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Sexta-feira, 6 de Maio de 1988 II Série - Número 10-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 8
Reunião do dia 21 de Abril de 1988
SUMÁRIO
Deu-se continuação à discussão do 3. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 24.° a 36.º e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do Presidente, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Vera Jardim (PS), António Vitorino (PS), José Magalhães (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Costa Andrade (PSD), Jorge Lacão (PS), Raul Castro (ID), Sottomayor Cárdia (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), Miguel Macedo e Silva (PSD) e Herculano Pombo (PEV).
Em anexo à presente acta, é publicada uma proposta de alteração do artigo 41.°, apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, ontem foi-me solicitada uma informação acerca do envio às assembleias municipais do continente, Açores e Madeira das propostas de revisão constitucional quanto às matérias referentes ao título VII da parte VI da Constituição. Efectivamente, em 5 de Abril de 1988 foram enviadas, com um ofício por mim assinado, as propostas de alteração da Constituição relativas a essa matéria, pedindo que as respectivas assembleias municipais, se assim o entendessem por conveniente, se pronunciassem sobre as mesmas e o fizessem num prazo máximo de 45 dias. Isto para que pudéssemos beneficiar dos comentários que viessem, eventualmente, a ser feitos.
Por outro lado, deu entrada na Comissão uma lista do expediente, com três pedidos de audiência. Também nos enviaram sugestões e propostas de revisão constitucional, que foram elaboradas por partidos políticos sem representação na Assembleia da República, como é o caso do PPM. Essa listagem está à disposição dos Srs. Deputados e vai ser distribuído um exemplar a cada grupo parlamentar, Se algum dos Srs. Deputados tiver especial interesse em ler uma fotocópia de algum destes documentos, fará o favor de dizer e ser-lhe-á igualmente entregue.
Como VV. Exas. se recordam, está já designada uma subcomissão que irá fazer essas audiências, a qual também se encontra aberta a todos os Srs. Deputados que, mesmo não pertencendo à mesma, queiram participar.
Eram estas as informações que, neste momento, gostaria de dar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, não estive presente nessa reunião em que foram marcadas as audiências. A única questão que gostaria de colocar era a seguinte: a fim de permitir a qualquer de nós, que não seja membro da Subcomissão, poder assistir a qualquer audiência ou a uma em relação à qual tenha especial interesse poderemos saber, com alguma antecedência, quais são as que se vão efectuar?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vera Jardim, o que linha sido previsto era o seguinte: cada grupo e agrupamento parlamentar designa uma pessoa, que pode não ser sempre a mesma a estar presente nas audiências, que está encarregue de organizar o mapa e de dar seguimento ao expediente necessário para que as audiências possam ter lugar. Por outro lado, também foi solicitado que essa Subcomissão indicasse ao plenário da Comissão quais as datas previstas para permitir justamente essa participação. Só que essa indicação ainda não foi feita.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, penso que haveria vantagem em designar um coordenador para dinamizar essa tarefa.
O Sr. Presidente: - Isso é correcto, Sr. Deputado. Simplesmente, na altura pensei, porventura com alguma ingenuidade, que a primeira tarefa era a de haver uma designação, por parte de cada grupo parlamentar, dos responsáveis. Face à inércia registada, poderemos agora proceder ao contrário, isto é, designar um coordenador que depois pedirá as designações aos diversos grupos parlamentares. É uma outra metodologia, eventualmente mais eficiente. É isto que V. Exa. sugere?
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, creio que isso talvez fosse mais aconselhável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sugeriria que o Sr. Deputado Carlos Encarnação fosse o coordenador dessa movimentação. Já estava alguém encarregue dessa tarefa?
O Sr. António Vitorino (PS): - Penso que era o Sr. Deputado Licínio Moreira, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Creio que o Sr. Deputado Licínio Moreira poderia encarregar-se de pedir aos partidos a designação dos seus representantes para essa subcomissão, coordenar e vigiar essa fase dos trabalhos para que pudéssemos ser atempadamente informados das reuniões previstas. Isto seria importante para o caso de algum dos Srs. Deputados querer participar.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, o nosso grupo parlamentar já designou o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. O Partido Comunista Português indica quem, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o Sr. Deputado José Manuel Mendes, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Creio que por parte do CDS haverá, provavelmente, uma autodesignação. O mesmo se diga em relação à ID.
Srs. Deputados, creio que poderíamos agora finalizar a análise do artigo 21.º
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação à primeira questão que V. Exa. suscitou, ou seja, à consulta pública municipal, há uma informação adicional a dar e algumas medidas a tomar. Essas medidas deverão ser tomadas no âmbito da mesa, mas, em todo o caso, conviria que a informação ficasse registada. Não há ainda efectivação do despacho da mesa. O despacho não chegou sequer aos serviços de edições, o que apurei junto da entidade hierarquicamente competente. O Sr. Director-Geral está, neste momento, a apurar o que se terá passado. Em todo o caso, penso que haverá algumas medidas práticas a adoptar para garantir o objecto da consulta. Por exemplo, há que ter em conta as disposições que fazem parte do estatuto do poder local e que não estão incluídas no título citado da Constituição, designadamente todas a que aludem ao exercício dos poderes dos órgãos de soberania em relação ao poder local, o que não é despiciendo. Isto significa que os serviços precisam, em primeiro lugar, de indicações de carácter ou de controle técnico das suas escolhas quanto ao objecto da consulta e, em segundo lugar, de indicações precisas quanto a outros aspectos, tais como os termos da consulta, o circuito de distribuição, o modo de distribuição, etc.
Se estas providências não forem tomadas ainda esta semana, a questão dos prazos irá complicar-se bastante. Isto porque, como é óbvio, os prazos só se poderão contar a partir da expedição. Estamos, portanto, atrasados para esse efeito. Era este alerta que gostaria de fazer.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães acabou de me dar uma novidade, porque quando assinei o
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ofício de remessa parti do pressuposto de que esses problemas de ordem técnica e burocrática já se encontravam resolvidos.
Por outro lado, julgo que não podemos exagerar no que diz respeito àquilo que vamos solicitar às assembleias municipais. Como é natural, elas têm liberdade de extravasar ou de considerar aspectos que nós não tenhamos, eventualmente, previsto ou de dar nos seus pareceres - e no caso de os quererem fazer -, usando da sua capacidade de imaginação e de inovação ou argumentos que não tenham sido pensados ou questões que não tenham sido suscitadas. Parece-me que nessa matéria não deve haver nenhuma limitação.
Creio que aquilo que nos deve preocupar é o título relativo às autarquias locais. Há, com certeza, conexões com outros aspectos da Constituição, o que depende muito da perspectiva de cada um sobre a matéria.
A única dúvida que se me coloca é a seguinte: a ideia inicial era a de apresentar todas as propostas de alteração relativas ao título concernente às autarquias locais, deixando depois à iniciativa das assembleias municipais a oportunidade de considerar outros aspectos que não estejam aí mencionados. Não me parece que a perspectiva que o Sr. Deputado José Magalhães deu sobre as competências dos órgãos de soberania em relação às autarquias não esteja reflectida na parte fundamental, nas alterações do título que especificamente trata das autarquias. É evidente que é de pressupor que, se nisso houver interesse, as autarquias terão possibilidade de facilmente expressarem as suas conclusões sobre matérias conexas. Não podemos é ter um papel pedagógico ou didáctico. Apenas devemos ter a possibilidade de as informar em relação às alterações que estão propostas e permitir que se suscitem as questões. Penso que não podemos ir muito mais além! A dúvida é, todavia, a seguinte: a outra alternativa ao envio apenas do título relativo às autarquias locais é a da remessa de todos os textos da Constituição. Penso que a ideia da triagem pressupõe um trabalho que não se justifica.
A minha ideia foi, portanto, a de remeter o título VII da parte m da Constituição. Como é natural, o ir mais além vai depender do interesse das assembleias municipais em aprofundarem esses temas. Se redigisse um parecer sobre esta matéria não me eximiria a tecer algumas considerações sobre outros aspectos da Constituição. Portanto, penso que será muito difícil sermos nós a suscitar essas questões ou a apontar conexões. Pediremos um parecer, dar-lhes-emos os elementos fundamentais e estaremos à disposição de fornecer outros elementos. É difícil ir mais além.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estamos de acordo com esse entendimento não restritivo da liberdade de ir mais além.
Creio que seria bastante útil que isso fosse expresso no formulário da consulta. Os serviços necessitam disso para fazer o papel, que é parte integrante da separata. Se nesse papel que define os lermos da consulta essas doutas ideias forem expressas com o conteúdo que o Sr. Presidente agora nos transmitiu, creio que isso será de grande utilidade para que se perceba aquilo que se quer e aquilo que nós próprios estamos dispostos a admitir. Penso que isso tem de ser feito urgentemente, sob pena de o trabalho encalhar na matriz.
O Sr. Presidente: - Mas a minha ideia não era a de fazer um formulário, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não me estava a referir ao formulário, mas, sim, aos termos de consulta. Isso é que é o habitual! Aliás, há vários modelos de formulário. Esse formulário é a introdução à separata. Não é nem um documento ao lado nem um documento que decalque o previsto na legislação sobre a participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho. É uma introdução que define os objectivos e as expectativas da Assembleia da República em relação à consulta desencadeada. É tão-só isso! Creio que o que o Sr. Presidente referiu é exactamente aquilo que é mais adequado.
O Sr. Presidente: - Vamos, pois, averiguar qual é o estado desses trabalhos.
Srs. Deputados, vamos voltar à análise do artigo 27.e Para o concluir, faltava apenas analisar o n.° 3-A, proposto pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, lamento que o Sr. Deputado, Nogueira de Brito não possa participar nesta discussão. É que ontem tínhamos esboçado um início de discussão...
Pausa.
Como o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dar entrada na sala, as minhas afirmações anteriores ficam desprovidas de conteúdo.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A nossa proposta visa não objectivos pedagógicos -como é o caso da anteriormente debatida -, mas, sim, contribuir para resolver, através de uma indicação constitucional, uma questão que, se forem feitos os desenvolvimentos decorrentes de certas opções adoptadas no âmbito da revisão da legislação processual penal, se pode transformar num problema grave.
O regime da prisão fora de flagrante delito é, em termos de enquadramento jurídico-processual, uma questão fulcral para as liberdades dos cidadãos e na experiência legislativa portuguesa posterior ao 25 de Abril tem vindo a merecer uma diversidade de soluções que sempre se nos afiguraram insatisfatórias. O próprio quadro constitucional não é suficientemente preciso quanto ao que deva ser o regime da prisão fora de flagrante delito. O facto de poder ser necessário prender uma pessoa fora de flagrante delito e de isso ser indispensável para a realização das finalidades processuais penais, portanto, para a tutela de importantes valores de organização social e dos demais que são próprios do direito processual penal, não deve levar à abertura de soluções que desemboquem na policialização e, portanto, na degradação do papel que às magistraturas cabe.
Entendemos que a revisão constitucional poderia e deveria contribuir para clarificar e para atalhar certos caminhos que podem conduzir a fenómenos de inquietante policialização.
A nossa solução é fácil de descrever. De resto, ela em si mesma dispensa grandes comentários. Propomos que se estatua, como regra, a obrigatoriedade de mandado do juiz - e na proposta há uma gralha, já que aí se refere "mandato" - e a possibilidade de intervenção do Ministério Público, mas só nos casos em que seja admitida a prisão preventiva. Procura-se fazer uma delimitação pelos tipos de crimes que são aqueles em que a prisão preventiva é admissível. No entanto, tem-se em conta um outro factor,
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que é o seguinte: pode haver razões de urgência que legitimem mecanismos simplificados e desburocratizados para atingir simultaneamente as duas finalidades que devem presidir a este instituto, isto é, a garantia dos direitos dos cidadãos e a sal vaguarda da possibilidade de realização célere das finalidades de tutela penal que estão subjacentes à prisão.
Devo dizer que é óbvio que esta solução procura distanciar-se ou distinguir-se daquela em que se admite que as autoridades de polícia criminal possam em certas hipóteses ordenar também a própria detenção fora de flagrante delito. Pensamos que essas soluções são extremamente perigosas e a sua aplicação pode dar origem a perigos ainda maiores. É que se admite que as autoridades de polícia criminal possam, por iniciativa própria, ordenar a detenção fora de flagrante delito em casos em que haja aquilo a que se chama "fundado receio de fuga". Este conceito carece, naturalmente, das suas especificações. Mas qualquer que seja a especificação - e a lei em vigor não dá nenhuma -, a possibilidade de avaliação subjectiva do receio de fuga é absolutamente tremenda.
É óbvio que é dever dos polícias ter receio de fuga, uma vez que têm a seu cargo determinadas finalidades preventivas e repressivas. Torna-se evidente lambem que a invocação do receio de fuga legitima a adopção ou o accionamento do artigo competente do Código de Processo Penal, pelo que o cidadão é privado de liberdade mesmo em casos onde o tipo de delito e de situação e as características do indivíduo poderiam não o legitimar. Pior ainda quando se acrescentam, como já se fez tragicamente -e o Sr. Deputado Costa Andrade saberá isso intimamente -, uma cláusula do tipo "é possível a detenção por iniciativa das autoridades de polícia criminal quando não for possível, dada a situação de urgente e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária". É esta a situação que está hoje criada em Portugal.
Na verdade, fora de flagrante delito, a privação da liberdade pode ser imposta pela autoridade de polícia criminal, bastando-lhe para tanto invocar a cláusula que referi.
Aliás, como VV. Exas. sabem, essas polícias são muitas e infinitas. Acontece até que a cláusula que o Sr. Deputado Costa Andrade colocou no artigo 1.° do Código de Processo Penal permite ao Govêrno definir por decreto-lei ainda mais autoridades...
O Sr. António Vitorino (PS): - Seu, dele, Código!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Deputado.
Devo, pois, dizer que uma noção alargada de autoridade de polícia criminal, somada a cláusulas de urgência que permitem deter fora de flagrante delito, tudo acompanhado da possibilidade de ultrapassagem das autoridades judiciais, tanto dos juizes propriamente ditos como do Ministério Público, nos inquieta verdadeiramente.
Creio, portanto, que o Código de Processo Penal não deve ser um hino às polícias. Estas, em si mesmas, têm direitos e finalidades que são fundamentais no quadro jurídico-constitucional. Porém, é preciso encontrar soluções de equilíbrio que não conduzam, neste aspecto fulcral, aos riscos que creio que, objectivamente, toda a gente reconhecerá. É esse o objectivo da nossa proposta em sede de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A introdução de um n.° 3-A no artigo 27.° proposta pelo PCP, ao contrário porventura do que se passava ontem com a alteração apresentada pelo CDS para o n.º 1 do artigo 24.° da Constituição, visa directamente repercutir-se sobre a legislação ordinária já publicada.
Na verdade, o Sr. Deputado José Magalhães, com razões que expôs já abundantemente, mas que eu gostaria de ver melhor esclarecidas e discutidas nesta Comissão, vai ao artigo 257.Q do Código de Processo Penal, tira-lhe o n.º 1, espeta-o aqui como n.º 3-A do artigo 27.° da Constituição e manda "às malvas" - passo a expressão - o n.° 2. Perante isto, gostaria de ver esclarecidas as razões que o Sr. Deputado José Magalhães avançou.
Entretanto, verifiquei que o Sr. Deputado Costa Andrade foi invocado pelo Sr. Deputado José Magalhães, tendo-lhe sido, ainda por cima, atribuídas autorias nesta matéria, respeitantes não só ao referido artigo 257.° do Código de Processo Penal como também ao artigo 1 .Q, onde se define a autoridade da polícia criminal. Por isso mesmo, gostaria que o Sr. Deputado Costa Andrade interviesse na discussão, a fim de nos poder dar razões, que antevemos em alguma medida, para esta extensão de poderes às autoridades policiais. De facto, os fundamentos da detenção fora de flagrante delito por autoridades policiais, tal como vêm apontados no n.º 2 do artigo 257.º - e estou de acordo neste aspecto com o Sr. Deputado José Magalhães -, são susceptíveis de um preenchimento subjectivo bastante largo. E, ainda por cima, são razões que normalmente têm para as autoridades policiais e para a cultura das polícias um sentido que pode ser lato ou restrito, conforme o ponto de vista em que nos colocarmos.
Compreendo também que cada vez mais nos defrontemos com tipos de organização criminosa que se não compadecem com a pureza da aplicação do n.° 1 do artigo 257.°, para além de que hoje temos o mecanismo previsto no artigo 31.º da Constituição a funcionar em pleno. Existe, pois, o instituto do habeas corpus, que funciona sem reticências, bem como outras formas de defesa. Porém, gostaria - repito - de ver melhor explicada perante a Comissão a justificação da ausência de dispositivos constitucionais que legitimem claramente a norma correspondente ao n.º 2 do artigo 257.º do Código de Processo Penal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero, em primeiro lugar, dizer-lhe que não sou o autor do Código de Processo Penal, nem a Comissão que elaborou o anteprojecto ou o projecto da referida obra é a autora dele. De facto, ele e da autoria e da responsabilidade do Governo, legitimada por uma autorização legislativa da Assembleia da República na qual, por acaso, o Executivo nem tinha maioria. Sendo certo, aliás, que esta solução já estava em preparação aquando da autorização legislativa, para além de que a Assembleia da República não a coonestou, também é verdade que esta decisão foi aceite pelo Sr. Presidente da República, uma vez que, suscitando a questão da inconstitucionalidade de várias normas do Código de Processo Penal, não o fez em relação a esta.
De resto, a proposta de alteração apresentada pelo PCP é uma certa coonestação da constitucionalidade actual. De facto, se o PCP entende que há necessidade de rever a Constituição, é porque considera que a situação actual do Código de Processo Penal é constitucional. Também
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entendo isso e, aliás, creio que toda a gente entende que a solução legislativa do referido Código é constitucional na base da Constituição vigente. Não sei, todavia, se vale a pena discutirmos muito a questão do artigo 257.Q do Código de Processo Penal à luz da Constituição.
Entretanto, devo dizer que a solução proposta pelo PCP não resolve tecnicamente coisíssima nenhuma, pois o que pretende é que a prisão preventiva fora de flagrante delito não possa ser feita pelas polícias criminais. No entanto, faço notar que o Código de Processo Penal não permite que a prisão preventiva seja realizada pelas polícias criminais; admite, antes, que a detenção, que é uma categoria jurídico-processual diferente, tem sempre de ser legitimidada pelo juiz para ser convertida em prisão preventiva. O PCP, em boa verdade, dá um tiro no escuro ou um pontapé no ar, pois não resolve coisa nenhuma. Porém, é evidente que isto é corrigível, pois o PCP pode prever no texto constitucional que a detenção fora de flagrante delito tem de ser ligitimidade pelo juiz.
Abreviando as razões, concluirei que a proposta do PCP nos parece uma má solução. De facto, as soluções do Código de Processo Penal sempre seriam na prática legitimadas à luz dos princípios do direito de necessidade - e não gostaríamos que se invocasse nesta sede um direito de necessidade do Estado nesta matéria, que seria, aliás, extremamente perigoso. Na lógica de uma legislação de verdade que não deixasse isto para os ângulos escuros do direito de necessidade e das causas de justificação da ilicitude um pouco apócrifas e abstractas, entendemos que esta solução, inserida no Código de Processo Penal, é boa, sendo uma solução para certos casos extremos, verificados os pressupostos que a legislação processual penal impõe, ou seja: fundado receio de fuga; tratar-se de criminalidade particularmente grave; não ser possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, recorrer às instâncias judiciárias.
Portanto, admite-se a detenção, que não a prisão preventiva, que será posteriormente legitimada ou não por uma autoridade judiciária e convertida ou não em prisão preventiva, naturalmente com todas as garantias que a própria Constituição consagra, como, por exemplo, a da indemnização em caso de detenção indevida.
Penso, pois, que não vale a pena determo-nos na solução consagrada no Código de Processo Penal, mas sim atermo-nos à Constituição. Perguntar-me-á se a Constituição deve reduzir a complexidade a este ponto. Do nosso ponto de vista, não deve fazê-lo, porque remeteria os poderes públicos para direitos e zonas mais perigosos, como sejam os direitos de necessidade, que sempre seriam invocados à margem da lei. Portanto, preferimos tipificar os pressupostos em que é possível invocar um direito de necessidade em concreto. Além disso, entendemos também que a Constituição não deve reduzir a complexidade de tal maneira que abra a porta a expedientes apócrifos a que uma sociedade pode ter necessidade de recorrer. Daí que seja preferível que se faça isso à luz das instituições do que no mundo subterrâneo das causas de justificação extremamente perigosas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois das várias intervenções produzidas, pouco tenho para acrescentar ao que foi dito. Em todo o caso, quero explanar dois ou três pontos.
O primeiro ponto prende-se com o facto de ser evidente que nós comungamos das reservas colocadas pelo
Sr. Deputado José Magalhães ao avassalador aumento dos poderes das polícias não só em Portugal, mas por toda a Europa. De facto, comungamos desses temores, pois já vemos alguns resultados disso no quotidiano da polícia.
Contudo, também colocamos sérias reservas quanto àquilo a que poderíamos chamar "cortar as pernas" às autoridades perante novas formas de criminalidade organizada, uma vida social e comunitária que não corresponde já em muitos casos a princípios afirmados há uma dezena de anos sem qualquer dificuldade, mas que hoje na prática se podem revelar bastante limitativos da actuação das autoridades policiais e das próprias magistraturas.
Ora, a fórmula encontrada pelo Código de Processo Penal merece-nos críticas pela sua demasiada generalidade, mas isso é uma discussão mais técnica do que outra coisa. Porém, o que nos impressiona sobretudo -e louvo-me nos argumentos do Sr. Deputado Costa Andrade- é a distinção, que tem de ser muito nítida, entre detenção e a sua posterior legitimação pelo poder judicial. E essa supomos que tende a limitar qualquer excesso de poder por parte das polícias.
Portanto, vamos ver o que é que a solução do Código de Processo Penal dá na prática. Creio também que não podemos, através da revisão constitucional, fazer agora, como já em vários outros artigos isso foi visível, a pré-reforma do Código de Processo Penal. Vamos, pois, dar algum tempo às polícias e aos magistrados, ou seja, para que todo o sistema funcione.
Em suma, com esta distinção, que deve ser muito nítida, naturalmente, entre o momento da detenção e a sua imediata legitimação através do poder judicial, pensamos até que boa parte dos perigos de excesso de poder são afastados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à questão do passo que se pretendia dar e da experiência anterior, gostaria de dizer que poderemos estar todos cientes de que há uma distinção entre prisão e detenção na lógica, na semântica e na arquitectura conceptual do Código de Processo Penal, tal qual foi ideado. Aliás, aí está um dos problemas, uma vez que se evolui para um conceito deslizante de detenção, ao qual se pretende atribuir um determinado regime que tem, quanto a nós, espinhos constitucionais que podem originar situações de extremo melindre.
Portanto, a questão não é a inciência de uma distinção entre prisão e detenção, pois a crítica a ela e às implicações que dela extraíram os arquitectos do Código foi, e é, um dos pilares da crítica a formular, uma das suas dificuldades principais e um dos traços e componentes da sua policialização, nuns casos consumada, noutros deslizante.
Ora, aquilo que se dizia da prisão (dizia a diz!), aquilo que se referia face aos artigos 293.° e 298.° do falecido Código de Processo Penal era que a Constituição se caracterizava por ser omissa quanto à competência para efectuar ou determinar a prisão preventiva, criticando-se o facto de a lei ordinária conferir o poder não só ao Ministério Público, como também às autoridades de polícia judiciária - pode hoje dizer-se agravadamente. E digo isto porque ao problema criado aditou-se a questão da detenção, tal qual a concebeu o arquitecto do Código.
A detenção hoc sensu, ou seja, tal qual é entendida pelo artigo 254.c do dito cujo Código tem duas componentes, uma explicável teleologia. Visa a apresentação em 48 horas do detido a julgamento sumário ao juiz para
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primeiro interrogatório ou para aplicação de uma medida de coacção ou, então, para assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em acto processual. Esqueceram-se, por acaso, de prever a hipótese da comparência imediata do detido perante o Ministério Público em acto processual e, portanto, geraram-se uma série de quiproquós que ainda estão por deslindar.
Sabendo-se que é esta a finalidade da detenção, está, porém, para se saber qual é o juízo a emitir sobre a constitucionalidade deste procedimento, ou seja, será que quando esta detenção não se faz em flagrante delito é constitucional o regime previsto no referido Código. Regime esse que, sob o signo da urgência, permite que qualquer autoridade policial e para qualquer crime imponha privação de liberdade...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas... (por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador).
Há limiares mínimos de gravidade, pelo que não é qualquer crime.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, é qualquer dos crimes que admitam prisão preventiva.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É diferente!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu tinha recomeçado por analisar o artigo 254.° e este delimita o instituto da detenção. De facto, este delimita-o como delimita, não o delimita de outra forma. Portanto, a partir daqui, estamos a deslocar-nos dentro das baias do Código, que são essas que V. Exa. referiu.
Porém, o grande problema que se coloca é como é que as baias do Código se compatibilizam com as baias da Constituição. Neste ponto, a resposta parece-me francamente deficiente. E digo isto porque creio que não podemos entrar em argumentos do género de que o Sr. Presidente da República ou a bancada do PCP coonestaram o Código. Era só o que nos faltava! De facto, ninguém coonestou coisíssima nenhuma!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - V. Exa. faça-me, pelo menos, a justiça de dizer que não tenho um amor tão grande ao PCP para estar sempre com ele na boca. De facto, não falei do PCP. Aliás, pode colocar-me mal perante os meus correligionários. Redima-me, pois, desse pecado.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, corrijo-me prontamente e com gosto, embora admita que se fosse para "morder" o PCP os seus correligionários não lhe punissem a boca.
Porém, em relação à questão da coonestação, creio que ela é infundada. É uma estranha maneira de ver os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade. Todos nós sabemos que o Código nos começou por ser apresentado como "impoluto constitucional mente"; debatemo-lo aqui durante horas e não enfermava de qualquer inconstitucionalidade, tendo chegado ao Tribunal Constitucional porque o Sr. Presidente da República entendeu accionar o mecanismo de fiscalização preventiva. Logo lhe toparam uma mão cheia delas, bastante grossas!
Por outro lado, como se sabe, o nosso sistema de fiscalização de constitucionalidade não permite, ultrapassada a barreira da fiscalização preventiva, dar um bill de indemnidade aos elementos de inconstitucionalidade que estejam num diploma. Se as inconstitucionalidades lá estão, lá continuam e não são coonestadas coisíssima nenhuma, podendo como tal originar-se, por via da fiscalização sucessiva abstracta ou por via até da fiscalização concreta, uma nova apreciação de constitucionalidade, a qual pode provocar, até mesmo no caso da fiscalização concreta e em certas circunstâncias, uma declaração com força obrigatória geral. Tudo isto é sabido e tudo se aplica em relação ao Código de Processo Penal, o que constitui, quanto a nós, um dos dramas e um dos problemas daquilo a que poderíamos chamar a instabilidade do nosso quadro processual penal vigente.
De facto, ao contrário daquilo que se inculca, isto é, a suposta existência de uma série de coonestações em rajada e, portanto, de um código estável e consolidado, temos um Código posto em crise e ponível em crise. Ponível em crise através de actos concretos de fiscalização concreta e ponível em crise através da fiscalização abstracta. Nós acreditamos que isto é indesejável, e mais: é indesejável sobretudo em relação a certos aspectos concretos, que vêm bulir com as liberdades. Podemos reflectir se as alterações ao principio da legalidade, e, portanto, os enxertos do princípio de oportunidade que os arquitectos do Código fizeram são tão graves como isso. Podemos questionar-nos sobre este ponto, tal como o Sr. Deputado Vera Jardim há pouco fazia a propósito de um outro caso - quanto a mim pior -, e dizer: "Espere-se e veja-se." Veja-se como é que essas aplicações matizadas do princípio da oportunidade funcionam e a que é que conduzem.
Creio, porém, que é mais problemático fazer-se um juízo desse tipo em matéria de liberdades, nesta esfera concreta, sensível e directa. E devo dizer que é péssimo fazer um raciocínio do tipo "mais vale que se faça à luz do dia do que nos subterrâneos". Essa ideia descatacumbizadora das actividades das polícias -que é um dos pilares do novo Código - é, quanto a nós, um erro trágico, que pode ter consequências dramáticas, na medida em que leva a que se legalize aquilo que mesmo como estado de necessidade é problemático, mas que, como estado de necessidade, tem as respectivas características. Ninguém fornece às polícias um guia do estado de necessidade no sentido de positivar aquilo que não se deve fazer. Isto é, não lembraria ao diabo dizer às polícias: "Podes matar o cidadão sempre que o cidadão te faça uma provocação, use contigo uma arma, etc...." Não passa pela cabeça a ninguém e, no entanto, é isto que o Código de Processo Penal acaba por fazer ao legalizar determinados procedimentos. E é este precisamente o caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Caminhou-se para um quadro em que se legitimam e em que se dá força de lei a expedientes apócrifos. E então, não temos expedientes apócrifos: a lei e ela própria um expediente apócrifo, legitimado pelo facto de ser emanado dos órgãos de soberania, e não já uma prática furtiva, combatível, denunciável e susceptível de ver oposto o direito de resistência, o tal tão caro ao PSD a certas horas, ou a certo PSD a certas horas. Mas temos uma lei contra a qual erguer a mão é rebelião, a não ser pelos meios próprios. E creio que esta situação é suficientemente grave.
Por último, não se diga que "é preciso não cortar as pemas às autoridades". Embora não sejamos seguramente suspeitos de querer cortar as pernas às autoridades, não queremos, porém, que as autoridades cortem as pernas aos cidadãos por uma solução desequilibrada como é esta que aqui está gerada em termos do nosso direito ordinário.
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Finalmente, quanto à solução constitucional, Sr. Deputado Costa Andrade e Srs. Deputados do PSD, se se entende - e creio que a nossa proposta terá agora ficado em pouco mais rigorosamente delineada- que deve ser feito um processo de clarificação de contornos, se se entende que a projecção legal desta solução constitucional seria excessiva, que são possíveis outras que dêem uma resposta suposta ou realmente mais equilibrada ao problema real - porque há um problema -, nós estamos disponíveis para participar desse esforço, sem outra preocupação que não seja a de não transformar em lei as realidades do mundo subterrâneo. Por outro lado, estamos também disponíveis para dar à construção processual penal uma outra eficácia e, seguramente, mais dignidade na defesa das liberdades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lac3o.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Creio que nos encontramos num domínio em que a compatibilização dos valores da liberdade e da segurança não é, não foi, nem será manifestamente fácil. E a pretensão do legislador constitucional em resolver, de uma vez por todas, alguns daqueles problemas que, como ainda ontem aqui se dizia, fazem parte da esfera da chamada Constituição material que, por razões óbvias, não pode ficar, toda ela, abrangida pelos limites da Constituição formal, leva-nos a ter talvez uma pretensão mais modesta em termos positivistas no que diz respeito ao conjunto de normas a verter para a Constituição.
Do ponto de vista do legislador nunca houve a possibilidade de chegar a uma entendimento inequívoco sobre este ponto, não obstante este problema ter sido debatido na Assembleia da República em variadíssimos momentos, a propósito do Código de Processo Penal e da Lei de Segurança Interna. Eu diria que quando o legislador é ele próprio confrontado com algumas dificuldades resultantes da própria complexidade da realidade, temos de estar seguros de que o conjunto das instituições, designadamente as de fiscalização constitucional, preventiva ou sucessiva, também cooperam para sedimentar o nosso ordenamento jurídico. E, a meu ver, é neste sentido que a Constituição deve, com rigor e até onde for possível, delimitar o conjunto dos direitos dos cidadãos, que, em caso algum, podem ser afectados. Porém, ao mesmo tempo, deve ter a prudência suficiente para não compromete certos aspectos de segurança. Passaria a dar um exemplo, porventura caricato...
Vozes.
O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente da Assembleia da República está a chamar-nos... Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão já tinha acabado a sua intervenção?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não, Sr. Presidente. Como se tomou óbvio, não há neste momento condições...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Mas faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, tem de continuar depois. Estão a chamar-nos por causa do Regimento...
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, Srs. Deputados, gostaria de deixar expresso em acta o seguinte: já não fizemos a nossa reunião na sexta-feira passada em virtude dos problemas de funcionamento do Plenário. Assim, torna-se extremamente difícil que, por um lado, nos exijam celeridade - para além das considerações, por vezes um pouco longas, a propósito de cada artigo - e, simultaneamente, nos peçam para interromper as reuniões por causa dos problemas de quorum no Plenário.
Está suspensa a reunião.
Eram 11 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 72 horas e 10 minutos.
Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. estava no uso da palavra quando fui obrigado a interrompê-lo por motivo da chamada urgente do Sr. Presidente da Assembleia da República, a fim de garantirmos o quorum. Queira então prosseguir a sua intervenção, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Teci há pouco algumas considerações que dou por reproduzidas e gostaria agora de extrair algumas consequências meramente empíricas da eventual aplicação do normativo proposto pelo PCP. Em muitos casos ocorreriam situações um tanto caricatas, como por exemplo a de um agente de segurança constatar a existência de um suspeito por crime doloso e, encontrando-o no Café Nicola, ter de lhe pedir: "V. Exa., por favor, aguarde aqui que eu vou ali à Boa Hora pedir um mandado para o vir prender a seguir." É manifestamente insustentável!
Sabemos todos o volume de problemas que muitas vezes se põem, a nível de detenção para identificação, como inclusivamente já acontece com cidadãos estrangeiros conectados com certos tipos de investigação criminal. Trata-se de um conjunto de problemas que não podemos ter a veleidade de pretender resolver na Constituição e, sobretudo, de pretender resolvê-los excluindo a mínima flexibilidade das soluções em sede de lei ordinária. E a solução do Código de Processo Penal, se bem que possa ser susceptível de crítica, a verdade é que passou à fieira da fiscalização constitucional.
Por outro lado, recordo que tendo sido discutida abundantemente esta matéria em sede de Lei de Segurança Interna, acabou por não se optar por nenhuma norma distinta daquela que o Código de Processo Penal contém, a não ser quanto à exigência de prévia identificação do agente que procede à detenção para melhor garantia do direito do eventual detido. É uma norma que não consta do Código de Processo Penal, mas que é integrada no ordenamento do processo penal por via da Lei de Segurança Interna.
Trata-se assim de normas cautelares que na lei ordinária acautelam razoavelmente os direitos e os valores em presença. Como tal, penso não existirem razões para introduzir esta proposta do PCP, cujas consequências de regidez seriam, seguramente, muito mais danosas do que benéficas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quando há pouco fiz um comentário à apresentação da proposta pelo Sr. Deputado José Magalhães, tracei um paralelo entre este n.º 3-A proposto pelo PCP e o ar-
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tigo 257.º do Código de Processo Penal, na esperança de que o Sr. Deputado José Magalhães, atenta a diferença manifesta, desse as explicações necessárias que evitassem ou ultrapassem a necessidade do argumento do Sr. Deputado Costa Andrade, argumento esse que sintetizou dizendo que o Sr. Deputado José Magalhães dera um tiro no escuro. Em suma, diz o Sr. Deputado Costa Andrade que o PCP propõe uma norma sobre a prisão preventiva perfeitamente compatível com o referido artigo 257.º, que apenas prevê a possibilidade de detenção e não de prisão por autoridades policiais.
A minha esperança residia em que o Sr. Deputado José Magalhães articulasse o que aqui se diz com o artigo 257.°, designadamente pelo recurso à última frase deste n.° 3-A, ou seja, "prevendo a lei as formas da sua decisão urgente". E a minha intervenção continuaria agora a ter esse sentido, isto é, gostaria que respondesse - suponho que, apesar de tudo, não respondeu - ao argumento do Sr. Deputado Costa Andrade, que consiste na questão de saber em que é que nos adianta o n.° 3-A do artigo 27.º da Constituição proposto pelo PCP em relação àquilo que, de acordo com a confirmação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães, o PCP pretende com uma norma deste tipo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como há pouco referi, a aceitação da proposta do PCP talvez pudesse ter efeitos mais maléficos que benéficos e daí o meu exemplo caricatural. Poderia conduzir a perversões, extremamente negativas, da passagem de mandados em branco, com todas as consequências que tal procedimento poderia acarretar.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas, Sr. Deputado Jorge Lacão, suponho que VV. Exas. estão a raciocionar na linha do ataque ao artigo 257.Q e às possibilidades de detenção aí consagradas que o proposto n.º 3-A representaria. Tudo isso anda à volta da aplicação directa da inconstitucionalização, por esta via, da disposição do Código de Processo Penal respeitante à detenção. Aliás também fiz a minha intervenção nessa linha, mas traçando o paralelo com a atitude que consiste em aproveitar o n.º 1 do artigo 257.°, deixando-se ficar o n.° 2. Depois, o Sr. Deputado Costa Andrade sublinhou a inutilidade da proposta nesse domínio, na medida em que a mesma não tem nada a ver com a detenção, e o Sr. Deputado José Magalhães ensaiou uma resposta a este argumento, que não ficou, no entanto, bem esclarecida.
O Sr. Deputado José Magalhães pretende ou não, com a introdução deste n.º 3-A, inconstitucionalizar o artigo 257.9 do Código de Processo Penal, designadamente o seu n.° 2?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, não quero inconstitucionalizar o artigo 257.º, na medida em que creio que este preceito já é inconstitucional. A questão pode ser suscitada por qualquer um, designadamente por aqueles que, desgraçadamente, sejam atingidos pela medida.
Porém, creio ser útil situar nesta sede a démarche possível e, para isso, é necessário ter em atenção aquilo que o Código veio criar. O artigo n.º 27, n.º 3, alínea e), da Constituição refere o conceito de detenção mas "por decisão judicial em virtude de desobediência à decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judicial competente". Só isto. Aquilo que os arquitectos do Código fizeram foi instituir uma dualidade prisão/detenção em termos alargados, degradar o conceito de prisão em detenções para além daquelas que o artigo 27.º, n.° 3, alínea e), faculta. E é isso que coloca a dúvida aos intérpretes quanto à constitucionalidade desta fórmula inventada pelos autores do Código.
O que é que nos cabe? Em nosso entender, ia-se longe de mais quanto ao alcance dado à prisão no sentido originário da Constituição. E a própria solução processual penal vigente antes da entrada em vigor do novo Código suscitava dificuldades. Mas aí, claro, sei que sempre primou a preocupação aqui já expressa por muitos Srs. Deputados de que o grito das polícias poderia ser insuportável e, seguramente, ao avaliá-lo nos dois pratos da balança, há quem seja mais sensível ao grito das polícias do que ao grilo dos cidadãos.
Entre nós, essa hipersensibilidade conduziu, desgraçadamente, a algumas elaborações legislativas com participações alargadas, que também constam das actas e são conhecidas.
Primeiro aspecto: antes do Código novo ia-se longe de mais. Com o actual Código de Processo Penal cria-se um conceito paralelo... Aliás, o Código é paralelístico em tudo, cria um conceito de instrução paralelo, cria um conceito de detenção paralelo, bem como outros conceitos, também paralelos, designadamente quanto ao exercício das competências do Ministério Público. Essa obsessão paralelística e de criação de um ordenamento jurídico processual penal paralelo à Constituição e substitutivo desta é a sua lógica, o seu desiderato e, pelos vistos, a sua principal ambição realizada. Ao criar-se um conceito paralelo de detenção a ao defini-lo nestes termos, gera-se uma situação em que se pode colocar a seguinte interrogação: essa detenção, fora da flagrante, pelo Ministério Público, ou pelas autoridades de polícia criminal, tem alguma cobertura? Em nosso entender, não tem.
Quanto à questão, pertinente, colocada pelo Sr. Deputado Costa Andrade sobre a utilidade da nossa proposta, creio que ela é de facto útil, na medida em que obrigaria a reponderar os termos em que estão formuladas na ordem jurídica ordinária certas figuras que se inspiram na matriz constitucional, mas que, quanto a nós, a desnaturam. E esse esforço não se me afigura inútil.
Por outro lado, exige de nós, nesta sede, precisão. E aí é que responderia à pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito. A nossa fórmula é suficientemente precisa? Ou tem ela própria, na parte final, um mecanismo de esvaziamento? Isto é, quando se assume que a lei pode prever as formas de decisão urgente, de prisão, designadamente pelo Ministério Público, não se está a criar ao legislador ordinário uma cláusula através de cuja invocação ele pode esvaziar o preceito constitucional e, portanto, inverter as suas finalidades? Creio que só numa interpretação muito deficiente é que isso poderia acontecer. Designadamente, creio que e absolutamente inconcebível que se diga que uma cláusula deste tipo legitimaria a prática de mandados em branco. Isto é, não podemos pressupor que o Ministério Público, por exemplo, assine um mandado com os nomes todos, a dormir. Tal como não podemos pressupor que ele assine pedidos de escuta, distraído ou com uma lista telefónica em cima, ou a olhar para a máquina dactilográfica. Sabemos que tudo isto pode acontecer, pois os juizes e os magis-
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trados do Ministério Público são humanos. Mas isso não deve constituir um pressuposto, porque não só é um pouco insultuoso para o intérprete como, inclusivamente, também o é para a dignidade dos tribunais.
Portanto, não era seguramente nisso que estávamos a pensar quando propusemos esta cláusula de decisão urgente. Estamos, sim, a pensar que hoje em dia as novas tecnologias fazem com que várias coisas sejam possíveis, e facultam assim à entidade decisora meios que no passado ela não tinha ao seu alcance. Como estamos uns anos à frente do bill of rights e outros instrumentos respeitáveis, e como temos interpostos entre os nossos modernos bills of rights e os respectivos intérpretes vários meios tecnológicos, então que eles sejam utilizados. Naturalmente, era nisso que pensávamos.
A hipótese do mandado em branco é um bocado primitiva e não compaginável com o funcionamento normal dos nossos órgãos judiciais.
O Sr. Presidente: - Há alguns anos atrás!...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Relembrando os casos exemplares do passado, apenas procuro que compreendamos como é determinadas disposições normativas podem conduzir a consequências que elas não previam, mas a que induziram.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de lhe dizer claramente que realmente não conheço nenhum caso exemplar, e se o senhor tem conhecimento de algum caso desses que eu conheça, agradecia imensamente que o referisse, para ele ficar registado na acta e para o podermos discutir. O contrário é puramente insinuativo e bastante desagradável, a esta hora ou a outra qualquer.
Em relação à matéria que estamos a discutir, gostaria de dizer que é evidente que é muito perigoso falar de cláusulas de urgência. Esta nossa cláusula de urgência tem a virtualidade apreciável de ser a entidade competente, isto é, o Ministério Público, os juizes, e não os polícias, a decidir.
A cláusula que está estabelecida na lei, e que pelos vistos não horroriza o Sr. Deputado Jorge Lacão, permite às polícias, de per si e perante a sua própria consideração (se entenderem que há uma situação de urgência e que há periculum in mora por elas ajuizado), não esperar pela intervenção da autoridade judiciária. Creio que isto faz arrepiar na lei ordinária - pelos vistos não faz pele de galinha ao Sr. Deputado Jorge Lacão -, mas na Constituição, bem entendido, não deve fazer arrepiar ninguém.
A fórmula que propusemos compreende-se - repito -, dada a noção ou a atitude que temos face à noção alargada de detenção. Detenção, para nós, é somente aquilo que no artigo 27.°, n.° 3, alínea e), a Constituição refere como tal.
O Sr. Presidente: - Suponho que para efeitos daquilo que é o objectivo deste debate, ou seja, esclarecer quais são as motivações e o alcance das propostas apresentadas por cada um dos partidos que as subscrevem, já o conseguimos fazer no que diz respeito ao n.° 3-A em questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Julgo que o Sr. Deputado José Magalhães se sentirá muito mais à vontade para contestar a norma tal como ela existe e está configurada na versão presente do Código de Processo Penal do que para ensejar em sede de legislação ordinária outras soluções possíveis.
Recordaria ao Sr. Deputado José Magalhães que estivemos à beira, aquando da elaboração da Lei de Segurança Interna, de aprovar uma norma relativamente à detenção para identificação que sujeitava a convalidação judicial não ao prazo geral das 48 horas, mas, sim, ao prazo mais curto de 24 horas. Seria uma solução mais restritiva em termos de lei ordinária, sendo ela possível, e que poderia melhor garantir alguns dos direitos individuais que pudessem estar em crise. Se não a votámos foi porque os próprios partidos, apesar de tudo, não chegaram a um consenso suficiente e acabaram por se conformar com a disposição existente no Código de Processo Penal.
Exponho esta ilustração apenas para referir que são sempre possíveis outras soluções, em sede de lei ordinária, para além daquela que neste momento existe no Código de Processo Penal. Como legisladores ordinários podemos ponderar essas soluções e, inclusivamente, vir a adoptá-las, mas o que não valerá a pena é a introdução de uma medida de tal maneira espartilhante, em sede constitucional, que não permitiria uma adequação ponderada à realidade e, bem pelo contrário, poderia prejudicar futuras soluções equilibradas.
O Sr. Presidente: - Suponho que já todos tiveram oportunidade de expender aquilo que entenderam ser útil para clarificação dos respectivos pontos de vista, tendo-o feito com grande largueza.
Vamos agora passar à apreciação do artigo 28.°, com a epígrafe "Prisão preventiva". Tive já oportunidade de ler na reunião de ontem o relatório relativo a este artigo, e pediria agora ao PSD e seguidamente à ID que justificassem as suas propostas.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A proposta do PSD, em matéria de medidas alternativas à prisão preventiva e relativamente ao n.- 2 do artigo 28.a, traduz-se na substituição da expressão "ou por medida de liberdade provisória prevista na lei" pela expressão "ou por qualquer medida prevista na lei".
A nossa intenção, de resto em consonância com aquilo que a legislação ordinária já fez, seria a de abrir até a possibilidade de este processo evolutivo se vir a desenvolver no sentido de alargar, na medida do possível e numa perspectiva de lula contra a prisão preventiva e de redução, neste âmbito, da ultima ratio da actuação das instâncias de processo penal nesta fase, o respectivo leque de hipóteses. Portanto, do que se trata aqui, para além dos aspectos da caução e da liberdade provisória, é de alargar essa possibilidade e mesmo, de certo modo, dirigir ao legislador ordinário uma certa injunção de diligência no sentido de ele criar outras medidas, recorrendo às medidas que forem consideradas adequadas e eficazes para, dentro dos limites possíveis, estreitar e minimizar o impacte real da prisão preventiva.
Assim, a nossa lógica, em consonância com o que se está a fazer em toda a parte no sentido de alargar a panóplia e o espectro de medidas alternativas à prisão preventiva, é a de se alargar também esta possibilidade. A Constituição deverá encerrar um carácter pedagógico em relação a esta matéria, mas, mais do que isso, terá de expressar um certo dever dirigido ao legislador ordinário com o objectivo de este se expandir mais, ou seja, de no caso concreto não referir apenas que a caução não é adequada, mas verificar também se, não sendo adequada, é possível arranjar outra. A nossa ideia era fundamentalmente esta.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - As propostas que a ID apresenta, embora uma delas seja meramente formal, têm por objectivo o de que o n.° 3 do artigo 28.° fique com a seguinte redacção: "A privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança" (e não "da confiança", sendo esta uma questão meramente formal) "do detido por este indicados."
Naturalmente que se trata aqui de uma reformulação da redacção do referido n.º 3 no sentido de a tornar mais ampla, isto é, de não a limitar apenas em alguns casos, mas a todas as medidas que possam significar a privação da liberdade, seja qual for a forma que ela assuma. Quanto às preposições "de" e "da", naturalmente que isso consiste mais numa questão de precisão de linguagem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, no referido n.º 3 diz-se o seguinte: "A privação da liberdade deve ser iogo comunicada [...]" Neste contexto literário, a palavra "logo" não se me afigura tão adequada como a palavra "imediatamente". Já no texto actual, o advérbio "logo" me parece discutível do ponto de vista literário. No contexto da proposta afigura-se-me que é ainda menos justificável. Assim, pergunto ao Sr. Deputado Raul Castro se concorda com a substituição de "logo" por "imediatamente".
O Sr. Presidente: - Sugeriria que o Sr. Deputado Raul Castro respondesse no final das intervenções relativas a esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de intervir somente no sentido de lançar um dado para a mesa, eventualmente útil para a reflexão, que é o seguinte: a proposta da ID tem uma intenção positiva, que é a de alargar o conteúdo da protecção que a pessoa das relações de amizade ou da família do detido lhe pode dar, mas tem também um conteúdo extremamente negativo, que é o de que a detenção pode ser algo muito frequente e muitas vezes provocada pelos motivos mais díspares. Imaginemos uma rusga em que alguém é detido, sendo depois levado perante uma autoridade judicial, a qual não legitima a detenção. De qualquer modo, comunica-se imediatamente à família ou a alguém da sua confiança que essa pessoa foi detida em determinadas circunstâncias, o que pode acarretar custos extremamente graves para as pessoas em questão.
A proposta da ID tem um conteúdo manifestamente positivo, mas gostaria de chamar a atenção para este tipo de aspecto: não e por acaso que 9 Código de Processo Penal se limitou à prisão preventiva. É que, em concreto, interesses respeitabilíssimos das pessoas no que loca à reserva da vida privada, à intimidade e a muitas outras coisas podem ser drásticas e irreversivelmente prejudicados por esta proposta. Gostaria de chamar a atenção para isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Congratulo-me por este esclarecimento prestado pelo Sr. Deputado Costa Andrade, mas perguntar-lhe-ia se será realmente apenas o referido intuito o que preside a qualquer oposição que se pretenda fazer à iniciativa da ID de, no fundo, alargar aos casos de detenção a obrigatoriedade de informação ou comunicação a pessoa de família ou de sua confiança. Perguntar-lhe-ia, e falando francamente -quanto mais não seja, temos nesta matéria uma larguíssima cultura cinematográfica de outros países em que se verificam casos do mesmo género -, se não haverá aí também o intuito de lançar as bases de uma investigação, que por vezes se considera dificultada com a informação dada ao respectivo familiar ou pessoa conhecida do potencial arguido.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, o que referiu é verdade, mas contra isso justifica-se o cuidado que a ID tem no sentido de maximizar a protecção...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu sei que o Sr. Deputado é contra isso!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, mas a ID tem uma lógica própria ao propor que se maximize a protecção dos indivíduos em relação a certos desenvolvimentos da investigação que talvez seja necessário acautelar. Por outras palavras, há uma lógica de actuação das instâncias que pede em concreto legitimar uma redução dos direitos cívicos, havendo simultaneamente na proposta apresentada pela ID uma lógica que defende a maximização da protecção desses direitos.
Neste âmbito, apenas pretendi chamar a atenção para os contra-interesses. E, quanto a estes, aconselhar-vos-ia a lerem o romance de Heinrich Boll, A Honra Perdida de Catarina Blum ou a verem o respectivo filme do realizador Schloendorff, nos quais uma rapariga é apanhada numa festa de carnaval com companhias inconvenientes e a notícia é dada à mãe, que se encontrava no hospital sofrendo de cancro. O romancista imaginou determinadas consequências acerca deste caso, mas na vida real elas são mais próximas e mais efectivas.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, compreendo-o perfeitamente, mas suponho que agora foi V. Exa. a dar o tiro no escuro, pela simples razão de que a formulação, tanto da disposição actual como da proposta da ID, obvia a esse inconveniente, ou seja, faz depender a comunicação de uma indicação dada pelo detido. Ora, se o detido não quiser que seja informada a família ou um conhecido, ou não indica ninguém ou indica expressamente que pretende que não se informe ninguém.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, não, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A referencia no articulado que diz "por este indicados" tem a ver com um acto de vontade do próprio detido, indispensável a que diligência se consume.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, esta discussão levar-nos-ia muito longe e talvez não seja eu a pessoa indicada para proceder a uma análise profunda do problema dos direitos fundamentais, nomeadamente no referente à componente objectiva e social desses direitos, bem como à subjectiva. O que interessa é saber se, definido o direito fundamental do preso a que a sua família seja informada do sucedido, o Estado não terá também um interesse legítimo na transparência desses casos, por vezes
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de tal modo forte que sobreleve a que o recluso não possa sequer opor-se. Todos sabemos que nestes casos há interesses muito fortes.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bem, mas esse problema está resolvido.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não está, Sr. Deputado. Se alargarmos a previsão à detenção, criamos mais problemas humanos do que resolvemos.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, mas, segundo a sequência que aqui tenho, pediram a palavra os Srs. Deputados Vera Jardim, Jorge Lacão e só depois V. Exa. 8 Aliás, tê-la-ia sempre, visto que a sua proposta está a ser objecto de análise.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Quanto à proposta do PSD, devo dizer que ela nos merece, obviamente, um maior apoio, porque tudo quanto seja a criação de medidas alternativas à prisão preventiva para fora do esquema puro e simples da substituição por caução nos merece apoio. Isto sendo certo que, como todos sabemos, a nossa magistratura 6 avessa a utilizar mecanismos de substituição, nomeadamente no que diz respeito às alternativas à prisão nos termos do Código Penal e, portanto, de pena definitiva. Contudo, pensamos que aqui o tal aspecto pedagógico também pode ter uma nota bastante positiva e, assim, somos nitidamente a favor da sua inclusão no clausulado.
Por outro lado, até à intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, merecia-me simpatia a proposta de alteração apresentada pela ID. No entanto, uma sua chamada de atenção para o citado romance e respectivo filme do realizador Schloendorff fez abalar um pouco as minhas convicções.
De qualquer modo, este problema poderia eventualmente ser rodeado se fizéssemos uma distinção entre o n.° 3 no que diz respeito à decisão judicial de privação de liberdade e uma privação de liberdade ainda não ligitimada por medida judicial no sentido desta última poder apenas ser feita a pedido da pessoa em causa.
É certo que entramos aqui, mais uma vez, num detalhe, e às tantas levantamos a questão de saber se ele terá razão de ser no texto constitucional. Em todo o caso, já nos manifestámos a favor de algum detalhe nesta matéria de direitos, liberdades e garantias, e sobretudo da constituição processual-penal, e, portanto, pessoalmente não me repugnaria uma redacção que, obviando os inconvenientes apontados pelo Sr. Deputado Costa Andrade, no entanto não privasse, de todo, as pessoas de um apoio externo, nomeadamente de um familiar ou de um amigo. Aqui lemos de incluir, à cabeça, o próprio advogado, e é pena até que não haja no texto uma chamada de atenção para esse aspecto.
Neste sentido, proporia um aditamento ao texto actual do referido n.º 3, ou inclusivamente o estabelecimento de um n.° 3-A para distinguir as duas situações. A redacção do n.º 3 manter-se-ia tal como está, com a emenda sugerida pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Mais uma vez, aqui, a intervenção deste Sr. Deputado está cheia de bom senso semântico, ou seja, "logo" é uma palavra feia para figurar na Constituição, é um vocábulo coloquial que não se justifica num texto desta dignidade, e talvez pudesse ser substituída com muita vantagem pela palavra "imediatamente".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, começaria por me reportar às últimas palavras do Sr. Deputado Vera Jardim no que respeita à proposta do PSD. Penso que, de facto, é tecnicamente razoável admitir a formulação que o PSD propõe para o n.° 2 do artigo 28.°, dado que ela abrange um número mais vasto de medidas alternativas de prisão e, por conseguinte, se insere mais claramente nas perspectivas sociais da própria ressocialização, que aplaudimos.
Quanto à proposta apresentada pela ID, e depois de ouvir os comentários que esta suscitou por parte do Sr. Deputado Costa Andrade, devo dizer que se suscita aqui um interessantíssimo problema: o n.° 3 do artigo 28.°, na actual versão, ao estabelecer para as entidades judiciais competentes o ónus de informação, certamente que o estabelece porque pressupõe um direito por parte dos indivíduos que estão em situação de privação de liberdade. Ora, não vejo outro fundamento para este ónus que não seja o da contrapartida de um direito e, curiosamente, esse direito não está explícito, mas implícito, nesta formulação. Daí que o problema muito sugestivo colocado pelo deputado Costa Andrade, quanto àquelas situações que se podem configurar como um interesse do próprio detido, em que não seja do conhecimento de terceiros a situação de detenção preventiva em que se encontra, talvez pudesse ser melhor resolvida se, em vez de termos a formulação do ónus, tivéssemos a formulação do direito - uma vez que quem tem um direito pode recorrer ou não ao seu exercício, o que, porventura, melhor facilitaria e resolveria essa questão académica, mas todavia, bastante interessante, que o Sr. Deputado Costa Andrade suscitou.
E, justamente, como estamos em ponderação de soluções, atrevi-me a imaginar um texto - que lerei e que ficará aqui registado para, eventualmente, ponderarmos sobre ele quando estivermos em sede definitiva de redacção -, e que é do seguinte teor:
Todo o indivíduo sujeito a privação de liberdade tem direito a que, da sua situação, seja dado conhecimento a parente ou pessoa indicada da sua confiança.
Como compreenderão, se o direito for reconhecido, o seu exercício fica na faculdade de quem o possui e, por conseguinte, porventura algumas das alegações do Sr. Deputado Costa Andrade ficariam inovadoramente consignadas na nossa Constituição com benefício para todos. Como quer que seja, a questão colocada pela proposta da ID, que veio suscitar tudo isto, é positiva e merece ser ponderada no contexto das reflexões que estamos a fazer e o PS ponderá-la-á seguramente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, V. Exa. s não preferiria, uma vez que está em discussão a sua proposta, poder reunir na sua resposta a consideração de todas as observações que forem feitas? Mas, se V. Exa. pretende falar agora, faça o favor.
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O Sr. Raul. Castro (ID): - Sr. Presidente, eu pretendia falar já por duas razões: em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado Costa Andrade até já tinha exprimido a sua opinião e, em segundo lugar, porque tenho de me retirar em breve.
O Sr. Presidente: - Essa segunda razão é a mais importante e é mesmo determinante. É que, Sr. Deputado, tenho seguido a norma, em todas as circunstâncias, de dar a palavra no fim - embora sem prejuízo de depois a poder voltar a dar caso existam outras intervenções - aos membros dos partidos autores das propostas. Tem sido esse o critério seguido e não houve nenhuma discriminação em relação à pessoa de V. Exa.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, desejaria, em primeiro lugar, dizer que não cheguei ainda a pronunciar-me sobre a proposta do PSD, mas que penso que ela é aceitável. Assim, não temos objecções a que esta venha a ser aprovada.
Relativamente à nossa proposta e independentemente daquilo que poderia neste ponto de debate, ao que parece, vir a constituir um consenso, através da proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão, desejaria acrescentar que me parece que a argumentação do Sr. Deputado Costa Andrade, nomeadamente a invocação do filme que eu não vi, mas que traduz uma espécie de drama camiliano, não é sequer adaptável a esta situação.
Como já foi referido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, a redacção da proposta diz que a pessoa é escolhida e indicada pela própria pessoa privada da liberdade. Assim, nunca poderia acontecer que esse indivíduo escolhesse precisamente a mãe, que estava internada num hospital, atacada de cancro, e em condições gravíssimas, morais e físicas. Por outro lado, a fórmula pretende, naturalmente, abranger todas as situações de privação da liberdade, o que responde à defesa de um valor fundamental, que é o da própria liberdade. E o exemplo da rusga policial coloca duas questões.
Quanto à inconveniência de ser conhecido - o que foi incluído na rusga policial -, o cidadão pode ultrapassar esse problema escolhendo a pessoa a quem o caso deva ser comunicado. Em segundo lugar, nós não poderemos ir contra uma situação que é real. Ou seja: se a pessoa, por sua culpa, está numa situação desairosa, é impossível evitar tal coisa, No entanto, o facto é que a sugestão de isto ser estabelecido como direito ultrapassaria até esse problema. E, no caso de uma rusga policial, não sei se haverá rigorosamente privação da liberdade, uma vez que, nessa circunstância, as pessoas que não têm identificação são convidadas a ir à esquadra para serem identificadas. É isto o que normalmente se passa, uma vez que, se o cidadão tem o seu bilhete de identidade, identifica-se nessa altura. Evidentemente que no caso de existirem outros problemas, já joga o problema da privação da liberdade.
De qualquer modo, estaríamos de acordo com uma formulação que eliminasse todas as dúvidas, dando-lhe uma outra redacção - e quanto à substituição da palavra "logo" também concordamos com ela. Não se trata de uma sugestão da ID, pois é o que consta já do texto constitucional, mas reconhecemos que a palavra "imediatamente" fica melhor.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, há pouco pronunciámo-nos sobre as duas propostas existentes em relação a este artigo, mas não me pronunciei sobre a proposta do PSD para o n.º 2, proposta essa em relação à qual me quero também congratular e dizer que aderimos a ela inteiramente. Penso que esta preocupação, demonstrada no alargar as possibilidades de substituição, vai contribuir, de modo substancial, para diminuir as hipóteses de prisão preventiva, o que é positivo.
Quanto ao n.° 3 da proposta da ID, devo dizer que, na sequência das objecções que coloquei e das interrogações que fiz ao Sr. Deputado Costa Andrade, só me posso congratular com a sugestão feita pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, que me parece, de facto, apontar num sentido positivo e que, a uma primeira vista, mereceria realmente a nossa adesão. Efectivamente, a forma sugerida para consagrar o direito é completamente diferente. Por conseguinte, não estaríamos perante um direito expresso sob a forma de um dever imposto à Administração, sendo certo que a forma positiva de consagração do direito eliminaria - suponho - todas as dúvidas que o Sr. Deputado Costa Andrade tem vindo a formular.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que, em relação à proposta da ID, e pelas razões que invocámos, não estamos em condições de a votar favoravelmente. Pelo contrário, e falando francamente, devo dizer que nos opomos, mesmo, à sua aprovação.
Quanto à sugestão feita pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, trata-se de uma proposta nova, que foge a alguns dos inconvenientes que indicámos e será de ponderar se ela não incorre noutros inconvenientes, designadamente naqueles para os quais o Sr. Deputado Nogueira de Brito nos chamou a atenção. É que aí as questões são outras. Há pouco falámos em nome de algumas inconveniências em relação à proposta da ID e não há dúvida de que o texto sugerido pelo Sr. Deputado Jorge Lacão evita esses inconvenientes, mas antevejo, desde já, que pode criar outros. Por conseguinte, entendo que será melhor deixar para ulterior reflexão, ou seja, para quando a proposta for formalmente assumida, a nossa posição sobre ela. Neste momento estamos apenas em condições de dizer que nos opomos à proposta da ID, embora sempre sob reserva de ulterior e melhor convencimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - O Sr. Deputado Costa Andrade disse que haveria outros inconvenientes. Poderia dar-nos alguma indicação desses inconvenientes?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, Sr. Deputado, e vou falar-lhe francamente, porque gosto de o fazer.
Esses inconvenientes são os de se saber se na fase de detenção, quando não há ainda uma legitimação judicial - circunstância em que as coisas se alteram qualitativamente -, interesses respeitáveis na investigação criminal não poderão opor-se a isto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que seria negativo afastar, à partida, a possibilidade de alargar a garantia, hoje prevista no artigo 28.º da Cons-
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tituição - que tem estado em debate - ainda que se deva, naturalmente, procurar uma fórmula que contorne algumas das dificuldades que aqui foram adiantadas, pois, por mais respeito que tenhamos pelos sagrados interesses da investigação criminal, não poderemos deixar de ter senão o mesmo respeito pelos sagrados direitos dos cidadãos, incluindo, naturalmente, as nossas e do Sr. Deputado Costa Andrade, amadas vítimas, que exigem seguramente mais actos do que palavras de amor. E era de palavras de amor, para já precedendo os actos, que estávamos a tratar. Façamos, então, alguma coisa nesse sentido!
Devo dizer ainda que a última objecção do Sr. Deputado Costa Andrade é a verdadeira, porque a primeira - deixem-me que o diga -, é totalmente postiça, com o devido respeito. E é postiça, no sentido das próteses, ou seja, é uma prótese argumentativa, tornando manifesta uma terrível falta de argumentos!
É que, invocar-se a hipótese sinistra de Katherine Blum, para sustentar alguns dos perigos de uma solução destas, parece-me ser argumento ad terrorem. E não é que ele deixe de me excitar, mas parece-me exagerado porque - é evidente - se o preceito da ID refere a expressão "por este indicados", como o Sr. Deputado Costa Andrade, que é jurista, sabe, essa indicação pressupõe também a possibilidade da não indicação. Ou seja, eu fecho-me em copas em relação a qualquer pessoa de minha confiança, se não tiver ninguém da minha confiança e se até tiver algumas da minha desconfiança. Ora isto está co-envolvido na proposta da ID tal qual eu a entendi e tal qual creio que qualquer intérprete a deve entender.
Por consequência, não se use esse argumento, pois fazê-lo e apenas uma tentativa que se abandona em poucos minutos - como aqui pudemos ver -, e de esconder a miséria constitucional do argumento dos sagrados direitos das polícias.
No entanto, creio ser possível encontrar pontos de equilíbrio que permitam alargar o regime aplicável. O Sr. Deputado Vera Jardim e o Sr. Deputado Jorge Lacão deram sugestões nesse sentido e, pela nossa parte, estamos disponíveis para considerar outras sugestões e até para procurar adiantar algumas. Agora, não vejo razão para fechar, à partida, ou seja, para recear abrir esse dossier por causa de alguma eventual prevenção, algum receio de que com isto se esteja a vibrar um golpe na liberdade e na eficácia da actuação das polícias.
Gostaria ainda de aplaudir a proposta do PSD e de me congratular com ela, sem reservas, mas só o posso fazer se o mesmo PSD clarificar um aspecto. O Sr. Deputado Costa Andrade, há pouco, argumentou num determinado sentido, que me parece aplicar-se também ao PSD. Isto é, há certas propostas que, podendo aparentemente inculcar uma finalidade, poderão conduzir à finalidade contrária. O Código de Processo Penal tem a preocupação de maleabilizar o elenco das medidas de coacção que existem e de procurar acabar com a praga da deficienlíssima interpretação de todo o enquadramento em relação aos crimes incancionáveis, procurando romper -e aí rompeu por unanimidade - uma determinada prática viciosa nessa matéria. Só que tem uma visão complacente em relação ao uso de certas medidas que não são em nada menos gravosas do que a prisão preventiva, podendo mesmo ser terrivelmente danosas para os cidadãos. Até se queria que fosse o Ministério Público, por si próprio, a aplicá-las aos cidadãos, a latere do tribunal como tal.
Ora, essa filosofia "libertária" (realmente liberticida!) não passou no Tribunal Constitucional, mas ainda ficou dela o bastante, e se alargamos a referencia contida na Constituição, de que a prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução ou por qualquer outra medida prevista na lei, isso quer dizer que os cidadãos poderão não ficar presos preventivamente, mas poderão também ter de se sujeitar a qualquer outra medida porventura não menos restritiva da liberdade e não menos prejudicial, a título de substituição pela prisão preventiva.
Não sei se o Sr. Deputado Costa Andrade é sensível a esta preocupação ou se está de tal forma enfronhado na lógica e na matriz do Código de Processo Penal que tudo isto lhe parece normalíssimo e, em qualquer lado, melhor do que a prisão preventiva. Tudo lhe parece melhor do que a prisão! Ora, creio que a liberalização, nesse sentido apontado, pode não ser benéfica.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, a sua objecção tem procedência, mas com uma limitação, ou seja, desde que não interpretemos a Constituição em termos globais e sistemáticos. Obviamente que a luta contra a prisão preventiva tem implícita, até por força dos princípios da proporcionalidade, do artigo 18.º, etc., a mesma lógica de maximização da liberdade. A luta contra este tipo de prisão, no plano constitucional - que é aquele de que estamos a tratar, embora depois os governos, sejam do PSD ou de outro partido, façam todas as malfeitorias -, através de uma norma como esta, tem implícitos o princípio da proporcionalidade, o do in dúbio pro libertale, o artigo 18.°, etc. Isso é óbvio, Sr. Deputado.
Consequentemente, a mesma lógica que vale para a prisão preventiva vale para as medidas de coacção mais onerosas, relativamente às menos onerosas. É o princípio da preferência da medida de correcção mais benigna que está em causa, o que está também na lógica da Constituição, designadamente no seu artigo 18.º
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Cosia Andrade, agradeço a precisão e concluiria dizendo que é evidente que a lógica de acabar, de minimizar ou de transformar a prisão preventiva em última razão é largamente subscritível e partilhável, designadamente pela minha bancada. Agora, a questão é ver os limites e, sobretudo, o caminho que assim se viabiliza.
Como sabe, há quem sustente que é totalmente irrazoável, no quadro da defesa de uma política de "menos Estado", ter as prisões tão cheias, quando se podem colocar os cidadãos em casa presos, bastando para isso a utilização de uma medida a que podemos chamar pomposamente "proibição de se ausentar da habitação própria ou de outra." Ora, esta medida está prevista no nosso Código de Processo Penal e, embora algumas pessoas não o saibam, o Sr. Deputado Costa Andrade sabe-o claramente.
Faz-se uma coisa simplicíssima. Diz-se ao cidadão: "Não estás em prisão preventiva. Vai em paz e fica em casa preso sob pena de...", e nós assumimos isso?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu assumo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro. Agora, não o assumamos com o ar glorioso de quem está a redimir e a acabar com a prisão preventiva, porque, em muitos casos, estamos a aplicar, e por vezes em situações de mais
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tolerância e de menor controle, coisas que são da maior gravidade para a liberdade dos cidadãos.
É só isto o que gostava de dizer, exprimindo a disponibilidade para considerar perfeitamente a proposta do PSD, mas gostaria, por um lado, que não se vendesse gato por lebre e, por outro, que se tivessem em conta alguns dos problemas co-envolvidos. Quando a Constituição refere "liberdade provisória" é a liberdade privisória, que é uma coisa muito estimável, é liberdade. Prefiro a minha liberdade provisória, a ficar engavetado em casa.
Portanto, pode ser muito eficaz que a Constituição assegure duas coisas: ou uma caução ou a liberdade provisória. A abertura do caminho para as outras figuras depende da forma como o legislador as concretize. Por exemplo, o nosso douto legislador só permite a proibição de permanência de ausência de contactos quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos. No entanto, uma cláusula constitucional aberta pode permiti-lo fora disso. Não é, Sr. Deputado Costa Andrade? Se a cláusula constitucional for excessivamente aberta poderá permitir a aplicação de medidas deste tipo, mesmo para casos que não tenham uma gravidade idêntica àquela que, numa hora de inspiração, aqui foi colocada nestes termos apertados. É em relação a esse possível desvio ou perversão que gostaria de deixar este alerta, para que ele possa motivar alguma reflexão adicional.
Repito, gostaria de exprimir aqui a nossa disponibilidade para maleabilizações, que não podem conduzir a efeitos que, no fundo, se situem naquele terreno que precisamente pretendemos combater.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, penso que a proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão situa este problema numa perspectiva correcta. Altera-se a redacção do n.° 3 para afirmar o direito do detido a que o tal parente ou pessoa de confiança sejam imediatamente avisados.
No entanto também devo dizer que no que diz respeito à simples detenção, à privação da liberdade - e qualquer que ela seja -, temos de ter alguma cautela, sem prejuízo dos tais direitos inalienáveis a que o Sr. Deputado José Magalhães fez menção. É que esta redacção, tal como se encontra formulada - e que propus que pudesse ser aditada ao n.º 3 -, pode representar para a instrução perigos de que não nos podemos esquecer. Repare-se que a expressão "pessoa de confiança" é um termo tão vago que permite, por exemplo, ao detido dizer que quer falar com fulano, que é o chefe da quadrilha.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ele não fará isso, Sr. Deputado. Se o fizer, exporá o chefe!
O Sr. Vera Jardim (PS): - Isso já é uma coisa muito elaborada dentro do campo da criminalidade.
Isto era só para dizer que temos de ter, apesar de tudo, alguma cautela, sobretudo nesta fase inicial, primária, temporalmente muito limitada. A atribuirmos este direito sem limitações ao arguido poderemos entrar no caminho de prejudicar toda a instrução.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo dizer que não tenho nenhuma obsessão, em termos de fantasmagorias, de universos mais ou menos concentracionários ou psiquiátricos, que me levem a desconfiar radicalmente da polícia ou a entender que ela é, no fundo, uma instituição de malfeitores. Não me parece que num Estado democrático deva ser essa a percepção destas instituições, que estão, naturalmente, subordinadas ao poder político. Neste conceito tão lábil, como é o da detenção, vamos conceder um direito ao cidadão de comunicar ou não a detenção a um parente ou a uma pessoa de confiança.
A minha preocupação resulta do seguinte: essa situação é lábil e o poder de comunicar fica na disponibilidade do cidadão. Se admitirmos essa disponibilidade, portanto, se não considerarmos o factor social ou da colectividade a que há pouco o Sr. Deputado Costa Andrade se referiu, faremos correr à instituição policial um risco elevado de não termos um meio de controle perfeitamente claro e objectivo acerca de como se cumpre um aspecto extremamente delicado da tutela dos direitos. Repito que estamos numa situação que é em si imprecisa, de contornos móveis, porque vai desde a circunstância de a pessoa se deslocar à esquadra para se identificar até à situação de detenção mais prolongada ou realizada por meios coactivos mais fortes. Por outro lado, se fica na disponibilidade da pessoa se a comunicação é feita ou não, vai ser extremamente complicado garantir, por outro lado, à autoridade administrativa policial a prova de direito. Não estou a fazer uma afirmação, mas a dizer que esta perspectiva da disponibilidade do exercício do direito ficar exclusivamente na esfera do seu titular pode conduzir a um enfraquecimento da posição policial em termos de não ter um elemento de prova claro sobre a maneira como o exercício desse direito foi garantido.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Por outro lado, a formulação do direito do detido também pode virar-se contra o próprio. A formulação do direito é, na perspectiva da polícia, diferente da imposição de um dever a esta instituição. A polícia sempre poderá dizer "o delido tem o direito, mas não o invocou, portanto não avisámos".
Portanto, este direito tem dois perigos: o que V. Exa. focou e aquele que acabei de referir.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não estou a exprimir uma posição, mas, sim, uma preocupação. Não sou manifestamente um partidário de que a polícia existe para violar as liberdades dos cidadãos. Não é essa a minha interpretação das organizações policiais! Em todo o caso, parece-me importante que, numa situação de grande melindre e em que, ainda por cima, a situação de detenção pode ser fugaz ou mais ou menos lata, haja critérios da máxima objectividade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, depois de produzidas as intervenções, gostaria de apresentar uma proposta de metodologia. Penso que a devemos apresentar já para que nos possamos entender sobre essa matéria.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de referir ainda algumas objecções possíveis à formulação alternativa apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, segundo a qual a comunicação feita a pessoa de confiança do detido e por este indicada se cifra no exercício de um direito. Diz o Sr. Deputado Jorge Lacão
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que com esta formulação, "tem o direito de ver comunicada a sua detenção a pessoa de confiança", esse direito fica imediatamente na disponibilidade do titular. Portanto, ele tem a faculdade de o vir ou não a exercer.
Creio que poderíamos aqui configurar um caso em que o titular do direito, ou seja o detido, não teria na sua inteira disponibilidade a possibilidade de o exercer. É que a imputabilidade jurídico-criminal adquire-se a partir dos 16 anos. A possibilidade de as pessoas disporem totalmente da sua pessoa e dos seus bens adquire-se a partir dos 18 anos. Vamos imaginar a seguinte situação: um menor de 18 anos e maior de 16 anos é detido. O direito de ele ver ou não comunicada a sua detenção, por exemplo, aos pais como se configura? Entendo que aqui não haverá uma inteira disponibilidade da parte do menor, no sentido de ele não exercer esse direito. Há aqui até a questão da comunicação aos pais em virtude do poder paternal? Esse é um exemplo que se pode dar. É um exemplo um tanto escasso, que na prática não se verifica muitas vezes, mas que, pelo menos, demonstra que nem em todas as situações há a inequívoca possibilidade de o detido exercer o seu direito e, neste caso, mais concretamente, a possibilidade de ele o não exercer. A formulação proposta tem aqui uma aplicação inequívoca e universal? Ela está, neste caso, condicionada à própria menoridade da pessoa detida? É uma questão de capacidade de exercício de um direito fundamental em relação com o pátrio poder. Não há uma inteira disponibilidade sobre a comunicação ou não comunicação. Isto é uma possibilidade, é uma hipótese possível que se pode colocar, é o problema do não exercício possível do direito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A Sra. Deputada Assunção Esteves tem, por vezes, esta enorme capacidade de nos surpreender com as suas metafísicas constitucionais. A Sra. Deputada está a trabalhar em sede de direitos fundamentais. Se essa sua objecção tivesse alguma validade, então teria de a estender à possibilidade e à capacidade de exercício de todos os direitos fundamentais. Seria uma embrulhada de tal ordem que depois não haveria possibilidades de sair dela. É melhor abandonarmos já a sua objecção.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, reconheço o sentido da sua objecção. O que digo é que V. Exa. não pode argumentar assim, aduzindo que o titular, se quiser, não exerce o direito. É que há casos em que ele não tem essa disponibilidade ou em que ela é, pelo menos, problemática.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Voltamos ao mesmo, Sra. Deputada. O direito fundamental não está condicionado pela capacidade de exercício em termos de maioridade civil. Penso que era melhor abandonarmos essa lógica de objecção. É que outras objecções já se fizeram e essas, a meu ver, com grande fundamento.
Gostaria de salientar algumas objecções que me parecem bastante pertinentes.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Costa Andrade disse aqui que a consagração do direito qua tale pode vir a criar algumas perturbações em matéria de garantias de investigação. Designadamente, o Sr. Deputado Vera Jardim exemplificou algumas situações em que esse efeito perverso poderá verificar-se. Por outro lado, o Sr. Presidente admitiu o seguinte: se se consagrasse apenas o direito, sem a contrapartida do ónus, essa disponibilidade de exercício na esfera provada do indivíduo poderia revelar-se muito menos eficaz do que aquilo que pressuporíamos e poderia ser muito difícil de fazer a prova se o detido intentou exercer o direito ou não. Portanto, ele poderia acabar por não ter uma tutela razoável e suficiente.
Pelo que, sem abandonar o núcleo das preocupações iniciais que nos conduziram a essa reflexão, me permitia fazer uma segunda sugestão que tentaria integrar estas diversas preocupações e objecções e que, nesse sentido, procuraria fazer a síntese entre o actual n.° 3 do artigo 28.º e o conteúdo útil da proposta que a ID nos apresentou e a minha formulação, também ela sujeita a novas correcções. Essa proposta seria a seguinte:
Todo o indivíduo sujeito a privação de liberdade tem direito, sem prejuízo das garantias de investigação, a que da sua situação seja dado conhecimento a parente ou pessoa indicada da sua confiança, devendo ser sempre comunicada a decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade.
Portanto, conjugar-se-ia a garantia do direito com a salvaguarda das garantias de investigação e, simultaneamente, com a manutenção do ónus à entidade judicial para que a tutela tivesse, de facto, eficácia e não pudesse ser iludida em significativa parte dos casos. Penso que esta seria uma redacção mais equilibrada. Todavia, é uma sugestão que fica aberta a melhor ponderação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, penso que a intervenção da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves colocou em jogo toda a discussão que travámos até agora. A Sra. Deputada entende que em matéria de direitos fundamentais é aplicável a capacidade de exercício prevista no Código Civil?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.- Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, Sr. Deputado Vera Jardim, não estou a tentar misturar a capacidade de exercício do Código Civil com o problema dos direitos fundamentais. Só digo que ponho em dúvida que um menor de 18 anos detido possa, efectivamente, não exercer o direito de ver comunicada a sua detenção. Não é o problema do exercício que está aqui em causa, mas sim o do não exercício.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Pode, por sua decisão própria.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Talvez, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a sugestão do Sr. Deputado Jorge Lacão parece-me uma base de trabalho. É excessivamente longa, tem uma redacção extremamente minuciosa, mas é seguramente susceptível de ser trabalhada de acordo com os parâmetros de concisão e de contenção que devem caracterizar o texto constitucional, tanto nesta esfera como em outras.
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Por outro lado, gostaria de dizer que penso que o argumento da Sr.9 Deputada Maria da Assunção Esteves radica num equívoco. Aquilo que estamos a discutir aqui é o alargamento do quadro tutelar favorável dos cidadãos, que está contido no n.° 3 do artigo 28.°, o qual já prevê a "comunicação a parente ou pessoa de confiança do detido, por este indicados". Portanto, todo o magma interrogativo sobre as implicações do estatuto jurídico e da condição jurídica dos menores que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves fez aplica-se rigorosamente a esta realidade, que já é hoje constitucional e legal. Isso tem sido ultrapassado em termos correntes, mas cujo aprofundamento não pode ter lugar nesta sede, embora não seja excessivamente difícil.
Repito: o que a Sra. Deputada está a considerar aplica-se ao alargamento - que, aliás, pretenderíamos - de um quadro que já existe e no âmbito do qual a resolução dos problemas relacionados com a tutela jurídica dos menores se pode fazer nos mesmos termos em que se faz hoje em relação ao quadro decorrente do n.° 3 do artigo 28.º da Constituição. Creio que fui suficientemente claro.
Por outro lado, não creio que os "pobres menores" sejam tão pobres como isso: terão sempre de ser "pobres menores a quem se aplica o Código de Processo Penal".
um regime adequado e especial para os menores. Por outro lado, não se vê como é que não se pode aplicar-se-lhes algumas normas de garantia, que podem ser muito favoráveis, a não ser invocando que os mesmos, sendo menores, não seriam, todavia, pessoas. É essa a situação em que se desemboca quando se vai pelo caminho pelo qual a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves enveredou.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a Sra. Deputada Maria da Assunção Esicvcs não precisa de defesa.
No entanto, gostaria de dizer que penso que as suas observações falham o alvo porque, no fundo, o problema que a Sra. Deputada coloca é basicamente o seguinte: há que saber em que termos é que a relação de família e os problemas relacionados com o poder paternal influenciam o não exercício. Isto e completamente diferente do problema que foi referido. Concordo com o Sr. Deputado Jorge Lacão quando refere que, como é evidente, o problema do exercício dos direitos fundamentais não pode colocar-se em termos de menoridade ou de maioridade, tal como é disciplinado no Código Civil. O problema é diferente! O que está em causa é o não exercício de uma matéria que colide ou que tem uma zona de colisão com o problema da relação do pátrio poder. Em que termos é que isso é admissível? Poderemos concluir que isso é ou não admissível. É importante termos consciência de que tomamos uma decisão que também tem implicações nesse sector.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não queria deixar de precisar que não foi minha intenção utilizar a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves como alvo. Coloquei a questão em dois patamares. No primeiro patamar respondi à questão que o Sr. Presidente agora acaba de suscitar. Assim, a resposta para a problemática apaixonante da valorização do não exercício do direito há-de ser encontrada nos mesmos precisos termos que é encontrada hoje face ao disposto no n.º 3 do artigo 28.º Não há a mínima diferença entre essa situação e a que hoje existe.
O Sr. Presidente: - Não é o problema do exercício, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sei isso, Sr. Presidente. Como é que V. Exa. coloca...
O Sr. Presidente: - É que aqui não coloca, está decidido. É um dever do Estado. Não se coloca um problema de autonomia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas coloca-se a situação em termos similares, Sr. Presidente. Aliás, o que estava subjacente à minha consideração era o seguinte: se é essa a forma de tornear a questão - como, aliás, se fez no n.º 3 do artigo 28.° -, então é por esse caminho que se deverá ir. É que isso ultrapassa todas as dificuldades, todas as conjecturas, etc.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso é o reconhecimento de que o problema existe.
Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O problema que se pôs foi logo o de ter uma formulação que abarcasse a possibilidade de não exercício, e foi exactamente em relação a essa possibilidade que eu disse que poderia haver um exemplo em que o não exercício é um tanto ou quanto problemático.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Na Constituição actual não se configura propriamente o direito de informar, pois a informação não aparece configurada como um direito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem a estrutura de um direito fundamental, mas é-o materialmente.
O Sr. Presidente: - Damos por encerrada a discussão do artigo 28.°
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 13 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Vamos voltar à aplicação da lei criminal, artigo 29.°, sob a epígrafe "Aplicação da lei criminal"; há uma proposta do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação a um debate que travámos anteriormente, queria fazer apenas uma sugestão e gostaria que ficasse em acta. Tínhamos admitido que valia a pena trabalhar no sentido de aprofundar a reflexão sobre a proposta do PSD. Durante esta interrupção dos trabalhos, tive ocasião de trocar impressões com camaradas meus, em relação à questão jurídico-penal suscitada, e algumas das minhas interrogações puderam ser, nessa sede, aprofundadas.
Temos realmente alguma preocupação de que a norma proposta, com o espírito de que o Sr. Deputado Costa Andrade transmitiu, possa, apesar de tudo, produzir um efeito perverso através da lei ordinária - naturalmente, se o legislador tiver outro espírito. Há uma forma, talvez, seca e escorreita, de acautelar que isso em caso algum possa acontecer. Devemos evitar que suceda o que sucedeu com o conceito de pena maior na pretérita revisão constitucional. O nosso desiderato é que haja, a nível da legislação ordinária, a previsão de outras medidas menos gravosas do que a
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prisão. Este critério da menor gravosidade é fundamental porque, por exemplo, uma medida coactiva de desterro não pode ser encarada com ligeireza e, portanto, o legislador ordinário deve estar baiado ou, pelo menos, ter critérios claros...
O Sr. Presidente: - Sobre o gravame.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, sobre o gravame. A nossa proposta é a de que, no quadro dessa reflexão, o PSD e os Srs. Deputados de todos os partidos possam ter em conta a necessidade de introduzir uma qualquer qualificação que deixe bem claro que a prisão só pode ser substituída por outras medidas menos gravosas legalmente previstas. Isso, naturalmente, não resolverá tudo - o legislador sempre terá de pôr a sua imaginação e capacidade a funcionar -, mas dá um critério, uma linha tendencial de enquadramento. Não sei qual é a reacção ou o tipo de sensibilidade do Sr. Deputado Costa Andrade, que para isso teria particular adestramento, relativamente a uma sugestão deste tipo. Creio, porem, que merece alguma atenção e teremos possibilidade de o fazer.
O Sr. Presidente: - Fica registada a sugestão.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Fica registada, mas é evidente que a nossa proposta só pode ter esse sentido - e isto vale também como elemento hermenêutico.
E, embora o direito radique na desconfiança, também não devemos levar a desconfiança aos limites do absurdo. É evidente que uma proposta como esta só pode ter o sentido de que as medidas alternativas são menos gravosas ou mais benignas do que a prisão preventiva, o que é uma evidencia. Penso que hoje toda a gente - e estamos a falar de uma comunidade de agentes de direito, de intérpretes, de hermeneutas, etc. - entende esta norma com este único e exclusivo sentido. Independentemente de chegarmos ou não a acordo, é óbvio que a nossa concordância com a preocupação do PCP é idêntica.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Cosia Andrade, nem o maçaria com qualquer sugestão deste tipo, dado que tenho a opinião de que, em termos hermenêuticos, se chegaria a este resultado, não fora o facto de, em torno de um lugar paralelo, não menos delicado do que este, se ter gerado o cortejo de equívocos monumental que originou a ulterior necessidade de uma lei clarificadora que, todavia, não fechou a polémica.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aí é diferente; trata-se de fazer conversões entre realidades de certa maneira qualitativamente diferentes, que são o ordenamento penal antes e depois da entrada em vigor do novo Código Penal.
Todos os partidos aqui representados têm o sentido unânime de que, quando se fala em qualquer outra medida substitutiva da prisão preventiva, só pode tratar-se de uma medida mais benigna e, mais que isso, deve ser a medida mais benigna possível em concreto com fins idênticos aos da prisão preventiva, que deve ser sempre substituída por outras medidas mais benignas e não se recorrer, por hipótese, à fórmula da obrigação de permanência na residência sempre que se possa optar pela caução e - mais - não se recorrer a uma caução de 100 contos sempre que se puder produzir os mesmos efeitos intra-processuais com uma de 10. É evidente que isso está quer na lógica desta proposta quer na lógica da Constituição. Se, em concreto, chegarmos a uma formulação em que sintamos necessidade de o explicitar, também não nos oporemos a isso. Mas, mesmo que não cheguemos a isso, talvez seja útil que todos os partidos se pronunciem e dirijam já ao intérprete futuro este sentido - tem e só pode ter este sentido.
O Sr. Presidente: - Suponho que isso é claro, e já foi claro no decorrer da discussão sobre a proposta que tivemos hoje de manhã.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero acrescentar que isto tem de se coordenar com o princípio da presunção de inocência. Obviamente, sobre uma pessoa que se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação tem de se minorar a compressão de todas as suas liberdades - tanto a liberdade de movimentos como a económica ou outras. Não nos podemos esquecer de que uma pessoa sobre a qual se põe o problema da substituição da prisão preventiva por outra medida é uma pessoa que se presume inocente, presunção esta que obriga a reduzir ao mínimo processualmente necessário a compressão da sua liberdade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que vamos poder aprofundar, até noutras sede parlamentares, a reflexão e o debate sobre isto. Em todo o caso, o alerta resulta da forma como tudo isto foi regulado na nossa lei processual penal e, designadamente, uma certa tendência - que, creio, foi objecto de alguma apreciação no próprio Tribunal Constitucional, e tem algum eco no acórdão final e em certas declarações de voto - para se entender que a imposição de certas obrigações é coisa de somenos e é, em concreto, sempre muito melhor estar confinado à minha casa de Bragança do que na Penitenciária de Lisboa.
O Sr. Presidente: - Por acaso, eu preferiria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A "minha casa de Bragança" é totalmente uma ficção. Mas a Penitenciária não é ficção.
O Sr. Presidente: - É pena, isso é pena. Mas eu preferiria ter uma casa em Bragança e estar confinado a ela - não a tenho - do que na Penitenciária de Lisboa...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aquilo que hoje consta dos artigos 200.° e 201.º do Código de Processo Penal, e mesmo do 199.°, pode implicar, na vida de um indivíduo, profundíssimas mutações, como toda a gente sabe. Às vezes é melhor ter uma liberdade provisória, isto é, pode ser muito melhor ter liberdade provisória apenas do que estar sob a alçada de obrigações como as que estão previstas no artigo 200.º Por outro lado, como os Srs. Deputados nem sequer qualificam ou enquadram a possibilidade de aplicação destas medidas, poder-se-ia admitir que fossem aplicáveis a casos diferentes dos previstos no artigo 200.°, isto é, para aqueles em que haja fortes indícios de prática de crimes menos graves do que os crimes dolosos, puníveis com penas de prisão, no máximo, superiores a três anos - pois se a proposta nem sequer diz qual o tipo de crimes! Isto já e um aprofundamento...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Penso que, mesmo na lógica que tenho vindo a referir, o próprio Código de Processo Penal lhe dá expressão clara quando consagra, no artigo 193.º, o princípio da adequação e proporcionalidade. Diz este preceito, no n.° 1, que "as medidas de coacção e de garantia a aplicar em concreto devem ser adequadas às
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exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas" e, no n.º 2, que "a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção". Reza ainda o n.º 3: "A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer."
Isto é, in dúbio pro libertate!
O Sr. Presidente: - De qualquer modo, há um ponto que é importante não esquecermos - o que está em causa é a prisão preventiva, e não a liberdade provisória ser substituída por outras medidas. V. Exa., há pouco, falou na liberdade provisória, mas o que está em causa é a prisão preventiva ser substituída por outras medidas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, essa é uma importantíssima observação, porque aquilo que se verificou na experiência da nossa elaboração e aplicação do direito processual penal é precisamente uma perversão nesse sentido, da qual resulta afectada a liberdade provisória. O que significa que está hoje provavelmente a conceder-se menos liberdades provisórias em homenagem a outros institutos supostamente menos gravosos e que acabam por ser mais gravosos para os cidadãos. Isso é realmente uma perversão, tem toda a razão, toda - só que sucede que, infelizmente, é uma perversão real.
O Sr. Presidente: - Donde a utilidade, eventualmente, do inciso ou do preceito.
Podemos passar, então, à aplicação da lei criminal?
Visto que só há uma proposta de aditamento de um n.º 7, apresentada pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Primeiro: há uma gralha no artigo, a redacção exacta é a seguinte: "A lei pode facultar ao arguido o arquivamento do processo, quando ao crime não corresponda pena maior e seja obtida concordância do juiz [...]" - em vez de "ou", deve ler-se "e", e o resto segue igual.
O sentido da nossa alteração, além daquilo que é uma evidencia, é o de procurar evitar que, em torno de alguns dos institutos hoje previstos na lei processual penal, se prolongue um conflito que pode perturbar fortemente a própria estabilidade das nossas instituições processuais penais. Como se sabe, o Código de Processo Penal evoluiu num caminho tendente a desestimular fortemente as fases processuais que possam afigurar-se desnecessárias, face à possibilidade de resolução de conflito por outros meios e, se possível, com a concordância dos interessados, até ou com a simplificação, o mais possível intensa e hábil, dos trâmites e formalidades. As fundamentações invocadas para tal são conhecidas. Não são a pura transposição, no nosso caso, de concepções próprias de outros sistemas jurídicos, designadamente o anglo-saxónico, nem se podem filiar entre nós, dada a matriz constitucional, em concepções deste tipo. Mas algumas das preocupações serão seguramente partilháveis.
Não sei como será a justiça processual penal do próximo milénio, em todo o caso creio que terá de se aproximar de alguns métodos que passem pelo desbloqueamento, por uma relativa informatização, não incompatível com uma forte defesa dos direitos dos cidadãos, e, por outro lado, com o princípio de poupar o inútil, de atalhar males e de procurar obter bem e a bem aquilo que, mais tarde, poderia ser obtido a mal (e mal, infelizmente, em alguns casos). Aquilo que se propõe é, muito economicamente, uma cláusula de clarificação, de sanidade constitucional. Não bill de indemnidade, mas uma cláusula de clarificação constitucional de mecanismos que estão hoje penalmente previstos. Visa-se apenas clarificar que o arquivamento do processo, na fase que aqui é pressuposta, só pode verificar-se em relação a certo tipo de processos - aqueles em que a gravidade do crime não desaconselhe fortemente tal facto - e não pode ser obtido sem a concordância do juiz.
Debatemos intensamente na comissão que estudou a reforma processual penal, no âmbito parlamentar, este ponto. Chegámos a uma determinada conclusão quanto à imprescindibilidade da intervenção do juiz, e essa conclusão foi, à última hora, alterada por sugestão de uma determinada bancada.
Na sequência, o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, teve de se pronunciar em sentido negativo quanto à solução. De facto, o decreto-lei, emanado ao abrigo de autorização legislativa concedida pela Assembleia da República, que veio finalmente a ser publicado, consagrou uma outra solução. E é essa solução que se plasma na nossa proposta quando se considera imprescindível a obtenção da concordância do juiz.
Além disso, procura-se qualificar com algum rigor a solução alternativa que é facultada em troca do arquivamento. Procura-se estabelecer que essa solução não pode ser senão o cumprimento, sempre por período limitado, de certas regras de conduta. Porém, pretende-se que essas regras de conduta não impliquem restrição de direitos civis ou políticos. Parece-nos que seria gravíssimo que se permitisse um arquivamento contra a privação de direitos civis ou políticos ou contra o cumprimento, por período que não fosse limitado, de certas regras de conduta que podem traduzir-se em fortes abstenções para os cidadãos. Aliás, o debate nessa matéria travado no Tribunal Constitucional foi particularmente interessante, tal qual o podemos conhecer pelos documentos que vêm a público.
Ora, não é, hoje em dia, na vida da nossa sociedade, um factor que se possa subestimar a imposição de certas regras de conduta a cidadãos quando elas se traduzam na privação de certos bens, sendo evidente que têm sempre de se traduzir na privação de certos bens para cumprirem a finalidade que lhes é assinalada ao abrigo deste mecanismo.
Também é perigosa - e assim o consideram os criminologistas - a autorização de uma justiça "negociada" deste tipo quando as duas partes têm frequentemente uma desigualdade tão grande. Isto é, a posição do Estado e daqueles que o representam e seguramente mais forte do que a dos cidadãos que se encontrem na situação de terem de empreender esta "negociação". É, pois, necessário adoptar cautelas, não ignorando, porém, que há certos negociadores, que se opõem ao Estado, que podem naturalmente ter enormíssima força designadamente quando estejam ligados a estruturas organizadas que desenvolvam, elas próprias, actividades de negociação paralela, concomitante ou simultânea.
Tudo isto nos preocupa, pelo que a fórmula que aqui adiantamos talvez prime por ser a tentativa de abranger uma realidade criada, morigerando-a apenas em aspectos pontuais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, desejo formular uma questão ao Sr. Deputado José Magalhães justamente para compulsar esta proposta com o artigo que, sobre esta matéria, se contém hoje no Código de Processo Penal.
De facto, esse artigo implica que a decisão de arquivar o processo incumbe ao Ministério Público, mediante a concordância do juiz de instrução criminal.
Portanto, a pergunta que formulo ao Sr. Deputado José Magalhães vai no sentido de saber se, na leitura que ele próprio faz do texto que propõe, permite considerar como constitucional a solução que actualmente se verte no Código de Processo Penal ou se a eventual aprovação da proposta obrigaria à adequação da lei ordinária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, talvez valha a pena ouvir a resposta do Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, como V. Exa. sabe, a redacção dos preceitos legalmente vigentes nesta matéria sofreu uma evolução que seria inadequada reproduzir nesta sede ponto a ponto. Para o que agora importa, gostaria apenas de sublinhar que a obrigação de cumprir certas regras de conduta está delimitada legalmente em termos que podem conduzir à imposição ao arguido de normas de comportamento que, neste momento, não implicam restrição sensível de direitos civis, nem de direitos políticos, salvo na medida em que há, sobretudo, uma cláusula relativamente vaga que pode talvez ser - e, quanto a nós, mal - abusivamente invocada. Refiro-me àquela em que se alude à possibilidade de impor "qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso". É uma cláusula residual que foi em má hora inventada; é uma fórmula um tanto vaga que pode implicar - pensemos em certos processos- uma abstenção de actividades políticas, o que pode ser constitucionalmente inadmissível face a outros preceitos, para além de se tornar seguramente melindroso se consagrado.
Acontece também que a redacção do artigo 280.° (cuja epígrafe é "Arquivamento em caso de suspensão e isenção de pena") era a seguinte: "O Ministério Público, com a concordância do tribunal competente para o julgamento [...]" Posteriormente, passou a referir-se a expressão "do juiz de instrução" em vez de "do tribunal competente". É actualmente o juiz de instrução a entidade competente para o dito arquivamento. Perante esta nova redacção não há grande alteração a introduzir por força daquilo que propomos. Devo, aliás, dizer que ainda que houvesse estaríamos completamente disponíveis para ponderar as medidas adequadas, porque não foi nossa intenção produzir nenhum terramoto nesta matéria. Estaríamos, pois, disponíveis para considerar qual a formulação que razoavelmente permite que o instituto do arquivamento se processe nestes termos sem bulir com outros valores jurídico-constitucionais que mereçam protecção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, parece-me legítimo concluir da resposta dada por V. Exa. ê à questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão que ao PCP, mantendo neste momento o seu status que constitucional e legislativo vigente, apenas a alínea 0 do n.° 2 do artigo 281.° suscita questões de constitucionalidade. Creio que o PCP já não coloca em causa, por exemplo, as questões do exercício de determinadas profissões e do frequentar certos lugares ou não residir em certos lugares ou regiões. Isto chegou a ser discutido, tendo até sido dito que era inconstitucional, como aconteceu, por exemplo, na declaração de voto de um juiz do Tribunal Constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, pela minha parte chamei a atenção para o carácter particularmente gravoso da cláusula indeterminada. Contudo, não caucionei com isso a absoluta saúde constitucional de certas cláusulas, sobretudo se entendidas de determinada maneira, o que creio que foi o aspecto que chocou - e com razão - alguns juristas e membros de órgãos de soberania. Não é, por Certo, uma questão despicienda, pois o Sr. Deputado teve há pouco ocasião de sublinhar que tudo é interpretado por V. Exa. - com um proviso. Refiro-me à estrita aplicação do disposto no artigo 190.° quanto às regras gerais que procuram limitar, enquadrar e adequar a aplicação do instituto.
Porém, ainda assim é necessário ponderar com muito cuidado se tudo isso é compatível com o regime constitucional desses direitos afectados.
O Sr. Costa Andrade (PS): - Certo, Sr. Deputado. Estamos, pois, esclarecidos.
No entanto, mesmo em relação às outras alíneas do n.º 2 do artigo 281.º o PCP mantém algumas reservas ou, pelo menos, não se pronuncia em definitivo sobre essa questão, embora isso fosse importante para se saber em que medida, através da criação deste n.º 7 do artigo 29.º da Constituição, podem superar-se as lacunas e as dúvidas subsistentes.
Independentemente disso, esta proposta de aditamento ao artigo 29.a da lei fundamental apresentada pelo PCP suscita-nos, numa primeira aproximação, bastantes reservas, a primeira das quais - e é evidente que esta é superável - se prende com o facto de este número, tal como está redigido, não dever constar desse preceito, mas sim do artigo 32.º De facto, o artigo 29.° da Constituição respeita às normas constitucionais do direito penal substantivo, enquanto no artigo 32.° se prevê o direito constitucional processual. Se entendermos que a Constituição tem as "cabeças" dos capítulos - e digo isto só para facilitar o raciocínio -, é evidente que a "cabeça" do direito penal constitucional e o artigo 29.º, ao passo que a cabeça do direito processual é o artigo 32.º Em qualquer caso, esse número deveria ser inserido no artigo 32.º e não no artigo 29.º
Além disso, há uma outra limitação técnica, também superável - e estou a mencioná-la por uma questão de consciência -, que se traduz em se dever manter, apesar de tudo, o conceito de pena maior. Penso que talvez devêssemos, de uma vez por todas, limpar também esta "pedra".
Entretanto, o problema que se coloca é de fundo e de política legislativa constitucional. Como se sabe, entre nós ensaiou-se agora uma experiência moderada de uma certa restrição ao princípio da legalidade em favor do princípio da oportunidade, para já limitada aos crimes puníveis com pena de prisão até três anos. Pode, porem, colocar-se a questão de saber se a experiência deve ou não estender-se a outros crimes. Aliás, os princípios da legalidade e da oportunidade são daqueles princípios que não estão escritos na natureza das coisas, uma vez que ordenamentos muito
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jurídicos ou eminentemente democráticos consagram um princípio da oportunidade sem limites. É o caso do ordenamento francês e dos anglo-saxónicos, nos quais o Ministério Público decide o que quiser. Trata-se, pois, de uma questão que não está ainda clarificada e decidida. Em Portugal optou-se, através da legislação processual penal, por uma solução moderada.
Entretanto, a proposta de aditamento ao artigo 29.9 da Constituição apresentada pelo PCP vai no sentido de ficarmos nesse ponto. Perante isto, embora não queira citar Hamlet, sempre direi que pode haver mais coisas na experiência do direito do que as que agora sejamos capazes de antever. Portanto, talvez não devêssemos querer limitar o princípio da oportunidade a um certo ponto. É por isso que a intenção última da proposta de aditamento do PCP não nos parece, neste momento, de aprovar, porque, de facto, parte do princípio de que não se deve passar para além de um certo limite. Penso, porem, que devemos deixar evoluir as coisas, pois parece-me que o problema da obrigatoriedade ou não de deduzir acusação por parte do Ministério Público é um grave problema em termos que colocam em causa as nossas instituições jurídico-processuais penais. Talvez numa próxima revisão constitucional se justifique uma maior limitação ao princípio da oportunidade. Aliás, lembro a V. Exa. ê que a França, a Holanda e os países anglo-saxónicos não têm quaisquer limites ao referido princípio. Já os países socialistas tendem a dividir-se nesta questão, pois uns consagram um princípio da legalidade de modo estrito e outros um princípio da oportunidade abertíssimo, como é o caso da Polónia.
Perante isso, não se justifica para já em termos constitucionais essa clarificação, mas o mesmo já não direi em termos de direito ordinário. De facto, o direito constitucional tem um horizonte com outro âmbito temporal, o que nos deve levar a não fechar de imediato o ciclo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou também formular uma questão ao Sr. Deputado José Magalhães. Ela vai no sentido de saber o que é que V. Exa. pretende dizer quando se refere à não implicação de direitos civis ou políticos. De facto, sei o que significa a expressão "direitos políticos". Porém, a outra expressão pode ter diversas interpretações.
Assim, pergunto-lhe se a expressão "direitos civis" abrange aquilo que Jellinek chamava o status negativo ou status libertatis. Será que ela incluirá status activos que não sejam considerados como participação política? Ou V. Exa. e quer pura e simplesmente significar direitos, regulados no Código Civil ou na lei civil, de natureza patrimonial?
De facto, os direitos civis opõem-se muitas vezes a direitos de natureza administrativa ou interesses legítimos. Noutros casos, eles traduzem os direitos dos cidadãos ou, então, têm um significado mais restrito, como aquele que referi há pouco. Daí que se á expressão não for explicitada pode ter uma restrição tão ampla que não se saiba bem a conduta que deva ser indicada, porque ela, em qualquer circunstância, há-de revestir-se de natureza restritiva em alguma coisa, como há pouco V. Exa. mencionou. Ela precisa, pois, de ser clarificada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que quanto à observação feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade a propósito do conceito de pena maior devo dizer que é perfeitamente razoável. De facto, quando apresentámos a nossa proposta não tínhamos a questão equacionada em termos similares àqueles que decorrem do debate que agora fizemos sobre essa matéria. E, evidentemente, deveria, nesta sede, receber-se a conclusão do debate anterior, qualquer que ela venha a ser, sobre um normativo deste tipo.
Ora, das observações feitas pelos Srs. Deputados Rui Machete e Costa Andrade retiro uma conclusão que me parece de ressaltar nesta sede. Na verdade, não temos em relação à questão das excepções ao princípio da legalidade uma posição fechada, mas temos naturalmente um conjunto de preocupações face ao debate que em data anterior foi realizado sobre a matéria, designadamente no quadro da elaboração do novo Código de Processo Penal.
Aliás, o Sr. Deputado Rui Machete é um precursor das excepções ao princípio da legalidade. Sabemos até que esse princípio foi objecto de algumas, muitas e velhas, perversões práticas antes do Código de Processo Penal. E quanto aos caminhos legais de excepcionalmente houve vários: alguns até nem foram legais em termos objectivos. Refiro-me, por exemplo, à famosa circular n.° 11/82, de 26 de Fevereiro, da Procuradoria-Geral da República, com algumas instruções quanto à não oposição pelo Ministério Público a certos processos de infracções fiscais.
Em matéria aduaneira há também alguns precedentes. Aliás, na área jurídico-penal e preventiva o Sr. Deputado Rui Machete, como evoquei há pouco, é o responsável pelo Decreto-Lei n.° 430/83, de 13 de Dezembro, relativo ao consumo e tráfico ilícito de drogas, no quadro do qual se previu que o arguido pudesse ser beneficiado pelo exercício da acção penal pelo Ministério Público desde que se verificassem cumulativamente três requisitos, ou seja: o arguido ser menor; tratar-se de um processo instaurado por factos da natureza que acabei de referir e, finalmente, o comprometimento do arguido, por declaração proferida nos autos e lida perante o magistrado, a não repetir factos desse tipo.
Ora, não verberámos na altura a adopção de providencias dessa natureza, mas pelo contrário, até as saudámos como uma via que poderia ser aconselhável, sobretudo por se tratar de jovens. Não nos parece que o resultado tenha sido excessivamente encorajador e não temos informação adequada sobre o grau de êxito atingido na aplicação desta cláusula.
Em todo o caso, isso não nos fez bradar aos céus. O que nos preocupa é que isto seja ilimitadamente aplicado, porque pode conduzir a situações que se inserem num quadro que o Sr. Presidente verberou, e que motivou apreensões do PSD quanto à consagração de outros institutos. Refiro-me, naturalmente, ao quadro decorrente da natureza real, neste momento, das criminalidades nos diversos países, designadamente naqueles que são plataformas para os fluxos das delinquências entre continentes.
O nosso país, por graça ou desgraça geográfica, é-o. Como tal, o facto de termos aberta a porta da justiça, negociada - quanto a nós não o está, mas tem sido entendida como tal pelo legislador ordinário -, não e bom; pode ser mau.
Em conclusão, a preocupação de não "fechamento" referida pelo Sr. Deputado Costa Andrade - se agora se estabelecer a fasquia nos crimes de gravidade, tal como se encontram delimitados na lei ordinária - parece-me compreensível, mas talvez excessiva, porque podemos encarara revisão constitucional nos termos em que o Sr. Deputado fez, e nós encaramo-la assim muitas vezes. Ou seja, fica para a próxima. Creio, porém, que, neste caso, a deveríamos encarar ao contrário. Isto e, se porventura se verificasse que uma fasquia como esta estava incorrecta, então
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na revisão constitucional seguinte poder-se-ia sempre corrigi-la. Mas isso é menos grave do que ter um quadro que o Sr. Deputado encara como aberto - e que na lei ordinária o é relativamente, embora o pudesse ser mais - e que tem como consequência a possibilidade de o Estado entrar em negociação com organizações criminosas à margem dos tribunais, apenas por intervenção de uma autoridade judicial que é o Ministério Público. E isto num momento em que tudo desaconselharia, face à nossa ordem jurídico-constitucional, que tal fosse autorizado ou legitimado. Parece-me existir uma contradição no zelo com que se encara a realidade da criminalidade dos nossos tempos quando aplicado a um tipo de problemas e quando aplicado a outro tipo de problemas. Não se pode ser fechado à garantia dos cidadãos nessa óptica e aberto em relação a negociabilidades que podem conduzir a resultados perversos. Existe assim, no meu entender, contradição no pensamento jurídico-processual penal do PSD e eu propunha que isso não fosse fechado.
Quanto à pergunta, seca e directa, colocada pelo Sr. Presidente a respeito da noção dos direitos civis tal qual nós a entendemos, e portanto conforme a ratio e o espírito do proponente, posso dizer que a entendemos no exacto sentido em que o é em instrumentos de direito internacional, como por exemplo o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
O Sr. Presidente: - O que significa que vai ser difícil encontrar restrições possíveis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que não, Sr. Presidente. Mas é seguro que existe uma certa margem de exclusão confortável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) ... é evidente que temos de optar por uma certa plasticidade das coisas. E das duas uma: ou optamos por uma maior plasticidade da lei processual penal, o que constitui a minha opção, ou optamos pela plasticidade da Constituição, que é a perspectiva em que o Sr. Deputado José Magalhães se coloca, ou seja, a de dizer: emendemos agora a Constituição ou, se não resultar, emendêmo-la na próxima revisão. Parece-me que, dada a natureza da legislação em causa, é mais lógico e adequado partirmos da plasticidade da legislação ordinária e alterá-la agora, para daqui a quatro anos voltarmos a mudá-la, se for caso disso. O Sr. Deputado e eu estamos pelo menos de acordo em que isto tem ainda carácter experimental e que, consequentemente, deveremos tactear as várias soluções. Só que a nossa proposta é mais correcta e mais adequada, na medida em que apelamos para a plasticidade da legislação ordinária, na qual é mais fácil mexer que na Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão colocada pelo Sr. Deputado Costa Andrade é muito importante e o debate que em torno dela se poderia abrir seria infindável. Em todo o caso, não vale a pena estar a imaginar dragões onde eles não existem. Isto é, não entendo que qualquer pessoa que acompanhe com atenção o nosso panorama jurídico-processual penal encare como previsível, provável ou razoável que nos próximos anos venha a verificar-se um fenómeno de alargamento do número de casos em que este mecanismo seja aplicado a crimes de maior gravidade. Ou seja, se algum receio, algum juízo probabilístico pode ser feito, é talvez no sentido contrário.
Donde, um quadro constitucional que, se fosse gizado nestes termos que o PCP propõe, não correria, em meu entender, o risco de ser infirmado pela realidade e ter de ser corrigido. Seria, portanto, uma plasticidade putativa e uma plasticidade verdadeiramente não sujeita a informação da prática, a partir dos juízos da probabilidade que poderemos formular quanto à clausula. Assim quanto ao argumento "se temos de ser plásticos, sejamo-lo na lei ordinária", diria que existem certas plasticidades constitucionais que são meramente supostas. A estabilidade de uma norma constitucional deste tipo arriscar-se-ia a ser muito duradoura.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É isso que nós não queremos, como referi na minha intervenção. Ainda bem que o Sr. Deputado diz isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Esta possibilidade legal de injunção de regras de conduta por via não directamente jurisdicionalizada tem, por parte do PS, uma atitude de partida favorável e, naturalmente, não a contestamos quanto à sua inserção em sede de processo penal. E a constitucionalização de uma norma relativa a este problema também merece uma atitude de simpatia da nossa parte.
Estamos, porém, alentos a algumas objecções levantadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade, designadamente às questões melindrosas que têm a ver com critérios de oportunidade na iniciativa processual e no procedimento acusatório. De onde, sem com isto querer fechar definitivamente a porta à ponderação de uma solução que resolvesse melhor esta matéria em sede constitucional, sublinhamos que fomos muito sensíveis às preocupações do Sr. Deputado Costa Andrade e, como tal, não nos queríamos precipitar para consignar na Constituição uma norma de cuja consequência poderíamos, neste momento, não medir todo o seu alcance.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Subscrevo, evidentemente, as palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão e pretendia apenas dar uma explicação, não se vá encontrar alguma contradição dentro desta nossa posição. É que, até agora, aquilo que temos achado positivo constitucionalizar insere-se mais em sede de garantias. Ora esta disposição não se inclui em sede de garantias e sim em sede de aplicação de uma determinada política criminal. A esse propósito, lemos as nossas próprias propostas do artigo 30.º e julgamos que, nesta fase, para além desse emblema que colocamos ou que procurámos colocar no artigo 30.° da nossa proposta, não se justifica uma experiência que não seja a dos textos da legislação ordinária.
Em lodo o caso, como referiu o Sr. Deputado Jorge Lacão, trata-se de uma matéria em relação à qual não fechamos inteiramente a porta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas sublinhar que teremos oportunidade de aprofundar esta questão, o que talvez valha a pena na medida em que a proposta que apresentámos diz unicamente respeito ao arquivamento do processo tal qual ele é entendido. E aí roubaríamos ao espaço semântico jurídico-processual penal todo o manancial necessário. Não estávamos a falar do perdão, isto é, não estávamos a falar de nada que se relacionasse com eventos situáveis após o desfecho de processos e menos ainda com realidades situáveis após ou durante o cumprimento da pena. Gostaria que não se estabelecesse nenhum equívoco, porque a nossa proposta situa-se num terreno totalmente diferente, totalmente delimitado por aquilo que são as normas da nossa legislação processual penal. Situando-se nesse plano e tendo a ver com certo tipo de crimes, espero que não se estabeleça qualquer confusão e que nenhum juízo sobre isto reverta de uma consideração de uma problemática totalmente diferente. Eu fiquei alertado para isso por uma observação do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Ainda bem que V. Exa. diz isso, porque tinha uma pergunta a colocar-lhe, que é a seguinte: aplicar-se-ía, por exemplo, a casos de arrependimento de arguidos durante uma fase do processo?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Vera Jardim, o universo para que se remete é rigorosamente o decorrente daquilo que é o nosso direito processual penal e não outro, Creio que o Sr. Deputado Costa Andrade corroborará isso por inteiro, e qualquer um o fará, porque se trata de algo que ressalta meridianamente dos próprios termos da proposta.
O Sr. Vera Jardim (PS): - É o caso do arquivamento típico?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tal qual se encontra delimitado e não há outra noção de arquivamento que não essa.
O Sr. Presidente: - Podemos passar à apreciação do artigo 30.°, sob a epígrafe "Limites das penas e das medidas de segurança". Existem propostas de alteração deste preceito, apresentadas pelo PS, pelo PCP e pelo PEV.
O PCP propõe a substituição da epígrafe "Limite das penas e das medidas de segurança" por "Penas e medidas de segurança". Os restantes projectos não alteram a epígrafe deste preceito. O PCP propõe também o aditamento do n.º 1, passando o texto do actual n.° 1 a n.º 2, e assim sucessivamente.
Por seu lado, o PS propõe, com idêntico conteúdo, uma proposta de aditamento de um n.º 6 com a seguinte redacção:
Os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas limitações resultantes do sentido da sentença condenatória, bem como as impostas em consideração da segurança do estabelecimento prisional.
Finalmente, o PEV propõe um aditamento, inscrito com o n.° 5, do seguinte teor:
O Estado garante a dignidade humana e a identidade física e moral dos reclusos, o apoio educacional e jurídico e assegura-lhes as condições necessárias ao relacionamento adequado com os cônjuges, companheiros e familiares.
Assim, pediríamos aos proponentes, começando pelo PCP, visto que propõe uma alteração ao actual n.º 1 - que passa a n.° 2 -, que apresentassem as suas proposta.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de propor uma metodologia para este preceito, porque me parece que todas as propostas têm dois blocos: um bloco relativo à chamada política de ressocialização, independentemente das formulações, e um outro respeitante aos direitos do recluso. Se todas as propostas têm esta simetria, talvez pudéssemos discuti-las por blocos.
O Sr. Presidente: - É efectivamente uma boa sugestão na medida em que existem aqui dois objectivos fundamentais, um relacionado com a reinserção e outro com os direitos fundamentais dos reclusos.
Assim, discutiríamos a proposta do PCP, cujo n.5 1 é relativo à reinserção, e a do PS, que no seu n.° 5 aborda a reinserção social, bem como o n.° 6 da proposta do PEV.
Se estiverem de acordo, começaremos pelo n.° 1 do PCP.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A formulação que propomos é talvez a mais económico das apresentadas, uma vez que se limita a transpor para o direito constitucional aquilo que hoje é proclamação e princípio nobre do Código Penal, na sequência de um vastíssimo esforço de elaboração que decorreu em Portugal já desde os anos 60 e que, como se sabe, teve projecção entre nós com o novo Código Penal. Creio que é razoável e que pode vir a ser algo relevante o facto de se definir como fim primordial das penas e das medidas de segurança privativas ou restritivas de liberdade a reinserção social dos cidadãos a quem sejam aplicadas. É óbvio que a noção de reinserção social dada, uma vez que se tem em conta não apenas as medidas privativas, é uma noção abrangente, larga e rica, mas naturalmente matizada em função da natureza das medidas. Portanto, o fim reinseridor de uma medida meramente restritiva tem de ser assegurado por meios menos gravosos, menos exigentes e menos dispendiosos que aqueles que deveriam ser aplicados à garantia dessa finalidade, no caso das penas privativas de liberdade.
Há outras formulações que, apontando para o mesmo objectivo, não têm talvez a mesma vantagem capitular e, digamos, da moldura suprema que procurámos ao acolhermos aqui, directamente, o Código Penal.
Devo dizer, sem excessiva defesa da dama própria, o que me diminuiria naturalmente a legitimidade, que a nossa formulação é talvez preferível à do projecto de lei n.º 3/V, na medida em que esta se limita a dizer, por um lado, de mais e, por outro, de menos. Isto é, creio ser demasiado ambicioso dizer-se que a execução das penas e das medidas de segurança evolui para o desenvolvimento integral da personalidade daqueles que foram atingidos por essas
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medidas. Respeito da dignidade humana, sempre. Mas não é concebível uma reinserção social que a não respeite, devendo ser esse o seu esteio e o seu pilar basilar. A alusão ao desenvolvimento integral da personalidade é naturalmente benfazeja e simpática, mas, na parte em que não tem a ver com os limites da reinserção, é, não utópica, mas talvez ilusória e deslocada. Não reproduziria aqui todo o debate e toda a polémica sobre o que é a reinserção social, sobre os limites da reinserção possível, sem que o próprio quadro social seja ele reinserido, em certos princípios que aprofundam a democracia, que desenvolvam o indivíduo em todas as esferas e que permitam, aí sim, o desenvolvimento integral da sua personalidade. E essa uma longa e apaixonante discussão, mas não é essa que aqui se travará.
Por tudo isto, creio que nos deveríamos circunscrever a uma formulação que transpusesse para a Constituição aquilo que, com uma redacção que me parece bem formulada, hoje consta do Código Penal. Faríamos bem, não diríamos nem mais nem menos, nem de mais nem de menos. E o legislador ordinário teria conformações não excessivamente onerosas mas relevantes.
Quanto ao outro bloco, Sr. Presidente, pronunciar-me-ia sobre ele na altura própria.
Não mencionei, por lapso, a referência ao projecto do PEV, que, no entanto, não se limita a aludir à reinserção social como objectivo primordial das penas, uma vez que, na segunda parte, se preocupa com a delimitação das condições do respectivo cumprimento. Pelo que me pronunciaria sobre esse projecto quando abordássemos o segundo bloco.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, propõe o PCP que a Constituição diga que as penas e as medidas de segurança privativas da liberdade tem como fim primordial a reinserção social dos cidadãos. Esta proposta não é uma tomada de posição explícita sobre a questão dos fundamentos do direito penal?
Pausa.
Do aceno, infiro que é. E, se é, discordo que a Constituição adopte doutrinas de natureza filosófica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Julgo que podemos atalhar algum caminho, ficando desde já esclarecido um ponto que é meramente técnico - ou talvez não o seja.
Sem tomar qualquer posição de fundo sobre este assunto, a questão que gostaria de colocar ao Sr. Deputado José Magalhães é a seguinte: parece-me que, tecnicamente, a proposta do PS está muito melhor redigida, visto que, em rigor, não é atribuível à pena em si um objectivo de reinserção social, o qual se refere muito mais às condições em que as penas são executadas. Se o Sr. Deputado José Magalhães concordasse com esta questão, poderíamos atalhar desde já esta medida, que, aliás, está um pouco implícita na questão que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia agora colocou.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Talvez pudéssemos deixar os relatores expor as suas fundamentações...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vera Jardim, embora registasse a oportunidade da sua observação, julgo que seria útil fazermos uma roda e ouvirmos as motivações dos autores ou subscritores.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, vou expor três pontos sobre esta matéria.
O primeiro deles, que foi precisamente agora abordado, é o da distinção e da opção a fazer sobre se são as penas que têm como objectivo fundamental a reinserção ou se é a execução das mesmas. É evidente que isso nos leva uma tarde de discussão, pelo que não vale e pena entrarmos nesse campo. No entanto, para além de uma discussão teórica, penso que é mais rico de resultados inserir na Constituição alguma coisa respeitante à execução das penas, nomeadamente das privativas de liberdade, e não só, que estarmos a dizer que são as penas e as medidas de segurança. De facto, não visiono muito bem como é que vamos distinguir entre uma pena de três anos de prisão, que tem objectivos de reinserção, e outra da mesma duração, mas que não reveste essa finalidade. Julgo, pois, que é mais um problema, como dizia há bocado o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva. Aliás, foi isso que nos levou a optar pela execução das penas.
De facto, como se sabe, estas experiências de reinserção social têm também enfrentado os seus problemas, sobretudo quando tocam à liberdade das pessoas e à sua capacidade de opção, etc. Neste ponto, penso que temos de ser cautelosos e fazer acompanhar de alguma adjectivação esta ou aquela posição. Porém, embora não terçamos armas para a nossa ser adoptada, parece-nos que ela tem um certo equilíbrio.
O segundo ponto, que já tem surgido ao longo de várias disposições, é o problema do cidadão e das pessoas. Acontece que se continuarmos a distinguir entre os cidadãos como nacionais e as pessoas, enquanto realidade muito mais alargada, teremos então de substituir o primeiro conceito pelo segundo.
O terceiro ponto respeita à objecção formulada pelo Sr. Deputado José Magalhães quanto à última parte da nossa redacção. Acontece que não posso, de modo nenhum, estar de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães, porque sob a capa de reinserção social tem-se feito muita barbaridade, desde o arbeit macht frei do fascismo-nazi a outras experiências que me coíbo nesta sede de trazer à liça. Não são, pois, verdadeiramente experiências de reinserção social, mas apenas realidades diversas sob a capa disso. Portanto, e preciso colocar estas pessoas a trabalhar não sei onde para os reinserir na sociedade, etc. Penso que a parte final da redacção da proposta de aditamento de um n.° 5 ao artigo 30.º tem todo o interesse. Refiro-me, pois, à seguinte expressão: "[...] e para o desenvolvimento integral da sua personalidade no respeito da dignidade humana."
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, desejo demonstrar que a proposta de aditamento ao artigo 30.°, apresentada pelo PS, é tecnicamente mais correcta, pelo que deveremos incidir sobre ela o nosso trabalho. Este é, porém, um aspecto de carácter técnico, uma vez que, no fundo, as propostas são relativamente convergentes.
Ora, sob o ponto de vista técnico, a proposta de aditamento do PS tem três vantagens sobre a do PCP.
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A primeira dessas vantagens já foi enunciada quer pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva quer pelo Sr. Deputado Vera Jardim. É evidente que o conteúdo desse n.° 5 tem de incidir sobre a execução das penas e medidas de segurança. Não há dúvida de que tem de ser a execução das penas o motivo do preceituado nesse número, porque, caso contrário, o Sr. Deputado Vera Jardim proporia coisas verdadeiramente miríficas, como, por exemplo, a de que a medida da pena seria determinada pela necessidade de ressocialização, o que é verdadeiramente inconveniente. De facto, uma pessoa que tivesse cometido um pequeno crime, mas que à partida demonstrasse que precisava de muita ressocialização, seria punida com uma pena muito grave. Seria, pois, uma pena muito morosa para ser ressocializada. A ressocialização lem sempre o limite da execução da pena, pois a definição do quantun da pena é sempre um prius. E por isso que a proposta de aditamento da autoria do PS é mais correcta. E que, se queremos aprovar qualquer coisa, terá de o ser através da pista proposta pelo PS.
A segunda vantagem tem a ver com o facto de o PS manter a mesma epígrafe no artigo 30.º, ou seja, "Limites das penas e das medidas de segurança", ao passo que a alicração proposta pelo PCP, no sentido de retirar a palavra "limites", é infeliz, uma vez que, como estamos a tratar de direitos, liberdades e garantias, esse termo é naturalmente importante. Penso, pois, que devemos manter a redacção inicial da epígrafe do artigo 30.º
A terceira vantagem é a de que, embora o Sr. Deputado José Magalhães tenha considerado a redacção proposta pelo PS para o n.º 5 inconveniente, ela responde, na medida do possível, a uma das maiores objecções que se podem colocar à constitucionalização da ressocialização. De facto, temos algumas dúvidas em consagrar o ideal da ressocialização como objectivo constitucional. E porquê? Porque entendemos, como já o dissemos nesta sede, a título particular, que em relação ao ideário da ressocialização há algumas dúvidas quanto â sua constitucionalização, ainda que não esteja colocada em causa como política criminal normal, legislativamente conformada, a nível da lei ordinária. E digo isto porque há algumas dúvidas sobre o direito do estado de exigir a ressocialização e pré-ordenar as suas penas para essa finalidade. Ora, o Estado tem o direito de ordenar as suas penas para que as pessoas não cometam crimes, ou seja, não lesem bens jurídicos. Terá o Estado o direito de as ressocializar? E se as pessoas não quiserem ser ressocializadas e disserem ao Estado Português que não cometem mais crimes, mas que não querem ressocializar-se? Isto vai no sentido da posição defendida pelo PCP, na sequência da opinião, expressa pelo PEV, de que há lugar ao direito à diferença.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ilustro esta situação com uma frase de criminologistas americanos, para não atribuir o mérito a mim próprio, que é a seguinte: "Demos a cada um o direito de ir para o inferno à sua maneira, contanto que não lesem os direitos dos outros."
Temos, pois, algumas dúvidas quanto a constitucionalizar a ressocialização como meta do Estado. Se. porem, essa constitucionalização for feita nos lermos propostos pelo PS, as coisas talvez se resolvam, na medida em que o PS ressalva a dignidade e a personalidade humanas.
Em conclusão, alguma coisa que se deva fazer neste campo tem de ser, do nosso ponto de vista, apoiada na proposta de aditamento ao artigo 30.º apresentada pelo PS. Sobre ela manteremos uma atitude de simpatia activa, mas há ainda algumas reservas que não são - peço-vos que acreditem nisto - de carácter político-partidário, antes sendo mais de carácter filosófico - razões de que, aliás, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia já se fez eco.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A simpatia é que é de carácter político-partidário, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é a simpatia, Sr. Deputado. Aliás, temos, e eu pessoalmente, muita simpatia pelo PS. Contudo, é o fundo da proposta que nos merece o melhor acolhimento, não obstante termos algumas dúvidas, pelas razões que também o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia expôs, quanto à legitimidade de estatuir na Constituição questões de carácter geral. Façamos, porém, justiça ao facto de as propostas de aditamento do PS estarem formuladas em termos que atenuam -se é que não superam inteiramente- todas estas dúvidas. De facto, o PS mantém a ideia de limite na execução das penas e apela para a personalidade humana como um projecto autónomo que, em concreto, pode permitir a recusa da ressocialização. É, pois, um direito das pessoas o de não a quererem, porque podem ter soluções de vida evasivas, como acontece com os hippies, ou formas não conformistas de vida, isto é, gostarem até da cadeia, etc.
Embora com estas reservas, penso que podemos salvar o conteúdo útil deste preceito. Julgo igualmente que o PCP não ficará sumamente prejudicado na sua proposta de aditamento, uma vez que o essencial será salvo. No entanto, permita-nos que mantenhamos ainda, ate ulterior estudo, alguma reserva, ficando desde já prestada esta declaração de predisposição para aceitar a proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, começaria por me congratular com este clima de simpatia mútua e de acordo. É claro que para já, como VV. Exas. sugeriram, em matéria de execução das penas, não sabemos quem será penalizado.
Quero também referir que é tão sincera a minha congratulação que quero navegar nas mesmas águas do Sr. Deputado Costa Andrade, a propósito das observações formuladas no respeitante às alterações propostas para o artigo 30.º E interrogo-me mesmo sobre se o PCP - ia dizer o Sr. Deputado José Magalhães, mas ele não é com certeza o único redactor deste projecto de lei - não quererá operar uma perfeita revolução, como é, aliás, da sua vocação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Competência!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Contudo, penso que VV. Exas. não quererão operar uma revolução em matéria de fins das penas, porque no texto original do artigo 30.º está o primordial. De qualquer modo, colocar esta redacção como n.º 1 do artigo 30.º, retirar a palavra "limites" da epígrafe e deslocar o fim primordial das penas privativas ou restritivas da liberdade, para a reinserção seria qualquer coisa de revolucionário nesta matéria, sobre a qual me interrogo. E faço-o imediatamente, mas não como fez o Sr. Deputado Cosia Andrade, que começou por colocar em questão se isto não iria, ao fim e ao cabo, prejudicar os próprios detidos em algumas circunstâncias. Repito, interrogo-me ab initio sobre a bondade desta solução, que não me parece, antes pelo contrário, que exista.
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Quanto à solução que o PS propõe, devo dizer que ela tem uma natureza muito diferente, ou seja, coloca a reinserção como uma finalidade no plano da execução das penas, embora possa ter um alcance prático, porventura parecido. Simplesmente, diria que o alcance prático final da solução que o PCP propõe é que poderia ser muito desproporcionado em relação àquilo que, em princípio, parece que se pretende.
Além disso, a solução legislativa proposta pelo PS para o n.° 5 do artigo 30.° parece-me realmente...
O Sr. Vera Jardim (PS): - Não está em discussão, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sendo assim, não diria mais nada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que se está a estabelecer um consenso, embora condicionado pela simpatia activa do Sr. Deputado Costa Andrade, no sentido de que as preocupações latentes nas duas propostas de aditamento ao artigo 30.e, apresentadas pelo PS e pelo PCP, podem ser consumidas na ideia de que o que está em causa é a execução das penas. E esta execução pela forma apontada pelo PS absorve também a reinserção social, que, embora com uma formulação diversa no texto, é assegurada ainda com mais aquelas exigências que constam da proposta de aditamento desse partido.
Penso, por isso, que estas disposições poderão ser englobadas numa formulação comum que diga respeito à execução das penas com estes objectivos. Aliás, relativamente aos perigos de um mau entendimento da reinserção social, aquilo que é apontado na parte final do texto da proposta de aditamento de um n.º 5 ao artigo 30.° figuraria como fronteira a respeitar e impediria o desvirtuamento de uma prática abusiva da reinserção social.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vou expor algumas observações sobre as explicações e aprofundamentos que foram entretanto aduzidos.
Em primeiro lugar, é evidente que se introduz com a proposta de aditamento ao artigo 30.º da autoria do PCP uma reflexão sobre o fim das penas. Reflexão essa que, como se sabe, é capitosa, porventura uma das mais debatidas questões em direito penal, e nós só poderemos mitigadamente fazer qualquer debate relevante.
O Sr. Presidente: - Diria mesmo muito mitigadamente, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vamos agora poder deixar de o fazer numa cena medida, isto é, aquela que seja a estritamente necessária para podermos prosseguir. Torna-se importante fazer uma destrinça. De facto, cada qual oferece-se com os méritos e deméritos das asneiras em que incorra, mas é justo que tenha punição além daquela que corresponda precisamente à infracção que praticou. Daí que gostássemos muito de ser punidos apenas por aquilo em que incorremos em infracção e, seguramente, não por aquilo que nos é indevidamente atribuído. Isto quer, concretamente, dizer que é um pouco injusta a observação
que é feita quanto ao carácter descabido da dignificação que é proposta no n.º 1 da nossa proposta de aditamento.
Segundo a argumentação expendida pelos Srs. Deputados Miguel Macedo e Vera Jardim, a nossa solução seria uma falsa questão. Ora, se do que se está a tratar é da execução, não cabe reflectir sobre a pena como tal. Perante isto, o Sr. Deputado Costa Andrade foi com rigor adiantando duas ou três coisas que não podem ficar esquecidas, porque realmente todos sabemos que as penas não se aplicam pelas suas próprias mãos e que, portanto, é preciso curar das questões de execução.
Porém, do que se trata é que há realmente duas problemáticas, e não apenas uma. A questão da reflexão sobre o fim das penas não se dissolve na meditação sobre a sua execução. É, pois, uma problemática autónoma e uma problemática que envolve até reflexões de carácter filosófico e de filosofia de direito penal, sendo, neste campo, uma das mais relevantes e sobre a qual os caminhos se podem separar mais em função de concepções diferentes do mundo, da sociedade, do próprio direito. De facto, disso tudo estamos cientes.
Entretanto, no nosso direito, tal qual é gizado na Constituição e na lei, a questão é susceptível de ter uma dirimição diferente do que se estivéssemos a elaborar o Código Penal constitucional, por termos entre mãos, como o Bentham, a necessidade de fazer um Código Penal para oferecer ao soberano. Estamos, felizmente, isentos dessa obrigação, ou seja, não temos de fornecer nenhum Código Penal ao soberano, pois possuímos um que é nosso, que foi desgraçadamente aprovado, na sequência de uma autorização legislativa, por um processo que infelizmente não foi participado e não permitiu a várias pessoas pronunciarem-se adequadamente. Porém, temos, de facto, um Código Penal. Portanto, estamos livres de algumas preocupações expostas pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Aliás, o sentido do tropo que incluímos na nossa proposta de aditamento e apenas aquele que decorre do Código Penal. E neste, como o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e todos os Srs. Deputados poderão seguramente testemunhar, a alusão à reinserção como fim está feita em determinados lermos, que não creio que sejam distintos destes.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito irá agora, seguramente alarmado, ler o Código Penal e ver como o CDS tinha razão em ser contra ele neste ponto.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Já o li alarmado há muito tempo, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, pela nossa parte, o nosso alarme não vem dessa vertente do Código Penal, mas sim de outra.
Sumarizando, não é indiferente que se faça nesta sede a reflexão sobre os fins das penas e isso seja transposto para a vertente constitucional. E porque?
Em primeiro lugar, porque a margem de disencionariedade legal na fixação dos diversos tipos de penas pelo legislador e muito grande, como VV. Exas. sabem, e quanto a nós devia ser menor. E se houver esta bitola, critério ou referencial, aplicável também à fixação dos diversos tipos de penas, isso não é indiferente.
Em segundo lugar, se houver este critério ou referencial, isso pode ser relevante para a definição legal dos eleitos das penas, o que também não é indiferente.
Em terceiro lugar, pode ser relevante para esse momento judicativo que está a cargo do julgador, naturalmente na fase processual adequada, e em que ele há-de buscar a pena a
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aplicar em concreto. E é aí que o raciocínio aterrorizado do Sr. Deputado Costa Andrade talvez mereça alguma desdramatização, porque o juízo de que para pequenos crimes, em homenagem à reinserção social, seria necessário aplicar enormes penas não tem, na minha opinião, na lógica do nosso Código Penal nenhuma viabilidade. De forma nenhuma isso poderia ser colocado e decorreria da disposição legal que propomos. Se, ao invés, isso se extrai da nossa formulação legal, então também decorre do Código Penal. Aliás, ainda não vi juspenalista que retirasse essa ilação do Código Penal em vigor. São, de facto, retiradas - e com muita razão - outras conclusões, mas não essa. Portanto, esse terror não o temos.
Isto conduz-nos a uma segunda série de reflexões, precisamente sobre a questão fulcral introduzida pelo Sr. Deputado Costa Andrade, ou seja, a questão dos rumos da reinserção social no mundo contemporâneo - tema, ele próprio, também capitoso e merecedor de grandes considerações que não poderão ser, do mesmo modo, debatidas nesta sede.
Em todo o caso, creio que, muito sumariamente, se podem dizer duas coisas: em relação à reinserção social há dois grandes fogos opostos. Um é o daqueles que dizem que da não é possível, é uma ficção, uma perversão, uma tentativa concentracionária de - em sistemas que têm uma determinada orientação quanto às suas finalidades e que se traduzem numa intensa exploração da pessoa humana - destruição, de conformação, de uniformização, de unidimensionalização, etc. Sendo ela própria impossível, só pode ser a ilusão de um objectivo inatingível e, logo, o atraso na consecução do objectivo que deve ser atingido pela forma adequada. Deve, portanto, ser contrariada? Não é possível! Desta concepção há brilhantes exponentes, mesmo na literatura jurídico-penal portuguesa. Situada nesta fileira há a posição significativa e respeitável da Sra. Dra. Teresa Beleza, que, na sede própria, se tem batido pela eliminação de alguns dos mitos correntes da reinserção social de bolso, que, por vezes, é agitada, designadamente para efeitos meramente propagandísticos, por certos arautos do poder vigente.
Há uma outra corrente - e esse é o segundo fogo - que entende que a reinserção social não só é inútil, como é dispendiosa e contrária aos objectivos de um Estado, tal qual alguns o entendem, ou seja, o Estado não só levanta como o "Estado vingador", o "Estado rambo", aquele que "não perdoa". Para esses, do que se trata é de aplicar a retribuição mais bruta e feroz. Só daí pode - segundo se diz - resultar a consecussão das finalidades próprias do direito penal. Não é por acaso que há entre os defensores de certas teorias securitários e do Estado forte quem alegue precisamente a desnecessidade e até o carácter pérfido da reinserção social. Assim, não é de estranhar que aqueles que se vem batendo, na "Europa das polícias" em que nos querem inserir, pela supressão de prisões públicas e pela existência de prisões privadas, contra a existência de certas garantias e pela sua supressão, contra a existência de certas liberdades em matéria processual penal e pela "necessidade" de instituição de regimes especiais de controle dos cidadãos, designadamente através de escutas, de buscas, de regimes "adequados" de revistas e de uma vigilância permanente, encarem com muita reserva a reinserção social. E que a reinserção social não tem nada a fazer nesse universo e é uma ficção perniciosa e cara.
Devo dizer que encaramos a reinserção social como um objectivo legal, a entender não como uma forma de demolição ou uniformização do indivíduo, mas, sim, como uma forma de combate ao universo carcerário e ao carácter infernal que ele pode assumir. Cada um é ou deve ser livre de escolher o seu próprio inferno, que ninguém imponha contra vontade, individual e colectiva, um inferno, resultado, simultaneamente, da miséria orçamental, da indigência dos mecanismos de reinserção, da insuficiência dos meios de apoio e da tragédia que é a vida nas prisões, onde não há meios, como é o caso próprio das prisões portuguesas. Nas prisões portuguesas morre-se não por vontade própria - embora a isso se chame suicídio-, mas, sim, pela falta de condições que permitam ao indivíduo ter um mínimo de dignidade. É a essa dignidade que apela o Partido Socialista e, seguramente, aí com o nosso voto favorável.
Em defesa da proposta que apresentámos, gostaria apenas de dizer o seguinte: o nosso trágico "erro", a nossa "grande infracção" consiste, no fundo, em transpor uma fórmula terrivelmente próxima de uma outra que se encontra em vigor em Espanha. O n.º 2 do artigo 25.° da Constituição Espanhola estabelece: "As penas privativas de liberdade e as medidas de segurança estarão orientadas para a reeducação e reinserção social e não poderão consistir em trabalhos forçados." Os nossos colegas espanhóis esquecem-se, pois, da questão fundamental do Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, de que há uma distinção a fazer entre a pena e a execução. Portanto, incorrem no "erro grave" de confundir a pena com a sua execução. Pessoalmente, estou convencido de que os espanhóis não incorrem em erro nenhum, que a questão levantada pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva é um puro equívoco e que, portanto, é possível discutir as duas coisas separadamente.
Em conclusão, devemos apontar para a reinserção social como um fim. Depois deveremos curar de todas as condições para que a reinserção social possa vir a ser uma realidade. Mexendo nos terrenos um e dois estaremos operando bem. Operar apenas no terreno dois é uma má desculpa para não o fazer em relação ao primeiro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ter de me ausentar durante uns minutos, já que tenho de ir à Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Assim, gostaria de pedir ao Sr. Deputado José Magalhães o favor de presidir aos trabalhos.
Pausa.
Neste momento assumiu a presidência o Sr. Secretário José Magalhães.
Vozes.
O Sr. Presidente (José Magalhães): - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, nunca me pareceu que um erro inscrito na Constituição Espanhola, mas desde que se demonstre que de um erro se trata...
O Sr. Presidente: - Isso não está demonstrado, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foi aqui abundantemente demonstrado que é de um erro que se trata. Há que ter o cuidado de ler os autores espanhóis que se debruçam sobre esta matéria. Recomendo-lhe, muito particularmente, um que está próximo do PCE, o Sr. Prof. Muñoz Conde - e poderá constatar os aríetes que ele dirige contra esse artigo da Constituição. Mas creio que não vale a pena
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fazer isso, porque podemos demonstrar aqui que se trata de um erro. Efectivamente, é um erro profundo dizer que as penas devem ter um fim de ressocialização.
Por outro lado, penso que a sua intervenção revela uma propensão para alguma delinquência e para arvorar as coisas mais simples e que se procuram pôr nos termos mais sãos. Quando se referiu à minha intervenção, falou em "aterrorizado". Creio que é inadequado à minha singela intervenção falar em "aterrorizado". Pelo contrário, a minha intervenção foi de uma certa concordância e uma certa minimização das divergências, foi serena e tentou criar um espaço de consenso nesta matéria. E digo isto porque minimizei intencionalmente os inconvenientes da proposta do PCP, que são muito graves.
Portanto, a minha atitude não foi de terror, mas, pelo contrário, de um certo optimismo e uma certa descompressão, que não de terror. Se discutirmos as coisas com mais cuidado, não poderemos deixar de verberar os inconvenientes profundos da proposta do PCP. O PCP consegue, ao mesmo tempo, ter aqui o bolo e comê-lo. Estamos a falar da revisão constitucional, que. por vezes é encarada não se entrando em linha de conta com as instituições que estão aí, com a maneira como ela deve ser alterada e sem fazer um juízo constitucional no espaço constitucionalmente puro, o que não é correcto. A legislação ordinária há-de ser revista em função dos juízos dos legisladores constituintes.
Essa é a postura que o PCP tem tido, mas, quando isso não lhe convém, adopta uma outra postura e diz: "Isso interressa pouco por que o que está aí é o Código Penal, que nos garante, nos assegura [...]" A verdade é que o Código Penal não pode minimamente assegurar uma proposta como esta, que refere que as penas e as medidas de segurança terão o fim primordial da reinserção social. Não há Código Penal que lhe valha e que nos livre do perigo ínsito nessa proposta! O texto constitucional que os Srs. Deputados do PCP propõem é iminentemente perigoso. Tomando o exemplo de alguém que rouba qualquer coisa numa loja ou num supermercado, o declara e vai ao tribunal dizer que o fez porque é contra a propriedade privada, contra a sociedade capitalista, contra todos os padrões, diria que, se o Sr. Deputado tomasse a sério a sua proposta, teria evidentemente necessidade de impor uma pena acrescida e grave para ressocializar essa pessoa. Assim, um crime tão ligeiro serve para revelar um défice da reinserção social, que é particularmente grave. O Sr. Deputado não tem razão em relação a esse aspecto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade está a pressupor um determinado conceito de reinserção social, isto é, um conceito de reinserção social verdadeiramente totalitário, expropriador do direito a diferenças e unidimensionalizante.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Presidente, estou a pressupor o direito penal para que o Sr. Deputado aponta, um direito penal pre-ordenado à reinserção social. Ora, o direito penal não deve ser pre-ordenado antes da reinserção social. Essa questão só pode ser colocada na execução, porque antes temos de levantar o problema da culpa e da legalidade como limite da pena. É isso o que faz o PCP e marca a grande diferença.
Penso que a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães foi manifestamente inadequada nesse aspecto. Em relação ao resto, o Sr. Deputado lerá muita razão em me criticar e fustigar. Já o fez muitas vezes com razão e muitas vezes sem ela, mas não tem razão em relação a este caso.
Com a minha intervenção pretendi criar à volta da proposta um certo clima de consenso e atenuar as diferenças. O Sr. Deputado não tem razão quando refere que eu próprio invoquei aqui, aterrorizado, os perigos da proposta do PCP. Se o quisesse fazer, se quisesse conceder alguma coisa à demagogia, que não é adequada à discussão neste espaço, então a sua proposta mereceria muita coisa, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, também gostaria de dizer que o seu excesso de argumentação terá sido uma tentativa de recuar muito para que se notasse pouco. Efectivamente, salta à vista que a solução legislativa do PCP quanto aos efeitos desejados acabaria por ser inadequada. Na verdade, em relação a esta matéria nós ainda nos orientamos por aquela que supomos ser a boa doutrina. Assim, a medida da pena deve ser dada em função do bem jurídico violado e em função da culpa na violação desse bem jurídico.
Essa é uma finalidade da qual não nos desejamos desviar. É uma finalidade de censura moral, que tem tradução nas penas que vierem a ser aplicadas.
Esta é, à partida, a realidade. Uma coisa é isto e outra é, como temos visto, a execução. A execução deve ser feita, naturalmente, de maneira a que quem estiver a ser alvo de uma medida punitiva possa cumpri-la, por forma que no decurso do cumprimento dessa pena se possa orientar esse cumprimento no sentido da ressocialização do indivíduo, no respeito pelos aspectos fundamentais da sua personalidade. É isso que o PS procura salvaguardar na sua proposta e foi isso que o Sr. Deputado Costa Andrade sublinhou há pouco.
Em 1988, o PCP não terá a pretensão de retirar ilações de ordem totalitária relativamente à proposta que apresentou. No entanto, gostaria de chamar a atenção - e já sei que o Sr. Deputado José Magalhães irá dizer que o meu argumento também é um pouco ad terrorem - para o seguinte: da conexão desta proposta do PCP relativa ao artigo 30.° com o célebre artigo I6.g-A, relativo aos deveres fundamentais, poderiam resultar graves penas, que os cidadãos seriam obrigados a cumprir com o único propósito ou - e para utilizar a linguagem do PCP - com o fim primordial da sua ressocialização e com vista a que se capacitassem da necessidade de cumprir tais deveres. Este meu próprio argumento é também excessivo, mas é só para sublinhar que a solução legislativa que o PCP nos propõe é má. Creio que poderíamos ficar por um equilíbrio, que julgo que está patente na proposta avançada pelo PS e que também foi defendida na primeira intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Gostaria de dizer que, com a mesma simpatia com que vejo a proposta do PS, discordo totalmente da última intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Penso que em matéria penal nada temos a aprender com os espanhóis. Pelo contrário, recordo aqui que nós fomos os pioneiros em numerosas matérias não só na Europa como no resto do mundo.
Por outro lado, creio que já ficou abundantemente explicitada a diferença que existe entre uma pena e a sua execução e quais são os elementos que devem ser tomados em conta para a determinação da medida da pena. Em
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primeiro lugar, creio que o Sr. Deputado José Magalhães inverteu os termos em que deve ser colocada esta questão, nomeadamente na relação entre aquilo que é disposto no Código Penal e aquilo que deve estar consagrado na Constituição. Isto é, a Constituição não tem de se predeterminar àquilo que está estabelecido num qualquer Código Penal, já que deve ser ela, como lei fundamental, a dar as orientações que nesta matéria importa considerar. Depois, é importante o sentido de reinserção social que queiramos imprimir a este termo, mas ele nunca pode ser confundido com qualquer condicionamento da personalidade do indivíduo. E que há um princípio que também é constitucional e antecedente a qualquer objectivo de reinserção social: o da capacidade que qualquer indivíduo tem de autodeterminar a sua personalidade no tal respeito, constitucionalmente consagrado, do direito à diferença, da inviolabilidade da personalidade humana, etc. Portanto, a explicitação deste princípio deve ser levada às últimas consequências, inclusive nesta matéria.
Creio que temos diferenças fundamentais quanto à filosofia desta matéria, que imporia assinalar, mas que não me coíbo de determinar e explicitar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, também propomos, em aditamento, novos números a este artigo 30.º O Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva acabou de dizer que os Portugueses têm sido pioneiros em matéria de direito penal em toda a Europa, o que será um facto. Se, de facto, assim é, deveremos continuar nessa dinâmica, nessa senda de pioneirismo. Foi talvez um pouco com esse espírito que propusemos a introdução destes dois números. Reconheço que a discussão do n.° 6, que determina que as penas devem ter como objectivo primordial a reinserção social, já está feita. Não serão, pois, os meus argumentos que irão ter influência nesta discussão.
No entanto, permitia-me chamar a atenção para o oposto a isto. Assim, as penas não devem ter como objectivo primordial a reciclagem ou a aprendizagem daquilo que os reclusos não conheciam até à data da reclusão. Penso que é basicamente isso que se passa hoje nas cadeias portuguesas. Isto é, independentemente do que está ou não prescrito na lei, o objectivo primordial que tem sido atingido pelas penas tem sido, basicamente, o de levar não à reinserção social, mas sim à aprendizagem e à manutenção de condições para que essa aprendizagem, essa reciclagem, em lermos do refinamento da criminalidade, se faça nas prisões portuguesas.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado Herculano Pombo, esse é precisamente o pomo da discórdia. É que, do meu ponto de vista, a pena não tem de ter esse objectivo. O que tem de ter esse objectivo é a execução da pena. Como disse, e muito bem, o Sr. Deputado Jorge Lacão, a pena tem como medida a culpa e o bem jurídico violado. Estes é que são os elementos essenciais para a determinação da medida da pena. Tudo o resto tem a ver com a execução da pena. Este é um aspecto que podemos destrinçar claramente, quer na doutrina quer em textos legais.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Por isso mesmo, nós propomos aquilo que vem no nosso n.º 5, ou seja, que o Estado deve garantir, durante a execução da pena, a dignidade humana e a integridade física e moral dos reclusos - e é isso que não tem sido feito até agora. O apoio educacional e jurídico também não tem sido feito. Assegurar aos reclusos as condições necessárias ao relacionamento adequado com os cônjuges, companheiros e familiares também não tem sido feito. Tem sido um factor de revolta e de suicídio, em elevado nível - a taxa de suicídio, em Portugal, não é usual noutros países.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, como V. Exa. não assistiu à definição prévia da metodologia do debate, informo-o que acordámos em debaterem dois blocos a problemática suscitada pelas propostas de alteração que estão pendentes. No primeiro bloco, reflectiríamos sobre a problemática da reinserção social, qualquer que seja a abordagem; no segundo, abordaríamos os direitos dos reclusos, o que inclui, naturalmente, a reflexão sobre as suas condições de reclusão. Sugiro, pois, que aborde esse aspecto na segunda fase do debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Tenho consciência de que a questão é demasiada complexa para que, sobre ela, me possa pronunciar de modo adequado. Há, todavia, uma convicção em que estou e que é clara: sou mais conservador nesta matéria que o Sr. Deputado José Magalhães. Apenas algumas breves precisões. Primeira: o objectivo da reinserção social é uma finalidade não essencial, embora relevante e justa, da penalização dos ilícitos. Segunda: privilegiar a reinserção social como finalidade da penalização cria elevado grau de incerteza; por exemplo, a medida da pena decorre da culpa e não da utilidade da reinserção. Terceira (e esta questão é que tem a ver com as observações a respeito do que se passa em Portugal): a execução das penas não deve contribuir para a definitiva desinserção social dos reclusos, deve antes, tanto quanto possível, ser orientada pela reinserção social dos reclusos. E é isto o que propõe o PS e me parece bem. Sei muito bem o risco do que acabo de dizer, o risco do ridículo, o risco da ignorância e o risco do conservantismo.
O Sr. Presidente: - Não corre esse risco, Sr. Deputado, como se está a constatar pelas reacções de todas as bancadas.
Srs. Deputados, na qualidade de proponente, gostaria apenas de referir o seguinte: creio que só haverá razões para nos congratularmos com o debate que foi travado nesta matéria. Gostaria também de dizer que transmitirei à minha bancada as reflexões e observações que foram feitas, bem como as criticas à proposta que apresentámos.
Peço-vos que punam a minha bancada apenas em função da culpa e não nos procurem reinserir numa matriz ideológica que não é a nossa, uma vez que isso é excessivamente injusto, como ouvi dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão, que admite, por uma questão de benevolência e por ser já a hora do chá, que em 1988 não tivéssemos a pretensão de tirar ilações de carácter totalitário da proposta formulada. Creio que seria tão descabido fazê-lo em 1988 como em 1987 ou 1986 - e pode recuar até à data da fundação do meu partido, se estiver para aí virado.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Ninguém tem de punir. Nada foi dito no sentido de que fosse punido.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Admite o termo totalitário, embora não aplicado ao seu partido...
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O Sr. Presidente: - Seguramente, aliás, nós próprios fazemos abundante uso da expressão, porque não ignoramos algumas noções elementares da ciência política. Conhecemos a origem da expressão "totalitarismo", a matriz sociológica norte-americana que a fecundou e divulgou e os desenvolvimentos ulteriores que permitem situar os conceitos em terrenos e aparelhos conceptuais diferentes, designadamente os nossos. Quem tiver acompanhado a nossa actividade e o debate político feito correntemente em Portugal constatará rapidamente em que termos o temos feito, isto apenas para situar o facto de não nos poder ser imputada qualquer filosofia que vise substituir os critérios adequados para definir as penas, designadamente na medida em que assentem numa reflexão sobre a culpa.
De resto, creio que ninguém terá dúvidas de que o nosso Código Penal não tem, quanto a este ponto, senão uma opinião mista, matizada; não consagra uma concepção pura da teoria da culpa -suponho que os Srs. Deputados estarão de acordo comigo nessa reflexão-, mas uma concepção temperada. Todos os Srs. Deputados que acompanharam os trabalhos -e creio que o Sr. Deputado Costa Andrade poderá testemunhá-lo pessoalmente - sabem quão debatido foi esse matiz de que o Código é portador. Quer isto dizer que é nessa linha que nos situamos e não noutra qualquer, e ninguém poderá ver em nós defensores apaixonados de qualquer concepção que não se funde na legalidade e na reflexão sobre a culpa como critério relevante e essencial.
Fico, naturalmente, contente em ver os Srs. Deputados da bancada do PSD tão dispostos a defender o direito à diferença até às últimas consequências. Registamos esse facto e cremos que ele é muito importante para o debate que vamos fazer a seguir, porque nesse debate o respeito pelas diferenças levado às últimas consequências pode conduzir a que o PSD acolha e sublinhe muitas das propostas que quer o PCP quer outros partidos apresentaram. E será extremamente meritório que tais propostas venham a ser consagradas com o voto do PSD ou, pelo menos, da JSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero apenas fazer uma pequena correcção, para evitarmos equívocos - se isso se depreende das nossas intervenções, convém corrigir. Não falámos num apoio ao direito à diferença, com todas as suas consequências. E referimo-nos ao PCP porque apoiou aqui a proposta do Partido Os Verdes. Não nos pronunciámos sobre o direito à diferença, nada foi dito da pane da nossa bancada quanto ao direito à diferença.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Ainda estão as tempo.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Estamos, e podemos discutir isso. Só quero fazer esta correcção: não nos pronunciámos sobre isto, mas apenas sobre as dúvidas em relação à necessidade de dar a todo o indivíduo, quanto à política de ressocialização, possibilidade de manifestar o seu desejo, a sua vontade, e lhe reconhecer o direito de ser diferente no que à política de ressocialização concerne.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, a acta, de qualquer das formas, regista palavra a palavra tudo o que cada um de nós disse, pelo que nenhum de nós tem razões para inquietação quanto a interpretações abusivas daquilo que eventualmente tenha sido dito.
Chegámos ao momento em que deveríamos entrar no debate do segundo bloco, respeitante às condições de reclusão e aos demais aspectos relacionados com os direitos fundamentais dos reclusos. Como há pouco anunciei, há necessidade de suspender os trabalhos, que retomaríamos às 18 horas e 15 minutos, abordando então o segundo bloco de questões.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, confirma-se ou não a continuação dos trabalhos à noite? Há alguma informação?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda não há informação bastante para podermos emitir um juízo. Creio que poderíamos aproveitar o intervalo para procurar fazer, junto das direcções das diversas bancadas, um ponto da situação.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Rui Macheie.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Estamos ainda na análise do artigo 30.° De acordo com a metodologia que foi aprovada, vimos as propostas de aditamento relativas à questão da reinserção social, agora iríamos ver o segundo bloco de questões, concernentes aos direitos fundamentais das pessoas que cumpram penas privativas da liberdade. Pediria, pela ordem, ao PS, depois ao PEV e depois ao PCP para justificarem brevemente as suas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Diria muito pouco para a fundamentação deste n.° 6 que o PS propõe para o artigo 30.°
Temos hoje uma lei penitenciária que, no essencial, e bastante defensável, assim pudesse ter sido, efectivamente, cumprida, o que em muitos capítulos da administração penitenciária portuguesa não ocorre, infelizmente. Todavia, há algumas limitações e restrições no ordenamento jurídico relativamente à execução das penas que poderiam incorrer em inconstitucional idade, por significarem alguma restrição de exercício de direitos, e que não estão constitucionalmente previstas. Pensamos ser prudente admitir, simultaneamente, duas coisas: em primeiro lugar, que o recluso, pelo facto de o ser, não perde a titularidade dos direitos fundamentais; em segundo lugar, que é admissível que esses direitos sofram algumas limitações, resultantes, como se diz, do sentido da sentença condenatória e impostas pelas considerações de segurança do estabelecimento prisional.
Penso que a norma se explica por si própria e não valerá a pena discorrer excessivamente sobre ela, em lermos de apresentação inicial, entenda-se.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Ainda antes de passar à apresentação da nossa proposta, uma breve referência à proposta do PS, cuja apresentação acabámos de ouvir. De facto, parece-me que o texto e, como é já habitual classificar-se, enxuto, mas penso que num debate
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deste tipo haveria sempre algo mais a dizer. Há questões de pormenor que convém serem levantadas aqui, porquanto me parece que a manutenção da titularidade dos direitos fundamentais é inquestionável; no entanto, parece-me bem pouco, do ponto de vista da análise, dizer-se apenas isto.
Sabemos que as condições em que são executadas as penas nas cadeias e estabelecimentos prisionais em Portugal tem levado, nos últimos anos, àquilo a que já me referi há pouco: uma elevadíssima taxa de suicídios, uma taxa baixíssima de reinserção social efectiva - aparecem inúmeros casos de reincidência e, quase sempre, utilizando formas criminais mais refinadas, que são, basicamente, apreendidas nos estabelecimentos prisionais.
Por outro lado, não deve deixar de estar presente na actual situação a questão da salubridade e da protecção, que tem a ver com a manutenção das condições de saúde dos reclusos - e não só, também de todo o pessoal que trabalha nos estabelecimentos prisionais. Isto porque, hoje em dia, corre-se o risco em Portugal, risco esse muito evidente já em alguns países, de a um cidadão, condenado por roubar uma galinha, simultaneamente com essa condenação, que pode ser de um mês ou dois, lhe advenha uma condenação à morte - não de galinha, mas dele próprio - já entra num estabelecimento prisional onde as condições de salubridade não são minimamente asseguradas, contrai quase automaticamente, e há estatísticas sobre isso, nomeadamente em Espanha, uma doença infecto-contagiosa, com 99,5% de taxa de mortalidade. Na prática e de facto, o que me parece é que se apenas se assegurar ao recluso a manutenção da titularidade dos seus direitos fundamentais, isso não o impede de sofrer condenações que não estão explicitadas na sentença judicial e também não estarão implícitas, obviamente. Portanto, cabe ao legislador - penso que a nossa Constituição deveria fazer referência a isto - e, tal qual propomos no texto do nosso projecto, ao Estado garantir a dignidade humana e a integridade física e moral dos reclusos. Integridade física e moral que sabemos não ser garantida nas actuais circunstâncias: há inúmeros casos de violações físicas, sexuais, morais e de toda a ordem que são perpetradas nas cadeias portuguesas - há relatos mais que cruentos sobre essa situação.
Também o apoio educacional e jurídico nem sempre se faz de forma a responder cabalmente às situações.
Por outro lado, uma das áreas menos cuidadas, talvez, é a do relacionamento com os cônjuges, mas não só, com os companheiros que vivam em situações familiares de facto, embora não em situações familiares juridicamente entendidas, e também com os familiares. Este afastamento, devido à falta de condições para um normal relacionamento - entenda-se por "normal relacionamento" aquilo que cada um quiser entender -, condições que há que criar, porque, penso, são fundamentais e sem as quais a manutenção do equilíbrio afectivo do recluso não é possível, resulta assim num agravamento da pena para além do que é humanamente aceitável. É nesta base filosófica que apoiamos a tentativa de introduzir no texto constitucional o que aí fica descrito, nos n.ºs 5 e 6, ou seja, cremos que as condições de execução da pena não devem agravá-la para além daquilo que é razoável e humanamente aceitável, e que decorrerá obviamente da situação de a pena ser cumprida, numa situação que não é a do convívio social normal dos cidadãos não detidos.
Penso que deveríamos, por todos os meios ao nosso alcance, evitar que as penas sejam agravadas indevidamente, já que com isso não estamos a contribuir para a reinserção social nem para a melhoria da sanidade do tecido social, antes, pelo contrário, estamos a incrementar a criminalidade e o desespero que leva, muitas vezes, como já disse, ao suicídio. Tenho em meu poder o número de suicídios do ano passado em cadeias portuguesas, o número de motins e o número de reclusos a quem foi feito o teste do vírus da imunodeficiência adquirida (SIDA) - não sendo, embora, uma situação tão alarmante como em certos casos, nomeadamente o espanhol, começa a ser uma situação preocupante. Para grandes males, grandes remédios - e atempados.
E ficava por aqui - penso que fiz referência às condições de salubridade, ao relacionamento adequado com os cônjuges, companheiros e familiares, ao apoio educacional e jurídico e à manutenção da dignidade humana e da integridade física e moral.
O Sr. Presidente: - Tem, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Será bastante mais fácil fazer agora uma apresentação sucinta, uma vez que os Srs. Deputados já puderam produzir, sobre a situação do sistema prisional português, considerações que, creio, são pertinentes. Por mim, gostaria só de dizer que se "para grandes males, grandes remédios" - como disse o Sr. Deputado Herculano Pombo - é ilimitada a eficácia ou o sentido da terapêutica que podemos dar, a nível constitucional. Infelizmente, é limitada mas não é indiferente nem irrelevante, e é importante. Daí, o alcance positivo das propostas dos diversos partidos. O que quer dizer, naturalmente, que consideramos positivos os diversos contributos. Pela nossa parte, procurámos dar um, que é, de resto, convergente ou tem o mesmo objecto que o dos Srs. Deputados do PEV e do projecto de lei n.º 3/V, dos Srs. Deputados do PS.
Trata-se de procurar escolher, se houver convergência adequada de uma maioria qualificada para esse efeito, uma fórmula que permita algum enriquecimento da Constituição em relação a um ponto que não é, realmente, irrelevante e pode ser muito importante para uma certa categoria de cidadãos e de pessoas. Em que é que essa fórmula poderá traduzir-se - eis a questão, eis a boa questão. Os tipos de problemas que são equacionados pelos diversos projectos são muito diversificados.
A fórmula mais ambiciosa seria, talvez, a que resultasse da conjugação entre todos os projectos - isto é um pouco evidente mas não é infrequente em termos de questões de revisão constitucional, uma vez que: primeiro, o projecto do PCP procura ser extremamente preciso na elencagem dos direitos dos reclusos, em relação aos quais há possibilidade de restrição de exercício. Esse é, quanto a nós, um aspecto fulcral, porque receamos um pouco as formulações indeterminadas, como é a do PS, que alude à possibilidade de limitação por duas vias (por força, por um lado, do que decorra da sentença condenatória, mas, por outro lado, por força daquilo a que chama "as imposições em consideração da segurança do estabelecimento prisional"). Esta formulação é excessivamente indeterminada em nossa opinião e não traduziria senão um magro enquadramento para o legislador ordinário e para a administração penitenciária. Não queria com isto prejudicar a hermenêutica mais benévola, mas creio que seria mau criar ilusões quanto ao alcance do preceito a ser assim redigido. Repito, esta formulação poderia legitimar, com grande facilidade, que se entendesse como "imposições", em consideração da segurança do estabelecimento prisional, várias restrições
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absurdas ao exercício de direitos fundamentais dos reclusos - assistimos, hoje em dia, a restrições dessas, abundantemente- e que não seriam adequadamente tolhidos por esta cláusula.
A formulação que o Sr. Deputado Herculano Pombo apresenta é, também quanto a esse ponto, menos precisa, embora seja meritória, na parte em que alude a uma questão fundamental que não surge em nenhum projecto com essa extensão. Questão essa que é a das condições de cumprimento da pena, aludindo a uma das características que elas devem ter, isto é, a salubridade e, implicitamente, a uma outra, que é a de subsidiariedade ou de ultima ratio, que é o que aflora na parte final do n.º 5 da proposta do PEV. Por outro lado, é ambicioso, na medida em que aponta para que seja assegurado aos reclusos um conjunto de meios de apoio e, também, as condições necessárias ao relacionamento adequado com um conjunto de pessoas que façam parte do seu círculo vital e, portanto, que mereçam a manutenção dessa ligação, mesmo nas condições prisionais.
Devo dizer que não temos na nossa bancada uma formulação alternativa de conjugação e, aliás, não nos caberia elaborá-la, pois creio que se deve tratar de um esforço conjunto. Julgo que isso não consistiria propriamente no Ajax nem no deus ex machina do nosso sistema prisional, mas seria certamente uma indicação positiva, um sinal ao legislador ordinário, ao administrador penitenciário e ao executivo como tal, da necessidade de uma mudança no sistema prisional português, que passa naturalmente por medidas de carácter legal - a nossa lei do sistema penitenciário é letra morta numa parte, é álibi noutra parte e perversa noutra -, de carácter financeiro, organizativo, técnico, etc., que estão infelizmente por adoptar. Nada disso nos caberá nesta sede, mas o que nos cabe vale a pena. Estamos disponíveis para esse esforço, por tudo o que afirmei anteriormente, Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A nossa linha fundamental de acção tem sido a de, na medida do possível, não elevarmos à categoria de norma constitucional aquilo que não seja necessário elevar, à luz da qual temos avaliado as propostas que têm sido feitas. Nesta matéria, também nos parece, numa primeira aproximação, que se justifica introduzir alguma coisa e que a intenção última das propostas em causa pode revelar-se útil e, portanto, necessária ou, pelo menos, conveniente.
De todo o modo, entendo que aquilo que se deve fazer deve permanecer fundamentalmente a nível constitucional. Isto na sequência do que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de referir, no sentido da elevação à constelação dos valores constitucionais da ideia de que é preciso respeitar a dignidade e os direitos fundamentais do recluso. Nesta medida, a inserir-se alguma coisa no clausulado, pensamos que a proposta deve ser o mais enxuta possível, até porque julgamos que a legislação ordinária de que dispomos - e não falo das condições reais que temos, pois essa é outra questão - já dá uma resposta satisfatória a este desiderato.
Mas talvez devêssemos avançar um pouco mais. Propenderíamos para acordar numa formulação semelhante à do PS, elaborando uma formulação ecléctica. Penso que a última frase da proposta do PCP é mais correcta neste âmbito. Julgo que a melhor solução a adoptar, pelo menos para já, é a da junção das propostas do PS e do PCP, cujo texto ficaria com o seguinte teor
Os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações resultantes do sentido da sentença condenatória, bem como as impostas pelas exigências do regime prisional.
A proposta do PS limita-se a apelar para a segurança, mas pode haver outras exigências relativas ao funcionamento do sistema prisional que sejam respeitantes à própria ordenação da vida normal no estabelecimento. Se todos os reclusos querem, por hipótese, jogar futebol e fazer trabalhos oficinais simultaneamente, como não há espaço para todos, tem de se estabelecer uma ordem. Não podemos, assim, ter apenas em consideração a limitação resultante da segurança, mas também a limitação decorrente das exigências normais da vida de um estabelecimento prisional. Propenderíamos, salvo melhor entendimento, para aceitar no essencial a proposta do Partido Socialista, mas com uma correcção retirada da proposta do PCP, ou seja, a expressão "exigências do regime prisional", que nos parece neste aspecto mais adequada.
A proposta de aditamento apresentada pelo PCP elenca alguns direitos que não nos parecem necessários, ao passo que a proposta de aditamento apresentada pelo PS é mais generosa, pois refere os direitos fundamentais, mas não os enumera. O próprio direito de liberdade de movimentos, que o PCP não ressalva e o PS ressalva, também deve ser limitado, ou seja, os tempos de reclusão na cela, em trabalho ou em espaços comunitários também devem ser limitados apenas na medida da sentença condenatória e das exigências do regime prisional. Este aspecto é ressalvado na proposta do PS, e bem, na medida em que refere os direitos fundamentais genericamente, não os elencando.
Portanto, parece-nos que devemos caminhar um pouco no sentido da teoria geral do direito, isto é, não estar a repetir a propósito de cada tema aquilo que em geral já foi dito. Se se ressalvam os direitos fundamentais do recluso, não me parece necessário estar a fazer um elenco desses direitos. Não veríamos, pois, com maus olhos uma proposta deste tipo. Aceitaríamos a proposta de aditamento de um n.° 6 da autoria do PS, substituindo, porém, a sua última expressão pela expressão "bem como as impostas em consideração das exigências do regime prisional".
Se houver consenso geral acerca desta redacção, também estaremos de acordo. Talvez não se ganhe tudo o que pretenderíamos, mas penso que se ganhará, apesar de tudo, aquele sinal que o Sr. Deputado José Magalhães há pouco referiu. Parece-me correcto estabelecer esse sinal na Constituição, mas concretizar mais que isso talvez não seja necessário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, depois da intervenção proferida pelo Sr. Deputado Cosia Andrade, gostaria fundamentalmente de lhe manifestar a minha concordância. Em termos de atitude do CDS nesta matéria, devo dizer que é considerado positivo que se pretenda dar um sinal em relação ao que se passa no sistema prisional e que esse sinal deve ter a dignidade do texto constitucional, isto é, que não se limite à manifestação de uma intenção piedosa - passo a expressão -, o que caracteriza no fundo algumas das propostas aqui contidas.
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Nesse sentido, creio que a proposta mais enxuta e que tem mais cabimento neste contexto é a do Partido Socialista.
No entanto, em relação à formulação do PCP, diria que não me parece que esta enumeração de direitos que nela se refere seja menos relativamente à formulação apresentada pelo PS. Julgo que ela é mesmo mais e que é intencionalmente que os deputados do PCP falam nos direitos de expressão, de reunião, de manifestação e de associação limitados apenas "pela estrita medida imposta pelas exigências prisionais". Aí diria que se trata de um mais, mas que acaba concedendo um mínimo ao realismo que é necessário ter por uma verdadeira norma em branco. Perguntaria que manifestações é que serão permitidas, na estrita medida imposta pelas exigências do regime prisional, ou que associações poderão funcionar, etc. Mas julgo que, de facto, não se trata aqui de um menos, e aliás essa formulação revela uma intenção muito clara nesta matéria.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, não há dúvida de que, no que toca à densidade, é possível que cada direito seja algo mais, embora se trate de menos no que respeita ao número dos direitos abrangidos.
Mas tudo está em saber se o mais concedido no referente à densidade não é mesmo excessivo e se a proposta apresentada pelo PS não é, apesar de tudo, mais correcta, na medida em que toma em atenção a sentença condenatória. É que as pessoas que cometeram um crime são presas e têm um castigo com a densidade e as limitações que resultam da sentença condenatória. Daí que me pareça ser a referência à sentença condenatória importante.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Deputado Costa Andrade. Trata-se aqui do mais e talvez, porventura, ele seja excessivo, embora depois esbarre na parede das exigências do regime prisional, porque o PCP também não deixou de ter esse mínimo de realismo que e indispensável à credibilidade da sua proposta, como é óbvio.
Em suma, gostaria de manifestar a nossa concordância com a introdução de algo, neste âmbito, no texto constitucional, algo que seja adequado à própria natureza desse texto. Também nesse sentido a formulação do PS nos parece preferível à do PCP, aproveitando-se, porventura, da parte final desta, pois a referência apenas à segurança pode ser redutora num mau sentido. Portanto, concordo com a opinião expendida pelo Sr. Deputado Costa Andrade acerca desta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, pensamos que é positivo estar-se a estabelecer um consenso no sentido de encontrar uma fórmula que possa exprimir o conjunto de preocupações que as três propostas apresentadas no fundo exprimem. E elas exprimem preocupações que vêm fundamentalmente de uma prática gravemente deteriorada das condições de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais. Por outras palavras, diria que, principalmente, quem conhece as condições prisionais actualmente existentes no nosso país não deixa de compreender as preocupações expressas, que podem ser porventura excessivas na transcrição das propostas, mas cuja intenção é perfeitamente compreensível.
Neste contexto, estou de acordo com as intervenções já produzidas no sentido de que importa aqui inserir alterações no texto constitucional com ele compatíveis, não podendo tais alterações descer a certos pormenores que não seriam próprios da dignidade que caracteriza esse texto. Importa, contudo, não esquecer que está aqui em questão a consagração de um mínimo que assegure os objectivos em causa. Em relação a este aspecto, penso que a proposta apresentada pelo PSD, derivada parcialmente da proposta do PS, poderia ser a base de um texto comum com adaptações dos outros textos; é uma proposta perfeitamente aceitável.
No entanto, tenho algumas dúvidas quanto à manutenção do termo "sentido", constante da citada proposta de aditamento de um n.° 6 da autoria do PS. Talvez a redacção desse número ficasse melhor se se omitisse essa palavra, ficando o texto com o seguinte teor: "[...] limitações resultantes da sentença condenatória [...]". A palavra sentido é um pouco ambígua, embora porventura represente a compreensão do alcance que o PS pretendia dar ao texto. Também se deveria estabelecer a expressão "das exigências do regime prisional" em substituição da expressão "da segurança do estabelecimento prisional", porque, naturalmente, aquela é uma fórmula mais englobantc, que versa outros aspectos que não apenas a segurança.
Penso que é positivo caminhar-se no sentido de encontrar uma fórmula abrangente das várias propostas e que a proposta final não deveria ir muito além disso, embora também me pareça importante o que consta do n.° 6 proposto pelo PCP, nomeadamente na parte em que se refere "só podendo estabelecer restrições ao exercício", enumerando-se seguidamente os direitos que podem sofrer tais restrições. Não se trata aqui de fazer uma enumeração dos direitos fundamentais, mas sim uma enumeração daqueles direitos em relação aos quais somente se admitem excepções "na estrita medida das exigências do regime prisional". Compreendo que a intenção dessa parte da proposta do PCP é a de salvaguardar alguns direitos essenciais do elenco dos direitos fundamentais dos reclusos, pelo que deveria merecer consideração. Isto porque ela não visa enumerar direitos, mas referir aqueles que não podem ser restringidos senão em função das exigências do regime prisional - e isto também me parece ser algo de positivo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de sublinhar o seguinte: há aqui algumas dificuldades conceptuais que podem contribuir para que, designadamente em sede de legislação ordinária, as soluções nem sempre sejam fáceis. Recordo, por exemplo, que o artigo 18.°, quando faz referência à restrição dos direitos, utiliza o conceito restrição de direitos, e outros artigos da Constituição, nomeadamente o artigo 270.°, relativo à possibilidade de restringir direitos de militares, já menciona a restrição ao exercício de direitos. É esta expressão que é utilizada na proposta avançada pelo PCP.
Por outro lado, o Partido Socialista não se orienta num sentido de restringir na lei o exercício de direitos, ou seja, defende a manutenção plena da titularidade do conjunto dos direitos fundamentais, à excepção dos que decorrem da sentença condenatória. Isso está claro e penso que a sugestão do Sr. Deputado Raul Castro é bem-vinda.
Mas o problema que se apresenta é o de saber se na proposta do PS o que se pretende não será uma limitação no exercício de direitos, cuja tilularidade plena em todo o caso se manterá. Penso que é esta a diferença essencial na
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comparação entre a proposta do PS e a do PCP, ou seja, a primeira é claramente mais benigna para os reclusos, na medida em que a proposta do PCP permite ir muito mais longe, designadamente à restrição do exercício de direitos, enquanto o PS admite apenas uma limitação de exercício decorrente das condicionantes do regime prisional.
Em todo o caso, este é um problema de resolução bastante difícil, acerca do qual deveríamos ter plena consciência no momento de votar o respectivo artigo. Porque ou queremos excepcionar a possibilidade da lei restringir direitos, e nesse caso a fórmula a adoptar seria a que o PCP propõe, ou não queremos que a lei ordinária venha a restringir direitos aos reclusos, e nesse caso o sentido é o da limitação que está patente na proposta apresentada pelo PS.
A questão não é tão simples de solucionar como parece e deveríamos ponderá-la melhor, porque eu próprio não estou seguro de qual deva ser a melhor orientação a seguir. Uma boa orientação me parece ser a sugestão de supressão dada pelo Sr. Deputado Raul Castro. Também me parece que a sugestão feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade é aceitável. No entanto, subsiste a dificuldade que agora coloquei, e eventualmente ela pode ser melhor aclarada se algum dos Srs. Deputados quiser contribuir para isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hcrculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer um brevíssimo comentário à última intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, e basicamente ao adjectivo "enxuto" que o Sr. Deputado gosta de utilizar - fá-lo com propriedade -, que utiliza sempre que se trata de qualificar aquilo que deve ser, em seu entender, o texto constitucional.
Obviamente que não estou em desacordo que o texto da lei deva ser enxuto, mas permita-me dizer o que penso acerca disso: creio que enxuto não deve significar seco nem árido ao ponto de o texto constitucional ficar tão quebradiço que permita que por essas frinchas passe aquilo que não queremos que passe.
Portanto, permitia-me avançar com uma solução situada entre o enxuto e as piedosas intenções, referidas a nosso respeito pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, adjectivo que obviamente não aceito relativamente às nossas intenções, pois elas não são piedosas. Elas baseiam-se numa análise daquilo que é a realidade e numa filosofia que sustentamos. Neste sentido, permitia-me voltar a referir que a manutenção da titularidade dos direitos fundamentais não cobre, a nosso ver, toda a área dos direitos, que embora não sendo reconhecidos como fundamentais não deixam de o ser na prática. São eles, por exemplo, o direito à manutenção do equilíbrio emocional e efectivo, sem a qual não é possível uma reinserção social posteriormente, bem como o direito à saúde, o direito a poder viver, ainda que em situação de reclusão, em condições de salubridade. Será entendido isto no âmbito dos direitos fundamentais como costumamos entende-los? Esta é uma questão que aqui deixo à laia de reflexão.
De toda a maneira, levantaria outra vez estas questões e tentaria, uma vez mais - prometo que pela última vez -, introduzir no texto constitucional um elemento verde, fresco, que evite que o texto seja não enxuto mas árido, não somente pela imagem que o texto deve ler mas também pela sua aplicação prática e pelos efeitos que daí adviriam.
O Sr. António Vitorino (PS): - É uma rega!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão trouxe à colação um lugar paralelo que esteve presente no nosso espírito quando voluntaríamos a solução que agora tem estado a ser apreciada, mas infelizmente este é o único ponto em que estou de acordo com ele. Quanto ao resto, creio que foram introduzidos alguns equívocos que teremos de espanejar rapidamente se queremos caminhar para uma qualquer solução razoável.
Em primeiro lugar, gostaria hereticamente de citar de novo o artigo 25.º, n.° 2, da Constituição Espanhola, o qual nesta matéria diz o seguinte:
O condenado à pena de prisão que esteja a cumprir a mesma gozará dos direitos fundamentais deste capítulo, com excepção dos que tenham sido expressamente limitados pelo conteúdo da sentença condenatória, do sentido da pena e da lei penitenciária.
Depois acrescenta:
O recluso em todo o caso terá direito a um trabalho remunerado e aos benefícios correspondentes à segurança social, bem como ao acesso à cultura e ao desenvolvimento integral da sua personalidade.
Esta última expressão encontra algum afloramento no n.º 5 proposto pelo PS. Suponho que se tratará de uma fonte próxima da redacção do preceito do Partido Socialista, mas ainda que assim não seja é igual para este efeito.
Relembrei isto apenas para que ponhamos os pés em terra portuguesa, naturalmente - e tenhamos ideia de que não é propriamente uma violação de um princípio enxuto engordar ligeiramente a Constituição com este tecido normativo que é virtuoso, não é enchundioso. E digo isto como uma primeira observação.
Quanto às observações materiais do Sr. Deputado Jorge Lacão, creio que são fundamentais se tomarmos como base a redacção do PS, o que não nos fere, de maneira nenhuma, a sensibilidade e nos parece perfeitamente normal num processo de discussão com este. Porém, parece-me que teremos de aprofundar alguns aspectos.
O primeiro segmento normativo a aprofundar diz o seguinte: "[...] os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais".
Há aqui um equívoco fundamental da parte do Sr. Deputado Jorge Lacão na defesa que faz do preceito. É que, como seguramente não está na ideia de ninguém que os reclusos sejam "não pessoas", que sejam não sujeitos de direito, que sejam escravos ou que estejam sujeitos a um regime de inexistência jurídica enquanto pessoas, não é seguramente da titularidade de direitos que estaremos falando, mas apenas do exercício desses mesmos direitos.
Ora, como na ordem jurídica dos direitos fundamentais em Portugal a figura da suspensão de direitos não existe sequer e aquilo que existe é a suspensão do exercício desses direitos apenas em estados de emergência, os cujos são os constitucionalmente delimitados e não quaisquer outros; como em Portugal não existe sequer, ao contrário do que existe na ordem jurídica espanhola, a possibilidade de, em matéria de direito processual penal, suspender o exercício de direitos, e, como entre nós, a única coisa que pode estar em causa é a restrição do exercício de certos direitos nas condições que a Constituição prevê, de acordo com os prin-
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cípios que todos conhecemos e que já tivemos ocasião de debater antes, o problema que aqui se põe é o de saber se não será preciso criar uma cláusula como a que o Sr. Deputado Jorge Lacão invocou e que hoje consta do artigo 270.°
É que realmente pode acontecer - e nós entendemos que acontece - que seja legítimo prever a possibilidade de restrição ao exercício de certos direitos dos reclusos e, se isso se verificar, há até, na enumeração que fazemos, alguma similitude com a constante do artigo 270.°, como certamente o Sr. Deputado Jorge Lacão referiu. Nós limitámo-nos a omitir uma restrição -o Sr. Deputado Jorge Lacão depois verá qual - e matizar outra. E não me parece desacertado fazê-lo.
Também me parece exagerado partir para este debate com o espírito que evidenciou o Sr. Deputado Nogueira de Brito, como se fosse uma aberração conceber que os reclusos tenham certos direitos, por exemplo se associem. O Sr. Deputado Nogueira de Brito saberá que, hoje em dia, os reclusos - e o Conselho da Europa recomenda isso - praticam formas várias de associativismo, umas mais informais, outras mais formais, para diversos efeitos. Constituem-se comissões disto e daquilo - que como V. Exa. sabe são associações, embora numa das suas modalidades mais débeis e com um estatuiu mais precário -, constituem-se outras associações de presos no interior das...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, o que procurei não foi, realmente, demonstrar o meu espanto com a circunstância de V. Exa. ter incluído precisamente estes direitos na sua enumeração, mas sim sublinhar que V. Exa. teve a intenção de introduzir precisamente estes e dizer lambem que, de qualquer forma, ficou aqui uma norma em branco, qual seja a da limitação admissível ao respectivo exercício imposta pela estrita ou não estrita medida das exigências do regime prisional. E, aí, falei no direito de associação porque perguntei-me o que é que seria a estrita medida das exigências do regime prisional em conexão com esse direito de associação, de manifestação, etc. E digo isto para que V. Exa. possa também, de algum modo, assumir e explicitar a limitação que admite introduzir a estes direitos. Nilo basta apenas enumerá-los e chamar a atenção para isso, mas também registar toda a extensão em que o fez.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu acho curioso que o CDS fique fascinado pela parte da limitação de direitos e não o fique pela parte da sua consagração. Mas, naturalmente, não farei um raciocínio simétrico daquele que o Sr. Deputado Nogueira de Brito estava a aplicar-nos. Isto é, não queremos dissimular, de forma nenhuma, que aquilo que se está a criar aqui é um elemento que permite dilucidar o que pode ser restringido e o que o não pode e, quanto à medida da restrição, visa estabelecer um critério. É cruel chamar a isso um critério em branco, porque é um critério tão "branco" como hoje o é o constante do artigo 270.º
É evidente que o constante desse artigo não é eminentemente satisfatório, como o provou certa jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas não é um critério em branco. E se o CDS e os outros Srs. Deputados estiverem disponíveis para fazer um critério mais marcado, mais marcante e mais balizador, terão toda a nossa disponibilidade. Nós limitámo-nos a propor o menos, porque nos pareceu que o mais seria propiciador de alguns equívocos, crispações e receios. Mas, se querem o mais, pela nossa parte, estamos perfeitamente disponíveis para imaginar como é que poderemos apertar a malha e definir melhor o critério para a limitação da restrição, ou seja, a limitação da limitação, que nos preocupa tanto como toda a demais problemática.
A proposta do PS, a servir de base a este trabalho de elaboração normativa, teria de ter em conta a primeira observação que foi feita. Em segundo lugar, teria de ter em conta que, mesmo quanto ao exercício, há certas categorias de direitos fundamentais que não consentem nenhuma limitação por força de qualquer factor. E dou um exemplo: é evidente que o direito à vida é um direito fundamental e primário, mas, no entanto, não há nenhuma razão para o limitar na prisão - aliás, seria completamente proibido fazê-lo por todas as razões possíveis e imagináveis. O direito à integridade física é também um direito, ou seja, mesmo na prisão não existe o direito ao "sopapo" e haverá naturalmente apenas o direito às medidas disciplinares que estão na lei e na estrita medida da lei, havendo também a legítima defesa e todas as outras figuras que os Srs. Deputados conhecem. No entanto, esse direito não é susceptível de ser afectado como tal, o mesmo acontecendo com o direito à integridade moral, etc. Consequentemente, teremos de ver bem qual é o elenco desses direitos. É isto o que me parece deficiente na proposta do PS e por esta razão procurámos avançar por um outro caminho e nos pareceu também que a elencagem poderia ser uma forma sensata de percorrer a via que é necessário percorrer.
Em terceiro lugar, a proposta é ainda deficiente na parte em que alude puramente à sentença condenatória, quando refere "salvo as limitações resultantes do sentido da mesma condenatória". Aí, creio que a solução espanhola alerta para um aspecto que é relevante: quando a norma constitucional espanhola alude aos direitos que sejam "expressamente limitados pelo conteúdo da sentença condenalória" é prudente, uma vez que, de contrário, o cidadão será condenado pelo furto e por isso será preciso ter "cuidado com ele", etc. Portanto, creio que é demasiado aberta tal fórmula.
Quanto ao terceiro segmento da norma do PS - as limitações impostas em consideração da "segurança do estabelecimento prisional" -, o Sr. Deputado Costa Andrade exprimiu já uma observação crítica que me parece razoável e por isso é que não vamos por esse caminho. No entanto, devo dizer que se formos pelo nosso, somado a este, estamos a fazer uma perversão, pelo menos do sentido originário da nossa proposta, e estaremos a indefinir aquilo que na proposta do PS, apesar de tudo, está definido.
Isto é, a proposta do PS refere a expressão "só razões de segurança" e se lhe somarmos a do PCP, fora do contexto de uma elencagem de direitos individualizados, então dar-lhe-íamos um carácter ainda mais aberto do que aquele que ela já tem. E isso não quereríamos fazer.
O PS diz que serão admitidas certas limitações ao exercício de direitos, elencando ou não quais, e depois introduz dois elementos excepcionais: em primeiro lugar, as limitações decorrentes da sentença condenatória - desejavelmente as expressamente decorrentes - e, em segundo lugar, as impostas em consideração da segurança do estabelecimento prisional. Ora, se substituirmos a cláusula b), "Limitações decorrentes da segurança do estabelecimento prisional", por uma outra cláusula b), que dirá "na medida das exigências do regime prisional", estaremos a indefinir a noção é mais lata e pode incluir outros valores, como, aliás, perturbadoramente, o Sr. Deputado Costa Andrade deixou entender. Pior: não saberíamos quais
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fossem - poderíamos estar a incluir, como limitação, por exemplo, o valor da "educação cristã do cidadão", embora num Estado laico esse valor possa ter pouco cabimento, ou o valor do "bom encaminhamento moral do cidadão"...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ou os valores da sociedade socialista!
O Sr. José Magalhães (PCP):-Não, referindo os valores da sociedade socialista estariam cumprindo a Constituição. Os senhores ainda não a reviram!
Risos.
Seria o socialismo português, tal qual vem delimitado, mas não outro, seguramente, porque estamos a falar da autoridade e das prisões do Estado e, como não há prisões privadas, esse problema não se coloca.
Quero, portanto, dizer que estamos disponíveis para um esforço de colaboração na definição de uma redacção complexiva que ultrapasse estes escolhos ou ainda outros que eu não tenha conseguido vislumbrar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como se viu e resulta do debate, a questão não é tão simples como à primeira vista parecia e talvez, por aproximações, consigamos chegar à tal solução adequada. É que era, justamente, uma aproximação a essa solução que eu queria introduzir, admitindo, por hipótese, uma solução de redacção que avançaria no seguinte sentido:
Os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações resultantes de sentença condenatória, bem como as restrições estabelecidas na lei pelas exigências do regime prisional.
Assim, admitir-se-ia, em lugar do conceito de limitação imposta em consideração de segurança - que não se sabe se se refere a limitações que terão de ter consignação necessária na lei -, jogar com o conceito que a Constituição já recolhe, que é o da restrição ao exercício, e, nesse caso, essa restrição ao exercício só pode ser aquele conjunto de restrições que a lei estabelecer. Consequentemente, faríamos a distinção entre as limitações resultantes da sentença condenatória e as restrições por definição legal.
Note-se que o Sr. Deputado José Magalhães levantou agora outra questão, no sentido de ser, porventura, mais aconselhável manter a cautela de a consideração ao princípio restritivo deve continuar a basear-se no princípio da segurança do estabelecimento prisional e não noutros aspectos, designadamente naquele que inicialmente tinha sido sugerido pelo Sr. Deputado Costa Andrade e que eu admiti como possível, ou seja, o das exigências do regime prisional.
Tudo isto são questões que valerá a pena ponderar melhor nas suas implicações, mas penso que não andamos muito longe de uma situação consensual e que poderemos, melhor reflectindo, encontrar essa solução.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. s reflectiu sobre as observações que lhe foram feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas não reflectiu sobre uma que me parece importante, qual seja a de situar as restrições no domínio do exercício e não no da titularidade dos direitos. Ora, as observações que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de fazer nesta matéria, descontando aquilo que ele disse sobre o elenco, etc. - e esquecendo-se de falar no direito de manifestação -, calaram-me fundo, e suponho que à adesão que, em princípio, dei à redacção do PS ponho, neste momento, algumas restrições, porque penso que o Sr. Deputado Jorge Lacão deveria, efectivamente, considerar não só a hipótese de melhorar a sua redacção, que poderia, então, funcionar como base de um acordo possível a encontrar aqui na Comissão, mas também ter em consideração esta observação respeitante aos dois planos, ou seja, o plano de titularidade dos direitos fundamentais e o plano do seu exercício em relação a tudo o que se prevê no n.° 3 da vossa proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se o Sr. Deputado pudesse ter dado uma vista de olhos ao meu papel, teria verificado que está lá escrita a expressão "bem como as restrições ao seu exercício", ou seja, ao exercício de direitos. Por conseguinte, essa questão de a restrição ser relativa ao exercício de direitos e não à titularidade dos mesmos é para mim um dado adquirido e a questão está apenas em encontrarmos uma redacção que consolide as intenções declaradas. Foi esse o propósito que pretendi expressar e, naturalmente, com ele mantenho a minha disponibilidade para encontrarmos a melhor redacção.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Deputado, independentemente da redacção que formos capazes de encontrar, não lhe parece que ela terá alguns aspectos redundantes em face daquilo que o actual n.° 4 estabelece? Ou seja, que nenhuma pena envolve como efeito de necessária perda de quaisquer direitos civis?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, o que penso é que o n.° 4 funciona como uma delimitação necessária quanto ao âmbito das restrições possíveis.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, é que essa proposta de redacção vem criar um novo problema, ou seja, vem acentuar a diferença que do texto parece resultar entre limitação e restrição. E, sendo que, neste contexto, o termo restrição está ligado às relações especiais de poder em matéria de exercício de direitos, a questão que se põe ao intérprete será a de saber se as limitações são limitações ao número de direitos em matéria de titularidade dos mesmos, por contraposição à restrição do exercício. É que, ao serem criadas duas fórmulas - limitação e restrição -, parece ficar mais vincada ainda a ideia de que, na primeira asserção, pode não estar em causa o, exercício, mas a titularidade. E uma solução que parece complicar o problema.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Eu admito que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves tenha alguma razão, até porque eu próprio não me sinto, de momento, em con-
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dições para lhe dar a solução mais adequada e penso que a própria Constituição, na formulação que já existe, incorre, também ela, nalgum vício.
E digo isto pela seguinte razão: se repararmos no n.º 2 do artigo 18.°, verificamos que este diz que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e. garantias, etc. Mas, quando lemos o artigo 270.°, o conceito que lá encontramos é o da restrição, não de direitos, mas de exercício de direitos. E, a propósito, deixei há pouco uma questão no ar no sentido de sabermos se, quando o legislador, no artigo 270.°, falou de restrição de exercício quis dizer menos do que quando, no n.° 2 do artigo 18.°, fala de restrições de direitos, tout court. Penso que não e que se trata apenas de uma imprecisão quanto ao modo de dizer uma coisa com o mesmo alcance.
Se assim for, penso também que isto se resolverá, deixando nós para momento posterior a fixação da redacção final, dado que - se bem percebo - todos estamos em consonância quanto aos objectivos a introduzir com uma norma deste tipo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, procurando reduzir a complexidade das coisas e dando por adquirido alguma coisa, devo dizer que da nossa parte há uma predisposição para consignar qualquer coisa sobre este problema na Constituição, ou seja, que pensamos que a Constituição deverá ter alguma coisa nova neste sentido.
Quanto à questão do modelo, pergunto se esse modelo se deverá orientar, segundo o PCP, no sentido da elencagem de alguns direitos fundamentais ou se, pelo contrário, se deve manter a fórmula, neste sentido mais genérica, do PS. Parece-me que, apesar de tudo, a proposta do PS é neste aspecto mais prudente, pois, se este é um dos domínios mais complexos do direito, deveremos prestar alguma homenagem à complexidade do direito com fórmulas que não pretendam reduzir tudo à complexidade e que poderão, por essa razão, ser inconvenientes. É que a proposta do PCP resolve - a meu ver um pouco apressadamente, até porque as coisas não estão maduras para isso - um magno problema que aqui se coloca, ou seja, o problema de saber, por exemplo, até que ponto é lícito ao Estado alimentar coactivamente os reclusos que decidam suicidar-se. A proposta do PCP legitimaria desde já a alimentação coactiva, na medida em que apenas elenca um conjunto de direitos, no qual não está incluído este.
Esse é um grave problema que se coloca e em relação ao qual ainda não estão amadurecidas as coisas. Assim, conviria deixarmos correr mais água nas fontes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, gostaria só que não ficássemos responsáveis por aquilo de que não somos culpados, a título nenhum.
Isto é, creio que não e possível fazer essa sua interpretação quanto à questão do alcance da omissão de uma cláusula em relação ao direito à vida, porque...
O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, não se trata do direito à vida. O que está aqui em causa é aquilo a que se pode chamar "direito ao suicídio", que é uma liberdade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como sabe, não existe.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não seria tão afirmativo nessa matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, estou, pura e simplesmente, a fazer uma descrição não jurídico-constitucional, mas sim legal, face ao ordenamento penal. Sei que a questão é complexa, mas creio que não é legítimo retirar das propostas formuladas nesta matéria a conclusão que V. Exa. - extraiu. O Sr. Deputado disse aqui que com isto se inconstitucional faria qualquer acção tendente a auto-operar a morte.
O Sr. Costa Andrade (PSD):-Não, Sr. Deputado, o que quis dizer foi precisamente o contrário. É que com isto o PCP resolveria já, ou, pelo menos, enquanto esta Constituição estivesse em vigor, este problema. E resolvê-lo-ia no sentido de afirmar que é lícito ao Estado, é lícito à lei, é constitucional limitar o direito ao suicídio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não creio lícito ver numa proibição de o Estado agredir o direito à vida - como a proposta pelo PCP - uma cláusula que legitime ou imponha a alimentação coactiva de reclusos, como receia o PSD, mas o problema poderá ser colocado em termos hermenêuticos. Portanto, vamos estudar essa questão.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isso é muito claro, Sr. Deputado. É que V. Exa. limita os direitos aos quais o Estado pode estabelecer limites, faz um elenco dos direitos em relação aos quais é lícito estabelecer limites, mas exclui esse direito de que já se fala - pode ser chocante, mas já se fala- que é o direito ao suicídio. Como sabe, a nossa legislação actual não consente esse direito, pelo menos no limite das prisões. Consente-o em outros limites, como é o caso, por exemplo, dos hospitais, sendo punido todo o médico que curar uma pessoa contra a sua vontade. Há um direito ao suicídio! O único espaço onde o Estado não assegura esse direito é o prisional, já que a lei de execução das penas dá ao Estado o direito de alimentar coactivamente os reclusos.
É uma matéria muito controversa, que em termos constitucionais não gostaria ainda de resolver.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, o Sr. Deputado entende que uma norma deste tipo suprimiria esse poder de alimentação coactiva.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, uma norma como esta resolveria, do meu ponto de vista, o problema constitucional da legitimidade da alimentação coacriva.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é curioso, Sr. Deputado. E é-o porque, normalmente, isso esteia-se no artigo 24?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - São temas completamente diferentes, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Será isso, Sr. Deputado?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aí é o contrário, Sr. Deputado. É que aqui o direito que se coloca não é o direito à vida.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado, é garantir a vida contra o próprio.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, na medida em que aqui se fala de limitações aos direitos, é o direito à liberdade de morrer a sua própria morte que existe e a ordem jurídica portuguesa reconhece a existência desse direito. Reconhece-a, por exemplo, nos hospitais.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é que é abusivo, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em síntese, gostaria de dizer que penso ser preferível um modelo como o proposto pelo Partido Socialista.
Apesar de tudo, mantenho a exigência de que a última limitação seja a que consta da proposta do PCP. O Sr. Deputado José Magalhães pergunta qual é o conteúdo destas exigências. Respondo-lhe, Sr. Deputado José Magalhães, que é justamente aquele que levou o PCP a fazer a proposta e precisamente no sentido que propôs. No entanto, dou-lhe também alguns sentidos próprios, como, por exemplo, a referência às exigências que resultam não só da segurança, mas também da ressocialização. A ressocialização, que pode vir a ser consagrada constitucionalmente, pode ditar limitações ao direito de associação. Pode dizer, por exemplo, o seguinte: "Tu não te juntas a estes indivíduos, porque eles não te convêm."
Portanto, a proposta do Partido Socialista é, neste aspecto, inconveniente.
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Deputado, não é isso o que está em causa, já que essa seria ilegítima, não teria cobertura constitucional. Pode, porém, haver outras exigências, tais como aquelas que decorrem do funcionamento normal de uma instituição. Poderíamos estabelecer a expressão "da natureza das coisas", o que seria uma formulação filosófica do estabelecimento prisional. No entanto, não iremos por essa fórmula. Penso que a fórmula adequada poderia ser a seguinte:
Os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, só podendo a lei limitar o seu exercício nos termos resultantes da sentença condenatória ou na medida das exigências do sistema prisional.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer a seguinte sugestão: no intervalo que se seguirá poderiam ser apuradas as diversas redacções, trocadas impressões entre os Srs. Deputados, corrigidos e fundados os segmentos 1, 2 e 3. Desta forma, depois do intervalo poderíamos ter uma redacção enxuta, escorreita, e um sinal com conteúdo.
O Sr. António Vitorino (PS): - O "enxutismo" está a fazer escola!
O Sr. Presidente: - Está a fazer carreira, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, gostaria, em todo o caso, de vos dizer o seguinte: como VV. Exas. poderão testemunhar, tenho sido não apenas um presidente interessado em seguir os debates, mas também extremamente complacente no alongamento dos mesmos. Julgo que, mais tarde ou mais cedo - e prefiro que seja mais cedo do que tarde-, vamos ser confrontados com a seguinte realidade: no final do artigo 30.° iremos abordar o artigo 31.°, que provavelmente será discutido sem dificuldades, porque não existem propostas de alteração. Depois passaremos para o artigo 32.° Se não limitarmos os tempos de que cada grupo parlamentar vai dispor para intervir no debate, a hipótese, que inicialmente pareceu menos optimista, de terminarmos os debates na Comissão em finais de Julho para podermos .iniciar a sua discussão em Plenário em Outubro não terá a mínima possibilidade de vir a ser concretizada.
Queria chamar a atenção dos Srs. Deputados para este facto. Percebo que estas matérias, pelo seu interesse, entusiasmem todos os intervenientes, mas na realidade estamos confrontados com uma necessidade imperiosa de nos automorigerarmos, sob pena de criarmos uma situação difícil para o andamento dos trabalhos.
Compulsando as actas, podemos constatar que o Sr. Deputado José Magalhães ocupa, provavelmente, nelas um espaço entre um terço é metade. Apesar de tudo, isto não diz apenas respeito ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estamos de acordo com a consideração das medidas que permitam o debate eficaz e, simultaneamente, aprofundado.
Gostaria apenas de dizer que tudo aquilo que aqui tenha dito deve ser sempre dividido por metade. E que o outro representante do meu grupo parlamentar poderia usar do mesmo tempo ou até de mais. Inclusivamente, devo dizer que provavelmente usei de menos.
Risos.
O Sr. Presidente: - Por essa aritmética, imagine V. Exa. - o tempo que o PSD deveria usar.
Gostaria de vos colocar, com muita franqueza, este problema com que estamos confrontados. Como VV. Exas. sabem, não tenho nenhumas possibilidades, do ponto de vista regimental, de limitar o uso da palavra dos Srs. Deputados - aliás, nem sequer gostaria de o fazer.
Por outro lado, percebo que a importância e a complexidade das matérias justificam muitas vezes uma análise mais demorada, mas nem sempre. Por vezes, deixamo-nos ceder à tentação de pormenorizar um pouco de mais o pensamento ou de desenvolver exageradamente uma linha de raciocínio e de argumentação, o que, naturalmente, compreendo. No entanto, gostaria de vos fazer um apelo no seguinte sentido: não é apenas com mais reuniões que vamos resolver o problema. O aumentar o número de reuniões traduz-se num pesado sacrifício para todos nós, já que não é só preciso estarmos aqui fisicamente como também é necessário preparar as reuniões - como, aliás, as intervenções que VV. Exas. têm feito o evidenciam, visto que muitas delas revelam um estudo intensivo da matéria. Portanto, permitia-me fazer este apelo, que é, simultaneamente, uma chamada de atenção para uma realidade à qual não podemos, como é óbvio, deixar de prestar a devida atenção.
Suponho que a sugestão do Sr. Deputado José Magalhães de haver formulações por escrito que traduzam, de uma maneira mais rigorosa, o debate e as diversas sensibilidades que aqui foram manifestadas é boa.
Julgo que elas poderão ser entregues na mesa. Aliás, poderemos reproduzi-las para a acta. Todavia, ainda não nos encontramos na fase das votações. Creio que não se justificará fazer uma análise demorada desses mesmos textos.
Vozes.
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274 II SÉRIE - NÚMERO 10-RC
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a proposta que gostaria de apresentar é comum à do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Só não gostaria que delas reabríssemos outra vez a discussão sobre o sentido, o alcance, a extensão e a terminologia da proposta do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Se o Sr. Deputado Nogueira de Brito já pode antecipar a sugestão do Sr. Deputado José Magalhães, faça o favor de ler, para que isso fique registado em acta.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, essa proposta envolve a inclusão de dois números. Um diz que "os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais" e outro refere que "para além das resultantes do sentido da sentença condenatória, a lei estabelecerá as restrições ao exercício dos referidos direitos necessárias à preservação da segurança dos estabelecimentos prisionais".
O Sr. Presidente: - Penso que, neste momento, seria extremamente complicado estarmos a ponderar todas as nuances das diversas redacções. Em todo o caso, não fica prejudicada a possibilidade de se apresentarem outras propostas alternativas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, em relação ao que disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de dizer que não tenho opinião formada acerca do n.º 2 da proposta por ele apresentada. Diversamente daquilo que foi dito, não a subscrevo nem a renego.
Afigura-se-me que esta questão tem nexo com o n.9 2 do artigo 18.°" que refere que "a lei só pode restringir dos direitos, liberdades e garantias".
Penso que talvez se pudesse dizer "a lei só pode restringir o exercício dos direitos, liberdades e garantias", etc.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, talvez não valha a pena estarmos, neste momento, a reabrir o debate sobre isso.
No entanto, gostaria de dizer que creio que não poderá ser assim. Não é apenas esse o sentido do n.° 2 do artigo 18.°
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, creio que a redacção poderia ser a seguinte:
Os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, só podendo o seu exercício ser limitado nos termos da sentença condenatória ou na estrita medida das exigências do regime prisional.
O Sr. António Vitorino (PS): - É o que se chama "oferta pública de proposta".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, propomos a seguinte redacção:
A lei assegura os direitos fundamentais das pessoas que cumpram pena privativa de liberdade [...]
Desta forma evita-se o termo "reclusos". Penso que a consagração constitucional do termo "reclusos" não é uma boa ideia.
Depois continuava "só podendo o seu exercício ser limitado nos termos da sentença condenatória ou na estrita medida das exigências do regime prisional", o que é idêntico àquilo que consta da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Costa Andrade.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos agora discutir esta matéria. Isso fica registado para ponderação ulterior.
Vozes.
O Sr. Presidente: = Srs. Deputados, vamos passar à análise do artigo 31.°, em relação ao qual não há propostas. Assim, suponho que não há observações a fazer.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos passar à análise do artigo 32.°, que tem como epígrafe "Garantias do processo criminal".
Em relação ao artigo 32.º foram apresentadas várias propostas de alteração. Há propostas do CDS, do PCP e da ID.
O CDS propõe a alteração do n.° 4, com a eliminação do termos "toda" e a substituição da expressão "o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras" por "podendo a lei atribuir a outras".
O PCP propõe o aditamento de um novo n.º 4, com o actual n.° 4 a passar a n.° 5 e assim sucessivamente, com a seguinte redacção:
A lei assegura os meios necessários à defesa eficaz do arguido, independentemente da sua condição económica ou condição social.
A ID propõe o aditamento de um novo n.9 8, com a seguinte redacção:
O julgamento da causa não pode caber a juiz que tenha intervindo no processo na fase de instrução ou na de pronúncia ou equivalente.
O PCP também apresenta uma proposta de aditamento para um novo n.9 9, com a seguinte redacção:
As informações constantes do processo criminal não podem, fora do respectivo âmbito, ser transmitidas a quaisquer autoridades ou usadas para outros fins que não os do processo.
Temos, de seguida, o artigo 32.°-A, que analisaremos depois.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
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6 DE MAIO DE 1988 275
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, respondendo a uma observação não gravada do Sr. Deputado Costa Andrade, diria o seguinte: a nossa alteração visa fundamentalmente evitar o prejuízo que tem sido introduzido nesta matéria. Substituímos, em relação à possibilidade de entregar actos de instrução com o limite de se tratar de actos que não afectem ou que não se prendam directamente com os direitos fundamentais, a decisão casuística do juiz à do próprio legislador. Com isto evitamos que se proceda, como ultimamente se tem feito, com base na publicação do Código de Processo Penal completado pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, a um curto-circuito da competência do juiz nesta matéria.
O que acontece é que com a distinção feita entre inquérito e instrução, com o carácter facultativo da instrução, e como a eliminação dos tribunais de instrução criminal a que se vai proceder acaba-se, sistematicamente, por se alcançar um resultado que não é claramente definido na lei. O CDS admite que em certas hipóteses se justifica a entrega destes actos a outras entidades que não o juiz de instrução. No entanto, o que pretendemos é. que essas hipóteses sejam claramente definidas na lei e que nunca se reportem a aspectos da instrução que possam pôr em causa os direitos fundamentais.
Suponho que a nossa proposta não está prejudicada, que merece a ponderação e o comentário dos membros da Comissão. Como já ontem salientei, é uma proposta em relação à qual estamos abertos às sugestões que efectivamente possam ser feitas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, a proposta do CDS está um pouco prejudicada pelas transformações que entretanto se operaram nas instituições portuguesas, designadamente nas de processo penal. Isto porque, nos termos actualmente vigentes, existe uma distinção muito clara entre instrução e inquérito preliminar.
A partir daí, quer se queira quer não, a instrução é hoje -de resto, este conceito não é ontologicamente determinado e nada nos pode dizer que "isto" é instrução e "aquilo" inquérito preliminar, pelo menos no entendimento que hoje vigora - a parte do processo que, seguindo-se ao inquérito preliminar, da competência do Ministério Público, só pode ser da competência de um juiz. Esta proposta, como outras que foram apresentadas, tinha algum interesse no anterior estado de coisas, em que toda a matéria anterior ao julgamento se chamava "instrução". A partir de agora, por força das alterações que se operaram, uma proposta como esta é até inconveniente, visto que não operaria em relação ao inquérito preliminar por não lhe ser aplicável, mas apenas relativamente à instrução, a qual, pela natureza das coisas, só pode ser da competência do juiz de instrução.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faria minhas as palavras do Sr. Deputado Costa Andrade, na medida em que já deu muitas dores de cabeça ao legislador ordinário encontrar um modelo que se pudesse subsumir ao normativo constitucional. Bem ou mal, esse modelo foi finalmente encontrado e a arquitectura está em vias de ser estabilizada. Se em vez disso introduzíssemos agora esta norma, teríamos porventura de reconstruir novamente toda a arquitectura do processo penal. Depois de tanto esforço, penso existirem talvez outras tarefas mais prioritárias.
Nesse sentido, a proposta do CDS poderia em, certo tempo, visar resolver problemas, mas neste momento talvez seja intempestiva e só por isso não a apoiamos esfusiantemente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não direi que "o criminoso volta sempre ao local do crime", mas é evidente que a paternidade nunca é indiferente à maneira como se fala das criaturas e, portanto, o Sr. Deputado Jorge Lacão acabou de se confessar pai, o que é uma coisa honesta se for virtuosa, se bem que no caso concreto não o seja excessivamente. Mas trata-se aí de separar águas e cada qual assumirá as suas responsabilidades.
Mas não creio que se possa adoptar perante a matéria da instrução criminal a postura um tanto de: "A coisa está feita, não cuidemos de retocá-la." E o CDS revela aqui uma cautela, uma preocupação que, se bem que em meu entender seja malfazeja, é, porém, cuidadosa ou cautelar. Isto é, suponho que só muito primariamente se poderá dizer que a operação principal praticada no Código de Processo Penal hoje em vigor é questão arrumada ou questão fechada. De facto, sabemos que esta é uma das garantias do processo criminal e, mais, uma garantia verdadeiramente autónoma que vale por si própria e à qual se aplicam todas as normas próprias das mesmas garantias, uma vez que consta do elenco dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Sabendo-se tudo isto e sabendo-se também com funciona o sistema de fiscalização de constitucional idade português, a opção contida no Código de Processo Penal é tudo menos firme, é tudo menos estável. Que sabemos dela? Que, tendo sido engenhada na Assembleia da República e não tendo, de resto, aí tido uma grande importância no debate, por razões puramente conjunturais e tacticistas dos diversos partidos, veio a ter no Tribunal Constitucional uma determinada apreciação em sede de fiscalização preventiva. Nesta sede, tudo o que aconteceu foi que o diploma veio a ser promulgado na sequência do juízo emitido. Mas isso não quer dizer que não venha de novo a ser questionado. Poderá sê-lo.
Ora, sucede que o debate que aqui travamos é o terceiro, pelo menos nesta sede: o primeiro foi operado na Constituinte e o seguinte na primeira revisão constitucional. Deste debate travado na primeira revisão constitucional extrairão alguns a ideia de que o facto de as propostas do CDS e do PSD, na altura cimeirados e conjugados em constância do matrimónio, terem sido rejeitadas não linha nenhuma consequência, como não a tinha o facto de a solução aprovada ler sido a que foi e não outra. Isto é, passou-se unicamente a autorizar-se o juiz de instrução a delegar em certas entidades a prática de certos actos instrulórios, com excepção de outros, etc.... Ora, isto tem de ter um significado. E, em nosso entender, esse significado reside em não ler sido bulida a opção fundamental dos constituintes de 1975-1976, que consistia em rebentar por completo o Decreto-Lei n.° 35 007, criando-se um sistema que cometesse ao juiz aquilo que anteriormente lhe não estava cometido. Quis-se acabar com um determinado estado de coisas e instaurar um outro estado de coisas.
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Aquilo que o legislador do Código de Processo Penal fez foi muito simples: para o mesmo legislador que tinha quebrado a cabeça - ou, melhor, para os mesmos professores de Direito que, nessas vestes, se tinham pronunciado -, aquilo que durante algum tempo tinham considerado constituir um escolho constitucional a uma certa alteração do sistema português deixou magicamente de o ser. O Prof. Figueiredo Dias tem abundantes observações sobre essa matéria, até no quadro do debate da primeira revisão constitucional, em colóquios, tomadas de posição públicas. Essa posição passou, a partir de certa altura, a ser travestida na seguinte consideração:
Meus senhores, a porta que julgávamos fechada esteve sempre aberta. E aí onde nós julgávamos que se dizia tudo, afinal queria dizer-se parte. Assim, onde a Constituição diz "a instrução" não se está a referir a nenhum conceito, pois não existe um conceito constitucional de instrução. Instrução é aquilo que o legislador entender que é.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É um nomen.
O Sr. José Magalhães: - É um nomen. Enveredou-se assim por uma via de nominalismo furioso. E a partir do momento em que se edificou a nulidade do conceito de instrução entendeu-se que se podia e enveredou-se por caminhos que invertem o esquema constitucional.
Em segundo lugar, onde se dizia "toda a instrução" passou-se a dizer "toda não, alguma, parte dela, a que nós entendermos que seja". E assim foi, assim se operou essa divisão nominalista, semântica, especiosa, e se passou a dizer que onde havia duas partes afinal de contas só havia uma... Qual é o azar de toda esta démarche? É que se pode fazer o cotejo entre o que diz o artigo 262.°, n.° 1, ao definir o inquérito - o agora baptizado inquérito, não instrução mas inquérito - e o Decreto-Lei n.º 35 007. No artigo 262.°, n.° 1, topa-se com a sucinta definição de inquérito: "É o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime" - sublinhe-se -, "determinar os seus agentes" - sublinhe-se - "e a responsabilidade deles" - sublinhe-se responsabilidade -, "e descobrir e recolher as provas". E se o interprete for em busca dos catrapázios onde se encontra o Decreto-Lei n.° 35 007 topará que o conceito que este diploma dava de instrução, ao definir a respectiva função, era o de que se tratava de verificar a existência de infracções -curiosa similitude: existência de um crime, existência de infracções, no Decreto-Lei n.º 35 007 -, determinar os seus agentes e a responsabilidades deles e averiguar a sua responsabilidade. Dar-se-á um prémio a quem conseguir descobrir uma diferença entre uma coisa e outra. A instrução do Decreto-Lei n.º 35 007 é o inquérito do Código de Processo Penal.
O Sr. António Vitorino (PS): - É uma intervenção "cherlockiana".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só que tudo isto é palpável, é topável, é compreensível e, como tal, as ilações constitucionais tiradas num determinado momento podem ser tiradas de maneira diferente num outro momento.
Pela nossa parte, entendemos que procurar fazer-se uma revisão constitucional, como se tentou fazer através da aprovação desta solução em sede do Código de Processo Penal, constitui uma péssima via. Mas seria talvez pior ainda procurar legitimar a posteriori aquilo que ficou feito através de uma cláusula como aquela que o CDS adiantou por mera cautela.
Por outro lado, gostaria também de sublinhar que a reintrodução desse modelo de instrução é um recuo, cujas consequências, devemos todos compreendê-lo, podem ser de grande gravidade.
Durante muito tempo alegou-se que o sistema de instrução tal qual esteve em vigor em Portugal, na sequência das medidas adoptadas em 1975-1976, era um sistema desastroso e desastrado que tinha soçobrado. Todo o debate do Código de Processo Penal foi feito sob o signo e o estigma do "falhanço monumental" da instrução no modelo que se pretendia enterrar. Devo dizer que temos ainda como boas as ideias fundamentais que presidiram a esse modelo e acreditamos que a responsabilidade principal pelo seu deficiente funcionamento deve ser imputada à falta de meios técnicos e humanos, à confusão legislativa, à clara falta de empenhamento do legislador e do poder político na eficácia do funcionamento do sistema, aos erros cometidos, designadamente sob gestão do PSD, no Ministério da Justiça, nesta esfera. Portanto, se isto foi a "crónica de um enterro anunciado", foram os próprios cangalheiros desse sistema que a fizeram, isto é, os últimos a ter legitimidade para bradar pelo seu inêxito. Basta dizer que nos anos entre 1982 e 1986 em todo o território havia apenas 11 tribunais de instrução criminal com juiz de instrução. Dos restantes 27, 13 estiveram sem juiz de instrução durante um ano, 4 durante dois anos e 10 durante três anos. Com excepção dos Tribunais de Instrução Criminal de Lisboa, Porto e Coimbra, todos os outros tribunais deste tipo estavam preenchidos apenas com um lugar de juiz de instrução criminal, o que conduziu, por exemplo, a que certos lhes fossem responsáveis pela instrução em cerca de 14 comarcas. Por outro lado, na base de tudo isto esteve igualmente a brutal carência de quadros do Ministério Público: 17 comarcas estiveram mais de um ano sem delegado, 10 mais de dois anos e 39 mais de três anos.
Srs. Deputados, a situação que agora se está a gerar, ao abrigo do novo modelo, é igualmente calamitosa. Poupar-vos-ei os dados sobre a penúria de meios de carácter técnico e humano ao serviço do novo modelo que desemboca directamente na policialização da instrução, qualquer que seja o nome. Para quem goste de nominalismos, aí está um nome, aliás justo: a policialização. De facto, e para aí que claramente se caminha a passos grandes. Em todo o caso, na revisão constitucional, o menos que podemos fazer é não dar cobertura a essa policialização e é por essa razão que não somos sensíveis à proposta do CDS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário Carlos Encarnação.
O Sr. Presidente: (Carlos Encarnação): - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Em primeiro lugar, devo dizer que nesta matéria me movo com muita dificuldade. Todavia, permito-me fazer algumas observações. Se bem entendi, apesar de existirem divergências em relação a aspectos porventura essenciais, há algo de comum, do ponto de vista da interpretação da Constituição, entre as considerações do Sr. Deputado José Magalhães e as do St. Deputado Nogueira de Brito. Ao que existe em comum, e a mais não me refiro pois não tenho sobre a questão reflexão suficientemente aturada, dou a minha plena concordância.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não há nada de comum à posição do PCP e do CDS além do reconhecimento do que há de grave em "certa" interpretação da Constituição.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - À vossa interpretação da actual Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, o Sr. Deputado também entende que a actual solução legalmente em vigor não tem cobertura constitucional...
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Propendo a entender isso.
O facto de haver um novo Código de Processo Penal não deve ser invocado para invalidar propostas como a do CDS, seja ela boa ou má. Os trabalhos desta Comissão tem maior relevo, maior dignidade institucional, como se costuma dizer, do que aqueles que precederam a aprovação do Código de Processo Penal. Pretender-se o contrário constitui uma subversão da hierarquia dos trabalhos parlamentares.
Mais ainda: o novo e restritivo conceito de instrução dado no novo Código de Processo Penal não me parece dever ser tido por irreversível. Por que é que o que essa lei dispõe há-se ser irreversível? Não me parece que deva ser tido como tal. Por consequência, tal facto não é invocável contra a proposta do CDS independentemente do mérito do Código Penal e do mérito da proposta do CDS.
Em suma, afigura-se-me que o facto de a revisão ter sido operada de facto, bem ou mal, não invalida que a revisão agora se faça, se for caso disso, em termos constitucionais adequados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Realmente o Sr. Deputado José Magalhães tem razão, pois a nossa alteração era e é de natureza cautelar. Abstemo-nos é de qualificar a atitude nesta sede de quem construiu as soluções constantes do Código de Processo Penal, sem dúvida inspiradas por uma atitude crítica perante o modelo então em vigor. Estamos de acordo com essa atitude que assenta na falência completa do sistema que até agora vigorou, mas entendemos que não se deve, de forma nenhuma, adoptar uma solução do tipo daquela que foi adoptada, isto é, uma solução que pretenda curto-circuitar o problema constitucional. É uma solução habilidosa, mas que, com a possibilidade que agora temos de rever a Constituição, deve transformar-se numa solução frontalmente assumida e não simplesmente habilidosa, como é a subalternização, no Código de Processo Penal, da instrução em relação ao inquérito, mesmo no conceito que se dá das duas figuras. A instrução apenas visa, com efeito, comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o processo, não constituindo nada de substancial, pois, como há pouco salientou o Sr. Deputado José Magalhães, substancial é o inquérito, entregando-se, depois, ao juiz da causa competência subsidiária para praticar actos de instrução, como resulta da Lei Orgânica dos Tribunais e da execução que dela se vai fazer...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é ao juiz da causa.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sim, não é ao juiz da causa, mas ao juiz da comarca.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nunca num processo-crime o juiz de instrução pode ser o juiz da causa, por força do princípio do acusatório.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, não é o que faz a instrução, mas o que pratica actos na instrução. Não vejo bem como é que não possa ser o juiz da causa, no quadro descrito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sobretudo se tivermos em atenção o que está a ser gizado no quadro da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e no quadro do respectivo Regulamento, que é uma coisa que o Sr. Deputado Costa Andrade não conhece.
O Sr. António Vitorino (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Deputado António Vitorino, não. são de forma nenhuma convergentes, porque a nossa intenção ao formularmos esta proposta reside precisamente na divergência que temos com o PCP. Simplesmente, nós assumimos essa divergência enquanto o PS e o PSD se ajeitam ao texto constitucional da melhor maneira que podem e não assumem a diferença com o PCP. Isto é que nós realmente lamentamos!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Temos de nos ajeitar às normas constitucionais.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Aqui, trata-se efectivamente de um caso de ajeitar. Mas nós não devemos ajeitar, Sr. Deputado Costa Andrade! Devemos cumprir as normas constitucionais, e mais nada! E quando entendemos que essas normas estão erradas e temos possibilidades de as modificar... como agora demonstraram as intervenções de V. Exa. e do Sr. Deputado Jorge Lacão, em convergência connosco na crítica ao sistema que vigorou e que ainda vigora. E quando temos a possibilidade de clarificar a questão através da revisão constitucional...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O CDS, quando se discutiu o Código de Processo Penal, disse na Assembleia da República que a solução do Código era inconstitucional.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, o que fizemos foi o seguinte: logo que tivemos oportunidade de modificar a Constituição avançámos com uma proposta. Isso traduz um pouco qual é a nossa atitude global perante este problema.
O St. Costa Andrade (PSD): - O CDS considera que as soluções actualmente vigentes são, à luz da Constituição, inconstitucionais?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, elas correm o risco de ser acusadas e julgadas como tal.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas como é que o CDS julgaria depois de receber a acusação?
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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, não me queira transformar em julgador. Estou, neste momento, a justificar a nossa proposta e a sublinhar a atitude subjacente à ausência de qualquer proposta vossa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que é uma falta de cautela!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Todo o conjunto constituído pelo Código de Processo Penal, pela Lei Orgânica e por aquilo que se prepara na sequência da mesma conduz, efectivamente, a que o inquérito se substitua definitivamente à instrução. Isto é, aquilo que pretendíamos que constasse claramente do diploma legal em que essas soluções fossem devidamente assumidas está a fazer-se por uma via que me parece ínvia, que não me parece a mais clara. Foi por essa razão que fizemos esta proposta.
Lamentamos que quem concorda com a atitude crítica face ao sistema até agora vigente, que se consubstancia nas soluções do Código de Processo Penal, não alinhe connosco nesta proposta de alteração do n.° 4 do artigo 32.º
Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Rui Machete.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, concorda que a figura do inquérito se substitua, em parte, à da instrução?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, nos termos que constam da matriz constitucional que propomos e nos termos que estão consagrados no Código, concordamos. O que entendo é que o Código não tem uma matriz constitucional adequada e que alcança essa solução por uma via sinuosa, que não é, evidentemente, a mais indicada.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas feita esta alteração ainda tem justificação a figura do inquérito?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, a alteração que propomos justifica que se introduza o inquérito ou outra figura que permita que o juiz de instrução seja substituído em determinados actos de instrução do processo.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Como inquérito, é de instrução. O inquérito é substancialmente de instrução.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, essa interpretação, segundo a qual o inquérito é um subtipo de instrução, é líquida entre os juristas?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A linguagem gestual do Sr. Deputado Costa Andrade é elucidativa nessa matéria.
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o que é que o meu gesto claramente elucida?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, elucida que o inquérito é substancialmente instrutório.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isso não é verdade,Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Então, o gesto não é tudo, Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Presidente: - Creio que compreendi aquilo que V. Exa. quis traduzir ao fundamentar a proposta do CDS.
Em suma, o Sr. Deputado diz o seguinte: a instrução é um conceito lato e há que ter em conta aquilo que contribua para permitir formular um juízo sobre a natureza da infracção e culpabilidade do agente. Nestas circunstâncias admite que seja apenas a lei a delegar fases da instrução que não contendam com direitos fundamentais em outras entidades que não o juiz. V. Exa. e entende ainda que isso constitucionaliza opções que a lei ordinária já fez.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, as soluções tornadas possíveis pela alteração do n.° 4 do artigo 32.° evitavam o recurso aos nomes "inquérito" e "instrução", à dualidade constante do Código. Portanto, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia tem razão.
A solução substancial é aquela com que concordo. Os nomes não me fazem especial impressão. O que me faz especial impressão é que se tenha utilizado uma dualidade de nomes para curto-circuitar a aplicação do preceito constitucional.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o que me faz impressão é a confusão que, por via da dualidade de figuras jurídicas, se introduz no direito. Sou leigo na matéria, mas penso que através desses conceitos do Código de Processo Penal corre-se o risco de se frustrar o alcance da insinabilidade do direito aos não juristas profissionais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de saber se em relação a este n.° 4 já se consideram clarificadas as diversas posições.
Se pudéssemos terminar agora este n.° 4 interromperíamos agora os trabalhos. Uma vez que há Plenário a noite, retomaríamos os nossos trabalhos às 22 horas.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prefiro não estabelecer desde já esse limite das 24 horas, já que isso depende um pouco do andamento dos trabalhos. Esta matéria não se compadece com uma discussão própria de um regulamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, a proposta em causa, que não merece a nossa concordância, visa, no fundo, alterar a primitiva redacção da própria Constituição. O que está em causa é o seguinte: já no texto primitivo do artigo 32.° da Constituição se estabelecia que "toda a instrução é da competência de um juiz". Na primeira
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revisão constitucional, esta parte manteve-se e foi acrescentado aquilo que agora consta do n.9 4 do artigo 32.° Embora toda a instrução seja da sua competência, o juiz pode delegar em outras entidades a prática de actos instrutórios que não se prendam com direitos fundamentais.
A proposta do CDS é completamente diversa e nela desaparece a exigência de que "toda a instrução é da competência de um juiz". É que o CDS admite que outras entidades possam, por lei, ter competência para intervir na instrução do processo. Há aqui uma transformação total do preceito constitucional que põe em causa um princípio para nós fundamental, que é o de que toda a instrução deve ser dirigida por um juiz.
Não podemos, pois, aceitar a proposta do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, é que provavelmente VV. Exas. partem de conceitos de instrução diferentes.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Partem de interpretações diferentes do conceito de instrução. Tenho as maiores dúvidas de que exista um conceito cujos limites estejam claramente fixados em matéria de instrução. Portanto, parece-me perfeitamente legítima a interpretação que foi avançada, em sede de legislação ordinária, no Código de Processo Penal. É óbvio que pode pretender-se - aliás, é perfeitamente legítimo tentar fazê-lo - que exista um conceito fixo cujos contornos estejam perfeitamente definidos em matéria de instrução e que ela não tenha de ser obtida tendo em atenção os dados que são fornecidos pelo legislador ordinário.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há algum jurista que sustente isso com solidez? Há um que conheço, capaz de refutar isso.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. O jurista que V. Exa. conhece terá oportunidade de defender essa ideia. Isso não é a propósito da constitucionalidade dos conceitos, mas sim das normas e dos princípios, o que é uma coisa distinta.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Se o único sustentáculo dos conceitos fossem as normas, então ir-se-ia lá, mas isso é outra história.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, podemos considerar que em relação ao n.° 4 proposto pelo CDS já se encontram explanadas as diversas posições.
Iremos, de seguida, proceder à análise do projecto do PCP, que também tem este n.° 4. Depois analisaremos os n.º 8 e 9. No entanto, só iremos entrar na análise dessa matéria quando retomarmos os nossos trabalhos por volta das 22 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 22 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, já tínhamos analisado a proposta do CDS relativa ao n.° 4 do artigo 32.°
Vamos agora passar à proposta do PCP, também relativa ao n.° 4 do artigo 32.8, mas que tem uma outra redacção.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de colocar uma questão prévia em relação ao regime de funcionamento da Comissão.
Não posso deixar de assinalar que, lamentavelmente, estamos a funcionar no momento em que, por deliberação do PSD e contra a qual invocámos todos os argumentos, mas que não obtivemos qualquer provimento, se realiza o debate do Regimento da Assembleia da República, o qual tem como horizonte o "até ao fim". É assim que se chama o episódio que decorre lá em baixo! Devo dizer que estas não são as melhores condições para que se faça o que quer que seja, sobretudo a revisão do Regimento, que é um instrumento não de uma bancada, mas sim de todas, não de um partido, mas sim da Assembleia da República, como órgão representativo de todos os portugueses.
Isto significa que o trabalho que aqui desenvolvemos não pode deixar de se repercutir ou de ter alguma decorrência daquilo que ocorre lá em baixo, onde um camarada meu, conjuntamente com outros representantes de partidos da oposição, está sozinho, deduzindo argumentos contra uma bancada que ali comparece como quem j)assa a noite num sítio divertido. Não é nada divertido! E alguma coisa de dramático e creio que é extremamente negativo.
Em relação ao funcionamento da Comissão, isso tem como consequência o facto de haver um partido que está impedido de aqui comparecer. Refiro-me concretamente ao Sr. Deputado Marques Júnior, que é o responsável pelo debate regimental e, simultaneamente, o deputado que foi incumbido pela sua bancada para acompanhar as matérias da revisão constitucional. Portanto, está, pura e simplesmente, impedido de comparecer.
O mesmo acontece com o Sr. Deputado Herculano Pombo, do Partido Os Verdes.
Aqui na sala temos os seguintes Srs. Deputados: Licínio Moreira, Maria da Assunção Esteves, Costa Andrade, Cardoso Ferreira, Rui Machete, Sottomayor Cárdia, António Vitorino, Nogueira de Brito, Raul Castro e José Magalhães. Sem desmerecimento para qualquer dos presentes, creio que é altamente significativo que assim estejamos a debater a revisão constitucional.
Pela nossa parte não abandonaremos os trabalhos nem, a qualquer título, coonestaremos qualquer acusação de não participação nos trabalhos de revisão constitucional. Devo dizer que não podemos deixar de lavrar o protesto por se trabalhar ou por se insistir em trabalhar desta forma. Não vemos como é que o trabalho possa ser produtivo quando se tem uma visão tão desigual desta realidade, que é complexiva. Isto é, se se quer discutir a revisão constitucional, que exige um determinado espírito, não se pode impor a latere, de forma violenta e inaceitável, um diktat quanto a coisas tão fundamentais como o Regimento -aliás, como se tenta impô-lo em relação à Lei Orgânica e a outras peças legislativas.
Não abandonando os trabalhos, não poderemos participar sem nos dissociarmos, com veemência, da forma como o PSD neles está, procurando estabelecer uma dualidade de comportamentos, como se pudesse singularizar num lado a brutidão e em outro o carácter cordato. É impossível! A face é, qualquer que seja a ficção, a mesma.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de lembrar que a decisão de substituirmos a reunião de amanhã de manhã por esta sessão foi tomada por consenso. Portanto, é nessa base que estamos a funcionar.
Por outro lado, o Regimento está a ser aplicado, na medida em que existe o número de deputados que permite que a Comissão funcione.
Gostaria ainda de referir o seguinte: penso que na CERC, que tem uma matéria extremamente complexa para debater, não ganharemos em introduzir mais elementos políticos do que aqueles que ela já tem.
Poder-se-á pensar que isso é uma forma cordata de dirigir os trabalhos. Creio que é uma forma correcta de os dirigir e é isso que me cumpre fazer. Enquanto o puder fazer, fá-lo-ei. Se algum dos Srs. Deputados entender que aquilo que justificou o consenso de hoje à tarde foi alterado, agradecia que o comunicasse. Não se justifica prolongar uma sessão nocturna, que foi apenas estabelecida na base do consenso, manu militari. Portanto, gostaria que isso ficasse perfeitamente esclarecido.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quando demos o consenso nunca nos passou pela cabeça que alguém quisesse não fazer uma sessão nocturna, mas sim um massacre nocturno até às 10 horas da manhã ou o que calhar. Nunca daria consenso ao que quer que fosse se tivesse como pressuposto que o mesmo era para, enquanto aqui discutíamos a revisão constitucional, fazer no Plenário até a uma hora que não está fixada um debate nos termos em que está a decorrer agora no Plenário o debate do Regimento da Assembleia da República. Devo dizer isto claramente, até por uma questão de correcção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, aqui nunca houve nenhum consenso para fazer um debate sem limitações de tempo. O que foi referido na altura foi, pura e simplesmente, que admitiríamos fazer um debate até às 24 horas ou, quando muito, até às 24 horas e 30 minutos, o que dependeria muito do andamento dos trabalhos. Foi isso que ficou estabelecido e com absoluta independência em relação à questão do termo do debate no Plenário, que não é uma matéria que nos cumpra aqui discutir.
O que dissemos foi que se houvesse uma sessão nocturna estaríamos dispostos a realizar uma reunião na Comissão. O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia referiu, inclusivamente, que, "em todo o caso, é necessário que seja um tempo razoável". Um outro Sr. Deputado sugeriu que os trabalhos terminassem à meia-noite. Aí disse que poderíamos considerar a meia-noite como limite, ou, eventualmente, um pouco mais se o decorrer dos trabalhos o permitisse. Como é óbvio, não é possível, em termos de revisão constitucional, discutir tambour battant esta matéria até às 4, 5 ou 6 horas da manhã. Foi isso que ficou estabelecido! Portanto, nesse aspecto não houve nenhuma alteração dos pressupostos desta reunião.
Em todo o caso, gostaria de deixar isto bem claro e insistir em averiguar se continua a existir consenso, porque penso que é mais importante preservarmos a clareza de atitudes do que ganharmos, eventualmente, meia hora, um ou duas horas de debate, embora estejamos efectivamente muito atrasados.
Gostaria de saber se VV. Exas. têm ou não alguma objecção que seja dirimente em relação a prosseguirmos esta nossa actividade nocturna.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Presidente, como V. Exa. acaba de o confirmar, foi introduzido aqui um conceito de razoabilidade em relação ao termo dos trabalhos.
Suponho que deveríamos procurar que essa ideia de razoabilidade imperasse em relação a todos os trabalhos da Assembleia da República e que, apesar de tudo, não deveríamos, muito embora reconheça que estamos a preparar o processo de revisão da lei fundamental, permitir que houvesse uma hierarquia de matérias na Assembleia da República, sendo certo que a matéria que se está a discutir no Plenário é também paraconstitucional. Há, realmente, um limite de razoabilidade.
Queria só salientar que o compromisso que assumi hoje de manhã está expresso na forma como estou aqui presente. Enquanto houver quorum e enquanto tiver lucidez física para discutir, ficarei.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu não ponho sequer a hipótese de irmos ao limite da sua lucidez, que penso ser muito grande!
Risos.
Eu ficaria certamente mais aquém!
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, quero, uma vez mais, sublinhar a perfeita imparcialidade, a grande isenção e a plena conformidade ao espírito da instituição parlamentar com que V. Exa. s dirige os trabalhos desta Comissão. V. Exa. acaba de dizer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que não pretende ir até aos limites da sua lucidez. É evidente que nunca me passou pela cabeça que V. Exa. pudesse pretender sujeitar alguém a uma tal situação limite. Todavia, um observador imparcial, lúcido, menos imiscuído nos pressupostos e nos imbróglios da situação política do País, talvez se julgasse afectado na sua lucidez se se confrontasse com o que está a ocorrer no Plenário.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que se está a estabelecer o hábito -que tem algum prejuízo em termos de celeridade - de introduzirmos um período antes da ordem do dia.
O Sr. António Vitorino (PS): - Aqui é antes da ordem da noite!
Risos.
O Sr. Presidente: - Quer o Sr. Deputado José Magalhães introduzir a proposta do PCP relativa...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, ainda não estou certo de o PSD estar ou não de acordo com a proposta feita pelo CDS quanto à redacção do n.° 4 do artigo 32.°
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu tinha ficado com a impressão - mas, provavelmente, ter-me-ei enganado e VV. Exas. corrigir-me-ão- que Unham sido, pro memoria e para um estudo ulterior, registadas em acta as diversas redacções, mas que não se previa que houvesse uma redacção imediata.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, essas são outras redacções. Nós estamos agora na discussão do artigo 32.° e não na do artigo 31.º Esse é que tinha redacções pro memoria.
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Mas estou a ver o artigo 32.° também vai ser pro memoria pois, pelo que vejo, a memória está fraca!
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. O PSD ainda não se tinha pronunciado sobre este artigo?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O PSD não estou certo, mas o PS não se tinha pronunciado porque o Sr. Deputado António Vitorino não nos brindou com a sua habitual sagacidade e o Sr. Deputado Jorge Lacão tinha abandonado a Sala na altura.
O Sr. Presidente: - Teve de sair mais cedo.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - O Sr. Deputado Jorge Lacão já não estava presente quando fiz algumas considerações sobre a matéria em apreço.
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão vai ter a oportunidade de ler a acta e de as considerar. A não ser que V. Exa. as queira reproduzir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que fomos directamente interpelados, gostaria de dizer que neste momento a nossa predisposição é para não aprovar esta proposta de alteração do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, dando por adquiridas as minhas palavras logo no início deste debate, em fase em que, obviamente, ainda não linha abandonado a Sala, devo dizer que também nos predispomos a não dar o nosso assentimento a esta proposta do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, está V. Exa. esclarecido acerca das predisposições em relação à vossa proposta. Poderemos passar agora à discussão da proposta apresentada pelo PCP relativa ao n.° 4 do artigo 32.º
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apresenta uma proposta que visa continuar aquilo que foi empreendido na primeira revisão constitucional, dentro, exactamente, da mesma linha de pensamento que, nesse quadro, colheu o consenso - aliás unânime - dos partidos que participaram nesse processo. Nessa altura, o PCP apresentou uma proposta no sentido de garantir aos arguidos o direito ao julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. Creio que foi positivo que se tivesse aperfeiçoado o texto anteriormente vigente e o que hoje apresentamos visa dar um outro passo numa área que é fulcral para que o processo penal cumpra as suas formalidades, mas para que as possa cumprir sem sacrifício de direitos e de interesses dos cidadãos que nelas sejam envolvidos.
Diz-se, por isso, nesse texto, muito secamente e muito enxutamento - como hoje nos habituamos a dizer -, que a lei deve assegurar os meios necessários à defesa eficaz do arguido, independentemente da sua situação económica ou condição social. Parecem ser esses os dois factores mais determinantes, embora se pudesse ter aditado qualquer menção aos aspectos culturais - e isso seria, seguramente, bom. É evidente que se houver disponibilidade para isso, não seremos nós, naturalmente, que contrariaremos esse enriquecimento. Em todo o caso, pareceu-nos que valeria a pena sublinhar os dois factores a que acabei de aludir.
Devo dizer ainda que a situação actual, mesmo depois de a reforma processual penal ter surgido com um cariz matizado em relação à antecedente, é francamente deficiente nesta matéria. A lei hoje não assegura os meios necessários à defesa eficaz do arguido.
Sabe-se que foi aprovado um novo enquadramento legal em relação ao acesso ao direito, sabe-se também que a legislação regulamentar não se encontra publicada e, consequentemente, que é muito difícil avaliar hoje qual seja, efectivamente, a dimensão das mutações operadas, sabendo-se ainda que a situação em relação ao direito processual penal e, portanto, às garantias dos arguidos em processo criminal é particularmente grave em determinadas formas de processo. Isto é, em determinadas formas mais solenes, o funcionamento da assistência judiciária (que assim foi chamada até agora, já não é assim legalmente, mas continua a sê-lo na prática) é gravemente deficiente, e, no que diz respeito às formas mais expeditas do processo, a desprotecção dos cidadãos é quase total.
Aquilo que se vive, no dia-a-dia, nos nossos juízos de polícia é francamente dramático, a floresta de incompreensões e a dispensa de formalidades que poderiam ser úteis para os cidadãos é chocante, o ambiente que se vive e o tipo de justiça que os magistrados são obrigados a praticar - e que procuram praticar com dignidade - é merecedor de um olhar atento. Ora, é no sentido desse olhar atento que o PCP propõe a inserção de uma norma deste tipo.
É evidente que poderíamos ter formulado - o que seria, talvez, mais avançado - uma proposta do tipo instituição do "defensor público", que chegou a ser aventada no quadro da passada revisão constitucional. Neste momento não o fizemos, mas a solução que aqui está aponta claramente no sentido de um reforço e não no sentido de que esse reforço se tenha de processar obrigatoriamente à custa da solução legal traduzida na instituição do defensor público. Poderá passar por ela, se assim for entendido pelo poder político, designadamente pela Assembleia da República, mas não o exige imperativamente.
Interrogo-me: teremos andado suficientemente bem ao não materializar esse elemento instrumental institucional? Penso que, se se pode deixar nesta hora e nestas circunstâncias algum desafio, esse será o desafio à imaginação constitucional dos Srs. Deputados, no sentido de que possa talvez ser materializado, em condições mais audazes ou mais eficazes, aquilo que na proposta do PCP é apenas um gesto, embora nós quiséssemos que fosse um gesto significativo e achemos que talvez tenhamos conseguido uma redacção que seja uma base de trabalho para um gesto significativo comum.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, esta proposta do PCP talvez exija, à partida, algumas especificações mais detalhadas da parte do Sr. Deputado José Magalhães, na medida em que duas observações meramente perfunctórias me levam a dizer que ela é relativamente redundante em relação àquilo que já se dispõe no artigo 2O.Q da Constituição, pois nesse artigo estipula-se um princípio geral de acesso ao direito e aos tribunais que não é variável segundo a natureza do processo e segundo, até, a forma
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desse mesmo processo. Este é um debate que já temos tido aqui várias vezes, a propósito de várias questões, e que, no fundo, consiste em saber se, quando se especificam, em relação a áreas sectoriais, normas genéricas contidas noutras disposições, estamos a reforçar ou pelo contrário a vulnerabilizar a própria eficácia da aplicação da norma genérica.
Em segundo lugar, penso que o grau de preocupação que está aqui subjacente não encontrou uma fórmula totalmente feliz, na medida em que a lei assegurou os meios necessários à defesa eficaz do arguido - diz o PCP -, independentemente da sua situação económica ou condição social. Ora, este igualitarismo pode pecar por excesso se se entender que o critério se aplica a todos os afloramentos da defesa do arguido e o que me parece estar subjacente à nossa preocupação é a garantia de um mínimo comum não variável em função da situação económica ou social e não um nivelamento por cima, ou seja, um nivelamento pelo limite máximo, das disponibilidades de meios de defesa eficaz do arguido, independentemente da sua condição económica ou social.
No entanto, tal como a norma está redigida, não se ilegítima este nivelamento por cima nem se defende - o que me parecia mais correcto - uma preocupação de nivelamento por baixo ou de nivelamento por um "mínimo ético" aceitável. É evidente que todos nós temos consciência de que há desigualdades dos instrumentos de defesa dos arguidos, consoante a sua condição económica ou social, mas é difícil que o Estado crie um patrono público - para recordar a referência que o Sr. Deputado José Magalhães fez - que garanta ao arguido as condições de defesa ou que lhe garanta, por exemplo, a contratação de um dos advogados mais ilustres da praça lisboeta. Isso é difícil de visualizar e, consequentemente, a nossa preocupação será a de um nivelamento por um mínimo ético aceitável, garantindo uma igualdade, independentemente da condição económica e social, e não a de um nivelamento por um hipotético nível máximo irrealista.
No entanto, a norma proposta não contém este distinguo que pode ter alguma relevância e, retornando à primeira observação que fiz, no sentido de saber se ela não estará já, de facto, devidamente consumida pelo artigo 20.° da Constituição e reforçada agora pelas propostas, que nós próprios, PS, e o que o próprio PCP apresenta, de clarificação do artigo 20.º Interrogo-me, pois, se este afloramento em matéria de processo penal não deveria merecer, por exemplo, outros afloramentos, ou seja, por que não aflorar a mesma preocupação em sede de processo laborai? Porque apenas uma norma deste género na parte respeitante ao processo penal e não outra também para o processo do contencioso laborai?
Nós entendemos que este tipo de preocupações está ou deve estar presente em todas as formas de processo e que já está consumido pela preocupação expressa no artigo 20.° da Constituição, tal como ele existe hoje, e, sobretudo, reforçada que está pelos aditamentos que, nós e o PCP, propomos e de que confiamos virão a ser aprovados por esta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. No fundo, eram estas duas questões que me parecia necessário esclarecer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - É que talvez a preocupação do Sr. Deputado José Magalhães venha do facto de, contrariamente à proposta do PS, que teve o cuidado de deixar bem claro - e refiro-me sempre ao artigo 20.° - que o Estado deve suportar o respectivo custo em caso de insuficiência de meios económicos dos titulares de direito, tendo distinguido, no n.º 3, com muito mais clarificação, a informação, a consulta e o patrocínio judiciário, a proposta do PCP parecer mais pobre. E digo isto sem qualquer sentido negativo. Talvez a proposta esteja a ser recuperada agora em matéria de processo criminal. Será isto?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, queria subscrever as considerações feitas pelo Sr. Deputado António Vitorino, referindo, mais uma vez, a inequivocidade da projecção do n.fi 2 do artigo 2O.fi da Constituição, no seu texto actual, que já pressupunha, mesmo no entendimento unânime de toda a doutrina, que o acesso ao direito envolvia tanto o acesso à informação jurídica como o acesso aos tribunais. Isto para além do dever óbvio do Estado de criação de tribunais. Ou seja, há já um entendimento unânime e largo de todo o espectro abrangido pelo n.° 2 do artigo 20.°, sendo, portanto, dispensável e até conveniente, do ponto de vista de uma certa racionalidade na organização intersistemática dos artigos, que não figure no n.º 4 do artigo 32.º esta nova referência à independência da situação económica ou condição social do arguido, tanto mais que, como disse o deputado António Vitorino, ela tem a desvantagem de uma particularização que obrigaria à criação, em termos de texto, de novas particularizações.
Por outro lado, a lei assegura os meios necessários à defesa eficaz do arguido e essa eficácia está já garantida, de modo eventualmente mais amplo e mais conseguido, no n.° 1 do artigo 32.° do texto actual, quando se consagra que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
Por consequência, é exactamente por estas razões que o PSD não aceitará a proposta de redacção do PCP para o n.° 4 do artigo 32.°
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, afigura-se-me que a proposta do PCP tem uma vertente programática e uma vertente normativa propriamente dita. Vou ocupar-me apenas da vertente normativa, em sentido técnico ou em sentido positivo. Afigura-se-me que a Constituição deveria garantir, talvez no artigo 20.°, em aditamento ao n.° 2 da proposta do PS, o acesso ao defensor público, entre outras razões, para proteger os inquiridos na fase policial do interrogatório - e digo interrogatório por causa da confusão existente na nova terminologia em torno da palavra instrução -, ou seja, na fase em que os cidadãos, às ordens das autoridades policiais, podem ver os seus direitos de defesa e da sua integridade física violados.
Na verdade, o n.° 2 do artigo 144.° do Código de Processo Penal desprotege os detidos contra a prática de sevícias, mesmo na fase que deveria chamar-se instrutória. Deveríamos, em sede de revisão constitucional, introduzir esta matéria para impedir que, efectivamente, as sevícias possam produzir-se, mesmo na fase a que chamo antiquadamente instrutória.
Este é apenas um aspecto da proposta do PCP. Porventura não será sequer o essencial dessa proposta. Todavia afigura-se-me que este aspecto deve ser considerado.
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De outro modo, poderemos estar na situação daquelas pessoas honorabilíssimas que, em passado não tão distante, tinham assento neste Palácio e ignoravam o que se passava nas polícias. Aqueles de nós que eram vítimas de maus tratos policiais eram em pequeno número: umas dezenas de milhar. Muitos deputados da Assembleia Nacional e muitos procuradores da Câmara Corporativa ignoravam esses factos. Não deveremos ser colocados perante uma situação análoga de ignorância.
Naturalmente, não estou a presumir que possa repetir-se o tipo de maus tratos que marcaram os tempos da ditadura. Aí estava em causa apenas a liberdade de expressão do pensamento, a liberdade de associação, etc. Por isso não creio, não admito que tal se repita dessa forma. Mas poderemos ficar confrontados perante práticas análogas, embora por motivos que em nada coincidem com aqueles que no passado fizeram a vergonha do Estado Português, e por consequência penso que deveríamos pegar nisto.
Sei que o n.° 2 do artigo 144.° tem uma justificação: não há magistrados do Ministério Público em número suficiente para interrogar. Por outro lado, o direito à presença do advogado é uma garantia ineficaz. Cria-se o defensor público para que toda a gente tenha acesso à defesa da fase do interrogatório, ao menos para que - desculpem o simplismo do meu raciocínio - esses advogados, pela sua presença, impeçam a prática da tortura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Era só para perguntar ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia se estas considerações que fez são válidas, todas elas, mesmo em face do n.° 3 do artigo 32.°
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Do n.° 3 do artigo 32.°! "O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que essa assistência é obrigatória."
Esta lei é o Código de Processo Penal. Deste constam normas que na prática ofendem o direito à defesa e designadamente o direito a assegurar em termos tão eficazes quanto possível que não haverá tortura na fase instrutória do processo penal.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, V. Exa. tem naturalmente o direito de exprimir as suas opiniões, mas em todo o caso ao ler o Código de Processo Penal talvez não se possa fundamentar uma posição tão extrema como essa. O que se discutiu há pouco tempo a propósito da instrução não legitima, salvo o devido respeito, essa conclusão.
Mas poderemos discutir isso mais aprofundadamente, embora não seja exacto, salvo o devido respeito, repilo, que possa daí induzir-se que o problema da tortura está admitido ou não está expressamente banido pelo novo Código de Processo Penal.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não está admitido nem legitimado, aliás nem nunca esteve.
O Sr. Presidente: - Está proibido.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É óbvio, mas na fase em que o suspeito é detido - vinte e quatro, quarenta e oito horas - não há maneira eficaz de impedir que ele seja torturado. Não existe. Essa garantia não existe. Existe, sim...
O Sr. Presidente: - V. Exa. está a referir-se à fase da detenção.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não existe maneira de impedir a tortura, embora não esteja legitimada nem autorizada e se encontre proibida. No entanto, existe maneira de impedir a tortura na fase a que chamo de instrução. Nessa fase existe. Comete-se a competência da instrução ao magistrado. E obviamente o magistrado não pratica tortura. Se se retiram ao controle do magistrado os subsequentes interrogatórios dos arguidos, introduz-se, pela natureza das coisas, embora não pela letra do direito, a possibilidade real, que não jurídica, de essas práticas ocorrerem. Foi apenas isso que eu disse.
Ainda bem que V. Exa. pôs o problema. Não se criasse a convicção de que eu estava persuadido de que o Código de Processo Penal taxativamente previa situações tão inadmissíveis. Não é nada disso.
Essas situações eram também proibidas pelo Código de Processo Penal vigente antes de 1974. Também era proibido.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, também gostaria de ficar na persuasão de que V. Exa. não identifica os polícias, ou autoridades policiais, com torcionários. Não é verdade? O que é um ponto extremamente importante.
Num Estado não democrático a perversão era algo que se poderia admitir como provável, mas aqui é uma violação das regras de organização da própria instituição, no caso de vir a verificar-se, e será uma claríssima violação de um conjunto muito vasto de regras. Não são apenas os direitos fundamentais que são violados, mas ao lado deles são violadas disposições de ordem interna e do estatuto das respectivas polícias, infracções que são efectivamente puníveis e inclusivamente constituem crimes.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não vou contar-lhe uma história. Uma vez que fui interrogado por uma polida, há quase vinte anos, comecei por perguntar: "Isto é um interrogatório?" Responderam-me que sim. E eu retorqui: "Nesse caso e nos termos do Código de Processo Penal, quero um advogado." O meu interlocutor respondeu: "Em atenção ao Código de Processo Penal, tome lá uns pares de estalos." E deu. A seguir acrescentei: "Mas também nos termos da intervenção que fez o Sr. Deputado Sá Carneiro na Assembleia da República." E o polícia esclareceu: "Então para si e para o Dr. Sá Carneiro tome lá mais uns murros."
O Dr. Sá Carneiro falava muito bem. O Código de Processo Penal -ele próprio- também dispunha que o detido tinha direito à defesa. Mas este não tinha realmente. Hoje não sei se esse direito à presença do advogado existe em todos os casos. O que quero é que esse direito exista realmente. O modo de o consagrar é a instituição do defensor público. Os ilustres advogados presentes sabem muito melhor do que eu que, se eu for detido, VV. Exas. acorrem à polícia para me defender. Mas se for detido um anónimo cidadão, não conseguirá um advogado para evitar que o torturem.
O Sr. Presidente: - Compreendo a preocupação de V. Exa. s, mas só queria, em todo o caso, sublinhar que uma coisa era a situação antes do 25 de Abril e outra é a
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situação posterior. Do ponto de vista institucional não há essa polícia que V. Exa. referiu; felizmente extinguiu-se e isso tem a sua importância.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Aí estamos perfeitamente de acordo. Hoje o grau de probabilidade é menor.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que a proposta relativa ao n.º 4 do artigo 32.° tem de ser analisada em função de alguns aspectos específicos.
A análise que fazemos assenta, por um lado, na matéria do próprio artigo 32.°, isto é o artigo 32.° estabelece diversas garantias de processo criminal, atribuindo-lhe uma importância muito especial, o que resulta, a nosso ver, de estar em causa um bem fundamental que é a liberdade. Daí o cuidado que o texto constitucional põe em assegurar, em sete números, diversas medidas fundamentais no campo das garantias de processo criminal. Poderemos dizer, portanto, que há aqui uma regulamentação diversa de outros sectores de direito análogos, porque o sector do processo criminal é um sector especialmente importante.
Por outro lado, penso que a proposta não visa pôr em causa o acesso ao direito e os normativos do artigo 20.°, na medida em que refere "independentemente da sua condição económica ou condição social", mas visa uma outra coisa, a nosso ver importante, que é assegurar a defesa eficaz do arguido.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palvras do orador.)
O Sr. António Vitorino (PS): - Não é nada disso e o Sr. Deputado Nogueira de Brito começa a pôr em causa o princípio da lucidez.
O Sr. Presidente: - Já?!
O Sr. António Vitorino (PS): - Admito que se discorde das minhas opiniões, mas não acho consentâneo que se façam tresleituras do que disse, aproveitando alguma eventual distracção da minha parte. Por acaso, neste momento até estava atento.
O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - O problema da defesa num processo criminal não é, digamos, um princípio. E até já foi referido pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia que teoricamente mesmo antes do 25 de Abril a lei admitiria, até no interrogatório do arguido, a presença do advogado. Mas uma coisa é a admissão teórica e o desempenho teórico e formal desse direito e outra a defesa eficaz do arguido. Em minha opinião, isto visa assegurar não a defesa que fazem os advogados oficiosos, que escrevem uma contestação em duas linhas oferecendo o mérito dos autos, completamcnte desligados de uma defesa eficaz do arguido, mas sim a prática dessa defesa eficaz, que ainda não e uma garantia de defesa. O que efectivamente nos impressiona não é tanto que a proposta fale em assegurar meios de defesa, mas o adjectivo "eficaz" que dela consta. É nisto que vemos o interesse desta proposta do PCP, inserida numa matéria que o próprio artigo 32.º mostra ser de grande importância e por isso objecto desta regulamentação tão numerosa.
Em conclusão, Sr. Presidente, pensamos que esta proposta é positiva.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Pedi a palavra porque apareceu aqui uma questão que tem, não directa mas pelo menos indirectamente, relação com isto, que é o problema do defensor público. Não creio, apesar de tudo, que se possa tirar desta proposta do PCP a imediata conclusão de que só com um sistema de defensor público é que ela seria exequível.
Nós não temos em relação ao defensor público qualquer preconceito, temos bem presente que em países que não podem, naturalmente, ser acusados de uma publicitação da advocacia, como é a tradição anglo-saxónica, há, na realidade, um corpo de defensores públicos que tem um mérito muito grande nesses países. Duvidamos, no entanto, que, com a estrutura da nossa advocacia e da nossa prática processual e até com aquilo que são as relações das polícias com os advogados que começam a frequentar habitualmente essas polícias - processo que de todos é conhecido -, neste caso e actualmente, o caminho do defensor público seja o que melhor protege os direitos do detido, em especial nessa fase que muito preocupa o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Vera Jardim, quero apenas esclarecer que realmente a minha ideia não tinha nada a ver com o defensor público.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Também percebi, porventura mal, que estava no sentido de apoiar.
Nós o que pensamos desta questão, como de algumas outras, que já temos aqui discutido, aliás hoje sobretudo a propósito destes problemas de constituição processual penal, presença dos tribunais, direitos do arguido, etc., é que, bem ou mal, está já legislado um sistema que não deu ainda provas e que é possível com uma experimentação correcta, que consiste no fundamental, como todos sabem, numa advocacia "concertada" - ao fim e ao cabo e isso que está em causa, à semelhança da medicina concertada, ou seja, contratos com os advogados através da Ordem dos Advogados - para chegar a uma solução que tem vantagens sobre a do defensor público - vantagens várias, vantagens no que diz respeito a evitar a criação de um corpo que poderia ser no futuro o corpo dos burocratas da advocacia e que viriam ao fim da tarde a fazer a sua advocacia privada ao escritório, sabe-se lá com que clientes; eventualmente com os mesmos que tinham estado a tratar durante o dia ao abrigo de um contraio de funcionário com o Estado. Estou à vontade para falar nisto porque já defendi publicamente, e até por escrito, a solução do defensor público. Hoje penso que temos - aí está, como costuma dizer o Sr. Deputado Costa Andrade - uma solução que ainda não foi testada, que temos de a testar com todos os meios a ser carreados, mas isso é outra questão.
Pensamos que começa por haver textos, mas como sempre temos uma bela lei de direito penitenciário e temos a situação nas prisões que todos conhecem. Naturalmente vamos ter uma bela lei, contestável por alguns, de acesso ao direito e depois continuamos na prática a ter o que temos, sendo certo que nunca mais se ouviu falar no célebre
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gabinete da Infante Santo, e suponho que havia várias dezenas de colegas pendurados na labita da Ordem dos Advogados a pedir o pagamento dos honorários por consultas, etc. Porém, isto é um outro problema, e disso não estamos a tratar, mas duvido que a solução do defensor público seja solução para toda esta problemática. Portanto, hoje estou efectivamente um pouco descrente e sobretudo penso que temos de testar a lei que aí está no plano legislativo, pois no plano da realidade temos de admitir que nada está feito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria apenas salientar que me parece que realmente este acrescento que o PCP propõe não adianta, de facto, muito, ou mesmo nada, e pode efectivamente atrasar.
Num determinado sentido, diria que não adianta a solução que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia parece pretender e defender que é a do defensor público. Essas considerações também podem ser feitas a propósito do artigo 20.° e na sua sequência. Por outro lado e na linha da argumentação do Sr. Deputado Raul Castro, diria que pormenorizar a questão da defesa no processo penal pode ter razão de ser, mas necessariamente anda acompanhada de alguma infelicidade. Há pouco eu estava inteiramente convencido de que era esta questão da eficácia que o Sr. Deputado António Vitorino tomava efectivamente como o luxo da solução do PCP, na medida em que disse que estávamos a nivelar por cima, e eu só encontro aqui como novidade a "defesa eficaz". Contudo faço a seguinte consideração: o sublinhar-se a eficácia pode significar para muitos que porventura as medidas tomadas ao abrigo do artigo 20.9, noutro tipo de processos, podem compadecer-se com a ineficácia, e de facto isso não me parece aceitável. Portanto, e como não se trata de uma solução concreta, conforme o reconheceu o Sr. Deputado José Magalhães, ao dizer que uma das concretizações possíveis era o defensor público, mas que o PCP não eslava ainda habilitado a fazer a proposta em concreto, suponho que a solução encontrada, ou seja, o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 32.º, é negativa e não traz nada de positivo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Para que não subsista nenhuma dúvida quero dizer que estou de acordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito, e que a minha intervenção não tinha rigorosamente nada a ver com o problema do nivelamento pela máxima eficácia. Tinha antes a ver com a expressão contida na parte final do novo n.° 4 do artigo 32.°, ou seja, "independentemente da sua situação económica ou condição social", porque uma norma desse género legitimaria, por exemplo, uma das partes em processo penal a requerer ao Estado que suprisse num dado processo em concreto uma insuficiência de defesa na medida em que a contraparte disporia por exemplo de um advogado soberanamente pago e ultraconhecido, enquanto ela estaria desprovida de equiparação em termos de defesa ao meio de representação forense a que a segunda tinha acesso. Como é evidente, estou a caricaturar, mas o problema que suscitei e sobre a segunda parte do n.° 4 do artigo 32.° na proposta de aditamento do PCP.
Já sobre a primeira parte da redacção desse articulado estou de acordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito. De facto, o problema da adjectivação no texto constitucional é de grande melindre, pois há sítios onde se justifica adjectivar e outros em que é contraproducente proceder a isso. (Em virtude de deficiência técnica, não foi possível registar as palavras intermédias do orador.)... seja ela eficaz ou não, diligente, distraída, simpática, complacente ou piedosa e, depois, referi que a lei assegura os meios necessários à defesa eficaz do arguido, há nisto, desde logo, um contraste. Senão, por que é que não se adjectiva também o n.º 1? Na verdade, o que o processo criminal assegura é as garantias de uma defesa eficaz.
Portanto, quero, no fundo, exprimir que a adjectivação não acrescenta nada e antes me parece contraproducente. Além disso, a segunda parte do n.º 4 já está, no que ela tem de útil, consumida pelo artigo 20.°, e o que ela pode permitir é uma dúvida de interpretação quanto ao nivelamento. Foi, aliás, essa a questão que coloquei, pois o nivelamento só diz respeito à segunda parte do inciso, ao chamado nivelamento por cima, uma vez que o nivelamento por baixo é hipocrisia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, creio que nos podemos congratular com o facto de o debate se ler desenrolado nestes termos, ainda que o seu desfecho pareça inquietante. Suponho que certo negativismo é apenas ilusória, ou seja, é uma aparência. E isto não obstante a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves dizer fogosamente que "de certeza", "nunca", o Sr. Deputado António Vitorino perorar sobre os malefícios da adjectivação, o Sr. Deputado Nogueira de Brito ter o cuidado verdadeiramente oriental de não exprimir nenhuma certeza e, finalmente, o Sr. Deputado António Vitorino dizer que não vê, antes pelo contrário, nenhum interesse no aditamento destes adjectivos.
Devo ainda fazer quatro observações, que são as seguintes: a primeira incidirá sobre a questão metodológica; a segunda respeita ao que queremos; a terceira é relativa ao problema de fundo, e a quarta tem a ver com a fórmula.
Assim, no que concerne à questão metodológica parece-me em tese geral que aditar para diminuir é algo que não se deve fazer. Portanto, não é com esse espírito que partimos para esta alteração ao preceituado no artigo 32.° Além disso, aditar o que está consumido também não é verdadeiramente uma solução de aceitar. Quando muito só poderá fazer sentido propor-se um aditamento quando se entenda que esse mais, que ele sempre terá, é um mais relevante e justificado. É, pois, quanto à necessidade e à correcção dessa justificação que haveremos de ler de reflectir em tese geral para posteriormente fazermos a demonstração no caso particular.
Relativamente à segunda observação que enunciei, ou seja, o que, de facto, queremos ou pretendemos para este normativo, devo dizer que aspiramos ao reforço jurídico-constitucional nesta matéria. Aliás, creio que não têm nenhuma razão (para além de serem bastante injustos e traduzirem uma leitura desgarrada do nosso projecto de lei de revisão constitucional, quaisquer que sejam naturalmente os seus defeitos - terá, até, imensos) os Srs. Deputados que afirmam que seríamos "desequilibrados". Acontece até que o Sr. Deputado Vera Jardim entendeu dizer que estaríamos a procurar "recuperar", ou seja, face a um resultado de "2 a 0" num sítio quereríamos agora fazer o nosso "4 a 2" para ver se equilibrávamos as coisas. Não é rigorosamente isso, até porque o nosso projecto de lei foi apresentado antes do PS, que era aliás alegado nesta sede como campeão do reforço em matéria de artigo 20.°
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Portanto, o PS refere que dispôs da possibilidade de fazer uma leitura, ainda que rápida, do nosso projecto umas horas antes de apresentar o seu - facto que suponho que não influenciou minimamente a redacção do projecto de revisão constitucional n.º 3/V, embora seja aquele que se segue ao n.° 2/V, do PCP, como qualquer pessoa perceberá. Daí que se fizerem a leitura, que ainda é possível, dos dois projectos verificarão que o reforço que propomos é simultaneamente geral e sectorial, ou seja, temos algumas normas respeitantes ao artigo 20.° Elas não traduzem de forma nenhuma o nosso desespero ou descrença em relação ao defensor público: continuamos, aliás, a colocar a nossa vela em relação a essa figura, o que significa que não decaímos minimamente no nosso apego a ele. Acontece, porém, que estamos cientes do quadro político que resultou do 19 de Julho e lutamos contra ele sem desesperar e sem decair das nossas teses, mas com a ciência de que haverá momentos adiante em que teremos de desembainhar essa arma, que é o defensor público. Fizemo-lo, aliás, no Plenário da Assembleia da República com a apresentação do nosso projecto de lei sobre acesso ao direito, o qual, como VV. Exas. sabem, não foi aprovado, mas detinha algumas ideias que considerávamos virtuosas e o próprio PS não entendeu como maléficas.
O Sr. António Vitorino (PS): - Foi a justificação mais inteligente que conheço para um esquecimento, Sr. Deputado.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi esquecimento, Sr. Deputado António Vitorino, mas sim, e apenas, actuar no terreno que considerávamos prioritário sem decair na área constitucional.
Portanto, se virmos as propostas de alteração que o PCP apresentou nessa esfera, não se dirá seguramente em tem peremptório aquilo que o Sr. Deputado Vera Jardim me disse. No entanto, dever-se-á sublinhar ao mesmo tempo, aliás sem nenhum sectarismo, que apresentámos as nossas propostas quanto ao artigo 20.° e apoiámos as do PS no respeitante ao mesmo preceito: propusemos reforços sectoriais, facto que gostaria de aqui sublinhar porque neste ponto não há nenhuma compita possível, a não ser aquela que se traduza no reforço dos direitos dos cidadãos.
Portanto, pode dizer-se tudo, menos que a lógica não é lógica, ou seja, se o Sr. Deputado atentar na nossa proposta de alteração ao artigo 20.°, na relativa às garantias de processo criminal, mas que apresentámos em relação ao processo laborai, aqui mal citado, na proposta relativa ao n.° 5 do artigo 60.º, desde logo V. Exa. ê topará aquilo que propomos, preocupados que estamos com esta última área jurídico-processual. Além disso, se V. Exa. Sr. Deputado Vera Jardim, reparar nas nossas propostas referentes às garantias dos cidadãos perante a Administração, designadamente quanto ao uso de meios contenciosos, verificará que também nesse campo propomos um reforço significativo dos direitos dos cidadãos. Aliás, isso denotar-se-á no preceito corrigido que propomos para o artigo 268.° Podemos, pois, dizer que não há nenhuma incoerência, mas sim, e quanto muito, alguma ambição que gostaríamos que fosse acompanhada. Portanto, aí toda a emolução seria e será seguramente bem-vinda pela nossa parte.
No respeitante à terceira observação que me proponho fazer, ou seja, quanto ao problema que está subjacente a esta discussão, devo dizer que ele é, francamente, não o da pobreza das propostas...
O Sr. Presidente: - Mas o da pobreza do País, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... ainda que naturalmente não possamos fazer vanglória, porque isso seria negativo, mas o da pobreza da defesa dos cidadãos e, por conseguinte, o do País nessa esfera. Aliás, noto que o debate aqui travado sobre essa problemática é muito interessante. Verifico que até o Sr. Deputado Rui Machete tocou seguramente no ponto fulcral.
Ora, não temos nenhuma dúvida que o Código de Processo Penal introduziu nesta esfera alterações. E elas vão no sentido de procurar certas valorizações da figura do defensor do arguido. Aliás, não é por acaso que se chegou ao ponto de obrigar o Estado, e isso pela primeira vez de forma clara, a assumir as despesas feitas com a intervenção do defensor nomeado, bem como passou a haver a preocupação de que haja uma justa remuneração. Entretanto, no que isso tudo virá a dar não sabemos, pois o Sr. Ministro da Justiça caprichou em dizer no Plenário da Assembleia da República que era a Ordem dos Advogados a culpada de não estar já publicada a tabela de remuneração dos defensores nesta condições, o que creio não tem o mínimo fundamento. No entanto foi-se ao ponto de...
O Sr. Vera Jardim (PS): - Essa agora, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, essa agora com três pontos de exclamação a seguir!!!
Também o legislador se preocupou, e nesse ponto com o nosso apoio - e, aliás, de todos os partidos no processo de elaboração do Código de Processo Penal -, em procurar uma certa igualdade de posições jurídico-processuais entre o defensor nomeado e o constituído. Houve até a preocupação de estabelecer e de detalhar [o que tudo consta dos artigos 64.°, 66.° e, até com algum capricho, da alínea c) do n.º 1 do artigo 64.° do Código de Processo Penal. Procurou-se, pois, detalhar certas obrigações do defensor oficioso. Em conclusão, tudo isso nos parece positivo; tudo isso nos parece oco se não for acompanhado de meios, mas disso não podemos curar naturalmente na revisão constitucional.
Perante isto, de que é que podemos curar na revisão constitucional? Podemos, de facto, curar de algo num quadro péssimo: há limitações graves à defesa de quem tem defensor oficioso - e essas constam do Código de Processo Penal, desgraçadamente; há proibições de defesa no Código de Processo Penal conjugadas com fórmulas extremamente céleres e expeditivas de prisão (e, naturalmente, dentro da famosa conceptologia paralela desse texto legal, de detenção dos cidadãos); verifica-se a introdução de figuras como o confinamento a esquadras para efeitos de identificação - figura à qual dedicámos na anterior legislatura uma noitada que foi, infelizmente, só produtiva em parte, e, finalmente, existem outros vastos poderes cometidos às polícias. Num quadro destes, o facto de podermos reflectir sobre se haverá alguma particularização a fazer não me parece despiciendo. Temos naturalmente de ter em conta alguns argumentos - e, neste ponto, entram à liça os Srs. Deputados António Vitorino e Maria da Assunção Estcves, por esta ordem, se, acaso, não se ofendem. E digo-o por esta razão simples: é que realmente o artigo 32.º é um prodígio de redundância.
De facto, se tudo é como o Sr. Deputado António Vitorino acabou de alegar, então o artigo 32.º e quase uma redundância, porque se o artigo 20.º é aquilo que diz dele (mesmo admitindo que ele seja reforçado como o PS e o PCP pretendem), o estatuir-se algumas das coisas que o
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PCP refere, designadamente no que respeita à assistência pelo defensor nos actos de processo e a algumas das garantias do próprio julgamento em prazo razoável, é verdadeiramente uma redundância. E digo isto porque, como a gente não conhece a justiça justa que não seja justiça pronta, e como tudo isso decorre, segundo suponho, da visão um tanto benévola, simpática e fagueira do Sr. Deputado António Vitorino acerca do artigo 20.8, então todo o artigo 32.° nessa parte é verdadeiramente particularizador, um grande aborrecimento e uma superfatuidade. Creio, no entanto, que não é isso. Isso levou-nos no nosso processo de debate interno a concluir pela utilidade e necessidade de uma proposta desse tipo.
Portanto, julgo que, face à pobreza da defesa, tudo aquilo que possamos aditar para sublinhar a necessidade de eficácia dessa defesa é positivo. Refiro-me ao facto de sabermos que hoje os artigos 61.°, 62.° e 66.º do Código de Processo Penal regulam tudo o que respeita à constituição do defensor, que os direitos estão estatuídos no artigo 64.° e que quanto ao regime de obrigatoriedade previsto no artigo 64.c e, depois, no 65.5 se estabelecem certas regras que são razoáveis. Parece-nos, no entanto, que aquilo que decorre das regras de intervenção do defensor no processo sumário e sumaríssimo e o regime previsto para o defensor em relação às outras formas de processo pode conduzir a fenómenos de grosseira ineficácia. No caso das formas de processo mais expeditas isso verifica-se descarada e abertamente e nas outras em menor grau, designadamente a estagiarização da defesa, que é o fatal rumo que o País segue, na melhor das hipóteses. Há, contudo, a hipótese do escrivão que é, de facto, um caminho perigoso.
O Sr. Vera Jardim (PS): - É o assistente!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Somos igualmente sensíveis àquilo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia aqui invocou e, designadamente, queremos relembrar - e isso parece estar esquecido por parte da bancada do PSD - que as soluções que estão em vigor quanto à intervenção do defensor nos interrogatórios dos arguidos merecem alguma ponderação e algum sinal, que não seja inútil. Esta é, de facto, também a preocupação do Sr. Deputado António Vitorino, pelo que não tenho dúvida nenhuma que crivará o texto com setas tão sibilinas que ele sairá completamente escorreito e adjectivado com o peso adequado. Porém, isso não me está a preocupar nesta sede, mas antes o facto de se dar de barato e de se dizer que não há com certeza "nada a considerar" nesta esfera. Haja cuidado: lembro-me do debate acerca do Código de Processo Penal e também da noite em que o Sr. Deputado Costa Andrade e outros entenderam que o facto de haver proibição de comunicação entre o arguido e o defensor não envolvia nenhum problema, bem como que a defesa poderia ser dispensada. Nessa noite parecia-lhes que não havia nenhuma objecção a formular quanto à constitucionalidade dessa posição - depois viu-se!
Foi, desse modo, que aprovaram com o nosso voto contra o n.° 4 do artigo 143.° do Código de Processo Penal que, conjugado com o artigo 161, n.5 1, alínea e), in fine, limitou quanto a certos crimes o direito de comunicação entre o arguido e o seu defensor, o que violava descaradamente o n.° 3 do artigo 32.° da Constituição. Entretanto, a questão foi levada ao Tribunal Constitucional.
Este, confrontado com uma situação, ponderou-a e veio a declarar inconstitucional o dito artigo. Foi, então, na sequência disso que veio à luz o actual n.° 4 do artigo 143.° do Código de Processo Penal e tendo em conta isso tudo é que está hoje em vigor o artigo 141.º
Devo, aliás, dizer que a solução quanto ao primeiro interrogatório não judicial do arguido detido, que é, aliás, um ponto polémico, pelo que não nos irá naturalmente ocupar agora excessivo tempo, é um solução insatisfatória. Reclamou-se a seu favor todo um conjunto de razões, designadamente algumas que seriam benéficas para o arguido. Porém, aquilo que nos preocupa é o caminho que por aí se pode abrir.
Entretanto, a solução acabou por ser corrigida por força da intervenção de outro órgão de soberania. Em todo o caso, não nos parece que o conspecto complexivo dos artigos 141.º e 143.° e das demais partes do Código de Processo Penal em relação aos direitos dos cidadãos no tocante à defesa legitime um juízo tão soberano e tão sobranceiro que culmine num "com certeza" não há nada a corrigir na sede constitucional.
Há coisas a corrigir! Percorrida, com alguma modéstia, esta via que é espinhosa e consideravelmente difícil, e atentas as pobrezas terríveis da defesa, não só na letra de lei, como na prática (teremos de olhar para a realidade dos tribunais, as realidades económico-sociais, as diferenças de carácter cultural e outras entre os arguidos, as diferenças terríveis resultantes da existência de arguidos que têm a seu favor baterias de brilhantes advogados e outros que não beneficiam de coisa nenhuma) devemos tomar medidas. Temos de procurar ver que sinal útil é que podemos dar a este assunto e tentar ultrapassar o argumento da redundância pela redundância, da aplicação de chapas analíticas que podem ter aqui resultados fatídicos. De facto, se em algum sítio se pode justificar uma particularização este é-o por excelência; se algum sinal positivo pode ser dado com contenção, economia e bons adjectivos este é esse e, finalmente, se a nossa fórmula é imperfeita que venha então uma outra perfeita, pois, pela nossa parte, acolhê-la-emos com se fosse nossa filha ou irmã. Entretanto, não se diga excessivamente aquilo que foi dito nesta sede.
Como última consideração quanto à fórmula a utilizar na letra da lei, devo dizer que é evidente que a nossa preocupação não é o nivelamento por cima. Adoraríamos que ele fosse fazível: não quereríamos, de qualquer forma, impedir o Sr. Deputado António Vitorino de ser defendido pelo Sr. Deputado Vera Jardim na sua qualidade de brilhante causídico, nem queríamos obrigar o Sr. Deputado Vera Jardim a ser defendido pelo pior causídico do mundo porque esse era "de certeza" o dado pelo Estado. É, pois, essa situação que se quer evitar, ou seja, que uns sejam obrigados a ter o pior causídico é uma coisa; que se queira instituir na lei constitucional a obrigatoriedade de "Vera Jardim para todos" é coisa a que não podemos aspirar, embora tal fosse brilhante e excelente.
Em suma: a solução que se visa é equilibrada. Se. entretanto, o contributo generalizado para isso puder ser conseguido só teremos razões de regozijo. Em qualquer caso, teremos seguramente sempre razões de satisfação pelo facto de ter sido possível travar um debate com o conteúdo e com o interesse de que este se reveste.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo apenas formular uma declaração de ingenuidade e uma de perplexidade.
A primeira, e retracto-me desde logo à cabeça, prende-se com o facto de me ter passado pela ideia que o PCP, em matéria de Direito Laborai, se tenha esquecido de uma precisão tão relevante como aquela que o Sr. Deputado José
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Magalhães acabou de referenciar. De facto, escapou-me a alínea c) do n.° 5 do artigo 60.° do projecto do PCP, e aqui se devolve a paternidade ou a irmandade - não percebi muito bem, uma certa promiscuidade neste qualificativo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O culpado é Marx, em relação a essa questão da paternidade.
O Sr. António Vitorino (PS): - Frequentemente, e não só disso. A declaração de perplexidade é em relação à afirmação do Sr. Deputado José Magalhães, que me acusou de excessivo na crítica à proposta do PCP - terei de devolver a acusação, dizendo que o Sr. Deputado José Magalhães foi excessivo na tentativa de demonstrar que não havia qualquer redundância, ao imputar a todo o artigo 32.° essa característica de redundância face ao disposto no artigo 20.° da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O "todo" é exagero, claramente, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas eu digo-lhe que não é o todo, apenas consigo descobrir aqui um elemento de redundância no artigo 32.º da Constituição, não face à sua redacção actual mas sim e apenas face à redacção que propomos agora para o artigo 20.° da Constituição - não em relação à redacção originária do artigo 20.° A presunção de inocência, não é redundante; o curto prazo compatível só passará a ser redundante se aceitarem a proposta do n.° 3 do artigo 20.°, que o PS propõe; o direito de escolha do defensor no n.° 3, não é redundante; a instrução ser da competência do juiz, não é redundante; a estrutura acusatória, mais o princípio do contraditório, não é redundante; a nulidade das provas obtidas pelos meios aí referidos, não e redundante; a subtracção da causa de tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior, não é redundante. Nada disto, de facto, é redundante - são garantias objectivas. Eu até estaria de acordo não ser redundante aditar no n.º 3 do artigo 32.º da Constituição, que uma das fases onde a presença do defensor e obrigatória, é a dos interrogatórios. E isso não é nada redundante em relação ao artigo 20.° da Constituição, é uma garantia objectiva e é uma garantia mínima impostergável que responde a muitas das preocupações aqui suscitadas, e não tem nada a ver com a criação do defensor público. A simples circunstância da existência de um defensor público não constituiria só por si garantia da sua presença na fase dos interrogatórios, por exemplo.
Este elenco de não redundância revela que é qualitativamente distinto o tipo de garantias que o artigo 32.º oferece na protecção do arguido, garantias objectivas, da consideração programática que o PCP propõe no n.º 4 do artigo 32.°, que é qualitativamente distinta e que, de facto - salvo o devido respeito, com toda a humildade, sem certeza nenhuma, de corda ao pescoço e com túnica branca ate aos pés - teria melhor cabimento no artigo 20.° da Constituição. Alem de que, se quiséssemos ser preciosistas, penso sinceramente que o n.° 4 desequilibraria o artigo 32.º da Constituição em matéria de garantias dos arguidos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Desequilibraria porquê, Sr. Deputado?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Desequilibraria porque o tipo de garantias que todo o artigo confere, salvo o n.º 1, traduz-se na norma genérica ínsita no prémio do próprio artigo, que depois é desdobrado num conjunto de garantias objectivas e incluiria uma garantia de natureza profundamente subjectiva, integrável pelo legislador ordinário consoante critérios que podem ser muito distintos daqueles que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de referir. A palavra de ordem "Vera Jardim para todos" - utilizando a expressão com a devida vénia - não é, em meu entender, uma palavra de ordem que seja credível em face da situação da sociedade portuguesa. A preocupação não é a de obter o máximo, mas a de obter um nível médio equitativo, e esse está garantido pelo artigo 20.° da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me uma interrupção, Sr. Deputado. Compreendo o argumento, mas creio que leva a considerar, se o aplicar metodicamente, que a garantia que aditámos na revisão constitucional anterior, isto é, a garantia de julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, peca do mesmo vício. O legislador ordinário ficou com a mesma margem - que receia agora face a esta fórmula discricional, legislativa, que alcançaria com uma fórmula como a que propusemos e que, evidentemente é sempre susceptível de ser apertada, precisada, confinada a parâmetros o mais objectivos possível. A não ser que me diga que, dada a natureza da garantia pretendida, será sempre tão eminentemente programática que nunca será redutível à dimensão semântica conceptual própria da inserção no artigo 32.º É o único argumento que consigo vislumbrar. Mas isso é uma questão de execução na formulação, isto é, de apuramento e rigor na formulação - não é uma questão inultrapassável, é ultrapassável, talvez com algum esforço adicional de que poderemos, neste momento, não ser capazes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Concedo-lhe alguma razão na observação, apesar de tudo meramente formal, sobre o aditamento na primeira revisão constitucional. Exactamente por ter consciência disso, é que propusemos no artigo 20.° o aditamento desse critério com valor genérico, porque nos parece uma questão que passa além das meras garantias do processo criminal e que tem a ver com toda a situação da administração da justiça em Portugal. Seja como for, quanto ao apelo, simpático como sempre, feito pelo Sr. Deputado José Magalhães, de encontrarmos nós a títulos de subestabelecimento, agora, e sem defensor público, uma fórmula mais feliz, em questões de paternidade e de irmandade tenho o maior pudor e não intervenho.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado António Vitorino, V. Exa. disse que estaria de acordo - se bem entendi - que fosse introduzida na Constituição uma disposição que obrigasse à presença do defensor na fase do interrogatório. Não sei se foi isso que disse ou se foi semelhante.
O Sr. António Vitorino (PS): - O que eu disse foi que uma garantia desse género faria mais sentido, em função da lógica das garantias objectivas constantes do artigo 32.º da Constituição.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Bem, mas seja no artigo 20.° ou no 32.°, o que acho importante é que fique na Constituição, se há acordo bastante para que tal aconteça.
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O Sr. António Vitorino (PS): - Já tinha percebido isso da intervenção do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Então, espero que essa ideia excelente passe a ser formulada e que se introduza na Constituição, no artigo que for mais adequado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Isso significa, portanto, que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia vai formular a proposta.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Posso fazê-lo, mas não sou a pessoa mais qualificada para isso, sobretudo havendo da parte de outros deputados disponibilidade para aprovar. Não sei por que motivo hei-de ser eu a formulá-la. Mas se é necessário que eu a formule, peço a alguém colaboração para o fazer.
O Sr. António Vitorino (PS): - A título pessoal, aliás, estou disponível para isso.
O Sr. Presidente: - Suponho que depois desta muito interessante discussão, da qual me permito sublinhar uma distinção feita - há já muito tempo, mas que aqui foi utilizada - entre garantias de carácter institucional e normas programáticas e que, aliás, é extremamente útil, não só aqui, como noutras sedes, poderíamos passar ao n.º 8 do artigo 32.º, aditamento proposto pela ID, que diz:
O julgamento da causa não pode caber a juiz que tenha intervindo no processo na fase de instrução ou na de pronúncia ou equivalente.
Vozes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Esta proposta de aditamento visa preencher os contornos daquilo que é chamado o juiz imparcial. Tendo em conta que o juiz que redige e fundamenta a pronúncia fica por isso mesmo com uma vinculação à acusação, de algum modo poderia estabelecer-se um símile imaginário com um juiz cível que escrevesse um projecto de sentença antes do julgamento, embora não seja rigorosamente a mesma coisa.
De qualquer forma, foi para evitar que aquele que subscreve a pronúncia e a fundamenta possa ter alguma possibilidade de intervir no julgamento posterior que se estabeleceu esta norma. Naturalmente que tem sentido teórico e poderá, à primeira vista, não ter sentido prático se tivermos em conta certos centros e cidades do País mais importantes, mas não a generalidade dos tribunais do nosso país. A norma não visa tanto o que está assegurado, mas antes pretende evitar que possa ser violado este princípio, isto é, que deixe de existir uma fronteira entre o juiz que elabora a pronúncia ou documento equivalente e o juiz que intervém no julgamento. Penso tratar-se de um aditamento que certamente obterá o consenso dos Srs. Deputados aqui presentes, porque traduz um princípio que podemos considerar fundamental na administração da justiça quanto à fase do julgamento de processos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera jardim (PS): - Do ponto vista técnico, estamos de acordo com isto. Sempre se defendeu e nos últimos tempos penso que este princípio se tem sedimentado na cultura jurídica portuguesa, de que há que evitar que o julgamento da causa em processo criminal seja feito pelo magistrado que dirigiu a instrução. Penso que isto é um princípio adquirido entre nós, como suponho também - mas o Sr. Deputado Costa Andrade corrigirá, se eu estiver a dizer alguma coisa que não seja doutrinariamente correcta - que vem sendo a linha seguida na maior parte dos direitos europeus: a distinção entre o juiz de instrução ou quem o substitua, consoante as legislações, e o juiz do processo. O meu único ponto, e como reacção imediata a esta proposta, é saber se a esta matéria - tratando-se de uma matéria que tem algo a ver com os princípios do processo penal, mas tem mais a ver com a técnica do processo - deveremos dar dignidade constitucional. Formulo a dúvida, não tenho opinião definitiva sobre o assunto, mas em relação a este problema - que não situo de pleno no campo das garantias do arguido, apenas indirectamente, porque o situo mais como um problema de decisão técnica sobre a maneira de conduzir o processo, com o que, repito, estamos de acordo - a minha única dúvida, neste momento, é precisamente esta: deveremos elevar este princípio à categoria constitucional? Formulo a dúvida, gostaria que o debate prosseguisse já que pode ser esclarecedor.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Fundamentalmente, diria a mesma coisa e acrescentaria o que me parece ser decisivo no que a este ponto concerne. Os Srs. Deputados da ID querem consagrar nada mais nada menos do que o que já está consagrado, ou seja, o princípio do acusatório, que significa exactamente isto.
O Sr. Raul Castro (ID): - Mas está consagrado onde, Sr. Deputado?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - No artigo 32.°, n.° 5, que diz que "o processo criminal tem estrutura acusatória", o que significa exactamente o mesmo. Hoje, na Faculdade de Direito ou pelo menos, na de Coimbra, qualquer aluno a quem se pergunte o que é o princípio do acusatório e não diga que o juiz que intervém na instrução não pode intervir no julgamento da causa é reprovado.
Risos.
Na minha faculdade reprova quem não souber isto.
Vozes.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Na Faculdade de Lisboa também, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Tudo sofre perversões e devo dizer que as maiores perversões da história - todas elas - foram feitas em nome das ideias mais bonitas. Podia citar agora o célebre romance de Aldous Huxley, onde se diz que as coisas mais bonitas que há são a liberdade e a verdade. Juntem as duas e vejam o que dá!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Cosia Andrade, ouvida atentamente a sua argumentação e a do Sr. Deputado Raul Castro, e atento o que se encontra determinado na Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais sobre a competência genérica dos tribunais singulares, e face ao
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que diz sobre o que vai ser a atitude do Govêrno na regulamentação desta lei relativamente aos tribunais de instrução criminal, interrogo-me sobre se haverá condições efectivas para assegurar a prática deste princípio constitucional. Tanto mais que será usado, porventura, por muitos alunos de Coimbra que não tenham sido interrogados sobre a estrutura acusatória do processo penal...
Risos.
Essa questão prática é talvez a que o Sr. Deputado Raul Castro e a ID puseram com esta tentativa de garantia.
O que pergunto, Sr. Deputado, é isto: se, em relação à afirmação do princípio assegurado, sem dúvida, no n.fi 5 do artigo 32.°, não seria, de facto, uma repetição a adição do n.° 8 e se considera - ainda há pouco essa questão aflorou, a propósito de uma intervenção que fiz sobre este mesmo artigo 32.° - que estará assegurada a prática efectiva, conforme ao princípio constitucional da estrutura acusatória, face ao que se dispõe na Lei Orgânica dos Tribunais e face à atitude de eliminação dos tribunais de instrução? Quanto a isto, falo apenas do que oiço dizer, porque não conheço o que vai ser a aplicação da lei orgânica pelo Governo, mas oiço dizer que há efectivamente, uma atitude de eliminação dos tribunais de instrução, porventura porque se reconhece que é impossível suportar a sua existência em todas as comarcas que não sejam a de Lisboa, a do Porto, a de Coimbra e a de Évora - face a isso, não estaremos colocados sob o risco de não cumprir o preceito?
O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Deputado, a resposta é extremamente simples: não sei se estamos ou não colocados perante esse risco.
O que lhe posso dizer é o seguinte: com o acrescento do proposto n.° 8 do artigo 32.° ficaria exactamente a mesma coisa, porque o que é dito nesse n.º 8 está já dito, em termos não académicos, na Constituição. O n.° 5 do artigo 32.° diz, nem mais nem menos, que o processo criminal tem estrutura acusatória, que é o que este n.° 8 significa. Mais do que isto não lhe posso dizer. Dizer que o juiz da causa é diferente do juiz que intervém na instrução é dizer que o processo criminal tem estrutura acusatória, por contraposição - pensava que não seria preciso dizer isto - ao princípio inquisitório, segundo o qual quem faz a instrução fará o julgamento, sendo uma das suas decorrências o princípio da identidade, que era o do nosso Código de 1939.
Por isso, contra o que às vezes se diz, o n.9 7 do artigo 32.° representou, de um certo ponto de vista, um progresso ao separar a instrução do julgamento, colocando-a nas mãos do Ministério Público. O mal não esteve na solução técnico-processual, mas no regime totalitário que essa solução serviu, porque essa solução da separação é a chamada estrutura acusatória. Dizer que o processo criminal tem estrutura acusatória - e peço desculpa por insistir neste ponto, mas pensava que isto já era claro - significa que o juiz da causa não pode ser o juiz da instrução.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, agradeço muito que V. Exa. volte a afirmar e a esclarecer o que é estrutura acusatória do processo mas não é essa a questão que coloco. É que a relutância em desobedecer ao preceito constitucional seria muito maior se ele fosse tão claro para toda a gente, como indiscutivelmente seria se fosse aceite a redacção proposta pela ID, e não é, com um conceito inacessível ao comum dos portugueses.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas o comum dos portugueses não é propriamente o destinatário passivo desta disposição.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É sim, Sra. Deputada.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, devo dizer que admitiria, quando muito, e com alguma ironia, que se dissesse: "O processo criminal tem estrutura acusatória, devendo o juiz 'tal' e 'tal' não ser o juiz 'tal' e 'tal' [...]."
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, perante essa defesa tão firme que V. Exa. faz da interpretação do princípio consignado no n.º 5, admitiria V. Exa. a possibilidade de o n.° 5 ser reforçado com a declaração de um efeito de nulidade em caso de violação dos referidos princípios?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não sei qual é o vício mais grave que há em processo penal, nem sei se será o da inexistência.
A Sra. Maria de Assunção Esteves (PSD): - Mas a nulidade resulta do artigo 18.º da Constituição dada a integração sistemática do artigo 32.º
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, lá vem V. Exa...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Devo dizer ao Sr. Deputado que não estou neste momento em condições de responder qual a sanção jurídico-processual resultante da violação em causa, mas tenho a impressão de que é a mais grave possível. O problema que o Sr. Deputado coloca tem exactamente a mesma solução, quer se aceite a proposta da ID quer não.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exacto. Inclusivamente eu diria que ela tomaria a proposta da ID desnecessária por inteiro. E, por analogia com os efeitos que recaem sobre os alunos da Faculdade de Direito de Coimbra que não sabem o que é a estrutura acusatória, ou seja, o "chumba", deveria resultar para os juizes que proferissem sentenças com violação da estrutura acusatória a nulidade das respectivas sentenças.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas qual é a sua proposta?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ainda não tenho a redacção, mas ela consistiria em reforçar o n.° 5 com o efeito da nulidade para as sentenças proferidas em contradição com os princípios aí consignados.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Só se estabelecermos efeitos da nulidade para violação de tudo quanto é norma...
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Estamos no domínio dos preceitos sobre direitos, liberdades e garantias. O Sr. Deputado terá, depois, o trabalho complexivo de, em relação a todos os actos que violem tais preceitos, dizer que são nulos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Imaginemos que se viola a presunção de inocência...
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como sabe, nem todas as ilegalidades constituem causa de nulidade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas também não devemos estabelecer a sanção da nulidade para a violação do princípio do juiz natural? Se vamos por esse caminho, nunca mais paramos...
Vozes.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Acho que devíamos explorar a proposta do Sr. Deputado Costa Andrade quando aceitou dar um esclarecimento do princípio do acusatório.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Devo dizer que a fiz com ironia.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu apanhei-a como manifestação de humildade...
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se quer que fale a sério, da nossa parte -e isto por razões pura e exclusivamente técnicas- não pode haver nenhuma abertura a uma proposta como esta, porque, do meu ponto de vista, iria constituir um gravíssimo erro teórico em que eu não me permitiria incorrer.
Vozes.
Penso que em Lisboa é a mesma coisa, mas não quis falar pelos outros...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Só que em Lisboa não há unicidade de faculdades. Há uma pluralidade delas...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas penso que o princípio do acusatório ainda é a mesma coisa. Atrevo-me a pensar...
O Sr. Presidente: - Mesmo sem ironia, acho que o Sr. Deputado Costa Andrade pode pensar assim.
No n.º 6 deste preceito estipulam-se algumas nulidades a propósito das provas, pelo que seria eventualmente possível acrescentar algo nessa matéria. Simplesmente, a observação que o Sr. Deputado Costa Andrade fez impressionou-me pois ao fazer-se um elenco nutrido de causas de nulidade, corre-se o risco de, naqueles aspectos que não estão mencionados e que são igualmente graves, alguém ser tentado a pensar que esses casos não produzem nulidade. Portanto, eis uma função de garantia que pode redundar em perda de protecção. Gostaria que se meditasse com alguma atenção sobre esta questão na medida em que esta ânsia que por vezes nós temos em alargar a protecção pode ter exactamente o efeito contrário.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como o Sr. Deputado Costa Andrade aqui evocou, é verdade que os alunos chumbam na faculdade mas sucede que o Govêrno e os deputados chumbam no Tribunal Constitucional. E o Sr. Deputado Costa Andrade já tem essa experiência (não da primeira, mas da segunda!). E tem também experiência do que é a contumácia nessa matéria, figura que lhe deve ser bastante cara...
O Sr. Presidente: - Como figura de retórica, é uma qualificação engraçada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem seguramente a memória de como certas insistências se decompõem depois em resultados verberados pelo órgão constitucional competente. Fizemos essa experiência em relação a uma sugestão que ex supetone e à última hora, numa hora de má inspiração, nos transmitiu quanto à redação final do texto da autoridade legislativa do Código de Processo Penal. Em má hora não soubemos convencê-lo de que esses repentes poderiam ser fatais!
Neste caso, apenas gostaria de registar uma coisa...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Esse repente não era fatal; tinha atrás dele três anos de estudo por parte de algumas pessoas qualificadas. O que foi fatal não foi o repente. E continuamos a acreditar que se tratava de uma boa solução, se bem que tenhamos de nos conformar com a solução do Tribunal Constitucional. Se o Sr. Deputado quiser ser correcto, tem de concordar que todos os trabalhos de preparação do Código de Processo Penal, que demoraram três anos, partiram logo daquela solução. Não foi um repente, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu quero ser correcto e a minha tentativa de utilizar a palavra "repente" é apenas uma forma de procurar atenuar a responsabilidade. Porque, obviamente, um crime premeditado durante três anos é mais grave do que aquele que é cometido num acesso da fúria. Como tal, estava apenas a fazer a defesa oficiosa - confesso que excessiva - de quem não a merece.
Risos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas essa dispenso-lha. Dispenso-lhe esse paternalismo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas se V. Exa. não quer tal patrono, não lho imporei à força.
Pela nossa parte, embora na nossa bancada não tenhamos tido o privilégio e a felicidade de podermos estudar a questão durante três anos afigurou-se-nos porém que, pura e simplesmente, ela era inconstitucional. Podia ser estudadíssima, face a outras ordens jurídicas, excessivamente bebida noutras ordens jurídicas, mas face à nossa, desgraçadamente não era. Foi isso que dissemos, foi isso que se conseguiu fazer prevalecer na Comissão e que foi depois objecto de desmancho no Plenário.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Pretendia esclarecer os incautos, entre os quais me conto, de que magna questão era essa. De facto, não estamos a perceber o que se está a passar entre VV. Exas., pelo que, já agora, gostaria de ser esclarecido...
O Sr. António Vitorino (PS): - Nós não admitimos que seja uma questão privada... Mas o que prova é que se há a palavra de ordem "Vera Jardim para todos" também poderia ser utilizada a "José Magalhães para todos" ... Em matéria de defesas difíceis...
Risos.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - A esta hora, é justificável que seja punido por defender essa causa.
Para que não subsistam dúvidas, Sr. Deputado Vera Jardim, a disposição a que me referia era a do artigo 281.° da versão do Código de Processo Penal que foi submetida a Tribunal Constitucional - da autorização legislativa correspondente, na parte referente a este artigo - na medida em que permitia ao Ministério Público a suspensão do processo. Entendeu o Tribunal Constitucional que, nesses termos, aquele preceito violaria as disposições do n.° 4 do artigo 32.° e do n.° 1 do artigo 234.°, na medida em que subtraía à competência do juiz de instrução a disponibilidade do processo. Creio que o Sr. Deputado Costa Andrade corroborará esta memória, que consta do respectivo acórdão do Tribunal Constitucional publicado na 1.ª série do Diário da República, n.° 33, de 9 de Fevereiro de 1987, p. 504-(2).
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei se teria passado, mas era uma boa tentativa. Aliás, como o Sr. Deputado Costa Andrade se lembrará, uma outra tentativa desse tipo passou...
Mas isto é irrelevante para o artigo em debate. Tratava-se apenas de uma sensibilização geral, devida talvez mais ao tem do que ao conteúdo da intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.
Quanto à questão do conteúdo, creio que se o Sr. Deputado Costa Andrade e o PSD concordarem com as proposições que passarei a referir, este debate já por si terá valido a pena. Proposição 1: o JIC não pode ser órgão de acusação. Resposta do PSD: sim, não pode ser órgão de acusação. Proposição 2: o órgão de acusação não pode ser o órgão julgador. O PSD está de acordo. Terceira proposição: o órgão que faz a instrução não faz o julgamento. Três proposições sagradas e eminentes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, o que é que entende pela expressão actualmente em vigor na Constituição "o processo criminal tem estrutura acusatória"? Convém clarificar isto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, trata-se verdadeiramente da resposta mais fácil do mundo: entendo estas três proposições.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Et voilá!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fico contentíssimo por o Sr. Deputado Costa Andrade estar de acordo com estas três proposições e com esta interpretação porque isso significa que a via que está ser seguida pelo Govêrno em certos processos legislativos ordinários é abertamente inconstitucional.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero lá saber!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Costa Andrade quererá lá saber disso! O problema é que nós queremos saber disso.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Como legislador constituinte, não tenho essas preocupações neste momento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois faz muito bem! Nem nós! Nem neste momento, nem no seguinte! De modo que aquilo que nos parece assinalável é que, tal como os senhores fizeram em relação ao artigo sobre a instrução - em que esvaziaram, pura e simplesmente, o alcance da solução constitucional, em que chegaram ao requinte de admitir que a Constituição era nula e oca quanto ao conteúdo da instrução -, todas as tentativas actuais de diminuir o alcance, todos os esforços similares que estão neste momento a ser empreendidos em relação ao que seja a estrutura acusatória são írritos e perfeitamente infundamentados. Portanto, o artigo 32.º, n.º 5, quer dizer precisamente isto. E isto aqui fica lavrado à puridade. É isto que quer dizer e não outra coisa.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foi isso o que tentei demonstrar desde que intervim neste debate.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Excelente, Sr. Deputado Costa Andrade! Eu também acho que sim e como tal aqui fica lavrado que temos um consenso absoluto sobre que sim, o que é bastante interessante. Retomaremos este debate no Plenário na altura em que discutirmos o Regulamento da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
O Sr. Costa Andrade (PSD): -Eu não quis dizer outra coisa senão isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, talvez a minha insistência seja cruel porque vale pro memoria. Mais nada.
Quanto à proposta da ID, desde logo ela teve o mérito supremo de propiciar este debate, com todas as suas consequências e corolários, para todos os efeitos. Por outro lado, a referida proposta pode talvez propiciar alguma benfeitoria no artigo 32.º, n.º 5, porque, independentemente da reflexão que possamos fazer sobre as punições a aplicar aos actos praticados com preterição de certas regras, talvez aí se justifique algum reforço no sentido das preocupações da ID. Teremos assim aqui assinalado também pro memoria - mas num outro sentido, pro memoria constitucional- um problema a equacionar e a resolver quando discutirmos o artigo 32.º, n.º 5.
Não sei se isto satisfaz plenamente o Sr. Deputado Raul Castro mas constitui uma evolução, um fenómeno dinâmico em termos de reflexão nesta sede que pode não ser despiciendo. Aí, o objectivo fundamental da proposta da ID, que é um quid, um quantum de clarificação, ainda poderá ter algum acolhimento e alguma utilidade. Nesse sentido, terá valido a pena, para além do muito que já valeu por aquilo que o Sr. Deputado Costa Andrade acabou por dizer para a acta, seguramente com muito interesse para os alunos de todas as faculdades de direito de Portugal e do estrangeiro mas lambem com grande interesse para o Tribunal Constitucional e para os processos legislativos que leremos pela frente.
O Sr. Presidente: - V. Exa. ê considera sempre o enriquecimento que as lautologias trazem...
Risos.
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Srs. Deputados, de acordo com o que referi, existe por parte de qualquer de VV. Exas. um direito potestativo de terminar a reunião. No entanto, desejaria, se fosse possível, tentar concluir o artigo 32.8, na medida em que estamos já quase no fim, sendo porém certo que não insisto.
Vozes.
Deveríamos, ou melhor, poderíamos -para formular em termos rigorosos e mais coadunáveis com o processo penal - acabar a discussão do artigo 32.°, já ficando de remissa o artigo 32.°-A, proposto pelo PCP. Se estiverem de acordo, restar-nos-á apenas o n.° 9, cujo aditamento é proposto pelo PCP.
Para fazer a respectiva apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, visa-se aqui introduzir uma norma que se contenha dentro dos limites que o Sr. Deputado António Vitorino há pouco precisou deverem ser, em seu entender, os do artigo 32.° Isto é, não se trata de uma norma programática mas sim de uma norma que visa dar resposta a uma situação que está neste momento gerada com alguma acuidade, na nossa circunstância não só processual penal como também da defesa da ordem pública através dos meios disponíveis no quadro de um Estado democrático. Isto é, uma leitura literal da proposta poderá conduzir a que se entenda que ela é excessivamente ampla. Ou seja, quando a proposta refere "as informações constantes do processo criminal não podem, fora do respectivo âmbito, ser transmitidas a quaisquer autoridades ou usadas para outros fins que não os do processo", poderá talvez objectar-se que não se tem em conta que os artigos 86.°, 89.° e 90.° do Código de Processo Penal regem a publicidade do processo e o segredo de justiça. Nos termos desses dispositivos, isolada ou conjugadamente, sobretudo conjugadamente, é possível que determinadas informações venham a público, podendo não só ser transmitidas às autoridades como também ser do conhecimento dos interessados directos e até dos órgãos de comunicação social e de outras pessoas, designadamente as que revelam interesse legítimo em consultar os autos de um processo que não se encontra em segredo da justiça nos lermos do artigo 90.º Podem pedir certidões e as permissões realizam-se, naturalmente, sem prejuízo das proibições que ao caso caibam, etc....
No entanto, não é isso que nos preocupa, mas sim, qualquer coisa que o Sr. Deputado Jorge Lacão compreenderia particularmente dado ter sido intensamente debatido no quadro da elaboração da Lei de Segurança Interna e que é a questão da comunicação de informações. Isto é, certas informações que se encontrem em segredo da justiça não podem ser transmitidas a outras entidades que não aquelas que se movem no âmbito do processo criminal. Designadamente, as informações não podem ser transmitidas a certas entidades policiais e não o podem ser às entidades que não tendo competência nenhuma em matéria do processo penal, tem no entanto certas competências em matéria de informações. Estou a fazer-me entender claramente. Estabelece-se aqui um princípio de incomunicação enquanto a matéria estiver em processo criminal, nas condições de processo criminal não decidido e sem prejuízo da sua veiculação enquanto permitida pelos artigos 86.9, 89.° e 90.° É esse o elemento que se procura acautelar através deste preceito: a incomunicação fora do processo criminal, pois a comunicação dentro do processo criminal é possível, como se sabe, nos termos do Código de Processo Penal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas colocar uma questão ao Sr. Deputado José Magalhães.
Se bem percebi a sua apresentação, esta proibição de comunicabilidade abrange também, insofismável e impostergavelmente, a Alia Autoridade contra a Corrupção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Começaria por exprimir a minha primeira aproximação a esta norma proposta, suscitando também algumas dúvidas. De resto, penso que a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães constituiu já uma interpretação correctiva e traduziu algum mal-estar, no sentido intelectual, alguma necessidade de aqui introduzir algumas obras.
Esta proposta, tal qual está e tal qual se lê, parece-me suscitar graves embaraços, um dos quais consiste no facto de não se poder retirar dados de um processo criminal para efeitos de informação, ficando proibidas, por exemplo, as notícias para os jornais. Por exemplo, aparece todos os dias nos jornais a notícia de que "fulano de tal" foi declarado inimputável, o que acontece sempre que de um processo criminal consta que determinado réu o foi. Ora, isto fica inconstitucionalizado com a norma proposta. Se bem que admita não ser essa a intenção, esta proposta, com esta redacção, inconstitucionaliza não só as notícias como também, por exemplo, a retirada de dados para efeitos de estatística, de investigação científica, etc. Esta norma está, pelo menos, mal formulada. Não sei bem qual é a intensão do PCP subjacente à proposta, mas com a actual redacção não podemos, de maneira nenhuma, dar-lhe o nosso acordo. Ou ela é reformulada num sentido que nos pareça aceitável ou tal qual está é extremamente restritiva. Talvez a intenção seja boa, mas com a presente redacção não me parece que seja de aceitar tal proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas formular algumas perguntas ao Sr. Deputado José Magalhães, na justa medida em que ele abordou um tema apaixonante mas logo se afastou dele apenas para o deixar aqui mais ou menos pendente, certamente a fim de que alguns de nós lhe pudesse agarrar.
Em primeiro lugar, não fiquei com uma ideia muito clara sobre se, na versão que o PCP apresenta desta norma e do ponto de vista em que se coloca para a interpretar, inconstitucionalizaria ou não os n* 4 e 5 do artigo 86.° do Código de Processo Penal relativamente ao princípio da publicidade e às excepções à regra do sigilo do segredo de justiça. De facto, pelo menos aparentemente, os n.º 4 e 5 do artigo 86.º ficariam afectados por esta formulação significativamente restritiva.
Mas uma questão que é um pouco semelhante àquela que o Sr. Deputado António Vitorino colocou quanto à Alta Autoridade e aquela que, neste momento, não pode deixar de ser posta, ou seja, relativamente ao Sistema de Informações. Como os Srs. Deputados saberão, este serviço tem uma vocação que é produzir informações destinadas a conseguir um conjunto de garantias, designadamente, na área da segurança interna, "necessárias para prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem, a prática de actos
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que pela sua natureza possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido". E estive a citar o artigo. O que significa que, num determinado momento, estas informações podem estar em consonância com as informações que estejam no âmbito do processo criminal. A Lei do Sistema de Informações proíbe estritamente aos agentes dos respectivos serviços procederem a quaisquer actos próprios do sistema de investigação judicial e, nesse sentido, faz uma linha clara de fronteira. Mas, por outro lado, abre a possibilidade de informações existentes no domínio do respectivo serviço poderem ser utilizadas, mediante autorização competente, pelos funcionários a agentes dos serviços policiais que, justamente, estejam a proceder a investigações de natureza criminal.
Para citar com mais objectividade o que acabei de dizer, "os funcionários e agentes de divisões militares que exerçam funções policiais só poderão ter acesso a informações na posse dos serviços de informações desde que autorizados por despacho do competente membro do Governo", etc. Existe portanto aqui um princípio de admissibilidade da utilização de informações que estejam na órbita do Sistema de Informações de Segurança, por parte dos serviços policiais. E a questão inversa? É essa a pergunta que coloco ao PCP. É ou não possível que, por autorização judicial, certas informações em segredo de justiça possam vir a ser facultadas aos serviços de informações? A pergunta fica colocada e eu fico a aguardar a resposta na medida em que penso que a resposta que o PCP dará a esta questão será muito interessante para continuarmos o nosso debate.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... não é apenas a questão do âmbito que o Sr. Deputado Jorge Lacão acaba de introduzir na pergunta colocada a propósito da norma proposta pelo PCP.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu limitei-me a somar mais algumas questões ...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mesmo na fase pública do processo, o PCP pretende que não haja transpiração, digamos assim, de elementos dele constantes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, é mesmo esse o único problema porque na fase...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Presidente, porque o Sr. Deputado Jorge Lacão coloca uma outra questão que é a de saber se, por força da actuação do princípio da reciprocidade, aquilo que se estabelece em favor dos órgãos de investigação criminal não poderia ser revertido em favor dos serviços de informações, mesmo em relação a fases do processo em segredo de justiça. Suponho que essa questão não poderá mesmo estar em causa.
Quanto às pretensões do PCP, o Sr. Deputado José Magalhães foi esclarecedor na medida em que invocou os artigos do Código de Processo Penal - é evidente que estamos a preparar legislação constitucional - que estabelecem as características de natureza pública do processo, quando este atinge a fase correspondente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Eu compreendi as preocupações de V. Exa. em matéria do serviço de informações.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, também aqui a progressão no terreno me pareceu bastante relevante. Primeiro aspecto: a redacção precisa de obras. Não por acaso adiantei uma leitura correctiva e de resto, não procurei, por alguma forma, iludir a natureza dessa leitura. Aliás, cheguei ao ponto de citar os artigos do Código de Processo Penal co-envolvidos, o que era dispensável mas que se destinou apenas a alertar para um facto. A mutação do regime de acesso à informação no novo Código de Processo Penal é realmente sensível, numa parte é positiva mas noutra infelizmente é negativa, designadamente no que toca ao múnus jornalístico. Pode envolver no futuro problemas muito sérios que de todo em todo provavelmente não estiveram na mente de quem trabalhou nas soluções, mas chegaram a ser abordados por nós e foram seguramente equacionados por diversas entidades que, sem grande êxito quanto à repercussão no articulado, se pronunciaram sobre a matéria.
O Segunde aspecto é o de que está criada uma situação em matéria de informações de processo criminal muito melindrosa. Primeiro subponto da abordagem desta questão: o Sr. Deputado Jorge Lacão equacionou, em termos correctos, a situação que neste momento temos, dada a existência de um fenómeno que, à data da elaboração da Constituição e da primeira revisão constitucional, era inexistente. Trata-se, como referiu, da instituição do Serviço de Informações da República, cujas respectivas leis de enquadramento têm uma dimensão rigorosa.
Não vou falar do que quer que seja que não se situe no estrito plano legal porque, como sabemos, nessa matéria poderá haver, e há frequentemente, uma dissonância absoluta entre a arquitectura legal e a prática que se faz contra a lei, uma vez que, vivendo num submundo no continente das informações, os serviços movem-se em condições que dificultam muito seriamente que a letra da lei seja lei real e que a lei proclamada seja aplicada. A situação que deste ponto de vista se vive em Portugal é muito preocupante, dada a inexistência virtual dos mecanismos de fiscalização e a edificação de diversos mecanismos de informação, a latere dos elementos de freios e contrapesos que a lei tinha procurado instituir, mas que não passam de palavras. De facto, a própria Comissão Parlamentar de Fiscalização, como sabem, inexiste, isto é, compõe-se, tem uma secretária, tem uma sala, tem pessoas mas não tem actividades, nem meios, nem diligências governamentais favoráveis, nem os demais pressupostos necessários para existir e para ter até dignidade bastante que honre as pessoas que a integram. Em conclusão: é essa a diferença em relação ao quadro que existia em 1982 e ao que existia em 1976.
O Sr. Deputado Jorge Lacão situou também correctamente, quanto a mim, outro dos aspectos do problema. A lei proíbe os serviços de informações de terem actividades na esfera própria das entidades policiais e admite que as informações daqueles serviços sejam utilizadas pelas entidades policiais. Por sua vez, a Lei de Segurança Interna prevê estruturas de coordenação, de articulação e, de certa forma, institui, no fundo, uma "comunidade de informações" abrangendo fontes de diversas procedências, permitindo o seu enlance, a sua articulação e, na nossa opinião, infelizmente, a centralização. E isso é pernicioso e é, em certos aspectos, perigoso.
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Só que a Constituição estabelece um regime especial para certo tipo de informações e, não por acaso, a Lei de Segurança Interna inclui uma norma na qual expressamente se proíbe a transmissão dos resultados de escutas aos serviços de informações. O Sr. Deputado Jorge Lacão lembrar-se-á particularmente dessa norma e da sua génese que foi bastante tormentosa, dificultosa e que constituiu também uma daquelas de último minuto, ou até de após último minuto. Mas aprovada está, e é a Lei da República. Portanto, não pode haver a comunicação desses dados e bem se compreende porquê. Porque a Constituição estabelece no seu artigo 34.°, n.º 4, "que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal". Se se autorizasse a transferência, o fluxo de informações deste tipo para os serviços de informações estar-se-ia, naturalmente, a quebrar esta regra num ponto absolutamente fulcral.
Só que o problema não se circunscreve a informações deste tipo, pois existem no Processo Penal outras informações em segredo de justiça que, enquanto estiverem em segredo de justiça, devem servir para as finalidades próprias do processo. Creio que é difícil aceitar ou admitir que o sejam, ou então ser-se-ia obrigado - e aqui vou um pouco ao encontro das preocupações do Sr. Deputado António Vitorino - a definir bastante bem o quadro em que outras autoridades, outras entidades podem usar essas informações e para que efeitos. Esses efeitos convergentes com os do processo criminal, instrumentais em relação a ele e quase diria coadjuvantes, para policiais ou situados numa esfera que teria uma natureza muito próxima dessa. Só nessa estrita medida e com esse fim instrumental é que se poderiam justificar, mas, em todo o caso, nunca para os serviços de informações.
Creio que com isto, embora com três ou quatro matizes, evidentemente auto-sublinhados, respondo à pergunta do Sr. Deputado António Vitorino ou, pelo menos, corresponde à sua preocupação.
Porém, quanto à outra questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, seria muito interessante que fosse aprofundada, pois admite-se fluxos retro, isso é, das polícias para os serviços de informações; mas é o fluxo proibido o das polícias e dos tribunais para os serviços de informações em matérias que estejam em segredo de justiça e, em particular, as que sejam obtidas por meios de ingerência nas telecomunicações e na correspondência. E isto porque, de contrário, significaria admitir-se que os serviços de informações podem fazer indirectamente escutas. E se os serviços de informações puderem fazer escutas, estará então quebrado um princípio fundamental da sua própria orgânica, da sua lógica e da sua inserção constitucional, o que de forma nenhuma é compatível com a organização deste tipo de actividades. E a Lei de Segurança Interna, sendo má, foi extremamente clara nesse ponto.
Sr. Presidente, creio que estas questões merecem seguramente aprofundamentos em diversas direcções, bem assim como uma correcção da redacção, que, compreendemos, não é fácil. Porém, em nosso entender, este estádio era imprescindível para podermos caminhar para algo que equacione frontalmente o problema existente, que é bastante sério e que pode tomar-se num problema muito grave se não forem feitos alguns desenvolvimentos que signifiquem, também aqui, um sinal de alerta e uma clarificação sem margem para qualquer dúvida. E essa clarificação parece-me possível.
A adivinhar por aquilo que o Sr. Deputado Costa Andrade há pouco acenava quando aludi à necessidade de obras, e na medida em que não se fazem obras numa coisa que se pretende demolir, presumo que se quer obras no que o PCP propõe, não é seguramente para uma finalidade que seria tão lamentável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Pretendi dizer que o texto tal como se encontra não poderia merecer a nossa concordância, pelo que, a manter-se o actual texto, teremos de votar contra. Quanto ao que vier, veremos! Embora também reconheça que os interesses em jogo são muito complexos e que corremos o risco de ferir interesses tão respeitáveis ligados à informação e ao conhecimento, não antevemos, para já, uma formulação alternativa. O PCP pensou seguramente nestas coisas e trar-nos-á uma proposta que apreciaremos nessa altura.
Finalmente, quando falei em obras, fi-lo no sentido da reformulação, que é naturalmente uma coisa diferente da que aqui está.
O Sr. Presidente: - Ainda em matéria do artigo 32.°, gostaria de vos dar nota de duas propostas, aliás formuladas em alternativa pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Na primeira proposta adita-se um novo número ao artigo 32.°, com o seguinte teor "Não haverá interrogatório sem que o arguido seja presencialmente assistido de defensor." A outra proposta, apresentada em alternativa, tem para esse mesmo número a seguinte redacção: "O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, sendo presencialmente obrigatório no interrogatório e na audiência de julgamento e nos demais casos e fases previstos por lei."
Gostaria ainda, porque isso completa de algum modo a informação que de manhã dei a uma pergunta do Sr. Deputado José Magalhães, dizer que, conforme aliás consta do comunicado de 24 de Março de 1988, a Comissão deliberou enviar às assembleias municipais as propostas de alteração do projectos de revisão referentes ao título VII da parte III da Constituição, sobre poder local, solicitando que estas se pronunciem sobre as mesmas, se o entenderem, no prazo máximo de 45 dias, e, como aliás tinha a impressão, mas depois fiquei um pouco confuso com a informação que o Sr. Deputado me tinha dado, elas foram efectivamente enviadas por um ofício de 5 de Abril.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é que foi enviado, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Foram enviadas as propostas de alteração dos projectos de revisão referentes ao título VII e houve um ofício em que se diz que "A Comissão Eventual de Revisão Constitucional reunida em 24 de Março considerou ser do maior interesse ouvir as assembleias municipais quanto às propostas de alteração dos projectos de revisão referentes ao título da parte m da Constituição sobre poder local.
Nesse sentido, junto envio a V. Exa. as propostas acima referidas, solicitando desde já que esse órgão autárquico se pronuncie sobre as mesmas, se assim o entender, tendo para o efeito o prazo máximo de 45 dias a contar desta data."
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ouvi o texto, mas a quem é que isso foi enviado?
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O Sr. Presidente: - Isto foi enviado, de acordo com a nota, a 305 assembleias municipais no continente, Açores e Madeira.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por quem, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Pelos serviços da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que serviços, precisamente?
Digo isto, para não fazer mais suspense, porque a Divisão de Edições não tinha o mínimo conhecimento da essência do ofício, não tem instruções nenhumas sobre essa matéria, o despacho anda extravagante e perdido...
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, é provável que a Divisão de Edições não tivesse esse conhecimento porque não foi feita uma edição. Foi feita uma cópia, mas não foi feita uma edição impressa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então o que é que foi feito? Fotocópias? Por quem?
O Sr. Presidente: - Pelos serviços que asseguram o apoio à Comissão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pelos serviços de apoio à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional?
O Sr. Presidente: - Sim. De resto, tenho aqui uma cópia daquilo que foi enviado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, já foi expedido.
O Sr. Presidente: - Já foi expedido.
A terceira e última questão diz respeito à nossa próxima reunião. De acordo com o habitual, propor-vos-ia que nos reuníssemos na próxima quarta-feira...
Vozes.
Não, esta reunião de hoje foi uma substituição da prevista para ontem, a não ser que VV. Exas. queiram reunir hoje às 10 horas da manhã.
Vozes.
Foi aquilo que resultou do consenso. Registo com muita simpatia o desejo do Sr. Deputado António Vitorino no sentido de hoje às 10 horas voltarmos a reunir e obviamente que estou na disponibilidade de o fazer se houver consenso para esse efeito, mas tenho algumas dúvidas quanto a isso.
Vozes.
Às horas que VV. Exas. quiserem, até pode ser non-stop se eventualmente quiserem.
Portanto, reuniríamos na próxima quarta-feira às 15 horas, ou 15 horas e 30 minutos, se quiserem, e depois na quinta-feira, todo o dia, isto é, quarta-feira à tarde e quinta-feira de manhã e de tarde e naturalmente prosseguiríamos a análise das propostas. Tínhamos neste momento sobre a nossa mesa de trabalho o artigo 32.°-A proposto pelo PCP.
Vozes.
Interpretei o apontamento como resumindo o pensamento do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e formulando uma proposta que consta da acta como as outras propostas, mas não vamos agora voltar a discuti-la. Na altura da votação naturalmente que será considerada.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Era 1 hora do dia seguinte.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 21 de Abril de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
Carlos Manuel Olveira da Silva (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
João Cardona Gomes Cravinho (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (PEV).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).
ANEXO
Proposta a C. E. R. C.
Artigo 41.º
(Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1 - A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2 - Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções em matéria religiosa ou da prática de actos de elas resultantes.
3 - Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou atitudes em matéria religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4 - As igrejas, outras comunidades religiosas e demais associações interessadas na avaliação do fenómeno religioso estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
5 - É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão.
6 - Conforme lei que respeite o princípio da igualdade, pode o Estado outorgar, às confissões religiosas e às
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associações especialmente interessadas na apreciação do fenómeno religioso, a faculdade de, até ao termo do ensino secundário, se responsabilizarem pela docência, em estabelecimentos de ensino público, das concepções que professarem sobre matéria religiosa e moral. [Novo.]
7 - Independentemente da aplicação do disposto no número anterior, pode o Estado, outorgar à igreja católica a faculdade de, até ao termo do ensino secundário, se responsabilizar pela docência, em estabelecimentos de ensino público, das concepções religiosas e morais que professar. [Novo.]
8 - É garantida a utilização de meios de comunicação social próprios às igrejas, às comunidades religiosas e às associações especialmente interessadas na avaliação do fenómeno religioso, para prosseguimento das suas actividades.
9 - É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.
10 - O segredo próprio dos ministros de qualquer religião ou confissão religiosa é inviolável. [Novo em relação ao texto actual.]
Sottomayor Cárdia