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Quinta-feira, 19 de Maio de 1988 II Série - Número 12-RC
DIÁRIO da Assembleia da Reoública
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 10
Reunião do dia 28 de Abril de 1988
SUMÁRIO
Iniciou-se a discussão do 4.° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 37.º a 47.º e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Almeida Santos (PS), Maria da Assunção Es tevês (PSD), José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Sottomayor Cárdia (PS), João Corregedor da Fonseca (ID), Jorge Lemos (PCP), António Vitorino (PS), Vera Jardim (PS) e Miguel Macedo e Silva (PSD).
Em anexo são publicadas duas propostas de alteração, respectivamente dos artigos 46.º e 51.°, apresentadas pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
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O Sr. Presidente (Rui Macheie): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas e 30 minutos.
Antes de recomeçarmos a análise dos textos, gostaria de recordar a VV. Exas. que, apesar dos problemas que ontem foram evocados a propósito da lentidão com que os nossos trabalhos estão a decorrer, só conseguimos recomeçar os nossos trabalhos às 11 horas e 30 minutos.
Vamos agora prosseguir com a análise do artigo 38.° Registam-se propostas de alteração nos projectos do CDS, do PCP, do PS, do PSD, da ID, do PEV e do PRD.
Dou aqui por reproduzido o relatório da Subcomissão da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e penso que poderemos começar por discutir as alterações à epígrafe e ao n.° 1 deste preceito. Quanto à epígrafe, existem propostas de alteração do PCP e do PRD; quanto ao n.° 1, existem propostas de substituição apresentadas pelo CDS e pelo PRD.
Relativamente à actual epígrafe, "Liberdade de imprensa e meios de comunicação social", o PCP propõe uma epígrafe restrita a "Liberdade de imprensa" enquanto o PRD apresenta uma proposta de substituição com a seguinte redacção: "Liberdade de expressão e informação e meios de comunicação social".
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Em primeiro lugar, pretendia sublinhar que a apreciação destes preceitos é deveras complexa porque, como se verificará mais adiante, existe um verdadeiro cruzamento nas propostas apresentadas pelos vários partidos, em alguns casos com alterações sistemáticas e profundas mudanças de conteúdos de artigo para artigo.
Em todo o caso, porque ainda não chegámos à rede mais complexa de apreciação destes artigos, diria apenas e por enquanto que, em meu entender, o problema agora em apreciação e o de saber se a expressão clássica "liberdade de imprensa" e ou não suficientemente abrangente de outras realidades de comunicação social, como sejam as que se processam por outros meios técnicos que não os da imprensa tradicional, designadamente os do audio-visual. Se se reparar, o CDS fala de "liberdade de comunicação social" supondo, portanto, que o conceito de comunicação social já e mais abrangente e mais actualista do que o conceito "imprensa". Igualmente o PRD se orienta nesse sentido.
Tudo consiste em saber se, de um ponto de vista jurídico-constitucional, o conceito de liberdade de imprensa e suficiente para abranger as novas realidades. De facto, sabemos que, de um ponto de vista técnico, imprensa é uma coisa e comunicação social pelo audio-visual é outra. Porem, do ponto de vista jurídico-constitucional, a expressão "liberdade de imprensa" ganhou uma consagração que abrange toda a realidade da informação, independentemente dos meios técnicos pelos quais se exprime. Foi com este entendimento que o PS não propôs nenhuma alteração ao conceito de liberdade de imprensa. E porque há certas expressões cujo conteúdo se actualiza no tempo, pensamos que, se a Comissão entendesse que "liberdade de imprensa" é, do ponto de vista jurídico-conslitucional, um conceito que permite um conteúdo extensivo às novas realidades da comunicação social, não se justificaria a alteração de um conceito com o qual nos temos dado bem.
É pois, esta a nossa posição de partida, se bem que, naturalmente, gostássemos de saber a opinião dos Srs. Deputados sobre a questão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Pretendia apenas não complementar" que não preciso, mas esclarecer o seguinte: chegámos a encarar a possibilidade de substituir a expressão "liberdade de imprensa" por "liberdade de comunicação social" ou outra semelhante, como faz o CDS. Porém, começámos a dar-nos conta das dificuldade em que nos iríamos meter. De facto, a Lei de Imprensa está redigida em termos de "liberdade de imprensa" e toda a nossa legislação se refere a este conceito...
O Sr. Presidente: - O CDS não altera ...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Altera na medida em que diz que "é garantida a liberdade de comunicação social, através da imprensa, rádio e televisão".
O Sr. Presidente: - Já está a discutir o n.º 1. Eu eslava a pensar na epígrafe.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mesmo na epígrafe, o CDS, ao tentar fazer aquilo de que nós desistimos, acaba por cair no seguinte: o n.º 2, alínea a), diz que a liberdade de comunicação social implica "a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários". E onde é que estão os autores de programas, os locutores e toda essa gente que teria de ser abrangida num conceito amplo de comunicação social?
Depois, na alínea b), fala no "direito dos jornalistas". Quer dizer: no fundo, querendo trabalhar à base de um conceito mais amplo, acaba por cair na realidade que é hoje a liberdade de imprensa. Por isso mesmo, depois de termos feito nós próprios esta tentativa, a abandonámos. Admitimos, porém, que seria óptimo que pudéssemos trabalhar à base de um conceito mais amplo, isto é, não só de liberdade de imprensa mas de todos os meios de comunicação social. Seria óptimo, mas é perigoso.
Nós inclinamo-nos para uma solução em que se continua a trabalhar à base de conceito de liberdade de imprensa, que e um conceito consagrado.
Em todo o mundo se fala em liberdade de imprensa e, de um modo geral, as leis que regem esta matéria estão referidas à imprensa. Talvez pudéssemos, num número autónomo dizer qualquer coisa como "as normas tais que regem a liberdade de imprensa aplicam-se, com as necessárias adaptações, aos outros meios de comunicação social e aos trabalhadores da comunicação social". Porque se vamos abandonar o conceito de liberdade de imprensa, temos de refundir praticamente tudo o que na nossa legislação a ela se refere e que, como sabem, é muito: é o Código Penal, é a Lei de Imprensa e tudo o mais.
Trata-se, portanto, de um salto difícil de dar, embora reconheçamos que a liberdade de imprensa não esgota a liberdade de comunicação social.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Penso que o conceito de liberdade de imprensa tem um sentido restrito e um sentido amplo. Tive ocasião de ler o trabalho de um jurista de Coimbra sobre liberdade de imprensa que refere exactamente ser hoje inequívoco que quando se fala de liberdade de imprensa, ao nível de direitos fundamentais, se tenta abranger não só a imprensa escrita como todas as
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formas de difusão de opiniões. Inclusivamente, o próprio artigo 38.° da Constituição não 6 mais do que um momento de explicitação do artigo 37.° O mesmo autor refere que a própria jurisprudência francesa contribuiu para que se tornasse inequívoco, tanto para o legislador como para o intérprete, que a ideia de liberdade de imprensa não se deveria confinar apenas aos textos escritos, jornais, revistas, etc., mas abranger também os outros meios de comunicação social. Daí o nós entendermos não haver necessidade de transformar aqui esta expressão, sob pena de, como aliás referiu o Sr. Deputado Almeida Santos, haver de rever o conceito em vários níveis do direito.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Já temos dificuldades que cheguem, não vale a pena construirmos outras que se podem perfeitamente dispensar.
O Sr. Presidente: - No que diz respeito à epígrafe, o PSD mantém a actual e, como referiu a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, não só a alteração não nos parece útil como o facto de estarmos a alterar algo que não tem suscitado dificuldades de interpretação nos vai criar alguns embaraços. Aliás, já se acrescentou "c meios de comunicação social", o que já foi um complemento.
A Sr.8 Maria da Assunção Esteves (PSD): - Exacto.
O Sr. Presidente: - Para esclarecimento do Sr. Deputado José Magalhães, que chegou agora, informo que estamos apenas a discutir a epígrafe e o n.° 1 do artigo 38.º
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, lamento não me ter sido possível comparecer no início dos trabalhos, por razões que procurei transmitir à Mesa, que, suponho, terão sido admitidas e que têm a ver com o facto de no Plenário se debater, precisamente, a Revisão Constitucional e as últimas posições assumidas pelo PSD, incluindo as últimas observações do Sr. Presidente sobre o calendário da revisão constitucional. Entendemos que a matéria era naturalmente importante, justificando uma pausa nos trabalhos. Assim não foi entendido pelos Srs. Deputados que aqui encetaram aquilo que agora está a decorrer.
Gostaria apenas de referir que, pela nossa parte, não poderemos coonestar a substituição de quaisquer deputados do PSD por outros que não tenham sido habilitados com o título substitutivo pela devida forma, a não ser que sejam os substitutos legais daqueles que faltaram. Não sei se é isso que ocorre no caso concreto, mas apenas gostaria que não se verificassem substituições avulsas para fazer quorum ad hoc. Pela nossa parte, participaremos nos trabalhos com esse espírito, movidos pela preocupação de os viabilizar, mas obedecendo a três ou quatro regras básicas, embora o ritmo dos trabalhos não deva ser prejudicado por circunstâncias que não o justifiquem. Neste caso creio que havia, ou há, ou houve, um mínimo de justificação.
Dito isto, agradeço ao Sr. Presidente as informações de coonexão que acabou de formular. Logo que seja possível, interviremos.
O Sr. Presidente: - Já é possível, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Logo que seja possível da nossa parte, Sr. Presidente. De facto gostaria de trocar impressões para me aperceber minimamente do debate já ocorrido, uma vez que não tive a possibilidade de ler a acta neste momento nem de trocar impressões com qualquer pessoa. Mas naturalmente isso ocorrerá durante o próprio processo de evolução do debate.
O Sr. Presidente: - Quanto à epígrafe e ao n.° 1, há mais algum pedido de intervenção?
Pausa.
Relativamente ao n.° 2, apresentam propostas de substituição o CDS, o PSD e o PRD. O CDS apresenta uma proposta de substituição para a fusão formal do n.º 2 com o n.° 3, visando consagrar as várias implicações constitucionais da liberdade de comunicação social no corpo de um único número com duas alíneas. O PSD apresenta uma proposta de substituição aos n.ºs 2 e 3, visando um corpo único (remetendo os números subsequentes e respectivas alterações para a sua proposta de artigo 39.°). Finalmente, o PRD apresenta uma proposta de substituição dos n.ºs 1 e 2, através do seu n.° 1, de que resulta um certo número de alterações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Neste caso, talvez seja difícil isolar a apreciação do n.° 2 do artigo 38.°, na medida em que existem várias propostas no sentido de sintetizar num corpo único esses dois números e algumas dessas propostas alteram depois a anterior redacção. A minha sugestão iria no sentido de apreciarmos em conjunto os n.ºs 2 e 3 do artigo 38.°
O Sr. Presidente: - Existem, efectivamente, propostas em que essas matérias são conexas. Já agora talvez valha a pena enunciar as alterações propostas quanto ao n.° 3, tal como vêm referidas no relatório da Subcomissão, para termos uma ideia global. Assim, relativamente ao n.° 3, existe uma proposta do CDS de que resultaria a sua renumeração como alínea b) do n.° 2; o PS propõe um aditamento; o PSD apresenta uma proposta de substituição dos n.ºs 2 e 3 (visando a síntese - com alterações - num novo n.º 2) - e daí a justificação da proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão - e o PRD, no seu n.° 2, apresenta uma proposta de substituição.
Consequentemente, se VV. Exas. estiverem de acordo, iríamos discutir os n.ºs 2 e 3.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, talvez devêssemos, independentemente dos arrumamos, discutir as matérias de fundo.
O PSD propõe a eliminação da referência aos conselhos de redacção; o PS propõe a sua manutenção com o aditamento da expressão "competência para se pronunciarem a título vinculativo sobre a designação dos directores dos órgãos de comunicação social e fiscalizarem o cumprimento dos estatutos editoriais"; o PCP não propõe alterações neste ponto; o PRD propõe também a eliminação da referenciados conselhos de redacção. Tratar-se-ia, no fundo, de discutir o que a liberdade de imprensa implica, isto é, seu conteúdo, o número de itens que deveremos aqui incluir, independentemente de saber se devem constar do n.º 2 ou do n.° 3. Penso que assim será mais fácil, até porque os n.ºs 2 e 3 respeitam ao conteúdo da liberdade de imprensa.
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O Sr. Presidente: - Exacto, proceder-se-ia a um exame analítico do conteúdo da liberdade de imprensa, que deve ser expresso na Constituição...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Tenho alguma expectativa em conhecer os fundamentos para as alterações propostas pelos partidos que os apresentam, designadamente o PSD.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A recíproca também é válida.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sem dúvida. Mas estamos numa maioria em que as alterações mais significativas não sito as sugeridas pelo PS. Propusemos, de facto, um aditamento ao n.° 3, mas lá iríamos a seguir.
O Sr. Presidente: - Ao fazer-se o simples cotejo entre a actual redacção do n° 2 do artigo 38.° e a proposta pelo PSD, verifica-se que, em maioria de liberdade de imprensa, existe uma alteração ao actual texto constitucional quanto à intervenção dos jornalistas "na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas". Essa referencia é substituída no sentido da necessidade da sua audição quanto ao estatuto editorial, a qual parece ser extremamente importante ressalvar, mas não lhes e garantido constitucionalmente um direito de intervenção ideológica nos órgãos de informação. De resto, esta intervenção ideológica não tem sido, muitas vezes, cumprida. Sobretudo, não se vê justificação para o facto de os jornalistas serem os que tem uma especial legitimidade garantida pela Constituição para traçarem a orientação ideológica dos órgãos de informação a que pertençam.
Relativamente às empresas que têm por objecto o jornalismo, esta solução representa uma opção política por um outro modelo. Justifica-se pela circunstância de no que diz respeito a este problema da orientação ideológica dos órgãos de informação não se reconhecer à classe dos jornalistas ou aos profissionais do jornalismo uma especial legitimidade diferente da dos restantes trabalhadores.
Por outro lado, e como resulta da proposta do PSD, aparece ressalvada à até reforçada a ideia de que e importante a sua audição quanto ao estatuto editorial de informação. Há, pois, a possibilidade de exprimirem a sua posição nessa matéria.
Em síntese, é esta alteração que se propõe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Vejo que não há muita apetência para falar desta matéria.
Começaria por dizer o seguinte: os n.°s 2 e 3 da proposta do CDS não tem grande relevância, na medida que se traia de alterações mais de sistemática do que de fundo. O CDS desdobra em duas alíneas aquilo que hoje está incluído numa só. O actual n.º 3 corresponde, com ligeiras diferenças de redacção, mas que não tem significado, ao actual n.° 4. Portanto, não vale a pena estarmos a preocupar-nos com esta proposta.
A proposta do PS mantém o actual n.° 2, o que elimina a necessidade de qualquer consideração. Em relação ao n.º 3, o PS constitucionaliza a competência dos conselhos de redacção para se pronunciarem, a título vinculativo, sobre a designação dos directores. Pensamos que a própria prática veio a sublinhar a necessidade de não se impor aos trabalhadores da informação e, sobretudo, aos jornalistas um director com o qual estejam em manifesta discrepância.
A ID não apresentou proposta nem para o n.° 2 nem para o n.º 3.
A proposta do PRD não tem grande relevância. No fundo, o que pretende é a constitucionalização das duas excepções ao direito dos jornalistas à protecção da independência, ao sigilo profissional e ao acesso às fontes, excepcionando aqui o segredo de Estado, o segredo de justiça e a salvaguarda da intimidade das pessoas que lhe sejam vedadas por lei. Como todos nós sabemos, até hoje ainda não foi possível obter uma definição do que seja segredo de Estado. O segredo de justiça está razoavelmente definido. O poço sem fundo da salvaguarda da intimidade das pessoas é demasiadamente amplo e vago para que não arquivemos alguns receios de que possam vir a ser criadas excepções não desejáveis. No n.° 3 o PRD acrescenta "quaisquer formas ilegítimas de pressão", o que coloca desde logo o problema de saber se nesse caso são consentidas formas legítimas de pressão. Não creio que isto acrescente muito à eficácia do actual texto.
Onde me parece que há, na verdade, uma profunda alteração é na proposta do PSD. Não me parece que ela seja susceptível de ser sintetizada da forma como o fez o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Só me referi ao n.° 2, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sei isso, Sr. Presidente. Só que acontece que o n.º 2 é o último dos números da proposta do PSD.
Aqui há uma profunda alteração, na medida em que o PSD tenta sintetizar no n.° 2 tudo o que hoje consta dos n.ºs 2 e 8, com base num ponto de vista que poderia ser sintetizado da seguinte forma, que, aliás, já tem sido defendida em matéria de liberdade de imprensa: a melhor regulamentação normativa da liberdade de imprensa é a sua inexistência. O melhor é não haver lei de imprensa, o melhor é não haver referências na Constituição à imprensa. Portanto, há que deixar que a liberdade funcione por si própria, sem regulamentação. A liberdade de imprensa seria um produto espontâneo, de gestação anárquica. E viva o anarquismo!
A questão que foi levantada pelo Sr. Presidente, de saber se hoje deve continuar na Constituição a referência à intervenção dos jornalistas na orientação ideológica dos jornais - e diga-se que a Constituição já diz intervenção e não, como pareceu resultar da síntese do Sr. Presidente, poder decisório -, e, de facto, importante. Uma coisa é intervir, é ter a possibilidade de determinar qual é essa orientação ideológica, e outra é serem apenas ouvidos sobre o estatuto editorial. O estatuto editorial não esgota a orientação ideológica. A orientação ideológica é algo que concebo em termos continuados; não apenas um estatuto que se faz para a eternidade e em que depois nunca mais se mexe. Penso que não devemos retirar aos jornalistas esta prerrogativa, que está hoje consagrada na Constituição, e que creio que não tem criado problemas. Se os criou foi na fase do processo revolucionário, não hoje. Não sei de terá muita glória dizer que é uma simples audição. Iremos despertar reacções vivas que poderemos perfeitamente dispensar.
A nossa posição está clarificada. Este é o verdadeiro problema que temos de discutir em relação ao n.° 2. Estamos dispostos a discuti-lo, embora nos pareça que é perigoso alterar o que está, neste momento, consagrado na Constituição.
Por outro lado, também daremos o nosso contributo para a questão de saber se se deve ou não constitucionalizar o direito de pronúncia, a título vinculativo, sobre a
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designação dos directores dos órgãos de comunicação social. Designadamente, há que saber se estes podem ou não fiscalizar o cumprimento dos estatutos editoriais. É porque, muitas vezes, a tendência tem sido a de ter um estatuto editorial muito bonito e depois fazer dele gato-sapato, isto é, desprezá-lo inteiramente no dia-a-dia da vida do próprio jornal.
Pensamos que se a proposta do PSD tem algum conteúdo válido ele é exactamente o de poder ser traduzido neste direito de fiscalização do cumprimento dos estatutos editoriais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, se me permite fazer uma observação...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Presidente é que permite as observações.
O Sr. Presidente: - Refiro-me, em concreto, à proposta do PSD e, portanto, não quero usar indevidamente de um privilégio. Os restantes números do artigo 38.° têm correspondência nas propostas de alteração que o PSD apresenta no artigo 39.° da sua proposta. Quando discutirmos os restantes números teremos oportunidade de analisar esta maioria. É que poderia parecer que seria só exclusivamente aquilo que se encontrava proposto, designadamente em maioria de garantia da liberdade de fundação dos jornais, do serviço de televisão e de rádio, etc.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não fui inteiramente justo quando não referi a existência do artigo 39.°
O Sr. Presidente: - O ponto verdadeiramente importante é o de darmos ou não - e acentuarmos isso! - uma intervenção privilegiada dos jornalista na orientação ideológica dos órgãos de informação, embora com a excepção de que esses órgãos não pertencem nem ao Estado, nem a partidos políticos, nem a confissões religiosas.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Essas pressupõe-se que já não têm, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - As confissões religiosas têm, Sr. Deputado. Os partidos políticos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Têm direito a lê-lo...
O Sr. Presidente: - Em relação ao Estado, é mais discutível. Aí o Estado não terá teoricamente uma orientação ideológica. Contudo, é duvidoso que assim aconteça.
Por outro lado, este artigo 38.° está muito marcado pelo contexto histórico em que nasceu. Todos nós conhecemos o que aconteceu com o caso República e em outras circunstâncias. Este artigo foi, de algum modo, marcado por todas essas vicissitudes. No direito comparado não conheço, em termos de constituições, nenhum preceito correspondente que garanta a intervenção dos jornalistas na orientação ideológica dos órgãos de informação.
Depois ele tem algum tipo de limitação à liberdade de imprensa das empresas jornalísticas. Este é um ponto que imporia sublinhar. Isto e, quem queira fundar um jornal e não seja jornalista tem algum tipo de condicionalismo a enfrentar face a este n.° 2 do artigo 38.°
Afigura-se-me que é importante garantir a audição, de uma maneira mais genérica, em todos os tipos de empresas. Nas jornalísticas é importante que o diálogo seja estabelecido e que haja a audição dos profissionais de jornalismo. Mas não vejo necessidade de se manter esta referência à intervenção na orientação ideológica dos órgãos de informação.
Ainda por cima, é altamente duvidoso que os órgãos de informação pertencentes ao Estado não tenham algum tipo de ideologia, como quer que ela se venha a definir. Portanto, essa excepção é um véu pudico que esquece um problema real e muito importante que existe em matéria de órgãos de informação que pertencem ao Estado. O problema está colocado e, portanto, vamos ver se o conseguimos dilucidar com a necessária clareza.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a proposta do CDS é de puro rearranjo formal. Gostaria de saber qual é a razão que leva o CDS a propor obras deste tipo numa arquitectura que, sem alteração de conteúdo, não mereceria, pela nossa parte, ser questionada. O PSD não o faz! O que o PSD questiona são opções de fundo contidas no artigo.
Em relação às propostas apresentadas pelo PRD, também ignoramos a sua fundamentação, embora sejamos capazes de perceber que tipo de preocupações é que podem presidir ao texto apresentado.
Gostaria de sublinhar que neste momento em Portugal a questão deve colocar-se precisamente ao contrário. Isto é, se alguma coisa acontece quando ponderamos o processo de aplicação do disposto n.° 2 do artigo 38.° é que podemos medir, com alguma preocupação, a distância que há entre aquilo que é o sentido fundamental do preceito e a sua execução, a sua realização. Por outro lado, a luta pela garantia do sigilo profissional atravessou em Portugal, desde a aprovação do texto constitucional, vicissitudes imensas, passou por grandes batalhas e por enormes dificuldades, com intervenção dos próprios tribunais, do Conselho de Imprensa das associações sindicais competentes, sem que se tenha logrado um resultado que se possa considerar satisfatório. Na nossa história do jornalismo há episódios verdadeiramente lamentáveis de atentados ao sigilo profissional, passando, inclusivamente, por operações de desventramento de arquivos e da tentativa de obtenção de informações que são consideradas como recobertas pelo sigilo profissional. Ainda por cima, ocorre que a publicação do Código de Processo Penal veio agravar substancialmente um quadro que já era negativo. O novo Código permite a quebra judicial de sigilo em circunstancias que nos parecem exceder os próprios limites que a Constituição impõe.
Se há que fazer alguma coisa em sede constitucional não é seguramente debilitar o estatuto constitucional do sigilo profissional dos jornalistas. Haverá que fazer precisamente o contrário! Encararíamos com discordância a inclusão de qualquer cláusula excepcionante.
Quanto à outra componente do n.º 2 do artigo 38.°, isto é, à liberdade de acesso às fontes de informação, deparamo-nos não com a supressão de obstáculos, mas, sim, com a multiplicação de obstáculos ao acesso às fontes de informação. Apesar do que a Lei de Imprensa dispõe, apesar da acção do Conselho de Imprensa, apesar da acção das organizações representativas dos profissionais de jornalismo, verificamos que não houve supressão de barreiras ao acesso - aliás, há múltiplos litígios que o atestam. Por outro lado, houve, designadamente com a alteração política imediatamente anterior e posterior ao 19 de Julho, um semear de obstáculos ao acesso às fontes de informação, desde logo às da Administração Pública. Em vez de se ir para uma "administração aberta", caminha-se em muitos
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domínios para uma administração perigosamente fechada. Isto acontece não só nos domínios tradicionais, não só no domínio da defesa nacional, das forças armadas, da problemática de segurança, mas em outros que eram relativamente abertos e que agora são crescentemente fechados.
Por último, os jornais informaram-nos -o que coloca interessantes questões quanto às fontes de informação - que o Conselho de Ministros aprovou recentemente uma iniciativa legislativa nos termos da qual se adoptam, em nome do segredo de Estado e da "segurança" da Administração Pública, medidas de fechamento ainda maiores. Isto significa que se procura contrariar, em sede de lei ordinária, aquilo que é o cumprimento de normas constitucionais. Os jornalistas são atingidos por isso, o que nos parece bastante preocupante.
Por tudo isto, Sr. Presidente, gostaria de sublinhar que consideramos que seria muito negativo se se avançasse para qualquer cláusula do tipo daquela que e proposta pelo PRD e que, de resto, nem sequer é proposta pelo PSD. O PSD prefere actuar no terreno da legislação ordinária inconstitucional!
Também gostaria de sublinhar que cláusulas ambíguas, como a da salvaguarda da intimidade das pessoas, são, como o SR. Deputado Almeida Santos sublinhou, um poço negro que abre para tudo e que impossibilita virtualmente a actividade jornalística normal. Isto porque em muitos casos e absolutamente impossível que a actividade jornalística, quando pretende investigar determinados factos, não invada uma esfera lata da intimidade. É isso mesmo que se trata de fazer, mas dentro de limites, e o Conselho de Imprensa tem procurado velar para que esses limites não sejam excedidos, como frequentemente o são.
Creio que a questão suscitada pelo PSD e uma questão de fundo. Vem enroupada com argumentos que nos suscitam alguns comentários.
O artigo 38.° da Constituição e, de facto, marcado pelos contextos históricos. Isto é, são nele visíveis os sinais do debate e da luta que se travou em Portugal após o 25 de Abril para definir com rigor as balizas da liberdade de informação e para situar e projectar constitucionalmente as diversas concepções que se confrontaram na sociedade portuguesa sobre esta matéria. Atingiu-se um ponto - que se pode qualificar como de equilíbrio razoável- de articulação, de compatibilização de concepções diversas. Penso que o resultado foi, em termos de garantia da liberdade de imprensa e dos direitos dos jornalistas, feliz.
Aquilo que o PSD propõe neste ponto e uma inversão do sinal da Constituição. Isto é, na experiência histórica portuguesa o facto de a Constituição consagrar o que consagra em matéria de direitos dos jornalistas não impediu que a classe jornalística portuguesa sofresse, designadamente através do uso de armas económicas, de armas políticas e de outras formas de pressão legítimas e ilegítimas.
Não entro excessivamente na discussão do que seja a pressão legítima. Pressionados, legitimamente, somos todos. O Sr. Presidente acabou de nos pressionar esta manhã através de uma entrevista no jornal Tempo e ninguém se queixa. É uma pressão legítima? Porém, há outras pressões inequivocamente ilegítimas e isso acontece e aconteceu historicamente também em relação aos jornal istas. Isto significa que a norma constitucional ficou por cumprir...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, peço desculpa de o interromper. É que, provavelmente, é uma pressão "corporativa", e é preferível a pressões heterónimas.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, as virtudes do chicote interna corporis, substitutivo do outro, do externo, são uma problemática que deve dar uma discussão apaixonante. Duvido que na óptica das costas, que são atingidas, a coisa não seja bastante indiferente.
Quanto aos Jornalistas, a coisa ocorre precisamente nestes termos. E que, independentemente da fonte, de ser extema ou interna, a pressão tem-se vindo a verificar ao longo destes anos. Tem sido muito difícil conseguir levar à prática, em todos as suas dimensões, aquilo que é o quadro constitucional. Sabe-se que o que a Constituição introduziu neste ponto foi uma alteração realmente invulgar, mas que nos parece positiva, não esgotada, não arredável, uma alteração fulcral do que seja o direito de propriedade em matéria de empresas jornalísticas. E fê-lo por reflexão fecunda e por rejeição dos parâmetros que antes do 25 de Abril tinham conduzido a fenómenos aparatosos de concentração de empresas jornalísticas nas mãos de grupos económicos e à sua utilização segundo uma determinada lógica e segundo uma determinada dinâmica, com sujeição dos jornalistas co-envolvidos. Quis-se romper com esse modelo, mas o PSD quer regressar a um modelo - e repito: não digo regressar a esse modelo, mas regressar a um modelo - em que se dá aos proprietários dos órgãos de comunicação um direito absoluto de orientação. Creio que isso é um grande recuo, mesmo em termos da perspectivação do que deva ser a propriedade de empresas jornalísticas, e é um recuo, uma vez que a linha de tendência da evolução no pós-guerra nos países capitalistas - e embora os últimos anos tragam, com os surtos neoliberalistas e outras correntes desse tipo, involuções e regressões - foi no sentido de despojar a propriedade dos meios jornalísticos de alguns dos tributos que classicamente lhe eram atribuídos e de conferir aos jornalistas um estatuto crescentemente importante na definição do que deve ser o próprio produto a vender, que, neste caso, é um produto nobre, ou seja, um jornal ou um outro órgão de comunicação social.
Essa intervenção é extremamente importante e, nos tempos modernos, não nos parece ser um valor perimido. Creio que a visão que o PSD nos traz dos direitos dos jornalistas é uma visão redutora e castradora que poderá ser uma homenagem a algumas tristes realidades, mas que é, ela própria, uma triste proposta jurídica. É uma das mais marcantes propostas do PSD e uma das que mais revelam uma visão do mundo e da comunicação social marcada por traços que reflectem a visão da "social-democracia" que temos em Portugal, ou seja, uma "social-democracia" liberal, proprietarista e redutora dos direitos e do papel dos criadores. Um dos seus argumentos utilizados pelos seus arautos é particularmente envergonhado e devo dizer que gostaria que ele fosse assumido frontalmente. É que, quando se afirma que o facto de os jornalistas intervirem na definição ou na orientação ideológica dos seus jornais e uma coisa que seria quase "aberrante", está-se a estabelecer alguma confusão sobre o que seja essa forma de intervenção. No fundo, aquilo que a Lei de Imprensa estabelece hoje - ca nossa Lei de Imprensa foi aprovada no contexto que conhecem, com participação pi uri partidária e com preocupações que foram larguissimamente comuns - são algumas das modalidades dessa intervenção em todos os órgãos de comunicação social objecto de propriedade privada.
Infelizmente, essas normas são engolidas frequentemente, incluindo quanto à garantia da intervenção dos jornalistas na designação do director com poderes que deveriam se decisivos. A solução legal percebe-se porque a lógica da
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constituição de uma equipa jornalística passa, por um lado, por um grande momento de reflexão inicial, no quadro do qual se estabelece aquilo a que se chama o estatuto editorial, mas depois passa - como o Sr. Deputado Almeida Santos muito bem sublinhou- por um esforço contínuo, ou seja, por uma tensão que não se esgota no momento inicial, mas que se verifica no dia-a-dia. Trata-se de uma luta contínua que é, na orientação constitucional que hoje está também plasmada em lei, um esforço institucionalmente suportado, havendo por essa razão conselhos de redacção e sendo também por isso que os jornalistas, além de terem a sua voz própria, deverão resistir à censura e bater-se pelo cumprimento da Constituição, da lei e do estatuto editorial, combatendo designadamente as quebras a esse mesmo estatuto e recusando toda a espécie de degenerações em relação a ele, qualquer que seja, lendo para isso meios próprios, para alem, naturalmente, dos seus sindicatos, do Conselho de Imprensa e de outras fórmulas.
Tudo isto coexiste harmoniosamente e se chama "intervenção na orientação ideológica". Quanto ao porque da expressão "ideológica", a Constituição não é difícil de interpretar: num caso trata-se de intervir em jornais que podem ter orientações diferentes em diversas gamas, em diversas cambiantes e segundo diversos critérios definidos pelos interessados. No caso dos jornais do Estado, sendo esses jornais não de um partido - coisa que compreendo que o PSD tenha dificuldade em perceber -, mas do sector público, devem reger-se por outros critérios e devem reflectir e projectar, acima de tudo, um determinado pluralismo político, social e cultural para as suas páginas ou para as suas ondas. Tal e a regra, tal é o critério.
Consequentemente, os jornalistas não podem ter nesses jornais - porque eles são de todos - o papel que têm nos jornais que são de alguns, ou seja, em relação aos casos de propriedade pública, não há razão para que sejam detentores dos mesmos direitos que têm perante a propriedade privada.
Eu compreendo que o PSD, que quer erigir a propriedade privada em direito capitular dos direitos, liberdades e garantias, entenda também transportar essa concepção para os proprietários de jornais, de estações de rádio e, quiçá futuramente, de televisões, mas creio que isso mata de jure um elemento estruturante da Constituição que o PSD se esforça iodos os dias por matar na vida. Creio lambem que se não o podemos impedir de o fazer no outro tabuleiro senão pelos meios próprios - e nisso insistiremos -, neste podemos seguramente fazê-lo. É o que tentaremos pela nossa parte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que este problema é suficientemente importante para que se tente fazer uma análise um pouco mais profunda. No fundo, este artigo, para além de ser marcado historicamente, revela, sobretudo se o cotejarmos também com o artigo relativo à propriedade pública dos órgãos de comunicação social, um certo tipo de orientação que e contrário àquele que anima a proposta do PSD, mas que não pode reduzir-se, sob pena de uma visão muito estreita e obcecada pelos problemas da propriedade, as questões pura e simplesmente capitalistas.
Em primeiro lugar, é interessante considerar que se pressupõe neste preceito claramente que os órgãos de informação tem uma orientação ideológica, o que talvez seja uma consideração realista, mas, depois, não se percebe bem por que toque de mágica os órgãos do Estado, sendo também órgãos de informação, não têm orientação ideológica. É, evidentemente, uma pura e simples ficção e é uma ficção animada por uma outra ideia, a de que aquilo que é actividade estadual é em si bom e positivo, perfilhando a regra de que as coisas se vão processar sempre da melhor maneira possível, pois o bem comum é algo que está correcto, e de que aquilo resulta da iniciativa da sociedade civil, do livre jogo da liberdade e da actividade empresarial tem, à partida, uma marca necessariamente negativa e uma depreciativa conotação capitalista. Ora, nós não subscrevemos essa ideia, mas a ideia diferente de que é importante que a sociedade civil seja suficientemente pujante e que, no seu pluralismo, encontre as fórmulas capazes -naturalmente, sob a vigilância e a arbitragem do Estado nos casos em que ela é requerida e necessária - de garantirem os equilíbrios e os próprios direitos das pessoas.
Há aqui um problema ideológico extremamente importante e, efectivamente, insisto que não é possível compreender o artigo 38.° sem compreender o artigo 39.°, pois o próprio artigo 38.° pretende, de uma maneira muito clara, que, em relação ao Estado, esse problema ideológico não se põe e nem sequer se põe o problema da intervenção dos jornalistas, justamente por atribuir essa nota positiva ao Estado, pela concepção filosófica como perspectiva as relações entre a sociedade e o Estado. Há ainda uma outra questão para a qual gostaria de chamar a vossa atenção, questão essa que, aliás, referi há pouco estar em conexão com a primeira e que é a seguinte: é que este artigo significa, de qualquer modo, uma diminuição ou restrição ao direito de fundação e gestão das empresas jornalísticas, o que, de algum modo, se traduz numa limitação à liberdade de imprensa no seu conteúdo amplo. Por outro lado, o próprio conceito de jornalista é um conceito que não é claro e nós sabemos, por experiência, que o jornalista acaba por ser lodo aquele que tem uma carteira de jornalista e que trabalha nos jornais. Ora, entre isso e a liberdade de criação artística vai por vezes uma grande diferença, infelizmente, e esse é um ponto que pode permitir e que tem permitido também instrumentalização dos jornalistas. Isto é, não há nunca nenhum sistema que garanta, de uma maneira absoluta, que as coisas funcionem bem, e um sistema que acentua um aspecto corporativizante, por ele próprio, não dá essa garantia.
Isto dito, gostaria de sublinhar que reconhecemos que este problema é um problema delicado, difícil e que, como em iodas as coisas, as aproximações sucessivas permitem que nos aproximemos de soluções mais equilibradas, se houver boa fé, na procura daquilo que e o mais conveniente. Nós compreendemos que todas as soluções têm os seus inconvenientes e, por conseguinte, não esquecemos que existem efeitos perversos nas soluções que nós próprios propomos. Isto tem de ser dito para evitar interpretações mais apressadas e ad hominem ou ad partidum.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ad factionem!
O Sr. Presidente: - Isso é um pouco mais depreciativo, Sr. Deputado.
Para terminar, gostaria de dizer que a experiência que tem sido praticada em certos países, designadamente nos países onde existe a real liberdade de imprensa -que são os países do Ocidente -, não tem sido no sentido de favorecer meios de comunicação social pertencentes ao Estado, nem tem consignado normas constitucionais como a do n.º 2 do artigo 38.º Ora, penso que a liberdade de imprensa de que têm dado provas inequívocas, por exemplo, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos da América, a França e a Alemanha é suficientemente elucidativa de que os sistemas aí adoptados não representam apenas uma visão instrumentalizada por grupos capitalistas, embora cumpra acautelar alguns riscos.
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Em comparação com o leste europeu, fica-se, todavia, a ganhar em termos de democracia e de liberdade de informação. Este problema da estruturação das empresas jornalísticas deve ser resolvido em termos de garantia institucional, no sentido dado por Carl Schmitt, do que como direito fundamental.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a expressão "orientação ideológica" também me não agrada. Ela foi introduzida na Constituição num momento em que se falava muito de ideologia e não me parece uma expressão feliz. Não sei se alguma haverá melhor para a substituir. Talvez "orientação doutrinária". Embora eu saiba que podem ser suscitadas dúvidas, pois a palavra "doutrinário" tem um sentido muito impreciso, tal como, aliás, a palavra "ideologia".
Ocorreu-me também a expressão "orientação editorial", mas afigura-se-me que tal seria talvez ir demasiado longe. A minha intervenção destina-se apenas a transmitir que partilho da sua preocupação relativamente ao inconveniente do termo "ideológico". Acho que se poderia fazer um esforço para encontrar outro que exprimisse a intenção que se quer manter no texto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, penso que estamos situados num domínio de grande dificuldade quanto a alguns aspectos, porventura excessivamente datados, que estiveram na base da actual redacção constitucional, tal como ela hoje nos surge, e, por isso mesmo, diria que estamos colocados num domínio em que seria desejável - e faço, à partida, essa profissão de fé - que pudéssemos comungar de um largo consenso quanto às soluções que venham a poder adquirir-se nesta matéria. E passo a enunciar alguns dos aspectos que me parecem ser os ângulos dos problemas que temos pela frente.
Em primeiro lugar, quanto à questão da restrição do direito dos jornalistas na orientação de órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas, ver-se-á que o único partido que propõe a supressão desta restrição é o PRD e tenho pena que não esteja aqui presente nenhum seu representante para fundamentar a razão de ser da sua iniciativa. O que é pressuposto no princípio de restrição - penso eu - é que, designadamente na orientação dos órgãos do sector público, haveria, e há ainda, na arquitectura constitucional uma entidade que tem justamente por atribuição fiscalizar e garantir uma orientação objectiva, religiosa e pluralista - o Conselho de Comunicação Social.
Pensou, portanto, o legislador constitucional, quando definiu este modelo, que, na imprensa em geral, um conjunto de direitos na participação e na orientação ideológica caberia aos jornalistas membros das respectivas redacções e que, quando se tratasse de imprensa do sector público, existiria um órgão com essa função específica. A questão está agora em saber se o domínio futuro do sector público justificará esta destinção de tratamento ou se valerá a pena fazermos um esforço no sentido de não discriminar direitos dos jornalistas, independentemente do órgão de comunicação social em que trabalham.
Este é, a meu ver, um ponto que deve merecer a nossa consideração e veja-se o que pode resultar se o modelo não for devidamente acertado. No caso, o PSD, por exemplo, pretende desconstitucionalizar o Conselho de Comunicação
das funções de fiscalização e de garantia. Mas, se, por um lado, pretende fazê-lo, por outro lado mantém, no artigo 38.° e na formulação que propõe, o princípio da restrição dos direitos dos jornalistas, o que implica uma consequência que me parece um pouco pérfida. Ou seja, por um lado, manter-se-ia uma restrição aos jornalistas na sua possibilidade de participarem na orientação, e, por outro lado, desconstitucionalizar-se-ia o órgão que deve velar por essa independência, por esse pluralismo e por essa objectividade. Por consequência, nestes casos, se adoptássemos o modelo que agora o PSD nos propõe, teríamos virtualmente todo um conjunto de meios de comunicação social que subsistiriam no sector público totalmente dependentes de orientação da tutela, já que não se consagrariam os direitos de participação elementares para garantir uma isenção mínima desses mesmos órgãos de comunicação social.
Este é, na verdade, um problema que me parece ser contraditório na proposta do PSD, mas se se revela esta contradição na respectiva proposta, não posso deixar de reconhecer que o modelo que subsiste na Constituição é um modelo que apresenta duas lógicas: uma lógica de intervenção dos jornalistas na imprensa privada em geral e uma lógica de diminuição do. capacidade do intervenção dos jornalistas na imprensa do sector público, dos partidos e das entidades religiosas. Isto tem colocado, na prática, graves dificuldades e dou-lhes, de momento, um exemplo: sabemos que hoje, ao nível da rádio - e vale a pena dizer as coisas com toda a sua verdade -, existem duas estações emissoras de cobertura nacional, uma pública e outra não pública, pertencente indirectamente, em termos de acepção jurídica, a uma igreja.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Pode precisá-las, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Naturalmente, estou-me a referir - e toda a gente o sabe - ao facto de existirem duas estações de cobertura nacional, a RDP e a Rádio Renascença. Ora, à luz do n.° 2 do artigo 38.°, a Rádio Renascença não permitiu até hoje, por exemplo, que os jornalistas que trabalhem nessa estação emissora constituam conselhos de redacção, justamente em nome da norma que limita a intervenção dos jornalistas em órgãos de comunicação social pertencentes a confissões religiosas.
Também não desconhecemos, portanto não deveremos estar aqui num corte com a realidade, que esta estação emissora tem um projecto editorial mais vasto que passa por se candidatar - e está no seu pleníssimo direito, não estou a contestar isso, de maneira nenhuma - a um canal nacional de televisão. Adoptando-se o mesmo critério, teríamos futuramente os mais poderosos meios de comunicação social em Portugal, por aplicação desta norma constitucional, à margem da possibilidade de intervenção dos jornalistas que nesses meios de comunicação social trabalhassem. Penso que a percepção destes problemas nos deve fazer meditar sobre as implicações que tem, tal como se encontra, o n.º 2 do artigo 38.° quanto à limitação da intervenção dos jornalistas. Isto para dizer, com toda a franqueza, que veria com bons olhos uma solução que nos permitisse não excepcionar os direitos dos jornalistas, a não ser em casos estritamente previstos e muito melhor delimitados. Este seria um ponto.
Outro ponto que gostaria de referir é a questão da participação na intervenção ideológica. Suponho que o conceito de intervenção ideológica corre o risco de ser, por um lado, excessivamente abrangente e, por outro lado,
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excessivamente delimitado. Penso que a participação a que os jornalistas tem direito, designadamente no processo de designação dos directores, dificilmente caberá no conceito de intervenção ideológica.
O Sr. Presidente: - Isso depende.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - o PRD, por exemplo, tentou resolver este problema ao definir um conceito de participação na orientação, sem qualificar essa orientação - ideológica, doutrinária ou qualquer outra. O que permitiria, talvez - sublinho o talvez porque eu próprio tenho alguma dúvida acerca disto -, que o conceito, desbravado do qualificativo, possibilitasse, em lermos de legislação ordinária, uma melhor adequação à realidade.
Gostaria de voltar à proposta do PSD, que, simultaneamente, ao apresentar uma formulação diferente, porque retira o conceito de participação ideológica para propor o direito à audição dos jornalistas quanto ao estatuto editorial, curiosamente não faz acompanhar este direito de audição pela forma como o direito se poderia exprimir, ou seja, suponho eu, através dos conselhos de redacção. O PSD, não percebi ainda bem porque, pretende desconslitucionalizar este direito dos jornalistas à eleição de conselhos de redacção - o que me parece, de lodo em iodo, uma diminuição constitucional dos direitos dos jornalistas que não deveria ser sufragada. Este é um ponto para o qual também gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados.
Um outro problema - que reflecte o factor histórico e o momento em que tudo isto foi redigido - refere-se à interdição a outros grupos de trabalhadores na intervenção da orientação dos órgãos de comunicação social. Penso que chegámos a um momento em que este problema, que teve grande actualidade no passado e continua a ter o mesmo significado histórico, enquanto referencia simbólica, já não tem, naturalmente, a mesma projecção. Isto porque a consagração constitucional dos direitos dos jornalistas à participação significa, por exclusão de parles, que não há uma consagração constitucional e, portanto, uma legitimação do direito de outros trabalhadores intervirem na orientação dos órgãos de comunicação - donde a eventual supressão desta limitação não alteraria em nada o ordenamento jurídico. Optar por mante-la ou optar por suprimi-la e uma decisão que, quanto ao essencial dos problemas, em nada alterará a ordem jurídica tal como já hoje se nos apresenta.
Penso que algumas destas questões só poderão ser melhor resolvidas quando abordarmos a problemática do artigo 39.°, designadamente quanto à forma de intervenção nos órgãos de comunicação social do sector público. Pretendi, por enquanto e tão-só, tornar estas dificuldades e problemas mais evidentes para irmos pensando as soluções que melhor se lhes poderiam adequar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão fez há pouco uma observação acerca da sua dificuldade em compreender a contradição que era a manutenção da referencia, na proposta do PSD, ao Estado como uma das instituições em que se não aplica esse direito de audição. A ideia que está subjacente e, claramente, esta: em primeiro lugar, entendemos que a propriedade pública dos órgãos de comunicação social deve ser algo residual, mas não pretendemos que o Estado seja impedido de ter, naturalmente, essa propriedade, e não apenas em relação aos grandes órgãos de comunicação social. Como V. Exa. sabe, existem em muitos ministérios designadamente jornais que veiculam a política e os problemas próprios do ministério e, naturalmente, também é necessário acautelar essas situações. Foi essa a razão por que se manteve o Estado ao lado das confissões religiosas e dos partidos políticos, como entidade a que não se aplica esta regra constitucional, embora o não estar constitucionalizado não signifique que, na prática - e isso é uma coisa que, às vezes, propendemos a esquecer -, não se possa consignar, só que não tem a rigidez e a dignidade da garantia constitucional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Compreendo o sentido da observação que acabou de me fazer, por isso referi que talvez valesse a pena tentarmos um exercício de restrição mais clarificador dos casos em que se justifica que os jornalistas não tenham esse direito de participação na orientação para podermos separar melhor o sentido das coisas. O que se passa hoje é que esta interpretação abrangente já conduziu a que, nalguns momentos, designadamente na RTP, empresa pública, se chegasse a não considerar sequer legítimo o direito dos jornalistas a eleger conselhos de redacção - o que, de facto, significou e tem significado na prática uma diminuição bastante preocupante dos direitos dos jornalistas que trabalham nos meios de comunicação social do sector público. O problema que se me põe, volto a sublinhá-lo, é o seguinte: será de admitir que um órgão de comunicação social, por pertencer ao Estado, deva vedar aos jornalistas um conjunto de direitos de participação que não lhe estão vedados no sector privado, salvo os casos em que o Estado, ou outras entidades, disponham de meios de comunicação social para veicular mensagens que, pela sua natureza específica, não consintam essa intervenção? Faz parte da filosofia da liberdade de imprensa que os meios de comunicação social, embora públicos, para além de terem de cumprir um conjunto de funções de serviço público específico, tem, quanto ao resto, uma lógica de produção informativa em tudo idêntica aos demais órgãos de comunicação social - portanto, o problema nesta área subsiste. Nesse sentido, e uma vez detectada esta dificuldade, talvez consigamos encontrar uma solução razoável para este problema, até no decurso do debate que ainda vamos travar, a propósito dos outros artigos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de perguntar à bancada do PSD se seria possível clarificar - isto é-me suscitado por uma observação do Sr. Presidente Rui Macheie durante a intervenção de explanação e o debate - qual o sentido exacto da proposta que apresentou quanto à exclusão de certos órgãos de comunicação social do regime previsto no n.° 2 do artigo 38.° O Sr. Deputado Jorge Lacão adiantou já que, quanto ao alcance a dar ao artigo na sua redacção actual, circulam interpretações, quanto a mim inconstitucionais e deficientes, tendentes a inculcar que, num órgão de comunicação social como o que foi referido no âmbito radiofónico pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, o direito previsto neste artigo da Constituição não teria aplicação - refiro-me ao direito de constituir conselhos de redacção e ao exercício livre das respectivas competências. Esta interpretação não tem a mínima cobertura, mas na redacção do PSD teria cobertura? A redacção do PSD visa precisamente dar cobertura a um entendimento segundo o qual redundaria em perda de direitos para os jornalistas o facto de uma confissão religiosa ser proprietária de um órgão de comunicação social - não para fins de proselitismo religioso, não para fins de realização do seu
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múnus espiritual, mas para fins de actuação na "sociedade civil", ao abrigo das mesmas regras que podem levar o multimilionário Maxwell a intervir na sociedade civil - publicando anúncios da Toca-Toca ou da Puca-Puca ou outra marca qualquer, nessa qualidade e exercendo essa actividade? O facto de uma confissão ser proprietária da empresa, em sentido técnico-jurídico-formal, implica ipso facto a exclusão, no universo dessa empresa - que é distinta do órgão de comunicação social de que é detentora, como V. Exa. - sabe -, a eliminação dos direitos dos jornalistas? É isso que o PSD visa corroborar e sancionar com esta solução?
Para atalhar, Sr. Presidente, formulo desde já uma segunda pergunta sobre um conceito que utilizou e me parece assentar numa confusão. Creio que, quando aludiu ao tipo de publicações que existem na vida corrente em , qualquer Estado democrático, V. Exa. veiculou um conceito que suscita dúvidas. Quando se fala, na Constituição, nos "órgãos não pertencentes ao Estado", não se está a contrario a pensar, como "órgãos pertencentes ao Estado", em tudo aquilo que se publica pelos ministérios - desde os boletins, às chamadas mensagens de interesse social, publicações na óptica do acesso ao direito, actos propagandísticos e anúncios pagos e outras coisas neste tipo. Está-se a pensar em órgãos de comunicação social verdadeiros e próprios, tal qual são, em regra, definidos pela Lei de Imprensa, capitularmente a fim do seu artigo 2.º, na redacção actual: entende-se por imprensa "todas as reproduções impressas para serem difundidas, que serão designadas por publicações, com excepção dos impressos oficiais e dos correntemente utilizados nas relações sociais".
O Sr. Presidente: - Não estava a pensar nos impressos das declarações de impostos, eslava a pensar justamente em publicações.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Suponho que V. Exa. estava a pensar nos boletins dos ministérios, nas publicações na óptica do acesso ao direito...
O Sr. Presidente: - Exacto, são boletins periódicos que tem, algumas vezes, uma redacção constituída - depende muito, a realidade é multiforme e penso que é difícil negar-lhe a qualidade de órgãos de comunicação social.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era isso que eu gostaria que pudesse ser objecto de algum debate, porque um dos equívocos e dos problemas mais sérios suscitados nestes anos e precisamente o da confusão entre aquilo que é imprensa para efeitos do artigo 39.°, isto é, imprensa do sector público, que se deve reger por princípios e regras de pluralismo nas suas diversas dimensões - ideológico, desde logo - e com um determinado sistema de fiscalização, e aquilo que são emanações da Administração Pública e do Govêrno e não estão sujeitas às mesmas regras - embora devam estar sujeitas a certa imparcialidade por outras razões, de garantia de alternância, de respeito pelos direitos, mesmo da oposição, e limitadas pela proibição de transformar o aparelho do Estado num instrumento de propaganda de um partido ou facção, etc. Esses boletins e esse tipo de papéis, esses impressos, que não são apenas o "modelo 1" e o "modelo 2", podem envolver determinados conteúdos cuja objectividade é importante e regem-se por regras próprias - portanto, o Govêrno não está em situação de arbítrio. Isso não se confunde, porém, com o Estado, no sentido do artigo 38.° - não é esse o escopo do artigo 38.°, nem esse o conceito que está plasmado nesse artigo. Por isso me surpreendeu a interpretação amplificante que o Sr. Presidente lhe estava a dar.
O Sr. Presidente: - Devo dizer-lhe que, em alguns casos, é extremamente difícil estabelecer uma fronteira nítida porque o tipo ideal - se se quiser usar a expressão "weberiana"- do órgão de comunicação social tem fronteiras que não são de um recorte absolutamente marcado. É perfeitamente legítimo, a meu ver, em muitas situações termos dúvidas sobe se estamos perante um órgão de comunicação social ou perante um boletim - é evidente que, se é um anúncio pago ou é um modelo tipográfico publicado pela Imprensa Nacional, esse problema não é suscitado.
Mas não era a isso que me estava a referir. E não estou tão convencido como isso de que, se percorrermos os diversos órgãos existentes nos ministérios ou editados por entidades públicas não pertencentes ao Estado, em sentido jurídico, porque são pessoas colectivas com personalidade própria, em todo o caso não deparemos com algumas dificuldades de enquadramento e qualificação. A esses, aos quais será difícil negar, salvo a introdução de um critério diferente, a qualidade de órgãos de comunicação social, será também difícil negar-lhes a aplicação dos artigos da Constituição que se referem aos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado. A dúvida que há pouco foi posta, e suponho que é a mais significativa, diz respeito à justificação da proposta do PSD - devo dizer que esta proposta, quanto à excepção do Estado, das confissões religiosas e dos partidos políticos, limitou-se estritamente a reproduzir o que já se encontra no artigo 38.°, portanto, não houve nenhum interpretação inovadora nessa matéria. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, suponho que a reunião continuará às 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Em princípio, era isso o que tínhamos combinado, salvo se houver algum impedimento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de poder trocar impressões, aproveitando a hora do almoço, sobre o que é que se entende pela supressão - a expressão não foi aqui utilizada - de algumas das cláusulas hoje constantes do artigo 38.°, no sentido de uma abertura: não percebi em que é que pudesse consistir essa abertura, enunciada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. Foi feita uma referencia à desnecessidade de uma das cláusulas - não fomos nós que a pusemos na Constituição, como estarão lembrados.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nessa altura, por razões óbvias...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tudo é sempre por razões "óbvias", a questão e tomar expresso o que é óbvio e plasmado em letra de lei. O que eu percebi é qual era o sentido daquilo que hoje possa ser "óbvio" tirar da Constituição nesta matéria. Que tipo de cláusula é que se imaginava como não sendo aquela que o PSD pretende? É que as propostas do PSD e do PS são diametralmente opostas. Propor-se o reforço dos conselhos de redacção ou propor-se a eliminação da consagração constitucional dos mesmos, a marginalização completa dos jornalistas e até a
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sua supressão nos órgãos de comunicação social de determinada área são caminhos totalmente opostos.
O Sr. Deputado Jorge Lacão, depois de considerações que, creio, são subscritíveis em larguíssima medida, concluiu afirmando que seria de considerar "reformulação de uma cláusula" - não consegui aperceber-me de qual fosse exactamente essa cláusula e, menos ainda, qual fosse o sentido dessa reformulação.
O Sr. Presidente: - Antes do o Sr. Deputado Jorge Lacão responder, e porque há mais uma observação a esse respeito, aquilo que eu próprio gostaria de dizer é o seguinte: penso ter compreendido as preocupações e a argumentação expendida pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, mas, de acordo com a orientação filosófica de base que há pouco tive ocasião de expender, a nossa ideia, por parte do PSD, é de que 6 inconveniente. Não digo que seja uma consequência directa e necessária de um pensamento que atribua ao Estado uma importância desmesurada, que por nosso lado não lhe pretendemos atribuir, e sobretudo lhe confira qualificações positivas que as mais das vezes não tem, mas é uma orientação em consonância com essa perspectiva estadualizante; tudo aquilo que seja uma intervenção ao nível constitucional em zonas que são de extremo melindre, quanto à autonomia das entidades envolvidas - não estou a pensar no Estado, estou a pensar nos partidos políticos e nas confissões religiosas-, parece-nos particularmente delicado.
Efectivamente, vai ao arrepio daquilo que é a nossa proposta em termos gerais, ou seja, a de diminuir a importância e a influencia do Estado e, neste caso, da lei, do ordenamento jurídico, nesta matéria. Devo dizer que não me impressionam os argumentos algo teatrais sobre a marginalização dos jornalistas. Os jornalistas têm uma função extremamente importante -todos nós o reconhecemos -, mas o problema não e esse. Estamos a analisar uma questão muito importante e grave e devemos fugir a encará-la com falsos receios, que, por minha parte, não lenho. Não vejo justificação para se atribuir aos jornalistas um estatuto privilegiado em relação àquilo que acontece com outro tipo de realização das liberdades que tem de revestir uma forma empresarial. De modo que a preocupação que o Sr. Deputado Jorge Lacão explicitou vai, no fundo, ainda mais além do que aquilo que já está no artigo 38.°, ou seja, desenvolve essa lógica. Nesse sentido, e salvo se houver algum outro aspecto pontual muito importante que releve por outras razões, parece-nos difícil acompanhá-lo nessa sua orientação.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tentaria responder sinteticamente à sugestão feita pelo Sr. Deputado José Magalhães e a algumas observações formuladas por V. Exa. s no sentido de clarificar alguns aspectos. Assim, situaria quatro questões de preocupação nesta matéria. A primeira refere-se ao conceito de intervenção ideológica. Penso que, hoje em dia, o âmbito, já consagrado em legislação ordinária, de intervenção dos jornalistas não é restrito a um conceito específico de intervenção ideológica. Sublinhe que o PRD, ao falar de participação na orientação, procura adequar melhor esse conceito sem dar o qualificativo à orientação. Exemplifico com a circunstância de a participação a que os jornalistas têm direito na designação de directores ser dificilmente subsumível ao conceito "participação ideológica" e, consequentemente, talvez admitíssemos que o texto constitucional pudesse adequar-se melhor às realidades de participação que já hoje estão na esfera do estatuto dos jornalistas.
Quanto aos direitos dos jornalistas qua tale, peço vénia ao Sr. Presidente para lhe dizer que não é pensável considerar o estatuto dos jornalistas como um estatuto de privilégio, muito menos se esse estatuto tivesse uma conotação de privilégio corporativo. Penso que o objectivo que o referido estatuto visa consagrar é a esfera de independência suficiente para que os jornalistas, independentemente da titularidade dos meios de comunicação social em que trabalham, possam exercer a sua função garantindo a independência em geral da informação prestada por esses meios de comunicação social. Garantir a independência da informação passa inevitavelmente pela adopção de um estatuto do jornalista que exprima uma consagração de direitos fundada nessa lógica de preservar a independência e não uma lógica de garantir privilégios. É nesse sentido que me preocupa o facto de subsistirem, vedados aos jornalistas do sector público, alguns dos direitos de participação que lhes são reconhecidos na comunicação social em geral. Esse facto debilita as garantias de independência dos jornalistas. Penso até que a experiência nos ensina que, em muitos casos, a diminuição desses direitos acarretou a subordinação dos jornalistas a tutelas exógenas aos meios de comunicação social em que trabalham.
Penso que já aprendemos o suficiente com isso para tentarmos agora uma formulação menos restritiva, o que não obsta ao bom funcionamento das preocupações do Sr. Presidente quanto a um conjunto de publicações que o Estado e outras entidades (partidos políticos, confissões religiosas) têm a necessidade e até o direito de publicar e que, de, certa maneira, obedecem a um princípio de especialidade. São publicações orientadas para mensagens de conteúdo específico ou de natureza confessional ou ainda relativas à actividade própria do órgão da Administração que justamente queira divulgar esses conteúdos e essas mensagens. Penso que esta questão poderia ser melhor amadurecida e que seria possível encontrar alguma solução para resolver uma dificuldade que é real.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi esse ponto que me suscitou a interrogação de há pouco. Ou seja, em que é que se poderia traduzir esse esforço? É que o Sr. Deputado virtualmente repetiu aquilo que anteriormente tinha afirmado e eu creio que seria interessante procurar progredir no terreno da explicitação, porque, pelo menos, as bitolas e os critérios para esse caminho têm de ser enunciados para que possamos participar desse esforço. De contrário, pura e simplesmente, não poderemos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A minha dificuldade, que também é patente, é de não ter já proposta uma redacção que pudesse ser alternativa ao princípio restritivo da participação nos órgãos pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas. E o que tento sugerir é que é possível encontrar-se um formulação que salvaguarde os direitos essenciais destas entidades a não serem condicionadas pelos jornalistas que nelas trabalham, mas que, ao mesmo tempo, não lenha um alcance tão amplo que limite drasticamente os direitos dos jornalistas em segmentos da comunicação social onde esses direitos não deveriam ser limitados, mas que, todavia, o têm sido.
Peço ao Sr. Deputado José Magalhães que não insista muito em que eu clarifique mais do que isto, visto que,
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neste momento, não o posso fazer. Mas o faço de aflorar o problema e a dificuldade significa, no fundo, que me predisponho a tentar pesquisar algumas soluções possíveis para a sua resolução em sede constitucional.
Finalmente, o outro ponto que aflorei e que gostaria ainda de sublinhar é o da referencia à limitação expressa "aos demais trabalhadores", no sentido da sua não intervenção na orientação dos órgãos de comunicação social. Trata-se da tal referencia que tem um significado histórico bastante preciso, que todos nós conhecemos e que não vale a pena voltar a sublinhar. O que admito é que, hoje, da consagração de direitos por parte de jornalistas resulta constitucionalmente o bastante para não ser necessário determinar pela negativa quais os impedimentos a que estão sujeitas outras categorias de trabalhadores. O que significa que, pela minha parte, não me pareceria mal que esta referência fosse retirada do texto constitucional porque, em meu entender, ela já não tem hoje qualquer efeito útil quanto ao ordenamento jurídico da comunicação social.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.1 Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sr.1 Maria da Assunção Esteves (PSD): - Fundamentalmente pretendia formular uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão. Porém, não prescindo de um conjunto de considerações prévias, que o PSD pretende aqui deixar.
A forma obviamente corajosa com que propomos uma redacção mais ou menos lacónica em termos de consagração do direito de liberdade de imprensa, por contraposição a uma fórmula regulamentadora, tem efectivamente a ver com um quadro de intenções, algumas das quais já foram explicadas pelo Sr. Deputado Rui Manchete, a propósito da conjugação do artigo 38.° com o artigo 39.° do nosso projecto de revisão, na qual se conforma claramente a orientação ideológica do nosso projecto. Mas, dizia eu, esta forma lacónica enquadra-se num âmbito que, do ponto de vista da sua razão de ser, em termos de consagração do direito, pode ter outras justificações. Em primeiro lugar, dada a natureza deste direito de liberdade que se integra naturalmente naquela trilogia dos direitos, liberdades e garantias, estamos aqui em presença de uma posição jurídica subjectiva atribuída aos cidadãos que tem um potencial de exercício ilimitado. E é ilimitado até ao momento em que se possam verificar aspectos de colisões de direitos ou de limites expressos pela Constituição e que serão obviamente resolvidos por esquemas de ponderação de valores ou pelo princípio da concordância prática.
De facto, este direito tende a ser exercido na sua máxima acepção com um âmbito cuja restrição quase não existe de modo expresso na Constituição ou, quando existe, é escassa e esparsamente. As restrições possíveis a este exercício de direito só se podem encontrar, a nível constitucional, por remissão para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que há uma referencia à limitação dos direitos fundamentais, ou então ao nível do n.º 2 do artigo 26.° da Constituição, quando se consagra que "a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias". Portanto, salvaguardam-se desde logo os valores referidos no n.. 1, referentes à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Mas se é verdade que este direito comporta, ainda que escassamente, algumas restrições que se situam, de modo expresso ou não, a nível constitucional, não é menos verdade que o próprio âmbito do seu exercício tem de se conjugar, de modo directo e claro, com o âmbito do artigo 37.° Como disse, o artigo 38.° não é mais que um momento de explicitação do conteúdo daquilo que o artigo 37.° dispõe em matéria de liberdade de expressão. Nesse sentido, seria de perguntar se a consagração dos direitos dos jornalistas, no quadro desta manifesta liberdade de imprensa, não teria já uma espécie de residência constitucional no artigo 37.°, que não no artigo 38.°
E a questão que coloco ao Sr. Deputado Jorge Lacão, de modo claro - não sei se redundante e não sei se com possibilidade de ver contrafeitos os argumentos que levam à formulação desta questão -, é a seguinte: no quadro da liberdade de imprensa a nível determinado do órgão de comunicação social, seja ele privado ou público, o coarctar da liberdade dos jornalistas, da liberdade de expressão e da independência dos jornalistas não será já inconstitucional em virtude da aplicação do artigo 37.° - em relação ao qual não foi apresentada qualquer proposta de alteração -, independentemente do que se refere no artigo 38.º?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como há pouco a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves sublinhou, diria que o artigo 38.° é uma explicitação de alguns princípios consagrados no artigo 37.° Trata-se de uma explicitação que, numa pane, se dirige directamente aos jornalistas e, portanto, àqueles agentes que têm justamente por função mediar a informação entre as fontes e o público. E, em meu entender, essa consagração específica de direitos deve continuar a ser garantida na nossa Constituição, até porque, como estamos a ver, não só se nos coloca o problema da consagração de direitos como também com o de excepcionar alguns desses direitos para alguns casos.
Como a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves acabou por reconhecer, se nada se dissesse quanto ao âmbito da consagração e quanto ao âmbito da restrição, qualquer restrição posterior seria inconstitucionalizada se nos limitássemos aos princípios definidos no artigo 37.° Consequentemente, estas dificuldades subsistem em sede do artigo 38.°, preceito que, em meu entender, é a sede adequada para as procurarmos resolver.
O Sr. Presidente: - É evidente que o artigo 38.c tem algumas restrições e algumas coisas a mais em relação ao artigo 37.° E é isso que estamos a discutir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - V. Exa. fez o favor de mandar circular pelos Srs. Deputados duas propostas que apresentei, uma relativa ao artigo 46.° e outra ao artigo 51.° Já no dia 21 tinha entregue uma proposta relativa ao artigo 41.º que V. Exa. tinha igualmente feito circular pelos Srs. Deputados presentes. Solicitaria a V. Exa. que determinasse também que estas propostas figurassem nas actas das nossas reuniões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso já foi feito. Efectivamente, as propostas são lidas ou anexadas no fim das actas de cada reunião, o que permite uma publicidade adequada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, depois do intervalo será seguramente possível continuar este debate porque designadamente algumas observações feitas por último, em nome da bancada do PSD, radicam com certeza num equívoco. E seria bom desfazer esse equívoco quanto ao alcance de algumas das cláusulas que, não obstante terem
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lido seguramente maturação adequada da fundamentação aduzida, lançaram, porém, algum equívoco na discussão. De facto, essa discussão, que seguia por um determinado trilho, desviou-se neste momento para um outro. Porque, Sr. Presidente, se tudo está no artigo 37.° e se, neste preceito, os jornalistas têm uma residência excelente, sendo possível demolir aquilo que o artigo 38.° consagra, então esta conversa não tem muito sentido. Infelizmente, não é assim, e os autores do projecto do PSD bem o compreenderam, razão pela qual estão preocupados com a demolição do artigo 38.° É isso que teremos de continuar a discutir e eu gostaria que o pudéssemos fazer com algum pormenor porque algumas das ideias ficaram em acta...
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, não fazemos a preclusão da discussão, apesar dos meus propósitos aceleratórios. A importância deste preceito justifica que nos atardemos sobre ele o tempo necessário para que as coisas fiquem claras.
Por outro lado, apenas me permitiria substituir a expressão "demolição" usada por V. Exa. por "alteração", que foi quilo que nós propusemos.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de sublinhar que suo 18 horas e 25 minutos e que retomamos os nossos trabalhos num quadro que considero menos conveniente, isto é, poderemos fazer, e pela nossa parte estamos disponíveis para isso, ajustamentos de calendário e combinações de trabalho mas em todo o caso é útil que consigamos um modus acendi que impeça o que aconteceu, designadamente por descoordenações ou por não acatamento de certas regras mínimas de relacionamento. Pela nossa parte, por exemplo, tínhamos presumido que a reunião linha sido dissolvida por falta de quorum, como tecnicamente se verificou, e que tínhamos inclusivamente tomado a nível de direcção de grupo parlamentar certas medidas que tivemos de interromper abruptamente quando fomos informados de que havia intenção de reatar os trabalhos.
Era apenas esta a declaração que não gostaria de deixar de fazer e pela nossa parte temos uma certa dificuldade em entender a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC) como uma espécie de Conselho Superior de Defesa Nacional em reunião permanente em estado de sítio, isto é, as pessoas vão passando por aqui e se há quorum ficam, se não há quorum vão-se embora, e podem estar sujeitas a em qualquer momento e em qualquer sítio serem chamadas porque afinal há quorum, o que me parece manifestamente, e V. Exa. seguramente estará de acordo comigo, inconveniente.
Em relação ao debate que estávamos lendo...
O Sr. Presidente: - Antes de entrar no debate, queria dizer o seguinte: estive aqui com o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia às 15 horas e 45 minutos, estivemos às 16 horas e 45 minutos e saímos daqui declarando que não voltávamos porque, não nos tendo sido dada nenhuma satisfação - entendemos que tínhamos direito a ela -, não podíamos ser chamados a qualquer momento para retomar os trabalhos. De qualquer modo, deve ter acontecido o seguinte: o Sr. Presidente, Rui Machete, estava a intervir no Plenário numa matéria que para ele tinha muita importância e escapou-lhe a reunião da Comissão, mas estou certo de que são coisas que certamente não se repetirão nem irão fazer regra. Portanto, não vale a pena preocuparmo-nos muito com isto, pois suponho que o que aconteceu é excepcional e, como tal, não irá certamente criar regra.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Rui Machete.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Peço imensa desculpa por me ter atrasado, mas fiquei retido no Plenário, na discussão da reforma fiscal, em que tive de intervir.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Acabámos agora de fazer um ligeiro reparo quanto ao facto de que estivemos aqui das 15 horas e 45 minutos às 16 horas e 45 minutos, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e eu, sem nenhuma espécie de satisfação de ninguém. Mas, enfim, também, já declarei que compreendo que essas coisas aconteçam com carácter excepcional. Além disso, V. Exa. é proverbialmente gentil e portanto está coberto por essa gentileza; não há problema nenhum.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Em que pomo estamos nos trabalhos?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Estamos ainda nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.° Não chegámos a iniciar os trabalhos, não se entrou na matéria. Estávamos agora mesmo a começar. Estava no uso da palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Ah, então a solução de continuidade foi quase como se não existisse.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, no termo do debate matinal a Sra. Deputada Assunção Esteves tinha produzido algumas considerações que tínhamos, na altura, considerado que valia a pena aprofundar. Entretanto, estivemos a ponderar e chegámos à conclusão de que talvez fosse mais útil, em termos de aprofundamento do debate, fazermos outra coisa, isto é, tratarmos as questões em aberto. Creio que, realmente, não fará grande sentido fazer uma reflexão de carácter geral sobre os direitos dos jornalistas ou fazer considerações sobre se são ou não excessivos, qual o seu enquadramento, quais os seus limites, designadamente qual a hermenêutica a fazer para se ter em conta os limites que podem ser extraídos deste ou daquele artigo da Constituição ou mesmo de instrumentos de direito internacional cujo regime de aplicação é bastante protegido, etc. Seria talvez mais útil do que isso procurar sistematizar os pontos em aberto. Isto implicaria também afastarmo-nos de um debate de carácter puramente ideológico sobre os modelos de sistema áudio-visual de cada um dos partidos, designadamente o modelo do PSD. Isto implicaria que não fôssemos agora pelo caminho de discutir se se trata, no caso do PSD, de efectivamente garantir "menos Estado" ou se se trata de garantir a apropriação por
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determinados grupos económicos e políticos de meios fundamentais para o controle da sociedade e do próprio Estado com prejuízo da subordinação do poder económico ao poder político e da democraticidade do sistema.
Abandonado esse terreno, as questões em aberto são, quanto a mim, cinco. Em primeiro lugar, o objecto do artigo, o que implica considerar se há alguma alteração a introduzir nesta área, isto é, se são abrangidos todos os meios ou se os direitos previstos no n.º 2 devem ser delimitados, apertando-se a malha em relação aos meios abrangidos. Há aperfeiçoamento a fazer nesse âmbito? Creio que seria mau alargar o que está na Constituição e sobretudo tentar dar cobertura àquilo que não a tem, isto é, prever um regime específico para os meios detidos por confissões religiosas. Esta é a primeira questão, é a primeira opção, e eu adiantei já a nossa resposta.
Em segundo lugar, temos o regime de intervenção dos jornalistas. Devemos manter a noção constitucional de "intervenção" ou substituí-la por uma noção de "participação", como quer o PRD, ou por uma noção de "audição", com supressão de outros aspectos contidos na Constituição? A nossa opinião é a de que não tem cabimento uma degradação do estatuto actual dos direitos dos jornalistas nessa esfera. O Sr. Deputado Jorge Lacão adiantava, alvitrava, a possibilidade de se caminhar para uma formulação que assegurasse um menor grau de condicionamento das entidades proprietárias dos meios de comunicação social sem que, no entanto, houvesse esmagamento ou supressão dos direitos dos jornalistas. Seria uma atenuação da fórmula constitucional, não se adiantando nada, porém, quanto a esse caminho, que nos parece bastante problemático. O segredo é encontrar a formulação e a formulação não nos parece possível, ou parece-nos muito difícil de encontrar. É um pouco a quadratura do círculo. Como assegurar a restituição do pleno poder patronal ou do poder do proprietário sem simultaneamente reduzir e esvaziar o poder que hoje é conferido aos jornalistas? Se o PS conseguiu desfazer este anel de ferro sem esmagamento dos direitos dos jornalistas, ficaremos curiosos em saber a solução que poderá adiantar.
A terceira opção é em relação aos conselhos de redacção. O PSD propõe pura e simplesmente a supressão da consagração constitucional dos conselhos de redacção e o PS aponta para o reforço das suas competências e intervenção - o que nos parece positivo. São, no entanto, caminhos diametralmente opostos e não há conciliação possível entre uma coisa e outra.
A quarta opção é a relativa ao mecanismo previsto no artigo 38.º, n.º 2: deve ter qualquer alteração quanto à sua efectivação em empresas públicas ou do sector público e alguma diferenciação em relação a empresas privadas? Quanto a este ponto não se adiantou grande coisa, que me tenha apercebido, mas seria útil que pudéssemos afinar pontos de vista.
O último aspecto é o da articulação com outros direitos. É evidente que o direito previsto no n.° 2 do artigo 38.° se articula com direitos situados em outras esferas, nomeadamente o direito ao controle de gestão. Sabe-se, porem, que o PSD propõe pura e simplesmente a eliminação desse direito, o que não pode deixar de ser tido em consideração mas não foi equacionado na parte da manhã, embora deva sê-lo, para que fiquemos com um quadro completo. Um outro aspecto é o da articulação entre este regime e o da intervenção dos demais trabalhadores -assim lhes chama a Constituição -, verificando-se que em relação a esse segmento da norma, cuja origem histórica é conhecida, o PS entende que a sua existência actual seria prescindível.
Pela nossa parte não faríamos finca-pé em tal coisa, sabida a génese do preceito. Em todo o caso, não nos parece que seja excessivamente relevante.
Parece-me, Sr. Presidente, que poderemos caminhar com vantagem se sistematizarmos - o que fiz foi uma tentativa de sistematização, naturalmente, não mais do que isso - as quatro ou cinco questões que estão em apreço.
Permita-me, finalmente, uma observação em relação a uma questão que abordámos na parte da manhã. Creio que realmente seria muito pernicioso (trocámos impressões durante o intervalo sobre essa matéria) que se amalgamasse a problemática dos órgãos de comunicação social do sector público com a problemática totalmente diversa de certas mensagens de interesse público ou de certas publicações emitidas por entidades públicas que têm um regime completamente diferente (não se verificando em relação a elas os requisitos previstos no artigo 39.° da Constituição, designadamente as regras que aí estão previstas para a fiscalização, os direitos dos partidos políticos, etc.). Para esse tipo de mensagens, em relação às quais a Assembleia da República na legislatura passada procurou estabelecer um enquadramento legal em sede de Orçamento do Estado por razões conhecidas, haverá que estabelecer-se regras. Talvez seja mau não termos avançado por esse caminho em sede de revisão constitucional no nosso projecto, mas essas regras hão-de ser também de objectividade, de não paixão partidária, de não faccionismo, etc. Não têm nada a ver com o artigo que está em debate e portanto creio que seria gravemente perturbador de uma coisa que já não é simples - preencher este debate com uma criatura que dele não faz, nem pode fazer, parte.
Essa confusão foi estabelecida pelo Sr. Deputado Rui Macheie, presidente desta Comissão, na sua intervenção da manhã para fazer uma diatribe contra o actual estatuto dos meios da comunicação social do sector público. Creio que isso é injusto.
O Sr. Presidente: - Uma crítica, se não se importa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida, Sr. Presidente.
Tratou-se de uma crítica injusta ao actual estatuto dos meios de comunicação social do sector público.
O Sr. Presidente: - Suponho que não há sobre este ponto, sobre os n.ºs 2 e 3 do artigo 38.°, mais intervenções. Há?
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Lamentando que a reunião marcada para as 15 horas tivesse começado muito mais tarde, e lendo eu que intervir no debate sobre a reforma fiscal, orientei os trabalhos nesse sentido. Julguei que poderia intervir no debate da reforma fiscal, mas afinal tive de vir para aqui por causa da revisão constitucional no que diz respeito ao artigo em debate. Parece-me que este método de trabalho é um pouco desagradável e destrói a possibilidade de trabalho de pequenos grupos, como aquele a que pertenço. Não temos no nosso agrupamento parlamentar deputados que venham à Comissão apenas para fazer número com o fim de garantir o quorum. Não era necessário registar em acta, mas não podia deixar de referir este facto, que é desagradável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.º da Constituição consagram-se, como todos sabem, normas que se têm revelado muito importantes para
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a liberdade de imprensa e para os meios de comunicação social, como sejam a intervenção dos jornalistas na orientação ideológica dos órgãos de comunicação social não pertencentes ao Estado, o impedimento de qualquer sector ou grupo de trabalhadores censurar ou impedir a livre criatividade e a possibilidade de os jornalistas elegerem conselhos de redacção. O PSD, no tocante a este artigo, pretende restringir estes direitos, impedindo a participação dos jornalistas na orientação ideológica dos órgãos de comunicação social, limitar a sua acção apenas à de audição quanto ao estatuto editorial, sem possibilidade de fiscalização do seu cumprimento, e anular sem justificação plausível a parte final do n.º 2, em que se impede a aplicação de actos censórios. É sem dúvida uma das medidas mais graves, já que no actual panorama da comunicação social, mesmo com a norma constitucional vigente, estão a ser promovidas pressões que conduzem na prática à censura exercida sobre os jornalistas. Esse tipo de actuação limita a criatividade dos jornalistas e provoca o seu retraimento, que acaba por se verificar, existindo já situações de autocensura perante as ameaças implícitas nas pressões exercidas sobre as redacções dos órgãos de comunicação social.
O Sr. Presidente: - Desculpe interrompe-lo, Sr. Deputado, mas V. Exa. está a referir-se à parte em que se diz "sem que nenhum outro sector ou grupo de trabalhadores possa censurar ou impedir a livre criatividade"?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - É exactamente essa parte, Sr. Presidente, que é importante referir. É importante, pois, um sector da comunicação social, que pode ser, entre outras coisas, as administrações ou as direcções colocadas pelo Poder.
O PSD pretende também retirar a possibilidade de os jornalistas elegerem os conselhos de redacção. Esta é outra limitação inexplicável que só se compreende com a intenção de fazer com que os jornalistas fiquem mais submissos, sem qualquer órgão que os defenda, nomeadamente quando se registam actos censórios. Durante dezenas de anos os jornalistas lutaram pelos conselhos de redacção, que são importantes. Damos grande importância à proposta do PS, que prevê que seja dada competência aos conselhos de redacção para se manifestarem claramente sobre a nomeação dos directores dos jornais, como sempre foi a pretensão dos jornalistas no anterior regime. Retirar pura e simplesmente a possibilidade de elegerem conselhos de redacção, parece-nos francamente negativa, porque a anulação desta norma da Constituição facilitará a nomeação de directores à revelia da vontade dos jornalistas, tal qual como já hoje se vai observando, apesar de tudo, directores esses que não visam senão estar ao serviço do poder, seja ele qual for, sendo os jornalistas obrigados a aceitar qualquer tipo de director, que muitas vezes, como todos sabemos, nem sequer tem carteira profissional de jornalista.
Vemos, portanto, com certa dificuldade a aceitação destas propostas, que visam dificultar um pouco mais o exercício da livre expressão do pensamento e da liberdade de imprensa. E o Sr. Presidente, na qualidade de deputado do PSD, referiu esta manhã que este artigo, em relação à orientação ideológica dos órgãos de informação, significa uma restrição aos direitos de fundação e gestão de empresas, limitando-as. Não entendemos que assim seja - e gostaria que V. Exa. explicitasse um pouco mais esta questão -, porque esta norma não tem impedido nem a criação de empresas novas nem a gestão dessas empresas. Aliás, como V. Exa. sabe, vão ser criadas brevemente ainda mais empresas, sendo certo que ainda vigora esta norma constitucional. Embora o Sr. Presidente tenha falado na sociedade civil "pujante" (foi a palavra que empregou), capaz de ultrapassar certas questões, gostaria de saber em que é que esta norma pode impedir a criação de empresas e a sua gestão livre, pluralista, independente e rigorosa. Parece-me que isso não tem acontecido.
Para já, são estas as notas que queria exprimir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, vou colocar-lhe uma questão na sua dupla qualidade de deputado e de jornalista. Os actos de censura que se exercem na imprensa por parte da autoridade patronal e com fundamento político são extremamente preocupantes e fazem parte de todo um quadro que visa criar um clima de conformismo na sociedade portuguesa. Independentemente da inserção de uma tal norma no texto constitucional e do lugar e do modo de a formular, porque não é norma, é um princípio, não acha V. Exa. que seria útil dizer-se que é assegurada aos profissionais da imprensa escrita, e porque não também radiofónica, o direito de publicar textos assinados?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado, todos sabemos que existem pressões sobre os jornalistas não só por parte das entidades, mas até por parte do poder político.
Quanto ao facto de o Sr. Deputado referir que poderíamos consagrar qualquer coisa como o direito de os jornalistas assinarem e publicarem textos, não posso deixar de perguntar: E porque não publicarem todo o tipo de trabalhos que fazem? É que nem sempre se trata de textos assinados e a censura não se faz apenas sobre eles. Muitas vezes é facilitada a publicação desses textos assinados. Creio que o Sr. Deputado poderia fazer uma proposta nesse sentido, que depois apreciaríamos nesta sede.
Devo dizer, no entanto, que a norma em apreço, tal como está na Constituição, me parece ser suficiente e que não estou contra ela, mas sim contra a sua eliminação, pois creio que afunila bastante o problema o facto de referirmos que só os textos assinados pelos jornalistas podem ser publicados.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, eu não disse que podem, mas que têm o direito. Não seria uma faculdade, mas um direito.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Nesse caso, Sr. Deputado, isso terá a ver com o estatuto editorial e também com a orientação ideológica. Daí que eu veja com perigo o facto de se retirar a possibilidade de os jornalistas intervirem na orientação ideológica, bem como a de poderem vigiar concretamente, através do conselho de redacção, a aplicação do estatuto editorial. É de certo modo perigoso que qualquer jornalista, em qualquer órgão de comunicação social, pelo simples facto de ter assinado um texto vá violar, por exemplo, o estatuto editorial desse mesmo jornal. Este problema não é muito fácil de dirimir. Mas se for feita uma proposta nesse sentido, gostaria de a apreciar, Sr. Deputado.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, foi a mera interrogação de um leigo.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, interrompemos os nossos trabalhos, na parte da manha, com uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão, que na altura nos deixou um pouco em suspense relativamente a uma proposta mais concreta para o n.° 2 deste artigo. O Sr. Deputado disse na sua intervenção, salvo erro - e não acompanhei todo o debate, mas ficou-me, pelo menos, esta referencia -, que o PS estaria predisposto a encontrar ou a trabalhar no sentido de uma formulação correctiva do n.° 2 que pudesse, designadamente, clarificar até que ponto pode ir o direito de intervenção dos jornalistas na orientação de certos órgãos de comunicação social.
Creio que, passadas que são seis horas do nosso debate matinal, se o PS já estivesse em condições de dar alguma indicação sobre isso, antes de passarmos a outras questões sobre o artigo 38.° teria interesse conhecer a sua posição nesta matéria. Ficaríamos, pelo menos, com uma ideia dos diferentes posicionamentos e de algum tipo de correcção que pudesse de algum modo gizar o consenso nesta Comissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tendo sido directamente interpelado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, convidando-me a explicitar, se possível, algo mais relativamente ao pensamento que pude expender esta manhã, teria talvez que voltar a formular alguns juízos de apreciação sobre o n.º 2. Assim sendo, o primeiro juízo que gostaria de fazer é o de que penso, ao contrário do que ouvimos dizer agora ao Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, que a parte final do n.° 2, ou seja, a regra de proibição a que qualquer sector ou grupo de trabalhadores possa censurar ou impedir a livre criatividade dos jornalistas e hoje uma regra excessiva, dado que a simples consagração constitucional do direito dos jornalistas à livre criação justifica o não poder haver outras formas de limitação a essa mesma liberdade. E, sendo assim, o normativo constitucional e uma regra de suspeição que tem raízes históricas, mas que não terá hoje fundamento bastante para persistir no ordenamento constitucional.
Dito isto, a outra questão que está em aberto e que esta manhã foi motivo de algum debate entre nós é a de uma certa dicotomia quanto ao estatuto dos jornalistas que este n.° 2 permite, havendo um estatuto de horizontes mais amplos para os jornalistas no sector privado da informação e um estatuto de horizontes mais restritos para o sector público, os partidos políticos e as confissões religiosas, tudo se limitando à questão da mera titularidade desses órgãos de comunicação social e não propriamente à sua finalidade. Ora, admito que a restrição, nalguns casos excepcionais, se justifique, não por simples decorrência da questão da titularidade, mas por decorrência da finalidade que esse órgão de comunicação social prossegue. E, dado que o Sr. Deputado Jorge Lemos insiste numa explicitação, eu, a título pessoal, avançaria com uma sugestão - que, por enquanto, não e mais do que uma sugestão para reflexão posterior -, propondo uma redacção que admitisse o direito de intervenção dos jornalistas na orientação dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas quando do respectivo estatuto editorial resultar uma utilização essencialmente dirigida à prossecução de actividades próprias. Penso que fará sentido restringir estes limites se um partido político tem um órgão de informação para divulgação e para a mensagem das actividades inerentes à sua função de partido político. No entanto, se, por acaso, um partido político acede à titularidade de um jornal de grande divulgação, não há então nenhuma razão lógica para limitar, nesse caso, os direitos dos jornalistas.
Penso que melhor seria condicionar esta restrição à finalidade editorial dos órgãos de comunicação social e não fazê-la depender apenas da questão da titularidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, acabei de ouvir a sugestão de redacção do Sr. Deputado Jorge Lacão e, consequentemente, seria de momento completamente insensato emitir um juízo peremptório sobre a maioria.
O Sr. António Vitorino (PS): - Serão precisas, no mínimo, seis horas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, há que garantir um intervalo razoável, talvez ate à próxima quarta-feira.
Gostaria apenas de referir que, como esse é um processo de reflexão colectiva, poderia ganhar-se alguma coisa com uma troca de impressões sobre o conteúdo da alteração que vem proposta. Aquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão acaba de dizer sugere-me esta observação e esta apenas: e evidente que o PS visa com isso uma clarificação, só que...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, quero apenas dizer que fiz esta observação a título pessoal e que, consequentemente, a reflexão e para todos nós, inclusive para o PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostosamente sublinho essa natureza e, aliás, lhe digo também que não poderei exprimir aqui um juízo da minha bancada por razões óbvias. Mas a questão pode ser discutida nesta base e sem mais: creio que aquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão acaba de dizer é o que flui do preceito. Nem mais nem menos, porque seria completamente absurdo admitir-se que um órgão de comunicação social, ainda que influenciado, controlado, detido em propriedade, com tudo o que isso envolve no nosso direito, não deixasse, por isso, de ler de ser um espaço de liberdade em que se apliquem as regras do n.º 2 do artigo 38.º
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, queria dizer-lhe que, de lacto, não deixa de ter uma certa pertinência essa sua observação e que não deixa de ter um alcance
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meramente interpretativo a sugestão de redacção que há pouco fiz. No entanto, se quisermos fazer uma leitura das realidades que estão subjacentes a esta norma e à forma como ela tem sido o álibi para certo cerceamento de direitos dos jornalistas, compreenderemos então que a clarificação do texto constitucional ajudaria, porventura e muito, a resolver certas interpretações indevidas deste preceito constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu compreendo, Sr. Deputado Jorge Lacão, mas, como sabe, em sede de revisão constitucional as propostas podem ser aprovadas e podem não sê-lo e considero eminentemente negativo que se façam as chamadas clarificações abortadas em matérias em que a clareza é completa. Isto ó, não vou adiantar nenhum texto cuja rejeição possa ser objecto - e digo isto com toda a franqueza e com a máxima transparência que é possível - de interpretações perversas em matérias em que a interpretação sustentada através de tal proposta é dificilmente controvertível. E, neste caso concreto, não conheço ninguém que sustente que o facto de um órgão ser detido por entidades deste tipo acarrete uma supressão dos direitos dos jornalistas, salvo se eles forem para a realização da sua estrita finalidade. É óbvio que seria absurdo que o órgão central de um partido político fosse regido por princípios ou por regras que conduzissem à inversão das suas finalidades. Eu não pretendo, de maneira nenhuma, que um comunista seja jornalista do Povo Livre - é óbvio - e, seguramente, o contrário também será verdade.
Por outro lado, em relação às confissões religiosas, é evidente que o xintoísta não aspira a dirigir ou a participar na definição da orientação de um jornal católico...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - E daí não sei!
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... a não ser que entremos em teses ecuménicas e de comunhão geral, em que o xintoísta abraça o budista e o budista o católico, querendo todos dirigir o mesmo jornal e intervir na definição da linha do respectivo, o que será, seguramente, uma grande confusão. Isso será diferente da liberdade religiosa e está fora do alcance do artigo 38.º
Portanto, Sr. Deputado Jorge Lacão, fiat lux, mas onde haja trevas!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não há defesas contra interpretações estúpidas!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos acabou de sublinhar que não há defesas contra interpretações estúpidas. É óbvio! A grande tragédia do legislador e das pessoas em geral e essa. Agora, no quadro da revisão constitucional e quanto a interpretações clarificadoras, creio que há que ter a atitude que enunciei. Estamos, obviamente, disponíveis para estudar, com detalhe e com a preocupação que o Sr. Deputado Almeida Santos agora também enumerou, a proposta agora adiantada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, suponho que não devemos ter sempre necessariamente uma visão trágica da vida - para parafrasear um título célebre -, e já de manhã tive a oportunidade de expressar, com grande franqueza, as razões que justificaram a proposta do PSD. No entanto, gostaria ainda de fazer duas observações muito sucintas.
A primeira, que é dirigida particularmente à intervenção do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, é que me parece importante termos sempre em atenção - e não estou a dizer que a não tivesse tido, mas apenas para o sublinhar e para que fique registado - que uma coisa é a legislação ordinária e outra é a legislação constitucional.
Ora, quando se suprimem determinadas matérias em termos constitucionais isso não significa que na legislação ordinária se reproduzam necessariamente as mesmas supressões ou se façam as mesmas alterações. Há problemas de rigidez, de garantia e de obrigatoriedade, e sobretudo de sentido axiológico ao nível da Constituição - isso é óbvio-, mas quando fazemos a revisão da Constituição não deveríamos estar a proceder ou a julgar que procedemos à alteração da legislação ordinária e a regulamentar nesses termos de legislador comum, pois são ópticas completamente diferentes.
A segunda observação que gostaria de fazer, que tem também um carácter muito geral, é que, apesar de não terem tido o benefício de um artigo como o n.° 2 do artigo 38.° da Constituição, os súbditos de S. M. Britânica, os nacionais dos EUA, os Franceses, Alemães ou Belgas não dispõem de uma imprensa onde a liberdade seja, segundo parece ao observador, menor do que aquela que existe em Portugal. E, sobretudo, há muitos anos que não se registam, como se registou em Portugal, casos como o caso República.
Consequentemente, não façamos - na minha interpretação - uma correlação necessária entre os progressos que têm de ser feitos e os dispositivos constitucionais deste género, muito embora isso não signifique também, necessariamente, que o n.° 2 do artigo 38.° seja nocivo, pois isso é matéria de opinião. Penso que - e alguns de VV. Exas. entenderão que não - a análise dos sistemas comparados em matéria de direitos fundamentais não é de molde a justificar uma visão para utilizar uma terminologia cara a um Sr. Deputado aqui presente abracadabrante.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Presidente fez uma observação carregada de razão, mas que vê apenas algumas árvores. Não está a considerar a floresta toda, porque nós também poderíamos invocar que, nesses regimes que o Sr. Presidente referiu, a questão do estatuto da informação é considerada como uma questão de regime político fundamental onde existem acordos alargados quanto às regras fundamentais do jogo que não estão sujeitos as trampolinices em que temos vindo a viver em Portugal nesta matéria, apesar do n.° 2 do artigo 38.° O que não significa nem nunca poderá significar, portanto, que a forma de preservar o respeito pelos princípios seja a eliminação das normas constitucionais que os consagram. Não há uma tradição legicista em Portugal no sentido de que a lei resolve todos os problemas.
O Sr. Presidente: - Por acaso, acho que há.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, o que não há é a garantia de que o facto de se verter um determinado princípio numa norma escrita da lei por si só resolva todos os problemas práticos que se podem colocar. Todos nós, uma vez ou outra, temos lido essa ilusão, mas não há nenhuma garantia prática de que assim seja e o ónus da prova é: em que medida é que se garante melhor o respeito pelos princípios que nos são comuns, não estando contidos numa norma constitucional. Por isso é que, Sr. Presidente, me parece, com o devido respeito, que o
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exemplo do direito comparado não procede porque o facto de noutros regimes não existirem normas com este detalhe - e isso é verdade - não afasta a circunstância de que nesses mesmos regimes se considere o estatuto de informação como uma questão de regime e, consequentemente, não seja posto em causa ao sabor das conveniências políticas de cada momento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, as minhas observações significam apenas que não há uma conexão necessária entre o n.° 2 do artigo 38.° e as garantias da liberdade. Foi o que pretendi dizer, porque há muitos países onde não existem normas deste tipo que beneficiam de uma liberdade de imprensa inequívoca.
O Sr. António Vitorino (PS): - Desde logo a Inglaterra, que nem Constituição escrita tem.
O Sr. Presidente: - Tem Constituição, mas não é escrita, e não leriam na Grã-Bretanha o prazer de ter uma comissão de revisão constitucional a trabalhar nos termos da nossa. Não se preocupam com isso, poupando-se a esse trabalho.
Por outro lado, é também verdade ser muito importante a criação de condições de estabilidade para que existam consensos básicos, mas alguns aspectos perversos das normas podem dificultar esses mesmos consensos. Em qualquer circunstância, inferi das palavras de V. Exa. que esses consensos lerão de ser espelhados - por serem maiorias que pertencem à Constituição, embora formalmente não estejam inscritos nela - noutro tipo de leis com características que as singularizam em relação ao restante ordenamento jurídico.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de exprimir uma certa frustração, porque já viajámos pelos EUA, pela RFA, e admito que por outros países, mas não conseguimos chegar ao Aeroporto de Lisboa em relação a esta questão básica colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, sobre a qual tínhamos prometido trocar algumas impressões que permitissem a tal reflexão de fim-de-semana. Por outro lado, creio estarmos cada vez mais distantes -mas talvez eu esteja apenas a retardar uma conclusão e o problema seja nosso - da discussão sobre o concreto articulado. Ao que parece, estamos cada vez mais próximos de uma discussão geral sobre os modelos do áudio-visual.
Sobre essa matéria só posso encarar com grande apreensão e expender de considerações desregulamentadoras - no nosso terreno constitucional, legal e real, nas suas outras dimensões - e de concepções do tipo neoliberal ou de transposições mecânicas de regimes jurídicos próprios de outros países. E aqui lerei de me distanciar do Sr. Deputado António Vitorino, não no plano constitucional, mas no plano do direito comparado, porque não creio que, realmente, os pactos aí instituídos quanto a certas regras "antitrampolineiras" sejam garantia bastante e adequada de liberdade, embora sejam, seguramente, garantia das "liberdades" de certos grupos económicos que, entre si, celebram pactos de domínio do mercado. Podem, e certo, obter ao longo de uma série de anos, de forma sedimentada, um modus vivendi que, tendo momentos selvagens, dolorosos e caracterizados por grandes compitas (inclusivamente com intervenções judiciais fulgurantes - como um certo magnata da imprensa acaba de verificar nos próprios EUA), pode comportar pactos, ser "estabilizado", embora eu creia que esse é um modelo muitíssimo pobre do que pode ser a liberdade de imprensa.
Julgo que o nosso modelo constitucional é mais rico e é da sua violação, infelizmente, que estamos a tratar. O Sr. Presidente exprimiu, com grande cristalinidade, uma determinada visão da inversão do actual modelo dos audiovisuais, com a supressão do sector público, a alteração da correlação entre o público e o privado nessa área, a supressão de regras de meios de controle interno e externo hoje de júri existentes, sendo essa, realmente, toda uma outra concepção dos áudio-visuais, dos direitos dos seus protagonistas, do estatuto, designadamente dos proprietários, dos correlativos estatutos de todos os trabalhadores, absolutamente sem direitos, e dos jornalistas como camada específica dos trabalhadores sem estatuto próprio.
O Sr. Presidente: - E com outros direitos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois, um direito diminuído e castrado. É que, realmente, o casamento entre essa visão e a visão que aqui está a ser expendida por outras bancadas -pelo menos tanto quanto me possa aperceber - é extremamente difícil, o que quer dizer que se acaba por chegar a uma espécie de non liguet, embora me pareça que isso pode ser perigoso, na medida exacta em que a divergência de modelos, a certa altura, resulta tal, que tenho grande dificuldade em ver como é que a progressão se poderá fazer em relação ao próprio artigo 39.°, que é, digamos, a peça base do modelo do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é importante não esquecermos que estamos a proceder a uma leitura e a tentar clarificar quais são os posicionamentos dos diversos partidos e pode acontecer que, eventualmente, o non liquet seja a conclusão a que se chegue, passe a aparente contradição. É evidente que há um texto que existe e que permanece, de forma que, nesse aspecto, o problema não é muito grave, e se pudemos viver até aqui nesta matéria com ele, poderemos continuar a viver.
Por outro lado, houve alguns consensos. Por exemplo, ninguém advogou o modelo da Europa de Leste - isso já foi positivo, em minha opinião. Não sejamos tão negativos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, qual dos modelos? A questão interessante é essa; se V. Exa. quer enveredar por aí, faça favor. Qual dos modelos? Isso é um tema palpitante, interessante e bastante relevante, sobretudo quando discutido com a informação adequada que estou a pressupor em V. Exa., como é óbvio.
O Sr. Presidente: - Em tempos de Glasnost é menos palpitante. Mas sobre isso suponho que há consenso, a menos que esteja enganado...
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, como não estive na reunião da manhã, receio que a minha intervenção possa ser a repetição de algo que já tenha sido dito. No entanto, se a actual redacção do n.° 2 deste artigo tem uma lógica - boa ou má, não imporia, mas tem, de facto, alguma lógica, algum fundamento -, ou seja, a da intervenção ou não dos jornalistas na orientação ideológica destes órgãos de informação adstritos ao Estado, partidos políticos ou confissões religiosas, já não vejo a mesma lógica na proposta do PSD, porque aí mudou-se o sentido; já não se traia de intervenção ideológica, mas tão-somente
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do estatuto editorial. E continua a usar-se a mesma referência aos órgãos do Estado, dos partidos políticos e das confissões religiosas. Diria que isto é trabalhar o princípio da especialidade das pessoas colectivas só parcialmente. Então pergunto: e um sindicato também não tem direito a isto? É o Sporting vai admitir que no seu jornal haja jornalistas que digam "o estatuto editorial é para nós dizermos bem do Benfica"? Neste caso, seria de alargar o conceito em matéria de estatuto editorial, já que, em matéria de orientação ideológica, suponho que o Jornal do Sporting não tem orientação ideológica. Mas, apesar de tudo, porque não os sindicatos? Pegando no exemplo do Sr. Deputado José Magalhães, lenho a impressão de que se me fosse oferecer à Alavanca para jornalista, não me aceitavam. Porquê então escolher apenas, dentro do estatuto da especialidade, só estas três figuras - o Estado, os partidos políticos e as confissões religiosas? Na lógica da proposta do PSD, isto é ainda menos lógico -passe o pleonasmo - do que na actual redacção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cosia Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É evidente que essa crítica de lógica pode ser feita, mas, como o Sr. Deputado acaba de dar a entender, não acha que da mesma falta de lógica padece o sistema actual, eventualmente com a diferença de grau que existe entre o Sporting e o Benfica, mas a mesma diferença de qualidade entre um sindicato e um partido político?
O Sr. Vera Jardim (PS): - Direi que tendo a separar mentalmente e O Militante (suponho que ainda existe como órgão interno dirigido aos militantes do PCP) ou o Avante e O Diário - isto para dar o exemplo de um partido. São realidades, apesar de tudo, diferentes...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para justificar a falta de lógica do PSD, está a comparar o Estado...
O Sr. Vera Jardim (PS): - No estatuto editorial está ainda mais falta de lógica, porque a orientação ideológica tem um certo sentido.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A falta de lógica mantem-se.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Em relação ao estatuto editorial, deveria alargar muito mais e a "audição dos jornalistas" seria para o estatuto editorial, em qualquer caso.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A nossa lógica e a de manter, na parte em que há falta de lógica, o sistema actual.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas mudaram "a orientação ideológica" para "estatuto editorial", que penso ser uma mudança relevante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendia perguntar ao PSD -já que fiquei com ideia de que, até ao momento do debate, essa questão não ficou clarificada - qual é, então, a lógica com que o PSD pretende desconstitucionalizar o direito dos jornalista a constituição de conselhos de redacção.
O Sr. Presidente: - Gostava de retomar o tema que o Sr. Deputado Vera Jardim colocou há pouco. Em primeiro lugar, isso já foi esclarecido numa resposta dada ao Sr. Deputado José Magalhães - não houve nenhum alargamento nem nenhuma inovação nesta matéria em relação àquilo que se encontrava no artigo 38.°, n.° 2, no que respeita à interpretação de quais são as excepções, Estado, partidos ou confissões religiosas. A ideia básica do n.° 2 do artigo 38.°, e que se mantém - e não penso que o problema da audição tenha a ver com essa matéria -, é fundamentalmente esta: quanto a excepcionar o Estado, a nossa ideia é a de que a propriedade pública da comunicação social seja algo de residual e que vá progressivamente desaparecendo, mas não nos pareceu necessário suprimir a ressalva, embora não víssemos com grande apreensão essa supressão, se fosse caso disso; mas, no que diz respeito aos partidos políticos ou confissões religiosas, existe já por parte do ordenamento estadual, por um lado, uma certa regulamentação própria dessa matéria, embora diferente naturalmente quanto a partidos políticos e quanto à especificidade reconhecida às confissões religiosas; por outro lado, uma natural autolimitação e respeito pelo funcionamento interno dessas entidades, sob pena de pôr em causa a sua própria essência.
Os sindicatos não se situam no mesmo nível de gravidade, mas não me chocaria que, em relação aos sindicatos, fosse alargada a ressalva. Na minha perspectiva, não tem o mesmo grau de sensibilidade que têm as confissões religiosas e os partidos políticos, que vão ao cerne, num caso, da formação da vontade colectiva em termos políticos e, no outro, do exercício da liberdade religiosa. Esta foi a razão fundamental, que persiste apesar da alteração da "participação ideológica" para "audição". Continua a aplicar-se o mesmo fundamento para a ressalva, ainda que possa ser eventualmente menos aparente, mas mantém-se as mesmas razões - essa é a ajustificação que enforma a proposta do PSD.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas admita as duas situações que já aqui foram referidas, e eu próprio referi: um partido político pode ser Ulular de um jornal que, nos lermos do respectivo estatuto editorial, vise prosseguir a divulgação das actividades e da mensagem desse partido; mas a um partido político não estaria vedado ser titular de um jornal que, nos lermos do seu estatuto editorial, visasse prosseguir uma actividade de informação genérica. Pergunto-me se, neste último caso, o Sr. Presidente continua a admitir alguma razão de ser para limitar o direito de intervenção dos jornalistas.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão já há pouco referiu o problema, desenvolvendo até, com uma proposta de redacção própria, esse seu ponto de vista. É evidente que poderíamos ir para questões mais caricaturais - suponha, por exemplo, que, por motivos de gestão das suas finanças, uma confissão religiosa, uma igreja ou um partido político adquiria um número de acções maioritário na Bolsa em relação a uma sociedade detentora de um jornal. É evidente que o problema nesse capítulo não se põe. O problema é outro e temos de ter particular atenção a ele - V. Exa. deu o exemplo da Rádio Renascença e acho que temos de discutir o assunto com grande frontal idade para ver se nos entendemos. Julgo que a questão difícil resulta de V. Exa., no juízo sobre o que é que é atinente à confissão religiosa e onde é a sua fronteira, substituir como julgador ou decisor os órgãos de uma confissão religiosa, ou de um partido político por órgãos
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exteriores. Esse é que é o ponto chave, porque a partir daí V. Exa. não garante em absoluto essa autonomia. Passa a haver heteronomia.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Penso que esta questão é, de facto, de um grande melindre e não gostaria que sobre ela subsistisse qualquer mal-entendido. A entidade responsável pela definição do estatuto editorial é sempre a entidade titular do órgão de comunicação social - só a ela e não a outrem, que fosse externa ou terceira, compeliria essa definição. Tudo estaria em saber qual a atitude a tomar quando do estatuto editorial resultar uma finalidade mais geral do que aquela que é inerente à natureza específica da entidade titular do órgão.
O Sr. Presidente: - Mas justamente o que estou a dizer é que o litígio sobre essa matéria é uma eventualidade que coloca problemas extremamente delicados porque, na tranquilidade desta discussão entre pessoas que procuram acercar-se de uma solução correcta, não ressalta o melindre de alguns aspecto. Mas imagine V. Exa. que alguém coloca o problema de não tanto a vontade real não corresponder à vontade declarada, mas a vontade declarada não corresponder a realidade, o que é diferente. Isso coloca uma questão que alguém tem de ajuizar e naturalmente se entrega, como 6 da lógica desse sistema, a uma entidade exterior, podemos facilmente, ainda que com recta intenção, caminhar para uma situação extremamente melindrosa.
Não estou a dizer que não seja possível realizar progressos nessa zona e que não haja fronteiras perfeitamente claras. Por exemplo, é evidente que, se há uma aquisição de acções na Bolsa, não há nenhuma alteração do estatuto até aí existente e não tem sentido comunicar-lhe essa especificidade pela simples circunstância de haver hoje um sócio maioritário - quer seja uma confissão religiosa ou um partido político ou até o Estado, de acordo com esta redacção. Só não será assim se o plano ou a estratégia que justificam a aquisição seja o de ter um órgão próprio para o apostolado, para o que é relativamente indiferente se se adquire ou se constitui ex novo.
Em todo o caso, em relação ao Estado, tenho dúvidas, porque o único aspecto que neste momento caracteriza essa especialidade é justamente ser o Estado que pode orientar o jornal e que o delem. Mas fora desses casos as coisas podem tornar-se muito mais complicadas, e temo que, se enveredarmos por aí, rapidamente cheguemos a zonas de fronteira onde seja difícil avançar, mas podemos tentar.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Tentaremos.
O Sr. Presidente: - Uma vez dilucidadas as questões, não chegaremos a conclusões definitivas, mas esse não 6 o objectivo necessário do nosso debate, que é - como disse em tempos o Sr. Deputado Almeida Santos - um simples e rápido passeio pelos diversos artigos da Constituição; poderíamos passar ao número seguinte...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu disse "rápido"?
O Sr. Presidente: - Penso que sim, não? Na altura, penso que sim, hoje provavelmente não o diria, mas isso são as correcções fruto da experiência.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não há dúvida de que, para o efeito do seu comentário, fazia jeito que eu tivesse dito. Mas não me lembro de ler dito.
Risos.
O Sr. Presidente: - Fazia jeito, fazia. Suponho que também faria jeito ao Sr. Deputado Almeida Santos... Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para que figure na acta, uma informação...
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - É pena não ficar registado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria que não visse neste aditamento à acta qualquer forma indecorosa de prescindir da sua presença, porque o número seguinte é fundamental. É apenas por causa de uma observação que o Sr. Presidente fez, quanto à questão da alteração de orientação editorial e outros aspectos deste tipo - é bom ter em conta um facto.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o jornalista, nos lermos da Lei de Imprensa, tem direito a cessar vínculo laborai com a empresa, com direito a indemnização, caso se verifique e seja confirmada pelo Conselho de Imprensa a alteração de orientação do jornal - é o artigo 23.° Creio que não pode ser vista de uma maneira tão simplista a questão da orientação do órgão de informação, já que o artigo 23.° da Lei de Imprensa diz expressamente: "se se verificar uma alteração profunda na linha de orientação de um periódico, confirmada pelo Conselho de Imprensa, os jornalistas ao seu serviço poderão extinguir a relação de trabalho por sua iniciativa unilateral, tendo direito à indemnização devida por despedimento sem justa causa e sem aviso prévio". É algo que vai muito mais longe e tem consequências muito mais profundas que não são passíveis de um tratamento tão ligeiro, creio eu, como o que aqui estávamos a dar há pouco, quando estava a ser abordada a questão da orientação.
O Sr. Presidente: - Não estávamos a resolver nenhum problema laborai, estávamos a resolver um problema posto pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, que me parece importante, e não penso que estivéssemos a simplificar. Essa é outra questão e, evidentemente, há muitas outras incidências, sobretudo se formos para o domínio do direito ordinário, mas a questão apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão e já por si complicada - não estou a dizer que não tivesse múltiplas implicações em termos de direito ordinário e, designadamente, de direito laboral.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permite-me? A reflexão para a qual se parte, através desta viagem pelo direito ordinário, neste caso pela Lei de Imprensa, é de que há uma procura -o Sr. Deputado Almeida Santos lembrar-se-á de que foram ensejadas soluções que, alteravam um pouco esse equilíbrio, razoavelmente polémicas - de um certo equilíbrio entre os direitos do proprietário da empresa, o que não é a mesma coisa que do jornal propriamente dito ou da rádio e os direitos dos jornalistas; mas esse equilíbrio pode conduzir a que, em certa altura, se mude a orientação editorial e, portanto, ideológica do órgão de comunicação social.
O que me impressiona no retraio que traçou da situação e que é um retraio possível e com marca ideológica é o facto de ser tão unilateral que a descrição da posição proprietarisia é quase vista como quem olha para a posição da vítima - o que me sensibiliza muito. Só que é preciso
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não esquecer que a vítima, neste caso a entidade proprietária, tem um estatuto que a protege e fortemente; e, por outro lado, o jornalista não é um carrasco, não é um algoz, não é um obstrutor, não é um vetador, porque a arma suprema que lhe dão é que, quando esteja em discordância tão profunda, quando entenda que a alteração lhe repugna tanto, se vá embora - mas nesse caso vai-se embora com uma indemnização correspondente a um despedimento sem justa causa, isto é, a máxima possível. E cessa tudo aí.
O Sr. Presidente: - Já agora, gostaria de perguntar: e se for ao contrário, se for o proprietário quem não está de acordo com a orientação do jornal, também poderá despedir, dando uma indemnização sem justa causa?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não pode, porque aí carece de justa causa, mas tem outros meios. Não vou falar dos meios ilegais, estou a falar dos meios legais, porque os ilegais são uma floresta de pressões e têm sido, na vida portuguesa, de tal forma terríveis que as pessoas não só saem, como algumas se matam, pura e simplesmente - há histórias verdadeiramente horrendas nesta área, e um dossier negro, mas não releva para este efeito.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Já que me estão a "martirizar" por termos levado tão longe a discussão deste tema, também vos vou "martirizar" um pouco. O problema é este, e não é tão simples assim. Imaginem que são jornalistas de O Diabo, são de extrema direita, gostam de estar n'O Diabo, que também é de extrema direita. Poderia configurar com paridade um jornal e um jornalista de extrema esquerda. O jornalista sente-se bem nesse jornal, está de acordo com o seu ideário, concorda com a orientação. De repente, o jornal é comprado por um indivíduo ideologicamente antípoda. Qual e a posição do jornalista no dia seguinte? Como é que um homem de extrema esquerda continua a escrever n'O Diabo, ou como é que um homem de extrema direita continua a escrever num jornal de extrema esquerda? Não é tão simples como parece!
Devo dizer que sempre me impressionou o pouco interesse que se dispensa aos estatutos editoriais. Vem alguns de há 20, 30 ou 40 anos. Um deles, quando eu era Ministro da Comunicação Social, salvo erro o do Diário de Notícias, foi modificado. Não imaginam a diferença entre o que era e o que passou a ser. Se isto se faz sem a intervenção dos jornalistas - o que não foi o caso, antes pelo contrário -, nunca mais haverá paz no respectivo jornal. Passa a ser uma família desavinda, uma família desalinhada, que trabalha a contragosto, com ordens de cima para baixo, tipo "meta-se dentro do estatuto editorial", e reacções de baixo para cima, tipo "a minha consciência não dá para isso, a minha alma não cabe nesse espaço". Isto é, efectivamente, muito sério.
Por que é que o Estado não tem esse ónus? Porque se pressupõe que o Estado não impõe orientação ideológica aos jornais de que é titular. Que, se a tem, não deve tê-la. Por que é que, inversamente, um jornal privado e os seus trabalhadores tem direito a um estatuto editorial? Porque se pressupõe que, tendo ele direito a tê-lo, e devendo tê-lo, convém que seja consonante com o ideário de quem trabalha no jornal. Se de repente se cria um vácuo, um corte com a realidade - que por sinal é anímica e coloca problemas de consciência -, não vamos tratar disso com ligeireza.
Sinceramente, parece-me muito difícil mexer no que está na Constituição. Estamos dispostos a melhorar o que for de melhorar, mas não vejo que valha muito a pena passarmos do "talim" para o "talão". Por exemplo: se suprimíssemos a palavra "ideológica" e referíssemos só a expressão "orientação do jornal", isso acabaria por ter o mesmo conteúdo caso fosse bem interpretado. Acontece, porém, que, tendo existido o termo "ideológico" e deixando de existir, a "orientação do jornal" pode ser avaliada pelo preço do papel, por quem o compra, pelo formato, etc. Temos de nos acautelar neste aspecto. Não é tão pouco importante como parece à primeira vista.
No respeitante às confissões religiosas, têm direito a imprimir a orientação dos seus órgãos de comunicação social, precisamente porque são religiosas. Os partidos políticos têm direito a defender, difundir e propagandear a sua particular ideologia, porque é essa a sua razão de ser.
Em suma: não há milagres a fazer neste domínio. Não tenhamos, pois, ilusões a esse respeito. Contudo, podemos tentar fazer um esforço no sentido de melhorar o que está estabelecido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor cárdia (PS): - Sr. Presidente, afigura-se-me que está feita a prova da necessidade de uma lei paraconstitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, é claro que talvez não seja neste momento a altura mais azada, mas poderia dizer-lhe que com grande legitimidade era possível .extrair-se a conclusão contrária. De facto, o Sr. Deputado Almeida Santos fez há pouco uma veemente defesa de que não deve alterar a Constituição, quanto mais elaborar-se uma lei paraconstiiucional nesta matéria.
Contudo, não devíamos fazer apressadamente nem uma coisa nem outra, porque isso tem custos que não estaremos dispostos a pagar.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS):-Repito, Sr. Presidente, afigura-se-me que está feita a prova. Pelo seguinte: para modificar em sentido que se aproxime de um consenso ou que seja a expressão da vontade largamente consensual do actual poder político é necessário recorrer a leis paraconstitucionais ou outras de igual natureza. De outro modo, teríamos de incluir um quase regulamento na Constituição. Não se querem leis paraconstitucionais? Fica, em meu entender, o texto constitucional exactamente como está.
O Sr. Presidente: - Fazemos um regulamento adjacente!...
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Em princípio, tal não é apenas aplicável a este artigo, mas a todos os outros. Se. porventura, não vier a haver leis paraconstitucionais ou se não se criar no País o clima adequado à revisão da Constituição, fica a totalidade do texto constitucional que temos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que vamos ter oportunidade de discutir longamente as leis paraconstitucionais. Em lodo o caso, julgo que não é necessário, ou talvez nem seja útil, fazer a confusão entre a necessidade de um consenso e a indispensabilidade da tradução desse mesmo consenso sob a forma de leis paraconstitucionais. No entanto, seja como for, e deixando isso agora de remissa, o que me parecia importante, em relação àquilo que referiu o Sr. Deputado Almeida Santos, é que é evidente
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que isto reveste uma certa complicação. Creio que todos estamos de acordo com isso. Aliás, no meu entendimento, esta matéria não pode ser discutida se acaso criássemos o clima de que quando alguém argumenta em sentido crítico tem de exibir os seus pergaminhos de democracia, sob pena de sofrer um labéu qualquer. Isso seria uma coisa absurda para um tipo de discussão em que nos encontramos e na sede em que estamos a discutir.
Em todo o caso, julgo que há um aspecto extremamente importante, e retomo um pouco o exemplo que o Sr. Deputado Almeida Santos forneceu, que é este: a sociedade portuguesa tem uma riqueza, um pluralismo, que se traduz na existência de jornais, em relação aos quais não subscrevo, aliás, a respectiva orientação ideológica, como sejam O Diabo e o O Diário, e que é importante que se preserve. Por sua vez, também coexistem com eles o Diário de Notícias e outros órgãos menos marcados ideologicamente. Essa marca de diversidade é importante e um factor de enriquecimento do debate, uma garantia de que a liberdade de imprensa é uma realidade.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Também V. Exa. não trabalha lá. Aliás, devo dizer que também gosto de ler esses jornais.
O Sr. Presidente: - Leio-os e tenho, aliás, necessidade de o fazer.
Contudo, o que estava a dizer é extremamente importante porque isso significa que existe o tal pluralismo na sociedade portuguesa sem o qual a Constituição poderá dizer o que quiser, mas a liberdade de imprensa não é real. Note-se, aliás, que a pujança da vida da sociedade civil, como há pouco foi recordado pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, deve traduzir-se em diversidade das empresas jornalísticas. Isso é extremamente importante para a garantia das liberdades. Essa realidade vivida e não apenas normativa justifica que se encare o modo de funcionamento, a estrutura das empresas de comunicação social, como uma garantia institucional e não como um direito fundamental.
Entretanto, V. Exa. coloca um problema que é muito importante e ao qual sou sensível. De facto, ele prende-se com o facto de que, se existir um jornal determinado com uma certa orientação ideológica que já ganhou historicidade, como e o caso de O Diário, de O Diário ou de O Dia, e de repente, por razões ligadas a questões de ordem financeira, o jornal é comprado por quem lhe pretende imprimir uma outra orientação, tal vai ocasionar problemas extremamente sérios.
A questão está ligada ao que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca afirmou, ou seja, forçar-se-ia o pessoal desses jornais a fazer outra coisa, com violação da sua consciência, e, inclusivamente, a se colocar numa situação de indemnização por força de despedimento sem justa causa, o que poderia ser insuficiente. Perguntar-se-ia então se vamos privilegiar o estatuto ou não. Tal implicaria, em caso afirmativo, uma acção do estado que exige uma óptica e um determinado tipo de lógica intervencionistas. Na verdade, não se encontrará provavelmente, e por hipótese, quem esteja disposto a salvar esse jornal para manter aquela orientação. E esse é outro tipo de dificuldade com a qual nos teremos de defrontar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas é nitidamente uma exigência constitucional que protege o jornalista!
Tem algum interesse saber-se qual a orientação de cada jornal, apesar de o público que lê normalmente um jornal desconhecer em regra o seu estatuto.
Neste caso, estamos perante uma norma para proteger sobretudo os jornalistas.
O que talvez não valha tanto como a protecção dos jornalistas é a protecção do potencial comprador ou candidato a um jornal que tem, aliás, todas as chances de o fazer ex novo ou o direito de comprar um da sua própria ideologia. Teremos nós de salvaguardar em sede constitucional a liberdade de ele poder escolher um jornal que é antípoda da sua própria ideologia com sacrifício de 1000, 2000 ou 3000 trabalhadores? Essa é a questão que coloco em causa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quem pretende adquirir tem de possuir lógica de intervenção ou, caso contrário, fica-lhe apenas o princípio, e mais nada, o que o levará a não agir.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Se não cumpre as obrigações, se alguém não paga as dívidas, o jornal não vive, ou seja, fenece.
Penso que este assunto e realmente sério, mas permito-me recordar aquilo que eu disse esta manhã, ou seja, há nesta problemática duas lógicas completamente diferentes, duas perspectivas que temos para a encarar. Posteriormente, veremos como é que as coisas vão ser desenvolvidas.
Srs. Deputados, podemos agora passar à análise do n.º 4 do artigo 38.º
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Desculpe, Sr. Presidente, mas gostaria de lhe recordar que à pergunta singela, formulada ao PSD, de qual foi a razão de ser da desconstitucionalização dos conselhos de redacção ele não deu, até ao momento, justificação para o facto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o PSD remeteu para a mesma lógica de remeter para a autonomia da vontade própria das pessoas, na sociedade civil, que há pouco tive oportunidade de referir. Foi, pois, essa a resposta que o PSD deu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, permito-me também insistir nessa questão, porque, feliz ou infelizmente, estamos a discutir ao mesmo tempo a revisão da Constituição e as leis essenciais da comunicação social. E a posição do PSD tem sido no sentido de deixar para a lei o que não deve constar da Constituição. Entretanto, chegamos ao processo de elaboração da lei ordinária e não há vontade do PSD em inscrever o que ainda se encontra previsto na Constituição. De facto, numa primeira fase retiramos da Constituição para ir inscrever na lei e, quando chegamos ao momento de estatuir a lei ordinária, o PSD argumenta que não vale a pena, pois estão à procura de um modelo ideal. Daí defenderem que quando encontrarem o tal modelo ideal - que a cabeça do Prof. Cavaco Silva, numa noite de tempestade, logo escolherá - se proporão fazer isso.
Contudo, o problema que está colocado é o de saber se vamos deixar sem qualquer tipo de protecção, como hoje existe na lei e na Constituição, o direito dos jornalistas de constituírem conselhos de redacção. Coloco-lhe então a questão em relação à Lei da Rádio, cujo normativo estamos a discutir e em relação à qual há uma proposta dos partidos da oposição no sentido de se consagrar a existência dos
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conselhos de redacção. Sucede que o PSD entende que não vale a pena existir tal órgão. Entretanto, entramos no debate constitucional e o PSD também não quer que estejam previstos na lei fundamental os conselhos de redacção. Daí resulta que, a serem aprovados quer o texto legal quer o texto do projecto de revisão do PSD, deixaria de haver o direito à constituição de conselhos de redacção. É, pois, neste sentido que penso que o PSD deveria clarificar a sua posição.
O Sr. Presidente: - V. Exa. entende que devia ficar proibida a não constituição de conselhos de redacção?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Penso que não deve ficar proibida. No entanto, seria interessantíssimo verificarmos que, tendo isso estado consagrado na Constituição, o facto de ser retirado representava pelo menos uma diminuição grave da garantia da sua constituição.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vale a pena estarmos a iludir as coisas. De facto, dissemos com toda a clareza que remetíamos isso para a autonomia da vontade. Portanto, V. Exa. não pode retirar daí a conclusão de que é proibida a constituição dos conselhos de redacção, porque não é essa a nossa intenção. Entretanto, o que não queremos e que seja prevista a garantia da sua constituição como um direito que tem obrigatoriamente de estar incluído no texto constitucional e nesse sentido restritivo da autonomia da vontade.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quanto a consagrar-se isso na Constituição, já sabemos as dificuldades que suscita. Imagine, então, se tal fosse descontitucionalizado, o que seria de felicidade para determinadas entidades.
O Sr. Presidente: - Não estou de modo nenhum a pensar convencê-lo. Quando tal acontecer, provavelmente estender-lhe-ei uma ficha partidária... não é, pois, esse o caso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lemos referiu que, apesar de estar constitucionalizado o direito dos jornalistas de elegerem conselhos de redacção, existem, mesmo assim, problemas. Penso, então, que o melhor será citá-los, pois não custa nada ficarem registados em acta.
De facto, os artigos 21.° e 22.° da Lei de Imprensa prevêem a constituição de conselhos de redacção e a lei fundamental estatui a sua eleição. A verdade 6 que sabemos o que se passa na Rádio Renascença, o que se verificou na Rádio Comercial e o que está a suceder em alguns jornais onde os direitos dos jornalistas, em termos de conselhos de redacção, são totalmente violados e desrespeitados.
Entretanto, o esclarecimento que o Sr. Presidente deu acerca da proposta do PSD no sentido de se retirar da Constituição esta definição do direito de eleger o conselho de redacção não chega, pois é demasiado simples. Parece que V. Exa. não terá mais nada a dizer em relação a essa proposta, limitando-se somente a defender que esse direito deve ser retirado da Constituição. Perguntaria, porém, a V. Exa. qual e a razão plausível para que isso seja retirado do texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que as argumentações tem os seus limites. No entanto, refiro-lhe ainda que tive oportunidade de explicitar quais eram as razões de lógica que conduziam a um determinado modelo. Entretanto, reconheço também que VV. Exas. estão no seu pleníssimo direito de não concordar com esse modelo e de dizer que ele é ilógico e insuficiente. Contudo, a nossa intenção foi explicitada, e penso que suficientemente, ao dizer que isto é uma matéria que reservamos para a autonomia negociai, estatutária, etc. V. Exa. refere, por sua vez, que isso é um enorme disparate. Está no seu legítimo direito, pois trata-se de uma opinião. Não vou certamente insurgir-me ou zangar-me com V. Exa. por causa disso. Aliás, já nos conhecemos há muito tempo. Entretanto, não posso ir mais além na explicitação da nossa posição, porque disse tudo aquilo que considerava essencial nesta sede e neste momento.
Vamos, então, abordar o n.° 4 do artigo 38.°, que ficou por analisar. Temos, relativamente a ele, uma proposta de substituição da autoria do CDS, cujo texto passa a n.° 3. O PSD apresenta igualmente, quanto ao n.º 1 do artigo 39.°, uma proposta de substituição, enquanto o PRD, no respeitante ao n.° 4 do artigo 38.°, sugere, do mesmo modo, uma proposta de substituição. Quanto ao PSD, verifica-se que propõe apenas uma alteração de ordem sistemática.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Acentuo, Sr. Presidente, que além da sistematização, houve uma alteração do conteúdo, embora isso não apareça no relatório.
O Sr. Presidente: - Creio que o que V. Exa. quer referir é que, enquanto o n.º 4 do artigo 38.° refere que a liberdade de imprensa implica o direito de fundação, a proposta de substituição do n.° 1 do artigo 39.9, da autoria do PSD, estatui que a fundação de jornais ou de quaisquer outras publicações é livre, não estando dependente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévia. Porém, estes dois preceitos tem, segundo o meu entendimento, exactamente o mesmo alcance.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Penso também que sim, Sr. Presidente. Acontece, porém, que julgava que V. Exa. estava a discutir a proposta de substituição do n.° 4 do artigo 38.° apresentada pelo PRD, o qual tem conteúdo similar, embora distinto em vários aspectos, do actual n.° 6 do mesmo preceito. Foi, pois, um lapso meu. Aliás, é óbvio que em relação à ressistematização feita pelo PSD há efectivamente isso e também uma alteração de redacção sem mudança de conteúdo.
Portanto, devo ainda dizer que a lógica do PSD em relação aos artigos 38.° e 39.° vai no sentido de lhes dar um tratamento conjugado, que parece, aliás, ser o único possível. Repilo, essa lógica, que o levou a fazer esta participação, implica uma certa visão do sector público de comunicação social. É essa a questão fulcral que está subjacente à participação feita.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Ela já foi até explicitada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, penso que não devemos discutir isto em termos de mera ressistematizacão ou de deslocações sistemáticas, porque o que está em causa é um modelo dos áudio-visuais com toda uma série de projecções, implicações e subimplicações, das quais estas são apenas algumas. De modo que não sei como é que poderemos progredir no terreno. Contudo, estamos abertos à consideração de hipóteses metodológicas.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães: a forma como podíamos progredir nesta matéria era tomarmos consciência de que em relação a este ponto não há alterações essenciais.
De facto, verifica-se que o CDS muda o n.° 4 do artigo 38.º para n.° 3, alterando a redacção sem real significado. É apenas uma alteração semântica sem qualquer expressão. Já o PS mantém o n.° 4 com a mesma redacção, o mesmo se verificando com o PCP. O PSD mantém praticamente o mesmo teor, pois em vez de referir que a liberdade de imprensa implica o direito de fundação de jornais, estatui no n.° 1 do artigo 39.° que a fundação de jornais é livre. Assim, onde se encontra alguma alteração com algum significado é na proposta de substituição apresentada pelo PRD. De facto, ela acrescenta à fundação de jornais a palavra "circulação". Aliás, melhor fora que a liberdade de fundar jornais não abrangesse o direito à sua circulação. Trata-se, pois, de uma precisão que não me parece necessária. Além disso, em vez do emprego da expressão "jornais e outras publicações" refere "publicações periódicas e não periódicas". Creio que é uma outra forma de dizer a mesma coisa, daí que talvez não valha a pena gastarmos tempo com isto.
O PRD inscreve também a seguinte expressão no referido n.° 4, na redacção que lhe é dada pela proposta de substituição: "[...], assim como a circulação em geral de formas de informação, é livre". Duvido de que se deva consagrar esta redacção. De facto, a liberdade da fundação de jornais é uma coisa, a liberdade de circulação em geral de todas as formas de informação é outra. Não estou a ver "que coelhos é que se podem tirar deste chapéu". Mas também não estou a ver, neste momento, que mal possa vir ao mundo se se escrever isso na Constituição.
Finalmente, o PRD propõe, na última parte do referido n.° 4, que a propriedade daquelas publicações e de outros meios de comunicação social pode pertencer a sociedades com esse específico objecto social. Nisto se traduz o princípio da especialidade que está proposto noutro número da nossa proposta.
Perante isto, julgo que não há muita matéria para debater, pelo que poderíamos avançar um pouco.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, na linha do que acabou de afirmar o Sr. Deputado Almeida Santos, quero só chamar a atenção para a circunstância de nenhuma das propostas alterar o conteúdo essencial do artigo 38.ff No fundo, limitam-se elas próprias a estabelecer uma redacção consequente para cada uma das propostas entretanto feitas para o n.° 1. Refiro-me, pois, ao facto de que, para quem admite que o conceito de liberdade de imprensa deve manter-se e é suficientemente abrangente de toda a realidade da comunicação social, não há razões substanciais para se alterar o teor literal do actual n.° 4. Ao invés, para quem entendeu substituir o conceito de "liberdade de imprensa" para um outro mais vasto de "liberdade de comunicação social" surge então essa adaptação.
Diria então que o alcance destas novas formulações é meramente semântico e que quanto ao objecto do preceito estão todos de acordo.
O. Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu compreendo as autorizações sistemáticas, mas não são umas remodelações arquitectónicas que me preocupam, são alguns compartimentos da casa que se vão perdendo pelo caminho, aqui e além, e certos alargamentos que podem albergar criaturas indesejáveis ou estabelecer algumas confusões menos positivas. Quer isto dizer que no caso, por exemplo, da proposta do PRD (de que eu muito gostaria de ouvir a fundamentação, para além daquilo que se alcança pela leitura, como todos nós temos estado a procurar fazer) é evidente que, para além do aditamento da noção de circulação, que é inerente e que está pressuposta, ou que é perfeitamente perceptível - uma vez que ninguém queria publicações para não serem publicadas com o sentido que isso tem efectivamente de circulação, distribuição e efectiva percepção pelos destinatários -, em relação às outras contribuições há, pelos vistos, uma substituição da noção de jornais contida actualmente na Constituição e à preocupação que a Constituição tem em relação àquilo que foi a matriz da comunicação social, historicamente, uma preocupação de alargamento. Creio que ela, sem prejuízo de uma ponderação melhor, não nos deve levar a restrições indébitas ou interpretações que podiam colidir com a própria liberdade de expressão. É evidente que podemos admitir que é porque a Constituição continua a falar, como fala, no actual n.º 4 ou n.° 5 do artigo, de publicações periódicas e não periódicas, não detalha a alusão a outras formas de informação, etc. Mas e evidente que essas formas de informação são livres. As formas de informação, as mais diversas formas de informação, são livres. É uma decorrência da liberdade de expressão que se encontra consagrada.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não foi isso que quis significar. O que está em causa é a circulação de todas as formas de informação, pois não sei se esta maneira de dizer, concebendo como liberdade a circulação de "todas" as formas de informação, não poderá assumir aspectos hoje vedados pela Lei de Imprensa. Todas as formas de informação, mesmo as que se orientam no sentido da defesa de crimes ou de circulação e consumo de drogas e informação sobre os seus locais de venda?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, queria apenas dizer-lhe que, na ausência do PRD e tentando interpretar o sentido da proposta, penso que teria um alcance menor do que aquele que o Sr. Deputado Almeida Santos suspeita que tenha. Penso que isto apenas se quer reportar à circulação de formas de informação no domínio áudio-visual, porque sendo o áudio-visual um pouco imaterial em termos de difusão, o que o PRD talvez tentasse, suponho eu, era criar uma explicitação constitucional adequada às novas formas de divulgação e difusão.
Penso ser só isto, e isto talvez venha a demonstra-nos como temos razão na prudência de não alterarmos o conceito original de liberdade de imprensa, que simplifica tudo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A interrupção é provavelmente uma interrupção virtuosa e neste caso é um triângulo não perverso, porque creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão tocou num ponto fundamental e seguramente há-de fazer-se uma interpretação correctiva em relação ao texto do PRD.
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De qualquer das formas, a observação do Sr. Deputado Almeida Santos chama a atenção para um aspecto que não é substimável e a questão que equacionou e a maneira como a equacionou podem originar alguma interrogação indébita, porque o artigo 37.º, ao estabelecer as garantias e liberdades de expressão e informação e ao proclamá-las, não se esquece de, ao mesmo tempo que proíbe qualquer forma de censura, qualquer tipo ou forma de censura, prever que há infracções, que podem existir infracções. É óbvio, as infracções terão um regime próprio que não asfixia, liquida ou desnatura aquilo que é a liberdade. Portanto, não há nenhuma dúvida quanto à possibilidade de que circulem as mais diversas informações e não se poderia encontrar numa formulação como a do artigo 38.º, n.° 4, da versão do PRD um suporte para sujeitar a autorização administrativa, caução ou habilitação prévia a circulação das diversas informações. Isso seria completamente inconstitucional, a todos os títulos.
Isto vinha a propósito da apreciação das soluções contidas nos diversos projectos quanto à renumeração e ressistematização do conteúdo útil do artigo 38.°, matéria em relação à qual temos reservas de outra natureza, uma vez que aquilo que se faz além do que ficou descrito é um alargamento do âmbito do artigo por forma a fazer incluir a problemática dos outros áudio-visuais além daqueles que o artigo contemplava na sua redacção originária e na decorrente da primeira revisão constitucional. Tema que será o tema chave da próxima reunião da Comissão.
O Sr. Presidente: - Ia admitir que talvez pudéssemos entrar no n.º 5 do artigo, mas não é tão simples quanto isso e estamos a atingir a hora de encerrarmos os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Queria dar apenas a informação de que decidiram no Plenário continuar os trabalhos até cerca das 21 horas e interromper a essa hora. Não é, obviamente, para sugerir que continuemos os trabalhos da revisão constitucional, até porque, segundo parece, já não temos condições para isso.
O Sr. Presidente: - Julgo que já não vamos ter condições de, em termos de tempo e disponibilidade, analisar o n.º 5 do artigo 38.°, que efectivamente tem algumas questões algo complicadas, a começar pela questão de saber se se deve nesta forma exacta manter o artigo na Constituição, e portanto, se VV. Exas. estivessem de acordo, recomeçaríamos os nossos trabalhos na próxima quarta-feira, às 15 horas.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O nosso problema às quartas-feiras e que há comissões da parte da manhã.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Conviria mantermos também a quinta-feira.
O Sr. Presidente: - Em princípio, manteríamos a quarta-feira à tarde e a quinta-feira de manhã e de tarde. Espero que desta vez não haja reforma fiscal e portanto não haja interrupções e gostaria que VV. Exas. admitissem a hipótese de trabalharmos sexta-feira de manhã.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, sugeriria apenas que durante a manhã de amanhã fosse emitido um comunicado alusivo aos trabalhos desta semana.
O Sr. Presidente: - Como V. Exa. - deve ter tido ocasião de ver, a semana passada assim se fez em cumprimento do Regimento e esta semana assim se fará.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era apenas para me empenhar também nessa obra meritória.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado pelo seu empenhamento.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 55 minutos.
ANEXO
Propostas
Artigo 46.°
(Liberdade de associação)
1 -[...]
2-[...]
3 -[...]
4 - Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares.
Artigo 51.º
(Associações e partidos políticos)
1 - [...]
2 - [...]
3 - Os partidos políticos não podem usar denominação ou emblema confundíveis com símbolos nacionais.
Assembleia da República, 28 de Abril de 1988. - O Deputado do PS, Sottomayor Cárdia.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 28 de Abril de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Pais de Sousa (PSD).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Manuel Ferreira Martins (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Abreu de Lemos (PCP).
João Cerveira Corregedor da Fonseca (ID).