aliás, poderia fazer-se uma consideração de ordem sistemática, elucidativa nessa maioria, logo a propósito do artigo 18.°, cujo n.º 1, que consagra a aplicação directa, 6 apenas aplicável aos direitos constantes do catálogo constitucional. Os outros números referem-se a direitos, liberdades e garantias e, portanto, a categorias dos direitos fundamentais sem os limites ao colete da Constituição. Assim sendo, se no artigo 16.e optarmos por um princípio de real abertura, ficariam abrangidos, nos termos desse preceito, não só os direitos consagrados constitucionalmente, mas também aqueles que se encontram noutras sedes. O regime dos direitos é o que consta dos artigos 18.º e seguintes e aplica-se obviamente a todos eles.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo o Sr. Deputado Nogueira de Brito explicado já o seu ponto de vista, gostaria que não voltássemos a discutir esta matéria.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas exprimir um ponto de vista relativo às revelações e explicações aqui trazidas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, em que creio consistir a utilidade deste debate, uma vez que não podemos reabri-lo integralmente.

Creio que a achega dada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito é clarificadora das intenções do CDS, mas não, infelizmente, da questão suscitada no debate que agora reabrimos. Ficámos a perceber que o CDS faz a articulação entre as suas propostas de alteração dos artigos 16.° e 17.º e tem algumas dificuldades em levar essa articulação pelo caminho que se propõe seguir, como o provam alguns argumentos expendidos pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. Daí que as prevenções feitas me pareçam sensatas, na medida em que nesta matéria se pode argumentar em termos puramente políticos ou em termos na aparência puramente técnicos.

Em termos puramente políticos, poderá dizer-se que não existe qualquer razão para que direitos de natureza análoga que não os previstos na Constituição tenham a tutela máxima que a Constituição assegura. Pode dizer-se isso - e o PSD di-lo -, mas nós discordamos profundamente deste entendimento, na medida em que introduz uma dualidade de estatutos e, consequentemente, direitos de tipos diferentes, ou seja, direitos débeis, de um lado, e direitos protegidos pelo regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, do outro. Isso pode ser muito importante, dada a relevância que têm - ao contrário do que muitos poderiam julgar - esses direitos de natureza análoga consagrados, designadamente, em instrumentos internacionais. Entre nós, como tivemos ocasião de ver, isso pode inclusivamente ser relevante na área processual penal, existindo vários direitos dessa natureza que têm sede legal mas não constitucional. E os Srs. Deputados do PSD não estão minimamente disponíveis - e creio que o CDS também não o estará - para trasfegar todos os direitos fundamentais do cidadão espalhados pela legislação processual penal para a Constituição, a fim de colmatar a brecha que resultaria desta norma "catana", desta norma "guilhotina".

Aparentemente, o CDS não envereda por esta via. Envereda sim por considerar. "Trata-se de uma questão técnica, pois, se propomos uma espécie de recepção de tudo o que é direito no universo, é evidente que esses direitos terão o mesmo tratamento que os direitos consagrados na Constituição. Se esta fica completamente aberta, a protecção de tudo o que por ela entra fica completamente assegurada." Se assim fosse, assim seria. Só que não é, e a demonstração do Sr. Deputado Nogueira de Brito parece flébil em relação à demonstração de que não introduzíssemos, por esta via, uma limitação que poderia vir a ser perigosa relativamente a certos direitos fundamentais de natureza análoga.

Por outro lado, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito não tem a mínima garantia de que a sua cláusula de recepção universal e abertura completa seja aceite - pelo contrário, tem bastante indiciada uma inclinação completamente inversa -, esta discussão é um tanto ociosa. De facto, falhando o primeiro pressuposto, qual seja o da abertura universal, a solução agora aqui proposta para o artigo 17.°, ou seja, a sua eliminação, seria fatalmente mutiladora. Como tal, o raciocínio do CDS, amputado

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deste sonho ou desta esperança de abrir o artigo 16.º, traduz-se numa mutilação, numa eliminação do artigo 17.° Ora, este preceito tem um papel chave na nossa arquitectura dos direitos fundamentais e pode vir a ter uma certa importância com a multiplicação previsível dos direitos fundamentais de natureza análoga por força, designadamente, de obrigações internacionais, uma vez que, como sabem, haverá uma certa tendência para a intensificação da criação, por via de outros instrumentos jurídicos, de novos direitos para os Portugueses e para as próprias realidades sociais com expressão jurídica em Portugal. Significa isto que a concretização da solução proposta pelo CDS nestes termos seria altamente ampuladora daquilo que constituirá no futuro uma via aparentemente importante.

Nesse sentido, não nos podemos associar a esta proposta, embora me pareça, naturalmente, que as explicações clarificam bastante qual o problema básico do CDS. Quanto a mim, o problema básico do CDS reside na articulação entre uma impossibilidade e aquilo que poderia ser uma solução coerente, não fosse o facto de lhe faltar um pilar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.9 Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Apenas gostaria de dizer que a extensão consagrada no artigo 16.8 do projecto do CDS não vem remediar esta amputação clara do elenco dos direitos, liberdades e garantias e do regime que lhe é directamente aplicável. Isto porque, se o artigo 16.º proposto pelo CDS se refere aos direitos fundamentais, a amputação do artigo 17.º vem criar exactamente o problema da demarcação entre os direitos, liberdades e garantias - que são o núcleo duro dos direitos fundamentais, mas que os não esgotam - e os restantes direitos fundamentais.

Assim sendo, a eliminação do artigo 17.° provocaria desde logo a limitação do regime dos direitos, liberdades e garantias a este núcleo de direitos, liberdades e garantias sistematicamente disposto na Constituição, na primeira parte do título II, o qual, por outro lado, não seria, de modo nenhum, extensivo a quaisquer direitos fundamentais de natureza análoga. E o artigo 16.º não leria, de facto, nenhum poder de remendar os efeitos nocivos que a eliminação do artigo 17.e iria provocar, porquanto direitos fundamentais e direitos, liberdades e garantias não são coincidentes em extensão. Na realidade, uns são uma espécie - passe o pleonasmo - muito especial do outro grupo. Assim, para o intérprete normal, nem o artigo 16.º vem remediar o problema.

As consequências são, assim, as três que referi. Faz-se uma clara limitação do regime dos direitos, liberdades e garantias a este núcleo sistematicamente orientado, sem que se permita a extensão a quaisquer outros direitos fundamentais. O problema que se levanta e exactamente o da demarcação entre este tipo de direitos, ou seja, os direitos, liberdades e garantias, e os outros direitos fundamentais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em relação à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que a lese da abertura do artigo 16.9 não está abandonada, antes sendo uma proposta que o CDS apresentou e que pode colher alguns apoios, designadamente os indispensáveis para passar. Estamos, nesta sede, ainda no domínio das possibilidades abertas pelas propostas integralmente consideradas.

Quanto à argumentação expendida pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves - à qual rendo a minha homenagem, porque foi uma bela argumentação -, entendo que ela não colhe inteiramente, na medida em que a perspectiva de abertura que há-de resultar do artigo 16.º diz respeito efectivamente a todos os direitos fundamentais, e não apenas aos direitos, liberdades e garantias que a Sra. Deputada classifica como núcleo duro dos direitos fundamentais, e tem repercussões em sede do próprio regime que se aplicará por natureza, onde quer que eles se encontrem. O que é complicado é fazer distinções e saber onde se encontram, solução a que somos conduzidos quando temos cá o artigo 17.º

De facto, o PSD diz que se encontram "só na Constituição", o PS "na Constituição e na lei" e o PCP, porventura, "na Constituição, na lei e no direito internacional recebido". Diz-se que está recebido e que não está recebido, o que gera uma grande confusão. Ou então encontram-se inscritos nos valores que o CDS propõe para o artigo 16.°, e a confusão é essa. Concedo a valia lógico-jurídica forma! do seu argumento, que é de facto importante e pode significar a utilidade do artigo 17.°, mas entendo que, apesar disso, é mais inútil do que útil e não é necessário para permitir que o regime, mesmo do núcleo duro dos direitos, liberdades e garantias, numa perspectiva de abertura, motivada pelo artigo 16.9, resulte directamente da própria consagração desses direitos, onde estão consagrados.

O Sr. Presidente: - Já percebemos o sentido e a justificação da proposta do CDS, pelo que poderíamos passarão artigo 18.°

Tem a palavra ò Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Embora dando um grande desgosto ao Sr. Deputado Raul Castro, diria que, obviamente, a eliminação do n.º 3 do artigo 18.° representa uma pura gralha no projecto do CDS, como se alcança facilmente da leitura dos artigos 2.º e 3.º do projecto de lei n.° 1/V, que é o nosso projecto de revisão constitucional. Quanto àquilo que e eliminado, não há de facto nenhuma referência ao n.º 3 do artigo 18.º O que aconteceu foi que, por gralha tipográfica, como pretendemos alterar apenas o n.° 2 do artigo 18.º, na proposta só vem indicado o n.º 1, e não também o n.º 3, sendo certo que não queremos eliminar nem alterar minimamente nem o n.º 1 nem o n.º 3. Que isso fique bem claro. Se não fosse por mais, já justificaria isso a minha vinda à Comissão. Quanto ao n.º 2, o que acontece é que também a óptica com que fizemos a nossa proposta não é restritiva, antes pelo contrário. Vou tentar explicar porquê.

A possibilidade de restringir direitos, liberdades e garantias está, no actual n.º 2 do n.° 18, limitada aos casos claramente previstos na Constituição. Simplesmente, estes casos tem-se entendido não serem suficientes para permitir sequer uma regulação adequada do problema da compatibilização entre os diversos direitos. Assim, os aplicadores da Constituição têm-se socorrido dos elementos de interpretação da Constituição que são possíveis, e acontece que, concretamente, se socorrem do disposto no artigo 29.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ora, consideram que a possibilidade de introduzir restrições, indispensável a regular e reger o problema da compatibilidade entre os vários direitos, liberdades e garantias

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- direitos fundamentais -, se alcança por essa via. Nós propomos, como já foi aqui justificado, também sem carácter absoluto e com grande abertura, a eliminação da remissão ou referência à Declaração Universal. Nessa perspectiva, porque entendemos que a nossa Constituição é porventura mais rica na enumeração dos direitos, como fizemos a proposta e reconhecemos que este elemento coadjuvante é fundamental, passamos para o texto do n.° 2 do artigo 18.° o essencial do artigo 29.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, porque já se revelou não ser suficiente, sendo, como tal, inútil, não nos limitamos a esta pura referência aos casos expressamente proibidos na Constituição.

Por que é que preferimos a referência a "princípios e valores" e não a "direitos e interesses", como propõe o PS, concretamente o Sr. Deputado Almeida Santos? Porque entendemos, como o Sr. Deputado, que ambos têm consagração jurídica. Simplesmente, a lei e a Constituição acolhem princípios e valores, mas fazem deles -designadamente de muitos dos enunciados no pórtico da nossa Constituição, com alguns dos quais não estamos de acordo, como é sabido - a matriz das várias soluções constitucionais, enquanto os direitos e interesses são precipitados normativos positivos. Entendemos que são referências de alcance muito diferente a que se faz a princípios e valores e a que se faz a direitos e interesses. Como tal, entendemos preferível - aliás, na lógica da alteração proposta para o artigo 16.° - que aqui se refiram princípios e valores. E entendemos que assim o preceito não fica reduzido, mas sim, porventura, com maior utilidade do que a que tem no actual n.º 2, que não dispensa a tal excursão à Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Foi o sentido da proposta: só propomos alteração para o n.° 2, e com este alcance.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Em primeiro lugar, queria regozijar-me com o esclarecimento de que afinal o CDS não propõe a eliminação do n.° 3 do artigo 18.° Com certeza, não foi só por pensar em mim, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito deu a entender, que fez essa rectificação...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É um lapso, porque não foi apenas a pensar em si. Pensei em si, porque a sua crítica foi a mais dura. Mas é um lapso do resumo do texto do projecto, que leva a concluir claramente que não propusemos a eliminação.

O Sr. Raul Castro (ID): - Naturalmente, a rectificação do texto que faz o resumo das propostas das várias forças políticas é positiva e não será só pela minha parte que poderá merecer concordância e satisfação.

Em relação à proposta concreta do CDS, de tudo aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu não fica nenhuma razão - parece-me - para substituir a expressão "interesses" por "princípios". De qualquer forma, visto que esse número do artigo pretende limitar ao mínimo os casos de restrição de direitos, naturalmente que a expressão "princípios" é mais vasta do que a expressão originária do texto constitucional, ou seja, a palavra "interesses". Foi por isso que não pudemos dar-lhe a nossa concordância.

O Sr. Presidente: - Suponho que as explicações que deu clarificam suficientemente a situação, apesar de o Sr. Deputado José Magalhães ter pedido a palavra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quero apenas dizer que foi positivo ter o Sr. Deputado Nogueira de Brito tornado bastante claro que só por lapso se propunha aquilo que constava de relatórios que não pudemos certificar e debater com a devida atenção, talvez, no âmbito da subcomissão, o que é um alerta para o trabalho futuro. O CDS apareceu propondo uma solução que é irrazoável e seria de uma enorme gravidade política.

Em relação à questão política, creio que o debate é útil e elucidativo e deixa tudo isto em aberto, ou seja, a questão técnica de saber se será preferível para o objectivo proclamado seguir a via que é proposta pelo CDS. Devo dizer que, face aos resultados da discussão anterior e mesmo aos resultados das informações e à troca de impressões que já teve lugar nesta reunião da Comissão, não há razões para pensar tal. O Sr. Deputado Nogueira de Brito, de resto tal como os outros representantes do CDS, exprimiu, em relação a todo o enquadramento constitucional da questão da Declaração Universal dos Direitos do Homem e à relevância jurídica assumida na ordem interna desse instrumento, pontos de vista que não podemos sufragar. Temos uma outra posição quanto ao seu valor como princípio interpretativo e parece-nos que, dada a natureza de ordem constitucional dos direitos fundamentais da Declaração Universal, qualquer invocação contra constitutionem ou para efeitos de restrição, ainda que com o objectivo de mera compatibilização de direitos, seria ilegítima.

De resto, fizemos ao longo dos anos em Portugal um debate bastante positivo, que veio permitir sedimentar algumas ideias, outrora bastante perturbadoras e que conduziram a que uns opusessem a Constituição à Declaração e a Declaração à Constituição, o que e inteiramente ilegítimo. Quero dizer que um dos pilares do raciocínio do CDS nos parece débil e não subscriptível, na medida em que não atribuímos à Declaração Universal o valor que o CDS parece pressupor. Por isso, não queremos eliminar a referência constitucional à Declaração Universal dos Direitos do Homem, até por aquilo que ela significa de património da luta dos democratas portugueses em torno da instauração de uma ordem jurídica dos direitos fundamentais conforme a imperativos democráticos. Mas, como temos do valor jurídico e da projecção jurídica interna da Declaração uma visão que não se identifica com a que o CDS aqui trouxe, não nos parece que a solução aventada seja mais azada. Essa solução - em duas palavras - parece resumir-se a isto: suprima-se a referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem no n.º 2 do artigo 16.°, suprimam-se no artigo 18.° as baias, regras e critérios aplicáveis à restrição de direitos. É essa a receita, é essa a síntese. Também aqui, rejeitado o primeiro pressuposto, haveria sempre que rejeitar o segundo.

Devo dizer que há problemas, seguramente, de compatibilização de direitos, mas também há, dentro das regras hermenêuticas a que estamos sujeitos constitucionalmente, meios e possibilidades de ultrapassar essas dificuldades de compatibilização. Creio que todas as cláusulas gerais e todas as invocações de princípios, critérios e elementos axiológicos são extremamente perigosas para a tarefa hermenêutica a empreender; creio que todas as soluções no sentido de fixar limites em concreto ou cláusulas autorizativas no texto constitucional envolvem dificuldades enormes.

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O projecto do CDS é disso uma mostra exemplar, na medida em que opta por eliminação a granel, assim permitindo a aplicação das regras do artigo 18.° Só que, em acréscimo, ainda desmantelam o artigo 18.° Quer isto dizer que, tudo visto, não me parece que a questão do CDS seja apenas uma questão técnica, porque o projecto do CDS não é para ser lido por partes, mas para ser lido como um todo. E não é para ser lido por fascículos, dos quais não se conhece o fascículo 50, antes de ele chegar pelo correio. Pela nossa parte, já lemos os fascículos todos do projecto do CDS e o que lemos lá à frente não nos agradou nada, designadamente no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores e à Constituição económica, na parte em que espelha os direitos daqueles que são a vida das empresas, porque são a força laborai. O CDS, como não desaparelha as propostas que faz à frente das que faz atrás, não merece, até do ponto de vista político, quanto a nós, qualquer benevolência em relação àquilo que aqui apresenta, com ar tão gentil, como sendo uma questão meramente técnica. Daí a nossa rejeição das propostas e também dos argumentos em que se procura sustentá-las.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ter microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Não me parece, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A minha intervenção é exactamente para dizer que nós não aderimos a esta proposta, que me parece profundamente perigosa, antes de mais porque contraria a ideia mais profundamente kantiana dos direitos ou, dito em termos simples, segundo a qual os direitos de uma pessoa só acabam quando começam os direitos de outra, e segundo a qual a restrição dos direitos só pode ser conhecida na eminência da defesa de outros direitos, portanto, tendo em conta o poder subjectivo dos respectivos titulares, sem passar pela intermediação hermenêutica de princípios e valores.

Isto porque creio que a perigosidade desta proposta resulta de várias razões: em primeiro lugar, porque, aí, a restrição de direitos não se põe na base de uma colisão de direitos, que é o que propõe o n.° 2 do artigo 18.° do presente texto; em segundo lugar, porque submeter essa restrição, de modo directo e imediato, aos princípios e valores co-envolve contingências, em matéria de defesa de direitos, particularmente perigosas - por um lado, porque os princípios se caracterizam por uma aplicação de grau, e não tudo ou nada, como as regras que consagram direitos, e, por outro lado, porque em matéria de valores pode haver teorias hermenêuticas que consagrem uma posição objectivista, em matéria de valores, pré-justificativa dos direitos e com uma certa perigosidade totalitária. É claro que aqui há uma referência à Constituição, mas não se afasta completamente o problema. Entendo que a restrição de direitos faz sentido em função directa da salvaguarda de outros direitos sem qualquer referência a princípios e valores em primeira mão - esses resultam claramente da própria defesa de direitos - e sem critérios metajurídicos de justificação, que passam pela contingência da leitura dos princípios e pela perigosidade de um critério objectivo em matéria de valores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não sei se percebi rigorosamente o essencial do raciocínio do Sr. Deputado Nogueira de Brito. Afigura-se-me que V. Exa., após ter proposto no artigo 16.º a supressão da referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem, por esta conter imprecisões - se bem entendi, esse é o fundamento da proposta de eliminação-, pretende introduzir explicitamente no artigo 18.º as imprecisões da Declaração que quis afastar. Não sei se estou a perceber suficientemente o seu raciocínio. Mas, se é assim, não me parece bem.

Por outro lado, afigura-se-me que a exposição que acaba de produzir, de modo brilhante, a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves parece ser pertinente. A mim, que sou inteiramente leigo na matéria, afigura-se-me que a preocupação do CDS relativamente à colisão de direitos fica, porventura, contemplada de forma inadequada, por se pretender dispor explicitamente na lei sobre a matéria da dita colisão de direitos. A colisão, tanto quanto me é dado supor a este respeito, resulta de um conflito entre normas jurídicas positivas. Dispor nas próprias normas jurídicas algo a respeito da colisão é talvez enfraquecer uma parte dos direitos, ou dos interesses, ou dos valores, ou dos princípios que se pretende acautelar. Por este motivo, e porventura por outros, se me afigura que não é de aceitar a proposta do CDS para o artigo 18.°

O Sr. Presidente: - Gostaria apenas de fazer duas observações: uma, primeira, é que, no que diz respeito ao artigo 18.º, n.º 3, da proposta do CDS, não penso que, salvo a omissão por parte do CDS de ter participado nos trabalhos da Subcomissão que elaborou o relatório, fora isso, não incumbiu, creio eu, à Subcomissão nenhuma responsabilidade, porque essa gralha já constava da proposta do CDS, portanto, não foi uma proposta de transposição da Subcomissão ou da organização dos serviços.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, não queria que pairasse nenhum equívoco sobre isso. Apenas aproveitei - a palavra tem aqui todo o seu sentido - para sublinhar que uma das utilidades do trabalho da Subcomissão é, porventura, a de impedir a proliferação desse tipo de lapsos e gralhas, que são realmente uma praga. Situações deste tipo há muitas nestes projectos e vejo-as proliferar do texto original dactilografado para o texto impresso, do texto impresso para o texto editado pelo Serviço de Edições, do texto editado para os artigos dos jornais, dos artigos dos jornais sabe Deus para onde! A Subcomissão deve servir também para filtrar isto.

O Sr. Presidente: - Desde que possa. E é esse o problema. A outra questão é que penso que seria extremamente importante ouvirmos o que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem a dizer-nos; quando for estritamente indispensável, para não deixar laborar algum equívoco, então, naturalmente, faremos alguma intervenção. Mas já há pouco pareceu haver consenso no sentido de que a não impugnação ou não contestação dos pontos de vista manifestados pelo CDS não significa nenhum consenso. Não estamos aqui numa linguagem processual em que tenhamos uns articulados e um contraditório - estamos apenas a ouvir o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que não teve oportunidade de expor os pontos de vista do CDS quando houve ocasião que teria sido mais propícia para o

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fazer, por motivos que tem a ver com a vida do CDS. Neste momento, deveríamos - bem sei que com algum prejuízo para o brilho da discussão e para a explanação das posições dos partidos que já tiveram ocasião de inicialmente a fazer, mas não beneficiando das oportunidades que agora são dadas pelas explicações do CDS -, mas deveríamos, renunciar a essa tentação natural.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - O meu comentário dirige-se a todos os Srs. Deputados, uma vez que todos os grupos parlamentares têm adoptado esse procedimento. Estas palavras não eram, pois, especialmente destinadas a V. Exa.?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas não entendi as palavras de V. Exa. como especialmente referidas a mim. Pelo contrário, das suas palavras infiro o seguinte: estamos num trabalho parlamentar serio e relevante, no qual devemos privilegiar a matéria que estamos a tratar, deixando, como há pouco V. Exa. disse, embora não por estas palavras, mas por outras, que a agitação corra lá fora, e que nesta sede se aproveite o tempo para trabalho sério.

A realidade é que não estamos, em juízo, a ditar para a acta com o objectivo de se saber o que é que compromete os partidos que representamos. Estamos aqui para nos convencermos uns aos outros. Estamos aqui a dialogar para encontrarmos as melhores soluções, para que das preocupações de todos nós surjam melhores dispositivos constitucionais. E nessa medida afigura-se-me que seria extremamente negativo que não beneficiássemos da contribuição que o CDS seguramente dará a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, mas não queira repetir a discussão.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas não é possível repetir uma discussão que se passou na ausência de um dos elementos da discussão que estamos agora a ter. Por isso, não estamos a repelir, mas sim a discutir.

O Sr. Presidente: - Estamos a discutir e a repetir, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, pretendo esclarecer o que é que estamos a fazer. De facto, é evidente que o projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelo CDS foi já lido em linha de conta quando discutimos os respectivos artigos.

Entretanto, o que o CDS nos traz agora, no uso naturalmente de um seu direito, que eu coonestei, é uma explanação verbal e directa. Contudo, não me parece que estejamos nesta sede a rediscutir tudo isto, porque já debatemos os artigos e tivemos em linha de conta o projecto de lei da autoria do CDS nessa matéria.

Portanto, proponho que não repelíssemos as posições que apresentámos nesta sede e apenas procurássemos esclarecer a intenção legislativa do CDS.

Muito telegraficamente, quero somente dizer que, no respeitante ao artigo 18.e, os argumentos não me convencem nas duas questões que para nós são fundamentais, ou seja: por um lado, a questão da restrição dos direitos, liberdades e garantias, nos casos previstos na Constituição, que para o PS tem uma riqueza muio especial relativamente à defesa das liberdades e garantias; por outro lado, para sublinhar também que as fórmulas de natureza genérica, como aquelas que o CDS propõe, dos princípios e valores têm o valor hermenêutico que têm. São, aliás, perigosas nesta matéria, não podendo colocar-se em pé de igualdade com os direitos e interesses, que revestem outro grau de concretização. Portanto, nesta matéria de defesa parecem-nos bastante mais ajustados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em primeiro lugar, Sr. Presidente, quero esclarecer definitivamente a questão da eliminação do n.° 3 do artigo 18.º da Constituição. De facto, a gralha resulta clara da leitura dos artigos 2.º e 3.°, em que se fazem as supressões no texto do nosso projecto.

Em segundo lugar, devo dizer que ouvi novamente com muita atenção as magníficas intervenções produzidas em comentário à justificação apresentada para o n.º 2 do artigo 18.° Aliás, não me parece que a referência a "princípios e valores consagrados na Constituição", tal como é feita neste texto, tenha os perigos, que sem dúvida haverá noutros contextos, apontados pela Sr.9 Deputada Maria da Assunção Esteves.

Em terceiro lugar, VV. Exas., com tudo o que disseram, não respondem a esta questão. De facto, os casos expressamente previstos na Constituição, que praticamente se restringem a direitos, liberdades e garantias, conexionados directamente com as matérias do processo penal têm sido considerados insuficientes para estabelecer um regime adequado para a colisão entre direitos, liberdades e garantias, ou seja, entre direitos fundamentais de natureza análoga consagrados na própria Constituição. Daí o recurso através do critério da incorporação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na verdade, esta tese é sustentada por vários elementos da Escola de Coimbra, designadamente pelo falecido Prof. Mota Pinto, que acolhem o n.º 2 do artigo 29.° da Declaração Universal. O n.° 2 desse artigo 29.° faz referência à colisão com outros direitos, salientando depois o seguinte: "[...] e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática."

Entendemos, pois, que se deve reduzir esta referência aos princípios e valores e, bem assim, ao aspecto da colisão com outros direitos aos "princípios e valores consagrados na Constituição". E esperamos que desta revisão eles resultem consagrados na Constituição, porque a referência pura a princípios e valores tem os perigos que a Sra. Deputada salientou, e muito bem, o que já não acontece com a referência a "princípios e valores consagrados na Constituição". Esperemos que resulte desta revisão a consagração na Constituição de princípios e valores que eliminem as tentações totalitárias.

O Sr. Presidente: - Estamos, pois, esclarecidos quanto à axiologia do CDS, pelo que vamos passar à análise do artigo 19.° proposto pelo CDS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o que fizemos fundamentalmente no artigo 19.° foi distinguir as duas situações de estado de sítio e de estado de emergência, não as vinculando apenas a uma questão de grau, mas adequando-as também ao tipo de situação. Refiro-me ao facto de na nossa definição do n.° 2 do artigo 19.° o

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estado de emergência não valer para as hipóteses que dão origem ao estado de sítio e, depois, o regime deste último ser efectivamente de maior restrição. É o que resulta, nomeadamente, do n.° 6.

Ora, consideramos com atenção e simpatia os acrescentos que foram feitos tanto pelo PS como pelo PCP e iremos analisá-los quer nesta perspectiva quer na das introduções que já fizemos.

O Sr. Presidente: - Suponho, Srs. Deputados, que nesta matéria não se justifica nenhum debate, porque ela é extremamente clara quanto à posição do CDS, que, aliás, se insere no debate anterior.

Assim, vamos passar à análise do artigo 20.º

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, como em relação a este preceito não temos nenhuma proposta, passaríamos de imediato ao artigo 21.°

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi o chamado per saltum.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, no artigo 21.e o que acontece é que o CDS acrescenta uma referência em relação à definição do direito de resistência, ou seja, uma menção às "condições definidas por lei".

É óbvio que este aditamento tem a ver com uma preocupação realista da nossa parte. De facto, não nos parece possível que o direito de resistência, tal como é definido no artigo 21.° da Constituição e encontra depois concretização em vários institutos, seja possível sem a intermediação da lei.

No entanto, estamos também disponíveis para ouvir o que porventura o decurso da discussão nos possa trazer nesta matéria, no sentido de não acrescentarmos esta referência. Supomos, aliás, que é inútil não a acrescentar, porque não é possível prescindir da intermediação neste caso.

Passaríamos, agora, se o Sr. Presidente me permite, ao artigo 24.9

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado. Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando li isto, anotei uma pequena observação, que, aliás, já utilizei, na ausência de V. Exa. ê, e que me permito reproduzir, visto que só agora tenho o prazer de encontrar o CDS como interlocutor.

Afigura-se-me que o CDS oscila entre o excesso de jusnaturalismo e o excesso de positivismo jurídico. O direito de resistência é um direito moral que a lei não pode taxativamente limitar. De facto, o meu positivismo, que é algum - reconheço -, não aceita tal tipo de primado da lei positiva sobre o direito moral.

Não sei, entretanto, se V. Exa. quer acrescentar algo em relação a essa minha observação. Em todo o caso, fiquei muito surpreendido por haver verificado que o CDS subordine assim o direito moral ao direito positivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, julgo que a sua observação é pertinente. De facto, como estamos realmente preocupados em fundamentar as normas positivas da Constituição, e não só, em valores e princípios, temos simultaneamente uma preocupação de realismo, que é, no fundo, uma preocupação positiva.

Entretanto, o que não encontramos é nenhuma vantagem em deixar este direito de resistência como direito moral definido como tal na Constituição sem prescindir da intermediação, porque ele está consagrado na lei nas várias hipóteses que conhecemos. E é difícil prescindir da intermediação sem que isso conduza a excessos que podem traduzir conflitos verdadeiros de direitos e uma anarquia, que chamaria constitucional, nesta matéria. No entanto, estou de acordo com V. Exa.! De facto, isto, visto como tal por um simples leitor da Constituição, levanta efectivamente essa objecção de uma certa contradição ou oscilação entre esse jusnaturalismo, de que fala V. Exa., e uma preocupação positivista.

O Sr. Presidente: - E em matéria de positivismo podíamos passar ao artigo 24.° proposto pelo CDS, não é, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, mas não gostaríamos agora de discutir com demasiada profundidade o jusnaturalismo.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, não vou falar disso. No entanto, quero dizer que fiquei satisfeito com a intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito. Algo se adquiriu pelo menos em relação aos valores que o CDS defende nesta matéria, o que para mim em nada é motivo de surpresa. Mais: também se adiantou no sentido de ter ficado claro que o CDS não pretende que se faça lei reguladora do direito de resistência. Na verdade, poderia resultar uma certa ambiguidade se acaso se escrevesse que haveria uma lei reguladora do direito de resistência. Poderia entender-se que só nos termos previstos nessa lei é que o dito direito poderia exercer-se. Fica, pois, claro que, no espírito do CDS, não haveria lugar a lei relativa ao exercício do direito de resistência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Parece-me que aqui é que o Sr. Deputado Nogueira de Brito deveria contentar-se com os princípios, porque basta pensar no da proporcionalidade, o que lhe resolveria imediatamente o problema.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que nos devemos ater a uns princípios formulados por forma muito ática.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, quando V. Exa. consagrar na Constituição o princípio da proporcionalidade, ficarei satisfeito com isso. Acontece, porém, que esse princípio era um daqueles em que estava a pensar quando falava em anarquia no exercício deste direito de resistência, porque ele traduz-se

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nas várias disposições regulamentadoras do direito de resistência atinentes às várias figuras em que ele se desdobra.

No entanto, nesta como noutras propostas, estamos receptivos a melhoramentos. Não me parece que, se não nos referirmos à lei, isso tenha a mínima utilidade, porque não vejo ninguém, ameaçado por uma pistola ou de qualquer outra forma, a brandir o texto constitucional e invocar o direito de resistência. Só se fosse "encadernado" de determinadas maneiras...

A Sr.- Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quer dizer que V. Exa. - não brande a Constituição, mas sim a lei.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, vou brandir uma outra pistola nas condições que a lei permite faze-lo.

Entretanto, devo dizer que, no respeitante ao artigo 24.°, apesar do esclarecimento que nesta matéria foi fornecido pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 25/84, sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.° do Decreto n.° 41/111 - tomei até algumas notas sobre esta matéria -, se mantêm as dúvidas relativamente ao alcance deste preceito. Provam-no desde logo os votos de vencido, com que assinaram esse acórdão do Tribunal Constitucional, dos conselheiros Cardoso da Costa, Mário Afonso, Raul Mateus, Messias Bento e Armando Marques Guedes, que é o presidente. De facto, todos estes cavalheiros, ou seja, todos estes Srs. Conselheiros entendem...

O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas... (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras finais do orador.)

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - VV. Exas. é que não têm princípios nem valores. De facto, chamar cavalheiros a estes senhores!...

Como estava a dizer, todos os conselheiros que acabei de referir entendem que o n.° 1 do artigo 24.º, tal como está hoje formulado (e continuará, pelos vistos, a sê-lo, a avaliar pelas propostas que estão na mesa), abrange a protecção da vida humana após a concepção, ou seja, inclui a protecção da vida intra-uterina em plano de igualdade com a da vida extra-uterina. Eles abonam-se, pois, nas mais modernas conclusões e ensinamentos da ciência, com destaque para a biológica e genética, com a matriz axiológica da nossa tradição cultural portuguesa. Esta, como refere um dos conselheiros, concebe o homem como portador de uma identidade absoluta, que não surge com o nascimento mas com a concepção (esta é, no fundo, a concepção cristã sobre o nascimento da vida). Alem disso, invocam razões de ordem sistemática resultantes da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º, bem como jurisprudência estrangeira, muito cara ao Sr. Presidente desta Comissão, ou seja, a do Tribunal Constitucional Alemão, sobre uma questão inteiramente semelhante.

Ora, a votação operada no Tribunal Constitucional é impressionante, porque, de doze conselheiros, sete entenderam que não havia dúvidas no sentido de que apenas a vida extra-uterina gozava da protecção do n.° 1 do artigo 24.°, muito embora o nosso sistema jurídico reconhecesse também a vida intra-uterina, mas consagrando em favor dela uma protecção menor, e cinco deles perfilharam posição contrária.

Isto quer dizer que a dúvida deve ser desfeita. E daremos um contributo nesse sentido, contributo esse que é aquele que VV. Exas. conhecem muito bem, ou seja, que corresponde à nossa proposta de aditamento no n.° 1 do artigo 24.º Aliás, é essa a única forma que entendemos ser compatível com o alcance verdadeiro que atribuímos a este preceito e com uma protecção integral da vida humana. É, no fundo, o que resulta da nossa redacção.

Entretanto, aqueles que não concordam com a nossa forma de esclarecer esta norma devem propor um outro processo. Já os que estão de acordo devem, por sua vez, associar-se a este meio de esclarecer o preceito, sob pena de ele continuar por esclarecer e a ser fonte de dúvidas, designadamente no nosso mundo do direito e na nossa vida de cidadãos e de membros deste Estado.

Portanto, não compreendo que não se formulem alterações para este preceito, isto é, que as pessoas possam conviver de uma forma pacífica com a ambiguidade do n.º 1 do artigo 24.°, que está, aliás, perfeitamente demonstrada.

Ora, é isso o que me parece negativo. Por essa razão, seria natural que tentássemos acabar com a ambiguidade do preceito, levando a água, nesta matéria, ao nosso moinho. É essa a razão da proposta que fizemos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, percebi muito bem a maneira como leva a água ao seu moinho!

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, nós remetemos esta matéria para as considerações que na altura fizemos, uma vez que ela, não obstante a ausência do Sr. Deputado Nogueira de Brito, foi abundantemente discutida. Por conseguinte, aceitando nós o complemento das explicações dadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, não vemos necessidade de mudar o sentido do nosso voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, nós também remetemos esta matéria para a intervenção que fizemos aquando da sua discussão. A intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito, em nosso entender, não é sequer contemplada pela solução proposta pelo CDS, pois pensamos que não haveria nenhum esclarecimento adicional nem nenhuma explicação irrefutável com o acolhimento deste aditamento, contra o qual, como é sabido, nos manifestamos.

No entanto, permito-me deixar a seguinte nota: parece-me que o papel da revisão constitucional não é o de estabelecer uma fasquia nas maiorias de aprovação de acórdãos no Tribunal Constitucional e considerar que as maiorias folgadas (e quais seriam?) não suscitam dúvidas e as maiorias escassas levantam as maiores dificuldades de interpretação. Esse seria um caminho inadmissível de interpretação e de posicionamento perante a jurisprudência dos tribunais, o caminho que nós não trilhamos nem nunca trilharemos. É a prova mais cabal de desconfiança em relação à jurisprudência dos tribunais! Nós não entendemos o trabalho da revisão constitucional nesse comprimento de onda!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria apenas que não deixasse de ficar também exarada em acta a nossa dissociação em relação à filosofia e à substância da posição que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui exprimiu, com particular acento na primeira das questões, uma vez que quanto à segunda tivemos ocasião de realizar na Comissão um debate que me parece significativo e que clarificou posições. Não creio que vivamos em Portugal em convívio com a ambiguidade insuportável em relação à tutela da vida intra-uterina e creio que o Sr. Deputado Nogueira de Brito leu perfunctoriamente o Acórdão n.° 25/84, que é bastante mais subtil do que aquilo que acabou por constar no resumo que teve de ficar exarado em acta, pela simples razão de que não foi feito outro qualquer.

De qualquer forma, os cidadãos sabem ler as decisões do dito aresto do Tribunal Constitucional, no qual se procura, segundo todos nos poderemos lembrar e qualquer um poderá verificar, equacionar em termos equilibrados a questão da tutela da vida intra-uterina na ordem jurídica portuguesa, procurando que ela não se traduza, em qualquer caso, na tem liquidação dos direitos da mulher e na sua condenação a uma gravidez compulsiva. Não há nenhuma razão de carácter ético ou nenhum interesse do Estado que possa legitimar o sacrifício de um bem constitucionalmente tutelado e que não é, seguramente, irrazoável.

Por outro lado, só uma má leitura do mesmo aresto e uma consideração que o CDS se habituou a ter por todas as questões de carácter biológico podem estabelecer uma tal confusão entre o direito e a biologia, confundindo as modernas conquistas da biologia com a visão redutora, reduzida e limitada que aqui nos foi trazida quanto à sua projecção para a questão do aborto.

Finalmente, quanto à questão das matrizes axiológicas e à nossa tradição cultural, devo dizer que a leitura que dela faz o CDS é aquela que ficou espelhada no Plenário da Assembleia da República através da imorredoira gesta do deputado João Morgado, que disse de forma mais simples aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dizer de forma mais rebuscada. No entanto, creio serem uma e a mesmíssima posição e não terem outro conteúdo as alusões à matriz axiológica da nossa tradição cultural na boca do CDS.

Quanto à questão dos desafios de futebol ou aos "sete-cinco" e outros que tais dos conselheiros do Tribunal Constitucional, gostaria de dizer que o deputado João Morgado tem realmente algumas companhias, mas não referirei aqui nenhuma situada no Tribunal Constitucional, por razões que o Sr. Deputado Nogueira de Brito poderá compreender.

Creio também que, se a filosofia do CDS prevalecesse, a função da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e da Assembleia da República seria a de abortar a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Naturalmente, o CDS teria desse aborto uma ideia bastante distinta da nossa e com esse estaria seguramente. O CDS está é contra os outros abortos! Nós somos contra o aborto em geral, como sabe, e só o encaramos como último recurso também em matéria jurídico-constitucional, o que quer dizer que nos dissociamos - e esta é a minha última observação - dessa filosofia sherlockiana, que busca nos arestos, ponto por ponto, os convenientes ou não, em termos que não formularia de maneira diferente daquela que o Sr. Deputado António Vitorino aqui deixou e que me parece rigorosa e correcta.

Parece-me extremamente perigosa a via que se abriria se a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional seguisse aquilo que agora é proposto pelo CDS, o que aconteceria se fizéssemos a Revisão Constitucional com esse espírito e essa preocupação. Nesse caso, então, deveríamos parar e chamar aqui - uma vez que ele está feito - o levantamento e a triagem dos "sete-cinco", dos "cinco-quatro", dos "doze-onze", etc., para depois podermos dirimir esse conjunto de posições de voto dos conselheiros do Tribunal Constitucional. Não é essa, realmente, a visão que temos e creio que não será essa a visão que a Assembleia da República pode ter.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma discussão que não se ia repetir, não está mal! Estão ainda inscritos os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia, eu próprio e Raul Castro.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, no debate que, anteriormente, fizemos sobre esta matéria parece que se concluiu que o artigo 24.° não contém ambiguidade. A introdução da proposta do CDS, caso viesse a efectuasse, arrastá-lo-ia, essa sim, para uma ambiguidade. Eu não quero chamar à colação a autoridade do Sr. Deputado Costa Andrade, mas, se bem entendi, foi isto que resultou da sua intervenção, há algumas semanas, quando este assunto foi discutido.

O valor que o CDS pretende acautelar não ficaria protegido através da fórmula que pelo CDS é proposta. Digo isto apenas porque o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de fazer uma exposição importante e interessante - como é seu hábito - e o Sr. Deputado Costa Andrade se limitou, praticamente, a afirmar que mantém o voto do seu partido. Pergunto-lhe, Sr. Deputado Costa Andrade, se mantém também o argumento e, designadamente, a consideração de que o actual artigo 24.° não é significativamente ambíguo e que o que seria ambíguo, e não mais do que ambíguo, era o texto que resultasse do acolhimento da proposta do CDS.

Relativamente à argumentação apresentada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, não vou, naturalmente, fazer considerações de fundo. No entanto, afigura-se-me que, pelo menos de algum modo, e tanto quanto entendi dos seus argumentos, a ambiguidade surge essencialmente, senão exclusivamente, do pressuposto de que valores religiosos são procedentes na ordem jurídica portuguesa, ou seja, na interpretação das leis. Ora, é isto que se me afigura não aceitável num Estado em que há uma separação entre o poder político e as confissões, ou seja, entre o Estado e as igrejas. Sei que a questão é muito complexa, porque as convicções religiosas fazem parte do património filosófico e cultural da Nação. Todavia, consideradas as várias concepções axiológicas existentes - formuladas pelos autores ou sentidas pelo povo -, não há privilégio para os valores de natureza religiosa.

E sendo assim, afigura-se-me que a invocação desses argumentos é, porventura, sinal de que outros não há mais pertinentes a favor da tese interpretativa perfilhada pelo CDS e por cinco senhores conselheiros do Tribunal Constitucional. Por consequência, se assim é - e sei que estou a simplificar, mas o tempo é pouco -, do meu ponto de vista não é necessário mexer neste artigo e, do ponto de vista do Sr. Deputado Nogueira de Brito, não seria sequer suficiente mexer-lhe do modo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito pretende.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ser muito sucinto. Gostaria de referir o seguinte: como o Sr. Deputado Nogueira de Brito poderá ler nas actas, a minha concepção filosófica aproxima-se neste capítulo ou identifica-se com a sua, embora depois eu não retire daí as mesmas inferências de carácter político e político-partidário - não pertencemos ao mesmo partido-, ou seja, tenho uma opção católica e, naturalmente, por isso tenho ideias muito claras e concretas sobre esta matéria. No entanto, isto não significa - como disse há pouco - que tenhamos uma necessária correspondência de métodos.

Efectivamente, penso que a clarificação dos valores fundamentais que estão consignados no artigo 24.° consegue-se de uma maneira mais lógica, na decorrência da vida e do próprio fluir normativo, e existe, inclusivamente, uma forma de solucionar os problemas que foram levantados pelo aresto do Tribunal Constitucional, que são os de alterar o próprio objecto da análise desse mesmo tribunal, o que, como V. Exa. sabe, faz parte da legislação ordinária.

Gostaria, todavia, de lhe dizer, Sr. Deputado, que também não acompanho muitas das observações que aqui foram feitas acerca da ilegitimidade do recurso à jurisprudência do Tribunal Constitucional para daí retirar argumentos a favor desta ou daquela modificação. Tudo depende das circunstâncias. Nem, necessariamente, esses argumentos são decisivos num sentido nem no outro. Agora, acompanho o Sr. Deputado António Vitorino, no sentido de dizer que a função da revisão da Constituição não é uma função de clarificação da jurisprudência do Tribunal Constitucional. Certamente que o não é!

No entanto, também me parece que argumentos ad terrorem resultantes da fórmula ridícula e, certamente, infeliz, embora ingénua, proposta pelo Sr. Deputado João Morgado não levam a resultados ou posicionamentos diferentes. Penso que isso foi feito com grande gáudio e grande humorismo por parte da Assembleia, mas não altera a natureza das coisas e às vezes apouca um pouco as matérias cuja importância é maior do que os ditos comentários feitos pelo e ao Sr. Deputado João Morgado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, desejaria começar por salientar que só a conhecida capacidade de oratória do Sr. Deputado Nogueira de Brito seria capaz de jogar com os votos de vencido para justificar a doutrina de um acórdão que tem um sentido contrário àquele que afirmou. Realmente é um pouco estranho que se argumente de tal forma que quem não conhecesse o acórdão poderia ficar com a ideia de que este teria sufragado as teses do CDS, quando de facto sucede o contrário.

De qualquer forma, penso que o objectivo do CDS, para lá da invocação deslocada do citado acórdão - porque, na realidade, o acórdão veio, em relação a uma lei aprovada na Assembleia, a pronunciar-se em sentido favorável e não vejo que daí se possa retirar qualquer argumento -, é uma proposta que se serve da revisão constitucional para poder substituir uma lei em vigor por outra de sentido contrário. Ou seja, a vingar esta proposta, a lei que existe - e aqui claramente ao contrário do artigo 21.°, em relação ao qual o Sr. Deputado não foi muito claro quanto à resposta relativa ao direito de resistência...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Fui, fui.

O Sr. Raul Castro (ID): - É que fiquei na dúvida, Sr. Deputado.

De qualquer forma, a nossa opinião é a de que efectivamente não se deve alterar o texto constitucional.

Em relação ao problema levantado, devo dizer que temos uma opinião - que é conhecida - favorável à interrupção da gravidez e não à sua proibição, o que, aliás, resulta, embora em termos limitados, da legislação existente. Por estas razões não podemos, naturalmente, dar o nosso acordo a esta proposta, que significaria, a nosso ver, uma forma de revogar uma lei em vigor através da revisão constitucional, para abrir a possibilidade a uma lei de sentido contrário, o que, aliás, nos parece na prática sempre difícil.

O Sr. Presidente: - Seria mais simples revogar a lei em vigor.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito brevemente, Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, comentar a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que foi, como sempre, um pouco humorística e um pouco abusiva. Aliás, hei-de coleccionar as intervenções que o Sr. Deputado José Magalhães faz no Plenário, invocando votos de vencido e quejandos.

Srs. Deputados, a questão é só esta: apenas pretendi, suponho que de uma forma conclusiva - e aqui respondo ao Sr. Deputado António Vitorino -, salientar e sublinhar a ambiguidade que, apesar de tudo, existe em relação ao n.º 1 do artigo 24.° E parece-me que, nessa matéria, a votação do acórdão é um argumento. É evidente que não quero interferir com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas, Sr. Deputado António Vitorino, quero recordar-lhe que a composição do tribunal pode mudar e que há, realmente, uma certa ambiguidade na interpretação deste número. Isto é, o calor com que os Srs. Conselheiros defendem posições opostas nesta matéria é revelador de que não é pacífica a interpretação do artigo 24.° E que ninguém me venha aqui dizer o contrário!

Não é pacífica a interpretação do artigo 24.º, Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Costa Andrade e a demonstração desse facto está nos longos votos de vencido. Foi apenas com esse sentido que eu quis invocar jurisprudência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Queria, muito rapidamente, congratular-me com a clarificação que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acaba de fazer, sobretudo recordando nós -como devemos recordar- qual a autoridade do próprio acórdão a que o Sr. Deputado Nogueira de Brito se está a referir. Em segundo lugar, quero dizer que aqui o problema é um problema de critério. Os acórdãos tirados por 7 contra 5 votos são controversos e os acórdãos tirados por 8 contra 4 já o deixam de ser? O problema é saber onde se mete a fasquia. É um caminho difícil e perigoso de trilhar. Agora, discordar da jurisprudência do Tribunal Constitucional ou tentar integrar lacunas da Constituição, cada um de nós tem toda a liberdade de o fazer! No entanto, o que o Sr. Deputado Nogueira de Brito ainda não conseguiu provar foi que esta sua proposta conseguiria, por si só, dirimir as dúvidas de interpretação do Tribunal Constitucional acerca desta questão, as quais, aliás, vão bastante para além do resumo que V. Exa. fez.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, não estou a fazer nenhum comentário nem nós o poderemos fazer. Isso seria perigoso. Quero desde já fazer aqui essa

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prevenção e, simultaneamente, protestar contra uma intenção porventura atribuída à minha intervenção. Não quero censurar a produção do Tribunal Constitucional e penso que seria gravíssimo que nesta Comissão o pretendêssemos fazer. De forma nenhuma!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica registado!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Fica registado, como diz o Sr. Deputado José Magalhães!

Simplesmente, no que diz respeito às dúvidas sobre a interpretação, suponho que o resultado da votação e as declarações dos votos de vencido demonstram que esse é também um argumento irreversível. Isso parece-me claro, Sr. Deputado. Não é uma questão de fasquia, mas sim uma questão de entendimento da forma como se entende este n.º 1 do artigo 24.º Há outros indícios de que não é claro o entendimento nem sobre o artigo 24.º nem sobre a lei que foi aprovada, a forma como ela está a ser aplicada e o respectivo grau de aplicação, designadamente nos estabelecimentos públicos. Há vários sinais de que efectivamente a questão continua controversa.

Essa é a única justificação que o CDS tem para avançar com uma alteração ao artigo 24.º Se a questão fosse incontroversa, o CDS manteria sempre a sua opinião e tentaria fazer vingá-la, mas, porventura, não faria esta proposta. Fico à espera, registo e tomo a boa nota dos conselhos que foram aqui proferidos em matéria de alteração da legislação ordinária. Parece-me importante registar-mos isso devidamente.

Em relação ao argumento aterrorizador baseado na intervenção do Sr. Deputado João Morgado, não sei que analogia é que o Sr. Deputado José Magalhães pode ter encontrado nessas intervenções. O Sr. Deputado João Morgado e meu colega de partido e não lhe renego essa qualidade. Ele fez as intervenções que fez e eu fiz as que fiz na Assembleia da República. Não me sinto, de forma nenhuma, aterrorizado. Não há problema nenhum com esse facto, Sr. Presidente.

Não me parece que os partidos que comungam das dúvidas sobre o alcance do n.º 1 do artigo 24.° se possam conformar com a permanência da dúvida. Peço desculpa, Sr. Deputado Costa Andrade, por não ter ainda consultado todo o extenso volume das intervenções, mas ainda consegui ler algumas. Não li, porem, aquelas em que V. Exa. demonstra que não há dúvida nenhuma sobre o n.° 1 do artigo 24.9 Por intermédio do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, fiquei agora a saber que essa é a opinião de V. Exa. O Sr. Deputado diz que nós é que iremos, de facto, introduzir aqui uma enorme dúvida. Não sei bem como, mas fico a aguardar os seus esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, como V. Exa. sabe, um argumento ad terrorem não significa que aterrorize...

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cosia Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito seria a última das últimas pessoas a pretender que se eliminem as dúvidas. As dúvidas não se eliminam! A única coisa que pretendi demonstrar foi que com a alteração do CDS aumentariam as dúvidas. E explico porquê, Sr. Deputado.

Há aqui um grande equívoco em que labora muita da doutrina portuguesa e até mesmo o Tribunal Constitucional, que é o de equiparar estes dois princípios, isto é, considerar que a vida humana é inviolável desde o momento da concepção e acreditar que a partir daí é constitucionalmente ilegítma a não punição do aborto. Não há correspondência entre as duas coisas. Se aprovarmos esta proposta do CDS, apenas ficará explicitado que a partir do momento da concepção esse projecto de vida, que se designa por vida humana, já é um bem jurídico para a comunidade. Ora, isto hoje já é assim. No entanto, daqui não se infere que o direito seja obrigado a criminalizar todas as manifestações de aborto. A questão tem de ser colocada nestes termos. O CDS tem laborado neste equívoco. É que saber se se deve ou não criminalizar o aborto é outra questão, é uma questão que parte da consideração do legislador ordinário sobre a melhor estratégia de protecção da vida intra-uterina. Há quem entenda - é isso o que defendo - que a melhor protecção talvez seja a não criminalização. Mantenho por esse bem jurídico o mesmo respeito e penso que o aborto é uma agressão a um bem jurídico fundamental. Só que, se o direito penal intervier nessa área, irá provocar mais estragos do que vantagens.

Seria engraçado ver, por exempço, o CDS a fazer um projecto de lei - e esta ideia já começa a advinhar-se em alguns fora internacionais- que determinasse a revisão da parte relativa a esta matéria no Código Civil e no Código Penal e dissesse, por exemplo, que "nunca será admissível a legítima defesa que implique o sacrifício da vida". Seria realmente interessante! No entanto, isto ainda não se consagrou. É que, apesar de tudo, o direito penal e um direito fragmentário que nem tutela todos os valores nem tutela contra todas as agressões. O direito penal apenas tutela as agressões mais graves em relação às quais pense que tal tutela pode ser mais eficaz e sem custos humanos. O direito penal pauta-se por estas regras, pois não basta definir um bem jurídico. Com a proposta do CDS, clarificava-se apenas uma questão, que era a seguinte: para a comunidade jurídica portuguesa, a vida depois de concebida é um bem jurídico fundamental. Ora, isto já é assim e a expressão "a vida humana é inviolável" é um conceito normativo. Vamos agora saber o que é a vida humana? Podemos dizer que a vida humana o é a partir da concepção, mas não precisamos que a Constituição o diga. No entanto, mesmo que a Constituição o diga, não se resolve o problema do aborto, porque, como já aqui foi dito, o problema do aborto é um problema de legislador ordinário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, nós temos consciência disso, ou seja, de que se trata de dois planos distintos. Foram planos que nos últimos tempos se intercruzaram na ordem prática das coisas e na produção normativa portuguesa.

Com esta nossa intervenção não estávamos, como é óbvio, a querer provocar e precipitar a discussão do problema do aborto. Estávamos apenas a discutir este problema prévio em relação à regulamentação dessa matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ao fim de uma hora de debate sobre o aborto, não percebi ainda o

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significado da afirmação do Sr. Deputado Nogueira de Brito de que não queriam precipitar uma discussão sobre o enquadramento constitucional do aborto. É que não estivemos aqui a fazer outra coisa senão essa discussão!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não é nada disso, Sr. Deputado. Não ouviu a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ouvi-o atentamente, Sr. Deputado. Aliás, gostaria de dizer sobre isso três coisas.

Em primeiro lugar, estou inteiramente de acordo com as observações feitas pelo Sr. Deputado Costa Andrade quanto ao facto de não decorrer do enquadramento constitucional qualquer obrigação de penalização de todas as formas de aborto.

Em segundo lugar, estou inteiramente de acordo com a ideia de que o terror penal agrade ao CDS, que pensa que os argumentos ad terrorem são horríveis, mas acha que o terror penal é a melhor forma para a defesa da vida intra-uterina, o que está completamente contraditado por numerosos elementos e estudos e é, desgraçadamente, comprovado todos os dias na vida da sociedade portuguesa, em que o aborto continua a ser penalizado. Como sabem, o aborto só foi parcialmente despenalizado e continua a ser livremente praticado, o que não dói minimamente ao CDS, bem como a presença de qualquer iniciativa nesse sentido. A protecção da vida intra-uterina está aqui a ser usada como uma aparente bandeira da luta por aquilo que julgo ser um encontro, uma audiência que o PSD não concede ao CDS para aprovação de uma lei ordinária sobre esta matéria, já que é de lei ordinária que se trata e não seguramente de enquadramento constitucional. Em relação à primeira parte, isto é um equívoco. Em relação às implicações, é uma bomba atómica. O CDS tem - e mal - uma percepção distorcida, como, aliás, o Sr. Deputado Costa Andrade demonstrou, e dispensa reforço. Se se consagrasse uma cláusula deste tipo, então aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito criaria era uma nova maré de confusão, equívocos ou limitações.

É que das duas uma: ou aquilo que consagrava não queria dizer nada - hipótese essa que foi alvitrada pelo Sr. Deputado Costa Andrade-, porque de seguida poderíamos discutir o que é a concepção e depois a lei orgânica teria de definir as implicações disto e fixar em todas as dimensões aquilo que é o conceito constitucionalmente plasmado, ou, então, poderia significar alguma coisa. Se significa alguma coisa, então o Sr. Deputado Nogueira de Brito terá de explicar ao legislador ordinário quais são os seus pontos de vista em relação a questões tão simples como as da fertilização in vitro, das mães hospedeiras e de todos os outros aspectos relacionados com a experimentação de embriões, todos os fenómenos que se podem verificar na vida humana a partir do momento em que se dá esse fenómeno chamado "concepção", qualquer que seja o conceito que tenhamos do fenómeno da concepção, qualquer que seja o seu enquadramento, quaisquer que sejam os seus protagonistas e por aí adiante. E uma matéria melindrosa e em relação à qual é aconselhável uma prudência e um cuidado gerais. E absolutamente impossível partir para o debate com conceitos de tipo São Tomás de Aquino, designadamente sobre a natureza da mulher ou sobre as relações homem/mulher, seja na versão do Sr. Deputado João Morgado, seja na do Sr. Deputado Nogueira de Brito (que, portanto, distingo, para efeitos, como é óbvio, de divisão)...

Risos.

... mas que neste caso podem ter consequências absolutamente drásticas para o legislador ordinário. Creio que é isto o que o CDS não tem em conta quando embarca para uma operação deste tipo, de olhos fixos unicamente no útero, sem ter em conta que, ao fazer isso, abre portas que colocam algumas das questões mais melindrosas na projecção de ramos avançados de direito, em condições que, por exemplo, inviabilizaram em sede de lei ordinária alguns passos que deveriam ter sido dados há alguns meses atrás mas que hoje em dia, pelos vistos, estão inteiramente congelados.

Creio que, se aceitássemos essas dificuldades que já são reais e sentidas, mesmo sem esta cláusula de arromba proposta agora pelo CDS, o panorama tornaria inextricável qualquer tentativa de elaboração de um regime legal equilibrado, adequado e, sobretudo, voltado para o futuro. Eis ao que conduzem certas opções pelo passado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que esta matéria está esclarecida e as posições já estão tomadas.

Poderíamos passar agora ao artigo 25.° Em relação a este artigo não sei se o CDS quer acrescentar algo à discussão que já houve, visto que a sua proposta era idêntica àquela que foi apresentada pelo PSD e que ia no sentido de substituir a expressão "cidadãos" por "pessoas".

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, entendemos que o que está em causa é a dignidade das pessoas, a qual, efectivamente, não deve ser reduzida a um conceito de cidadania, que nesta matéria é limitativo e restritivo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Restritivo, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Deputado, é restritivo da protecção.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, dou-lhe, obviamente, a palavra, mas nós já tivemos oportunidade de discutir esta matéria e sobre ela já foram explicitados os diversos pontos de vista.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Certo, Sr. Presidente, não queria reeditar essa discussão. É que não tivemos o prazer de nessa altura ouvir o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Suponho, pois, que remeterá para o mérito dos autos, concretamente para uma intervenção do Sr. Presidente. Se o tivesse feito, não diria coisa nenhuma.

Sucede que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dizer que entende que do texto actual decorre uma restrição. Não creio que seja isso o que se desgarra do texto actual. Penso que o debate já travado aponta para que qualquer correcção que se venha a fazer terá carácter técnico. É que já hoje se vislumbra, através dos instrumentos hermenêuticos adequados, que não se pretende introduzir em Portugal uma dualidade de regimes, ao abrigo da qual os cabo-verdianos não têm direito à integridade moral e física.

Portanto, o que se pretende é que Portugal seja não um país de protecção dos direitos humanos, mas sim um país de "mãos livres" em relação aos direitos dos que não forem cidadãos. Penso que não é essa a ideia do preceito e suponho que não há nenhum jurista que assim o interprete.

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Se querem discutir a questão em termos de uma eventual benfeitoria técnico-jurídica, porventura desnecessária, então compreendo. Só que durante o debate também vimos que há alguns problemas na mutação. Como o Sr. Deputado sabe, há pessoas de vários tipos e, portanto, também temos de fazer uma interpretação correctiva, restritiva, porque, como é óbvio, todos nós não estamos a pensar no direito à integridade física das pessoas colectivas, das pessoas morais, mas sim no direito ao bom nome das ditas, no direito à integridade moral. Isto é especioso, não é?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. acabou de corroborar aquilo que eu disse. É que a expressão que hoje em dia é utilizada no n.º 1 do artigo 25.° pode ser objecto de uma interpretação restritiva. O que ele entende é que realmente não há quem a faça. No entanto, ela poderá ser feita, sendo certo que a substituição que propomos irá eliminar essa possibilidade, acrescentando-lhe, porventura, algumas dificuldades.

Mas elimina a possibilidade de uma interpretação restritiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que o problema que está colocado tem carácter técnico, com algumas consequências.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria apenas de lhe formular um pedido de esclarecimento, e que é o seguinte: a razão pela qual V. Exa. propõe que se diga "pessoas" e não "cidadãos" é a que decorre da necessidade de garantir a protecção dos estrangeiros? É isso o essencial ou é apenas disso que se trata?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não é apenas isso, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Aquilo que consideramos ser o suporte fundamental da integridade moral e física é a pessoa humana, pelo que qualquer outro conceito que aqui se utilize será efectivamente limitador. O que pretendemos é uma adequação àquilo que consideramos ser o verdadeiro suporte do que se vai proteger, do que é protegido.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): -Sr. Deputado Nogueira de Brito: se, porventura, se admite que os estrangeiros podem, de alguma forma, beneficiar com esta formulação, poder-se-á, então, dizer que eles apenas beneficiam desta formulação de modo subsidiário, lateral e indirecto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Beneficiariam, como consequência, do novo conceito que se utilizasse. Na nossa intenção, essa não seria uma consequência secundária.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao artigo 26.° não há propostas do CDS.

Vamos passar agora à proposta do CDS relativa ao artigo 27.º, que já discutimos na última reunião.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, na proposta de alteração que o CDS apresentou para o n.º 3 pretende-se esclarecer aquilo que é efectivamente a competência do tribunal militar.

Penso que as razões que nos levaram a propor as alterações do n.° 4 são claras: visam salvaguardar de uma forma mais perfeita o direito à liberdade e à segurança.

Vozes.

Sr. Presidente, a questão é a seguinte: na alínea c) diz-se que o tribunal competente para esta matéria é o tribunal militar. É este o entendimento para os recursos das sanções disciplinares aplicáveis nesse foro. Como é evidente, esta nossa proposta visa o esclarecimento dessa questão e da competência desse tribunal. É evidente que gostaríamos de ouvir a opinião dos outros membros desta Comissão, sobretudo se considerarem este nosso esclarecimento da competência como, porventura, restritivo e redutor das possibilidades de recurso perante sanções disciplinares de carácter militar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Poderá de algum modo haver restrição no que diz respeito ao recurso para instâncias internacionais, nomeadamente para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Parece-me que seria melhor uma fórmula que deixasse isto com o actual carácter geral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Um recurso dessa natureza não me parece que seja restritivo, Sr. Deputado Vera Jardim.

Se se limita a possibilidade, isto traduz-se numa preocupação positivista da nossa proposta, como há pouco disse o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Mas, se ela é de facto intoleravelmente limitadora, não fazemos dela uma questão especial.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Posso dar-lhe outro exemplo. Se acolhermos ideias de alguns projectos, ou pelo menos de um, isto é, se instaurarmos um recurso de tipo recurso de amparo, também iremos ter aqui uma outra limitação.

O Sr. Presidente: - Tinha-me inscrito na qualidade de membro do PSD para dizer que esta proposta me parece inconveniente na medida em que existe uma certa evolução do direito português - se bem que ainda não seja claro se vai até às suas últimas consequências - no sentido de diminuir a amplitude do foro militar. Foro militar esse que abrange não só material penal mas também, num certo entendimento, matéria de carácter disciplinar, visto que as sanções disciplinares de natureza militar revestem a natureza de sanções privativas de liberdade. Assim, numa matéria em que as ideias ainda não estão firmes, e não se percebendo a existência de uma motivação extremamente ponderosa, o facto de o legislador constitucional vir limitar a possibilidade dessa evolução não deixando jogar livremente o debate no seio da instituição militar e no seio das instituições políticas, que, em última análise, terão de se pronunciar sobre o assunto, parece-me restritivo e até impeditivo de uma reorientação que, aqui ou além, se começa a desenhar com alguma nitidez. De modo que, salvo se houvesse razões - que não descortino - extremamente

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poderosas nesse sentido, parecer-me-ia preferível manter a indeterminação e a abertura que o actual texto constitucional oferece.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ler falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) ... dos dois terços, nós deixamos desde já cair esta alteração.

O Sr. Presidente: - Só que isso é manter a redacção actual, mas está bem!

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Do nosso ponto de vista, e enquanto autores de um projecto que propõe o desaparecimento dos tribunais militares, parece-nos que é perfeitamente inconveniente positivar aquilo que, quanto a nós, já está demasiado positivado.

De facto, e um pouco no seguimento daquilo que o Sr. Presidente referiu, diria que na sociedade portuguesa existe uma evolução no sentido de retirar ao foro militar algumas das suas competências actuais e, nessa medida, penso que o texto actual deverá, para já, manter-se como medida de precaução. Ou seja, a redacção actual parece-nos preferível - e aliás tivemos já ocasião de o ouvir da boca do proponente - para não se apontar, em sede de revisão constitucional, um caminho que, previsivelmente -e muito gostaria que assim fosse -, não é o mais indicado.

O Sr. Presidente: - Todavia, V. Exa. vai um pouco mais além, pois eu limitei-me a deixar imprejudicada a questão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Pensamos que o acrescento da palavra "militar", pelas razões já aduzidas por alguns Srs. Deputados, funcionaria aqui como adjectivo limitativo, cuja introdução no texto constitucional não teria qualquer vantagem. Aliás, penso que o CDS já concordou em deixar cair essa alteração.

Quanto ao n.° 4, relativamente ao qual o CDS apresentou algumas propostas, podemos dizer que existem duas propostas diferentes. Uma consistente no acrescento da expressão "e de forma compreensível"; outra na substituição da expressão "da sua prisão ou detenção" por "da sua detenção ou prisão". Penso que a expressão "c de forma compreensível" é um preciosismo, na medida em que, quando o texto constitucional estabelece a necessidade de informar das razões da detenção ou prisão, se a informação é dada de forma incompreensível não se está a informar.

Existe um outro acrescento que merece a nossa concordância. Trata-se da expressão "bem como dos seus direitos", que nos parece ser de acrescentar.

O Sr. Presidente: - Aliás, nessa matéria, as duas fórmulas, a do PCP e a do CDS, têm diferenças mínimas.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, estou só a pronunciar-me sobre as propostas do CDS, que penso constituírem o objecto desta reunião.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O PCP tem na sua proposta a expressão "de forma rigorosa e compreensível".

O Sr. Presidente: - Tem o "rigorosa" a mais.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A palavra "rigorosa" levanta-me uma objecção, que é a de saber em que consiste "informar de forma rigorosa"? Contrariamente ao que entende o Sr. Deputado Raul Castro, a introdução da palavra "compreensível" parece-me útil, visto tratar-se de uma precisão e não de um preciosismo. De facto, o que acontece na generalidade dos casos é que a forma sob a qual a informação é dada é incompreensível para o detido, embora não saibamos se é rigorosa ou não. É esta a razão pela qual me parece importante a inclusão desta precisão no texto constitucional.

A outra alteração que propomos, ou seja, o acrescento da expressão "bem como dos seus direitos" parece-nos efectivamente importante. Não sei se esta informação dos direitos consta da legislação ordinária, mas julgo que deve ter guarida constitucional, completando este preceito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Gostaria, fundamentalmente, de dizer que nada temos contra as propostas em causa, tanto a do PCP como a do CDS. Nada temos contra as propostas em si.

Não são tanto razões de carácter partidário, mas sim razões que se prendem com a consideração do próprio texto constitucional que nos suscitam objecções. De facto, a Constituição deve garantir um direito à informação, que está já garantido. Mas, se a Constituição vai, ela própria, entrar no campo das qualificações deste direito à informação, então dificilmente se parará. Se efectivamente a informação não for compreensível, não é informação, pois quando se diz a alguém algo que essa pessoa não compreende não há comunicação.

Quanto ao facto de essa informação dever ser rigorosa, e óbvio que o deve ser. E a expressão "rigorosa" até pode ser contraproducente, pois, ao poder dar uma ideia de limite, pode fechar o alargamento da compreensão e a ela ser contrário. Se entrarmos nos adjectivos, por que não dizer também "completa" e "esgotante"? Deixemos à doutrina essa tarefa. Penso, por exemplo, que o Código de Processo Penal, no que toca à parte que lhe compete, já o diz com relativo desenvolvimento.

O que aqui se consagra é um direito fundamental: o direito a ser informado. É evidente que essa informação deve ser compreensível. Mas - e o problema deve ser colocado desta forma- considera-se cumprido o imperativo constitucional de informar se a informação não for compreensível? Obviamente que não, pelo que, do ponto de vista técnico-jurídico, não acrescentaremos nada. Deixemos, portanto, a Constituição enxuta com os seus direitos fundamentais - e este é o direito a ser informado - e nada acrescentemos.

Nada temos - repito - contra as propostas em si, e apenas partimos do princípio de que a informação ou e compreensível ou não é informação. Se se diz ao detido as razões da sua detenção em termos tais que de as não compreenda, não se lhe está a transmitir a informação, não se estabeleceu entre o detido e a autoridade uma relação de comunicação, mediação e continuidade de significados que permita àquele a compreensão das razões que levaram à sua detenção.

Assim, não vemos qualquer obstáculo a que estes adjectivos sejam acrescentados, a não ser o da sua desnecessidade.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E ao resto da nossa proposta?

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quanto à questão da informação dos direitos, penso que talvez seja prudente acrescentar a expressão proposta. Aliás, o PCP apresenta a mesma proposta. Pelo menos aí já se acrescenta alguma coisa útil. E - tenho de o reconhecer -, o nosso argumento da desnecessidade já não funciona aqui. Até ulterior reflexão - e não sei se os meus colegas de partido têm também algum contributo a dar nesta matéria - não vejo qualquer inconveniente ao aditamento desta expressão.

O Sr. Presidente: - Tem palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Eu não queria deixar de expressar a posição da JSD relativamente à proposta apresentada pelo CDS para a alínea c) do n.° 3, se bem que já tenha sido retirada. Esta proposta do CDS representava para nós um retrocesso em relação àquilo que pensamos dever ser a evolução, nesta matéria, no que diz respeito às competências do tribunal militar. Esta era, desde há muito, a posição da JSD e saúdo a retirada da proposta do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por deficiência técnica, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) ... o Sr. Eurico de Melo consiga dar conteúdo prático à preocupação da JSD.

Risos.

O Sr. Presidente: - Também estou de acordo com a JSD, o que em matéria militar não e muito frequente. Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, verifico que está retirada da proposta a palavra "militar" e congratulo-me com esse facto, que considero positivo. Mas fica-me a dúvida: não será que o CDS queria talvez dizer: "garantia de recurso para o tribunal competente, inclusive, militar"?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não...

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Admitira eu, embora isso não esteja escrito, que pudesse ser esse o objectivo da proposta.

O Sr. Presidente: - É o chamado espírito do legislador.

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Era um sentido possível da proposta...

Risos.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Então por que é que não o mantém?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Porque implicaria outros sentidos, quando nós lemos estado aqui num grande af5 esclarecedor dos preceitos constitucionais limitadores de ambiguidades, pelo que, Sr. Deputado, não íamos agora aqui criar esta.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito para intervir sobre dois pontos. Sobre o primeiro, já falei e peço desculpa da lateralidade substantiva da minha intervenção. Porém, relativamente ao ponto n.º 4 e à qualificação "compreensível", evidentemente que o Sr. Deputado Costa Andrade tem toda a razão. De facto, se uma informação não é compreensível, não é informação. Eu só pergunto se o argumento não prova demasiado. Não haverá informações, pretensas e devidas informações prestadas ao povo português, mesmo por imperativo constitucional, que não são realmente compreensíveis por parte dos cidadãos? Afigura-se-me que há. Mas fico satisfeito por verificar que o Sr. Deputado Costa Andrade considera que essas informações, prestadas em condições de não serem compreensíveis, não são informações. Permito-me chamar a atenção da Comissão para este problema. E exemplifico de forma muito sucinta: a legislação sobre a cessação do contraio individual de trabalho, nos termos da lei e salvo erro da Constituição, deveria ser explicado à sociedade portuguesa para que fosse devidamente compreendida. É o tal direito de participação, sempre que se trata de aprovar legislação relativa ao trabalho. Bom, terá ela sido realmente compreendida? Não atribuo a falta de compreensão a defeito do destinatário mas à habilidade de quem tinha o dever de se fazer compreender. Sei perfeitamente que isto não tem a ver com a matéria do artigo 21.º O que se passou foi um abuso, foi uma fraude à lei e à Constituição. Nesta matéria, nada se ganha em precisar, no artigo 27.º, algo que deveria ser claro, que é claro e que apenas circunstancialmente ficou obscurecido... Todavia, eu, que não sou jurista, gostaria de me aperceber - e por isso acompanho este debate com muito interesse - se efectivamente é ou não despiciendo utilizar a palavra "compreensível" no artigo 27.° Do ponto de vista jurídico, afigura-se que é despiciendo, que é inútil, que é repetitivo, que é redundante. Do ponto de vista da situação concreta a que nos estamos a referir, será também igualmente despiciendo? Ponderado o alcance global da Constituição, afigura-se-me que talvez justifique dizer que a informação deve ser compreensível. Muitos cidadãos privados de liberdade necessitarão que os seus direitos lhes sejam explicados de forma precisa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A minha explicação será curtíssima, na medida em que ficou consideravelmente facilitada pelas observações já expendidas.

Gostaria de sublinhar que é reconhecida, designadamente pela bancada do PSD, a omissão no texto actual do conceito e da obrigação que se pretende aditar, qual seja a obrigação de informação sobre os direitos. Aí, de facto, o texto é pobre e deve ser enriquecido.

Por outro lado, gostaria de me pronunciar sobre a segunda questão - a do conceito de informação - que, segundo o Sr. Deputado Costa Andrade, seria suficiente nos termos em que se encontra formulado. Nós discordamos dessa afirmação e creio que existem algumas boas razões para tal. Sabemos todos que o conceito de informação aqui utilizado só pode ser oriundo de um espaço semântico específico, pois não estamos a utilizar tal conceito no sentido corrente ou sequer no sentido próprio de outros espaços semânticos constitucionais, designadamente o de comunicação social. Estamos, sim, a aludir ao espaço semântico jurídico-penal na acepção própria, plena e rica, multifacetada neste caso concreto.

Creio, no entanto, que o enriquecimento proposto - porque é de enriquecimento que se trata e não de uma omissão - é-o em relação a algo que existe mas que pode ser densificado. E é isso que gostaria de deixar inteiramente

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claro, pois a densificação seria de uma grande utilidade. Devo, aliás, dizer que o Sr. Deputado Costa Andrade não terá seguramente nenhuma dúvida em reconhecer que neste ponto - o que não acontece noutros- o nosso texto constitucional ficou aquém daquilo que era a própria elaboração da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Não é por acaso que a Convenção presta tanta atenção às questões de perceptibilidade das informações. Em muitos casos a preocupação decorre das diferenças de carácter linguístico e, portanto, a Convenção, designadamente no artigo 6.º, n.º 3, tem a preocupação de que os acusados tenham sempre, no mínimo, o direito de ser informados "em língua que entendam e de forma minuciosa". Não propusemos uma fórmula deste tipo, muito embora tenhamos estado tentados a fazê-lo quanto à questão da minúcia.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O simples facto de a Constituição garantir o direito à informação é suficiente. Das duas uma: ou o legislador ordinário aplica bem ou aplica mal o direito constitucional. Se o aplica bem, tem de retirar essas decorrências todas; se o aplica mal, não é por isso constar da Constituição que deixa de o fazer. Penso que o Sr. Deputado não hesitaria em considerar inconstitucional, por exemplo, um código ou uma legislação de processo penal (já que disso se trata) que dissesse que o estrangeiro não tem direito a um tradutor. O que significa que a Constituição, tal qual está, já preenche a sua função de direito constitucional. É disto que estamos a tratar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, creio que a sua observação permite fazer evoluir o raciocínio para uma dimensão maior, porque utilizou um argumento que me preocupa. É evidente que não 6 por estar o que quer que seja na Constituição que se pode evitar que o legislador ordinário tresvarie e também não e por se suprimir o que quer que seja da Constituição que daí decorre que o legislador ordinário não pode escolher caminhos razoáveis. Não se pode com isto desembocar numa concepção dissolutiva ou subvalorizadora da Constituição porque, por mais curta que seja a Constituição, não impedirá o bom legislador nem, por maior que seja, o mau legislador. É um raciocínio francamente horrendo.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Concedo nessa parte, até porque a função da Constituição é precisamente a de evitar que o legislador desvarie. Fui incorrecto na minha expressão, mas continuo a ter razão na justeza do meu argumento em concreto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o que se pode ponderar é se em sede de revisão constitucional - porque e nessa que nos estamos a mover- alterações que sejam meros acrescentos, porventura de alguma utilidade, mas não inquestionável, têm fundamento. Creio que o PSD está bastante mal colocado para ser tão estrito quanto aos fundamentos, porque propõe tão abundantes e luxuriosas coisas lá para diante que esta parcimónia em relação aos direitos, liberdades e garantias é a avareza face às alterações que propõe, designadamente em relação a certos direitos. Vou falar da propriedade - talvez não hoje -, mas a questão da propriedade, à qual dedicaremos certamente a adequada atenção, revela um desvelo e uma atenção que por completo falham ao Sr. Deputado Costa Andrade quando considera esta questão.

O Sr. António Vitorino (PS): - São os amores constitucionais!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, cada qual tem os amores constitucionais que pode, mas que são reveladores, em qualquer caso.

Aqui há um terceiro argumento que é fascinante. Vê-se que o nosso Código de Processe Penal, essa benfazeja obra legislativa, já tem tudo isto. Para que é que o legislador ordinário há-de curar de fazer retoques naquilo que, no fundo, já está tão bem executado no Código de Processo Penal? Também aí creio que desembocamos numa outra concepção empobrecedora da função da Constituição e da sua natureza jurídica. Das duas uma: ou fazemos esse movimento da Constituição para a vida, isto é, para a lei ordinária, na medida em que é expressão da vida e da realidade, e da realidade para a Constituição, enriquecendo-a, e através desses fluxos interactivos conseguimos ir aperfeiçoando o próprio texto constitucional e tornando-o mais rico e densificado; ou então não contribuiremos para vivificar o texto constitucional. Neste caso, quero sublinhar que se trata de ter uma preocupação relativamente a um aspecto fulcral em matéria processual penal. Nesta matéria, creio que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia tocou num ponto muito relevante, já que nada é demais para assegurar que se altere a situação existente na realidade quanto à desigualdade no acesso a este ponto fulcral para a defesa de direitos e também à garantia contra as prisões e detenções arbitrárias, que é a de que cada um saiba "rigorosamente", "de forma compreensível" ou, como nós propomos, "rigorosa" as razões da sua detenção.

Pergunto: que razão de economia pode levar o PSD a argumentar que isto seria útil? Só se for por interesse ou por capricho. Que no texto constitucional isto exista é bom, até porque tem aplicação directa, o que não é despiciendo. Depois, por que não aditar alguma coisa deste tipo, que tem um valor conformador da actividade do legislador ordinário e pode obrigá-lo a aperfeiçoar o texto em vigor? Se fizéssemos isso, ainda ficaríamos bastante aquém daquilo que é consagrado em outras legislações. O que propomos é o aditamento de dois "incisozinhos", que não são despiciendos - e, como se sabe, um pequeno inciso faz certas diferenças em certas alturas. No caso da detenção, bem precisamos dessas diferenças!

É essa a nossa observação, que tem, de certa forma, ínsita um apelo.

Quanto à questão dos direitos, se o Código de Processo Penal avançou - aliás em lermos que mereciam interessantíssima discussão quanto à praticabilidade - no terreno da informação dos cidadãos relativamente aos seus direitos no momento da detenção, por que não plasmar na Lei Fundamental a retroprojecção disso?

O Sr. Presidente: - Suponho que V. Exa. - não ouviu que todos navegamos nas mesmas águas, em matéria de direitos estamos de acordo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Referiu, a princípio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Referiu, mas, dada a reacção crescentemente dissonante do Sr. Deputado Costa

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Andrade, até fui admitindo, para o fim da intervenção, que mesmo quanto a isso haveria o mesmo argumento colocado em relação ao primeiro. Mas congratulo-me com o facto de não ser assim.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade: - Mantenho a mesma opinião e não vi razões que me levassem a mudar. Parece-me, salvo melhor entendimento, e numa primeira consideração das coisas, que o texto constitucional, enquanto tal e com a função de texto constitucional, ganhará algo se acrescentarmos a expressão "e dos direitos", o que é, pelo menos, prova da nossa abertura nestas matérias. É claro que não nos podemos convencer daquilo em que não somos convencidos. Mantemo-nos na mesma, e das duas uma: ou a pessoa e informada de forma compreensível, ou não é informada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se invocar a inconstitucionalidade, com as subsequentes nulidades, em caso de insuficiente, inadequada ou errónea informação, isto é, não informação isso equivale a não informação ou a má informação, distorcida ou insuficiente, não rigorosa ou incompreensível, o que depende também um pouco da capacidade de percepção do cidadão e o desigual em função da origem social, da formação cultural, etc.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É óbvio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está disponível, então, para o facto de estarmos aqui a carrear elementos para o alargamento das nulidades por invocação directa da Constituição. Congratulo-me com isso.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Informar o detido é tomar acessível ao seu intelecto as razões por que está delido ou preso. E das duas uma: ou a informação é compreensível ou não é informado, porque se não há uma transmissão de razões, de conhecimentos, não há acção comunicativa, não há diálogo, não há nada. Penso que isto e elementar.

Se vamos no sentido de em sede constitucional qualificar a informação, então talvez devamos dizer que a pretensão do PCP e limitada, rigorosa e compreensível, mas que devíamos acrescentar muito mais, como, por exemplo, a referência à informação adequada à classe social, à zona do País, à profissão, à idade, ao universo subcultural em que o detido vive. Faça-nos uma proposta desse género e teremos efectivamente tudo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o PSD está disponível para uma solução desse tipo? É que nós fomos equilibrados e comedidos na redacção do preceito, pressupondo o minimalismo do PSD.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Estaremos disponíveis para aceitar uma proposta destas desde que cheguemos a ela e possamos dizer: "aqui está uma proposta absolutamente completa e que acrescenta algo ao direito de estar informado!" Só que - deixe-me desde já dizer - o meu cepticismo e extremamente grande em relação a essa possibilidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Propõe-nos um trabalho de Hércules inexecutável. Como sabe, na história isso deu resultados curiosos.

Vozes.

O Sr. Presidente: - O que eu queria referir quando me inscrevi era o seguinte: penso que estamos, a propósito de um problema que não julgo que seja de grande importância, na medida em que a legislação ordinária, através do Código de Processo Penal, deu uma resolução que se me afigura satisfatória, estamos perante um problema extremamente interessante, com duas vertentes significativas - uma primeira é de que existe, por parte de alguns Srs. Deputados, uma tendência, que considero que tem efeitos perversos, de pôr na Constituição uma série de notações, de encher a Constituição e os seus artigos, dando-lhe um carácter regulamentar. A preocupação natural é dizer: como é a lei fundamental, e muito importante que nela constem todos os aspectos meticulosamente regulados das situações da vida que se pretende disciplinar. Penso que essa é uma ideia que, de algum modo, desnatura ou não atende ao que é a essência da Constituição, isto é, a Constituição é composta por normas essencialmente abertas e dispostas, justamente, a receber - como dizia há pouco o Sr. Deputado José Magalhães - a realidade da Constituição material e a evoluir de acordo com ela, dentro dos parâmetros que foram fixados no próprio texto constitucional. Se nós cedermos a essa tendência, com propósito garantístico de incluir na Constituição tudo o que pensamos que é útil, importante e desejável, confundindo o plano da legislação ordinária com o plano constitucional, acabamos por desvalorizar a própria Constituição - esse é um aspecto da questão.

O outro aspecto que, neste caso, em matéria dos direitos fundamentais, tem uma particular acuidade é o facto de a Constituição também ter uma função de algum modo pedagógica e quando se destina, em determinados casos, a uma aplicação ou pode ler grandes probabilidades de uma aplicação imediata, como é a matéria dos direitos fundamentais, tem interesse que, mesmo independentemente da leitura da legislação ordinária, do compulsar da legislação ordinária, o cidadão - quer o cidadão que, aqui, é objecto da detenção, quer o cidadão que, como autoridade, delem - possa ter uma noção clara dos seus limites. É dentro destes dois aspectos que temos de nos comportar e, nesse sentido, eu diria, em termos de uma opinião puramente pessoal, que estamos certamente de acordo com a ideia dos direitos, porque isso acresce qualquer coisa de substancial. Entendo que esta ideia do "compreensível" é óbvio que já cá está, concordo com o Sr. Deputado Costa Andrade, talvez não seja mau que possa ser inscrita, porque é uma ideia impressiva. Já, por exemplo, me parece que a ideia "da forma rigorosa" não é a melhor maneira de dizer as coisas, porque se é compreensiva deve ser, suficientemente impressiva e se "de uma forma rigorosa" pode introduzir, por um lado, problemas ao normal desenrolar do processo penal, que, julgo, seriam inconvenientes; por outro lado, dificilmente, em alguns casos, será aplicável porque o problema de saber o que é o "rigoroso" acaba por ser de difícil determinação com exactidão.

Terceira questão, que é importante: no fundo, o papel de direcção que o legislador constitucional deve ter em relação ao legislador ordinário já foi de algum modo cumprido porque o legislador ordinário realizou bem a sua missão, isto é, traduziu no Código de Processo Penal.

Resta um ponto importante que foi, também, já aqui aflorado e que é o de saber se, além dos casos de processo penal, não há hipóteses de detenção. Aí, volta a reassumir alguma importância o problema da aplicação directa da disposição constitucional. Isto dito, propenderia, em termos pessoais, a dizer que me parece bem - suponho que é essa

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também a opinião do Sr. Deputado Costa Andrade - a ideia dos "direitos", parece-me francamente inútil e eventualmente perniciosa a ideia da "forma rigorosa", talvez tenha alguma vantagem aceitar eventualmente o acrescentar do adjectivo "compreensível", que está lá, estou de acordo com a interpretação correcta da Constituição, mas dará uma ideia mais clara.

Penso que as questões estão suficientemente dilucidadas. O que me preocupou e preocupa, devo dizer não a propósito deste tema, que, apesar de tudo, não tem grandes implicações práticas, mas, por vezes, e por razões que compreendo, repito, mas que me parecem falhar o seu objectivo, vejo desenhar-se uma certa tendência para encher os artigos com um detalhe e um carácter regulamentador que vem, afinal de contas, a ter um efeito perverso de desvalorização das normas constitucionais. Gostava de dizer isto porque o sinto, e acho que, a propósito de outros artigos, vamos ter oportunidade de confirmar esta eventualidade de efeitos perversos do texto constitucional, obviamente não queridos nem previstos pelo legislador constituinte.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não sobre esta questão que tem sido discutida, mas em jeito de interpelação, pergunto à Mesa ale que horas tenciona levar os trabalhos, porquanto são já 18 horas e 30 minutos, presumo que, naturalmente, será até cerca das 19 horas.

De qualquer forma, e além do mais, embora eu não seja um adepto do futebol, diria que, na realidade, já não seria a primeira vez que um desafio de futebol levaria o partido maioritário a ter uma certa moderação nos trabalhos, como aconteceu com o jogo do Sporting. Hoje há um jogo importante...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, um dia escreverei, provavelmente, um artigo sobre o impacte dos jogos de futebol nas revisões constitucionais. Mas enquanto isso não acontecer...

O Sr. Raul Castro (ID): - Penso que o PSD tem uma autoridade especial na matéria.

O Sr. Presidente: - Julgo que, na última vez que isso aconteceu, houve uma diligencia que, por acaso, não foi do partido maioritário - houve uma decisão tomada por mim, e eu nem sou adepto fervoroso do futebol, mas foi sufragada por toda a Comissão. A ideia que temos é a de acabar por volta das 19 horas, penso que alguns Srs. Deputados provavelmente necessitarão de se ausentar um pouco mais cedo, veremos, em termos de razoabilidade, qual a decisão a tomar. Embora o que estivesse previsto era acabar por volta das 20 horas, mas fá-lo-emos amanhã, regozijando-nos com a vitória do clube em que V. Exa. está a pensar ou, eventualmente, carpindo mágoas.

Julgo que vai haver necessidade de fazer uma rápida correcção nestas actas, porque estão recheadas de comentários futebolísticos. Embora seja uma realidade da vida, é a real idade constitucional a reagir sobre o texto.

O Sr. António Vitorino (PS): - Estou a ver que V. Exa. já tem preparada uma tese sobre o impacte dos jogos de futebol na revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Exacto, vai começar por aqui. Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Antes de mais, queria deixar aqui dito que me congratulo, e provavelmente também o PS, por V. Exa. ter da Constituição, dos seus parâmetros e dos seus limites um conceito muito próximo do nosso, senão mesmo idêntico. O que nos faz - precisamente para não alongarmos o texto constitucional e retirar-lhe até algum peso específico - criar uma categoria de leis, que chamamos paraconstitucionais, precisamente com esse objectivo, de não alargar excessivamente o texto mas, ao mesmo tempo, não retirar...

O Sr. Presidente: - V. Exa. - permite-me só uma interrupção? É que, realmente, V. Exa. - não alonga a Constituição formal, mas tenta alongar a Constituição material.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas foi assim que percebi a intervenção de V. Exa., em defesa de um texto constitucional situado dentro de certos parâmetros. Mas a matéria propriamente constitucional, essa poderá ser mais vasta, não tem cabimento nos estritos limites do texto constitucional, portanto, nós subscrevemos inteiramente esse conceito - isto é o que eu queria dizer em primeiro lugar.

Quanto ao artigo 27.º, queria dizer que temos uma simpatia por tudo o que seja melhorar o texto constitucional, sobretudo nesta matéria que nos parece extremamente sensível, pois o momento da prisão, como todos sabemos, é objecto de um tratamento muito particular em quase todos os textos constitucionais modernos, sendo uma matéria que tem consagração constitucional praticamente desde o início do constitucionalismo moderno.

Por consequência, vemos com muita simpatia a proposta do CDS - que é aquela que está agora mais directamente em causa -, mas também a proposta do PCP. Elas são, no fundamental, muito idênticas, quer no que diz respeito ao último inciso "bem como dos seus direitos" quer ainda no que diz respeito à expressão "forma compreensível". E não podemos esquecer duas coisas: entendemos que a Constituição tem um aspecto pedagógico nesta matéria e que a constitucionalização de algumas garantias deste tipo é para nós importante ao nível do texto constitucional.

Não pensamos, portanto, que aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito nos trouxe como conceito dos tais limites formais da Constituição possa ter aqui aplicação em pleno. Aqui, pensamos que se poderá ir um pouco mais longe, uma vez que é uma matéria extremamente sensível e, consequentemente, na clarificação ou até na concretização de lodo este aparelho de defesa, nomeadamente no momento da detenção - que é um momento muito específico e extremamente sensível -, nós damos o nosso apoio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, congratulo-me com a circunstância de, no fim desta discussão, o PSD ter acedido a incluir, para além da referência - vi-o pelos gestos do Sr. Deputado Costa Andrade e, como lenho um conceito de informação amplo, considerei-me informado - ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, penso que fui muito explícito, no início da minha intervenção, quanto ao meu acordo material às propostas. Mantive - e usei até a expressão "salvo melhor opinião e até melhor

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juízo" - algumas dúvidas sobre a utilidade e a necessidade do inciso. Evidentemente que, como estas não são questões onde se perca a pátria, alguns dos argumentos utilizados e algumas intervenções importantes que aqui foram feitas por todos os Srs. Deputados, nomeadamente pelo Sr. Presidente Rui Machete, provam talvez a utilidade do inciso. Consequentemente, o argumento da necessidade ou da desnecessidade talvez perca alguma força.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, congratulo-me com isso porque, na realidade, entendo que não se trata de alargar exageradamente a formulação do preceito, mas de introduzir apenas um qualificativo, de uma forma muito simples, suponho que o qualificativo essencial para esta informação. Sendo nós confrontados com a informação, a desinformação e a contra-informação - uma vez que há vários conceitos de informação -, este qualificativo do esclarecimento acentua o objectivo fundamental do preceito, conjuntamente com a informação dos direitos, que - essa sim - tem já a ver com o conteúdo.

O Sr. Deputado Costa Andrade concordou, desde o princípio, com a justeza do acrescento. Entendo, portanto, que não se sobrecarrega o texto constitucional - preocupação expressa pelo PSD em várias oportunidades - fazendo-se, efectivamente, um trabalho útil, designadamente no que diz respeito à matriz que damos às normas do Código de Processo Penal que se preocupam com o problema dos estrangeiros. Neste campo, a informação pura e simples poderia, porventura, não ser matriz suficiente, muito embora para o entendimento de muitas pessoas essa informação implique isso mesmo. No entanto, pode não o implicar para todos de forma esclarecedora e compreensível.

Repito que este acrescento não sobrecarrega o texto constitucional e define claramente o objectivo que se pretende. Consequentemente, congratulo-me com este acordo, que não necessitou de nenhumas reuniões especiais.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Eu só queria acrescentar à sua exposição o seguinte: não esquecendo que a prática não e nada daquilo que vem no Código de Processo Penal, reforçarmos o texto constitucional pode, efectivamente, ter um efeito positivo, ou seja, o de fortalecer esta garantia.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É a pedagogia da Constituição.

O Sr. Vera Jardim (PS): - É a pedagogia que eu já tinha referido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito acaba de fazer uma referência à utilidade deste debate, tendo declarado que não foram necessárias outras reuniões. Com toda a razão. Estas reuniões e que são as boas reuniões para elaborar a Constituição. Outras reuniões poderão, eventualmente, contribuir para prejudicar o trabalho de revisão da Constituição.

Quanto à matéria em apreço, afigura-se-me que, nos lermos propostos pelo PCP e pelo CDS, a palavra "compreensível" é, tecnicamente, desnecessária. Isso parece-me claro. Há pouco disse que a palavra era juridicamente desnecessária, mas parece-me que não tinha razão. O que ela e a tecnicamente desnecessária.

Todavia, este argumento não é um argumento dirimente. E porquê? Em primeiro lugar, desde logo, porque os requisitos de informação a cidadãos livres e a cidadãos detidos não são os mesmos, sobretudo no que se refere ao processo penal a aos direitos dos detidos e presos em processo penal. Em segundo lugar, o alcance pedagógico da Constituição deve ser considerado. E, na prática, o que é que significa, neste ponto preciso, o alcance pedagógico? Significa o direito do detido ou do preso a dizerem, muito simplesmente: "Não entendo." Ora, este direito é um direito fundamental na fase policial do processo.

Em terceiro lugar, afigura-se-me o seguinte: o mérito da omissão destes qualificativos "compreensível" e "rigoroso" é um mérito que decorre do entendimento de que a Constituição deve ser enxuta, como bem disse o Sr. Deputado Costa Andrade. Acontece que a nossa Constituição não é, realmente, enxuta e, por consequência, estamos a corrigir a Constituição que temos. O carácter um pouco prolixo do texto constitucional tem inconvenientes e pode ter também vantagens. Tem, efectivamente, vantagens. Pois bem, aproveitemos esse carácter um pouco prolixo da Constituição e façamos uma exploração das vantagens que esse estilo de Constituição nos confere.

Posto isto, resta apenas congratular-me com a via de acordo a que, segundo se me afigura, estamos chegando.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria também, pela minha parte e pela parte da minha bancada, exprimir aqui algumas ideias.

Em primeiro lugar, congratulamo-nos, naturalmente, com o resultado que parece indiciado.

Em segundo lugar, aceitamos o desafio ou a tarefa de Hércules que o Sr. Deputado Costa Andrade nos propôs, mas achamos que ela deveria talvez ser partilhada, para podermos limpar nesta matéria todos os famosos tabus.

Em terceiro lugar, em matéria de escolhos ao acesso a informação, entendemos que esta alteração não acarreta sobrecarga relevante e que, pelo contrário, pode acarretar clarificação pedagógica e reforçadora.

Em quarto lugar, gostaria de dizer que compreendo que o Sr. Presidente Rui Machete tenha feito a análise que fez quanto à matriz conceptual que utilizámos, mas que, felizmente para todos nós, a nossa proposta tem em conta uma distinção, que me parece evidente, entre dois conceitos: o conceito de rigor e o de compreensibilidade. Isto é, há informação compreensível que não é rigorosa e pode haver informação rigorosa e até rigorosíssima que não seja compreensível. São dois conceitos diferentes. Podemos, naturalmente, prescindir de um deles, com o que ficaremos mais pobres, mas não se diga que um e outro são a mesma coisa. Sobretudo em matéria penal, é perfeitamente possível debitar a um cidadão, com todo o rigor e ao abrigo do artigo tal e tal, que determina isto e aquilo, que acabou de ser preso, mas isso não significar nada.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Isso é verdade. A outra é que já não é.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que outra Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A expressão "compreensível", com todos os requisitos de que se fala no texto constitucional, tem sempre de ser rigorosa.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Se adoptarmos uma noç3o da expressão "compreensível" tão lata como aquela que aqui é proposta, então o Sr. Presidente Rui Machete não terá razão, porque não haverá, nesse caso, que temer minimamente que o rigor traga problemas àquilo a que chamou "o normal funcionamento do processo penal", isto é, que o rigor seja um escolho.

Fico sempre impressionado com esse tipo de argumento, que, de resto, procede de matrizes predominantemente situadas do ponto de vista da Administração Pública, o que não é de estranhar da parte do Sr. Presidente Rui Machete, que não é, em si mesmo, um pecado, porque a ideia de que o rigor em matéria processual penal é um escolho e uma dificuldade e os polícias, em particular, precisam de pouco rigor para poderem ser muito eficazes e um dos aspectos que mais ferozmente contrastam com a necessidade de construção de um Estado democrático em que a polícia, justiça e liberdade se articulem harmoniosamente, como é o caso do nosso ordenamento constitucional. Parece-me, portanto, que o argumento e injusto.

No entanto, tenho ainda uma pergunta a colocar ao Sr. Presidente Rui Machete relativa à terceira componente da sua intervenção, que para mim e um pouco misteriosa. O Sr. Presidente considerou o problema apaixonante e interessante, mas depois foi extremamente pudico em toda a problemática das outras formas de detenção que não as próprias do processo penal e, quanto ao estatuto das ditas cujas e relativamente à necessidade eventual de providenciar na sede própria, não especificou qual fosse essa sede. Creio que esse é um aspecto que terá de ser discutido na tal outra sede própria ou talvez noutra reunião, mas não gostaria de o deixar em branco. É que passou muito rapidamente à nossa frente e penso que merecerá um gesto de atenção e interesse.

O Sr. Presidente: - É muito provável, Sr. Deputado José Magalhães, que tenha sido o meu pendor administrativista que me tenha levado a pensar existirem outras formas que podem também pôr em perigo os direitos fundamentais, formas essas que não se situam no âmbito do processo penal geral. Por exemplo, para não ir mais longe, estava a pensar nas sanções disciplinares de carácter militar. Mas há outras.

Agora, queria aproveitar a oportunidade para lhe dizer que engeito totalmente a sua observação, no que diz respeito a esse pendor administrativista conduzir a uma diminuição dos requisitos do Estado de direito. Porque aquilo em que eu estava a pensar, meu caro Sr. Deputado José Magalhães, era um pouco diferente e o exemplo que tinha em mente era mais o do mundo anglo-saxónico do que os dos sistemas administrativos continentais europeus. Eu estava a pensar que tem havido abusos altamente significativos em matéria de processo penal, com gravíssimos prejuízos para o Estado de direito - e estou a pensar nos Estados Unidos da América -, designadamente porque as organizações criminosas têm vindo a apetrechar-se com conselhos jurídicos que lhe são extramente úteis para, de uma maneira mais eficaz, perpetrar determinados crimes, com gravíssimo dano para a colectividade e para as pessoas que são atingidas, e que essa circunstância redunda da equiparação, que muitas vezes pode fazer-se, entre o formalismo e o rigor.

Há problemas ralacionados com essa equiparação que levam a que a mínima quebra de uma regra formal traduzida em menor compreensão por parte do destinatário que é cautelado por essas regulamentações - neste caso as pessoas detidas -, ou seja, da mínima compreensão clara sobre a qual a sua situação, quais os seus direitos, pois, eventualmente, se não se disseram certas palavras sacramentais, se não se fixar uma determinada diligencia que, repito, não tem nada de essencial, e se aplicar o rigor como equivalente a formalismo, pode servir para anular esses actos ou esses procedimentos.

Parecer-me-ia que, nesse caso, prestaríamos um mau serviço e é nesse sentido que penso que, dentro daquele equilíbrio que há pouco referi, ou seja, o de, por um lado, não encharcarmos a Constituição - que deve ser enxuta - com uma série de disposições regulamentares que lhe retiram dignidade e o de, por outro lado, atendermos à sua função pedagógica e à circunstância de estes preceitos terem uma aplicação directa, o que pode acontecer mesmo nos casos em que, por eventuais razões técnicas, não esteja no âmbito do Código de Processo Penal a disciplina dessas matérias, é útil haver uma preservação do que é o núcleo fundamental, no sentido de este dever ser salvaguardado no que diz respeito a este tipo de direitos.

Nesse sentido, Sr. Deputado, não subscrevo nenhuma das suas interpretações, que considero deteriorarem, pelo menos, o meu pensamento, embora V. Exa. o faça, evidentemente, não com intuitos mal-intencionados ou malévolos. Penso que não é de subscrever a proposta do PCP nesse capítulo por essas razões e admito que, pelo contrário e no que diz respeito a uma informação compreensiva, esta não terá esse efeito negativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quero esclarecer que, evidentemente, esteve muito longe de nós qualquer intenção de deteriorar o pensamento do Sr. Presidente nesta matéria.

Pelo contrário, congratulo-me com o facto de termos contribuído para estimular uma clarificação que poderá não ser irrelevante, mas que, sobretudo, esperamos seja operativa, se, como tudo indica, vier a ser seguida a solução para que acabou de apontar. Também nós, Sr. Presidente, estamos naturalmente preocupados com o aproveitamento que certas forças e organizações possam fazer de determinados conceitos que, designadamente, constam do nosso Código de Processo Penal, tal como está em vigor, e de certos mecanismos nele instituídos, ou seja, estamos preocupados com um bom conhecimento e, seguramente, um bom aproveitamento futuro desses mesmos conceitos por parte dos conselheiros jurídicos dessas organizações. Naturalmente, não é essa a preocupação que nos move aqui e estamos inteiramente de acordo quanto à necessidade de uma solução simultaneamente precisa e não formalista no sentido pérfido, o que, seguramente, também não nos será atribuído.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu só queria clarificar um ponto que me parece não dispiciendo: e que a matriz administrativa que nos foi imputada, pelos vistos, também é comungada pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Mas, Srs. Deputados, para me manter fiel à promessa que me foi arrancada em matéria futebolística, já não teremos possibilidades de entrar na discussão do artigo 28.º

O Sr. António Vitorino (PS): - (Por não ler falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Isso era muito importante, até porque hoje dedicamos o nosso tempo ao CDS. Com muito prazer, é claro!

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Resta-me agradecer a sua gentileza.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Presidente faz o favor de nos informar qual é a ordem dos trabalhos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a ordem dos trabalhos é a discussão do artigo 28.° e espero que dos seguintes.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, esgotado o artigo 27.°, agradeço a intervenção do Sr. Deputado António Vitorino e fico realmente na dúvida sobre a existência ou não das reuniões, uma vez que o Sr. Deputado António Vitorino diz uma coisa e o Sr. Deputado Vera Jardim outra.

O Sr. António Vitorino (PS): - Dissemos o mesmo, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Agora, Sr. Deputado António Vitorino, quanto ao meu ciúme e que também digo o mesmo: não há ciúme nenhum!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 20 de Abril de 1988 Presenças

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
Carlos Manuel Duarte de Oliveira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (Os Verdes).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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