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Terça-feira, 21 de Junho de 1988 II Série - Número 19-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 17

Reunião do dia 18 de Maio de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 6. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 53.° a 62.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Almeida Santos (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), Raul Castro (ID), Marques Júnior (PRD), António Vitorino (PS), Nogueira de Brito (CDS), Narana Coissoró (CDS), Pais de Sousa (PSD), Sousa Lara (PSD), Alberto Martins (PS), José Manuel Mendes (PCP) e Jorge Lacão (PS).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, vamos recomeçar os nossos trabalhos com a discussão do artigo 57.°, "Direitos das associações sindicais e contratação colectiva". Nesta matéria existem propostas de alteração e de aditamento do PCP, do PS, do PSD, da ID e do PRD.

A primeira proposta apresentada consta do projecto n.° 2/5, do PCP, que é, simultaneamente, uma proposta de alteração e de aditamento. Penso que poderemos discutir o artigo todo e que não se justifica estarmos a fazer diferenciações. Assim, pediria ao PCP que justificasse sumariamente a sua proposta, pois suponho que, na minha ausência, essa prática, verdadeiramente sucinta, se começou a instalar, com o que muito me regozijo, fazendo votos para que continue.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há um lapso quanto ao ponto do debate em que deveríamos reiniciar os trabalhos porque na reunião plenária de ontem não pudemos abordar todo o conjunto de alterações relativas ao artigo 56.° Tínhamos apenas abordado a primeira alteração apresentada, tanto pelo CDS como pelo PRD, e encerrámos, efectivamente, o debate que dizia respeito à supressão da parte final do n.° 1 do artigo 56.°, mas não chegámos a entrar no debate das demais propostas.

O Sr. Presidente: - Como VV. Exas. sabem, não estive cá. Então foi visto o n.° 1?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não. Os n.ºs 1 e 4 estão vistos, porque, no fundo, se referem ao mesmo problema, ou seja, anular a referência à unidade dos trabalhadores. O que não está visto são os novos n.ºs 6 e 7 da proposta do CDS.

O Sr. Presidente: - Em suma, viram-se as propostas relativas aos n.ºs 1 e 4 do CDS, do PSD e do PRD, faltando agora a discussão dos n.ºs 6 e 7 propostos pelo CDS, que são do seguinte teor:

6 - Os representantes eleitos dos trabalhadores têm direito a protecção legal equivalente à estabelecida para os membros das comissões de trabalhadores.

7 - As contas das associações sindicais devem ser públicas, nos termos da lei.

Uma vez que o CDS não se encontra aqui presente para fazer a sua justificação, há alguém que queira intervir?

Como sabem, o n.° 6 proposto pelo CDS é uma alteração em relação ao n.° 6 do actual artigo 56.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que talvez valesse a pena discutir - como, aliás, ontem o fizemos - e que talvez não haja obstáculo a que se discuta conjuntamente a proposta do CDS respeitante ao n.° 4 e a do PSD respeitante ao mesmo número.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O n.° 4 já foi discutido ontem. É apenas necessário discutir o problema das referências à unidade dos trabalhadores.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, só discutimos a questão da eliminação da expressão da parte final "fundamento da unidade das classes trabalhadoras", mas sucede que o CDS tem, além dessa proposta de eliminação, duas outras propostas, onde substitui a formulação "confissões religiosas" por "expressões...".

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não. O Sr. Deputado Nogueira de Brito disse que isso tinha sido um lapso. É "confissões", como é óbvio. A palavra "expressões" não tem aí significado nenhum.

O Sr. Presidente: - Rectificado o lapso, não resta mais nada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Resta então a segunda alteração em que o CDS, talvez também por lapso, substitui a expressão "garantias adequadas" por "garantias necessárias".

O Sr. Almeida Santos (PS): - Aí não será lapso.

O Sr. Presidente: - Mas V. Exa., sobre isso, o que é que quer dizer?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não vislumbro a razão que possa ter levado o CDS a ter proposto esta alteração. A expressão "garantias adequadas" abrange não só todas as garantias necessárias, como as mais apropriadas para a realização da finalidade. Nesse sentido, esta expressão é mais abrangente e mais rica do que o inciso "necessárias". Por consequência, não vemos a mínima vantagem nessa proposta. Aliás, o PSD não teve a iniciativa de propor a alteração do que quer que fosse nessa matéria, a não ser aquilo que pudemos discutir na reunião plenária passada.

O Sr. Presidente: - Exacto. No nosso entendimento, as garantias adequadas devem ser as necessárias e não vislumbro a necessidade de estarmos a introduzir uma modificação no texto constitucional a esse respeito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Também nós não. Por consequência, indicia-se uma conjugação de vontades.

O Sr. Presidente: - E, uma vez essa conjugação de vontades suficientemente indiciada, poderemos talvez passar ao número seguinte.

O n.° 6 proposto pelo CDS é uma alteração em relação à redacção do actual n.° 6 do artigo 56.° Enquanto que no actual n.° 6 se diz:

A lei assegura protecção adequada aos representantes eleitos dos trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.

O CDS propõe a fórmula:

Os representantes eleitos dos trabalhadores têm direito a protecção legal equivalente à estabelecida para os membros das comissões de trabalhadores.

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Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a alteração proposta pelo CDS nesta matéria só adquire pleno sentido se se tiver em conta que o CDS propõe, no tocante ao artigo 54.°, uma alteração que, aliás, já tivemos ocasião de apreciar. Não deixa, no entanto, de ser estranha ou pouco compreensível a operação técnico-jurídica que é proposta, porque, verdadeiramente, o que o CDS parece pretender é tomar como padrão da delimitação da protecção legal devida aos representantes dos trabalhadores a protecção dos membros das comissões de trabalhadores. Assim, essa protecção passaria a ser a protecção padrão a partir da qual se afeririam todas as demais. A Constituição seguiu a técnica contrária, por razões, de resto, históricas, geralmente conhecidas, e estabeleceu uma protecção equiparada, tomando como base a protecção reconhecida aos delegados sindicais.

Ora, não se vislumbra por que é que o CDS pretende inverter a protecção de referência, até porque, como se sabe, o CDS não tem propriamente uma predilecção exaltante pelas comissões de trabalhadores a ponto de as arvorar em paradigma da protecção mais plena e mais forte constitucionalmente devida a quaisquer representantes dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Usa a técnica da remissão, mas talvez aqui não seja a mais conveniente.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E que não é uma remissão pura e simples.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Essa é outra questão. É uma remissão com perda de conteúdo e com desnaturação.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é uma remissão simples. Se aqui se reproduzisse o texto tal qual, seria apenas uma questão sistemática. Mas não é isso que acontece, pois é retirada a palavra "condicionamento" e a "limitação" terá de ser "abusiva".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, uma vez que não me compete estar a defender a proposta do CDS, mas penso que, quando o CDS diz considerar a proposta em termos equivalentes, isso terá de se entender como sendo nos termos do n.° 3 daquilo que o CDS propõe para o artigo 54.°

O Sr. Almeida Santos (PS): - Só que no n.° 3 do artigo 54.° o CDS não propõe exactamente o que está no n.° 6 do artigo 56.°

O Sr. Presidente: - A proposta do CDS para o n.° 3 do artigo 54.° diz:

A lei assegura protecção adequada aos membros das comissões de trabalhadores contra quaisquer formas de constrangimento ou limitação abusiva do exercício legítimo das suas funções.

O Sr. Almeida Santos (PS): - É que aqui refere-se a expressão "condicionamento, constrangimento ou limitação" e o CDS diz só "constrangimento ou limitação abusiva", o que são duas coisas diferentes.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, penso que não valerá a pena tardarmo-nos muito nesta discussão. Nós também estamos de acordo, como se pode ver pela nossa proposta, em que não haja alterações nesta matéria.

Quanto ao n.° 7 do artigo 56.° proposto pelo CDS, esse, sim, é uma proposta de aditamento, em que se ordena a publicidade das contas das associações sindicais.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é bem a publicidade. O CDS não diz que as contas devam ser publicadas, mas que devam ser públicas, o que é diferente. Quando as contas são "públicas", quem quiser pode ir lá vê-las. Quando se diz "publicadas", quer dizer-se conhecê-las através de publicação.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, a minha interpretação é um pouco abusiva, embora não perceba bem, pois nesta matéria de contas, se as contas não forem publicadas, o seu grau de publicidade é muito menor.

O Sr. Almeida Santos (PS):-Sendo "públicas", têm de ser franqueadas.

O Sr. Presidente: - É verdade. Simplesmente, todos os sócios têm direito desde logo a fazê-lo e, portanto, se não forem publicadas, é um pouco difícil esse franqueamento. É, inclusivamente, um pouco discutível que esta seja a melhor forma de publicidade, para além do estatuto de sócio, porque, mesmo em matéria diferente - como é o caso das sociedades anónimas, em que se exige a publicação num jornal -, essa será uma forma de garantir a publicidade diferente do franquear o acesso, que, em princípio, o estatuto de sócio dá aos respectivos sócios.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A expressão normal, neste caso, é "devem ser públicas ou publicadas" e não "são públicas".

O Sr. Presidente: - Efectivamente, a minha interpretação útil do preceito seria a de que as contas fossem publicadas. Isso tem sentido.

O problema que pode pôr-se é o de saber se a proposta quer abranger as associações sindicais como uma área em certas zonas onde os jornais diários não são frequentemente lidos, uma vez que se trata de zonas do País que não têm jornais diários. Mas, mesmo assim, não vejo nenhum inconveniente em que se assegure a publicidade.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas é que mesmo o conceito de contas é complicado. Uma coisa é o relatório final, as contas finais e o balanço final, outra são as contas, todas elas. As sociedades anónimas publicam o seu resultado final, o seu relatório e contas, pois por contas entende-se o resumo final das mesmas, e não todo o seu movimento.

O Sr. Presidente: - Terão de ser as contas finais, porque senão a proposta não teria sentido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, podemos, naturalmente, prolongar o debate sobre esta matéria, mas o CDS deverá, seguramente, apresentar

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alguns fundamentos e algumas aclarações que dêem resposta às interrogações, muitas das quais produzidas agora pelo Sr. Presidente e pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Porque do instituir, sem mais, em termos latos e, de resto, inespecíficos, a obrigação de dar carácter público - e isto é o que flui do preceito, tal qual ele está redigido- às contas das associações sindicais, deixa indeterminada a noção de contas e até a noção das associações sindicais. Serão todas, no sentido que V. Exa. apontou, ou noutro qualquer, dada a natureza complexa da malha da organização sindical? E qual a margem de publicidade que, a partir daqui, seria susceptível de ser imposta pelo legislador ordinário? Estamos, evidentemente, a dar ao legislador ordinário um poder determinado, conformando a sua liberdade de actuação segundo determinadas balizas. Ora, neste caso, são balizas muito latas. Excessivamente latas, como é manifesto.

As questões relacionadas com a transparência são, seguramente, relevantes no quadro do Estado de direito democrático. Sabe-se que as associações sindicais estão sujeitas, obrigatoriamente, a princípios de independência e de autonomia, que se revestem da maior importância, e a forma de acautelar e de garantir esses princípios é uma questão fundamental. Em todo o caso, o atribuir-se ao Estado um poder indelimitado numa esfera como esta poderia, naturalmente, vir até a pôr em perigo a própria malha de garantias que às associações sindicais são conferidas constitucionalmente. Não quereríamos, a título nenhum e sem prejuízo das preocupações gerais de transparência, viabilizar, através deste meio, a abertura daquilo que a Constituição quis fechar para que as associações sindicais possam exercer as suas finalidades próprias em condições adequadas. Nesse sentido, Sr. Presidente, creio que o debate sobre esta matéria deverá ser enriquecido com muitas e muitas precisões para que possa ter um mínimo de utilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, existe aqui um propósito de detalhar certos aspectos do estatuto que, porventura, está em contraste com a ideia de que a Constituição deve ter apenas as normas mais fundamentais e mais básicas, e não aspectos, embora importantes, de natureza regulamentar ou, pelo menos, de natureza de maior detalhe e que não são atinentes às questões mais essenciais.

Suponho que o Sr. Deputado José Magalhães tem razão em dizer que, se depois o CDS quiser apresentar alguma justificação que nos possa introduzir qualquer elemento clarificador, poderemos voltar a esta análise. Caso contrário, os problemas foram levantados e já se encontram suficientemente dilucidados.

Assim, passaríamos ao artigo 57.° e, sem reproduzir aquilo que disse inicialmente, pediria ao Sr. Deputado José Magalhães que fizesse uma sucinta justificação da proposta do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente refere-se ao n.° 2 ou aos n.ºs 2, 4, 5 e 6?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que pode fazer-nos o favor de justificar toda a proposta, porque esta matéria tem uma unidade razoável, para que a possamos discutir em conjunto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visa-se, através destas propostas, clara e abertamente, alargar a margem de tutela constitucional das associações sindicais em torno de algumas questões que a experiência de aplicação da Constituição veio a revelar particularmente importantes. A primeira é a que diz respeito à participação na definição, execução e controle das principais medidas económicas e sociais nos órgãos ou instituições públicas tendentes a efectivar este direito. Se, em relação à criação de estruturas públicas de participação, houve, na circunstância política portuguesa, um debate que teve desenvolvimentos -de resto, não tão longínquos como isso- o que permitiu firmar a existência entre nós de concepções muito diversas do que seja a participação, de quais devam ser as linhas de orientação de cada força social quanto à participação e exercício de direitos nas estruturas públicas existentes, quanto à forma de relacionamento entre essas estruturas públicas e os órgãos de soberania e quanto à articulação entre a actividade nessas estruturas e a acção directa através de outros mecanismos, designadamente da luta de massas nas suas diversas expressões, etc., etc., parece hoje pacífica a necessidade de consagrar constitucionalmente aquilo que é a realidade registada.

Há, por um lado, no movimento sindical uma determinada atitude face à questão da participação - uma atitude de insistência -, uma atitude de reivindicação permanente da possibilidade de fazer ouvir a voz em estruturas e em órgãos com natureza participativa e há, por outro lado, criado pela lei ordinária (num terreno de estruturas que não tinha sido constitucionalmente imaginado, mas que não era constitucionalmente proibido), o Conselho Permanente de Concertação Social.

Não se trata, quanto a nós, de fazer consagrar qua tale qualquer estrutura com a denominação que efemeramente possa ter e com a história que tem - aquela que comecei por referir -, mas creio que seria positivo. De resto, há uma proposta do PS de sentido semelhante, mas com outro cariz e com uma marca ideológica mais precisa, o que para nós não seria virtude nesta matéria.

Qual é o sentido da nossa primeira proposta de alteração? Sem procurar reproduzir mimeticamente aquilo que a realidade veio edificando e está consagrado legalmente com determinada configuração que pode ser transitória, sem transpor para a Constituição polémicas já desfechadas sobre o sentido, alcance e limites de participação, pretendemos conseguir uma cláusula que sublinhe sem marcas excessivas uma ideia simples, qual seja a de que, havendo instituições públicas ou órgãos tendentes a efectivar o direito de participação, neles devem estar as associações sindicais, sendo seu direito, e direito bastante relevante, intervir na definição, execução e controle das principais medidas económicas e sociais.

Isto pode ter acrescida importância uma vez que há, em relação aos mecanismos normais de planeamento, um choque de concepções ou uma diferença de atitudes que lamentavelmente se traduz, de resto, pelo incumprimento substancial da arquitectura constitucional do planeamento democrático.

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A segunda proposta é de simples apresentação. Visa-se consagrar como direito específico e próprio das associações sindicais o direito de apresentar candidaturas para juízos sociais nos tribunais do trabalho. Esta magistratura não togada pode ter, ou vir a ter, uma importância que, infelizmente, não tem tido. É um afloramento de mecanismos de participação popular na administração da justiça - neste caso de participação dos próprios trabalhadores. Sendo as associações sindicais organizações vocacionadas para a promoção e defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem, compreende-se muito particularmente que tenham um papel relevante no processo de designação de juizes sociais nos tribunais do trabalho. É uma coisa a encorajar, não é uma coisa a restringir e a fazer definhar.

A terceira proposta diz respeito à questão da negociação. No nosso caso, não se trata de procurar transpor para a Constituição todo o manancial de questões que hoje se colocam em relação à esfera própria da celebração de convenções colectivas de trabalho e outros instrumentos de tipo similar e da necessidade de conferir um acrescido papel a essa forma de "normação". Trata-se, neste caso apenas, tão-somente, de enfatizar a questão do dever de negociação, isto é, trata-se de propor o aditamento, e tão-só disso, da expressão "e às consequências da violação do dever de negociação". No modelo de discussão que está subjacente às convenções colectivas de trabalho - existem seguramente posições contrapostas -, havendo uma negociação em curso, a lei não deve ser imune e indiferente à violação ou à ruptura ou à pura indiferença negociai, devendo estabelecer consequências para a violação do dever de negociação, com o que naturalmente ficará mais líquida e mais precisa toda a problemática dos contornos do próprio fenómeno da negociação.

Em relação à proposta constante do n.° 5, trata-se do terreno, que já percorremos anteriormente, de permitir às associações sindicais que intervenham num processo na qualidade de autor em defesa do interesse colectivo da categoria, independentemente do exercício do direito de acção pelo trabalhador, o que se poderá vir a revestir de significativa importância, sem contrariar, no entanto, a própria margem de autonomia e de liberdade do trabalhador, que poderá sempre ser acautelada pela própria lei ordinária. Há lugares paralelos, há fórmulas que são hoje lei em vigor que permitem ultrapassar eventuais áreas de conflito ou de indeterminação que se registem por força da instituição de mecanismos como o que agora propomos que seja consagrado.

O n.° 6 proposto pelo PCP visa dar resposta a uma questão de grande importância. De grande importância nos dias que vivemos e de grande importância no futuro, ainda que o PSD, como sabemos, esteja empenhado em reduzir o espaço do sistema de segurança social como sistema unificado público. Trata-se de estabelecer nos mais diversos escalões, isto é, de forma vasta e a diversos níveis, a participação dos trabalhadores, através das associações sindicais, nos órgãos de gestão directa e nos órgãos consultivos das instituições de segurança social. Há aqui a preocupação de que isso se opere não apenas a certos níveis do sistema, mas aos diversos níveis, orientação tendente a potenciar os próprios benefícios da intervenção e da participação de quem tem da situação dos trabalhadores um conhecimento directo e imediato e, naturalmente, um interesse em impulsionar as orientações e os actos concretos de gestão favoráveis à defesa dos interesses dos trabalhadores e à defesa do sistema unificado de segurança social, que tão importante é para aqueles que para ele descontam e para os demais, como sabemos.

Assim, Sr. Presidente, muito sucintamente e sem prejuízo de ulteriores declarações, tenho por apresentadas as propostas do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Presidente: - A seguir, temos uma proposta do PS, que é uma proposta de aditamento da alínea d). Quer o PS, sucintamente, justificar a dita proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é necessário, na medida em que nós institucionalizamos a concertação social em outro lugar. Não faz senão sentido que aqui, num artigo relativo ao direito das associações sindicais e contratação colectiva, se inclua a competência ou o direito de se fazerem representar nesses organismos. Tem toda a lógica.

O Sr. Presidente: - Segue-se o projecto do PSD. Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Em relação a esta alteração que o PSD propõe na alínea a) do artigo 57.°, n.° 2, repetem-se os fundamentos pelos quais no artigo 55.° o PSD propôs, relativamente à participação na elaboração da legislação do trabalho, substituir a palavra "participação" pela expressão "pronunciar-se sobre".

A razão pela qual o PSD, de facto, tenta substituir a expressão "participação" pela expressão "pronunciar-se sobre" obedece, antes de mais, a um argumento prático, porque até hoje a participação na legislação não tem sido mais do que os trabalhadores pronunciarem-se sobre e, por outro lado, a própria dificuldade de limitação do alcance da noção de participação é por de mais evidente. O problema de participação põe-se, antes de mais, no sentido de indagar se ela é uma participação vinculante ou não vinculante. Se for vinculante, integra de forma vinculativa o acto legislativo subsequente, e aí põem-se questões ainda mais graves, como seja o facto de essa participação poder constituir uma espécie de entorse ao princípio da representatividade consagrado na Constituição e, portanto, aos próprios poderes político e legislativo, que estão na base do acto em causa, isto é, da legislação sobre o trabalho. Exactamente por virtude dessa dificuldade de delimitação do alcance da ideia de participação e por virtude do respeito ao princípio da representatividade, que está na base da legitimidade para a criação de actos legislativos, e ainda tendo em conta o argumento prático daquilo que até hoje se tem constatado, o PSD propõe que se substitua a palavra "participação" pela expressão "pronunciar-se sobre", obviamente nos termos da lei.

O Sr. Presidente: - A alínea c) diz:

Participar no controle de execução dos planos económico-sociais [...]

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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A eliminação da alínea c) vem, obviamente, e também já referimos isso ontem a propósito dos problemas do controle de gestão, no sentido de uma linha de lógica não planificadora da economia - no sentido que a Constituição actual assinala- e das suas formas de expressão.

O Sr. Presidente: - A ID tem também uma proposta...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Poderia fazer uma pergunta à Sra. Deputada Assunção Esteves, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Nós depois iríamos discutir em conjunto, mas certamente, se for algo que não...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - A proposta da ID relativa à alínea b) do n.° 2, lida com atenção, mostra que o que de novo contém é o aditamento da expressão "nos níveis central, regional e local dos respectivos sistemas". Naturalmente que a justificação da proposta é evidente. Visa assegurar um direito que a Constituição já consagra, mas assegurá-lo a todos os níveis, portanto desde o nível central ao local. De algum modo, esse inciso também está contido na parte final do n.° 6 da proposta do PCP, que o resume de outra forma - "a todos os níveis do sistema" -, ao passo que na nossa proposta os níveis explicitados são os central, regional e local. Tal facto significa, naturalmente, que esta preocupação foi, também sentida no projecto de alteração do PCP e, portanto, é apenas uma forma de aperfeiçoamento.

Já tive ocasião de verificar que houve também, embora na minha ausência, uma concordância entre a proposta da ID e outra do PSD. Verifico, portanto, que também partilhava das mesmas preocupações.

Independentemente disso, e relativamente a esta proposta, gostaria de dizer que ela visa tornar mais explícitos e garantidos os direitos já estabelecidos na Constituição, explicitando os níveis em que essa participação se exerce.

O Sr. Presidente: - O PRD quer justificar sucintamente esta sua proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Penso que a proposta do PRD relativamente a esta questão não necessitaria de qualquer justificação, pois, no fundo, trata-se de incluir a expressão "elaboração" na alínea c) do n.° 2 do artigo 57.°, procurando atribuir também, como direito, às associações sindicais aquilo que, de certo modo, o PRD propõe eliminar no artigo 55.°, respeitante às comissões de trabalhadores. Em vez da expressão "participação no controle de execução", propomos a expressão "participar na elaboração e no controle de execução". Como se viu, propúnhamos a eliminação da alínea d) do artigo 55.°, onde se referia, entre outros, o direito de "participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector".

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que querem intervir na discussão, gostava de confirmar, em relação à ID, se o não incluir a alínea c) nem pôr aqui nenhumas reticências foi um lapso de transição. A alínea c) mantém-se, obviamente, na proposta da ID. Não é verdade, Sr. Deputado Raul Castro?

O Sr. Raul Castro (ID): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não está no texto e convém fazer essa correcção.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia suscitar algumas questões ao Sr. Deputado José Magalhães referentes à proposta que o PCP apresenta.

A proposta foi defendida, embora não tenha sido posto ênfase na questão que me parecer ser, aliás, a mais relevante. Com propriedade, o PCP define, na nova alínea d) que propõe, três níveis de participação das associações representativas dos trabalhadores, das associações sindicais, em matéria económica e social: definição - primeiro nível -, execução - segundo nível - controle - terceiro nível.

Começando por este último, sempre se poderá dizer que a proposta é, aparentemente, redundante, na medida em que não é difícil distinguir o que seja o controle da execução das principais medidas económicas e sociais daquilo que já se contém na alínea c) do n.° 2, "participar no controle de execução dos planos económico-sociais", designadamente partindo do princípio, portanto, de que esses planos, de acordo com o modelo constitucional, e não forçosamente com a prática que tem sido seguida, são instrumentos abrangentes, que contêm o essencial das medidas económico-sociais, sobre os quais se justifica que haja controle por parte das associações sindicais. Portanto, nesta vertente sempre se poderia considerar que há aqui uma zona de sobreposição, se não mesmo de redundância.

O primeiro nível, o da definição das principais medidas económicas e sociais, também parece recobrir uma realidade já contemplada na Constituição através da participação das associações representativas dos trabalhadores, designadamente das associações sindicais, no Conselho Nacional do Plano e nas tarefas que competem ao Conselho Nacional do Plano, no quadro da elaboração dos planos económico-sociais.

A inovação, portanto, situa-se, essencialmente, no domínio da execução e talvez não fosse totalmente despiciendo tentar delimitar melhor o que é este conceito de direito de participação das associações sindicais na execução das principais medidas económico-sociais, na medida em que, ou este direito de participação tem um conteúdo e uma natureza distintos dos outros, ou então há aqui uma certa ambiguidade na definição das funções que competem aos órgãos da Administração

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e das funções que competem às associações representativas dos trabalhadores, designadamente às associações sindicais. Naturalmente que a execução das principais medidas económicas e sociais cabe ao Estado, cabe à Administração, enquanto agentes dessas mesmas medidas.

A Constituição contempla, já hoje, claramente fórmulas de participação na definição, formulas de participação no controle, e a questão agora colocada pelo PCP é inovatória, pelo que importa precisar qual o seu conteúdo, qual a prefiguração da participação na execução das medidas económico-sociais.

A segunda observação relaciona-se com o facto de haver também, em certa medida, uma redundância entre aquilo que já hoje se consagra na alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° da Constituição - o conceito de participação na gestão das instituições de segurança social - e o disposto no n.° 6 da proposta do PCP, que diz que a lei estabelece as formas de participação na gestão directa e nos órgãos consultivos das instituições de segurança social, assegurando que a mesma se exerça a todos os níveis do sistema. A minha interpretação é a de que o que está contido na alínea b) do n.° 2 permite plenamente que o legislador ordinário consagre soluções que são aquelas que estão prefiguradas na proposta do n.° 6 do PCP, isto é, que ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° se consagrem, através da lei ordinária, formas de participação das associações sindicais na gestão da Segurança Social, nos órgãos de gestão, eles próprios, em termos directos, bem como nos órgãos consultivos dessas mesmas instituições, assegurando, por essa via, que todos os níveis do próprio sistema de segurança social sejam contemplados pelo disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 57.°

Portanto, a questão é saber o que é que acrescenta este n.° 6 em relação àquilo que já está previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° e que o PCP e o PS mantêm.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a V. Exa. que esclareça, uma vez que estamos com a "mão na massa", o que é que quer dizer a expressão "violação do dever de negociação". Será só a recusa a negociar ou também a violação do acordo negociado?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também me tinha inscrito para intervir, uma vez que gostaria de formular algumas questões, que nem sempre têm necessariamente um destinatário individualizado.

A primeira questão respeita ao modelo de sociedade que pretendemos conformar e que, de algum modo, aflora na proposta de aditamento de um novo n.° 6 ao artigo 57.° da autoria do PCP.

Entretanto, recordo que quando em 1976, no auge de uma certa óptica revolucionária, se escreveu que a Constituição era transitória e se destinava a assegurar o exercício do poder pelas classes trabalhadoras, que seriam, juntamente com o MFA, o motor da revolução, percebia-se que se consubstanciassem alguns poderes de impulsão e de controle nos trabalhadores representados pelos sindicatos. Portanto, substituía-se a ideia de "cidadão" pela de "trabalhador", que, em princípio, seria mais restritiva. Pelo menos, a parte da população não activa não teria esses direitos.

No entanto, essa visão da Constituição de 1976, na sua versão primitiva, foi abandonada ou, pelo menos, eliminada das suas expressões mais impressivas em 1982. Acontece, porém, que tenho alguma dificuldade em perceber por que é que o PCP, a menos que insista nesse modelo, vem agora na sua proposta de aditamento de uma nova alínea d) do n.° 2 do artigo 57.° referir o seguinte:

Participar na definição, execução e controle das principais medidas económicas e sociais e nos órgãos ou instituições públicas tendentes a efectivar este direito.

E digo isto porque este preceito constante da alínea d) pode parecer, afinal de contas, significar uma exasperação daquilo que se tem, por vezes, intitulado o "Estado neocorporativo" como um refinamento do pluralismo social, mas circunscrito apenas aos organismos representativos dos trabalhadores, o que me parece uma visão não só unilateral, como ainda, de algum modo, uma visão que diminui a legitimidade dos órgãos políticos representativos de todos.

Daí que gostasse de perceber de uma maneira mais clara e justificada as razões por que o PCP apresenta este aditamento. Diga-se, aliás, de passagem, que isso está ligado à razão por que o PSD propõe a eliminação da expressão "participação no controle dos planos económico-sociais". Há, de facto, dois motivos básicos para isso, que são os seguintes: o primeiro é que não nos parece que o papel da planificação deva ter a mesma relevância que a Constituição lhe emprestou na sua versão actual; o segundo é que julgamos que não se deve legitimar a existência futura de um controle por parte das associações sindicais.

Na verdade, o problema da participação no controle das medidas económico-sociais é uma coisa e uma outra completamente diferente é o ser ouvido e tomado em consideração nessas mesmas decisões. Isto é, a meu ver, um afloramento dessa ideia que, como eu disse há pouco, alguns autores comentam em termos neocorporativos e que não tem nada a ver com quaisquer expressões totalitárias ou autoritárias que foram conhecidas entre as duas guerras mundiais. Esta minha observação quanto aos citados planos também se dirige, evidentemente, ao PRD, que, aliás, reforça mais a ideia que já vinha da alínea c), e, igualmente, aos partidos que mantêm essa mesma alínea.

Seguidamente, não me atardaria em comentários ao n.° 4 do artigo 57.° proposto em aditamento pelo PCP, porque tenho as mesmas dúvidas que foram formuladas pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

Gostaria, porém, quanto ao n.° 5, de perguntar em que termos é que esta legitimidade em defesa do interesse colectivo, independentemente do exercício do direito de acção pelo trabalhador, respeita a autonomia processual e substantiva dele. Digo isto porque já tivemos nesta sede uma larga discussão sobre esta matéria. Se, evidentemente, o interesse de categoria pudesse ser perfeitamente cindido do individual e, designadamente, o caso julgado não abrangesse o trabalhador, não haveria então qualquer diminuição desta autonomia da parte individual interessada. Se, porém, assim não for, vamos ter um fenómeno de colectivização, embora sectorial, sobre o qual já tivemos, de

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resto, oportunidade de trocar impressões quando discutimos o problema mais genérico da acção popular e da acção pública a propósito também de uma sugestão ou proposta do PCP.

Além disso, no que concerne ao problema suscitado pelo n.° 6, referente à questão da participação na gestão directa em órgãos consultivos das instituições de segurança social, devo dizer que isto se liga com uma matéria que teremos oportunidade de discutir a respeito do artigo 63.° Contudo, a nossa ideia é que as instituições de segurança social terão um cunho público, mas poderão também existir por via da iniciativa privada. De facto, não vemos que seja apenas, e necessariamente, o Estado que possa promover instituições de segurança social. Pensamos que elas são necessárias e aí é justificável que exista uma participação por parte dos interessados. De resto, a ideia de fazer participar os interessados nas medidas e nas instituições que lhes dizem respeito e sejam destinatários é uma ideia positiva. As fórmulas neocorporativas, de que falei há pouco, não vão nesse sentido, mas sim no de extravasar para além disso, como seja o dar-lhes poderes de controle e decisão, que, em princípio, só deverão caber aos órgãcs políticos, e que é uma coisa distinta.

Entretanto, gostaria de saber se o PCP tem isto em consideração e como pensa resolver o problema da iniciativa privada neste sector, o que, aliás, se coloca também em matéria de saúde. Já agora, perguntaria: por que não haver, em relação ao sistema de saúde, uma participação das associações sindicais na gestão desses órgãos? Parece que faria sentido pelo mesmo tipo de razões. De facto, ou se aceitam uns e se aceitam também os outros, ou, não se aceitando uns, não se aceitam igualmente os outros.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quero também colocar algumas questões ao Sr. Deputado José Magalhães sobre o texto proposto pelo PCP para o artigo 57.°, já que não ouvi a justificação que apresentou. As perguntas que quero fazer incidem fundamentalmente nos n.ºs 4 e 5.

Relativamente ao n.° 4, o Sr. Deputado José Magalhães defendeu ontem, por várias vezes, a autonomia colectiva face à competência do legislador ordinário no domínio das comissões de trabalhadores e das organizações sindicais. O PCP parece perfilhar um pouco essa defesa ao propor, este aditamento ao n.° 4. Ou seja, as regras respeitantes à legitimidade para a celebração de contratos colectivos, quando haja vários sindicatos - e suponho que o problema só surge nessa perspectiva -, são cometidas ao legislador ordinário. Perante isto, pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães se entende ou não que há uma contradição entre esta norma e a defesa a outrance da autonomia colectiva feita a propósito das disposições anteriores. Qual é o sistema que o PCP tem em mente? É um sistema vazado, por exemplo, naquilo que é hoje a lei francesa, que consolida situações elaboradas longamente pela jurisprudência a respeito da definição do sindicato mais representativo?

Quero ainda colocar uma outra questão, que se prende com o n.° 5 e não tem propriamente a ver com a pergunta colocada pelo Sr. Presidente. Pergunto se o PCP pretenderá, pela via indirecta da introdução deste n.° 5, consagrar o princípio da representação da categoria que não seja contra o princípio da representação dos sócios inscritos, como emanação directa de uma certa concepção da liberdade sindical consagrada no n.° 1 do artigo 57.° da Constituição. Poderá sempre um sindicato intervir na defesa da categoria mesmo que não esteja em causa um trabalhador seu associado ou esteja em causa um trabalhador associado de um sindicato concorrente, representante porventura da mesma categoria, mas de outros trabalhadores?

O Sr. Presidente: - V. Exa. ainda vai mais longe do que eu nesta matéria. De facto, fiz uma interpretação mais cautelar do texto apresentado pelo PCP referente a este preceito. No entanto, subscrevo as suas dúvidas.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Parece-me, Sr. Presidente, que o PCP tem uma certa inclinação para a representação da categoria, que, aliás, conhecemos. É por isso que questiono o Sr. Deputado José Magalhães sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - É uma vocação categorial natural!

Pediria então àqueles que se considerem como destinatários destas perguntas que respondam, se acaso o pretenderem fazer.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não quero deixar de sublinhar a pergunta colocada pelo Sr. Deputado António Vitorino e manifesto também o meu interesse em conhecer a resposta à questão colocada a propósito da proposta de aditamento de uma alínea d) ao n.° 2 do artigo 57.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, o PCP subscreve, no texto da proposta de aditamento de um novo n.° 5 ao artigo 57.°, a expressão "interesse colectivo da categoria, independentemente do exercício do direito de acção pelo trabalhador". Perguntar-lhe-ia, pois, o que é que isso quer dizer, nomeadamente a parte final do inciso, ou seja se o termo "independentemente" significa "sem prejuízo" ou se refere mesmo à separação processual. De facto, o termo "independentemente" é um advérbio confuso no contexto da alínea. No fundo, pretendo saber se as associações sindicais podem constituir-se parte na mesma acção ou se, ao invés, têm de exercer o direito de acção em processo separado do interposto pelo trabalhador.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, são, de facto, variadíssimas questões da maior relevância.

Começaria por responder ao último bloco de perguntas, que é talvez o mais simples. Refiro-me às razões pelas quais o PCP apresenta propostas tendentes a garantir melhor a participação dos trabalhadores nas instituições de segurança social. O Sr. Presidente teve ocasião de evocar o passado e, simultaneamente, de apresentar um determinado modelo de futuro no que

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respeita à segurança social. Entretanto, sucede que é extremamente difícil que se reedite hoje a polémica que presidiu à aprovação do artigo 63.° da Constituição, sendo certo que esse preceito foi objecto de um debate na primeira revisão constitucional, que conduziu à alteração, ainda que sem distorção de sentido, de algumas das características do sistema. De facto, ao alterar o n.° 3 do referido artigo 63.° e ao precisar a margem constitucional de actuação possível para as instituições particulares de solidariedade social, avançou-se no sentido de adoptar uma determinada clarificação da margem não pública de actuação consentida. Acontece, porém, que isso não tem a mínima confusão possível com a concepção que o PSD tem do que deve ser a Segurança Social. O PSD tem, como, aliás, o seu projecto revela, uma concepção contrária a um verdadeiro sistema social unificado e descentralizado. Mantém naturalmente a expressão "unificado" no n.° 2 do artigo 63.°, mas na proposta de alteração do n.° 3, que será atempadamente discutida, prevê a instituição de um verdadeiro direito à criação de instituições particulares de solidariedade social e de segurança social, sem especificar quais sejam os limites e, naturalmente, as fronteiras de cada um dos sistemas que se edificariam desse modo.

Portanto, o modelo de que o PSD parte não é o constitucional, mas sim aquele que deseja ver consagrado constitucionalmente e que na acção governativa concreta procura ir aplicando através da multiplicação de esquemas paralelos, complementares e outros. Refiro-me até aos esquemas que procuram fazer com que muitos dos riscos a que o sistema unificado de segurança social visa dar resposta sejam cobertos por outras formas, como seja por via de financiamento privado ou não público. Nesse sentido várias modalidades são imagináveis e algumas delas já estão em aplicação.

Ora, o PCP parte, sem nenhuma imaginação (o que, aliás, aqui só será mérito), do sistema constitucional na sua presente arquitectura e insere-lhe alguma coisa que o Sr. Deputado António Vitorino sublinhou muito bem não passar de uma explicitação daquilo que hoje consta da alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° O PCP poderia ter adoptado uma técnica legislativa diferente daquela que adoptámos e limitarmo-nos a reescrever a alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° Era um caminho possível, mas optámos por não o fazer. Seguimos como regra que, quando houvesse aditamentos que se traduzissem em meras explicitações, deveríamos subscreveras sob forma de novos números, ou até, em certos casos, de novos artigos, unicamente para não reescrever, com particularizações, aquilo que está bem escrito. Neste caso, entendemos que o n.° 2 do artigo 57.° está bem redigido. É comummente entendido que o direito de participação na gestão das instituições de segurança social inclui a própria gestão, ou seja, não se compadece com a mera relegação para actividades em órgãos de fiscalização e consultivos. Do mesmo modo, julgamos que, tratando-se na alínea b) do n.° 2 do artigo 57.°, das instituições de segurança social, uma interpretação restritiva que leve a que onde a Constituição alude a essas entidades se coloque tão-somente a expressão "certos níveis de instituições de segurança social" é inadequadamente limitativa. Não tem, aliás, fundamento.

Portanto, nesse sentido, as propostas referentes ao artigo 63.° do PCP não são senão, como o Sr. Deputado António Vitorino observou correctamente, a explicitação de alguma coisa que já flui da alínea b) do n.° 2 do artigo 57.° No entanto, sabemos que a interpretação desta norma constitucional e sobretudo a prática, a orientação legislativa, têm sido particularmente hostis e adversas à ideia de consagrar com a amplitude adequada o direito de participação assim entendido. A virtude da proposta apresentada pelo PCP é precisamente a de não deixar nenhuma dúvida quanto ao alcance que se deve dar a este direito. A pergunta de alguns será saber se isto tem alguma coisa a ver com Portugal dos anos oitenta/noventa. A nossa proposta traduzirá uma atitude onírica, puramente imbuída de uma utopia de carácter saudosista ou ultra-revolucionária? Nós entendemos que não! Pensamos que, por um lado, a Constituição, no seu teor actual, deve ser cumprida e não o está a ser. Para isso há, naturalmente, os mecanismos de resistência adequados, cujo exercício, como sabem, enfrenta muitas dificuldades, e não é propriamente uma pletora o conjunto de meios disponíveis para o efeito. Porém, quem queira engenhar ou conceber um modelo de organização social, designadamente no tocante à importância da Segurança Social, poderá dificilmente conceber que o sistema seja todo ele arquitectado com preterição de uma normal participação daqueles que são os maiores contribuintes possíveis para o financiamento, isto é, aqueles a quem se destina basicamente - embora não exclusivamente? Que concepção é que, razoavelmente, se pode reclamar da supressão dessa participação? Essa é que é a pergunta a que o PSD não responde. E deve a participação ser simbólica, participação castrada?

Não! É evidente que a proposta do PCP deve ser lida face à Constituição que há, e não face à do PSD, que não há. Na Constituição do PSD, que não há, haveria que ponderar-se qual poderia ser o lugar para a participação dos trabalhadores nas instituições privadas. Que participação é que seria concebível? Que níveis de intervenção das associações sindicais? Eis a questão que nós, à partida, não equacionámos, porque o modelo em que assentou esta construção era e é um modelo que não comporta a componente que o PSD quer meter-lhe. Se o PSD lhe conseguir meter essa componente -coisa que é tudo menos certa ou, pelo menos, não tem resposta neste momento-, haveria que pensar se precisamente esse sistema não teria obrigatoriamente que comportar uma componente significativa de participação para menos desnaturação. Essa é uma questão que não colocámos, porque o PSD nem sequer explicitou como é que configura as fronteiras entre o sistema público e os múltiplos sistemas privados.

A nossa proposta, em todo o caso, pode ser bastante importante para garantir a ultrapassagem de algumas das perversões e principais defeitos e vícios do sistema de segurança social, tal qual está a ser orientado, com resultados que se perfilam como quase catastróficos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, quando diz "quadros catastróficos", refere-se ao défice?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente. Refiro-me ao défice e à vossa gestão.

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Em relação à questão da legitimidade das associações sindicais, gostaria de dizer o seguinte: fiquei extremamente surpreendido porque o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que nestas matérias tem, além do mais, uma profunda experiência e um muito antigo conhecimento, vislumbrou na nossa proposta um alcance que ela, a título nenhum, queria ter e que, creio, não comporta. Quando se refere que as associações sindicais têm sempre legitimidade processual como autora em defesa do interesse colectivo da categoria, pensa-se nas associações sindicais competentes, isto é, a lei ordinária define uma determinada estrutura e um determinado conjunto de competências para as associações sindicais, reparte as ditas competências entre elas, da forma que é conhecida - reparte hoje de uma forma, pode repartir amanhã de outra. Em todo o caso, nós não quisemos aqui bulir minimamente com a melindrosa problemática que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui evocou, designadamente a questão de saber se, por força deste dispositivo, haveria uma corrida de determinadas associações sindicais em defesa dos associados de outras associações sindicais de uma outra orientação ou se poderia haver uma verdadeira situação de "descobertura" de certos trabalhadores, cujos interesses poderia ser relevante defender, etc. Aí verdadeiramente se presume, ou está subjacente à nossa proposta, um adjectivo que deve estar sempre subjacente a tudo, qual seja o de "competentes": as associações devem agir em função das suas competências, tal qual são definidas, segundo os critérios próprios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Suponho que o Sr. Deputado José Magalhães não veria nenhum inconveniente em que fosse introduzida na redacção do preceito essa melhoria, esse esclarecimento dos "competentes", ou então uma referência ao n.° 1, o que para mim já seria satisfatório. Poderia dizer-se "sem prejuízo do disposto no n.° 1";

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, creio que tudo é sempre "sem prejuízo do disposto no n.° 1", isto é, penso que todo o artigo 57.° deve ser lido tendo em conta o que dispõe o seu n.° 1. É inútil que no n.° 2 se diga "sem prejuízo do disposto no n.° 1" e nos n.ºs 3 e 4 se diga "sem prejuízo do disposto no n.° 1". É evidente que tudo é sempre "sem prejuízo do disposto no n.° 1".

Quanto à fórmula mais correcta para exprimir isso, creio que, para além do contributo decorrente do próprio debate que estamos a fazer, será sempre possível encontrar um adjectivo competente. Andamos, pois, em busca do competente adjectivo. Pela nossa parte não haveria nenhuma dúvida em, face a tais preocupações de competência, equacioná-las e consagrá-las explicitamente e palavra a palavra.

Às dúvidas suscitadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos e pelo Sr. Presidente nesta matéria pode responder-se da seguinte forma: não se trata de violar a autonomia do trabalhador, trata-se de o defender, mas não contra a sua vontade. Pode ser particularmente importante que haja uma intervenção sindical em defesa do interesse colectivo de uma determinada categoria, ainda que não haja impulso processual de concretos trabalhadores atingidos. Pode ser antes dessa acção, desse impulso; se for concomitantemente, se for já no decurso de um processo encetado por iniciativa do trabalhador, a lei processual prevê as formas, e deve fazê-lo, de essa intervenção ser conjugada e simultânea e não poder ser prejudicial (no sentido exacto de virada contra o trabalhador). Quando nós escrevemos "independentemente do exercício do direito de acção pelo trabalhador", não queremos dizer independentemente da vontade do trabalhador. Também não é no sentido de "sem prejuízo do exercício do direito de acção pelo trabalhador". A intervenção sindical pode verificar-se em vários cenários: no cenário da omissão, portanto no cenário da passividade do trabalhador (e, portanto, nesse caso, o "independentemente" quer dizer "apesar de o trabalhador estar silencioso") ou no sentido de "ao lado do trabalhador" (no caso de ele ter tido essa iniciativa) e de forma convergente, segundo regras de paralelismo, mas não interferência prejudicial. Creio que na situação limite, em caso de conflito entre o trabalhador, no caso concreto, e a associação sindical, é evidente que o titular do direito subjectivo não deve poder ser defendido em juízo contra a sua vontade.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença?

O Sr. José Magalhães (PCP): - E o estatuto processual da entidade sindical é o adequado a esse efeito, pelo que não há riscos de confusão ou de preterição possíveis.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Mas, portanto, se bem percebo, a ideia do Sr. Deputado José Magalhães é a seguinte: a disponibilidade da tutela por parte do titular do direito manter-se-á sempre, isto é, o direito subjectivo encabeçado num trabalhador, ou interesse legítimo, se for caso disso, e a respectiva tutela judicial estão sempre na disponibilidade do seu titular, o que significa que poderá, inclusivamente, não aproveitar do caso julgado, se assim o entender, ou, pelo contrário, aproveitar na forma processual que vier a ser julgada adequada.

Penso que, provavelmente, a expressão "sem prejuízo" garantiria melhor essa ideia, mas existe uma outra dúvida que, talvez não tendo as consequências directas atribuídas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, não deixa de se me afigurar pertinente. Uma vez que existe pluralismo sindical, uma vez que não há uma associação sindical para cada categoria, poderá haver um problema de conflito - digamos assim - de associações sindicais que pretendem defender o mesmo interesse de categoria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso está respondido pela expressão "competente".

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado José Magalhães aceitou qualificar a associação sindical detentora deste poder e que será a associação sindical competente, o que, relacionado com o n.° 1 do artigo, permitirá porventura afastar a possibilidade de concorrência.

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O Sr. Presidente: - É duvidoso que assim seja. Percebo e registo o que foi dito, mas pode haver muitas zonas em que não existam convenções colectivas de trabalho e, portanto, esse critério não sirva. Também podem existir trabalhadores não sindicalizados ou zonas com dois sindicatos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Neste caso, entendo que a introdução da palavra "competente" elimina a possibilidade de intervenção do sindicato.

O Sr. Presidente: - Porque passa a ser competente.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Se não se tratar de um trabalhador nele filiado, o sindicato não tem competência.

O Sr. Presidente: - Então teria sido preferível dizê-lo apertis verbis.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Também acho e por isso formulei a pergunta, Sr. Presidente.

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, em relação à questão da categoria, trata-se de uma pura decorrência de os sindicatos terem a definição que têm, isto é, de serem entendidos como organizações dos trabalhadores de determinada categoria profissional, ou de determinado sector de actividade, para defender os interesses desses trabalhadores como categoria geral, independentemente da empresa onde trabalhem.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E da categoria do trabalhador?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tudo ocorrerá nos termos decorrentes da própria definição de associação sindical.

É evidente que são possíveis diversas precisões em determinadas áreas. Em todo o caso, será importante que não fique nenhuma dúvida sobre o facto de não pretendermos senão um reforço, que seria bastante importante, da intervenção de estruturas particularmente vocacionadas para imprimir à defesa dos interesses colectivos uma força que o trabalhador atomizado não tem, por definição. É certo, aliás, que não é rara na nossa realidade social a pressão no sentido do não exercício de direitos (isto é, tendente a impedir o acesso ao direito numa das suas acepções mais nobres e mais importantes e a jugular à partida a forma normal democrática constitucional de dirimir litígios e conflitos), originando fenómenos perfeitamente patológicos e preocupantes. O facto de se consagrar uma cláusula deste tipo não vazaria ou não poria imediatamente cobro á proliferação de fenómenos desse tipo, mas poderia vir a ter, se adequadamente exercido, um impacte bastante positivo.

Concluo, portanto, que poderá ser interessante afinar redacções. Pareceu-me deparar com um generalizado interesse na possibilidade de que, sem equívocos e sem qualquer margem de ambiguidade, se pudesse avançar num normativo que possa alargar de forma harmoniosa - longe de qualquer, tão receada pelo Sr. Presidente, colectivização sectorial- um reforço sectorial e parcial, mas positivo e bem medido, da possibilidade de intervenção das associações sindicais em defesa de interesses constitucionalmente tutelados.

Em relação à outra questão suscitada por diversos Srs. Deputados, qual seja a questão relacionada com o direito à contratação colectiva, o Sr. Deputado Nogueira de Brito evocou aqui bastante bem o facto de ter ontem insistido na ideia de que pode ser extremamente importante para o desenvolvimento futuro do País levar a cabo uma reavaliação funda dos termos em que a autonomia colectiva tem sido encarada. Poderá conceber-se que o modelo que tem estado em vigor, no qual as fronteiras entre a lei e a autonomia colectiva têm sido umas, não seja o único possível. É possível que o espaço reservado à lei seja menor e o espaço reservado à autonomia colectiva maior, com o correspondente alargamento da própria importância do papel reservado à contratação colectiva, nomeadamente na empresa. Isto implica, naturalmente, uma enorme reflexão sobre o próprio modelo de contratação colectiva em vigor, que, como sabem, é excessivamente vazado na experiência corporativa, é restringido, limitado, e poderia apontar para que esse modelo passasse a incluir a possibilidade de negociar matérias económicas e organização do trabalho e da própria empresa. O modelo que está em vigor é largamente restritivo em todos estes domínios e é sustentável que possa ser perigosamente restritivo e inadequado.

Aquilo que o PCP visa através desta proposta de aditamento de uma nova expressão ao n.° 4 do artigo 57.° é contrariar a ideia de que o direito de contratação colectiva se satisfaça com um simples direito de negociação.

Entendemos que a arquitectura constitucional deveria ser alargada para enfatizar mais fortemente o dever de negociação - é evidente que o legislador ordinário ficará com um amplo poder de definição da eficácia da ruptura, da violação deste dever por parte da entidade que o violar, mas essa é uma questão que não poderemos atalhar em sede constitucional. Embora creia, aqui, que seria útil que se pensasse mais largo do que apenas com os olhos postos na experiência de contratação herdada do corporativismo, com as mutações que, naturalmente, com a ruptura, lhe introduzimos após o 25 de Abril, com resultados que, francamente, não são satisfatórios.

O Sr. António Vitorino (PS): - Só para caracterizar um pouco esta última asserção que fez - o dever de negociação a que aqui se refere é susceptível de ser interpretado como um dever geral de negociação ou um dever de negociação constituído por força da previsão expressa de lei nesse sentido. Não sei se me fiz entender...

O Sr. Presidente: - Não fez.

O Sr. António Vitorino (PS): - Se o que aqui se consagra é um dever geral de negociação, constituído pela própria lei fundamental e, consequentemente, com maior ou menor amplitude, consagrado na lei ordinária, mas sempre com o pano de fundo do texto constitucional, ou se, pelo contrário, o dever de negociação é constituído pela sua previsão em concreto na própria lei ordinária, caso a caso, sector a sector, ou até mais,

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vários sectores a vários sectores conjuntamente - aí as soluções podem ser múltiplas. Qual é a fonte constitutiva deste dever de negociação? A Constituição, consagrando-o como dever geral, ou cada lei em concreto, definindo para cada caso os seus precisos contornos?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na fórmula que está no projecto do PCP e que começa, como o texto actual da Constituição, pelo sujeito "a lei" - "a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas" e "a lei estabelece as regras respeitantes às consequências da violação do dever de negociação".

O Sr. António Vitorino (PS): - O que não resolve o meu problema!

O Sr. Almeida Santos (PS): - E não resolveu também a minha dúvida.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é resposta para a minha questão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A minha é só esta: até hoje vivemos mais ou menos agarrados à ideia da liberdade negociai e não percebo como é que possa existir uma obrigação de negociar que vá para além disto: sento-me à mesa e digo: faça o favor de formular a sua proposta; depois digo: não aceito a sua proposta; alterada esta, também não aceito; alterada de novo, ainda a não aceito; ao fim de n dias, depois de n propostas e n recusas, digo: respeitei o meu dever de negociar! Só que não negociei nada, porque desde a primeira hora recusei todas as propostas. Não concebo o acto de negociar como uma obrigação, concebo-o como um direito: liberdade negociai no sentido de direito de negociar. A menos que a proposta se refira ao dever de respeitar as consequências da negociação, ou seja o negociado. Se não é este o sentido, considero a proposta muito pouco conciliável com o princípio de liberdade negociai. Vamos eliminar o princípio da liberdade negociai? Ou vamos encarar a negociação como um direito e não como um dever?

Tinha perguntado isso há pouco e pareceu-me que V. Exa. não respondeu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Desejava obter um esclarecimento quanto à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, relacionado com o regime actual da contratação colectiva, tal como consta da lei ordinária. Suponho que, no fundo, a proposta do PCP não vai mais longe do que impor ao legislador ordinário aquilo que já hoje lhe está cometido. Talvez o Sr. Deputado José Magalhães possa esclarecer esta questão.

Queria também dizer que há aqui um direito de contratação colectiva, mas também um dever de negociar, que é, a meu ver, um dever de boa fé negociai. É evidente que tal dever não tem outras consequências que não as de fazer evoluir o processo de negociação para fases subsequentes, porque não é possível obrigar por outra via as associações patronais ou as empresas a negociar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não tenho nenhuma objecção a que o Sr. Deputado Raul Castro use da palavra neste momento, sem prejuízo de poder responder atempadamente a algumas das questões que ficaram em aberto.

O Sr. Presidente: - VV. Exas. ponderarão da fungibilidade das vossas intervenções ou da não fungibilidade das mesmas.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, a questão é que a minha intervenção não se destinava a participar no diálogo estabelecido em relação às propostas do PCP, mas sim a me pronunciar sobre as diferentes propostas, que não apenas as do PCP.

A primeira consideração que quero fazer é a de que me parece que se podem dividir as várias propostas em duas espécies: as que visam realmente assegurar os direitos das associações sindicais e a contratação colectiva - naturalmente, considero incluídas aqui todas as propostas, excepto a do PSD - e as que não têm esse objectivo - a do PSD. Começaria por esta última.

A justificação que a Sra. Deputada apresentou refere-se às duas propostas do PSD, a saber: a eliminação da alínea c), ou seja da participação no "controle de execução dos planos económico-sociais", e a substituição na alínea d) da palavra "participar" pela palavra "pronunciar-se". Naturalmente, como a Sra. Deputada lembrou, esta proposta está conexionada com uma proposta idêntica em relação ao artigo 55.° As justificações dadas é que não colhem. Aquilo que a Sra. Deputada nos apresentou foi o facto de não ter havido até agora uma prática no sentido do cumprimento destas disposições, mas tal razão não pode conduzir a eliminar essas normas da Constituição, porque então teríamos de eliminar muitas outras disposições, que, infelizmente, também não são cumpridas. Não desejaria até lembrar, em especial, alguns direitos relativos às mulheres que, embora consignados na Constituição, não são, de facto, cumpridos - e não é por isso que devemos eliminá-los.

A Sra. Maria Assunção Esteves (PSD): - É um facto que na prática não se tem verificado, exactamente porque é problemático que se verifique. Não é pelo facto de a prática não se ter verificado, é por ela não se ter verificado por ser problemático verificar-se. É por isso que atendemos a esse argumento.

O Sr. Raul Castro (ID): - Não sei o que é ser problemático. Por outro lado, isso representaria uma entorse aos chamados princípios representativos para a criação dos actos legislativos. Com este argumento esquece-se de que o que está aqui em causa não é o princípio representativo dos actos legislativos, mas uma característica da Constituição: a democracia participativa, que não está apenas consagrada nestas normas e que os comentadores consideram uma das características mais importantes da Constituição portuguesa.

O Sr. Presidente: - Em que termos é que V. Exa. considera que essa democracia participativa é diferente da ideia "gaulista" de participação? Foi expendida nessa época com grande veemência e foi muito discutida.

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O Sr. Raul Castro (ID): - Considero que não tem nada a ver com a ideia "gaulista" de participação, mas sim com os termos exactos em que é assumida na Constituição, não só em relação aos trabalhadores, mas também aos cidadãos em geral. Ou seja, a democracia participativa é democracia participativa porque nem a intervenção dos cidadãos na democracia se extingue com o acto de votar e eleger os seus representantes, nem tão-pouco a dos trabalhadores se extingue com a eleição dos órgãos sindicais opinativos de classe; comporta muitas outras faculdades de intervenção, que são definidas na Constituição. Isto não colide nem põe em causa o princípio representantivo da criação de actos legislativos; ninguém põe em causa que a competência para a criação de actos legislativos pertence aos órgãos definidos na Constituição. O que também não se pode pôr em causa é este princípio participativo. Na realidade, substituir a expressão "participar" por "pronunciar-se" ou simplesmente eliminá-la é esquecer ou violar uma das características fundamentais, referida, aliás, pelos comentadores da Constituição, que é a democracia participativa.

Desejaria ainda chamar a atenção para o facto de, nomeadamente no projecto do PRD, se acrescentar ao n.° 2 algo que me parece importante, que é a expressão "além de outros direitos que a lei lhes confira". O PRD, com este acrescento, tem em vista não inviabilizar, mas, pelo contrário, ressalvar que, além dos direitos das associações sindicais previstos na Constituição, há que ter em conta aqueles outros que por lei lhes são atribuídos.

Relativamente à proposta do PS, embora seja a proposta mais ténue no sentido de reforçar os direitos das associações sindicais, é também uma proposta positiva, na medida em que estabelece o direito de as associações sindicais se fazerem representar nos organismos de concertação social. É uma proposta positiva porque tal direito não existia na lei. Existe, efectivamente, um organismo de concertação social, e o reconhecimento constitucional daquele direito é importante.

Em relação às várias propostas que o PCP apresenta, elas traduzem de forma mais extensa a preocupação de todas as propostas, com o reforço dos direitos das associações sindicais. Nessa medida, merecem a nossa concordância, embora admita que, num ou noutro ponto, necessitariam de algum aperfeiçoamento que corresponda à ideia expendida pelo Sr. Deputado José Magalhães quanto àquilo que, face a objecções apresentadas, era a sua intenção. De qualquer forma, queria salientar que, em relação aos n.ºs 4 e 5, a novidade não está na constitucionalização directa dos princípios, mas na criação da obrigatoriedade de a lei adoptar os princípios que aqui são referidos. Quer no n.° 4, quer no n.° 5, a proposta do PCP remete para a lei, ao dizer que "a lei estabelece as regras respeitantes [...]". O regime não fica estabelecido na Constituição, mas destes dois números da proposta do PCP resulta a obrigação de as leis futuras terem em consideração estes princípios. Isto embora se reconheça que se trata de matéria da competência da lei, e não da Constituição, relegando-se, portanto, para a lei ordinária a regulamentação da matéria. Para nós é importante ficar estabelecido que a lei deverá consagrar estes princípios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o Sr. Deputado Nogueira de Brito alertou para um aspecto relevante em relação à questão do direito à contratação colectiva. Visa-se suprimir algumas dúvidas, apenas na extensão em que isso é possível em termos constitucionais, porque é evidente que todo o modelo de contratação colectiva depende, em larga medida, de opções a adoptar pelo legislador ordinário e a sua margem de liberdade é substancial nessa matéria. Ainda por cima, o direito de contratação colectiva é, como sabemos, um bom exemplo de um conjunto ou feixe de faculdades jurídicas das mais diversas concretizações; implica, naturalmente, a faculdade de apresentar propostas de convenções colectivas, de negociá-las, de outorgar os acordos que, enventualmente, sejam conseguidos; implica a faculdade de exigir o reconhecimento da capacidade negociai por parte daqueles que a tenham; implica a faculdade de exigir a resposta às propostas negociais que sejam apresentadas e resposta atempada e pela forma própria; implica que haja matéria para discutir, para negociar, e, por outro lado, implica que o Estado use, accione na altura própria, meios que permitam evitar a frustração, o falhanço do direito à contratação colectiva, sem o que a proclamação constitucional seria nula quanto à sua eficácia. É neste último campo, o da prevenção da nula eficácia, que se insere a proposta do PCP. É evidente que os termos em que esse dever de negociação será instituído e delimitado dependem, em larga medida, do legislador ordinário. Este haverá de ponderar as formas de - sem enveredar para um sistema de imposição que seja incompatível com a restante arquitectura constitucional e, em particular, com as características da constituição laboral - assegurar a potenciação, ao máximo nível, do êxito negocial, prevendo os adequados meios de incentivos, os adequados meios de sanção no plano jurídico, etc.

Não fomos demasiado longe na delimitação dos contornos desse dever, nem o proclamámos - como o Sr. Deputado António Vítorino receava - em termos absolutos. Limitámo-nos a enunciar uma fórmula em que, pressupondo um dever de negociação, atribuímos ao legislador ordinário o poder de o delimitar rigorosamente. É evidente que sabemos que se discute entre nós se está instituído um verdadeiro dever jurídico de negociar colectivamente, susceptível de se contrapor ao direito sindical subjectivo á negociação colectiva. Em todo o caso, o contributo que se desgarraria da proposta do PCP clarificaria largamente a questão, implicaria, mais do que a evidente proibição de dilação/obstrução, a consagração inequívoca de um dever; quanto aos contornos, o legislador ordinário poderia e deveria dirimir o que houvesse para dirimir, acautelando as mais elementares exigências do princípio da boa fé e prevenindo as práticas desleais e irregulares.

É esta a minha observação nesta circunstância, sabemos nós também, como o Sr. Deputado Nogueira, de Brito aqui evocou, que em França a lei de 13 de Novembro de 1982 veio consagrar um verdadeiro e próprio dever jurídico de negociar, em termos que devem ser, naturalmente, tidos em consideração.

Sr. Presidente, deixei em aberto, gostosamente, por ser talvez mais simples, a primeira questão - que diz respeito à proposta de reforço da intervenção de associações sindicais no que diz respeito à política económica e social. O Sr. Deputado António Vitorino tem

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toda a razão ao sublinhar que há uma zona de relativa sobreposição entre os conteúdos constitucionais adquiridos e os conteúdos que agora se propõem - quod abundai no nocet. Admito, no entanto, que a necessidade de definição de fronteiras rigorosas possa levar ao burilar de redacções.

Porém, não percebi, rigorosamente, qual fosse a posição do PSD. O PSD estava extremamente perguntador, mas nada adiantou quanto ao sentido e à atitude geral face à questão central colocada pelo PCP. Não percebi qual fosse a vossa atitude, Srs. Deputados do PSD, em relação à ideia básica contida na proposta, qual seja a de que deve haver uma participação nas instituições públicas e nos órgãos tendentes a efectivar o direito de definição, execução e controle das principais medidas económicas e sociais.

Assim sendo, a opção de fundo cifra-se em se saber se se deve projectar para a Constituição mecanismos participativos traduzidos na criação de órgãos novos -como alguns daqueles que já foram aqui referidos durante o debate- ou se a Constituição deve continuar silenciosa nessa matéria, caso em que os direitos gerais de participação não excluirão que o legislador ordinário crie as mais diversas estruturas com as mais diversas configurações, mas com um grau de tutela mais baixo do que aquele que seria adquirido se se consagrasse aqui uma cláusula deste tipo.

Não respondi, evidentemente, à questão relacionada com o "controle" porque a noção de "controle" não poderia ser distinta daquela que hoje consta da alínea c) do n.° 2 do artigo 57.° da Constituição.

Quanto à noção de "participação", ela não poderia ser diferente da noção de "participação" que está constitucionalmente consagrada e que horripila o PSD, mas que não se traduz num direito de veto, nem num direito de bloqueio, e sim no direito de, por um lado, existir um conhecimento público de certas coisas que estão em debate ou que vão ser objecto de deliberação e, por outro lado, num direito de pronúncia atempada sobre essas mesmas coisas (e num direito de pronúncia e de intervenção em termos tais que possam ter um impacte sensível, que se veja, e que seja referenciável nas próprias decisões a adoptar). A participação, neste caso, também não passa disso.

O que pudesse ser a participação na execução propriamente dita seria, seguramente, não um veto em relação à execução, não um direito de substituição da Administração na execução, mas uma certa margem de associação, de conhecimento ou de intervenção na execução de certas medidas que podem ser particularmente relevantes para as associações sindicais e para as organizações de trabalhadores, designadamente para algumas das que se relacionam com as condições em que os salários neste país são aumentados ou diminuídos e em que são fixados patamares, plataformas e limites que podem ser extremamente relevantes para que os trabalhadores saibam que tipo de situação é que vão, num determinado período, enfrentar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, na medida em que em curtas frases é possível explicitar o pensamento sobre esta matéria - que é, naturalmente, rica e complexa -, eu referiria o seguinte: V. Exa. acabou de dizer, a propósito da questão do controle, que este está relacionado com a alínea c) do n.° 2. Ora, como já referimos, na proposta do PSD propõe-se a eliminação dessa alínea e V. Exa. diz que a nossa posição é extremamente clara.

No que diz respeito à questão da participação nos órgãos ou instituições públicas tendentes a efectivar este direito, para além de problemas de redacção que não vale a pena estarmos agora aqui a discutir, a ideia que temos é esta: em primeiro lugar, não gostaríamos de acentuar - e aqui respondo a uma pergunta feita pelo Sr. Deputado António Vitorino - fórmulas que apontassem para uma recorporativização da sociedade. Mas isto não exclui a ideia - e, de resto, como V. Exa. sabe, o PSD colaborou, decisivamente enquanto estava no Governo, na instituição do Conselho Permanente de Concertação Social -, pelo contrário, reforça-a, de que é necessário encontrar fórmulas de discussão e de concertação social. E isso é traduzido por nós na criação - que foi uma criação do IX Governo - do Conselho Permanente de Concertação Social, de que fizemos parte e que tem sido apoiado claramente pelos ulteriores governos de exclusiva responsabilidade do PSD.

É por isso que não temos objecção de fundo quanto à proposta apresentada pelo PS, embora tenhamos dúvidas sobre se, do ponto de vista sistemático e para dar uma impressão correcta, a melhor forma seja - admitindo que a vamos consignar na Constituição - a de inserir uma alínea d) neste n.° 2 ou se, pelo contrário, seria de considerar que uma das atribuições do Conselho Económico e Social fosse, justamente, a concertação social. Isto por razões que são de ordem sistemática e que traduzem também a perspectiva por que encaramos o assunto, perspectiva essa que é mais objectiva e mais geral, e não apenas, predominantemente ou prevalecentemente, assente na ideia de que esse é um direito subjectivo das associações sindicais.

É que não se trata apenas das associações sindicais, mas também, obviamente, das associações patronais e do próprio Estado. Diz respeito à organização social como um todo e não deverá ser vista apenas e exclusivamente sob o ângulo dos direitos subjectivos das associações sindicais. É este o sentido com que não vemos, de uma forma positiva, a proposta do PCP.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas fazer uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães sobre a intervenção que fez há pouco, porque não fiquei bem esclarecida. Quando se referiu ao dever de negociação, o Sr. Deputado falou no contrapólo do direito de negociação pelas associações sindicais. Não sei se quis referir, em termos técnicos, que este dever é efectivamente o correlato desse direito - e, nesse caso, creio que seria pior, porque o dever seria uma sujeição - ou se falou disso para excluir essa hipótese de ligação entre este dever e aquele direito. É porque, se já causa alguma preocupação a ideia de dever de negociação, causa muito mais se esta tiver uma estrutura jurídico-normativa de sujeição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sra. Deputada Assunção Esteves, em relação à questão que colocou, é evidente que a matéria é discutida entre nós. Não vale a pena e seria até mau que se fizesse um debate destes sem se ter em consideração que há quem considere que

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as disposições legais em vigor - que prevêem, como sabe, que os destinatários das propostas de convenção colectiva respondam a essas propostas em tempo determinado - prevêem expressamente que haja certos casos de legítima recusa de negociação, o que deixa antever que, noutros casos, a recusa é ilegítima e, portanto, não aceitável.

Por outro lado, sabe-se que o recurso à regulamentação do trabalho por via administrativa pode tornar-se necessário, precisamente pelo facto de haver recusa de celebração de convenção e, portanto, de negociação com êxito, o que permite configurar a existência de um dever. Só que, como sabe, há quem entenda também que não. Nada impede, no entanto, que seja configurada como dever a situação jurídica subjectiva da entidade que se opõe aos trabalhadores (o que tem exemplos claros no direito britânico e, como há pouco o Sr. Deputado Nogueira de Brito citava, no direito francês).

Não se tratará, porém, da imposição do direito a um resultado. Porque é bastante diferente, como V. Exa. sabe, um dever de negociação e um dever de contratação. Um dever de contratação não é pensável como tal, não é susceptível de ser imposto, mas já um dever de negociação é susceptível de ser configurado como tal.

As articulações entre as duas posições jurídicas -a de um dos pólos negociais e a do outro pólo de negociação - podem ser configuradas em termos muito variáveis segundo as legislações ordinárias e o dever pode ser, ele próprio, delimitado em condições e com exigências muito diferentes. A nossa lei já o faz em boa medida, poderia fazê-lo em maior medida e a Constituição dizê-lo inequivocamente seria uma boa ajuda para isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, espero que esta alusão às "consequências da violação do dever de negociação" não faça regressar novamente a regulamentação por via administrativa, razão por que há pouco referi que as consequências da violação de tal dever apenas se traduzem numa aceleração do processo negociai e, portanto, numa aceleração do próprio processo de conflito a que a contratação colectiva visa pôr termo. É que houve realmente uma fase, no nosso direito recente, em que elas tinham como consequência a intervenção do Estado, regulamentando por via administrativa, e isso é que efectivamente me parece ser incompatível com a autonomia colectiva que o Sr. Deputado José Magalhães tanto tem defendido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em tudo o que disse está naturalmente pressuposto que o modelo desejado é aquele que enunciei, e não outro, e que, portanto, ao potenciar-se o dever de negociação, se está mesmo a potenciar esse dever, que, ainda por cima, quereríamos ver num contexto alargado, com a supressão de algumas peias e com algumas limitações de objecto à negociação, por forma que pudessem ser contempladas determinadas matérias, quer a nível geral, quer a nível de empresa, que hoje é vedado contemplar. Não queria eu dizer outra coisa ao aludir à necessidade de redefinição das esferas da autonomia colectiva, de um lado, e da lei, do outro.

Em relação às questões colocadas pelo Sr. Presidente, no tocante à defesa das posições do PSD nesta matéria, gostaria de fazer apenas uma observação: é evidente que se pode, em sede de revisão constitucional, consagrar um conceito tão marcado ideologicamente, até, como o de "concertação social". Andar-se-ia por um caminho que, no entanto, é mais apertado do que aquele -largo- que propomos, ao aludir-se apenas a órgãos e instituições públicas de participação. E que podem ter naturezas muito diversas, e lembro que, por exemplo, hoje o Decreto-Lei n.° 74/84, de 2 de Março, no seu artigo 2.°, ao definir as atribuições do chamado Conselho Permanente de Concertação Social, como órgão consultivo com composição tripartida, inclui, entre essas atribuições, precisamente, a de "pronunciar-se sobre as políticas de reestruturação e de desenvolvimento sócio-económico, bem como sobre a execução das mesmas", quer através da emissão de pareceres que lhe sejam requisitados pelo Governo, quer por propostas e recomendações da sua própria iniciativa.

Por outro lado, são atribuições do Conselho "propor soluções conducentes ao regular funcionamento da economia" - e eu não sei que impressão é que este texto produziria ao Sr. Presidente se fosse proposto pelo PCP -, "tendo em conta, designadamente, as suas incidências no domínio sócio-laboral", e o Conselho deverá ainda "incrementar a recolha e divulgação da informação especializada no domínio sócio-económico". Nem mais, nem menos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, compreendo que o texto proposto pelo PCP seja muito amplo, mas, inclusivamente, sei que o elemento sistemático e a que a própria razoabilidade da proposta eliminariam essa interpretação. Mas, literalmente, pergunto se a Assembleia da República e o Govêrno não são instituições públicas que participam na definição, execução e controle das principais vias económicas e sociais, o que quer dizer que a largueza é tão ampla que vem abranger órgãos que, por outras razões, obviamente, não poderão ser considerados como aqui incluídos.

Isso afigura-se-me ser claramente de mais em termos de largueza, mas, para além desse aspecto, existe um outro, que é este: eu tenho dúvidas de que se justifique, sobretudo pela via da consignação de um direito das associações sindicais, explicitar aqui a concertação social. Admito, por exemplo, que isso possa vir a fazer-se através da ideia de um conselho económico e social em que uma das suas atribuições seja essa, por hipótese. Na altura oportuna veremos isso, mas, em qualquer circunstância, o que me impressiona, apesar das observações que foram feitas - e esta é uma nota, não propriamente em termos polémicos, mas uma nota de análise -, é que esta proposta tem subjacente uma ideia de legitimidade particular de um tipo de cidadãos, que são os trabalhadores, em relação a certas medidas de que são destinatários, o que significa uma corrente, do ponto de vista do espectro político, que vai da direita à esquerda na sociedade actual e que acentua este aspecto que os autores têm chamado de neocorporativo, mas que não tem nada a ver com o problema do corporativismo entre as duas guerras, nem com o cor-

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porativismo fascista italiano ou com o da ditadura portuguesa. Não é nada disso, mas apenas esta ideia de acentuação de particulares direitos ligados a estamentos, mesmo que sejam direitos de participação.

Admito - e isso é, inclusivamente nas sociedades democráticas actuais, muitas vezes entendido como uma forma de reforço, que outros entenderam de degeneração, da sociedade pluralista, do pluralismo de grupos - que, na perspectiva da Constituição (e o PSD nesta matéria corporizou esse entendimento na sua proposta), não deve acentuar-se esse relevo, ainda por cima com a agravante de ser unilateral, visto que é apenas relativo aos trabalhadores, e daí eu o ter citado, pois há uma razão histórica para isso, que esse aspecto está ligado à ideia inicial do exercício do poder político pelas classes trabalhadoras, e isso esteve no texto da Constituição, não o podendo nós, portanto, ignorar.

Diz-me V. Exa.: mas é o modelo que o PCP perfilha. Compreendo-o e não estou a negá-lo. Não é o modelo que nós perfilhamos, nem o modelo que queremos para a sociedade portuguesa. É só.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a minha interrupção é aclaradora e, nesse sentido, é clarificadora e útil, embora, naturalmente, V. Exa. tenha sumarizado exactamente em que ponto do campo é que se encontra cada um dos interlocutores. Esses pontos são, evidentemente, opostos e, já agora, não ponhamos, na definição das posições relativas, centímetros e milímetros onde eles não estão e não estabeleçamos confusões. Por um lado, não flui da nossa proposta nenhuma concepção estamental ou de enfatizacão indébita de resquício co-notável com qualquer ordem como aquelas que foram aventadas pelo Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - Não é resquício. É visão de futuro para alguns.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois, Sr. Presidente, V. Exa. não enumera quem, e é fundamental "os quens" nesta matéria, porque, seguramente, nós não somos esses "quens".

Risos.

Agora, Sr. Presidente, a questão mais relevante é aquela que foi enunciada em segundo lugar. Aparentemente, o PSD tem a ideia - que é contraditória - de que não se deveria ir por esta via porque ela, de alguma forma, daria excessivo relevo às classes trabalhadoras, aos trabalhadores e às organizações sindicais, no caso concreto que estamos a discutir.

O Sr. Presidente: - Em relação aos cidadãos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação aos cidadãos, nas suas vestes de cidadania, as quais não são susceptíveis de uma leitura à século XIX, como todos sabemos.

Agora a questão que se coloca é a de saber se é uma visão unicitária aquela que está presente nesta matéria ou se ela pode ser mais pluralizável. A visão que aqui nos é dada -"não consagremos aqui nada"; "não aludamos aqui a nenhum direito de participação, pois direito de participação haverá, se o houver, no Conselho Económico e Social"; "não haverá que imaginar aqui nenhuma cláusula que dê entrada e que se harmonize com uma cláusula a colocar, lá à frente, quanto à criação de qualquer estrutura desse tipo" - creio ser contraditória. Isto é, nada impede que no artigo 57.° - que é o "artigo matriz" das associações sindicais - se inclua uma cláusula alusiva à participação em estruturas atinentes ao universo das medidas económico-sociais. Não baptizemos as entidades em que a participação poderá efectivar-se. Que margem de contradição é que há, Sr. Presidente, entre consagrar-se, x artigos à frente, um conselho económico-social e inserir-se no artigo 57.° uma cláusula de conexão que valha para aí (mas não só para aí, uma vez que o legislador ordinário pode criar outras estruturas de participação e este direito pode efectivar-se também nessas estruturas)? Não há nenhuma contradição, pode é não haver vontade política!

O Sr. Presidente: - Eu digo-lhe, Sr. Deputado José Magalhães. Do meu ponto de vista não é um problema de contradição, é um problema de coerência de proposta do ponto de vista da revisão constitucional. É evidente que, em primeiro lugar, não estamos a proibir que a lei ordinária o faça. Deixemos liberdade ao fluir da vida real para se avançar neste ou naquele sentido. Não vamos já tornar rígidos um sentido e uma orientação.

Em segundo lugar, devo dizer que é completamente diferente por razões de ordem sistemática. V. Exa. repare que, se nós, por hipótese, viermos a considerar no conselho económico-social uma concertação, esta não será apenas o direito visto numa perspectiva subjectiva de uma das entidades que participam na concertação social, é uma instituição com participação tripartida. Não vejo necessidade de fazer essa consignação constitucional; deixemos aberto o campo e, se for conveniente, refira-se que já existe, de resto, e não o contrariamos, a alínea b) do n.° 2, que consigna uma participação na gestão das instituições de segurança social, estaduais naturalmente. Sobre essas não temos dúvidas; quanto às segundas, debateremos o assunto quando analisarmos o artigo 63.°

Repito que tudo isto não significa que nós nos opúnhamos a que na legislação ordinária, dependendo das situações, existam esses direitos de participação, o que é diferente de criar-se uma obrigatoriedade ao nível constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, agradeço a clarificação. Naturalmente que a nossa posição é a que resulta daquilo que enunciei e dos argumentos que pude produzir.

O Sr. Presidente: - Estava a tentar clarificar a nossa posição, e não a vossa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostava apenas de perguntar a V. Exa. se existe alguma inclinação do PSD susceptível de ser objecto de formalização em relação à nossa ideia de que se consagre explicitamente como direito das associações sindicais o de apresentar candidaturas para juízos sociais nos tri-

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bunais do trabalho, dado que é matéria de alguma importância para as associações sindicais. Gostaríamos muito de saber se nesta área existe a mesma irredutível contraposição que o Sr. Presidente sumariou há pouco quanto ao tema que agora abordámos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, posso dar-lhe em primeiro lugar uma opinião pessoal. É simples, pois julgo que, a haver juízos sociais, as associações sindicais devem poder fazer essa indicação.

Quanto à sua institucionalização constitucional, julgo que não devemos fazê-la, embora gostasse de ter sobre isso uma reflexão mais aprofundada, visto que, obviamente, não é uma questão de princípio. É tudo uma questão de justificação da sua inclusão na Constituição como um direito, o que significa que os juízos sociais ficarão constitucionalizados. O meu problema é menos o da garantia do direito por parte das associações sindicais do que o de apontar para um caminho que fica com a rigidez e dignidade próprias da Constituição. Como V. Exa. sabe, os juízos sociais são uma experiência que está em curso e da qual ainda é cedo para se extraírem conclusões definitivas acerca dos seus resultados e não é, evidentemente, uma verdade de fé em termos de resolução dos conflitos de trabalho, embora, pessoalmente, seja favorável a essa ideia no campo do direito ordinário.

Talvez possamos passar adiante, tratando, do artigo 58.°

Sobre este artigo - direito à greve e proibição do lock-out - existem uma proposta do CDS para alteração do n.° 2 e eliminação do n.° 3 e uma proposta de eliminação do n.° 2 apresentada pelo PSD.

Perguntaria ao Sr. Deputado Narana Coissoró se lhe posso pedir uma justificação sumária da razão de ser da proposta do CDS, e depois passaríamos ao PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito explicitará a proposta do CDS de forma mais aprofundada.

Diria apenas que, do nosso ponto de vista, este princípio - aliás, como dizem Vital Moreira e Gomes Canotilho - não é mais do que um afloramento da inclinação laborista da Constituição de 1976. Não há nenhuma razão para abandonar o princípio da igualdade das armas, que aqui é claramente afastado, proibindo-se o lock-out. Naturalmente que o lock-out pode ser conjunturalmente proibido (pode aparecer uma maioria que o proíba e outra maioria que o suprima), mas não entendemos que em sede constitucional deva ser consagrado o princípio do desequilíbrio na igualdade das armas. É essa a razão pela qual entendemos que da Constituição não deve constar esta proibição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD propõe a eliminação do n.° 2 do artigo 58.° Esta norma tem sido objecto de controvérsia em várias sedes. A nosso ver, a greve constitui um dos direitos do conjunto dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores a estes reconhecido, aliás exclusivamente e em função desse estatuto, já que para nós a dimensão imediata deste direito é económico-social e só de forma reflexiva, política.

Pensamos que o enquadramento constitucional do direito à greve com relação à sua específica função no estrito domínio das relações laborais, e enquanto mecanismo de defesa dos interesses dos trabalhadores, nessa qualidade, não deve conferir legitimidade a formas de greve que extravasem esse âmbito, como é o caso das greves políticas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, faria um comentário complementar relativamente à expressão final do n.° 2 que o PSD pretende eliminar. Através desta expressão constitucionaliza-se a possibilidade de greves políticas ou de greves de solidariedade, que nada têm a ver com a defesa dos interesses laborais dos trabalhadores, que se pretende proteger através do direito a greve. Por conseguinte, a constitucionalização deste inciso, ou desta expressão, tem a ver com a criação de um poder paralelo que, ao fim e ao cabo, se contrapõe à legitimidade da representação nacional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Queria referir-me a este n.° 2 proposto pelo CDS relativo a uma espécie de consagração constitucional de uma limitação do direito de greve. Entendo por desnecessária esta fórmula que aqui se consagra - aliás, a própria lei da greve já a consagra. Isto não significa que não pudesse haver uma necessidade constitucional de o fazer, mas queria demonstrar que essa necessidade não está aqui presente.

De facto, atendendo à estrutura formal das normas sobre direitos fundamentais, que é uma estrutura que as caracteriza mais como enunciados ou princípios do que como regras num certo sentido -isto tanto ao nível da aplicação como ao nível da colisão de direitos-, passaria a explicar dois ou três pontos pelos quais considero desnecessária a consagração desta limitação. De facto, as normas sobre direitos fundamentais, e em especial as normas sobre direitos, liberdades e garantias, têm uma estrutura por mal de princípios, sendo, como diz a doutrina inglesa, starting points de regulação, e que se prestam efectivamente a ser ponderados conforme os valores com que venham de certo modo a colidir, estando também esses valores constitucionalmente defendidos. É um caso diferente das regras que têm uma aplicação "tudo ou nada".

Por outro lado, o próprio problema da colisão em matéria de direitos fundamentais, e tendo em conta essa estrutura formal de princípios, não é um problema que se resolve como o problema da colisão de regras, em que normalmente existe a invalidação do conteúdo de uma em função do conteúdo de outra que lhe será hierarquicamente superior. O problema da concatenação de direitos fundamentais que entre si possam colidir é sempre resolvido, na medida em que os princípios têm uma expressão de peso ou medida, que é sempre resolvido por um esquema de ponderação de valores e de concordância prática.

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Por entender o problema deste modo, da mesma forma que relativamente a outros direitos fundamentais não se consagrou um limite expresso, na medida em que esses limites decorrem da estrutura formal das normas, a que me referi, não considero que seja necessária essa restrição, por razões paralelas às mesmas que presidem ao não figurarem delimitações expressas relativas a outros direitos fundamentais, devendo a lei ordinária e depois a própria jurisprudência, quando for caso disso, proceder à ponderação de valores necessária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Penso que estas duas propostas - a do CDS e a do PSD - têm um ponto em que coincidem e pontos em que divergem.

Começando pelo ponto em que coincidem, que é a eliminação do actual n.° 2 do artigo 58.°, trata-se, a nosso ver, de uma das propostas mais graves apresentada na revisão constitucional. Efectivamente, a justificação apresentada pela Sra. Deputada Assunção Esteves, reconhecendo que a greve é um direito, mas que não se deve conferir tal direito para evitar as greves políticas ou de solidariedade, representa, no fundo, a negação da própria construção constitucional desse preceito. O que está em causa é que só aos trabalhadores compete definir o âmbito de interesses a defender, pelo que não se admitem intervenções exteriores à dos trabalhadores para definir tal âmbito. Quando a Sra. Deputada procura justificar a proposta do PSD, argumentando...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não estive a justificar, estive a rebater uma proposta do CDS.

O Sr. Raul Castro (ID): - Estou a referir-me à proposta de eliminação do n.° 2, e foi a Sra. Deputada...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não tem a ver com o problema da limitação de direitos, tem a ver com uma competência, que é uma questão diferente.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, o Sr. Deputado Raul Castro está no uso da palavra e a explicitar o seu pensamento, pelo que vamos ouvi-lo.

O Sr. Raul Castro (ID): - A palavra foi concedida à Sra. Deputada Assunção Esteves para justificar a proposta do PSD, e verifico que nesta a greve constitui um direito, mas que não se deve conferir um direito que torne possível a existência de greves políticas e de solidariedade. Isto como justificação da proposta de eliminação do actual n.° 2 do artigo 58.° constante do projecto do PSD. Volto a repetir que toda e qualquer proposta que parta do pressuposto de que é legítimo intervir em substituição dos trabalhadores nas matérias que lhes competem é, a nosso ver, uma intromissão extemporânea, porque constitui...

O Sr. Presidente: - Na perspectiva de V. Exa., qualquer intervenção... ?

O Sr. Raul Castro (ID): - Não há qualquer consideração possível quanto ao âmbito de interesses a definir através da greve. É um direito considerado pela Constituição como exclusivo dos trabalhadores e, portanto, não há considerações que sirvam para o alterar, e muito menos para o eliminar, argumentando que poderá servir para outros fins. É pressuposto deste artigo o de que, inclusivamente, possa haver greves de solidariedade, já que isso depende dos interesses que os trabalhadores tenham em vista defender através da greve.

Em relação ao lock-outt a proposta do CDS surge como proposta de eliminação, pelo que também não pode contar com a nossa concordância, visto que a proibição do lock-out surge como contraposição ao exercício do direito de greve, isto é, procura-se assegurar que o exercício do direito dos trabalhadores não seja inviabilizado por uma atitude, que corresponde ao lock-out, por parte das entidades patronais.

Relativamente à proposta do CDS quanto ao n.° 2 do artigo 58.°, ou seja à prestação dos serviços mínimos indispensáveis, não só - como, aliás, referiu a Sra. Deputada Assunção Esteves - a lei actual já regula essa matéria, como, em face das deficiências que talvez estejam na base da proposta do CDS, há já iniciativas legislativas de alteração da lei que regula precisamente os serviços mínimos indispensáveis. Não me parece, pois, que seja matéria que possa servir de fundamento para substituir o actual n.° 2 do artigo 58.° através da preocupação relativa à sua definição. É matéria de lei e matéria que constitui preocupação do órgão legislativo, a Assembleia da República, no sentido do seu aperfeiçoamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Entrando na discussão do projecto do PSD, devo dizer que a proposta de supressão do n.° 2 corresponde à retirada aos trabalhadores da possibilidade de definição dos objectivos da greve e, portanto, em alguma medida, abre espaço para que por lei ordinária se possa condicionar o uso da greve in limine ao exercício e à salvaguarda de interesses profissionais.

Nesse sentido, uma possibilidade que se abre por lei ordinária levanta desde logo a questão de se saber se essa simples supressão, agora proposta, não corresponde objectivamente a uma redução de um direito e, nesse sentido, não colidirá desde logo com o limite material da revisão contido no artigo 290.°, quando diz que os direitos dos trabalhadores não serão susceptíveis de redução. É esse o espírito. Creio que, por essa razão, é de recusar essa proposta, para além da limitação, que não me parece configurável e positiva.

Quanto à proposta apresentada pelo CDS, creio que a intervenção da Sra. Deputada Assunção Esteves coloca a questão, penso eu, no registo correcto, isto é, o exercício do direito à greve não é o exercício de um direito absoluto, está condicionado, de acordo com o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18.°, por outros direitos e valores contidos na Constituição; desde logo, o direito à saúde, à vida e à segurança, e, se fôssemos para uma formulação do tipo do proposto pelo CDS, haveria igual razão para se garantir não só as necessidades sociais impreteríveis, mas também garantir a segurança e manutenção do equipamento e instalações, que é, normalmente, um valor garantido em termos dos limites à requisição civil. Portanto, creio que essa matéria está já contida na Constituição e, ao ser salvaguardada desta forma, pode corresponder a uma inversão da lógica do preceito, isto

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é, o exercício do direito à greve não pode prejudicar a prestação dos serviços mínimos, mas a prestação dos serviços mínimos também não pode prejudicar o direito à greve. Como é que a questão se resolve?

Ela sempre teria de ser resolvida remetendo, em termos interpretativos e sistemáticos, para o restante conteúdo da Constituição; logo, em grande medida, este preceito, tal como está configurado na proposta, é inútil.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o meu colega Narana Coissoró fez uma introdução inicial e gostaria de, em complemento, acrescentar alguma coisa nesta matéria.

A nossa proposta - como foi já anotado por vários dos Srs. Deputados que intervieram - consiste, fundamentalmente, no seguinte: eliminar os actuais n.ºs 2 e 3 e acrescentar um novo n.° 2. Entendemos que o actual n.° 2 deve ser eliminado porque constitui um exagerado colete de forças para o legislador ordinário. E não se diga que nesta matéria não é necessária a intervenção do legislador ordinário; essa intervenção é necessária sem as limitações que decorrem, no que respeita à motivação do direito à greve, do actual n.° 2.

Congratulo-me com a circunstância de todos terem afirmado que o direito à greve não é um direito absoluto e restrito -isso é importante- e que realmente é necessário que o legislador intervenha, desde logo, para definir o que se entende por "greve", já que a falta de definição de "greve" conduz, hoje em dia, a entendimentos diferentes na nossa doutrina. Há, por exemplo, quem entenda que a greve é a paralisação concertada, e apenas essa, e há quem entenda que é a paralisação concertada ou qualquer outro modo típico de actuação em defesa violenta dos direitos e dos interesses dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Com "típico" V. Exa. quer dizer de algum modo, colectivo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Como se diz "concertada", está aí o acento do colectivo.

Suscitam-se desde logo algumas dúvidas sobre esta questão, na medida em que se pode ilegalizar ou não certas formas que não serão para nós consideradas como greve, nomeadamente a vulgarmente designada por greve de zelo. Surgem aqui dúvidas, que já tiveram, aliás, repercussão na própria jurisprudência dos nossos tribunais e têm repercussão na doutrina.

Também em relação aos motivos, desde que se entenda que o direito à greve não é um direito absoluto e restrito, deve admitir-se que o legislador ordinário possa legislar também sobre esta matéria e que não seja apenas aos trabalhadores que compita delimitar a extensão dos interesses a proteger através da greve, embora tudo isso no âmbito das limitações que é possível introduzir aos direitos fundamentais nos termos do artigo 18.°, indiscutivelmente aplicável ao caso, e sendo certo que a possibilidade de o legislador intervir nesta matéria não há-de necessariamente exercer-se para limitar a defesa de interesses puramente profissionais e respeitantes às relações laborais e à utilização deste instrumento que é a greve. Entendemos que, até numa perspectiva de equilíbrio do direito à greve e dos interesses que através dele se pretende defender com outros constitucionalmente protegidos, se justifica a intervenção do legislador ordinário sem a limitação decorrente do actual n.° 2.

Por consequência, entendemos que seria de eliminar o n.° 2, cuja redacção substituímos por uma outra, redacção esta que constitui apenas a revelação, e não a constituição, de um dos limites imanentes da greve. Concordamos que, porventura, esta disposição é inútil. Como, no entanto, nos parece ser uma das mais relevantes, entendemos por bem enunciá-la na redacção que propomos para o n.° 2.

Finalmente, quanto à eliminação do n.° 3, entendemos que a proibição do lock-out, como garantia do direito à greve, não tem de constar necessariamente da Constituição, embora possa constar ou não da legislação ordinária. Simplesmente, a proibição absoluta...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Deixa de estar na Constituição. Pode eventualmente, mercê da generosidade do legislador, não ser arrasada do universo...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José de Magalhães, estou certo de que, se V. Exa. e o seu partido forem para o Governo, proibirão absolutamente o lock-out.

Uma voz: - É a greve! Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados do PSD e do CDS, há verdadeiramente da vossa parte uma enorme falta de confiança, injustificadíssima, aliás, em nós...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Depois desta incursão sobre as intenções do PCP, devo dizer ainda que a aludida proibição não deve constar da Constituição porque leva a realçar um dos elementos da garantia do direito -a nosso ver, injustificadamente - e impede a admissibilidade de certas formas de lock-out. Entendemos deverem ser consideradas certas modalidades de lock-out defensivo, por exemplo na modalidade de encerramento reactivo. Quando a greve declarada seja uma greve manifestamente ilegal, como o é para os que a concebem como consistindo necessariamente numa paralização, por exemplo, na modalidade de greve de zelo, o encerramento da empresa pode constituir um meio necessário para preservar a própria empresa, o que, aliás, poderá acontecer noutras hipóteses. Ora, o legislador ordinário não pode considerar nenhuma destas hipóteses se o lock-out estiver absolutamente proibido na Constituição como garantia do direito à greve.

Por outro lado, como salientam alguns comentadores do texto constitucional actual, a proibição do lock-out significa também uma acentuação e um sublinhar do carácter classista e laboralista da nossa Constituição, ou seja, é o delinear de uma definição no sentido da recusa da igualdade de meios de luta e do predomínio dos meios concedidos aos trabalhadores para a construção da sociedade sem classes e da sociedade socialista, que é o objectivo expresso na Constituição. Também por este motivo entendemos que era conveniente eliminar a proibição do lock-out.

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570 II SÉRIE - NÚMERO 19-RC

O Sr. Raul de Castro (ID): - Era e é!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Era e é, diz muito bem. Era como é - e, consequentemente, retiro o "era". É também por esse motivo que entendemos por conveniente eliminar tal proibição.

É tudo o que queria dizer, em complemento do que o meu colega Narana Coissoró expendeu sobre a justificação da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, queria participar-lhe que tenho de me retirar por causa da recepção que hoje tem lugar às 18 horas e 30 minutos aqui na Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sugeria o seguinte: poderíamos trabalhar até às 18 horas e 30 minutos, fazendo uma interrupção a essa hora. pois a recepção durará certamente meia hora, uma vez que é, presumo, uma recepção simples em honra das altas jurisdições administrativas dos países da CEE. Retomaríamos os trabalhos às 19 horas, o que permitiria que cumprimentássemos os ilustres juizes e o Sr. Presidente da Assembleia e voltássemos a recomeçar os nossos trabalhos.

Todavia, ainda temos algum tempo. Estão ainda inscritos eu próprio e o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Dá-me licença de que o interrompa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, sem prejuízo daquilo que acaba de, em nome da Mesa, expender como decisão, creio que não será muito realista acreditar que a recepção dure apenas meia hora, pois todas as indicações que chegam ao meu grupo parlamentar apontam para um gasto de tempo superior. Talvez fosse de ponderar a possibilidade de a Comissão recuperar esse tempo - uma vez que é esse o objectivo central da intervenção do Sr. Presidente -, por exemplo, na manhã de amanhã, sem criar o verdadeiro impasse institucional...

O Sr. Presidente: - Recuperar como na manhã de amanhã?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Começando a reunião às 10 horas ou, eventualmente, às 9 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Nós vamos começar às 10 horas, espero, aliás, que com o quorum substancial que a essa hora habitualmente se regista.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio que não é realista assentar na solução de recomeçar às 19 horas, por variadíssimas razões, e que talvez valesse a pena encontrar uma solução mais adequada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar, não o poderia fazer e, em segundo, não quero impor a minha vontade à vontade da Comissão. Gostaria de consultar os diversos grupos parlamentares aqui representados, no sentido de saber se pretendem recomeçar ainda hoje os nossos trabalhos, prolongando-os por mais uma hora, ou recomeçar só amanhã.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, nós estamos disponíveis desde já para fazer, nesta matéria, um consenso com o PSD, mas para isso precisaríamos de saber a vontade do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, suponho que a preocupação de realismo do Sr. Deputado José Manuel Mendes, que, como eu, foi eleito deputado por Braga - é uma preocupação bracarense! -, tem fundamento e que, portanto, não será razoável regressar aqui depois da recepção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomaremos os nossos trabalhos amanhã, às 10 horas. Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 25 mintos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 18 de Maio de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel de Melo Antunes Mendes (PCP).
António Marques Júnior (PRD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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