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Sexta-feira, 8 de Julho de 1988 II Série - Número 24-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 22
Reunião do dia 27 de Maio de 1988
SUMÁRIO
Deu-se continuação à discussão do 7. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 63. a 72.° e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Pais de Sousa (PSD), José Magalhães (PCP), Sousa Lara (PSD), Raul Castro (ID), José Manuel Mendes (PCP), Odete Santos (PCP) e António Vitorino (PS).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, vamos começar os nossos trabalhos com a discussão do artigo 66.° "Ambiente e qualidade de vida". Há uma proposta do CDS no sentido de eliminar as actuais alíneas do n.° 2, substituindo-as por uma formulação muito enxuta, segundo a qual "incumbe ao Estado, em colaboração com as autarquias, assegurar a defesa do ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população". É uma proposta que substitui o concreto pelo abstracto. O CDS elimina ainda o actual n.° 4.
O PS propõe que se consagre um novo caso de acção popular, nos termos em que o faz também para a defesa de outros valores. O PSD substitui, na alínea b), a expressão "ordenar" pela expressão "promover", eliminando o actual n.° 4. O PEV propõe uma nova alínea e) para o n.° 2, segundo a qual incumbe ao Estado "desenvolver uma política de gestão dos recursos naturais que assegure a manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a preservação do património genético e da sua diversidade, a diminuição dos desequilíbrios e o aumento da reutilização e "a reciclagem". Propomos ainda o aditamento de três novos números: n.° 5 - "A lei assegura a realização de estudos de impacte ambiental"; n.° 6 - "As áreas e as zonas de grande poluição serão, nos termos da lei, objecto de medidas permanentes que normalizem a qualidade do ambiente", e n.° 7 - "A lei assegura as condições necessárias à prática do naturismo".
Srs. Deputados, como o CDS não se encontra presente, o PS justifica a sua proposta no sentido de que os valores de defesa do ambiente são precisamente, pela sua natureza, aqueles em que talvez mais se justifique a intervenção difusa dos cidadãos. Na medida em que estes testemunham as agressões ao meio ambiente, mais se justifica a consagração do direito de acção popular. Penso que não é necessária mais pormenorizada justificação.
Assim, pedia ao PSD que justificasse a sua proposta, já que o PEV também não está representado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta diz respeito, fundamentalmente, à eliminação do n.s 4 do artigo 66.°, eliminação essa que, em certa medida, é recuperada através de uma alínea que propomos para o artigo 81.° da Constituição e, por outro lado, de uma modificação de redacção da alínea b) do artigo 66.°, na qual a ideia fundamental, segundo creio, é, pura e simplesmente, não criar uma obrigação única e exclusiva, do ponto de vista do Estado, de fazer o ordenamento do espaço territorial, mas fazer a promoção desse ordenamento do território em colaboração com as actividades económicas e, designadamente, com as autarquias locais, dentro de uma linha política que se tem vindo a assinalar nos últimos tempos. E penso que tanto bastará para justificar a nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, quanto à alteração da redacção da alínea b) do n.º 2 da nossa proposta, fixam-se, expressamente, dois critérios, sendo certo que esta alínea tem a ver com uma problemática fundamental na sociedade portuguesa, qual seja a do ordenamento do território.
Relativamente à eliminação do n.° 4 do artigo em apreciação, diria que esta disposição, tal como está, constitui uma norma programática com projecção noutros preceitos, eventualmente de forma mais nítida. É o caso da alínea d) do artigo 9.° e, em geral, da maioria das normas que definem direitos sociais. Nesse sentido, consideramos este n.° 4 redundante, sendo certo que ele"constitui preocupação expressa noutras normas da nossa lei fundamental.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de começar por sublinhar que creio ser este um daqueles artigos da Constituição que, a todas as luzes, menos obras merece. É geralmente salientado que a consagração de uma norma com este conteúdo foi um passo extremamente relevante em matéria de protecção do ambiente entre nós. A Constituição Portuguesa é, sem dúvida, sob este aspecto, também, pioneira: não é frequente que textos constitucionais vão tão longe ou se preocupem, de forma tão intensa e de resto tão correcta, com as questões do ambiente.
O esforço que conduziu a este articulado parece-nos coroado de êxito, não se afigurando que tenha havido, entretanto, qualquer razão que aconselhe a sua alteração. O problema não está, seguramente, no conteúdo da Constituição neste ponto, mas, tal como tivemos ocasião de sublinhar durante os debates daquilo que viria a dar origem à Lei n.º 11/87, de 7 de Abril - a chamada Lei de Bases do Ambiente -, no facto de a nossa ordem jurídica e de a Administração Pública, na parte que lhe cabe, não impulsionarem de forma adequada e não actuarem de forma correcta aquilo que são normas constitucionais, obrigatórias e vinculativas.
Gostaria de fazer sobre isto quatro observações.
Em primeiro lugar, creio que, se há que recuperar terreno e atrasos, é no campo da adopção de medidas na área da lei ordinária. Tal ocorre, desde logo, em relação ao ordenamento do território, à protecção dos solos e das paisagens e em matéria de urbanismo (onde a selva legal tem vindo a dar origem a problemas gravíssimos, designadamente para as autarquias locais, que continuam sem adequados poderes e sem adequado enquadramento para que possam exercer correctamente as suas competências nesta esfera), como no que diz respeito à definição de normas de planeamento urbanístico, democrático e participado, que lenha em conta a pluralidade de factores que, neste domínio, devem ser devidamente valorados.
Coisa similar se passa em relação à protecção da fauna e da flora (e, em particular, desses espaços que são os parques reservas e áreas classificadas), bem como em matéria de poluição de águas, atmosféricas e sonora e manipulação e transporte de substâncias perigosas, compostos químicos e até pesticidas, em que a nossa situação é extremamente deficiente, como é sabido. Em matéria de licenciamento industrial, estão ainda por actuar diversas das normas que a própria Lei Quadro do Ambiente estabeleceu com vista a salvaguardar certos valores e certos interesses de preservação do meio ambiente que hoje em dia são abundantemente violados entre nós. É aqui que está, pois, Sr. Presidente, o nó da questão do ambiente em Portugal.
Em segundo lugar, a adesão de Portugal às Comunidades acarretou um conjunto de alterações de carácter jurídico, designadamente no tocante à aplicação, no nosso direito interno, de certas directivas comunitárias e outros instrumentos jurídicos próprios do direito comunitário, matéria
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em que, no entanto, há discrepâncias e dificuldades de aplicação que devem ser registadas, não, seguramente, para efeitos de revisão constitucional, mas para efeitos de intervenção tanto da Administração como dá própria Assembleia da República.
Em terceiro lugar, gostaria de sublinhar que alguns dos instrumentos jurídicos que a Lei de Bases do Ambiente previu que fossem aprovados não o estão e que algumas das estruturas que deveriam ter sido implementadas e edificadas não o foram. Não se deve cumprimento a certas obrigações previstas pela própria lei, designadamente a constante do artigo 49.°
Em quarto lugar, assinalo que em matéria de convenções e de acordos internacionais saberão os Srs. Deputados também que Portugal não aprovou ou, em certos casos, não ratificou vários instrumentos de direito internacional que poderiam contribuir bastante para o reforço da nossa ordem jurídica no que diz respeito às questões de ambiente. E digo isto tanto no que diz respeito aos aspectos de cooperação internacional em geral como em relação a aspectos como o transporte de substâncias perigosas, protecção de animais, usos do mar, protecção do património arqueológico, cooperação sanitária, protecção de espécies, etc.
Em relação às propostas em apreço, Sr. Presidente, creio que a proposta do CDS seria extremamente empobrecedora do conteúdo constitucional e que seria uma verdadeira redução drástica e infundamentada de um conteúdo que creio que o próprio CDS, na génese da Constituição, não desmereceu ou não enjeitou. Trata-se de um problema provavelmente também relacionado com a identidade partidária daquele partido e com o seu conceito de memória histórica- coisa que, naturalmente, não esmiuçarei. Nada exige, parece-nos, que se suprimam as alíneas a), b), c) e d) do actual n.º 2 para as substituir por uma norma esquálida e de conteúdo diminuto, que diria uma coisa com a qual, naturalmente, todos estaríamos de acordo (pois é evidente que deve incumbir "ao Estado, em colaboração com as autarquias, assegurar a defesa do ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população"). Só que fazer-se isso implicaria a supressão das actuais alíneas a), b), c) e d) do n.° 2, que são bastante mais específicas e, por vezes, admitamos, até especiosas, aqui e além. Quando se alude na Constituição à necessidade de classificar, por exemplo, paisagens e sítios, é evidente que se está a entrar num grau de pormenor que poderia exigir referência a outros bens ou a outras realidades igualmente merecedoras de protecção. Sei que a opção constitucional, nesse ponto, é claramente particularizadora e, como sempre acontece quando se particulariza, há outras coisas igualmente particulares que deixam de ser referidas. Poderá apontar-se esta característica ao texto constitucional, mas não fazer-se uma demolição radical, como aquela que é preconizada pelo CDS.
A proposta relativa ao n.° 3 padece do mesmo vício, uma vez que reduz aquilo que decorreu da redacção introduzida neste ponto pela revisão constitucional.
Aqui, curiosamente, o CDS quer um regresso, porque o texto originário rezava, precisamente:
O cidadão ameaçado ou lesado no direito previsto no n.° 1 pode pedir, nos termos da lei, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização.
O CDS não pode aqui ser acusado de demolição, no sentido exacto de regresso para trás de 1976, mas propõe um regresso a 1976 que, quanto a mim, nada justifica, uma vez que toda a discussão que fizemos na primeira revisão constitucional -aqui, institucionalmente, na Assembleia da República - conduziu, precisamente, à melhoria hoje consubstanciada no n.° 3 do artigo 66.°
Essa melhoria deu, aliás, origem a que a lei que citei adoptasse outras providências, com vista a actuar e a estimular o exercício do direito previsto na Constituição. Que o tenha feito em termos acima de crítica, é evidente que não é sustentável, mas a utilidade da norma constitucional ficou provada, creio eu, claramente, no próprio debate da legislação ordinária que era suposto actuá-la.
Por outro lado, é preciso ter em conta que, quando se está a reflectir nos direitos e deveres dos cidadãos em matéria de ambiente, é muito pouco e muito curto reduzir a questão ao direito de o cidadão ameaçado ou já lesado pedir a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização. Pode estar em causa também a prevenção dos factores de degradação do ambiente, pode haver situações não de lesão directa, mas outras situações incluindo as de mera ameaça. Tudo isto é comportado pelo articulado constitucional tal qual se encontra redigido, não sendo por acaso que a lei, ao plasmar, em termos de actuação concreta, na esfera da lei ordinária os conteúdos constitucionais, previu formas de iniciativa popular no domínio da melhoria do ambiente e da qualidade de vida (surgidas na sequência de apelos da administração central, regional ou local); previu a participação de entidades, incluindo entidades privadas, em iniciativas de interesse para prossecução de fins de defesa do ambiente. Significativamente ainda a lei definiu -em termos que podem merecer críticas de insuficiência, mas que estão substancialmente correctas- obrigações das autarquias locais e de outras entidades públicas quanto à compensação por prejuízos causados. Tudo isso se pode encarar como tendo adequada cobertura constitucional também neste n.º 3 da Constituição. Por tudo isto, Srs. Deputados, creio que não teria a mínima justificação fazer-se o regresso a 1976 preconizado pelo CDS, e bem gostaria, aliás, de ouvir as razões - se é que as há - para se impulsionar esta alteração.
Quanto à proposta apresentada pelo PS, aí estamos nos antípodas quanto à preocupação redutora. Aqui, a preocupação é de enriquecimento e de utilização, de resto, de uma fórmula próxima de outra que ontem tivemos ocasião de apreciar e que visa distinguir entre formas de exercício - formas pessoais, por um lado, ou organizadas e institucionalizadas via associações de defesa do ambiente - do direito de promoção da prevenção e cessação dos factores de degradação do ambiente e da qualidade de vida, aditando o PS uma fórmula que pode ser de acção popular, além de ser de ressarcimento por prejuízos directamente causados.
Quando se alude ao direito de requerer para a colectividade a correspondente indemnização, está-se, naturalmente, a instituir uma fórmula de acção popular, e gostaria apenas que o Sr. Deputado Almeida Santos pudesse
- caso assim o entenda- especificar como é que se configura esta solução quanto ao destino da indemnização. Quando aludem à colectividade, ou seja, a uma realidade que não é puramente pessoal (não sei como é que a imaginam institucionalmente), em que é que estão rigorosamente a pensar? Qual seria o exacto conteúdo deste direito a requerer para a colectividade a correspondente indemnização?
Em relação à proposta do PSD, a preocupação lerá sido a de rever a terminologia por forma a adequá-la a uma versão, a uma noção ou a uma elaboração mais recente da problemática do ordenamento do território. Gostaria, no entanto, de saber quais seriam as implicações exactas desta alteração e se se visa estabelecer qualquer articulação entre isto e realidades que estejam, neste momento, a ser impulsionadas, designadamente, no terreno da lei ordinária ou no terreno da gestão governativa. Esse nexo pode existir
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e não é obrigatoriamente perverso. Neste caso concreto, apenas seria relevante que fosse explicitado.
Gostaria de não deixar passar sem uma menção o facto de se suprimir o n.° 4. O n.º 4 originou, em determinada época da vida portuguesa, uma polémica, não tanto por si como pela utilização que lhe foi dada. Nos tempos da AD, a mística da "qualidade de vida" serviu para várias coisas que tinham pouco a ver, aliás, com a mesma qualidade de vida. Creio que o PSD "tombou de cansaço" e resolveu despir definitivamente essa pele, o que é uma ruptura com o seu próprio passado.
A pergunta que faço é se é necessário obrigar a Constituição a fazer essa ruptura com um passado que é de um partido político, por mais relevante e por mais votos e deputados que tenha, e se tem algum relevo alterar-se a Constituição nesse campo. Até porque - como sublinhou o Sr. Deputado Pais de Sousa- o conteúdo constitucional manter-se-ia e, por consequência, aquilo que o PSD estaria a fazer seria a eliminar aqui uma coisa que continuaria ali (uma vez que o PSD "ali" não propõe supressão nenhuma!). Pergunto, portanto, qual o interesse de uma cirurgia deste tipo? Quando muito, haveria uma alteração não do conteúdo, mas da quantidade constitucional em relação a esta matéria, com o alcance que tem este número (e que é o que é!). Não se pode a partir deste preceito edificar nenhum pilar ou nenhum "monumento egípcio" à qualidade de vida! Não é daqui que os Portugueses bebem a seiva e o vigor da qualidade ou da falta de qualidade da sua vida. Em todo o caso, para a demolição proposta pelo PSD é necessária uma justificação específica, que não me parece ter sido produzida até agora.
Em relação às propostas do PEV, gostaria bastante de ouvir as justificações que este partido eventualmente tenha para os enriquecimentos propostos. Aquilo que se propõe e, desde logo, não a alteração do corpo do artigo, mas, no fundo, o aditamento de uma nova alínea, no sentido de sublinhar que é também incumbência do Estado o desenvolvimento de "uma política de gestão dos recursos naturais que assegure a manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a preservação do património genético e da sua diversidade, a diminuição dos desperdícios e o aumento da reutilização e da reciclagem". Creio que alguns destes objectivos constam da lei ordinária e, tanto quanto percebo, trata-se de transpor para a Constituição conceitos e até uma metalinguagem própria do direito do ambiente. Em relação à problemática da preservação do património genético e da sua diversidade, gostaria de ouvir algumas explicações complementares dos Srs. Deputados do PEV. Espero que noutro momento tenhamos ocasião de as obter.
Quanto à questão da diminuição dos desperdícios, talvez uma alusão seja uma boa contribuição, quer inserida nesta alínea, quer em qualquer uma das alíneas já existentes, uma vez que, na alínea d) do n.º 2, a Constituição prevê que se promova "o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica". Evidentemente, a problemática do combate aos desperdícios, do aumento da reutilização e da reciclagem, bem como a manutenção dos ecossistemas de suporte à vida, são, creio eu, questões que devem estar obrigatoriamente compreendidas neste domínio. Em termos de formulação - compreendendo eu a ideia de destaque que esse partido terá tido- talvez se pudesse utilizar ou reutilizar (para fazer alguma homenagem à metalinguagem dos Srs. Deputados do PEV) esta proposta, canalizando-a para a alínea d).
Finalmente, em relação à "realização de estudos de impacte ambiental", nada temos a opor: trata-se de uma obrigação legal. E o mesmo se diga quanto à ideia de que "as áreas e as zonas de grande poluição" sejam "objecto de medidas permanentes que normalizem a qualidade do ambiente". A questão que se coloca é a de saber se a norma tem a concisão adequada para ser vertida no texto constitucional.
Finalmente, quanto à constitucionalização da prática do naturismo, creio que a questão mereceria também algum debate. Pela minha parte, gostaria de trocar impressões sobre esta matéria, nas condições adequadas, com os Srs. Deputados do PEV, uma vez que fizemos recentemente um debate no Plenário da Assembleia da República sobre esta matéria. A transposição de tudo isto para o texto constitucional tem implicações que deveriam ser ponderadas face a argumentos concretos que, neste momento, não estamos em condições de poder apreciar. Sugeria, portanto, Sr. Presidente, que a questão do naturismo, cuja sede de inserção pode ser esta ou outra, pudesse ser apreciada noutro momento, contando com a contribuição dos Srs. Deputados do PEV.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, pela minha parte, gostaria sobretudo de me referir à resposta do PS. Em primeiro lugar - e suponho que já tornei isso manifesto através das minhas intervenções -, devo referir que sou muito contrário à ideia de governar através da Constituição e, portanto, em alongar excessivamente o programalismo da mesma. Em todo o caso, isto não pode ser levado a um extremo e - falo em termos pessoais -, se há matéria onde me pareça razoável um aditamento à Constituição em termos programáticos -em meu entender, insisto-, e exactamente nesta área, na qual .o PS apresenta a sua proposta. É também evidente que me parece ser mais de valorizar a primeira proposta, no sentido de que explicita o termo "todos" contido no actual preceito constitucional, referindo que o direito em causa é conferido a título pessoal ou através de associações de defesa do ambiente. Penso que este desenvolvimento é muito pertinente, assim como a hipótese de se permitir a correspondente indemnização em termos de colectividade. Creio que, ao fim e ao cabo, é uma garantia da concretização do direito que aqui está implícito.
Quanto à inclusão da expressão "qualidade de vida", devo dizer que, neste aspecto, tenho alguma reticência a apresentar à proposta, visto tratar-se de um conceito mais subjectivo, com implicações que, a meu ver, ultrapassam o estrito conceito de ambiente e de meio envolvente, para o qual remeto e interpreto o conceito do preceito em discussão e em apreço. Por conseguinte, poria alguma reserva relativamente a esse aditamento, apenas a esse. E, volto a repetir, falo a título pessoal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma bonita autocrítica!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Começaria por observar que não foi apresentada nenhuma proposta de alteração da epígrafe, que é "Ambiente e qualidade de vida". Temos, portanto, aqui um dado adquirido, ou seja, o de que este preceito versa as duas matérias, e não apenas o ambiente.
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Depois desta constatação, gostaria de sublinhar que efectivamente as propostas do CDS são empobrecedoras do texto constitucional e que dificilmente se poderão compreender as razões destas propostas.
Relativamente à proposta apresentada pelo PS, introduzem-se três melhoramentos. O primeiro reside no facto de conferir, não só pessoalmente, como também através de associações de defesa do ambiente, o direito de promover a prevenção ou cessação dos factores de degradação do ambiente e da qualidade de vida. Consequentemente, o PS vem com isto reconhecer -o que me parece correcto - o papel das associações do ambiente na defesa do próprio ambiente. O segundo melhoramento é o de acrescentar, em harmonia, aliás, com o título da epígrafe deste preceito, a expressão "e da qualidade de vida" à expressão "ambiente", o que não constava da actual redacção. Finalmente, prevendo-se que a indemnização possa ser requerida pessoalmente ou para a colectividade, ataca-se um problema que me parece importante e que é o de o interesse não ser puramente individual, por a lesão respeitar a toda a colectividade, o que não deve impedir qualquer cidadão de agir individualmente tendo em atenção a defesa dos interesses da colectividade, e não apenas os seus.
Relativamente às propostas do PSD, penso que a nova redacção proposta para a alínea b) adianta alguns factores, como e o de "uma correcta localização das actividades e um equilibrado desenvolvimento sócio-económico". Parece-me, porem, que não põe em causa o que se consagrava no texto anterior, isto é, a "paisagem biologicamente equilibrada". Pena e, portanto, que além do que já se consagrava, não se acrescente em vez de substituir. Ou seja, dever-se-ia manter a expressão "paisagem biologicamente equilibrada", acrescentando a proposta.
Quanto à eliminação, à primeira vista ela e puramente negativa, mas não se pode deixar de ter em conta que isto se relaciona com uma outra proposta do PSD relativa ao artigo 9.º, alínea e), da Constituição e que de algum modo o PSD transfere para a alínea e) do artigo 9.° da Constituição a matéria que agora aqui elimina. Trata-se, pois, mais de uma deslocação de matéria do que propriamente de uma eliminação.
O problema que resta consiste em saber se é mais correcto incluir este n.º 4 no artigo 66.º ou se se deverá deslocá-lo, como faz o PSD, para o artigo 9.º da Constituição. Em nosso entender, não haveria razões para deslocar esta matéria para o artigo 9.º, eliminando-a aqui, na medida em que está estritamente ligada com o ambiente e a qualidade de vida. Daí que não possamos dar a nossa concordância a esta eliminação, ainda que tendo em conta que ela aparece de certo modo assumida noutro preceito.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Já aparecia!
O Sr. Raul Castro (ID): - Não, aparece no projecto de revisão do PSD, do qual uma das alíneas propostas para o artigo 9.° da Constituição reproduz o n.° 4 que aqui elimina. Sensivelmente mantém ali o que aqui elimina, pelo que, no fundo, o problema reduz-se a uma questão de transferencia. Mas, em nosso entender, esta matéria cabe melhor neste preceito do que no artigo 9.°, pelo que deveria manter-se neste artigo 66.°
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Em primeiro lugar, começaria por responder ao Sr. Deputado Raul Castro. De facto, a Constituição já tinha no artigo 9.º, sob a epígrafe "Tarefas fundamentais do Estado", uma redacção similar àquela que o PSD aponta para a substituição de uma das alíneas e referindo expressamente a qualidade de vida. É evidente que a inserção desta matéria nas "Tarefas fundamentais do Estado" atribui-lhe uma dignidade especial e particular, que me parece sobrelevar a inclusão no artigo 66.° Porém, como lhe disse, esta mesma preocupação aparece noutros domínios da Constituição e, designadamente, noutro, que há pouco citei como bastante importante, e que é o artigo 81.° Continua assim a prevalecer o sentido dominante da preocupação fundamental do PSD em relação a esta questão, ao contrário daquilo que há pouco disse o Sr. Deputado José Magalhães - e é bom que isto fique na acta-, ou seja, a afirmação de que o PSD se leria esquecido de uma das suas referencias essenciais programáticas, qual seja a prossecução da melhoria da qualidade de vida.
O Sr. Raul Castro (ID): - Pretendia apenas observar que existe aqui um factor com algum peso: é que, na proposta de redacção da alínea e) do artigo 9.º da Constituição, o PSD elimina a expressão "qualidade de vida".
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas mantém a na alínea d).
O Sr. Raul Castro (ID): - Mas isso joga com a epígrafe do próprio artigo ...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah, sim! Aqui.
O Sr. Raul Castro (ID): -... que e não só "ambiente", mas também "qualidade de vida".
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - No artigo 66.º
O Sr. Raul Castro (ID): - Aqui, em relação ao artigo 66.º ...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Aliás, aproveitaria a oportunidade para lhe dizer que estamos substancialmente de acordo com aquilo que resulta da proposta do PS. Pelo menos não temos objecções a apontar, o que é um bom prenúncio, na medida em que as propostas do PS e do PSD podem perfeitamente completar-se ou complementar-se em muitos dos casos e neste também.
Entretanto, se fosse admitida a proposta da autoria do PS, bem como a do PSD, a crítica em relação à epígrafe do artigo já não leria nenhuma razão de ser porque continuariam a ser salvaguardados os dois aspectos: o ambiente e a qualidade de vida.
Além disso, quero também - e tenho pena de não estar presente o Sr. Deputado José Magalhães - dizer-lhe o seguinte: grande parte das coisas que estão focadas concretamente no projecto do PEV são questões que devem ser dirimidas no seio da lei ordinária. Assim sendo, e avançando nesta altura a nossa posição nesta matéria, ela é fundamentalmente esta no que concerne ao projecto do PEV.
Em relação ao projecto do PSD, a preocupação que ele teve, que salientou, que achou positiva e que, creio, coloca a alteração proposta pelo PSD também numa sede de consenso generalizado, é a da que estes princípios defendidos para a alteração da alínea b) se inserem no esforço que se pretende feito ao nível dos planos de ordenamento do território e ao nível dos planos directores municipais.
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E uma questão principal que se tenta resolver a nível constitucional -penso que ao nível constitucional deve ser defendida em termos dos actuais problemas das Comunidades - é a da localização das actividades, designadamente das actividades produtivas. Este é, como sabem, o grande problema, fonte de tudo, e, por outro lado, a garantia do desenvolvimento sócio-económico equilibrado, ou seja, a garantia do desenvolvimento do território nacional equilibradamente. A não ser assim, manter-se-ia uma permanente fonte de desequilíbrios, de desigualdades e de piorias do ambiente e da qualidade de vida ao longo do território nacional.
Creio, portanto, que, com todos estes contributos e com a súmula das várias contribuições que tentei fazer, este preceito poderia ficar substancialmente enriquecido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - (Por não ler falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) ... o projecto do PEV nos mesmos termos em que foz o Sr. Deputado Carlos Encarnação, pelo que não vale a pena acrescentar mais nada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Não foi com o propósito de abreviar a intervenção que não me tinha referido ao projecto do PEV. Depois da intervenção do Sr. Deputado Carlos Encarnação mais razão ainda haveria para dizer qualquer coisa.
Quando, na sua intervenção, diz que estas propostas são mais adequadas para a lei ordinária do que para a Constituição, concordo com a sua opinião no que respeita a algumas dessas propostas, nomeadamente quanto a prática de naturismo, ale porque naturalmente o projecto foi elaborado muito antes de a lei ser aprovada, tendo sido esta uma forma de enfatizar a necessidade da lei do naturismo, que viria a ser aprovada.
No entanto, existem outros aspectos da proposta - pena é que não esteja presente nenhum Sr. Deputado do PEV para poder justificar -, nomeadamente o de desenvolvimento de "uma política de gestão dos recursos naturais que assegure a manutenção dos "cossistemas". Penso que, nesta parte, por exemplo, se trata de matéria com dignidade constitucional. Quer dizer, seria positivo que uma medida destas constasse do "ambiente e qualidade de vida", na medida em que se me afigura tratar-se de maioria de fundamental importância. É uma matéria nova a que a própria evolução da situação, muitas vezes negativa, veio evidenciar que importa salvaguardar e imprimir dignidade constitucional. De qualquer forma, contrariamente ao Sr. Deputado do PSD que afirmou entender não ser necessária a Constituição para governar, eu parto do conceito contrário, ou seja, o de que a Constituição e realmente a lei fundamental do País.
O Sr. Presidente: - Na qualidade de parte, gostaria de fazer algumas observações.
Em primeiro lugar, quando o Sr. Deputado José Magalhães me pergunta qual o destino da indemnização quando, na nossa proposta, referimos que ela pode ser atribuída quer ao próprio lesado individual, quer à colectividade, peço-lhes que reparem que salientamos "nos termos da lei". Compelirá, portanto, à lei concretizar esta matéria. Mas concebemos uma solução que estabeleça que a indemnização deve ser aproximada o mais possível do lesado individual ou dos lesados colectivos. Portanto, se há um concelho, uma freguesia, uma povoação, que são particularmente lesados, entendemos que em direcção a clas há-de também dirigir-se a indemnização. Mas é apenas uma ideia que a lei ordinária concretizará.
Também nos parece que a proposta do CDS é fortemente redutora e não vemos que haja justificação para irmos tão longe.
Por seu lado a proporia do PSD contém, em meu entender, elementos enriquecedores. Talvez se deva fazer um melhor caldeamento entre a redacção actual e aquilo que é proposto, no sentido de se recuperar o que há de válido nas propostas. Entre a ideia de promover e de ordenar, depois veremos. Dizer-se "o Estado> promove" ... No fundo, é o Estado quem deve faze-lo, e não apenas tomar a iniciativa para que outros o façam. Mas, enfim, são maneiras de dizer...
Quanto à eliminação do n.º 4, veremos onde se integra melhor, se aqui, se lá. É um problema de sistematização.
Quanto às propostas do PEV dado não estar presente nenhum deputado deste Partido, não entraremos numa longa discussão. No entanto, tenho tendência para supor que nesta alínea c) existem alguns elementos que talvez se possam recuperar, sobretudo no n.° 1, quando se fala, por exemplo, na "manutenção dos ecossistemas e na preservação do património genético". Mas já "a diminuição dos desperdícios e o aumento da reutilização e da reciclagem" parece-me ser matéria mais adequada à lei ordinária do que à Constituição.
O n.° 5 parece-me uma norma claramente programática. Dizer a Constituição que a lei há-de assegurar "a realização de estudos de impacte ambiental" é programático. E o mesmo se pode dizer relativamente do n,° 6, quando se estabelece que "as áreas e zonas de grande poluição serão, nos termos da lei, objecto de medidas permanentes". A lei não precisa de que a Constituição o diga para que tal aconteça. E sobretudo medidas permanentes. Quanto à prática do naturismo, já o Sr. Deputado Raul Castro deu a entender que a necessidade desta norma do algum modo desapareceu com a aprovação da lei ordinária sobre esta matéria. Talvez esta matéria fosse aqui mencionada mais como um estímulo para que se consagrasse na lei ordinária aquilo que ela veio a consagrar. E também não me parece que as Constituições existam para que se consagrem valores desta ordem.
Não que não se trate de um valor com toda a dignidade. Mas a verdade é que igual a este haveria muitos outros para serem constitucionalizados. Se VV. Exas. estiverem de acordo, passamos ao ponto seguinte, em relação ao qual creio serem também válidas as mesmas considerações.
A natureza programática é também acentuada: o n.º 1 é um caso de participação dos cidadãos; o n.º 2 é um caso de participação de associações do ambiente; o n.° 4 é um caso de participação das autarquias e associações do ambiente; no n.º 3 chega-se a dizer que "a lei prevê os procedimentos legais que garantam o cumprimento das normas". Deve a Constituição prever que a lei preveja procedimentos legais que garantam o cumprimento das normas? É um extremo de legalização que não tem a menor justificação. De qualquer modo, veremos depois o que se pode salvar desta proposta.
Se me permitissem, íamos ao artigo 67.º "Família".
Antes disso tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Antes de mudarmos de artigo, e embora o PEV não esteja presente,
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gostaria de usar da palavra. Também não assisti ao debate que teve lugar anteriormente, pelo que, de facto, há aqui um problema de situação geográfica e temporal na discussão que prejudica os que cá estão desde o início. De toda a maneira, desejaria ver esclarecidas algumas questões, se fosse possível. Em primeiro lugar, creio que a proposta do CDS, que não está presente, se me afigura tão claramente redutora...
O Sr. Presidente: - Sobre isso já falou o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP):-Já foi referida. É, então, como já se sabe inteiramente não sufragável pela nossa bancada e, aliás, suponho que por todos.
O Sr. Presidente: - Ninguém aqui se mostrou entusiasmado com ela, de modo que não esteja preocupado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio, todavia, não se encontrar uma referência directa e significativa aos meios jurídicos de defesa do ambiente por parte dos cidadãos, mesmo na proposta do PS, que, todavia, neste particular, avança com a sugestão de constitucionalização das associações de defesa do ambiente. Suponho que alguma coisa será necessário constitucionalizar para além delas. Há dias falava-se aqui, na presença do Sr. Deputado Vera Jardim, na possibilidade de alargar o direito de acção popular a outras frentes; era capaz de não ser tolo pensar que em relação a esta ele se justificaria, evidentemente um grano salis.
O Sr. Presidente: - Está cá!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Onde, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Já está na Constituição, nós alargámo-la ao cidadão, a todos...
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ou através de associações de defesa do ambiente.
O Sr. Presidente: - Então metemos as associações de defesa do ambiente e precisamos melhor o direito à indemnização.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Exactamente!
O Sr. Presidente: - Já por aí passámos, o Sr. Deputado José Magalhães já sobre isso teceu largas considerações, aliás com alguma concordância. Se V. Exa. concordasse, passávamos à frente.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Então, só uma última nota antes de passarmos adiante. Tanto quanto percebi - é pena não estar aqui o PEV! -, há outras propostas, conexas com estas, que interessa debater.
O Sr. Presidente: - O PEV há-de querer, noutra oportunidade, voltar a este ponto. Portanto, ainda teremos ocasião disso.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio ter entendido que da parte do PS, pela voz do Sr. Vice-Presidente Almeida Santos, haveria alguma disponibilidade para recuperar alguns dos elementos constantes da alínea e) da proposta do PEV, referente ao n.º 2, mas com excepção da referência à diminuição dos desperdícios e ao aumento da rentabilização e reciclagem ...
O Sr. Presidente: - Isso é problemático.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Mas porquê? É programático de mais?
O Sr. Presidente: - É programático e esmiuçador de mais. Às tantas, a Constituição é um saco sem fundo onde cabe tudo, onde cada um inclui as suas predilecções.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Mas são hoje considerados vectores dominantes numa certa política ambiental, isto é, em Portugal e por aí fora...
O Sr. Presidente: - De qualquer modo, não temos de definir aqui todos os vectores da política ambiental; na manutenção dos ecossistemas já cabe isso.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Numa tentativa de particularização daquilo que é a manutenção e a defesa dos ecossistemas, o que é demasiado vago, é uma espécie de reemblematização...
O Sr. Presidente: - As Constituições devem ser enxutas desde que nelas estejam as devidas "estrelas polares", como costumo dizer. Descer ao pormenor da reciclagem, da reutilização, parece-me de mais. Veremos o que se pode aproveitar da proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Não queria alongar-me e queria corresponder ao pedido do Sr. Presidente no sentido de se não voltar a insistir neste assunto, dado que o PEV não está cá. Em todo o caso, já que se insiste mesmo na constitucional ização da defesa dos ecossistemas, devo dizer que, pessoalmente, apresento sincera reserva nisso - até porque a constitucionalização do preceito que aqui está proposto ("assegure a manutenção dos ecossistemas") pode, por exemplo, tomar inconstitucional determinado dispositivo militar que ponha em risco um ecossistema fundamental. Trata-se, para mim, de uma questão de prioridades e antevejo que esta questão seja levantada com a eventual constitucionalização de um preceito deste tipo. Peço desculpa, não queria voltar ao assunto, mas, já que o mesmo foi novamente levantado, tenho de explicitar esta posição.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Como voltaremos a ele, poderemos depois analisar isso com mais detalhe.
O Sr. Presidente: - Vamos, enfim, à família? O CDS introduz aqui um vector de direito natural: "a família, como elemento natural", e não apenas "fundamental da sociedade, tem direito à protecção" só "do Estado" -corta a referência à "sociedade" - "e à efectivação das condições", substituindo a expressão actual "todas as condições que permitam a realização". "Das" ou "de todas", é igual, uma vez que vêm qualificadas logo a seguir. Na alínea d), sobre o que deva "promover-se", corta a referência à "divulgação dos métodos de planeamento" e refere apenas "os meios adequados ao exercício pelos cidadãos do seu direito ao planeamento familiar".
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O PS, na alínea f), propõe uma norma tendente a assegurar "aos jovens casais a protecção especialmente exigida pela procura da primeira habitação e primeiro emprego".
A deputada Helena Roseta faz duas propostas que me parecem apenas formais e, mesmo aí, sem grande significado: "a família como um dos elementos fundamentais da sociedade", em vez de, como hoje, "como elemento fundamental". Dado que a própria Constituição não pretende que a família seja o único elemento fundamental da sociedade, parece-me absolutamente igual o que se propõe relativamente ao que está. Também, onde se diz "que permitam a realização dos seus membros", propõe que se diga "de todos os seus membros". É rigorosamente a mesmíssima coisa, em termos gramaticais, dizer "dos seus membros" ou "de todos os seus membros", embora possa ser mais enfática a expressão "de todos".
Aqui temos as alterações. Quem quiser usar a palavra, faça o favor de a pedir.
Como ninguém quer, e podia pronunciar-me no sentido de que não vejo necessidade de referir que a família é um elemento natural da sociedade e também não vejo a necessidade das outras correcções, nem eliminar a referencia à protecção da sociedade. Seria redutor. Nem me parece que a nova formulação relativamente ao planeamento familiar seja melhor do que a que está. A nossa proposta e clara, no sentido de dar alguma protecção constitucional aos jovens casais à procura de primeira habitação e primeiro emprego. É uma norma que tem algum significado programático, mas, enfim, nem tudo o que é programático é mau.
As correcções formais da Sr.? Deputada Helena Roseta parecem-me dispensáveis, porque nem sequer alteram o sentido do que já está na Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Fundamentalmente, queria acompanhá-lo nas suas conclusões, porque, realmente, também para nós o artigo do CDS não traduz grandes melhorias ou melhorias significativas; o mesmo se diga também quanto ao projecto da Sra. Deputada Helena Roseta. Em relação ao projecto do PS, se bem que encaremos com alguma simpatia uma norma deste tipo, estamos substancialmente preocupados coma possibilidade de causar alguma distorção e algum desequilíbrio a inclusão de uma norma destas. Portanto, sugeriríamos ao PS que repensasse esta questão de saber se realmente vale a pena incluir ou não tal norma, porque a nossa proposta é no sentido de não modificar o artigo.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, sempre que se trate de consagrar valores que me parecem discutíveis, como foi proposto, depois veremos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio que é pena o CDS não estar presente, porque a proposta não é despicienda; é extremamente negativa e de combater, mas não é nem filosófica nem juridicamente despicienda. O inciso "como elemento natural" empobrece sobremaneira, a nosso ver, a fórmula hoje constante do n.º 1 do artigo 67.°; como é de calcular, não a arrematamos - vem de longe, tem história, conhecemo-la desde os projectos do chamado "grupo de Coimbra", mas também de alguns autores que, de certa forma, substanciaram o conteúdo das normas que então foram formuladas. É uma transmissão de um ponto de vista bastante caro à democracia cristã e que tem sido em Portugal propalado desde sempre, não é uma novidade. De qualquer modo, penso que legitimaria uma troca de impressões com o CDS, uma vez que tem, no mínimo, a meu ver, dignidade de discussão no plano teórico. Relativamente à alínea d), o que há a dizer é isto: a omissão da "divulgação dos métodos de planeamento familiar e organização das estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente" seria de uma extrema gravidade. Trata-se de uma matéria em que se conseguiu, na revisão constitucional de 1982, enriquecer e melhorar o texto da lei fundamental, que aponta, naturalmente, para métodos que, se não são em absoluto os mais avançados, são hoje adquiridos como inegavelmente importantes nas sociedades abertas, nas sociedades do nosso tempo, e que tem em vista promover interesses que, se são individuais no sentido estrito, são também interesses da colectividade do seu conjunto.
Pelas razões já há pouco apontadas também pelo Sr. Presidente, a nossa atitude em relação às propostas do CDS é de nenhuma simpatia, isto é, de não as coonestar e de, com o nosso voto, não facultar que elas prossigam o trânsito a que se destinavam.
A proposta avançada pelo PS vem classificada pelo Sr. Deputado Almeida Santos como programática. Tenho pena de que tenha feito uma defesa tão pouco convicta de uma benfeitoria que consideraria não voluptuária, mas útil e necessária, versando um problema sentido - e central, diria mesmo -, extremamente ventilado, na opinião pública e também entre os Portugueses. A "protecção aos jovens casais, designadamente nas áreas da primeira habitação e do primeiro emprego", não é, nem dever ser, uma frase retórica. Nós não somos contra uma Constituição que tenha incisos e preceitos de natureza e conteúdo programáticos - é sabido -; mais do que isso, defendemos a necessidade de corporizar no normativo constitucional fórmulas de programa que obriguem, vinculem, os órgãos do Estado e, desde logo, o Governo, principal órgão da Administração Pública, à adopção de medidas que sejam prestações do Estado para a promoção de interesses sociais importantes.
Tanto quanto pude perceber da intervenção produzida pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, trata-se de saber se esta matéria tem dignidade constitucional. Somos reenviados para uma velha querela, que é a de saber o que tem e o que não tem dignidade constitucional, e temo que muitos de nós, em torno disto, possam frequentemente cair em juízos de mera conjuntura, em juízos de mera oportunidade, mesmo que não estritamente político-partidária. É usual considerar como não tendo dignidade constitucional alguma coisa que, mesmo remetendo para a lei ordinária, se entende ser valorosa, mas acaba por não obter consagração, e, com outro peso e outra medida, vir, mais tarde, a admitir-se que preceitos em tudo semelhantes, quando não mesmo mais flébeis, acabem por encontrar corporização no tecido normativo. Pela nossa parte, embora com a eventualidade de alguns enriquecimentos e, naturalmente, sem esquecer que deste tipo poderíamos produzir várias benfeitorias ao longo de todo o texto da Constituição, daríamos manifesta e expressamente o nosso acordo, embora com a reserva natural de podermos reponderar toda a matéria e de, no quadro dessa reponderação, encontrarmos até formulação mais precisa.
Tenho pena de que a Sra. Deputada Helena Roseta não esteja presente porque, se subserco de um ponto de vista juridicista, técnico, as observações feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos - é óbvio que não se acrescenta nada ao que hoje está no texto constitucional, apenas se procura eventualmente enfatizar o que lá está (e pessoalmente sou
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daqueles que têm dúvidas de que a enfatização pela retórica seja uma enfatização real)-, penso, todavia, que seria extremamente útil que a deputada autora das propostas nos pudesse dizer o que tem em mente com elas, pois a sua intenção pode não ter sido suficientemente coberta pela forma redactiva utilizada e, no entanto, revelar-se de tal forma valiosa que devamos, no quadro dos trabalhos que estamos a empreender, encontrar uma solução verbal adequada.
Manifestaria, portanto, esta atitude de prudente resguardo, de algum acolhimento, de alguma disponibilidade para considerar ulteriormente o que vier a ser ponderado.
Uma última nota para dizer que penso, Sr. Presidente, que, por razões de lealdade parlamentar, deveríamos reabrir este debate com a presença do CDS, porque é perfeitamente indiscutível que se trata de uma questão nevrálgica para os nossos colegas desse partido, que, neste momento, como no Plenário, manietados pelo debate a decorrer, embora destinado a acabar antes das 12 horas e 30 minutos, o que é capaz também de trazer considerações... para o nosso trabalho.
O Sr. Presidente: - Já chegámos à conclusão de que isso não e muito prático. A verdade é que as ausências do CDS, por razões que bem compreendemos, são tão frequentes, sendo tantas as suas propostas, que, se tivermos de reservar tempo para depois recuperarmos as propostas no momento em que eventualmente passem por aqui e em que já estamos noutro azimute, não será realista. Nunca mais sairíamos daqui e não sei verdadeiramente se valerá a pena que nós, relativamente a propostas em que há consenso no sentido de que não têm um mínimo de condições para ser consagradas, as discutamos e percamos tanto tempo, sobretudo não estando presentes os elementos directamente interessados.
Realcei a natureza programática de a norma porque, normalmente, sou pela eliminação de pi opostas de natureza programática e o que disse foi que, apesar de a norma ser programática, justifica-se. Fui o seu autor material, parece-me clara a sua justificação e parece-me, neste caso, difícil que não nos ponhamos de acordo sobre ela.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Aqui não se está a defender o socialismo na sua competente de Estado ou numa outra qualquer versão.
O Sr. Presidente: - É evidente que não. Foi apenas este o significado da minha observação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Relativamente às propostas do CDS, em relação ao n.º 1 tenho alguma dificuldade em compreender as propostas. Por um lado, temos a eliminação da protecção pela sociedade. Mas o CDS, que tanto valoriza a família, acha que se deve dispensar a protecção da sociedade limitando-a à protecção do Estado. E por que é que retira a palavra "todas" na frase "a efectivação de todas as condições que permitem a realização pessoal dos seus membros"? Há aqui, efectivamente, propostas que dificilmente se poderão entender de harmonia com os propósitos repetidamente afirmados pelo CDS.
Quanto à alínea d), que a proposta do CDS visa amputar de grande parte do conteúdo, também e difícil compreender as suas razões, embora aqui já se possa compreender a coerência da parte do CDS nesta matéria.
Relativamente à proposta do PS, julgamos que ela é uma proposta muito positiva e realmente importante, pensando, da nossa parte, que teria dignidade constitucional, dado que efectivamente os problemas dos jovens, e em especial dos jovens casais, nomeadamente nos dois aspectos aqui realçados - o da habitação e o do emprego -, são efectivamente dois problemas fundamentais. Consignar na Constituição, como elemento essencial no que diz respeito aos direitos da família, esta protecção especial aos jovens casais será algo que merecerá a concordância de todas as bancadas. Pela nossa parte tem uma concordância calorosa. Relativamente à proposta da Sra. Deputada Helena Roseta, que, efectivamente, não se encontra aqui presente, a diferença é que, enquanto o texto acutal refere a família como elemento fundamental da sociedade, o da Sra. Deputada Helena Rosa." acrescenta a expressão "com um dos elementos fundamentais". Somos tentados a estar de acordo com a proposta dela; julgamos entender o sentido da proposta, que, naturalmente, não é um sentido de diminuição da importância da família, mas do reconhecimento de que não é só ia um dos dos elementos fundamentais da sociedade.
O Sr Presidente: - O que já decorre do texto actual. Quando se diz que é elemento fundamental não se quer dizer que seja o único.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sim, é verdade!
O Sr. Presidente: - É um reforço, põe mais ênfase naquilo que já cá está. Conheço isso.
O Sr. Raul Castro (ID): - Explicita afinal aquilo que poderia já estar contido no texto, mas que agora ficaria mais explícito. Pela nossa parte, concordaríamos com a proposta da Sra. Deputada Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - No artigo 68.º, o CDS, relativamente à paternidade e maternidade, propõe também a amputação da referência à sociedade. E em vez de dizer "na realização da sua insubstituível acção" diz "nas exigências específicas da sua acção". Depois pretende que se consagre no n.º 3 "o direito das mulheres trabalhadoras a especial protecção durante a gravidez e após o parto, incluindo a dispensa do trabalho por período adequado sem perda de retribuição e de quaisquer regalias".
Srs. Deputados, a proposta está à discussão.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, não queria propriamente fazer uma intervenção, mas queria explicar que tenho de me retirar neste momento porque tenho uma reunião marcada aqui na Assembleia às 12 horas e 30 minutos. Tenho muita pena de não poder continuar, mas tenho de me retirar.
O Sr. Presidente: - Também nós temos pena de que tenha de se retirar.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, se as propostas avançadas pelo CDS em relação ao n.º 3 podem, pelo menos, valer-se da boa intenção de não diminuir, não restringir, direitos e valores hoje consagrados, dando uma outra estrutura redactiva ao incorporar a possibilidade de, para além da dispensa do trabalho, se
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poder ter em conta outras formas de protecção, já no tocante ao n.º 1 não se percebe muito bem pôr que é que se faz a substituição do conceito da insubstituibilidade dos pais na sua acção educativa em relação aos filhos - que, com a estrutura do direito fundamental que reveste, é obviamente importante- pelo conceito de "exigências específicas", que, se bem entendo, desenfatiza, por um lado, e enfraquece, por outro, o conteúdo óbvio hoje contido na fórmula em apreço, na exacta medida em que há alguma perda da força inicial com que, sobretudo a partir da revisão de 1982, se procurou dar expressão a estes valores essenciais aqui constituídos.
Mais uma vez pensamos que, para além da nossa própria hermenêutica, seria fundamental ouvir o expender de razões dos próprios proponentes. Suponho que o debate é sempre enriquecido quando isso é possível. Devemos atender às especiais razões de trabalho que estão em curso, é óbvio. De qualquer forma, aquilo que foi um avanço importante e continua a ser matéria que pode obviamente ser enriquecida, não se me afigura melhorado com as propostas do CDS - bem pelo contrário -, conquanto elas sejam distintivas entre si e menos terramóticas, diria, do que o que, à partida, face a certas conhecidas posições filosóficas desse
Pela nossa parte não estaríamos, até ver e sem uma explicação mais profunda, disponíveis para considerar a operação proposta em qualquer das duas frentes adiantadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, pretendia apenas expressar a posição do PSD em relação a esta matéria. Com franqueza, devo dizer que não compreendemos o n.º 1 do projecto do CDS e temos alguma simpatia pelo conteúdo do seu n.° 3.
Pensamos que o n.º 1 é redutor, não se explica, e o n.° 3 é ampliativo, explica-se, e poderá realmente consagrar alguma novidade em termos de benefício na revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Também me parece que o n.° 1 é perfeitamente inexplicável, pelo menos, sem a explicação dos próprios proponentes. O n.° 3 contém uma discriminação positiva. E, embora tenha a tal mesma natureza programática, penso que há aqui aspectos que valorizariam a Constituição se fossem consagrados. Porta fechada quanto ao n.° 1; alguma abertura quanto ao n.° 3; eventualmente bastante abertura, dependendo da concreta redacção. Parece-nos que, se se consagrasse o direito a uma especial protecção durante a gravidez e após o parto, talvez já não se justificasse a concretização da "dispensa do trabalho por período adequado, sem perda de retribuição e de regalias". Teria de ser assim.
Deixando de focar o aspecto da redacção concreta, parece-me que o n.° 3 contém uma discriminação positiva, tal como a anterior que há pouco vimos quanto aos jovens. O n.º 1, a nosso ver, não tem qualquer explicação e, portanto, talvez não valha a pena perder tempo com ele.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a única coisa que me suscita espécie em relação às observações de que acabei de tomar conhecimento é relativa a este n.º 3, designadamente quanto a uma eventual dispensa de idade do segmento final. Creio poder ser suscitada mais desejavelmente a utilidade da manutenção do segmento final, porque incorpora uma importante, concreta e particularizada garantia que não deveria, a qualquer título, ser objecto de atenuação.
Em relação à formulação pretendida pelo CDS, aquilo que consigo vislumbrar é uma certa aspiração a uma generalização, isto é, a substituição do direito à dispensa do trabalho por um direito genérico à especial protecção durante a gravidez.
Dessa substituição, uma vez que é feita em termos que são um mais e não um menos, não viria mal algum, sobretudo se fosse complementada por uma manutenção do conteúdo relevante, na parte em que é minucioso e rigoroso, o que implicaria não a supressão da cláusula relativa à dispensa, mas a sua manutenção, com as formulações ou reformulações que venham a mostrar-se mais adequadas.
Quanto no n.° 1, creio que a proposta do CDS talvez só seja explicável em termos de postura ideológica, porque, se bem repararem, o que o CDS faz é apenas suprimir um inciso, isto é, suprimir o "direito à protecção da sociedade". Curiosamente, o CDS faz isso em relação à paternidade e à maternidade e depois, inexplicavelmente (porque, se tivera critério, haveria de usá-lo com uma certa regularidade), não o faz em relação à infância. No artigo 69.º também a Constituição veio exprimir o direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado, cláusula que tem um significado específico, como sabem.
Em relação a outros artigos que têm objecto similar também se apela à questão da protecção da sociedade, uma vez que desde sempre se entendeu que importaria mobilizar outros elementos e outros valores que não apenas os que dizem respeito à acção pública, designadamente a própria acção e envolvimento social na defesa de determinadas realidades - neste caso, a paternidade e a maternidade, a infância e outros valores. Creio, pois, que a visto do CDS é, por um lado, desnecessariamente amputativa e corta uma componente relevante e, por outro lado, e não menos relevantemente, é incoerente. Talvez os Srs. Deputados do CDS possam vir a dar-nos alguma explicação para esta amputação, mas por mim não consigo encontrá-la, a não ser neste conjunto de razões que procurei expender.
Congratulo-me, Sr. Presidente, pelo facto de o CDS não suprimir ou não querer suprimir o n.º 2 e congratulo-me também pelo facto de o CDS não querer alterar o conteúdo resultante da primeira revisão constitucional em relação ao n.° 1, uma vez que aí de forma inequívoca se sufragou a ideia de que a paternidade e a maternidade, sendo valores sociais eminentes, devem caracterizar-se por uma radical e visceral igualdade, ressalvadas, naturalmente, as diferenças decorrentes dos factores biológicos, em que naturalmente tal estatuto não é possível nem desejável. No caso concreto, os alargamentos e clarificações introduzidos pela primeira revisão constitucional em relação à insubsistuibilidade de ambos os progenitores em relação aos filhos parecem ser um adquirido constitucional pacífico.
Creio que todos nos devemos congratular com este resultado, que alarga o consenso em torno de um aspecto que não é constilucionalmente despiciendo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Há pouco esqueci-me -o meu camarada José Magalhães já pôde referir um aspecto que é curioso - de mencionar que, efectivamente, o CDS corta o inciso relativo à sociedade, não apenas no artigo 68.º, mas também no artigo 67.º,
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mantendo-o no artigo 69.°, o que é, pelo menos, numa primeira leitura, discrepante e um pouco desconexo - iremos saber a razão na altura própria. Todavia, em relação a este último número, suscitei há pouco algumas reservas, embora tendo-o obviamente distinguido das propostas relativas ao n.9 1 pelo seguinte motivo: se bem entendo, o que o CDS propõe é que aquilo que hoje, na terminologia constitucional, é a referência ao parto e a uma protecção, antes e após o parto, seja substituído por um conceito de maior ligação ao período que precede o parto. Ao proceder deste modo, integrando a ideia de gravidez, e ao dizer que a protecção especial deve decorrer durante ela, pode o CDS intentar meios especiais de incidência sobre todo este período pré-natal.
A ser assim, creio que a proposta, independentemente de alguma ulterior beneficiação, é bem-vinda. Mas gostaríamos de saber, com todo o rigor, se é isto, tal como entendi, ou se não é.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Odete Santos.
A Sra. Odete Santos (PCP): - Tenho pena de que o CDS não esteja presente para esclarecer uma dúvida que este n.º 3 me suscita. Esta redacção suscita-me algumas interrogações quanto à questão da dispensa do trabalho, que o CDS propõe apenas "por período adequado", suprimindo a questão do pré e pós-parte.
A redacção actual da Constituição diz "antes e depois do parlo" ...
O Sr. Presidente: - Mas tem durante a gravidez.
A Sra. Odete Santos (PCP): - Mas isso é a especial protecção durante a gravidez, não é a dispensa do trabalho.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - "Incluindo".
O Sr. Presidente: - Não estou a ver.
A Sra. Odete Santos (PCP): - Mas "incluindo a dispensa do trabalho por período adequado e também se refere ao período anterior ao parto? Não me parece estar assim tão claro.
O Sr. Presidente: - Se vem a seguir a "a protecção durante a gravidez e após "parto", parece que sim.
A Sra. Odete Santos (PCP): -Não me parece tão líquido que esta redacção aponte nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Já dei a entender a minha opinião. Cada um de nós tem concepções diferentes sobre a carga programática de uma Constituição. A minha tendência é influenciada pelo que se encontra adquirido por via indirecta através da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente: - Não podemos pôr cá tudo. Há uma carga programática razoável quando está em causa um valor fundamental; o que julgo ser o caso. Já ficava bem se se fizesse a referência à protecção durante a gravidez e o pós-parto. A Constituição acolhe esse valor. Mas o pormenor já está adquirido na Declaração Universal. À parte isso, não somos contra.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, não estamos a discutir propostas de aditamento da Constituição, este é um adquirido constitucional e originário.
O Sr. Presidente: - Não, até valoriza.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Eu creio que o Sr. Presidente estava a incorrer num equívoco quanto ao tema em debate.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Relativamente ao pós-parto pode-se encontrar uma solução formal?
O Sr. Presidente: - Não, assim enriquece. Se a parte que entende ser programática cá não esúvesse, talvez a não defendesse.
A Sra. Odete Santos (PCP): - Penso que deve ficar a questão do "antes" e do "depois" do parto em relação às dispensas do trabalho.
O Sr. Presidente: - Esperemos isso. Quanto aos brinquedos ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há qualquer vantagem em suprimir o clausulado.
O Sr. Presidente: - Em meu entender só se for para enriquecer. Quanto à infância, temos a questão dos brinquedos. Pensam mesmo que os brinquedos devem ser constitucionalizados em termos de...?
Nisto, quero ser muito franco. Eis uma norma de natureza programática que não tem, a meu ver, dignidade constitucional. Às tantas se nos descuidamos, corremos o risco de alguma chacota. A Constituição a consagrar a proibição de brinquedos bélicos ou que incitem à violência. Certo para a lei ordinária. Não para a Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com franqueza, não vejo que isto tenha dignidade constitucional. E, por outro lado, do ponto de vista dá correcção, tenho mesmo algumas dúvidas relativamente a uma correcção substancial deste preceito, ou seja, se com isto se conseguem alguns efeitos úteis. Penso que a violência, o exercício da violência ou a exibição da violência produz na infância muito mais preversões do que propriamente os chamados "brinquedos bélicos". Penso que não se justifica nem por uma razão nem por outra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, teríamos vantagem em poder ouvir as alegações de defesa dos proponentes, coisa que poderá acontecer na próxima semana, embora naturalmente a bitola, as especificações, devam ser marcadas pela razoabilidade. Pela nossa parte não adiantámos nenhuma formulação: este é um dos mais belos preceitos da Constituição em termos de formulação, até de recorte literário. Infelizmente não é um preceito tão belo como isso na execução e ainda há muito a fazer em relação às crianças, particularmente os órfãos e os abandonados, pois a "especial protecção do Estado e da sociedade" é bastante magra quanto às formas de discriminação e opressão. O exercício abusivo da autoridade na família e outras instituições é por de mais excessivo e os abusos continuam.
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Em todo o caso, não se trata aqui de poder fazer através de aditamentos aquilo que tem de se fazer através da acção política nas suas diversas vertentes e através do exercício adequado das competências legislativas.
O Sr. Presidente: - Tenho medo de que os inimigos da revisão da Constituição -que os há-de ter - venham dizer que estamos brincando. Aliás, até a forma me parece infeliz, enquanto se diz "as medidas necessárias à proibição, fabrico e comercialização". Necessárias ao fabrico? Necessárias à comercialização? Necessárias à proibição? De que?
Se os brinquedos estão proibidos, porquê as medidas necessárias?...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por isso a presença dos autores pode ser útil. A redacção só faz sentido como sendo a proibição do fabrico e comercialização. Mas, mesmo intervindo uma gralha, superveniente ou originária, o problema subsiste, nos termos em que o Sr. Presidente o colocou. Teremos de ponderar.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 70e, temos uma proposta...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu propunha que o artigo 70.9 fosse discutido na próxima semana e explico a razão. V. Exa. s entendê-la-á. Creio que será absurdo fazer este debate sem a presença de alguns deputados jovens, sem desprimor para idade de qualquer dos presentes.
O Sr. António Vitorino (PS): - A começar pelo Sr. Deputado José Magalhães, é claro!
O Sr. José Magalhães (PCP): -Muito obrigado Sr. Deputado António Vitorino, mas a minha preocupação era que pudéssemos contar para este debate com a cooperação de outros Srs. Deputados, designadamente aqueles que mais se têm preocupado com as questões juvenis. È importante que essa voz se faça ouvir aqui também.
O Sr. Presidente: - Penso que podemos discutir o 71.g sem a presença de nenhum dificiente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente se a questão é que discutamos ainda neste tempo qualquer coisa, eu podia que fosse dada a palavra à minha camarada Odete Santos para, em relação ao artigo 67.º, verter para a acta duas observações que não gostaríamos de deixar de fazer.
O Sr. Presidente: - Sobre a família? O artigo 67.° já foi discutido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só queria que a Sr.1 Deputada Odete Santos pudesse expender...
A Sra. Odete Santos (PCP): - Eu gostava de ter assistido à discussão ...
O Sr. Presidente: - Mas, Sra. Deputada, isso é um desejo de nós todos. Eu próprio tenho estado dias inteiros ausente da discussão, o que é que se há-de fazer?
A Sra. Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, creio que, de qualquer maneira, vou ter ocasião de expender o que penso desta proposta do CDS, em relação à redacção que aqui vem proposta quanto ao planeamento familiar, alterando o que está na Constituição, e quanto ao facto de a família ser um elemento natural da sociedade. Fá-lo-ei na terça-feira, guando for debatida a lei de bases do CDS quanto à família. E que o CDS transcreve aí este princípio, no artigo 1.°
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 71.°, o PEV propõe um novo n.° 3, segundo o qual as associações de deficientes têm o direito de participar na definição das medidas que lhe sejam aplicáveis e gozar de protecção especial, e um novo n.º 4, segundo o qual a lei assegura a progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas e reserva aos deficientes o número adequado de postos de trabalho.
Quem é que quer usar da palavra?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aqui trata-se de ponderar se se justifica o enriquecimento da construção mm a expressa previsão de mais um direito de participação. Nada colide constitucionalmente com este desejo: creio que não seria despiciendo que se operasse uma dignificação deste direito de participação. Ele bebe, suponho, em outros direitos que já estão constitucionalmente consagrados.
Quanto ao n.º 4, cujo aditamente também e proposto pelo PEV, trata-se de se especificar o que diz respeito à eliminação de barreiras arquitectónicas e focar a questão, também relevante, para os deficientes portugueses, da quota de emprego. Creio que, independentemente de considerações sobre a inserção, sobre a formação, talvez valesse a pena ponderar se essa margem de enriquecimento não e possível em relação ao próprio n.º 2. Aquilo que acaba por chocar um pouco a bancada do PS, tanto quanto me pude aperceber, é o facto de se fazerem aditamentos de incumbências com um recorte muito preciso, que possam assumir uma óptica um tanto "regulamentarística". Talvez, os proponentes acabem, em muitos casos, por ser penalizados pela sua preocupação de não tocar na construção. Isso leva-os não a fazerem aditamentos de incisos e de pequenas expressões, mas números novos, que têm naturalmente sujeito, predicado, complementos, etc., e tendem a adquirir um volume desnecessário. Dou-vos como exemplo este n.° 4, que, claramente pode ser convertido ou reconvertido num mero inciso a aditar ao n.º 2, com uma alusão (porventura por critérios e por prioridades) à questão da quota nos postos de trabalho e quiçá com uma alusão à questão da eliminação das barreiras, porque há uma sensibilidade muito pequena, em termos gerais, a alguns problemas que são realmente determinantes para a vida dos deficientes. E esta questão das barreiras tem deparado, no plano do legislador ordinário,.com barreiras enormes, com bloqueamentos na concretização. Como os Srs. Deputados sabem, tem sido sucessivamente adiada a entrada em vigor da legislação que poderia impulsionar um pouco este derrube de barreiras e esta garantia da criação de condições de acesso para os deficientes. A consagração constitucional disto não seria despicienda, seria bastante estimável. Não é esta uma questão em que as armas devam ser terçadas em termos de radical oposição: pelo contrário, e um ponto de convergência. Se a revisão constitucional puder servir também para isto, parecer-nos-ia positivo, ainda que não tenhamos lido autoria originária de uma proposta desta natureza.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sobre este artigo poder-se-iam reeditar considerações que já foram feitas anteriormente sobre outros que foram agora mesmo objecto de apreciação por parte do Sr. Deputado José Magalhães.
Seja como for, em relação a este artigo gostaria de suscitar duas questões.
As expressões utilizadas no n.º 3 parecem-me imperfeitas, na medida em que não se percebe muito bem qual é o alcance de uma norma que exprima que as associações de deficientes gozam de protecção especial. O que é que significa esta protecção especial? Quais são os seus contornos? Os seus limites? Porque uma coisa é consagrar (e por isso pessoalmente teria uma certa simpatia) o princípio da participação das associações de deficientes na definição e execução da política de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, outra coisa é consagrar aqui um princípio de tratamento mais favorável a essas associações de deficientes, cujos contornos não se percebem, aliás, e que não teriam paralelo noutras normas da Constituição onde se consagra igual princípio de participação de associações representativas de interesses difusos, digamos assim.
Ou é um número que, em meu entender, desce a um pormenor de regulamentação excessivo. Sempre se deverá entender que no n.° 2 já se consagra o princípio de que estes dois incisos, no n.º 4, são meros corolários, na medida em que o Estado tem por obrigação assumir o encargo da efectiva realização dos direitos dos deficientes. Normas como a da eliminação das barreiras arquitectónicas e a da quota de postos de trabalho para deficientes são normas típicas de lei ordinária, não são, em meu entender, normas com dignidade constitucional. Portanto, acrescentar qualquer destes conceitos ao n.º 2 tornaria esse n.° 2, que já e um verdadeiro labirinto de redacção, não um labirinto mas um suplício de tenta-lo, de leitura. Parece-me que, apesar de tudo, a Constituição na sua versão actual é equilibrada e, pessoalmente, a única simpatia que teria seria por uma pequena nota, também aqui, quanto às associações de deficientes, atendendo a que noutras partes da Constituição já se consagram referencias a outras associações representativas de interesses difusos.
O n.° 3 é impreciso quanto à parte final e o n.° 4 já se deve entender como um corolário natural do que se contém no n.º 2 e, sobretudo, matéria com maior propriedade e detalhe, susceptível de ser tratada em sede de lei ordinária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino. Suponho que é indiscutível para todos nós que "verdadeiro suplício de tânlalo" e aquele que hoje enfrentam os deficientes, em inúmera das suas actividades quotidianas. Quer quanto à quota de emprego, quer quanto à eliminação de barreiras arquitectónicas, eu não diria que a procissão legislativa necessária vai no adro, mas uma outra coisa, que está ainda em formação, ainda nem sequer começou a circular.
Do que se trata aqui é de uma especificação, eventualmente apenas de uma especificação do que já consta do n.° 2, no tocante, designadamente, à efectiva realização dos direitos. Há especificações que se nos afiguram de extrema utilidade, mesmo tendo o conteúdo que pode, à partida, parecer excessivamente destinado à legislação ordinária. É o caso. Creio que é possível dessupliciar a leitura da norma, particularmente quanto ao n.° 2, e o deputado António Vitorino estará certamente de acordo comigo, se se acolher esta ideia, através de uma metodologia que leve, por exemplo, à reelaboração do n.º 2, designadamente com alíneas. Era possível fazer um n.º 2 com uma mesma cabeça e quatro alíneas. Alínea a) que tenha a ver com uma política nacional de prevenção e tratamento, reabilitação e integração dos deficientes; alínea b) a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres, ao respeito e à solidariedade para com eles; alínea c) a assumir o encargo de efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres aos pais ou tutores, e alínea d) que poderia não ser necessariamente a alínea d), e nem sequer ser alínea, porque tudo isto depois se reconfiguraria, conteria este propósito de alguma especificação que vem do texto proposto pelo PEV, obviamente com algumas deficiências redactivas, que a todo o tempo poderíamos acautelar. Era esta questão que eu colocaria ao Sr. Deputado António Vitorino, procurando saber se, sim ou não, vê com alguma disponibilidade a consignação de uma solução deste tipo.
O Sr. António Vitorino (PS): - Em tese abstracta é sempre possível. Contudo, a minha sensação é a de que isso quebraria um pouco o equilíbrio dos artigos da Constituição que tratam destas matérias.
Trata-se aqui da consagração de princípios programáticos. Neste caso em concreto tratar-se-ia de consagrar duas medidas de política em concreto e de verte-las na Constituição. Teria um mero valor programático na prática, porque repare-se que a progressiva eliminação das barreiras arquitectónicas já se deve entender como um dos instrumentos de política de protecção dos deficientes que deve ser prosseguido no quadro do horizonte definido pelo n.° 2, isto é, no quadro da obrigação de o Estudo assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos. Como? Através da consagração, em sede de lei ordinária, de normas que prevejam expressamente a progressiva eliminação dessas mesmas barreiras arquitectónicas. Mas, mesmo nas sociedades que estão mais avançadas sob esse ponto de vista, todos temos consciência de que as barreiras arquitectónicas subsistem e há sempre limitações práticas muito significativas na concretização desse objectivo.
Seja como for, o problema que existe aqui é também um problema de equilíbrio de todo o tratamento destes artigos. Os outros artigos, sobre a juventude, sobre a infância, sobre a paternidade, sobre a própria terceira idade, são artigos enunciativos de objectivos, de princípios. Esta proposta seria a consagração constitucional de dois instrumentos de políticas em concreto. Do facto resultaria algum desequilíbrio, interno ao próprio título da Constituição.
O Sr. Presidente: - Mais alguém quer usar da palavra? Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quero apenas dizer que, na verdade, este projecto do PEV em relação ao artigo 71.° nos parece manifestamente excessivo- excessivo em termos de revisão da Constituição, e não, é evidente, excessivo em relação ao seu conteúdo. Porque efectivamente acompanhamos algumas ou as essenciais preocupações que estão aqui versadas neste artigo, nestes novos números.
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Penso que o equilíbrio dos preceitos da Constituição ficaria afectado e, na sequência daquilo que disse o Sr. Deputado António Vitorino, não me parece correcto incluir, designadamente, tudo aquilo que está descrito no n.° 4 proposto pelo PEV. Apenas me parece que poderíamos ser levados a considerar uma protecção especial, se bem que com contornos suficientemente bem definidos, e não com contornos insuficientemente definidos e genéricos, em relação às associações de deficientes. Penso que seria, a nosso ver, o contributo possível para a melhoria, se é que ela é necessária, do artigo 71.° De resto, todos os princípios e objectivos gerais em que se consubstanciam algumas medidas práticas que estão incluídas neste novos números propostos pelo PEV têm já consagração constitucional no corpo do artigo 71.°
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado Carlos Encarnação admite a protecção especial das associações de deficientes? Creio que isso não ficou claro na sua intervenção. Ou admite apenas que elas tenham o direito de participação na definição das medidas que lhes sejam aplicáveis, isto é, uma mera faculdade de participação deste tipo de associações protectivas de interesses difusos - sem um gozo de especiais protecções- nas áreas que lhes respeitem. Suponho que não ficou claro qual é a medida exacta em que o PSD admitiria a introdução de qualquer benfeitoria neste domínio.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Penso que o reconhecimento das associações de deficientes ao nível constitucional, da sua existência, levará a considerar as duas vertentes e só por manifesto esquecimento não referi a primeira parte. Portanto, se formos considerar a existência ao nível constitucioanal, o reconhecimento da existência com determinadas capacidades acrescidas, é evidente que faria sentido incluir as duas coisas.
O Sr. Presidente: - Também me parece que se há algum caso em que se justifique o direito de participação é aqui, e aqui porque a óptica do saudável é uma óptica muito diferente da do deficiente. Todos somos cidadãos, muitos de nós somos velhos, temos a perspectiva da idade, outros somos jovens, temos a perspectiva da juventude, a perspectiva do deficiente, porventura, só ele a tem. E digo isso apesar de me parecer que, se fizermos a estatística das propostas do PEV, em mais de 50 % são a consagração de novos direitos de participação!
A óptica do deficiente não pode ser suprida pela óptica do saudável. É muito difícil fazermos a transposição dos pontos de vista dos deficientes para os nossos próprios. Aqui, sinceramente, acho que se justificava, mas não mais do que isso. No resto, parece-me que a norma do artigo 71.° é uma boa norma, tal como devem ser as normas constitucionais.
Passávamos então, se concordassem, ao artigo 72.°
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - A questão que há pouco levantei é a questão que tem a ver com a parte final do n.° 3...
O Sr. Presidente: - É o desdobramento do n.° 1 em duas partes, que não se justifica de todo em todo. Nenhum de nós vai fazer operações de cosmética desta ordem, de maneira que, se concordarem, podemos ultrapassá-lo.
Acho que, de qualquer maneira, poderemos deixar ficar o assunto para amanhã. Terça-feira, às 15 horas prefixas, tentaremos recuperar tempo. Se conseguíssemos na terça-feira fazer uma boa performance à tarde, dispensávamos, inclusivamente, a noite com toda a legitimidade.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 13 horas.
Comissão eventual para a revisão constitucional
Reunião do dia 27 de Maio de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados:
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).