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Quarta-feira, 20 de Julho de 1988 II Série - Número 27-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 25
Reunião do dia 7 de Junho de 1988
SUMÁRIO
Deu-se continuação à discussão do 9.° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 80.° a 90.° e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Rui Gomes da Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), José Magalhães (PCP). Alberto Martins (PS), Octávio Teixeira (PCP), António Vitorino (PS), Herculano Pombo (PEV) e Raul Castro (ID).
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Vamos continuar os nossos trabalhos com o artigo 81.°, relativo às incumbências prioritárias do Estado.
Há propostas de alteração envolvendo, nalguns casos, substituição e aditamentos por parte do CDS, do PS, do PSD, do PEV e do PRD.
O mais simples será começarmos por pedir a cada um dos partidos que apresente sucintamente os motivos justificativos das suas respectivas propostas, para depois, eventualmente, ou discutirmos em globo, ou discutirmos alínea por alínea, ou por grupos de alíneas - veremos depois qual será a fórmula mais eficaz.
A primeira proposta é a do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito sucintamente, apenas introduzimos alterações nas alíneas e),f) e h).
Na alínea e), para eliminar a referência às nacionalizações e outras formas...
O Sr. Presidente: - "Bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral" - é o que diz a redacção actual.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Exacto. Portanto, a eliminação da referência "através de nacionalizações ou de outras formas", pela razão simples de que há uma norma geral que diz que a lei regulamentará as formas de nacionalização, privatização e expropriação, ele.
Na alínea f), alterámos praticamente a redacção sem grande significado, a meu ver. Aditámos à actual alínea, ou seja, "assegurar a equilibrada concorrência entre as empresas", a expressão "c fiscalizar o respeito por elas da Constituição e da lei", aditamento este que já constava de outro preceito. Ao juntarmos ambas as expressões, limitámo-nos a retirar de um lugar para o outro.
Quanto à alínea h), dizemos "eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio". É a fórmula que propomos para substituir a actual alínea h) - "realizar a reforma agrária" -, porque, como se sabe, entendemos que deveria deixar de se falar em reforma agrária. As razões serão esclarecidas quando chegarmos a este capítulo. Portanto, em vez de dizermos "realizar a reforma agrária", dir-se-ia "eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio", o que, para nós, como sabem, é uma forma de respeitar o limite material do artigo 290.°
É só isto, portanto sem grande significado.
O Sr. Presidente: - Passemos à proposta do PSD. Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - O PSD apresenta alterações ao artigo 81.°, no seguimento das alterações que apresentou em relação ao artigo 80.º Isto e, o PSD continua no artigo 81.º a apresentar propostas que visem desdogmatizar, eliminar alguns marcos com maior carga de ideologia, ou seja, continuarmos neste artigo um processo de desdogmatização da lei fundamental.
Em termos concretos, e em relação a cada uma das alíneas contidas no artigo 81.°, passaria a enunciar as alterações que pensamos mais relevantes na proposta do PSD. A alínea a) do artigo 81.º e, no fundo a repetição de uma alínea, a anterior alínea a) do artigo 80.º Como sabem, no texto do PSD, esta alínea deixou de existir no texto da lei fundamental e passaria a constar como alínea a) do artigo 81.°, isto é, a subordinação do poder económico ao poder político deixaria de ser um princípio fundamental, passando a ser uma incumbência do Estado. A alínea b) do artigo 81.° e, no fundo, a repetição da actual alínea a) do artigo 81.°, com duas ou três alterações. A primeira, regressando à fórmula inicial do anterior texto constitucional quando se falava em promoção do aumento de riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida, isto e, retomamos a fórmula inicialmente contida na Constituição na sua primeira versão e introduzimos um novo dado, que e "promover o aumento da riqueza", que tinha desaparecido da fórmula existente no actual texto constitucional, retirando também, como é evidente, em sintonia com o que havia dito anteriormente, a promoção do bem-estar e da qualidade de vida das classes mais desfasvorecidas, porque pensamos que é também aqui um elemento que poderá ser suprimido em ordem a conseguirmos uma desdogmatização, uma desideologização do próprio texto da lei fundamental.
Na alínea c), o PSD retoma o existente na anterior alínea b), introduzindo também aqui critérios de justiça social e de igualdade de oportunidades que, como é evidente, nos são bem caros em termos ideológicos.
Na alínea d) apontamos para a retirada da actual alínea c) da "plena utilização das forças produtivas", introduzindo um conceito diferente, que é a "adequação ao interesse geral". Aqui, o retirar "plena utilização das forças produtivas" na proposta do PSD, vai também no sentido de uma desideologização da própria Constituição, sabendo-se, como se sabe, que a "plena utilização das forças produtivas" e "forças produtivas" têm um significado bem marcado em lermos políticos.
Na alínea c) retoma o PSD o constante da alínea d) do actual texto constitucional, embora retirando a parte dessa alínea em que se falava da eliminação das diferenças entre a cidade e o campo e introduzindo o conceito do "equilíbrio entre os sectores produtivos e regiões". Isto é, não nos parece que seja apropriado estar a falar, neste momento, em diferenças entre a cidade e o campo; é mais importante, para o PSD, falar das diferenças entre sectores produtivos e entre regiões, como o faz nesta sua proposta de revisão constitucional.
O PSD retira a actual alínea e). Elimina-a, como é sabido, pela necessidade que o PSD julga imperiosa de tornar a lei fundamental como um marco de união entre todos os portugueses e não como texto de divergência entre diferentes sectores da sociedade portuguesa.
Na alínea f) é retirada a referência a "abusos do poder económico", constante da actual alínea c), mas mantendo-se a "concorrência equilibrada entre as empresas" da actual alínea f), bem como a expressão "repressão dos abusos do poder económico", mas não de modo como se encontrava no anterior texto constitucional.
Em relação à alínea g), é ela também a reprodução quase ipsis verbis da actual alínea g) do texto constitucional, retirando a referência a "todos os povos", quando se impunha como incumbência prioritária do Estado o desenvolvimento das relações económicas com todos os povos. O PSD entende que se deve optar pelo desenvolvimento das relações económicas externas, na salvaguarda da independência nacional e dos interesses dos Portugueses.
Na alínea h) é retirada a reforma agrária e opta-se por referir a política agrária, na perspectiva de uma transformação, dignificação dos agricultores e aumento da produção agrícola nacional.
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A alínea i) é também a alínea f) no anterior texto da lei fundamental do anterior artigo 81.°, com a retirada do controle ou do acompanhamento da execução e controle das principais medidas económicas e sociais do sector, aliás no seguimento das alterações que o PSD faz, nomeadamente no artigo 55.° do seu projecto de revisão constitucional.
A alínea j) mantém-se. O PSD não faz nenhuma alteração.
Em relação à alínea l) do actual texto constitucional, o PSD elimina-a também, em consequência das propostas que fez em relação ao artigo 80.° quando defendeu o retirar da Constituição da planificação democrática da economia e também em consequência de futuras alterações que discutiremos, nomeadamente em relação à eliminação da parte da Constituição referente ao Plano.
Na alínea l) da nossa proposta - desenvolvimento de uma política científica e tecnológica - é retirada da alínea m) na Constituição a referência a dependências externas ou referências a qualquer situação de política científica que mais favoreça o desenvolvimento do País, que nos parece implícita na própria proposta do PSD.
E na alínea m) - política de energia - o PSD entende retirar, também aqui, a anterior referencia à cooperação internacional constante da actual alínea n).
São estas, em suma, as alterações que o PSD propõe para o artigo 81.º
O Sr. Presidente: - Temos depois o PEV, que se limita a fazer um aditamento à alínea n), e o PRD tem alterações nas alíneas e) e f) e a supressão da alínea l).
No fundo, muito dos aspectos que aqui se encontram são, designadamente da proposta do PSD, a explicitação de uma orientação geral, como foi referido, de retirar o carácter ideológico ou a acentuação e concretização do princípio colectivista. Portanto, talvez nós possamos discutir tudo em conjunto, a menos que haja alguma proposta de discutirmos alínea a alínea. Visto que uma parte significativa, inclusivamente dos problemas que são postos por este artigo 81.º, será depois, naturalmente, objecto de uma discussão mais aprofundada e sectorial no desenvolvimento da Constituição nos artigos seguintes, designadamente quando falarmos nas questões relativas à intervenção, nacionalização e socialização, às nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril, às empresas privadas, à actividade económica e investimentos estrangeiros, etc.
Em todo o caso, VV. Exas. dirão. Temos aqui uma questão de método a adoptar ou discutimos tudo em conjunto, ou vamos discutir alínea a alínea, ou por grupos de alíneas, embora seja um pouco difícil, nalguns casos, estabelecer esses grupos.
O Sr. Deputado Jorge Lacão linha pedido a palavra e, depois, o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Ah, não! Os pedidos de esclarecimento, em relação às intervenções anteriores, podemos fazê-los desde já, porque isso ajuda inclusivamente a afinar o método que iremos seguir.
E V. Exa., Sr. Deputado José Magalhães, era também um pedido de esclarecimento?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Queria intervir sobre a questão metodológica.
O Sr. Presidente: - Então, vamos começar pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, que tinha um pedido de esclarecimento a fazer - para completarmos esta fase - a um dos Srs. Deputados que anteriormente se pronunciaram justificando as respectivas propostas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, Sr. Presidente, salvo melhor opinião, pedia a palavra, porque a questão que pretendia colocar é claramente prévia, uma vez que seria pelo menos necessário clarificar se se faria uma espécie de debate geral amalgamado e, depois, um debate sobre as sub-questões em que esta complexa norma é susceptível de ser decomposta.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, sem prejuízo de podermos fazer essa discussão metodológica, de que, aliás, há pouco enunciei os termos, houve intervenções e a norma tem sido a de, se a propósito de uma intervenção houver um pedido de esclarecimento, completá-lo, antes ainda de ajuizarmos da metodologia a seguir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - De acordo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Queria colocar ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva uma questão pontual. Relativamente à alínea b) proposta pelo PSD, quando aí se inova, se bem percebi o Sr. Deputado Rui Silva, aí se inovará repescando - passo a expressão - uma disposição da primeira versão da Constituição de 1976. E se confere, como incumbência prioritária do Estado, a de promover o aumento da riqueza, tal qual. Algum espanto da minha parte, no seguinte sentido: se ao Estado compete como incumbência prioritária promover o aumento da riqueza, o Estado é configurado como agente económico. Não vejo como é que o Estado promove ele próprio o aumento da riqueza. Não é o conceito de distribuição da riqueza, que há obviamente outras formas de intervenção do Estado para o alcançar. Mas, se é a promoção da riqueza, significa isto da parte do PSD a assunção do papel do Estado como agente económico directo, portanto, para espanto nosso, o PSD com uma vocação mais intervencionista na economia do que aquilo que, até hoje, pareceria ser a sua vocação?
O Sr. Presidente: - Se bem interpreto a sua pergunta, o Sr. Deputado Jorge Lacão acha que, por exemplo, a reforma fiscal não deve promover o aumento da riqueza, mas, pelo contrário, ser pelo menos neutra.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, coloquei a questão ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, mas não vem mal ao mundo que o Sr. Presidente também ajude a esclarecer este ponto. Em todo o caso, suponho que a reforma fiscal tem sempre como vocação prioritária, garantir uma melhor distribuição da riqueza. Pode ser que o PSD tenha outro entendimento, e é nesse sentido, justamente, que coloquei a minha questão.
Uma outra questão também sobre a alínea g). O PSD entende fazer substituir a expressão "desenvolver as relações económicas com todos os povos" pela expressão "desenvolver as relações económicas externas, salvaguardando a independência nacional e os interesses portugueses". Qual a razão eficiente para que o PSD tenha considerado mais adequado esta expressão mais abstratizante de "relações
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económicas externas" em lugar de "relações económicas com todos os povos", que pareceria trazer ínsito, para além de uma ideia de desenvolvimento económico multilateral, também uma ideia de aproximação entre os povos, no sentido de uma solidariedade mais expressa entre os povos, designadamente através das relações económicas? É também um ponto que gostaria que o PSD nos ajudasse a compreender.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Penso que, em resposta à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, o Sr. Presidente já terá dado uma preciosa ajuda para o esclarecimento da questão. É evidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, que promover e operar não significa, nem poderia significar, a mesma coisa. Isto é, quando no actual texto da Constituição se refere que é incumbência prioritária do Estado "operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento" significa, aqui também, que há especiais funções do Estado que o levam a operar nesse sentido, a agir, e aí sim, Sr. Deputado, é que poderia pressupor, em termos constitucionais, que haveria a obrigação do Estado como agente económico. Não só em termos indirectos mas também em termos directos, não só promovendo a correcção das desigualdades mas operando nesse próprio sentido. Aquilo que o PSD defende, e é isso que ressalta da própria proposta da alínea b), é que o Estado não deve operar nem agir em sentido a, mas deve criar as condições de modo que seja feita a promoção do aumento da riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida do povo português. É evidente que determinados conceitos, nomeadamente o da riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida, lerão sentido e poderemos ter uma concepção de alguma maneira oposta à do PS, ou seja, a de o Estado intervir directamente, tentando, ele mesmo, substituir-se aos agentes económicos privados no sentido da promoção da riqueza, do aumento da mesma, do bem-estar e da qualidade de vida do povo português. Por outro lado, o verdadeiro Estado, que, em nosso entender, deve ser, em oposição ao Estado tal como é entendido hoje em dia constitucionalmente, aquele que suscita e dá determinadas condições para que se possa levar cada um dos agentes económicos, quer de capitais públicos, de capitais privados, iniciativa pública ou iniciativa privada, a aumentar a riqueza, o bem-estar e a qualidade de vida de cada um e de todos os portugueses.
Penso que esta é, no fundo, uma homenagem aos princípios que o PSD sempre tem defendido e à coerência que o mesmo PSD tem, durante todos estes anos, demonstrado em relação às suas propostas de revisão constitucional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não estou contra isso. Gostava era de clarificar bem o pensamento do PSD. E, portanto, em síntese, o que o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva nos disse é que o PSD deseja consignar o princípio do Estado como parte activa no processo produtivo.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não, Sr. Deputado. Penso que das minhas palavras não se poderá inferir nada daquilo que o Sr. Deputado disse, como e evidente. Aquilo que o PSD entende da Constituição, e nomeadamente da sua parte económica, é que esta deve permitir a cada um dos governos, a cada uma das propostas vitoriosas em cada acto eleitoral, que estes governem de acordo com as suas propostas e com os pactos que cada um tenha feito com o eleitorado. É evidente que a promoção do aumento da riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida e, certamente, uma proposta quase que unânime em termos de manifestos eleitorais, mas é evidente que a forma da consecussão dessas proposta dependerá da ideologia de cada partido. Consequentemente, não se trata verdadeiramente da consagração de uma economia mista, mas de permitir que, qualquer que seja o governo, este possa governar com a Constituição que tem.
Em relação à pergunta que me fazia referente à alínea g), é evidente que a incumbência prioritária do Estado de desenvolver relações económicas externas ou desenvolver relações económicas com todos os povos, como V. Exa. perceberá, não significa a mesma coisa, ou seja, o desenvolvimento das relações externas é um princípio jurídico consagrado como incumbência prioritária do Estado.
O que não se poderá pressupor é que o Estado, por a referida incumbência vir consagrada na Constituição, não tenha problemas em relação à política externa. E poderíamos até cair no caso extremo de a própria Constituição estar a ser, por exemplo, "violada" por um governo que entendesse que não deveria manter relações com uma situação de ditadura relativamente a qualquer dos países do Globo que todos conhecemos e que, infelizmente, ainda estão sob esse regime.
Entretanto, devo dizer que pela actual redacção da Constituição a incumbência prioritária do Estado no campo das relações externas, independentemente da fórmula política que esses países assumam, tem em vista que Portugal tenha relações económicas com esses mesmos países. É isso que não pretendemos, ou seja, que se permita que, além de uma política externa orientada segundo os parâmetros e os interesses do povo português e de Portugal, enquanto nação, haja também parâmetros políticos que em cada momento levem o Estado a optar e até a destrinçar em relação a países com os quais não poderemos de maneira nenhuma ter relações. E penso que o Sr. Deputado é o primeiro a reconhecer que no respeitante a alguns dos países - recusar-me-ia a citá-los porque V. Exa. saberá quais são - o seu partido é o primeiro a entender que Portugal não deve manter relações económicas privilegiadas.
Ora, é evidente que também nesta sede entendemos que a economia do País é subsumida na salvaguarda da independência nacional e dos interesses dos Portugueses.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, desejo somente chamar-lhe a atenção para o seguinte: parece-me deduzir das suas palavras, e ainda em resposta à primeira questão que lhe coloquei, que o PSD abandonava o conceito de economia mista. Creio, porém, que o não faz, porque o PSD se mantém arreigado à definição dos sectores da propriedade por tal forma que dela resulta a consagração constitucional de um princípio de economia mista. Não pretenda, pois, o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva ir a frente da proposta de alteração sobre essa matéria que está prevista no artigo 89.°
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Só que não é verdade o que V. Exa. acaba de dizer!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ora essa!...
Quanto aos sectores de propriedade, pergunto-lhe se o PSD não propõe a existência de três sectores. Não e isso que caracteriza uma economia mista?
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não, Sr. Deputado.
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - A seu tempo logo veremos isso, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, pretendo formular um pedido de esclarecimento ao PSD sobre a alteração proposta para a alínea c) do artigo 81.º, que refere o seguinte: "Assegurar a justiça social, incrementar a igualdade de oportunidades e corrigir as desigualdades de rendimento." Portanto, o PSD suprime o termo "riqueza" que fazia parte do texto inicial da alínea b) do referido artigo 81.º É, pois, retirada a correcção das desigualdades resultantes da riqueza como um dos objectivos prioritários do Estado em termos económicos. Entretanto, na alínea anterior, isto e, na alínea b) da proposta de alteração do artigo 81.°, é admitida, como foi já apontada, a possibilidade de promover o aumento da riqueza. No entanto, parece-me que suprimir-se neste articulado a lógica de correcção em termos distributivos das desigualdades da riqueza está em contradição com o artigo 106.º, proposto pelo PSD, quando se admite como objectivo do sistema fiscal uma repartição mais justa dos rendimentos e da riqueza.
Gostaria, assim, de perguntar ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva se em termos fiscais há objectivos de repartição da riqueza diferentes dos da organização económica. Ou, então, o que é que significa esta pelo menos aparente disparidade?
O Sr. Presidente: - É o conceito de justiça social, pois não há nenhum significado particular em relação àquilo que V. Exa. perguntou. Como o Sr. Deputado sabe, este artigo 81.° é um dos preceitos que consigna alguns dos aspectos do Estado como agente da Constituição dirigente. Ele não tem necessariamente um grau de precisão meticuloso, mas o conceito de justiça social abrange o aspecto que V. Exa. menciona, o qual e desdobrado no respeitante ao problema fiscal, onde há necessidade de se ir a um detalhe maior.
Por outro lado, é evidente também que, para além de estar abrangido no conteúdo de justiça social, o problema do rendimento também abrange, pelo menos de uma forma indirecta, a questão da riqueza. Não há, assim, nenhum significado particular nesse capítulo à alteração da redacção do citado artigo. O que parece é que o conceito de justiça social é suficientemente rico para abranger todas as diversas cambiantes que podem surgir a este propósito.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos ocasião, aquando do debate que realizámos na passada semana sobre as propostas de alteração pendentes em relação ao artigo 80.º, de todos nos apercebermos das dimensões, do alcance e também dos perigos decorrentes do modelo de organização económico-social em que o PSD filia as propostas que aqui nos trouxe.
Nessa altura, foi observado, aliás, com justeza, que o PSD...
O Sr. Presidente: - Todos não, porque eu não estive presente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem razão, Sr. Presidente. No debate que referi ficou, porem, claro que o PSD propõe verdadeiramente uma "economia sem princípios", como alguém disse em sede de Comissão - e com toda a razão. O PSD propõe pura e simplesmente a supressão do artigo 80.º É a sua primeira "conquista" fúnebre: o PSD não pretende ver a Constituição com princípios fundamentais idênticos àqueles que tem e, em bom rigor, inclina-se para que não tivesse nenhuns em artigo próprio, o que é um pormenor em si mesmo elucidativo das concepções que o PSD tem nesta matéria.
O artigo 81.º, na redacção proposta pelo PSD, filia-se exactamente na mesma concepção e não pode deixar de ser articulado com as propostas do PSD em relação as opções políticas fundamentais contidas nos artigos 2.º e 9.º Este artigo 81.º é a explicitação daquilo que é a redacção actual desses dois preceitos. Em si mesma também a proposta de alteração do artigo 81.º, apresentada pelo PSD, é um corolário ou um desenvolvimento ou, em qualquer caso, uma emanação daquilo que o PSD preconiza em matéria de definição da própria República e no concernente às tarefas fundamentais do Estado. Estado esse que o PSD pensa como sendo um outro Estado em relação ao democrático-constitucional na sua presente configuração...
O Sr. Presidente: - Não é Estado democrático-constitucional, mas sim transitório.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Anoto, também, que aflorou na intervenção do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva uma concepção bizarra, que preside, muito em geral, a esta e a outras propostas do PSD. A coisa é simples de resumir: o PSD fez aquilo que o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva curiosamente chamava um "pacto com o eleitorado" e entende que esse pacto lhe dá poderes para mediunicamente introduzir na ordem constitucional as alterações que entender. As alterações que propõe em relação ao artigo 81.° são bem símbolo disso. Basta examiná-las uma a uma: desde logo, o corpo do artigo. O actual corpo do preceito refere-se às incumbências do Estado em relação à organização económica e social, mas o PSD suprime esta alusão ao "social". Tive ainda esperança de que o Sr. Deputado do PSD que usou da palavra para fundamentar a proposta de alteração ao corpo do artigo nos explicasse por que é que não se deve definir ás incumbências prioritárias do Estado no âmbito da organização económica e social, sendo certo que as próprias alíneas do preceito, na redacção proposta pelo PSD, tem matérias económicas e sociais. Digamos que esta obsessão deve decorrer talvez de alguma concepção rigorosa do género: "Mas então a gente não está a tratar de organização económica? Quando se fala de economia, business is business, o que é que tem a ver isto com a sociedade ou com o social nessa concepção colectivista horrenda que infecta a Constituição? Suprima-se, pois, o social!" Repito: tenho ainda esperança que o PSD venha a explicar por que é que suprimiu o que suprimiu nesta matéria se a sua economia nem sequer é "social de mercado", como alguns apaixonados da economia da RFA aqui gostariam de ecoar. Nem sequer é isso, mas sim uma outra coisa qualquer; o PSD é original...
Quanto à alínea a) do artigo 81.°, é a transposição do actual artigo 80.º, alínea a). Este refere como princípio basilar - e, de resto, o primeiro da organização económico-social - a subordinação do poder económico ao poder político democrático. Digamos que o PSD propõe a supressão do artigo 80.°, mas recupera para incumbência prioritária do Estado a de "garantir a subordinação do poder económico ao poder político". Suprimiu, curiosamente, o adjectivo "democrático". Este inciso ou qualificativo caiu, mas não se sabe verdadeiramente por que razão. Talvez o PSD consiga explicar que vezo tem a este qualificativo (não
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será apenas um mero honor aos adjectivos). Esta desqualificação do poder político como democrático dá para pensar, mas não é de estranhar, vinda de quem vem.
A alínea b) do artigo 81.°, na redacção dada pela proposta de alteração do PSD, é uma transposição da alínea a) do mesmo preceito com perda de conteúdo, uma vez que esta alínea refere actualmente como incumbência prioritária do Estado operar correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. O PSD propõe, e encareceu mesmo nesta sede, o seu amor à promoção do "aumento da riqueza", mas a questão, como todos sabemos, é que num determinado corpo social a riqueza resulta de uma determinada organização e tem determinados destinatários. Portanto, a questão é a sua produção - e haverá que pensar também no que ela seja - e, sobretudo, a imperativa necessidade de correcção de desigualdades na sua distribuição.
De facto, ao transpor esta alínea, ao deslocar-lhe o centro de gravidade, ao suprimir a ênfase da necessária correcção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento e ao aludir tão-só a uma abstracta "promoção do aumento da riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida do povo português", o PSD visa uma diminuição e uma alteração de conteúdo da incumbência em vigor.
A alínea c) proposta pelo PSD é a reescrita da actual alínea b) do artigo 81.° Aquilo que hoje surge nos termos que, de resto, já descrevi aparece na pena do PSD como alusão à "justiça social" em abstracto e ao "incremento de igualdade de oportunidades", o que adquire pleno sentido, quanto às virtualidades da sua execução, quando alentamos nas outras propostas do PSD: na organização da economia proposta por este partido há um livre desenvolvimento dos monopólios, o que, como se sabe, é uma "boa" terapêutica para corrigir e diminuir as desigualdades do rendimento. Sabe-se que é precisamente o contrário, mas importa ter isso em atenção quando se lê esta proposta de alteração do PSD.
A alínea d) é a alteração transpositiva da actual alínea c) do artigo 81.° Onde se prevê a obrigação de assegurar a "plena utilização das forças produtivas", expressão que deve parecer ao PSD extremamente "dogmática" e "ideologizada", passa o PSD a prever apenas aquilo que consta hoje da parte final da alínea c), ainda por cima com o entendimento de que "assegurar a contínua adequação do sector público ao interesse geral" é certamente diminui-lo, amputá-lo e liquidá-lo, e não seguramente reestruturá-lo, defendê-lo e alargá-lo.
A alínea e) é a transposição da alínea d) em vigor. Nesta, refere-se que "incumbe ao Estado orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo", o que deve ser outra "terrível" manifestação de "dogmatismo" e de "ideologização". O PSD prevê, tão-somente, uma norma de carácter muito genérico, aludindo ao "equilíbrio entre sectores produtivos e regiões". Perde-se, pois, conteúdo em aspectos que são bastante importantes e que resultaram de uma reflexão que foi comummente partilhada no trabalho das Constituintes, facto que aproveito para recordar.
A alínea f) é uma alínea central na lógica do PSD. Tratou-se, neste caso, se suprimir qualquer alusão constitucional à eliminação e impedimento da formação de monopólios privados através de nacionalizações ou de outras formas. O PSD alude vagamente a uma obrigatoriedade de promover a "concorrência equilibrada entre as empresas, reprimindo os abusos do poder económico", no preciso momento em que aposta num sistema de plenitude de poderes para os grupos económicos, conduzindo naturalmente à formação de monopólios privados. Há a supressão, como e óbvio, das alusões às nacionalizações como meio, mas aí a posição é partilhada pelo PS, em termos cuja fundamentação gostaríamos de ouvir mais explicitada.
Em relação à alínea g), trata-se da reprodução da actual alínea, sem alteração de posicionamento. É bizarríssimo, e de resto merece ser assinalado, que o PSD confunda as relações económicas com todos os povos com relações entre os Estados. E é realmente interessante o mistério que nos foi deixado nesta sede pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva: quais serão os Estados com os quais Portugal não pode, e não deve, no entendimento do PSD "e, quiçá, no do PS", segundo disse) estabelecer relações? Suponho que não se estará a referir à África do Sul, nem ao Chile, nem a El Salvador ou ao Paraguai. Ficamos, pois, com uma curiosidade verdadeiramente aguçada quanto a saber quais os Estados que o PSD entende que são "inabordáveis" na actual situação da nossa vida política. Em todo o caso, a confusão é mais grossa do que isto, porque não é apenas política, mas também de conteúdo basilar em relação a uma questão palmar ou elementar.
O Sr. Deputado confunde as relações entre Estados com as relações entre povos. Há-de aprender a distingui-las um dia destes! Em todo o caso, o que é triste é que se faça uma transposição tão deficiente para o projecto de lei de revisão constitucional do PSD daquilo que é, mais do que equívoco, uma concepção viciada.
No concernente à alínea h), trata-se também de uma alínea fulcral nos planos de demolição constitucional do PSD. Visa-se eliminar e erradicar, pura e simplesmente, a obrigatoriedade de realização da reforma agrária. E estas propostas adquirem pleno sentido quando se topam as alterações propostas pelo PSD em relação a tudo o que diga respeito a um modelo de organização económica no tocante à agricultura com eliminação à cabeça da reforma agrária e de quulquer vestígio de combate antilatilundista. Neste ponto, há que ponderar exactamente qual seja a diferença em relação à correspondente proposta de alteração, apresentada pelo PS, que, mantendo uma alusão ao combate anti-layifundista, suprime o conceito de reforma agrária tido por "incómodo" - gostaríamos de saber por que razão. Este é um ponto absolutamente basilar.
No respeitante à alínea i), a preocupação do PS traduziu-se em transpor o conteúdo da actual alínea, mas com uma alteração ou uma diminuição: é que deixa de se referir os direitos dos trabalhadores em relação à execução e controle das principais medidas económicas e sociais. Visa-se diluir aquilo que hoje é um conceito de controle em conceito de mero acompanhamento e suprimir a alusão à intervenção na execução das principais medidas económicas e sociais.
Refira-se, por justiça, que o PSD não alterou a actual alínea j) respeitante à protecção do consumidor. Não sabemos se isso decorreu de uma falta de percepção circunstancial ou se foi um intuito deliberado!
Quanto à alínea l), há uma alteração e uma diminuição de conteúdo, porque o preceito refere actualmente que a política científica e tecnológica deve ser desenvolvida com preferência por determinados domínios, quais sejam aqueles que interessam ao desenvolvimento do País.
O Sr. Presidente: - Ao desenvolvimento democrático do País, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se o PSD não propusesse uma demolição tão radical deste artigo
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até estaria disponível para sorrir em relação à observação que fez. Nas presentes circunstâncias creio que não se justifica!...
Gostaria ainda de observar que o PSD tem preocupação em suprimir a cláusula final da alínea m) que alude ao objectivo geral da política científica e tecnológica e na qual se visa a progressiva libertação de dependências externas num domínio que é fulcral para garantir a independência nacional.
Sem prejuízo da cooperação internacional, que é necessária nessa esfera -como é óbvio-, e do recurso aos conhecimentos de cientistas de outros países através das fórmulas correntes. O desenvolvimento autónomo da ciência e tecnologia, que e sem dúvida fundamental, é diminuído pelo PSD através da sua proposta de cláusula constitucional, lá saberá porquê.
Finalmente, a própria alínea m), que é a alínea h) actual, transposta, também é diminuída de conteúdo, suprimindo-se misteriosamente -curiosamente o PSD não explicou porquê - a alusão que o actual preceito tem à promoção da cooperação internacional no domínio energético. Estranha falta de internacionalismo num momento em que as nossas próprias obrigações internacionais nos apontam o caminho dessa cooperação. Lembra-me o meu camarada Octávio Teixeira que o próprio Euratom exige uma cooperação obrigatória em diversas esferas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, permite-me uma interrupção?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Exa., que é jurista, conhece o perigo das interpretações a contrario, não conhece?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Conheço, Sr. Presidente, mas creio que se o PSD não quer assumir o risco de interpretações a contrario não deveria vestir-lhe a pele pura e simplesmente. Há certas diminuições de conteúdo que, podendo não significar obrigatoriamente a opção por um rumo antitélico, suscitam gravíssimos problemas de interpretação. Além disso, o precedente da primeira revisão nesse ponto é para nós sumamente elucidativo. Todos os dias o PSD, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, invoca as supressões ou alterações de determinados preceitos de organização económica na primeira revisão constitucional para sustentar - ouvi isto incontáveis vezes da boca do Sr. Deputado Mário Raposo! - que das alterações decorre não só aquilo que se infere de teor do preceito novo mas também muitos outros conteúdos normativos (que se infeririam das diferenças entre esse preceito e o preceito anterior). Portanto, nenhum de nós é inocente em matéria de interpretação perversa de hermenêuticas a contrario ou literalistas ou regidas por quaisquer outros critérios. Há alterações ou supressões que não podem deixar de ter um determinado significado, conduzindo, em todo o caso, a algum grau de diminuição de conteúdo.
Finalmente, esta resenha seria incompleta se não referisse a clamorosa eliminação de uma alínea. Essa alínea é aquela que obriga o Estado a desenvolver, a criar, as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia. O PSD não se limita a atacar o princípio do desenvolvimento, não se limita a atacar o princípio da igualdade, o princípio da participação, o princípio da independência nacional, também ataca, e ataca significativamente, o princípio do planeamento democrático da economia. Creio que, mesmo face às normas que adiante o PSD propõe e que profundamente desnaturam o conteúdo actual do planeamento democrático da economia, a supressão desta norma entre as incumbências prioritárias do estado é absolutamente absurda. Só por um vezo ideológico, de "punição constitucional" - não sei se em homenagem a algum pacto secreto com o eleitorado ou outra razão secreta, oculta, ou apenas uma obsessão de carácter político -, é que se pode perceber que o PSD suprima uma incumbência que afinal mantém no seu projecto (em outras áreas normativas), embora desnaturada. É que o PSD não suprime no seu projecto a alusão a alguns mecanismos chilros de programação económica (não recua tanto como isso, embora recue, em nossa opinião, excessiva e escandalosamente), não suprime qualquer alusão a alguma intervenção organizada, digamos, planeada (para não chocar ouvidos sensíveis), do Estado na economia, como se vê analisando os artigos respectivos. Mas recusa-se a transpor para este artigo geral de "incumbências prioritárias" um cheiro sequer a essa intervenção do Estado. Se há coisa fundamentalmente ideológica, se há coisa que não é apenas semântica, mas que vise ter uma carga punitiva e ser uma afirmação à outrance de uma certa concepção do Estado mínimo, é esta opção que acabei de referir.
Por isso tudo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não podemos deixar de concluir que esta proposta do PSD puramente escavacaria o artigo 81.º da Constituição e apontaria para um modelo económico de sinal não apenas inteiramente distinto, mas oposto, designadamente em relação a essas componentes fundamentais que são o antimonopolismo, o antilatifundismo, o carácter planeado da economia e o elemento participativo dos trabalhadores. Essa desnaturação é de tal forma grave que esta, que é uma das componentes fundamentais do bilhete de identidade do projecto de revisão constitucional do PSD, não pode deixar de merecer da nossa parte a mais veemente crítica.
O Sr. Presidente: - Tenho apenas duas inscrições: a do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva e depois a minha própria inscrição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, em relação a toda a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães permitir-me-ia, até porque penso que das suas palavras resultou uma maior justificação da proposta do PSD, três notas em relação a três alíneas distintas: a primeira em relação à alínea b), a segunda em relação à alínea d) e a terceira em relação à alínea g).
Quando o Sr. Deputado José Magalhães refere que o PSD retira da alínea b) a referência a determinada organização que resultará na própria distribuição da riqueza, sinto-me impelido a dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que aquilo que o PSD entende é que o aumento da riqueza, do bem-estar e da qualidade de vida tem de ser feito independentemente da organização ou com uma organização mínima da parte do próprio Estado que promove esses mesmos princípios, mas não deve ter, e é aí que discordamos do PCP, Sr. Deputado, uma organização que obrigue o aumento de riqueza, o bem-estar e a qualidade de vida a irem em determinado sentido. É evidente que neste caso o PSD discorda completamente das propostas do PCP e por isso é que também aqui propusemos alterações à alínea b)
Em relação à plena utilização das forças produtivas, é evidente que forças produtivas em determinado sentido têm
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uma carga marcadamente ideológica, mas também na utilização do Sr. Deputado significará a opção por políticas económicas, por ideias económicas; profundamente ultrapassadas. Seria regressarmos em termos de economia à plena utilização dos factores de produção - e as forças produtivas são bem diferentes, Sr. Deputado -, aos anos quarenta; seria, no fundo, entendermos que as políticas de pleno emprego dos factores produtivos também eram possíveis.
Por último, em relação à alínea g) e ao desenvolvimento das relações económicas externas, devo dizer que e evidente, Sr. Deputado, que as relações económicas com os povos - compreenderá que todos nós reconheçamos essa diferença - e são estrutural e substancialmente diferentes das relações económicas com Estados. Aquilo que quisemos deixar aqui bem expresso e que incumbe ao Estado desenvolver as relações externas, salvaguardando, e isso é que é importante na nossa concepção, a independência nacional e os interesses portugueses. Não é verdade que da obrigatoriedade expressa na Constituição possa resultar sempre uma relação económica com todos os povos, independentemente da concepção política do Estado, da concepção ideológica das superstruturas - designemos assim em termos marxistas - que vigorem num determinado país, obrigando o Estado Português, independentemente dessas situações, a ter relações privilegiadas com qualquer povo independentemente da política do seu governo em determinado momento. Poderíamos cair na concepção última que o Estado Português mantivesse relações económicas com todos os povos, levando ao absurdo, o que seria impensável em termos de princípio constitucional.
O Sr. Presidente: - Julgo que a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães é uma intervenção útil porque sublinha suficientemente o contraste de posições em matéria económica entre aquilo que é a visão do PSD e aquilo que é a visão do PCP. E sublinha ainda como a visão do PCP está traduzida na actual versão da Constituição. Penso, pois, que o Sr. Deputado José Magalhães nos presta um bom serviço de clarificação desta matéria, ião importante, embora de uma maneira que, apesar do brilho da sua exposição, não consegue escamotear o carácter provincial do modelo económico que está consignado na Constituição.
Diria que tem toda a razão, nós não pretendemos que, naquilo que deve ser o pressuposto e em alguns aspectos posto pela Constituição em termos económicos, haja uma suspensão da possibilidade de existência de grupos económicos. Pensamos que a existência de grupos económicos é, inclusivamente, uma das condições fundamentais da garantia de desenvolvimento da economia portuguesa como economia autónoma, contraposta às dependências externas em matéria económica, e pensamos que não pode haver racionalidade no desenvolvimento económico dentro de uma economia naturalmente de mercado sem haver grupos económicos, não confundindo grupos económicos com monopólios. É essa a confusão que a Constituição, seguindo a tendência marxista, faz e que nós repudiamos.
Também e verdade que pensamos que a reforma no campo agrário não deve chamar-se "reforma agrária", devido às conotações ideológicas que ela tem em termos históricos em Portugal, embora entendamos que uma profunda reestruturação fundiária é necessária e também pensemos - não esqueçamos que estamos a tratar do problema das incumbências prioritárias do Estado - que não é uma incumbência prioritária do Estado a planificação da economia. Isso faz parte do mesmo modelo sufragado pelo PCP, mas que entendemos não ser adequado para Portugal.
Do ponto de vista técnico, foram feitas diversas referências, e limitar-me-ia apenas a considerar duas ou três, pois a discussão não tem grande importância nesse capítulo. Foi feita uma observação a propósito da supressão do carácter social e eu lembraria que a parte II da Constituição tem por epígrafe "Organização económica" e não "Organização económica e social". Na realidade, aquilo que são as incumbências prioritárias do Estado dizem respeito basicamente à estruturação económica e só de uma maneira muitíssimo indirecta às suas repercussões de carácter social. Os problemas da sociedade são tratados em outros pontos da Constituição e em outra óptica e, justamente, não gostaríamos de acentuar essa conformação do Estado no aspecto social através deste artigo. Depois há uma referência a propósito da supressão do adjectivo "democrático" no poder político. Nós não temos a obsessão de, sempre que se fala em poder político, chamar-lhe democrático, porque o poder político na Constituição é sempre democrático, e não vivemos obcecados por essa ideia, que, porventura, pode exprimir uma dúvida fundamental ou um complexo freudiano acerca da natureza do poder político na estrutura constitucional portuguesa. E obviamente um poder democrático e não pensamos que seja reforçada a sua nota democrática pela circunstância de, de uma maneira inflacionária, estarmos sempre a usar essa adjectivação.
Por outra parte, quando V. Exa. se refere à questão de se ter suprimido na alínea n) a ideia de que é neste domínio que há cooperação internacional, penso que efectivamente a Constituição tem por vezes uma redacção um pouco ingénua e pode admitir interpretações a contrario negativas. É óbvio que a cooperação internacional não é apenas no domínio energético, pois há muitos outros domínios onde se põe e é necessária. O facto de dizer que promovemos neste domínio a cooperação internacional parece veicular que há aqui a ideia de que é particularmente neste domínio que a cooperação internacional interessa, o que não é verdade. A cooperação internacional em matéria energética é importante, mas muitos outros domínios existem e, de resto, uma das características fundamentais do modelo económico que pretendemos que a Constituição, repito, em parte pressuponha e em parte ponha é justamente a da internacionalização da actividade económica. Por isso carece de sentido, em nossa opinião, estar, a propósito de um sector apenas, a sublinhar essa necessidade da cooperação internacional.
Haveria outras observações, mas penso que estas são suficientes para explicitar a profunda diferença da razão entre a proposta do PCP e a nossa - é uma oposição de modelos. Entendamo-nos: de uma maneira clara e frontal, pensamos que a Constituição deve ser liberta não apenas da carga ideológica que a sobrecarrega, mas deve também claramente deixar brotar a capacidade criadora da sociedade portuguesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de deixar duas ou três notas sobre esta problemática.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pensei que ia colocar-me uma pergunta. O Sr. Deputado queria fazer uma intervenção?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Queria colocar-lhe algumas perguntas, Sr. Presidente, e, aliás, elas também
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poderiam ser dirigidas aos dois Srs. Deputados do PSD que falaram hoje, mas, como foi o Sr. Presidente o último a falar, colocar-lhe-ei as questões a si.
A questão que referiu quanto ao problema da oposição de modelos económicos do PSD e do PCP é reconhecida. Contudo, a argumentação do Sr. Presidente e do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva leva-me a concluir que uma das questões em que há oposição frontal, segundo a expressão do Sr. Presidente, em relação aos dois modelos em questão é que para o PSD a Constituição deve prever a existência obrigatória de um exército de reserva ou, para não ferir os ouvidos mais sensíveis do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, em termos de terminologia marxista, a Constituição deve prever a existência obrigatória de desemprego. Aliás, não sei onde foram desencantara ideia da impossibilidade do pleno emprego. É uma posição do PSD que convém ficar registada. Nesse aspecto temos uma clara confrontação de modelos, pois continuamos a considerar que uma das incumbências prioritárias do Estado deve ser a de assegurar - qualquer pessoa pode entender que a expressão "assegurar", em termos de texto constitucional, não implica a utilização do chicote - a plena utilização das forças produtivas, assegurar o pleno emprego, assegurar a utilização dos equipamentos produtivos, das máquinas, etc. Para promover a tal riqueza de que os Srs. Deputados falaram e necessário utilizar os recursos que a criam.
Uma segunda questão que gostaria de colocar e a de saber se é também nessa problemática da oposição de modelos que o PSD deixa de impedir, em termos constitucionais, as práticas lesivas do interesse geral, que cai da alínea e) - se a memória me não Irai-do artigo 81.e, na redacção proposta pelo PSD.
Como ela já aqui foi referida pelo meu camarada José Magalhães, passo por cima da questão do planeamento, sem, no entanto, deixar de perguntar aos Srs. Deputados do PSD se tem conhecimento do facto de o planeamento existir sempre. Pode é ser mais ou menos anárquico em lermos do interesse geral, em termos da economia nacional e em termos do País. Não há nenhuma empresa privada que não faça planeamento. Uma questão é ter um planeamento que e coordenado a nível nacional, outra e ter planeamentos descoordenados de um conjunto muito grande de empresas privadas ou públicas.
Em relação à questão do desenvolvimento tecnológico, o PSD deixa cair a cooperação internacional, e a questão que colocaria é a seguinte: não haverá uma certa confusão por parte do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva - julgo que foi o Sr. Deputado que levantou a questão- entre a dependência e a cooperação? O que o PSD deixa cair não e a ideia de diminuição da dependência externa em lermos de investigação e desenvolvimento leconológico, é a cooperação! Com isso, afinal, o Sr. Deputado quer manter e agravar, se possível, a dependência externa que o País tem neste campo sensível de actividade e do desenvolvimento económico -é o aspecto mais sensível do desenvolvimento económico a nível internacional neste momento. Quando existe a nível do artigo 81.º actual a referência à redução da dependência externa, não se está a pretender eliminar a cooperação internacional neste campo. E precisamente o inverso: o que é necessário é reduzir essa dependência.
Ainda uma outra questão, relativa à cooperação internacional em lermos energéticos. Sr. Presidente Rui Machete, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: V. Exa. não considera que a existência a nível internacional de dois fóruns dedicados à problemática da energia, designadamente a Agência Internacional de Energia e, em termos mais estritos, o Euratom, não é, por si, significativa da necessidade específica da existência a nível internacional de uma cooperação no campo da energia? É evidente que a cooperação internacional se põe em todos os campos, mas há razões claras e evidentes, há razões concretas que levam a que, nesta matéria, se avance numa cooperação estreita a nível mundial
Finalmente, o Sr. Presidente referiu o problema da confusão entre grupos económicos e monopólios. E, se bem percebi - dou o benefício da dúvida neste campo -, V. Exa. diz que nós deixamos cair a referência a monopólios precisamente para não haver confusão com grupos económicos. Mas é precisamente porque não há confusão da nossa parte entre grupos económicos e monopólios que defendemos a manutenção na Constituição da não permissão da existência de monopólios. Apenas isto: monopólios, não! Isto é, V. Exa. saberá certamente que há grupos económicos que não são monopolistas, mas não há monopólios que não sejam grupos económicos.
O Sr. Presidente: - Quererá V. Exa. - significar que o PCP apoia entusiasmadamente a constituição de grupos económicos em Portugal?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O que quero significar é que propomos, claramente e com toda a força, que não seja permitida a constituição ou reconstituição de monopólios em Portugal. Por isso, defendemos que se mantenha aquilo que está!
O Sr. Presidente: - Para responder muito rapidamente a estas questões, diria, em primeiro lugar, que é bom não confundir os tratados de economia com os textos constitucionais. Percebo que seja muito importante, num tratado de economia, fazer uma análise detalhada dos problemas das políticas de emprego e de pleno emprego. Mas a verdade é que, quando, por exemplo, foi feita uma referência expressa à nossa proposta do artigo 59.º, onde substituímos a "execução de políticas de pleno emprego" pela "execução de planos e programas que permitam a criação de emprego", isto só tem o significado de sermos mais abertos e mais precisos, visto que as políticas de criação de emprego passam por várias vicissitudes e não é pela circunstância de estar na Constituição "política de pleno emprego" que, por si só, o pleno emprego se cria. Aliás, se fosse assim, não tinha havido necessidade na União Soviética, por exemplo, de fomentar certo tipo de políticas para aumentar a produtividade, porque as constituições soviéticas falam, todas elas, na aplicação mais produtiva de todos os meios de produção, desde 1917, e, todavia, sabemos que tem sido uma questão corrente e permanente, o que é compreensível. Por que é que uso este exemplo? Apenas para significar que não devemos cair na ilusão de pensar que as fórmulas constitucionais são, nesse aspecto, tão decisivas para alteração da realidade fáctica - que é, a meu ver, o erro em que cai o PCP.
Por outra parte, não estamos - quando se fala, por exemplo, no problema do planeamento - a discutir um artigo qualquer, estamos a considerar as tarefas prioritárias do Estado. E é evidente que tem um significado ideológico muito claro referir-se, como tarefa prioritária do Estado, o planeamento. Claro que o estabelecimento de programas, de planos, é importante em qualquer Estado moderno - todos sabemos isso. Faça-me, portanto, a justiça de acreditar que também não o ignoro. Mas não é essa a questão; é antes a de saber se o Estado deve submeter, como aliás depois é desenvolvido à frente na Constituição,
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porque - não esqueça - este artigo é um prefácio do que depois é desenvolvido no articulado posterior da Constituição, onde vem toda uma série muito vasta de preceitos que nunca foram aplicados - diga-se de passagem. E porquê? Porque o articulado está completamente desajustado em relação à realidade e às necessidades. Mas lá vem todo um conjunto vasto de medidas de planificação, e é por isso, porque entendemos que este modelo colectivista de planificação não é ajustado, que propomos a supressão dessa alínea. E o mesmo se diga no que diz respeito ao problema energético.
Há pouco referi que a economia e a sociedade portuguesas estão hoje a ser submetidas a um processo de internacionalização extremamente acelerado. Claro que, em matéria de energia, esse problema é particularmente importante, e não é só na cooperação com as instituições supranacionais ou instituições internacionais em matéria energética. V. Exa. sabe perfeitamente que Portugal tem uma cooperação em matéria de fornecimento de energia com a Espanha, a França e até a RFA extremamente importante para assegurar o equilíbrio do aparelho produtor português. Simplesmente, o que me parece, insisto, um pouco paroquial, provinciano, é, a propósito apenas disto, vir-se a insistir nessa cooperação internacional como se as outras não existissem. Não é preciso! Isto é uma visão que vem aflorar em múltiplos aspectos do texto constitucional actual, em que há uma preocupação de adjectivar ou fazer uma precisão que, depois, já não existe noutros pontos ou aspectos, o que dá uma nota por vezes falsa, porque sublinha uns aspectos e não outros que deveria sublinhar igualmente, ou revela uma preocupação de que não se percebe bem a razão oculta - porventura, o Freud teria explicação - quando se sublinha que o poder político é sempre democrático - claro que é democrático! Será que é necessário, a todo momento, estar a dize-lo? E, quando V. Exa. - refere a questão de ser lesivo do interesse geral, é evidente que isso é uma tarefa essencial do Estado e isso e dito e redito em vários lados.
Há pouco, o Sr. Deputado José Magalhães dizia que é por não haver princípios fundamentais em matéria económica. Se o Sr. Deputado José Magalhães fosse um positivista, que não é, faria uma chaveta e poria: princípios fundamentalíssimos, princípios fundamentais, princípios menos fundamentais, e viria por aqui fora. Realmente, a redução da estrutura da Constituição a este método classificatório, e de géneros próximos de diferença específica, dá uma visão interessante e porventura útil para os alunos do l.8 ano da Faculdade de Direito, mas que, na realidade, não traduz nada daquilo que deve ser a opção fundamental feita pelo legislador constituinte.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em homenagem aos alunos do 1.° ano de Direito das faculdades...
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostava só de dar a criança a seu pai: a observação feita sobre a "Constituição sem princípio" não é minha! Gostaria muito que tivesse sido, mas é do Sr. Deputado Almeida Santos e era, obviamente, irónica, sublinhando apenas que o PSD suprimia o artigo 80.º
O Sr. Presidente: - Era uma figura de retórica.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem esse significado técnico-jurídico apenas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Isso não tem importância.
O Sr. António Vitorino (PS): - Um aluno de 1.° ano percebe isso.
O Sr. Presidente: - Pois percebe. Percebe as figuras de retórica e percebe muito mais! Penso que hoje já têm uma visão da Constituição bastante diferente da que teriam em 1976.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Em síntese, compreendo que tenhamos posições radicalmente opostas nesta matéria - é natural que assim seja - e é bom que fiquem clarificadas, não há nenhum mal nisso. Há uma diferença fundamental - suponho que VV. Exas., tal como eu, aceitam a ideia da soberania popular - quando vemos como é que a soberania popular se manifesta; manifesta-se muito mais claramente, de forma maioritária, a favor do modelo que propomos do que do modelo proposto por VV. Exas. É uma diferença que, em termos daquilo que nos une, que é o respeito pela soberania popular, não deixa de ter a sua relevância.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Vamos ver se consigo arranjar um fio de Ariadne que me oriente neste labirinto. A nossa posição não será de oposição radical, mas é de substancial divergência, em relação à proposta do PSD. Parece-nos mesmo que algumas das propostas apresentadas não têm verdadeira justificação e que o PSD foi além do que queria, ou do que seria justificável que quisesse. Antes de mais, claro que lemos de articular isto com o desaparecimento do artigo 8O.Q Mas a primeira coisa que nos choca e exactamente a concepção de uma economia que não tem nada a ver com o aspecto social. Nós não concebemos o económico divorciado do social, portanto percebemos mal que se cortem todas as referências ao social. Como se a economia pudesse cumprir o seu papel bastando-lhe promover a riqueza sem nenhuma preocupação com a forma de distribuição dessa riqueza segundo critérios de justiça.
O Sr. Presidente: - Mas está lá escrito "assegurar a justiça social".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, mas corta-se noutros sítios, onde falta a referência ao social. É o bem-estar social, é o âmbito económico e social, et coetera. Pergunto: a protecção do consumidor apenas do ponto de vista económico? O consumidor é apenas um agente de consumo, que justifica a produção e, através desta, o lucro? Penso que o PSD não pensa assim, não lhe faço essa injustiça.
O Sr. Presidente: - Estou de acordo em que o consumidor não deve ser protegido apenas nos aspectos económicos, mas há, que eu saiba, alguns artigos - um, pelo menos - onde se refere especificamente a defesa do consumiddor. VV. Exas. já o devem ter examinado. Portanto, do que estamos aqui a tratar é da organização económica, ou, então, mudamos a epígrafe.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dei-lhe apenas um exemplo e podia dar-lhe outros. A política de energia não é só económica; a política científica e tecnológica não tem só uma dimensão económica; a participação dos trabalhadores
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e dos agentes económicos não tem só uma dimensão económica; inclusivamente, o assegurar da justiça social não tem só uma dimensão económica. São exemplos, tirados ao acaso, de um artigo muito vasto, onde não gostaria de ver a economia neutra, depois de ter estado ligada aos aspectos sociais e a uma função social. Se nunca tivesse estado, pressupunha-se que o legislador não tinha pensado nisso ou que estava implícito. Mas, ao deixar de estar explícito, depois de ter estado, corria-se o risco de deixar de estar implícito. Esta é a primeira observação.
A segunda é o facto de também a garantia da subordinação do poder económico ao poder político deixar de ser um princípio fundamental da economia. Passaria a ser um incumbência prioritária do Estado, o que não é a mesma coisa! Por outro lado, cá estão os aspectos do aumento da riqueza: o Estado tem como incumbência prioritária "promover o aumento da riqueza". Mas logo a seguir do bem-estar desaparece o social; também desaparece a discriminação positiva a favor das classes mais desfavorecidas. É uma concepção que não acompanhamos - uma riqueza da preocupação da distribuição justa da riqueza.
Por outro lado, na alínea c) dizia-se "assegurar a justiça social, incrementar a igualdade de oportunidades e corrigir as desigualdades do rendimento e da riqueza". A desigualdade da riqueza não choca o PSD? O PSD não acha útil ama orientação no sentido de que a riqueza, quando excessivamente desigual, ao ponto de o mais rico poder espezinhar o mais fraco, é socialmente condenável? Esse é o nosso ponto de vista. A partir de uma economia mista, não nos satisfaz, como o CDS, "garantir o direito à propriedade e à iniciativa económica privada, assegurar a concorrência e a liberdade de comércio, promover o acesso dos Portugueses à propriedade privada"; para nós, a economia tem de ter, sem discutirmos a sua dimensão, uma útil, justa e equilibrada dimensão pública, e ainda não vimos que pudéssemos prescindir de que seja assim.
Na alínea d), se há alguma divergência, não e fundamental. Mas na alínea e) aparece "orientar o desenvolvimento" puro e simples e não económico e social - ou seja, o desenvolvimento, depois de estar qualificado, deixa de o estar. "No sentido do equilíbrio", dizíamos nós. O equilíbrio entre os sectores produtivos e as regiões é algo de vago, pode não significar grande coisa. Por outro lado, parece-nos que, para além do equilíbrio entre os sectores produtivos e as regiões, têm conteúdo e continuam a ter conteúdo as referencias à eliminação das diferenças entre a cidade e o campo. Numa região, rica ou pobre, pode haver e há diferenças entre a cidade e o campo. Também aí há uma referência útil que me parece não haver razão nenhuma para ser eliminada.
Na alínea f), falava-se em "assegurar a concorrência". Diz-se agora "promover a concorrência". Deve o Estado promover a concorrência? Como é que a promove? Deve assegurá-la, criar condições para que exista, livremente ou dentro de balizas que em última instância são sempre o interesse nacional. Mas "promover a concorrência"? "Assegurar" seria, talvez, um conceito mais razoável e equilibrado. Depois dizia-se "reprimir os abusos do poder económico e as práticas lesivas do interesse geral". Cortou-se "as práticas lesivas do interesse geral", expressão que apenas aparece na alínea d), referida ao sector público. O sector privado fica isento de preocupações de defesa do interesse geral. Pode-se lucrar o mais que se puder, ainda que isso seja frontalmente contrário ao interesse geral? Nós somos contra isso, neste e noutros artigos que já discutimos. Na alínea f), "eliminar e impedir a formação de monopólios", diga-se como se disser, tem de se salvaguardar o limite material da revisão do artigo 290.º
Na alínea g), dizia-se "com todos os povos" e cortou-se a referência a "todos os povos". Essa referência tem sentido: queremos ser amigos e ter relações com todos os povos. É um objectivo, um valor - queremos relações económicas com todos os povos -; tirou-se isso de cá porquê? Qual a razão? Causa engulhos a alguém que permaneça a expressão "com todos os povos"? Tem de ser só "externo" sem mais nada? Sinceramente, não vemos razão para se ter ido tão longe. Por outro lado, falava-se aqui nos "interesses dos Portugueses e da economia do País". Não nos opomos a que possa alterar-se a forma de dizer as coisas quando não tiver sentido. Mas aqui tem sentido.
Na alínea h), em vez da reforma agrária, que também nós substituímos por outra expressão - porque entendemos haver uma carga ideológica ligada à reforma agrária e não vale a pena continuarmos a pagar essa factura, factura que é pesada para a Constituição e para o regime e não vale a pena -, tudo se pode fazer sem a carga semântica ligada a este conceito. A verdade é que dizer coisas tão vagas como "realizar as transformações agrárias indispensáveis à dignificação dos agricultores e ao aumento da produção agrícola nacional e incentivar a implementação dos programas respectivos" é o mesmo que não dizer nada. Se queremos usar fórmulas tão cómodas e tão vagas que não responsabilizem ninguém nem signifiquem coisa nenhuma, muito bem, mas parece-me que não é esse o papel de uma constituição.
Na alínea i), substitui-se a ideia do "controle da execução das principais medidas económicas e sociais" pelo "acompanhamento da execução". É um minus, temos de reflectir sobre isto. Aliás, isto aparece também noutros momentos, quando se tratou dos direitos dos trabalhadores. Também aí as propostas do PSD são, de algum modo, redutoras da intervenção dos trabalhadores. Deixaria de haver intervenção, para passar a haver acompanhamento ou participação. Deixa de haver controle. Temos de reflectir sobre isto.
Na alínea l), actual m), falava-se em "desenvolver uma política científica e tecnológica com preferência pelos domínios que interessem ao desenvolvimento do País, tendo em vista a progressiva libertação de dependências externas". Isto faz sentido. Mas "desenvolver uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do País" não faz! ... Melhor fora que o não fosse! Como poderia uma política científica e tecnológica ser desfavorável ao desenvolvimento do País? Substituir alguma coisa por nada é uma má troca.
Por outro lado, na alínea m), onde se refere uma "política nacional de energia", porquê cortar a palavra "nacional"? Não vejo razão nenhuma!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, poderia ser de outra forma que não "nacional"?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, o que está no respectivo preceito é "uma política nacional", e que se pretende realmente é que exista uma política nacional, isto é, não uma política regional, mas sim global, que preserve os recursos naturais e o equilíbrio ecológico.
Dizia-se também no preceito "promovendo a cooperação internacional". Este é um domínio em que, cada vez mais, essa cooperação é necessária. Já hoje cooperamos internacionalmente através de trocas de energia. Já hoje temos acordos com a Espanha devido ao desenvolvimento da exploração energética dos rios. Se pretendêssemos amanhã
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- e penso que isso não sucederá porque não temos qualquer abertura nesse sentido- enveredar por uma política energética à base do nuclear, ou à base de energias renovadas, para o que teríamos de trocar inovações ou conhecimentos tecnológicos, seria inevitável uma intensa cooperação internacional.
Por que nos fecharíamos numa espécie de monroísmo energético?
Quanto a Os Verdes, diria que a alínea n) que propõem tem uma acrescento com sentido, mas excessivamente programático. Expressões destas haveria muitas para encher a Constituição com elas. É todo um programa com o qual estou de acordo. "Diversificação das fontes de produção", muito bem. "Utilização de energias limpas e renováveis na medida do possível", claro que sim! "Racionalização do consumo e privação de instalações ordinárias"? Trata-se de uma opção que a Constituição deve deixar ao critério do legislador ordinário. De novo a referencia à cooperação internacional. Se ela desaparecer daqui, não tem de se consagrar na alínea m).
Em relação ao PRD, propõe uma outra forma de dizer a mesma coisa, ou seja, "impedir a formação de monopólios e obstar às grandes concentrações económicas privadas com garantia de subordinação"... Parece-me que esta redacção não e suficiente para respeitar o limite material da eliminação dos monopólios. De qualquer modo, esta é uma outra fórmula apresentada e podemos reflectir acerca dela.
Relativamente à protecção das formas de economia social, "designadamente nas modalidades do mutualismo, do cooperativismos e do associativismos autogestionário, bem como outras instituições que promovam a solidariedade", penso que o valor da solidariedade já está salvaguardado no texto constitucional. Alem disso, o conceito de economia social não me merece especial simpatia. O mutualismo poderá ter uma referência na Constituição, se assim se entender. O cooperativismo está consagrado actualmente. O associativismo também está consagrado. O problema consiste em se saber se ele deve ou não manter-se, mas não vejo que o respectivo texto apresentado inove significativamente.
Também não compreendo que se proponha a eliminação da referencia ao planeamento democrático da economia. Além de ser um limite material de revisão e, portanto, tenha de ter tradução no próprio articulado da Constituição, também me parece que se deve reduzir o excessivo empolamento nas referencias ao Plano. Depois veremos isso concretamente, até porque há propostas redutoras, umas mais do que outras, mas coincidentes na mesma direcção. Em todo o caso, não creio que uma referência ao planeamento da economia, com os dizeres propostos ou com outros quaisquer, também não mereça assento neste artigo.
O Sr. Deputado José Magalhães pediu uma explicação mais concreta acerca da proposta de eliminação da referência às nacionalizações e outras formas, já que, quanto à alínea f), o que se acrescenta foi retirado do actual n.º 1 do artigo 85.°, ou seja, e apenas o que se diz neste número.
Em relação à consagração constitucional da referência às nacionalizações, sobretudo em termos de elas poderem ser interpretadas como um dever ser, devo dizer que estaríamos neste momento dispostos a libertar a Constituição desta interpretação e desta carga. É uma factura muito pesada que não tem tido tradução real nestes últimos doze anos de vigência da Constituição. Portanto, para o artigo 80.º propomos uma alínea que refere o seguinte:
A apropriação colectiva dos meios de produção e solos faz-se de acordo com o interesse público, devendo a lei determinar os critérios da fixação das indemnizações.
Assim, julgo que, aberta que está genericamente a porta à possibilidade de colectivização de meios de produção, não há necessidade de repetir as referências às nacionalizações a propósito de tudo e de nada, sabendo nós que esta é uma das facturas mais pesadas que têm sido debitadas à Constituição.
Finalmente, gostaria de fazer uma referência à proposta apresentada pelo CDS nesta matéria, somente para que não pareça que não a tomámos em consideração. Pensamos que ela produz uma total inversão dos valores que hoje estão consagrados quer no artigo 80.º quer no artigo 81.°
No fundo, o CDS pretende substituir uma economia mista por uma economia inteiramente privada, em que os valores do privado atingem as raias do absoluto, com desprezo por tudo o mais.
Apesar disso, tenderíamos a considerar que esta temática deve ser discutida, fundamentalmente com base nas propostas apresentadas pelo PS e pelo PSD, embora em relação às propostas deste partido a nossa atitude seja de básica discordância, sem prejuízo de estarmos abertos à discussão de uma ou outra melhoria formal que deva ser considerada.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães solicitou que houvesse uma interrupção, o que vamos fazer de seguida. Ela será, em princípio, de cerca de quinze minutos.
Em todo o caso, reservava-me desde já o direito de pedir alguns esclarecimentos após o reinicio dos trabalhos.
Está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, atendendo à presença aqui do representante do PEV, vou dar-lhe a palavra para justificar a proposta que o seu partido apresentou.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Entre as incumbências prioritárias do Estado, como é consagrado pelo texto actual da Constituição, inclui-se obviamente a incumbência de adoptar uma política energética. Neste sentido, a Constituição define já os grandes parâmetros em que se deve nortear tal política: a preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico e a promoção da cooperação internacional. Estes são os três grandes parâmetros que de algum modo balizam a nível constitucional, que não a nível da prática, aquilo que deve ser a política energética de qualquer governo, obviamente aceitando-se o texto constitucional.
O que propomos, em primeiro lugar, é a manutenção da alínea da Constituição que aponta para a adopção de uma política energética correcta, tal qual está já definida na lei fundamental, entre as incumbências prioritárias do Estado. No entanto, entendemos que o legislador constitucional deveria estabelecer alguns outros sinais no sentido de que a política energética respeitasse os recursos naturais e o equilíbrio ecológico. Além disso, tal política deveria ser concretizada no âmbito de uma cooperação internacional que rejeitasse liminarmente a instalação de centrais nucleares e a utilização dessa energia. Pode considerar-se que se trata de uma pormenorização excessiva para um texto constitucional, mas não quisemos deixar de apresentar aqui - embora não vertendo completamente aquilo que e o
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nosso programa- alguns sinais inequívocos do que pensamos serem as bases mínimas para uma política energética correcta. Mantendo as condições atrás referidas, consistem tais sinais na diversificação das fontes de produção, na utilização de energias limpas e renovadas, na nacionalização dos consumos e, como já mencionei, na proibição da instalação de centrais nucleares, que, apesar de vir expressa em último lugar, não é certamente a menos importante, bem pelo contrário.
É essa, sucintamente, a razão principal pela qual apresentamos a nossa proposta. Entendemos que a actual Constituição, embora já consagrando um quadro para a política energética que pensamos ser correcto, deveria fazer menção expressa pelo menos à recusa liminar da utilização de energia nuclear em território português, ainda que para fins de produção energética.
O Sr. Presidente: - Suponho que esta explicação foi suficiente clara.
Portanto, voltaríamos agora à apreciação da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos. Esta explanação provocou duas inscrições para intervir: a do Sr. Deputado José Magalhães e a de mim próprio.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi seguramente por isso que sugeri o que sugeri há pouco, mas apenas atendendo a que o PSD linha manifestado um particular empenhamento em discutir este ponto.
Pela nossa parte, devo dizer que também temos interesse nisso, principalmente em relação àquilo que pudemos ouvir da boca do Sr. Deputado Almeida Santos. Há realmente por parte do PSD uma perspectivação extremamente diferente daquilo que devam ser as incumbências prioritárias do Estado.
O Sr. Deputado Almeida Santos leve ocasião de afirmar que as propostas do CDS inverteriam o sentido da Constituição neste ponto, caso fossem aprovadas. Creio que isso é uma evidência. No entanto, o mesmo se pode dizer das propostas apresentadas pelo PSD. E aí o Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou que não tinha uma oposição radical, mas sim uma "substancial divergência" (sic).
Se assim é, julgo que isso significaria que o PS não estaria disponível para considerar outras alterações do artigo 81.° além daquelas que constam do seu próprio projecto de revisão constitucional, e elas são três. Contudo, dessas três alterações duas são de tomo. Mas, verdadeiramente, serão duas as alterações de tomo, ou será apenas uma? Esta é a questão que se me suscita.
O PS mantém como incumbência prioritária do Estado o eliminar-se e impedir-se a formação de monopólios privados. Isto quer dizer que, há pouco, o Sr. Presidente somente por gentileza ou por tratamento diferenciado em relação ao PS é que não dirigiu ao Sr. Deputado Almeida Santos as críticas ou as agulhas que nos linha endereçado a nós quanto a uma suposta, e, aliás, inexistente, confusão da nossa parte entre grupos económicos e monopólios.
Daqui depreendo, o que de resto não é difícil, que o PS não confunde a existência de grupos económicos com a questão da formação de monopólios e se pronuncia pela manutenção do pilar antimonopolista da Constituição.
No entanto, a questão carece de uma completa explicitação, devido às propostas apresentadas pelo PS em relação aos artigos 9.º, 81.° e 83.º, aos limites materiais de revisão constitucional e a outros preceitos e dimensões da constituição económica.
O PS mantém a alínea e) do artigo 81.°, com uma supressão parcial de texto, que o Sr. Deputado Almeida Santos teve ocasião de situar, mas altera simultaneamente outras disposições com as quais esta está conexionada.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se isso não significa ou não pode acarretar um esbatimento do princípio que aqui se define e se estabelece. Como é que o PS encara isso, dado que se trata obviamente de uma responsabilidade não levianamente assumível essa de gerar um esbatimento nesta área, a qual é fulcral e de entre todas centralíssima?
Naturalmente, deixo de lado a reflexão sobre se a "factura" da referencia constitucional reiterada às nacionalizações é "insuportável", ou se não será mais difícil suportar a factura decorrente da sua supressão...
Mas essa é para o PS uma questão chave. Da nossa parte a crítica e conhecida. Ela é quanto a nós justíssima, e as apreensões que temos no que respeita a essa matéria dispensam reforço ou explicitação adicional.
Quanto à alínea h) do artigo 81.° passa-se outro tanto. Não vamos aqui seguramente antecipar todo o debate acerca da parte da Constituição respeitante à reforma agrária. Mas a eliminação do conceito como tal, com a manutenção da incumbência prioritária de eliminação dos latifúndios, só numa leitura desprevenida poderia significar que o PS tem propostas puramente baptismais e não de alteração da estrutura constitucional no respeitante a este ponto...
Creio que o debate sobre esta matéria, sem prejuízo daquele que há-de ter lugar na sede própria, deve ser mais aprofundado, porque a consequência dessa opção é quanto a nós extremamente preocupante.
Não nos parece que esse grau de empobrecimento valha o preço que o PS parece considerar bastante. Esse preço seria o da "diminuição da factura" se bem compreendo. Por outras palavras, como há em Portugal quem aposte tanto na destruição da reforma agrária que foi capaz de apresentar uma proposta inconstitucional - a qual é conhecida e que está pendente nesta Assembleia -, além de ser capaz de desencadear no quotidiano, na acção corrente da Administração Pública, ofensivas com as consequências e a extensão daquela que lamentavelmente é desencadeada todos os dias, como há esses que assim pensam, entende o PS que é melhor sacrificar no altar dessa aspiração destrutiva um nome, conceito, uma garantia constitucional.
Que conceito, que nome é que fica substituindo esse que o PS pretende sacrificar? Que consequências é que isso tem? Que responsabilidade é assumida por isso? Creio que era bom que fosse feita alguma reflexão adicional acerca desta matéria.
Por outro lado - e devo dizer que esta é para mim a grande interrogação -, quais são as consequências deste conjunto de alterações em relação ao funcionamento concreto da economia?
O Sr. Deputado Rui Machete teve ocasião de dizer que "não é por estarem na Constituição que as coisas deixam de ser o que são ou passam a ser diferentes", o que realmente abre um debate fascinante (mas provavelmente de fronteiras excessivas) acerca do valor do direito e do seu não valor, uma vez que se sabe que há uma diferença entre um código e uma faca, ou seja, o primeiro não corta e a segunda corta.
O Sr. Presidente: - Ambos cortam!
O Sr. José Magalhães (PCP): -Ora aí está! Em todo o caso, a questão é que a extracção da Constituição de determinados conceitos pode precipitar na realidade portuguesa consequências gravíssimas, de tal modo graves que não nos disponibilizamos para as contestar a qualquer título. O PS, pelo contrário, disponibiliza-se.
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Quais seriam as consequências de viabilização dessas soluções num quadro em que há quem aposte que Portugal se transforme na Singapura da Europa, na Califórnia da Europa, em qualquer coisa da Europa que não Portugal? Como é que o PS encara essa questão? Esta é a grande pergunta: quais são as consequências desta abertura de dique que o PS propõe?
O Sr. Presidente: - Em relação àquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu, penso que haveria duas interpretações possíveis. Uma delas consistiria em pensar - utilizando agora uma terminologia francesa um pouco na moda- que o Sr. Deputado seria mais pró-Maurois do que pró-Rocard e, portanto, mantendo uma visão mais...
O Sr. António Vitorino (PS): - Ambos são ganhadores neste momento.
O Sr. Presidente: - Sim, ambos são ganhadores, embora não tanto como parecia à primeira vista. A outra interpretação possível é se, pelo contrário, se traia de uma manifestação conservadora mas puramente nominalista, e não tem outra preocupação senão a afeição por certa redacção que já existia.
Em todo o caso, penso que se trata aqui de segunda questão, isto e, que, contrariamente ao que poderia parecer, não há uma recusa à inovação e ao progresso do ponto de vista económico que uma interpretação mais fiel à primeira fase do primeiro mandato de Milerrand poderia supor.
Isso leva-me a dizer que, porventura, as diferenças que existem entre a concepção socialista - quando tão afincadamente invoca a necessidade do social -e aquilo que o PSD preconiza não são tão significativas como à primeira vista poderiam parecer. São mais questões de redacção ou de acento tónico.
Há um ponto sobre o qual eu gostaria que não houvesse equívocos e em que admito que, do ponto de vista sistemático, a observação feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos pode ter cabimento merecer a nossa concordância. Com efeito, aceitamos que a ideia de que se deve claramente consignar a subordinação do poder económico ao poder político e um princípio não só da actividade do Estado e, portanto, uma incumbência prioritária do Estado, mas podemos vê-la numa perspectiva mais estruturante, sem que em princípio seja necessariamente encabeçada num sujeito actuante. Digamos, portanto, que não recusamos a ideia de distinguir essa directriz, consignando-a num princípio fundamental do artigo 80.c - como já lá existia, se isso tranquiliza o PS -, porque, de resto, corresponde a uma forma de perspectivar as coisas, assim como corresponde, efectivamente, ao nosso pensamento. Por outro lado, para exemplificar um pouco a ideia de que penso que são questões de estão e de acento tónico - mas que não tem a relevância que me pareceu ser-lhe emprestada pelo Sr. Deputado Almeida Santos -, eu tomaria apenas, a título exemplificativo, um caso que e o que respeita ao problema do "desenvolver as relações económicas com todos os povos" e a redacção que propusemos de "desenvolver as relações económicas externas salvaguardando a independência nacional e os interesses portugueses", em vez de se dizer "salvaguardando a independência nacional e os interesses dos Portugueses e da economia do País". Ora, semelhante diferença não tem o significado que o Sr. Deputado Almeida Santos lhe atribuiu. No fundo, quando se fala em "desenvolver as relações económicas com todos os povos", das duas uma: ou se está a preconizar uma medida de política externa, e não tem sentido como uma incumbência prioritária do Estado em matéria económica, porque desenvolver as relações económicas com o Zanzibar não é da mesma relevância económica prioritária que é, por exemplo, equilibrar a balança comercial com a Espanha; ou, pelo contrário, se está a dar relevo ao problema da política externa, e então, nesses termos, são de facto muito importantes as relações económicas com o Zanzibar, com os países do Leste, etc. Mas não são problemas de organização económica e de incumbências prioritárias do Estado em matéria económica ou também, aceitando a sua observação, em matéria social. Com isto quero dizer que há aqui nitidamente um desvio de redacção, porque, quando se fala em relações económicas com "todos os Estados", porventura o que se está a pensar é que no período da ditadura havia uma certa preocupação ideológica em não ter relações económicas com os países de Leste. Ora, tal é absurdo, mesmo em lermos ditatoriais, e muito mais o parece ser hoje, que vivemos em democracia. Mas isso não é uma matéria do ponto de vista económico, é uma matéria de política externa. Quando se fala nisso como uma prioridade do Estado, é um pouco ridículo em termos de redacção.
Foi isso que nós pretendemos evitar e, por outro lado, é óbvio que não tem sentido dizer-se "salvaguardar os interesses dos Portugueses e da economia do País", sendo melhor dizer-se "os interesses nacionais" ou "os interesses portugueses" tout court. Na verdade, desenvolver as relações económicas como prioridade do Estado para subordinar a economia do País a interesses externos seria algo de muito sui generis se fosse introduzido no artigo 81.° como uma incumbência prioritária do Estado... Isto é só para dizer que os problemas que estamos aqui a tratar são, muitos deles, problemas de redacção e também de um pouco de bom senso, e que, repito, me parece que, em muitos aspectos, esta redacção era um pouco provinciana na forma de redigir - e mantenho o que disse no que respeita também ao problema de política nacional de energia, embora não estejamos contra, pois não é nada de importante, não valendo assim a pena fazermos um debate sobre isso. Mas, na verdade, sublinhar aqui a necessidade da cooperação internacional e omiti-la noutros lados não tem sentido. É importante reafirmar que não pretendemos esquecer os aspectos sociais; pensamos é que estes devem ser realçados noutra sede. Em todo o caso, não lemos nenhuma intenção de retirar o valor aos aspectos sociais. Não nos parece que isso fosse o mais consentâneo com a orientação desta pane n da Constituição, relativa à organização económico-social. Pensamos que eles devem ser dados de outra maneira e de outra forma através de outros pontos do sistema constitucional, mas é uma questão que não e de modo nenhum uma questão de princípio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, como sempre, as suas palavras foram esclarecedoras.
Relativamente ao Sr. Deputado José Magalhães, e procurando obedecer à ordem de formulação das perguntas, diria que e evidente ser um pouco o destino do PS estar entre dois fogos em matéria económica. Com efeito, nem somos colectivistas como o PCP nem inteiramente privatistas como o tende a ser o PSD. Defendemos uma economia mista com preocupações sociais, grandes preocupações na redistribuição dos rendimentos e da riqueza, ele, de modo que não se há-de estranhar que a divergência seja maior em relação à visão colectivista do PCP do que em relação à visão do PSD, no que está em causa agora
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quanto a este artigo. Mas falei em substancial divergência, e essa existe em termos verdadeiramente substanciais e não meramente epidérmicos.
Por outro lado, diz o Sr. Deputado José Magalhães que as nossas propostas propõem só alterações baptismais. Se fossem só baptismais, o Sr. Deputado José Magalhães não estaria tão empenhado em combatê-las, porque não acredito que discuta a troca de uma palavra por outra ou de um nome por outro. Do que na verdade se trata é antes de uma alteração que tem significado. Nós entendemos que se alguma vez - e faço questão em sublinhar o "se", porque considerada a Constituição no seu conjunto é defensável alguma dúvida - a Constituição quis que todos os principais meios de produção, solos e recursos naturais fossem colectivizados, como um dever ser, como uma imposição, queremos que fique claro que, daqui para diante - ao fim de doze anos de experiência em que não houve uma única colectivização e em que, além do mais, nos integrámos num espaço de economia não colectivista mas de mercado -, deveria deixar de interpretar-se como tal e a redacção deveria tornar bem claro que se não trata de um dever ser, mas um poder ser, de uma faculdade. Este é o conteúdo último das nossas propostas. Tem alguma incidência nesta alínea c)do artigo 81.º, mas tem sobretudo incidência na alínea c) do artigo 80.º, assim como noutros artigos por onde havemos de passar. Portanto, não é só uma modificação de palavras - embora seja também modificação de palavras - pela razão simples de que nós sempre entendemos que a carga mítica negativa ligada a esta Constituição está sobretudo ligada a expressões formais e não tanto a realidades substanciais. Basta dizer que, exactamente, apesar de durante doze anos não se ter feito uma só apropriação colectiva de um principal ou secundário bem de produção, as críticas dirigidas à Constituição incidem fundamentalmente sobre a expressão "apropriação colectiva". Perguntamos se vale a pena continuarmos a pagar este preço a esse título, quando nem sequer há uma tradução na realidade do peso mítico das palavras. Perguntou-me se a nossa posição relativamente a este ponto não ganha sentido novo quando considerados os artigos 9.° e 83.º e os limites materiais. Como sabe, a nossa posição, relativamente aos limites materiais, é a de que devemos salvaguardá-los nesta revisão - e penso que os salvaguardamos, em termos hábeis talvez, mas também em termos verdadeiros e significativos - e alterar o artigo 290.º para futuras revisões. É uma posição. Porventura, o PCP não concorda com ela, e a prova disso é que não propôs nenhuma alteração ao artigo 290.º Também aí divergimos.
Quanto ao artigo 9.º, também aí se fala em promover o bem-estar através "disto e daquilo", designadamente da socialização dos principais meios de produção, e em abolir a exploração do homem pelo homem. São as tais cargas míticas ligadas às palavras. Entendemos que a melhor defesa da Constituição é não continuar a sujeitá-la às consequências dessa carga mítica. Será uma atitude de salvaguarda da boa saúde da Constituição não tirar de lá estes quistos verbais quando não têm tradução na realidade? Nós pensamos que não e que a melhor maneira de pacificarmos a sociedade portuguesa e de algum modo coonestarmos a Constituição com a integração no espaço económico europeu é seguir a proposta que formulámos, aqui e noutros lugares, a meu ver com inteira coerência.
Pergunta ainda o Sr. Deputado José Magalhães se não será mais pesada e mais dolorosa a factura da supressão do princípio da irreversibilidade das nacionalizações? Lá chegaremos. Havemos de discutir isso, assim como havemos de discutir a reforma agrária. Penso que quer num lugar quer noutro formulámos propostas que, não dando satisfação nem ao PCP nem ao PSD, e muito menos ao CDS, porventura traduzem um saudável equilíbrio entre posições contrárias.
Pergunta ainda o Sr. Deputado José Magalhães quais as consequências em concreto. Eu dir-lhe-ia que fundamentais não vai ter nenhumas, senão uma certa pacificação das disputas em torno de palavras. É tão-só isso. Não me custa reconhecê-lo pela razão simples de que o que cá está não tem produzido consequências que normalmente decorreriam do significado das palavras e da interpretação sistemática da Constituição. Mas há uma consequência importante, e que é esta: deixará de haver disputas sobre palavras inúteis, ou que não têm sido interpretadas de acordo com o seu sentido literal. Quer dizer, daqui para diante, o Estado continuar a colectivizar quando o interesse público determinar que colectivize. Nesse caso, o Estado deve indemnizar quem for despojado da sua propriedade. Penso que isso mantém uma porta aberta pela qual pode a colectivização passar, em circunstâncias que eu não estou a imaginar neste momento, mas que admito como possíveis. Porque, assim como admito que haja empresas a mais no sector público, também não me custa admitir que lá possa haver empresas a menos. Nesse aspecto, sempre dissemos que não temos nenhuma espécie de complexo relativamente a reconhecer que há empresas públicas que não deviam estar no sector público e que há empresas privadas que, porventura, lá deviam estar.
Relativamente ao Sr. Deputado Rui Machete, devo dizer que nem Maurois nem Rocard. Só Almeida Santos. Estamos em Portugal e não em França. Concordo com alguns pontos de vista de ambos, assim como também discordo de alguns pontos de vista de ambos. Eu não tenho afeição nominalista pela redacção actual da Constituição. O que eu pretendia referir - a prova disso é que também nós propomos a substituição de muitas expressões e ainda agora acabei de referir algumas - é que, se não tem significado a troca do que cá está por aquilo que propõem, então a objecção é a mesma: para que trocam? Só que há uma divergência: é que o que cá está tem o peso de cá ter estado e, se se tira, lá vem o Tribunal Constitucional fazer a história da semântica para dela deduzir uma interpretação que seria outra se não levada em conta a dança das palavras. Não se pode, de ânimo leve, retirar uma expressão ou substituí-la por outra se isso não for eminentemente necessário. Ora, o que nos parece é que estas propostas transportam uma carga com a qual discordamos. Nesse sentido, gostei muito da intervenção do Sr. Deputado Rui Machete ao dizer-nos que não há intenção de divorciar o económico do social. Se não existe essa intenção - o que saúdo -, vamos pôr cá o social outra vez, visto que não faz cá mal nenhum, não cria nenhum obstáculo, nem nenhuma dificuldade a ninguém. Fica onde sempre esteve. Não haverá então ninguém que se interrogue sobre o significado a atribuir ao facto de se ter retirado o qualificativo social da economia.
Também gostei de o ouvir dizer que concorda em que a subordinação do poder económico ao poder político deve reassumir ou manter a dignidade de um princípio, e não apenas de uma incumbência do Estado, o que seria um bónus, como e óbvio. Mas, então, perguntava-lhe se o PSD está disposto a manter este princípio num artigo em separado; vamos fazer um artigo apenas com este princípio? Quer dizer, a economia portuguesa deixará de ser, como o PSD propôs, uma economia sem princípios, passando a ser uma economia com um princípio único? Discutiremos isso a propósito do artigo 80.°
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O Sr. Presidente: - Eu penso que esse princípio não deve ser minimizado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não será então minimizado. Mas o que eu entendo é que não se devem minimizar os outros! É claro que de todos os exemplos de objecções das minhas diversas intervenções foi buscar, porventura, o mais banal. Evidentemente, a nossa ideia é a de que, estando cá "todos os povos", não deve deixar de estar. Isso não é grave! Também se deixar de estar "todos os povos" e estiver só "externo", não é aqui que está a nossa profunda divergência. Mas a verdade é que - e o Sr. Deputado Rui Machete pôs bem o dedo na ferida - este artigo surgiu na Constituição porque nós vivíamos numa economia fechada, política e economicamente isolada. Com efeito, as nossas relações económicas pouco mais iam além da África do Sul e de meia dúzia de países que connosco comerciavam na parte final do antigo regime. Ora, o que o PS, com a sua proposta, pretende é fazer comércio com todos os povos. É um princípio com conteúdo positivo, enquanto a expressão "relações externas" não tem este conteúdo positivo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Trata-se de uma intervenção suscitada pelas perguntas do Sr. Deputado José Magalhães.
Penso, aliás, que diversas dessas questões já tinham sido colocadas a propósito do artigo 80.º Pessoalmente, não vejo obstáculo nenhum a que a propósito de cada artigo da constituição económica o Sr. Deputado José Magalhães suscite a necessidade de sondar os fundamentos últimos das propostas que são feitas sobre o conjunto da matéria da constituição económica.
Creio, contudo, a bem do esclarecimento das posições de todos os participantes nesta revisão constitucional, que é importante recordar a evolução da própria constituição económica portuguesa para compreender qual é o sentido último das propostas do PS, que não são propostas de "política de terra queimada" em matéria de constituição económica, como algumas das críticas do Sr. Deputado José Magalhães pareciam fazer crer.
A redacção originária da Constituição de 1976 consagrava um modelo económico e uma constituição económica que tinha três grandes vertentes:
a) Tinha um modelo final definido em grandes linhas;
b) Tinha um estado de partida para atingir esse modelo final, que era considerado pela própria Constituição como um estádio de garantia assegurada pela Constituição;
c) E tinha um elenco de instrumentos para a progressiva edificação desse modelo final.
O modelo final era o socialismo, o estado de partida era a garantia das transformações económicas e sociais ocorridas após o 25 de Abril e os instrumentos de edificação desse modelo de "transição para o socialismo" (nacionalizando, expropriando, etc.) consagravam uma concepção gradualista da construção desse modelo final.
Esta era a lógica da redacção originária da Constituição de 1976, que fundamentou, talvez, a teorização mais interessante do modelo económico português pós-25 de Abril, feita pelo Dr. Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, no livro A Revolução Portuguesa - O Passado e o Futuro. Nele explicava o Dr. Cunhal que toda a vida económica do País girava em torno da existência de três sectores económicos e da interacção desses três sectores económicos (ou "formações económicas", para usar a terminologia rigorosa do autor): o sector socialista, o sector capitalista e o sector não capitalista.
A interpretação feita pelo Dr. Álvaro Cunhal, que naturalmente desde sempre enformou todo o pensamento político-económico do PCP, era a de que o modelo económico da Constituição permitia e até impunha que progressivamente fosse afirmada a natureza tendencialmente dominante do sector socialista, sendo o sector capitalista nesse dever histórico cada vez mais um sector de natureza residual e, consequentemente, através da evolução de processo histórico pressuposto pelo modelo e assente numa leitura determinista, o sector privado tenderia a desaparecer; finalmente, na concessão do autor o sector não capitalista era um sector que vivia em relação dialética com o sector socialista, permitindo, aliás, a existência de uma certa pluralidade de iniciativas económicas, isto é, a existência da iniciativa económica cooperativa e da iniciativa comunitária local, que, não sendo iniciativas económicas socialistas "puras", também não eram iniciativas económicas capitalistas, situando-se nesse tercium genum, digamos assim, do modelo económico.
Daí resultava como corolário lógico a ilegitimidade à face do texto constitucional de qualquer outra lógica económica, de qualquer outro modelo ou de qualquer política económica que não tivesse aquele norte, que não usasse em pleno os instrumentos de apropriação colectiva dos meios de produção e solos e que não assegurasse o estádio de partida que a Constituição, ela própria, consagrava, ou seja, o estádio de apropriação colectiva existente à data de entrada em vigor da Constituição.
Esta interpretação do modelo económico constitucional foi posta em crise pela revisão de 1982, o que ilegítima totalmente as acusações que algumas forças políticas e sectores sociais de direita fazem à revisão de 1982, isto é, de que a revisão de 1982 só teria cuidado do modelo político e não já do modelo económico e que foram manifestamente insuficientes as transformações da constituição económica então operadas. É uma acusação que considero injusta e até não demonstrada. Na realidade, a revisão de 1982 sublinhou o primado da vontade popular, não apenas no concernente ao modelo político mas também sublinhou, e em aspectos muito importantes, o primado da vontade popular no domínio da própria organização económica, lendo consagrado um modelo de economia mista, que é aquele que de facto existe na Constituição desde 1982, através do reconhecimento inequívoco do papel do mercado, do plano, e da sua acção dialética e através da garantia de três sectores de propriedade, tendo sido eliminadas aquelas expressões de maior acinte para com a iniciativa económica privada, designadamente foi afastada a concepção do sector propriedade privada como um sector residual e optou-se por uma definição deste sector pela positiva.
As propostas que nesta segunda revisão o PS faz em matéria de constituição económica integram-se perfeitamente dentro da lógica da revisão constitucional de 1982 em matéria de organização económica. E não só se integram perfeitamente nessa lógica como acompanham também o próprio sentido fundamental da evolução histórica decorrente da adesão de Portugal às Comunidades Europeias e os ditames do objectivo da construção do mercado único europeu em 1992. Não é um modelo original e exclusivo do PS, aquele que defendemos é um
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modelo partilhado por todos os partidos socialistas e sociais-democratas da Europa Ocidental. Há pouco, aliás, foi feita uma referência a dois socialistas franceses, mas ela poderia ser feita sobre esta matéria aos socialistas italianos ou aos socialistas espanhóis ou aos sociais-democratas alemães, pois todos perfilham esta mesma concepção, no que somos acompanhados mesmo por alguns partidos comunistas da Europa Ocidental, como, por exemplo, o Partido Comunista Italiano, cuja concepção da construção europeia, da economia na Europa Ocidental é muito mais próxima da concepção que perfilha o PS do que do modelo económico sustentado pelo PCP.
Nesse sentido diria que as transformações que o PS propõe nesta segunda revisão quanto à constituição económica não devem ser dramatizadas nos termos que pressupunham as perguntas do Sr. Deputado José Magalhães, até porque, se a propósito de cada artigo o PCP vai fazer críticas tão culpabilizadoras das propostas do PS, o resultado é que essas críticas, naqueles pontos em que provavelmente até teriam mais razão de ser, acabam por se banalizar e desgastar a si próprias ingloriamente... Não queríamos que o PCP se desgastasse em críticas que, por serem excessivas, depois perdem o sentido da medida sobre a valia relativa das próprias propostas que estão em apreciação.
Pelo nosso lado aguardaremos por 1992, para que o próprio PCP também faça a "reestruturação" da sua política económica, da política económica que preconiza para Portugal e do seu posicionamento face à CEE. O PS é paciente nesta matéria, até porque temos vindo a seguir com atenção e com interesse a evolução da concepção do PCP sobre a integração europeia de Portugal, sobre o significado e as decorrências dessa mesma integração europeia, e temos acompanhado o empenho com que as autarquias lideradas por autarcas do PCP se candidatam (e muito legitimamente) aos benefícios dos fundos comunitários, que potenciam o desenvolvimento dessas regiões onde os autarcas comunistas, legitimados pelo voto popular, têm a sua representação frequentemente até maioritária.
Neste contexto, estamos certos que a leitura desta acta daqui a cinco anos será espantosamente interessante, permitir-nos-á reeditar este diálogo à luz do que entretanto ocorreu, porque desde sempre aprendi a reconhecer não só ao Sr. Deputado José Magalhães pessoalmente mas ao PCP a natureza de um partido espantosamente exímio em agitar bandeiras de luta, mas também um partido espantosamente exímio no pragmatismo de adaptação às situações concretas em que tem de desenvolver a sua acção política, e daí estar convencido que daqui a cinco anos constataremos que eram injustificados os complexos de culpa que o Sr. Deputado José Magalhães quis imputar ao PS pelas propostas que fazemos de adaptação da constituição económica e que encontraremos o Sr. Deputado José Magalhães e o PCP a defenderem o modelo económico constitucional decorrente desta segunda revisão como o faz neste momento agora em relação ao modelo económico constitucional que saiu da revisão de 1982, e que na altura, coitado, foi tão maltratado pelo PCP...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, não consegui perceber muito bem se a concepção económica do PS ainda é a de 1982 ou já é a de 1987, mas pareceu-me que tinha ficado em 1982.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, permito-me já agora responder a esse comentário. Seja a de 1982 ou seja a de 1987, o que Sr. Deputado Rui Machete não conseguirá demonstrar é que existe contradição entre uma e outra.
O Sr. Presidente: - Não há é evolução, esse é que é o problema, e deveria haver. Teremos oportunidade de ir vendo em que é que se concretiza essa evolução nos artigos subsequentes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Há uma segunda parte da intervenção que de facto não fiz, porque esta primeira era dirigida exclusivamente ao Sr. Deputado José Magalhães, mas também me posso dirigir agora aos Srs. Deputados do PSD.
Com efeito, a transformação do pensamento económico do PS não se traduz em correr como um cavalo louco em direcção aos braços do neoliberalismo e das concepções minimalistas e devastadoras da constituição económica, em direcção a concepções de política de terra queimada! O Sr. Deputado Almeida Santos há pouco demonstrou, e penso que era importante que tivessem em linha de conta essa demonstração, que as propostas do PS são propostas que, sendo coerentes com a lógica que presidiu à nossa participação na revisão constitucional de 1982 e que, flexibilizando o modelo económico, têm em linha de conta a integração plena de Portugal nas Comunidades Europeias entretanto ocorrida e a construção do mercado único europeu em 1992, não são, contudo, propostas liquidacionistas da constituição económica e do sentido social e do conteúdo generoso de solidariedade social que foi imprimido à Constituição de 1976 desde a origem e que a revisão de 1982 preservou. E que nós entendemos que a revisão de 1988 deve preservar também. Quanto a esses pilares da constituição económica somos inflexíveis. Não é passadismo, nem é apenas evolução na continuidade, é fidelidade aos nossos princípios, nada mais!
O Sr. Presidente: - Mas é também fidelidade à generosidade, algo que fica muito bem e que muito me apraz reconhecer ao PS - isso não está em discussão, até como estado emocional. O problema, no entanto, não é esse; o problema é que o apego a uma certa visão ainda estatizante e a ideia do pecado original da iniciativa privada, apesar de tudo, ainda permanecem, ainda não houve a água baptismal que tenha redimido o pecado original. Mas, enfim...
O Sr. António Vitorino (PS): - Essa afirmação não posso deixar passar em claro, se V. Exa. me permite.
O problema não é o de saber se a Constituição continua a ter uma matriz estatizante, o problema é que a Constituição garanta a pluralidade de soluções políticas e económicas determinadas em cada momento pela vontade popular.
O Sr. Presidente: - Estamos inteiramente de acordo.
O Sr. António Vitorino (PS): - A preocupação do PS é que a Constituição não ilegitime nenhuma política económica desenvolvida nos seus quadros e, portanto, quando nós mantemos referências importantes à intervenção económica do Estado é porque entendemos que, uma vez que, como disse o Sr. Deputado Almeida Santos, já lá está na Constituição, a sua eliminação teria inevitavelmente um significado negativo na interpretação futura do texto constitucional, levando mesmo à defesa da ilegitimação dessas vertentes que o Sr. Presidente considerou como
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estatizantes. Ora o que nós queremos é a pluralização do modelo económico constitucional, não através de algumas eliminações pouco ponderadas, não é a elegitimação de algumas vertentes possíveis de política económica que a vontade popular pode determinar. Esta é a posição que sempre temos defendido desde 1976.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, penso que V. Exa. exprimiu algo de extremamente importante, que é distinguir entre o plano constitucional e o plano onde se movem os programas do Governo e dizer que esses planos do Governo devem poder ter a amplitude suficiente para traduzir aquilo que é a vontade popular dentro do que é legítimo como jus variandi das acções a desenvolver pelos governos. E acrescentou uma outra coisa que compreendo - e aqui até o posso acompanhar - que é dizer: as alterações constitucionais não devem traduzir-se em limitações àquilo que são as fronteiras naturais desse jus variandi ou dessa liberdade dos programas a apresentar ao eleitorado e a serem sufragados por ele. Então, isso significa que V. Exa. e o PS aceitam que as formulações que existem no direito constitucional e que são impeditivas dessa aceitável liberdade dos programas do Governo devem ser reformuladas em termos de essas barreiras deixarem de existir.
O Sr. António Vitorino (PS): - Nós próprios tomámos a iniciativa de procedermos a essas alterações, o que é substancialmente diferente. Não estivemos numa atitude passiva.
O Sr. Presidente: - Terão de fazer uma interpretação autocorrectiva nalguns pontos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não creio, mas o Sr. Deputado Rui Machete decerto não deixará de nos chamar a atenção nos pontos onde entende que deve haver interpretações autocorrectivas. Se as faremos ou não, apenas a nós próprios compete decidir.
O Sr. Presidente: - Como princípio hermenêutico, parece-me um dado adquirido muito importante. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, talvez não pudesse haver diálogo mais revelador dos tempos que por aí correm que este que acaba de ser registado em acta.
O Sr. Presidente: - Fizemos quase revisão constitucional, não é verdade?
O Sr. António Vitorino (PS):-Já sabia que o Sr. Deputado José Magalhães ia dizer isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não posso deixar de dizer que esse diálogo não me provoca nenhuma impressão afável, pelo contrário. O PS tinha anteriormente, e repete-o, qualificado como "equilibradas" e "sensatas" as propostas que apresentou. Feitas todas as contas visa-se fazer o quê? Suprimir qualquer sinal de uma intenção socialista, qualquer que seja a natureza daquela que hoje consta da Constituição (que, como se sabe, não traduz identificação com um específico programa partidário), e é realidade de construção melindrosa do ponto de vista hermenêutico; tem o alcance que tem e pela nossa parte consideramos estimável. Visa-se em segundo lugar menorizar o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e amputá-lo da sua dimensão, consagrando uma interpretação que lhe limita o conteúdo e que lhe quebra qualquer virtualidade expansiva; em terceiro lugar, admitir ou aceitar o privilégio ou a primazia ao sector privado com menorização do público e cooperativo; em quarto lugar, esvaziar a proibição de acesso aos sectores básicos; em quinto lugar, consagrar, aceitar, um retrocesso na garantia constitucional das nacionalizações; em sexto lugar, limitar o alcance da propriedade social; em sétimo lugar, quebrar os próprios limites materiais de revisão em termos que facultem uma outra revisão, isto é, uma ulterior amputação.
Não se trata portanto de um modelo fixo, trata-se de um modelo evolutivo, significativamente é um modelo involutivo e diminuidor. E apenas de estranhar que isso seja dito com orgulho.
Cada partido é livre de propor o que entender e o seu juízo histórico sobre um momento histórico é o seu. Tem todo o direito de o ter e temos nós o direito de lhe tentar medir as consequências, de nos inquietarmos com eles se assim acharmos, e nós achamos. É por isso que considero que são sempre de avaliar globalmente as implicações de propostas que sejam feitas e apresentadas, recusar a sua atomização, recusar a sua discussão desperspectiva.
Creio que é lícito fazer, como o Sr. Deputado António Vitorino fez, uma rastreio da nossa evolução, do nosso percurso em matéria de constituição económica. É bom que isso seja feito. Apenas se pode estranhar que seja feito em termos distorcidos, autodesresponsabilizadores e congratulativos. Gostaria de dizer que não me impressionam, no sentido que alguns poderiam considerar, certas observações feitas pelo PS. Impressiona-me, apenas, que certos retratos históricos sejam feitos assim, neste específico momento porque o que marca este momento histórico é a segunda parte da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino. A primeira é o lamentável ajuste de contas histórico que entende fazer, em parte acenando com um fantasma contra outro (foi o PS, não fomos nós que fizemos a primeira revisão!), em parte discutindo aquilo que não está em discussão para não discutir aquilo que era importante discutir. A segunda parte é a parte importante quanto a nós, porque não defendemos, nós PCP, senão um modelo de economia mista. Isto é atestado abundantemente por tudo o que dissemos nos diversos momentos históricos e, se alguém se pode reclamar de coerência nisso, permitam-nos que nos orgulhemos de nos podermos reclamar dessa coerência.
Procuraram muitos imputar-nos um modelo omnestatizante; procuraram alguns pôr na nossa boca teses de liquidação do sector privado; procuram outros colocar-nos não como antimonopolistas que somos mas como absolutamente opostos à existência de grupos económicos, o que é verdadeiramente coisa delirante e que não nos é, a título nenhum, imputável; quiseram espalhar as mais infundadas concepções acerca da nossa visão sobre a maneira como se devem articular o sector público, privado e cooperativo. É inútil, porque o esforço de restituição da história à sua dimensão verdadeira é realizável facilmente: basta que se atente naquilo que dissemos, naquilo que realmente sustentámos. E aquilo que sustentámos é público! Creio que o diálogo em torno de alguma das questões que o Sr. Deputado António Vitorino entendeu trazer para esta Comissão é um diálogo que pode ser tido, que vale a pena ler, mas não pelo menos da nossa parte, em termos de "ajuste de contas histórico". Julgo que um ajuste de contas histórico a realizar é seguramente com outra coisa. É a essa coisa que quero agora referir-me.
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Essa coisa é a realidade portuguesa, é o conjunto de alterações cuja dimensão e cuja vitalidade é atestada um tanto morbidamente pela violência dos ataques que contra essa realidade são praticados. Lutámos, isso é sabido, durante muitos anos pelo derrube do fascismo, por uma ruptura política económica e social na sociedade portuguesa. Essa ruptura deu-se. Lutámos pela transformação social o mais profunda que fosse possível e lutámos depois disso contra o regresso e contra todas as formas de retrocesso.
O facto de em determinados momentos essa luta contra o retorno não ter sido mais largamente partilhada designadamente por alguns que teriam responsabilidades históricas nisso, acarretou consequências. Vivemos essas consequências e não estamos arrependidos dessa luta, orgulhamo-nos dela.
Encontramo-nos hoje numa encruzilhada e é perante essa encruzilhada que gostava que o Sr. Deputado António Vitorino se colocasse mais. Essa encruzilhada é a que decorre do facto de termos, com características maioritárias, um partido que faz uma rejeição global da ordem constitucional, tão global que o Primeiro-Ministro entendeu revelar publicamente aquilo que são sinais inequívocos de que não lhe basta uma Constituição à sua medida: é preciso que, no fundo, não tenha Constituição nenhuma, que não só não tenha oposição, como não tenha Tribunal Constitucional e, no fundo, não tenha Constituição. Aquilo que ouvimos há dias -o Sr. Deputado terá ouvido tão bem quanto nós - é verdadeiramente o apelo a um Estado sem Constituição, com a restrição do espaço constitucional a uma "teia ínfima". O PS diz que não aceita a "teia ínfima" e apresenta uma proposta que mantém a ordem constitucional naquilo que entende como a sua identidade essencial. A nossa pergunta é se essa identidade essencial é realmente a identidade essencial ou se o PS não está realmente disponível para cortar uma fatia substancial com distorção e desnaturação dessa identidade. Devo dizer que é isso que me impressiona. Porque o Sr. Deputado António Vitorino trouxe aqui o seu profundo desconforto pelo facto de a posição do PS não ser compreendida pelas centrais patronais. Poderia ter aditado que também não é compreendida pelo PSD...
O Sr. António Vitorino (PS): - Não disse isso. Eu disse que a revisão de 1982 e o seu desiderato tinham sido minorizados injusta e injustificadamente por forças políticas de direita, por centrais patronais e por forças sociais situadas nesse quadrante. Foi isso que disse. Referia-me aos resultados da revisão de 1982, não à posição do PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, isso em nada altera o raciocínio que procurava desenvolver.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não esperava alterá-lo, mas queria apenas clarificar o que disse.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, é evidente que me referia à parte em que esse raciocínio repetia o seu ou reproduzia a sua base. Estou a partir da base que o Sr. Deputado trouxe ao debate e nessa base manifestava um desconforto e eu compreendo-o. O Sr. Deputado Almeida Santos situou-o: é o desconforto daquele que procura situar-se "entre". Ora, sucede que em certos pontos o "entre" não existe: é a tentativa de sentar-se "entre" duas cadeiras, que dá em regra grandes estatelanços. Ora esses estatelanços podem não ser de um partido, podem ser de um sistema, de uma ordem constitucional. Esses nos preocupam verdadeiramente.
A questão que está em debate - e isso não deve escandalizar o Sr. Deputado António Vitorino - é qual é o modelo em que vamos viver, isto é, qual é o modelo em que a economia portuguesa vai caminhar rumo àquilo que o Sr. Deputado António Vitorino mencionava - o ano de 1992, aquele ano em que o Sr. Deputado António Vitorino aguarda que o PCP faça uma "reestruturação" e faça várias conspícuas coisas de cujos contornos nos informou. Não pergunto o que é que o PS vai fazer até 1992, nem entraria por esse caminho, nem entraria em qualquer distinção entre o deputado socialista António Vitorino e o socialista Allende ou o socialista Craxi, porque não vamos fazer paradigmas e confrontos vexatórios desse tipo, pergunto tão-só: como é que a economia portuguesa se vai desenvolver? Partimos de uma realidade que conhecemos, a da pluralidade de défices estruturais, a das distorções da estrutura produtiva, a da concentração absurda do comércio externo, a da dívida externa, a do controle dos recursos naturais por estrangeiros, a do alargamento da posição de multinacionais na economia portuguesa. Partamos daqui e vejamos como é que isso funciona alterando-se o modelo constitucional.
Os resultados da primeira revisão estão à vista. Ganhou-se alguma coisa com o esbatimento da orientação socialista originária, com a eliminação das directivas que exprimiam esse objectivo, com os desbastamentos de linguagem que foram operados e de que o Sr. Deputado António Vitorino se orgulha? Ganhou-se muito com as flexibilizações do sistema económico misto, com as abolições à referência da transitoriedade, com as abolições das referências ao papel do sector público e as referências ao predomínio da propriedade social? Ganhámos imenso com a mitigação das obrigações constitucionais, designadamente quanto à sua intervenção na economia nas diversas vertentes? Foi, de facto, extremamente positivo e a economia portuguesa floresceu com a eliminação de directivas constitucionais consideradas "excessivamente radicais", designadamente algumas no campo agrário? É justificado o grande orgulho que o PS parece sentir nisso que foi a primeira revisão (designadamente em relação a certos arranjos quanto ao estatuto da iniciativa privada, quanto à redução do conceito constitucional de reforma agrária, quanto a outras supressões)? Essas mãos e esses frutos conduziram a alguns resultados de que beneficiássemos todos neste campo? Beneficiaram, sim, certos grupos económicos... e o PSD!
É preciso ter em atenção todos estes factos quando se abrem as comportas. A minha pergunta final é esta: vimos que o PSD tem um outro modelo. Falei há pouco do "modelo Califórnia", ou do "modelo Singapura", e de outros similares, mas, no fundamental, eles divergem do que está, por exemplo, consagrado ou se reflecte no artigo 81.° em relação às suas componentes fundamentais, em relação à componente latifundista, em relação à componente antimonopolista, em relação à participação democrática, em relação à luta pelo desenvolvimento, em relação à vertente social, etc.. Quais são as consequências, não da adopção desse modelo (uma vez que o PS diz não a esse modelo), mas da "flexibilização" para que o PS aponta? O que é que ganhamos em termos de maior igualdade, em termos de melhor defesa da independência nacional, em termos de combate aos défices tradicionais, em termos de combate às posições que diminuem a própria dimensão de autonomia nacional, em termos de aparelho empresarial, em termos da tal "economia mista"? Esta é a grande interrogação e esta é também a grande responsabilidade que o PS assume.
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Creio que uma discussão deste tipo não e inútil. É clarificadora! Não venha dizer-se que, como Sr. Deputado António Vitorino de resto disse, o PCP defenderá o resultado da revisão constitucional na parte em que ele for bom. Já há pouco, ao aludir ao facto de os autarcas comunistas requererem subsídios de fundos comunitários, ecoou nas palavras do Sr. Deputado António Vitorino uma confusão que é típica e tradicional, que é a confusão entre ser-se comunista e ser-se estúpido. Verdadeiramente, senhores, não é obrigatório que estas duas qualidades estejam juntas - nós até lutamos para que estejam sempre separadas! -, na medida exacta em que não é de esperar de nós que cedamos minimamente no que quer que seja em relação à ruptura constitucional ou alteração essencial do modelo constitucional, mas também não é de esperar que desistamos de lutar qualquer que seja o resultado.
Era isto que gostava de sublinhar.
O Sr. Presidente: - Foi um articulado, tanto quanto suponho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): -Vou ser muito sucinto e vou começar por dizer ao Sr. Deputado José Magalhães, com muita simpatia, que querer discutir comigo esta ou qualquer outra questão sublinhando essencialmente o plano moral, o plano ético, o plano dos estados psicológicos, digamos, tentando colocar esta questão como uma questão existencial ou metafísica, não resulta. Não resulta com esta temática nem com qualquer outra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não me apercebi de que o tivesse feito, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Se estou ou não orgulhoso, se estou ou não estou escandalizado, se estou ou não preocupado, se me sinto ou não me sinto confortavelmente, tudo isto são adjectivações em que o Sr. José Magalhães é pródigo, é quase rococó, mas pelo nosso lado não irei entrar por esse caminho.
Segunda observação: compreendo as dificuldades que o Sr. Deputado José Magalhães tenha de descer ao pormenor das minhas afirmações e não apenas de as enroupar com considerações acerca do posicionamento estratégico dos nossos dois partidos. Entre nós dois o que se trava é um diálogo entre a esquerda e o posicionamento estratégico na esquerda dos dois partidos.
Reconheço que neste momento o País está numa encruzilhada, mas já agora permita-me que também lhe chame a atenção para o facto de a encruzilhada dizer respeito a todos e que cada um de nós tem mesmo a sua própria encruzilhada. Se me permite, direi que o PCP também está na sua encruzilhada, também tem uma encruzilhada, e particularmente relevante aquilo que pela minha parte fiz foi apenas chamar a atenção de que neste momento não vale a pena o PCP fazer o discurso "nós estamos onde sempre estivemos" e "somos coerentes e firmes e verberamos, com dedo acusador, essas bailarinas que vão mudando de posição ao sabor dos acontecimentos", porque há uma diferença entre coerência e imobilismo. Se há uma diferença entre comunismo e estupidez, e sou o primeiro a subscrever tal afirmação sobretudo quando ela provém de um interlocutor como o Sr. Deputado José Magalhães, que não é estúpido, então nesse caso também me permito dizer que há uma diferença substanciai entre coerência e imobilismo.
Quanto à referência que o Sr. Deputado fez sobre aqueles que imputam ao PCP um modelo de "tintas negras", modelo que afirma afinal não partilhar, tal referência é teórica, fica para a história, é um varrer a testada de todas as insinuações e é justo que a faça se dela sente necessidade só que não me pode é ser dirigida, porque até tive o cuidado de citar a fonte da minha interpretação. Poucos serão tão rigorosos a ponto de citarem o secretário-geral do PCP como o pai desta concepção e de citar onde é que ela vem exaustivamente explanada. Está escrita e posso garantir-lhe que o livro não está esgotado. Não cometo a vilania de pensar que o Sr. Deputado José Magalhães não o leu!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, creio que é quase absurdo que seja necessário procurar justificar a posição adoptada pelo PS na primeira revisão constitucional através da invocação de uma interpretação do secretário-geral do PCP, em 1976, que pretende hiperbólica e que pretende zurzir por isso mesmo, até um tanto escarnecedoramente, o que é completamente inaceitável, injusto e imerecido. Considerando o Sr. Deputado que essa interpretação do PCP ilegitimava "consti-tucionalmente" outras lógicas económicas sem este norte, receio estar a ver nisso uma tentativa de justificação ex post da governação do I Governo Constitucional do PS. Se é uma tentativa de legitimação posterior, póstuma, do soarismo, sans rancune parece-me ser um excesso, um desforço inútil. Digamos que poderíamos, talvez, ultrapassar esse tipo de autópsias, uma vez que a primeira revisão constitucional foi feita.
O Sr. António Vitorino (PS): -Sr. Deputado José Magalhães, não se trata de uma defesa ex post do soarismo, trata-se apenas e quando muito de uma intervenção do cunhalismo, nada mais.
Quanto à valoração da revisão de 1982...
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, pode constestá-la em todas as suas componentes, contudo os textos estão à vista, estão em cima da mesa e são susceptíveis de ter esta interpretação que é minha e a ela não vinculo ninguém.
Quanto à valoração da revisão de 1982, Sr. Deputado, houve algo de muito importante que ocorreu após 1982 e da primeira revisão e que foi a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias. O Sr. Deputado José Magalhães, que alia, naturalmente, o seu discurso político a uma preocupação de rigor, também não está eximido, devido a essa preocupação de rigor, de reconhecer a alteração das circunstâncias provocada pela adesão de Portugal às Comunidades Europeias e que a adesão e não é uma questão de somenos importância. É uma questão que coloca o País numa encruzilhada entre encontrar-se desarmado perante a integração plena nas Comunidades após 1992 por imobilismo tradicionalista ou, pelo contrário, assumir a responsabilidade das transformações económicas e sociais necessárias para enfrentar, com sucesso, o desafio europeu. São dois estados de espírito completamente distintos e é isso que distingue o PCP do PS. Não há a menor dúvida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, garanto-lhe que é a última interrupção, mas gostaria de perguntar se V. Exa. - reconhece a seguinte frase: "Após a revisão de 1982, a Constituição da República ficou apta a, sem retoque, ser a matriz de um país da Comunidade Europeia, sendo sem abalos críticos."
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Esta frase é do preâmbulo do projecto de lei de revisão constitucional do PS, não é minha.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, não tenho a menor dúvida de considerar que a entrada de Portugal nas Comunidades Europeias não impõe juridicamente, sublinho "juridicamente", nenhuma transformação constitucional, porquanto Portugal aderiu em 1986 com a Constituição revista em 1982 - também lhe posso dizer que provavelmente não teria entrado com a redacção original de 1976 - e nessa altura tivemos na CERC de então um debate sobre essa questão, não com o Sr. Deputado José Magalhães, mas com o Sr. Deputado Veiga de Oliveira e o Sr. Deputado Vital Moreira. Pela minha parte não duvido que haja uma total continuidade de posições entre o que aqueles deputados do PCP defenderam nessa altura e o que o Sr. Deputado está a defender neste momento.
Também me parece evidente que em relação àquilo que o Sr. Deputado considerou ser um ajuste de contas histórico, que colocou no passado, permiti-me, modestamente, antever um ajuste de contas histórico a cinco anos de vista, com o benefício da dúvida e sobretudo com a incerteza do que será em concreto esse ajuste de contas histórico daqui a cinco anos e de quem terá então a razão por si. Posso garantir-lhe que eu já não estarei aqui, mas o Sr. Deputado José Magalhães previsivelmente estará e terá essa inevitável vantagem de poder tirar ele próprio a conclusão "a solo".
O que quis sublinhar foi que os termos em que o Sr. Deputado José Magalhães coloca esta questão traduzem-se numa auto-exclusão do PCP, no plano do discurso teórico, quanto às implicações, no plano jurídico-constitucional, do desafio do mercado único europeu em 1992 e a integração plena de Portugal nas Comunidades.
Última observação: é óbvio que o Sr. Deputado José Magalhães pode, a propósito de cada proposta do PS, reeditar o tipo de discurso que fez há pouco, pode e deve, porque acho que é extremamente estimulante, mas não pode esperar que o PS se sinta na obrigação de lhe responder em detalhe, a propósito de cada artigo, acerca de uma divergência que está assinalada, que está sublinhada, que está assumida, que é clara e que naturalmente não merece margem para dúvidas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. pede a palavra para uma intervenção?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Daqui a segundos vão começar as votações e, portanto, suponho, como é praxe e prática...
O Sr. Presidente: - Não há praxe nem prática...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Prática há, Sr. Presidente. Quando muito poderá não haver praxe.
O Sr. Presidente: - Tem praticado algumas vezes. Temos um pedido de intervenção do Sr. Deputado Raul Castro e eu próprio gostaria de fazer uma pequena intervenção; seguidamente terminaríamos os trabalhos, se VV. Exas. acharem necessário estar presentes no Plenário para as votações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Relativamente ao projecto do CDS, devo dizer que altera claramente o modelo constitucional. Noto, aliás, que nenhuma das forças políticas alterou a epígrafe do artigo, que é "Incumbências prioritárias do Estado", estando, pois, admitido que neste artigo se define o que são as incumbências prioritárias do estado. Com isto dá-se corpo a uma das partes mais importantes da Constituição, que é a definição dessas incumbências. Naturalmente que, ao definir tais incumbências prioritárias do Estado, se está a definir um modelo constitucional, modelo constitucional esse que é claramente alterado pelo projecto apresentado pelo CDS, que corresponde a uma outra Constituição que não esta.
O projecto do PS elimina a expressão "através de nacionalizações", como, aliás, já foi aqui referido. Temos alguma dificuldade em compreender a posição actual do PS - voltaremos, aliás, a esta questão quando debatermos o respectivo artigo -, especialmente tendo em atenção a posição por ele adoptada na última revisão constitucional quanto à manutenção, das nacionalizações e da disposição que as consagra como conquista irreversível das classes trabalhadoras. Em meu entender, o facto de na alínea f) se acrescentar à incumbência actualmente prevista nesta norma (isto é, a de "assegurar a equilibrada concorrência entre as empresas") a de "fiscalizar o respeito por elas da Constituição e da lei" constitui um aditamento positivo. A eliminação da expressão "reforma agrária", na alínea h), poderá dar lugar a alguma confusão, embora a formulação aqui prevista corresponda, no fundo, à epígrafe genérica.
O problema é mais grave e complicado no que diz respeito ao projecto do PSD, porquanto, definindo o seu artigo 81.° as incumbências prioritárias do Estado em doze alíneas, verificamos que o PSD apenas deixou uma delas intocada, que é a alínea j), relativa à protecção do consumidor. Todas as outras alíneas são alteradas, mais ou menos gravemente, pelo PSD. Quando digo "mais ou menos gravemente" é sempre gravemente, ou seja, sempre no sentido de alterar o modelo constitucional consagrado nas actuais alíneas do artigo 81.° Após a discussão aqui travada sobre o modelo constitucional, gostaria de dizer que o que para nós está em causa é, em primeiro lugar, um modelo constitucional como conquista histórica do povo português, assumida pelos representantes de praticamente todas as forças políticas que elaboraram a Constituição, visto que apenas o CDS se excluiu do consenso que levou à sua elaboração. Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que nenhuma força política em particular poderá tirar dividendos políticos no sentido de considerar este modelo constitucional como o seu modelo e, consequentemente, dele extrair conclusões de estratégia ou de táctica em função de se tratar de um modelo privativo desta ou daquela força. O modelo constitucional resultou do encontro das várias forças políticas, incluindo o PSD, que colaborou na sua elaboração. Isso aponta, portanto, para a Constituição como uma conquista histórica, definindo as traves mestras do ordenamento constitucional como algo que não é monopólio de uma força partidária, mas antes representa um consenso alcançado após larga discussão na Assembleia Constituinte e cuja alteração, em 1982, foi obtida também através de um consenso. Naturalmente não estou a dizer nada de novo, visto a ID referir exactamente esta questão no prólogo do seu projecto. Mas não pensamos que de 1982 até hoje tenha havido alterações substanciais que justifiquem a alteração das linhas mestras do quadro constitucional.
Foi aqui levantada a questão da adesão à CEE. No que respeita a tal matéria, já foi aqui lida a proposta do PS, ficando-nos a fundada dúvida de saber se essa adesão poderá ser considerada como condição. E não só: é que aqueles que
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mantêm a alínea que refere a "salvaguarda da independência nacional" teriam aí um obstáculo muito sério à alteração da Constituição, salvaguardando a independência nacional, em função da adesão a qualquer organização internacional, seja ela a CEE ou outra. Só para citar um exemplo, a eliminação pelo PSD da expressão "classes mais desfavorecidas" não deixa de ser surpreendente em relação ao seu discurso político, em especial do seu líder, que repetidamente invoca os interesses das classes mais desfavorecidas. Mas, pelos vistos, invoca-os nos discursos e não na Constituição, onde os elimina, como o fez no artigo 81.°
É por estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não poderemos de forma alguma concordar com as alterações que apresenta o projecto do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 7 de Junho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Octávio Teixeira (PCP).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).