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Sexta feira, 1 de Julho de 1988 II Série - Número 22-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 20 Reunião do dia 25 de Maio de 1988

SUMÁRIO

Finalizou-se a discussão do 6. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 53. ° a 62.° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do secretário, José Magalhães, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Vera Jardim (PS), Raul Castro (ID), José Manuel Mendes (PCP), Maria da Assunção Esteves (PSD), Nogueira de Brito (CDS) e Narana Coissoró (CDS).

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O Sr. Presidente (José Magalhães): - Srs. Deputados, emos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Ontem a tarde Unhamos adiantado trabalho em relação a apreciação das propostas atinentes ao artigo 62.º Tínhamos apreciado sobretudo a proposta do PSD, que visa a reinserção sistemática das posições relativas a tuteia constitucional da propriedade privada. O Sr. Deputado Nogueira de Brito, do CDS, informou-me de que seria sua vontade participar nos debates sobre esta matéria; não pôde fazer ontem devido aos trabalhos que ocupavam o Plenário da Assembleia. Não se encontrando disponível neste momento, proponho-vos que passemos à apreciação das propostas de alteração que lemos para apreciar e que, eventualmente, caso seja possível verificar a comparência atempada do CDS, retomemos à apreciação das matérias relativas a problemática do estatuto constitucional da propriedade privada.

Se assim for entendido pelas diversas bancadas - constato que sim -, temos agora entre mãos um conjunto de novos artigos relativos a direito"; económico". Por um lado, como refere o relatório da subcomissão competente, o CDS, que preconiza, na sede própria, a eliminação do título vi da parte ii da Constituição, relativo ao comércio e protecção do consumidor, propõe o aditamento de um novo artigo neste capítulo I do título III da parte I da Constituição, sobre "direitos do consumidor", cujo conteúdo reproduz integralmente o n.° 2.º com algumas alterações, o n.° 1 do actual artigo 110.° (cujo n.° 3 é, no entanto suprimido). O preceito proposto é do seguinte teor:

1 - É garantido o direito de livre escolha de bens ou serviços a todos os consumidores, bem como o direito à informação, à protecção da saúde, à segurança e à reparação de danos.

2 - A publicidade e disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.

Srs. Deputados, não se encontrando presente qualquer representante do CDS, creio que poderíamos passar a examinar, nos lermos usuais, a proposta apresentada pelo Partido Socialista. O PS propõe também a inserção nesta sede da matéria regulada no actual artigo 110.° Repare-se, no entanto, que a redacção do preceito sofre alterações no n.° I e vê aditado um n.º 4, pelo que o preceito proposto pelo Partido Socialista, sob a epígrafe "Direitos dos consumidores", é do seguinte teor:

1 - Os consumidores tem direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, á protecção da saúde, da segurança o dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.

2 - A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as fornias de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.

3 - As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.

4 - É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de consumidores, o direito de promover, nos termos da lei, a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infracções contra a saúde pública, bem como de requerer para si, em caso de lesão directa, ou para a colectividade, a correspondente indemnização.

É este o teor da proposta apresentada pelo Partido Socialista.

Daria a palavra a algum dos Srs. Deputados do PS para fazer a respectiva apresentação, se assim o entenderem.

Sr. Deputado Vera Jardim, tem a palavra.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Nós entendemos que esta matéria dos consumidores leria lugar mais correctamente na parte dos direitos económicos do que propriamente na organização económica. Não nos parece efectivamente que, de um ponto de vista sistemático, uma matéria que diz respeito aos direitos dos consumidores tenha que ver directamente com a matéria da organização económica. Uma matéria que está naturalmente lateral, que tem relações indirectas, obviamente, mas que merece um tratamento autónomo, no nosso modo de ver e em sede de direitos económicos e sociais. Por um lado, no que diz respeito propriamente ao teor do artigo que propomos com o n.° 62.°-A, vertemos naturalmente nele aquilo que já fazia parte dos vários números do actual 10.°, com pequenas alterações, em especial no n.° 1, em que aditamos àquilo que já fazia parte, no que diz respeito à protecção a saúde, à formação, informação, ele, um inciso que nos parece ter relevância e, até, dever vir, digamos assim, à cabeça na indicação sumária desses direitos dos consumidores, que é o "direito à qualidade dos bens e serviços consumidos". Infelizmente, e evidente que não e por constitucionalizarmos isto que a situação vai mudar, mas todos nós sabemos que esta matéria está ainda longe de atingir, entre nós, a relevância que deve ter e há muito que fazer no que respeita à própria consciencialização dos consumidores para estes aspectos que aqui ressalvámos: o direito que todos temos - todos somos consumidores - à qualidade dos bens e dos serviços que vamos consumir ou que nos propomos consumir. Em relação aos ires primeiros números e esta a alteração de relevo, visto que, quanto aos outros, nos limitámos a, de um pomo de vista sistemático, enquadrá-los nestes direitos económicos.

Aditámos um n.° 4, de que, aliás, já tivemos ocasião de falar a propósito da acção popular. Preferimos uma fórmula que, nos respectivos locais, desse um relevo a este tipo de acção popular, e este direito dos consumidores parece-nos, a semelhança de outros - do ambiente, etc. -, um dos que merecia um tratamento especial no que diz respeito à tal defesa dos interesses dos consumidores. E assim se explica, por si só, o n.° 4, atribuindo quer aos próprios consumidores quer às associações de consumidores o direito de promover acções deste tipo. Acções destinadas à prevenção ou à cessação de danos e à própria perseguição judicial de infracções e, naturalmente, à indemnização ou para o lesado directo ou para o grupo de consumidores, que poderá ser maior ou menor, mais ou menos alargado. Mas entendemos que deveríamos construir este tipo de acção de uma forma completa, global, e, à semelhança do que fazemos noutras zonas do articulado constitucional, achamos que era em cada um destes pontos que deveríamos incluir este direito de acção popular.

Penso que, no fundamental, e isto que imporia para explicar as nossas opções nesta matéria.

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O Sr. Presidente: - Manifestaram a intenção de fazer perguntas os Srs. Deputados Raul Castro, José Manuel Mendes e Maria da Assunção Esteves.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - A pergunta que quero colocar não diz respeito propriamente ao conteúdo das várias propostas - podemos, aliás, adiantar desde já que têm a nossa concordância de uma forma genérica -, mas sim a deslocação do artigo 110.° da parte da Consumição donde actualmente consta para esta outra parte. E a nossa dúvida - era essa a pergunta que queria formular ao Sr. Deputado Vera Jardim - é a seguinte: a norma está efectivamente localizada na parte da organização económica, mas no título vi, que diz respeito ao "comércio e protecção do consumidor; naturalmente que, tirando daí a norma relativa à protecção do consumidor, fica somente o artigo 109.° ("Comercio"), mas a verdade é que a protecção do consumidor tem ligação estreita com a matéria do comércio. É essa a nossa dúvida. Como o Si. Deputado, quanto a esta parte, não desenvolveu a respectiva justificação, gostaria que desse um esclarecimento sobre tal matéria.

O Sr. Presidente: - Presumo que o Sr. Deputado Vera Jardim deseja responder no fim.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Vou um pouco na sequência da questão acabada de colocar pelo Sr. Deputado Raul Castro.

Nós sabemos que, já hoje, a Constituição, no artigo 110.°, institui os consumidores em titulares de direitos constitucionais, opta por uma inserção sistemática que procura conter aquilo em que as normas pertinentes revestem características de direitos fundamentais com o que tem mais directa ligação com os direitos económicos, desta miscigenação buscando uma contemplação mais global do próprio universo da problemática em apreço. O Partido Socialista recupera para a área dos direitos fundamentais, e na parte que temos vindo a debater, o que eslava prescrito lá mais adiante, eliminando, no local próprio da sistematização ainda vigente, o que agora repropõe, em alguns aspectos modernizando, ressisismatizando e sobretudo inovando, como particularmente acontece com a acção popular nesta matéria, pelo que gostaria que o Sr. Deputado Vera Jardim, um to quanto possível tornasse clara, para além desta evidente constatação, qual a vantagem que vê, do seu pomo de vista, na reinserção ensejada deste elenco de preceitos; porquê, ao cabo e ao resto, tirá-lo de onde estava e incluí-lo aqui, uma vez que, suponho, em relação às questões de natureza material, foi já sobejamente explícito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Pretendia confessar, de certo modo. algum agrado que esta inovação proposta pelo PS nos vem aqui merecer na revisão constitucional. Queria só referir algumas questões, que não são bem perguntas, são apenas apreensões que nos ficam mais da redacção do que do sentido e da inserção sistemática deste preceito. Por exemplo, no n.º I: por que é que se insere "bem como à reparação de danos"? A reparação de danos e a necessidade de uma indemnização não decorre já dos termos gerais de direito? Como é que se concretiza esta ideia da "segurança e dos seus interesses económicos"?

Por outro lado, quanto ao n.º 4: não está já a lei ordinária sobre direitos dos consumidores a consagrar formas de acção com tipos de legitimidade especiais que salvaguardem os direitos dos consumidores? São apenas pequenas questões.

Portanto, as questões seriam sobretudo estas: porque falar de novo aqui da reparação de danos? Porque inserir um n.° 4? Entenderá o PS que tem de haver uma salvaguarda constitucional daquilo que a lei ordinária já não tem dúvidas em consagrar? E as outras fórmulas, cuja explicitação gostava de ver mais desenvolvida. De resto, achamos um artigo oportuno.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim, para, neste quadro de simpatia, fornecer as explicações que entender.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Em primeiro lugar, quanto à inserção do preceito - foi aquele que motivou até mais intervenções -, o exemplo de que uma inserção mais correcta e a nossa e a própria intervenção de alguns dos Srs. Deputados. Quer dizer: o problema dos direitos dos consumidores não se põe em relação propriamente a tipos de organização económica ou a sectores de organização económica, designadamente não se põe apenas em relação ao comércio. Porquê em relação ao comércio? Também se põe em relação à indústria, também se põe em relação à agricultura. Há hoje problemas jurídicos, como seja a responsabilidade do produtor, que estão, naturalmente, intimamente ligados à protecção do consumidor, e que não têm a ver directamente com o comercio. É evidente que o consumidor aparece sempre no términos de um circuito económico, no qual alguma distribuição tem de haver. Mas parece-nos incorrecta, precisamente, a sistemática de hoje, que é situar os direitos dos consumidores - que têm muito mais a ver com os direitos dos trabalhadores, com os direitos à Segurança Social, ele, que são direitos mais ou menos extensivos a toda uma classe, ou até todos nós, que é o caso dos consumidores - inseridos em matéria de organização económica. Digamos que o que interessa aqui é afirmar o direito dos consumidores face à produção, ao comércio, etc., e não propriamente colocá-los nos grandes princípios da organização económica. Eles estão acima disso ou, pelo menos, ao lado disso, e não inseridos numa sistemática de organização económica. Portanto, penso que aqui não será necessário explicar muito mais. É uma opção que fizemos, que julgamos correcta, que não afectará, digamos, o fundo, e obviamente que transpusemos para este artigo uma boa parte daquilo que vem dito no actual artigo 110.°, apenas com os melhoramentos que enunciei: o n.º 4 e inserção no n.° 1 de alguma coisa mais.

Em relação aos outros problemas que foram postos, sobretudo pela Sra. Deputada Assunção Esteves, é evidente que encontramos aqui sempre a velha problemática com que nos debatemos, quase desde o princípio, de saber se devoremos ou não constitucionalizar determinadas matérias. Nós entendemos que, em matéria de consumidores, para construirmos um preceito completo, deveríamos aqui introduzir algumas coisas que, tem razão, estão, por um lado, garantidas na lei ordinária e, por outro, se poderiam extrair do próprio contexto em que aparecem, até afirmadas como direitos, e que, portanto, o Estado está também obrigado, obviamente, a alguma espécie do prestação, mesmo que ela seja muito genérica. Em todo o caso, este problema do apoio do Estado parece-me não ser tão indiferente como isso, visto que isto põe em causa o direito a prestações positivas da parte do Estado a favor dos consumidores e das

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suas associações, que não me parece ião despiciendo como isso afirmar no texto constitucional. No que diz respeito à acção popular do n.° 4, é evidente que já hoje as associações de consumidores tem, na legislação própria, este direito de propor acções em nome dos consumidores, de ser, portanto, parte legítima em processo de indemnização ou em processo ate para fazer cessar qualquer tipo de lesão. Nós entendemos, como aliás já aqui foi dito a propósito de outros articulados, que a Constituição também tem um certo aspecto pedagógico e que o facto de se consagrar constitucionalmente tal direito torna completo este aparelho que quisemos construir um pouco melhor, quisemos melhorar, quisemos incluir algumas benfeitorias; portanto, elas teriam necessariamente de se alargar também à definição, aos lermos em que ela é posta e, naturalmente, a coisas que podem parecer um pouco supérfluas como seja o direito a indemnização, que naturalmente decorre de uma lesão e dos nexos de causalidade entre essa lesão culposa e os prejuízos nos consumidores.

Penso que é só esta a justificação e não há nenhuma razão especial senão uma razão de sistemática, uma razão de pretender construir um articulado coerente e completo e, finalmente, uma razão de constitucionalizar alguns direitos que já hoje existem nas leis ordinárias, mas que, pensamos, quanto mais não seja por essas razões pedagógicas, seriam de incluir no texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,, gostaria, em relação a esta matéria, de fazer uma observação. É evidente, como o Sr. Deputado Vera Jardim leve ocasião de referir, que qualquer um poderá observar com objectividade e rigor que o actual artigo e um artigo miscigenado, em que há a consagração explícita, directa, de diversos direitos fundamentais, com estrutura inequívoca e própria, inseridos fora do catálogo, como e possível constitucionalmente. Não é anormal. Ao fazer-se esta reinserção, apenas se sublinha, enfatiza e desloca para uma sede que pode ser encarada como a mais própria aquilo que consta de uma sede possível, enriquecendo a parte respectiva da Constituição. A única coisa que pode obstar a uma tal deslocação é considerar-se que a mesma seja dispensável no sentido exacto de ser puramente - nem sequer e declarativa - uma obra arquitectónica não imprescindível.

Não queria deixar de exprimir a nossa simpatia em relação à proposta do PS, mas creio que a nossa disponibilidade para considerar uma obra desta natureza supõe a previa definição de um determinado estalão, um determinado padrão. Pela nossa parte, até nos abstivemos de fazer algumas obras deste tipo, que seriam possíveis em relação a outros aspectos.

A minha pergunta ao Sr. Deputado Vera Jardim - porque este foi um aspecto não contemplado na sua intervenção - é se não entende que isto poderia levar a fazer uma coisa semelhante em relação a outros direitos fundamentais esparsos nesta parte da Consumição e que são relevantes em relação a outras categorias. Eu compreendo que a categoria "consumidores" ...

O Sr. Vera Jardim (PS): -... para os consumidores, por exemplo.

O Sr. Presidente: - Exactamente.

A nossa Constituição fiscal, lendo o conteúdo que tem e não sendo propriamente "pobre", está gizada na parte da Constituição que sabemos. O facto de se produzir um conjunto de alterações - nós propomos algumas, como os Srs. Deputados sabem, e há outros partidos com propostas relevantes nesta matéria - poderia aconselhar a que se ponderasse uma movimentação harmoniosa e digamos concertada, articulada, dos diversos enriquecimentos que seja razoável incorporar nesta matéria. Isto suporia, não excessivas obras: suporia obras coerentes, no sentido exacto de o fio condutor ser claramente expresso, o elenco dos direitos ser seleccionado com conta, peso e medida, sem carácter excludente (uma vez que bem sabemos que, por estarem extracatálogo, não deixarão de ser o que são esses direitos eventualmente não incluídos). Essa obra, que é suscitada pela proposta do PS, por algum imperativo de não desarmonia, poderia talvez ter utilidade.

Gostaria de colocar essa questão ao Sr. Deputado Vera Jardim, quanto à bondade da cirurgia susceptível de ser imaginada.

O outro aspecto diz respeito ao n.º 4. Creio que aqui haverá de sublinhar-se que a margem de inovação nesta esfera é sensível, mas que a técnica constitucional e decalcada rigorosamente do artigo 66.º, n.º 3, da Constituição, na redacção que, aliás, resultou da primeira revisão constitucional. O que sucede é que, quanto a este preceito, o PS entendeu aditar, no sentido, aliás, enriquecedor, um segmento normativo, que especifica que o direito e atribuído a todos, mas pode ser exercido pessoalmente ou de forma colectiva, através de associações de consumidores. Por outro lado, enriqueceu-se, não de forma despicienda, a alusão ao modos de actuação judicial contra as infracções. Creio que isso e positivo e gostaria de o exprimir, uma vez que esta e a circunstância própria para esse efeito, sem prejuízo daquela cláusula que todos estamos dispostos a considerar e de acenos de formulação. Este seria um contributo positivo para a tutela jurídica dos direitos dos consumidores.

Digo exactamente o mesmo em relação ao segmento cujo aditamento se propõe em relação ao n.º 1. Aí, apenas a limitação e a decorrente da matriz em que estamos a inserir o preceito. A configuração do novo direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, a natureza jurídica deste direito, os corolários para a acção legiferante, hão-de ser objecto das adequadas ponderações.

Gostava de pedir ao Sr. Deputado Vera Jardim que nos pudesse especificar um pouco como e que o PS encara as diversas dimensões deste direito cuja consagração "de novo" se propõe. Não porque ele seja original em termos de consagração legal ou até de expressão em declarações ou direitos, tanto quanto me lembro, mas porque creio que original será a sua consagração em termos constitucionais, o que obriga a ponderar as implicações para o legislador ordinário. Em que é que se materializa, qual é a natureza precisa do novo direito criado?

Creio que seria bastante interessante, Srs. Deputados, que pudéssemos colher impressões alargadas das diversas bancadas quanto à pertinência da consagração deste direito, uma vez que eu não percebi se a bancada do PSD exprimia uma simpatia genérica e difusa em relação a esta "operação" proposta pelo PS ou se, na sua expressão empática, englobava especificamente este ponto. Se assim fosse, isso seria extremamente positivo, devo desde já sublinhar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vem Jardim e seguidamente a Sra. Deputada Assunção Esteves, se desejar esclarecer o que quer que seja sobre esta matéria.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, a nossa predisposição para analisar, em termos de sistemática, a possibilidade de fazer uma "operação" do tipo da que fizemos para os consumidores, em relação, por

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exemplo, aos contribuintes, e total, visto que, e óbvio, nada implica que, tendo nós uma concepção como a que lemos dos direitos dos consumidores e do seu lugar sistemático na Constituição, não estivéssemos abertos também a considerar outros direitos do tipo destes, de que o exemplo mais frisante que vejo desde logo é o dos direitos dos contribuintes.

Nós fizemo-lo em relação aos consumidores talvez porque este fosse, do ponto de vista sistemático, aquele que eslava inserido numa zona que, essa sim, se poderia prestar a algumas más interpretações. Isto e, era precisamente inseri-lo na zona do comércio e direitos dos consumidores, e isso e que, para além de pensarmos que esta matéria deve estar inserida nos direitos dos consumidores, o facto de ela aparecer desgarrada, digamos, também na parte da organização económica fez-nos naturalmente tomar esta iniciativa com muito mais à vontade do que o faríamos noutros casos. Explicando melhor, já disse que os direitos dos consumidores não têm apenas a ver com o sector tio comércio da vida económica. São muito mais vastos do que isso; pareceu-nos, portanto, que eles apareciam ali naquela parte económica, embora eu, pessoalmente, não tenha lido ocasião de proceder ao estudo dos debates a propósito deste problema, quase como um resto, digamos assim. Era preciso incluí-los num sítio qualquer, e ficaram até como um resto, ligados ao comércio, o que nos parece um erro adicional. Para além de entendermos que não devem estar na parte económica, o facto de aparecerem desgarrados, ligados apenas a uma disposição sobre o comércio, parecia-nos ainda pior. Talvez por isso a nossa atenção foi chamada, em especial, para este caso dos direitos dos consumidores e mais à vontade os transferimos para a parte que pensamos sistematicamente ser a correcta.

Em relação à segunda questão que colocou - o direito à qualidade dos bens e serviços consumidos -, como sabe, este direito à qualidade dos bens e serviços consumidos vai, naturalmente, reflectir-se em toda a legislação privada, quer civil, quer comercial, designadamente a legislação contratual, quer nos contratos individuais, quer nos chamados "contratos de adesão", etc. É evidente que não fizemos um estudo aprofundado sobre qual iria ser, digamos, toda a consequência disto no direito privado português. Alguma vai ser certamente; no que diz respeito aos contratos de adesão, começa a ficar já consagrado legislativamente. Foi um passo em freme que se deu nestes últimos anos. Algumas benfeitorias naturalmente será necessário incluir na matéria, sobretudo da compra e venda, na matéria do erro em matéria do negócio jurídico, erro, dolo, etc, que alarguem, digamos assim, para o consumidor, posto perante o comerciante ou o produtor normal, esses direitos que foram concebidos e que são concebidos normalmente numa perspectiva contratual, manifestamente ultrapassada pelas condições actuais da vida económica.

Parece-nos que este tipo de inciso, que para aqui propomos, pode naturalmente ler bastante impacte no desenvolvimento posterior de toda a matéria, designadamente dos contratos de adesão e situações equiparadas. Penso que é aí, nessa zona, que se joga mais o apoio constitucional ao desenvolvimento dessas matérias. Como sabe, nós temos hoje uma lei das condições gerais dos contratos. Essa lei, que é uma primeira experiência, um primeiro começo, é quase decalcada da lei alemã das condições gerais dos contratos, que também é relativamente recente no direito alemão, e uma lei de 1976 no direito alemão.

Pois bem, pensamos que este tipo de declaração na própria Constituição virá a dar quer o apoio constitucional expresso a essas matérias que se situam nos contratos de adesão, quer a base para um desenvolvimento, em matéria de direito civil e direito comercial, de todas as concepções, por vezes antiquadas, sobretudo no nosso direito comercial no que diz respeito ao erro, aos prazos de denúncia, às garantias, etc. Não vou agora, aqui, entrar em pormenores sobre matéria privatística, que directamente não se reflecte aqui, mas que, repito, pode constituir um apoio, porventura essencial, ao desenvolvimento de toda essa matéria contratual no campo do direito privado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, eu receio não ter ouvido bem a pergunta que, directa ou indirectamente, me fez e sobretudo a referência aos pressupostos em que ela assentou. Mas presumo - e, se não for assim, o Sr. Deputado há-de corrigir-me - que queria um esclarecimento da nossa parte sobre o que emendemos que possam ser as últimas consequências da expressão "os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos", como direito subjectivo.

Entendo que a perspectivação deste direito, neste contexto dos direitos económicos, e de facto mensurável, sempre, sobre um pressuposto fundamental. É que a realização destes direitos é sempre uma realização dentro dos limites do possível. Já não estamos aqui perante regras de conteúdo claramente preceptivo, como acontecia nas normas sobre direitos, liberdades e garantias, mas estamos a assentar em normas que consagram, sobretudo, pretensões dos cidadãos e tarefas do Estado.

Sendo assim, e não e sem razão que a doutrina tem sido controversa no entendimento da própria sindicabilidade destes direitos económicos, sociais e culturais - e raramente se vêem autores que consagrem uma idêntica sindicabilidade entre estes direitos e os direitos, liberdades e garantias, dados exactamente os limites do possível, que se põem à realização destes direitos, porquanto eles importam prestações positivas do Estudo -, não causa nenhuma preocupação, para efeitos de conformação a nível do direito subordinado à Constituição, que aqui se consagre um direito deste tipo. No fundo, direito que terá uma textura idêntica à dos muitos direitos consagrados neste título da Constituição. Poderá ter, como, com bastante felicidade, no meu entender, o Sr. Deputado Vera Jardim referiu, efeitos na conformação jurídica de determinadas situações de vida, e daí o facto de eu não ter ficado muito perplexa com a formulação e com o facto de da não me deixar grandes dúvidas. Seria só isto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Queria aproveitar para me pronunciar sobre o fundo das propostas, as quais - já tive ocasião de dizer há pouco - me parecem positivas.

Na verdade, quer a alteração introduzida no n.° 1 quer o n.° 4 proposto afiguram-se-me duas inovações positivas, a sublinhar e aceitar.

O que resta discutir e a colocação sistemática destas matérias, aqui ou no artigo 110.° Quanto a isso, naturalmente que a explicação do Sr. Deputado Vera Jardim tem algum interesse. Efectivamente, o contacto do consumidor não se faz exclusivamente com produtos comerciais, mas fundamentalmente com produtos comerciais. E o que se

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passou na primeira revisão constitucional em relação, ao artigo 110.º dá-nos um pouco esta ideia: substitui-se a epígrafe anterior do artigo 109.º, que era "Preços e circuitos de distribuição", por "Comércio". Entendem-se na altura que a palavra "comercio" abrangia todos os circuitos de distribuição e que não seria necessário especificar isso, apesar de no texto do artigo 109.1 se manter a expressão "o Estado intervém na racionalização dos circuitos de distribuição". Mas alterou-se a epígrafe do artigo e ate o próprio título vi, que passou ,,para "Comércio" no artigo 1O9.º e "Protecção do consumidor" no artigo 110.°

Parece-nos que isto colide com as razoes invocadas na primeira revisão constitucional. Figura aqui "comércio" no sentido amplo, abrangendo todos os circuitos de distribuição - embora nos pareça que, de uma forma dominante, os circuitos de distribuição sejam os comerciais -, quer outros de natureza industrial ou até de produção agrícola. Essencialmente, o que há nas relações do consumidor com os produtos são circuitos de distribuição comerciais, que se colocam em relação com os próprios consumidores.

Isto significa que me parece um pouco difícil transferir, como agora se propõe, para o artigo 62.°-A as disposições do título VI ("Comércio e protecção do consumidor"). Se assim fosse, teríamos não um problema, mas dois: a própria redacção da epígrafe do artigo e até a protecção do consumidor, que teria de desaparecer. Por outro lado, este entendimento levou-nos também a fazer a proposta de aditamento de um artigo 10.°-A, sob a epígrafe "Provedor do Consumidor". A lição da primeira revisão constitucional e a colocação sistemática dessas matérias, dela decorrente, suscitaram estes problemas. Não e altura de os colocarmos, mas são problemas que amanhã leremos também de equacionar em relação ao Provedor do Consumidor, porque no projecto n.° 7/V ele aparece regulado no artigo 110.°-A, naturalmente ligado com o artigo 110.°, e isto significa que há aqui razões de fundo em relação às quais exprimimos a nossa concordância com as propostas do PS. Quanto à colocação sistemática, continuamos com dúvidas e inclina tios a supor que a matéria respeitante aos direitos do consumidor deveria continuar no título VI.

O Sr. Presidente: - Esta intervenção do Sr. Deputado Raul Castro suscita-me - e eu creio que isso poderá ocorrer com outras bancadas - algumas observações que, se não virem objecções, formularia de imediato.

É evidente que é preciso ter em atenção a história ou a origem do actual título VI. O Sr. Deputado Vera Jardim adiantou já alguns subsídios para o entendimento da génese da redacção, e até da designação do título, tal qual hoje consta do texto constitucional. Sabemos que se tratou de uma construção da primeira revisão constitucional, uma vez que a rubrica primitiva era "Circuitos comerciais" e o artigo 110.º da versão originária da Constituição dizia respeito ao comércio externo, e não à protecção do consumidor. Esta foi, portanto, uma das inovações que em matéria de Constituição económica decorreram da primeira revisão constitucional. Creio que a inserção do preceito não é inquestionável, num sentido mais vulgar ou menos vulgar que damos à palavra "inquestionável", uma vez que estamos a discutir "inquestionabilidades" políticas, portanto com um certo sentido de relatividade, acatados certos princípios gerais.

Que obras e que são concebíveis nesta matéria? As que vem propostas pelos diversos partidos, nesta sede e neste momento, são de sentidos só parcialmente contraditórios. É possível dividir as propostas pendentes em dois grandes grupos: um, o dos partidos que não propõem alterações em absoluto, e o caso do meu; outro, o daqueles que querem alterações, e aí há, realmente, posições totalmente contrárias.

A ID - e nesse sentido entendo a intervenção do Sr. Deputado Raul Castro - tem propostas no sentido de alargar o conteúdo deste título VI, e alargá-lo na vertente institucional. Por isso cura da criação de uma figura nova, que baptiza de "Provedor do Consumidor".

Nos antípodas estão os partidos que propõem eliminações ou alterações. Eliminações quer o CDS, que propõe pura e simplesmente a eliminação de todos os artigos e de todo o título, coisa que veremos atempadamente com mais pormenor. O PSD encontra-se numa posição mista, uma vez que propõe a substituição do n.º 2 do artigo 109.º e mantém integralmente o conteúdo do artigo 110.º Nesse sentido, a observação da Sra. Deputada Assunção Esteves implica uma disponibilidade para considerar uma alteração em relação à grelha inicial de propostas em que o PSD se colocou neste debate, uma vez que o PSD, em rigor, propôs que o título VI passe a título IV, dadas as eliminações de outros títulos que adianta, consoante teremos ocasião de ver. Aduzo estes elementos de reflexão, a que havia apenas a menção das propostas do PEV quanto ao artigo 110.°, visando enriquecer o conteúdo constitucional respeitante ao regime da publicidade.

Parece-me dever haver uma ponderação, em termos das vantagens do ponto de vista do reforço da tutela de direitos, da operação proposta pelo PS. Como tive ocasião de sublinhar, não se degradaria em coisa nenhuma o estatuto dos consumidores se nos limitássemos a fazer aditamentos ao artigo 110.°, deixando-o estar rigorosamente onde está. Não lenho dúvidas nenhumas sobre isso.

Por outro lado, não é inquestionável e tão absoluta como isso a bondade da opção da primeira revisão constitucional que não possa ser objecto de uma reavalição. Não posso dar depoimento directo da primeira revisão constitucional, mas, em todo o caso, sendo óbvio que a realidade ou as dimensões do estatuto do consumidor transcendem o mero aspecto do comércio e envolvem alguma actuação a nível da raiz, isto é, a nível da produção e a nível das diversas realidades do universo em que a actividade do consumidor tem de inscrever-se - quer se queira, quer não, a inserção dos direitos dos consumidores no comércio é unidimensionalizadora. É um sítio razoável, dentro do quadro da Constituição económica, e, seguramente, este posicionamento e preferível a inserção em qualquer dos outros títulos da mesma Constituição económica. Verdadeiramente, aquilo que se fez na primeira revisão constitucional foi ponderar a inserção "menos má". Dentro do catálogo constitucional seria absurdo inserir esta matéria no título I (por este dizer respeito aos princípios gerais), no título II (porque aí se trata das estruturas da propriedade dos meios de produção), no título III (porque aí se trata do Plano), no título IV porque aí se refere a política agrícola e a reforma agrária) e no título V (porque traia do sistema financeiro e fiscal). Eis que se chega ao título VI, que é, obviamente, o último antes da organização do poder político, isto é, antes da parte III! Eis como se chegou - creio que não fiz mais do que refazer a trajectória que em 1982 foi percorrida - à solução em vigor...

O Sr. Vera Jardim (PS): - Digamos que foi por exclusão de partes.

O Sr. Presidente: - Exacto, puramente por exclusão de partes. Creio que qualquer um, colocado perante esta

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dificuldade, seria obrigado a refazer este caminho e, provavelmente, pararia aqui. A não ser que fizesse aquilo que agora é alvitrado pelo PS e que e uma outra hipótese que poderia ter sido considerada na circunstância. Nilo houve, na altura, disponibilidade para fazer isso, e isso deve ser ponderado, lendo em atenção, naturalmente, o próprio momento em que este debate se processou, as condições e as prioridades que então foram erigidas pelos protagonistas da revisão constitucional e, por outro lado, o facto de já se ter preenchido nessa altura o plafond, por assim dizer, dos enriquecimentos circunstancialmente possíveis no tocante a esta parte da Constituição. Tinha-se feito um alargamento dos direitos, liberdades e garantias aos direitos dos trabalhadores fazendo-se uma útil reinserção sistemática de todos os fulcrais), tinham-se feito várias benfeitorias nesta área. Julgo que terá sido por isso, e não por outras razões - seguramente, não por um princípio, isto é, por um critério que deva ser tomado como padrão inarredável -, que se caminhou para esta solução.

Creio, portanto, que a opção para que a ID apontou e uma solução possível, o que não implica, da nossa parte - pois, como sabem, não propusemos a alteração deste título -, uma postura fixista quanto à consideração de outras propostas e de outras soluções. Em todo o caso, creio que, se se passa por aqui - sem prejuízo de consideração ulterior mais aprofundada e mais alargada -, não se perderia nada em relação à tutela jurídico-constitucional dos consumidores e poderia, em contrapartida, aperfeiçoar-se significativamente essa tutela constitucional, sem ilusões quanto às dimensões e limites dessa operação, uma vez que a Sra. Deputada Assunção Esteves também teve ocasião, em complemento e em conjugação com as observações do Sr. Deputado Vera Jardim, de tecer algumas considerações sobre o alcance das alterações pretendidas.

Por mim, creio que a ambição pode ser maior e que, nesse pomo, as observações do Sr. Deputado Vera Jardim, designadamente em relação à projecção dessa solução no nosso direito contratual ou quanto a algumas dimensões desse direito, são particularmente agudas e extremamente importantes. Creio que o saldo de todo este conjunto de alterações seria altamente positivo ou, pelo menos, significativo. Assim, estaríamos completamente disponíveis para o considerar em todas as suas implicações.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, queria apenas fazer uma consideração complementar, sobretudo no seguimento da intervenção do Sr. Deputado Raul Castro.

É evidente que, como o Sr. Deputado José Magalhães acabou de explicar na sua intervenção, nós ficámos sempre com a ideia de que este local de inserção dos direitos dos consumidores o tinha sido por uma razão de não caber noutro sítio na organização económica e, a caber nalgum sítio nessa organização económica, e óbvio que cabe no comércio. E tanto assim é que nós, que propomos uma nova sistemática para essa matéria, em que incluímos até um só artigo quanto a objectivos da política comercial e um outro quanto aos objectivos da política industrial, no tratamento dos objectivos da política comercial, inserimos, na alínea c) do nosso artigo 104.O-A, a protecção dos consumidores. É evidente que a organização económica é o único sítio onde ele pode caber: simplesmente, insistimos em que o problema não pare ser visto numa época de organização e que melhor será que seja visto numa óptica de direitos dos consumidores, à semelhança de outros direitos que aí vêm, precisamente, nessa parte dos direitos, designadamente o direito à Segurança Social de todos os trabalhadores.

Estamos também dispostos, pelo menos, a aceitar que a categoria dos direitos dos contribuintes tem imensas semelhanças com a do direito dos consumidores e que deve, portanto, num tratamento sistematicamente mais apurado, caber também nessa pane dos direitos económicos e sociais. Assim, entendemos que, efectivamente, a relação mais directa com a parte da organização económica está aí, mas pensamos também, para dizer tudo, que esta matéria dos direitos dos consumidores e uma matéria que se deve afirmar não só no problema da organização económica, como no direito afirmado e executado dentro da própria sociedade, e para que o Estado, naturalmente, tenha alguma contribuição, contribuição essa que virá referida nos objectivos da política comercial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para fazer a apresentação da proposta do CDS em relação à questão da tutela constitucional dos direitos dos consumidores.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, fico-lhe muito grato não só por me conceder a palavra para me pronunciar sobre a nossa proposta do artigo 62.°-A como tambéem pelo cuidado que está a demonstrar em me reservar um espaço nesta acta e nesta intervenção sobre o artigo 62.° e sobre o direito de propriedade.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Nem outra coisa seria de esperar do Sr. Presidente.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu diria que se não houvesse CDS, não haveria, porventura, direito de propriedade na Constituição!

Risos.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Se V. Exa. tivesse estado aqui presente ontem, não poderia fazer uma afirmação desse tipo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que vamos ter ocasião de discutir ainda largamente o direito de propriedade e propunha que o Sr. Deputado Nogueira de Brito fizesse agora a apresentação das propostas do CDS em relação aos direitos dos consumidores.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, nesta matéria há os profetas e há os zelotas. Nós somos os proibias!

Risos.

Eu diria o seguinte: a nossa justificação para a inserção aqui deste artigo 62.°-A assenta, em boa parte, nas considerações que foram feitas pelo Sr. Deputado Vera Jardim a propósito da proposta que e feita, também no mesmo sendo, pelo PS. Nós emendemos que os direitos dos consumidores constituem, aliás, um dos pilares sobre os quais assentamos todo o nosso modelo de organização económica e que, nessa perspectiva, uma disposição deste tipo não deve estar inserida apenas no conjunto das normas de natureza organizacional, mas também nos direitos económicos e sociais, como parte dos direitos fundamentais. Foram feitos aqui alguns paralelos que perfilhamos e essa e a primeira razão que nos leva a fazer a deslocação para aqui desta disposição.

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Por outro lado, também e certo que procedentes, no nosso projecto de revisão constitucional, a uma reestruturação profunda de toda a segunda parte respeitante à organização económica, eliminando alguns dos títulos que a constituem - e lá chegaremos quando for a altura de os justificar -, mas isso constitui como que uma razão secundária para, nesse conjunto de reestruturações do texto constitucional, deslocarmos para aqui os direitos dos consumidores. No entanto, entendemos que estes devem ter a dignidade e a protecção dos direitos fundamentais e, consequentemente, aqui os colocamos. E suponho que, no que respeita a nossa proposta, e suficiente esta justificação.

O PS acrescenta, no seu artigo 62.°-A, um n.° 3 e um n.º 4, respeitantes a participação das associações dos consumidores, mas entendemos que, de facto, isso corresponde a um pormenor limitador do poder do legislador ordinário, conferindo um pendor regulamentar à Constituição, que nos parece, efectivamente, de evitar. No que respeita ao fundamental, estamos de acordo e, efectivamente, defendemos também a deslocação para aqui dos direitos dos consumidores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, depois do seu enunciado geral e da grande importância que tem para o CDS esta matéria dos consumidores, ficou-me a impressão de que ela aparece mais claramente expressa na proposta do PS do que propriamente nas propostas do CDS em relação ao artigo 62.V-A. Daí que se me afigure conveniente o Sr. Deputado pronunciar-se mais claramente em relação às propostas do PS, que são, realmente, muito mais amplas do que aquelas que o CDS apresenta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de lhe fazer uma perguntei em nome da bancada do PCP. É que há na démarche proposta pelo CDS tudo aquilo que, aliás, V. Exa. não deixou de reconhecer, ou seja, que o CDS tem outra concepção da Constituição económica. A alusão a direitos dos consumidores para o CDS só faz sentido no quadro dessa outra Constituição económica, o que não pode deixar de espelhar diferenças que, pela nossa pane, não nos cansaríamos de referir. É evidente que o valor dessa protecção dos direitos dos consumidores, no quadro dessa outra Constituição económica, seria totalmente diferente e, em nosso entender, um "menos" em relação ao "mais" que constitucionalmente se encontra consagrado e que, de resto, e constitucionalmente inalterável dentro de determinados limites, que são os que decorrem do facto de a Constituição não ser revisível em lermos arbitrários. Digo isto quanto à questão do enquadramento das propostas do CDS.

Essas propostas jogam, portanto, diferentemente da proposta do PS em relação a um referencial ou a um conjunto de normas que não se identificam às que estão ligadas às propostas do PS, sem prejuízo das críticas que podem ser deduzidas quanto a estas, na sede própria e com a dimensão e o cunho apropriados.

O segundo conjunto de observações não diz respeito ao enquadramento, mas à proposta, Sr. Deputado Nogueira de Brito. Poderá V. Exa. dizer que o CDS não gosta dos direitos de participação de associações de consumidores, porque aquilo que o CDS faz é - e, em matéria de coerência, cada qual tem a que pode e a que quer - quebrar uma dimensão da democracia participativa, neste caso aquela que diz respeito à participação de associações de consumidores.

Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se este é mais um dos famosos lapsos do projecto do CDS e se foi por distracção que eliminaram este n.° 3 ou se por malevolência. E porque não me recordo bem - devo dizer-lhe francamente- se o CDS não foi até "pai" desta proposta ou, pelo menos, "co-pai", isto é, se não bebeu nestas águas na revisão constitucional de 1982. Quase juraria, sem grande erro, que foi. Isto é, que em 1982, enquanto parceiro da AD, o CDS patrocinou, quiçá pela pena do Sr. Deputado Luís Barroco, a aprovação desta norma, que hoje prevê que as associações de consumidores e as cooperativas de consumo tenham direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.

Porquê esta sanha em desfazer aquilo que foi feito em 1982 nesta matéria? Merece tal sanha a democracia participativa nesta componente - de resto, moderna e existente nas mais diversas constituições e nos mais diversos Estados, independentemente da sua orientação, e correspondente aquilo que é hoje o movimento nos consumidores à escala das próprias Comunidades, coisa que, suponho, deveria sensibilizar de forma comovente o CDS? Por que e que isso e indigno de estar na Constituição da República Portuguesa na visão do CDS? Este é o segundo aspecto.

O terceiro aspecto são as amputações praticadas em relação ao n.° 1.º CDS não se limita a fazer, ao contrário do que faz o PS, uma transposição com enriquecimento. Faz uma transposição com amputação. E amputa o quê? O direito à formação dos consumidores, o que num país como Portugal e um pouco esquisito, porque se, realmente, alguma coisa e necessário fazer e formar mais os consumidores, e não, seguramente, apenas informá-los. Assim, gostava de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se isto também não e um segundo lapso deste artigo do projecto do CDS ou se o CDS tem uma noção alargada de informação que contempla já a formação e se entende que não há formação que não assente numa informação, sendo, portanto, os dois conceitos um e o mesmo (o que seria, quanto a mim; uma grandíssima confusão conceptual, porque toda a gente distingue entre a formação e a informação e, embora seja difícil fazer a primeira sem a segunda, não abrange a primeira). Penso que me fiz entender.

Mas o CDS faz uma ou ira amputação. Amputa a referência constitucional ao direito à protecção dos interesses económicos dos consumidores, o que deve estar ligado conforme oiço o Sr. Deputado Narana Coissoró observar -, mas o está perversamente, porque suprimir-se aquilo que hoje consta da Constituição nesse ponto, qualquer que seja a sua irradiação, dimensão, vinculatividade, projecção na esfera intersubjectiva, é negativo, quanto mais não seja por gerar possibilidades de uma hermenêutica comparativa que leve a estabelecer o impacte das subtracções. Se lá está e não faz mal, não se tira. Se se tira e não faz mal", já não e líquido, porque e susceptível de abrir caminho a uma interpretação amputativa de conteúdos constitucionais, e creio que isto deve estar presente e não pode ser escamoteado num debate desta natureza.

Finalmente, o CDS não faz só amputações. Faz, vá lá, uma prótese, que é a criação de um novo direito - o direito de livre escolha de bens ou serviços.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Chegou tarde o bom tempo mas...

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, costuma dizer-se que a cereja se colhe no fim do bolo, mas compreendo que haja outros hábitos de consumo, e, no caso concreto, aquilo que, quanto a mim, é de realçar é que, das duas uma, ou isto tem o significado de um CDS finalmente convertido à dimensão social da democracia, designadamente económica (ou seja, à ideia da livre escolha de todas as suas dimensões), ou noa. A primeira opção envolveria profundas mutações e alterações que conduzissem a uma equiparação de estatutos sociais: não sei se aqui haveria algum cheiro das concepções de "sociedade sem classes, através da propriedade para todos", que o CDS tinha aquando da elaboração da Constituição nos idos de 1975. Tratar-se-á de outra concepção que o CDS, regressando à "casa-mãe" ou à "casa-pai", tenha acabado por retomar nos seus braços? Uma velha, antiquíssima, bolorenta, concepção anterior aos idos de 1975 (c até 1974)?

Em todo o caso, creio que seria interessante saber-se o que é que o CDS entende por direito à livre escolha de bens ou serviços.

Eram estas as perguntas que, em nome da bancada do PCP, gostaria de deixar aos Srs. Deputados do CDS.

Tem a palavra a Sr. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Queria perguntar o seguinte ao Sr. Deputado Nogueira de Brito: relativamente à eliminação do n.º 3 do artigo 62.º-A, creio que estou mais ou menos esclarecida, sobretudo quando referiu a necessidade que o CDS sentia de subtrair à Constituição disposições de teor regulamentar. Mais estranho é o facto de que o CDS se veja obrigado a inserir no n.° 1 a garantia de um direito de livre escolha de bens ou serviços, e gostaria de perguntar ao CDS se isso representa a consagração constitucional do princípio da liberdade contratual, isto e, o medo de que a Constituição económica não abra espaço suficiente ao mercado para efeitos de liberdade de movimentos e uma certa convicção de que daí haverá uma necessidade de consagração expressa deste direito, ou então isto é, no fundo, a ideia de que, a acreditar-se que a Constituição económica terá um substrato razoável que confira espaço ao mercado, não seja esse espaço suficiente para garantir a ideia de liberdade no sentido positivo. De facto, não estou a entender qual será o motivo por que o CDS se vê obrigado a transcrever aquilo que parece mais que evidente resultado de toda a Constituição e que, obviamente, resultará do texto que iremos escolher.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Agradeço as perguntas que me fizeram porque, pressionado um pouco pelo ponto em que se encontrava a marcha dos trabalhos, terei dado uma justificação insuficiente do nosso texto.

Há duas ordens de considerações e a primeira diz respeito à nova redacção proposta para o n.º 1. Efectivamente, a nossa proposta de artigo 62.°-A não se limita a uma transferencia desta matéria da parte II para os direitos fundamentais, redigindo, de facto, de uma fornia diferente o n.° 1. Quanto a isso, que constitui boa parte do objecto da intervenção e das perguntas dos Srs. Deputados José Magalhães, Assunção Esteves e Raul Castro, diria o seguinte: entendemos que o essencial a garantir nesta

matéria em relação aos consumidores, aos seus interesses, é a salvaguarda da possibilidade de intervenção regulamentar do Estado de forma a preservar os princípios do mercado, portanto os princípios da livre concorrência, e é com essa dimensão que pretendemos assegurar a liberdade de escolha em favor do consumidor.

Entendemos aqui, como em outras matérias em que defendemos o pluralismo da titularidade em relação a alguns meios e alguns instrumentos que entendemos como fundamentais para salvaguardar outras liberdades, que este é o instrumento fundamental para salvaguardar o interesse dos consumidores, os direitos dos consumidores, e por isso procedemos às amputações a que se referiu o Sr. Deputado José Magalhães. Entendemos que desde o momento em que o Estado, e aqui respondo à Sra. Deputada Assunção Esteves, tenha essa intervenção, que sempre foi considerada como fazendo parte de certas concepções de "Estado-mínimo", que, aliás, não adoptámos, ela deverá destinar-se, fundamentalmente, a salvaguardar o funcionamento do mercado e os princípios da livre concorrência. É a liberdade de escolha dos consumidores tornada possível pela livre concorrência que pretendemos ver assegurada através da inserção deste dispositivo, com esta redacção.

É evidente que, sendo isso o fundamental, o que nós aqui colocamos são efectivamente disposições instrumentais em relação a esta, como, por exemplo, a respeitante à informação. Quanto à formação, entendemos que ela releva de uma concepção paternalista da intervenção do Estado que efectivamente não partilhamos. A informação é fundamental - é esta primeira liberdade que consagramos no n.° 1 do artigo 62.°-A - ao livre funcionamento do mercado, mas uma actividade formativa aqui implantada parece-nos corresponder a uma outra concepção do que seja a salvaguarda dos direitos dos consumidores.

Entendemos, aliás, que - e agora respondo a um segundo tipo de observação - o que diz respeito à amputação que fazemos da intervenção das associações de consumidores, como forma de consagração da democracia participativa, vai também nesta tinha. Temos dito, em relação a várias propostas por nós apresentadas que operam um pouco neste sentido, que este tipo de eliminações não pode ter, nem tem, o significado de, efectivamente, eliminar a possibilidade de intervenção destas associações. Elas são colocadas dentro do quadro a que o Estado passa a estar ligado em função desta redacção do artigo 62.B-A, que é, designadamente, o quadro legal imposto pelo n.° 1. As associações de consumidores, como forma de manifestação de democracia participativa, terão um papel a desempenhar nos quadros que lhes vierem a ser fixados por lei neste contexto, mas fazer descer a Constituição do degrau que consiste em afirmar o direito à liberdade de escolha e os direitos dos consumidores a formas de concretização dessa liberdade, designadamente através da participação de associações, parece-nos exagerado. Por outro lado, parece-nos positivo que, do ponto de vista da revisão da nossa Constituição, se proceda, sempre que possível, nessa conformidade.

Quanto a gravidade das amputações de que fala o Sr. Deputado José Magalhães, diria que as compensámos, à semelhança, aliás, do que faz o PS, com um aspecto importante da nossa proposta. O Sr. Deputado José Magalhães continua a deixar ficar a defesa dos consumidores confinada às disposições sobre organização económica, enquanto nós a transferimos para os direitos fundamentais, e a partir deste facto suponho não serem legítimas as observações respeitantes a qualquer amputação geradora de uma diminuição dos direitos dos consumidores como consequência do nosso texto.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Exa. forneceu-nos a explicação possível da parte do CDS, mas essa explicação não deixa de suscitar alguns comentários.

Na realidade, o que está aqui em causa é, efectivamente, o direito do consumidor como garantia, e não o direito de livre escolha, pois, naturalmente, este direito existe. Está, porém, em causa a garantia de mecanismos de protecção do exercício desse direito. O CDS põe o acento tónico na garantia do direito de livre escolha de bens ou serviços e depois acrescenta uma alusão à protecção, ao direito à informação, à protecção da saúde, à segurança, etc, mas esta preocupação não exprime - e foi sobre esse ponto que interpelei o Sr. Deputado - os mecanismos que, por exemplo, estão previstos na proposta do PS.

Por outro lado, também queria dizer-lhe que o facto de haver livre concorrência não traduz necessariamente que com isso estejam salvaguardados os direitos dos consumidores. Só por si, a livre concorrência não assegura isso, o que parece ser um pressuposto da sua exposição, porque, pelo contrário, se não houver uma contrapartida de garantia do exercício destes direitos, a livre concorrência tende a ir contra os próprios direitos dos consumidores, na medida em que, por exemplo, é susceptível de lhes transmitir uma imagem que põe em causa a sua própria liberdade de escolha, isto é, lhes incutir no espírito que devem fazer a escolha de A ou B, o que é atentatório do direito de livre escolha, que o CDS afirma defender com as propostas que faz. Para nós, não estando em causa esse direito, em que o CDS põe o acento tónico - o direito à livre escolha de bens ou serviços, que, naturalmente, se relaciona com as características do próprio sistema, de uma forma geral -, o que está em causa são mecanismos que o desenvolvimento da chamada sociedade de consumo urge constitucionalizar. Há, de facto, um tal desenvolvimento da chamada sociedade de consumo que esse desenvolvimento põe em causa os próprios direitos dos consumidores. Não os põe em causa por sistema, mas em muitos casos fá-lo, pelo que se torna necessária a sua defesa.

Naturalmente que tal questão também se prende com a própria organização económica, porque o panorama e muito mais agravado se, no que diz respeito à Constituição económica, por exemplo, se admitir a existência de monopólios privados. Aí é que se atenta gravemente contra o direito de livre escolha do consumidor, na medida em que se admite a existência de monopólios privados. Digamos que a estranheza que manifestei no início da minha intervenção relativamente a uma afirmação enfática de preocupação com os direitos dos consumidores reside no facto de não a ver correspondida com as propostas concretas. Em particular, não vejo como é que a eliminação daquele número do texto actual da Constituição pode ser explicada, por muito hábeis que sejam as explicações que possam ser dadas.

Explica-se, assim, a nossa convicção de que esta redacção não tende a defender efectivamente o exercício dos direitos, porque não traduz as preocupações expressas, nomeadamente, nas propostas do PS e que se irão encontrar na proposta da ID relativa à criação do Provedor do Consumidor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Só queria intervir para colocar uma questão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, visto que chamou nesta sua última intervenção a atenção para uma decapitação - para usar o mesmo termo - que o CDS teria feito no seu articulado quanto ao direito dos consumidores à formação. O Sr. Deputado Nogueira de Brito justificou essa eliminação do inciso sobre a formação do consumidor indicando que uma das razões, ou talvez a única razão, que teriam levado o CDS a fazer essa amputação era a de considerar que a formação do consumidor atribuída ao Estado tinha em si incito um certo paternalismo. Efectivamente, admiro-me bastante de que tenha sido essa a razão, ou que haja razões, para tirar do artigo o que já lá estava, visto que isto não implica qualquer paternalismo da parte do Estado. V. Exa. não admite que, por exemplo, o Estado deve nas escolas ter e manter uma certa educação dos alunos no sentido dos direitos dos consumidores? Não admite também que o Estado possa ter campanhas não só para dar informações aos consumidores- até porque esse talvez nem seja o seu papel primacial, pois isso até caberia fundamentalmente, se nós as tivéssemos, às organizações e associações de consumidores espalhadas e com o impacte suficiente no nosso país? É papel do Estado nesse contexto sem o da formação tanto no que mencionei como, por exemplo, na condução de uma campanha de indicações aos consumidores para não tomarem remédios em demasia, campanhas de prevenção em matéria de saúde, que são também, ao fim e ao cabo, matérias de formação dos consumidores. V. Exa. não admite esta hipótese?

Não me parece que haja paternalismo, pois, actualmente, em qualquer país da Europa, pelo menos tanto quanto sei, o Estado conduz campanhas e, em alguns países, nas escolas públicas há disciplinas ou, pelo menos, alguns tempos lectivos destinados à própria formação dos alunos como futuros consumidores. Parece-me, portanto, que não é um paternalismo e que não há razões de fundo para retirar do antigo artigo este novo que propomos no seu n.º 1, este direito dos consumidores à formação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproximamo-nos claramente da hora de encerramento dos trabalhos, de acordo com o estabelecido antes do início desta reunião, e, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de fazer apenas duas observações.

Em relação ao primeiro aspecto, o do livre acesso, muitos dos Srs. Deputados já deixaram expresso o que eu próprio gostaria de formular. Há vias eficazes para a garantia da liberdade, há outras que no passado provaram conduzir a opressão e ao contrário da liberdade de escolha. Aqueles cidadãos que no Porto percorrem o Salão Automóvel, olhando com admiração o último modelo daquele protótipo fabuloso que custa 41 000 contos e, ao que parece, já tem adquirentes, exercem de forma "livre" o seu "direito à livre escolha", que na nossa sociedade é a livre escolha ocular (que é aquela que, as mais das vezes, é possível, como o CDS bastante bem sabe).

Deixaria de parte esse aspecto e a via que o CDS preconiza para garantir o mercado, a livre concorrência e outras coisas e só faria uma observação em relação à questão da formação. Em matéria de formação, o CDS ou é incompleto ou desatento, ou as duas coisas, porque suprime aqui a alusão a formação, mas manteve as alusões, que a Constituição tem abundantemente esparsas, a outros aspectos de formação, designadamente as constantes do artigo 59.º, n.º 3, alínea c), que o CDS manteve, formação essa que é cultural, técnica e profissional. Pelos vistos, não

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lhe parecem de mais, embora seja um "paternalismo odioso" da parte do Estado, suponho eu. O CDS também não alterou o artigo 70.°, n.° 1, alínea b), na parte em que trata de outro aspecto de formação, que suponho também ser um resquício odioso do "paternalismo" estadual. Mas em matéria de formação e deformação o CDS é, naturalmente, livre.

Relativamente ao n.0 3, a relação do CDS com a participação é também pelo menos esquisita, bizarra, porque sei que o CDS propõe a supressão do "odioso" artigo 112.°, no qual se estabelece a participação política dos cidadãos. É aquela norma "monstruosa" que reza que "a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático". O CDS suprime isto, embora também possa ser um lapso do projecto do CDS. Mas admitamos que não é um lapso e que é uma coisa mesmo desejada, deliberada, embora malévola. O problema é que este ódio, ou esta sanha, à participação não está coerentemente esparso, e o Sr. Deputado Nogueira de Brito terá ocasião de reparar nesse facto. Enquanto reprime a participação das associações de consumidores e também a participação dos cidadãos, o CDS introduz novos mecanismos de participação, pelo que chego à conclusão de que há participações de que o CDS não gosta e outras que adora. Por exemplo, a participação dos pais, no artigo II.9, merece ao CDS um êxtase (o CDS propõe o acrescento disso à Constituição). Em suma: o CDS deveria arranjar, Sr. Deputado Nogueira de Brito - esta minha intervenção é para o sensibilizar em relação a este magno problema, não é só devido à hora -, uma bitola única (sem apelo aos modelos únicos!). É que em matéria de participação - já esta provadíssimo - o CDS tem falta de coerência!

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em relação às observações do Sr. Deputado Raul Castro, diria que há talvez uma ideia errada do que seja a concorrência, porque o Sr. Deputado Raul Castro viu na garantia da livre concorrência um perigoso incentivo ao consumismo. Supomos que essa confusão não deve fazer-se e voltaria a insistir - a propósito das intervenções dos Srs. Deputados Raul Castro e Vera Jardim - no que é para nós o centro da garantia de defesa dos direitos dos consumidores: é uma intervenção regulamentadora do Estado, destinada a garantir e assegurar o funcionamento do mercado.

Nesse sentido, Sr. Deputado Vera Jardim, esta consagração do direito à formação - cuja eliminação não consideramos como essencial na nossa proposta -, a este respeito e neste contexto parece-nos que possa aparecer como uma possível interferência, aí diria paternal islã, em relação a esse funcionamento do mercado. Isto é, quem consagra o direito à formação e o direito a qualidade é porque não confia que o mercado, devidamente disciplinado, de forma que nele se possa manifestar a concorrência entre os vários intervenientes, consagre e assegure por si essa qualidade e permita, realmente, a livre escolha dos consumidores. É claro que não queremos excluir desse mercado este ou aquele produto, deste ou daquele preço - ao contrário de uma visão que o Sr. Deputado José Magalhães aqui fez perpassar -, ou seja, numa sociedade regida pelas regras que o Sr. Deputado José Magalhães propugna e defende não haveria talvez essa exposição do Porto, nem havia esse tipo de produto a disposição do consumidor.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Nem havia boutiques!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deve haver aí um equívoco - eu aludi ao modelo constitucional, e não a qualquer outro. É aquele que permite, precisamente, haver essas coisas todas e outras, até, que consideramos indesejáveis.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É nessa perspectiva que nós eliminamos essa referência à formação. Parece-nos que é essencial, por outro lado, à tal regulamentação da concorrência que assegura o funcionamento do mercado o direito à informação; e muito do que o Sr. Deputado Vera Jardim disse releva mais da concretização do direito à informação do que do direito à formação.

Por outro lado, esta referencia à formação dos consumidores não passa, na maior parte dos casos e na maior parte dos textos constitucionais que a consagram, de um voto piedoso - o que também nos parece perigoso e complicado, porque das duas uma: ou releva de uma concepção do Estado, que vai interferir no mercado para além do que seja necessário para assegurar o seu funcionamento, em termos de concorrência, ou então é um voto piedoso, que acabará por encontrar concretização na existência de uma disciplina ou de uma cadeira numa ou noutra escola, ou numa qualquer referência num programa televisivo, o que mais releva da informação do que da formação. Portanto, acabará por não passar de aumentar palavras ao texto constitucional, o que nos parece de evitar, na medida do possível, não sendo, porém, para nós uma questão fechada.

Como também não é uma questão fechada, muito embora releve do mesmo tipo de concepção, a eliminação da referência às associações de consumidores - não temos nada, Sr. Deputado José Magalhães, contra as associações de consumidores, contra as cooperativas de consumo. É verdade, Sr. Deputado José Magalhães, que, embora suponha que não lenha lido origem numa proposta nossa, votámos favoravelmente a disposição correspondente na actual Constituição ao n.º 3 do artigo 62.°-A da vossa proposta. Não temos, de resto, nada de fundamental contra. O que nos parece, efectivamente, é que, incumbindo ao Estado assegurar por via legislativa o funcionamento do mercado - e será essa a principal garantia da defesa dos direitos do consumidor -, o funcionamento do mercado pode resultar diminuído com estes acrescentos que lhe são feitos na proposta do PCP, e que correspondem embora ao actual texto da Constituição, mas numa perspectiva porventura diferente do que seja a peça principal da garantia de defesa dos direitos dos consumidores.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o último orador inscrito é o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - O debate já vai longo sobre esta matéria, todos deram já as suas razões, penso eu, mas, em todo o caso, queria insistir e fazer uma nota quanto a este problema da informação e formação.

Não temos qualquer intenção de introduzir ou sequer manter na Constituição palavras ou expressões inúteis ou que não digam nada ou digam a mesma coisa. O que entendemos é que a informação é muito diferente da formação. Aquilo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito chama formação, que, ao fim e ao cabo, se traduz em informação, não é: embora o Estado também possa ter

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campanhas organizadas, ou não, de informação, mas a informação está mais ínsita na própria relação mercantil da compra e venda, ou seja, na necessidade de, quanto às características dos produtos, às suas qualidades, ou não, o consumidor ser disso informado. Ao passo que a formação é uma coisa prévia e até, talvez, muito diferente.

O Sr. Presidente: - É contínua.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Dei um exemplo de formação que não tem nada a ver com a informação. A informação é a que o consumidor tem, caso a caso, sobre as características, sobre os defeitos, sobre as possibilidades de cada produto ou de cada serviço; a formação, não. Esta está ínsita na formação do consumidor, que é uma coisa muito diferente, e dei um exemplo: é uma formação que se pode fazer nas escolas, por campanhas na televisão ou das mais variadas formas. Continuamos a entender que o Estado tem aí um papel a desempenhar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, impreterivelmente.

Está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 25 de Maio de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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