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Quinta-feira, 14 de Julho de 1988 II Série - Número 26-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 24
Reunião do dia 1 de Junho de 1988
SUMÁRIO
Finalizou-se a discussão do 8.º Relatório da Subcomissão da CERC, respeitante aos artigos 73.° a 79.º e respectivas propostas de alteração.
Iniciou-se a discussão de 9.º Relatório da Subcomissão da CERC, respeitante aos artigos 80.° a 90.º e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do vice-presidente Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Vera Jardim (PS), Costa Andrade (PSD), Maria da Assunção Esteves (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Raul Castro (ID), Rui Gomes da Silva (PSD), António Vitorino (PS), José Luís Ramos (PSD) e Carlos Carvalhas (PCP).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ontem tive a ocasião de, com grande brevidade e a concisão que recomenda o facto de a declaração ter lugar aqui, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, e não no Plenário da Assembleia, tecer algumas considerações sobre a primeira reacção do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro em concreto sobre certas decisões do Tribunal Constitucional cuja projecção no processo de revisão constitucional é evidente e que desde ontem se tomou absolutamente inegável e irrecusável.
Sobre esta matéria fizemos esta manhã, no Plenário da Assembleia da República, uma declaração que não reproduzirei aqui - dou-a por reproduzida nos seus precisos termos. Apenas gostaria de não deixar de registar para todos os efeitos que, vinte e quatro horas depois, as observações que pude fazer dão-se como plenamente justificadas, infeliz e inteiramente justificadas. Creio que só restará, conhecido que é integralmente o teor das declarações do Primeiro-Ministro, aditar às considerações ontem feitas quatro ou cinco que rapidamente passarei a enunciar.
A primeira é que consideramos não estar conforme com os padrões de honestidade política correntes que se ataque, da forma que ontem pudemos constatar, um órgão como o Tribunal Constitucional, quando é público e irrecusável que não foi o Tribunal Constitucional que desencadeou o processo de fiscalização da constitucionalidade que desembocou nos acórdãos que são do nosso conhecimento. Foi o Sr. Presidente da República. O Governo, o PSD e o Primeiro-Ministro revelam, com esta postura e com o conteúdo das declarações que ontem pudemos ouvir, uma falta de frontal idade, uma falta de coragem política e um enviesamento politicamente inaceitáveis.
O segundo elemento que revela falta de honestidade política é o que decorre de o Sr. Primeiro-Ministro ter dado a entender que a questão da inconstitucional idade seria questão irrelevante, não se suscitariam questões relevantes, o que torna verdadeiramente bizarra a iniciativa do Sr. Presidente da República de requerer a fiscalização e a declaração de inconstitucionalidade uma coisa inteiramente absurda. O Primeiro-Ministro quer fazer passar tanto o Tribunal Constitucional como o Presidente da República por entidades absolutamente incapazes de qualquer juízo de razoabilidade e até de lucidez política, no fundo quer fazê-los passar por dislatados, e isto é extremamente grave do ponto de vista institucional. Finalmente, em termos de honestidade, há um terceiro aspecto a salientar, é que o Primeiro-Ministro imputou ao Tribunal Constitucional consequências sociais e económicas da sua decisão que o Tribunal Constitucional não pode ponderar. O Tribunal não pode, ao avaliar a constitucionalidade de um determinado diploma, entrar em linha de conta com consequências como o desemprego eventualmente gerado ou a não resolução deste ou daquele problema social. No caso concreto, o pacote laboral acarreta desemprego e não emprego - é uma pura mistificação política do Primeiro-Ministro afirmar o contrário-, mas é ilegítimo misturar o plano jurídico-constitucional e o plano mais estritamente económico, social e até político que são absolutamente imiscigenáveis na óptica do funcionamento regular e normal de uma instituição como o Tribunal Constitucional, que só pode considerar o primeiro.
Registam-se, também em relação às questões de concepção política, aspectos mais graves que abordarei rapidissimamente. O primeiro é o da noção de democracia subjacente a esta atitude do Primeiro-Ministro. Creio que ontem se revelou uma vez mais que para o PSD e para o seu chefe a questão da democracia se reduz à existência de um sistema que permita ao PSD e a Cavaco Silva terem, de quatro em quatro anos, um mandato para governar com plenos poderes sem Constituição, sem oposição e agora mesmo, como se vê, sem Tribunal Constitucional, isto é, sem peias. A conformidade entre este conceito e os conceitos decorrentes da Constituição é, como se sabe, nula.
Em segundo lugar, é clara a violação de regras de relacionamento saudável entre órgãos de soberania, entre instituições. Primeiro, o Primeiro-Ministro falou sem conhecer o acórdão, o que é inteiramente inaceitável, irresponsável e viola regras absolutamente elementares. O Primeiro-Ministro não conhece os textos, não conhece os fundamentos, o Primeiro-Ministro não tem o direito de se pronunciar nos termos em que se pronunciou. Em segundo lugar, sugeriu que o Tribunal Constitucional tinha decidido por sua altíssima recreação, o que, como comecei por enunciar, é totalmente falso, é despropositado e visa lançar uma campanha de execração junto da opinião pública. Em terceiro lugar, trata como questão simples e fácil de decidir uma questão de inconstitucionalidade, matéria em que não tem razão, pois existiam muitas entidades que vinham apontando para a inconstitucionalidade gritante que o Tribunal veio a reconhecer em muitos aspectos.
Por último, lançou à execração pública um tribunal que não pode vir defender-se em público nos mesmos termos em que foi atacado e isso é da maior gravidade institucional. É, em nosso entender, clara a finalidade última desta démarche do Primeiro-Ministro. Em primeiro lugar, pretende condicionar o Tribunal Constitucional para viabilizar a execução do seu programa legislativo inconstitucional. Como dizia o Sr. Ministro António Capucho, o Governo pretende em um quarto da legislatura consumar três quartos do seu programa legislativo inconstitucional, o que é da maior gravidade, e pretende criar, através da técnica do empurrão e da chantagem, condições para viabilizar a passagem dessa legislação no Tribunal Constitucional. Por outro lado, pretende condicionar a própria revisão constitucional, mas aí sem qualquer possibilidade institucional de o fazer na medida exacta em que o próprio PSD, como ontem alguém sublinhava, não tem nenhuma proposta em relação ao artigo 53.°, quanto à questão da noção de justa causa. Portanto, ao insistir na via em que insistiu o PSD criou uma grave situação do ponto de vista institucional e político, situação para á qual a saída não pode encontrar-se em termos de ultimato ou de chantagem.
É portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da maior gravidade a conduta do Primeiro-Ministro e do PSD e cria à regularidade dos trabalhos da própria revisão constitucional alguns escolhos que pela nossa parte procuraremos ultrapassar. Não podemos, no entanto, deixar de sinalizar a concepção de democracia a concepção de relacionamento entre órgãos de soberania, a concepção de processo político que está subjacente a mais esta manifestação de autoritarismo, de intolerância e de mal-estar do PSD em relação ao regime constitucional democrático que a revisão constitucional, como se sabe, não pode alterar na sua identidade essencial.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, também pedi a palavra para a usar em relação com a declaração feita ontem pelo Sr. Primeiro-Ministro.
É evidente que a declaração nos causou várias perplexidades, que já ontem, aliás, foram traduzidas numa intervenção para os meios de comunicação social pelo meu colega Basílio Horta, e essas perplexidades têm a ver principalmente com o conflito institucional que pode resultar deste tipo de intervenções. Mas aqui.na Comissão têm relevância porque o Sr. Primeiro-Ministro relacionou o acórdão, cujo comentário fez ontem perante o País, com os trabalhos da revisão constitucional. Não falou da Comissão, mas falou nos trabalhos da revisão constitucional. Acho que essa matéria nos deve preocupar e foi também para nós motivo de grande perplexidade. Constatamos que o Sr. Primeiro-Ministro disse claramente que a decisão do Tribunal Constitucional implicava a necessidade de uma maior rapidez em matéria de revisão constitucional. Ora, nós verificamos que o PSD não tem propostas de alteração para o artigo 53.º da Constituição nem para o artigo 284.° O primeiro diz respeito ao problema da cessação da relação individual de trabalho, à garantia do emprego com as suas conexões com a cessação do contrato individual de trabalho, e o segundo diz respeito à composição do Tribunal Constitucional. Quando o PSD apresentou o seu projecto não viu, em relação a estas matérias, nenhuma possibilidade de escolha constitucional às soluções que integravam o seu programa de governo.
O CDS tem propostas concretas em relação a estes dois temas. Uma primeira em relação ao artigo 53.u, que é uma proposta esclarecedora do sentido da norma correspondente ao actual corpo do artigo e que passaria a ser o n.° 1 e tem realmente soluções no que respeita à composição do tribunal, muito embora não altere o método de eleição dos dez juizes e da cooptação dos três restantes, mas dá indicações, tem um norma sobre o recrutamento desses mesmos juizes.
Entendemos, portanto, as afirmações do Sr. Primeiro-Ministro como um apoio do PSD às propostas do CDS, mas gostaríamos que o PSD o esclarecesse nesta oportunidade e neste momento, sendo certo que uma das disposições já foi discutida - o artigo 53.° Atentas, porém, as novas circunstâncias, qual é a sua posição nesta matéria?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, também queria falar sobre este mesmo tema.
O PS terá ocasião de, mais aprofundadamente e naturalmente em sede mais própria, em nosso entender, perante os meios de comunicação social e o País, comentar e retirar as suas próprias conclusões sobre a intervenção destemperada - a meu ver - do Sr. Primeiro-Ministro a propósito do acórdão do Tribunal Constitucional que recaiu sobre o chamado "pacote laboral".
Em todo caso, não podemos naturalmente deixar de ter em vista que a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro tem, ou poderá ter, reflexos nos trabalhos desta Comissão. Tem-nos de um ponto de vista genérico e de um ponto de vista específico, e era tão-somente quanto a esse ponto de vista específico, que se refere a uma problemática directamente posta em causa na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e que se refere naturalmente a temas que nos preocupam em sede de revisão constitucional, que quereria interpelar os representantes do PSD nesta Comissão no seguinte sentido: disse o Sr. Primeiro-Ministro que a decisão do Tribunal Constitucional certamente iria ter reflexos em sede de revisão constitucional. Não tendo adiantado mais qualquer dado concreto sobre a matéria, quereria nesta sede e neste momento interpelar os representantes da bancada do PSD para que expliquem, se assim o entenderem, esclareçam, se assim o entenderem, que tipo de reflexos - são reflexos que nós não conheçamos já? - se, face à temática da revisão constitucional, são novos reflexos, se são posições que já estavam escondidas, mas que vêm agora a lume. De que se trata, afinal, Srs. Deputados do PSD?
Em segundo lugar, o Sr. Primeiro-Ministro classificou o Tribunal Constitucional de "tribunal político" (sic). E, não constando das propostas do PSD, salvo melhor entendimento, qualquer alteração no que respeita à composição e forma de escolha dos juizes do Tribunal Constitucional, queria perguntar a VV. Exas. se, em primeiro lugar, subscrevem a declaração do Sr. Primeiro-Ministro e, em segundo lugar, se o PSD tenciona ainda, a meu ver sem o poder fazer, apresentar algumas propostas extemporâneas no que diz respeito à composição e forma de escolha dos juizes do Tribunal Constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em relação ao que nos foi directamente perguntado, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que não propomos nenhuma alteração ao processo de eleição dos juizes do Tribunal Constitucional.
Em segundo lugar, em sede e nas instâncias próprias, cada um de nós dirá pelo seus actos, se subscreve ou não as declarações do Sr. Primeiro-Ministro. Não nos sentimos obrigados a isso, até porque não está na ordem do dia desta reunião, nem vejo que tenha sido marcado um período de antes da ordem do dia para se sindicalizar a fidelidade dos membros do PSD às declarações do Sr. Primeiro-Ministro. Isso não está na ordem do dia desta reunião; disso falaremos, pois, nas instâncias próprias, nas ordens do dia próprias, nos lugares e nos tempos próprios.
Em terceiro lugar, quanto aos reflexos que deste incidente podem advir para o processo de revisão constitucional, das duas uma: ou o Sr. Deputado se dirige pelos meios próprios ao Sr. Primeiro-Ministro, perguntando-lhe o que entende por tais reflexos, ou consulta os augures, tentando saber quais os reflexos que o futuro nos trará. Neste momento, não temos nenhuma possibilidade de antecipar o futuro a esse respeito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma observação ao Sr. Deputado Cosia Andrade.
Sr. Deputado Costa Andrade, compreendo que V. Exa. esteja absolutamente impotente para dar uma resposta política a uma questão que o transcende. Quanto à regularidade de colocarmos nesta sede e neste momento as interrogações que pela minha parte coloquei, e outros Srs. Deputados entenderam colocar, creio que não há nada a observar. Não haveria nenhuma razão para quebrar aquilo que tem sido a orientação geralmente aceite, sob pena de nós próprios termos de mudar a orientação que vimos imprimindo à nossa participação.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Far-me-á a justiça, Sr. Deputado, de não ter questionado a regularidade das
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perguntas, mas reconheço-me o direito de lhes responder como quero, onde quero e quando quero. Dito em termos populares, sei que "perguntar não ofende", mas reserve-nos o direito de responder como quisermos e onde quisermos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, até reconheci a V. Exa. mais do que isso. Reconheci o direito à mais incompleta impossibilidade de responder, que é o maior dos direitos que se pode reconhecer a alguém. Mas, pela nossa parte, não podemos deixar de fazer um reparo em relação ao reparo que o Sr. Deputado Costa Andrade fez quanto à legitimidade do uso da palavra para tomarmos posição em relação à situação que foi criada e que é bastante grave do ponto de vista institucional.
A minha pergunta, não desesperando ainda que V. Exa. não esteja inteiramente incapaz de responder, decorre de ter ouvido o Sr. Primeiro-Ministro dizer literalmente que "entende que o Governo que obteve um apoio inequívoco do povo em eleições livres é impedido de concretizar aquilo que prometeu aos Portugueses"; que "nada disto poderia acontecer em outro país da CEE"; que "algo está errado no sistema político-constitucional"; que "isto suscita uma questão decisiva na revisão constitucional em curso"; que "precisamos urgentemente de um texto constitucional plenamente democrático e que não nos coloque em desvantagem perante outros países europeus". Deixa o Primeiro-Ministro depreender que para tudo isto seria necessário consagrar alguma coisa semelhante à plena liberdade de despedir ou alguma coisa semelhante àquilo que vinha consagrado na proposta do PSD e não vem consagrado na Constituição, tendo por isso mesmo sido declarado inconstitucional.
Como é que é possível, Sr. Deputado Costa Andrade, depois de o Primeiro-Ministro ter dito isto perante as câmaras de televisão, a bancada o PSD na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que é a entidade própria e competente para discutir estas questões, que já discutiu o artigo 53.°, que já pôde reparar que o PSD não tem nenhuma proposta em relação ao artigo 53.° na sua redacção actual, que está ciente de quais são as posições públicas e as que aqui foram assumidas pelo PSD, como é que se pode deixar de perguntar ao PSD o que é que quer. Foi no fundo o que perguntei e outros deputados perguntaram. O que é que quer o PSD? Quer o PSD uma coisa perante o País, numa operação de intimidação de pressão e até de afrontamento com um órgão de soberania, e aqui na CERC adopta uma postura bem educada, cordata e absolutamente muda quanto às questões políticas? Se quer, quer e assume a responsabilidade política disso, mas é uma tristíssima figura, Sr. Deputado Costa Andrade. Pela nossa parte, lamentamos imenso que, tendo o Sr. Primeiro-Ministro ido dizer isto à televisão, não tenha ido dizer ao mesmo tempo, ou depois, aos Srs. Deputados que conduta e que respostas é que podem ler quando esta questão for suscitada na CERC. Creio que este também é um fórum adequado para ponderarmos isto. Os senhores não propõem nada em relação ao artigo 53.°, não tiram nenhuma ilação, deixam isso para a segunda volta, deixam isso como privilégio do CDS, vão pensar durante o fim-de-semana? São estas interrogações que lamento não terem resposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Posso perguntar-lhe qual a pergunta que me foi dirigida?
Sr. Deputado José Magalhães, dou como boa a interpretação segundo a qual o Sr. Deputado não acabou com uma pergunta. Mas, se tinha uma pergunta...
O Sr. Presidente: - Vamos pôr no assunto um ponto final. Devo dizer que não teria até agora assistido sem intervir nesta discussão -até porque não estamos num fórum de discussão de política geral, mas de política de revisão constitucional- se não acontecesse que o Sr. Primeiro-Ministro, efectivamente um pouco a destempo e fora de contexto, pôs em causa a revisão constitucional.
Isso deu aos Srs. Deputados legitimidade para colocarem as questões que colocaram.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ninguém questionou a ligitimidade.
O Sr. Presidente: - Estou só a esclarecer por que é que não intervim.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nem ninguém se dirigiu à Mesa.
O Sr. Presidente: - Já agora também queria dizer o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro conseguiu uma originalidade rara nos Estados de direito. É a originalidade de, apesar da separação dos órgãos de soberania, se permitir criticar uma decisão de um tribunal cujo teor não conhece, não no seus fundamentos, mas criticando o próprio tribunal que proferiu a decisão. Imagino o que aconteceria se amanhã o Presidente do Tribunal Constitucional fosse à televisão e dissesse que o Primeiro-Ministro errou em qualquer assunto da sua competência. Se entrarmos por esse caminho, entramos na negação do Estado de direito.
O Estado de direito é também isso, ou seja, a separação entre os órgãos de soberania. E os tribunais constituem órgãos de soberania. Ai de nós no dia em que um primeiro-ministro se permita, sem um reparo, criticar as decisões dos tribunais que lhe sejam desfavoráveis! Não conheço o acórdão do Tribunal Constitucional e, por isso, não estou a defendê-lo, de um ponto de vista técnico. Só o defenderei depois de o conhecer, se for caso disso. Mas defendo o Tribunal Constitucional em si e a liberdade que ele tem de emitir as decisões que entender, sem lhe serem pedidas responsabilidades. É nisso que consiste a irresponsabilidade dos juizes, e o Sr. Primeiro-Ministro, por mais que tente, não vai revogar a regra da irresponsabilidade dos juizes nos nossos tribunais. Foi uma originalidade infeliz. Espero que ele possa acabar por compreender que a única irregularidade que há no nosso sistema político-constitucional é, ao que parece, querer ele próprio governar sem ser fiscalizado pelo Tribunal Constitucional. Felizmente existe esse Tribunal, e se há alguma coisa que está errada é pretender-se a liberdade de governar com violação da Constituição. E não se diga que não se violou a Constituição, porque o único órgão competente para dizer se foi violada ou não é, exactamente, o Tribunal Constitucional.
Dito isto, passávamos ao artigo 78.º, em relação ao qual há uma proposta do PS no sentido de melhorar a redacção do actual artigo 3.º, dando à acção popular, que aqui se encontra consagrada, a mesma redacção que se deu aos anteriores casos de consagração ou de proposta da acção popular. Neste caso para defender o património cultural e consagrar o direito à indemnização, quer directa, em caso de lesão individual, quer em relação à colectividade. O PSD,
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por seu turno, mantém o artigo qua tale, mas na alínea a) elimina a referência aos trabalhadores, ou seja, a discriminação positiva constante da alínea a) do n.º 2.
Por parte do PS damos a nossa proposta por justificada, até porque já o foi nos termos de outras propostas paralelas anteriores.
Não sei se o PSD quererá justificar a eliminação da discriminação positiva em relação aos trabalhadores.
Pausa.
Tem a palavra a Sr.1 Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sr.1 Maria da Assunção Esteves (PSD): - Esta eliminação resulta evidente do resto do que se contém na alínea a). Na verdade, o PSD mantém todo o resto do conteúdo da mesma alínea e entende que, ao referir-se aí à expressão "bem como corrigir as assimetrias existentes no País em tal domínio", isto é, no sentido de eliminar privilégios e garantir um acesso igual a todos os cidadãos, não faria sentido uma referência a esta discriminação positiva dos trabalhadores. Portanto, haverá um acesso, por igual, que está garantido através de um conjunto de mecanismos já constitucionalmente previstos, que está reiterado de modo expresso na própria redacção de alínea a), e daí o facto de o PSD entender que será mesmo mais justo e adequado que a garantia de acesso a todos os cidadãos e a correcção das assimetrias existentes no País em tal domínio já justificam a suficiência daquilo que se pretende, e, portanto, dispensando esta referência de discriminação ao contrário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos um daqueles artigos em relação aos quais se diria que as omissões constitucionais são imensas. Talvez a matéria favoreça, embora eu diga isto com alguma mágoa, essa longa e dolorosa inacção do Estado face ao que, no seu conjunto, pretende defender e potenciar. Não podemos ignorar, por exemplo, que a Lei do Património foi aprovada pela Assembleia da República e continua por regulamentar, o que na prática a inviabiliza para introduzir modificações positivas no universo da realidade. Nem podemos ainda ignorar que, relativamente a cada uma das alíneas do n.º 2 do artigo 78.°, tudo ou quase tudo está por fazer. É bom ter esta ideia como ponto de partida para considerar as propostas que estão formuladas.
A proposta do PSD releva de uma coerência ideológica, semântica e sistemática que é indiscutível. A queda do princípio do favor labor atoris aqui é exactamente idêntica à que ocorre noutros domínios, traduz uma óbvia postura, que não coonestamos e em relação à qual nem sequer, penso, que valha muito a pena nesta sede expender argumentos que mutatis mutandis já desenvolvemos a propósito do debate noutros domínios.
Suponho, entretanto, que a proposta do PS já hoje defluiria do regime constitucional - o direito de acção popular poderia ser realizado também pelas associações de defesa do património, desde logo com a sua consagração aquando da última revisão constitucional no artigo 73.fi, n.° 3. De toda a forma, a explicitação a que se procede parece-nos positiva, bem como a consagração - independentemente de algum aperfeiçoamento de natureza técnica e redactiva - do princípio da indemnização em caso de lesão directa a promover pela colectividade ou pelas entidades que são legítimas na matéria.
Entendemos que, por outro lado, o que está aqui em causa releva, fundamentalmente, em termos de uma acção essencial do Estado. O artigo 9.° inclui entre as tarefas fundamentais a preservação do património, pelo que, naturalmente, deveria, neste enquadramento, merecer alguma reflexão aquilo que é possível fazer no sentido de perfeccionar os mecanismos tendentes a uma vinculatividade constitucional do Estado maior do que a que tem ocorrido até ao presente. Ainda neste domínio, é óbvio que o artigo 78.° não é o universo e que, para além dele, muita coisa existe, pelo que poderíamos proceder a notórias benfeitorias que, todavia, não vêm propostas. Não vêm propostas desde logo pelo PCP; não vêm propostas também por outros partidos políticos, certamente tendo em conta que a sede constitucional é uma, com fronteiras próprias, enquanto outra, bem distinta, com um sistema de implicações e interferências diverso, é a da legalidade. De toda a maneira, se o problema da fruição e da criação cultural se nos afigura de tal forma importante, justifica-se então que se avance com uma solução, mesmo parcelar, do tipo daquela que o PS propõe para o artigo 78.° e que, no fundo, é similar de outras que neste capítulo também temos vindo a observar. Não basta agir por forma a pôr termo a todos os meios de degradação do património, nem basta proclamar o imperativo da conservação do património. É bom que a acção popular - que, de resto, como sabemos, ainda não tem nenhuma projecção legal que a torne mais operativa - a continue e se estabeleça o princípio da indemnização por forma a que alguns conhecidos casos - desde logo, o mais chocante, talvez, o da Igreja de Joane - não possam continuar a ser perpetrados como o foram até agora. Portanto, manifestamos a nossa disponibilidade, uma sensibilidade positiva em relação à proposta originária do Partido Socialista e, com a mesma clareza, a nossa rejeição da queda do inciso "em especial dos trabalhadores" que vem sugerida pelo projecto de lei do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Relativamente às propostas de alteração do artigo 78.º pretendo expender o seguinte.
A proposta do PS é uma proposta de sinal idêntica àquela que apresentou para o artigo 66.°, quanto ao ambiente. Já aí tivemos ocasião de referir que a considerávamos uma proposta positiva, e naturalmente teremos agora de repetir o que então foi dito. É efectivamente, nesta matéria da fruição e criação cultural, uma disposição paralela à do ambiente e igualmente positiva, que, portanto, merece a nossa concordância.
Relativamente à proposta do PSD, que exclui a expressão da alínea a) "em especial dos trabalhadores", naturalmente que não vemos razões para eliminar tal expressão. E mais difícil se nos afigura aqui a justificação da sua eliminação, visto que não nos parece haver qualquer explicação plausível para a exclusão dessa expressão, que se insere num todo constitucional que visa, naturalmente, uma protecção especial dos interesses dos trabalhadores aqui assinalada. Por isso, não podemos dar a nossa concordância à eliminação que o PSD propõe.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, em relação à proposta do PS, no n.° 3, queríamos dizer que remetemos para as considerações que fizemos sobre o n.º 4, também da proposta do PS, no artigo 62.°, alínea a).
O Sr. Presidente: - Tal como já foi dito em relação a outras propostas de eliminação de discriminações positivas que favorecem os trabalhadores, por regra não estamos abertos a essa eliminação. Sobretudo depois de lá terem estado. Temos de reconhecer que, também no plano do acesso à cultura, o facto de se trabalhar constitui algum impedimento a esse acesso. Justificam-se de algum modo facilidades acrescidas.
Relativamente ao artigo 79.°, há uma proposta do PS no sentido de o Estado apoiar "as associações e colectividades desportivas na sua missão de concretização do direito à cultura física e ao desporto". Há, ainda, uma proposta de Os Verdes no sentido de. que a lei assegure "a prevenção da violência e dos excessos no desporto" e também no sentido de que "haverá recurso para os tribunais das decisões disciplinares das associações desportivas, nos termos da lei".
A nossa proposta tem uma justificação fácil. Entendemos que o Estado se tem de algum modo demitido de promover o desenvolvimento do desporto, nessa missão tendo sido suprido pelas associações desportivas, mais ou menos espontâneas. Não se justifica que o Estado continue a pôr-se de fora desta obrigação fundamental. Se hoje temos de reconhecer que o papel das associações desportivas é insuperável, ao menos que elas sejam apoiadas pelo Estado, na medida em que ele é substituído por elas na realização desses valores.
Quanto às propostas de Os Verdes, não está cá ninguém para as justificar e, portanto, darei a palavra a quem a pedir.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-nos que as propostas constituem óbvias benfeitorias, independentemente do grau de tratamento que, em termos técnico-jurídicos, viermos a dar, ulteriormente, a cada uma das sugestões avançadas.
A proposta do PS explica-se por si própria, pois não faz sentido que ao Estado não incumba o apoio às associações e colectividades desportivas, na sua função de concretização do direito à cultura física e ao desporto. Importa que tal aqui esteja explicitamente, pois o que defluiria do artigo 79.°, n.º 2, poderia ir um pouco neste sentido, mas por via interpretativa. Agora passa a dizer-se de forma clara alguma coisa que para nós é positivo.
Já quanto ao conjunto de propostas formuladas por Os Verdes, penso que valerá a pena ponderar um pouco. Com efeito, se o proposto novo n.° 3 visa a prevenção, tanto quanto possível, da proliferação da violência, dos excessos animosos do desporto, todo e qualquer que ele seja, e onde quer que se pratique, o n.º 4 coloca problemas que são de extrema importância e para os quais deveríamos estar alertados. Por exemplo: se nós nos recordarmos que a Federação Portuguesa de Futebol é hoje uma entidade que vive quase à margem das leis fundamentais do País - desde logo da Constituição, mas também ordenamentos legais concretos -, teremos de pensar e concluir que o que vem proposto releva da consideração de que este estado de coisas não pode manter-se. Nós conhecemos o que se está a passar, desde há anos, neste domínio, em que várias associações têm levantado ponderosos problemas pelas vias multiplicadas de que vão chegando alguns ecos a esta Casa, e o que aqui se prevê é, de facto, a possibilidade de recurso à via judicial das decisões disciplinares assumidas por organizações desportivas.
Nós teremos, naturalmente, de reflectir sobre tudo isto, mas a ideia de que a autonomia - pelo menos orgânica - do disposto é, de todo em todo, incompatível com a interferência de órgãos do Estado que lhe sejam alheios é alguma coisa que se me afigura um tanto bizarra em democracia. Não me parece essencial defender que a autonomia orgânica (pelo menos) das diferentes organizações ou entidades desportivas pressuponha uma existência de mecanismos de auto-regulação absolutamente revéis às leis gerais da República e, desde logo, à Constituição. O que conhecemos é suficientemente grave para que possamos passar por cima da realidade sem uma pronúncia. Neste momento, a opinião que emitimos vai no sentido de acolher - como um sinalizar de importantíssima problemática - a proposta do n.° 4 para o artigo 79.º, promanada do Partido Os Verdes, dando o nosso acordo de princípio para o lobrigar de uma solução técnica capaz de exprimir as preocupações que acabo de traduzir, de encontrar uma formulação normativa que ponha termo a irregularidades que todos condenamos e que não podem nem devem permanecer com o nosso consentimento, mesmo que pelo silêncio.
Era esta observação de carácter geral que eu gostaria de fazer naturalmente para despertar algum debate em torno deste problema por parte dos Srs. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço a palavra apenas para tecer um breve comentário sobre as propostas do PS e do Partido Os Verdes.
Quanto à proposta do PS, parece-nos que o aditamento em questão no n.° 3 é apenas uma enfatização do que já se contém no n.° 2 e, portanto, uma enfatização de certo modo desnecessária, que, não caindo no nosso desagrado, não cai também no nosso encantamento. Mas é uma questão a considerar posteriormente.
Quanto ao projecto de Os Verdes, merece a nossa atenção mais demorada, sobretudo o n.° 4 do artigo 79.° Entendemos que o problema das decisões das associações desportivas não pode ser deslocado da lógica que preside à solução de conflitos no quadro das associações desportivas internacionais e até das regras que em matéria de desporto são internacionalmente adoptadas. Parece-nos que o texto constitucional deve acautelar eventualmente - não considerando esta hipótese com tanta veemência - a hipótese de haver uma certa dissonância entre o que se se consagraria cá dentro e aquilo em que no plano internacional sobre o desporto é^ comummente aceite e tido como o mais adequado. É só esta consideração que queríamos fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Relativamente à proposta do PS, afigura-se-nos que ela é mais do que a enfatização do que já consta do n.° 2 do artigo 79.º, porque, na realidade, o que consta do n.º 2 é que "incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades
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desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e desportiva". Portanto, o Estado que assume uma obrigação, digamos, de braço dado com as colectividades. Mas o que não está aqui dito é que é Estado também deverá apoiar essas mesmas associações e colectividades desportivas no que diz respeito ao desporto. O que está dito, em nosso entender, no n.° 2 é que há uma incumbência do Estado que este exerce em colaboração com as associações e colectividades desportivas, mas não se diz claramente, como agora o faz a proposta do PS, que o Estado deverá apoiar as colectividades. Uma coisa é estabelecer o dever do Estado de colaborar com essas associações na promoção do desporto, outra é apoiar as próprias associações. E por isso que nos parece, apesar de tudo, que também esta é uma proposta positiva e que será mais do que a pura enfatização do n.º 2.
Relativamente às propostas apresentadas por Os Verdes, naturalmente que a relativa ao n.º 3 terá o consenso de todos os Srs. Deputados das várias forças políticas.
Já a proposta do n.º 4 pode realmente provocar alguma discussão. Na verdade, até agora as associações desportivas têm funcionado como algo de fechado, sem possibilidade de recurso para a jurisdição normal.
Este é o problema que aqui se propõe resolver em sentido diferente, ou seja, que, nos termos da lei, haja recurso para os tribunais das decisões disciplinares das associações desportivas, o que presentemente não acontece. Parece-nos que tal medida será positiva, na medida em que deixarão de estar exceptuadas do recurso aos tribunais ordinários as decisões proferidas pelas associações, sem prejuízo da sua competência própria, que exercem em diferentes graus.
Entendemos que não deverá continuar fechado o recurso que aqui se admite, pela primeira vez, ou seja, o recurso para os tribunais das decisões disciplinares das associações desportivas. Por isso, Sr. Presidente, tenderemos também a dar a nossa concordância a estas duas propostas formuladas pelo PEV.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer algumas palavras, em primeiro lugar para pôr ênfase e de certo modo defender esta nossa proposta que foi qualificada como não podendo encantar a Sra. Deputada do PSD. Não era, naturalmente, esse o seu objectivo, mas muito mais restrito.
Em todo o caso, parece-nos útil que fique estabelecido na Constituição não só aquilo que já lá está - que o Estado deverá promover, incentivar, etc.. -, mas também o meio que aqui fazemos ressaltar, ou seja, que o apoio e a ajuda do Estado às colectividades e associações desportivas deve ser o meio por excelência desse apoio e dessa promoção. Efectivamente, nós sabemos que o Estado, entre nós, tem muito pouca iniciativa directa nesta promoção do desporto e da cultura física e que esta se vai fazendo através das colectividades, quer elas sejam associações, quer sejam clubes desportivos, etc. O Estado tem apoiado melhor ou pior essas associações e colectividades, mas segundo critérios nem sempre transparentes e que dão lugar, aliás, a críticas provenientes dos mais diversos lados, dos clubes e das associações. Penso que deveria haver mais transparência nesse processo e que a própria dignificação desse princípio no texto constitucional poderá também contribuir tanto para isso como, por outro lado, para de certo modo ser ele também um incentivo a que o Estado tome, plenamente e em sentido amplo, a seu cargo esta promoção através deste meio por excelência que é a ajuda e o apoio às colectividades e às associações desportivas.
No que diz respeito à proposta do PEV - e refiro-me, em primeiro lugar, ao n.° 4 -, é sabido que há uma discussão nos meios desportivos, não só nacionais como europeus, no que respeita precisamente à possibilidade de recurso para os tribunais comuns das decisões dos chamados "tribunais desportivos". Penso que é uma linha correcta não criar, no que diz respeito à justiça desportiva, um ghetto fechado, que dá lugar a muitas coisas que me parecem muito criticáveis nesse plano, mas não aceito de pleno, como é comum em relação a qualquer tipo de conflitualidade, que haja a impossibilidade de uma sindicância desta justiça desportiva e que seja ela mesma também controlável em recurso para os tribunais comuns. Já no que respeita ao n.º 3, embora ele nos mereça simpatia - pelo menos a mim, pessoalmente -, penso que não será necessário estar a Constituição a descer a este pormenor de que a lei assegure a prevenção da violência. A lei já o faz; a violência não é legal entre nós. Não me parece que seja aqui necessária esta chamada de atenção tão específica para um fenómeno, infelizmente muito vulgar - não tanto entre nós, felizmente -, mas que já tem suficiente defesa na lei normal, não me parecendo, portanto, que tenha de ter dignidade constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas responder a dois comentários, um do Sr. Deputado Raul Castro e outro do Sr. Deputado Vera Jardim, sobre a nossa posição em relação a estas duas propostas.
Relativamente ao que disse o Sr. Deputado Raul Castro, fazendo uma separação clara entre a intenção do n.º 2 e, depois, a intenção, que indicava como mais forte, do n.º 3, parece-me que não é tanto assim. De facto, isto quando muito poderá ser uma ligeira enfatização, na medida em que, se o Sr. Deputado quiser analisar a estrutura do dever que o n.º 3 proposto pelo PS consagra, chegará à conclusão de que nem sequer é um dever jurídico, sendo uma meta que o Estado deverá atingir, mas que não impõe ao mesmo mais rigor do que aquele que exprime a ideia de colaboração com as escolas, associações e colectividades desportivas relativamente a esse dever de apoio e de colaboração.
Já relativamente ao que disse o Sr. Deputado Vera Jardim sobre o n.º 3 me parece que há uma incidência sobre a ideia de apoio, e continuo a entender que esta não é mais avançada ou que é apenas quase uma repetição - uma espécie de refrão - do que já se contém no alcance do n.° 2, havendo, no entanto, um aspecto que o Sr. Deputado referiu a que eu queria objectar, na medida em que discordo dele totalmente. Isto é, que o n.° 3 pode retirar a ideia de apoio, mas que não salvaguardará nunca a necessidade de transferência desse apoio. Não é da leitura clara do n.° 3 que o Sr. Deputado pode extrair o evitar de mecanismos não transparentes de apoio do Estado às associações e colectividades desportivas.
O Sr. Presidente: - Para que o Sr. Deputado José Magalhães não tenha que voltar a falar depois de eu intervir - porque gosta de considerar todos os argumentos -, se me permitisse, eu falaria agora, intervindo V. Exa. no fim, de forma a poder tomar em consideração o que todos dissemos.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Devo dizer que também me parece ser o conceito de apoio diferente do conceito de "colaboração". Até porque não se diz que é o Estado que colabora com as empresas, mas sim o Estado em colaboração com as empresas, o que contém uma ideia de reciprocidade.
Devo dizer que, no último governo de que fiz parte, me vi muito aflito para conseguir atribuir aos clubes desportivos, da 1.ª, 2.ª e 3.ª divisões que são as que gerem o dinheiro do totobola, a atribuição de 3 % das receitas do mesmo totobola. Vi-me aflito porque não tinha esta norma na Constituição, ou seja, o Estado não tinha o dever de apoiar os clubes desportivos. Tinha apenas o dever ético, social e moral, pela razão simples de que aquilo que se gasta no desporto se poupa na saúde, na segurança social e no combate à criminalidade, na medida em que o desporto canaliza, inclusivamente, o instinto de luta, etc.. Se somarmos as vantagens do desporto e o que o Estado economiza com ele, chegaremos à conclusão de que é profundamente injusto que o Estado se ponha de fora das custos da promoção desportiva. Bem sei que o associativismo esponianeo tem de algum modo suprido, com grandes doses de entusiasmo, esta falta do Estado, mas isso não justifica que o Estado se mantenha praticamente à margem das dificuldades da actividade desportiva.
Assim, a ideia de um apoio, para lá da colaboração, parece-nos positiva. E penso que a sua negação será muito mais difícil de compreender por parte dos clubes desportivos, que se têm sentido desapoiados a tal ponto que, já depois do último governo de que fiz parte ter consagrado aqueles 3%, eles voltaram a ser postos em causa, tendo sido temporariamente suspenso o seu pagamento. Chegou-se mesmo a pensar numa greve e em deixar de fazer futebol ao domingo, o que teria sido uma originalidade de consequências incalculáveis. Os clubes desportivos aperceberam-se da sua força, fizeram uma ameaça e a ameaça resultou.
Assim sendo, penso que seria muito difícil e muito incompreensível que, tendo sido feita esta proposta, a não apoiássemos com entusiasmo. Bem sei que a proposta não diz qual a dimensão do apoio, mas define uma regra segundo a qual o Estado deve esse apoio a quem tanto dele precisa e tem justificado.
Quanto às propostas do PEV, devo dizer que não se pode ser contra a lei que assegura a prevenção da violência. Só que a Constituição não deve assegurar tudo o que é bom. O proposto é programático e, de preferencia como um número autónomo, entendo que não deve admitir-se. Quando muito, uma menção discreta ao valor da prevenção da violência.
Quanto ao recurso para os tribunais, devo dizer que isso me faz alguma confusão, porque, antes de mais, me parece colidir com o artigo 46.º, que consagra o direito de livremente se constituírem associações e de estas prosseguirem os seus fins sem interferência das autoridades públicas. Ora, um tribunal, como é óbvio, é uma autoridade pública.
Depois, a ponte da jurisdição disciplinar para a esfera judicial só se tem feito a nível do funcionalismo. Vamos funcionalizar os agentes desportivos? Tenho receio disso. Por vezes, as agremiações desportivas sofrem penas e é pena que não seja um tribunal a aplicá-las. Mas digamos que isso é o defeito de uma virtude. Quando muito, a solução seria encarável no caso de penas disciplinares aplicadas a desportistas, não por associações desportivas, mas por organizações oficiais.
Mas tratando-se de medida disciplinar aplicada por uma associação que tem a liberdade estatutária de fazer os estatutos que quiser, não se lhe pode obviar: "Está bem, disseste nos estatutos que a última instância é uma assembleia, mas a lei diz, apesar disso, que a última instância é o Tribunal Administrativo". Como se concilia isto com o direito de livremente se constituírem associações e de, sem interferência das autoridades públicas, prosseguirem os seus fins. Bom é que não criemos confusões onde elas não existem.
E quanto a estes dois pontos, para além do que já referiu o Sr. Deputado Vera Jardim, com o qual concordo, é esta a nossa posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, esta é a homenagem ao Sr. Deputado José Magalhães, iniciada por V. Exa.
O Sr. Presidente: -Não é homenagem, Sr. Deputado. É economia de tempo porque, se ele fala e eu volto a falar, ele toma a falar, e assim fala de uma vez só.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Então, se me permite, Sr. Presidente, pediria um esclarecimento a V. Exa. relacionado com esta matéria.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Presidente salientou que a intenção da proposta do PS era fazer com que o Estado não ficasse de fora nesta matéria e, portanto, responsabilizar o Estado, directamente, pelo apoio às associações e colectividades desportivas. No entanto, pergunto se o PS não terá pretendido ir mais longe. Porque eu diria que, de acordo com a actual redacção do artigo 79.8 e designadamente do seu n.º 2, o Estado está dentro e, porventura, muito dentro desta matéria, porque ao Estado incumbe, com a colaboração das associações, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão do desporto. Devo dizer que entendi assim a proposta do PS e demos-lhe o nosso apoio, com o sentido de que essa proposta sublinha a subsidiaridade da intervenção do Estado, encontrando a incumbência que lhe era cometida no n.° 2 a sua explicitação no n.° 3. Isto é, incumbe ao Estado apoiar as associações, o que quer dizer que o Estado estaria numa segunda linha, não sendo esta, propriamente, uma matéria da sua incumbência directa e sendo a sua interferência neste campo um apoio às associações, essas sim com a incumbência de, em primeira linha, estimular, orientar e apoiar as actividades desportivas, a difusão da cultura física e do desporto, com uma maior eficiência - suponho - do que o Estado, quando directamente incumbido dessa matéria.
Isto fica como uma questão.
O Sr. Presidente: - Mas eu respondo-lhe com muito gosto.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, sem escamotear o melindre do problema que colocou relativamente ao recurso das decisões disciplinares das associações, gostaria de o confrontar com duas questões. A primeira para sinalizar a tendência, que é óbvia e suponho já hoje irrepristinável no direito europeu, para pôr em causa, cada vez mais, uma aplicação corporativizada, fechada e por vezes laivada de aspectos que vão contra as próprias ordens constitucionais dos diferentes países de gerir os conflitos desportivos por via disciplinar sem que possa, em ultima ratio, impor a legalidade sobre práticas que são arbitrárias e que são conhecidas.
A segunda questão é a seguinte: o problema de Saltillo trouxe à flor da realidade portuguesa questões que são deveras interessantes e que importa, neste domínio, ter em conta. Em devido tempo, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se, através de um douto parecer, sobre o saber se os estatutos da Federação Portuguesa de Futebol são ou não inconstitucionais e se algumas das prerrogativas que hoje cabem à Federação Portuguesa de Futebol devem ou não continuar a caber-lhe face ao que a lei fundamental do País estabelece. Saltillo veio dizer-nos, com toda a evidência, que, tal qual as coisas estão hoje, uma qualquer federação portuguesa, seja do que for, pode, à revelia da Constituição e das leis, aplicar sanções desproporcionadas, desmesuradas, inaceitáveis mesmo perante a opinião pública, sem que seja viável opor-lhe o mínimo dos mínimos meios de reacção.
Um outro exemplo é o que nos é dado pelo que se está a passar com a Rosa Mota e a Federação Portuguesa de Atletismo. Mesmo não querendo interferir no problema concreto de saber quem tem razão ou não - e tenho, obviamente, uma opinião que não vou aqui emitir -, importa saber se é ou não possível e desejável o estabelecimento de uma regra de um mínimo de sindicabilidade de determinadas decisões, pelo menos nos casos em que a profissão de atleta esteja sujeita a inscrição obrigatória. Se respondermos que sim, gostaria de saber o que pensa o Sr. Presidente quanto à possibilidade de, através de uma outra redacção - e na minha primeira intervenção tive o cuidado de sublinhar essa possibilidade -, encontrar uma forma de acautelar todas estas minhas inquietações, sem que se abra a porta aos problemas que apontou e que são reais.
O Sr. Presidente: - Quanto à questão do Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer que estranho vê-lo, neste caso, ao arrepio da sua posição habitual, que é a de, normalmente, querer menos Estado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - V. Exa. desculpe, mas está-me a interpretar mal. Eu estava a entender a posição de V. Exa. como querendo menos Estado e estava-me a congratular com ela. Foi esse o sentido da minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que acho que, por vezes, há Estado a mais e, outras vezes, Estado a menos. Por vezes há Estado onde não deve haver. Mas lá que há desequilíbrios nos dois sentidos, isso há. CJ que acontece é que já se criou uma situação de facto que é de algum modo irreversível. Isto é, não penso que seja possível agora parar o Futebol Clube do Porto, o Benfica ou o Sporting para que o Estado tome conta do futebol do País. Esses clubes fazem milagres no suprimento da iniciativa do Estado neste domínio e baste ver as instalações dos grandes clubes, ver o que eles representam em estádios, em ginásios, em promoção atlética e desportiva de alta competição, para verificar até que ponto o Estado está ausente disso tudo.
É ou não é esta uma incumbência do Estado? Se é, ele está substituído por alguém que justifica o seu apoio. Haver apenas colaboração é o que está a acontecer, pois esses clubes estão a colaborar em grandes doses com o Estado, que colabora com eles em pequeníssimas doses.
E aquilo que defendo é: "Já que foste substituído, ajuda porque és o beneficiário." Porquê? Porque aquilo que se gasta no desporto - repito - se poupa na saúde, na segurança social, no combate à criminalidade, no grau de civismo. Ò desporto é um factor de promoção de todos esses valores. É certo que o Estado tem também a incumbência da prática do desporto e tem, ao nível escolar e outros, promovido de algum modo essa prática. Mas temos de reconhecer que a relação entre o Estado e as associações espontâneas é da ordem dos 10 para 90.
Assim, o Estado terá de continuar a suprir a iniciativa privada onde ela não existir. Este é um sector em que a iniciativa privada passou de facto à frente do Estado. E, se aqui há menos Estado, está correcto. Não quero mais Estado; quero é que o Estado ajude.
Quanto à questão do Sr. Deputado José Manuel Mendes, queria dizer-lhe que reconheço que nos casos que focou - o da Rosa Mota e de Saltillo - seria desejável que houvesse uma instância judicial. No entanto, penso que o meu amigo corre o risco de, ao abrir essa porta, aparecer amanhã uma lei paralela a dizer que há recurso das decisões dos partidos e das sanções disciplinares dos mesmos para o Tribunal Administrativo, o mesmo podendo acontecer com qualquer outra associação.
Quando os princípios se mantêm na forma pura, têm defesa. Quando se abre uma excepção, nunca mais se pára. Portanto, faço-lhe a mesma pergunta, mas não quero que me responda, já sei o que será a resposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - No sentido de completamente da intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes e agora, directamente, também em referência à sua interpelação, que tem toda a razão de ser. Simplesmente, a minha apreciação do fenómeno é um tanto diferente: estas associações e federações têm um carácter eminentemente profissional, por um lado, e têm um carácter que me arriscaria a chamar para público, neste sentido - é que o exercício da profisssão de futebolista, de corredor, etc.., está sujeito a inscrição obrigatória nessas federações desportivas. Aí, sou defensor - aliás, sabemos, por exemplo, no que diz respeito à Ordem dos Advogados, que é, essa sim, uma associação de natureza pública, e havia uma reivindicação muito antiga, até dos próprios advogados ou, pelo menos, de alguns deles, que veio a ter consagração- da possibilidade de recurso para o tribunal judicial de penas disciplinares aplicadas pelos órgãos internos da Ordem, porque tem de haver, apesar de tudo, alguma sindicabilidade em associações deste tipo. É evidente que um partido político não tem nada deste tipo de associação profissional. Sei e sou sensível a tudo o que disse sobre o perigo desta sindicabilidade, mas também me aflige o que se forma à volta desta injustiça desportiva que os exemplos apontados e muitos outros poderiam vir a demonstrar: é o desafio de futebol anulado, são dois conselhos que se degladiam e ninguém sabe quem tem razão, porque dizer que o conselho jurisdicional da federação está comprado ou está do lado do clube tal - penso que deverá haver uma válvula de escape, apesar de tudo, nalgumas destas coisas, e talvez uma
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melhor redacção deste n.º 3 pudesse, de certo modo, prevenir as prevenções que o Sr. Presidente fez, e muito bem.
O Sr. Presidente: - Percebi e estou de acordo em dar-lhe já uma sugestão: se entender que isso deve ser consagrado, sem embaraço da sua natureza programática, sugiro uma solução: haverá recurso para os tribunais superiores de decisões disciplinares quando isso se encontrar previsto nos respectivos estatutos. Se dissermos "salvaguardada a hipótese de estar previsto no respectivo estatuto", tudo bem. A lei terá aberto uma porta a quem quiser passar por ela.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente Almeida Santos, não se esqueça que estas associações são de inscrição obrigatória.
O Sr. Presidente: - Não esqueço e não gostaria que assim fosse relativamente a muitas organizações que o são. Mas, se isso estiver previsto nos respectivos estatutos, já a minha resistência se reduz ou mesmo acaba. Não temos o direito de o impor. Abrir uma porta, sujeita à vontade corporativa da associação interessada, é com ele. Não estamos a violar o princípio da livre constituição e do livre funcionamento das associações em geral.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Rapidissimamente, não sei se posso extrair qualquer conclusão, mas gostaria de fazer algumas observações.
O Sr. Presidente: - Poder, pode, mas também pode não ser bem extraída!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação à primeira questão suscitada, creio que todo o debate aponta para algo que é ou poderia ser evidente, até, à partida: é que são duas realidades inteiramente insusceptíveis de confusão, a colaboração e o apoio. Não vou arrolar tudo o que já foi reduzido quanto ao sentido comum sobre o significado distinto destas duas noções. Sucede que temos um lugar paralelo e era para esse aspecto que gostaria de alertar - isso não foi sublinhado e creio que deve sê-lo: é o facto de a Constituição, em outras sedes, designadamente quanto à juventude, ter o cuidado de estabelecer no n.° 3, não só uma previsão de colaboração, como explicitamente, no segmento intermédio da norma, uma obrigação de fomento e apoio das organizações juvenis. Há uma distinção nítida entre uma coisa e outra, desde logo porque a Constituição, ela própria, a promove de forma inconfundível - promove em relação à juventude, não a promove em relação ao desporto. Creio que isto bastaria só por si para tornar insustentável a tese que, com boa vontade e a simpatia possível, a Sra. Deputada Assunção Esteves procurou aqui trazer, de que o aditamento do n.° 3 proposto pelo PS não imporia com mais rigor o apoio que já decorreria, na interpretação da Sra. Deputada - que é bastante original neste ponto -, do actual n.° 2. Infelizmente não é assim, por tudo aquilo que se sabe da génese do artigo em causa; não é assim por causa da distinção muito clara, muito nítida, operada no artigo que acabei de citar, referente aos deveres do Estado quanto às associações juvenis; é mau que essa lacuna, que existe no texto constitucional, não seja colmatada, pelo que a solução do PS é, em si mesmo, positiva.
Duas precisões apenas: implica isso, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito receava, ou sugeria, mais ainda, que o Estado fique obrigatoriamente na segunda linha? Creio que é uma. interpretação deficiente. Não estamos aqui a discutir hierarquias nem primeiras ou segundas linhas - estamos a estabelecer um dever de colaboração que pode ter faces muito diferentes, consoante o Estado, as circunstâncias históricas, o desenvolvimento das associações desportivas, o élan, a orientação concreta, o programa do Governo, a capacidade e habilidade do ministro da pasta, etc.. A Constituição comporta tudo isso; não estabelece nenhuma hierarquia obrigatória, não obriga o Estado a pôr-se "de cócoras" e as organizações a pôr-se "em bicos de pés", nem vice-versa; permite uma grande flexibilidade de esquemas e creio que tudo isso é bom. O Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou por introduzir, de certa maneira, um fantasma de "estaturas" - o que é uma questão que não se coloca relevantemente, que eu saiba, nesta esfera.
Uma outra questão suscitada, merecedora de alguma observação, é sobre o que se salvaguarda e o que não se salvaguarda com esta cláusula que o PS propõe. É evidente que se estabelece um dever com contornos muito similares a outros estabelecidos e esparsos pela Constituição - nem mais nem menos. Não se pode pôr aqui o que aqui não está, designadamente não se pode pôr um dever de transparência e um dever de não discriminação - isto não flui directamente do preceito. O PCP propôs, a propósito do artigo 46.º, a explicitação e clarificação de obrigações de não discriminação e até de não imposição de deveres desproporcionados, etc. O debate então produzido não pode aqui ser reeditado, mas realmente há alguma incompletude constitucional quanto às salvaguardas da atitude do Estado, quando tem iniciativas de apoio. Essa incompletude, se for salvaguardada ou suprida noutra sede, evidentemente, deixará de se verificar quanto ao preceito que o PS propõe. Neste momento, face ao actual texto só poderá, quando muito, evocar-se -como os Srs. Deputados do PS, de resto, fizeram durante o debate originado pela proposta do PCP sobre o artigo 46.º - aquilo que flui da própria natureza do Estado de direito democrático, certos deveres que a Constituição impõe ao Estado de não utilização ou apropriação indevida dos dinheiros públicos, não utilização desses dinheiros para fins eleitoralistas, não utilização desses dinheiros e desses meios para favorecer estes interesses em detrimento de outros, etc. Mas isso é muito genérico e flui, designadamente, do decorrente do artigo 13.°, por exemplo. Nesse ponto, creio que a Sr.1 Deputada do PSD tem razão quando sustenta que se salvaguarda bem, quiçá, a questão da necessidade de apoio, mas não a da necessidade de transparência, pelo menos não apertis verbis.
Em relação às situações concretas de apoio e não apoio, o contencioso a que o Sr. Deputado Almeida Santos aludiu, segundo me informam, não terá, neste momento, o aspecto que descreveu; continua um contencioso sério entre o Governo e as organizações desportivas sobre o sentido e os limites do apoio - mas essa é uma questão que, em sede de revisão constitucional, não nos condiciona ou não nos tolhe. Daquilo que se trata é apenas de estabelecer um dever geral, com contornos gerais. Os nossos dirigentes e clubes desportivos vão ter de continuar a sua luta para conseguir ver satisfeitas as suas reivindicações justificadas, de resto, perante uma atitude governamental de surdez persistente.
Em relação à segunda questão suscitada, creio que seria prudente, quanto à proposta apresentada pelo PEV sobre o n.º 4, guardar alguma cautela e fazer um aprofundamento do estudo da matéria. Desde logo, porque não estamos a discutir a questão longe de casos concretos - há, neste
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momento, um abundante contencioso em torno desta questão que, creio mesmo, está suscitada perante o Tribunal Constitucional. Acabou por ser suscitada perante o Tribunal Constitucional, está em curso o respectivo processo de fiscalização; não sabemos qual possa ser o desfecho - de resto, isso não nos condicionaria para emitir um juízo sobre a matéria, mas creio que seria prudente ter em atenção que certas posições conduzem ao absurdo. Creio que a posição que o Sr. Presidente, deputado Almeida Santos, aqui exprimiu pode ter consequências extremamente graves porque num sistema não corporativo, portanto não fechado, não autárcico, será concebível o exercício de poderes públicos ou quase públicos por entidades sem carácter público, por entidades de raiz privada, sem recurso? Poderá conceber-se que possam exercer plenos poderes quando aquilo que está na sua dependência ou na sua esfera de decisão é algo que pode relacionar-se com valores de enormíssima importância para os cidadãos, designadamente, profissionais ou para entidades que se movem numa determinada esfera? O Sr. Deputado Vera Jardim teceu aqui considerações que me parecem extremamente avisadas.
O Sr. Presidente: - Que há recurso há, só que é um recurso dentro dos órgãos internos. Normalmente há recurso até à assembleia geral das associações.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quando falo em recurso, é em recurso próprio sensu, isto é, recurso para a entidade que, pelas suas características de independência e as demais que a Constituição impõe aos tribunais, possa dizer a última palavra, pela forma própria, sobre um determinado litígio que opõe duas entidades - no caso concreto, ambas privadas.
O Sr. Presidente: - Se leva a sua admiração a esse ponto, tem de admitir que haja recurso em todos os casos, em relação a todas, as associações. A objecção vale para todas as associações.
O Sr. José Magalhães (PCP): -Não, Sr. Presidente. A verdade é que o nosso direito ordinário já consagra amplas possibilidades de recurso, inclusivamente em relação a decisões de cariz disciplinar, em relação, por exemplo, a sindicatos. Isto é, é possível impugnar decisões sindicais do maior melindre, que não ficam dentro da esfera...
O Sr. Presidente: - Porque a lei o diz!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A lei di-lo e deve dizê-lo. E nós não devemos tolher isso, a título nenhum, em sede constitucional. Mas queria colocar na dependência, puramente estatutária, a salvaguarda ou não de um direito subsjectivo que pode ser eminente, um direito subjectivo que tem garantias máximas, incluindo de recurso jurisdicional. Tolher esse direito significa amputar uma das suas componentes fundamentais. O que é que nos autoriza a fazê-lo? Que razão nos autoriza? Teria de haver uma razão bem provada.
O Sr. Presidente: - É esta! É a liberdade de constituição e a liberdade de funcionamento sem intervenção de nenhuma autoridade pública. Além do mais, em termos práticos, se quiser levar a proposta até às últimas consequências que estão aqui, é transformar a vida do Tribunal Administrativo num inferno em que nunca mais decide coisa nenhuma. Terá de arranjar novos tribunais administrativos para julgar os recursos disciplinares.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tal formulação poderá ser inteiramente diversa da presente, mas isso não tem a ver com as considerações que estava a formular. Estava apenas a alertar para um risco, um risco de "fechamento", de colocação na inteira disponibilidade de uma determinada associação de direitos e interesses que podem ser da maior valia. Pode alguém ser impedido de exercer, por um período larguíssimo ou não, um determinado direito - pense-se no direito de participação numa determinada competição desportiva, mas podemos pensar noutros direitos - porque, por qualquer razão, incluindo por desvio do poder, ilegalidade, reserva mental, razões de vindicta, alguém, num determinado momento, apropriando-se dos comandos da direcção de uma estrutura com esses poderes, aplicou uma determinada sanção? Isso pode acontecer. Pode o Estado aceitar isto?! Isso pode implicar danos gravíssimos -não vou discutir aqui nos seus contornos, por enquanto não os conheço, o famoso caso Rosa Mota -, mas, em todo o caso, nessa situação concreta ou noutras, poderão colocar-se questões relacionadas com interesses absolutamente essenciais para um cidadão determinado em que o sacrifício, sem recurso para um órgão independente, é inaceitável.
O Sr. Presidente: - Não posso garantir, mas creio que o organismo de cuja decisão recorreu a Rosa Mota é um organismo oficial, não uma associação privada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é uma federação, cuja natureza jurídica é objecto de intensas reflexões - em todo o caso, exerce poderes públicos, exerce uma certa margem de poderes públicos, não sendo uma associação pública. A questão não se coloca em relação às associações públicas, por razões relacionadas com a sua natureza; a questão, quanto a mim, nem se coloca em relação às associações que, não tendo carácter público, exerçam em certa medida poderes públicos - porque, se exercem em certa medida poderes públicos, na mesma exacta medida tem de haver recurso em relação às decisões que traduzam o exercício desses poderes. Esse é um princípio absolutamente inarredável. A questão pode colocar-se em relação a certas associações de cunho privado que exerçam, em esfera puramente privada, certos poderes e apliquem nesse âmbito -e apenas nesse âmbito - sanções; em relação a isso é que a questão se pode colocar. E então, Sr. Presidente, basta fazer uma formulação que diga que "a lei estabelecerá as condições em que caberá recurso para os tribunais de decisões disciplinares de associações desportivas". Nesse caso terá salvaguardado tudo aquilo que me pareceu que preocupava V. Exa.
O Sr. Presidente: - Menos mal, mas é só programático. Mas também já pode ser assim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já adiantámos a nossa posição em relação a estas matérias, embora sempre na base de uma primeira consideração, sujeita, naturalmente, a um melhor esclarecimento que advenha do debate. Mas neste momento ainda não temos elementos decisivos que nos levem a modificar a posição que, nesta matéria, começámos por adiantar em relação às duas propostas em causa.
Desejava colocar ao Sr. Deputado José Magalhães duas questões.
A primeira é sobre a afirmação de V. Exa. relativa ao artigo 79.° e à proposta do PS, contrariando o tipo de argumentação que tinha sido avançado pela minha colega
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Assunção Esteves, ao dizer que a obrigação de o Estado apoiar estava já prevista no n.° 2 do artigo 79.° V. Exa. invocou, contra esta posição, dois argumentos: um de carácter histórico, outro de carácter sistemático. O argumento de carácter sistemático refere-se ao que resulta do artigo relativo à juventude, onde se diz "apoiar directamente". Não me parece que este argumento seja decisivo; poderá significar tão-só que aí o apoio é mais forte, mais directo, mais óbvio, mas não que também no artigo 79.° haja a incumbência do apoio. Invocou também um argumento de carácter histórico. Seria capaz de o precisar? Devo dizer-lhe, com toda a honestidade, que isto é mesmo um pedido de esclarecimento, porque não disponho neste momento de materiais de carácter histórico em relação a este artigo. Qual o argumento de carácter histórico em que fundamenta esse seu entendimento das coisas?
Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães, na linha de uma argumentação perfeitamente possível, lançou a ideia da continuidade da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado para dirimir todos os conflitos que, em matérias relevantes se suscitem. Este princípio - diz V. Exa. - deve aplicar-se às associações desportivas. Falou também da matéria já prevista nalguns sindicatos. Penso, enfim, que devemos colocar a questão com toda a frontalidade: admite este princípio da continuidade em plenitude, designadamente sem qualquer referencia de carácter histórico concreta, em relação aos partidos políticos? É que já por várias vezes me tenho confrontado com o problema. Admite a possibilidade de recurso para os tribunais no sentido, não da jure dato, mas da modificação da Constituição? Admite que seria uma boa decisão do legislador constitucional consagrar essa possibilidade? Devo dizer que, por força dos meus deveres - e às vezes das minhas falias - de militante do PSD, já se me tem colocado o problema, ora como instrutor nomeado, ora como infractor à disciplina partidária. Já me confrontei com essa situação. O Sr. Deputado José Magalhães admite o princípio da continuidade com essa extensão?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação ao argumento decorrente do artigo 70.º, apenas pretendi não utilizar o argumento atómico, mas o argumento coadjuvante, para procurar situar uma distinção de redacção que me parece perfeitamente flagrante - não pretendi estabelecer o vigor máximo nem bater qualquer record de intangibilidade argumentativa.
Creio que realmente essa diferença resulta de uma certa preocupação - tal como V. Exa. na segunda parte da sua pergunta acabou por, de resto correctamente, referir. Há alguma distinção que, aliás, é flagrante, não vale a pena insistir excessivamente nisso, entre uma obrigação de apoiar organizações determinadas e uma obrigação de apoiar actividades determinadas. É evidente que o Estado estaria obrigado, sempre, a apoiar a prática de difusão da cultura física e do desporto - podia fazê-lo, teoricamente, através de uma actividade directa. Quem quer ter uma associação obtém-na; quem quer construir um ginásio paga-o; quem quer construir um ginásio bom paga-o caro; quanto ao resto, o Estado constrói os seus ginásios, públicos - quem quer ir ao ginásio público vai ao ginásio público, que é um bom ginásio; quem quer ir ao ginásio privado vai ao ginásio de que é capaz, em função das quotas que possa pagar. Não é obrigatório apoiar entidades privadas, não públicas, para promover bem a prática e a difusão da cultura física e do desporto. Como V. Exa. sabe, há sistemas em que o contributo das entidades privadas é praticamente nulo para a educação física e para o desporto e, no entanto, o vigor, a capacidade e os resultados dos desportistas respectivos são reconhecidos mundialmente - é um sistema possível.
Ora bem, não foi esse o sistema para o qual se foi, constitucionalmente - só que, na redacção do artigo 79.°, a importância, apesar de tudo, das organizações desportivas foi matizada. Por isso apelei para a génese do preceito e para alguma memória que o Sr. Deputado pudesse ter desse debate.
A diferença talvez esteja nisto: a preocupação, quanto ao apoio às organizações juvenis, foi expressa com algumas cautelas, para evitar alguma funcionalização. Creio que não há nenhuma razão para não se enterrar alguns desses receios e para não se estabelecer uma solução que hoje, inequivocamente, sem nenhum receio de dirigismos, sem nenhum receio de ver no apoio um veneno para as organizações desportivas, sem nenhum receio de publicização das associações desportivas, etc., permita - no caminho que, de resto, vem proposto pelo PS, no caso concreto - um "mais" em relação àquilo que o n.° 2 estabelece, porque é de um "mais" que inequivocamente se trata.
O argumento histórico vinha, sem cópia de pormenores, no sentido de considerar que não se deve recear minimamente que haja publicização pelo facto de haver apoio.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não está em causa!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas terá estado, Sr. Deputado.
Creio que a intervenção do Sr. Deputado é o melhor sinal de que se perdeu essa memória histórica, logo perdeu-se essa prevenção, logo perdeu-se esse espírito de "estado de sítio" e logo estaríamos em condições de ver aprovada por largo consenso uma norma como esta que vem proposta. Se assim acontecesse, esta evocação, esta digressão pelo passado, teria valido a pena porque, claramente, esse passado está esquecido e ainda bem.
Quanto à questão que V. Exa. me coloca sobre se estaríamos disponíveis para considerar a continuidade ou a plenitude nos termos em que V. Exa. a situou, creio que é preciso distinguir-se, flagrantemente, entre as estruturas de inscrição obrigatória e as outras. Enquanto em relação a determinadas entidades, designadamente certas associações de cunho público ou que exercem poderes públicos, a inscrição é, na nossa lei, obrigatória; em relação a outras entidades, designadamente partidos políticos, a inscrição é libérrima e é acautelada constitucional e legalmente, como V. Exa. sabe, o que leva a que a questão possa considerar-se em termos diferentes, porque o cidadão tem meios de autodefesa e não pode ser constrangido na sua vontade, nem pode ser tolhido no exercício dos seus direitos, nomeadamente de opinião, de expressão, etc., a não ser na exacta medida em que o entenda. A autonomia e o direito de intervenção do cidadão estão acautelados constitucionalmcnte por diversos meios, não há absolutamente forma nenhuma de os tolher, a não ser que ele próprio entenda autotolher-se, auto-disciplinar-se - em certo sentido, essa é sempre uma autodisciplina, nunca pode ser uma disciplina imposta a partir do exterior. Portanto, aí se compreende que as regras legais e os poderes de entidades exteriores sofram compressão ou limitação.
Creio que é uma solução avisada; só com fortes argumentos explicitados e desenvolvidos se poderia conceber qualquer outra solução - V. Exa. não o fez, pela minha parte não o faria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
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O Sr. Vera Jardim (PS): - Penso que poderemos, a propósito do problema do recurso, dar como assente que algum consenso existe nas várias bancadas - quanto mais não seja, um consenso na dúvida. Portanto, a minha "proposta" - se assim se pode chamar, até porque agora também tenho dúvidas quanto à colocação deste artigo - é: o próprio debate nos chamou a atenção para o facto de não ser próprio apenas das associações desportivas; poderá ser, numa versão que é a minha, para as associações de inscrição obrigatória; poderá ser, numa versão mais restritiva, talvez a do Sr. Presidente, deputado Almeida Santos, para as associações no estatuto das quais a possibilidade de recurso esteja já inserta. Isto só no sentido de fazer esta chamada de atenção, ou proposta: que guardássemos pro memoriam...
O Sr. Presidente: - Ou a conciliação desses dois valores: inscrição obrigatória ou, desde que não seja esse o caso, esteja previsto.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Exacto, que guardássemos pro memoriam esta matéria, mas com este sentido, que também queria dar a esta intervenção, de que talvez não fosse este o local próprio para a inserir, mas então que estivesse mais situado no direito de associação, em geral, e não só nas associações desportivas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A sugestão deixada pelo Sr. Deputado Vera Jardim parece realmente de ponderar cuidadosamente, é bastante fecunda, designadamente quanto à questão dos contornos e à da inserção sistemática. Aliás, há outras propostas de aperfeiçoamento da Constituição, em relação ao regime de liberdade de associação - esta seria, seguramente, uma proposta com relevo que, como se viu, dá resposta a situações para as quais é realmente necessário alterar este quadro de dúvidas e de interrogações, de que esta acta é uma expressão, quanto a mim, bastante evidente.
O Sr. Presidente: - Entraríamos agora na parte II, relativa à organização económica, onde nos aguardam algumas dificuldades, isto é: no artigo 80.°, para o qual o CDS propõe uma profunda alteração da actual redacção, substituindo os princípios que se encontram consagrados pela ideia de "um sistema de cooperação, fundado nos direitos do consumidor, na propriedade privada dos meios de produção, na liberdade de iniciativa económica privada e na solidariedade social, orientado no sentido da promoção da justiça e do bem-estar para todos os portugueses"; no novo n.º 2 procura, de algum modo, respeitar os limites materiais das alíneas f) e g) do artigo 290.°, embora esse respeito apareça subordinado ao não prejuízo do disposto no n.° 1.
O PS, na alínea b), em vez de "sectores público, privado e cooperativo", de acordo com a proposta que faz relativa ao artigo 89.Q, refere o sector social; quanto à alínea c), elimina a referência aos "principais meios", propondo apenas "apropriação colectiva de meios de produção e solos"; introduz uma ideia "de acordo com o interesse público", que já estaria implícita mas passaria a estar expressa; na alínea e) substitúi-se a ideia de "desenvolvimento da propriedade social" pela de "protecção do sector social da propriedade". Julgamos nós que, assim fazendo, de todo o modo respeitamos os limites materiais do artigo 290.°, que estão em causa. No caso da alínea c), com uma interpretação a que chamamos evolutiva ou actualista, dado que, se tivéssemos de interpretar a actual alínea c) no sentido do que se pretende - isto é, a apropriação impositiva dos principais meios de produção e só desses -, teríamos de reconhecer que, desde a publicação da Constituição ainda não foi colectivizado um só dos principais meios de produção. Parece-nos que, assim sendo, estamos autorizados, sem violação do limite material em causa, a eliminar a palavra "dos principais", reforçando a natureza potestativa do direito e reduzindo a sua natureza impositiva. Também quanto ao "sector social da propriedade", parece-nos que a ideia da protecção não equivale, obviamente, à ideia de desenvolvimento. Mas dá protecção a esse limite material.
Quanto ao PSD, propõe a pura e simples eliminação deste artigo, em termos que porventura justificará.
O projecto do PRD suprime a alínea e), relativa ao desenvolvimento da propriedade social - na medida em que a elimina sem a substituir, viola um limite material da revisão, no nosso entender, na alínea f) substitui a ideia de "intervenção democrática dos trabalhadores" pela ideia mais soft de "participação democrática dos trabalhadores".
Está à justificação a proposta do CDS, depois estará a do PSD e a do PRD se entretanto vier alguém para proceder a esta justificação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Diria que a proposta do CDS se enquadra num propósito que conviria delinear desde já; inclui a alteração do artigo 80.º, mas inclui também modificações mais vastas na própria parte n, respeitante à organização económica. No título I, dos princípios gerais, além da modificação dos artigos 80.°, 81.° e 82.°, o CDS propõe a eliminação de todo o título II, sobre a estrutura da propriedade e dos meios de produção; propõe a eliminação dos artigos 93.° a 95.° do título III, respeitante ao Plano, propõe a eliminação do título IV, sobre a política agrícola e a reforma agrária; propõe a eliminação de um artigo no título V, sobre sistema financeiro e local, e propõe a eliminação do título VI, sobre comércio e protecção do consumidor, sendo certo que a matéria da protecção do consumidor já a deslocou para a parte I, dos direitos fundamentais.
O Sr. Presidente: - Presumindo: 20 artigos em 30.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É, realmente, de alio a baixo, Sr. Presidente. De facto, assumimos essa intenção do nosso projecto, obviamente.
É neste contexto, portanto, que se insere a alteração que propomos no artigo 80.° e que, mantendo uma constituição económica no texto constitucional, visa no entanto alterar o modelo da nossa organização económica em relação àquele que consta do texto actual. Essa alteração, o modelo que propomos em substituição do actual, não é um modelo liberal, em sentido puro - o que melhor se traduziria na pura e simples eliminação desta parte n da Constituição, o que acontece, aliás, em vários textos actualmente em vigor noutros países; não é um modelo socialista ou socializante, como entendemos que é o modelo actual do artigo 80.° e de toda a parte n; não é um modelo dirigista da economia, como o que encontrava tradução na velha Constituição da República de Weimar, na nossa Constituição de 1933 e noutros textos constitucionais. É, em nosso entender, a tradução normativa da economia real portuguesa, pelo menos da sua parte mais substancial, em termos de repercussão na própria sociedade, traduzida no volume de emprego gerado e também nos respectivos resultados; é um sistema que visa traduzir a ideia da economia social de mercado; é um sistema de cooperação assente no reco-
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nhecimento da propriedade privada dos meios de produção, na liberdade da iniciativa económica e na ideia da solidariedade social, mas no quadro do respeito pela promoção da justiça e do bem-estar para todos os portugueses. É esta a razão de ser do nosso n.° 1 do artigo 80.°, com o qual justificamos e aceitamos a existência, efectivamente, de uma constituição económica, embora reduzida na sua extensão, e aceitamos também as normas anteriores, respeitantes aos direitos sociais.
O n.° 2 do nosso artigo 80.° representa o respeito do CDS pela ideia dos limites materiais de revisão constitucional, designadamente, neste caso, o limite representado pela alínea f) do artigo 90.º, numa concepção que é a da dupla revisão da Constituição. No nosso projecto, o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção fica consagrado no n.° 2, mas sem prejuízo do modelo que consagramos no n.º 1, evidentemente; esperamos a próxima revisão, depois de revisto o artigo 290.°, para emprestarmos uma maior coerência ao articulado da parte económica e, designadamente, a este mesmo artigo 80.º
O St. Presidente? - O PSD quererá justificar por que é que propõe uma economia sem princípios?
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Antes da intervenção que o meu colega fará, queria informar a Comissão do nosso interesse, por força de actividades partidárias, em terminarmos esta reunião cerca das 19 horas, se possível.
O Sr. Presidente: - Concedido, mas com recuperação na próxima semana.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Manifestando também a nossa disponibilidade para o tempo necessário na próxima semana.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - O PSD defende a eliminação do artigo 80.º e fá-lo tendo em vista a continuação do processo de desdogmatização iniciado no primeiro processo de revisão constitucional. Como diria o Prof. Sousa Franco, na primeira revisão constitucional foram retirados os casos mais vistosos dê ideologia; nós, desta vez, neste segundo processo de revisão constitucional, entendemos que se deve completar o processo de desdogmatização, em lermos de organização económica. Este artigo 80.° da Constituição contém princípios constitucionais, disposições que, em nosso entender, são disposições não exequíveis ou disposições programáticas. O artigo 80.°, na sua actual formulação, mantém ainda laivos da formulação anterior que poderia aqui recordar, nomeadamente a alínea c) do próprio artigo. O PSD não aceita a sua inclusão, por isso propõe a eliminação lotai do artigo 80.&, e não aceita porque entende que numa constituição que deve ser um conjunto de normas que una todos os cidadãos, todas as pessoas interessadas no regime, não deve conter, como este contém, nomeadamente neste caso explícito, normas de regulamentação, normas não autónomas, remissivas e exequendas.
No fundo, aquilo que o artigo 80.º enuncia são repetições de outros princípios, princípios que, como veremos mais tarde, estão indicados em outros artigos; isto é, o artigo 80.º transforma a nossa Constituição, neste preciso campo, em duplamente programática. É programática através do artigo 80.° e é programática em cada um dos artigos em que as disposições, que aqui são referidas em termos genéricos, são concretizadas.
É evidente que a alínea a) se poderá remeter para o artigo 85.°, n.º 3, a alínea b) para o artigo 81.°, alíneas e) e f), a alínea c) para o artigo 81.°, alínea e), etc., com alguns artigos tendo ainda remissões para outros artigos já aqui discutidos. O PSD, ao excluir o artigo 80.º na sua actual formulação, não o faz completamente. Para exemplos, citaria que a alínea a) do actual artigo mantém-se na alínea a) do artigo 81.º, do projecto do PSD, como se mantém a alínea b) no artigo 89.º, n.º 1, ou a alínea e) no artigo 89.°, n.ºs 2, in fine, e 4, ou a alínea f) na referência que o PSD faz no artigo 55.°, alínea c).
Resta saber, quanto a nós, se o projecto do PSD viola ou não os limites materiais de revisão constitucional. Em nosso entender, também não viola. E não viola por inclusão em outros artigos, como referi. Não viola nos posteriores e não viola também porque incluídos nos artigos que já discutimos e que incluem alguns dos princípios que aqui, em termos genéricos, são consagrados. Mesmo que desaparecessem os princípios do texto constitucional, os limites materiais não seriam, em nosso entender, violados. É evidente que a seu tempo discutiremos o problema do poder constituinte e discutiremos se se poderão alterar as normas do artigo 290.º
O Sr. Presidente: - Não temos nenhum Sr. Deputado do PRD para justificar a alteração apresentada por este partido.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eis-nos chegados àquilo que suponho ser o momento ansiado pelo PSD, que, em relação às alterações respeitantes à parte I da Constituição foi exibindo um displicente interesse, aqui ou além quebrado por algum aceno de simpatia, mais ou menos vaga, mas em geral pelo aceno de discordância em relação à generalidade das propostas, apresentadas por diversos partidos, de aperfeiçoamento da Constituição no que diz respeito a direitos, liberdades e garantias.
Na constituição económica o PSD empenha, ao que parece, o essencial da sua imagem e visão. E o que decorre da leitura do seu projecto de revisão constitucional e das profundas alterações destrutivas nele contidas neste ponto, bem como no relativo à constituição laboral, e em particular o regime dos despedimentos. Nisso concentra os seus esforços o PSD. Quanto a nós concentra-os no pior sentido, concentra-os no sentido de consagrar constitucionalmente aquilo que é o saldo negativo destes anos em que intensamente foi promovido um processo de recuperação de dinâmicas que só reforçam factores de dependência do País e que visam operar uma inversão de sinal da Constituição, em pontos em que ela, em nosso entender, não deve ser objecto dessa inversão. Gostaria de sublinhar que, ao contrário daquilo que aconteceu com o CDS, que expôs clara, aberta e abissalmente todo o seu projecto, que é de arrasamento da Constituição em relação a tudo o que diga respeito à organização económica, o PSD procurou minimizar a dimensão e as implicações das suas propostas e circunscreveu-se ao artigo 80.°
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Creio que seria pouco e pelo menos ingénuo, embora seja desse que estamos a tratar, que ao abordar-se a questão da parte n da Constituição, relativa à organização económica, espetássemos os olhos, numa crise de miopia, no articulado e, se calhar, nas letras do artigo 80.° - letra a letra, que é um sistema de aglutinação que permite perceber palavras-, esquecendo que o PSD tem em relação à Constituição nesta matéria propostas que são também mais vastas e de gravidade consonante. O PSD" pretende, aliás como o CDS, e quer ir -a seu tempo, entendemos nós que a destempo e com cautelas que devemos pela nossa parte denunciar- completar o conjunto de supressões que encetou na primeira revisão constitucional. Supressões de expressões e de termos, designadamente de tudo o que diga respeito a socialismo, sociedade sem classes, a apropriação colectiva, meios de produção, monopólios, latifúndios, etc.. Mas mais do que isso pretende suprimir, sistemática e metodicamente, referências à apropriação colectiva dos principais meios de produção e a garantias concretas dessa apropriação vertidas no texto constitucional. As propostas do PSD formam um todo e tem uma mesma lógica nestas matérias. Fazem parte do mesmo conjunto de ideias e têm o mesmo fio condutor as propostas de redução dos direitos dos trabalhadores, da limitação do direito à greve, de desarticulação das associações de trabalhadores, de restrição dos poderes das associações sindicais, que já tivemos ocasião de apreciarem outras sedes. Fazem também parte desse projecto os projectos e intensões de desnaturar as causas de despedimento, de instaurar o livre despedimento, de restringir os poderes e os direitos dos trabalhadores que são hoje constitucionalmente tutelados numa medida que, por nossa parte, entendemos não dever ser diminuída, desnaturada ou desarticulada.
Por outro lado, o PSD pretende igualmente suprimir as cláusulas relativas à garantia das nacionalizações, à realização da reforma agrária, à garantia do planeamento democrático da economia nas suas diversas dimensões e pretende instaurar a possibilidade de livre privatização de qualquer empresa nacionalizada ou pública, descaracterizar o artigo 89.° e outros que são hoje parte do perfil constitucional e da organização económica decorrente do 25 de Abril.
No caso do artigo 80.º, o PSD acabou por justificar, em termos que nos merecem algumas observações, a sua proposta de eliminação radical. Dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, creio que como correcção, que o PSD no fundo acaba por propor uma "economia sem princípios", expressão que de alguma forma simboliza a atitude do PSD nesta matéria. O PSD aqui visa promover silêncios constitucionais. Só que ao fazê-lo pretende instaurar e conferir força a gritos inconstitucionais decorrentes das actuações livres de grupos económicos. O PSD pretende que no fundo seja consagrada larga margem de actuação constitucional.
Ao dizer que a Constituição da República é duplamente programática, o Sr. Deputado que defendeu a proposta do PSD quase que diz uma evidencia, eu até diria que é triplamente programática, ou quadruplamente programática, porque como o Sr. Deputado estava numa perspectiva reducionista, ou apostado em olhar o artigo 80.° com os olhos muito perto, não referiu o artigo 9.e, esse "terrível" artigo da Constituição em que se estabelecem as tarefas do Estado. Podia tê-lo feito, já que também é um artigo que o PSD quer demolir e que em nosso entender não deve ser demolido.
Indo ao terreno das propostas, creio que se deve assumir como uma evidência que o artigo 80.º é um sumário, isto é, não passa de uma síntese, síntese de conteúdos constitucionais, mas é uma síntese com o seu papel, a sua função, a sua relevância específica. A sua supressão não seria, por isso, susceptível de deixar de ser interpretada como tendo um determinado significado e um significado que em nossa opinião só podia ser negativo. A visão minimalista aqui exibida pelo PSD é, na realidade, uma forma de apologia de certas dinâmicas de funcionamento da economia que conduzem ao contrário daquilo que o artigo 80.° hoje preconiza. O que a Constituição estabelece encerra as lições de uma história de muitos anos, história bastante negra, de anos de exploração do povo português pelos monopólios. É essa lição antimonopolista, contrária à "liberdade" irrestrita de grupos económicos construindo o seu poder - poder basicamente de exploração -, é essa "liberdade" traduzida no sacrifício de valores eminentes de carácter social, de carácter político até, que a Constituição quis que não pudesse ser instaurada e não tivesse plena expressão. Neste caso menos "liberdade" de monopólios significa mais liberdade em termos globais, em termos sociais, em termos de organização económica e social. Por isso nos parece fundamental que seja salvaguardada a subordinação do poder económico ao poder político democrático, que se salvaguarde em termos adequados a coexistência dos diversos sectores, que não se ceda ou não se vacile na tutela ou na defesa da apropriação colectiva dos principais meios de produção e, por outro lado, que sê assegure a defesa e não a desarticulação do planeamento democrático da economia, a defesa da propriedade social e a defesa da intervenção democrática dos trabalhadores.
Diz o Sr. Deputado: "E, se nada disto aqui estivesse, deixaria de estar?" Eu respondo: no projecto do PSD deixaria de estar. Na Constituição da República tal qual se encontra redigida e deve ser mantida não deixaria de estar, mas haveria uma perda de conteúdo, haveria uma diminuição, haveria um "menos" em relação ao "mais" que hoje existe.
O Sr. Deputado do PSD não justificou minimamente em termos económicos as propostas que apresenta. Gostaria de o ouvir falar sobre as razões que podem levar - suponho que foi isso que o Primeiro-Ministro insinuou ontem à noite- a considerar que Portugal precisaria de "livrar-se" deste artigo para poder enfrentar o "desafio europeu". Curiosamente não enveredou por aí, embora essa seja a conversa mais interessante, sendo, porém, aí que o PSD verdadeiramente claudica, porque não consegue fazer a demonstração de que seja necessário - para enfrentar os desafios do desenvolvimento, do combate ao atraso, do combate à pobreza, da recusa de uma internacionalização que sacrifique a nossa independência - sacrificar a Constituição da República e a nossa organização económica. Em nosso entender, até é necessário defendê-la, intensificá-la, colmatar as suas brechas onde existem. Sobre isto o meu camarada Carlos Carvalhas terá ocasião de alegar extensamente, mas seria interessante que o PSD, que se afoita a propor um silêncio constitucional, já agora justificasse essa quota-parte do constituição que propõe com base em algum argumento económico. Não o ouvimos e é significativo que não o tenhamos ouvido. É significativo também da postura puramente demolidora do PSD nesta matéria: demolidora, mas sem razão.
Quanto às propostas do PS, Sr. Presidente, oportunamente faria preguntas a algum dos Srs. Deputados que eventualmente reforce a especificação que o Sr. Presidente aduziu.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, juro que estava inscrito antes do apelo do Sr. Deputado José Magalhães a que alguém se oferecesse em holocausto às suas perguntas sobre a justificação da proposta do PS.
O PS definiu como um dos objectivos do seu projecto de revisão constitucional a introdução de uma certa descarga ideológica da Constituição centrada naquilo que considera serem normas programáticas de cunho meramente partidário e que sendo normas carregadas de tal cunho sectário constituem factor de querela partidária, de divisão entre os Portugueses e que colocam a Constituição no centro das lutas político-partidárias, sublinhando, por essa via, a própria instabilidade que se gera em tomo do texto constitucional.
Esta lógica de actuação insere-se nos contributos que já demos na primeira revisão constitucional, no sentido de retirar do texto da Constituição algumas normas que tinham exactamente esta característica e que aliás eram de escassa utilidade prática em termos de eficácia interpretativa do próprio texto da Constituição.
A Constituição tal como ela hoje existe já consagra indubitavelmente um modelo económico aberto e plural, um modelo que poderíamos considerar de economia mista. É exactamente esse o aspecto que foi sublinhado pelas sucessivas declarações de voto no Plenário da Assembleia da República no decurso da primeira revisão por deputados do PSD e do CDS, que nessa altura coonestaram as alterações à Constituição que então foram aprovadas e sublinharam o seu apoio a essas alterações colocando ênfase especial no facto de elas propiciarem o pleno desenvolvimento de uma economia mista. Embora a expressão "economia mista" não esteja consagrada no texto da Constituição, nós próprios, no projecto de revisão que apresentámos, colocámos como novo limite material ao poder de revisão no artigo 290.°, alínea g), a existência de planos económicos no quadro de uma economia mista e, tal como nesta alteração, pretendemos com a modificação da alínea g) do artigo 290.º sublinhar em síntese o que é, na concepção do PS, o modelo económico constitucional. Entendemos que esse modelo económico não se resume naturalmente às normas da denominada constituição económica, e por isso tivemos ocasião de sublinhar a importância que atribuamos às normas do título anterior da Constituição, as normas de garantia dos direitos dos trabalhadores e de garantia dos direitos económicos, sociais e culturais, que estão, aliás, em íntima relação com a constituição económica propriamente dita, normas essas que devem ficar inalteradas no seu essencial. O PS propõe, portanto, que seja feita uma ponderação cuidada acerca do conjunto dos normativos da constituição económica que permita encontrar uma solução equilibrada e, em matéria económica, as soluções equilibradas são particularmente relevantes em termos de potenciação da confiança dos agentes económicos e de definição de um quadro claro de intervenção do próprio Estado na economia do próprio agente económico estadual. Não é, pois, objectivo do PS substituir um programa económico por outro programa económico de inspiração sectária, substituir uma ideologia político-partidária da constituição económica por uma outra ideologia político-partidária da constituição económica de sinal contrário, e pensamos que o esforço que o próprio projecto do PS faz em toda a constitução económica é um esforço equilibrado, é um esforço que salvaguarda os valores fundamentais dessa economia aberta, plural, dessa economia mista que entendemos que vigora no nosso país e que constitui o corolário lógico da integração plena de Portugal nas Comunidades Europeias desde Janeiro de 1986. Fizemo-lo com a preocupação de respeitar os limites materiais ao poder de revisão constitucional; daí a solução que o PS encontrou para o artigo 80.°, que, em nosso entender, respeita o limite material da alínea j) do artigo 29O.s da Constituição e flexibiliza a sua tradução normativa em sede de princípios fundamentais da organização económico-social.
O justo ponto de equilíbrio é exactamente este e é integrado pela natureza do poder político que em cada momento for chamado a gerir os destinos do País, em virtude da livre expressão da vontade popular. A questão dos limites materiais não é neste particular uma bizantinice, é uma questão naturalmente relevante. Nós assumimos a eliminação do princípio da apropriação colectiva dos meios de produção e solos como limite material do poder de revisão constitucional no artigo 290.º e pensamos que cumpre prestar homenagem à atitude do CDS que, fiel aos princípios da dupla revisão constitucional e naturalmente insuspeito de ter qualquer paixão assumida ou encapotada pelo princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção, procedeu, tal como nós fizemos, à eliminação do limite material, mas respeitou esse limite nas actuações que introduziu no texto da Constituição, como resulta inelutavelmente da observância da tese da dupla revisão constitucional.
O PSD foi menos cuidadoso nesta matéria e, por muito que as bandeiras ideológicas possam contentar quem as agita, não é pelo facto de serem bandeiras ideológicas que elas são menos relevantes, o que às vezes comporta consequências nefastas para o próprio objectivo que os seus agitadores - sem menosprezo - pretendem alcançar. Pessoalmente não aposto a possibilidade de considerar que o projecto de revisão constitucional do PSD (a ser vertido em lei de revisão constitucional), ao não observar o limite material constante da alínea j) do artigo 290.° da Constituição, poder vir a suscitar ou justificar mesmo o eventual accionamento do mecanismo de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da própria Lei de Revisão Constitucional.
Entendemos que tal possibilidade constitui um risco desnecessário em termos de garantia da estabilidade do próprio processo político da revisão constitucional e penso sinceramente que em matéria tão melindrosa e tão relevante para a estabilidade do ordenamento jurídico-constitucional é preferível sacrificar uma paixão passageira, como o são todas as paixões instantâneas, pela agitação de uma bandeira ideológica à garantia e à segurança do sistema jurídico-constitucional. Para quem não partilhe a minha concepção instantânea da paixão sempre caberá a interpretação da novação contínua da paixão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Queria dizer que verifiquei que o Sr. Deputado António Vitorino fez a justificação da proposta do PS para o artigo 80.º e, na realidade, queria fazer perguntas ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva sobre a justificação que ele apresentou.
O Sr. Presidente: - Parece que há uma pergunta do Sr. Deputado José Magalhães ao Sr. Deputado António Vitorino. Terá de aguardar.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, também queria colocar perguntas ao Sr. Deputado António Vitorino e estou inscrito há mais tempo.
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O Sr. Presidente: - Então faça as suas perguntas aos dois Srs. Deputados.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Começaria então pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva para dizer o seguinte: da sua justificação, Sr. Deputado, resultou que a razão, porventura maior, estarei enganado porque nem sempre se ouve tudo, há lacunas no discurso ouvido que V. Exa. colmatará, mas ficou-me a ideia de que a principal justificação para a proposta de eliminação do artigo 80.8 pelo PSD residia na circunstância de este artigo 80.° no fundo constituir um excesso de verbalismo da Constituição. Isto é, havia aqui como que uma duplicação de princípios que estavam espalhados ao longo de outras normas, e isso seria para o PSD razão suficiente para o eliminar, para evitar esse verbalismo. É uma razão respeitável, porque a nossa Constituição tem excessos de verbalismo, todos sabemos, verbalismos muitos deles inúteis. Mas, Sr. Deputado, essa justificação deixa em claro aquela que nós apresentámos, não para a eliminação mas para a alteração do artigo 80.º, e já houve aqui quem se preocupasse com o problema da constitucionalidade da revisão constitucional, e eu suponho que bem. VV. Exas. têm nesta matéria da constitucionalidade uma experiência agora muito grande e pesada. Acho que efectivamente a deviam considerar.
Sr. Deputado, não lhe repugna, para além da repetição que porventura possa existir, este modelo económico que, como diz o Sr. Deputado José Magalhães, está aqui bem expresso nas várias alíneas do artigo 8O.º? Que é um modelo - o objectivo final desta Constituição - que em 1982 nos permitia congratularmo-nos com a circunstância de se compadecer com uma economia mista, mas que hoje não serve já o País, obrigando-nos a ir mais além. O modelo de caminho para o socialismo assente na apropriação dos principais meios de produção e solos não oferece nenhum comentário ao PSD? Esta era a questão que queria pôr ao Sr. Deputado Rui Silva.
Quanto ao Sr. Deputado António Vitorino, eu queria agradecer-lhe muito a sua referência e dizer-lhe que pela leitura da proposta do PS verifico que há também a preocupação de respeito pelos limites materiais do artigo 290.°, tal como nós ao redigirmos o n.º 2 do artigo 80.9 do nosso projecto. No entanto, há pequenas alterações nas alíneas c) e e) da vossa proposta que me parecem apontar, também elas, no sentido da introdução de pequenas alterações a esse modelo. VV. Exas. não falam de principais meios de produção e solos, eu congratulo-me com isso e congratulo-me com a circunstância de VV. Exas. considerarem que isso é efectivamente compatível com a dupla revisão. E depois, em vez de desenvolvimento da propriedade social, o PS fala em protecção do sector social da propriedade, e também aí me parece haver realmente uma preocupação de maior realismo em relação à economia que temos e não àquela economia que pretendíamos ter, que nunca chegámos a ter e que nunca foi verdadeiramente eficiente, a não ser nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que quer fazer perguntas ao Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tomei boa nota daquilo que me pareceu uma diferença de argumentação, mas gostaria de perceber rigorosamente se há uma diferença de finalidade da parte do PS em relação a algumas das soluções que propõe.
Antes disso registaria, naturalmente porque corroboro, a menção que foi feita à diferença de atitudes entre aqueles que em 1982 se louvaram de enormíssimos êxitos em relação ao desmantelamento da constituição económica e agora acham absolutamente magro e ínfimo tudo aquilo que então foi conseguido, em nosso entender bastante mal ou negativamente.
Não alterámos a nossa posição em matéria de constituição económica, como o Sr. Deputado António Vitorino não referiu mas podia ter referido (é normal, é um cotejo). Foram realmente reformulados em 1982 os princípios fundamentais da constituição económica, incluindo este artigo 80.º, foram alterados os artigos 81.º, alínea f). 82.º, n.º 2, 89.°, n.º 3, e 90.°, n.º 1, e foram retirados os artigos 96.8, 108.° e HO.8 Não é pouco, porque a isto havemos de somar as alterações em relação aos princípios e aquilo a que os Srs. Deputados entenderam então chamar a "desideologização" do texto constitucional, que levava o Sr. Deputado Luís Beiroco a dizer esta coisa pomposa: "alcançou-se o importantíssimo progresso que consiste na supressão da ideia do modelo económico de transição, de ora avante o modelo económico português é o que consta da Constituição e não mais"; suprimiu-se "aquela rápida caminhada para o socialismo colectivista (sic) e autogestionário (re sic) com que o texto de 76 nos queria levar", num salto, pop suponho eu, "do Atlântico para o Adriático"; logrou-se "expurgar da terminologia marxista" o texto constitucional que ficou "desideologizado", "dotado em muito pontos de uma redacção mais realista e maleável". O mesmo deputado dizia outras coisas que constam da p. 226 da Constituição da República Portuguesa, na edição da Assembleia da República. Mas, Srs. Deputados, ao que parece, isto vários anos depois não chega.
O Sr. Deputado António Vitorino evocou tudo isto, mas para se colocar, e era aí que eu queria chegar, numa posição de "equidistância". Entre "os que querem que tudo fique" e "os que querem que nada fique", eis que encontrávamos alguém que tem uma posição do meio da ponte e que seria (evoé!, e finalmente) o PS, com uma solução "equilibrada", que não substituirá um programa do Governo por outro programa do Governo, etc. Queria chegar precisamente à rigorosa aferição, e pedia ao Sr. Deputado que me ajudasse nesse ponto, do grau de equilíbrio atingido pelo PS, porque me parece que esse equilíbrio é um pouco desequilibrado. A ser um equilíbrio, é um equilíbrio que pende mais para um lado que para outro, pende mais para o lado da violação do artigo 290.° do que para o lado do seu acatamento. Era aí que eu gostava de chegar. Sei, Sr. Deputado António Vitorino, que não quer "agitar" qualquer bandeira ideológica, a não ser aquela mesma que agita dizendo que não agita coisa nenhuma. Tomei nota da expressão que utilizou quanto ao facto de o PSD seguir uma má via. Nós também achamos que a via do PSD é péssima, é uma via que ofende grosseiramente o artigo 290.° Tomei nota, com alguma inquietação, do facto de ter usado o presente para aludir a uma coisa que idealiza como futura, isto é, a possibilidade de a lei futura da revisão constitucional poder não observar os limites materiais de revisão. O Sr. Deputado disse: "a lei pode chegar ao Tribunal Constitucional". Eu esperava ouvi-lo dizer: "poderia chegar ao Tribunal Constitucional", porque a lei só pode chegar ao Tribunal Constitucional se o PS aceitar viabilizá-la.
O Sr. António Vitorino (PS): - Posso interromper V. Exa.?
Sou licenciado em Direito, não sou um gramático, é natural que a minha expressão às vezes possa não passar no
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crivo da língua portuguesa do Sr. Deputado José Magalhães, mas o que eu disse foi, e pode verificar nas actas, que se a versão do PSD fosse vertida na Lei de Revisão Constitucional, a Lei de Revisão poderia ser sujeita a fiscalização... Só isto, nada mais. Quando ponho um condicional, como deve calcular, é ao condicional que tudo o mais fica sujeito. Enfim, não vale a pena tirar argumentos políticos de questões gramaticais. Mas, se o quiser, também pode, claro está!
O Sr. José Magalhães (PCP): -Ó Sr. Deputado António Vitoríno, é evidente que a acta regista tudo aquilo que cada um diz, os ses, os não ses, as inflexões dramáticas, as concessões, as interrogações retóricas, socráticas e todas as demais. Não era minha intenção fornecer qualquer sugestão que transcendesse a qualidade mútua que temos de ser licenciados em Direito. Quanto ao dramatismo que cada qual imprime, tudo depende da genuinidade, do estado de espírito e de outras coisas que não cabe aqui sindicar. O que queria verdadeiramente colocar-lhe era, por um lado, alguma coisa que lhe permitisse a clarificação que V. Exa. § acaba de fazer, e já está feita. O "pode" é verdadeiramente um "poderia", a questão é política, não é gramatical. Ficamos mais descansados, na medida em que se possa descansar.
Agora a questão que eu lhe quero colocar é que só poderá ser descansativa em função da sua resposta. A questão é esta: o PS, disse o Sr. Deputado Almeida Santos, considerando a redacção actual da Constituição no artigo 80.°, entendeu que deveria matizar, no que diz respeito à alínea c), o texto actual, substituindo-o por aquele que consta do projecto n.° 3/V. E argumentou: como não foi colectivizado, depois da entrada em vigor da Constituição, presume-se, um só dos principais meios de produção, então não faz sentido manter a norma; deixe-se a norma com a redacção específica e própria, limitada e comedida, "apropriação colectiva de meios de produção".
O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Deputado?
Está a fazer uma pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino. Devia fazê-la a mim. O que eu disse foi que se a norma tiver de interpretar-se, e há quem a interprete como tal e talvez não mal, como uma norma imperativa, como um dever ser no sentido de que devem colectivizar-se todos os principais meios de produção, essa norma até hoje não teve a mínima execução. Isso autoriza uma interpretação, chame-se-lhe evolutiva, chame-se-lhe actualista, chame-se-lhe como se quiser, no sentido de que respeitado o princípio, na medida em que sem o qualificativo, cabem nele todos os meios de produção, os principais e os outros, e a vontade do Estado pode exercer-se no sentido que o Estado quiser. Acabamos -e assumimos a inerente responsabilidade - é com a ideia de uma Constituição que impõe, se é essa a interpretação de que apesar de tudo duvido, a apropriação colectiva de todos - repito todos - os principais meios de produção. Sem violar o limite, é esta a interpretação actualizada, razoável, racional, de uma norma que está na Constituição e que a realidade de catorze ou doze anos não sufragou.
Foi este o conteúdo da minha intervenção, tem inteira liberdade de discordar, mas foi o que eu quis dizer. Só isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, naturalmente exercendo o direito de discordar, gostava que pudesse ser feita uma precisão e nesse sentido dirigi a pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino. Sem prejuízo do alargamento do debate, agradeço a V. Exa. - a resposta que me facultou, porque ela deixa-me com duplas dúvidas.
O Sr. Deputado António Vitorino salientou como gabarito e como mérito do CDS o facto de ter incluído no seu preceito um n.° 2 com o conteúdo exacto que tem. Mas o n.° 2 do CDS, não me refiro ao Dr. Luís Beiroco, mas à proposta de artigo 80.° no n.º 2 em que se diz: "os princípios de apropriação colectiva dos principais meios de produção". O CDS manteve a exacta noção constitucional. Poderemos discutir durante dez horas sobre qual é essa noção, mas a verdade é que se mantém a expressão "principais meios de produção". O PS não faz isso, o PS onde a Constituição refere os "principais meios de produção"...
O Sr. Presidente:-Posso fazer uma pergunta a V. Exa.: prefere a formulação do CDS à do PS?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, a pergunta é de resposta facílima. Prefiro a redacção da Constituição...
O Sr. Presidente: - Não queira agora juntar o que há de bom na proposta do CDS ao que há de bom na proposta do PS. Pergunto a V. Exa. prefere a do CDS? Eu não prefiro!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A pergunta que me deixa é puramente retórica e eu respondo-lhe: não vejo (é essa a posição do PCP que temos sustentado) qualquer vantagem em adoptar quer a redacção do CDS quer a redacção do PS, porque nos parece que há um risco de diminuição do conteúdo. Aliás, a minha pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino...
O Sr. Presidente: - Está a fugir à pergunta. Se tiver de ser só uma delas, qual prefere?
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos, eu não lhe vou perguntar se V. Exa. deseja ficar intacto do coração ou da cabeça, porque suponho que deseja ficar intacto das duas coisas. É normal; o que anormal é que alguém lhe coloque a escolha nesses termos.
O Sr. Presidente: - Se me puserem o problema em termos de opção entre um dedo e a cabeça, sou capaz de preferir o dedo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora bem, essa é a questão, Sr. Deputado Almeida Santos. É que não estamos a discutir entre um dedo e outro dedo, estamos a discutir um princípio fundamental: está em causa o controle público sobre o conjunto da economia. Essa é a questão!
A minha pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino, que já deve estar em acentuada fadiga aguardando alguma pergunta, é esta: Sr. Deputado, como é que é possível sustentar-se que o conteúdo da expressão e do conceito "apropriação colectiva dos principais meios de produção" é afinal de contas actualisticamente a mesma coisa que "apropriação colectiva de meios de produção"? É que o argumento usado pelo Sr. Deputado Almeida Santos carece-me pelo menos estranho. A verdade é que o legislador ordinário não precisava de colectivisar mais o que quer que fosse para garantir uma margem vastíssima e uma garantia altamente relevante do controle público sobre o conjunto da economia, como o CDS aliás se queixa. Não precisava da
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fazer nem mais uma nacionalização, bastava-lhe não desnacionalizar, o que aliás não podia fazer constitucionalmente. Não precisava de garantir mais uma colectivização, bastava-lhe preservar e não destruir, o que infelizmente aconteceu por demais. A questão que se coloca é saber se com a supressão desta cláusula o PS não infringe desde logo os limites materiais de revisão. Parece-me difícil sustentar que não. Talvez o Sr. Deputado António Vitorino consiga estabelecer uma relação de identidade substancial entre a garantia de apropriação colectiva dos principais meios de produção e a garantia de apropriação colectiva de alguns meios de produção, quiçá apenas simbólicos, mas será hermenêutica "maravilhosa"...
O Sr. Presidente: - Posso fazer uma pergunta a V. Exa.? Fico muito feliz por o ouvir dizer que esta norma da alínea c) não impõe de futuro nenhuma outra colectivização, porque, se assim é, ganhou reforço a alteração que propomos. Se a não interpreta no sentido de que o que se quer é que se apropriem o principais meios que ainda não foram apropriados, então a nossa interpretação é perfeitamente correcta, porque a possibilidade de isso se fazer salvaguardámo-la nós. Pode-se colectivizar. O que nós quisemos significar é que não é obrigatória a colectivização. Se o Sr. Deputado nos diz que o que cá está não implica mais nenhuma colectivização, excelente, deu-nos razão. Não há dúvida: deu-nos razão. Se acha isso, raciocinámos com total pertinência.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Srs. Deputados Almeida Santos e António Vitorino, verdadeiramente o que VV. Exas. têm de demonstrar é que a apropriação de alguns meios de produção é a mesma coisa que a apropriação dos principais meios de produção. Quer dizer, na situação histórica do País, que foi aquela que a Constituição teve em conta...
O Sr. Presidente: - Dizemos que na colectivização do todo cabe a colectivização da parte. Mas em nenhum caso a possibilidade da colectivização do todo, no nosso entender, impõe a colectivização da parte. É a diferença entre uma norma impositiva e uma norma facultativa. Enlende-se que não precisamos de colectivizar mais nada? óptimo! Fica a faculdade, não o dever.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, vamos ter ocasião de discutir isto. Não vale a pena estar a alongar aquilo que originariamente era uma pergunta e se transformou num debate, mas verdadeiramente devo dizer que são VV. Exas. que têm de fazer a demonstração de que aquilo que propõem não é um menos e é "a mesma coisa". É um desafio de resposta impossível porque, se se consagrasse uma norma deste tipo, poder-se-ia abrir caminho para o entendimento de que o poder político estaria cumprindo a Constituição, tendo garantido um nível mínimo de apropriação colectiva de meios de produção, enquanto aquilo que a Constituição hoje impõe é que os principais meios de produção sejam objecto de apropriação colectiva. Neste momento isso ocorre, foi isso rigorosamente o que eu disse, Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Se é assim que interpreta isso, fico feliz!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos, até um cego interpreta isso. É óbvio que neste momento os principais meios de produção estão apropriados.
O Sr. Presidente: - Isso não está aqui, está no artigo 83.° Que o que está colectivizado não se descolectiviza está no artigo 83.° O que eu quero dizer é que se o que está aqui for interpretado nesse sentido, ou seja, no de que, "não sendo preciso colectivizar mais nada, deixe cá estar o que está", que não impõe a colectivização de mais nada, eu digo que o que nós propomos equivale a isso mesmo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino tem uma paciência realmente oriental, que é o que nos vale. O Sr. Deputado Almeida Santos permite-me aliás formular a pergunta até noutros termos, que são talvez mais sugestivos. A Constituição estabelece a obrigação de "apropriação colectiva dos principais meios de produção". Como é que essa obrigação há-de ser cumprida? Ponderando, em cada momento histórico, como devam entender-se ou o que devam considerar-se "principais meios de produção".
Com a entrada em vigor da Constituição, a situação gerada era, e é, de resto, na parte substancial - por força de normas que a própria Constituição contém, nomeadamente o artigo 83.° e os artigos relativos à reforma agrária -, a de permitir e consagrar concretas dimensões e expressões de apropriação de meios de produção fundamentais para a garantia de um controle público da economia. Essa era a situação decorrente da realidade histórica, decorrente do processo de transformação económico-social, tal qual se desenvolveu em Portugal após o 25 de Abril e tal qual foi consagrado constitucionalmente. Assim, se VV. Exas. d0 PS propõem: primeiro, a alteração da cláusula do artigo 8O.e neste ponto; segundo, a alteração do artigo 82.° da Constituição no sentido de permitir as desnacionalizações; terceiro, a alteração dos artigos referentes à reforma agrária no sentido de permitir uma alteração do quadro existente nessa zona e nesse domínio, então podem viabilizar, e viabilizam seguramente, uma situação em que o nível de apropriação colectiva dos meios de produção diminua drasticamente, podendo ficar de fora meios de produção que a todas as luzes devem considerar-se principais. E o que eu pergunto ao Sr. Deputado António Vitorino é se nesse quadro não podem ficar de fora da apropriação colectiva certos meios de produção que hoje teriam de considerar-se principais e se, sendo isso assim, como creio que é, VV. Exas. não violam o artigo 290.8? Como é que se pode entender que se mantém um mínimo de respeito, uns fumos de respeito pelo artigo 290.° quando se permite essa démarche, e por que é que o PS visa permitir essa operação?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vitorino: Contrastando com a pergunta que lhe pus anteriormente, vou ser muito rápido na questão que agora lhe quero colocar.
Há pouco, em relação à proposta do CDS - se eu bem enterpretei -, dizia V. Exa. § que se congratulava, assim como também o PS, com o cumprimento por parte do CDS da tese da "dupla revisão" (sic).
Assim, o que lhe gostava de perguntar era o seguinte: em sede do artigo 290.º - nós não estamos a discutir o artigo 290.°, mas colateralmente estaremos, onde é que está na Constituição a consagração da tese da dupla revisão? E, em sede de revisão constitucional, se é a única saída possível a tese da dupla revisão? Com efeito, pareceu-me entender que para o PS a resposta seria afirmativa, uma vez
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que V. Exa. - me vem dizer que a fiscalização sucessiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional será que, caso não se cumpra a tese da dupla revisão, haverá sempre lugar a declaração de inconstitucionalidade? Por conseguinte, e para que fique bem claro, urge saber se é este o entendimento do PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não está, e ninguém a concede: é uma dupla revisão simultânea encapotada!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que a questão dos limites materiais do poder de revisão, em relação à nossa formulação do artigo 80.°, só pode ser colocada em relação à alínea c), na medida em que em relação à alínea é) não há nenhuma ligação directa entre a alteração da redacção que nós introduzimos no artigo 80.° e os limites materiais ao poder de revisão.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Com a minha questão eu referia-me à CEE em matéria de modelo. Não era já o problema da preocupação do cumprimento do artigo 290.º
O Sr. António Vitorino (PS): - Ora bem, em relação ao modelo económico, o que resulta é que a alteração da alínea e) não é uma alteração que se justifique apenas aqui e só por si, mas justifica-se pela alteração que introduzimos nos artigos 89.º e 90.º da Constituição. Isto é, a supressão do objectivo do desenvolvimento da propriedade social - que vem referida no artigo 9O.º da redacção actual da Constituição e em que nos termos do nosso projecto eliminamos os n.ºs 1 e 2 e transformamos o n.° 3 com uma nova redacção - justifica uma subalternização do papel da propriedade social neste contexto e a sua recuperação na nova redacção do artigo 89.º, onde nós incluímos um novo sector de propriedade, que é o sector da propriedade social ou, melhor dizendo, o sector social de propriedade, que consome o que de útil se pode lobrigar na redacção actual do artigo 90.° e que inclui no mesmo tipo de sector de propriedade o actual sector cooperativo e os actuais subsectores do sector público comunitário local e social. Portanto, a operação produzida em termos de caracterização de sectores de propriedade no artigo 89.º explica a alteração do artigo 90.° e explica naturalmente, também, que a alínea e) tenha a redacção que preconizamos já não o "desenvolvimento da propriedade social", mas, na redacção da nossa proposta, "a protecção do sector social de propriedade dos meios de produção". E porque? Porque parece-nos que em termos de definição do elenco dos princípios da organização económico-social se justifica sublinhar com particular ênfase a necessidade da protecção estadual a este sector de propriedade, que, nos termos da nova redacção que damos ao artigo 89.°, é considerado um sector que carece dessa especial protecção. Eis, portanto, a articulação da lógica da alteração que o PS propõe.
Quanto ao Sr. Deputado José Luís Ramos - e, enfim, deixarei o Sr. Deputado José Magalhães para o final a título de "vingança", pois já que ele me fez esperar tanto tempo pela pergunta também me sinto no direito de o fazer esperar algum tempo pela resposta -, devo dizer que nós estaremos decerto de acordo que a Constituição não consagre a tese da dupla revisão, porque a Constituição não consagra teses, porque se a Constituição consagrasse teses ela teria que ser submetida a um júri e provavelmente seria classificada numa escala de 0 a 20. Agora, o que me parece inegável é que é necessário que os partidos políticos assumam o seu posicionamento em relação ao artigo 290.°, isto é, aos limites materiais. Neste sentido, há várias ópticas possíveis: o PCP tem um posicionamento claro e inequívoco: o que está cá está de pedra e cal, sendo impositivo e traduzindo um princípio programático ao qual não se toca nem com ácido sulfúrico.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um princípio de diamante!
O Sr. António Vitorino (PS): - Bom, apesar de tudo há, provavelmente, alguns princípios no artigo 290.º que na lógica do PCP se apresentam como um pouco baços e portanto não tão "diamantíferos".
Além disso, há outra interpretação, que é a interpretação descontraída que o PSD tem do artigo 290.°: "Olha! Está lá, mas nem reparamos, porque não vale nada! É uma coisa inimaginável! E a tal vinculação insustentável das gerações futuras! É [se calhar] por causa do artigo 290.° que os jovens não têm mais emprego!"
Enfim, todos os argumentos são susceptíveis de ser usados.
Nós defendemos também uma posição quanto ao artigo 290.º, que é esta: o artigo 290.° integra a Constituição e enquanto a integrar deve ser respeitado. Todavia, não defendemos a sua imutabilidade ad eternum. E, como se vai ver pela resposta que vou dar ao Sr. Deputado José Magalhães, terei ocasião de explicitar os limites dessa relevância relativa, em termos técnico-jurídicos, que atribuímos aos limites materiais do artigo 290.°
Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, há equilíbrios desequilibrados que ainda são equilíbrios, porque o problema do desequilíbrio só se coloca quando o centro de gravidade do "objecto" cair fora da sua base de sustentação. E aí que, de facto, o objecto perde aprumo e acaba por cair redondo no chão. Não creio que os limites da proposta do PS sejam limites que façam cair o centro de gravidade do artigo 290.º fora da base de sustentação do sistema constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço desculpa, mas, Sr. Deputado, não era melhor passar da física para a política?
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, se alguém tem autoridade para me fazer um reparo desses é todo e qualquer membro desta Comissão, menos, exactamente, o Sr. Deputado José Magalhães, que a propósito da revisão (e a despropósito) se serve de tudo: da teologia, da física, da química, da biologia, da matemática e do resto que o pudor me impede de prosseguir. Portanto, a cada um a sua física, a cada um o seu físico, a cada um a sua política.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas tratava-se apenas de um pedido de especificação e não de uma censura, como é óbvio.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sei, e é por isso que também lhe respondi a brincar, se não ter-lhe-ia respondido a sério.
Quanto à questão da interpretação do artigo 290.º, Sr. Deputado, se calhar não lhe vou dar uma resposta descansativa, porque aquilo que é descansativo para o Sr. Deputado José Magalhães não o é para mim, e portanto
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nesse aspecto não há nada como assumir a diferença de interpretação. A interpretação que foi feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos para mim é clara e inequívoca. É transformar a apropriação colectiva de meios de produção e solos de um poder dever numa faculdade. E esta transformação é perfeitamente legítima à luz da Constituição e é, inclusivamente, uma expressão, uma forma, uma zona, uma área feliz, onde se sublinha mais uma vez que as interpretações rigidificadoras da Constituição são regra geral a melhor via para estiolar o próprio texto da Constituição, porque as questões que o Sr. Deputado José Magalhães coloca, isto é, do nível mínimo de apropriação ou da obrigatória apropriação dos principais meios de produção - embora tenha de reconhecer e deixar em aberto que isso do que são os principais meios de produção é mister da teoria interpretativa do legislador ordinário em cada momento -, não podem deixar de ser interpretadas à luz de uma leitura, que é uma das possíveis leituras da relevância absoluta ou relativa dos próprios limites materiais. Ou seja, como é que valem os limites materiais? Valem em termos de produzirem a regidificação de todas as normas constitucionais que constituem afloramento desse princípio? Ou valem apenas como princípios a observar no texto constitucional, sem prejuízo da alteração, possível pela intervenção do legislador da revisão constitucional, da concreta consagração desses princípios ao longo de todo o texto constitucional? Estas são as alternativas conceptualmente possíveis e que o Sr. Deputado José Magalhães vai ter de assumir claramente, e de que não só defende a relevância absoluta dos limites materiais do artigo 290.° como entende que essa relevância absoluta só tem sentido real se ela constituir a plasmação, rigidificação da sua concreta formulação em cada um dos artigos da Constituição onde os princípios constantes do artigo 290.° aflorem. Ademais, trata-se de uma atitude coerente. Com efeito, é coerente dizer que o artigo 9.e não pode ser alterado, porque ele é um afloramento de um limite material qua tale, e que, portanto, a concreta consagração no artigo 9.° dos limites materiais deve ser exactamente aquela que o legislador constituinte nos deixou, per omnia secula seculorum. O mesmo se passa em relação ao artigo 80.° O que está no artigo 80.º é rígido e inalterável porque está coberto pelo artigo 290.°, não apenas quanto à observância do princípio em si, mas também quanto à observância da concreta forma com que o legislador constituinte entendeu que, no conjunto do texto constitucional, esse princípio devia ser consignado. Assim, nessa interpretação tudo o que signifique diminuição do alcance do conteúdo das normas que em concreto vertem limites materiais será, nessa lógica das coisas, inconstitucional. Mas essa é de facto uma posição clara e inequívoca, e é essa que o Sr. Deputado José Magalhães decerto, na sequência deste debate, não nos frustrará o prazer e o gosto de ouvir defender e argumentar brilhantemente, como, aliás, sempre faz.
O meu ponto de vista é precisamente o contrário, pois o que está em causa na nossa interpretação é a salvaguarda do princípio e não. da sua concreta formulação ao longo do texto constitucional. Neste sentido, o que fizemos foi alterar a maneira como se verte o princípio no artigo 80.º, mas respeitando o princípio do artigo 290.°, alínea f), da Constituição. E digo mais: tanto respeitamos que, de facto, a fórmula que o PS adopta quanto ao artigo 80.° não ilegítima a apropriação dos principais meios de produção e solos; não inviabiliza que pela vontade popular o PCP, amanhã dotado de uma confortável maioria absoluta, venha a decretar a apropriação dos principais meios de produção e solos. Por isso a fórmula que nós adoptamos é, de facto, uma fórmula típica e característica de economia mista, porque defendo a existência de uma economia assente num modelo aberto e plural. Não há a ilegitimação constitucional da filosofia económica do PCP e pelo menos neste aspecto sou descansativo em relação ao Sr. Deputado José Magalhães. O que também não há é a imposição na Constituição de uma única e exclusiva interpretação da relevância do limite da apropriação colectiva dos meios de produção e solos do artigo 290.° da Constituição, e nesse sentido penso que o emprego que o PS fez nesta matéria deve ser considerado como um esforço que cabe plenamente dentro da relevância dos limites materiais constantes do artigo 290.º da Constituição. Não acredito que se pudesse considerar inconstitucional uma lei de revisão que acolhesse a nossa interpretação do artigo 290.° da Constituição, mas, naturalmente, sempre caberá ao Sr. Deputado José Magalhães, se - sublinhe-se - a nossa fórmula vier a constar da Lei de Revisão, a possibilidade de fazer esforçadamente -penso eu, apesar de tudo- a demonstração em contrário, suscitando com base nos argumentos que utilizou a fiscalização sucessiva da tal Lei de Revisão Constituicional, veremos que o Tribunal Constitucional acolherá a sua interpretação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço desculpa por interromper V. Exa. e, se me permite o Sr. Presidente, parece-me que nada mais simples e agradável existe do que responder a perguntas não formuladas, para não responder às deveras formuladas. Também nada mais simples, fagueiro e agradável existe do que pôr na boca doutros teses que não têm para não refutar as teses que realmente têm.
Muito discutiremos nesta Comissão qual seja o sentido e o alcance dos limites materiais de revisão. Este é, talvez, um bom momento para o fazer e, por isso, é inevitável que o façamos. O Sr. Deputado António Vitorino apenas cometeu uma facilidade, que é realmente tentadora, mas que não pode colher êxito nenhum, quando se faz com vivos. Não podemos aceitar que nos seja imputada uma tese rigidificadora dos limites materiais de revisão da Constituição a um ponto tal que os tome completamente, não digo de granito, mas de pedregulho. Não ouviu da minha boca, nem da boca de ninguém do meu grupo parlamentar, sustentar uma concepção tão rigidificadora dos limites materiais de revisão que os torne intangíveis - como ouvi dizer - e que, por isso, não permitam alterar concretas formulações. A lição mais elementar sobre a natureza dos limites materiais de revisão aponta não para esse entendimento mas para outro, que V. Exa. sabe ser o que partilhamos. Portanto, não nos impute -peço-lhe - razões rigidificadores (no sentido "pedregulhescas") em relação ao artigo 290.°!
A questão a que o PS está submetido é outra, e o Sr. Deputado António Vitorino acabou por a enunciar mais reveladoramente. Com efeito, durante anos foi sustentado que o modelo económico era o que é; foi sustentado e apontado por entidades e partidos situados à direita do PS que ele era fautor dos piores infernos do mundo. O PS vem descobrir, subitamente, ao fim de alguns anos, que, afinal de contas, não se infringe a Constituição - ao contrário do que sustentou até agora - se onde aquela estabelece um poder-dever - como muito propriamente disse o Sr. Deputado António Vitorino - vier a colocar-se agora uma mera faculdade. Ou seja, "não se verifica" qualquer inconstitucionalidade se, onde agora a Constituição estabelece uma obrigação para o Estado, se vier a colocar uma mera faculdade para exercer, se apetecer ou não, em função de determinadas flutuações. Nesse quadro não há
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modelo económico, havendo antes aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino chamará, por generosidade, "um modelo aberto". Ora bem, Sr. Deputado António Vitorino, o preço que se paga por essa tese é o do contrário da rigidez que, se eu bem sei, é a lassidão. Ora, em termos políticos isso significa derivar para um campo distante daquele em que as pessoas, os partidos, os cidadãos se situam num determinado momento. O que eu pergunto é se o Sr. Deputado António Vitorino não acha que essa interpretação "actualista" é, verdadeiramente, uma revisão além do sentido normal, ultralimites constitucionais, daquilo que é o padrão interpretativo geral e largamente reconhecido por todos os quadrantes, e não apenas pelo PCP (incluindo ainda e também pelos Srs. Deputados do CDS, que contra esse limite bradaram e que pelo menos historicamente assim o entenderam). Não sei se agora, face à posição que o Sr. Deputado António Vitorino acaba de exprimir, não se ajustarão aqueles deputados com habilidade táctica, colando-se-lhe. Com efeito, devo dizer que essa colagem é tentadora, pois se o PS vem sustentar que tudo isto é susceptível de ser revisto "sem beliscar a Constituição" então por que é que o CDS há-de ir por menos?! Nesse sentido, a proposta do CDS é "recuada" em relação à proposta do PS. O PS é nesse ponto "a vanguarda". Só que agora é a vanguarda de uma coisa que me parece bastante triste e retrógrada.
Sr. Deputado António Vitorino, o que lhe pergunto é - se está excluída, na interpretação do artigo 290.°, a rigidez completa, sobretudo a rigidez granítica que V. Exa. nos imputou - por que razão descobriu agora, nesta bela tarde, a flexibilidde completa, tão completa que ultrapassa os limites razoáveis a atribuir ao artigo 290.°? Ou, então, o artigo 290.º não é coisa nenhuma!
Agora peço-lhe que não me diga que um tribunal constitucional pode entender que isso é insindicável, porque é óbvio que pode. Como V. Exa. sabe, o Tribunal Constitucional acaba de entender que o artigo 83.8 não impede a "49-percentização" de empresas nacionalizadas, coisa que eu julgaria pouco concebível e que de resto entendo que não é curial, o que não me leva a ir à televisão berrar, como o Primeiro-Ministro, que o Tribunal Constitucional é um bando de irresponsáveis, etc.; isso é um monopólio do Primeiro-Ministro em relação ao que não lhe agrada; em relação ao que lhe agrada, é óbvio que não.
É evidente que não é argumento, Sr. Deputado António Vitorino. Se V. Exa. pretende dizer que se a Constituição em determinado momento foi objecto de uma certa interpretação pela entidade que em última análise tem o poder de fiscalizar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, essa interpretação, como é óbvio, prevalece. Mas para isso não seria preciso uma revisão constitucional, bastaria fazer uma revisão inconstitucional, aos bochechos, por via jurisdicional.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, não me parece curial que o Sr. Deputado argumente sobre as posições do PS, invocando argumentos expendidos pelo PS quando se tratava de debater legislação ordinária e de compaginá-la com o texto da Constituição, tal como existia à data em que essa legislação foi discutida e o momento em que estamos a discutir, no exercício de poderes constituintes derivados, a reformulação do próprio texto constitucional. Trata-se de coisas completamente distintas e, portanto, com galhardia e gentileza, devolveria ao Sr. Deputado José Magalhães aquele princípio de ética dialogai - que V. Exa. - disse que eu infringi - e que é o de não imputar à contraparte argumentos que ela não utilizou.
O que eu disse foi que o PCP acabaria a defender essa posição rígida - que pelos vistos o Sr. Deputado José Magalhães enjeita - para ser totalmente coerente com as críticas que fez à posição do PS. De facto, na realidade aquilo que, em meu entender, demonstrei foi que a interpretação que o PS faz do valor dos limites materiais e a fórmula como os verte no texto da Constituição são perfeitamente compagináveis. Isto é, a versão que damos ao artigo 80.° cabe dentro da interpretação que temos do artigo 290.° da Constituição e do valor dos limites materiais. O que o Sr. Deputado nos deve verberar, se me permite este conselho, é o facto de retirarmos esse limite material do artigo 290.° Esse é que é o aspecto político que o Sr. Deputado nos deve criticar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Verberamos as duas coisas, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Naturalmente, ir-lhe-ei responder que se trata de uma reestruturação de posição política, embora este termo provoque na sua versão em russo alguns engulhos e algumas dificuldades ao PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que não...
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas o PS assumiu como um dos objectivos da revisão constitucional a flexibilização da constituição económica. Eis um exemplo concreto em que o fazemos dentro dos limites de exercício do poder de revisão constitucional.
Uma última correcção: eu não disse que um tribunal constitucional viria a considerar esta matéria insindicável. Disse sim que, sendo obviamente matéria sindicável, isto é, existindo a possibilidade de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade de uma lei da revisão, não me parecia que a fórmula para o artigo 80.º, constante do projecto do PS, que, em nosso entender, é perfeitamente compaginável com o limite material do artigo 290.°, viesse a ser declarada inconstitucional por um tribunal constitucional, o que são coisas completamente distintas. Sindicável, é; inconstitucional, a meu ver, não é.
O Sr. Presidente: - Pretendia colocar ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva mais uma questão. O Sr. Deputado António Vitorino levantou há pouco um "falso testemunho": afirmou que a posição do PSD relativamente ao artigo 290.° consistia em fazer de conta que este preceito não estava lá. "Não demos por isso" foi a sua expressão pitoresca... Até hoje também julguei que assim fosse, até porque vi altos responsáveis do PSD defender que era possível, já nesta revisão constitucional, não respeitar o artigo 290.° Foi inclusivamente defendida a tese de caducidade pelo não uso, pelo desuso, etc. Porém, o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva veio dizer-nos que os dois casos de limites materiais vertidos no artigo 80.º foram respeitados noutros preceitos. Que o PSD teve essa preocupação! Nesse sentido, pedia ao Sr. Deputado o favor de nos dizer, e de ler, se possível, quais são esses artigos, a fim de que eu possa aquilatar do rigor da sua afirmação ou da verdade das posições anteriores responsáveis do seu partido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Iria muito rapidamente responder às perguntas que me foram feitas pelos Srs. Deputados José Magalhães e Nogueira de Brito e pelo Sr. Presidente.
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Começaria, se me permitem, pela última questão que o Sr. Presidente colocou, isto é, se os limites materiais, neste caso da proposta do PSD, estariam ou não a ser vertidos noutros preceitos. Penso que na minha intervenção referi esse ponto. No entanto, permitir-me-ia repeti-lo: alguns dos princípios consagrados no artigo 80.° constam de outros preceitos da Constituição, isto é, o PSD faz transitar a actual alínea d) do artigo 80.° para a alínea a) do artigo 81.° com a mesma redacção, ou seja, "garantir a subordinação do poder económico ao poder político democrático". Relativamente à alínea b), entendemos que está vertida no artigo 89.8, n.° 1, quando se refere aos sectores de propriedade dos meios de produção; por seu lado, a alínea e) consta do artigo 89.º, n.° 2, in fine, e do artigo 89.9, n.º 4, e a alínea j) está vertida no artigo 55.°, alínea c). Restam duas alíneas...
O Sr. Presidente: - São exactamente as que estão em causa.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Mas, Sr. Presidente, V. Exa. colocou-me a questão relativamente a todo o artigo...
O Sr. Presidente: - Se ainda tenho memória - posso ter falhado -, ditou para a acta que os dois casos em referencia de limites materiais não foram violados mas sim respeitados noutros preceitos. Perguntei-lhe quais eram esses preceitos. E o Sr. Deputado já referiu a transposição de todos os limites com excepção dos dois que estão em causa.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - No que concerne a esses dois preceitos, trata-se evidentemente de uma opção em termos de regime económico.
O Sr. Presidente: - Mas não foi isso que o Sr. Deputado disse e, se não estou em erro, não é isso que consta do registo.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Referi que a maior parte delas, ou seja, as alíneas a), b), e) e f), teria transitado para outros artigos...
O Sr. Presidente: - Pode, no entanto, corrigir o que disse. E é bem que o faça, pois não é isso, repito, o que consta do registo da sua primeira intervenção.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Em relação às alíneas c) e d), por razões óbvias que o PSD desde há muito vem explicando a necessidade da sua eliminação e relativamente à coexistência dos diversos sectores de propriedade (pública, privada e cooperativa), que consta da alínea e) do artigo 81.°, mesmo aí, o PSD altera a actual formulação, que passa a ser a seguinte: "orientar o desenvolvimento no sentido do equilíbrio entre os sectores produtivos e entre as regiões". Isto é, entendemos que não é tanto a coexistência dos diversos sectores de propriedade que deve constituir um princípio de organização económica, até porque pensamos ser evidente que, muito embora não seja necessário fazer-se essa referência, eles coexistem nos termos da Constituição, sendo, sim, necessário o equilíbrio entre os diversos sectores de propriedade.
O Sr. Presidente: - Dixit magis quam voluit. É o caso típico de quem disse mais do que queria. Fica corrigido, mas não há dúvida de que não afirmou isso há pouco. Tinha-lhe colocado esta pergunta, mas vejo que não tem conteúdo.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Agradeço ao Sr. Presidente a oportunidade que me deu de modificar, ou explicar melhor, se tiver sido o caso...
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Exa. referiu-se ao excesso de verbalismo ideológico, verbalismos que não conduzem, em termos ideológicos, à definição do modelo económico que o PSD pretenderia. Foram estas as palavras que V. Exa. usou...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Perguntei se W. Exa. M só entendiam, como única razão para eliminar o artigo 80.°, o excesso de verbalismo que ele representa...
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não, Sr. Deputado. Aliás, tenho a impressão de que fui bem claro nisso...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E se não se preocupavam com o modelo que ele efectivamente define...
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Referi logo no início da minha intervenção que o PSD tentava a conclusão do processo de dogmatização iniciado na primeira revisão constitucional, isto é, que tentava ir mais além no processo de dogmatização ou, se quisermos, no processo de desmarxização da Constituição. E neste caso o PSD pretende ir muito mais além do que o CDS. De facto, o CDS pretende que durante quatro anos vigore o modelo económico da actual Constituição: o CDS admite-o quando admite o n.9 2 do artigo 8O.Q, que estabelece que, "sem prejuízo do disposto no número anterior, concorrem para a organização da economia os princípios da apropriação colectiva dos principais meios de produção". O problema aqui, Sr. Deputado, está no entendimento que se tenha relativamente ao artigo 290.° E o entendimento que o PSD tem é que os limites materiais da revisão constitucional são passíveis de virem a ser ultrapassados. Ou então tenhamos a coragem de reconhecer ao PCP toda a coerência. Isto é, o PCP considera o artigo 290.º como limites materiais intangíveis e nem sequer admitirá, penso eu, a alteração na sua formulação, ao contrário de outros autores que admitem que o que conta é o princípio e não a redacção...
Aquilo que o PS e o CDS, neste caso, admitem é um processo de dupla revisão. E, Sr. Deputado, colocar-lhe-ia a seguinte questão: o processo de dupla revisão não constituirá uma maneira mitigada de admitir que o artigo 290.° também pode desaparecer mas com algum espaço de intervalo? São limites materiais ou são limites matério-temporais?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, incorre-se aqui numa pequena confusão. O limite material existe, formulado ou não. Não passa a existir só por estar formulado. O facto de estar formulado obriga-nos a respeitar a sua formulação numa determinada revisão constitucional. Mas considera que pelo facto de não estar previsto na Constituição, por exemplo, o regime republicano - penso que está, mas suponha que não- nós poderíamos, por via constitucional, implantar a monarquia?
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, mas essa é a grande diferença que se deve fazer.
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O Sr. Presidente: - Ou deixar de respeitar a independência nacional, a unidade do território ou o princípio do Estado de direito?
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não, nada disso. É preciso distinguir entre os princípios suprapositivos e aqueles que decorrem de um certo momento histórico em relação à leitura da Constituição. Penso ser unanimemente reconhecido que a alínea que trata das organizações populares de base poderia ser eliminada.
E eu pergunto: têm ou não têm a mesma dignidade em termos formais, em termos jurídico-constitucionais, as organizações populares de base e a apropriação colectiva dos meios de produção ou o sistema de representação proporcional, etc.?
O Sr. Presidente: - Não têm, não têm...
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Em termos de Constituição, têm!
O Sr. Presidente: - Na Constituição formal tem, na Constituição material é que não!
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Na Constituição material, não! Mas é essa a nossa ideia. Aliás, as nossa inclusão de limites materiais respeita, em nosso entender, este princípio. Isto é, existem princípios suprapositivos que devem constar dos limites materiais. É por essa razão que alguns princípios, como por exemplo o da independência nacional, o da unidade do Estado, etc., não saem dos limites materiais.
Mas - e eu devolvia a pergunta, Sr. Deputado - com esta formulação o actual modelo económico serve ao CDS durante os próximos cinco anos. E a pergunta que lhe faço é a seguinte: é possível saber se daqui a cinco anos haverá condições, em termos de Assembleia, para fazer nova revisão? E se não forem cinco anos mas seis? Já estamos há seis anos sem fazer uma revisão constitucional. E pela tese da dupla revisão, adiaríamos talvez para as calendas gregas a futura revisão que nos permitiria alterar o modelo económico. E o modelo económico, no entendimento do CDS, deveria ser alterado tão rapidamente quanto possível.
Por último e se bem que não esteja presente, passaria a responder ao Sr. Deputado José Magalhães. Quando falou da perda de conteúdo da proposta do PSD, ele próprio disse que não seria necessária a disposição no actual texto constitucional. Referiu o Sr. Deputado José Magalhães que só teria razão válida de ser se todas as propostas do PSD fossem votadas e, portanto, incluídas na própria Constituição. Repetir-me-ia em relação à intervenção inicial: penso que sendo o artigo 8O.C despiciendo e remissivo, ele não deve como tal constar da Constituição.
No que respeita à fundamentação económica, o modelo económico que o PSD defende é bem conhecido. Poderíamos aqui discutir modelos económicos desde o tal liberalismo,, até ao socialismo, poderíamos discutir modelos, evoluções, situações, escolas, etc., de Chicago a Viena. Mas o PSD tem bem marcada a sua posição quanto ao modelo económico que pretende e não me compete a mim, em termos políticos, defender aqui o modelo económico que o PSD defende. Mas, se quiserem, também poderemos entrar por aí.
Vozes.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Que eu me lembre, o Sr. Deputado Vera Jardim, que nos tempos da faculdade me ensinou, por exemplo, Direito Económico, dizia que o nosso sistema se poderia classificar como de economia mista. E penso que hoje em dia isso é irrecusável.
O PSD pretende que ninguém seja obrigado a cumprir nenhum modelo económico, que é aquilo a que o CDS, no fundo, obriga...
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - O ensinamento do Sr. Deputado Vera Jardim é insuspeito porque, se o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva foi aluno do Sr. Deputado Vera Jardim, eu também fui, o que iliba completamente o ensino do Sr. Deputado Vera Jardim quanto a posições políticas nele veiculadas...
Risos.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Há mais alunos deste lado do que desse...
O Sr. Presidente: - Temos de concluir que o ensino do Sr. Deputado Vera Jardim e pluralista, para não concluir que é mau.
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às propostas agora em discussão, desejaríamos referir um elemento que nos parece essencial, que e o elemento histórico. Penso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que naquilo que diz respeito não só à organização económica mas, nomeadamente, em relação aos limites materiais da revisão constitucional o que acontece é que esta Constituição consagrou um modelo resultante da Revolução de 25 de Abril de 1974, tal como já tinha consagrado em 1911, na sequência da Revolução Republicana, um outro modelo de Constituição. Em tudo isto há efectivamente uma caminhada para a libertação do povo português, com acidentes de percurso, que começa naturalmente muito antes de 1910, mas que como etapa mais próxima tem a Revolução de 1910. Também na Constituição de 1911 os constituintes tiveram o cuidado de estabelecer um limite material para as futuras revisões, que era o da forma republicana de governo. Porquê? Porque esse era o sentido profundo essencial da Revolução de 1910, tal como na Revolução de 1974 o sentido profundo essencial são aqueles limites que resultam do artigo 290.º
Vozes.
O Sr. Raul Castro (ID): - Em relação à matéria objecto de especial discussão agora, ou seja, a apropriação colectiva dos principais meios de produção, devo dizer que também aqui não se trata de algo que aflorou apenas em 1974, porque as razões desta norma já vêm do próprio pensamento republicano. Por exemplo, na revista política publicada em 1901, Alves da Veiga escrevia o seguinte:
Dominado pela aspiração constante de melhorar as condições morais e materiais da sua vida, o homem tem procurado não só aumentar a soma das liberdades de que carece para o desenvolvimento da actividade, mas também constituir-se como força produtiva inde-
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pendente, destruindo ao mesmo tempo o despotismo dos chefes políticos e a exploração económica das classes privilegiadas.
E acrescentava ainda:
Para terminar este conflito doloroso e restituir aos produtores a sua liberdade, é necessário que eles entrem na posse de todos os meios de produção, terras, oficinas, navios, bancos, crédito, etc. Não há regeneração possível enquanto existir a apropriação individualista dos investimentos do trabalho.
Isto significa, portanto, que em 1974, retomando um fio histórico que vem da anterior revolução republicana, se retoma também a própria tradição do pensamento republicano no que diz respeito à apropriação colectiva dos meios de produção.
Ao considerarmos as propostas apresentadas, verificamos existir, por um lado, uma proposta do CDS, coerente com a sua postura perante a Constituição e que já vem de 1976. Por outro, temos a postura do PSD, que nem sequer argumenta, e até repele, a dupla revisão, representando o apocalipse, isto é, a eliminação pura e simples do artigo 80.º Esta é a proposta que o PSD apresenta. A justificação apresentada por este partido não colhe, porque a eliminação em causa nem sequer tem como justificação o facto de esse artigo consistir apenas num sumário e aparecerem mais à frente os respectivos princípios, dado que ficou já apurado relativamente a, pelo menos, duas alíneas, as alíneas c)e d), que o PSD não as retoma em parte nenhuma do seu articulado.
No que diz respeito à proposta do PS, noto que vem aqui explicado que a protecção seria algo que melhor se coadunaria com o texto constitucional. Mas, de qualquer modo, deixaria aqui uma pergunta: por que não manter a expressão "desenvolvimento da propriedade social" acrescentando-lhe a palavra "protecção"? Penso que, se o PS pretendia manter a redacção actual da Constituição, então, em lugar de propor a eliminação, poderia ter acrescentado a referida palavra.
Quanto ao problema dos meios de produção, e pelo que foi exposto, há realmente da parte do PS uma posição restritiva do actual texto constitucional. De facto, o que está expresso no texto é "a apropriação colectiva dos principais meios de produção", que, aliás o CDS, em lese de dupla revisão, verteu fielmente para a sua proposta, mas que o PS alterou. Ora, parece-me que são realidades diferentes a mera apropriação, quer no presente, quer como detenção dos principais meios para o futuro, e a expressão utilizada no actual texto, que é a "apropriação colectiva dos principais meios de produção". Naturalmente isto também tem de ser entendido de harmonia com a posição que o PS toma mais adiante, nomeadamente quanto às nacionalizações, o que significa que não é uma proposta que se possa entender separadamente de outras propostas do PS.
Em conclusão, manifestamos a nossa discordância relativamente à proposta do CDS e à proposta de eliminação do PSD. Também discordamos do facto de ser alterada, na alínea c)da proposta do PS, a expressão consagrada na Constituição, bem como do facto de não ser mantida a palavra "desenvolvimento" na alínea e), embora acrescentando o termo "protecção".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Gostaria de responder ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, que fez algumas observações, em resposta, aliás, a uma pergunta que eu tinha formulado anteriormente.
Sr. Deputado, em primeiro lugar, gostaria de dizer o seguinte: o nosso objectivo, ao apresentar uma proposta de revisão constitucional acerca desta matéria, é claro. E é para nós tão importante que esta revisão possa ter lugar que entendemos por bem acautelar a possibilidade de, por fiscalizações sucessivas, ela poder vir a não ser atingida. Daí o termos aderido à tese da dupla revisão.
V. Exa. manifesta, porém, nesta matéria, uma preocupação que me parece de sinal contrário, e a certa altura parece estar preocupado com o destino final dos limites materiais da revisão constitucional. Interroga-se, neste sentido, sobre se a lese da dupla revisão não será, no fundo, uma tentativa para na próxima revisão eliminar aqueles limites, enquanto na revisão em curso revela em relação a eles uma menor preocupação.
Devo dizer-lhe o segui me, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva: é evidente que a Constituição deve ter limites materiais de revisão. Ora, o texto que propomos para o artigo 290.° vale para nos como texto permanente relativamente a esta matéria. Não temos nisso dificuldade nenhuma, porque consideramos que se trata realmente de um texto susceptível de obter o consenso de todas as forças políticas.
Todavia, quanto ao n.º 2 do artigo 80.°, e à interpretação que se faz do respeito necessário pelo artigo 290.° nas suas relações com aquele artigo, devo dizer-lhe o seguinte: estamos a aproveitar, e entendemos como bons, todos os contributos interpretativos que possam ser dados no seio desta Comissão. Designadamente, estamos à espera dos argumentos que completem a argumentação inicial do Sr. Deputado Rui Machete concernente a esta matéria e concretamente sobre este assunto. Ouvimos com atenção a argumentação valiosa do PS, hoje transmitida à Comissão, e tiraremos as nossas conclusões no que respeita a redacções definitivas.
De qualquer maneira, Sr. Deputado Gomes da Silva, o que não é possível é interpretar, como V. Exa. fez, no sentido de que o que pretendemos é um modelo económico do qual faz parte a apropriação colectiva.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, o CDS nem sequer introduz as nuances, modificações ou modulações ou a actualização que o PS tenta estabelecer.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Segundo a proposta de revisão constitucional, centrista durante quatro anos, e até a uma próxima revisão constitucional - caso se verifique -, é um imperativo constitucional ou um poder-dever a apropriação colectiva dos principais meios de produção. E o que está aqui escrito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, isso não é o que está aí. O que está redigido pelo CDS é que o modelo económico recebido na Constituição está definido no n.° 1, e é sem prejuízo desse modelo que pode concorrer para a organização da economia a referida apropriação coice uva.
Neste caso, Sr. Deputado Costa Andrade, faço-lhe a mesma pergunta que há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos fez ao Sr. Deputado José Magalhães. Agora não pergunto o que é que V. Exa. pretende, porque já vou
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compreendendo isso, mas pergunto-lhe se entende que, do ponto de vista da apropriação colectiva dos meios de produção e do seu acolhimento, é preferível a redacção que propomos para o conjunto do artigo 80.° ou aquela que propõe o PS.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sem dúvida nenhuma que é preferível a redacção proposta pelo Partido Socialista.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Essa posição é a de todos os membros do Grupo Parlamentar do PSD?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, é de todos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção para o seguinte, no quadro desta discussão: o modelo que se encontra plasmado na Constituição da República Portuguesa consagra e defende três princípios, que pelo menos, quanto a nós, são caros, ou seja, a subordinação do poder económico ao poder político, a independência nacional e o desenvolvimento económico. Não basta consagrar na Constituição o princípio da subordinação do poder económico ao poder político democrático, porque, se suprimirmos as alíneas b) e c), se constituirmos grupos económicos, evidentemente que o poder económico é que determinará o poder político.
Nos dias de hoje, no quadro de Mercado Comum, do mercado único, e por maioria de razão, este princípio torna-se ainda mais significativo. Deve dizer-se que esta "apropriação" já existia antes do 25 de Abril. O CDS estará de acordo com essa medida porque haverá sempre, por exemplo, linhas da CP que nunca poderão ser rentáveis e que, portanto, deverão continuar nas mãos do Estado e a ser sustentadas pelos contribuintes. É esta filosofia do CDS. Com o mercado único, isto e, com a liquidação das barreiras alfandegárias, das barreiras técnicas e das barreiras fiscais, a penetração de capital estrangeiro no nosso mercado será livre e far-se-á com toda a facilidade. O que significa que com as desnacionalizações, isto é, com as empresas básicas e as empresas estratégicas na mão do capital privado, não haverá dificuldade em as empresas transnacionais começarem primeiramente por se associar, para depois se infiltrarem e por último, com a sua superioridade em tecnologia, em gestão e em meios humanos, dominarem essas empresas e, portanto, o processo de desenvolvimento em Portugal.
Não somos, pois, contra o crescimento no nosso país, mas o que ele será é um crescimento pilotado, comandado pelas transnacionais, que evidentemente determinarão esse processo, nos aspectos fundamentais, no seu próprio interesse e não no interesse nacional. Esta é uma questão que se prende com a independência nacional e para a qual gostaria de chamar a atenção, em especial do CDS.
É certo que no passado a economia nacional era dominada pelo capital financeiro, isto é, o capital industrial e bancário estava associado ao capital estrangeiro. Mas no futuro, com o mercado único, eles nem sequer serão associados, porque nessa altura o capital nacional vai ser subordinado ao capital estrangeiro, vai ser o seu capataz. Quem determinará o modelo de desenvolvimento económico será o capital transnacional, sobretudo o capital que comanda o processo de integração, quer ele seja de base europeia, norte-americana, japonesa ou de outro qualquer país.
Esta é uma problemática que reputamos de extrema importância e que se prende até com a independência nacional e com o desenvolvimento económico. Crescimento económico poderá haver. Mas consistirá tal crescimento num desenvolvimento económico e social, isto é, trará ele também riqueza e bem-estar para a nossa população e para o nosso país? Sabemos o que já está a acontecer neste momento, e há casos concretos para o demonstrar. O que é que acontece, por exemplo, em relação às minas de Neves Corvo, onde foi reconhecido que o respectivo teor de cobre descoberto recentemente é superior aos minérios de Katanga? Por que é que nunca mais se ouviu falar da metalurgia do cobre desde que se concretizou uma associação de capital nacional com a Rio Tinto Zinc? Este e outros exemplos poderíamos citar da experiência de outros países demonstram realmente que um desenvolvimento económico capitaneado pelas transnacionais terá de corresponder aos seus interesses.
Haverá assim no nosso país recursos que deixarão de ser utilizados, que serão marginalizados em detrimento do bem-estar do povo português e das classes trabalhadoras.
Gostaria ainda de chamar a atenção para o facto de a economia portuguesa apresentar hoje cinco vulnerabilidades. Uma delas é a que se manifesta nos principais ramos deficitários estruturais da nossa economia, os quais são reconhecidos: o agro-alimentar, o energético, o tecnológico e o de bens de equipamento. Outra é a que decorre da acentuação, na estrutura produtiva relativa às exportações, das indústrias tradicionais e dos produtos de baixo valor nacional acrescentado. Uma outra é a que resulta da concentração do comércio externo num reduzido número de países desenvolvidos. Uma quarta vulnerabilidade situa-se na elevadíssima dívida externa e na entrega de uma boa parte dos recursos nacionais para pagamento das respectivas amortizações e juros. Uma última vulnerabilidade advém do reforço e alargamento das posições das multinacionais na economia nacional. Refiro isto não porque sejamos contra a penetração de capital estrangeiro, mas por pensarmos que esse capital será importante na economia portuguesa se difundir a sua tecnologia, se for controlado pelo capital nacional, se for investido em sistema de associação, em suma, se não denominar o capital nacional e todo o processo de desenvolvimento.
Ora, estas vulnerabilidades tendem a agravar-se com o modelo que é apresentado pelo PSD. Este modelo levará a que entremos economicamente no século XXI em pior estado do que aquele em que entrámos no século XX, isto é, com uma economia semiperiférica, apendicular, dominada pelo capital transnacional, que ditará o processo de desenvolvimento, no fundo, com uma economia que poderemos quase classificar de "semicolonizada". Este é o modelo para o qual aponta a revisão do PSD.
Pensamos, pois, que estes aspectos deveriam merecer a ponderação de todos nós, inclusivamente do Partido Socialista. O PS, que diz defender certos grupos económicos controlados pelo Estado, tem de ter em atenção que, ao abrir-se a comporta das desnacionalizações, esses grupos económicos, sobretudo os mais rentáveis e os mais apetecíveis, serão naturalmente controlados desde logo pelo capital nacional privado e depois pelo capital estrangeiro. O que é que restará? Restará aquilo que não tem qualquer interesse como determinante de um processo produtivo ou que lhe será marginal?
É para estes aspectos que gostaria de chamar a atenção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, consideram que o artigo 80.° está discutido ou teremos de o apreciar
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novamente numa próxima reunião? Pela minha parte, creio que a respectiva matéria está esclarecida.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, uma matéria que pode ser discutida a propósito do artigo 90.° é a relativa às implicações da alteração que o PS propõe para a alínea f), isto é, toda a problemática da propriedade social.
O Sr. Deputado António Vitorino já adiantou algumas explicações, e seria possível prolongar a discussão sobre esta matéria nesta sala. Em todo o caso...
ò Sr. Presidente: - Em relação à alínea f) não propomos nada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Refiro-me à alínea e), Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado António Vitorino disse, a propriedade social não encontrou significativa tradução prática. Em primeiro lugar, ela não foi definida na Constituição, e também o não foi na lei ordinária. A própria Constituição apenas refere as "condições de desenvolvimento" dela, mas não a define.
Por isso entendemos que deveríamos substituir o conceito de propriedade social pelo de sector social, inserindo neste a propriedade comunitária, onde nos parece que estaria melhor do que no sector público, e substituindo a ideia de "desenvolvimento" - a qual nos parece uma acentuação excessiva - pela ideia de protecção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Entendo, Sr. Presidente, mas isso é altamente polémico e, portanto, sugeria que o discutíssemos aquando da apreciação do artigo 90.°
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na próxima terça-feira, às 15 horas, entraremos na apreciação do artigo 81.°
Está encerrada a reunião. Eram 19 horas e 10 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 1 de Junho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
João Cardona Gomes Cravinho (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).