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Quarta-feira, 13 de Julho de 1988 II Série - Número 25-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 23

Reunião do dia 31 de Maio de 1988

SUMÁRIO

Finalizou-se a discussão do 7. ° relatório da Subcomissão da CERC, respeitante aos artigos 63. ° a 72.° e respectivas propostas de alteração.

Iniciou-se a discussão do 8. ° relatório da Subcomissão da CERC, respeitante aos artigos 73. ° a 79.° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Herculano Pombo (PEV), José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Miguel Macedo e Silva (PSD), Rogério Moreira (PCP), José Apolinário (PS), Raul Castro (ID), Carlos Encarnação (PSD), António Vitorino (PS), Pacheco Pereira (PSD), Jorge Lemos (PCP), José Manuel Mendes (PCP), José Luís Ramos (PSD) e Maria da Assunção Esteves (PSD).

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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 75 horas e 50 minutos.

Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Herculano Pombo, queria pôr a seguinte questão: esta reunião está convocada para agora e para as 21 horas e 30 minutos. Queria ver se poderíamos chegar a um acordo no sentido de fazermos um esforço, indo até às 21 horas e 30 minutos e depois irmos jantar descansados. Porque interromper para jantar toma-se muito mais penoso e não dá muito mais rendimento. Fazendo um esforço e acelerando um bocado, até talvez pudéssemos acabar por volta das 21 horas.

É uma questão que vos coloco, porque não posso decidir sozinho. Estão de acordo, Srs. Deputados?

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Como é do conhecimento do Sr. Presidente e dos Srs. Deputados, não pude estar presente na última reunião da Comissão, por razões que não cabe aduzir aqui. No entanto, tendo sido essa a reunião em que foram abordadas as questões do ambiente, solicitava a benevolência de V. Exa. para que, ainda que sucintamente, pudesse explicitar as nossas propostas relativas aos artigos 66.° e 66.°-A. Não quereria que a respectiva discussão ficasse em branco pelo simples facto de eu não poder ter estado presente.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo, desde que não reiniciemos a discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - De facto, queria apelar também para a benevolência dos Srs. Deputados que, embora já tendo feito esta discussão ...

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Já assim estava previsto, mas não podemos reabrir o debate. Faça o favor de justificar a vossa proposta.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Quero dizer que tivemos um especial cuidado -como seria de esperar - com o tratamento das questões do ambiente e da qualidade de vida ao nível da revisão constitucional. Embora as nossas propostas possam parecer de excessivo pormenor, queremos com elas não só consagrar na Constituição alguns dos princípios gerais universalmente aceites para qualquer correcta política de ambiente, mas também fazer com que eles constituam, ao mesmo tempo, elementos de debate nesta Comissão e, mais tarde, em Plenário, no sentido de clarificar as linhas mestras de uma futura política de ambiente, naturalmente tendo sempre presente o nosso entendimento acerca das linhas que devem presidir a tal política.

Os Srs. Deputados, obviamente, já terão lido a nossa proposta e feito as suas considerações. No entanto, devo notar, por exemplo, que propomos a introdução de um novo número, o n.° 7, no qual se diz: "A lei assegura as condições necessárias à prática do naturismo." Pensamos ser esta uma das práticas directamente conexionadas com a qualidade de vida. Felizmente, a lei recentemente aprovada, embora ainda não completa, dá já indícios de vir a assegurar, a breve trecho, as condições que julgamos necessárias para a prática do naturismo. Pensamos estar assim dado um passo - não diria decisivo, mas com a sua importância própria - no sentido de a qualidade de vida dos cidadãos portugueses vir a melhorar._

Referir-me-ia agora, muito brevemente, ao artigo 66.º-A, um artigo novo por nós proposto no sentido de aos cidadãos serem dadas possibilidades reais e efectivas de participação na definição das políticas de ambiente. Para que isso não fique apenas no plano dos princípios e sem concretização prática, esboçamos nesse artigo 66.º-A, em quatro números, as linhas gerais de tal participação, algumas delas já previstas na actual Lei das Associações de Defesa do Ambiente. Mas, existindo já uma lei sobre associações de defesa do ambiente, com as características que lhes são atribuídas, sendo reconhecido o seu interesse como associações de interesse público, e sendo já, de certa forma, assegurada a algumas delas a participação na definição das políticas de ambiente, pensamos que a Constituição deveria consagrar este princípio, ou seja, o de que uma correcta política de ambiente não se fará sem a participação democrática dos cidadãos e das associações de que eles fazem parte.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente. Pedi a palavra para me pronunciar em relação à sugestão metodológica que apresentou no início da reunião e, por outro lado, para fazer uma curtíssima declaração sobre acontecimentos conexionados com a revisão constitucional, nos termos regimentais.

Em relação à questão metodológica, Sr. Presidente, creio que o mais avisado será estarmos atentos à marcha dos trabalhos, porque mais importante que uma visão puramente quantitativista será ter em conta os temas que estão em apreço. Há uma naturalidade no dobrar da página, há uma página aqui a dobrar, qual seja a passagem à organização económica. Creio que essa poderá ser a fronteira. Se atingirmos essa fronteira na primeira parte dos trabalhos, penso que poderíamos prosseguir amanhã à tarde, consoante está convencionado, sem mais delongas, independentemente de, por exemplo, isto acontecer às 20 horas e 1 minuto ou às 20 horas e 2 minutos. Se não, seríamos obrigados a passar à constituição económica só para preencher o espaço que vai até às 21 horas.

O Sr. Presidente: - Estamos de acordo. Vamos estar atentos à marcha dos trabalhos. Antes a qualidade do que a quantidade. De qualquer modo, os dois valores têm de se conjugar em termos hábeis.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a declaração é muito curta. É em relação aos tais acontecimentos conexos ou com implicações na marcha da revisão constitucional ...

O Sr. Presidente: - Ah, ainda não tinha acabado! Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós tomámos conhecimento, Sr. Presidente, com verdadeira estupefacção, de declarações públicas do Sr. Primeiro-Ministro sobre a Constituição, mais especificamente em relação às disposições que nesta protegem os trabalhadores contra os despedimentos sem justa causa. As declarações foram feitas

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numa cerimónia pública, não foram o resultado de um improviso - o Sr. Primeiro-Ministro não tem aqui sequer a atenuante do acaso - e são de uma extrema gravidade. Se se pode dizer, como o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, que "os responsáveis pela eventual não alteração da actual legislação laboral ocuparão, na nossa história, uma página tão negra como aquela em que hoje estão colocados" (sic) - segundo o entendimento do Sr. Primeiro-Ministro - "os que procederam às nacionalizações de 75", então será caso para aguardar explicações, e explicações em letra de forma, do Sr. Primeiro-Ministro sobre a maneira como encara o funcionamento normal dos órgãos de soberania e, em particular, como encara as atitudes dos órgãos de soberania, quando elas não coincidem, como é o caso, com o pensamento e orientação do Governo, que, no entanto, tem de estar submetido à Constituição.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, para sublinhar a gravidade de isto ter sido dito e as respectivas implicações em relação ao próprio processo de revisão constitucional, uma vez que, para além do juízo que nos resta fazer sobre o respeito do PSD em relação às instituições, há uma interrogação a lançar: qual a atitude do PSD em relação à revisão constitucional neste ponto? Que projecção é que fará, no processo de revisão constitucional, deste entendimento? Já debatemos - como os Srs. Deputados se recordam - a questão da protecção constitucional contra despedimentos sem justa causa e, nessa circunstância, pudemos apurar quais as propostas do PSD nesse domínio. Essas propostas não cobrem de forma alguma aquilo que agora é objecto de críticas. O PSD não teve, na altura da grelha de partida da revisão constitucional, propostas que, de alguma forma, correspondessem ao entendimento - completamente inconstitucional, de resto, como se vê - do Primeiro-Ministro sobre o que deva ser o regime aplicável neste ponto. Isto nos conduz também a interrogarmo-nos sobre a maneira como o PSD encara o processo de revisão constitucional, uma vez que agora se trata de mais que um ultimato. É a passagem a uma guerra institucional aberta com implicações que nos deixam extremamente apreensivos. Parece-nos que o clima da revisão constitucional não pode deixar de ser, de alguma forma, condicionado, para não dizer mesmo inquinado, por esta concepção, nos termos da qual um primeiro-ministro e um chefe de partido se entende mandatado para lançar um desafio não só ao órgão superior de fiscalização da constitucional idade como às próprias instituições em geral, uma vez que a todos nos obriga o acórdão do Tribunal Constitucional que foi emitido a propósito do "pacote laboral" e cujo conteúdo ainda não é conhecido, mas que, em todo o caso, não justifica, a título nenhum, uma atitude deste tipo. Interrogo-me também se os Srs. Deputados do PSD, que são capazes desta postura enquanto membros de um determinado partido no exterior, guardarão aqui sobre esta matéria um silencio recatado e uma atitude de como se nada se passasse. Creio que se passa alguma coisa. Passa-sc um desafio extremamente negativo para a boa marcha dos trabalhos da revisão constitucional. Não se queixem os Srs. Deputados do PSD de que a revisão constitucional "não progride", porque quem impede o processo normal de revisão constitucional é quem lhe lança do exterior pedregulhos como este cuja gravidade aqui sublinhei em nome do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Primeiro-Ministro não é membro da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que eu saiba.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro não é membro da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

As nossas propostas, no que toca à parte da tutela constitucional do direito ao trabalho, foram apresentadas e debatidas. Não voltaremos a esse debate, a não ser na sede própria, ou seja, na altura da votação.

Quanto ao respeito pelas instituições, designadamente as instituições pelas quais passa o processo de feitura da revisão constitucional, posso tranquilizar o Sr. Deputado José Magalhães e o Partido Comunista que nunca o PSD cercará a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional; nunca cercaremos a Assembleia da República quando se discutir a revisão constitucional; nunca obrigaremos os deputados da Assembleia da República, nas suas vestes constituintes, a passar fome; nunca obrigaremos os deputados da Assembleia da República, quando assumirem vestes de legislador constituinte, a humilhações públicas; também não os privaremos do seu salário justo e não os sujeitaremos às humilhações a que fomos sujeitos enquanto constituintes e quando neste país o Poder estava nas mão do Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

Mas não vamos prolongar muito este assunto, que está fora da ordem de trabalhos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só não poderia deixar de anotar como protesto - que, creio, se compreenderá - o facto de, tendo colocado uma questão que é grave e preocupante do ponto de vista constitucional, não ter, da parte da bancada do PSD, outra defesa que não uma espécie de evocação saudosista, desforrista e inteiramente despropositada de uma circunstância histórica completamente perimida que nem foi o que aqui foi dito nem é chamada para o caso. Ai do PSD se, a cada desmando do Primeiro-Ministro, a cada afloramento daquilo a que o Sr. Dr. Rui Machetc, numa entrevista ao Primeiro de Janeiro, chama uma "concepção trauliteira da política" nas fileiras do PSD, vier buscar ao alforge o pão do famoso e pseudo "cerco de São Bento"! Para onde vai o debate político, para onde vai a imaginação constitucional do PSD se, quando o Primeiro-Ministro humilha os juizes do Tribunal Constitucional, o Sr. Deputado Costa Andrade tem necessidade de evocar um determinado período histórico, do qual dá uma visão horripilada (que é a sua, naturalmente tem o direito a ter os medos e os fantasmas que entende, a venerá-los e a cultivá-los), sem responder às objecções que verberam o escândalo institucional?! É uma fraca defesa, é uma pobre defesa e uma preocupante defesa, porque o Primeiro-Ministro se assume não como responsável pelo cumprimento da Constituição mas como um elemento que desafia as instituições e que, perante um acórdão do Tribunal Constitucional, lança um desafio desmedido e desbragado. Suponho que esta noite na televisão, ou amanhã, terá ocasião de dizer em extenso aquilo que disse em vitupério e em muito ácido, e logo veremos - em todo o caso, é inaceitável que se arrogue o direito de fazer um afrontamento institucional em tais termos. A "defesa" do Sr. Deputado Costa Andrade é a mais clara demonstração de que não tem argumentos para o futuro e que apenas pretende buscar na distorção da história uma espécie de "bill" de indemnidade para toda a espécie de despautérios, provocações e despropósitos. É um "bill" fraco, como se sabe.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iria agora passar ao artigo 70.°, sobre a juventude. Chamo a atenção dos jovens para, sobretudo eles, se pronunciarem sobre as alterações propostas.

A primeira é do CDS, no sentido de eliminar a discriminação positiva a favor dos "jovens trabalhadores". No n.9 3 elimina a referência às "organizações populares de base" - o que, aliás, outros partidos fazem -, substituindo-a por "outras organizações sociais"; usa o futuro "fomentará" e "auxiliará" em vez do presente; a seguir a "organizações juvenis" elimina a referência à "prossecução daqueles objectivos".

Quanto ao PS, não só mantém a referência aos "jovens trabalhadores" como cria uma nova discriminação positiva, relativa àqueles que se encontram "à procura de primeiro emprego"; na alínea a) do n.° 1 adita uma referência "à Segurança Social"; elimina a referencia a "organizações populares de base", substituindo-a -, como, aliás, em todas as suas propostas a este respeito- por "organizações de moradores", que é, no fundo, o que as organizações populares de base são.

O PSD, na alínea a), inclui a "formação profissional", eliminando a referência ao "trabalho". Mas inclui a referencia ao "trabalho" na alínea b), no mais mantendo a referência ao "primeiro emprego". No n.° 3 também elimina a referência às "organizações populares de base", falando em "associações e fundações de fins culturais". No n.° 2 inclui uma referência à "criação de condições para a efectiva integração na vida activa".

Penso que são estas as alterações mais salientes.

Algum dos Srs. Deputados deseja intervir sobre esta matéria?

Acho que podíamos discutir as três propostas em conjunto.

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vejo razões para que não suceda o procedimento de sempre, isto é, os proponentes apresentam as propostas, generaliza-se o debate, fazem-se as perguntas e anda-se para a frente.

O Sr. Presidente: - Se quiserem ... Elas parecem-me tão claras!...

O CDS não está presente para justificar a sua proposta. O PS dá por justificada a sua, tão simples ela é.

Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo é Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer apenas duas notas em relação a este artigo 70.°, referente à matéria da juventude, para justificar brevemente as propostas de alteração do PSD.

Em primeiro lugar, devo dizer que a nossa proposta relativa à alínea a) do n.° 1 deste artigo tem a ver com uma reformulação que achámos necessária, porquanto -julgo que isso é evidente - a prescrição do acesso ao ensino nos parece mais restrita do que os direitos reconhecidos especialmente aos jovens trabalhadores no ensino, o que é algo perfeitamente distinto e com um sentido bastante mais alargado do que aquele que estava contemplado no texto constitucional. Por uma questão de sistemática, a nossa proposta transfere o direito ao trabalho, como discriminação positiva dos jovens, para a alínea b) deste mesmo n.° 1.

Quanto ao resto, trata-se não só de introduzir, no texto constitucional, uma melhoria, que julgo significativa, como também de o preencher com algumas notas, que julgamos serem importantes, tendo em conta a actual situação dos jovens na sociedade portuguesa.

Por último, quero exprimir nesta sede a posição do JSD, particularmente quanto a este preceito, no que respeita a uma proposta que apresentámos no momento e nos órgãos próprios do PSD, mas que não veio a ser contemplada no projecto de lei de revisão constitucional apresentado na Assembleia da República. Tal proposta visa a consagração constitucional da ideia de que as organizações de juventude nacionais constituem um parceiro social que, como tal, deve ser ouvido no processo de emissão de legislação relativa aos jovens. Acontece que essa proposta não chegou a ser acolhida.

Não quero, todavia, deixar de o referir nesta sede para marcar ainda de forma mais vincada a posição da JSD em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, esperava uma defesa diferente da proposta de Substituição do artigo 70.° apresentada pelo PSD. Era, no entanto, não surgiu e parece que tudo se tornaria simples se acaso o tivesse sido.

Gostaria, de qualquer forma, de questionar o PSD, designadamente o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, a respeito de algumas das intenções dessa proposta. De facto, o problema relacionado com os jovens tem a ver em particular com dois aspectos: o primeiro respeita à referência constitucional hoje em vigor relacionada com o acesso ao trabalho e a fornia encontrada pelo PSD de retirar a expressão "acesso ao trabalho" para os jovens que o procuram; o segundo é que a expressão relacionada.com o acesso ao ensino é não alargada, conforme se poderia depreender das palavras do Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, mas, pelo contrário, diminuída no seu alcance.

Portanto, creio que no essencial as propostas de substituição das alíneas a)c b) do n.° 1, bem como dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.°, formuladas pelo PSD, não alargam, ao contrário do discurso de alguma forma produzido noutros momentos e circunstâncias em relação às questões juvenis, o leque de direitos, mas antes visam restringi-los naquilo que eles têm de particular - o artigo constitucional relacionado com a juventude.

Quanto ao aspecto do acesso ao ensino, quero dizer que a referência à protecção no ensino, contida na redacção proposta para a alínea a) do n.° 1 não é, por si, ampliadora de direitos, visto que ela está desde logo considerada no próprio artigo 74.°, no seu n.° 1, ao referir que "todos têm direito ao ensino". O que este artigo 70.°, na sua versão actual, tem de inovador é criar em relação aos jovens uma protecção especial no domínio do acesso ao ensino, problema que, como todos sabemos, é particularmente actual e preocupante e deriva até de um conjunto de práticas políticas que têm sido aplicadas pelos governos que dificultam o acesso ao ensino e aos graus superiores de ensino, em especial. Portanto, ao retirar-se a expressão "acesso ao ensino", não se está a ampliar, conforme foi dito, mas, no nosso entendimento, a diminuir o seu alcance.

Por outro lado, em relação ao acesso ao trabalho, parece-nos que a arrumação pretendida pelo PSD, que, em princípio, pode ser argumentada com a introdução da expressão relacionada com a formação profissional mais na área do ensino, ou seja, aproximá-la do ensino e da

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educação e com o tratamento numa outra alínea das questões do trabalho, acaba por não favorecer os jovens. E digo isto porque na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.° está já constitucionalmente garantido o acesso ao ensino e ao trabalho. Nessas circunstâncias, e da forma como o acesso ao trabalho é transposto para a alínea b), leva-me a concluir que não se trata do acesso mas sim da protecção no trabalho. Esta está já consagrada noutros passos da Constituição. Portanto, visivelmente não há com estas propostas de substituição do artigo 70.°, por parte do PSD, qualquer ampliação.

Entretanto, no que concerne à própria participação comunitária, prevista de forma desenvolvida no n.º 3 do referido artigo 7O.º, o PSD retira a participação das colectividades de cultura e recreio na prossecução dos objectivos inscritos nos n.ºs 1 e 2, sendo que ela é, em muitas circunstâncias e locais, de colaboração juvenil intensa e de vida significativa de funcionamento das comunidades locais. Assim, não nos parece de grande sentido essa redução. Contudo, julgamos que os pontos anteriores que abordei são os mais significativos, não obstante o facto de as questões juvenis não serem tão estritamente tratadas por um artigo da Constituição, mas por tudo o que deriva do conjunto de problemas que a Constituição aborda em vários momentos. E este artigo 70.° corresponde, assim, ao estabelecer de alguns direitos específicos e mecanismos de protecção especial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstraindo dos aspectos técnicos, que outras pessoas do PS estarão em melhores condições para discutir na altura própria, gostaria apenas de em traços gerais explanar duas ou três linhas de força.

Em primeiro lugar, é óbvio que a questão da existência de um artigo na Constituição sobre a juventude só tem sentido se procurarmos enquadrar e definir aquilo que possa ser a política geral de juventude. Nessa perspectiva, o projecto de lei apresentado pelo PS tem algumas melhorias, nomeadamente em relação à extensão da segurança social aos jovens à procura do primeiro emprego, problema que é hoje uma realidade. Convirá, a propósito, salientar que esta tem sido uma matéria que alguns responsáveis do Governo têm esquecido, considerando, a propósito de casos como o subsídio de desemprego, já debatido na Assembleia da República, que os jovens não necessitariam da Segurança Social e da protecção especial na procura do primeiro emprego. Portanto, penso que nesta matéria a proposta de aditamento ao n.° 1 do artigo 70.°, subscrita pelo PS, dá um contributo para clarificar e alargar os direitos dos jovens nesta questão.

Entretanto, no conjunto das propostas que estão apresentadas há aspectos que se podem vir a conjugar numa redacção final, mas existe sobretudo uma preocupação que gostaria de deixar expressa. Só faz sentido a discussão em torno dos jovens na Constituição por duas razões: em primeiro lugar, se houver um aperfeiçoamento daquilo que são direitos garantidos ou atribuídos aos jovens - e é esse, aliás, o sentido das propostas aqui apresentadas; em segundo lugar, em aspectos das preocupações juvenis, como seja a participação, as garantias dos cidadãos, as questões ambientais, o modelo de desenvolvimento, o património cultural, etc., só num cômputo geral é que daí resultará um sentido mais positivo ou não para os jovens.

Decerto que VV. Exas. não pretendem que com base na discussão do artigo 70.° se esgote aquilo que são as preocupações juvenis no texto da Constituição. Devo também ter a humildade de reconhecer que estas matérias da juventude, salvo aquelas que poderão ser eventualmente emblemáticas, como seja o haver ou não a obrigatoriedade de serviço militar, são questões do plano do direito, da participação e do trabalho global em termos de direitos sociais. Obviamente não é apenas do artigo 7O.B de per si que resultará uma melhoria ou não da situação dos jovens portugueses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, desejo precisar dois ou três aspectos, tendo em conta, nomeadamente, a intervenção do Sr. Deputado Rogério Moreira.

Desde logo, devo dizer que o artigo 70.° da Constituição não deve ser lido de per si, antes tendo uma integração sistemática que deve ser tida em linha de conta. Mesmo assim - volto a insistir - pareceu-nos que a redacção dada à alínea a) do n.º 1, designadamente quando se retira a expressão "acesso ao ensino" e se substitui por "especial protecção dos jovens no ensino", tem um âmbito mais alargado do que aquele que está consagrado constitucionalmente. O mesmo se diga em relação à expressão "acesso ao trabalho", em relação à qual quero salientar um aspecto que não realcei na minha primeira intervenção. É que o PSD apresentou uma proposta de substituição da alínea b) no sentido de que o acesso ao primeiro emprego deveria ser entendido como um direito dos jovens a consagrar constitucionalmente, o que, aliás, não acontece em nenhuma outra proposta dos restantes partidos.

Uma outra nota tem a ver com o n.° 3 do artigo 70.° Quero explicar a razão pela qual o PSD retira da parte final deste número a expressão "formas de intercâmbio internacional da juventude" e a substitui por "formas de intercâmbio juvenil", também com o mesmo sentido e alcance. Julgamos que o essencial nesta matéria é consagrar constitucionalmente o direito dos jovens à participação, ao intercâmbio, seja ele interno ou externo. Foi com este sentido que retirámos a expressão "internacional" da actual redacção do n.° 3 do artigo 70.° Pensamos, de facto, que a expressão "formas de intercâmbio juvenil" é muito mais lata do que "formas de intercâmbio internacional da juventude", como consta da Constituição.

Finalmente, em relação à alínea a) do n.° 1, no que concerne à expressão "acesso ao ensino" e à questão de saber se é ou não mais lata do que aquela que propomos, diria que com o texto proposto pelo PSD para o artigo 70.° ficará consagrada uma coisa muito simples, ou seja, a de que no ensino os jovens têm particular protecção em relação à prestação social, à acção social escolar, o que não aconteceria se encarássemos isto na forma restrita como o acesso ao ensino vem consignado na Constituição. Há, porém, outras vantagens que não vale a pena estar a discriminar. Julgo que a nossa proposta de substituição da alínea a) do n.° 1 consagra alguma inovação nesta matéria: precisa de .forma mais clara os direitos dos jovens e, para além disso, conforma, de modo significativamente melhorado, o texto constitucional àquilo que entendemos que devem ser os direitos dos jovens na sociedade portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

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O Sr. Raul Castro (ID): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando pela análise das propostas apresentadas pelo CDS, devo anotar que elas são fortemente restritivas. De facto, logo no início do corpo do n.º 1 do artigo 70.° elimina-se a expressão "sobretudo os jovens trabalhadores", eliminação cuja razão só o CDS saberá explicar, mas não, naturalmente, com a nossa concordância. No n.° 3 também se elimina a expressão "as escolas, as empresas, as organizações populares de base territorial e as colectividades de cultura e recreio".

Em relação ao projecto da autoria do PS, verifiquei que para o n.º 1 do artigo 70.° se propõe o aditamento, que é positivo, da expressão "ou à procura do primeiro emprego", que, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, também consta do projecto do PS. No que concerne ao n.º 2, surge a expressão "organizações de moradores" a substituir a expressão "organizações populares de base", o que, aliás, o PS também faz no artigo 263.º Poder-se-á perguntar se o PS fará bem ou mal em proceder assim. Pensamos que não faz bem. Naturalmente, não se pode dizer que a substituição da expressão "organizações populares de base" por "organizações de moradores" é mais restritiva porque, no fundo, são estas as previstas na Constituição. No entanto, retira-lhe o carácter significativo que a referência tem no texto actual da Constituição.

Em relação às propostas apresentadas pelo PSD, verifica-se que a expressão "no ensino", contida na proposta de substituição da alínea a) do n.° 1, poderá ter a explicação que o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva refere. No entanto, ela não está convenientemente explicitada. De facto, em contraposição com o texto actual, que refere a expressão "acesso ao ensino", como um dos aspectos que goza de especial protecção, a nova formulação suscita a dúvida legítima de saber se se quis eliminar a referida formulação para ficar apenas a expressão "no ensino", o que, aliás, seria fácil de conciliar numa outra fórmula.

Quanto à referencia ao primeiro emprego constante da alínea b) do n.º 1, dissemos já que consideramos positiva essa menção, tal como se faz no projecto do PS.

No n.° 2 do artigo 70.º, na redacção dada pela proposta de substituição do PSD, a expressão "a criação de condições para a efectiva integração na vida activa" é, a nosso ver, pior do que a constante do actual texto constitucional e diminui o alcance explícito das referências nele feitas, que, aliás, são diferentes destas e porventura mais concretas e definidas do que esta expressão genérica, que não se sabe bem ao certo o que é que representa em relação à integração na vida activa. Também não poderemos compreender que, ao utilizar-se a expressão "no trabalho", se ponha de lado a expressão "formação e promoção profissional", porque se trata de matéria cuja importância tem geral acolhimento.

Finalmente, também não poderemos aceitar que no n.º 3 se elimine o termo "internacional" na expressão "formas de intercâmbio juvenil". Estaremos também, neste ponto, perante um equívoco de intenções e de realização, visto que a comparação da proposta de substituição do n.° 3 apresentada pelo PSD com o texto constitucional em vigor conduz à ideia de que o PSD quis eliminar o intercâmbio internacional juvenil. O PSD diz que não era isso o que queria, mas do que está aqui escrito é essa a ideia que se colhe. Na verdade, o PSD, ao retirar do texto constitucional a expressão "formas de intercâmbio internacional da juventude" para se limitar a referir "intercâmbio juvenil", levará qualquer intérprete a concluir que se quis eliminar o intercâmbio internacional. Se não foi isto o que se pretendeu, haverá naturalmente uma forma escrita de acolher as preocupações do PSD que afaste este inconveniente de interpretação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou proferir umas brevíssimas considerações a propósito desta matéria e não apenas sobre as propostas apresentadas pelo PS e pelo PSD. Não farei, porém, nenhuma referência explícita às propostas do CDS, uma vez que este partido não está presente e, como tal, não me parece relevante fazê-lo.

De qualquer modo, em relação ao que foi referido tanto pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva como pelo Sr. Deputado José Apolinário, fico com a convicção de que aos argumentos aduzidos pelo Sr. Deputado do PSD corresponde um pouco mais a formulação encontrada pelo PS. De facto, quando se refere que se pretende estender aos jovens, nomeadamente àqueles que estão no ensino, o direito à Segurança Social, essa é a formulação concreta que o PS avança. Diria que, apesar das explicações fornecidas pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, não fiquei convencido de que retirar a expressão "acesso ao ensino", constante da alínea a) do n.° 1, seja benéfico- antes pelo contrário. Estou sinceramente convencido de que a expressão utilizada pelo PS é mais feliz e corresponde àquilo que no fundo me pareceu ser o seu pensamento, que está, obviamente, plasmado na sua proposta de aditamento à alínea a) do n.° 1 do artigo IO.9

Quanto à substituição da expressão "organizações populares de base" por outra expressão, seja ela qual for, penso que tal substituição é, em qualquer caso, infeliz, no sentido de que as propostas não têm a mesma acepção que resulta da dita formulação, embora reconheça que a terminologia actual empregue no referido n.º 3 possa ter alguma conotação ou peso ideológico um pouco absurdo.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sobre isso não tenho dúvidas!

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - De facto, cada um de nós, um pouco com aquilo que tem sido a nossa vivência política e a nossa capacidade de análise da sociedade, atribuirá conotações a esta ou àquela expressão. Penso, porém, que só pelo facto de poder ter algumas conotações, quiçá ideológicas, não vamos "matar" a pobre da expressão, até porque ela corresponde a organizações existentes no nosso país que são populares, porque feitas por pessoas, e que estão na base de muitos movimentos sociais. Querer-se substituí-la por "organizações de moradores" leva-me a dizer que, se estas também existem, as organizações populares de base não se esgotam nas ditas comissões. Pensamos que não viria mal ao mundo se as organizações populares de base continuassem a poder colaborar com o Estado e a família no fomento das acções que levassem a juventude à prossecução dos seus interesses e direitos.

Finalmente, faria uma brevíssima referência à argumentação produzida pelo Sr. Deputado Raul Castro, em relação à qual estou um pouco em desacordo. Neste ponto, aceito a argumentação aduzida pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva quanto à questão do intercâmbio internacional. Entendo que a expressão "intercâmbio internacional" é restritiva, porque hoje ninguém visiona o

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intercâmbio juvenil sem ser em todas as direcções. Penso, pois, que consagrar todas as formas de intercâmbio juvenil não e, de todo em todo, um má ideia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, temos estado a falar das propostas que há. Permitam-me só que anote as propostas que não há. O Sr. Deputado Miguel Macedo teve já ocasião de anotar uma proposta que não há, qual seja a defunta "proposta" através da qual, em determinado momento, a organização juvenil do PSD terá pensado impulsionar a consagração de uma determinada parceria social. Isso não chegou a ser vertido em texto e nenhum deputado subscreveu uma tal proposta: é uma história que, consequentemente, fica encerrada antes mesmo de ter começado.

A segunda proposta que não há é a remetida pela Direcção-Geral da Juventude à Presidência do Conselho de Ministros - suponho que ao Ministério da Juventude -, que, em determinada altura, algures no mês de Março, remeteu ao Presidente da Assembleia e à Comissão um exemplar de um estudo elaborado no âmbito da Direcção-Geral da Juventude sobre a problemática "Os Jovens e a Constituição da República Portuguesa de 1976", que considerou, em ofício para aqui remetido, "de algum interesse e utilidade". Pelos vistos, os deputados do PSD não tiveram sequer ocasião de ler este papel, coisa que, de resto, lhes fica bastante bem, porque o papel é péssimo. Em todo o caso, aqui fica para registo. Sic transit gloria mundi o Ministério da Juventude, que procurou intervir activamente no processo de revisão constitucional, logrou, talvez afinal, o êxito póstumo que lhe dá o facto de estar a ser referido neste momento, coisa que cesso de imediato, porque já me mereceu mais palavras do que aquelas que talvez se justificassem.

Em relação às propostas que há ...

Uma voz: - Vindas do PCP!

O Sr. José Magalhães (PCP): - As vindas do PCP já foram apresentadas. O meu comentário visou apenas não permitir que certas coisas, falhadas, sejam esquecidas nem sejam apresentadas pela porta de trás com um ar inocente para, depois, ulteriormente, serem reclamadas, propagandisticamente, como façanhas, porque, verdadeiramente, não o são a título nenhum.

A leitura do opúsculo governamental que citei é a melhor demonstração daquilo que estou a dizer.

Quanto às propostas que há, gostaria apenas de referir que discutir os problemas da juventude e o respectivo enquadramento constitucional dentro das baias do artigo 70.° seria, naturalmente, bem pouco. Isso já foi referido por alguns dos Srs. Deputados e gostaria apenas de corroborar esse entendimento e de sublinhar que decisivas para a situação e para a condição dos jovens nos próximos anos em Portugal serão, seguramente, certas opções de que temos estado a falar até agora, como as que dizem respeito a certos aspectos da constituição laboral, em particular as que tutelam os trabalhadores à procura de emprego, designadamente os jovens à procura de primeiro emprego e, mais ainda, aquelas que tutelam os jovens trabalhadores, especialmente aqueles que, na realidade social portuguesa, são forçados a prestar trabalho em condições de excessiva e, de resto, inaceitável precariedade.

Há, em relação a esses pontos, propostas que ti vemos já ocasião de debater. Pela nossa parte, procurámos, na altura, sublinhar a importância de que essas propostas se revestem para os trabalhadores em geral, mas, seguramente, para os jovens trabalhadores muito em particular.

Travámos o debate sobre a questão laboral tendo em conta, com bastante ênfase, os interesses dos jovens trabalhadores e parece-nos que o que será determinante para os jovens, na presente circunstância histórica portuguesa, é que esse tipo de propostas seja contemplado. As propostas de que agora estamos a falar são propostas de reforço e outro tanto se aplica em relação a tudo aquilo que diz respeito à constituição económica. O futuro sistema económico não deve, em nosso entender, ser o contrário daquele que hoje está em vigor; não deve haver nesse ponto uma inversão de sinal. Sabe-se que isso é proposto pelo PSD e as propostas do PSD têm de ser lidas também a esta luz, não podendo adquirir o seu pleno sentido senão tendo-se em conta o modelo de constituição económica que o PSD propõe. Isso não esquecemos.

Por outro lado, certas observações, que visam justificar supostas benfeitorias feitas mesmo em relação à arquitectura e ao conteúdo do artigo 70.º, devem ser lidas tendo em conta outras propostas do PSD, designadamente relativas ao ensino, para já não falar das propostas em relação ao emprego e ao pleno emprego em particular (que é uma matéria que, como se sabe, não é considerada relevante pelo PSD: pelo contrário, pretende suprimir as cláusulas alusivas ao pleno emprego constantes da Constituição, considerando-as "utópicas", "desnecessárias" e "inconvenientes"). Tudo isto registam as actas do passado e não retomarei aqui senão o que me parece bastante para poder fundamentar algumas interrogações que não gostaríamos de deixar de formular sobre a proposta apresentada pelo PSD.

Quanto ao específico artigo 70.º e, em primeiro lugar, em relação à questão da substituição da cláusula constante da alínea a) do n.º 1 em vigor, o PSD sustenta que aquilo que propõe se trata de um "mais". O meu camarada Rogério Moreira já teve ocasião de deduzir algumas dúvidas quanto a este ponto. A resposta do Sr. Deputado Miguel Macedo parece-me insatisfatória e não sei se terá sido situada, em toda a dimensão, a natureza da questão que coloca a alteração proposta pelo PSD. A Constituição, na sua redacção presente, enfatiza a questão do acesso ao ensino, à cultura e ao trabalho em todas as suas dimensões e, verdadeiramente, isto não significa - parece-me - um "menos" em relação àquela que parece ser a preocupação do PSD.

A preocupação do PSD - segundo o Sr. Deputado Miguel Macedo teve ocasião de sublinhar - seria a de que se sublinhasse bem que os jovens devem gozar de protecção especial no domínio do ensino, no da cultura e no do trabalho. Mas isso é mais vago e mais amplo, o que não é mérito, como se sabe, pois, onde um texto seja preciso o facto de a revisão constitucional tornar as coisas mais amplas pode produzir efeitos de diluição com fomento de hermenêuticas perversas. A Constituição estabelece uma ênfase em relação à questão do acesso ao ensino. Ora o acesso ao ensino é um objectivo sem o qual, como se sabe, não há ensino! Isto é, não se está no ensino senão acedendo a ele, e é muitíssimo difícil ter bom ensino e estar bem no mesmo quando se está fora dele! Assim, a questão essencial - sendo tudo isto evidente e de meridiana lógica - é a de saber como é que se entra no ensino, como se acede ao mesmo e como se penetra no universo da cultura e no mercado do trabalho. Essa questão -a questão da entrada- não por acaso é a preocupação primacial da

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Constituição. A vida tem demonstrado, de forma bastante intensa e bastante tensa, que ficam fora do ensino milhares de jovens todos os anos - e não penso só nos que não têm acesso à universidade, penso também naqueles cujo acesso é truncado, abortado, impedido, e que são marginalizados pelo sistema de ensino, empurrados para repetências e colocados em situações de sistemático insucesso escolar. Isso também é marginalização e não acesso: é o contrário do acesso! É a expulsão e a marginalização, em todas as suas gamas, que se pretende evitar através deste comando constitucional.

Suponho, portanto, que é de ter largas dúvidas -eu diria mesmo grandes reservas e objecções de tomo - relativamente àquilo que o PSD propõe, pois, sendo, na aparência ou na exposição dos seus proponentes, um "mais", quanto a mim seria, a não ser que haja explicações cabais e convincentes, um "menos", e um "menos" porventura significativo, dada a natureza desta norma.

Em relação à questão suscitada pela alínea b), sucede o mesmo. Se o PSD propusesse a fusão do texto actual da alínea b) com o aditamento que resulta da parte final da norma que propõe, nós provavelmente diríamos: "Ora aqui está uma matéria em que, como quanto à rejeição das propostas do CDS sobre o aborto, nós votamos, gostosamente, ao lado do PSD!" Não nos dirão que nós não votamos nada do PSD. Até votamos e votamos o que seja bom, mas, infelizmente, o que é bom é pouco. Neste caso seria bom, porque somar-se-ia à cláusula actual que prevê...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não há propostas do PSD sobre o aborto, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não, Sr. Deputado. Eu referi-me à rejeição pelo PSD das propostas do CDS sobre o aborto.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não há propostas do CDS sobre o aborto, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Costa Andrade, os "pais", normalmente, são a entidade mais vocacionada para se pronunciarem sobre os "filhos". O CDS entende que sim.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então, permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, que o PSD não votou nenhuma proposta sobre o aborto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, devo ter-lhe tocado em qualquer tecla sensível. Aquilo que eu disse não visava precipitar nenhuma reacção do tipo daquela que o Sr. Deputado Costa Andrade está a ter por razões que me escapam seguramente.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não estou a reagir, mas a precisar, porque, se algum sentido teve a nossa intervenção nessa matéria, foi o de ter afirmado que não discutíamos, nem queríamos saber do aborto nesta revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, eu reformulo a minha frase por forma que V. Exa. fique pacificado e aquietado: estaremos com o PSD quando este sustentar, como V. Exa. acabou de o fazer - e retomo ipsis verbis as suas palavras para efeitos da acta -, que não tem nada a ver com a questão do aborto e que entende que a a revisão constitucional não deve ter nada a ver com essa questão. Estamos com V. Exa. e também entendemos o mesmo. Essa é uma questão ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Deputado, não é isso. Trata-se do seguinte: a discussão que travámos e em que o Sr. Deputado se louvou como facto histórico é que não teve, do nosso ponto de vista, nada a ver com o aborto. Eu não disse o que o Sr. Deputado acaba de dizer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia-lhes que cessassem o diálogo directo. VV. Exas. não estão sequer de acordo sobre o tema do próprio diálogo.

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas o Sr. Deputado José Magalhães tem de me permitir que seja o intérprete qualificado do que nós aqui dissemos.

O Sr. Presidente: - Há-de concordar, Sr. Deputado, que já foi muito longe o diálogo directo. No entanto, uma vez que não estão de acordo sobre o tema, pedia-lhes que terminassem.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, agradeço a benevolência que revelou durante esta troca de impressões, e ela é tanto maior quanto não havia absolutamente causa nenhuma para que tivesse lugar. Eu limitei-me a permitir que cada "pai" se pronuncie sobre o seu "filho", mesmo que ele seja adulterado e horrendo,...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Adulterando a nossa posição.

O Sr. José Magalhães (PCP): -... sem nenhuma ideia de adulterar a posição do PSD. Mas fico extremamente contente por o PSD ter esse ímpeto tão determinante em relação à questão que suscitei e que não vou nomear para não provocar nova reacção. Questão essa que, no entendimento dos, em má hora, proponentes, isto é, do Centro Democrático Social, aqui ausente -estando nós, por isso, livres de que este diálogo passe a "triálogo" -, se entende como suscitando, em revisão constitucional, a tal dita cuja questão que não nomeio, problema esse que é do CDS, que não é do PSD nem é também do PCP, que agora, reconfortado pela posição negativa do PSD, diz: "Essa questão está encerrada e estamos juntos no seu encerramento. O CDS está fora. É irrelevante."

Esta conclusão parece-me, Sr. Presidente, bastante interessante, sobretudo porque não resulta de nenhuma conversa íntima entre o PCP e o PSD. É o resultado do puro fluir do debate na revisão constitucional...

Em relação à questão que nos ocupava, ou seja, a da alínea d) do n.° 1 do artigo 70.º, aquilo que eu tinha afirmado é que, tal como estamos com o PSD ao considerar a questão do aborto encerrada e não colocada - e atenho-me, exactamente, às palavras do Sr. Deputado Costa Andrade, com o preciso significado que ele lhes pretendeu imprimir -, também estaríamos com o PSD em relação a esta proposta sobre o acesso ao primeiro emprego se o PSD clarificasse quilo que ainda não clarificou.

É que a actual cláusula prevê que os jovens gozem de protecção especial para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente quanto à formação e promoção profissional, mas é bastante diferente

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e, verdadeiramente, um aliud falar-se da protecção especial no trabalho, designadamente no acesso ao primeiro emprego, porque é óbvio que, pressupondo-se que se trabalhe melhor com adequada formação, se pode fazer o acesso ao mercado de trabalho e ao emprego e trabalhar com níveis de formação inadequados. A Constituição sublinha a importância da formação e da promoção profissional. Não há nada de mal em que a Constituição passe a sublinhar também, com ênfase, o direito a uma protecção especial no trabalho, designadamente no acesso ao primeiro emprego. De resto, há até uma proposta do PS que procura, de certa forma, enfatizar a preocupação pelos jovens à procura do primeiro emprego.

Pela nossa parte - como o Sr. Deputado Rogério Moreira sublinhou - também comungamos das preocupações em relação à questão do primeiro emprego como direito dos jovens, e bom seria que o PSD, na prática e, designadamente, no terreno da legislação ordinária, se esforçasse por impulsionar o acesso ao primeiro emprego, que é coisa que não sucede. Esta proposta é, em certo sentido, um trompe-l'oeil, pois o PSD procura colocar, em sede de revisão constitucional, onde os comandos tem o nível e a distância que tem em relação à realidade, aquilo que no terreno da realidade promove pouco. Todos conhecemos - embora talvez a JSD não o conheça - um instrumento que dá pelo nome de PCEDED, que, em relação ao primeiro emprego dos jovens, é o que é - uma coisa magra, escorripichada, insatisfatória e insuficiente - e os jovens vão parar, quando o vão, a primeiros empregos precários e alinham em grosso nos contingentes dos desempregados.

Que fazer, então? Creio que, se casássemos esta norma com a que consta do texto actual, o casamento poderia não ser negativo. Isso pressuporia não uma substituição, mas um aditamento. Esse aditamento é possível e perguntamos ao PSD se não estaria disponível para esse esforço. Estamos, pela nossa parte, plenamente disponíveis para tal, uma vez que por essa via não há desnaturamento, mas enriquecimento.

Em relação à proposta do PSD quanto à criação de condições para a efectiva integração na vida activa, haveria talvez algum interesse em que obtivéssemos alguns esclarecimentos adicionais, porque, verdadeiramente, aqui o PSD -e houve uma observação do Sr. Deputado Raul Castro sobre esse aspecto que não percebi - não propõe supressão de coisa nenhuma. Propõe o aditamento de uma cláusula nova, sem prejuízo de todas as demais e sem prejuízo, pois, dos objectivos da política de juventude tal qual se encontram enunciados. Tratar-se-ia de aditar a enumeração de um outro objectivo. Se o PSD pudesse especificar, creio que seria positivo, porque a efectiva integração na vida activa pressupõe várias coisas, que têm a ver com o próprio direito ao trabalho, com o acesso ao posto de trabalho, com a garantia de formação adequada para a inserção na vida activa, com a existência de esquemas de apoio, incluindo de carácter creditício, para a intervenção na vida económica, que pode não ser apenas na condição de assalariado, etc.

Em relação à preocupação de especificar que são protagonistas da política de juventude as fundações de fins culturais, parece um pouco bizarro. Nós não temos nenhum vezo, em termos das várias figuras que existem no universo das pessoas colectivas de direito privado, de referir as fundações. O problema é o que é que se quer substituir.

O PSD não se basta com um aditamento, querendo substituir o próprio conceito de OPBs. O PS tem o mesmo problema por razões que, provavelmente, estão ligadas com o seu específico conceito de "desideologização" da Constituição. Enfim, é o tributo que se presta a uma determinada corrente, a uma determinada moda e a uma determinada preocupação. É verdade que o PSD propõe a supressão, é verdade que o PS também a propõe, mas a unção com que cada um o propõe poderá ser diferente, e agradecia que isso pudesse ser explicitado, porque só nos apercebemos da amputação, sem nos apercebermos do espírito amputativo, e seria interessante que isso pudesse ser aqui também explicitado (embora, ao que parece, seja um problema geral de revisão).

Em relação à questão do intercâmbio, aparentemente, o Sr. Deputado Miguel Macedo também está preocupado com o intercâmbio interno. Creio que aqui a Constituição bebe numa matriz que não deve ser esquecida. Não queria ser aqui o arauto do passado, mas há determinados passados que, seja qual for a nossa idade, não deixam de ser relevantes. . Qual é o passado que explica esta cláusula constitucional alusiva à possibilidade de multiplicação de formas de intercâmbio internacional da juventude? Como muitos dos Srs. Deputados se recordam, o regime fascista tinha um particular vezo às formas de intercâmbio internacional da juventude e encarava tudo o que fosse associativismo juvenil, nas suas projecções transfronteiras, como um horror e como alguma coisa de proibido e que deveria estar sujeito a controle. Via nisso a mão inestimável e fatal do "comunismo internacional" e das suas "terríveis" organizações. Não por acaso, organizações como a FMJD e outras eram tidas como organizações horrendas, contra as quais tudo deveria ser feito: tudo para a proscrição e nada para a participação. Esta preocupação de pôr a mão no intercâmbio internacional da juventude e de restringir os fluxos e os contactos entre os jovens portugueses e os jovens estrangeiros não por acaso foi objecto de críticas e de luta antifascista durante anos a fio. Não é por acaso também que, após o 25 de Abril, floresceram os contactos com organizações internacionais e floresceu também o intercâmbio internacional da juventude portuguesa e hoje não passa pela cabeça de ninguém estabelecer limitações ou restrições à realização desses contactos. A inserção nas Comunidades Europeias aponta, aliás, para o alargamento e intensificação dessa forma de internacionalização; a política externa deveria privilegiar a expansão dos contactos com jovens dos países africanos e de outros países amigos. Em termos de revisão constitucional, talvez a melhor forma - se a preocupação do PSD for aquela que diz - seja não a supressão, mas o aditamento, isto é, o texto rezaria: "[...] bem como todas as formas de intercâmbio nacional e internacional de juventude." Realmente não nos preocupa menos o intercâmbio a nível interno, que pode revestir formas interessantes. Num país com a organização que o nosso tem, com uma descontinuidade geográfica como a nossa, o intercâmbio pode ser extremamente positivo, até como forma de reforço dos laços de solidariedade entre os jovens dos diversos pontos do território nacional. Portanto, o facto de se colocar aqui um inciso que sublinhe a importância de que podem revestir-se os contactos entre jovens situados em parcelas distintas do todo nacional, designadamente jovens situados nas regiões antónomas, onde há uma determinada forma de organização do Estado democrático português, pode ser positivo.

Em suma: não estaríamos fechados à inclusão de uma norma deste tipo, mas parece-nos pouco e equívoco, ou pode ser, não direi negativo, mas, pelo menos, pouco transparente ou propício a equívocos a supressão do inciso "internacional", dado tudo isto que está por detrás da norma constitucional e que jovens, jovens que sejamos, seria bom não esquecermos, porque essa memória histórica pesou nas

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constituintes e deve, creio eu, também pesar nesta revisão constitucional.

Eis as interrogações e sugestões que não gostaríamos de deixar de formular, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - No PS, pela voz do Sr. Deputado José Apolinário, já falou a juventude. Agora irá falar a terceira idade.

Não me pronunciaria sobre a proposta do CDS, por não estar presente nenhum representante e até porque me parece redutora de mais para poder justificar o meu entusiasmo. Já disse o essencial sobre a proposta do PS e agora pronunciar-me-ia sobre a proposta do PSD.

Vejo com alguma simpatia a aproximação da formação profissional ao ensino e à cultura. Acho que encontra melhor arrumação na alínea a) do que na alínea b). Mas vejo mal a eliminação do direito ao acesso. Nos termos da última intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, dado que a intenção manifesta do PSD é ampliar, deveríamos manter a aproximação da formação profissional ao ensino e à cultura, sem prejudicar a consagração da protecção do acesso. Por outro lado, passa-se o mesmo quanto ao trabalho e ao acesso ao primeiro emprego. É positiva a referência à criação de condições para a efectiva integração na vida activa, que é mais do que o acesso ao primeiro emprego - penso que não perdemos nada em consagrar esta expressão-, mas já não vejo nada de positivo na substituição da "criação livre" pela "criatividade". São coisas completamente diferentes, porque uma coisa é a criatividade e outra é a criação livre. Esta tem um sentido que aquela, na sua forma pura e simples, não tem.

Quanto à eliminação das associações e fundações de fins culturais, devo dizer que não sou contra ela. Mas não gostaria que parecesse que ficam postas de parte as colectividades de cultura e recreio, que me parece não caberem expressamente numa simples referência às associações e fundações culturais.

Também relativamente ao problema do intercâmbio internacional, não devemos esquecer-nos que isso se situa na linha do fomento pelo Estado do intercâmbio internacional. Não tem grande significado o Estado fomentar o intercâmbio interno. Ele é livre, e fácil, pelo que não vejo por que é que o Estado deva formentá-lo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me uma interrupção só para evitar um receio que reputo justo.

Sr. Deputado Almeida Santos, o Estado fomenta neste momento, em certa medida, o intercâmbio nacional. Alguns dos programas que mencionei de contacto entre jovens situados em pontos diferentes do território nacional estão já em curso, são fomentados na prática.

O Sr. Presidente: - O que o legislador fez foi assegurar o mais difícil e não o mais fácil.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio.

O Sr. Presidente: - Se querem pôr os dois, não serei contra. Mas entendo que não se deve eliminar a referência ao intercâmbio internacional.

Por que é que o PS eliminou a referência às organizações populares de base? Não é só aqui, é em toda a Constituição, na linha do entendimento de que, em primeiro lugar, as organizações populares de base adquiriram uma carga mítica que a realidade não sufragou. A Constituição tem sido muito acusada, entre outras razões, pelo basismo que está ligado a esse tipo de organizações e a prática não consagrou organizações com significado relevante. Quando se esmiuça a Constituição, estas organizações são, e são só, as organizações de moradores. Optamos por que se lhes chame aquilo que de facto são no próprio texto constitucional. São organizações de moradores.

As organizações populares de base esgotam-se nas organizações de moradores. Porém, nem como associações de moradores tiveram qualquer relevo. Pensando, no entanto, que, embora não o tenham tido, possam vir a tê-lo, devemos manter a referência constitucional às organizações de moradores. Mantemos a realidade e salvaguardamos a Constituição contra críticas que ela não justifica de forma alguma - nem ela nem a prática que se lhe seguiu.

Coerentemente, no artigo 290.º eliminámos para futuro, entre os limites materiais de revisão, a referência às organizações populares de base. Sinceramente, achamos que não e uma realidade com a dignidade de um limite material da revisão. Não contribuiremos para a desvalorização dos limites materiais que apresentam a correspondente dignidade, mantendo no artigo 290.º os que a não tem. Isto sem prejuízo de, nesta revisão, respeitarmos formalmente aquele limite.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Serei muito breve, Sr. Presidente, para nos referirmos aos aspectos das vossas propostas que, após a discussão, designadamente a intervenção que o Sr. Presidente acaba de fazer, suscitam ainda algumas dúvidas.

Reporto-me sobretudo a dois pontos: em primeiro lugar, à nossa proposta relativa à alínea a); depois, à nossa proposta em relação à criação de condições para a efectiva integração na vida activa.

Em relação à alínea a), louvo-me naturalmente em tudo o que disse o meu colega de bancada, deputado e jovem, Miguel Macedo e Silva, e permito-me chamar a atenção para o seguinte: é nossa intenção, como foi dito, alargar e adensar o conteúdo de tutela da Constituição nesta parte

- e, se algumas dúvidas existissem sobre isso, aqui temos declinada essa nossa intenção. Também nos parece que o texto em si alarga efectivamente essa tutela. Aquilo que os jovens trabalhadores - e não nos esqueçamos de que estamos a falar de um artigo que se reporta especialmente aos jovens trabalhadores - requerem no ensino é muito mais uma tutela especial e não se contentam com uma protecção apenas dirigida ao acesso ao ensino. A protecção especial aos trabalhadores deve prolongar-se por toda a sua vida académica, até porque "acesso ao ensino" é uma expressão muito relativa. O que é o acesso ao ensino? É o acesso à escola primária? O Estado fica desobrigado relativamente aos outros níveis de ensino se garantir o acesso dos jovens trabalhadores ao ensino primário ou, pelo contrário, o acesso ao ensino é um problema que se coloca em relação a todos os graus de ensino e, portanto, tal problema está intimamente imbricado com o do ensino em si?

Depois, todos nós sabemos que não basta apenas - mesmo que o consigamos- pôr os jovens trabalhadores nos bancos do liceu ou da universidade para o Estado se sentir desobrigado. As obrigações do Estado são muito mais exigentes e há diferenças não apenas de carácter económico mas também de carácter cultural muito grandes. A escola - como diz um sociólogo americano -é um pouco como um jogo de futebol: uns jogam no seu campo, outros jogam em campo alheio. Portanto, há défices de cultura, de competência, de acção, etc., muito pronunciados

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da parte dos jovens trabalhadores, que com a nossa proposta veriam, no que ao direito constitucional concerne, essa protecção sensivelmente melhorada. Há diferenças fundamentais, desigualdades brutais, e quem trabalha no ensino - todos nós temos uma noção clara disso - sabe das diferenças gritantes que existem no acesso à mesma escola. Todos são iguais, mas uns são mais iguais do que outros. É a esta desigualdade que conviria, na medida que ao direito constitucional respeita, dar uma resposta. É este o sentido da nossa proposta.

Também concordamos com o Sr. Deputado José Magalhães que, quando se fala na existência de ensino, só se podem proteger os jovens trabalhadores no ensino se antes se proteger o seu acesso. Mas protegê-los no ensino é mais do que protegê-los no acesso. E uma obrigação que impende sobre o Estado, que tem carácter dinâmico, que se prolonga no tempo e não apenas em momento determinado da vida do jovem trabalhador. Não basta sentá-lo no banco das escolas e o Estado dar-se por satisfeito por assim ter cumprido as suas obrigações. Este é tão-só o sentido da nossa proposta, como, de resto, foi dito pelo meu colega Miguel Macedo e Silva.

Quanto à outra expressão que suscitou algumas reservas, o Sr. Deputado José Magalhães sugeriu uma proposta combinada em relação à parte do emprego. Penso que podemos trabalhar nesse sentido, e veremos depois se, com o conteúdo que lhe queremos dar e com o do texto actual da Constituição, chegamos a uma proposta mais rica.

Quanto à criação de condições para a efectiva integração na vida activa, esta nossa proposta explica-se por si. É uma proposta que visa - se me é permitido usar a expressão- uma espécie de "política criminal antes do crime". Todos nós discutimos muito, por exemplo, a política de reinserção social. Esta seria de certa maneira uma política de reinserção social antes do tempo, pois é importante criar as condições para a efectiva integração dos jovens na vida activa. Todos sabemos que a falta de condições para a integração na vida activa é a causa de todos os fenómenos de desvio, de evasão, de formas mais ou menos controláveis e mais ou menos danosas de marginalidade social. Nem todas elas devem ser objecto de controle por parte do Estado, porque devemos assegurar a todos os jovens o seu direito à diferença. Mas deveremos, pelo menos, criar as condições necessárias para a integração na vida activa. Não é por acaso que a nossa proposta utiliza a fórmula "criação de condições", no sentido de oferta de condições e no sentido vinculativo de impor um determinado modelo de vida aos próprios jovens. Isto está relacionado com o trabalho e com a cultura, pois é preciso difundir a cultura de uma sociedade democrática que incentive o sentimento de ligação dos jovens a uma determinada comunidade e tem a ver com tudo aquilo que aumente tal sentimento, designadamente se dermos como boa a comunidade em que vivemos, a comunidade democrática. Depois, o legislador ordinário criará os meios necessários para implementar este resultado que aqui lhe é imposto, isto é, o resultado de criar condições para a efectiva integração dos jovens na vida activa.

O Sr. Presidente: - Daria agora a palavra ao Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, não sem que lhe peça que refira apenas aspectos que não tenham ainda sido referidos. Não há vantagem em repetir o que já foi dito.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): -Sr. Presidente, queria, de facto, fazer algumas considerações relativamente às intervenções quer do Sr. Presidente quer do Sr. Deputado José Magalhães, mas o Sr. Deputado Costa Andrade já as explicitou. Ficou apenas por referir a respeitante à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos relativamente ao n.8 3 do artigo 70.°, que respeita à questão do intercâmbio juvenil.

Gostaria de dizer, em primeiro lugar, que não está obviamente nos propósitos do PSD qualquer intuito de limitação do intercâmbio juvenil a nível internacional. E rejeitamos claramente qualquer dúvida que paire, nomeadamente, no espírito do Sr. Deputado José Magalhães em relação a esta matéria e qualquer tentativa de comparação com situações e factos que, felizmente, já passaram, não valendo a pena referi-los, embora seja importante não os esquecer.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Miguel Macedo, como V. Exa. propunha o corte, limitei-me - é esse o dever que tenho - a alertar para o facto de que, ao cortar determinado inciso, era preciso ter em conta os antecedentes, aquilo que levou a que nas constituintes se estabelecesse um consenso levando à consagração do preceito com a redacção que tem. Creio ser impossível ler a norma sem ter em conta esse precedente. Pareceu-me, porém, que o PSD não tinha tido suficientemente em conta esse antecedente, porque, se o tivesse tido suficientemente em conta, não incorreria em risco de supressão, que é susceptível de induzir nalgum equívoco. Quis que não houvesse nenhum equívoco e V. Exa. acaba de impedi-lo dizendo terminantemente o que ficou registado na acta - com o que eu me congratulo muito -, mas não retira minimamente o bom fundamento da observação ou rememoração que entendo fazer em nome do meu grupo parlamentar.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer, relativamente a esta matéria, e passando também à resposta a uma objecção apontada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, que os antecedentes considerados pelo PSD são aqueles em que felizmente vivemos há catorze anos, isto é, a total liberdade de circulação de pessoas no País e para fora dele. A única objecção é em relação àqueles países para os quais são necessários vistos; é a única objecção, de natureza administrativa, e não tem a ver directamente connosco, mas com terceiros países.

Em relação a esta matéria, julgamos não poder subsistir dúvidas de que, ao querermos consagrar o intercâmbio juvenil através desta expressão, abrangemos quer o intercâmbio juvenil interno, ou seja, dentro do País - que é preciso incrementar e estimular -, quer, obviamente, o intercâmbio juvenil internacional, de que, aliás, tem havido alguns frutos evidentes nos últimos tempos. É este o sentido da nossa proposta. Se, no entanto, ela chocar tanto as consciências dos Srs. Deputados, é óbvio que poderemos apurar o texto, embora julgue que fica perfeitamente explicitado o sentido que quisemos imprimir à alteração que propomos para o n.° 3 do artigo 70.º

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, procurarei seguir o conselho de V. Exa. quanto aos assuntos novos a colocar e quanto à não repetição.

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Creio que alguns aspectos desta discussão sobre o artigo 7O.C nos levam à necessidade de fazer alguma conexão entre as alterações a esse artigo e ao artigo relacionado com o ensino, o artigo 74.°, cuja discussão, aliás, virá dentro de muito pouco tempo. O argumento utilizado pelo PSD em favor da sua proposta poderia, porventura, fazer sentido caso houvesse alguma ampliação ou, no mínimo, a manutenção dos preceitos constitucionais no que se refere ao ensino e no que, designadamente, se refere à correcção das desigualdades de acesso ao ensino. Lamentavelmente, e de qualquer forma, creio que ele tem algum significado mesmo na leitura deste artigo 70.° que agora estamos a fazer. O PSD, no artigo 74.º, não propõe o aditamento de qualquer novo direito ou nova medida especial de protecção e favorecimento nesse domínio, mas, antes pelo contrário, reduz os já existentes, retirando, designadamente, na sua proposta de alteração um número e uma alínea. Estes falam da superação das funções conservadoras quanto às desigualdades económicas, sociais e culturais que são visivelmente de acesso ...

O Sr. Presidente: - Quando lhe pedi originalidade, não era para se mover fora do contexto do tema que estávamos a tratar.

Risos.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Não seria difícil encontrar novidades se começasse a falar de todos os outros artigos que vem adiante, mas não era essa a intenção.

Queria apenas introduzir um elemento de referência para melhor compreensão do que estamos a discutir no artigo 7O.Q, que me parece, por isso, importante. O que o PSD de facto propõe é a redução de direitos hoje constitucionalmente consagrados no que respeita à fácil ilação do acesso ao ensino, porque foi a esse que me referi. E temos também o problema da gratuitidade no acesso aos diferentes graus de ensino.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Já cá está!

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Não está, Sr. Deputado, pois foi retirada na proposta do PSD.

Sr. Presidente, queria sublinhar que a reflexão feita a este respeito permite compreender que é necessário entender melhor qual o grau de abertura e tratamento do problema do ensino e do acesso dos jovens. Visivelmente o argumento do PSD não nos retirou as dúvidas que inicialmente tínhamos relativamente a este aspecto, e valeria a pena que ele ficasse suficientemente clarificado.

Por outro lado, em relação ao segundo problema colocado na discussão sobre o intercâmbio juvenil nacional e internacional faria apenas alusão a dois aspectos. Por um lado, à existência recente de um diploma governamental nesse domínio que visivelmente dificulta o intercâmbio internacional às estruturas juvenis que não tenham características nacionais, isto, é, que não sejam organizações nacionais de juventude. O actual preceito constitucional faria muito mais sentido nessa circunstância, dada a existência dessa legislação ordinária sobre o assunto, pelo facto de promover e introduzir a preocupação do Estado no apoio ao intercâmbio sem discriminações - sem discriminações quanto à característica da organização juvenil e sem discriminações quanto ao conteúdo desse intercâmbio -, razão pela qual nas presentes circunstâncias, e dada a legislação ordinária em vigor, faz de facto sentido não retirar o inciso "internacional". Creio mesmo que faz hoje mais sentido. Parece-me, portanto, útil que o PSD pudesse caminhar com vista à referência a ambos, ao intercâmbio nacional e internacional.

O Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva introduziu aqui o conceito de circulação, hoje livre e fácil entre jovens. Mas é distinta a "circulação" do "intercâmbio", é distinta a simples passagem de fronteiras da realização de acções de intercâmbio entre estruturas juvenis de um e outro país, quaisquer que eles sejam. Consequentemente, não podemos simplificar de forma tal que consideremos que, dada a circulação e dada a crescente circulação, o intercâmbio internacional esteja desde logo facilitado. Não está e é ilusório considerarmos unicamente isso, porque não é essa apenas a perspectiva que interessa.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, pelos termos em que decorreu, a discussão permite concluir algo em relação à própria evolução das posições do PSD. Tanto quanto percebo, o PSD estará disponível para reformular certos aspectos do seu texto, no qual reconheceríamos, com essas reformulações, algum mérito aditivo mas não amputativo. O facto de isso acontecer será tanto mais positivo quanto neste momento a campanha que o PSD faz no exterior desta Assembleia, no exterior desta Comissão, diverge em muitos graus do discurso que aqui foi produzido. Notável é que, no preciso momento em que o PSD aqui diz o que diz, circule no exterior, em nome do PSD e em nome do Governo, com difusão paga com dinheiro público, o folheto que citei, com tiragem de 600 exemplares, sob o título "A juventude na Constituição da República Portuguesa", que diz coisas bastante diversas. Embora sejam apenas 600 exemplares, e eu admito que todos os amigos do Sr. Ministro da Juventude tenham este opúsculo e que todos os amigos dos amigos do Sr. Ministro da Juventude também o tenham, a verdade é que será agitado propagandisticamente como um "supra-sumo" ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): -Esse opúsculo foi dirigido como proposta à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse opúsculo, Sr. Deputado Costa Andrade, foi remetido à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional pelo ofício n.° 288, de 9 de Março de 1988, e foi recebido e distribuído aos membros da Comissão no dia 14 de Março de 1988 pela Direcção-Geral da Juventude (DGJ), através de ofício subscrito pelo director-geral respectivo. O opúsculo vem preambulado e prefaciado e o Sr. Deputado Costa Andrade em alguma hora de fazer poderá ler a nota prévia...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já li!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em especial nas páginas 9, 10 e 11. Sendo pomposa e circunstanciada a referida nota prévia, não se arroga da qualidade "deputada!". Nesse ponto, posso tranquilizar o Sr. Deputado Costa Andrade. Apresenta-se apenas como fundada em decisivas razões para que a DGJ não fuja a emitir uma opinião sobre o estatuto constitucional dos jovens, numa altura em que se desencadeia o processo da segunda revisão constitucional.

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Tudo isto vem a propósito do facto de essa proposta, que está a ser veiculada como sendo a proposta do PSD, se identificar, ao que parece, mais com a proposta do CDS, que aqui não obteve nenhum consenso nem teve defensores. A primeira característica dessa proposta é suprimir a alusão aos jovens trabalhadores contida no n.° 1 deste artigo, isto é, aquilo que o PSD não ousou suprimir, tendo aqui defendido o contrário. Congratulo-me pelo facto de o PSD não ter aqui sustentado essa tese, uma vez que não há realmente razão para se suprimir essa discriminação positiva ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Temos de travar este diálogo, ou estamos a fazer um processo de revisão constitucional com base no conjunto de propostas que apresentámos? Também acha que temos de responder por intenções que o Sr. Deputado nos imputa mas que não ousamos defender? Que eu saiba, não estamos aqui deitados na cama de nenhum psicanalista!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que o PSD não está deitado em sítio nenhum, a não ser onde entende deitar-se e com quem entende deitar-se. Essa questão não nos diz respeito. O que sucede é que o PSD tem de responder pela sua acção política. Ora, o que é característico da acção política do PSD neste domínio é que VV. Exa. têm um discurso duplo. E eu posso dizê-lo, afirmá-lo e sustentá-lo (naturalmente respondendo politicamente por isso, com todos os meios que VV. Exas. entenderem deduzir). Podem ter mesmo um triplo discurso, porque não estou ainda a ter em conta o discurso que VV. Exa. têm nas regiões autónomas sobre este ponto. Portanto, já vos estou a fazer o favor de invocar apenas duplicidade ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não agradecemos, porque dispensamos o favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exa. além de mal-agradecidos, são dúplices, e é isso que me preocupa.

O Sr. Presidente: - Temos de ter as propostas oportunamente formuladas como referência do nosso debate e da nossa discussão. Compreendo que por vezes seja necessário fazer juízos comparativos dessa ordem ...

O Sr. José Magalhães (PCP): -Mas, Sr. Presidente, o meu discurso diz respeito à questão do CDS.

O Sr. Presidente: - Eu sei, mas não podemos desviarmo-nos sistematicamente da discussão das propostas para entrarmos na discussão de atitudes que os próprios partidos proponentes tenham tido noutro momento e noutro lugar. Compreendo que possa excepcionalmente haver um sentido útil nalgumas dessas referências, mas não lhes vejo, como regra, sentido útil. Hoje é o opúsculo, amanhã será não sei o quê ... Podemos ir rebuscar toda uma história de atitudes que todos os partidos tiveram em relação a todos os problemas. Concebo que em alguns aspectos e casos isso possa ser clarificador. Neste caso, para lhe ser franco, penso que é. Mas não vamos entrar aqui numa discussão lateral e, sobretudo, de maneira nenhuma, em diálogo directo.

Faça o favor de completar a sua intervenção, com alguma atinencia às propostas em discussão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a razão de ordem como observação geral é pertinente e que todos a partilharemos. No caso concreto, dificilmente se poderá negar a gravidade da situação que está a ser criada. Em meu entender, essa situação não deve ser subalternizada nem escamoteada e, pela nossa parte, não facilitaremos que isso ocorra a título nenhum. E creio que V. Exa. não terá outra preocupação, embora eu compreenda, naturalmente, que deseje circunscrever o debate às propostas que há. Ora, sucede que esta proposta há, não tem é defensores. Foi isso que eu sublinhei. Essa proposta há, Sr. Deputado Miguel Macedo: foi apresentada pelo CDS.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) São os projectos de revisão constitucional apresentados na Assembleia da República e apreciados na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Até agora, é Sr. Deputado falou pretensamente sobre uma proposta do CDS atacando o PSD, o que é uma coisa sem sentido.

O Sr. Presidente: - Faça o favor de finalizar, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é de bradar aos céus, mas eu fiz realmente o que o Sr. Deputado Miguel Macedo disse. Isto é, como o CDS apresentou aqui a proposta que a Direcção-Geral da Juventude (DGJ) fez ao País e anda por aí a difundir à nossa custa, e como isso nos parece extremamente grave, a primeira coisa que fiz foi sublinhar que, como saldo deste debate, ninguém sustentou a proposta do CDS, ou seja, a da DGJ. E isso é positivo, embora seja triste para o PSD. Compreendo que o PSD se rebele, se zangue e proteste aqui. Mas, pela nossa parte, gostaríamos de sublinhar que consideramos isso positivo. Ao contrário do que sustenta o CDS, provavelmente para justificar a sua proposta, os direitos referidos neste preceito respeitam naturalmente aos jovens enquanto categoria social global. É evidente que todos sabemos que há jovens operários, jovens estudantes, jovens empresários, o que não impede que se aluda a um conceito genérico de juventude, mas também não implica a necessidade de supressão do privilégio ou da discriminação positiva que impende constitucionalmente a favor dos jovens trabalhadores. E cremos que é de plena legitimidade constitucional e que não tem carácter tautológico a título nenhum o facto de a Constituição consagrar este preceito de discriminação positiva dos jovens trabalhadores. Penso que é positivo que isso resulte também deste debate.

Gostaria ainda de sublinhar que em nosso entender é também positivo que não se avance, em relação ao n.° 2, para qualquer solução desconstitucionalizadora e, designadamente, que a Constituição continue a definir objectivos prioritários em matéria de política de juventude, ao contrário do que sustentam alguns dos epígonos de uma desconstitucionalização da política de juventude e de uma sumarização ou empobrecimento da Constituição neste ponto. Nenhum partido aqui propôs esse empobrecimento. Isso não foi aqui sufragado a título nenhum, embora, repito, esteja a ser sufragado, difundido e propagandeado no exterior desta Casa pelo Govêrno com dinheiros públicos, numa atitude de duplicidade, que também lamentamos.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Miguel Macedo, isto está tudo escrito em letra de forma e não pode ser contraditado, porque é uma questão de facto.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - É que os directores-gerais não fazem parte do Governo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Enfim, é um director-geral que não só não faz parte do Governo - toda a gente sabe! - como, pelos vistos, não faz parte sequer do discurso do PSD, ou pelo menos faz parte envergonhada e clandestinamente.

Em suma, Sr. Presidente, fica em aberto a questão de saber como concretizar aquilo que é uma margem de enriquecimento possível da Constituição em relação a este ponto. Se houver disponibilidade do PSD para, designadamente, aperfeiçoar a Constituição em relação ao regime de garantia dos direitos económicos, sociais e culturais dos jovens, em relação à situação no ensino, na cultura e no trabalho, incluindo a vertente do acesso, é possível chegar a uma fórmula adequada. Basta aditar à redacção proposta pelo PSD uma cláusula que de alguma forma enfatize a questão do acesso ("assegurando-se, designadamente, o adequado acesso", ou algo desse género). Não queria fechar agora qualquer formulação deste tipo, mas se a preocupação é essa, não andaríamos longe de a ter em conta. Como diria um sociólogo português, devemos preocupar-nos com os que estão no campo de futebol e jogam com outras regras, mas também com aqueles que estão no banco e mesmo com aqueles que nem entram no estádio. É com esses excluídos que temos também de nos preocupar e é em relação a esses...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PCP): - São os que não entram no estádio, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Qual é o sociólogo?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um sociólogo comum chamado povo. Qualquer vê que o problema dos que ficam de fora é gravíssimo. O sociólogo que, por ironia, citei somos todos nós, afinal de contas.

Estamos, portanto, disponíveis para enfatizar a importância da insersão social e creio que a cláusula que propicie uma melhor inserção social dos jovens, tendo, inclusivamente, em conta a diferenciação de estatutos, isto é, os diversos tipos de jovens, pode não ser negativa. Haverá que ponderar exactamente qual seja essa formulação, mas não andaríamos mal se fossemos por aí.

Por outro lado, Sr. Presidente, não posso exprimir a mesma tranquilidade em relação às posições do PSD quanto a outros aspectos que preocupam os jovens, designadamente quanto aos decorrentes das propostas de alteração aos artigos 59.°, 60.°, n.° 3, 63.°, 64.°, 73.°, 74.º, 76.°, 77.°, 78.° e 79.°, entre muitos, muitos outros em que as posições do PSD são bastante mais preocupantes. O saldo do debate não será, portanto, excessivamente gratificante quanto aos aspectos que foquei em último lugar. Mas quanto aos outros poderá vir a conduzir a alguns resultados, se para tal houver vontade política.

O Sr. Presidente: - Relativamente ao artigo 72.°, apenas foi apresentada uma proposta do CDS - que não está presente para a justificar -, a qual concebe a política

de terceira idade mais em termos de incumbência directa do Estado do que em termos de afirmação de direitos e de definição de políticas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - O artigo 71.° já foi discutido? Quando e porquê?

O Sr. Presidente: - Já discutimos o artigo 71.°, mas não o artigo 70.° Se, porém, desejar fazer uma justificação rápida da proposta relativa ao artigo 71.º, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Não sendo nossa intenção voltar a abrir a discussão, uma vez que já foi feita, limitar-me-ei a dizer que não será novidade para nenhum de nós o facto de que o nosso tecido social assenta muitas vezes em organizações com o mais diverso cariz e todas elas prosseguindo diferentes fins. Se algumas dessas organizações não serão de facto muito representativas, tomadas no todo do tecido social, outras há que têm uma grande representatividade. Penso que, no que respeita a tais organizações, nomeadamente às dos deficientes, o facto de a actual Constituição a elas não fazer qualquer referência constitui uma lacuna que temos agora a oportunidade soberana de preencher. E o que é que se propõe? Propõe-se que as associações de deficientes tenham de algum modo o direito de participar na definição de políticas que aos deficientes digam directamente respeito. Sabemos que Portugal é um dos países com maiores índices de deficiência, deficiências essas com as mais diversas origens, quer tenhamos em conta os deficientes das Forças Armadas, quer todas as deficiências que sobrevêm por má nutrição ou práticas de vida pouco saudáveis, quer aquelas que sobrevêm aos milhares todos os anos em virtude de acidentes de trabalho originados pela falta de precauções (a esse respeito apresentaremos, a seu tempo, uma proposta sobre segurança e higiene no trabalho). Não podemos ignorar que uma grande parte do nosso tecido social é composta por deficientes, qualquer que seja a origem e a natureza da sua deficiência. Nessa medida, parece-nos da mais elementar justiça que as suas associações, que já existem e que de facto os representam, tenham uma palavra a dizer e que a Constituição consagre tal direito, que, em nosso entender, lhes é naturalmente atribuível.

Adiantando algo mais sobre o que pensamos ser uma correcta política para os deficientes, referiria ainda as linhas mestras que se contêm no n.°4 da nossa proposta. A primeira é a de que a legislação adequada deve assegurar a "progressiva eliminação de barreiras arquitectónicas". A segunda, também ela fundamental, consiste na reserva de um determinado número de postos de trabalho para os deficientes. Isto lendo sempre em conta a realidade nacional e não outra qualquer realidade que não tenhamos. A nossa realidade é esta: um elevado número de deficientes, o que constitui um problema que temos de atacar de frente. Nesta medida, a Constituição deveria consagrar um preceito capaz de definir uma política que faça frente ao magno problema da deficiência em Portugal.

O Sr. Presidente: - Sem entrar em discussão, mas apenas a título informativo, pretendia dizer-lhe que a tónica geral da discussão foi no sentido de que o n.9 4 é excessivamente programático.

Quanto ao n.º 3, uma conclusão a que se pode chegar é a de que, embora as vossas propostas sejam, regra geral, no sentido de defender o direito de participação de tudo e de

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todos, neste caso pareceu-nos que deveria em grande medida considerar-se a hipótese de consagração desta matéria, visto que a óptica do deficiente não pode ser suprida pela óptica da pessoa saudável.

Quanto ao artigo 72.°, dado o CDS não estar presente talvez não valha a pena perder muito tempo com a proposta apresentada por este partido, na medida em que me parece óbvio que ela não enriquece em nada a actual redacção da Constituição. E o facto de esta proposta acentuar a protecção do Estado nem sempre constitui a melhor forma de assegurar e proteger um direito e o seu exercício.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Apenas gostaria de coonestar as palavras que o Sr. Presidente acaba de proferir. Se o CDS propõe supressões - como, de resto, propõe -, haveria que justificar a necessidade e a utilidade dessas supressões. Qual é a vantagem de reduzir o conteúdo constitucional em relação a questões tão relevantes para a terceira idade como são as "condições de habitação e de convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social"? Que eu saiba, desde 1976 até à data, não diminuiu a importância de lutar pela efectivação de tudo isto. A questão não está em suprimir isto da Constituição, mas sim garantir na realidade aquilo que a Constituição estatui como obrigação, como desiderato ou como finalidade.

Em relação ao n.º 2, a diminuição do conteúdo constitucional também é evidente, a não ser que se entenda que aquilo que o CDS propõe é um mero découpage do n.° 1 em dois números, sendo o n.° 2 proposto pelo CDS um desenvolvimento da parte final do n.° 1 actual. Porém, ainda aí haverá que obtemperar que se verificaria sempre alguma perda de conteúdo em relação à parte da norma do n.° 1 que actualmente prevê o direito a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que especificamente evitem e superem o isolamento e a marginalização social das pessoas idosas. Isto é, substituir-se-ia este direito por uma política de terceira idade em geral. A não ser que o CDS pretenda aditar um outro conceito, caso em que é possível casar ou combinar a substituição do CDS alusiva a uma política da terceira idade logo no n.° 1. Mas creio que nesse cenário se trata verdadeiramente de um preciosismo. Quanto à hipótese de diminuição ou de supressão, é perniciosa. Donde, por qualquer das vias, chegamos a um mau resultado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passaremos agora à análise do artigo 73.8, que abre o capítulo "Direitos e deveres culturais". O CDS propõe que se refira o futuro em termos de presente, e refere no n.° 2 "a democratização da cultura", que, aliás, retira do n.° 3, onde, a meu ver, essa democratização aparece garantida em termos muito mais ricos. Não vejo sinceramente nenhuma razão para eliminar o actual n.º 3.

O que fazem o PS e o PSD, de acordo com o que já fizeram anteriormente, é substituir a menção das organizações populares de base por "organizações de moradores", relativamente ao PS, e por "colectividades de cultura, recreio e associações de defesa do património cultural e outros agentes culturais", relativamente ao PSD. O PSD inclui ainda no n.º 4 uma referencia à inovação tecnológica, a seguir à investigação científica.

Quem quiser usar da palavra, faça favor. A nossa proposta está justificada na medida em que já foi justificada noutro lugar.

O PSD quer justificar a sua proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente para dizer que isso também se insere dentro da lógica do projecto de revisão do PSD nas alterações propostas, designadamente para o n.º 3. No n.° 3 também há um pequeno acrescento, que, ao fim e ao cabo, é a menção das associações e fundações de fins culturais que têm sido esquecidas neste artigo. Penso que devem estar aqui incluídas, porque enriquece e aumenta, portanto, a área de intervenção do articulado. Por outro lado, em relação ao n.º 4, penso que é também uma inovação de natureza ampliativa, fortemente importante e positiva em termos de revisão constitucional.

Quanto ao que se passa com as outras propostas: a proposta do CDS, não somos sensíveis a ela, como é evidente; em relação à proposta do PS, com franqueza, a única coisa que poderemos ver, mas que penso também de algum modo estar incluída na nossa proposta, é a referencia às associações de defesa do património cultural.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente apenas para dizer em relação à proposta do CDS que me parece que ela é excessivamente redutora. Portanto, não vemos vantagem nenhuma em amputar a riqueza e a generalidade da versão actual do artigo da Constituição. As duas propostas do PSD de acrescentamento - uma em referência às associações e fundações de fins culturais no n.º 3 e outra no n.º 4 em referência à inovação tecnológica- parecem ter inteiro cabimento e merecem a nossa simpatia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste domínio não há proposta de fundo a não ser a do CDS, a qual se traduz numa diminuição do rigor e do alcance da Constituição em relação às diversas dimensões da democratização da educação e da cultura como objectivo do Estado. Não se lhe vê nenhuma vantagem. Pelo contrário, topam-se algumas desvantagens na eliminação da dicotomia - ou do tratamento autónomo - que há neste momento, nos n.ºs 2 e 3, isto é, das problemáticas de democratização da educação, por um lado, e, por outro, da cultura. O facto de a Constituição regular estas duas matérias em dois números autónomos permite uma melhor explicitação das diversas dimensões da democratização da cultura como tarefa, pelo que não há qualquer vantagem em se fazer uma fusão, sobretudo quando ela é - tão clamorosamente como no caso do CDS - uma fusão com larguíssima perda de conteúdo, tanto em relação ao n.º 2 como em relação ao n.° 3. Basta, de resto, fazer-se uma comparação das duas normas -conceito a conceito - para se ver que seriam baldeadas algumas estimáveis normas constitucionais vigentes.

Em relação às propostas do PS, a questão é de pura transmutação de linguagem constitucional. Discorda-se ou concorda-se em função de critérios que já estão enunciados; pela nossa parte enunciámos já o nosso.

Em relação à questão suscitada pelo PSD, coloca-se também uma questão de conceito em relação às organizações populares de base. Neste caso, o PSD age por supressão pura, enquanto o PS age por substituição.

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No caso do PS há, portanto, uma transmutação; no caso do PSD há uma eliminação pura e simples, o que é, apesar de tudo, diferente; coisa que eu gostaria de registar e de sublinhar.

Em relação à proposta referente ao n.° 4, apenas se poderá colocar a questão de saber se é positivo - ou se é correcto em termos de técnica legislativa- tratar das questões da inovação tecnológica no mesmo exacto preceito em que são tratadas as questões criação e investigação científicas. É um sítio possível, é um domínio em que a conjugação tem razão de ser, em que o tratamento em número autónomo também poderia ter razão de ser. Em todo o caso, creio que é uma questão de pormenor susceptível de ser dirimida em momento ulterior. Quanto à associação entre ciência e tecnologia, é evidentemente positiva, e longe de nós contrariá-la. Não encontramos nenhuma razão para, ponderados os aspectos de carácter técnico que eventualmente se suscitem, não corroborar um enriquecimento constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já foi dito - e naturalmente isso tem a nossa concordância - que a proposta do CDS empobrece gravemente o actual texto constitucional sem que se divisem razões para isso.

No que diz respeito à proposta do PS, ela traduz-se - como aconteceu relativamente ao artigo anterior - na substituição da expressão "organizações populares de base" por "organizações de moradores". Foi então dito - e com isto o Sr. Presidente abriu uma discussão que não continuou, mas naturalmente terá de continuar noutra oportunidade - que isso se relacionava com o propósito do PS de alterar o próprio artigo 290.° na parte em que estabelece como limite material da revisão constitucional as organizações populares de base. Naturalmente que esta questão ficará em aberto, mas teremos de voltar a ela. A própria justificação no sentido de que as organizações populares de base são apenas associações de moradores não me parece suficiente para justificar a substituição da expressão. No fundo, trata-se da mesma coisa mudando apenas o nome e, portanto, estaria em causa tão só - para não cumprir ou para alterar um limite material de revisão - uma mudança de designação.

Em relação ao projecto do PSD, naturalmente que o acrescento da expressão "associações e fundações de fins culturais" é positivo e também o acrescento da expressão "inovação tecnológica" merece, em princípio, o nosso acolhimento. Fica, porém, em aberto a questão da localização sistemática da norma, se aqui ou noutro local. Mas que se trata de alterações que acolhemos - e creio que são estas as duas únicas que se verificam - parece-nos evidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães não está para justificar o artigo 73.° que o PCP propõe e para nos informar sobre a relação entre este artigo 73.° e ...

Pausa.

Mas o Sr. Deputado acaba de dar entrada na sala.

Sr. Deputado José Magalhães, é sabido que o PCP propôs um novo artigo 73.° e eu não vejo bem - pelo menos os textos aqui não esclarecem - qual a relação entre o actual artigo 73.° e o novo artigo 73.° O novo artigo 73.º pretende que "o Estado assegura o ensino, uso obrigatório, valorização permanente e difusão internacional dá língua portuguesa, estabelecendo para o efeito especial cooperação com os países de expressão oficial portuguesa". Isto deve ser aproximado do n.º 10 do artigo 38.°, onde também se propõe algo de semelhante, mas para os meios de comunicação social. Pedia-lhe o favor, sobretudo, de esclarecer o que é que quer significar por "uso obrigatório". Se eu disser, por exemplo, tout court, se eu disser avant la lettre, sou preso ou como é?! Gostava de saber bem qual é o seu entendimento nesta matéria.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Esse é o déjà vu!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é proposta que está mal qualificada; o artigo em epígrafe é o artigo 73.º-A, como de resto menciona o projecto de revisão no seu articulado originário. Sofre, assim, de galha. O respectivo preâmbulo, de resto, descreve este preceito como um dos que se preocupam realmente com algumas coisas que têm a ver com a defesa daquilo que - não numa óptica serodiamente nacionalista, mas de defesa do País como tal - é relevante. Não é por acaso que incluímos também uma norma relativa à Bandeira Nacional e não é, ainda por acaso, que incluímos uma norma relativa à defesa da identidade cultural portuguesa e da própria língua portuguesa, no que diz respeito aos audiovisuais. Esta norma visa inevitavelmente dar resposta - dentro dos limites constitucionais de concisão e de limitação de conteúdo - a uma situação e a um problema real, quanto a nós susceptível de merecer um consenso, não só em sede de revisão constitucional, mas, neste momento, em sede de revisão constitucional. Nenhuma dúvida sobrará sobre a importância de que se reveste não só o ensino, como a valorização permanente e a difusão da língua portuguesa, Estes aspectos são contemplados no preceito cuja consagração propomos.

Não creio que haja qualquer dúvida quanto ao alcance deste preceito no que diz respeito ao ensino e à valorização permanente. A língua como realidade viva deve comportar um processo de transmutação, de valorização e de actualização que tem de ter um cunho contínuo e que inevitavelmente o tem no bom ou no mau sentido. O que imporia é que esse processo de mutação se opere no sentido de uma valorização, isto é, de um enriquecimento, não de um aditamento puro ou desnaturador - aditamento que neste caso chamaria de "impuro", mais propriamente. O que importa é a valorização da língua.

Quanto à difusão internacional, está no nosso espírito aquilo que tem sido excessivamente a penúria dessa difusão, isto é, a falta de esforços no sentido de assegurar uma adequada difusão internacional da língua portuguesa. Sabe-se que isso só pode resultar da conjugação de uma série de factores: deveria ser uma componente relevante na política externa portuguesa, exigiria uma grande conjugação de esforços e de meios, situa-se em múltiplas instâncias e não apenas numa. Em todo o caso, a Constituição neste ponto não há-de poder senão ser económica e aludir a um conceito, qual seja o de difusão internacional. Quanto à questão da forma como se pode efectivar essa difusão internacional, é bom de ver que a cooperação com os países de expressão oficial portuguesa é relevante, por isso nos preocupámos em referi-la. O exemplo não inteiramente esquecido do malogrado acordo ortográfico e de todas as infelizes peripécias que a ele estiveram associadas, a necessidade de não esquecer essas peripécias, mas de extrair lições desse processo - que foi conduzido, de resto, como

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os Srs. Deputados se lembram, à margem, inteiramente, da Assembleia da República, sem nunca a ela ter chegado, tendo-se gorado a própria formalização de um texto inicial que permitisse o arranque de um debate parlamentar sobre isto -, tudo isso pesou na nossa proposta de aditar à Constituição alguma coisa que signifique a definição de um enquadramento e de uma meta. Apenas disso se trata.

Quanto à questão que fascinava o Sr. Deputado Almeida Santos, et pour cause - uma vez que se preocupa bastante com a utilização prolífica de expressões e, realmente, o idioma português, sendo casa sua, não lhe basta, o que não me parece, em sim mesmo, um pecado - a preocupação do PCP é de assegurar que haja, também em relação ao uso, alguma defesa da língua portuguesa, instituindo, com carácter obrigatório, o seu uso para determinadas finalidades, desde logo para todas as finalidades oficiais. Não por acaso -e também aqui não inovamos excessivamente - tem havido a preocupação, por vezes insuficiente, e em certas áreas excessivamente ausente, de tornar obrigatória, por exemplo, a tradução, designadamente, de tudo aquilo que diga respeito a produtos de carácter comercial e industrial que devam ser utilizados por portugueses. É evidente que aqui se colocam preocupações de defesa dos consumidores, e não apenas de defesa da língua como tal, mas a preocupação de tornar obrigatório o uso da língua -por um lado, em todos os documentos oficiais; por outro, em relação àquilo que são formas de expressão corrente de anúncio público, de uso público da língua, designadamente para efeitos de carácter económico - parece relevante.

Creio que num país em que se tem vindo a verificar a multiplicação do uso de expressões estrangeiras, incluindo para efeitos económicos e comerciais, e em que, sobretudo em determinadas regiões, como, por exemplo, o Algarve, se assiste ao crescente uso público de sinais, "sinalefas", tabuletas e "tabuleiros", em que a língua utilizada é, as mais das vezes, outra que não a portuguesa, a nossa proposta é um alerta importante para a necessidade de "arrepiar" caminho.

O Sr. Presidente: - Portanto, a dobragem de filmes passaria a ser obrigatória!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a proposta não é suficientemente específica para que dela se logre uma conclusão tão proibitiva. Aludir-se ao uso obrigatório como meio de defesa não implica uma tão grande medida de garantia que implique a proscrição ou proibição do uso de idiomas estrangeiros, e designadamente o uso de idiomas estrangeiros em filmes ou outras formas de expressão artística.

O Sr. Presidente: - Quer dizer, no sentido de defesa do uso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Preocupa-nos apenas o incremento, a garantia -e garantia, em certos casos, com carácter absolutamente obrigatório e insubstituível. Estou a pensar, por exemplo, em relação aos produtos comerciais e industriais, aos anúncios públicos, às expressões publicadas em contratos celebrados pelo Estado Português e que vinculam a Administração Portuguesa. Nestes casos tem de haver uma tradução portuguesa oficial, tem de haver expressões portuguesas que exprimam conceitos e termos novos com rigor e com adequada renovação, se necessária (designadamente através de neologismos - coisa que não é obviamente proibida, mas, pelo contrário, é adequada). No momento em que há inovações - designadamente decorrentes dos desenvolvimentos científicos, tecnológicos, etc.-, a inovação linguística é inevitável. Em todo o caso, a norma proposta contém-se dentro de limites de grande economia e bem nos pareceria bastante positivo que se pudesse estabelecer em torno dela algum consenso.

Sr. Presidente, eu pedia que V. Exa. concedesse a palavra ao meu camarada Jorge Lemos no sentido de, em relação a isto, fornecer informações e observações complementares, dado que a proposta foi elaborada tendo particularmente em conta certas iniciativas que nós próprios desenvolvemos no âmbito da Assembleia da República, noutra sede.

O Sr. Presidente: - Com surpresa minha, o Sr. Deputado José Magalhães deixou sem resposta uma das questões que lhe coloquei. Na verdade, eu disse que este artigo devia ser aproximado do n.° 10 do artigo 38.° Perguntava-lhe agora, mais concretamente, se não poderíamos poupar um deles? Já a propósito dele manifestei a minha opinião pessoal de que gostaria de ver na Constituição - não sei concretamente em que lugar, mas depois se veria - uma defesa da língua, até agora não feita em termos expressos, para ver se qualquer dia passamos a falar um pouco melhor o português. Penso, por conseguinte, que seria de facto útil alguma orientação constitucional nesse sentido. Mas, quando deparamos com duas defesas do mesmo valor, uma genérica e outra num sector específico, talvez se pudesse evitar uma das referências.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu não me tinha apercebido que essa questão tinha sido colocada. Em todo o caso, respondo-lhe gostosamente, embora a escolha que me coloca seja entre saber se devo cortar o dedo esquerdo ou o dedo direito. Neste caso concreto a nossa preocupação é comum, isto é, de que se consagre uma cláusula de defesa da língua portuguesa. Esta sede parece correcta.

O Sr. Presidente: - Nós podemos ter seis dedos ou continuar só com cinco!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Se o Sr. Presidente entende o artigo 38.º, n.º 10, proposto pelo PCP, como "o sexto dedo", devo dizer que foi com alguma utilidade e vantagens que o senhor nos forneceu esse "sexto dedo".

Mas, já que não foi esse o desígnio divino, e sendo certo que a nossa aucioritas nesta matéria é mais terrena, eu colocaria a questão nos seguintes termos: é evidente que para nós a disposição matriz em relação à defesa da língua portuguesa é o artigo 63.°-A. Parece-nos que é em sede de educação e cultura que a questão se coloca. A colocação da norma nesta sede ...

O Sr. Presidente: - Nomeadamente nos meios de comunicação social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente. A colocação da norma nesta sede não exclui explicitações, designadamente quanto à preocupação que nos merece a questão do tratamento e da utilização da língua portuguesa nos áudio-visuais.

Em todo o caso, não temos nenhuma posição determinante em relação a este ponto a não ser esta: a ideia de que seria um bom contributo o facto de se aditar algo à Constituição, e que esse algo fosse inserido na arquitectura

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constitucional respeitante à democratização da educação e da cultura, uma vez que isto é temática que se prende com a própria identidade cultural do País.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, dê à língua o que é da língua!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer apenas dois aditamentos ao que foi dito.

Primeiramente, gostaria de referenciar que a nossa proposta relativamente ao n.° 10 do artigo 38.° se circunscreve a uma realidade bastante específica. Trata-se de assegurar que no nosso país a invasão, designadamente do satélite, não venha prejudicar a boa utilização do português, e é possível tomar algumas medidas nesse campo. Aliás, temo-las reivindicado.

A segunda nota prende-se com algum desenvolvimento do artigo 73.º, o artigo 73.°-A, que de algum modo já foi desenvolvido em projecto de lei por nós apresentado na Assembleia da República, apesar de não estar ainda consagrado constitucionalmente. Esse projecto de lei, cuja apresentação se verificou já na anterior legislatura, mereceu um parecer unânime dos vários partidos representados na Assembleia. Na altura moviam-nos duas vertentes: a vertente da publicidade, ou seja, por um lado, dar algumas garantias a que os nossos meios áudio-visuais não fossem confrontados com publicidade em língua inglesa, espanhola, etc., o que prejudicaria legítimos interesses nacionais, nomeadamente o nosso mercado publicitário. Por outro lado, visava-se assegurar que, em termos oficiais, se encontrassem formulações para palavras em relação às quais normalmente se utiliza o inglês. Entendemos que é tempo de a língua portuguesa se enriquecer e encontrar as necessárias formulações para ter a adequada expressão, designadamente em termos da nova linguagem informática.

A inscrição deste artigo nesta sede, como já foi referido pelo meu colega José Magalhães, daria, na nossa óptica, dignidade a este grande objectivo do Estado Português como um direito cultural. Deve-se dignificar a língua portuguesa, abordando-a não apenas como um apport - já estou eu a utilizar um estrangeirismo, e isto e que deve ser corrigido - ...

O Sr. António Vitorino (PS): - Um "aporto"!

O Sr. Presidente: - Um contributo!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -... um "aporto", não apenas nos termos do artigo 38.°, em que se fala da liberdade de imprensa, dos meios de comunicação, etc., mas entendendo-se dignificar a referencia à própria língua portuguesa e à sua defesa neste artigo da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, gostaria de lhe fazer uma pergunta em função do que acabou de dizer. Não sei se o fez inadvertidamente ou não, mas de qualquer maneira lançou alguma confusão no meu espírito.

Se, por um lado, o PSD tem alguma concordância em que a língua e a sua utilização devam ser defendidas e salvaguardadas, por outro, evidentemente que não podemos proibir o que é insusceptível de proibição, e temos de nos seguir por uma medida justa na apreciação de todas estas situações.

Em certo momento da sua intervenção, o Sr. Deputado disse, por outras palavras, o seguinte: que em virtude da possibilidade de emissões por satélite para o nosso país a língua portuguesa poderia vir a ser ofendida. Isso quer dizer o quê? Significa que se pretenderia, na vossa óptica, exigir que as emissões e programas via satélite para Portugal deveriam ser todos feitos em português? Esta é a questão concreta que lhe colocaria.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado, não é esse o sentido da nossa proposta. Ela visa que sejam adoptadas as medidas por quem de direito para que a língua portuguesa também possa começar a circular no mundo do satélite.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (TD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Partilhamos das preocupações que estão na base da proposta de aditamento apresentada pelo PCP.

Na realidade, a situação actual no que respeita ao tratamento da língua portuguesa exigiria que fosse feito algo no sentido de a defender. E parece-nos que as medidas aqui sugeridas não colidem com a proposta, já mencionada, relativa ao n.° 10 do artigo 38.°, visto que, se esta diz apenas respeito aos meios áudio-visuais, a proposta em apreço visa que o Estado assegure o ensino, uso obrigatório, valorização e difusão internacional da língua portuguesa ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, poderíamos acrescentar, onde está "duplicação da defesa do mesmo valor", a expressão "nomeadamente nos meios áudio-visuais". isto para evitarmos dois dispositivos sobre a mesma maioria.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, como esclarecimento resultante do debate que até agora ocorreu, o qual permitiu melhor clarificar o sentido da proposta apresentada, e verificando-se silencio por parte das restantes bancadas no mesmo sentido, pensamos que a proposta em causa é positiva e digna de aceitação, na medida em que reflecte um valor essencial do nosso país que é a língua portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, circunstâncias derivadas do trabalho parlamentar impediram-me de estar aqui na altura em que se iniciou o debate acerca deste preceito, em relação ao qual atina particularmente a minha intervenção.

Não gostaria de repetir argumentos que eventualmente terão sido já produzidos, sobretudo pelos meus camaradas Jorge Lemos e José Magalhães. Ainda assim, atrever-me-ia a chamar à colação uns quantos aspectos que, julgo, devem ser realçados para se ter bem a noção do quadro concreto em que se move a norma subscrita pelos deputados do PCP.

Na verdade, temos verificado com mágoa e, mais do que isso, com alguma indignação, que hoje, nomeadamente nos países africanos de expressão portuguesa, perde terreno, dia após dia, a capacidade, por um lado, sedutora, e, por outro, de penetração apoiada da língua portuguesa.

Assim é na Guiné-Bissau, em que o avanço da expressão francesa e tudo o que com ela se prende, desde logo os

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valores de cultura, são de molde a deixar-nos profundamente inquietos. E assim é mercê também da inacção e dos erros do Estado em relação a outros países africanos de expressão portuguesa, designadamente Angola.

O que é que se pode fazer neste tocante, ademais tendo em conta que, um pouco por todo o mundo, nos vários continentes, ficou a marca do que fomos, da nossa cultura, do nosso trajecto vivencial ou, como alguns gostam de dizer, da nossa diáspora? Que fazer quanto a esta matéria, tendo em vista, no âmbito da revisão constitucional, uma injunção do Estado e a concatenação para obrigações estatais de certos eixos de política que levem a que dos discursos que todos produzimos, com maior ou menor ênfase, em instâncias mais ou menos formais, se passe a acções capazes de cimentar a perpectuidade da língua, a sua adequada renovabilidade e a sua livre expressão?

Pensamos nós que o Estado deverá incrementar profundamente, entre outras, as iniciativas, hoje ainda incipientes, no domínio do ensino da língua portuguesa, e que deverá ter em conta que tal imposição não se referencia apenas ao universo português e ao mundo da escolaridade obrigatória, mas, acima de tudo, a um universo que não é o português, a celebração de pactos de cooperação e as modalidades contratuais de direito as mais variadas, por forma a permeabilizar uma presença mais reiterada e mais dinâmica daqueles que são os valores que a nossa língua veicula.

Não direi, como Fernando Pessoa, que a minha pátria é a língua portuguesa, até porque o enunciado é passível de algumas subversões, restrições e entendimentos que não partilho, mas afirmo que uma das mais vivas expressões da identidade nacional fulge no uso da língua que é a nossa.

Ora, incumbindo ao Estado o conjunto de tarefas elementares que aí conseguimos rastrear e dispor, de um ponto de vista normativo, deve-lhe também compelir, desde logo, actuar segundo um eixo primordial, primacial, uma preferência na relação com os países africanos de expressão portuguesa.

Isso é o que consta da parte final do texto que vos foi proposto, o qual julgo ser suficientemente equilibrado para acautelar o núcleo essencial do que pretendemos proteger, sem dar de barato a solução de alguns intrincados problemas, do género daquele que há pouco o deputado Carlos Encarnação levantou, ao qual o meu camarada Jorge Lemos respondeu devidamente, e que, a todo o tempo, poderão surgir, mas que deverão, obviamente, ter em sede legal o tratamento adequado.

Penso, pois, que se justifica, de todo em todo, para além do discurso que produzimos, talvez com uma discreta carga emblemática, como diria o Sr. Presidente Almeida Santos, apesar de tudo bem-vinda, que aqui se constitucionalize este princípio, que a todos nós se deve impor como verdadeiro imperativo nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sinceramente não sei se o local apropriado é este. Tenho dúvidas quanto a isso, mas, em meu entender, o valor em questão dever ser consagrado.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - A minha intervenção vai exactamente nesse sentido. Não tenho dúvidas acerca da consagração do valor em causa, mas, se o PCP está, e bem, preocupado com o que se passa nos países de língua oficial portuguesa (PALOPs), o que perguntaria é o seguinte: por que é que o PCP não colocou esta questão em sede do artigo 9.°? Por outras palavras, pergunto se não faria muito mais sentido, se realmente são essas as razões de ser da vossa proposta, inserir esta temática em sede do artigo 9.° e não neste artigo 74.°-A.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Pela minha parte estou disponível para considerar isso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do artigo 74.° ("Ensino").

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, permitamos que interrompamos durante dez minutos, pois há colegas nossos que necessitam de retemperar forças. Não é o nosso caso, mas para não serem sempre os mesmos a solicitarem um intervalo assumimos agora o ónus de o fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos então interromper, mas peço-lhes que sejam breves e que não ultrapassemos os dez minutos de intervalo.

Está suspensa a reunião.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Está reaberta a reunião.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, a proposta apresentada pelo CDS quanto ao artigo 74.° vai no sentido de substituir o actual n.° 2, cuja redacção não é, de facto, feliz, e que é a seguinte:

O ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais.

Eis uma forma retorcida de dizer uma coisa simples! O CDS contrapõe a seguinte redacção:

O ensino deve habilitar a participar efectivamente numa sociedade livre e a promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de colaboração entre os cidadãos.

Ele propõe algo que não tem nada a ver com aquele texto. Quanto à alínea e) do n.° 3 deste artigo, a qual estabelece "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino", propõe o CDS que se criem "condições, designadamente de carácter económico, que permitam o acesso a todos os graus de ensino".

O PCP propõe um novo n.º 4 para este artigo 74.º, não alterando os números anteriores, no sentido de que "o Estado promove as medidas necessárias à eliminação das condições económicas, sociais e culturais que conduzam à utilização ilegal do trabalho de menores, assegurando a todos o cumprimento da escolaridade obrigatória".

O PS propõe a substituição do actual texto do n.° 2 por um outro em que se diga que "o ensino deve contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais", ou seja, a afirmação, por forma directa e clara, daquilo que no actual n.° 2 se diz de forma enviesada e complexa.

O PSD propõe a eliminação do n.º 2 do artigo 74.°, bem como da alínea é) do n.º 3 relativa à gratuitidade dos graus de ensino.

O partido Os Verdes propõe dois números novos: um n.° 4, que refere que "a educação cívica fará parte dos programas escolares e incluirá a difusão da Constituição e dos símbolos nacionais e de legislação fundamental da

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República", e um n.° 5, no sentido de que "os programas escolares devem assegurar a educação sexual dos jovens e a sua sensibilização para a defesa do ambiente, da paz e da amizade entre os povos.

Srs. Deputados, o CDS não se encontra presente para justificar a sua proposta; dou por justificada a proposta apresentada pelo meu partido.

Pretenderá o PCP justificar a sua?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tivemos ocasião de discutir em parte a proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP. Quando debatemos a matéria laboral da Constituição, e a propósito de uma proposta apresentada peia ID, foi opinião de diversas bancadas, designadamente da do PSD, que a inclusão de uma norma sobre a problemática da utilização ilegal do trabalho de menores poderia ter justificação, sendo a sede mais aconselhável para esse efeito a Constituição, na parte em que se equacionam os problemas da educação e da cultura.

Assim sendo, esta é uma sede correcta para se equacionar a questão em causa. A preocupação no enfoque que utilizámos foi a de fixar uma directriz no sentido de serem adoptados esforços que ataquem as próprias condições económicas, sociais e culturais que conduzem à utilização ilegal do trabalho de menores, na óptica de a todos permitir o cumprimento atempado da escolaridade obrigatória.

Trata-se aqui, portanto, de um norma que dá alguma nota de circunstâncias que hoje em dia assumem uma particular gravidade na sociedade portuguesa. Sendo reconhecidamente um flagelo, devem, desejavelmente, deixar de o ser. O que é normal, e correcto, é que a todos seja assegurada a possibilidade de cumprirem a escolaridade obrigatória. Ninguém deve poder recorrer ao trabalho de menores em condições que legitimem um juízo de exploração, de violação de direitos e de lesão do interesse das crianças ao pleno desenvolvimento, sem restrições e coacções.

Esta é a ideia que presidiu à redacção que apresentamos. Essa redacção, insisto, é aberta no sentido exacto de estarmos disponíveis para considerar formulações que aperfeiçoem aquilo que sejam eventuais inconvenientes do texto originariamente proposto.

A Constituição não deveria deixar de incluir uma palavra adicional em relação àquilo que é o seu conteúdo, que já não é neste momento indiferente à problemática que agora nos ocupa. No entanto, entre o conteúdo constitucional presente e aquele que propomos vai o espaço de um aperfeiçoamento, e é esse espaço que propomos que seja transposto através da conjugação de esforços necessários para esse efeito.

O Sr. Presidente: - O PSD pretenderá justificar a sua proposta de eliminação do n.° 2 e da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.°?

Pausa.

Tem a palavra a Sr.1 Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A eliminação do n.° 2, proposta pelo PSD, deve ser enquadrada na própria história do n.° 2 relativamente a todos os processos, quer de revisão constitucional, quer da própria formulação inicial da Constituição na redacção que ela teve em 1976.

Quando o n.° 2 dispõe que "o ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais", não deve prescindir-se neste momento da lembrança e de chamar à colação a fórmula que lhe correspondia antes da primeira revisão constitucional e que referia que "o Estado deve modificar o ensino de forma a superar a sua função conservadora de divisão social do trabalho".

Parece-nos que a fórmula contida no n.° 2 após a primeira revisão constitucional corresponde a uma tentativa de afastamento daquilo que a sua redacção inicial comportava de exagero obsessivo em relação a uma certa dimensão terminológica de fórmulas marxistas, que deixaram de fazer sentido num quadro menos revolucionário e mais estabilizado do ponto de vista da política democrática. O que o PSD entende é que esta alternativa é, em si, uma alternativa encontrada à falta de outras, mas que nem por isso logrou conseguir uma redacção que faça sentido no quadro de todas as disposições constitucionais e que acautele a igualdade de oportunidades em matéria de ensino.

De facto, o n.º 2 tem na sua redacção, antes da sua primeira revisão e ainda depois dela, uma preocupação militante que escapa, de certo modo, à crença noutras disposições constitucionais que acautelam já a democratização do ensino e a igualdade de oportunidades. Por exemplo, o artigo 13.° consagra inequivocamente um direito à não discriminação e uma igualdade real. O próprio n.° 1 do artigo 70.° tem, no seu corpo, uma chamada para a protecção especial dos jovens trabalhadores em matéria de juventude e refere na alínea a) o acesso ao ensino. Além disso há outras disposições constitucionais que garantem de facto uma igualdade real na sequência do disposto no artigo 13.° O projecto de eliminação do n.° 2 da autoria do PSD não pode realmente deixar de se ligar ao projecto de alteração do artigo 76.°, n.º 1, no que diz respeito à universidade. De facto, o PSD tem aí uma redacção alternativa à fórmula actuai da Constituição, quando faz uma referência muito clara à democratização do sistema do ensino e à garantia de igualdade de oportunidades.

Assim, fazendo esta ligação do n.° 2 tanto com o conjunto das disposições constitucionais que acautelam o princípio da igualdade como com o nosso projecto, no que diz respeito ao n.° 1 do artigo 76.°, parece-nos que se deve prescindir desta fórmula, que não foi mais do que uma fórmula que deu alguma saciedade a certos desideratos militantes que resultam do período pós-revolucionário e que são desnecessários do ponto de vista jurídico e de uma garantia real da igualdade.

Relativamente à alínea e), poderia à partida parecer um tanto ou quanto estranho que o PSD eliminasse a alínea e), mas parece-me que uma explicação suficiente, ou pelo menos com pretensão a isso, acabarei por dar em nome do meu partido. Quando a alínea e) estabelece que o Estado, na realização da política de ensino, deve estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, o PSD não poderia admitir esta fórmula, porquanto ao lado do ensino público obrigatório e gratuito, nos termos da alínea a), nós admitimos expressamente, e como afirmação de princípio, a alternativa do ensino cooperativo e do ensino particular. E desta vez já não com a consagração tímida que tem na versão da Constituição que ora está a ser revista, quando o artigo 75.° consagra de modo tímido o ensino cooperativo e particular, no sentido de que o ensino particular não tem aí uma consagração expressa, tal como

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tinha o ensino público. Havia, portanto, uma fórmula menos clara no sentido da consagração do ensino particular do que acontecia em relação ao ensino público. Entendemos que esta gratuitidade em todos os graus de ensino tem a ver com uma certa omnipresença do ensino público na versão que a Constituição ainda tem. O PSD entende que a gratuitidade como forma absoluta não é compatível com as margens de escolha que no nosso projecto se consagram em matéria de ensino e com o modo claro como com isso pretendemos alcançar também o ensino particular.

Mas há ainda outra razão pela qual a eliminação da alínea e) não nos deixa cuidados em matéria de política social do Estado - e não deixa cuidados porque a alínea d) do n.º 3 não é uma alínea arredada da Constituição pelo PSD; há de facto um sentido de assegurar um ensino básico, universal e gratuito, e entendemos que esta alínea tem uma densidade preceptiva superior às outras alíneas e até uma carga de obrigatoriedade extraordinária, neste contexto das garantias dos direitos económicos, sociais e culturais. Por estas razões, eliminamos a alínea e), sem com isso, como digo, pretender diminuir o alcance da própria alínea a) do n.º 3.

O Sr. Presidente: - Não está cá o PEV para justificar a sua proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Queria fazer um pedido de esclarecimento à Sra. Deputada Assunção Esteves, no sentido de perceber melhor o que foi dito pelo PSD e tentar compreender se em sede de revisão constitucional o PSD tem um discurso e em sede de prática governativa o PSD se pretende apresentar com um discurso diferente. O actual conteúdo do n.º 2 está praticamente reproduzido em qualquer discurso do actual titular do Ministério da Educação. Se V. Exa. tiver o cuidado de ler os discursos do Ministro Roberto Carneiro, verificará que uma das tónicas que ele vem usando na palavra governativa é, precisamente, acentuar este aspecto de que se deverão introduzir modificações no ensino de modo que possa ser superada qualquer função conservadora de desigualdades económicas e sociais.

A Sra. Deputada tem certamente presente o que se passou com o ensino liceal e o ensino técnico, tem presente o avanço que se verificou com a unificação do sistema de ensino e com a consagração legal dos nove anos de escolaridade obrigatória. A consagração em termos de lei destes princípios veio desenvolver este dispositivo constitucional. Aliás, sobre esta matéria é das primeiras vezes que eu ouço o PSD dizer que não pode admitir - nós sabemos que o PSD não pode admitir - a Constituição em geral, mas, enfim, o PSD tem o peso que tem e a Constituição não é do PSD, é dos Portugueses.

O mesmo lhe diria em relação à alínea e), e a explicação que a Sr.1 Deputada encontrou para justificar a proposta em que o PSD propõe a respectiva eliminação. Refere a Sr.* Deputada que o facto de a Constituição dizer que devem ser criadas condições para estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino significaria pôr em causa o ensino particular. Não vejo, sinceramente, de que modo é que a Sra. Deputada pode interpretar o texto nesse sentido. A problemática do ensino particular é tratada noutra sede, e obviamente que não pode ler aqui, a não ser que tresleia o que aqui está. Tem de ficar claro aquilo que a Sra. Deputada pretende dizer, a não ser, repito, que queira dizer que com esta disposição, que existe, estamos de algum modo a pôr em causa, por exemplo, o ensino particular a nível do terminal do ensino secundário ou mesmo do ensino superior. O texto que está consagrado na Constituição é positivo; penso mesmo que é um objectivo que consta da generalidade dos manifestos e dos programas dos partidos políticos aquele de se ir avançando no sentido de se irem tornando gratuitos os mais elevados níveis de ensino. O desaparecimento desta referência constitucional pode levará uma outra conclusão, como seja a de que a Sra. Deputada Assunção Esteves esteja a defender o encarecimento ou esteja a encarar o encarecimento dos diversos graus de ensino. Fico preocupado quando vejo o Ministro da Educação andar a anunciar, por exemplo, o aumento das propinas no ensino superior. Ora, se eu juntar a eliminação desta expressão, como propõe o PSD, com o discurso governativo quanto à. progressiva aproximação dos custos da escola aos custos reais, talvez se perceba melhor o que o PSD verdadeiramente pretende, que é de facto uma escola para ricos. Os ricos terão acesso à escola porque podem pagar a frequência da escola e os pobres, como não têm possibilidade de pagar, porque a escola é cara, ficarão à porta.

É necessário que o PSD clarifique estes seus pontos de vista, porquanto, a não o fazer, das duas uma: ou a Sra. Deputada Assunção Esteves, em relação ao n.° 2 nomeadamente, está a assumir a posição oficial do PSD, donde o discurso o Ministro Roberto Carneiro não tem nada a ver com o PSD nem com o vosso governo, é um equívoco, ou, ao contrário, quem vale é o Ministro Roberto Carneiro, e a Sra. Deputada está equivocada ao defender a eliminação do n.° 2. É bom que nos entendamos; dois discursos, um para a CERC, outro para agradar ao público, é que não nos parece o mais aceitável.

O Sr. Presidente: - A Sra. Deputada dá a resposta, se quiser.

A Sra. Maria Assunção Esteves (PSD): - Eu responderia ao Sr. Deputado Jorge Lemos, relativamente a esta alínea, no seguinte sentido: entendo que qualquer disposição, seja ela constitucional ou não, não tem apenas uma função de obrigar ou desobrigar, tem uma função de traduzir uma certa realidade e de a não distorcer. Quando a alínea é) refere "estabelecer a gratuitidade de todos os graus de ensino", incorre-se no risco de não estar efectivamente a considerar a realidade ensino particular, ou então estar a desconsiderá-la, o que é muito mais grave, porquanto o artigo 74.° impõe ao Estado, e o Estado é o destinatário directo, é o sujeito passivo directo desta norma, um conjunto de prestações que passariam a ser impostas aos entes privados em matéria de ensino. Isso parece-me uma distorção de um conjunto de princípios, que, entendo, ninguém quer ver de certo modo subvertido e, mais, pode até fazer incorrer na interpretação de que, a ser gratuito o ensino particular, isso iria levar na realidade à criação de um sistema de subsídios obrigatórios do Estado ao ensino particular para efeitos de gratuitidade de ensino, o que criaria efeitos perversos, ou então não teria em conta outra dimensão do ensino, que é a dimensão particular, no sentido de a alínea é) não traduzir realmente todas as possibilidades que há, desde as gratuitas às não gratuitas, e tendo por base o ensino público ou a alternativa ensino particular. É só isso.

O Sr. Presidente: - Alguém quer usar da palavra? Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tentarei ser o mais breve possível.

Creio que, em termos do artigo 74.°, foi possível,. consagrar em termos constitucionais - e penso que há um grande consenso sobre a matéria- alguns princípios quanto ao direito ao ensino, não apenas como o direito da frequência escolar, mas também como o direito do sucesso na escola. Este é um dos aspectos essenciais da Constituição da República Portuguesa que não vejo questionado por ninguém e, aliás, está desenvolvido em lei da República. Se estão ou não a ser tomadas as medidas a dar cumprimento a este preceito constitucional, essa é outra matéria. Do nosso ponto de vista, estamos longe de estarem a ser adoptadas as necessárias medidas.

Diríamos que, do nosso ponto de vista, a manutenção do n.º 2 justifica-se plenamente, porquanto se mantêm na sociedade portuguesa e têm vindo a agravar-se nos últimos tempos as desigualdades económicas, sociais e culturais. Não e por acaso, por exemplo, que se verifica que na juventude portuguesa começa a surgir uma faixa de jovens entre os 18 e os 20 anos que reiniciam a frequência de cursos de alfabetização. Ora, a escola tem de ter uma intervenção positiva, para que, através da unificação dos conteúdos educativos, da abertura da escola à vida, da abertura da escola ao meio, possa contribuir para reduzir as desigualdades. A escola não resolve, obviamente, as desigualdades sociais, económicas e culturais, mas pode dar um contributo muito positivo nesse sentido, e daí nós entendermos que o n.°2 se justifica plenamente.

A nossa proposta quanto ao n.º 4 está defendida. Diria apenas, para concluir, que não nos parece que a argumentação aqui apresentada pela Sra. Deputada Assunção Esteves relativamente à eliminação da alínea e) tenha qualquer cabimento nesta sede. Estamos aqui a falar de grandes princípios que vinculam o Estado e as escolas públicas no essencial. Pela mesma ordem de razões, V. Exa. poderia dizer que poríamos em causa o ensino particular, uma vez que tínhamos que cabe ao Estado assegurar o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito, e nesses níveis não há também ensino particular, e que estamos a acabar com escolas particulares ao nível do ensino básico universal e gratuito. Pela sua argumentação íamos muito longe, Sra. Deputada. O que está em causa neste momento tem a ver com o proémio do n.º 3, que refere que "na realização da política de ensino incumbe ao Estado", portanto aos poderes públicos, "assegurar ou estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino". Chamo a atenção para a incoerência da argumentação de V. Exa. 8, que, em relação a determinados dispositivos de outras alíneas deste artigo, levaria a tornar totalmente impossível a existência do ensino particular em Portugal. Essa argumentação volta-se contra V. Exa. Creio que a vossa proposta é outra e a argumentação não deve ser bem essa; devem rememorar a argumentação, porque essa é anti-PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, queria fazer-lhe uma pergunta - na área do bom senso, quanto mais não seja.

É evidente que o preceito que está vertido na Constituição, designadamente a alínea e) do n.° 3, contém uma máxima, um desiderato tendencial. Só que a questão que quanto a nós se põe é esta - e falo em nome pessoal em

relação a isto -, e posso colocar-lhe esta dúvida que gostaria de transformar numa pergunta dirigida a V. Exa. se este desiderato é em si mesmo um factor de igualdade, ou, melhor, e mais concretamente, se este desiderato em termos de igualdade é essencialmente legítimo para o Estado, ou, ainda melhor, se este desiderato, sendo tendencialmente legítimo, é praticável, é desejável e é aconselhável do ponto de vista do Estado. Isto porque o grande problema que se nos coloca é saber se nós queremos que cidadãos possidentes e não possidentes paguem o mesmo pelo ensino. Se V. Exa. quer que realmente uma norma deste tipo ou um desiderato deste tipo esteja vertido na Constituição, tem já qualquer coisa deste género ou poderia ter qualquer coisa de muito pior. Se não quiser, então garante o que garante o articulado do projecto do PSD, designadamente a alínea d), que já está neste artigo, e quanto a nós cumpre essa função, que é assegurar a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino, de investigação científica, é a criação da igualdade de oportunidades e não o princípio genérico, a meu ver completamente despido de bom senso, de assegurar por esta forma uma coisa que não deve ser assegurada quanto a nós.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Queria fazer uma pergunta do mesmo teor ao Sr. Deputado Jorge Lemos que desenvolve alguns destes considerandos e que provavelmente dará oportunidade a irem um pouco mais longe na análise da posição do PSD sobre esta matéria.

Coloco-lhe a seguinte questão: partindo do pressuposto de que nem sempre a gratuitidade assegura a justiça social e sabendo-se que a esmagadora maioria, em termos percentuais, dos estudantes do ensino superior são oriundos de um pequeno estrato da sociedade portuguesa, ou seja, que a esmagadora maioria dos filhos dos trabalhadores, das pessoas que trabalham por conta de outrem, não tem acesso ao ensino universitário, não lhe parece que, por exemplo, a gratuitidade do ensino universitário constituirá uma forma de injustiça social, na medida em que uma grande maioria das pessoas que trabalham iriam pagar o ensino de uma grande maioria de estudantes que o poderiam, eles próprios, pagar por valores mais próximos do seu justo preço? Não lhe parece que a afirmação de gratuitidade implicará que o Estado possa corrigir esta situação através de uma política de concessão de bolsas de estudo que garanta efectivamente a alínea d) do n.° 3 do artigo 74.°? Ou seja, não haverá por de trás da reinvindicação de gratuitidade para todos os graus de ensino a manutenção de uma situação de injustiça social mais grave do que aquela que o artigo pretende suprir?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para responder.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tentarei corresponder ao bom senso pedido pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação. Creio, aliás, que a linha de argumentação deste Sr. Deputado é bastante mais viável e mais subtil que a usada pela Sr.* Deputada Assunção Esteves. Se tivesse começado por aí, sem ofensa, obviamente, talvez pudéssemos ter outro tipo de conversa.

Começaria por responder ao Sr. Deputado Pacheco Pereira para lhe dizer o seguinte: a vossa preocupação não é a de garantir a justiça social e de assegurar o direito de acesso dos trabalhadores aos mais elevados graus de ensino, porque no artigo que se refere à universidade o PSD tem o

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cuidado de suprimir tal referência. Chamo a atenção para o que diz o actual artigo 76.º - o regime de acesso à universidade deve ter em conta as necessidades em quadros qualificados [... ] favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos dos trabalhadores -; no projecto do PSD esta referência ao favorecimento da entrada dos trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores desaparece.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Está no artigo 70.°

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O artigo 70.° é diferente, tem outro conteúdo. Se tiver, Sr. Deputado Costa Andrade, o cuidado de o ler, o artigo 70.º não se refere à universidade; fala dos trabalhadores estudantes em geral, o que é aspecto bem diferente; refere-se ao ensino, não à universidade; refere-se ao ensino em geral e também à escola primária. Portanto, Sr. Deputado Pacheco Pereira, como vê, o objectivo do PSD não é esse ...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Também não disse que era esse.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E eu lanço-lhe a argumentação contrária, que é esta: é que neste momento, pelo facto de o ensino superior e mesmo o terminal do ensino secundário não serem gratuitos, o que se verifica é que quem está a ser penalizado são precisamente as classes mais desfavorecidas. A justiça social, que seria "defendida" no caso da eliminação, não o seria de facto. Os Srs. Deputados têm de entender a Constituição como um todo global...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso é uma incongruência!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, não é uma incongruência. Integrado num todo global, este é um grande objectivo do Estado que recolhe o nosso acordo. Pensamos que é um princípio justo, que devem ser criadas as condições para o seu desenvolvimento sem excluir, obviamente, as medidas de discriminação positivas, que estão também previstas constitucionalmente, para os casos das classes mais desfavorecidas.

Não podemos entender os preceitos constitucionais apenas numa alínea. A vossa intervenção, particularmente o tem que lhe foi dado pela Sra. Deputada Assunção Esteves, destapou de mais permita-me a expressão o vosso jogo.

Entendemos que como princípio indicador se deve caminhar para a gratuitidade dos diversos graus de ensino; do nosso ponto de vista é um princípio correcto, como é, para nós, um princípio correcto o de que se deva caminhar para uma sociedade em que haja um esbalimento das diferenças salariais, obviamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Pretendo apenas colocar a seguinte questão: os Srs. Deputados sabem, tão bem como eu, que a economia é a forma de gerir bens escassos; como sabem, o dinheiro é um bem escasso e, portanto, os orçamentos gerem bens escassos. Sendo assim, não considero respondida a questão que coloquei, porque, efectivamente, a objecção que fiz tem a ver com aquilo que os Srs. Deputados chamam vida, realidade: a composição social no ensino superior não representa a composição social da sociedade portuguesa, nem nada que se pareça.

A questão que coloquei foi a seguinte: o princípio da gratuitidade é uma forma demagógica de esconder uma forma que corresponde ao mecanismo da discriminação positiva, que é, por exemplo, a concessão de bolsas de estudo. Portanto, a assunção de um princípio de gratuitidade para todos os graus de ensino continua a poder ser acusada de conter uma injustiça de fundo. Se optarmos apenas por um princípio ideal de gratuitidade, tudo bem. É bom que tudo seja gratuito, o que não implica que isso não seja, de facto, pura demagogia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eu creio que o Sr. Deputado Pacheco Pereira está a confundir o Plano a curto prazo, a médio prazo e a longo prazo. A gratuitidade é um objectivo constitucional. É óbvio que, se o Sr. Deputado Pacheco Pereira vier discutir comigo em 1988 se o governo do PSD está a tomar medidas no sentido de favorecer o acesso dos trabalhadores aos mais elevados graus de ensino, eu digo-lhe que não está. Mas não deixa de o fazer contra a Constituição, uma vez que o objectivo constitucional é precisamente no sentido de que progressivamente se caminhe nesse sentido. Esse objectivo é, como já tive oportunidade de referir, um objectivo correcto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira. Peço-lhe concisão, pois é um dos quatro membros do Partido Comunista que já pediram a palavra sobre o mesmo tema.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão que eu queria colocar era a seguinte: eu creio que o PSD procura utilizar em relação às alterações que propôs a este artigo dois pilares fundamentais: por um lado, o argumento do ensino privado; por outro, o argumento da igualdade e da "desnecessária" referencia de tal assunto num artigo como este, relacionando-o sobretudo, com a problemática universitária - ou seja, pilar dois: universidade. Ora, o que é estranho em relação a isto é que o PSD anule todo o outro tipo de problemas que se relacionem com a redução das desigualdades prévias ao acesso à própria universidade, ou seja, o n.º 2 do artigo 74.°, tal como está configurado, não respeita estritamente ao acesso à universidade e, por isso mesmo, não pode ser simplesmente resolvido com a referencia que o PSD propõe agora no artigo 76.°

O problema é muito mais lato que isso e as desigualdades de carácter social e cultural relacionam-se, inclusive, com os próprios currículos, com as matérias leccionadas, com o problema de regionalização do sistema educativo e do melhor preenchimento da malha educativa por parte do Estado, tendo havido preocupação do PCP nesse sentido. Ora, o PSD quase que ignora tudo o que é anterior ao acesso ao próprio ensino superior e depois diz: "Bom, mas nós resolvemos esse problema, porque no artigo 76.º pomos lá um entre vírgulas que o resolverá!"

Creio que ele, tal como existe hoje, tem um carácter muito mais elevado e é provido de um significado extraordinariamente maior que não possa reduzir-se estritamente a esse aspecto. Por outro lado, esta referência serve de argumento para a proposta de eliminação da alínea sobre a gratuitidade. Pelo seguinte: a retirada da referência à gratuitidade tem apenas como razão de ser - na acepção que

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lhe é dada pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira - a situação actual do sistema do ensino superior. Ora bem, o que aqui é estranho é que o PSD, ao mesmo tempo que propõe a retirada da referência constitucional ao combate às funções conservadoras da sociedade por via do sistema educativo, assume e conserva a situação actual, dizendo que a realidade actual é mesmo esta: só os filhos dos trabalhadores não têm acesso ao ensino superior, pois quem tem acesso ao ensino superior são de facto os filhos de outras camadas de população. Assim, sendo esta a realidade de hoje, é para ela estritamente que devemos legislar.

É estranho! Porque visivelmente o PSD, ao tratar desta maneira, das duas uma: ou está a ver o problema no estrito curto prazo e resultado, enfim, da actuação política dos diferentes ministérios do PSD até agora, ou então quer, de facto, perpetuar - o que parece mais razoável em função da sua atitude política - essas desigualdades que se mantêm na universidade. De outra maneira não faz sentido que se procure timidamente não dar qualquer avanço neste domínio e, ao contrário, retirar aquilo que era uma visão mais prospectiva e a um prazo maior do desenvolvimento do sistema de ensino. Parecem-me aspectos que valeria a pena ainda abordar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que há uma diferença de qualificação entre a alínea a) e a alínea e) do actual texto da Constituição.

Parece-me inequívoco que a alínea a) consagra uma típica norma de garantia e assegura um sistema de gratuitidade até determinado nível de ensino, isto é, dentro do chamado ensino básico. A alínea e), na actual redacção da Constituição, consagra uma norma não de garantia, mas uma norma que poderíamos considerar verdadeiramente programática, na medida em que é uma norma que prefigura não propriamente um objectivo final, mas uma mera tendência, ela própria prudentemente qualificada como progressiva, e tem um âmbito de aplicação distinto do da alínea a), na medida em que se. refere aos demais graus de ensino para além do ensino básico. Nesse sentido, como norma programática deixa ainda ao legislador ordinário uma assinalável margem de manobra de aplicação de preocupação subjacente à sua consagração na Constituição. Não creio, sinceramente, que a eliminação de uma norma programática deste tipo seja uma benfeitoria constitucional, na medida em que - se e verdade que por si mesma não impõe uma regressão na lógica do tratamento constitucional desta matéria - permite, contudo, a regressão do sentido da gratuitidade, que, em si própria, não me parece - nem os Srs. Deputados do PSD justificaram - que constitua resposta cabal e suficiente para a resolução da situação, de facto, injusta existente e que foi aqui denunciada pelos Srs. Deputados do PSD. Ou seja, demonstrar que a consagração na Constituição de 1976 de uma norma programática sobre a gratuitidade progressiva não tem sido suficiente para impedir que de facto haja, em termos reais, uma discriminação que continua a prejudicar os estudantes oriundos das classes menos possidentes não é, por si só, argumento demonstrativo de que a eliminação dessa norma permita, por si própria, a obtenção do resultado contrário, ou até que o legislador ordinário com esta norma esteja hoje em dia impossibilitado de introduzir no sistema de ensino as modificações necessárias que ponham cobro à situação que justamente os Srs. Deputados do PSD denunciaram e que, pelos vistos, não está ainda resolvida em sede de legislação ordinária. Sempre entendi a alínea é) como uma alínea instrumental de um objectivo que é o constante da alínea d), isto é, a progressiva gratuitidade dos demais graus de ensino deve ser entendida como instrumento do objectivo da alínea d), isto é, a garantia a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades de acesso aos graus mais elevados de ensino e, portanto, o verdadeiro critério para solução da questão que está colocada em termos de injustiça fáctica, é a das capacidades, como critério mestre e crivo do acesso aos graus mais elevados de ensino. A questão da gratuitidade há que ser sempre entendida como tendencial e instrumental em função deste objectivo consignado na alínea d). Ora, também sou sensível ao argumento de que o que está aqui subjacente não é uma norma igualitarista, no sentido de que o ensino há-de ser gratuito e, uniformemente gratuito, independentemente de quem a ele acede. Eu penso que essa interpretação é uma interpretação possível da norma - reconheço -, mas que não está, em meu entender, no centro da zona de preocupação que presidiu à consagração de uma norma deste género, até porque o princípio, da igualdade consiste em tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual. Portanto, a intervenção do legislado ordinário para resolver as situações de injustiça de facto está para além do que esta norma constitucional consagra. Situa-se, sobretudo, no domínio da legislação ordinária e não resulta a ilegitimidade de nenhuma das modalidades de resolução das questões já afloradas neste debate e da subsistência desta norma na Constituição. No fundo, a pergunta que, em primeiro lugar, faço a mim próprio é a seguinte: qual será o efeito útil que resulta da eliminação da norma? Isto é, a eliminação da norma - que é uma norma programática, uma norma que nos seus próprios termos é tendencial e progressiva - resultaria por si própria no acrescento de qualquer instrumento que o legislador ordinário hoje não disponha para pôr cobro a uma situação de facto que consumamente reconhecemos injusta? Ou a eliminação da norma é apenas bandeira ideológica, e como bandeira ideológica vale o que valem as bandeiras ideológicas, mas não mais do que isso? Portanto, a eliminação nesse caso não é uma panaceia universal, não é um deus ex machina das questões do ensino, do acesso ao ensino e da igualdade de acesso aos diferentes graus de ensino em Portugal, mas é já uma bandeira ideológica. Então reduzamos o debate à sua verdadeira dimensão.

O problema que eu gostaria de ver dilucidado, e não consegui ver ainda até este momento respondido, é o de saber quais são os efeitos úteis, qual é essa margem nova de liberdade do legislador ordinário que a eliminação desta norma permitiria e que a sua existência no texto constitucional hoje não consente-

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação para formular uma pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vitorino: Trata-se de uma enorme ansiedade e não apenas de uma simples pergunta. Assim, a questão que eu lhe colocaria, Sr. Deputado António Vitorino - querendo salvaguardar e ressalvar antes de tudo o mais a minha concordância de princípio com os princípios que V. Exa. expendeu, não propriamente com as conclusões a que chegou -, gostaria de lhe a formular da seguinte maneira: suponha que não se trata realmente do acenar de uma bandeira ideológica; suponha que se trata,

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justamente, neste preceito, de fazer ressaltar a possível menor congruência entre a alínea a) e a alínea e) suponha que se trata de - pelo nosso caminho e pela nossa via - dar uma interpretação mais exacta a esta alínea e) e não aquela interpretação que V. Exa. também admitiu como possível e que aos seus olhos também se antevê como recusável, que é a de gratuitidade geral, absoluta e obrigatória. Portanto, suponha que no domínio das hipóteses nós queremos modificar esta alínea e). Estaria V. Exa. aberto, do ponto de vista pessoal, não à sua eliminação, mas à sua modificação no sentido de que falou?

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, eu creio que facultaria ao Sr. Deputado António Vitorino um elemento situado nos antípodas daquele que acaba de ser lançado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação. Suponho que não precisaria de tal para poder fazer uma interrogação ou uma resposta complementar. Em todo o caso pareceu-me que a interpretação que fez do artigo 74.°, n.° 3, alínea e), é susceptível de um elemento de equivocidade. Sobre esse, e só sobre esse, gostaria de lhe fazer uma pergunta.

É evidente que a Constituição estabelece um objectivo último e obriga a um caminho para esse objectivo último. Não estabelece nem os modos, imperativamente, nem os tempos, nem obriga o Estado àquilo que os recursos de todo em todo lhe proíbam. Isto toda a gente sabe. Ninguém viu, até agora, nesta norma a instauração da felicidade na Terra e da gratuitidade para todos desde o Creso até ao indigente. Foi o Sr. Deputado Pacheco Pereira o primeiro, para os meus ouvidos pelo menos.

O Sr. Deputado António Vitorino, ao sublinhar o carácter tendencial e instrumental da norma constitucional, deixou-me uma preocupação apenas, e que é esta: a norma constitucional com o sentido que tem não deixa de implicar para o período curto uma certa obrigação de fixação de prioridades. Em quadro de escassez de recursos é evidente que o Estado tem de fazer opções, e portanto deve fazê-las à luz desse princípio, que o vincula a um determinado caminho, a um determinado objectivo. Deve começar por proteger os que mais carecem de protecção, deve começar por garantir gratuitidade em relação aos primeiros graus de ensino. Não faz sentido seguir outra política. O meio pode variar. A garantia do nobre objectivo de apoiar os filhos dos trabalhadores pode ser conseguido de muitas formas e, pela nossa parte, como V. Exa. sabe, temos preconizado o aumento da acção social escolar. Nunca se viu na nossa boca "não se dêem bolsas aos filhos dos trabalhadores"! É precisamente o contrário. Agora, o que isso implica é que se dê ao preceito constitucional um mínimo de sentido também em relação à fixação de prioridades e também em relação à protecção daqueles que mais carecem dela neste momento. Estará V. Exa. de acordo com esta razoável interpretação?

Gostaria de sublinhar também que me pareceu extremamente positivo que o Sr. Deputado António Vitorino procurasse deslocar a conversa e o debate para o terreno da plausividade e da razoabilidade. Realmente, discutir isto em lermos de saber quem está a favor ou quem está contra os trabalhadores a partir da degradada composição social da universidade no momento actual é delirante. Por isso, é urgente deixar de desconversar. Nesse sentido, a intervenção do Sr. Deputado António Vitorino é um regresso à discussão. Isso saudamos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira, ainda para formular uma pergunta.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Quero perguntar ao Sr. Deputado António Vitorino se esta norma constitucional não impede, por exemplo, o Ministro da Educação de alterar radicalmente a política da universidade, encarecendo drasticamente as propinas, no sentido de assentar na capacidade a política de acesso à universidade através das bolsas de estudo, que é, de facto, o princípio que penso estar na base da alínea d). Será que o Tribunal Constitucional remeteria a legislação que correspondesse a esta intenção? O que é que aconteceria se um ministro decidisse alterar radicalmente a política de financiamento do ensino universitário, aumentado drasticamente as propinas, e com o dinheiro que daí adviria conduzisse uma política de acesso ao ensino superior essencialmente assente em bolsas de estudo, por ser essa a forma de premiar a capacidade?

O Sr. Presidente: -.Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, muito rapidamente para dizer o seguinte: não creio que haja um problema de congruência entre a norma da alínea a) e a norma da alínea e), na medida em que são normas de natureza jurídica distinta. A norma da alínea a) e para mim, clara e tipicamente, uma norma de garantia; a norma da alínea e) é uma norma programática. Por outro lado, têm campos de aplicação distintos, pois enquanto a norma da alínea a) tem um campo de aplicação restrito e diz respeito ao ensino básico, a norma da alínea é) diz respeito aos demais graus de ensino, porque, por exclusão de partes, se a alínea a) garante a gratuitidade até ao ensino básico, a alínea é) tem de estar para além do ensino básico. Creio que a interpretação conjugada das duas normas permite chegar a essa interpretação com alguma segurança.

Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães, é evidente que uma norma como a da alínea e) justificará o alargamento progressivo da gratuitidade do sistema de ensino, por exemplo em função do alargamento dos critérios definidores da escolaridade obrigatória. Nesse sentido, é lógico que em função do disposto na alínea e), como orientação programática, o alargamento da escolaridade obrigatória vá produzindo a progressiva gratuitização dos graus de ensino, que vão sendo integrados nesse conceito de escolaridade obrigatória. Só assim faz sentido que o Estado imponha aos jovens a obrigação de frequentarem a escola, isto é, apenas se lhes forem concedidas as condições para cumprirem essa imposição estadual.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isso é linear, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, o que estou a dizer é que à medida que se for alargando a escolaridade obrigatória...

O Sr. José Magalhães: (PCP): - Mas isso é um efeito estrito da alínea a)...

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas, se se alargar a escolaridade obrigatória para além da alínea a) vale a norma programática da alínea e). Não sei se me faço entender. Parece-me tão evidente que quase tenho dificuldade em explicar.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez o facto de haver terceiros a intervir nisso possa simplificar as coisas. Sr. Deputado António Vitorino, se a Constituição não especifica taxativamente o que é que se entende por ensino básico e se houver portanto um preenchimento pelo legislador ordinário através de um alargamento da escolaridade obrigatória, é evidente que o disposto no artigo 74.°, n.° 3, alínea a), determina ipso facto um alargamento da gratuitidade.

O Sr. António Vitorino (PS): - É óbvio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O ensino básico será gratuito. Alargue o básico, logo o alargado é gratuito também. Por essa via, não há dúvida nenhuma.

O Sr. António Vitorino (PS): - Chegamos ao mesmo resultado: alarga o que cabe na alínea a) e reduz o que cabe na alínea e).

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas relativamente à universidade? A minha pergunta é em relação ao ensino universitário e aos outros graus de ensino ...

O Sr. Presidente: - O alargamento da alínea a) é o cumprimento parcial da alínea e).

O Sr. António Vitorino (PS): - Claro!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo. Mas para as famílias menos protegidas e para os filhos das famílias de menores rendimentos que direito resulta da existência de um preceito como o artigo 74.9, n.° 3, alínea e)! É essa questão. E quais são as obrigações do Estado em termos de fixação de prioridades para esse caminho que aponta?

O Sr. António Vitorino (PS): - Essa questão é subsumível àquela que o Sr. Deputado Pacheco Pereira colocou, ou seja, teria cabimento constitucional uma política como aquela que o Sr. Deputado Pacheco Pereira referiu? Na minha interpretação, respondo-lhe que sim, na medida em que a avaliação global do significado do que contém o artigo 74.° não pode resumir-se aos custos fixos de produção do produto educativo, para utilizar uma linguagem de inspiração económica. Pensar que a gratuitidade se reduz à questão das propinas constitui, em meu entender, uma visão redutora do conteúdo do artigo 74.º, porque o grande drama do sistema de ensino não é o custo fixo do produto educativo, ou seja, a título de exemplo, o pagamento das instalações, dos professores, da electricidade e da água que se consomem nas universidades. De facto, se fizermos a análise rigorosa dos custos do produto educativo final, talvez verifiquemos que esses custos que designei por "fixos" contribuem, numa percentagem diminuta, para qualquer cálculo daquilo que do orçamento das famílias resulta afectado a despesas com a educação. Basta dar o exemplo dos livros técnicos, para falar na universidade, para compreender que uma política muito mais justa em termos de garantia da igualdade de acesso ao ensino superior, baseada apenas no critério das capacidades, seria a de subsidiar os livros e demais material didáctico (por exemplo a informatização dos elementos de estudo) em vez de subsidiar as propinas ou, se se quiser, para os alunos da província, a de subsidiar os transportes e os custos de instalação. Em meu entender, trata-se de questões cuja leitura e concretização prática estão com esta norma constitucional, amplamente na disponibilidade do legislador ordinário.

Redutor, creio eu, é interpretar a alínea é) como referida apenas às propinas, por exemplo, o que é sempre a questão controversa, de querela e de conflito entre os vários protagonistas da luta estudantil. A resposta é a mesma.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas raciocino em termos de bases concretas... Se o Sr. Deputado Carlos Encarnação avançar uma proposta ...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Creio que estão apenas em apreciação as propostas do PSD, do PS e do PCP, não tendo as outras duas sido apreciadas pelo facto de os seus proponentes não estarem presentes.

Começaria por salientar que a proposta do PCP é aquela a que nos referimos quando foi debatido o projecto da ID relativo ao artigo 59.º, n.º 4. Era a propósito desta outra proposta do PCP que, na altura, se discutia se seria este o melhor local para inserir esta norma. Tratava-se da proposta que visa a proibição do trabalho infantil e que, quer pela colocação, quer pelos termos em que se define o trabalho vulgarmente "chamado infantil", teria mais razão de ser aqui colocada do que no artigo 59.º

Por seu lado, a proposta do PS elimina a expressão "função conservadora de desigualdades económicas", substituindo-a pela expressão "superação das desigualdades económicas". Teremos naturalmente algumas dificuldades em entender a eliminação desta expressão, na medida em que, na realidade, quem toma posição contra a superação das desigualdades económicas tem uma função conservadora.

No que diz respeito ao projecto do PSD, para além do muito que já foi dito, começaria por notar que se trata de mais um direito social, que é o direito ao ensino, e que nesta matéria entram em choque duas concepções diferentes. Ao passo que na concepção constitucional se valoriza fundamentalmente o ensino oficial e se atribui ao Estado, no que toca ao ensino particular ou cooperativo, uma posição de mera fiscalização, o projecto do PSD, no artigo 75.°, propõe que o Estado estimule, reconheça e apoie o ensino particular e cooperativo. Naturalmente, a eliminação desta alínea e) tem a ver com esta questão. Aliás, a utilização do advérbio "progressivamente" deixa claramente a indicação de que a gratuitidade não é um fenómeno instantâneo, mas sim tendencial. Por outro lado, não se pode desligar a proposta de eliminação da alínea e) da proposta do PSD relativa ao artigo 76.º, que elimina também o dever do Estado de estimular e favorecer a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores na universidade. Não se trata aqui de matéria restrita à juventude. De facto, esta parte não é apenas relativa aos filhos de trabalhadores, mas também aos trabalhadores, pelo que não se esgota na parte referente à juventude, também assinalada e consagrada na Constituição.

Por estas razões, Sr. Presidente, Srs. Deputados, somos de opinião que a proposta do PSD não tem justificação, a não ser no conjunto de propostas que o PSD formula e na posição que toma relativamente ao significado do direito ao ensino, que é um dos direitos democráticos essenciais. Não poderemos, pois, subscrever esta proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, no que se refere à eliminação da alínea e) do n.° 3 do artigo 74.º, está quase tudo dito. Mas continuo a ver essa alínea - suponho que sem contradita especial- na linha de uma imposição constitucional permanente que é obviamente programática e que não tolhe as mãos do legislador ordinário para percursos que muitas vezes se julga estarem absolutamente vedados de origem. Pretendia também referir alguns outros aspectos, propostos designadamente pelo CDS, pelo PEV e pelo PS. Dando de barato que, na ausência do CDS e do PEV, algum dia se retornará a este debate, remeter-me-ia apenas à consideração daquilo que vem proposto pelo PS.

Suponho que se trata prima facie de uma desenfatização do conteúdo hoje constante do n.° 2 do artigo 74.° Há, todavia, uma explicação para a existência dessa terminologia adoptada, designadamente quando se diz que "o ensino dever ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais". Essa explicação resulta de qualificar o ensino enquanto tal e em face das suas próprias funções, por forma a impedir que se adoptem modelos que sejam, eles próprios, uma forma de perpetuar as desigualdades económicas, sociais e culturais. A formulação do PS é, efectivamente e no mínimo, um atenuar da injunção constitucional hoje estabelecida. Não é apenas uma descodificação natural, como há pouco pareceu ter sido dito - senão com esta palavra, com outra - pelo Sr. Deputado * Almeida Santos, mas sim algo mais do que isso. Importa saber se de um ponto de vista ideológico - e, para mim, é óbvio que sim- a aceitação jurídica de todas as propostas invalida ou não a percepção do que lhes está subjacente. Por exemplo, a queda sistemática do princípio do favor laboratoris nos projectos do CDS e do PSD tem um óbvio conteúdo ideológico... A nossa leitura vai no sentido de que a proposta avançada pelo PS pode e deve discutir-se, mas com a consciência, de partida, de que ela representa bastante mais do que uma simples fragilização descodificadora daquilo que hoje consta do texto constitucional, embora - e este é o proviso último - daí não advenha, forçosamente, a queda em absoluto da Casa em que estamos a trabalhar, se ela for tida como a Pátria...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interrompemos agora o debate, a fim de proceder a uma votação no Plenário.

Está suspensa a reunião.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 20 noras e 30 minutos.

No que diz respeito à proposta do PCP, penso que, se a tónica é - como parece - a preocupação de assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória, talvez a redacção, na hipótese de vir a ser consagrada, devesse ser a inversa, começando-se pelo valor que se quer salvaguardar para só depois se referirem os meios através dos quais se cumpre esse objectivo. De facto, não é só através da utilização do trabalho ilegal de menores que se pode conseguir assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória. Estas medidas preventivas que aqui se arrolam são todas instrumentais do valor que se pretende atingir, ou seja, o cumprimento da escolaridade obrigatória.

Por outro lado, creio que, na hipótese de se consagrar este n.º 4, teríamos de repensar esta formulação. Dizer-se que "o Estado promove as medidas necessárias" -sem dizer quais- "à eliminação das condições económicas, sociais e culturais que conduzam à utilização ilegal do trabalho de menores" é, se me permite, uma maneira quanto mais não seja um pouco "farfalhuda" de dizer aquilo que se pretende. A proibição do trabalho de menores é clara, mas aqui não se visa a proibição, que é objecto de outra proposta. O que se pretende são as medidas necessárias à eliminação das condições favoráveis à utilização ilegal do trabalho de menores. Consequentemente, penso que, desde que centrada na tónica do dever de assegurar o cumprimento da escolaridade, e considerando a proibição do trabalho ilegal de menores como um dos instrumentos tendentes a atingir aquele objectivo, esta proposta pode ter virtualidades.

Foi-me perguntado qual a razão da nossa proposta relativa ao n.° 2. Devo dizer que sempre tivemos uma particular reserva à formulação contida no actual n.° 2, ou seja, a de que "o ensino deve ser modificado de modo a superar qualquer função conservadora de desigualdades económicas, sociais e culturais". No fundo, o que se pretende é que o ensino deixe de ser elitista e cave ainda mais as desigualdades. Se bem que seja isto o que se pretende, a formulação utilizada é mais do que retorcida. Talvez pudéssemos distorcê-la, dizendo o mesmo de forma positiva, ou seja, que "o ensino deve contribuir para a superação das desigualdades".

Quanto à proposta do PSD, não creio que se deva eliminar tout court o n.° 2, sobretudo na medida em que encontremos para este número uma formulação que, estou certo, não provoca especiais reacções da parte do PSD.

Em segundo lugar, quanto à progressiva gratuitidade estabelecida na alínea é), concordo com o meu colega António Vitoríno e penso que é esse o ponto de vista do nosso partido. O facto de aqui se dizer que incumbe ao Estado "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino" não impediu até hoje a existência de propinas. Na alínea a) consagra-se a obrigatoriedade do ensino e a sua gratuitidade até um certo nível. A partir desse nível, a escolaridade, como estatui a alínea e), deve ser progressivamente gratuita. Pessoalmente, esta norma não me repugna, na medida em que, até hoje, não criou problemas. E, se se quer ir ao encontro da injustiça que consiste no facto de o ensino ser gratuito para os que são ricos e para os que são pobres, existem formas de se impedir essa situação, inclusivamente pela via fiscal. Porém, não vejo que isto impeça, como disse o Sr. Deputado António Vitorino, a articulação com a isenção de propinas.

Por outro lado, o Sr. Deputado Pacheco Pereira colocou a hipótese de, amanhã, um ministro considerar que deve aumentar drasticamente - foi a expressão usada - as propinas e lançar uma política de bolsas de estudo. Devo dizer que, se o objectivo é o aumento drástico das propinas, a existência desta norma é positiva para o evitar. Porém, não evita a correcção razoável das propinas É exactamente por essa razão que esta norma ainda tem conteúdo, evitando inclusivamente o aumento drástico das propinas. Mas também não decorre daqui que as propinas só possam ser reduzidas e nunca minimamente aumentadas. Não é isso que cá está. Até hoje esta norma não criou problemas. A gratuitidade do próprio Serviço Nacional de Saúde - e aí, sim, a Constituição prevê a sua gratuitidade - tem sido compatibilizada com taxas moderadoras. Ora, nesta matéria não se estabelece a gratuitidade mas a progressiva gratuitidade. Esta norma é tão soft, tão suave, tão razoável, que não me parece que deva desaparecer e, sinceramente, não

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estaríamos preparados para a ver eliminada. Estamos sim dispostos a alterar o n.° 2.

Por outro lado, a Sra. Deputada Assunção Esteves pôs o problema do ensino privado. Desculpe que lhe diga, Sr.- Deputada, mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Trata-se de coisas diferentes. De facto, a progressividade vem referida aos graus de ensino e não aos sectores de ensino. Não tem de distinguir, e é pelo facto de não distinguir que não tem de se aplicar a todos. Trata-se da parte que incumbe ao Estado, não aos particulares. Só seria o contrário se se dissesse "a lei...". Mas prevê-se que ao Estado incumbe "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino" e não de todos os sectores. Acesso fácil a todos os graus de ensino e tendência para a sua gratuitidade não significa que não possa haver privados não sujeitos a esta regra de progressividade.

Por seu lado, o PEV apresenta mais duas normas programáticas. De facto, propõe que "a educação cívica fará parte dos programas escolares e incluirá a difusão da Constituição e dos símbolos nacionais e de legislação fundamental da República" numa área em que existe alguma repugnância em conferir ao Estado o direito de emitir directivas rígidas. Logo a seguir, o PEV propõe também que "os programas escolares devem assegurar a educação sexual dos jovens e a sua sensibilização para a defesa do ambiente, da paz e da amizade entre os povos". Tudo valores que se encontram consagrados na Constituição. Quer a defesa do ambiente, quer da paz, quer do bom relacionamento entre os povos são valores que estão já defendidos. Transformar isto em programa escolar obrigatório é duplamente programático: é programático na natureza e programático no sentido de ser vinculada a sua inclusão nos programas escolares. Considero, por isso, que nenhuma destas normas merece acolhimento da nossa parte, pelo menos no meu entendimento pessoal.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, também nós tirámos uma conclusão do debate travado: a de que qualquer das alterações por nós proposta não alargaria sensível e significativamente o campo de acção possível do legislador ordinário. De resto, os exemplos apontados, que podem constituir um importante elemento hermenêutico, dão-nos também alguma tranquilidade para o futuro. Temos, apesar de tudo, a convicção de que com as nossas propostas o texto não deixaria de melhorar, mas também reconhecemos que podemos passar sem estas melhorias.

Designadamente quanto ao n.° 2, é evidente que a formulação do Partido Socialista torna as coisas mais claras. Mas questiono-me se não deveríamos formular uma norma como esta em relação a quase todos os direitos, porque ela vale para a educação, para a saúde, para o emprego, etc., isto é, serve para, em relação a cada uma dessas áreas, evitar que a situação das pessoas seja objecto de desigualdades.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo. Só que não se esqueça que isto foi uma forma de superar o que está ... (por motivo de sobreposição de vozes, não foi possível registar as palavras finais do orador).

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente. Estou apenas a ditar algumas considerações importantes para a acta.

Penso, pois, que à proposta do Partido Socialista se chegaria através do princípio da igualdade, pois o Estado já estaria obrigado mediante o conteúdo da garantia da igualdade. Mas também penso que não vale a pena insistirmos mais nesta questão. A seu tempo, na altura da votação, faremos mais um esforço no sentido de obter o vencimento das nossas propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma intervenção final.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se me permite, Sr. Deputado José Magalhães, queria ainda fazer uma observação em relação à proposta do Partido Comunista.

Também fiquei com muitas dúvidas quanto à compreensão da proposta do Partido Comunista - e o nosso partido ainda não se pronunciou expressamente sobre ela. Limitamo-nos a dizer duas coisas.

Em primeiro lugar, é evidente que, a fazermos alguma coisa sobre esta questão nesta revisão constitucional, deve ser em sede de artigo 74.8 Portanto, a sede escolhida pelo Partido Comunista parece-nos mais adequada do que a escolhida pela ID.

Em segundo lugar, também penso que qualquer norma que venha a ser consagrada neste sentido terá de ser reelaborada. Não podemos aceitar esta proposta do Partido Comunista, até porque não sabemos quais são as medidas necessárias à eliminação das condições referidas no seu n.° 4. Até porque esta proposta, segundo me parece, teria um conteúdo perverso em relação às intenções do Partido Comunista, neste sentido: só quando eliminasse as "condições económicas, sociais e culturais que conduzem à utilização ilegal do trabalho de menores" é que o Estado estaria obrigado a proibir o trabalho de menores. Para já, impenderia sobre o Estado a obrigação de começar a fazer obras na organização económica, social e cultural que tornassem dispensável o trabalho de menores. Só depois, quando essas condições estivessem criadas, é que emergiria a obrigação de proibir o trabalho de menores, dentro de limites a fixar. Penso, portanto, que. a ser feita qualquer coisa nesse sentido, devemos eliminar a referência às "condições económicas, sociais e culturais" e tentar chegar a uma formulação que tenha um conteúdo de protecção preciso e não exageradamente perigoso. Em matéria de proteccionismo em relação aos menores, devemos sempre evitar dois males extremos: por um lado, deixar inteiramente desguarnecidas as suas posições e, por outro, evitar soluções de patemalismno exagerado.

O Sr. Presidente: - Tem então agora a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação às observações feitas quanto à proposta do PCP de aditamento de um n.° 4 ao actual artigo 74.°, gostaria de sublinhar que, se se extrair deste debate - como creio que aconteceu - a ideia de que vale a pena trabalhar no sentido de se vir a obter uma norma reelaborada e depurada que contribua para definir, com mais rigor e com a adequada explicitação, como imperativo no Estado de direito democrático o conduzir a um acatamento daquilo que são os padrões desejáveis de cumprimento da escolaridade obrigatória, erradicando o flagelo do trabalho infantil, isso será positivo. Na nossa formulação - tivemos preocupações que explicitei e agora não reafirmarei - creio que não se corre o risco de atingir a visão faseada que o Sr. Deputado Costa Andrade receava. Não decorre da nossa formulação o risco de se encarar o ataque ao problema por etapas (primeiro a eliminação das condições económicas, sociais e culturais que levam à utilização ilegal do trabalho de menores, depois assegurar a todos o cumprimento da es-

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colaridade obrigatória). Só com uma visão muito perfunctória é que se pode chegar a uma leitura desse tipo, porque o primeiro termo e o segundo estão unificados no nosso texto por um gerúndio que, habitualmente, tem essa função conjugadora. Em todo o caso, esse aspecto parece-me inteiramente secundário.

Poderá observar-se, como o Sr. Deputado Almeida Santos, se a inserção desse preceito no artigo 74.°, que diz respeito ao ensino, não justificaria que se começasse por enfatizar a vertente escolaridade obrigatória. É sustentável. A nossa proposta é, no fundo, uma ponte entre aquela que é a concepção que levaria a colocar uma tal norma na constituição laboral e aquilo que leva a situá-la nesta parte, a constituição da educação. Talvez esse vestígio ou esse andaime da arqueologia da nossa proposta possa vir a ser superado e possamos vir a construir este preceito começando precisamente pela obrigatoriedade de assegurar a todos o cumprimento da escolaridade obrigatória, removendo, para o efeito, os obstáculos que, neste momento, levam a que prolifere a utilização ilegal do trabalho de menores. Não estou a adiantar uma formulação acabada, parece-me que isso não teria a sede própria neste exacto momento. Em todo o caso, creio que se se tiver em conta o conjunto das observações, a reelaboração não conduzirá a uma perda de conteúdo e enfatizará, em temos eventualmente diferentes, aquilo que foi e é a nossa preocupação.

Em relação aos outros aspectos abordados farei algumas curtíssimas observações. A primeira é a de que dificilmente se pode extrair deste debate a conclusão que o PSD procurou firmar. Se as propostas do PSD fossem aprovadas
- e não há indícios de que o sejam -, conduziriam a um especial alargamento da acção do legislador ordinário. Desde logo porque, ao contrário do que aconteceu na primeira revisão constitucional, o PSD não se limitou a propor a substituição do n.º 2 do artigo 74.° por uma norma, como a AD por exemplo propunha, que dissesse que o Estado deveria modificar o ensino de modo a superar as discriminações económicas, sociais e culturais. O PSD propôs uma eliminação, pura e simples, e não colheu, para essa eliminação, nenhum aplauso visível.

O segundo aspecto que, creio, vale a pena sublinhar é que o alcance do actual n.º 2 tem sido objecto de reflexões e de interpretações várias. Nele se tem procurado estear - creio que correctamente - a obrigação de que o ensino não aprofunde ou não conserve desigualdades, as mais diversas, que são transpostas para a vida da escola, para o universo da escola, que não está desligado da sociedade, recheada de desigualdades e que tende a conservá-las e a mante-las. Aquilo que se pretende é que a escola funcione, não como elemento de manutenção, mas -e na maior medida possível - como elemento de redução das desigualdades à partida. Nesse esforço devem convergir vários dos elementos, desde a forma como o ensino é ministrado até à estrutura do ensino, até à estrutura do sistema escolar, no que aflora aqui uma ideia contrária à clitização.

O que quer o Partido Socialista com a sua proposta? Importa que fique inteiramente claro. Não me pareceu que fosse qualquer ideia de regresso à noção dualista dos sistemas de ensino, designadamente à restauração do ensino liceal e do ensino técnico, com duas vias - os filhos das classes trabalhadoras para um lado, os outros para o outro. Também não me pareceu que apontasse para concepções tendentes a originar organizações estanques e discriminatórias de certos tipos de escolas com determinados cidadãos empurrados para umas e outros empurados para outras. Não me parece igualmente que, a partir da proposta do PS, se pudesse legitimar uma distinção entre um ensino de luxo, digamos por exemplo universitário, para uns, e outro ensino menor, digamos "superior curto", para outros. Quais sejam as medidas necessárias para realizar aquilo que o PS pretende com a sua formulação é todo um campo deixado ao legislador ordinário, mas dentro de determinadas balizas. Apenas gostaria - e nesse sentido ainda dirigiria algum apelo ao Partido Socialista - que não se estabelecesse qualquer margem de confusão. Seria péssimo que se pudesse interpretar qualquer formulação que não seja, palavra a palavra, idêntica àquela que consta do texto constitucional, como significando luz verde para uma escola impulsionadora de regressões em relação àquilo que são dados adquiridos no nosso sistema de ensino, conquistas decorrentes da ruptura com o sistema vigente antes do 25 de Abril, alterado em termos que nos parecem positivos e que o são seguramente. A expressão utilizada pelo Partido Socialista pode parecer até ambiciosa porque, rastreando a história deste preceito, verifica-se que ele começou por ser uma reflexão, ou a transformação em comando jurídico de uma reflexão, de sociologia da educação sobre a função normalmente assinalada ao ensino. A norma dizia uma coisa evidente: se não houver correcções, a escola reproduz o universo de desigualdades existente na sociedade e pode até reforçá-las. O Estado, portanto, deve modificar o ensino para evitar que essas desigualdades se reforcem ou sejam reproduzidas nos seus precisos termos, o que já seria negativo. A primeira revisão constitucional deixou o preceito intacto, apesar das propostas apresentadas pela AD. Não chegou sequer a ser acolhida uma proposta do deputado Jorge Miranda no sentido de introduzir alguns retoques nas redações do preceito.

Digo que a proposta do PS parece até mais ambiciosa porque, verdadeiramente, não só se situa no domínio do universo da escola e do ensino em geral, como também, aparentemente, até sugere uma espécie de obrigação de o ensino contribuir para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais na sociedade. Abrange o universo da escola e até, mais do que o universo da escola, a própria realidade da sociedade e o papel transformador do sistema de ensino em relação ao universo da própria sociedade. Isto tem diversas implicações, de que todos os Srs. Deputados estão cientes. Significa uma transmutação num sentido amplificador, e não uma transmutação num sentido redutor. Gostaria de sublinhar este aspecto, por razões óbvias, porque me parece que isto transpareceu, de certa maneira, na intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, mas não suficientemente em outros "enfoques" que foram dados à questão.

O último aspecto, Sr. Presidente, é o relacionado com o conteúdo do artigo 74.°, n.° 3, alínea e). Creio que a reflexão que aqui fizemos sublinha o sentido e os limites do artigo. Sublinha que ele tem, efectivamente, um significado. Não é o obstáculo imaginado pelos obcecados da demolição de um "Estado-providência" - que não existe entre nós, infelizmente, em certos sentidos. E, designadamente, não se corre o risco que alguns dos Srs. Deputados do PSD receiam. Há, porém, um sentido útil neste normativo, como o Sr. Deputado Almeida Santos acabou por sublinhar, em termos que me parecem substancialmente correctos. A norma, tal qual se encontra redigida, evita certos desmandos ou certas regressões, embora, naturalmente, não imponha ao legislador um ritmo preciso, rigoroso, metronómico.

Em relação às propostas do Partido Os Verdes gostaria apenas de alertar para um aspecto. Algumas podem talvez afigurar-se excessivamente regulamentares. Gostaria, porém, de aplaudir a respeitante à educação cívica. Creio que a

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preocupação laica e republicana que aflorou em tantos outros aspectos do articulado constitucional não tem no aspecto da educação todos os afloramentos que seriam desejáveis. Creio que, sem necessidade de definir o que é ou de aditar preceitos que nela incluam o estudo dos símbolos nacionais e da legislação fundamental da República (a educação cívica ou será isso, ou não será coisa nenhuma!), deveríamos curar de encontrar uma boa norma que fizesse alusão à importância da educação cívica, quer seja sob forma de número autónomo, quer seja sob a forma de aditamento dessa expressão a um outro normativo. Penso que a evolução dos últimos anos pode fazer enfatizar com muita intensidade os inconvenientes da ausência de uma norma deste tipo. Não será, evidentemente, a varinha de condão para a mutação de tudo o que de mau existe na realidade. Espero que seja possível, entre os partidos que têm assento nesta Comissão, estabelecer um consenso, gerar um consenso para esta finalidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à análise do artigo 75.°

O CDS substitui "de toda a população" por "do País", não percebi bem porquê, mas não está cá nenhum deputado deste partido para o explicar.

O PCP adita um novo n.° 3, segundo o qual "os cursos ministrados fora do ensino público podem ser oficialmente reconhecidos, nos termos da lei, desde que ofereçam garantias de qualidade e de critérios classificativos equiparáveis ao ensino público",

O PSD refere o papel do Estado no direito ao ensino e fala numa "rede adequada de estabelecimentos públicos" em vez de uma "rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população". Depois diz que "o Estado reconhece e apoia o ensino particular e cooperativo", enquanto hoje se diz apenas que "o Estado fiscaliza o ensino particular e cooperativo" - o facto de o fiscalizar já é uma forma de o reconhecer, mas não uma forma de o apoiar. Acrescenta: "[...] como expressão da liberdade de aprender e de ensinar, e fiscaliza o cumprimento das condições legais do seu exercício."

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para esclarecer a proposta do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero para já dizer que, do nosso ponto de vista, seria uma benfeitoria aditarmos à Constituição este número. O que propomos visa constitucionalizar algo que já está consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo. Trata-se de assegurar o mínimo de controle de qualidade aos cursos que sejam ministrados fora do ensino público. A experiência dos últimos anos demonstra a necessidade de, em termos constitucionais, se tomarem medidas para dignificação do próprio ensino particular. Neste termos, creio que a proposta que apresentamos se auto justifica.

Gostaríamos desde já, nesta primeira intervenção, de referir também que conviria da parte do PSD ser apresentada uma explicação mais cabal das razões que o levam a apresentar as alterações que formula, porquanto estas alterações, conjugadas com legislação ordinária recentemente publicada, podem vir a significar uma desobrigação do Estado na garantia constitucional do mínimo público indispensável.

Para já é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O PSD quer dizer alguma coisa sobre a sua proposta?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Começaria por recordar ao Sr. Deputado Jorge Lemos que é habitual a justificação de todas as propostas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era apenas a nossa curiosidade...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quanto à justificação das nossas propostas, começo pela que parece ter um conteúdo mais significativo, que é a relativa ao n.° 2 do artigo 75.°

Entendemos que a actual formulação -"o Estado fiscaliza o ensino particular e cooperativo" - releva de uma atitude de desconfiança e de tolerância ("tolerância" no sentido mais negativo da palavra) em relação ao ensino particular e cooperativo. Tal postura do Estado deve ser substituída por uma postura mais positiva, que preste a devida homenagem à liberdade de aprender e de ensinar, de que o direito privado e o direito particular e cooperativo suo também expressões. Entendemos que se deve modificar desde logo o discurso em relação ao ensino particular e cooperativo, mantendo, naturalmente, a fiscalização do cumprimento das condições legais do seu exercício. Não temos em relação ao ensino particular e cooperativo apenas a atitude de desconfiança e, portanto, de tolerância; pelo contrário, encaramo-lo como uma coisa positiva e mesmo saudável, que deve ser apoiada.

Quanto à nossa proposta em relação ao n.° 1, dizemos que o Estado - e pomos à cabeça o dever fundamental do Estado - "assegurará o direito ao ensino", criando para isso - é a obrigação de meios - "uma rede adequada de estabelecimentos públicos". Isto é, o Estado é obrigado a assegurar o direito ao ensino e, nessa medida, criar uma rede adequada às exigências da efectivação de tal direito.

Esta fórmula parece-nos ser mais correcta do que a fórmula "que cubra as necessidades de toda a população", pois a palavra "necessidades" é extremamente relativa. As "necessidades" relevam de uma certa visão "horizôntica" das coisas; vão mudando à medida que nos deslocamos e que o progresso social e cultural aumenta; como diz Gadamer, pelo menos as necessidades culturais têm natureza "horizôntica", pois à medida que nos vamos deslocando o próprio horizonte se vai também afastando.

Entendemos que a nossa formulação é tecnicamente mais correcta e não reduz - antes pelo contrário - as garantias que o texto constitucional nesta matéria consagra. Parece-nos que as obrigações que impendem sobre o Estado, de acordo com a nossa proposta, são mais precisas. Aquilo a que o Estado está obrigado é a assegurar o direito ao ensino, e para isso criará uma rede adequada. Adequada a quê? Ao fim que lhe é proposto, à tarefa que lhe é proposta, que é a de assegurar o direito ao ensino.

O Sr. Presidente:

José Magalhães.

Tem a palavra o Sr. Deputado

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Costa Andrade, não vale a pena fazer cosmética em propostas, e mesmo nas presentes circunstâncias é importante que cada qual assuma plenamente aquilo que apresentou.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foi o que fiz.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida, Sr. Deputado Costa Andrade, só que em termos que nos merecem

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algumas reticências, para não dizer mesmo uma crítica veemente e frontal. Aqui a faço, para todos os efeitos.

Nenhum de nós ignora o debate que se tem estabelecido em tomo do artigo 75.° da Constituição. Existiu na primeira revisão constitucional, teve momento bastante alto na altura em que se debateu a legislação ordinária sobre esta matéria e é um tema fulcral no debate político e legislativo corrente neste preciso momento. A Constituição consagra um sistema público de ensino que tem de ser universal por um lado (no sentido exacto de que tem de englobar todos os tipos e áreas necessários à satisfação do direito ao ensino) e por outro geral (isto é, deve responder obrigatoriamente às necessidades de toda a gente).

O Estado deve criar uma rede pública de ensino que seja susceptível de dar resposta a tudo isto. Não deve existir necessidade de ensino sem resposta pública e a resposta pública deve ser adequada para que todos os que têm a necessidade a vejam satisfeita, devendo os outros estabelecimentos, designadamente os de carácter privado e cooperativo, inserir-se no sistema, mas com o carácter decorrente do artigo 75.° e não outro. Este é o primeiro patamar de raciocínio a fazer nesta matéria.

Segundo patamar de raciocínio: o Govêrno aprovou recentemente legislação na qual pretende plasmar uma perspectiva contrária a esta, considerando que onde haja estabelecimentos privados, e creio que cooperativas, de ensino o Estado se deve abster de exercer o seu dever de criar uma rede de estabelecimentos públicos. Entende-se que estando "satisfeitas" as necessidades dos cidadãos através de estabelecimentos privados e cooperativos o Estado fica dispensado de intervir através da criação de estabelecimentos públicos, entendimento que quanto ao PCP não tem a mínima cobertura constitucional.

É evidente que a substituição da cláusula constitucional em vigor pela cláusula proposta pelo PSD significaria uma alteração do quadro, e uma alteração que não se pode qualificar como mínima. É bastante diferente uma cláusula que proclama o sistema público de ensino universal e geral e uma cláusula que diz que o Estado assegurará o direito ao ensino mediante uma rede "adequada" de estabelecimentos públicos. O que eu não ouvi nesta sala a propósito de propostas em que o meu partido falava de medidas "adequadas" e a propósito do espaço bastante vasto que se recobre através da alusão contida no adjectivo "adequado". Adequado pode ser muita coisa, em função dos momentos, etc. Agora uma coisa é certa: pode não ser universal em geral. Ora, o sistema é universal, deve ser universal, é geral e deve ser geral. É isto que a Constituição estabelece. O que o PSD estabelece é muito diferente. Portanto, não vale a pena o Sr. Deputado Cosia Andrade diminuir o alcance da proposta. Esta é uma proposta chave do PSD, esta é uma proposta radical do PSD, uma proposta maximalista do PSD e cuja aceitação por qualquer partido susceptível de formar maioria de dois terços alteraria fulcralmente a natureza do sistema de ensino português. Não tenho dúvida nenhuma sobre isto: tal norma propiciaria ao legislador ordinário uma margem de manobra para inverter e para criar um sistema público minimalista, um sistema público mínimo, circunscrito a alguns graus de ensino, quiçá ao grau mínimo, por assim dizer, ao básico, e, por outro lado, para conter a expansão do sistema de ensino público, designadamente nos graus superiores, permitindo ao ensino privado o domínio e a penetração nos sectores mais relevantes, constituindo seu monopólio com abstenção das entidades públicas. Tal seria da maior gravidade, nada compatível com a Constituição neste momento, mas poderia passar a ser compatível, assim obtivesse a maioria adequada para esse efeito. Portanto, Sr. Deputado Costa Andrade, se o pretende obter, ponha em cima da mesa tudo, não vale a pena ocultar ou ladear as implicações atómicas da proposta que apresentou.

Quanto ao n.º 2, insere-se na mesma filosofia, visa, diz o Sr. Deputado Costa Andrade, suprimir uma suspeição. Essa suspeição, se existia, atenuou-se ou anulou-se ao longo do tempo. Neste momento o risco é ao contrário, é o existir um "favor" que tutele o ensino privado em detrimento do ensino público. É essa correlação viciosa, ou perversa, ou invertida, que está estabelecida na nossa circunstância política e no nosso panorama do ensino. Ninguém suspeita que o PSD tenha alguma estatolatria, ou esteja em risco de avançar sobre a escola privada no sentido de a tutelar, a enfeudar ou comer. Não creio que seja esse o risco, e não é de agora que o estou dizendo. Portanto, e em relação ao n.° 2, Sr. Deputado, se a ideia de que há um ensino particular e cooperativo com uma possibilidade de expressão plena, dentro de determinado quadro e sem prejuízo do ensino público, é evidente e banal, uma coisa que ninguém contesta entre nós, o projecto e a filosofia que o PSD apresenta para enquadrar a proposta contida no n.° 2 deste artigo do seu projecto de revisão constitucional tem pressupostos de inversão do status que, tem pressupostos de concessão ao ensino particular e cooperativo de um estatuto e de um conjunto de prerrogativas que significariam uma perspectiva invertida em relação àquela que consta do texto constitucional. Disso nos dissociamos completamente e o PSD tinha tudo a ganhar se não escondesse a natureza real das suas propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aqui está uma intervenção que eu não criticaria veementemente e que até ouvi com gosto. Discordo dela, mas tenho de a respeitar.

Acrescentaria apenas uma nota em relação à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Quero dizer-lhe que não é nosso intuito substituir o sistema de ensino público por um sistema minimalista, porque não acreditamos que um sistema público minimalista garantisse, designadamente, o seguinte: "todos têm direito ao ensino, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar" (artigo 74.°, n.º 1); "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito"; "criar um sistema público de educação pré-escolas; "garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo"; "garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística". É com esta espessura que entendemos o direito ao ensino, que o Estado é obrigado, segundo a nossa proposta, a assegurar através de uma rede adequada de estabelecimento públicos. É isto, e apenas isto, o que propomos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Deixaria ou não de ter de ser universal e geral? O ensino particular e cooperativo deixaria ou não de ser uma solução, não apenas paralela como actualmente é, mas uma solução possivelmente substitutiva, total ou parcialmente, em determinadas áreas hoje ocupadas pelo ensino público?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, eu não tenho nenhuma possibilidade divinatória nem nenhuma bola de cristal que me permita dizer aquilo que poderia acontecer. Se pela conjugação do sistema do ensino

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particular e cooperativo viesse a assegurar-se que todos têm o direito ao ensino com as características que a Constituição lhe atribui, é-me relativamente indiferente que fosse feito através do sistema público ou através do privado ou cooperativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Pois a nós não, e é por isso que as propostas do PSD são graves.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Penso que, a propósito deste artigo 75.°, demonstra-se em certa medida o que chamaria virtudes omissivas, isto é, as virtudes de quem não propõe alteração e entende que o que está bem.

Nós não vemos grande vantagem em que a propósito deste artigo se reedite em Portugal uma polémica e uma querela sobre o relacionamento entre o ensino público e o ensino particular e cooperativo, quando na prática, independentemente do que se pense acerca da situação em concreto vivida neste aspecto, nos parece que o texto constitucional recobre as preocupações do conjunto da população portuguesa. Em nome da estabilidade social e cultural do País, não há vantagens em reeditar polémicas e querelas que têm muito de fetichista e que mexem muito com um passado mais ou menos próximo, mais ou menos longínquo, acerca do estatuto destas modalidades de ensino, debate do qual previsivelmente não resultará nenhum benefício para o País.

O n.º 2 do artigo 75.° da Constituição já não tem o fantasma que o Sr. Deputado Costa Andrade lhe imputa, na medida em que a redacção actual já é uma redacção alterada pela primeira revisão constitucional, e em 1982 foi votado por uma maioria de dois terços de que fez parte o PSD, na convicção (c há declarações nesse sentido) de que o anátema que existia na redacção originária ficava claramente exconjurado através desta nova redacção que foi consensualmente aceite. Por outro lado, não ilegítima o apoio ao ensino privado e cooperativo de maneira nenhuma, tanto que esse apoio existe de facto, talvez até se possa dizer que nunca existiu em tão larga escala como actualmente.

A expressão "o Estado reconhece o ensino particular e cooperativo" parece-me ser uma expressão cujos contornos são pouco precisos. O que está em causa é reconhecer uma situação de facto, e o Estado não tem de reconhecer a existência de situações de facto. O que é que o Estado reconhece neste caso? Apoia, ainda percebo, agora reconhece é que me parece ser uma expressão ambígua, pouco clara. Reconhece a equivalência dos graus académicos conferidos pelo ensino privado e cooperativo ao ensino público? Mas isso não é o reconhecimento do ensino, e o reconhecimento de graus, é o reconhecimento da resultante da actividade do ensino. Creio que a norma constitucional é uma norma equilibrada e que contempla preocupações que hoje são preocupações comuns à esmagadora maioria dos portugueses, isto é, que haja uma rede de estabelecimentos públicos de ensino e que essa rede cubra as necessidades da população, o que é diferente da proposta do CDS, que diz que tem de cobrir as necessidades do País. Ora, as necessidades do País não são forçosamente as necessidades da população, na medida em que se pode considerar que a necessidade do País é ter uma única escola de Direito, ou ter apenas liceus nas capitais do País, e que isso chega para cobrir as necessidades do País, e aí não haverá correspondência com o conceito de "cobertura das necessidades da população".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Passo a fazer uma breve exposição das razões da posição que adoptamos.

Em relação à proposta do PCP, penso que ela não levanta polémica e é compreensível: visa efectivamente criar certas garantias de qualidade para estabelecer a equivalência.

No que diz respeito à proposta do PSD, deparamos com frágeis argumentos para uma mudança tão profunda. A alteração do n.º 1 foi fundamentada pelo Sr. Deputado Costa Andrade alegando que a expressão "necessidades" é uma expressão relativa, enquanto "rede adequada" já é uma expressão com carácter absoluto. A que parece ser relativa é exactamente a expressão "adequada". E que não se diz só "necessidades", mas sim "necessidades de toda a população".

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu não disse nada disso, Sr. Deputado. Não confrontei a expressão "necessidades" com "rede" nem com "adequada", mas apenas com o direito ao ensino, que é coisa diferente.

O Sr. Raul Castro (ID): - O Sr. Deputado não podia deixar de confrontar a palavra "necessidades" com aquilo que consta do texto constitucional, em relação ao qual o PSD apresentou uma alteração. Não faria sentido que se pronunciasse sobre outra coisa, a não ser sobre as razões que o levaram a substituir a expressão actualmente em vigor pela que propõe.

Relativamente ao n.° 2, também foi dito pelo Sr. Deputado Costa Andrade que a expressão "fiscaliza" traduziria uma atitude de desconfiança...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não foi nada disso.

O Sr. Raul Castro (ID): - Também não foi nada disso?! Foi isso que ouvi, ou então estou a entender tudo ao contrário. De qualquer forma, é isto que ficará registado.

Em primeiro lugar, o Sr. Deputado esqueceu-se de que no próprio n.° 2 proposto pelo PSD se emprega a expressão "fiscaliza"...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu também disse que mantínhamos o termo "fiscaliza".

O Sr. Raul Castro (ID): - Em segundo lugar, esqueceu-se de que, se assim fosse, se "fiscalizar" fosse sinónimo de "desconfiança", então nem sequer haveria conselhos fiscais nas sociedades, porque a sua existência traduziria uma desconfiança.

O problema é realmente mais profundo: é o do corte radical com o texto constitucional em vigor, que estabelece a necessidade de uma rede de estabelecimentos públicos cobrindo as necessidades de toda a população e reconhece a existência do ensino particular e cooperativo, atribuindo ao Estado a missão de o fiscalizar. Há na proposta do PSD uma ruptura com tudo isto, ou seja, não só com a rede de estabelecimentos que cubra as necessidades de toda a população, mas também com o próprio papel do Estado em relação ao ensino particular e cooperativo, que o Estado passaria a apoiar.

Naturalmente que esta fórmula poderia ter um mérito, mas caro, qual seja o de saber, se acaso a proposta fosse aprovada, quanto é que o Governo despende com o ensino particular. Esta é uma pergunta à qual nunca obtive

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resposta, e que foi colocada, nomeadamente, ao Sr. Ministro da Educação, do PSD. Se esta proposta fosse aprovada, é provável que nessa altura tal pergunta obtivesse resposta. Isso teria, no entanto, um preço muito caro.

O Sr. Presidente: - Penso que esta pequena troca de impressões chega para vermos até que ponto tem razão o Sr. Deputado António Vitorino. De facto, se vamos mexer muito no que está já assente, e que foi laboriosamente preparado e conseguido, poderemos correr o risco de reeditar questões tremendamente polémicas.

Penso que o que terá justificado a alteração proposta, quer pelo PSD quer pelo CDS, ao n.° 1 é talvez - desculpar-me-ão que vos diga- uma falsa questão. Perguntar-se-á, então, o seguinte: o Estado criará uma rede de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades de toda a população, mesmo aquelas carências que estão cobertas pelo ensino privado? Penso que não, porque o que se refere neste normativo é que se visa a criação de estabelecimentos públicos que cubram a necessidade de estabelecimentos públicos. Não pode ser evidentemente interpretado de outra maneira, pois a rede de estabelecimentos públicos será equivalente à necessidade de recurso a um estabelecimento público. E digo isto na medida em que cada vez mais uma grande parte das necessidades de acesso ao ensino tem sido coberta pelo ensino privado. Portanto, o Estado não tem de dispor de escolas paradas, com os professores a dizer aos alunos que, embora estejam numa escola privada, tem possibilidades de frequentar o estabelecimento de serviço público.

Além disso, há um paralelismo entre este problema e o do Serviço Nacional de Saúde. Também aí VV. Exas. saltam para uma ideia de incentivo à medicina privada. Contudo, pela nossa parte concebemos a medicina e o ensino privados numa relação de complementaridade com o ensino público. Eles complementam-se, pois nenhum pode substituir o outro com vantagens. De facto, em certas condições, um rico pode preferir uma escola privada e um pobre a escola pública.

Ora, a proposta de alteração do n.º 2 do artigo 75.°, da autoria do PSD, não traz nenhuma novidade porque, se o Estado fiscaliza, só pode fiscalizar aquilo que existe. Aliás, um pouco atrás a Constituição prevê a existência de ensino privado e público. Já o problema do apoio é que nos faz uma certa impressão, porque quanto à medicina privada há ideia de incentivo, enquanto para o ensino privado tem-se em conta o apoio, que é, aliás, o maior dos incentivos. Isto poderia trazer a ideia de que a Constituição dá ao Estado a indicação de que deve progressivamente apoiar o ensino privado para substituir o ensino público. Ele liberta-se desse encargo à mediada que vai apoiando a iniciativa privada. Não estamos, porém, muito preparados para dar esse salto e nem me parece que valesse a pena lançarmo-nos nisso.

Dá-me, sinceramente, a ideia de que a expressão inicial "o Estado reconhece e apoia o ensino particular e cooperativo", contida na proposta de alteração do n.° 2 do artigo 75.°, da autoria do PSD, é redundante. E digo isto porque o termo "apoia" provoca-nos a mesma reacção que provocou o incentivo à medicina privada.

O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Presidente, mas parece-me que o termo "reconhece", inserido na redacção do n.º 2 do artigo 75.° da referida proposta, respeita ao reconhecimento de uma situação de facto que existe e tem direito a existir. Ou será mais do que isso?

O Sr. Presidente: - Se o Estado o fiscaliza, também o reconhece!

Vozes.

O Sr. Presidente: - Quanto à proposta de aditamento de um novo n.° 3 ao artigo 75.°, por parte do PCP, ela é do seguinte teor:

Os cursos ministrados fora do ensino público podem ser oficialmente reconhecidos, nos termos da lei, desde que ofereçam garantias de qualidade e de critérios classificativos equiparáveis ao ensino público.

Suponho, pois, que esta redacção vai provocar um efeito - e não vale a pena fugirmos ao problema -, qual seja o de conhecermos já um pouco a posição de cada um de nós nestas matérias.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Também cria uma evidência.

O Sr. Presidente: - Não, o problema não é esse.

Pode não haver a necessidade de constitucionalizar o conteúdo da proposta, pois a Constituição não é um saco sem fundo. Porém, é evidente que esta é uma ideia adquirida, pois tem de haver um mínimo de equiparação em qualidade para que um curso privado possa beneficiar de equivalência oficial a um curso público. Será que é preciso explicitar esta ideia na Constituição ou ela resulta da natureza das coisas?

Entretanto, se a regra tivesse de ser constitucionalizada, não me parece que fosse esta a sua melhor formulação, uma vez que a expressão "podem ser oficialmente reconhecidos" deixa a impressão de se poder verificar ou não o reconhecimento oficial dos cursos privados. A lei referirá em que condições um curso privado será equiparável a um público.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a proposta visa tão-só sublinhar a necessidade de certas cautelas e garantias...

O Sr. Presidente: - Eu sei, Sr. Deputado. Mas acontece que se refere a expressão "podem ser oficialmente reconhecidos" e esta formulação não é a que menos afasta as moscas.

Se entendermos dever consagrar esta ideia - e tudo depende de que essa vontade exista - a formulação terá de ser outra, talvez, no sentido de que a lei estabelecerá as condições ou os requisitos de equivalência entre os cursos privados e os facultados pelas escolas oficiais. É uma ideia que, se bem ajuízo, ninguém recusa.

Srs. Deputados, vamos agora passar à análise do artigo seguinte, ou não?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que estaremos disponíveis para a formulação que V. Exa. adiantou. A nossa preocupação foi precisamente transpor para a Constituição aquilo que parece

- e o Sr. Presidente acabou de o corroborar- um desejo evidente ou uma evidencia desejável. A equivalência justifica-se quando as garantias de qualidade e os critérios classificativos forem equiparáveis. De outra forma não: não se pode fazer equivalência entre coisas desiguais, ou seja, entre a qualidade e a falta dela.

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Ora, transpor isso para a Constituição não é, apesar de tudo, tão pouco importante. Será extremamente relevante num contexto em que se assiste à multiplicação de estabelecimentos de ensino de carácter privado.

Em segundo lugar, peço especificação em relação a uma observação que o Sr. Presidente fez acerca do alcance do actual texto do n.º 1 do artigo 75.° De facto, creio que seria verdadeiramente inconstitucional uma política que, no presente contexto e face a este quadro, sustasse a criação de estabelecimentos de ensino público, impulsionando simultaneamente e financiando, quiçá, a criação de escolas privadas ou cooperativas para cobrir necessidades das populações. Creio que as considerações que o Sr. Presidente expendeu hoje não desmentem isto mesmo que estou a afirmar, ou seja, que seria inconstitucional uma política de malthusianismo e de contenção artificial da expansão da rede pública...

O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) e o sector público não tem de cobrir essa mancha.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Estado na definição da rede publica de estabelecimentos de ensino deve ter naturalmente em conta prioridades geográficas em função de carências, volumes de procura, etc., etc. Isto não é o mesmo que sustentar a suspensão da edificação da rede pública mesmo quando haja critérios que a justifiquem, porque se quer (como quer o Governo!) o florescimento e a expansão do ensino privado.

O Sr. Presidente: - O que faz confusão aos proponentes destas alterações é a expressão final do n.º 1 do artigo 75.° na sua versão inicial, ou seja, "as necessidades de toda a população",

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente. Mas isso assenta claramente num equívoco.

O Sr. Presidente: - Temos, então, para discussão o artigo 76.º, que respeita ao regime de acesso à universidade. Há neste preceito uma velha expressão que cria uma discriminação positiva a favor da entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores na universidade.

O CDS pretende excluir a referencia à entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores na universidade com base na proposta de eliminação da parte final do n.° 1 do artigo 76.º

O PSD deseja igualmente suprimir essa expressão, mas propõe a substituição dessa expressão por "o regime de acesso à universidade deve favorecer a democratização do sistema de ensino, garantindo a igualdade de oportunidades", coincidindo na parte restante com o teor actual do articulado.

O PRD propõe a alteração da parte final do n.º 1 por "e visar a eliminação dos efeitos discriminatórios decorrentes de desigualdades económicas, sociais e regionais, proporcionando igualdade de oportunidades".

Pergunto se o PSD deseja pronunciar-se sobre a sua proposta de alteração do n.º 1 do artigo 76.º

Pausa.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, o projecto apresentado pelo PSD mantém no n.° 2 e altera no n.° 1 o seguinte: elimina a expressão "estimulando e favorecendo a entrada de trabalhadores" e introduz as expressões "favorecer a democratização do sistema de ensino" e "garantindo a igualdade de oportunidades". A supressão desta expressão deve-se fundamentalmente a duas razões ou, melhor, a uma razão que tem em conta dois sentidos possíveis da inserção desta formulação na Constituição. De facto, ou o sentido é garantir a igualdade de oportunidades no acesso à universidade, e isso está garantido no artigo 74.°, nomeadamente no seu n.° 1, ou então pretende-se mais do que isso, ou seja, deseja-se consignar na Constituição uma forma de discriminação positiva, tendo em conta no acesso à universidade o estatuto social de quem o pretende.

Ora, parece-nos que a Constituição tem outros mecanismos de garantia da igualdade sem que, necessariamente, esses mesmos passem pela subversão do sentido fundamental do direito ao ensino e do próprio critério da capacidade, também já ele indicado no artigo 74.º Este preceito tem como critérios de asseguramento do direito ao ensino o previsto na sua alínea d) do n.9 3, que é do seguinte teor

Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística.

Parece-nos que o direito fundamental do ensino tem de obedecer necessariamente a critérios que não sejam, tal como está consagrado no artigo 74.º, os da capacidade e do próprio nível do ensino.

Entendemos que esta formulação de discriminação ao contrário acabará por não fazer sentido, quer face àquilo que se pretende assegurar, designadamente por via da consagração da autonomia universitária no n.º 2, quer face a outros esquemas de criação de uma igualdade real que não colidam e não venham bulir com aquilo que o artigo 76.° pretende garantir. Poder-se-iam colocar outras questões, como seja a de saber como conciliar esta exigência com a própria autonomia universitária ou como consigná-la com um sentido dessa autonomia, na medida em que ela constitui um círculo institucional que gira em torno da protecção do direito ao ensino no sentido de uma prerrogativa com qualidade, obedecendo a critérios de igualdade de oportunidades, mas também de qualidade, que o artigo 76.° não poderá sonegar depois de terem sido admitidas as fórmulas contidas no artigo 75.º Relativamente ao n.º 2 do artigo 76.° o PSD mantém a sua actual redacção.

Finalmente, quero acrescentar o seguinte: para que não haja problemas de entendimento da nossa proposta de eliminação da expressão, contida no n.º 1 do artigo 76.°, "estimulando e favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores", consagramos mais uma vez - e digo "mais uma vez" por acrescentamento ao que já está referido no n.º 1 do artigo 74.º - as expressões "favorecer a democratização do sistema de ensino" e "garantindo a igualdade de oportunidades".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, começaríamos por intervir nos precisos termos em que há pouco iniciou a sua alocução o Sr. Deputado António Vitorino. Pensamos que o artigo 76.9 é um dos tais preceitos da Constituição que, como se encontra redigido, está bem.

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A Sr.1 Maria da Assunção Esteves (PSD): - Disso já nós sabíamos!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr.1 Deputada Maria da Assunção Esteves, creio que V. Exa. produziu uma intervenção tentando demonstrar algo que é relativamente indemonstrável, ou seja, partiu do princípio de que a referência a discriminações positivas no acesso ao sistema de ensino não se justificaria. Contudo, alguns Srs. Deputados do seu partido reconheceram há pouco que há discriminações sociais que limitam o acesso ao ensino. Daí a necessidade de encontrarmos um modo de compensar as discriminações sociais, discriminando positivamente quem é objecto das discriminações da sociedade. Creio, aliás, que a Constituição, no n.º 1 do artigo 76.º, o refere claramente. De facto, estatui quem são aqueles a que se deve favorecer o acesso ao ensino, ou seja, os trabalhadores e os filhos de trabalhadores. Começo, entretanto, a ficar extremamente confundido com a argumentação do PSD: nuns casos, defende a aplicação de medidas que favorecessem determinado tipo de intervenção; noutros casos, encontra formulações que, sendo relativamente vagas, podem questionar os objectivos que diz pretender alcançar. Ao retirar formulações que são bastante exactas, acaba por colocar em causa formulações que nos parecem muito enroladas.

Além disso, a Sra. Deputada estará também de acordo comigo que as capacidades não podem existir apenas enquanto tal, ou seja, ou há condições para que os cidadãos possam demonstrar as suas capacidades ou, se estas mesmas não são criadas, teremos as maiores capacidades, mas não há condições de as demonstrar.

Julgo, pois, que o texto constitucional tem todas estas vertentes do problema em atenção. E isto para dizer também que o que está na lei fundamental tem sido o oposto ao que tem sido a política seguida desde 1976 no essencial e que o facto de tal consagração constitucional se manter deveria significar o mudar de rumo governativo. Deste modo, pergunto-lhe: se com esta consagração constitucional se passa o que se passa, o que se passaria se fosse adoptado um outro tipo de redacção? Com esta redacção constitucional já os trabalhadores e os filhos de trabalhadores ficam fora da universidade ou continuam à porta dela. Se. entretanto, desaparecesse esta discriminação positiva constitucional, o que se passaria?

Neste momento, ainda há pelo menos em relação aos visados a possibilidade de dizerem que têm a Constituição do seu lado, que os objectivos a alcançar e os seus direitos estão legalmente previstos. Se, entretanto, a expressão desaparecesse, nem isso poderia ser dito ou, pelo menos, com tanta veemência como neste momento pode ser dito.

Portanto, penso que estamos a incorrer no erro em que há pouco o seu colega Costa Andrade também incorria em relação ao artigo 75 .Q, ou seja, tentar desvirtuar conceitos que estão definidos com algum rigor no actual texto constitucional. Penso que é negativo mexer em preceitos que tem justificação no texto da Constituição e que se se alterarem podem vir a agravar desigualdades sociais em termos educativos que todos, em princípio, deveremos querer combater.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, quero dizer-lhe que o problema do favorecimento da entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores não é apenas um problema que resulta já do facto de conter em si toda a carga de uma discriminação ao contrário. É, sobretudo, o problema de ele inquinar a própria qualidade do ensino, porque, à partida, cria, paralelamente a outros factores, a outros critérios de selecção, como sejam os próprios critérios das capacidades - e isto partindo do princípio de que está salvaguardada a igualdade de oportunidades -, critérios que não têm a ver com esse sentido da capacidade e da qualidade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - V. Exa. pensa que os filhos dos trabalhadores são os burros e os outros os inteligentes?

A Sr.1 Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, de modo nenhum, Sr. Deputado. O que lhe posso dizer é que pode não se ser filho de trabalhador...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Então onde é que inquina a qualidade?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Neste sentido, Sr. Deputado, ou seja, pode alguém não ser filho de trabalhador e ter mais capacidade do que um filho de trabalhador, e ninguém diz que, no sentido do texto da Constituição, o filho do trabalhador não tem prevalência sobre esse alguém! De facto, o que a Constituição refere e que há um estatuto social que dá um privilégio de entrada. Esse estatuto pode efectivamente inquinar o critério das capacidades.

Assim, estando garantido à partida o pressuposto de que há igualdade de oportunidades, é tão grave, na minha opinião - e lamento se vou desapontá-lo-, estabelecer-se o favorecimento da entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores como critério fundamental - está previsto na Constituição o seu acesso à universidade com privilégios sobre os outros candidatos - como é grave, por exemplo, a segregação na entrada para a universidade por motivos económicos. Aqui o motivo é de estatuto social, de classe social; no outro caso é um motivo económico. Todos os motivos distorcem a qualidade do ensino, não servem o direito fundamental ao ensino e não constituem efectivamente pretextos ou instrumentos adequados para a criação de uma igualdade real - essa, sim, deve ser um pressuposto necessário da garantia do direito ao ensino e ter o seu lugar noutros preceitos da Constituição que não aqui -, distorcendo exactamente o próprio sentido fundamental do artigo 74.°, onde a extensão, os critérios e a qualidade do ensino são definidos de modo bem claro. A questão e essa. Os filhos dos trabalhadores devem ter acesso à universidade no mesmo sentido dos filhos dos outros portugueses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o PS não se pronunciou sobre esta matéria e eu não gostaria...

O Sr. Presidente: - Normalmente, tenho-me pronunciado no fim...

O Sr. António Vitorino (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - O PS pronunciou-se de maneira muito clara. De um modo geral, não formulámos propostas que reduzam os direitos reconhecidos na Constituição aos trabalhadores. Estas discriminações positivas repetem-se noutras constituições. Mas talvez não fosse favorável a esta discriminação positiva caso não estivesse já consagrada - falo pessoalmente e não em nome do meu partido -,

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na medida em que neste domínio esta discriminação pode ser um pouco chocante. Noutros domínios, concebo perfeitamente que os direitos dos trabalhadores justifiquem o "favor". Porém, uma vez que este direito está já consagrado na Constituição, não pretendemos eliminá-lo. Sinceramente, não nos vemos a aderir facilmente a uma solução dessas. Por outro lado, o facto de este direito estar constitucionalmcnte consagrado não tem criado qualquer problema.

De qualquer forma, trata-se aqui de uma orientação no sentido de que quem trabalha e tem dificuldades acrescidas deve nessa medida ter algumas facilidades acrescidas. É o caso do trabalhador que tem de conciliar o trabalho com o estudo. Se não lhe forem dadas facilidades, como poderá ele fazer essa conciliação? Quanto ao filho de trabalhador, pressupõe-se que o trabalhador pertence à classe mais humilde deste país e que o filho terá algumas das dificuldades que tem o pai. Trata-se, pois, de uma extensão da discriminação positiva relativa aos trabalhadores. Na primeira formulação, este preceito estava redigido de forma mais chocante, falando-se nos "filhos das classes trabalhadoras", referencia que na revisão constitucional de 1982 foi eliminada. No entanto, com a formulação actual, não existe, a meu ver, nenhuma razão irrecusável para a sua eliminação.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, provou-se avisada a sugestão que eu tinha feito no sentido de não usar da palavra antes de o PS se exprimir, porque verdadeiramente o meu camarada Jorge Lemos tinha emitido um conjunto de juízos críticos em relação à posição do PSD nesta matéria. Faltava naturalmente apurar outras posições, sendo justa curiosidade a nossa em relação à posição assumida pelo PS sobre este ponto. A intervenção do Sr. Presidente acaba de o comprovar cabalmente.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não sei se se provou que foi avisada ou se foi meramente oportuna.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, admito que seja as duas coisas, o que não me poderá ser censurado. Talvez o contrário, eventualmente, o fosse.

Sr. Presidente, creio que nesta matéria não é de surpreender e não foi desapontador, ao contrário do que receou a Sra. Deputada Assunção Esteves, que o PSD nos tivesse aqui vindo trazer a posição que trouxe. O PSD fez aqui a exaltação ou a apologia bastante confusa de uma meritocracia, mais ou menos mercantil, assente na exaltação das capacidades tomadas como uma abstracção e esquecendo que atrás de certas "incapacidades" e de certas "capacidades" estão realidades de carácter económico, social e cultural bastante profundo.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Para a correcção de desigualdades há outros mecanismos. Não é o eventual sacrifício do ensino que vai corrigi-las ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - No sistema da nossa Constituição, o facto de se estabelecerem discriminações positivas a favor dos trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores não constitui um sacrifício do ensino, mas sim, pelo contrário, uma forma de evitar que certas desigualdades se perpetuem e se agravem e de evitar que alguns vejam acrescidos privilégios enquanto outros são sacrificados -aí sim a palavra é usada com propriedade - e discriminados, que é a palavra exacta para aludir a essa realidade.

O grande drama das propostas do PSD é que ou são o contrário daquilo que diz que são, caso em que surgem como totalmente inúteis, ou então são perniciosas. Se o PSD, que não suprime a alusão a um princípio de igualdade, de garantia da igualdade de oportunidades, visa que certas desigualdades não possam consumar-se e prevalecer na escola, então a boa via, a originária, a directa, a que se explica com todas as palavras, é dizer quem são, em regra, as vítimas das desigualdades na nossa sociedade: são os trabalhadores e os filhos dos trabalhadores. É esse o "nome da rosa". A garantia da igualdade de oportunidades num país como o nosso, com estas características, com esta matriz social, passa pela garantia aos trabalhadores e aos filhos dos trabalhadores das possibilidades de acesso à universidade. A norma constitucional tem um sentido muito preciso: ela visa, entre outras coisas, permitir normas que estabeleçam quotas de acesso para filhos de trabalhadores ou para estudantes-trabalhadores. E suponho ser isto que horroriza a Sra. Deputada Assunção Esteves, isto é, que se possam estabelecer quotas, que não possam formular-se sistemas "meritocráticos" que digam esta coisa profundamente perversa e hipócrita: "Que ganhem os melhores." Depois, os melhores seleccionam-se da seguinte forma: o mçnino Errnciindo tem direito a exn!icsdor e a acesso pivilegiado porque, "tumba, tumba, tumba", fornecem-lhe noções e outros elementos que lhe permitem desenvolver as suas excelsas capacidades, e o outro, sem explicador, sem ensino privado a altere, sem direito a acesso privilegiado a meios de informação e de formação, esse, por "acaso", pelo "jogo normal do mercado", não tem acesso à universidade, é um "incapaz". Coisas do mercado, coisas da sociedade, coisas de igualdade de oportunidades, que é mais igual para uns do que para outros! Ora foi esta visão - que no fundo é darwiniana, assente numa exaltação, puramente abstracta, de uma igualdade postiça e totalmente desmentida pelas realidades cruas do mercado- que a Constituição quis postergar. E é este espírito, é isto tudo que impressiona o PSD, o que não nos desaponta absolutamente nada. Apenas confirma uma determinada concepção que une na mesma adoração velhos falaces e certos bem sucedidos que passaram pela universidade indiferentes às selvas de discriminações e desigualdades brutais.

Não desfazemos tudo isso a golpes de Constituição, mas, ao menos, que não se piore essa realidade através da supressão de cláusulas que permitem discriminações positivas. A luta pela sua efectivação é coisa que passa por outros mecanismos, que fia bastante mais fino e que abre caminho para combates de outra natureza. Porém, no plano constitucional esse desmantelamento é evidentemente pernicioso e o PSD poderia também usar aqui de maior franqueza. A Sra. Deputada Assunção Esteves foi neste ponto razoavelmente mais franca. Mas ao ser mais franca do que o Sr. Deputado Costa Andrade, a Sra. Deputada Assunção Esteves tornou totalmente nua a natureza desigualitária da proposta e do projecto de educação do PSD. Essa clarificação não é inteiramente inútil, mas torna mais cabal e mais justificada a nossa votação contra qualquer proposta deste tipo. Congratulo-me pelo facto de, tanto quanto me pareceu, não estar indiciada uma votação eficaz nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas colocar uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães, antecedida de uma pequena observação.

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Os indícios são indícios, valem como indícios. Mas a pergunta que gostava de fazer ao Sr. Deputado José Magalhães é a seguinte: pretendia saber se a interpretação que o Sr. Deputado fez do valor jurídico de uma norma de discriminação positiva, neste caso, o leva, sim ou não, a aceitar ou a defender os dois corolários que passo a referir. Primeiro, com esta norma de discriminação positiva, a introdução do mecanismo do numerus clausus resulta inconstitucional, no sentido que já o é, defendendo-se portanto que o sistema do numerus clausus actualmente vigente é inconstitucional? Segunda questão: a ausência, na legislação ordinária, de uma norma que traduza uma lógica do tipo da consignação de quotas que o Sr. Deputado José Magalhães referiu prefigura, em sua opinião, uma situação susceptível de ser sindicalizada em sede de inconstitucionalidade por omissão, em virtude do não cumprimento de uma discriminação positiva ou da não tradução em legislação ordinária de uma discriminação positiva?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino fez duas coisas num só acto, o que não sendo tão infrequente deve porém ser assinalado quando acontece. É que neste acto deixou uma pergunta na parte final e na parte inicial deixou uma interrogação. Isto é, ao dizer esta coisa que é banal, aparentemente: os indícios são indícios - que era coisa que todos sabíamos - e tendo eu dito aquilo que anteriormente disse, isso apenas pode ter o significado de os indícios serem de coisa outra do que aquela que eu linha assinalado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não tinha esse significado. Trata-se apenas de uma tentativa de estabelecer a correlação entre os indícios da posição do PS e o tem das intervenções do PCP quanto à questão da revisão constitucional. Era apenas isso. Como tal, era inocente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a esta hora estou inteiramente disponível a admitir qualquer tem em relação ao nosso tem, incluindo o tem do Sr. Deputado António Vitorino.

No caso concreto, a outra questão que é colocada é mais relevante porque e uma questão de conteúdo ...

O Sr. Presidente: - Se puderem ... mudem de tem.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, este tem não me parece indesejável, de parte a parte. De resto, é fácil de ultrapassar.

Em relação aos corolários, por assim dizer, é evidente, Sr. Deputado António Vitorino, que a reflexão sobre o que se deva entender por numerus clausus e o que tem acontecido entre nós são duas coisas totalmente diferentes. Isto é, a criação de regimes de acesso que tenham em conta as necessidades cientificamente calculadas em quadros qualificados e os interesses da elevação do nível educativo, cultural e científico do País podem conduzir a uma coisa chamada "planeamento do acesso", que é a conjugação científica de diversos critérios que têm em conta, por um lado, o que é prioritário em termos nacionais para desenvolver aqueles sectores em que são necessários quadros qualificados, e, por outro, que quem possa não ter lugar "aqui" pode ser encaminhado para "ali", sem prejuízo da sua justa aspiração a uma penetração no sistema de ensino, a fim de elevar as suas capacidades e as suas qualificações, etc. ... Tudo isso é configurável constitucionalmente. Certas modalidades equacionadas e dirimidas em sede de lei ordinária parecem-me gravemente afrontosas do padrão constitucionalmente correcto e adequado. Parece-me que certos critérios através dos quais são impedidas, administrativamente e a esmo, sem base em qualquer planificação ou qualquer quantificação séria, as entradas de candidatos em certas escolas superiores portuguesas não têm absolutamente nada a ver com o artigo 76.° da Constituição. Parece que esse regime é completamente arbitrário e dista, em tudo o que é desejável, dos padrões constitucionalmente adequados e correctos. Em certos aspectos, a realidade da fixação dos quantitativos ou dos contingentes de acesso às universidades portuguesas é uma farsa. Excessivamente se fazem raciocínios com base num número de carteiras, num número de assistentes e num número de monitores, e não com base nas necessidades do País. O Sr. Deputado sabe isso com dados apurados pela sua própria experiência universitária. É essa a triste realidade. A distância entre essa triste realidade e o artigo 76.° e aquilo que é um planeamento é óbvia e dispensa comentários.

Em relação aos corolários quanto à legislação, há neste momento um regime determinado. Uma evolução, uma regressão relativamente a esse regime seria constitucionalmente censurável.

O Sr. António Vitorino (PS): - Censurável é o termo?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Censurável. É esse exactamente o termo que pretendia usar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta tem fundamentalmente duas vertentes, tendo uma delas sido especialmente enfatizada pela Sr.- Deputada Assunção Esteves - foi, aliás, essencialmente nessa vertente que até agora se polarizou a discussão.

Aproveito a ocasião para deixar uma nota relativa a um outro aspecto da nossa proposta, independentemente da posição que se assuma quanto à eliminação ou não da expressão "favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores", que, do nosso ponto de vista, seria adequadamente substituída pela expressão "a democratização do sistema de ensino, garantindo a igualdade de oportunidades". Esta questão está relativamente discutida, não valendo a pena retomar a sua análise.

De facto, a nossa proposta tem ainda um outro aspecto que pelo menos deve ficar registado. Deslocámos a ideia das "necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País" como um limite ou condicionamento do acesso ao ensino superior. Ou seja, o regime do acesso à universidade deve ter isso em conta, mas não como valor prioritário, pois constitui um limite, uma condicionante, do regime jurídico de acesso à universidade.

Consagrámos, em primeiro lugar, a "democratização do sistema de ensino" como valor fundamental, no sentido de que as necessidades em quadros qualificados são uma condicionante do sistema de educação que não deve ser, do nosso ponto de vista, prioritária. De facto, os juízos sobre as necessidades em matéria de quadros são, inclusivamente, juízos contingentes, que podem mudar de dois em dois anos ou de três em três anos, bastando para tal que mude o Governo, que mude a orientação política. Não pode, pois, conceder-se prioridade absoluta a tal juízo, que é contin-

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gente e historicamente mutável, devendo antes dar-se prioridade a outros valores, designadamente ao da realização pessoal, que é um valor fundamental no acesso ao ensino superior.

Independentemente de se saber quais as possibilidades de a sociedade dar devida ocupação a todos os licenciados, deverá deixar-se também, pelo menos como valor, o sinal de que o acesso ao ensino superior é um direito que deve merecer também alguma tutela. Deverá, pelo menos, Ficar na Constituição o sinal desta prioridade. A nossa proposta tem também este sentido, que pretendíamos que fosse tido em conta numa eventual reponderação da norma em sede de votação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pretendia apenas clarificar um aspecto, porque julgava ter percebido o sentido rigoroso da posição do PSD, mas o Sr. Deputado Costa Andrade acaba de introduzir alguma perplexidade.

O PSD propõe porventura que se adite, sem suprimir qualquer segmento da norma vigente, algum conteúdo adicional ao artigo 76.°? Pretende aditar alguma cláusula que aluda à garantia de igualdade de oportunidades a somar à cláusula existente?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, a nossa ideia é a de que o facto de se ter em conta as necessidades em quadros qualificados não deve aparecer à cabeça. Deveria consagrar-se em primeiro lugar outro valor, designadamente o da democratização do sistema de ensino, o regime de acesso à universidade, antes de se mencionar as necessidades em quadros qualificados, elemento que deve naturalmente ser considerado, mas a que chamaria, em termos de teoria do sistema, "ambiente" e não auto referente do próprio sistema. O sistema do regime deveria privilegiar a democratização do sistema de ensino. É evidente que, na nossa proposta, a expressão "democratização do sistema de ensino" se articula com a expressão "garantindo a igualdade de oportunidades", expressões que, no seu conjunto, substituiriam a fórmula "favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores".

De todo o modo, entendemos que, independentemente de vingar ou não a nossa proposta de substituição da expressão "favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores", deve, apesar de tudo, deixar-se um sinal no sentido de que as necessidades em quadros qualificados não são um valor absoluto, ou não devem ser o primeiro limite do regime jurídico do acesso à universidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, agradeço imenso esta clarificação, porque se aquilo que o PSD está disponível para aceitar é o aditamento de uma menção, eventualmente até inicial, a uma noção de democratização do sistema de ensino e incluindo, quiçá, a outra cláusula alusiva à garantia da igualdade de oportunidades, sem amputação do segmento final, não seria de nós que viria objecção a tal coisa, sendo certo que a hermenêutica final é susceptível de ser feita em termos que podem ser razoáveis e que não comprometem aquilo que nos parece ser o alcance fundamental deste preceito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): -Sr. Presidente, pretendíamos, muito rapidamente (visto que a hora já vai avançada), deixar clara a nossa posição sobre a proposta do PSD, que tem sido muito debatida.

Aliás, o Sr. Presidente já sintetizou a questão no sentido de que efectivamente não seria atendível que a expressão referida fosse retirada do texto. Somos da mesma opinião: parece-nos que ela deve permanecer, porque retirá-la seria amputar a Constituição de uma parte muito importante.

O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 77.°, o problema que se põe é o de saber se, na proposta do PSD, os pais devem passar a ter direito a participar na gestão democrática das escolas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Da leitura da nossa proposta relativa ao artigo 77.° resultam duas alterações. Em primeiro lugar, temos o aditamento do inciso "pais"; em segundo, a substituição da expressão "gestão democrática das escolas".

Em nome do PSD, declaro que retiramos a proposta de eliminação da palavra "democrática". E fazemo-lo para facilitar o andamento dos trabalhos.

Não podemos é prescindir do aditamento do inciso "pais", que penso que se justifica por si.

O Sr. Presidente: - Fez muito bem, pois essa eliminação criava-nos algumas dificuldades. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Congratulamo-nos com o facto de o PSD ter revisto a sua posição quanto à eliminação da expressão "democrática".

Quanto ao problema da intervenção dos pais na gestão dos estabelecimentos de ensino, creio que o PSD já tem o problema resolvido no n.° 2 do actual preceito, em que se admite que a lei regule as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, na definição da política e, quando se fala em definição de política, podemos considerá-la de uma forma lata. Sr. Deputado Costa Andrade, envolver uma associação de pais na gestão de um estabelecimento de ensino deveria merecer, antes de qualquer de nós tomar uma posição sobre a matéria, a devida ponderação, porque esta norma viria alterar por completo as normas de funcionamento dos estabelecimentos de ensino e é capaz de criar problemas que, creio, nenhum de nós poderá neste momento equacionar.

O Sr. António Vitorino (PS): - É a guerra civil!

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Todo o poder aos pais!"

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, só algum, o que a lei der.

O Sr. Presidente: - A nós não nos repugna a participação dos pais, embora consideremos que da já está de alguma modo consagrada no n.º 2, não como um direito constitucional mente reconhecido, mas como uma possibilidade que a própria lei ordinária consagra.

Srs. Deputados, amanhã reunimo-nos às 15 horas prefixas e vamos tentar trabalhar até às 21 horas.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 22 horas e 5 minutos.

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Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 31 de Maio de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Lícinio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Apolinário Nunes Portada (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
Herculano da Silva Pombo Sequeira (PEV).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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