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Quarta-feira, 3 de Agosto de 1988 II Série - Número 31-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 29

Reunião do dia 16 de Junho de 1988

SUMÁRIO

Finalizou-se a discussão do 10. ° Relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 91.° a 95.° e respectivas propostas de alteração.

Iniciou-se a discussão do 11.º Relatório da Subcomissão da CERC atinente aos artigos 96.° a 104.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Guido Rodrigues (PSD), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Carlos Encarnação (PSD), Costa Andrade (PSD), Rui Salvada (PSD), Pacheco Pereira (PSD), Alberto Martins (PS), Miguel Macedo e Silva (PSD), Maria da Assunção Esteves (PSD), Rogério de Brito (PCP), Luís Capoulas (PSD), Sousa Lara (PSD) e Jorge Lacão (PS).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão tinha posto, a propósito do artigo 91.°-A proposto pelo PSD, duas questões: uma, relativa à participação das autarquias locais na elaboração dos planos, que não é referida expressamente no artigo 91.°-A; outra, relativa à articulação do Plano com o Orçamento, ou melhor, à necessidade de reflectir no Orçamento as Opções do Plano.

Quanto à primeira questão, na nossa perspectiva, as autarquias locais participam como a restante Administração Pública na elaboração do plano e prevemos que o Conselho Económico e Social - se a ser instituído, e que de resto é mencionado expressamente no n.° 4 - tenha uma ampla representação das autarquias locais. Mas não vemos nenhum inconveniente, porventura até será mais curial, para que o cotejo com a redacção anterior não leve a conclusões erradas, que sejam mencionadas expressamente as autarquias locais; visto que, repito, a nossa ideia é de que elas devam participar como, aliás, acontece em todas as preparações dos planos, nos diversos países que têm esse instrumento - e, praticamente, hoje todos os países utilizam o instrumento planificação; o que não utilizam é o Plano.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já agora, pedia a V. Exa. que se pronunciasse também sobre a nossa proposta relativa às regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Mutatis, mutandis! Em relação às regiões autónomas, mutatis, mutandis, pode dizer-se aquilo que foi referido a propósito das autarquias, isto é, igualmente devem elas participar, e até de uma maneira especial, na medida em que existem aspectos específicos que têm de ser ponderados na elaboração dos planos em relação aos territórios das regiões autónomas: mas é óbvio que não há nenhum inconveniente - pelo contrário, existem até vantagens - em ser sublinhada essa participação.

No que respeita ao Orçamento do Estado - suponho que isso se refere directamente ao artigo 108.°, n.° 2, da redacção actual - a nossa ideia é esta (aliás, esse problema já existe, de algum modo, hoje, embora, na prática as coisas tenham sido um pouco subvertidas): isto é, as grandes opções do Plano, normalmente, acabam por ser elaboradas em função do Orçamento, e não o invés. Seja como for, o Orçamento, tal como está previsto na Constituição - e nós mantêmo-lo - é um Orçamento anual, mas isso não significa que a política orçamental não possa e não deva ser prevista para um período de tempo mais dilatado. Isso não deve ter uma tradução em termos de contabilidade pública, mas deve tê-la em termos da orientação que preside à elaboração dos orçamentos. Portanto, a ideia é que em cada ano o Orçamento traduza, na parte respectiva a esse período de tempo e nas matérias concernentes, as grandes opções que forem aprovadas, em relação ao plano de quatro anos. Não vejo que isso tenha nenhumas dificuldades, do ponto de vista técnico, desde que o Plano seja suficientemente bem feito para ter um escalonamento no tempo, claro.

Isto é algo que, aliás, hoje comummente se pratica, em diversos países - estou a pensar, por exemplo, na RFA, que é um país que, como sabem, nunca sofreu do síndroma da ideia do planeamento, tal como aconteceu em França, mas tem planos; não tem o Plano, mas tem planos, quer no nível federal, quer no nível dos Estados federados, e esses planos reflectem-se, depois, nos respectivos orçamentos, com certeza. O mesmo acontece com outros países; não vejo que isso se traduza em nenhuma dificuldade particular. Tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Realmente, no que se refere às autarquias e às regiões autónomas, o n.° 3 do nosso texto relativo ao artigo 91.°-A, podia conter essas duas observações, embora no n.°4 digamos que o Plano se articula com o Conselho Económico e Social e é, fundamentalmente, tratado a nível desse Conselho. Mas o facto de individualizarmos os parceiros sociais, quer as organizações representativas dos trabalhadores, quer as actividades económicas e profissionais, merece que estejam aqui também indicadas as autarquias e as regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Suponho que não há mais questões em relação ao artigo 91.° Poderíamos passar ao artigo 92.° Neste artigo há uma proposta de alteração e aditamento por parte do CDS; há uma proposta de alteração ao n.° 2 por parte do PS; como já foi referido, o PSD, de acordo com a sua proposta de substituir estes cinco artigos por um único artigo, o 91.°-A, propõe a sua supressão; o PRD também propõe alterações aos n.°s 1 e 2.

Poderíamos começar pelo PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A nossa proposta tem uma explicação muito simples: decorre da circunstância de termos enquadrado o sector cooperativo no sector social da propriedade dos meios de produção, razão pela qual desaparece a referência ao sector cooperativo e aparece a referência ao sector social; eliminámos a frase final, definindo o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas desses sectores, porque nos parece que, para além de natureza indicativa, a definição desse enquadramento poderia não se justificar dentro da posição assumida pelo meu partido, de reduzir o papel do plano no quadro da economia portuguesa.

Esta é a explicação, parece-nos que não adianta nada esta frase, é demasiado "miúda" para um texto constitucional, portanto a nossa proposta não tem grande relevo, é apenas pô-la de acordo com o que atrás tínhamos proposto.

O Sr. Presidente: - Quanto ao PSD, não valerá a pena repetir o que dissemos a propósito do artigo 91.°, visto que a nossa proposta decorre da lógica de substituição deste título pelo artigo 91.°-A, que apresentámos. De modo que peço para considerarem reproduzidas aqui as considerações feitas a propósito do artigo 91.° Poderíamos passar aos comentários e discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A discussão de todos estes artigos envolve, no fundo, a reflexão sobre um e o mesmo tema. Proponho-vos sobre esse tema uma análise mais abrangente e, sobretudo, se possível, mais desapaixonada, menos influenciada por cruzadas

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que não fazem sentido, em relação a um instrumento cuja necessidade é, a todas as luzes, reconhecível, embora encarável sob muitos ópticas.

Se alguém tiver, por acaso (o que será, de resto, raro e infrequente), ocasião de abrir um voluminho do chamado MPAT (Ministério do Planeamento e da Administração do Território) onde, se traslada as chamadas "grandes opções do plano" para o ano em curso, encontrará nas páginas 6, 7 e 8, um conjunto de reflexões sobre o papel do planeamento na modernização do País, na alteração de atitudes, de comportamentos, de métodos de trabalho, no lançamento de estratégias mobilizadoras de mudança, no enquadramento adequado do papel do Estado e das diversas entidades que se movem no campo económico, não circunscrito à problemática directa dos investimentos. É evidente que a concepção subjacente a estas considerações está dominada pela perspectiva geral que move o Governo, de minimização da intervenção pública, de supressão de elementos de participação e de controle democrático da tomada de decisões. No próprio âmbito da CEE está de há muito em curso uma reflexão sobre o papel que deveria ser desempenhado pela planificação comunitária com vista a superar as dificuldades existentes (veja-se o interessante estudo publicado pela comissão das comunidades sob o título "Perante os desafios, um plano para a Europa".

Uma coisa é certa: é impossível fazer uma gestão de uma economia moderna, em qualquer circunstância, sem elementos e instrumentos de racionalização e de participação democrática - a qual deve ser alargada e deve ser atenta à vontade não só dos diversos sectores, dos diversos agentes, mas das próprias regiões, designadamente daqueles cuja voz tem mais dificuldade em fazer-se sentir neste, naquele e naqueloutro domínio que são, no entanto, vitais para o seu próprio futuro e desenvolvimento.

No entanto, em Portugal, sobretudo depois de 1987, o planeamento é quase cenário de um expressionismo jurídico, com o seu grau de distorção quase inimaginável. O que caracteriza o presente momento é a multiplicação, à margem do Plano, de toda a espécie de instrumentos de programação, instrumentos de racionalização de decisões, de planeamento - com minúscula, porque a maiúscula assusta o PSD. É hoje o PCEDED, é o PEDIP, é o PRO.DES.RE.DI. (Programa de Desenvolvimento Económico e Social Regionalmente Diferenciado). É um plano de desenvolvimento regional, o PDR, que o Governo entende como um documento fundamental de negociações com a Comissão Europeia, sobre as intervenções estruturais comunitárias de médio prazo, com base no qual será definido o quadro comunitário de apoio. Para já não falar no PEDAP e no próximo PEDCP (Programa Específico de Desenvolvimento do Comércio Português)...

Percebe-se bem, por tudo isto, uma clausulazinha que o PS inseriu no seu projecto de revisão constitucional (artigo 94.°, n.° 5): "não são permitidos planos parciais ou específicos, nem programas que visem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.°, salvo quando elaborados e aprovados nos termos dos n.°" 1 a 4 desse artigo". Poderemos discutir se toda a orgânica, imaginada em 1976 para o planeamento é exequível, e é viável, adequada, apta neste momento; poderemos discutir, mesmo, se certas das instituições que foram pensadas para assegurar as funções constitucionalmente previstas são as mais adequadas. Há, como se sabe, uma proposta de substituição do Conselho Nacional do Plano por uma outra estrutura - coisa a que iremos atempadamente.

O que é difícil de sustentar é a floresta de enganos que, neste momento, existe em matéria de planeamento. Para já, porque tudo o que se está a fazer, ou quase tudo, se faz não de costas, apenas, em relação à Constituição, mas abertamente contra ela. Isso revela, desde logo, "o mal português" no planeamento - é uma situação mal-sã, claramente. Em segundo lugar, depois de um período de verdadeiro "desplaneamento" controlado - a expressão não é minha, é do Sr. Deputado João Cravinho, num excelente exame de problemática do planeamento em Portugal, resultante de um seminário organizado pelo Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa, já há alguns anos - depois dessa experiência de "desplaneamento", que foi uma das formas através das quais se operou a cruzada de reconquista e reconversão capitalista de estruturas e dinâmicas de desenvolvimento, que rejeitamos, em Portugal, seguiu-se um período de florescimento dos planeadores.

Dir-se-ía que, no PSD, irrompeu "a era dos planeadores": os planeadores fizeram as chamadas GOP's a médio prazo, os planeadores cantaram o fado do destino português, os planeadores trataram a língua portuguesa no mesmo plano em que se fala do PIB, da FBCF, do VAB e de todas as demais variáveis e indicadores macro ou microeconómicos. Dessa salsalhada, como se sabe, nada resultou a não ser o agravar de indefinições que, neste momento, se projectam na nossa realidade de maneira quase caótica: primeiro: há grandes opções do Plano, mas não há Plano - facto que, de resto, tem sido frequente na nossa experiência "des-planificadora"; por outro lado, há multiplicação de instrumentos avulsos, em relação aos quais uma característica comum se pode divisar - essa característica é que são elaborados inteiramente, mas inteiramente à margem, desde logo, da Assembleia da República e, por outro lado, das instituições às quais a Constituição comete a intervenção no planeamento. Isto significa também a marginalização das entidades - e muitas são - que constitucionalmente têm direito a uma intervenção participativa nos processos de elaboração dos ditos instrumentos do planeamento.

Acresce que alguns dos instrumentos em causa envolvem compromissos do Estado português junto das próprias Comunidades e pressupõem, até, um juízo representativo de interesses regionais - é o caso, acima de tudo, do PDR - resultando, no entanto, líquido que não há a mínima das mínimas intervenções institucionais, transparentes, asseguradas, das entidades regionais (uma vez que regiões não há) na sua elaboração.

A situação atingida é de gravíssimo desvio entre a realidade e o modelo constitucional. Creio que esse é o problema fulcral que está colocado neste debate. Em relação a este problema fulcral, são menores as questões nominalistas - se a designação é a planificação democrática ou planeamento democrático; se há uma estrutura central (centralista ou centralizadora, de resto, nunca esteve nos moldes e na matriz constitucional como tal); se há uma dinâmica de alargamento dos instrumentos e de multiplicação dos instrumentos ou, pelo contrário, há uma dinâmica de concentração de instrumentos - tudo isso me parece inteiramente secundário. A questão fulcral é, quanto aos contornos

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desse modelo, discernir-se, fazendo um juízo prospectivo, o que deve ser tangido para que não seja possível continuar uma situação como aquela que neste momento se verifica. É que, além de ter os inconvenientes de caos e de não enquadramento, que sempre decorrem desse tipo de situações, ela acarreta um outro óbice de carácter constitucional: a Assembleia da República, o Presidente da República, os órgãos do governo próprio das regiões autónomas são marginalizados no processo de elaboração desses instrumentos.

O facto de se ter entrado no chamado "ciclo do planeamento de bolso ou de gabinete" (que é o pleno reino dos burocratas, velhos, novos e "assim-assim", designadamente os conexionados com os gabinetes de Bruxelas), de também aí se abrir o caminho para ciclos de privatização com penetração ou com o uso ou o recurso crescente a projectos de consultadoria elaborados por gabinetes chamados de "planeamento ou de projectos", etc., etc., em proporção que me parece extremamente preocupante, exige uma ponderação global no sentido de preservar e não no sentido de destruir, como pretende o PSD, tudo o que na Constituição alude à necessidade de planeamento democrático. É que os dois aspectos referidos, isto é, "planeamento" e "democracia", vão juntos da Constituição não por acaso.

O PSD, nesta matéria, não se conforta com menos do que a supressão do título e de todos os aspectos relacionados com esta matéria e a sua substituição por uma vaguíssima alusão que condensa as observações que o Sr. Deputado Rui Machete estava há pouco a fazer. Parece-nos que isso seria de extrema gravidade.

Existindo as distorções reais que enunciei sumariamente e nesta matéria uma proposta, como a do PS, sobre a qual ulteriormente me pronunciarei com mais pormenor, bem como uma orientação como a do PSD, cicio que a margem de conciliação entre as duas coisas é extremamente difícil. O diálogo sobre esta problemática teria de assentar numa base comum. E essa base comum e a da necessidade de racionalização e democracia em matéria de organização económica. O PSD diz, aparentemente, não a estas duas coisas e mais ainda à intervenção institucional democrática e organizada nesse processo.

O Sr. Presidente: - Tenho comigo três inscrições: uma do Sr. Deputado António Vitorino; outra de mim próprio e uma terceira do Sr. Deputado Carlos Encarnação.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos já ontem teve ocasião de expor com algum detalhe qual é a filosofia com que o PS encara a questão do Plano na Constituição. E, naturalmente, essa importância resulta da relevância que a Constituição confere na sua redacção originária, e mesmo após a revisão de 1982, ao Plano, ainda que a prática constitucional não tenha acompanhado esse modelo. Contudo, a planificação democrática é um limite material de revisão. Neste caso, será um limite material não caduco, na medida em que, apesar de tudo, a prática constitucional, quer através da existência do Conselho Nacional do Plano, quer das leis das Grandes Opções do Plano anuais, foi dando conteúdo ao preceito. E baseia-se num sistema dualista da existência de grandes opções aprovadas por lei da Assembleia da República e do desenvolvimento dessas

Grandes Opções através de decreto-lei da responsabilidade do Governo. Aliás, é verdade que ultimamente a concretização do plano anual pelo Governo tem caído num certo não uso, na medida em que os governos se têm furtado à obrigação constitucional de emitir anualmente o decreto-lei relativo ao Plano.

Pessoalmente, sobre esta matéria, entendo que a desvitalização do sistema de planeamento resulta menos de ausência de virtudes no recurso à planificação, e mais do facto de a lógica planificadora acolhida em parte na Constituição mas, sobretudo, na lei ordinária, ser burocratizada e extremamente centralizada.

Esta situação leva ao alheamento do Plano das realidades económicas e sociais locais na sua diversidade. Não se pode dizer, antes pelo contrário, que em Portugal não haja uma tradição planificadora. E os planos de fomento antes do 25 de Abril de 1974 aí estão para demonstrar que não se deve considerar esta temática como uma mera batalha ideológica, a não ser para aqueles que reputem como negativo tudo o que é intervenção do Estado.

O que a nossa proposta de alteração de artigo 94.° sugere nesta matéria é a modificação da lógica centralizadora do Plano, desde logo através da substituição do Conselho Nacional do Plano que é, em boa parte, um órgão de cúpula de uma pretensa estrutura planificadora desajustada não só das realidades nacionais, mas também do fluir da vida económica do País. Portanto, nesse sentido, o facto de o PS propor a substituição, no n.° 4 do artigo 94.°, do referido Conselho por um Conselho Económico e Social é uma indicação sobre uma perspectiva desburocratizadora que deve presidir à alteração do sistema de planeamento vigente em Portugal.

Em segundo lugar, a proposta da autoria do PS, como o Sr. Deputado José Magalhães já fez referência, pretende chamar a atenção para a diversidade de formas de planificação da economia, ao consagrar a existência de planos anuais a médio e longo prazo, grandes opções do Plano aprovadas pela Assembleia da República e decretos-lei de desenvolvimento dessas Grandes Opções do Plano, bem como planos sectoriais e programas específicos. Além disso, a proposta do PS obriga, nos termos do n.° 5 do artigo 94.° que propomos, a que os planos sectoriais e os programas específicos sigam a mesma tramitação que os planos propriamente ditos. E fazemo-lo porque todos devemos ter consciência de que a proliferação de formas de planeamento à margem da estrutura de planeamento consagrada na Constituição tem vindo a defraudar a própria repartição de competências entre órgãos de soberania em matéria de planificação democrática. O que coloca também a questão da articulação entre as estruturas de planeamento do Estado português e a aplicação a Portugal de programas ou verdadeiros planos obtidos no domínio da nossa participação nas Comunidades Europeias.

O modelo do PS pode ser considerado na fórmula que escolhemos como sendo ainda excessivamente burocrático mas admitimos que sejam estudadas propostas concretas no sentido do seu aligeiramento desde que esteja garantida a salvaguarda de dois princípios fundamentais.

O primeiro coda existência do próprio planeamento democrático.

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O segundo é o de que esse planeamento democrático seja feito no respeito pelas competências atribuídas aos órgãos de soberania e não através de fórmulas fraudulentas que violam normas constitucionais atributivas de competência aos órgãos de soberania, designadamente à Assembleia da República.

Por sua vez, o PSD não apresenta neste capítulo uma visão que se possa considerar verdadeiramente coerente, na medida em que fala em grandes opções dos planos de desenvolvimento, omitindo a referência ao Plano propriamente dito. Deixa, pois, de haver Plano, para passar a existir "planinhos", como dizia ontem o Sr. Presidente.

Contudo, esta "fagocitose planificadora" desemboca, nos termos da própria proposta do PSD, numa síntese unificadora algo miraculosa e relativamente incompreensível. Digo isto porque, ao ler conjugadamente o projecto de lei do PSD, verifico que no artigo 91.°-A se fala em grandes opções dos planos de desenvolvimento, o que supõe a existência de vários planos e legitima a existência de um número não determinado de planos sectoriais ou programas específicos, que o PS pretende ver regulados com as propostas apresentadas para o n.° 5 do artigo 94.°

Pelo contrário, na alínea e) do n.° 1 do artigo 168.° do projecto de lei do PSD refere-se a expressão "sistema e organização do planeamento nacional", o que recupera o conceito da existência de uma orgânica de planeamento nacional, tal como a Constituição na sua versão actual consagra. Na alínea é) do artigo 165.°, onde hoje a Constituição comete à Assembleia da República a competência para apreciar os relatórios de execução do Plano, o PSD passa a falar de relatórios de execução dos planos em coerência com a alínea a) do artigo 91.° Porém, em contraste com isto tudo, o PSD mantém inalterada a alínea g) do artigo 164.°, que comete à Assembleia da República a competência para aprovar a Lei do Plano. E, nesse articulado, recupera o conceito constitucional originário de Lei do Plano. O problema está em saber em que é que ficamos, ou seja: há ou não uma Lei de Grandes Opções do Plano no conceito do PSD?

Na verdade, a leitura da alínea g) do artigo 164.°, em conjugação com a alínea e) do n.° 1 do artigo 168.°, parece que leva a uma resposta afirmativa, isto é, faz crer que haveria uma Lei de Grandes Opções do Plano com um período temporal não definido, uma vez que eliminam o artigo 93.° Além disso, na alínea a) do artigo 91.°-A e na alínea é) do artigo 165.° já não se fala de Plano, mas sim de planos de desenvolvimento. Isto coloca a questão de saber se esta ambiguidade não resultará em prejuízo das competências da Assembleia da República ou não terá como efeito útil único precludir as competências da Assembleia da República no domínio do planeamento democrático, na medida em que todos temos consciência de que a proliferação de programas comunitários de intervenção económica em áreas fundamentais vão progressivamente tomando o papel do Plano e até, se se quiser, dos planos sectoriais. Essa proliferação de programas comunitários uns, outros não, é feita completamente à margem da Assembleia da República. É uma atribuição exclusiva do Governo e uma forma de esvaziar de conteúdo qualquer estrutura ou instrumento de planeamento que seja aprovado pela Assembleia da República. E digo isto porque, como é evidente, os planos ou programas comunitários não se subordinam ao plano nacional ou, pelo menos, não se têm subordinado às Grandes Opções do Plano aprovadas pela Assembleia da República.

Ora, esta questão prende-se com a articulação necessária entre as formas de apoio comunitário e a repartição de competências entre órgãos de soberania, que é uma matéria que tem sido insuficientemente tratada no direito interno português, mas que não pode ser ignorada.

A proposta do PS, ela própria susceptível de alguns aligeiramentos e melhorias, pretende responder a esta questão, para qual não encontramos resposta no projecto do PSD. O que propomos é que se submeta às regras atributivas de competência em matéria de planeamento democrático não só o Plano anual, a médio e a longo prazo, como também os programas ou planos sectoriais ou programas específicos que hoje em dia têm estado a ser feitos completamente à margem da intervenção da Assembleia da República.

De facto, a proliferar na prática esta situação, daqui a 5 anos veremos a bancada do PSD a dizer que o Plano se tornou desnecessário e pode ser extinto a frio pura e simplesmente, porque a função do planeamento democrático que a Constituição consagrava foi progressiva, senão totalmente substituída pela aplicação dos programas comunitários dependentes em exclusivo do Governo e à margem da competência da Assembleia da República. O que se passa hoje é uma forma de, em termos práticos, subtrair à Assembleia da República uma componente importante da função de direcção política do Estado, ou seja, a da elaboração do programa económico-financeiro do Estado plasmada no Orçamento e nas Grandes Opções do Plano, e de a transferir para a específica competência do Governo - órgão com assento e representação nas instâncias comunitárias responsáveis por esses programas e projectos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de comentar as afirmações produzidas pelos Srs. Deputados José Magalhães e António Vitorino e, simultaneamente, tentar clarificar a posição do PSD, que vale o que vale. Porém, em alguns aspectos, penso que não terá sido compreendida ou suficientemente explicada.

Começando pela intervenção produzida pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer que abordou dois aspectos completamente distintos: o primeiro é de carácter mais ideológico e de político conceptual; o segundo sublinha a questão da repartição de poderes entre o Governo e a Assembleia da República ou até entre os órgãos comunitários - questão que foi, aliás, retomada pelo Sr. Deputado António Vitorino. Esta questão é, de facto, bastante importante e na qual estamos inteiramente abertos a fazer uma análise pormenorizada de um assunto tão complexo e importante.

Porém, o Sr. Deputado José Magalhães, começou, como é hábito, por uma análise puramente ideológica, em que, no fundo, veio dizer que o PSD não só destrói toda a ideia de planeamento, como, além disso, destrói a ideia de planeamento democrático, na sua proposta. Isso não é exacto! Na verdade, opomo-nos com toda a firmeza e clareza à ideia do Plano, tal como veio a ser consagrada na Constituição, que é uma peça essencial do princípio estruturante colectivista-marxista-leninista, que, repito, foi um dos pilares em que assentou a Lei Fundamental e uma das grandes vitórias do PCP na Assembleia Constituinte. Esta ideia está, aliás,

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expressa de uma maneira muito clara no artigo 91.° quando este preceito refere que a organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano. É, pois, contra essa ideia burocratizante e centralizante, que aspira a ter como modelo o tipo de planos quinquenais soviéticos que acabaram por demonstrar a sua incapacidade e estão a ser progressivamente abandonados, que de pleno nos inscrevemos contra. Julgamos que essa ideia do Plano não foi aplicada não por deficiência dos diversos governos que se sucederam, mas sim porque não podia ser aplicada, ou seja, não era exequível. E ela representava uma mentalidade centralista e burocratizante.

Ora, todo o desenvolvimento da estrutura de planificação do título III da Constituição obedece a essa ideia. E contra ela não temos nenhuma dúvida em nos batermos frontalmente.

No fundo, é uma ideia que felizmente não foi, ao contrário do que aconteceu em matéria de nacionalizações e reforma agrária, asfixiante da realidade da economia portuguesa porque não se chegou a colocar em prática. Felizmente também que o PS, mesmo quando a interpretou do ponto de vista ideológico, não a praticou quando teve responsabilidades no Governo.

Ela tem estigmas centralistas, burocratizantes, extremamente danosos, e corresponderam a uma certa moda intelectual e, mesmo quando não modista a uma certa corrente do pensamento que foi típica do final dos anos 50 e dos anos 60, particularmente em França. Mas isto não é confundível com uma coisa que se pretendeu misturar que é a ideia de que a planificação, a procura da previsibilidade da evolução económica e de uma intervenção voluntarista, no sentido de a modificar de acordo com determinados objectivos, seja algo que os economistas e os políticos pretendam estirpar da actividade da economia e da sociedade - não é nada disso. Cada vez mais, há uma preocupação de racionalizar a actividade económica, de introduzir centros de racionalidade da actividade económica - já aqui há tempos, referi que o problema dos grupos económicos está intimamente articulado com esse problema. Agora, o que não há hoje, na maior parte das escolas de pensamento económico e na maior parte das práticas políticas e económicas, designadamente nos países onde já houve essa ambição de planeamento ocidental (digamos "escola francesa"), é a ilusão de pensar que é possível reduzir tudo isso a um plano metido no computador, ao Plano com o grande. Há a ideia de que as planificações são possíveis como exercícios e algumas delas como até algo de exequível, e têm vindo a ser feitos planos parciais. Ainda há pouco, ironicamente, suponho que foi o Sr. Deputado José Magalhães, se falou no problema da RFA. Mas, se V. Exa. ler uma das discussões anuais dos professores de direito público alemão a propósito do planeamento e do plano - não é um problema nominalista -, verificará que esse problema tem sido encarado, quer pelos juristas, quer pelos economistas, na RFA, extremamente a sério, e a RFA não pode ser acusada de ter uma economia débil de ter uma economia que não progride, e de ter uma economia que não tem preocupações de justiça social. E a verdade, designadamente quando o SPD esteve no poder, é que aí tem havido uma grande preocupação pelos problemas da planificação e dos planos, e até - e com isso passamos ao segundo ponto - pela necessidade de assegurar uma participação democrática que não é confundida apenas com a participação dos trabalhadores. O que nós entendemos é que os trabalhadores são cidadãos, mas há outros cidadãos e outras entidades, e, portanto, não quereríamos confundir o que, por vezes, na interpretação da Constituição, se faz, e até, porventura, na vontade psicológica de alguns constituintes era nítido confundir os cidadãos com os trabalhadores e só a estes dar voz activa. Mas a verdade é que são possíveis outras interpretações e nós achamos que a participação na elaboração dos planos é fundamental - é fundamental por razões democráticas e fundamental por razões de eficácia - porque é sabido que, quando os destinatários não tomam parte nas decisões, acabam por não ser co-responsabilizados por elas. Nesse aspecto, a crítica não nos atinge porque não entendemos ser útil retirar a participação das diversas entidades, sejam os trabalhadores, sejam as entidades empresariais, sejam as autarquias locais, sejam outros grupos, na preparação dos planos e até na sua execução.

Mas, dizia, quando se discute os problemas da planificação, há efectivamente um problema central extremamente importante que é o de conjugar a necessidade de assegurar um controlo, ou uma intervenção política das assembleias - as assembleias representativas, as assembleias políticas -, com as dificuldades técnicas da elaboração dos planos. Isso é uma questão séria, é uma questão para a qual o Sr. Deputado José Magalhães chamou a atenção e na qual, de resto, o Sr. Deputado António Vitorino assentou uma parte importante da sua intervenção. Quanto à existência do problema, estamos inteiramente de acordo. O que não estamos já de acordo é com a interpretação dada pelo Sr. Deputado António Vitorino e, menos ainda, com a do Sr. Deputado José Magalhães, de que o PSD procuraria furtar os planos ao controlo do Parlamento. Não é isso o que é proposto no artigo 91.°-A do nosso projecto. Pelo contrário, aí é manifesto que a preocupação é a de que o destinatário das propostas do Governo é, obviamente, a Assembleia da República e não são apenas do Plano, o tal Plano, que nunca se praticou, com letra grande, mas são dos diversos planos, embora, evidentemente, reconheçamos que deve haver, em relação ao Plano que está em articulação com o programa do Governo, uma lei que o aprove. De resto, a Assembleia da República funciona, como V. Exa. sabe, Sr. Deputado António Vitorino, ou por leis ou por resoluções - não funciona de outra maneira. E, portanto, as propostas de algum modo terão de traduzir-se, primeiro, numa competência reconhecida à Assembleia da República e, segundo, ou por uma lei cuja natureza jurídica a doutrina discute ou por resoluções. E, nesse sentido, não vejo que, em primeiro lugar, ao contrário do que refere, tenha havido nenhum propósito de minimizar a competência da Assembleia da República e, em segundo lugar, que haja contradição com os diversos artigos da nossa proposta. Muito pelo contrário, elas coadunam-se, perfeitamente, com o artigo 91.°-A.

Por outro lado, gostaria de sublinhar que a intervenção do Sr. Deputado António Vitorino fez-nos luzir alguma esperança, ao contrário da interpretação pessimista e jubilosa do Sr. Deputado José Magalhães, manifestada acerca das profundas divergências entre o PSD e o PS. Porque há divergências, é evidente, mas o Sr. Deputado António Vitorino disse duas coisas que reputo extremamente importantes. Referiu, em primeiro lugar, a relevância da instituição Conselho Económico

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e Social. E nós estamos de acordo. Não lhe dedicamos um artigo em especial porque temos a impressão de que não é uma matéria que justificasse ter um artigo dedicado à figura com aspectos, de algum modo, já mais regulamentares. Mas, em pelo menos dois artigos da Constituição, fazemos-lhe referência: fazemo-lo no artigo 91.°-A e depois a propósito da competência da Assembleia da República. E, obviamente, estamos de acordo com a necessidade da sua criação. E também estamos de acordo com outro aspecto importante do problema que é o significado da sua constituição, no sentido da desburocratização da actividade do planeamento. E é nesse aspecto que, repito, há uma certa luz de esperança, na medida em que o PS, apesar de, digamos, fazer uma vénia muito formal e completa, quer ao artigo 290.° - mas aí não há divergências porque nós também mantemos a figura do planeamento - quer a todos estes planos que vêm aqui - porque V. Exa. diz que nós temos "planinhos", mas VV. Exas. têm planos a longo prazo, a médio prazo, a curto prazo, é uma pletora de planos que vai dotar o País de uma instrumentação...

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Não. Quando se traduzir na realidade, porque por enquanto ainda não se traduziu em realidade nenhuma. Mas, como se viu, o País marchou, em matéria de economia, com os planos, de uma maneira extremamente veloz.

Mas, repito, a circunstância de estarmos de acordo quanto à ideia que subjaz à instituição de um Conselho Económico e Social, e o reconhecimento feito de que podem ser introduzidas melhorias substanciais, no sentido da desburocratização e da descentralização do sistema que está, de algum modo, ainda pressuposto na proposta socialista e que é o sistema que, com alguns alívios e aligeiramentos, é ainda algum dos aspectos duma interpretação não marxista-leninista do articulado da Constituição, leva-nos a pensar que algum ponto de entendimento será possível conseguir neste capítulo.

Para terminar, isso conduz-me a uma outra observação que foi feita pelo Sr. Deputado António Vitorino e que é a de que, afinal de contas, o PSD mantém um sistema de planeamento. Mas é evidente que o sistema de planeamento resulta da circunstância de haver planos e de haver um Conselho Económico e Social. O que não é um sistema de planeamento centralizado, nem inspirado pelos mecanismos da planificação dos países de direcção central de mercado, tipo União Soviética, nem sequer inspirados já naquilo que foi o modelo francês da planificação do Comissariado do Plano que fez voga e que, durante muito tempo, entusiasmou muitos economistas. É o sistema de planeamento que resultar da articulação harmoniosa da necessidade de haver diversos planos, com um órgão que, de algum modo, os prepare e lhes dê uma articulação, que é justamente o Conselho Económico e Social.

Uma última observação quanto aos problemas que foram suscitados acerca da articulação das competências entre a Assembleia da República e as Comunidades Económicas Europeias. Julgo que, em primeiro lugar, é preciso constatar que esse facto, naturalmente, era conhecido e admitido, quando se fez a adesão de Portugal às Comunidades Económicas Europeias. Mas, é uma circunstância conhecida - e nós pudemo-la constatar muito recentemente a propósito das políticas de harmonização fiscal que estão a ser discutidas na CEE - que essa transferência, pela via do Tratado de Roma, de algumas competências reservadas à Assembleia da República - sobretudo pela falta de informação e pela falta de articulação existente quer em relação ao Governo português (e dos governos nacionais, portanto) quer em relação ao próprio Parlamento Europeu e à Comissão Europeia - pode ir demasiado longe. E nós estamos inteiramente abertos a discutir, não num propósito de complexificar as coisas e de regulamentar minuciosamente na Constituição matérias que devem caber naturalmente à legislação ordinária, mas de analisar - porque a adesão se deu posteriormente à Revisão de 82, porque se deu muito depois da versão inicial da constituição de 76 - as propostas que visem encontrar fórmulas de adequar o papel da Assembleia da República, no contexto da pertença do Estado português às Comunidades Económicas Europeias. Pensamos que é um problema sério, que é um problema que não é extremamente fácil de resolver, mas subscrevemos, também nós, as preocupações daqueles que vêem esvaziar ou temem ver esvaziar, a Assembleia da República de algumas das competências que, insofismavelmente, devem continuar a pertencer-lhe como matéria reservada. Nesse capítulo, aceitamos plenamente que o problema exista e que se tente encontrar fórmulas de, pelo menos, minimizar o problema, senão mesmo de o resolver. Não esquecemos, todavia, que este ponto é, de algum modo, uma zona que refracta ou reflecte uma questão mais geral que são as dificuldades que efectivamente os parlamentos têm tido para fazer face a tarefas tecnicamente complexas. É um problema que temos de encarar e que a Constituição não poderá, certamente, resolver no seu todo, mas pode dar pistas, dar aberturas e, sobretudo, instituir salvaguardas que nos parecem importantes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tenho a impressão de que estamos aqui a cair, um pouco, na repetição da discussão que fizemos ontem, fundamentalmente pela ausência do Sr. Deputado José Magalhães. Porque, realmente, ontem não só analisámos o primeiro artigo, como fomos mais longe, e analisámos o complexo quase todo dos artigos que se referiam ao Plano. Estamos agora, portanto, a renovar esta discussão, e a renovar a discussão com argumentos que são mais ou menos os mesmos que já tinham sido utilizados ontem. Portanto, as posições dos diversos partidos - parece-me - estão substancialmente claras em relação a este assunto. O PCP também, na ocasião, expressou a sua posição.

Gostaria de recordar, mais uma vez, duas coisas: as competências do Parlamento português em matéria de planeamento e as questões atinentes aos planos vários que a Comunidade Económica Europeia aprova e que se aplicam ao nosso país. Penso que não podemos deixar de lembrar que também existe um Parlamento Europeu, parlamento onde estão representadas as forças políticas portuguesas. Não o podemos fazer porque, ao fim e ao cabo, não se trata de qualquer coisa que passa a leste do País, que passa à margem do País,

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que passa à margem das forças políticas nele representadas, mas que é também por elas controlado. A questão que se coloca é outra, e foi esta questão que muito bem colocou o Sr. Deputado Rui Machete: é a do entrosamento entre estas questões e as competências naturais e normais da Assembleia da República, tal como elas estavam reconhecidas antes da adesão à CEE. Aqui, penso que temos um ponto de reflexão onde podemos, efectivamente, inovar dentro da Revisão da Constituição.

Quanto à questão fundamental, recordo que a discussão foi feita em 1982 aquando da Primeira Revisão da Constituição. Aí, designadamente o PS deu indícios seguros de que tinha, de facto, compreendido, e de que estávamos em condições de alterar o entendimento fundamental, que na Constituição havia, quanto à visão estruturante do Plano. E foi por isso que já o n.° 2 do artigo 92.°, nessa ocasião, foi modificado. Não quero reproduzir a discussão, mas chamaria a atenção para a discussão que, nessa ocasião, houve em relação à alteração do n.° 2 do artigo 92.°

Penso que também está esclarecido que, do ponto de vista do PSD, nada se quis retirar em termos de interferência da Assembleia da República ou das suas competências em relação ao Plano, exercidas através do conjunto, da constelação de artigos, e de referências nesses mesmos artigos, que o Sr. Deputado António Vitorino quis, há pouco salientar. Se bem que haja uma discrepância, e apenas essa, penso, em relação à forma de designação, concretamente do artigo 91.° com o artigo que refere a competência da Assembleia, isso não faz concluir, como também há pouco o Sr. Presidente citou, que haja qualquer intenção de retirar das competências da Assembleia esse conjunto de elementos. Por outro lado, não queria deixar de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que o que se passa em relação aos planos regionais não é, de maneira nenhuma, uma ausência de participação e de intervenção, designadamente das forças económicas e dos agentes económicos locais e das autarquias locais. Existe, ao nível das comissões de coordenação regional, um Conselho Consultivo, Conselho Consultivo esse que se pronuncia obrigatoriamente sobre os planos regionais, como sabe. Portanto, nada disso tem sido feito ao arrepio desses agentes económicos e das autarquias locais.

Daí que também os planos sectoriais têm sido planos sectoriais que têm obedecido mais a instrumentos de participação do que realmente a outra qualquer natureza. E é nesse sentido exacto em que esses planos, ou assim designados planos, devem ser entendidos. Não como qualquer viciação do jogo democrático, não como qualquer viciação dos instrumentos de planeamento normal. Planeamento diria, e não planificação, porque aqui está, na verdade, a diferença de conceitos que nos opõe ao PCP, por um lado, e ao PS, por outro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que esta discussão é uma discussão em que, desde há muitos anos, os argumentos são idênticos e, portanto, qualquer observador que, vindo da famosa estrela Sirius, tivesse pousado aqui ontem à tarde ouviria o que se ouve noutros fóruns quando se discute isto, o que de forma alguma nos inibe, nos impede e nos dispensa, de resto, de prosseguir essa discussão procurando ver se o PSD adianta algum argumento novo. Foi esse o esforço, essa sangria esforçada, mas porventura inútil, pelo que acabei de ouvir, que, pela minha parte, procurei fazer. Uma vez que o mérito abonado dos autos, que me foi ontem transmitido, se cifrava naquele resultado de non liquet que procurei sumarizar - contraditado, aliás, pelo Sr. Presidente que vê já luz e esperança, conforme ele próprio referiu.

Foi isto, e só isto, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que me levou a fazer o conjunto de apreciações e observações que, de resto, teria que fazer, uma vez que a questão estava suscitada. A sua intervenção suscita-me, no entanto, alguma desesperança adicional, porque aparentemente - e aí não posso deixar de sublinhar, sem qualquer intuito divisionista, o contraste de sensibilidade em relação ao conjunto de considerações anteriores do Sr. Presidente - o Sr. Deputado Carlos Encarnação parece achar que as coisas não estão nada mal. Isto é: planeamento a médio prazo não há - nem fumos dele; a longo prazo, menos ainda; não há sequer aplicação dos instrumentos anuais tal qual estão configurados; há as proliferações, que já estão, por demais, exautoradas, mas a elas retornaria daqui a instantes, noutro contexto. Resposta do Sr. Deputado Carlos Encarnação: tudo bem! Reparem, em relação à questão do desequilíbrio brutal de poderes que está induzido neste momento, designadamente por força da adesão às Comunidades, não há problema nenhum! Então os Srs. não sabem que lá, a uns quilómetros daqui, existe o Parlamento Europeu? E o Parlamento parlamenta, portanto está restabelecida a ordem e o equilíbrio das coisas!

Mas, Sr. Deputado Carlos Encarnação, qualquer pessoa minimamente atenta que se dedique a verificar quais são as competências do Parlamento Europeu, designadamente em relação à concepção dos instrumentos avulsos de que temos vindo a falar, se apercebe rapidamente da intervenção diminuta reservada à dita instituição e, por outro lado, da diferenciação a operar nesta matéria.

Primeiro: V. Exa. não pode misturar as instituições comunitárias e aquilo que é a participação e a intervenção nacional no processo de tomada das decisões respeitantes às opções, à execução e às decisões - e milhares de decisões são relacionadas com esses instrumentos a nível nacional. Neste momento, por exemplo, é claríssima a controvérsia que suscita um dos instrumentos que referi inicialmente. O Sr. Deputado não conhece a controvérsia sobre o PCEDED? Não conhece o debate que sobre ele se tem vindo a fazer? Aonde? No Conselho Nacional do Plano? Não, no Conselho Permanente de Concertação Social!

Tudo, neste momento, está em causa a esse nível e tudo, a esse nível, está torto. O Conselho Nacional do Plano não pode exercer as suas competências porque está expropriado delas verdadeiramente e porque passam ao lado os rios das decisões e das opções. Isto é um facto!

O Conselho Permanente de Concertação Social, pela sua própria estrutura, origem e natureza, apenas pode exprimir parte do universo de interesses que deveriam projectar-se nas apreciações e valorações inerentes à discussão desses instrumentos, o que é um segundo facto.

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No entanto, V. Exa., aparentemente, considera que a questão não é relevante.

Segundo: em relação ao planeamento no sentido sectorial os problemas são obviamente dramáticos. Vamos fazer a reestruturação do sector de telecomunicações, como? Quem é que intervém nisso? As opções sobre isso são tomadas como? É que são opções que envolvem milhões de contos e que comprometem o desenvolvimento do País em domínios absolutamente nevrálgicos, em termos estratégicos e em termos do novo modelo económico da economia para o fim deste século. Isso é nítido. E quem é que intervém nisso? Intervém o Governo, ou seja, alguns no Governo, e intervêm no Governo alguns, tais que a multiplicação de escândalos nessa óptica, nessa área e nesse sector, se avoluma e se agiganta. Não estou a dizer que o planeamento seja a pedra de toque e o elemento total para resolver esse problema, mas que é uma componente fundamental. O Sr. Deputado Carlos Encarnação considera que isso é indiferente?

Terceiro: em relação ao planeamento regional perguntam-me "que inquietações horríveis tem o PCP"? Dizem: "mas, então não há comissões de Coordenação Regional? Esse é o equívoco básico e é, mais do que um equívoco, uma deliberada confusão introduzida pelo PSD nesta matéria - nas palavras, nos discursos e na vida, à revelia do quadro constitucional. Qualquer confusão entre os instrumentos denominados CCR's e estruturas ou órgãos com emanação e com natureza regional, tal qual é concebida e tal qual, a todas as luzes de esperança ou de desesperança, tem de entender-se, é erróneo e é mistificatório! Como é que é possível sustentar - e aparentamente o Sr. Deputado Carlos Encarnação sustenta-o com afoiteza e sem grandes problemas de consciência - que, havendo CCR's, os PDR's são emanação regional. Pura e simplesmente, não há nenhuma correspondência entre isto e a realidade.

Mais: se verificarmos, lendo o Diário da República, por exemplo, o que têm sido os despachos do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, logo verificaremos qual é o conceito de intervenção regional que lhe está subjacente - leiam-se o despacho n.° 13/88, publicado no Diário da República, n.° 116, de 19 de Maio, e os despachos conjuntos sobre a mesma matéria publicados no mesmo Diário da República, a pp. 4531, 4532, 4533, e 4534. Verificaremos aí uma concepção absolutamente centralizadora, burocrática - aí sim, hiperburocrática. Aquilo que se encontra nestes Diários da República é uma floresta de grupos de trabalho cujas extracção, composição e orientação são puramente burocráticas e completamente centralizadoras. Ora, que a isto se some uma intervenção das comissões regionais - que são, como se sabe, emanação da Administração Central e que não se confundem minimamente com estruturas regionais e ao resultado se chame PDR é mistificação.

Gostaria de computar, em articulado, os discursos do Sr. Deputado Carlos Encarnação e Rui Machete porque seria interessante saber em que é que se traduz afinal a "sensibilidade" e a "abertura" para a valorização do papel da Assembleia da República - e, já agora, doutras entidades. Porque ainda não falámos das outras dimensões regionais do planeamento, o planeamento realizado no quadro das autonomias regionais, próprias do nosso Estado Democrático.

O que é que o planeamento regional tem a ver com a vossa concepção ou com o vosso discurso? Essa é uma boa pergunta, Srs. Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Uma óptima pergunta, que, como verá, dará oportunidade a uma excelente resposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esperamos uma resposta mínima.

O discurso do Sr. Deputado Carlos Encarnação, aparentemente, ladeia tudo isto. O facto de a Assembleia estar expropriada não faz mal porque há o Parlamento Europeu! O facto de as regiões estarem expropriadas não faz mal porque há as CCR's por que há burocratas, etc.. etc.! Parece-me que os dois discursos não têm, para já, excessivos pontos de confluência, a não ser um: a fúria desregulamentadora e a fúria desplaneadora, que é, no fundo, a fúria das mãos livres para o Governo.

Eu compreendo, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que seja muito incómodo ter uns fumos de plano que sejam. Na sua conformação, as GOP's são coisa nenhuma e estão esvaziadas, em termos de conteúdo, ao ponto mínimo. Não são já senão um osso e um osso, ele próprio, descalcificado. A questão, no entanto, é que nem isso o Governo é capaz de fazer cumprir em termos mínimos. Compreendo que é incómodo para um Ministro, por exemplo, verificar que as GOP's estão ultrapassadas, neste momento, ou que não estão cumpridas em relação aos aspectos fundamentais - os indicadores sobre o IBTC, os indicadores sobre a inflação, etc., etc.

É evidente que ter GOP's é ponteiro, que ter GOP's é ter quando, que ter GOP's é ter um elemento de referência da conduta política, que ter GOP's é ser impossível escrever ou reescrever a História em função daquilo que se consegue ou não, para se averbar tudo como êxitos, mesmo as derrotas. Mas é isso que é um elemento democrático, é isso que é um elemento de racionalização de comportamentos, é isso que é essencial para efectivar responsabilidades políticas, é isso que o Governo não quer e é isso que é incompatível com o "Cadilho-Cavaquismo"! Percebe-se isso, mas não se pode aceitar em termos constitucionais!

Isto são interrogações em relação ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, o qual ladeia todas estas questões, como se não existissem. Se o Sr. Deputado pudesse adiantar alguma coisa quanto às ideias de abertura do PSD sobre estes aspectos institucionais, mais do que os chilreios ideológicos, seria positivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, penso que, realmente, neste conjunto de afirmações do Sr. Deputado José Magalhães não há nenhuma pergunta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há, Sr. Deputado, e sumarizo-as: o Parlamento Europeu resolve tudo? Qual é a função da Assembleia da República neste sistema? Em relação ao controlo democrático, como é que o imagina? Entende que as regiões estão bem em matéria de planeamento?

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, ainda bem que são essas as perguntas. Porque, das duas uma: ou V. Exa. é surdo, ou V. Exa. não quis ouvir, ou falei baixo demais, pois tudo aquilo que V. Exa. pergunta já estava contido na minha afirmação inicial.

O que eu disse - e aqui não há absolutamente nada em desacordo com a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete - foi o seguinte: lembrei que existia o Parlamento Europeu com competências específicas, lembrei que alguns planos da Comunidade - e vários - aprovados passam pelo Parlamento Europeu, lembrei que, em relação à Revisão Constitucional de 1982, estas questões não existiam e, na sequência daquilo que disse o Sr. Deputado Rui Machete, afirmei que uma das quotas mais importantes da sua intervenção tinha sido ter feito a abertura do PSD em relação a esta questão, ou seja, passar a considerar, em termos de Revisão Constitucional, questões que, como esta, até agora não tinham sido levantadas.

Quanto à segunda hipotética questão colocada por V. Exa. relativamente à nossa posição quanto às competências da Assembleia da República, o que eu disse, em resposta ao Sr. Deputado António Vitorino. foi justamente isto: não há razão, do ponto de vista do Sr. Deputado António Vitorino, para duvidar das nossas intenções, e o que expliquei foi que havia, porventura, uma diferença etimológica - penso que a única - entre aquilo que se referia no artigo 91.° e no artigo relativo às competências da Assembleia da República. E o Sr. Deputado Rui Machete acabou de assegurar, na intervenção que fez, que não seria intenção do PSD retirar essas competências à Assembleia da República.

Quanto à participação dos instrumentos de planeamento a nível regional ou a nível municipal, penso que tudo isto está substancialmente salvaguardado através da intervenção, por aprovação no Conselho Económico e Social, de todos esses instrumentos parcelares ou de todos esses instrumentos regionais, mas, se V. Exa. me pergunta se, nesta altura, a situação é a ideal, por exemplo, em termos regionais e em relação às CCR's, dir-lhe-ei certamente que não é. É uma visão centralizadora que não é a minha nem a visão do PSD. Mas, mesmo assim, essa visão está reduzida porque - como lhe disse - há instrumentos de consulta que envolvem uma série de instituições e uma série de organismos e que assistem à elaboração desses planos regionais.

Por consequência, as quotas que V. Exa. colocou não são questões e fizeram-me repetir, embora sumariamente e penso que talvez mais claramente, tudo aquilo que eu disse na minha anterior intervenção. Mas ainda bem que V. Exa. me fez repetir isso, porque penso que agora não tem motivo nenhum para fazer novas perguntas sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, queria apenas precisar dois pontos. Em primeiro lugar, queria dizer que não fiz um processo de intenções ao PSD, dizendo que o PSD queria defraudar a Constituição. O que disse foi que a conjugação sistemática do que estava escrito no projecto do PSD podia dar origem a esse tipo de interpretações. E não o fiz com um tem acusatório, mas apenas alertando para aquilo que me parecia ser uma incongruência de redacção do

projecto, que não poderia subsistir, sob pena de poder dar origem a interpretações que, decerto, não eram pretendidas pelos próprios autores da proposta.

A segunda precisão é a de que o Sr. Deputado Rui Machete sublinhou a luz que poderia ser lançada sobre esta matéria através de alguns aligeiramentos, mas gostaria de dizer, nesta fase do debate, que há uma diferença entre os aligeiramentos que admito como possíveis e aquilo que é proposta do PSD em matéria de planeamento, que é, verdadeiramente, a "insustentável leveza do ser"!

Risos.

Isto é um elogio!

O Sr. Presidente: - Exactamente. É um elogio, Sr. Deputado António Vitorino. Em todo o caso, de aligeiramento em aligeiramento, talvez nos aproximemos! Com alguma leveza, mas mantendo a substância, que é para manter o ser!

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não gostaria de deixar de sublinhar que não procurámos, também pela nossa parte fazer qualquer processo de intenções ao PSD. Infelizmente, as afirmações que fiz estão documentadas, passo a passo. Qualquer pessoa, objectivamente, pode fazer a análise daquilo que foi o nosso curso perverso em matéria de planeamento económico. As lições da experiência, nessa matéria, devem ser extraídas. O facto de tudo ter decorrido como decorreu tem explicação, naturalmente, no comportamento dos diversos agentes políticos e nas suas motivações. As motivações, da parte do PSD, eram claríssimas: tornar absolutamente impossível a potenciação dos resultados das nacionalizações, impedir o funcionamento articulado e integrado do sector empresarial do Estado e uma intervenção eficaz e potente nas dinâmicas económicas, impedir, também, a articulação de tudo isto com as realidades decorrentes do facto de existir um fenómeno chamado reforma agrária en su sitio e com as suas potencialidades, e impedir também que as tomadas de decisões económicas se fizessem de forma inteiramente transparente e num quadro em que pudessem ser ponderadas pelos que são atingidos por elas. Nesse sentido, a marginalização do Conselho Nacional do Plano, a desarticulação das suas capacidades de intervenção, o crescente ladeamento da Assembleia da República nesse domínio, a não aprovação de instrumentos, como o Plano a Médio Prazo, a entrada nas Comunidades à margem de uma perspectivação global das grandes opções e dos problemas de desenvolvimento do País e, designadamente, da questão fulcral da sua estratégia de desenvolvimento (que o PSD queria, naturalmente não nos rumos constitucionais, mas contra eles), tudo pesou nesse curso. Apenas me pesa neste momento - e isso é um peso insustentável - que se digam sobre as origens coisas como algumas daquelas que aqui foram ditas. Porque se, da parte dos Constituintes, alguma coisa terá pesado, permito-me admitir que pesou muito a experiência daquilo que foi a frustada aplicação das leis do fomento em que alguns dos tecnocratas do PSD tiveram intervenção, isto é, toda a tentativa frustada de incrustrar, no aparelho e no sistema do fascismo, um

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sistema de planeamento inspirado em modelos que seguramente não eram nem da Hungria nem da União

Soviética.

O Sr. Presidente: - Era francês!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era, obviamente, francês. Toda a gente sabe quem eram os referentes, toda a gente sabe quem foram os protagonistas e quem é que participou nas diversas comissões, toda a gente sabe nomes, intervenções e esperanças, inclusive, de alguns de certa ala denominada liberal que está realmente esquecida, como a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete prova sobejamente. Os trabalhos da SEDES, as esperanças miríficas do Caetanismo e das suas primaveras, tudo isso teve projecções num determinado sonho planeador, em que alguns - designadamente o engenheiro Rogério Martins e outros que o Sr. Deputado Rui Machete bem conhece - empenharam aquilo que foi a sua frustada intervenção que nem conduziu ao derrube do fascismo nem sequer ao planeamento...

O Sr. Presidente: - Tivemos a nossa perestroika mais cedo, apesar de tudo!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, isso é injustíssimo porque foi falhada e a Perestroika não o é.

O Sr. Presidente: - Aí acompanho-o. Esperemos que não seja!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu agradeço, Sr. Deputado, e registo. É comovente.

Em todo o caso, Sr. Deputado, creio que é justo que, quando o debate se desloca para terrenos da História, não sejam infringidas certas regras basilares na evocação da mesma História porque nem todos, nessa História, verdadeiramente, estão impedidos de erguer a voz. Alguns morreram, outros não. Por consequência, nessa matéria, é preciso um mínimo de rigor e um mínimo de verdade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. desculpar-me-á, mas eu estava a fazer um interpretação daquilo que foram as propostas que o PCP fez na Assembleia Constituinte e que acho que fizeram vencimento num contexto histórico muito particular - é uma interpretação minha -, mas não estava a dizer que não tivesse havido outras experiências de planeamento. Há planeamentos e planeamentos, há planos e planos, e a interpretação que faço daquilo que é ou seria mais conforme à vontade histórica do legislador constituinte na Assembleia em 1976 é, realmente, uma interpretação que consubstancia o tal princípio estruturante que V. Exa. quer ligar com hífen e que é um princípio colectivista-marxista-leninista. Foi isto o que eu disse, é isto o que penso. V. Exa. pensará de uma maneira diferente e não nos zangamos por causa disso.

E não estou a dizer que não tenha havido experiências de planeamento no período do fascismo, ou no período da ditadura (como prefiro dizer, para não usar uma terminologia que significa um colonialismo das ideias do PCP). Nada disso! Reconheço que houve e, de resto, conheço muito bem a SEDES, de que fui fundador, e não enjeito. Orgulho-me muito desse meu passado e acho que não tenho nada que me envergonhar dele. Mas o problema é outro: o de que, na minha óptica, estes preceitos têm um determinado significado que entendo combater, ou que o PSD entende combater. É só isto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não poderia deixar de discordar e criticar, veementemente, alguns dos argumentos usados e, designadamente, os argumentos em relação às questões de carácter histórico. É uma distorção gravíssima das raízes, das origens e da matriz constitucional sustentar que o conteúdo dos artigos em debate exprimiu a visão de um partido político e, concretamente, do meu partido. Afirmar que o artigo 91.° e seguintes são a pura projecção de um conceito de "plano quinquenal" é completamente absurdo.

A afirmação pode "pegar" num colóquio na Abrunheira, pode "pegar" numa reunião de militantes do 5.° Esquerdo ali do bairro de Alvalade, mas seguramente não pode pegar na CERC. Não é aceitável uma tal distorção das origens desse compromisso, porque foi um compromisso político. O planeamento, como alguém dizia razoavelmente, deve ser um processo de compromisso político balizado por um quando técnico de graus de liberdade (a frase não é minha, é da Dr.a Manuela Silva)...

O Sr. Presidente: - Duma colega minha, da SEDES.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É da Dra. Manuel Silva e é razoável. Seguramente não foi forjada nas matrizes dessa associação política exclusivamente, nem tem carimbo partidário, nem é apropriável, as frases não são como pássaros que se atiram ao ar e se matam como tordos...

O Sr. Presidente: - Exacto. Ora vê, Sr. Deputado José Magalhães, não são apropriáveis. Não estou a dizer que as ideias tenham sido uma propriedade exclusiva do PCP, mas a interpretação que hoje faço é essa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É em matéria de planeamento uma distorção gravíssima sustentar que esse compromisso não existiu. O PSD pode romper esse compromisso (digamos a verdade: rompeu-o há muitos anos, enjeitou-o pouco depois de o ter assumido). Mas vamos trasladar das actas as antigas intervenções dos Deputados do PSD. E aí ver-se-á rigorosamente as aproximações que foram estabelecidas para que precisamente a experiência portuguesa não decalcasse nenhum modelo não traduzido em português, e seguramente o modelo que foi traduzido em português não foi o modelo dos planos quinquenais, isso é uma evidência. Fez-se, como o Sr. Deputado Rui Machete não pode deixar de reconhecer, uma leitura atenta da experiência francesa em que se articulavam várias ideias de compromisso político com uma lógica e uma dinâmica que são, de resto, susceptíveis de várias feições. Uma leitura, em que nós insistiríamos, tendente a potenciar todos os elementos de direcção da economia decorrentes do facto de ter havido em Portugal um processo de transformações profundas no plano económico, designadamente traduzido na existência dum vasto e

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bem posicionado sector público e de haver transformações no campo agrícola, fundamentais aliás; e uma outra leitura, de recuperação capitalista. Foi esta a que o PSD fez.

Isto são factos, agora a Constituição, "coitada", está inocente disso, não pode ser crismada do Adamastor colectivista que transpõe a experiência do Gosplan para Portugal em caracteres cirílicos, se necessário. Essa distorção é que me parece perfeitamente irrazoável.

Em segundo lugar, refiro-me ao plano com P. A famosa questão do P é uma mistificação, pura e simplesmente, em termos políticos. Como os Srs. Deputados sabem, como o Sr. Deputado Rui Machete tem acima de tudo a obrigação de saber, Plano é um conceito que não consta da Constituição. Folheando-se a Constituição, não há conceito de plano com P grande, o que há é um sistema complexo de Planeamento, traduzido de resto numa pluralidade de instrumentos. É um sistema complexo encarado sob qualquer ângulo, sob o ângulo dos horizontes temporais, sob o ângulo das mediações e das refracções no terreno económico. Por outro lado, não tem a ambição, esse Plano com P grande, de ser o nec plus ultra e a condensação de todos, mas todos os instrumentos de direcção económica. Sabe-se designadamente que na sua conceptualização o sistema ainda reserva ao Governo, ao Governo concretamente, uma pluralidade de decisões fulcrais sobre instrumentos, designadamente no plano macro-económico, que não têm que constar do Plano com P grande, o tal. Por outro lado, é evidente que só vincula, como tal, o sector público da economia, com a sua exacta conformação constitucional; quanto ao resto tem função de coordenação e de enquadramento e não mais do que isso. Querem transformar, a esta hora, o plano numa coisa que se escreve não com p mas com G em cirílico? Parece-me completamente absurdo e não creio que seja uma boa forma de travar a discussão.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que faça uma pergunta? E só para o interromper, porque tenho medo que se canse. Então o Sr. Deputado gosta mais do n.° 2 da actual Constituição, ou do n.° 2 da Constituição antes de ser revista, em relação ao Plano?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não percebo, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Qual dos n.ºs 2 do artigo 92.° que V. Exa. preferiria? O actual ou...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação está a referir-se ao n.° 2 do artigo 91.°?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, ao n.° 2 do artigo 92.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, é uma pergunta que me deixa um tanto estupefacto, porque o n.° 2 do artigo 92.° tinha na redacção inicial o seguinte conteúdo: "o plano define ainda o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas dos outros sectores": O n.° 2 actual reza: "o plano tem carácter indicativo para os sectores públicos não estadual, privado e cooperativo, definindo o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas desses sectores"...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É mesmo essa pergunta que eu queria fazer a V. Exa., porque aí é que está a essência da questão. Qual é que preferia, então?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o n.° 2 do artigo 92.°, na sua redacção actual, é uma explicitação, como prova o debate que travámos sobre ele na Revisão Constitucional...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Portanto, não é contraditório com a anterior?

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... não desnaturadora de conteúdo. Mas alguém, alguma vez, sustentou que o plano alguma vez tivesse carácter imperativo para o sector público não estadual, privado e cooperativo?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Vai V. Exa. desculpar-me e sabendo muito bem aquilo a que me refiro, mas é só para que consiga apurar daí, ou consigamos todos estabelecer o apuramento final, do que é que representava o Plano na versão inicial da Constituição. Para que V. Exa. não me possa agora dizer o contrário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é Sr. Deputado Carlos Encarnação tentar fazer da versão inicial da Constituição - tivemos uma revisão de permeio - um Adamastor que estabelecia para o plano um cunho imperativo para o sector privado, é absurdo. Nunca ninguém o sustentou. Imperativo para o sector privado qua tale. Estão a brincar!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não quero entrar em diálogo, mas foi exactamente por isso que o n.° 2 foi modificado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ó Sr. Deputado, qualquer leitor médio destas matérias pode, quando tenha a dúvida angustiosa que V. Exa. tem, rapar da Constituição e ler o que lá está e não os papões que imagina de olhos fechados...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não tenho nenhuma dúvida angustiosa; tenho uma certeza absoluta, e é isso que queria compartilhar consigo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode-se, também, rapar do artigo conhecido do Professor Sousa Franco sobre revisão da Constituição Económica e topar, a página 661, o seguinte passo, que cito: "uma última mudança de revisão constitucional de 82 refere-se ao problema da força ou eficácia jurídica do plano, de que cuja resolução depende em boa parte a própria caracterização do sistema económico-constitucional. Mantém-se, porventura por exigência do que a Constituição considera o princípio da planificação democrática da economia, como seu limite material - questão que o não preocupa excessivamente, artigo 290.° g) - a imperatividade para o sector público estadual e a obrigatoriedade para entidades de interesse público, mediante contratos-programa, com todos os problemas

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interpretativos daqui resultantes. Mantém-se a função geral de enquadramento. Precisa-se todavia que o seu carácter indicativo, em disposição totalmente nova mas caracterizadora do entendimento que a contrario sensu já antes deveria fazer-se, para o sector público não estadual, como nos parecia já claro no texto de 76 tanto pela lógica do poder local como da existência de um sector público regional dotado de plano próprio etc., etc.... para o sector privado, ponto que ninguém contestava na vigência do anterior texto - ponto que ninguém, sublinho eu, ninguém contestava na vigência do anterior texto - e para o sector cooperativo. No tocante a empresas, dúvidas podem levantar-se quanto à imperatividade para empresas do sector empresarial do Estado, se se entender que por sector público estadual se deve entender apenas sector público administrativo central de acordo com a lógica do sistema da economia mista de mercado que obriga as empresas públicas a orientarem-se pelo mercado e não pelo plano, sendo certo que o sector público social e comunitário fica como sector não estadual que é, incluído na área sujeita ao plano de modelo indicativo. E mais não cito.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já chega.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É suficientemente supliciante. Parece-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que é absolutamente absurdo tentar fazer a démarche conceptual que o Sr. Deputado Carlos Encarnação em particular parece apaixonadamente querer, isto é, transformar a Constituição, na sua versão originária, num horrendo Adamastor, sustentar que a Revisão Constitucional de 82, lida à la Raposo (como sabe, é démarche habitual do PSD!) teria dado uma machadada gravíssima neste Adamator, que no entanto ainda tem uns dentes escuros e horrendos que seria preciso, portanto, desdentar. É absurdo, não pega, não tem nenhuma chance, é uma tentativa de importação, tente isso na Abrunheda aqui na Comissão de Revisão é totalmente impossível.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não será Abrunheira?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Usei precisamente "Abrunheda" porque não existe, arriscava-me a ofender as populações da terra que citou, terra respeitável e de que muito gosto.

A terceira questão diz respeito já não às origens mas ao caminho, ao futuro, à luz e à esperança. O Programa do Governo reza a certa altura: "o Governo entende que as exigências do desenvolvimento nacional, a superação dos estrangulamentos estruturais, a correcção dos profundos desequilíbrios internos, a optimização dos recursos disponíveis, a adequação da dinâmica interna à comunitária impõem" o quê? O cumprimento das disposições constitucionais sobre o planeamento? Não, o ladeamento das disposições constitucionais sobre o planeamento. Impõe aquilo a que o Governo chama um PRO.DES.RE.DI., "que constitua um instrumento efectivo de preparação dos grandes consensos nacionais sobre o desenvolvimento e seja uma via determinante da efectiva integração na Europa". "Esse plano (com p pequeno) será pois concebido como a peça fundamental para se levar à prática as potencialidades que resultem da realização do princípio da coesão económica e social".

Agora repare-se na gravidade política a institucional que há em sustentar-se isto. Dir-se-ía que não há Constituição, dir-se-ia que há, brotando da mente governamental, o PRO.DES.RE.DI., que deve ser isto tudo, que é realmente fundamental. Estas são opções fundamentais, isto é, o que se vai decidir aqui é como é que esses recursos são usados, como esses estrangulamentos são ultrapassados ou não, mas tudo isso deve ser feito à margem da Assembleia, à margem das entidades que deveriam participar nesse processo, à margem das regiões...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso não é verdade, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... e isso, Srs. Deputados, é irrefragável, aquilo que o Conselho de Ministro aprovou nesta matéria implica que a estratégia do desenvolvimento económico e social de natureza predominantemente macro-económica seja feita segundo que moldes? Segundo um despacho conjunto dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território, o plano de desenvolvimento regional, (estou a ler o Despacho n.° 13/88 do Ministro do Plano) que constituirá, diz S. Exa., o documento fundamental de negociação com a Comissão Europeia sobre as intervenções estruturais comunitárias no médio prazo, com base na qual será definido o quadro comunitário de apoio." Será feito completamente à margem das estruturas do planeamento! Eu não consigo imaginar um divórcio mais completo entre o parâmetro obrigatório e os instrumentos concretos em curso, os ICECs.

É total e radical o divórcio entre as duas coisas. É para este aspecto que em particular alerto, porque é aí que se tem que medir da atitude do PSD face ao regime. Sendo o planeamento democrático um limite material de revisão percebe-se que o PSD tenha feito que aqui fez - uma tentativa de assacar à Constituição aquilo que ela não é, para minimizar a gravidade do seu incumprimento e do desvio. Mas isso é uma démarche puramente ideológica e política, não surte em termos de fiscalização jurídico-constitucional, não surte em termos de conformação jurídica. E uma coisa que se situa no terreno da diversão política-ideológica. Em relação às questões da esperança e do futuro eram estes os pontos de vista que eu gostava de sustentar.

O PSD está neste momento numa encruzilhada. Rompeu o compromisso político-ideológico decorrente da aprovação que fez dos artigos da Constituição que estamos a referir. Rompeu o compromisso político-ideológico decorrente da revisão que fez em 1982. Estas normas foram aprovadas com os votos do PSD...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É evidente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que não, Sr. Deputado Costa Andrade! É totalmente "desevidente", porque o PSD a seguir rompeu esse compromisso enveredando por um caminho que não só o subverte, em termos de ruptura política, mas o subverte no terreno dos factos consumados e neste momento está a anos-luz de qualquer estrela constitucional. A sua estrela polar que tantas vezes nos atormenta é outra.

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totalmente diferente. Não vou dizer sequer que está nos Estados Unidos da América, porque aí a fúria desregulamentadora é totalmente incompatível com qualquer plano, aí nunca ninguém soube o que era um plano, Roosevelt já morreu há muitos anos, que eu saiba o Congresso dos Estados Unidos não aprova coisa nenhuma que se assemelhe sequer às chilras GOP's portuguesas. Mas aprova coisas que são bastante importantes, como se sabe. Mesmo face a esse parâmetro, o ladeamento da Assembleia da República nesta matéria e nas opções tomadas é completamente surrealista. A assembleia representativa de todos os portugueses está completamente arredada da tomada de decisões fulcrais em relação a tudo o que diz respeito à definição da decisão nacional num quadro de integração comunitária. Acredito que isto não acontece em nenhum outro país das Comunidades. A situação portuguesa desse ponto de vista é horripilante face ao próprio parâmetro, já não digo face só ao parâmetro constitucional, mas face ao próprio parâmetro comunitário. As decisões portuguesas são assumidas por um órgão de soberania com competências e com poderes limitados, com completo espezinhamento de competências constitucionais, não só envolvendo a Assembleia da República como envolvendo o próprio Presidente da República, uma vez que estes instrumentos, ao contrário do que aconteceria se fossem aprovados por lei, como deveriam ser, escapam à promulgação do Presidente da República e esse aspecto não é igualmente substimável.

É tudo isso que está em questão, nós poderemos e termos de rediscutir, tridiscutir estes aspectos aqui, no Plenário da Assembleia da República e lá fora naturalmente, mas o PSD dificilmente pode furtar-se ao juízo de censura decorrente do facto de assumir o desvio em relação ao parâmetro constitucional, ainda por cima com péssimos argumentos e com algumas inverdades históricas que profundamente lamento.

Fiquei sem saber qual é a posição do PSD em relação a algumas das questões concretas e, de resto, muito interessantes que o Sr. Deputado António Vitorino tinha colocado, designadamente quanto ao que o PSD pense sobre proposta tendente a garantir que os planos parciais, ou específicos ou outros programas que visem objectivos definidos no artigo 91.° sejam submetidas às regras do debate, de transparência de participação democrática inerentes ao sistema complexo de planeamento que a Constituição consagra, seja com P grande ou com p pequeno.

O Sr. Presidente: - Gostaria apenas de referir um ponto. O resto não teve novidade, não vale a pena estarmos a repetir, embora prese muito a argúcia, a habilidade de argumentação e a inteligência do interveniente. Mas, no que respeita aos problemas das verdades históricas ou não históricas, o que eu queria repetir era que a minha interpretação da Constituição em termos sistemáticos leva a considerar que uma das interpretações possíveis, e foi certamente essa a interpretação sufragada pelo PCP num determinado momento, foi aquele que dei. Não me interessa muito se outras forças políticas deram outro tipo de interpretações, do ponto de vista sistemático; ela resulta como a mais

plausível e foi o que quis dizer e que, naturalmente, mantenho.

Gostaria também de referir que estou de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães, embora não fique muito preocupado quando faço comparações como os planos quinquenais.

Mas estou de acordo em que o modelo era algo entre os planos quinquenais e a experiência constitucional francesa pelo que, em termos geográficos, o situaria mais em algumas das democracias populares da Europa de Leste do que propriamente na União Soviética. Mas não é uma coisa que tenha grande relevância, grande interesse, não é esse o problema de que neste momento nos estamos a ocupar.

No entanto, não podemos pensar que existe um rompimento de um compromisso quando se pretende rever a Constituição e se pretende que um aspecto que, desde 1976, tem sido inteiramente nominal na Constituição, ou seja, este matéria do Plano, usando a velha expressão de Lowenstein...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Ainda não se puseram de acordo sobre isso?

O Sr. Presidente: - Sobre isso estamos de acordo. É a prática seguida, sobre o carácter nominal dos preceitos constitucionais nesta matéria...

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nós pensámos que este era um dos casos em que os dois terços eram obtidos de outra maneira.

O Sr. Presidente: - E porventura serão...

Vozes.

Estamos quase entendidos, quase...

Quanto ao problema que foi colocado relativamente ao n.° 5 do artigo 94.° da proposta do PS, julgo que na altura teremos oportunidade de mais detalhadamente o discutirmos. Mas a ideia que tenho é que essa é exactamente uma matéria em que se espera que a leveza do ser possa funcionar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me uma observação que me ocorreu enquanto falava e a propósito do último aspecto que suscitou.

O primeiro aspecto é, em homenagem ao Sr. Deputado Almeida Santos e a um realizador de cinema, conversa acabada, porque é evidente que é totalmente impossível fazer outra coisa que não seja oferecer o mérito das actas. Cada qual disse o que, historicamente o PSD foi Governo quando foi, fez o que fez, enfim, as contas nessa matéria ajustam-se de outra forma e pela via própria como é óbvio. O que se pode fazer é questionar o PSD em relação às implicações da sua opção e, por outro lado, prolongar a interrogação um tanto dilacerada do Sr. Deputado Almeida Santos, relativa a já ter sido atingido um entendimento, que é em nosso entender um tanto pérfido em algumas vertentes, tenham sido até agora o PS e o PSD.

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador.)

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Alertava para o seguinte problema: até agora temos focado os problemas relacionados com a participação democrática, com a racionalização das decisões, com a separação de poderes. No entanto, existe um aspecto que não foi considerado mas que, quanto a mim, deve sê-lo na medida em que está, digamos, no centro das preocupações constitucionais nesta matéria e que é a questão da articulação entre o Plano e o Orçamento. E que uma das consequências da técnica e da orientação seguida pelo governo, os "planinhos", a opção "planinhos" tem como consequência um desfasamento crescente entre as questões ditas de planeamento e as questões financeiras. E não é por acaso que se vem acentuando ou alertando para que estes grupos de trabalho que o Governo tem encarregado de preparar documentos de síntese da estratégia de desenvolvimento de sectores, documentos de síntese sobre a questão das infraestruturas e do ordenamento do território, indústria, educação, agricultura, emprego, formação profissional, no âmbito da elaboração do tal PRO.DES.RE.D1. e da sistematização dos contributos sectoriais do PDR não têm representação do Ministério das Finanças. Isto significa que há uma décalage entre a definição de objectivos, a definição de metas, a inventariação de situações e a mobilização dos fundos estruturais e dos recursos financeiros internos, o que pode depois dar origem a uma impossibilidade de conjugação entre as metas fixadas e os meios financeiros. E esse problema está constitucionalmente resolvido pela preocupação em articular a questão da definição dos instrumentos próprios do planeamento com as questões de financiamento.

É evidente que esse é um objectivo, foi um objectivo historicamente não logrado, como revela toda a experiência de desplaneamento português. Em todo o caso, trata-se de um objectivo que, em termos de futuro, é absolutamente vital. E ou se consegue atalhar isso e essa questão está equacionada - quanto a nós correctamente - na proposta a que têm vindo a fazer alusão, constante do projecto de Revisão Constitucional do PS. Essa questão é fundamental e é, creio eu, uma das questões cruciais, não havendo sobre ela o mínimo sinal de consenso por parte do PSD. Tudo o mais é susceptível de ser remetido para as actas da Constituinte, tudo o mais é susceptível de que ofereçamos, cada um de nós, o mérito dos autos de História, o que quer que isso seja... Porém, em relação a este ponto, não.

E era em relação a ele, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que eu insistia: este caminho conduz a décalage Plano/Orçamento e essa décalage é perigosa. O Governo não propõe evidentemente a expropriação do Parlamento em relação às competências quanto ao Orçamento, não propõe o regresso quanto ao modelo prévio à Revisão Constitucional de 1982. No entanto, vai por um caminho em que essa décalage se opera crescentemente. Porque, reparemos: se a Assembleia da República é marginalizada do processo de planeamento, se a Assembleia da República, na própria visão do Governo, toma opções que fica nas mãos do Governo controlar, designadamente através do recurso a operações do tesouro, como este ano acontece - de resto inconstitucionalmente - abundantemente... E se tudo aquilo que diz respeito aos contributos portugueses a associar aos contributos comunitários fica na disponabilidade do Governo, via operações de tesouro, então está vibrado um golpe profundo na própria dimensão de decisão política orçamental respeitante à matéria do Orçamento propriamente dito. É essa dupla distorção que vivemos: derruba-se o Plano e a própria competência parlamentar em matéria orçamental. E aí distinguimos naturalmente a posição do Governo e a posição do PS por mais preocupações que nos infunda a ideia que o PS aqui veio revelando.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do Orador.)

De qualquer forma, não queria deixar de salientar que o Sr. Deputado José Magalhães não esteve cá ontem e que provavelmente não terá ouvido que foi uma coisa importante que então dissemos, quer o PS, quer o PSD. É que em relação a esta matéria, designadamente aos artigos do Plano, estaríamos porventura próximos de um entendimento que salvaguardas se necessariamente algumas alterações em relação aos textos apresentados pelo PS. Isto foi dito ontem e portanto hoje, de alguma maneira, voltou a reacender-se a discussão mais pelas intervenções brilhantes e efusivas do Sr. Deputado José Magalhães do que propriamente por qualquer intervenção nossa ou do PS. Houve uma dúvida apenas, que foi respondida, colocada pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Por outro lado, pretendia fazer uma alusão final à célebre questão da Abrunheda, dizendo-lhe apenas o seguinte: é que, se eu quisesse retaliá-lo da mesma maneira que o Sr. Deputado, pegaria nos Diários da Assembleia da República da Revisão Constitucional de 1982 e lia-lhos, como V. Exa. fez, ao microfone...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não vou fazê-lo porque isso seria pior para mim do que para si. Mas, de qualquer forma, não queria deixar de lhe lembrar aquilo que na ocasião foi a discussão havida entre o Sr. Deputado Vital Moreira e o Sr. Deputado Nunes de Almeida acerca do celebérrimo n.° 2 do artigo 92.° Por aqui me fico e não digo mais nada acerca disto...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Perfeitamente, Sr. Deputado. Se quiser apensá-la à acta, faça favor.

Creio que não vale a pena aludir a uma discussão pretérita de cujo conteúdo estou ciente, por isso apenas encobre uma impossibilidade, que por ventura é transitória e negociai, de o PSD afirmar o que pensa relativamente a alguns aspectos fundamentais equacionados nas próprias propostas do PS. Não sei se o Sr. Presidente tenciona que passemos ao artigo 93.°, ou se o vai dar como discutido.

O Sr. Presidente: - Penso que está discutido, já falaram nos planos, nos "planinhos"...

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Nós apenas pretendemos o seguinte: quando o Plano com letra grande, aparece na Constituição, entendêmo-lo como referindo-se exactamente ao sistema de planificação...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio...

O Sr. Presidente: - Consequentemente, para os outros planos, ou seja, instrumentos em que se desdobra esse sistema de planificação, pareceu-nos mais razoável não usar o nome próprio. Assim sendo, dava esta questão por discutida.

Quanto ao artigo 94.° - aliás já está discutido, ou quase...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas há importantes questões...

O Sr. Presidente: - A proposta do PSD... mas poderemos voltar a ela. A proposta do PRD consiste apenas em substituir a palavra "implemento" - de que ninguém gosta, mas a verdade é que todos nos temos sacrificado a ela - por "aplicação e execução"; por seu lado, os Srs. Deputados da Madeira propõem, tal como nós, uma referência à participação das Regiões Autónomas. Já se viu que o PSD está igualmente de acorde e suponho que o PCP também...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Quanto ao CDS, elimina tudo.

Por sua vez, o PS faz, no n.° 1, uma subordinação cronológica dos planos de mais curto prazo aos de mais longo prazo, porque nos parece ser essa a lógica do sistema de planificação.

Quanto ao n.° 2, em vez de se falar nas Grandes Opções do Plano, referem-se aos planos, por forma a dar cumprimento às precedências cronológicas estabelecidas no número anterior; e, em vez de estabelecer "incluindo a respectiva fundamentação com base nos estudos preparatórios", propomos a expressão "devidamente fundamentados". Parece-nos que se justifica alguma economia verbal neste domínio.

No n.° 3, apenas incluímos "as Regiões Autónomas".

Quanto ao n.° 4, substituímos, aliás como o PSD, o Conselho Nacional do Plano, que seria extinto, pelo Conselho Económico e Social, com outras funções além destas. Parece-nos que isso se justifica na medida em que o Conselho Nacional do Plano é uma estrutura pesada que não rendeu aquilo que custa, e não justificou as esperanças que nele se depositaram.

O n.° 5 já está mais do que justificado e está definida a nossa preocupação. Trata-se, evidentemente, de não espoliar a Assembleia da República de competências que, quanto a nós, só a ela devem caber. Por fim, no n.° 6, substituímos a expressão "implemento", horribile dictu, por "execução". Quanto à expressão "sem prejuízo da sua coordenação pelo Governo", pensamos que esta maneira de dizer é mais económica do que "sem prejuízo da sua coordenação central, que compete em última instância ao Governo". Mais uma vez, trata-se aqui de economia verbal.

Pedia agora aos Srs. Deputados que, tal como nas nossas propostas, que economizam palavras, também as economizassem na oratória que vai seguir-se.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Em relação ao n.° 3 do artigo 94.° do projecto do PS, presumo que há uma omissão, uma lacuna, mas, em qualquer dos casos, será útil que o PS expresse a sua opinião sobre essa questão.

Da parte do PSD, embora já tenha sido dito que a não referência expressa às autarquias e às Regiões Autónomas se deve a ela estar implícita no Conselho Económico e Social, já foi, porém, dado como adquirido que deveriam fazer parte do elenco daqueles que participam na planificação.

Em relação ao artigo 94.º-A, contrariamente ao projecto do PS, falamos em organizações profissionais - estou a pensar, designadamente nas ordens, na Ordem dos Advogados, na dos Engenheiros, etc.. O PS não faz qualquer referência expressa a esse tipo de associações, talvez por esquecimento. Nessa medida, gostaria de saber se o PS prevê essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - É um problema a considerar, Sr. Deputado. Como sabe, nós somos favoráveis à mais ampla participação, mas não vemos muito bem o que é que têm a ver as actividades económicas profissionais que não caibam nas anteriores expressões, nas actividades económicas em geral ou representativas dos trabalhadores. Que terão os advogados, os engenheiros a ver com o Plano? Gostaríamos de reflectir um pouco mais sobre esta questão.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, pretendia apenas fazer uma correcção ao relatório da subcomissão que foi distribuído, no que respeita ao artigo 94.° De facto, quando se faz a descrição das propostas do PS, não se refere que o PS propõe um novo n.° 5 com a seguinte redacção: "não são permitidos planos parciais ou específicos nem programas que visem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.°, salvo quando elaborados e aprovados nos termos dos n.ºs 1 a 4".

Por outro lado, no mesmo relatório refere-se a substituição de "implemento do Plano" por "execução do Plano" e de "coordenação central que compete em última instância ao Governo" por "coordenação pelo Governo", o que constitui uma alteração ao actual n.° 5 do artigo 94.°, que, no projecto do PS, passaria a n.° 6.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que, nesta matéria, o ponto mais relevante de debate face àquilo que ficou exposto e não carece de reedição, é o de saber qual o posicionamento do PSD face a proposta de garantia de que ao sistema complexo de planeamento português não se aditem peças extra-sistema. A questão dos "planos extravagantes" é porventura a questão mais relevante; não estou naturalmente a subestimar a importância da questão institucional ou orgânica ia de saber quais as implicações da substituição do sistema associado à existência do Conselho Nacional do Plano mas creio que esta

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questão suscita interrogações que, de resto, nos levaram já a centrar o debate dos artigos anteriores mais sobre esses aspectos do que sobre qualquer outro. Nessa matéria, as interrogações estão sem resposta por parte do PSD, e o Sr. Deputado Rui Salvada omitiu, prudentemente, tal como o relatório do Sr. Deputado José Luís Ramos - mas aí certamente por lapso -, qualquer alusão a este aspecto.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Não omitiu nada, Sr. Deputado. Apenas acrescentei uma coisa que até agora não tinha sido referida pela razão de que foi mais ou menos dado como adquirido que esta discussão estava suficientemente clarificada.

Se o Sr. Deputado José Magalhães pretende que eu dê a minha opinião sobre o artigo 91.°-A na interpretação que faz dessas questões, devo dizer-lhe que o Sr. Deputado Rui Machete já argumentou brilhantemente as razões que, do ponto de vista político e pragmático, subjazem ao projecto do PSD. No entanto, se assim o pretende, sintetizarei aquilo que, do meu ponto de vista, foi defendido e que são para o PSD as grandes linhas mestras nesta matéria.

Uma delas prende-se com uma questão à qual o PS, que aliás fez no seu projecto um esforço de modernização nesta matéria, não respondeu, apesar dos esforços feitos pelos Srs. Deputados Almeida Santos e António Vitorino, e que é, designadamente, a questão da eficácia do próprio Plano. Ou seja, o PSD liga as próprias Opções do Plano ao conteúdo do programa do Governo, não tornando portanto um Plano que porventura foi aprovado numa determinada altura pela Assembleia da República incompatível com os governos subsequentes. Aquilo que tem sido dito aqui é, de facto, verdade: não tem havido Plano no País, não porque as pessoas não tenham querido mas, sim, porque há uma incompatibilidade manifesta entre estas questões. Isto é, quando falamos num Plano para daqui a 10 ou 15 anos, que porventura estabelece "energia nuclear" - sim ou "caminhos de ferro"-sim, ou menos "auto-estradas", é evidente que se um Governo subsequente considera que "energia nuclear, não" e que "caminhos de ferro, não" e "mais auto-estradas", o Plano estará obviamente prejudicado. Consequentemente, não se trata aqui de uma questão de ordem ideológica mas sim de uma questão de eficácia programática, sendo portanto o Plano, tal como é defenido no artigo 91.° do nosso projecto, exequível e eficaz. E, diferentemente da interpretação do Sr. Deputado José Magalhães, o PSD não desdiz aquilo que diz no artigo 70.°, isto é, não dizemos que não é necessária uma planificação. É evidente que é necessária uma planificação: o Governo tem estado a fazer isso em relação ao passado e projectos em relação ao futuro, precisando todos os governos de uma planificação para executar a sua política. O que nós defendemos - ao contrário, penso eu, do Sr. Deputado José Magalhães - é que uma Assembleia da República com uma determinada composição defenda num determinado momento uma coisa para daqui a vinte anos e todos os governos, com mais ou menos acertos, fiquem presos àquele plano ou tenham de estar a alterá-lo, com todos os custos para o país que isso implica.

Portanto, é esta a questão fundamental que está subjacente no nosso artigo 91.°-A e que o Sr. Deputado José Magalhães insiste em não compreender. Não se trata de "desplanificar", trata-se de planificar com eficácia. Os resultados que a história recente mostrou, demonstram que não é assim que se deve caminhar para o futuro, com um plano que está apenas constitucionalmente previsto com "P" maiúsculo, mas que, na realidade, não é concretizável pelas razões que acabei de expor.

O Sr. Presidente: - Esses aspectos já foram suficientemente esclarecidos, mas não ouvi uma resposta clara à pergunta do Sr. Deputado José Magalhães, que também interessaria ao PS. Gostaria de saber se são contra o nosso n.° 5 ou admitem que ele possa ser aceite.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Queria colocar uma questão ao PS e que é a seguinte: se nós confrontarmos o que vem inscrito no n.° 5 do artigo 94.° proposto com as competências de Governo que vêm descritas no artigo 202.° a) veremos que, tanto quanto penso, existe alguma incongruência entre os dois preceitos. Salientaria isto aos representantes do PS porque me parece que concordaríamos com o artigo 202.° a), mas não concordamos com o n.° 5 do artigo 94.°

O Sr. Presidente: - Penso que não há incongruência. Desde que estes planos parciais resultem na execução da Lei do Plano não há problema. Não podem é ficar fora dela. As leis podem ser revogadas e, se o Governo que vier entender que o deve fazer, propõe à Assembleia a alteração da Lei das Grandes Opções do Plano.

O que queremos é que os planos parciais sejam submetidos às regras do Plano Global. Fazer um mini-plano, deixando o essencial para planos parciais em que a Assembleia não tenha interferência é nitidamente expurgar uma competência que a Constituição quer que pertença à Assembleia.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Segundo o n.° 5 da proposta do PS, "não são permitidos planos parciais ou específicos nem programas que visem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.°, salvo quando elaborados e aprovados nos termos dos n.ºs 1 a 4". Isto é, um plano parcial, mesmo que se trate da concretizão da proposta de lei das GOP's, tem de ser elaborado nos termos dos n.ºs 1 a 4...

O Sr. Presidente: - Fundamentalmente tem de ser precedido de estar de acordo com opções do plano aprovadas pela Assembleia da República.

O Sr. Custa Andrade (PSD): - Então não seria "salvo quando elaborados e aprovados", mas "salvo quando se adequem, quando sejam desenvolvimento..."

O Sr. Presidente: - Se o problema é esse depois veremos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vamos fazer uma lei para justificar estes "planozinhos"?

O Sr. Presidente: - Não, mas os planos têm de ser a execução parcial de um plano global. Isso não nos choca, mas não queremos que a Assembleia seja

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expurgada de uma competência que para nós é regra fundamental.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio ser essa a questão central e as questões de redacção são perfeitamente secundárias. É evidente que a norma poderia estar escrita dizendo que os planos parciais ou específicos e os programas que visem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.° serão aprovados nos termos dos n.ºs 1 a 4.

O Sr. Presidente: - Depois veremos a redacção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É igual tendo, no entanto, um carácter menos excepcionante, um carácter menos limitativo.

O Sr. Presidente: - Parece que estamos de acordo com os princípios. A Assembleia não pode ser colocada à margem dos planos parciais quando lhe compete aprovar as opções do plano. Depois veremos qual a redacção.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Foi por isso que coloquei a questão e penso que o Sr. Deputado Almeida Santos já esclareceu.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E penso que isto já está na linha de uma certa ponderação possível.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente permitir-me-á uma interrogação porque o fio foi truncado. Suponho que subjacente a esta ideia está o mesmo modelo de repartição de competências que neste momento vigora, embora não seja respeitado. O Governo tem as suas competências e a Assembleia da República tem as suas competências. O Governo não perde por isto qualquer das suas competências próprias. Portanto, não há nenhuma alteração que implique destruir o artigo 202.° ou esvaziá-lo neste campo.

Creio que isso é fundamental e o contrário não pode ser assumido em relação à Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há duas questões a colocar: a questão da competência dos órgãos, nomeadamente da Assembleia da República, e a questão do modo de processamento para apurar e actualizar essa competência. Independentemente de outras questões, suscita-se desde logo, a dúvida em relação a este segundo problema. Tal como está, a proposta do PS parece-nos pelo menos equívoca, isto é, comporta dois sentidos, um dos quais é o de que qualquer plano parcial teria de ser elaborado e aprovado nos termos dos n.°s 1 a 4 (o que não significa "em desenvolvimento", "em implementação", "em execução" ou "em conformidade") - e, se a interpretação fosse essa, significaria desde logo repetir para cada plano parcial umas GOP's parciais. Essa parece-nos ser uma interpretação possível da proposta do PS; se fosse esse o seu conteúdo, nunca poderíamos aceitá-la.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Queria dar apenas uma pequena achega. É óbvio que, quando são elaboradas as GOP's, se esses programas sectoriais já existem e já estão a ser implementados os seus fundamentos têm que ser levados à Lei das Grandes Opções do Plano. É evidente e sobre isso não se levanta nenhuma dúvida nem se suscita nenhuma hesitação.

Se na pendência da aplicação de uma Lei das Grandes Opções do Plano vier a ser adoptado um programa sectorial ou um plano sectorial ou um programa específico, a nossa proposta impõe que se leve à Lei das Grandes Opções do Plano as traves-mestras desses mesmos planos sectoriais ou desses programas específicos. O que pressupõe o aditamento à Lei das Grandes Opções do Plano de norma habilitadora desses planos sectoriais ou desses programas específicos. Não sei se me fiz entender.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isto é, o novo plano parcial, mesmo que de implemento das GOP's, implicaria...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não; não. Se é de implemento das GOP's, não é necessário porque já lá está contido. O que está aqui em causa é um plano inovador, um plano sectorial inovador ou programa específico inovador, não contido nas GOP's.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há-de concordar que a redacção...

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas esta questão é importante porque, obviamente, está em causa a unidade do sistema de planeamento e c isso que se pretende salvaguardar e não retirar competências ao Governo quanto à aprovação dos planos. Essa competência de aprovação dos planos continua a ser do Governo e exclusivamente do Governo. Não são os planos que vêm à Assembleia da República; são as Grandes Opções desses planos sectoriais, na medida em que não estejam contidas na Lei das Grandes Opções do Plano, que têm de ser trazidas a esta lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que a precisão introduzida pelo Sr. Deputado António Vitorino é extremamente importante e designadamente a última cláusula que utilizou, "na medida em que não estejam contidos", porque isso obriga a pensar em termos razoáveis o que devem ser as GOP's, obriga a enriquecer o seu conteúdo, obriga a preencher os silêncios ou certas omissões que não podem traduzir-se em espaços de decisão furtados à Assembleia da República.

Perguntava ao Sr. Deputado Costa Andrade se não entende que, por exemplo, uma opção como a opção nuclear é suficientemente importante para ser ponderada e evidentemente assumida pela Assembleia da República. É preciso encontrar um meio institucionalmente adequado, apto, à tomada dessa opção, não em termos de aprovação do Plano Energético Nacional (PEN) pela Assembleia da República linha a linha, mas no sentido de que o PEN não seja expressão de uma posição exclusivamente assumida governamentalmente

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quando as suas implicações são as que todos conhecemos. Como é que configura, por exemplo, a questão da opção nuclear? De duas, uma: ou ela se encontra contida num determinado passo de um determinado documento cujo nome é GOP's ou então haverá de se encontrar uma forma de permitir à Assembleia uma intervenção e ao Governo uma especificação. Isso não fere a repartição normal de competências entre o Governo e a Assembleia, mas exige uma precisão. Não concorda?

O Sr. Cosia Andrade (PSD): - É evidente, Sr. Deputado, que uma questão como essa não colide com a nossa proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é com a vossa proposta, e com a do PS.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - A nossa proposta de artigo 91.°-A admite perfeitamente a possibilidade de a Assembleia da República se pronunciar sobre tal matéria. O que a nossa proposta poderá dizer é que não será nas grandes opções de um plano, mas nas grandes opções dos planos. Não admito que nas grandes opções dos planos de desenvolvimento económico e social se possa furtar a questão energética e a questão do nuclear.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nisso incluíram o PRO.DES.RE.DI., o PEN, o Plano Rodoviário, o Plano das Telecomunicações...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não estamos a fazer governação, estamos a rever a Constituição e, portanto, a definir o travejamento, tal como o entendemos, das grandes opções dos planos de desenvolvimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faríamos agora o intervalo para o almoço e recomeçaríamos às 15 horas e 30 minutos com o artigo 94.°-A.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Antes de entrarmos no debate da matéria, gostaria de pedir aos serviços de apoio para nos dizerem qual é o grau de atraso das actas das reuniões. Se for muito grande, teremos de propor o reforço do pessoal de apoio.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Antes de propriamente se entrar na substância da matéria, gostaria de dizer que tive conhecimento de que numa reunião da comissão (presumo que na de ontem), numa altura em que me encontrava ainda no estrangeiro em viagem de carácter político, foram feitas referências a um artigo que publiquei no "Semanário". Por conseguinte, gostaria de pedir, através do Sr. Presidente, aos serviços que me fosse facultada o mais cedo possível a acta dessa reunião, para que me possa pronunciar, se o entender, sobre a substância das referências feitas ao artigo que escrevi.

O Sr. Presidente: - Pedia aos serviços que dessem prioridade à acta da última reunião para poder ser fornecida ao Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Refiro-me ao que foi dito ontem, mas é evidente que posso pronunciar-me sobre o que vai ser dito hoje.

O Sr. Presidente: - A fogueira reacender-se-á certamente, mas não agora; só no momento em que o Sr. Deputado tomar conhecimento das afirmações.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que é um sistema possível, mas, como a declaração política produzida pelo PS e o debate que se originou a partir desse facto resultam de posições que foram assumidas por todos os interlocutores naquela circunstância, porque era apropriada, e que são susceptíveis de ser ditas em qualquer sítio, evidentemente face a face, o que teria sido a situação preferível e que só não foi possível por ausência do interessado. Isso, como se sabe, entre nós não inviabiliza o debate político.

É evidente que pela nossa parte não há inconveniente algum em repetir - não digo palavra a palavra porque isso seria excessivamente moroso - o conjunto de observações feitas.

O Sr. Presidente: - Há inconveniente devido ao Presidente em exercício. Hoje não há PAOD. Depois se discutirá isso fase à reacção do Sr. Deputado Pacheco Pereira. Haverá naturalmente o direito de réplica.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Corrobo essa posição, pois quero referir-me às declarações que foram feitas ontem.

O Sr. Presidente: - Aliás, devo dizer-lhe que foi ressalvada a circunstância de as declarações serem feitas na sua ausência e, portanto, aqueles que intervieram tiveram consciência de que o faziam numa oportunidade que consideraram inadiável, mas tendo também em consideração esse facto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Evidente que estou de acordo, nem poderia discordar, uma vez que se trata da vontade dos próprios e, de resto, é evidente que esse debate poderá ser tido a propósito do passado e poderá ser tido a propósito do futuro. Como se trata de um conjunto de opiniões emitidas em folhetim e como o folhetim terá provavelmente um terceiro episódio, na próxima semana estaremos em condições de discutir, já não apenas o primeiro e o segundo episódios, mas até já um terceiro, o que só enriquecerá a discussão.

O Sr. Presidente: - Aguardemos também o segundo folhetim.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que não me pronuncio sobre o assunto sem ver a acta da reunião anterior.

O Sr. Presidente: - Queria, portanto, pedir o favor aos serviços de anteciparem, podendo, a acta da reunião de ontem para podermos facultar cópia ao Sr. Deputado Pacheco Pereira e aos restantes elementos da Comissão.

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Vamos agora debater o artigo 94.°-A. A proposta do PS é relativa à consagração constitucional de um Conselho Económico e Social (CES) por substituição parcial do Conselho Nacional do Plano. Trata-se da sua definição a nível de pré-consulta e concertação no domínio das políticas económica e social e das demais funções que lhe sejam atribuídas por lei. O deferimento à lei da incumbência de definir a composição do Conselho a partir de um mínimo, que seria a inclusão de representantes do Governo, das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas, das regiões autónomas e das autarquias locais e ainda o deferimento à lei da organização e funcionamento do Conselho Económico e Social, bem como o estatuto dos deus membros e a eficácia das respectivas deliberações.

A justificação está mais do que feita em resultado das considerações anteriores e entendemos que o Conselho Nacional do Plano só por si não justificou o peso e o custo que tem,. A sua eficácia foi mínima e, sobretudo dada a relevância que a concertação económica assumiu, justifica-se neste momento a sua substituição por um Conselho Económico e Social como órgão de consulta e concertação nos domínios das políticas económica e social e ainda as demais funções que a lei resolva atribuir-lhe.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, também propomos no nosso projecto de revisão a substituição do Conselho Nacional do Plano por um Conselho Económico e Social, à semelhança do que faz o PS.

Só nos sobram dúvidas quanto à necessidade e à eventual racionalidade, do ponto de vista da economia do texto constitucional, da criação de um artigo autónomo para o Conselho Económico e Social, sendo certo que para o Conselho Nacional do Plano tal não existia. Era aliás, uma estrutura mais pesada e, de certa forma, com outro relevo que não o do Conselho Económico e Social, onde existia apenas a fórmula "sendo a organização e funcionamento deste definidos por lei", fórmula que retomamos na nossa proposta, sendo também certo, de resto em função de acordos a que já chegámos em relação ao artigo 94.° quanto à intervenção das autarquias, das regiões autónomas, dos representantes dos trabalhadores e das actividades económicas e mesmo da hipótese de acordo em relação aos representantes das actividades profissionais, que a configuração do Conselho Económico e Social não poderá andar muito longe da proposta que o PS faz. As coisas, pela sua natureza, não podem afastar-se muito disto. Deixamos, pois, esta dúvida, que apenas contende com a extensão a dar ao Conselho Económico e Social do ponto de vista do texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Muito bem, também não estamos, como calcula, rigidamente aferrados à ideia de um artigo autónomo. Estamos dispostos a discutir o problema com todos os partidos, mas realço o facto de haver da vossa parte uma sintonia básica com a nossa proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de colocar uma pergunta ao PS. O PS não deixa inteiramente

clara se esta nova figura tem (além da função substitutiva daquilo que a Constituição estabelece quanto ao planeamento) funções de absorção de outras estruturas, designadamente do Conselho Permanente de Concertação Social, ou se o PS ao encarar esta figura a encara em termos de coexistência com outras estruturas, fazendo-se uma repartição de competências em função de uma diferente definição em termos legais. A partir de uma distinção uma das estruturas estaria consagrada constitucionalmente e a outra ou outras estruturas estariam apenas consagradas em sede de lei ordinária. Não é um sistema impossível. No entanto, não me parece ter sido aduzida, até agora, informação rigorosa sobre as implicações, não digo só os fundamentos, de uma proposta concebida nestes termos, uma vez que o texto refere explicitamente que o CES seria o "órgão de consulta e de concertação no domínio das políticas económicas e social" ainda se admitindo a hipótese de aditamento de funções por via de lei ordinária. Órgão totalmente substitutivo ou órgão parcialmente substitutivo? Unicidade consultiva e concertacional ou pluralidade consultiva e concertacional?

O Sr. Presidente: - Quando nós incluímos na composição mínima as organizações representativas dos trabalhadores, as organizações representativas das actividades económicas, as regiões autónomas e as autarquias locais, a nossa ideia era que pudéssemos integrar as actividades de concertação económica no quadro do Conselho Económico e Social que teria a dignidade de um órgão constitucional, o que não e o caso do Conselho Permanente de Concertação Social. Transformaríamos o que agora é provisório e experimental em algo de tão definitivo que só poderia ser alternado daqui a 5 anos.

Esse é o nosso ponto de vista, mas também aí estamos abertos à consideração do peso das razões contrárias.

Deveria ser um órgão múltiplo com dignidade constitucional e que fosse a sede das actividades de concertação social, sendo além disso substitutivo do Conselho Nacional do Plano.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Gostaria de precisar o sentido da nossa posição em relação a esta matéria.

Na minha intervenção, não passaram despercebidos o significado e a densidade do Conselho Económico Social na proposta do PS, designadamente no que toca à consulta e concertação, mas naturalmente que a nossa predisposição para a aceitação da substância da proposta, de resto com a limitação que eu próprio expressei em relação ao próprio texto constitucional, era no sentido de que neste Conselho Económico e Social se trataria apenas da participação na elaboração do Plano, a que o projecto do PS se refere no seu artigo 94.°, n.° 4. Segundo o articulado proposto pelo PS, a participação na elaboração dos planos faz-se nomeadamente, no quadro e por intermédio do Conselho Económico e Social.

O Sr. Presidente: - A referência à concertação pareceu-me ter, da vossa parte, uma certa receptividade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É no sentido de desfazer essa dúvida que intervenho. Na medida em que

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há uma sobreposição significativa da nossa proposta à proposta do PS, quanto à substituição do Conselho Nacional do Plano pelo Conselho Económico e Social, haverá apoio da nossa parte. Quanto a integrar também do Conselho Económico e Social outro tipo de funções, designadamente a concertação, que é uma novidade, mesmo do ponto de vista do PS, em relação ao artigo 94.°, nós teremos de sobrestar nessa posição na medida em que traduz um conteúdo novo quer em relação à nova proposta quer em relação ao próprio sentido da proposta do PS.

O Sr. Presidente: - Portanto, não há uma oposição clara e definitiva, neste momento. Há uma disponibilidade para reflectir sobre o tema.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E julgo que o próprio PS também não tem ideias muito claras.

O Sr. Presidente: - Só que a vossa posição é o contrário. Estamos dispostos a recuar, se for necessário, e VV. Exas. estão dispostos a avançar, se for conveniente. Mas nós já fomos até ao ponto de atribuir a este Conselho Económico e Social um papel no plano da concertação. Pode não substituir o Conselho Permanente de Concertação Social.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não estávamos preparados para dar esse passo.

O Sr. Presidente: - Poderemos ver, mas mesmo assim pode ter funções diferentes neste domínio. A nossa ideia é que substitua o Conselho Permanente de Concertação Social.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isso é importante para prepararmos uma resposta.

O Sr. Presidente: - Caso contrário, teremos duas instâncias e recurso, o que será complicado. Mas também não é impossível que haja uma primeira e uma segunda instâncias de concertação social ou uma instância definidora das generalidades da concertação, sendo depois as decisões em concreto transferidas para um órgão menos pesado. Tudo isso é possível mas, de qualquer modo, a nossa ideia é que este Conselho tenha algo a ver com esta matéria e por isso fizemos referência à concertação.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Pessoalmente penso que a proliferação de conselhos é um factor bloqueador da existência desses mesmos conselhos. A lógica de um Conselho Económico e Social é desde logo, na proposta do PS, como já foi dito, a de substituir o Conselho Nacional do Plano e, por exemplo poder vir a substituir o Conselho Nacional de Rendimentos e Preços, que não sei se ainda existe formalmente na lei, mas que na prática não tem tido qualquer relevância concreta.

A composição que o PS propõe para o Conselho Económico e Social é uma composição diversificada no elenco preliminar que damos no artigo 94.°-A. Mas, na possibilidade de integrar o Conselho de Concertação Social no Conselho Económico e Social, tal facto não impõe a alteração da natureza tripartida da Concertação Social, ou seja, a composição que vem referida no artigo 94.°-A, falando de representantes do Governo, das organizações representativas dos trabalhadores, das organizações representativas das actividades económicas, das regiões autónomas e das autarquias locais, é um elenco abrangente referido na óptica do Conselho Económico e Social no seu globo. A integrar-se, eventualmente, no âmbito deste Conselho, as tarefas da concertação social, sempre teria que haver uma secção especializada de concertação social, à parte, distinta do conjunto do órgão Conselho Económico e Social e nessa secção da concertação social só teriam lugar os representantes do Governo e das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas. Não faria sentido integrar numa secção de concertação social do Conselho Económico e Social representantes das regiões autónomas ou representantes das autarquias locais cuja participação no Conselho Económico e Social é feita na óptica da concertação económica e na óptica do plano e não, nunca, na óptica específica da concertação social. Portanto, mesmo na versão que abrimos de integrar o Conselho de Concertação Social no âmbito do Conselho Económico e Social sempre haveria que preservar a autonomia específica das tarefas da concertação social dentro do próprio conselho e restringir a essa secção de concertação social a mera representação tripartida - Governo, trabalhadores e patronato - sem admitir representantes de entidades estranhas a esse triângulo da concertação social. Como disse, no entanto, o Sr. Deputado Almeida Santos, todas as soluções estão abertas e são susceptíveis de ser equacionadas, pelo que apenas gostaria de precisar que este elenco é para o mais, o que não significa que este elenco de representantes de diversos interesses tivesse de estar presente em todos os momentos e em todas as instâncias do funcionamento do Conselho Económico e Social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que estas clarificações são importantes. O Sr. Deputado António Vitorino acaba de equacionar algumas das principais dificuldades decorrentes da opção para que o PS apontou e que de resto não estão salvaguardadas na proposta que apresentou. Este conjunto de observações e preocupações que o Sr. Deputado António Vitorino acaba de enunciar são um desenvolvimento, uma especificação e, digamos, até um aperfeiçoamento da proposta do PS visando colmatar ou pelo menos prevenir aquilo que poderia ser uma das vulnerabilidades principais decorrentes do teor originário e de resto actual da proposta que o PS apresentou.

A experiência dos conselhos económico e sociais é conhecida. Não trarei aqui, nesta sede e neste momento, qualquer tentativa de arrolamento de conclusões sobre o funcionamento desses órgãos e sobre génese desses órgãos que nos países em que existem não tiveram qualquer perspectiva de transformação social ou qualquer perspectiva de alteração de ordens estabelecidas, mas, pelo contrário, até do seu reforço.

Em Portugal as condições de instituição do Conselho Económico e Social, ou qualquer figura deste tipo, serão naturalmente distintas. Permitam-me tão só algumas reflexões. Primeiro, é uma evidência que há enormes pontos de contacto entre o actual Conselho Económico e Social francês e o actual Conselho Nacional

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do Plano português. Se há algum paralelo a estabelecer, esse paralelo estabelece-se mais facilmente entre o CNP português e o Conselho Económico e Social francês, por exemplo, do que entre o Conselho Económico e Social Francês e o Conselho Permanente de Concertação Social. Desde logo porque o Conselho Permanente de Concertação Social tem uma composição puramente tripartida, Governo - sindicatos - patrões, enquanto o Conselho Económico e Social e o CNP são estruturas de representação bastante mais vasta, diferenciada envolvendo inclusivamente estruturas de base territorial. Essa representação de zonas geográficas é expressão de um princípio geral de participação com fundamentos, caracterização e fins bastante distintos de uma estrutura (qualquer que seja o juízo que façamos sobre ela) em que se encontram em qualquer título e com qualquer estatuto patrões e assalariados.

Portanto, o ponto de partida nesta estrutura para que o PS agora aponta é mais um ponto de vista globalizante, isto é, não puramente económico com uma diferenciação e conglobação de pontos de vista, de ópticas, de interesses, etc., etc., e não estritamente laborista ou do universo económico, entendo-o como assentando raízes na empresa.

Sucede que há, no entanto, um ponto de contacto e até alguma confusão de funções entre o nosso Conselho Nacional do Plano e o nosso Conselho Permanente de Concertação Social. Por vicissitudes da nossa vida política, os dois conselhos têm intervenção e participação no estabelecimento de programas e de elementos de planeamento económico. Curiosamente até bem pode dizer-se que neste momento o Conselho Permanente de Concertação Social tem intervenção em todos os planos realmente existentes, nos planos que decidem, e o CNP não a tem. Por uma distorção acumulada ou por sucessão de distorções que foram produzindo efeitos acumulados é ao Conselho Permanente de Concertação Social que acabam por ser submetidas as principais opções que pressupõem, de resto, afectação de recursos financeiros enquanto que o próprio processo de apreciação pelo CNP das GOP's está degradado designadamente por falta de perspectivação da componente financeira uma vez que o CNP não aprecia o O.E. nem aprecia as opções orçamentais para dar cobertura financeira efectiva às verbas indicadas ou estabelecidas pelo Plano.

É necessário fazer uma opção que trave, ou que ao menos não permita a expansão desta tendência para uma dualização perversa. O Conselho Permanente de Concertação Social está menos pensado para intervir nas questões de planeamento económico tomado como tal. Se virmos as próprias normas enquadradoras de funcionamento do Conselho Permanente de Concertação Social, nem sequer encontraremos as expressões "plano" ou mesmo "planeamento" com P ou p para retomar os termos do debate de há pouco e é necessário fazermos alguns esforços hermenêuticos para se entender e admitir que o órgão participa nos planos (com letra minúscula).

Por outro lado, questão do posicionamento das estruturas que os Srs. Deputados querem criar não é despicienda. O PS propõe que o Conselho intervenha com as competências que constam da proposta respectiva, o artigo 94.°-A -, mas é, curiosamente, bastante omisso quanto ao posicionamento do Conselho. Em que sede ficará inserido? Sabemos que o Conselho Permanente de Concertação Social, por exemplo, não passa de um órgão consultivo do Governo, como tal encontra-se definido na legislação de enquadramento. Como é que vêem o Conselho Económico e Social?

O Sr. Presidente: - Repare que fica no artigo a seguir aquele em que é mencionado pela primeira vez.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não era essa a questão que colocava, Sr. Presidente. Queria saber se fica posicionado junto da Assembleia da República como órgão independente gravitando na sua esfera ou se a Constituição seria omissa quanto a esse aspecto. Tudo menos ser um órgão dependente do Governo!

O Sr. Presidente: - Neste momento a nossa proposta é omissa. Evidentemente que podemos cá pôr isso ou deixá-lo para a lei ordinária. Mas pareceu-nos que isso poderia levantar graves problemas de acordo entre os partidos. Colocá-lo na dependência da Assembleia é condená-lo a não funcionar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o Sr. Presidente entende que, por exemplo, um posicionamento equiparado àquele que o Conselho Nacional do Plano tem neste momento seria tolhedor, asfixiante?

O Sr. Presidente: - O Conselho Nacional do Plano, no meu entendimento, e custa-me muito dizer isto, não tem sido nada de significativo. Estar na dependência de A, de B ou de C teria sido irrelevante. Portanto, a dependência é de certo igualmente irrelevante neste caso. O que é irrelevante não se torna relevante por depender de alguma coisa. Este é o meu ponto de vista. Mas estou a referir-me a uma experiência, não estou a referir-me à concepção.

É um problema a discutir. Não seríamos contrários a que ele dependesse da Assembleia. No entanto, temos medo de que isso mate a sua relevância e o seu funcionamento, mas veremos. O órgão de administração geral do País é o Governo. Não sei se a concertação terá algum sentido se ficar na dependência da Assembleia das República, como órgão independente do Governo, que seria apenas um parceiro em pé de igualdade com os demais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, muito obrigado. O regime francês na Ordonnance 1360 n.° 58 o Conselho Económico e Social surge definido da seguinte forma: "O Conselho Económico e Social é, junto dos poderes públicos, uma assembleia consultiva". Nada mais.

O Sr. Presidente: - Isso também não diz nada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Entre nós esse vogar no ar seria de qualquer das formas sempre preferível a uma governamentalização. Emito este juízo em primeiras núpcias, evidentemente...

O Sr. Presidente: - Talvez pudéssemos dizer algo parecido com isso. Tenho receio de que, se nos envolvermos numa discussão sobre isso, matemos a consagração do próprio Conselho Económico e Social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não creio que possamos adiantar nesta sede o que quer que seja nessa

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matéria. É evidente, porém que a consagração do Conselho em condições que permitam a sua governamentalização mata-o à nascença. É um prognóstico ou um juízo que pela minha parte posso fazer. Creio que não valeria a pena, pois seria muito arriscado arriscar esses testes no terreno porque então a criação de um conselho dependente, governamentalizado, no plural, ou condicionado, prejudicaria qualquer intenção por mais virtuosa que fosse e degradaria aquilo que se reclama de ser uma operação de substituição de um ramo morto por um ramo vivo. O argumento do PS é: "o CNP falhou", "o CNP falhará, embora tenha uma inserção que o posiciona junto da Assembleia da República", "o CNP é absolutamente insusceptível de qualquer vitalidade, substituamo-lo por um órgão susceptível de ter vitalidade". Se seguidamente plantar um órgão novo num terreno que à partida o condena porque é um terreno razoavelmente salgado, mau será! A criação de um Conselho Económico e Social como órgão de consulta governamental é em si mesma uma contradição e devo dizer que o é porque, como se sabe, o planeamento não é um fenómeno governamentalizado, é um fenómeno em que há uma intervenção dual, mais do que dual, há uma intervenção em termos de órgãos de soberania de vários órgãos de soberania incluindo o Presidente da República, embora com as competências conhecidas, e há uma intervenção de outras estruturas de poder incluindo os órgãos de governo próprio das regiões autónomas. Portanto, o planeamento é tudo menos uma coisa que diga respeito ao Governo, é tudo menos um coisa em que o Governo tenha mais do que a sua competência inicial e a sua competência de execução.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou a ouvi-lo com muito interesse, mas repare que ambos podemos ter a mesma preocupação. Eu disse que se o colocarmos na dependência da Assembleia será a morte à nascença V. Exa. disse que se o colocarmos na dependência do Governo é a morte à nascença. Isto já prova a dificuldade.

Por outro lado, V. Exa. disse "consulta governamental?" Eu respondi: "consulta da Assembleia da República em matéria administrativa?". Como vê, não é fácil. Melhor é que deixemos isto para a lei ordinária, se bem que, ao deixá-lo para a lei ordinária, estejamos indirectamente a colocá-lo debaixo do Governo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só que VV. Exas. não propõem nenhuma lei parconstitucional...

O Sr. Presidente: - Se pretendemos estabelecer um verdadeiro Conselho Económico e Social, creio que a melhor maneira de ele funcionar eficazmente é não o colocarmos na dependência da Assembleia.

O Sr. Deputado António Vitorino tinha pedido a palavra e eu interrompi-o.

O Sr. António Vitorino (PS): - O ponto de vista do Sr. Deputado José Magalhães não tem razão de ser.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que, tendo eu enunciado a pergunta e feito, digamos, a malha de problematização, tudo o que seja procurar-se aprofundar isso é positivo. Nesse sentido, eu terminaria a intervenção e o Sr. Presidente assumiria a palavra para abordar os outros aspectos.

O Sr. Presidente: - Quando dizemos que a lei definirá a competência, a organização e o funcionamento, aí imediatamente estará definida a dependência do Conselho Económico e Social, como é óbvio. Portanto, não faria sentido que disséssemos, antes de sabermos como vai ser constituído ou qual vai ser a sua competência, de que é que ele deveria depender. Isso seria "pôr o carro à frente dos bois".

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - A questão que o Sr. Deputado José Magalhães coloca pode colocar-se mutatis, mutandis nas mesmas circunstâncias em relação ao Conselho Nacional do Plano. A Constituição também não diz, no artigo que consagra ao Conselho Nacional do Plano, de quem é que este depende, se da Assembleia da República ou se do Governo. Diz apenas que haverá um Conselho Nacional do Plano, com as competências previstas e com a composição que a lei definir.

Portanto, o esquema que o PS adoptou para a definição do Conselho Económico e Social é simétrico ao esquema que a Constituição já hoje consagra para o Conselho Nacional do Plano. E é tão simétrico que o PS e o PSD, convergentes relativamente a este aspecto, também adoptaram a mesma solução quanto a um indício de dependência institucional.

Não me refiro a uma dependência propriadamente dita mas, sim, a um indício de dependência, na medida em que o PS, no artigo 166.° do seu projecto, prevê que a Assembleia da República eleja, por maioria de dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, o Presidente do Conselho Económico e Social, em paralelismo integral com o que hoje o texto constitucional consagra quanto à eleição do Presidente do Conselho Nacional do Plano.

De igual forma, o PSD, no seu projecto de revisão constitucional, artigo 166.°, alínea h), prevê que compete à Assembleia da República eleger, por maioria de dois terços dos deputados presentes desde superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, o Presidente do Conselho Económico e Social.

Portanto, a questão da dependência é aparentemente uma falsa questão porque o quadro institucional em que o PS e PSD inserem a proposta de criação do Conselho Económico e Social é, sob este ponto de vista, o mesmíssimo quadro institucional que hoje a Constituição consagra quanto ao Conselho Nacional do Plano.

Penso que o mesmo debate acerca das dependências institucionais é, em certa medida, estéril. E isto porquê? Porque o problema que aqui está em causa é o de saber se um órgão de consulta como o CES, que na versão do PS é pouco mais que um órgão de consulta porque é também um órgão de concertação de políticas económicas e sociais, tende ou não a transformar-se numa segunda câmara no quadro do sistema político global ou se, pelo contrário, é uma instância que tem funções polivalentes.

O que é que quero dizer com isto? Quero dizer que considerar o Conselho Económico e Social (CES) pendurado na natureza, sem dependências institucionais,

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é avançar para uma concepção que confere a esse conselho um papel de segunda câmara sem competências de natureza política propriamente ditas, mas com vocação de representação de interesses económicos e sociais.

Outro modelo possível é conceber o CES como um órgão que está na encruzilhada do diálogo, em matéria económica e social, entre o Governo e o Parlamento, e, portanto, dependente do Governo e do Parlamento ou, se quisermos, vice-versa. Porquê? Porque não é um órgão accionável apenas por uma das instâncias mas, sim, pelas duas. É um órgão accionável pela Assembleia da República porque esta tem que pedir, por exemplo, ao Conselho Económico e Social parecer sobre as Grandes Opções do Plano, e nesse sentido dependerá da Assembleia. Mas é também um órgão accionável pelo Governo na precisa medida em que lhe introduzimos, por exemplo, a componente da concertação social e também porque tem representantes do Governo e finalmente porque será um órgão onde o Governo suscitará a negociação dos acordos sobre rendimentos e preços entre parceiros sociais.

Com efeito, o Conselho Permanente de Concertação Social é hoje o autor do mais importante instrumento de planeamento económico que se chama Acordo sobre Rendimentos e Preços, o qual é, em grande parte, responsável pelos resultados obtidos em matéria de diminuição da taxa de inflação.

Ora, existirá variável macro-económica mais relevante do que a variável inflação? Onde é que ela resulta definida? Não no âmbito do Conselho Nacional do Plano, mas sim no do Conselho Permanente de Concertação Social, através da celebração dos denominados Acordos sobre Rendimentos e Preços.

Portanto, se o Conselho Económico e Social, na concepção que pessoalmente tenho dele, tiver a vertente planeamento que já referi e tiver também a vertente concertação social, será um órgão polivalente, com várias vocações, será uma instância de encontro e de entrecruzar de políticas económicas e sociais, accionável pela Assembleia da República na esfera de competências próprias da Assembleia, accionável pelo Governo na esfera de competência própria do Governo e, consequentemente, o problema da dependência institucional deixa em última instância de fazer sentido.

O problema da dependência parece-me, por isso, ser uma falsa questão, uma questão estéril. Nem sequer é a questão determinante para a caracterização da própria natureza do órgão que se pretende criar. Pelo contrário, o PS propõe que um mínimo de clarificação institucional do Conselho Económico e Social seja integrado na Constituição, ao prever que o respectivo presidente seja eleito por dois terços dos deputados na Assembleia da República.

Na verdade, o presidente é uma entidade coordenadora do funcionamento do Conselho. Não é pelo facto de a Assembleia eleger por dois terços o presidente do CES que resulta inelutavelmente que este órgão esteja dependente em exclusivo da Assembleia da República, na medida em que no conselho também estarão representantes do Governo e, na concepção do PS, desempenharia funções por iniciativa do Governo, designadamente em matéria de concertação social e em matéria do Acordos sobre Rendimentos e Preços.

Portanto, julgo que afunilar o debate relativo à criação deste Conselho para a questão da dependência institucional traduz-se numa visão redutora da polivalência que o próprio órgão pode e deve ter.

Outra questão diferente é a de saber se instâncias deste género não acabam por ter uma vocação substitutiva, em áreas relevantes, do papel das assembleias políticas. Essa é naturalmente uma questão de fundo, é uma questão que tanto se pode colocar em relação ao CES, como se coloca já hoje em relação ao Conselho Nacional do Plano, como se pode também colocar relativamente ao Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS).

Suponhamos por exemplo, que a Assembleia da República tinha que discutir um "pacote laboral" onde houvesse unanimidade no CPCS, e num cenário destes é forçoso reconhecer que a assembleia política teria uma esfera de intervenção substancialmente diminuída, sob o ponto de vista político, se uma iniciativa legislativa de um qualquer Governo viesse acompanhada da chancela unanimista de um órgão como o Conselho Permanente de Concertação Social.

Mas esse é o tipo de problemas que não são susceptíveis de serem resolvidos através de soluções institucionais e que encerram uma dinâmica que comporta também vantagens para a vitalidade da democracia, permitindo uma certa pluralidade de formas de participação das instituições no debate político, evitando assim o afunilamento de todos os debates para uma única instância política.

Em conclusão, diria que a criação do CES é um risco que vale a pena correr pelas vantagens da pluralizaçâo das formas de participação das instâncias económicas e sociais na vida colectiva. O Parlamento não esgota a realidade da democracia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que seria pelo menos distorcedor que no momento que o PS apresenta esta proposta não fossem examinadas todas as suas implicações, que são muitas e bastantes melindrosas. Além disso, e sobretudo para que não haja em relação a esta matéria qualquer equívoco, uma vez que a posição do PSD acerca dela me parecia bastante equivocada.

Em primeiro lugar, não entendo que a questão do posicionamento deste órgão seja uma questão indiferente. Limitei-me a equacioná-la porque ela tem que ser equacionada.

Uma coisa era a discussão da problemática da inserção do CNP em 1976, outra é a que deve ser tida hoje. E entendo que seria bastante desavisado que não se tivesse em conta que, no presente contexto da revisão constitucional deste sistema político e do seu estado actual, deixar à lei ordinária uma opção desse tipo significa deixar a uma maioria determinada, por mais conjuntural que seja, a possibilidade de fazer uma opção que será inevitavelmente de pendor governamentalizante, salvo se for estabelecida uma solução razoável na própria constituição.

A solução razoável para que o Sr. Deputado António Vitorino pareceu apontar, embora depois se tivesse afastado dela rapidamente, foi precisamente a solução de encruzilhada. Por outras palavras, essa estrutura, a existir, qualquer que seja a sua ratio última e qualquer que seja a melindrosa articulação com o sistema de órgãos de poder tal e qual a Constituição os configura, poderia estar na encruzilhada entre um governo e a

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Assembleia da República, ou seja, poderia estar pareceu-me entender das suas palavras, não ligada especialmente a um órgão mas entre dois órgãos. Mas será assim?

Se for assim é necessário dizê-lo porque, de contrário, o Sr. Deputado António Vitorino arrisca-se, gloriosamente e cheio de razão, a votar contra uma lei ordinária que pura e simplesmente, poderá colocar o eventual Conselho Económico e Social exactamente no mesmo posicionamento que tem o Conselho Permanente de Concertação Social, que me permito considerar inadequado para um órgão com esta natureza.

Esse órgão nasceria com uma matriz e uma vocação de órgão de consulta do Governo, o que é uma aberração. Devo sublinhar que assim é, sobretudo se lhe atribuirmos as ambições que o PS atribui, ou parece atribuir, à nova figura. Esta criatura, segundo compreendi, não surge com a simples natureza de órgão de consulta governamental, tem outras ambições.

E mais: como o PS não é excessivamente específico acerca das suas atribuições e competências nem está excluído que a respectiva estrutura não pudesse ser chamada a dar pareceres, que nuns casos determinados, presume-se seriam obrigatórios - como todos os respeitantes ao planeamento -, noutros seriam facultativos, sobre projectos e propostas de lei.

Aliás, na intervenção que produziu o Sr. Deputado António Vitorino, mencionou como exemplo possível, e de resto bastante oportuno, a legislação laboral. O exemplo sugere que no espírito do candidato a legislador, como é o caso, há a ideia de que o referido Conselho poderia pronunciar-se sobre projectos de lei. Estes poderiam incidir nas mais variadas matérias, desde que elas possuem susceptíveis de serem conexionadas com as atribuições desse Conselho.

Admitamos que elas se situassem no domínio económico e social. Mas sabemos, também, que este domínio é algo suficientemente vasto para poder abranger, por exemplo, legislação sobre habitação, sobre cooperativas, sobre certas actividades relativas a transportes, ao ambiente, etc.. Portanto, a delimitação de águas, de competências e de fronteiras entre este conselho e outros conselhos existentes - não citei agora o ambiente por acaso porque realmente há um Conselho Nacional de Ambiente - pode ser difícil de concretizar. Pode, inclusivamente, haver casos em relação aos quais uma estrutura deste tipo fosse chamada a pronunciar-se também acerca de questões que estão a ser objecto de parecer de outros conselhos, e ele teria assim uma competência concorrencial.

Tudo isto é tanto mais interessante quanto além de projectos e de propostas de lei, o Conselho poderia ser consultado acerca de problemas como tais, sobre opções.

Na óptica que me pareceu estar subjacente às palavras do Sr. Deputado António Vitorino não estava nada excluído que por iniciativa de um órgão de soberania um dia um conselho deste tipo fosse confrontado com a seguinte questão: dar um parecer sobre a vida nos subúrbios dos grandes centros urbanos e sobre as bolsas de pobreza em Portugal. Não era impossível. Conheço, aliás, um notável relatório do Conselho Económico e Social francês sobre essa problemática, ou seja, a problemática da vida na periferia, nos grandes centros urbanos.

Imagina o PS, na sua óptica, que isto pudesse ser deste modo? Ou imagina outra coisa qualquer? Quais são os limites para o legislador ordinário nesta matéria? Porque, se a competência que lhe seja atribuída for tão ampla quanto isso, o risco é verdadeiramente a criação de uma segunda câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, obviamente que isso está fora das nossas intenções. Está fora de toda a cogitação criarmos um órgão de consulta da própria Assembleia relativo à feitura das leis, ou à discussão de problemas que não sejam objecto de actividade legislativa.

Isso está fora da nossa proposta. No nosso entendimento, o conselho em causa teria a função que em princípio está aqui definida. Evidentemente que poderíamos fazer uma segunda câmara, mas basta ler a nossa proposta para se verificar que esse aspecto está fora das nossas intenções. Não é o caso. O Sr. Deputado pode estar tranquilo que não será criada, com o nosso voto, uma segunda câmara designada por Conselho Económico e Social.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a minha preocupação resulta precisamente do facto de a proposta apresentada pelo PS ser susceptível de leituras múltiplas. Como ela é inespecífica nos seus contornos, salvo benfeitorias...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vale a pena engrenar em primeira e ir por aí acima até à estratosfera. No entanto, as suas considerações são sempre úteis.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, "até as piores considerações são úteis para realçar a beleza", salvo seja. Mas aqui não é esse o caso e a minha preocupação resulta daí.

O Sr. Presidente: - Salvo quando elas são feias...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, as mais feias considerações apenas sublinham a beleza. A questão é que o objectivo seja belo, e eu pretendia certificar-me da beleza ou fealdade do objecto em questão.

Como o PS não é o senhor do Universo, como a criatura nascida é susceptível de ser objecto de cirurgias múltiplas, e como, ainda por cima, neste caso concreto, nem seria nada e criada com o conspecto resultante da revisão constitucional mas, sim, com o conspecto resultante da parteira chamada legislador ordinário, das duas uma: ou se é muito específico na definição do objecto criado, ou o objecto a criar pode ser horrível. E nesse caso o PS está a ser pai não de uma linda criança mas de uma criatura susceptível de ter a configuração de segunda câmara. O Sr. Presidente não é dono da lei ordinária.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não vejo como é que com base na nossa proposta pudesse vir a existir uma segunda câmara.

O que depreendi da sua intervenção inicial foi o contrário: que o Sr. Deputado estava preocupado em fazer depender o referido conselho da Assembleia da República. Nós não vemos como um instrumento do Parlamento, embora como o Sr. Deputado António Vitorino

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já realçou a Assembleia eleja sempre, segundo o nosso entendimento, o presidente, aliás como já hoje acontece com o Conselho Nacional do Plano. A Assembleia não ficará inteiramente de fora, mas o Conselho não será apenas um órgão de consulta do Parlamento. Não se refere que este conselho é órgão de consulta apenas para o Governo. Também o pode e deve ser para os parceiros sociais que estão nele representados. Poderiam solicitar-lhe, por exemplo, um parecer acerca das novas taxas do imposto único!

V. Exa. chamou a atenção para aspectos que são importantes. Mas quando concebemos o desenho, a figura deste novo órgão, fomos, mais uma vez, sensatos e realistas. Apercebemo-nos de que, ele é mais ou menos aquilo que configurámos, ou então nunca será nada. E nós queremos que ele seja alguma coisa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, solicito a ligeira interrupção dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Srs. Deputados, se estivessem de acordo, suspenderíamos a reunião por algum tempo.

Pausa.

Está suspensa a reunião.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tínhamos procurado que o PS clarificasse e tentasse delimitar mais vigorosamente como concebe o órgão cuja instituição propõe, e eu tinha manifestado particular preocupação com o facto de o PS, independentemente das ideias que tem, se corresponsabilizar pela instituição de um órgão cuja delimitação, se não tem uma matriz constitucional explícita e rigorosa, seria feita pelo legislador ordinário - sendo, portanto, fundamental delimitar exactamente o figurino dentro do qual ele haverá de ter de fazer as concretas definições. E alertei para o facto de, no figurino possível, face à malha muito larga que caracteriza a proposta do PS, se poder compreender um Conselho com competências muito similares àquelas que o próprio Conselho Económico e Social francês tem. Isto é, competências de intervenção obrigatória, em relação àquilo que seja matéria de planeamento...

O Sr. Presidente: - Desculpe, V. Exa. não está a reproduzir, está apenas a fazer um resumo do que disse! Penso que já disse isso!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente.

Por outro lado, consultas sobre projectos de lei ou decretos - no caso francês - e de propostas de lei da sua competência; e, por outro lado ainda - aspecto que suscitou uma observação do Sr. Deputado Almeida Santos, há pouco -, a possibilidade de consulta sobre "todos os problemas de carácter económico ou social de interesse para a República" - é esta a precisa redacção. É evidente que há pouco aflorei isto, mas o que não obtive foi uma clarificação da parte do Sr. Deputado Almeida Santos - pode obviamente, entender não a dar. O Sr. Deputado Almeida Santos disse-me que nada mais alheio ao espírito com que o PS se moveu nesta área do que atribuir a este Conselho Económico e Social competência para se pronunciar sobre problemas - isto é, não sobre iniciativas legislativas, mas sobre questões delimitadas pela entidade que promove a consulta. E disse também: "não, isso nunca."

O Sr. Presidente: - Disse isso no quadro de um órgão de consulta da Assembleia da República. Foi assim que V. Exa. introduziu o problema - ser consultado sobre leis a fazer e até sobre outras matérias. Interpretei essa referência aos problemas no quadro da Assembleia da República, sendo a Assembleia o órgão consultante. É óbvio que, ao nível das entidades que venham a ter direito de consulta, seja o Governo, sejam o Governo e os parceiros sociais, então, claro que sim, desde que os problemas se insiram na órbita da competência do Conselho, ou seja, de matéria económica e matéria social. Isso é evidente. Quando eu disse "sobre problemas, nunca", era com o significado de ser um órgão de consultada Assembleia, de pronúncia sobre leis a fazer, etc.. Se são problemas que não são da Assembleia, não há a menor objecção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, foi precisamente por causa disso que insisti em alertar para quais são as competências, ou o perfil de competências concreto do modelo, aparentemente inspirador do PS, porque nada disso tem expressão na vossa proposta.

O Sr. Presidente: - Já dissemos isso. Nós usámos uma redacção muito próxima da do Conselho Nacional do Plano. A constitucionalização dos órgãos não deve ser tão espartilhada que o legislador ordinário fique sem margem de movimentação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria sublinhar que, independentemente de, em tese geral, ser sustentável que a Constituição não deva ser regulamentar, não deve, no entanto, ser desarmante. Se o PS aceita uma indelimitação da figura criada: quanto as atribuições e competências, primo; quanto ao posicionamento do ponto de vista institucional, secundo; quando à própria organização interna, isto é, quanto à própria composição e à organização interna - isso significa a devolução para o legislador ordinário de todo o poder nessa matéria e significa, portanto, que o PS não poderá sequer assumir o compromisso de que não se crie aqui uma segunda câmara - é o chamado compromisso impossível. Isto porque, como não delimita ou como não cria minimamente na norma constitucional as cautelas necessárias para impedir essa transformação, os poderes de circunstância poderão, evidentemente, conformar como entenderem...

O Sr. Presidente: - Já respondi a isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, V. Exa. disse isso, mas deixou sem resposta a objecção a isso. Obviamente, tem todo o direito disso. Já

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percebi, a questão é esta: se V. Exa. não delimita na Constituição que não seja uma segunda câmara, especificando as cautelas necessárias para que isso não aconteça...

O Sr. Presidente: - Nós não estamos a dar redacção final a nenhum artigo da Constituição. Já registámos as preocupações de V. Exa., já o tranquilizei quanto a esse aspecto. Estamos de acordo com V. Exa.: não será nunca uma segunda câmara. Portanto, não esteja preocupado. Se na fase da redacção parecer a V. Exa. que existe esse risco, eliminá-lo-emos. Será fechado, esteja descansado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Abordarei, então, o último aspecto, Sr. Presidente. Já tem sido sublinhado que o Conselho Permanente de Concertação Social é um órgão cuja matriz e cujas competências não o adequam para uma intervenção em matérias de planeamento; já sublinhei, dispensa reforço, que isso tem acontecido em relação às questões centrais. O Sr. Deputado António Vitorino pôs o dedo numa das mais essenciais feridas, ao sublinhar que é o Conselho Permanente da Concertação Social, e não qualquer outra estrutura, a pronunciar-se sobre as questões de rendimentos e preços. Ora bem: se assim é, a questão que o PS equaciona ao apresentar esta proposta, unicidade ou pluralidade, não ficou, quanto a mim, excessivamente esclarecida. Devo dizer que a entendo bastante nebulosa. O Sr. Deputado António Vitorino procurou adiantar e defender a proposta, sublinhando que obrigatoriamente, o Conselho Económico e Social configurado pelo PS, deveria conter no seu seio uma secção que, essa sim, ficaria investida dos poderes que hoje cabem ao Conselho Permanente de Concertação Social ou, pelo menos, dos poderes mais relevantes em matéria de preços, salários.

O Sr. Presidente: - Parece que V. Exa. está a discutir a lei ordinária.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente Almeida Santos, não estou a discutir a lei ordinária!

O Sr. Presidente: - Então queria que pusesse aqui: o Conselho Económico e Social terá uma secção para tratar disto e outra para tratar daquilo? O que é que nós dissemos? Definirá a organização e o funcionamento por lei. Não pode ser de outra maneira. Então a Constituição deverá descer ao pormenor de dizer quantas secções é que terá o Conselho Económico e Social?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, das duas uma: ou se estabelece - e não vejo nenhum sinal disso - uma indicação no sentido de que essa lei ordinária a nenhum título poderia fazer aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino equacionava como um perigo, ou seja, amalgamar numa estrutura, não apenas tripartida, como multivária, a discussão correlacionada com a questão de rendimentos e preços, ou o legislador ordinário fica livre de as estabelecer. Portanto, o Sr. Deputado Almeida Santos acaba por assumir uma espécie de "ida a meio caminho" - a partir de metade, o processo é inteiramente insusceptível de ser conformado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se for ter em conta todas as remissões da Constituição para a lei, encontra esse mesmo risco. Isto porque há matérias que cabem e devem estar na Constituição, e há matérias que não devem estar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estamos naturalmente a discutir opções que hão-se ter de ser detalhadas e praticadas em sede de lei ordinária.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. entender que, em sede de redacção, deve fazer uma proposta que salvaguarde esses seus receios, tomá-la-emos em conta, em função da redacção concreta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esta questão é diferente, Sr. Presidente. E é muito mais grave, porventura, ainda, do que essa.

O Sr. Presidente: - Já sei qual é segunda, e também estou de acordo em que é preciso acautelar esses aspectos, mas não podemos aqui pôr tudo. Penso que os órgãos paralelos a este não têm mais definição do que a que nós propusemos relativamente ao Conselho Económico e Social. Veja o Conselho Superior da Magistratura, veja esses órgãos todos, pesadíssimos, importantíssimos. Nenhum tem uma definição superior à que propomos salvo talvez quanto à composição, num caso ou noutro. Mais nada. Mas, em relação à composição, ainda fomos mais longe: tem se ter representantes de A, B, C e o presidente será eleito pela Assembleia da República.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria apenas levantar uma questão ainda relacionada com esta. Parece-me que, de facto, esta solução do Conselho Económico e Social é uma fórmula institucional interessante, e que, creio, híbrida entre uma solução democrática de natureza neo-corporativa, enquanto representação de interesses, e uma solução de representatividade territorial. Portanto, podemos dizer que este é um órgão consultivo, como uma representatividade de segundo grau, o qual não corre o risco, quer pela natureza da representatividade, quer pela natureza do poder vinculante que tem, de ser uma segunda câmara ou assim poder ser projectada.

Por outro lado, em termos de definição do órgão de consulta que serve, não sendo dito e sendo recusável a ideia de ser definido como um órgão de consulta específico da Assembleia ou do Governo, a resolução admissível, em termos de disposição constitucional e sem prejuízo de uma posterior regulação por lei, seria: ou um órgão de consulta dos poderes públicos, repescando uma terminologia que é usada no artigo 23.° da Constituição, quanto ao provedor de Justiça (sem grande tradição na Constituição portuguesa mas com grande tradição na espanhola, por exemplo); ou então, indo para a solução do artigo 274.°, n.° 2, respeitante ao Conselho Superior de Defesa Nacional - onde não se diz que esse órgão é um órgão de consulta de quem quer que seja, não sendo atribuível a entidade da qual ele seja o órgão consultivo, e se remete, em termos temáticos, para a natureza dessa consulta, solução essa que, nalguma medida, é a fórmula inicial que decorre

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do projecto apresentado pelo PS. Esta questão, tal como está apresentada, tem, assim, soluções similares em disposições já vigentes no próprio texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, seria capaz de precisar um aspecto, se ainda for possível e for considerado útil - naturalmente não posso forçar definições que o PS entende prematuras. O Sr. Deputado Costa Andrade, embora cauteloso e reticente, não deixou de aflorar algumas coisas que têm pairado no ar. Mas a questão relacionada com a unicidade ou a pluralidade mereceria, quanto a mim, alguma consideração adicional, porque é público e, designadamente, o presidente do Conselho Nacional do Plano tem exprimido publicamente a ideia de que este Conselho devia manifestar preocupações gerais e pronunciar-se sobre aquilo a que chama as linhas de desenvolvimento, a médio e longo prazo, inerentes ao planeamento ou às grandes opções do plano; e de que o Conselho Permanente de Concertação Social devia visar objectivos mais imediatos, de índole conjuntural, e devia procurar acordos que interessassem, basicamente, às associações sindicais e empresariais - esta declaração consta do jornal Semanário Económico, de 17 de Julho de 1987, mas não foi abandonada desde então. Não há, da parte do PSD, nessa matéria, uma posição clara; há da parte do PS, em relação aos fundamentos que presidem à proposta, alguma margem de aclaração possível, quanto à ideia da coexistência desta arquitectura com a arquitectura presente ou futura? Monopólio ou partilha?

O Sr. Presidente: - A esse respeito, já nos pronunciámos, no sentido de que não temos ainda uma posição definitiva. Em princípio, concebemos esta proposta no sentido de substituir o Conselho Nacional do Plano - isso é claro - e parece-nos que deveria ser, no mínimo, uma segunda instância, mas também pode ser uma instância única. E disse eu que, neste momento, não poderíamos ir além disso.

Quanto ao artigo 95.° - praticamente todos os partidos propõem a eliminação, à excepção do PCP que, para além disso, propõe a inclusão de um n.° 3, segundo o qual as regiões-plano terão por referência as regiões administrativas. Isto é, vira a regra actual ao contrário, ou seja: a imperatividade de "às áreas das regiões administrativas e das regiões-plano deverem ser correspondentes", mas com menção das regiões administrativas antes das regiões-plano. Agora, diz o PCP, as regiões-plano é que devem ter por referências as regiões administrativas. No fundo, é outra maneira de dizer que as regiões administrativas também terão, porventura, a competência de se pronunciarem sobre a elaboração do plano.

Entendemos que, se há algum domínio da planificação democrática que não teve a mínima tradução na realidade, são exactamente as regiões-plano. Nunca ninguém as quis constituir, não funcionaram e também nos parece que a descentralização do plano não tem necessariamente a ver com a regionalização territorial do País. É possível uma eficaz descentralização do plano, sem criação de mais fronteiras. Entendemos que a descentralização do plano deve ser feita por entidades, por serviços, não necessariamente numa base territorial.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Uma intervenção muito curta apenas para justificar brevemente a proposta do PSD, que é, também, uma proposta de eliminação do artigo 95.°, porque, também para nós, não há qualquer justificação para a manutenção deste artigo da Constituição. De facto, e como o Sr. Presidente acabou de acentuar, é diferente o conceito de descentralização do plano, do conceito de descentralização territorial, descentralização administrativa, e, nesse sentido, não compreendemos muito bem - fica já qui esta nota - a proposta do n.° 3 do PCP, tanto mais se atentarmos no facto de o projecto de lei sobre a matéria das regiões administrativas do PCP manter, praticamente, julgo que até sem qualquer excepção inalterados os limites dos actuais distritos. Não vemos muito bem como é que as regiões-plano poderiam corresponder - na eventualidade de ser sufragada esta proposta do PCP - às regiões administrativas. E só esta nota, que não queria deixar de fazer aqui. No fundo, nós também entendemos que a par da óbvia não conformação com a realidade deste artigo da Constituição o que importa é dar passos consequentes e efectivos no sentido da desconcentração de serviços técnicos que, nomeadamente, propiciem o apoio às autarquias locais e, eventualmente, às futuras regiões administrativas, no sentido de se poder fazer, de facto, uma evolução equilibrada do desenvolvimento em todo o território nacional. É esta a nossa posição em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para justificar a proposta e, ao mesmo tempo, responder às objecções que, antecipadamente, foram produzidas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta apresentada pelo PCP é uma proposta de flexibilização.

É evidente que a máxima flexibilização atinge-se quando se avança pelo caminho da supressão. Só que esse caminho envolve, ele próprio, alguns problemas e o enunciado da pergunta do Sr. Deputado Almeida Santos é um mar de problemas em si mesmo.

A nossa proposta continua o caminho que, na 1.ª Revisão Constituicional, foi encetado e é, pelo menos, incompleto, para não dizer inteiramente irrigoroso, fazer a leitura que o Sr. Deputado Miguel Macedo fez do artigo 95.°, desarreigada e desacompanhada da análise do disposto no artigo 256.° da Constituição, porque este artigo estabelece hoje, com carácter obrigatório, que as áreas das regiões administrativas e das regiões-plano devem ser correspondentes. Ressaltará aos olhos do intérprete, qualquer que ele seja, que esta disposição é a que resulta da 1.ª Revisão Constitucional, pois o texto originário da Constituição estabelecia que a área da região deveria corresponder às regiões-plano. Fazia-o de forma bastante especiosa que, de resto, originou dificuldades interpretativas bastante intensas, embora não tenha originado dificuldades práticas porque se optou - ou optaram os que optaram - por um bloqueio. A destrinça suscitava, porém, alguma espécie.

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Esta ideia da subordinação das regiões administrativas às regiões-plano - podendo admitir-se que os interesses do planeamento pudessem não corresponder inteiramente aos interesses da delimitação das regiões administrativas que poderia fundar-se em critérios de outra natureza e ter em conta outro tipo de necessidades e até de melindres de razões históricas e de carácter político -, levou o legislador, na 1.ª Revisão Constitucional, a optar por uma solução flexibilizadora. Ora, aquilo que, no projecto de revisão constitucional do PCP, se adiante é um passo, mas não um salto e menos ainda um salto no escuro ou na inteira disponibilidade legislativa.

Creio que o ónus da prova está talvez mais - se me e permitida esta medição - do lado daqueles que propõem a eliminação do mecanismo, dando um salto no escuro, do que do lado dos que propõem a sua manutenção aperfeiçoada. Quais são as consequências de uma opção diferente daquela que o PCP propõe? Nós propomos a flexibilização, no sentido que os Srs. Deputados já verificaram, e a introdução de um conceito de referenciação. No fundo, o que pode parecer repugnante é que haja um total virar de costas entre o planeamento e a definição da delimitação regional, um total alheamento, uma total descoincidência e uma absoluta ausência de referência entre dois universos que hão-se ter coincidência, desde logo porque decorre num determinado espaço, que é o espaço nacional, e, portanto, é sobre ele que havemos de gizar todas as possíveis divisões. É este o sentido da nossa proposta: atenuar o nexo entre as duas delimitações, mas não suprimi-lo.

Creio que quem tem um ónus da prova mais pesado são os Srs. Deputados do PS e do PSD. Porque, no fundo, que concepções é que viabilizam ao suprimirem por inteiro este normativo? Viabilizam, aparentemente, um sistema em que a divisão do País em regiões-plano e outra divisão, propriamente administrativa, não tenham de ter nenhuma conexão. E, então, perguntamos: como é que encaram a intervenção das regiões no planeamento? É que se os Srs. Deputados estabelecem uma fronteira ou uma dissociação total entre uma coisa e outra, ou seja, a participação organizada das regiões administrativas no processo de planeamento nacional, primeiro, e, em segundo lugar, o próprio planeamento regional - porque tem de haver um planeamento regional -, as atribuições e competências das regiões administrativas, quaisquer que sejam, não hão-de poder deixar de incluir certas matérias que são de planeamento em diversos níveis, e planeamento não só no sentido urbanístico, no sentido escolar ou no sentido sanitário, portanto, área a área, mas também de intervenção num certo planeamento económico. Há-de haver economias regionais e uma intervenção autónoma, embora no quadro constitucional das regiões na definição dessas opções e no seu financiamento. Como é que encaram esse planeamento regional? Ou não o encaram?

Entendo que, nesta matéria, ser-se ou não a favor da regionalização também pesa e creio que há, da parte do Sr. Deputado Almeida Santos, alguma prevenção em relação ao fenómeno regional e algum parti pris nihilificador da própria dimensão do impacto do interesse e da relevância do planeamento regional. É que, certa altura, se se suprime qualquer cláusula deste tipo, desconectam-se dois fenómenos que têm de ter alguma articulação. É isto o que me parece mais preocupante e, por consequência, mais do que explicar uma flexibilização mitigada, o que está grandemente por explicar é o vazio constitucional em relação à conexão entre dois tipos de divisões regionais funcionalmente delimitadas. Quanto à observação do Sr. Deputado Miguel Macedo e à sua estranheza em relação ao facto de o PCP apresentar esta proposta, tendo, como se sabe, propostas públicas quanto à regionalização em concreto e até quanto ao processo de instituição, quanto à própria delimitação e quanto ao perfil das atribuições e competências das regiões administrativas, devo dizer que essa estranheza resulta apenas de não ter em consideração aquilo é o conteúdo concreto das propostas apresentadas pelo PCP. Porque as nossas propostas não consistem em manter inalteradas as delimitações distritais. No projecto do PCP, como qualquer leitor dos projectos - o que parece não ser o caso do Sr. Deputado Miguel Macedo - pode aperceber-se, os distritos são pontos de partida e não pontos de chegada e, consequentemente, os fenómenos de aglutinação em crescendo e os fenómenos de conjugação, que o Sr. Deputado deve conhecer, pelo menos, dos "Legos", aplicam-se claramente também às matérias de construção de regiões. É um pouco um ovo de Colombo e sucede até que também não temos a patente desse invento. Tal invento surgiu de vários quadrantes, nós assumi-lo a partir de determinado momento e impulsionámo-lo com particular vigor, essa construção em crescendo das regiões, provavelmente, é a fórmula mais possível para conseguir esse desiderato em Portugal, sendo, portanto, inteiramente irrigoroso exprimir uma estranheza por essa razão. A estranheza pode resultar doutras razões e é sobretudo nossa por não ouvir, da boca dos proponentes da eliminação, uma fundamentação específica.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria, apenas, precisar o nosso ponto de vista, que é este: o PS não põe em dúvida a participação das futuras regiões administrativas na planificação regional e di-lo, claramente, na nossa proposta de alteração do artigo 257.° Por outro lado, dissemos, na nossa proposta, que o Plano tem carácter centralizado e que não só participam na sua elaboração as autarquias - e as regiões são-no -, como as próprias regiões autónomas. É uma inovação. Não está, portanto, em causa a participação das regiões, mas penso que não é necessário tomar o espaço territorial das regiões administrativas e dizer que esse espaço, além de ser uma região administrativa, é uma região-plano. Para quê?

As regiões administrativas têm entre as suas competências a de elaborarem o plano regional e, obviamente, que colaboram na planificação. Mas para quê haver uma região-plano, além de uma região administrativa, e dizer que o território de uma tem de coincidir com o território da outra? Esta visão territorial de todas as competências para que é que serve? Por que é que não encaramos estas competências na unidade do território e depois distribuímos as áreas administrativas e de serviços como quisermos? A dúvida é só esta e não pusemos nunca em causa a participação das regiões administrativas, aliás das autarquias em geral, e até das regiões autónomas, na elaboração do Plano. Isso não está em causa e, consequentemente, não há problema nenhum.

Quando propusemos esta eliminação, propusemos a eliminação de uma realidade que o Dr. Rui Machete

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diria que já caducou pelo decurso do tempo. Nós não o dizemos, mas, na verdade, a realidade desvalorizou-a.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, foram capazes!

O Sr. Presidente: - Não foram! Não há regiões-plano! Nunca foram criadas!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, não foram criadas, no sentido constitucional.

O Sr. Presidente: - No sentido legal, não há regiões-plano. Nunca foram criadas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, há, neste momento, um traçado com delimitações territoriais caprichantes - de resto, editadas em papel couché, bonitamente desenhadas em mapas coloridos...

O Sr. Presidente: - Isso é o Sr. engenheiro Valente de Oliveira que, à base das CCR's, tem, no fundo, estado a criar, de facto, as futuras regiões administrativas. Mas, para já, não estão criadas, nem no papei, nem na lei. Não têm existência legal. E digo-lhe que ainda bem que não têm porque, pessoalmente - ao contrário do meu partido - sou contra as regiões administrativas. Mais uma vez afirmo que tenho sido um dos obstáculos à criação dessas regiões que, agora, com a nossa proposta desaparecem, sendo esta mais uma vantagem da eliminação das regiões-plano. Facilita a criação das regiões administrativas. Sei que o meu amigo é regionalizador-nato e que, portanto, ficará feliz com esta supressão. Eu não fico feliz, mas concordo com a supressão por outras razões, não por esta. E não tenho a menor dúvida em ditar isto para a acta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era indispensável precipitar esse acto!

O Sr. Presidente: - Ai, foi uma provocação sua? Então, deixei-me provocar com muito gosto!

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero, muito brevemente, só dizer duas coisas.

Em primeiro lugar, não tenho a concepção, que, pelos vistos, o PCP perfilha, de ver a delimitação das regiões administrativas, quando forem instituídas, comparável à construção de uma qualquer figura geométrica ou valométrica do "Lego". Não é assim que entendo a regionalização, nem a definição dos limites das regiões administrativas, mas queria dizer que, em relação àquilo que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de referir quando apresentou a proposta do PCP - e fê-lo em contraposição àquilo que eu tinha dito anteriormente -, não é verdade que a proposta do PCP seja mais flexibilizadora do que o que vem referido, nomeadamente, no n.° 2 do artigo 256.° da Constituição, porque esse número diz que as áreas das regiões administrativas e das regiões-plano devem ser correspondentes, sem marcar qualquer precedência entre elas, o que é aquilo que, no fundo, o PCP propõe no n.° 3 do artigo 95.°, uma vez que esse número diz, claramente, que as regiões-plano terão em conta a definição territorial - sub-entende-se - das regiões administrativas. Ora, isto, obviamente, não pode ser interpretado como uma flexibilização daquilo que está expresso actualmente no texto constitucional.

Note-se que, quando fiz referência ao projecto de lei do PCP, não disse que esta coincidia exactamente com os limites dos distritos. No entanto, coincide em grande medida, e não sei se é o ponto de partida, se o ponto de chegada, mas é esse o tal problema do ovo de Colombo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - No caso do Algarve, é o ponto de partida e ponto de chegada.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Mas, no caso do Algarve, o Sr. Deputado apresenta o mais paradigmático dos casos. Esse caso é apresentado como sendo claramente um caso de regionalização pacífica pois todos os projectos encaram essa questão de forma pacífica. O caso do Algarve é o único caso - que eu conheça - em que é pacífica a sua constituição com aqueles limites. Nos outros casos isso não acontece e há grandes dificuldades na definição dos limites dessas regiões administrativas e em saber como é que elas devem ser constituídas.

Mas, passando por cima dessa questão, porque não estamos aqui a discutir a regionalização, e é bom que isso fique claro, o que queria dizer é que - e apelava agora àquilo que o Sr. Deputado tem feito muitas outras vezes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional - estas discussões não devem ser desenquadradas e não devem deixar de ter em conta propostas anteriores e propostas subsequentes que os partidos têm apresentado sobre estas matérias. De facto, quando fiz apelo e recordei a proposta do PCP, era só para dizer - e, se calhar, caindo também no vício em que o Sr. Deputado tantas vezes tem caído aqui na Comissão - que, do meu ponto de vista, esta proposta do PCP tinha de ser também analisada com a proposta que o PCP faz, concretamente, em relação às regiões administrativas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria dizer que, de algum modo, estou de acordo com parte do que disse aqui o Sr. Deputado Miguel Macedo, por esta razão: hoje a regra é só de coincidência entre umas regiões e outras. Nada impede que uma delas seja criada antes da outra. Mas, tal como está aqui referido, as regiões-plano só poderão ser criadas depois de criadas as regiões administrativas, de modo que o Sr. Deputado José Magalhães é mais adversário da criação das regiões-plano do que eu próprio. É porque eu sou contra elas, mas, se fosse a favor, não virava a regra do avesso. Deixava-a estar como está, disso não tenho dúvida. Como sabemos que as regiões administrativas têm dificuldades próprias e graves, o que o PCP faz com a sua proposta é chamar, para a criação das regiões-plano, as dificuldades que tem a criação das regiões administrativas.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eis uma questão que é pertinente discutir!

Risos.

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Tudo o mais é fogo fátuo e secundário!

O Sr. Presidente: - Sempre conseguiu dar alguma utilidade às dificuldades que lhe criei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a primeira questão, que é aliás simples de resolver, é a seguinte: é evidente que não critiquei, de forma nenhuma, o facto de o Sr. Deputado Miguel Macedo ter invocado as propostas públicas que nós, PCP, apresentámos em matéria de regionalização. Pelo contrário, creio mesmo que o nosso projecto de revisão constitucional seria incompreensível ou só muito deficientemente compreendido se não fossem tidas em conta as posições que, sobre essa matéria, assumimos. Assim, entendo que, se o Sr. Deputado quisesse invocar o mais honesto dos manifestos produzidos no Algarve ou em Trás-os-Montes pelo PCP, ou por qualquer das suas estruturas centrais ou regionais, sobre a matéria de regionalização, seria inteiramente legítimo, e longe de mim gritar que isso era uma intromissão "terrível" e "odiosa" no processo de revisão constitucional, que era uma coisa ebúrnea e celeste em que só o mais carimbado material tem entrada.

Nunca faremos isso porque é óbvio que é legítimo - e é obrigatório - que os partidos assumam tudo aquilo que dizem. No nosso caso, assumimos integralmente tudo aquilo que dissemos sobre essa matéria e até considero estimulante que o Sr. Deputado tenha tido o cuidado de referir isso. Pecado foi apenas o facto de não o ter referido com exactidão e de ter subalternizado aquilo que é um aspecto-chave das propostas públicas apresentadas pelo PCP. Foi isso o que critiquei e mais nada. Ou seja, o facto de o Sr. Deputado dizer, com grande displicência: "Isso das regiões serem uma coisa de distritos! Nós não resolvemos a coisa com o método do 'Lego'!"

V. Exa. não vê isso com o método do "Lego" e nós também não vemos as regiões como uma coisa desenhada no estirador do menino Rodrigo ou do menino Valente que faz uns desenhos e toca a retalhar o país de acordo com um critério seguramente produto de um P.R.O.D.E.S.R.E.D.I. Nós não vemos o país assim, e a alusão do sistema "Lego" visava sugerir na sua mente a ideia de aglutinação.

A nossa proposta pode resolver problemas políticos bastante intrincados. Retalhar o país, causa problemas seríssimos e o PSD descobrirá isso pela sua própria via, pelo seu próprio pé e - espero eu - pela sua própria cabeça e terá agora já uma experiência exacta disso com a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e o seu regulamento, com a criação e instituição de comarcas, com a reorganização judiciária, com a reimplantação dos equipamentos judiciários e dos tribunais e os demais aspectos relacionados com o retalhar do país judicial. O PSD vai verificar, exactamente, o que é que significa retalhar a partir do Terreiro do Paço e, pensar nisso numa operação gigantesca à escala das regiões, é, obviamente, bastante mais arrepiante. Este é o primeiro aspecto, simples quanto a mim.

O segundo aspecto é fulcral porque, realmente, Sr. Deputado Almeida Santos revela o chamado "prudente cepticismo anti-regional", por detrás desse cepticismo, está o seguinte raciocínio: as regiões são um problema quase insolúvel, criar regiões é uma coisa praticamente impossível e tudo aquilo que seja pendurar o que quer que seja e fazer depender o que quer que seja da instituição das regiões é como fazer depender a felicidade de alguém da localização exacta da criatura perfeita que pode estar nesse momento em gestação ou não. Só que não é assim! Isso é uma postura política, é uma atitude política e é também a assunção de uma responsabilidade.

Nós partimos do raciocínio contrário. Partimos do raciocínio de que a instituição das regiões é necessária, de que há condições bastantes para arrancar com o processo e de que tudo aquilo que seja tornar possível o talhar e o retalhar do país para todos os efeitos - para a divisão militar, para a divisão farmacêutica, para a urbanização, etc. -, não estabelecendo nenhum nexo entre isso e as regiões, só facilita a truncagem e a censura perversa que faz com que as regiões possam ficar para o dia de "S. Nunca". E os mapas do Sr. Ministro Oliveira que importam? Importam muito!

Em vez de regiões e dos seus eleitos, temos uns mapas feitos pelo MPAT e temos sobretudo essa gente, que também é interessantíssima, que imunda os gabinetes das CCR's e os demais gabinetes e ainda as comissões de projecto dos gabinetes de consulta e todo esse belo alastrar da "sociedade civil" de acordo com esta pléctora de que o Engenheiro Angelo Correia, em quem falávamos ontem no Plenário, é seguramente um dos expoentes mais notórios no PSD. Tudo isso substitui as populações, os seus órgãos eleitos! É lamentável que haja "regiões-plano" que não as constitucionais, delimitadas segundo delimitação que é tão inconstitucional nos termos em que estava, que foi levada ao Tribunal Constitucional, por nós, PCP, e entretanto foi objecto de alterações em sede de lei ordinária, por decreto-lei ordinário do Governo, não deste mas do defunto, do anterior, corrigindo assim mão já em movimento e em movimento acelerado, mas edificando no terreno uma estrutura que está lá.

Bem, se o PS diz "a estrutura que lá está, que lá fique", "cortemos qualquer cordão umbilical entre planeamento e regiões", então teremos planeamento sem regiões, porque, entende o PS, não haverá regiões com planeamento, as duas coisas são aparentemente a ligação entre a tábua e o afogado. Creio que é uma visão pessimista!

O Sr. Presidente: - Eu estava cheio de curiosidade para ver como é que o seu talento conseguia tentar passar incólume entre Sila e Caribdis. Mas passou, por V. Exa. esqueceu-se de que propuseram que as regiões-plano tenham por referência as regiões administrativas. Só se pode referir a alguma coisa que existe, portanto a dificuldade da criação das regiões administrativas foi pendurada na criação das regiões-plano, ao contrário do que hoje acontece.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é o contrário, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Não, não é...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta não pretende ser capciosa.

O Sr. Presidente: - Se terão por referência, é óbvio que têm de preceder a criação, no tempo, das regiões administrativas. Isto para mim, é claro. Nem com todo o seu talento passa incólume.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos, para além das questões do talento que são especiosas, a questão fulcral é que não queria escamotear, a título nenhum, que a nossa intenção é precisamente que o processo de instituição das regiões administrativas, em vez de ser objecto de um constrangimento bloqueador, seja objecto de um "constrangimento propulsionador" decorrente do facto de que, se é necessário ter por referência as regiões administrativas, é preciso instituí-las e portanto o planeamento deve fazer-se tendo como base regiões administrativas criadas e nós assumimos isso.

O Sr. Presidente: - A culpa não é vossa, é da gramática, mas o que está cá é isso, e o facto de o PCP ter uma ideia clara sobre o futuro puzzle das regiões administrativas - e tem, são os distritos, isolados ou somados - isso não os absolve desta crítica, porque o PCP não tem a mínima garantia de que a sua proposta venha a ser aprovada. A meu ver, o facto de o meu amigo ter por claro, no seu espírito, o que vai ser a futura região não quer dizer que a criação das regiões se torne mais fácil. Ela vai ser difícil.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, não se pode ser Houdini num Jardim Zoológico, isto é, livre. A proposta apresentada pelo PCP tem a consequência que V. Exa. anunciou, não quer escondê-la.

O Sr. Presidente: - Pronto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta tem a implicação de um condicionamento propulsor. Pode obviamente entender-se que a propulsão é indesejável, é perversa, que é desejável "valentizar-se" o País.

O Sr. Presidente: - Se reconhece isso estamos de acordo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... pode-se entender que se deve viabilizar isso; o PS, aparentemente, entende, nós entendemos o contrário...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Admita, Sr. Deputado, que é uma boa intenção...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas qual seria a boa intenção?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Admita, o Sr. Deputado e o Sr. Deputado Almeida Santos, conceda-se ao PCP uma boa intenção não conseguida com esta redacção.

O Sr. António Vitorino (PS): - Só uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães para perceber melhor, já que tantas vezes V. Exa. tem tentado perscrutar a nossa intenção um pouco mais além daquilo que as propostas do PS contém; agora também eu me atreveria, uma vez sem exemplo, a pagar com a mesma moeda.

Sabida qual é a concepção que o PCP tem da regionalização e de que são 18 as regiões administrativas a criar no continente, tantas quantos os distritos actualmente existentes, este n.° 3 do projecto do PCP traduz-se na criação de 18 regiões-plano? É esse o conceito que está subjacente a esta preocupação? Ou seja,

fazer coincidir, fazer corresponder a cada região administrativa uma região-plano e consequentemente 18 regiões-plano? É esse o conceito que está subjacente à proposta do PCP?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A resposta é rotunda, imediata, é "não". O Sr. Deputado António Vitorino lembra-me aquele personagem "Dumasiano" que buscou a vingança durante anos...

O Sr. António Vitorino (PS): - Ó Sr. Deputado José Magalhães, não tenha ilusões: eu assumo que busco a vingança, não pense é que é esta vingançazita barata! A imagem é feliz mas vamos aguardar, ainda haverá tantas ocasiões, ainda falta debater tantas questões da revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu realmente, Sr. Presidente, estava completamente surpreendido com a dimensão do desforço em causa, porque este assenta num equívoco. Primeiro, não é nossa intenção aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino nos imputa...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não lhe imputei nada, só perguntei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aquilo que está pressuposto, no plano imputativo, na pergunta que o Sr. Deputado António Vitorino fez.

O Sr. António Vitorino (PS): - Aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães pressupõe que estaria na minha pergunta.

O Sr. Presidente: - Bom, vamos, então...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Presidente, permita-me a resposta, que é de resto rápida. No caso vertente, a proposta respeitante ao artigo 95.° aplica-se tanto ao projecto do PCP como ao do PS, porque o PS tem um projecto em matéria de regionalização. Até exerceu o direito de marcação/de uma ordem do dia para o ver discutido, gesto pelo qual manifestámos o nosso apreço e que julgámos inserido numa lógica de propulsão das regiões.

O Sr. António Vitorino (PS): - E é.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esta norma, tal qual vem proposta aqui, aplica-se tanto à delimitação temida que é proposta pelo PCP, como à delimitação sonhada proposta pelo PS. Em ambos os casos a questão coloca-se nos mesmos termos: A única coisa que se diz é: "se queres delimitar as regiões-plano, cria as regiões administrativas." É só isto. E que a criação duma coisa seja uma prioridade em vez de ser prioritário o esquartejar do País, adiando para as calendas a questão das regiões administrativas.

Quanto à pergunta "terrível" do Sr. Deputado António Vitorino: "querem vocês, é ilógicos, criar 18 regiões-plano?", a resposta é: "não, não queremos nós, é ilógicos, criar 18 regiões-plano", porque serão criadas tantas regiões administrativas quantas aquelas que ditem as circunstâncias históricas concretas, a vontade das populações, a vontade organizada da Assembleia da República, isto é, neste momento este caso estaria dependente duma maioria que nós não consideramos

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provavelmente a mais desejável, etc., etc.. Será isso que determinará o número concreto das regiões administrativas e também, evidentemente, das regiões-plano.

Em síntese, e em resposta, haverá tantas regiões administrativas e tantas regiões-plano quanto a vontade democraticamente expressa do Povo Português, através dos seus órgãos de soberania, queira, deseje e imponha.

O Sr. António Vitorino (PS): - A minha pergunta não era tão terrível como isso, era só no sentido de saber, e sabendo nós que o PCP defende a criação de 18 regiões administrativas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não defendemos. É que não defendemos!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não? Então o vosso projecto não é explícito a este propósito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nos elementares sobre os projectos, digamos que a letra a, no projecto do PCP sobre regionalização "a criação de regiões a partir do distrito...", é o elemento inicial, é o ponto de partida, depende da vontade das populações...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não são 18, são 16.

O Sr. José Magalhães (PCP): - São as que forem.

O Sr. António Vitorino (PS): - A minha pergunta era outra: se coincidem com as regiões plano ou não, na vossa concepção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não coincidem, Sr. Deputado. Têm por referência, eis um conceito, totalmente novo e diferente.

O Sr. António Vitorino (PS): - Têm por referência, não é conceito nenhum.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É. Então qual é o conceito de correspondência?

O Sr. António Vitorino (PS): - Ó Sr. Deputado José Magalhães, a questão é a seguinte: as regiões-plano constituem a soma de regiões administrativas, ou as regiões administrativas constituem a soma de regiões-plano. Nada mais do que isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Negativo, é uma interpretação redutora. Mas V. Exa. não é autor do projecto da revisão constitucional; é, honestamente, um intérprete dele e percebo evidentemente uma leitura redutora. Apenas disse que isso é redutor e não está nas ideias dos proponentes.

O Sr. Presidente: - Eu penso que o projecto do PCP sobre as regiões administrativas diz é que terá por base o distrito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por base inicial e de arranque.

O Sr. Presidente: - O que quer dizer é que será sempre ou distrito ou uma soma de distritos. É assim

que eu interpreto. O que se diz aqui é que terá por referência, não sei bem o que isso é mas parece-me que terá de ser também uma soma de distritos. A mesma ou outra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas um País terá sempre que ser uma soma de espaços.

O Sr. Presidente: - O País é a soma dos distritos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que o caso do Sr. Deputado Almeida Santos é o caso extremo.

O Sr. Presidente: - Um caso perdido.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Ouvimos nas sucessivas intervenções do Sr. Deputado José Magalhães um grande apego à ideia das regiões-plano, o que me suscita a seguinte dúvida, relativamente ao projecto do PCP no que respeita aos planos regionais. Eu creio que a ideia da regionalização é substancialmente defendida como a ideia de planificação regional e menos com a ideia de região-plano, e por isso a dúvida e a questão que levanto é a de saber a razão pela qual o PCP, estando tão vincadamente afincado à ideia de região-plano, e em termos de uma solução descentralizadora, que seria lógica, não defende ainda que as regiões elaborem os planos regionais e continua a defender, por omissão da proposta, que as regiões apenas participem, tal como está hoje consagrado na Constituição, na elaboração e na execução do plano regional? A proposta do PS a esse título é diversa, quando faz cometer às regiões, numa visão muito mais descentralizadora, a ideia de elaboração dos planos regionais e não apenas a participação na sua execução. Parece-me haver, aqui, na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães alguma contradição, ao menos aparente.

O Sr. Presidente: - Alguém quer dizer alguma coisa?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação a esta observação, é evidente que na altura em que pudermos ponderar todos os aspectos relacionados com a problemática das regiões administrativas será possível aprofundar as implicações da ideia do Sr. Deputado Alberto Martins, que só neste contexto será adequado desenvolver considerações sobre as relações entre o que agora se propõe e o que se propõe em sede de regiões administrativas. O debate nessa sede até poderá ser saudável para podermos pensar, olhando as regiões, uma coisa que olhada do alto do planeamento tende a ser assumida numa perspectiva centralista. Não temos essa perspectiva centralista. Também não temos uma perspectiva que iluda o facto do nosso regionalismo se inserir no quadro de um Estado unitário e portanto haver limites em várias esferas, nomeadamente quanto à esfera do próprio planeamento sem que uma genuína intervenção das regiões neste processo deva ser desconsiderado, muito pelo contrário é nossa intenção de que deve ser considerada e adequadamente.

O Sr. Presidente: - Vamos então entrar num capítulo extremamente simples que é o da política agrícola e da reforma agrária. A acta registará risos neste momento.

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Começaríamos pelo artigo 96.°, ou sejam "os objectivos da política agrícola", já que entendemos que os títulos ficam para segundo momento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu sugeria que se lesse o relatório da subcomissão.

O Sr. Presidente: - Acha que vale a pena?

O Sr. José Magalhães (PÇP): - Acho que sim, porque são muito especiosas as alterações e tivemos o trabalho de inventariá-las.

O Sr. Presidente: - Quem é que foi? Foi o meu amigo?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Confesso, Sr. Presidente, só que talvez masoquista dado o conteúdo violento das propostas.

O Sr. Presidente: - Cá está a sua assinatura, tão conhecida.

O 11.° Relatório é do seguinte teor:

1. Quadro geral das propostas:

1.1 Eliminações e alterações:

O CDS propõe a eliminação integral do título IV da parte li da Constituição da República.

O PSD propõe a eliminação de cinco dos nove artigos, (97.°, 98.°, 99.°, 100.° e 102.°) e a alteração de três (96.°, 103.° e 104.°), mantendo a epígrafe do título IV, que passa, porém, a título II.

O PS propõe a alteração da epígrafe (para "política agrícola, comercial e industrial") e a eliminação de três artigos (99.°, 100.°, 103.°) e a alteração de cinco (96.°, 97.°, 98.°, 102.°, 104.°).

O PRD propõe a eliminação de dois artigos (98.°, 100.° e a alteração de quatro (96.°, 97.°, 99.°, 102.°).

Falta dizer que o PCP não propõe alteração nenhuma.

1.2 Aditamentos:

O PCP propõe o aditamento de um novo artigo (103.°-A), com a epígrafe "apropriação do solo nacional por estrangeiros".

O PS propõe o aditamento de dois novos artigos (104.°-A e 104.°-B), com as epígrafes "objectivos da política comercial" e "objectivos da política industrial".

O PEV propõe o aditamento de um novo artigo (103.°-A), epigrafado "defesa e desenvolvimento florestal".

2. Descrição sumária das propostas de eliminação ou alteração relativas a cada artigo.

2.1 Artigo 96.° (objectivos da política agrícola)

A. Propostas apresentadas: CDS, PS, PSD, PRD.

B. Epígrafe: apenas o CDS propõe a eliminação.

C. O CDS propõe a eliminação integral do artigo.

D. O PS propõe:

- a substituição do corpo do n.° 1 do artigo ("a política agrícola tem como objectivos") por "são objectivos da política agrícola";

- a substituição da parte segunda da alínea a) do n.° 1 ("pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham") pela seguinte disposição: "a racionalização das estruturas fundiárias e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham";

- a eliminação do actual n.° 2 ("a reforma agrária e um dos instrumentos fundamentais da realização da política agrícola";

- a inclusão de um preceito (como n.° 2) do seguinte teor: "2.º o Estado promovei é uma política de ordenamento e reconversão agrária de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do País", correspondendo à primeira parte do actual artigo 103.°

E O PSD propõe:

- eliminação da parte segunda da actual alínea a) do n.° 1 ("pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham") e a reinserção, como alínea b), da primeira parte do preceito com alteração da sua parte final (propõe-se "dos agricultores" em vez de "os pequenos e médios agricultores");

- o reordenamento da actual alínea b), por passagem a alínea a), substituindo-se o inciso "agricultura" pela expressão "sector agrícola" e grafando-se País com maiúscula (a) "aumentar a produção e a produtividade do sector agrícola dotando-o das infraestruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do País, bem como o incremento da exportação");

- o reordenamento da actual alínea d), passando a c), sem alteração do conteúdo;

- o reordenamento da actual alínea c), que passa a d), sem alteração do conteúdo;

- o aditamento de uma nova alínea e): " e) fomentar a constituição de exploração agrícolas viáveis com dimensão fundiária adequada";

- o aditamento de uma nova alínea f): "f) incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração directa da terra";

- a eliminação integral do n.° 2 ("2 - a reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola").

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F. O PRD propõe a eliminação da segunda parte da actual alínea a) do n.° 1 ( "e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham").

O Sr. José Magalhães (PCP):- Talvez pudéssemos fazer isso artigo a artigo.

O Sr. Presidente: - É melhor para a memória não ficar sobrecarregada. Então vamos ao artigo 96.° O CDS não está, o PS justifica a sua proposta no sentido de incluir uma referência "racionalização da estrutura fundiária" e também de incluir o conceito de "acesso à propriedade e não só à posse da terra" como hoje acontece. Falar em mais meios de produção - já que a terra é ela própria um meio de produção - é apenas uma exigência de redacção. O n.° 2 " que substitui o actual preceito, que é, "a reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola", tem a seguinte explicação: nós entendemos dever conceber todo o título referido à política agrícola ao lado da política industrial e comercial, ou sejam as três políticas económicas sectoriais. Hoje só haveria a definição da política agrícola e entendemos que, dada a carga que está actualmente ligada à expressão e às referências a uma reforma agrária, deveríamos eliminar esta expressão. É uma atitude consciente meditada - desde logo dizendo no n.° 2 que "o Estado promoverá uma política de ordenamento e reconversão agrária de acordo com os condicionalismos económicos e sociais do País", formulação retirada da actual alínea a), do n.° 1.

Por outro lado, deixámos de conceber todo este capítulo em termos de reforma agrária ainda in itinere, ainda em movimento, para a conceber em termos de política agrícola válida para todo o País e não apenas para a chamada zona de intervenção. Não obstante - se bem que sempre sem referência à reforma agrária -, procurámos manter no essencial os principais instrumentos da reforma agrária, tal como hoje se encontra a concebida na Constituição. Esses instrumentos são o combate ao latifúndio, que, aliás, é um limite material de Revisão. Sempre que uma determinada exploração agrícola, tem área superior à que, do ponto de vista dos objectivos da política agrícola, é recomendável justificar-se-á uma intervenção do Estado no sentido de expropriar o excedente, sem prejuízo do direito de reserva e de indemnização. De facto, mal se compreende que se uma propriedade é excessiva se exproprie tudo aquilo que pertence ao proprietário quando ele pode justificamente receber, a título de reserva, uma das áreas em que se subdivida a exploração agrícola. Por outro lado, visa-se o combate ao minifúndio através da previsão de medidas de emparcelamento referidas igualmente, e por paralelismo, aos objectivos da política agrícola. Reafirmamos também o princípio, que terá sido um dos mais válidos da reforma agrária, de que a terra seja entregue preferencialmente a quem a trabalha. Agora não já apenas a título de posse mas também de propriedade.

Por fim, retocámos os objectivos da política agrícola, sendo tudo o que dizemos válido para o País e não só para uma determinada área.

Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, antes de proceder propriamente à apresentação da proposta do PSD para o artigo 86.°, gostaria de salientar um aspecto que nos parece importante. Refiro-me à consonância em alguns pontos, fundamentais em nosso entender, das nossas propostas de alteração de toda esta matéria relacionada com a política agrícola e de propostas apresentadas pelo PS, que também consideramos fundamentais. Ou seja, pensamos entender que do equilíbrio destes dois conjuntos de propostas podem eventualmente nascer as propostas que venham a ser adoptadas, em sede de Revisão Constitucional tanto algumas das propostas essenciais do PS nos parecem próximas não só das nossas propostas de Revisão Constitucional como também daquilo que o PSD tem vindo a defender ao longo do tempo em matéria de política agrícola.

Em relação ao artigo 96.°, chamaria a atenção para o facto de, em muitas das alíneas que o integram, mantermos a actual redacção. No essencial, o que é que modificamos? Alteramos a ordem de algumas alíneas, designadamente a a) pela b), e na alínea b), restringimos aquilo que vinha nomeado na alínea a), em nosso entender, com economia de redacção e com clareza de resultado dessa mesma redacção. Porquê? Porque, para nós, aquilo que é de facto substancial é "promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores".

Em relação aos aspectos novos que fundamentalmente advêm das alíneas e) e f) das nossas propostas, pensamos que eles se justificam por si mesmos. Não se trata tanto de discutir se a terra é demasiada ou se é de menos, mas sim de concluir pela constituição de explorações agrícolas viáveis com dimensão fundiária adequada. É por isso que nós nos batemos porque, ao fim e ao cabo, no nosso País, o sucesso de uma política agrícola deverá fundamentalmente ter como objectivo principal numa asserção desta natureza. E, como e evidente, uma das condições para que a política agrícola obtenha os resultados que se pretendem atingir é, dada as características dos nossos agricultores e da nossa exploração agrícola, tomar como o objectivo essencial aquilo que estabelecemos na alínea f), ou seja, incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração directa da terra".

Por outro lado, se virmos com atenção, verificaremos que, não obstante termos eliminado o n.° 2 do artigo 96.°, aquilo que dizemos no artigo 103.° está em perfeita consonância com o n.° 2 proposto pelo PS para o artigo 96.° Ou seja, fazemos no n.° 2 do artigo 96.° uma operação de transformação de redacção, em perfeita consonância, dizendo quase palavra por palavra aquilo que o PS estabelece no seu n.° 2. É nessa medida que, como há pouco dizia, as nossas propostas estão substancialmente próximas das do PS, na matéria em geral e nesta matéria do artigo 96.° em particular.

O Sr. Presidente: - Agradeço muito o esforço do Sr. Deputado Carlos Encarnação para criar um bom clima de conciliação entre as nossas propostas. Espero que isso seja possível, mas não me parece que, à partida, elas estejam assim tão próximas. Poderemos, evidentemente, fazer um esforço de aproximação que não descaracterize a nossa proposta.

Fizemos um esforço muito grande - como aliás em geral - no sentido de apresentar uma proposta que

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pudesse grangear e consenso dos dois terços necessários à sua aprovação. Na realidade, apresentar propostas bonitas, sabendo-se de antemão que não serão aprovadas, constitui um exercício intelectual, mas não mais do que isso.

O PSD elimina praticamente todas as referências a pequenos e médios agricultores que hoje gozam de um favor importante da lei. Porém, penso que o não fará intencionalmente, na medida em que de algumas das suas expressões poderá talvez retirar-se essa ideia. Elimina também a referência àqueles que trabalham a terra, o que, a meu ver, é um dos pilares do disposto na Constituição em matéria de organização da agricultura em Portugal. Não obstante, propõe uma expressão que pode ter alguma equivalência na medida em que fala em "exploração directa da terra". Ora, a exploração directa nunca é feita pelos grandes proprietários, mas pelos pequenos e médios proprietários. Se isto significa a mesma coisa, então digamo-lo. Muitas Constituições consagram essa ideia de que a terra deve ser no mínimo possuída por aqueles que a trabalham directamente do que por aqueles que tiram dela rendimento indirecto por exploração do trabalho de outrém.

Por outro lado, quando fala em "dimensão fundiária adequada" talvez fosse bom perguntarmos o que é que é adequada. Se ao menos disserem que é adequada aos objectivos da política agrícola, tal como nós fizemos, perceberemos". Reconduzimos, como se sabe, o problema da dimensão da terra, da correcção da dimensão excessiva ou da dimensão diminuta aos objectivos da política agrícola. E esses objectivos são os seguintes: se a terra tem dimensão a mais, em vista destes objectivos, corrige-se para menos: se tem dimensão a menos, corrige-se para mais. Isto percebe-se. Mas falar-se em "dimensão adequada da terra", sem se dizer a quê, é que não é de fácil entendimento.

Excluindo estas questões - e depois veremos os vários artigos das várias propostas -, também reconheço que existe uma certa margem de conciliação entre as propostas dos nossos partidos. Porém, talvez neste momento não devêssemos falar em mais do que conciliação possível. De qualquer modo, foi bom conhecer o estado de espírito do PSD a este respeito.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Cosia Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, na linha do que disse o meu colega Carlos Encarnação, é evidente que, quando falamos em "fomentar a constituição de explorações agrícolas viáveis com dimensão fundiária adequada", essa dimensão só pode ser adequada aos objectivos da política agrícola, sendo também certo, do nosso ponto de vista, que estes objectivos são historicamente contingentes, isto é. serão diferentes consoante o acesso ao poder político por via eleitoral de forças com diferentes concepções em matéria de dimensão e, desde logo, em matéria de política agrária. Consequentemente, penso que a nossa proposta é aberta - no sentido que sempre nos tem norteado em matéria de organização económica da Constituição - à possibilidade de partidos com diferentes mundivisões em matéria político-ecónomica executarem os seus programas de Governo o os seus programas eleitorais. Creio que com a nossa proposta não ficará minimamente precludida a possibilidade de qualquer partido (PS, PCP, partidos liberais, partidos conservadores ou partidos sociais-democratas) pôr em prática a política agrícola adequada às suas próprias concepções ideológicas. Mas também manifestamos desde já a nossa disponibilidade para explicitar o artigo; trata-se de um preceito importante na economia da nossa proposta, na medida em que consome aquilo que, em nosso entender, o texto constitucional deve dizer relativamente ao que consta actualmente dos artigos 97.° e 98.°

O Sr. Presidente: - Consideram que esta simples referência à dimensão fundiária, sem mais, dá cumprimento ao limite material do combate aos latifundiários?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Confesso que essa pergunta é relativamente embaraçosa. Mas devo dizer - amicus Platonis magis amicus veritatis (sou amigo de Platão mas sou mais amigo da verdade) - me sentiria mais confortado se fosse subscritor da proposta do PS.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, mas não temos isso por exacto.

Em primeiro lugar, o PS mantém a epígrafe eliminação dos latifúndios e estabelece em seguida que o "rendimensionamento das unidades de produção agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola, será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à correspondente indemnização e à reserva da área suficiente para a viabilidade e racionalidade da própria exploração". Ofereço-lhe esta leitura como um "Valium", a fim de que logo à noite possa dormir mais tranquilo relativamente às suas preocupações quanto ao não respeito do artigo 290.° da Constituição.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não as tenho!

O Sr. Presidente: - Estou a falar como jurista. Em meu entender - o Sr. Deputado José Magalhães porventura dirá que não -, a proposta do PS respeita o limite do artigo 290.° E, segundo o meu ponto de vista, a vossa simples referência à dimensão fundiária adequada não chega para respeitar esse limite. Pelo que, nesse capítulo, pode dormir melhor com a nossa proposta do que com a vossa...

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Srs. Deputados, silêncio do PSD no âmbito do artigo 97.° é compensado pelo silêncio do PS no momento das propostas de alteração ao artigo 103.°, em que o PSD subordinando à epígrafe "Ordenamento e reconversão agrária", propõe que "o Estado promoverá uma política de redimensionamento fundiária, de reordenamento e reconversão agrária, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do País". Parece-me existir uma intenção equilibrante em matéria de política agrícola, que reforça alguns preceitos

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contidos na nossa proposta para o artigo 96.°, quando se fala exactamente, de uma dimensão fundiária adequada". Nesse sentido, penso que a intenção vai muito além daquilo que se aponta à autoria do PSD nesta sede. O artigo 103.° avança muito mais do que aquilo que já prevê a alínea e) do artigo 96.° na nossa proposta, acrescentando-se-lhe um sentido de racionalização da política agrícola e, de certo modo, pondo fim aos temores e objecções do PS.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe o seu esforço, brilhante como sempre, mas ainda não discutimos o artigo 103.°, pelo que ainda não se pode falar no nosso silêncio. Mas, se pretende que antecipemos alguma pequena amostra do que iremos nessa altura apresentar, diremos que o ordenamento e reconversão na proposta do PSD a propósito do artigo 103.°, vem referido aos aspectos ecológicos e sociais e não aos objectivos da política agrícola.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais da oradora)... e funcionam em função dos condicionalismos sociais, o que é obviamente um ponto de referência...

O Sr. Presidente: - Se consagrem uma formulação como "de acordo com os objectivos da política agrícola e dos condicionalismos ecológicos e sociais", estamos de acordo. Mas a actual redacção do PSD não nos satisfaz minimamente na medida em que apenas se refere a dois aspectos, que, como é óbvio, são importantes e que, inclusivamente, serão talvez, uma maneira sintética de referir alguns dos objectivos da política agrícola.

No entanto, a vossa proposta está muito longe da nossa, visto referirmos esses objectivos expressamente, e não uma coisa vaga como "os valores ecológicos e sociais". Mas veremos essa questão a propósito do artigo 103.°...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os valores ecológicos e sociais já constam do actual texto constitucional. O que o PSD faz é suprimir a segunda parte desse texto...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sem prejuízo de, obviamente, reconhecer algumas diferenças entre as propostas do PS e do PSD, parece-me que não há entre elas grandes diferenças de fundo que pelo menos reflictam o papel que a actual Constituição confere à questão da transformação das estruturas fundiárias. E porquê? Porque as propostas de alteração avançadas situam-se na área da dimensão fundiária e penso que aí se confunde a questão da estrutura da exploração com a da propriedade fundiária. A verdade é que este aspecto não é despiciendo, a verdade é que, se remetermos a questão da eliminação do latifúndio exclusivamente para uma questão de critérios de racionalização ecológica ou económica, estaremos, no fim de contas, a fugir ao cerne do problema. É que - e a actual Constituição assim o diz - o latifúndio deve ser tido também como uma forma de subordinar o poder económico ao poder político. Julgo que ninguém contesta, porque a História o demonstra, que o latifúndio se assumiu sempre como uma forma de exercício do poder económico sobre o poder político. Mais: está também em discussão a questão de combater o latifúndio no sentido de rebater privilégios de meia dúzia de grandes famílias que - não o podemos esquecer - sempre tiveram consequências de ordem social e económica nessa área. De facto, há um conteúdo de carácter político-económico que, na leitura que fazemos quer de uma quer de outra propostas, é nelas esvaziado. Pensamos que isso é perigoso, porque a diferença entre a dimensão excessiva e dimensão adequada da terra é difícil de determinar, sendo necessária muita boa vontade para fazer tal destrinça. A não ser que a redacção fique mais clarificada. Onde residem os limites dos conceitos de "adequada" e de "excessiva"?

Além disso, a própria questão da racionalidade técnico-económica do latifúndio tem a ver com a própria concepção do desenvolvimento agrícola do País. O regime da propriedade latifundiária tem também a ver com a própria concepção do desenvolvimento económico e social. E não é por acaso que a região do latifúndio foi até hoje aquela onde se registaram os mais baixos índices de intensidade da actividade económica, os mais elevados níveis de descapitalização da agricultura e os mais baixos níveis sociais de investimento produtivo regional. Isto nem sequer acontece nas regiões tidas normalmente por mais pobres do País, como seja a de Trás-os-Montes, que é uma das regiões de minifúndio. Isto não aconteceu por acaso.

É por isso mesmo que o texto constitucional anterior a 1982 dava a resposta a estas questões. O que tememos é que, a coberto de uma pretensa desideologização para que não seja agressivo o texto constitucional, se lhe esteja a dar um forte cunho ideológico. Acontece, porém, que agora se vai em sentido completamente contrário. E esta questão tem a ver, aliás, com o próprio artigo 103.° De facto, não é por acaso que agora surge um outro problema, que é o seguinte: as medidas de reconversão ou de reestruração agrária passam a colocar no mesmo nível o latifúndio e a pequena agricultura, o que tem um conteúdo e consequências fortemente políticas.

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas vou formulhar-lhe uma questão: o que é constitucionalmente um latifúndio? E pergunto-lhe isto porque a Constituição não o define, mas deixa a lei ordinária referir que é a propriedade superior a certa área. Como V. Exa. sabe, esse limite já variou entre a primeira e a segunda Lei de Bases da Reforma Agrária.

Entretanto, estamos a debater esta problemática na área da Constituição, pelo que lhe pergunto ainda o seguinte: o que é que impede que amanhã a lei defina como limite do latifúndio o mesmo que está na lei constitucional em vigor? Esta refere, pura e simplesmente, no n.° 1 do artigo 97.°, que a transferência da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham será obtida através da exploração dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas. Ela deixa ao legislador ordinário a liberdade total de definir o que é o latifúndio. E, se assim é, esse legislador pode um dia acordar mal disposto contra a actual reforma agrária e

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prever na lei que o latifúndio é aquilo que está acima de 1 hectare. Ele pulverizará a propriedade em Portugal. Isto é uma caricatura, como é óbvio.

Portanto, não julgue que a Constituição actual tem mais virtualidades do que a nossa proposta. Há ainda uma diferença neste ponto: a versão actual da Constituição não fornece uma estrela polar - expressão esta que gostamos de utilizar em sede de revisão constitucional. Entretanto, dizemos o seguinte: essa definição tem de estar referida aos objectivos da política agrícola, porque definidos esses objectivos temos de caminhar para os realizar. E fazêmo-lo, corrigindo o que é grande e pequeno demais, favorecendo o pequeno e médio agricultor, entregando terras o mais possível a título de propriedade, e não só de posse, a quem as trabalha. O que é que ficará de fora relativamente aos valores da reforma agrária de hoje? Não fica nada.

De facto, mudámos, só e praticamente, o nome às coisas. É uma questão que tem uma tão carga mítica tão explosiva que não vale a pena continuarmos a disputar sobre cia. Os instrumentos da reforma agrária, repito não sofreram grande alteração. Eles estão, de facto, redigidos de um modo que não fere a sensibilidade de ninguém. Estão todos previstos, pelo que lhe pergunto qual é que não se encontra previsto.

Na verdade, a nossa intenção é que se deixe de falar em reforma agrária para uma área do País, a fim de se falar em política agrária para todo o território nacional. Ela será válida para todas as propriedades mal exploradas, nomeadamente por terem área excessiva, seja no norte, no sul ou no centro: a regra geral da expropriação não está aqui expressamente prevista porque não é necessário que o esteja. O Estado, de acordo com o interesse nacional, expropria quando quiser. Aliás, referimos até a expressão "cm caso de expropriação", na nossa proposta. Não dizemos que se deve expropriar, mas acautelou-se essa possibilidade. Além disso, V. Exa. disse que o texto actual da Constituição dá resposta a estas perguntas. Creio que não, pois remete igualmente para o legislador ordinário.

V. Exa. refere ainda que o PS quer substituir um combate ideológico por outro. Pelo contrário, queremos a abolição do combate ideológico eliminando o que o causa. É, no fundo, a ideia de uma reforma agrária que, por acaso, não resultou tanto como se esperava, mas que teve a sua justificação. Aliás não negamos a justificação factual e histórica da reforma agrária. Ela foi porventura feita em condições que desejaríamos que não fossem essas. Mas esse não é o problema. No entanto, diria que as reformas agrárias fazem-se todas ou quase do mesmo modo: a realidade precede a consagração legal. Caso contrário, não se realizam. Nunca nenhuma reforma agrária foi porventura meditada no laboratório dos princípios antes de o ser posteriormente transferida para a realidade. As reformas agrárias fazem-se em regra sob a pressão das realidades.

Acontece, porém, que passaram já 12 anos e o que foi feito foi feito; o que foi corrigido foi já corrigido; o que deve ser feito é outro problema. Os actuais instrumentos da reforma agrária estão previstos nas nossas propostas. E digo isto, porque um Governo que queira continuar a fazer política agrícola permitida pela actual reforma agrária pode fazê-la se quiser. Contudo, não a faz em nome de valores ideológicos, nem a realiza num quadro polémico. Fá-la sobretudo ao nível de todo o País e não a nível de uma área restrita, porque há também latifúndios noutras regiões do País e pequenas propriedades na zona da reforma agrária.

Portanto, penso que não merecemos essa suspeição de que nos aproximámos tanto como isso das propostas apresentadas sobre esta matéria do título IV da Constituição pelo PSD, ou de que nos afastámos excessivamente do texto da Lei Fundamental. A nossa proposta, se V. Exa. bem a meditar, tem ínsitos nela os instrumentos da reforma agrária, mas não a actual nomenclatura.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Em primeiro lugar, Sr. Presidente, penso que a Constituição não diz se o latifúndio existe apenas no Alentejo ou em todo o País. A questão da redução da área de intervenção da reforma agrária, ou seja, da chamada zona de intervenção da reforma agrária, decorre de uma iniciativa do legislador ordinário e não da Constituição. A versão actual da Constituição não define a área de intervenção. Aliás - e talvez isso desse uma resposta ao problema - seria extremamente curioso fazer a análise de uma região de fronteira que tivesse as duas situações contrastantes no País (o latifúndio e o minifúndio), saindo da zona específica de intervenção da reforma agrária. Refiro-me, por exemplo, ao distrito de Castelo Branco. Seria extremamente curioso verificarmos, num distrito como este, o grau de intensificação da actividade produtiva no latifúndio e no minifúndio, ou pequena propriedade, o nível de ocupação cultural dos solos num e noutro regime de propriedade, a produtividade de uma e outra propriedade. Pensamos que também neste aspecto iríamos, mais uma vez, encontrar razões para referir a importância efectiva da expropriação e do combate ao latifúndio.

Dirá o PS que neste caso também está de acordo connosco e que essa situação é contemplada na sua proposta. A questão é que me parece que o PS, para dar conteúdo à forma como o Sr. Deputado Almeida Santos aborda o problema, deverá então precisar um pouco mais a sua concepção de acto de expropriação ou de eliminação do latifúndio. É que, se tal acto fica apenas dependente de uma mera questão de racionalidade do tipo "dimensão excessiva", isso não dá suporte constitucional objectivo. Das duas uma: ou a eliminação do latifúndio é entendida como uma forma de controlar o poder económico deste sobre o poder político e de conter os abusos que um regime de propriedade desse tipo provoca sobre o próprio tecido social e humano de uma determinada região (é necessário controlar isso); ou, então, deve ser entendida como um instrumento de realização da própria política agrícola no sentido económico, social e, até, ecológico (isto porque o combate ao latifúndio é também uma forma ecológica de preservar e potencializar os recursos naturais).

A questão está, pois, em saber se a proposta do PS dá ou não resposta a estes problemas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que já a demos na medida em que mantemos a epígrafe do artigo 97.°, cujo teor é o seguinte: "Eliminação dos latifúndios". Além disso, prevemos a expropriação do que tiver dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola. Isso dará ao Governo instrumentos para continuar o combate ao latifúndio, tal como a lei ordinária venha a defini-lo do ponto de vista dos objectivos da política agrícola.

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Entretanto, a Constituição não deve impor expropriações referidas a um qualquer valor. O valor que em nosso entender deve balizar as futuras expropriações são os objectivos da política agrícola. Se houver uma propriedade com dimensão excessiva ou, ao invés, diminuta e que, por isso, se não conduz à realização desses objectivos, far-se-à então a sua expropriação, com vista ao seu "redimensionamento (...) do ponto de vista dos objectivos da política agrícola". Qualquer Governo pode, se quiser, fazê-lo.

Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, relativamente às propostas sobre esta matéria apresentadas pelo PS, penso, em linhas gerais que elas ficam aquém daquilo que seria desejável para a economia do País, no que respeita à agricultura. Esta está inserida no espaço económico da CEE, e com toda a dinâmica empresarial que perpassa pela agricultura europeia, penso que ainda existe neste campo algum misticismo que contraria bastante os objectivos da modernização da nossa agricultura.

Ora, quando no artigo 96.° se refere que os objectivos da política agrícola são a promoção da melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, perguntaria o seguinte: o que se entende hoje por "pequeno e médio agricultor?" Quanto à dimensão física das explorações que eles têm na sua posse estamos já esclarecidos, e em parte concordantes sobre os objectivos de contrariar uma excessiva concentração da propriedade rústica. Penso, aliás, que quanto a isso não temos grandes divergências. No entanto, questiono V. Exa. no seguinte sentido: o que é que define hoje o pequeno e médio agricultor? Será, repito, a dimensão física da exploração que detém ou a sua real capacidade empresarial?

Entendo, de facto, que existe neste ponto algum misticismo que advém ainda de tempos passados e que continua a ser algo descabido. Existem actualmente trabalhadores rurais e agricultores. No fundo, são eles que compõem o mundo rural; penso que não há necessidade de fazer a distrinça entre o pequeno, o médio e o grande agricultor porque a sua dimensão não ter muito a ver, e cada vez menos, com a evolução tecnológica e a dimensão das explorações agrícolas que possuem.

O PS mantém a alínea b) do n.° 1 do artigo 96.° como um dos objectivos da política agrícola. Não sei, porém, se o objectivo de assegurar o melhor abastecimento do País e do incremento da exportação, consagrado no texto da referida alínea, lido exactamente à letra - passe o pleonasmo - se enquadrará devidamente nas grandes finalidades da política agrícola comum (PAC), a que hoje, quer queiramos, quer não, temos de obedecer. Portanto, é um objectivo que à data...

O Sr. Rogério de Brito (PSD): - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas não se importa de repetir a pergunta formulada há pouco?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Rogério de Brito, a questão que coloquei foi esta: quando a alínea ò) do n.° 1 do artigo 96.° da Constituição refere que um dos objectivos da política agrícola é o melhor abastecimento do País, o que se entende, então, por esta última expressão? É que, com a liberação das trocas comerciais e dos produtos agrícolas entre os países da CEE, penso que o que se deve fazer é incrementar o aumento de produção daqueles produtos para os quais temos vantagem comparativas e não tanto o procurar-se a auto-suficiência alimentar. Julgo, pois, que há alguma desactualização neste objectivo, devida à nossa integração no espaço comunitário.

Um outro aspecto que me parece uma redundância, a menos que tenha outro significado político, está ínsito na proposta de alteração do PS ao n.° 2 do artigo 97.° Esta proposta refere que as propriedades serão entregues, a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em esquemas de exploração familiar, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores. Perante isso, pergunto: quais são as outras formas de exploração colectivas por trabalhadores a que a proposta do PS se refere? Pela minha parte, entendo que as formas democráticas de exploração colectiva por trabalhadores são realmente as cooperativas de trabalhadores rurais. Seguidamente, intercala-se a expressão "ou a outras unidades de exploração colectivas de trabalhadores" no referido n.° 2 do artigo 97.°, pelo que perguntaria se é objectivo do PS manter formas não democráticas de exploração da terra.

Finalmente, sublinho, de novo, que, em termos de uma agricultura que se quer desenvolvida, modernizada e competitiva dentro do espaço da CEE, subsiste na proposta do PS algum misticismo de esquerda, o que pode contrariar os grandes objectivos nacionais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, quero só sublinhar que o Sr. Deputado Luís Capoulas abordou na sua intervenção o artigo 97.° Suponho que, por uma questão de sistemática, devíamos deixá-lo para momento ulterior.

O Sr. Presidente: - De facto, Sr. Deputado, não atingimos ainda esse preceito, mas, de qualquer forma, há a liberdade de antecipar uma referência a qualquer artigo.

Vozes.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, quero só saber se vamos discutir os artigos em pacote.

O Sr. Presidente: - Claro que não, Sr. Deputado. Porém, já é normal chamar à colação dos argumentos a referência a um artigo posterior.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Capoulas, a pergunta que desejo formular é um pouco derivada de uma análise muito rápida que fiz ao conjunto dos artigos que o PSD pretende eliminar no capítulo dedicado à questão agrícola, e no qual fiquei com uma dúvida, que é a seguinte: o PSD admite a possibilidade de um Governo intervir por nacionalização ao

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nível dos solos - e não estou agora a discutir a pertinência das questões relativas à reforma agrária. Contudo, não vejo qual o artigo onde o PSD iria constitucionalmente fundamentar essa competência no respeitante à possibilidade de nacionalização de solos rurais. Refiro-me, como é óbvio, a um preceito do seu projecto de lei de revisão constitucional.

Neste sentido, pergunto ao Sr. Deputado Luís Capoulas se me poderia indicar, no projecto apresentado pelo seu partido, onde é que poderíamos deduzir essa competência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que a resposta foi dada há pouco pela minha companheira de bancada. De facto, julgo que o artigo 103.° do nosso projecto permite a intervenção do Estado no sentido do redimensionamento fundiário, do ordenamento e da reconversão agrária.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Entende que cabe aqui, portanto, a prerrogativa da nacionalização de solos?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Entendo, como política de redimensionamento fundiário.

O Sr. Presidente: - Mas essa está lá a atrás, como faculdade genérica.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É que o PSD (certamente não é com inocência que coloco esta questão), ao suprimir o artigo 80.°, que fala da nacionalização de meios de produção e solos, limita-se depois a admitir a intervenção do Estado ao nível dos meios de produção e depois restará saber se o solo é, do ponto de vista técnico-jurídico, um meio de produção.

O Sr. Presidente: - Mas tem um artigo em que diz que a lei determinará as formas de nacionalização.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É que no artigo 82.° o PSD admite a intervenção do Estado ao nível dos meios de produção, não é?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Exacto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Eu gostaria de saber se o PSD entende que os solos são, do ponto de vista jurídico, um conceito subsumível no conceito de meios de produção.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Entendemos que sim.

O Sr. Presidente: - O PS resolve o problema na medida em que dizemos "e demais meios de produção".

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O PS resolve, o PSD é que não sei se resolve. Entende que os solos entram no conceito de meios de produção?

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - O nosso entendimento é esse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Fico aliviadíssimo, o PSD considera uma evidência, isto é, que os meios de produção englobam solos. Todos sabemos da exegese do artigo 80.°

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Virão um dia dizer que o solo é uma condição de produção e não propriamente um meio de produção.

O Sr. Presidente: - Eu estou tranquilo porque uma das nossas propostas vai nesse sentido. Vai no sentido de dizer "e demais meios de produção".

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Veja lá se ainda vão invocar alguns teóricos sobre o que deva entender-se por estrutura dos meios de produção...

O Sr. Presidente: - Esse problema não existe.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, nós achamos que todas as cautelas são poucas, achamos também que o PS não adopta, e não só não adopta as cautelas suficientes como, pelo contrário, vai abrir uma página que se arrisca a ser muito perigosa na nossa história agrícola. Em todo o caso, essa é outra questão à qual iríamos a seguir.

A pergunta para o Sr. Deputado Luís Capoulas era de teor distinto. Sr. Deputado, o fundamental da proposta do PSD nesta matéria é a eliminação do n.° 2, que o PSD pretende que seja integral, a abolição do conceito constitucional da reforma agrária e de todos os seus vestígios, matéria de que se ocupa nos artigos seguintes e, por outro lado, aquilo que consta da proposta referente à alínea a) da n.° 1 em que o PSD se preocupa com a eliminação da segunda parte da actual alínea a) do n.° 1, isto é, com a eliminação da indicação ou da directriz "de transformação obrigatória das estruturas fundiárias e de transferência obrigatória também, e progressiva, da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na exploração para aqueles que a trabalham".

Há aqui uma révanche político-ideológica nítida, aquilo que é actualmente a consagração constitucional de uma palavra de ordem da nossa transformação política ocorrida depois do 25 de Abril, "a terra a quem a trabalha". É obviamente malfazeja para o PSD, e o PSD assume isso, embora o assuma mal e o Sr. Deputado não tenha aludido a esse aspecto.

O que me impressionou foi o facto de ter utilizado como argumento o facto de que a CEE, ou a adesão, e as organizações comunitárias seriam incompatíveis com esta concepção constitucional, com este conceito constitucional e com as obrigações inerentes. Dir-se-á, ao ouvi-lo, que Portugal não pôde entrar na CEE, íamos para entrar quando subitamente o porteiro da CEE nos disse: "não, não, vocês têm a reforma agrária, não podem entrar". Não foi assim, é óbvio que não foi assim, é óbvio que nada nas obrigações comunitárias nos obriga a demolir a reforma agrária. Nada nos obriga a fazer o elogio do latifúndio, a divinização do latifúndio, a eternização do latifúndio, a restituição ou restauração do latifúndio e o eco da grande propriedade capitalista como a melhor forma do mundo para a exploração da terra. Não o é, e constitucionalmente não o é, e nada nos obriga comunitariamente

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o reinstituir o latifúndio. Portanto, creio que V. Exa. poderia fundar-se em alguma cartilha político-ideológica, em algum intuito de révanche, mas seguramente não no tratado de Roma.

Segundo aspecto: "o que é um pequeno e médio agricultor?" exclamou o Sr. Deputado - o que lembra uma certa figura histórica que perguntava: "o que é a verdade?", na altura em que condenou outrém. O PSD propõe a supressão da alusão "pequenos e médios agricultores" e a alteração da alínea b) do n.° 1 do artigo que estamos a debater. Porquê? Devo dizer que a sua explicação me deixou estupefacto, e gostaria de ter a certeza que percebi bem, o que é um pequeno ou médio agricultor? E V. Exa. a seguir interrogava-se: "a questão da dimensão não interessa muito, a questão é a da capacidade". Esta interrogação deixa-me verdadeiramente estupefacto, porque introduz uma nova perspectiva e suponho que isso será uma sugestão notável para V. Exa. fornecer ao Sr. Ministro Álvaro Barreto do que devam ser as definições legais de pequeno e de médio agricultor. Verificaremos que por vezes um grande agricultor, por exemplo um proprietário absentista é um pequeno agricultor, e espero que VV. Exas. o punam devidamente na atribuição de crédito, e simultaneamente um pequeno agricultor é um grande agricultor, um agricultor capacíssimo., um agricultor de se lhe tirar o chapéu. Devo dizer que é uma formula que não tem a mínima cobertura constitucional, nem sequer creio que tenha cobertura legal, nem sequer creio que tenha vestígio de suporte na actividade legiferante do Governo de VV. Exas. É, parece-me, uma pequena diversão de carácter político-ideológico, excessivamente brincalhona para poder ser assumida em sede de exegese da Constituição. Que VV. Exas. queiram suprimir o favor constitucional dos pequenos e médios agricultores, que queiram fazer a exaltação do agricultor tout court, pensando sobretudo no grande agricultor, no sentido do proprietário capitalista abonado, isso é uma coisa. Mas, então, assuma o PSD que entende abolir as regras de protecção especial dos pequenos e médios agricultores. Já sabíamos que era assim na vida, dada a política agrícola que aplicam, que os expropriam, que tendem à sua própria expoliação em termos de propriedade e que tendem à sua punição em termos de crédito, em termos fiscais em termos de apoio técnico; já sabíamos isso. Mas agora invocarem o argumento de que o pequeno agricultor, já agora, é também aquele que tem pouca capacidade e que o grande agricultor é aquele que tem grande capacidade, e que, no fundo, ninguém sabe o que é que seja esse pequeno e médio agricultor que a Constituição instituiu, prevê e protege, Srs. Deputados há aí um exagero.

A última observação susceptível de induzir perplexibilidade que o Sr. Deputado Capoulas aqui introduziu diz respeito ao artigo 96.°, alínea b). Este artigo é réu de muitos "crimes" e esta alínea em particular é responsável pelas calamidades da nossa agricultura, na medida em que aponta para o "aumento da produção e da produtividade". Não foi isso que V. Exa. censurou, e só por verdadeira e completa distracção é que poderia fazê-lo, o que censurou foi a parte final: aumentar a produção e a produtividade dotando-a (à agricultura) das infraestruturas e dos meios humanos técnicos e financeiros adequados tendentes a assegurar o melhor abastecimento do País. "O melhor abastecimento do País?" Disse o Sr. Deputado Capoulas, mas isso é "uma concepção autárcica", "uma concepção isolacionística", então só falta que numa era de difusão do comércio internacional e logo também de intercâmbio de fluxos e refluxos a Constituição "retrogada" e "passadista" apontasse para o melhor abastecimento?! A Constituição será ré de todos os crimes menos desses, porque nunca a Constituição estabeleceu aqui o princípio do "integral abastecimento". V. Exa. treslê, gostaria que me tranquilizasse em relação e este aspecto, porque a Constituição não diz tendentes a assegurar o "total abastecimento do País". A Constituição aponta para a obrigação de assegurar o "melhor abastecimento do País". O caminho da dependência alimentar, do défice agravado da balança alimentar e a evolução perversa que resulta da gestão governativa de VV. Exas. não aponta seguramente o melhor caminho para esse fim, isso parece-me líquido, óbvio e evidente. Agora isso não tem nada a ver com o que estamos a discutir, a Constituição não tem nenhuma responsabilidade em relação a isso. O facto de apontar para "o melhor abastecimento do País" não é autarcia, não é "isolaciamento", não proíbe o comercio, não proíbe sequer o défice - parece-me uma evidência.

Gostaria, Sr. Deputado Luís Capoulas, que pelo menos conseguisse tranquilizar-nos quanto às confusões induzidas pelo PSD. E, já agora, gostava de lhe fazer uma pergunta, porque suponho que terá lido alguma responsabilidade no "aperfeiçoamento" que o PSD propõe. O PSD propõe o reordenamento da actual alínea b) por passagem à alínea a) e substitui o inciso "agricultura" pela expressão "sector agrícola". Já agora, gostaria de lhe perguntar o porquê desta alteração, porque nós até poderíamos votar favoravelmente uma transformação de agricultura por sector agrícola, porque no fundo parece-nos que não há uma diferença assinalável, a não ser que haja, e aí seria interessante que o PSD especificasse qual seja. O que o preocupa é transpor o jargão técnico-agrícola para a Constituição? Suprimir a noção de agricultura por sector agrícola, porquê? Suponho que a outra alteração, que é o grafar "País" com maiúscula, resulta de alguma coisa que não vale a pena discutir e suponho que é um respeito pela Pátria que é devido, mas se V. Exa. grafa "País" com maiúscula. Se isso for um saldo positivo da 2.ª Revisão Constitucional, não seremos nós que impediremos que o País seja grafado com P!

Eram estas, Sr. Deputado, algumas das perguntas que temos a dirigir, e devo dizer que, quanto ao aditamento de uma nova alínea J), "incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração directa da terra", não ouviu da nossa parte nenhuma crítica do tipo daquelas que dirigimos às propostas anteriores do PSD. O que quer dizer que também aqui fazemos uma destrinça entre aquilo que é uma política de liquidação de aspectos fulcrais de realidades instituídas na nossa agricultura e aquilo que são alterações pacíficas, não polémicas, e até meritórias aqui e além, mas que no mar, na aluvião, na torrente de destruição que o PSD pretende introduzir constitucionalmente fazem o papel do náufrago no meio do naufrágio.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram, queria de algum modo dar respostas às perguntas que me fez o Sr. Deputado Luís Capoulas. O Sr. Deputado José Magalhães de algum modo já respondeu, mas as perguntas foram-me dirigidas.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Tenho ainda uma bateria de perguntas que espero vir a formular.

O Sr. Presidente: - Disse que o PS ficou aquém do que é desejável e que a nossa proposta é ainda uma proposta de esquerda, mas nós também ainda somos de esquerda. Não deve estranhar.

Perguntou ainda o que é um pequeno médio agricultor. A Constituição não diz, mas também não diz o que é latifúndio, não diz o que é muita coisa, deixa isso para o legislador ordinário. Mas, se quer a minha resposta, pequeno e médio é o que não é grande. É o que não é titular do latifúndio. E assim como se combate o latifúndio por ser absentista em regra assim se combate o grande agricultor por ser ele também absentista em regra. Não trabalha a terra, explora-a através de outrem. Pode até acontecer que haja grandes agricultores que sejam óptimos e até eu começo alguns. O Governo é que tem de saber em cada caso se os objectos da política agrícola estão preenchidos com o "tamanhão" e se estão mal preenchidos com o "pequenote".

Perguntou também se o melhor abastecimento do País se integrava nos objectivos da política agrícola comuns. Melhor fora que a política agrícola comum impedisse em cada país se abastecesse o melhor possível. Depois fez uma pergunta que para mim é embaraçosa mas ao mesmo tempo não é. Que outras formas de exploração colectiva pelos trabalhadores? O que é isso? É o que está no n.° 2 do artigo 97.°, não referido a formas de exploração mas a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores. Presumo que a Constituição não refere uma coisa que não exista; o meu amigo é especialista e sabe com certeza a que é que isto se refere, eu também sei, e se essa realidade existe, ainda que reduzida em número, nós temos de a contemplar na nossa proposta. Nem poderíamos deixar de fazê-lo. Basta que consagremos e continuemos a consagrar - e parece que assim será - a autogestão, para admitirmos que, mesmo que num determinado momento histórico não houvesse mais nenhuma unidade de exploração colectiva por trabalhadores, pudesse passar a existir no dia seguinte.

Srs. Deputados Sousa Lara e Pacheco Pereira pediram a palavra ao mesmo tempo. Têm de resolver a questão entre ambos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, queria levantar aqui três questões cuja chamada à colação é pertinente neste momento.

A primeira consiste numa reflexão curta, mas necessária, sobre a realidade histórica da reforma agrária. Qual foi de facto, concretamente, o objectivo primordial da reforma agrária? Foi um objectivo de carácter político, foi um objectivo de carácter revolucionário, estrutural, e a sistemática reflecte isso: não foi por acaso que a alínea a) ficou em primeiro lugar. É que o objectivo primordial da política agrícola consiste num objectivo de carácter político e numa meta de carácter estrutural, social e apenas secundariamente económico.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas esse é um aspecto claramente acentuado.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Eu penso que a proposta do PS, e no fundo vou corroborar o que disse o

Sr. Deputado Almeida Santos, mantém esta conotação de esquerda e que nós queríamos retirar com esta alteração, que consiste em manter como primeiro objectivo um objectivo de carácter político, estrutural, e não um objectivo macro-económico como o aumento da produção e da produtividade. Suponho que era este entendimento que o Sr. Deputado Capoulas e o Sr. Deputado Encarnação deram e que, no fundo, mostram existir uma diferença de perspectivas. Não vale a pena estarmos a ocultá-lo.

O Sr. Presidente: - Mas acha que - não sendo nós contra o aumento da produção e da produtividade - não deveremos promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais?

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Não é isso que está em questão; o que está em questão é a prioridade, digamos, a preferência que é dada ao primeiro objectivo em detrimento do segundo.

Em segundo lugar, gostaria de referir que já se falou aqui várias vezes no conceito de latifúndio. Se bem me lembro, e estou a referi-lo de memória, o entendimento que o Prof. Henrique de Barres dá à figura do latifúndio é o de grande propriedade privada, de grande extensão e subaproveitada. E esta segunda característica é muitíssimo importante para a interpretação de toda esta lógica relativa aos artigos que estão em apreço. Não se trata apenas de grandes propriedades e penso que estamos a laborar num erro se consideramos a extensão como único parâmetro do latifúndio.

O Sr. Presidente: - Por isso nos referimos aos objectivos da política agrícola!...

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Isso vejo eu e dou o devido apreço a esse entendimento. Mas até aqui tanto não transpareceu e é bom que se dê o ênfase devido a esse particular aspecto.

O Sr. Deputado Luís Capoulas referiu, e foi muito oportuno, o problema da adesão à CEE e eu tiraria daí uma ilação subsequente que me pareceu extraordinariamente importante e que consiste na pressão das realidades dos agentes económicos, na pressão dos factos e na pressão do mercado. O problema é este: nós estamos aqui a exprimir uma atitude que é uma atitude ideológica prioritária, uma atitude ainda profundamente doutrinária no sentido ideológico da expressão, sem atendermos a que a pressão da realidade económica do mercado em que nos inserimos, por força da adesão, vai condicionar a própria dimensão da propriedade. Embora não sendo economista nem agricultor, conheço algumas estatísticas e sei que, por exemplo, a produção máxima das nossas melhores terras da zona de intervenção da reforma agrária, o que significa das nossas melhores terras de potencialidade agrícola, no que toca à produção de trigo, andará, nos anos melhores, na ordem dos 4000 quilos de trigo por hectare, para menos e não para mais. Só na zona de Paris, nos arredores de Paris, a produção média é superior a esta produção máxima, e isto repete-se pela Europa fora. O que quer dizer que a pressão desse mercado vai condicionar não só a vocação produtiva da nossa agricultura e das nossas empresas agrícolas como a própria dimensão da propriedade. E, se limitarmos excessivamente, por força de preceitos constitucionais, a latitude de intervenção de um governo, num país em

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que as estruturas económicas e sociais sofrem profunda mutação por força dessa intervenção, vamos criar uma dificuldade futura ao país, à economia nacional, que não existirá se se ficar num conceito menos vinculativo, menos programático, como acontece com a proposta do PSD.

Terceira e última questão: lembro que falar em nacionalizações, nesta sede em particular, tem um conteúdo diferente de falar em nacionalizações noutra perspectiva qualquer. Isto vem à colação por causa da intervenção do Sr. Deputado Lacão. Se se acabar com a situação actual de irreversibilidade das nacionalizações, essa perspectiva muda profundamente até no nosso entender.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, para fazer uma pergunta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Sousa Lara, a pergunta que lhe pretendo colocar é simples, e c a seguinte: as preocupações que acabou de exprimir do seu ponto de vista seriam inviabilizadas pelas propostas de revisão constitucional apresentadas por quem?

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Deputado, eu estou a referir-me a preocupações que têm a ver com a situação concreta do nosso país até 1988, ou seja até hoje.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se me permite, e se isso o ajuda, posso concretizar ainda mais. Nas suas considerações - talvez fosse só um plural majestático -, referiu "nós estamos a legislar com preocupações fundamentalmente ideológicas", e eu fiquei na dúvida se o seu "nós" também visava englobá-lo a si, como Deputado do PSD, e a mim, como Deputado do PS.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Quando me refiro a "nós" refiro-me à Assembleia.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já percebi, então, que eram considerações abstractas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rogério de Brito também lhe quer fazer uma pergunta.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, sou capaz de fazer mais do que uma pergunta.

O Sr. Presidente: - Desde que sejam perguntas, o número é ilimitado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Quero apenas colocar duas ou três questões ao Sr. Deputado Luís Capoulas, que não tive oportunidade há pouco de formular.

Quando o Sr. Deputado Luís Capoulas referiu há pouco, por diversas vezes, a agricultura europeia, a integração na CEE, a política agrícola comum, etc., gostaria agora de lhe perguntar - já que tanto referenciou a política agrícola comunitária - se tem a noção de que quer no Livro Verde da Comunidade, quer em todos os relatórios sobre a situação da agricultura na Comunidade é referido expressamente a pequena e a média agricultura. Mais: a política agrícola comum é considerada hoje como uma das explorações que carecem de maiores apoios, por forma a garantir a sua sobrevivência e adaptação às novas exigências do mercado e do desenvolvimento. Então, o Sr. Deputado recusa aquilo que a própria Comunidade reconhece, embora esteja permanentemente a referir-se a ela. A verdade é que há coisas que não têm saída. Querer pretender pôr no mesmo barco o absentista e o cultivador, ou o latifundiário e o agricultor, é um exercício muito complicado que inevitavelmente o vai fazer cair em contradições. Gostaria que me explica-se isso.

Quanto à questão do melhor abastecimento, não colhe a "história" de agora aumentar o abastecimento interno porque estamos na Comunidade. Perguntar-lhe-ia: adoptando o seu critério, o que é que, objectivamente, nos poderá acontecer?

Tenho aqui uma tabela que me dá a seguinte situação:

1.° Quanto à exploração pecuária (carne), o rendimento médio nacional é de cerca de um quarto do rendimento comunitário. Quer isto dizer que vamos deixar de produzir carne?

2.° Relativamente ao leite, o rendimento médio nacional é de cerca de um terço do rendimento comunitário.

3.° Em relação às frutas, o rendimento nacional e sensivelmente menos de metade do da CEE. Significa isto que vamos deixar de produzir fruta?

4.° O rendimento médio no que toca ao vinho é de cerca de um terço do comunitário. Significa tal facto que vamos deixar de produzir vinho?

5.° Na horticultura, o rendimento médio nacional é de cerca de um quarto do rendimento comunitário. Significa isto que vamos deixar de produzir hortícolas?

E, curiosamente, apesar de tudo, temos ainda os cereais, cujo rendimento é só de metade do comunitário!

A adoptarmos o seu conceito, cairíamos numa situação contra a qual o PCP se tem manifestado - e o Sr. Deputado vem confirmar que temos razão para ter receios - e que é a seguinte: a dada altura, estaríamos a produzir madeira, rolaria, pasta de papel, e quando muito a aproveitarmos uns espaçozinhos do litoral e os perímetros de rega que dispomos no País. É isto? Se sim, é bom que digam que é esse o vosso conceito de distribuição da produção e do papel que nos cabe no contexto da Comunidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E digam isso aos agricultores.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estas eram as dúvidas que eu tinha e que gostaria que fossem esclarecidas.

Há ainda que fazer referência à questão, colocada pelo Sr. Deputado, de que a pressão da realidade económica do mercado vai condicionar a dimensão das explorações - e pôs até a questão da própria produtividade do Alentejo, comparada com a da periferia de Paris, por exemplo. Entende V. Exa. que há, no exemplo concreto que foi buscar de comparação das nossas produtividades coma produtividades comunitárias, alguma relação dimensão de propriedade / produtividade? E repare em que, ao fazer esta pergunta, não lhe estou a responder que não, pois até estou convencido de que existe tal relação. Citou Henrique de Barros, mas eu referiria também Eugênio Castro Caldas, Francisco Avilez, e isto para trazer nomes de várias tendências políticas. Pergunto-lhe: é ou não um facto

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que todos estes investigadores da economia agrária considerem que o latifúndio é o grande responsável pelos baixos rendimentos agrícolas, pelas baixas produtividades, pelos baixos índices de intensidade da actividade económica na agricultura? Vai V. Exa. contradizer isto? É essa a questão que me suscita dúvidas: saber se podemos pôr o problema na base em que o colocou ou se ele reside em que, efectivamente, a própria racionalidade técnico-económico da agricultura impõe que haja uma dimensão das explorações na qual a própria dimensão não seja um factor reductor da produtividade. Enfim, é um mero conceito de apreciação, que referi apenas porque o citou.

Por outro lado, o Sr. Deputado tocou num ponto importante, que fez retomar a questão que eu tinha colocado ao Sr. Deputado Almeida Santos. Trata-se do conceito de "latifúndio", em relação ao qual, a dada altura, citou o Prof. Henrique de Barros, para dizer que latifúndio é a grande propriedade subaproveitada. E muito discutível que seja esse o conceito do Prof. Henrique de Barros, ou, pelo menos, que ele se reduza a isso. Temos, aliás, um parecer sobre o próprio projecto de lei do PSD que está para ser apreciado nesta Assembleia e temos também o parecer do Prof. Henrique de Barros sobre esta questão, e posso dizer que não é exactamente isso. Mas, de qualquer modo, o que isto suscitou foi uma resposta por parte do Sr. Deputado Almeida Santos. Por isso mesmo é que remetemos apenas para a questão da política agrícola. E isto retoma a questão: é que, efectivamente, o latifúndio pode ser entendido tão somente como uma mera questão de dimensão em função de critérios estritos de racionalidade técnico-económica

O Sr. Presidente: - E hoje é.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Hoje, constitucionalmente não é entendido meramente como uma questão de racionalidade técnico-económica.

O Sr. Presidente: - A lei é que diz: acima de x...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - A lei diz, mas nós estamos a discutir a revisão da Constituição e esta não define dimensões. O que define é qual o conceito político de latifúndio. É preciso ter isto em conta. A Constituição considera também que a expropriação do latifúndio é uma resposta aos próprios condicionamentos...

O Sr. Presidente: - Mas qual é o conceito político de latifúndio dado pela Constituição? É que não estou a ver qual seja.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Posso dar-lhe vários, mas diria que é igual ao conceito de reforma agrária.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas a partir da expressão "expropriação dos latifúndios", o que é que eu exproprio? A Constituição não o diz!...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Diz sim, porque o latifúndio é um factor de subordinação do poder político ao poder económico. O que, aliás, é visível; basta olharmos para a estrutura do Ministério da Agricultura

para termos a noção exacta de que continua a ser um elemento de pressão e domínio sobre o poder político.

O Sr. Presidente: - Entre caminhos tão vagos é sempre possível estabelecer uma ponte. Do que não há dúvida é de que a ponte é muito aérea.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Mas a Constituição clarifica. Aliás, não é por acaso que a Constituição da República hierarquiza aqueles que privilegia, prioritariamente, e subordina sempre a grande propriedade aos interesses do pequeno ou médio agricultor. Fá-lo sempre e explicitamente.

O Sr. Presidente: - Isso é verdade. É um favor de tudo o que é pequeno e médio, seja agricultor, seja propriedade.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - A Constituição considera a expropriação do latifúndio como meio e instrumento indispensável à realização do objectivo da política agrícola que é o da melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais. Com efeito, diz que se caminhará no sentido da transformação das estruturas fundiárias pela "transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham". Isto tem um conteúdo fortemente político, e não é a mesma coisa do que dizer que o latifúndio pode ser expropriado por razões de racionalidade, de dimensão excessiva, etc. Há uma função política...

O Sr. Presidente: - Mas nós mantemos esse valor de defesa do pequeno e médio agricultor, mantemos a defesa do valor "a terra a quem directamente a trabalha" - e o PSD, de algum modo, também. Embora sejam outras formas de dizer a mesma coisa, a preocupação está cá e o valor é evidentemente defendido.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Eu diria que o que o Sr. Deputado Luís Capoulas aduziu na sua intervenção é a prova cabal de que aquilo que o PSD diz não é a mesma coisa do que o PS, afirma pelo menos pelo que ouvimos.

O Sr. Presidente: - Obviamente que não é. Mas ninguém disse que era a mesma coisa!...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Têm conceitos muito distintos. A dúvida consistirá em saber se os conceitos, apesar de distintos - nas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos e do Sr. Deputado Luís Capoulas - em termos de texto constitucional, são assim tão distinguíveis.

O Sr. Presidente: - Não são! Quer responder o Sr. Deputado Sousa Lara, visto que lhe foram feitas perguntas também a si?

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Não sei, mas parece-me que o Sr. Deputado Luís Capoulas teria primeiro algo a dizer.

O Sr. Presidente: - É que o Sr. Deputado Rogério de Brito fez perguntas aos dois. Agora quais foram

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exactamente feitas a um e a outro não ficou bem claro no meu espírito. Não sei se ficou no vosso. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): -r- Sr. Presidente, a razão das minhas críticas à proposta do PS está perfeitamente justificada, porque, acima de tudo, quem se doeu foi o Partido Comunista. Eu interpelei o Sr. Deputado Almeida Santos, e quem me respondeu foi o Sr. Deputado José Magalhães. Portanto, está perfeitamente justificada a razão de ser das minhas críticas a aspectos quanto a mim negativamente esquerdizantes da proposta do PS.

Mas, respondendo aos Srs. Deputados interpelantes do PCP, eu diria que não vou responder àquilo que eu não disse ou àquilo que os Srs. Deputados quiseram que eu tivesse dito. Enfim, não me perco em delírios de retórica e, portanto, gosto de analizar a realidade, procurar mudá-la aos novos tempos, e, como tal, não me vou perder a responder a questões que passaram pela vossa cabeça como os puros fantasmas, mas a que eu nem pouco mais ou menos aludi.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Então tome nota, para depois verificarmos na acta.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Agora, quanto àquelas questões que referi e quanto à alínea d) do artigo 96.° - que o PS propõe se mantenha tal qual está -, o que eu disse foi o seguinte: esta redacção foi nitidamente escrita numa época em que era aceitável um objectivo de política agrícola nacional que fosse o caminhar no sentido duma maior auto-suficiência alimentar. E o que eu digo é que hoje, integrados nas comunidades, com uma política agrícola comum, com um espaço único agrícola, o que nós temos é que explorar as nossas vantagens comparativas para as produções daqueles produtos em que nós podemos competir, e não andar agarrados a ideias perfeitamente descabidas - e hoje ineficazes - de pretendermos competir onde não o podemos fazer. E o caso dos cereais que foi aqui apontado é um exemplo lapidar. Foi apenas isto que eu disse. Penso que tal qual está enunciado nesta alínea, está-se a pensar no passado, está-se a renegar um destino que é irreversível, e que e o destino duma política agrícola comum exercida num espaço agrícola único. Portanto, foi apenas isso que eu disse. Para bom entendedor julgo que meia palavra basta, o que não é o caso dos Deputados do PCP com a aversão que têm ao espaço europeu.

Quanto à questão dos pequenos e médios agricultores, quero dizer aqui que são perfeitamente infundadas, descabidas e perfeitamente agressivas as insinuações que fez, porque, se alguém protegeu os pequenos e médios agricultores quando o PCP os perseguia no Alentejo, foi o PSD. Se alguém instalou pequenos e médios agricultores, foi o PSD. O que nós dizemos é que isto é mais uma figura romântica, mística, que não devia caber no texto constitucional, porque não é a dimensão da exploração que deve caracterizar o agricultor. E que nós temos que melhorar e que prover é a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais, e de todos os agricultores e não apenas dalguns, principalmente quando esses não estão definidos. Esta é a segunda questão.

E quanto à terceira questão que suscitei - e apenas suscitei três questões -, a de se manter no artigo 97.° as outras formas de exploração colectivas, considero que aquelas que existem não são formas democráticas do exercício da actividade económica e, como tal, não deveriam ser contempladas numa Constituição que se quer democrática, num Estado de Direito. E mais: quando no título desse artigo se diz que se pretende a eliminação dos latifúndios, eu digo, afirmo e comprovo que os maiores latifúndios que hoje existem são exactamente os que estão na posse das designadas UCP's. Qualquer que seja a perspectiva em que o problema se encare, quer tanto à área das explorações, quer quanto ao subaproveitamento das terras, quer quanto à subutilização dos factores de produção, quer quanto aos aspectos de monocultura e de falta de diversificação cultural, sob qualquer dos aspectos, os maiores latifúndios que hoje existem são estas outras formas de exploração colectiva dos trabalhadores. Portanto, é isto que é necessário afirmar, e é isto que nós contestamos: que se mantenha esta abertura para a manutenção de formas de exploração e de exercício da actividade económica que são perfeitamente anti-democráticas e que não deviam estar consagradas no texto constitucional da República Portuguesa, num Estado de Direito, e, portanto, com regras cada vez mais claras e transparentes. Julgo que quando se consagra que a trasferência da posse da terra expropriada ; deve ser feita para os pequenos agricultores, de preferência integrada em esquemas de exploração familiar, e a cooperativas de trabalhadores rurais, ou de pequenos agricultores, isto devia bastar para estar aqui enunciado o princípio de se promover a desconcentração da propriedade e o estabelecimento dum vínculo mais reforçado do homem à terra. As outras formas de exploração colectiva são, quanto a nós, do ponto de vista do PSD, uma abertura à manutenção de situações perfeitamente anti-democráticas e que era bom que nós eliminássemos do nosso texto fundamental, que deve ser realmente um ponto de encontro dos democratas e não doutras tendências ou forças políticas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para prestar um pequeno esclarecimento que me pareceu ter pertinência, pois provavelmente não me expliquei bem.

Se ficou no seu espírito que eu não sou contra o latifúndio, ou que o PSD não é contra o latifúndio, queria esclarecê-lo que obviamente somos contra o latifúndio. Nunca se disse o contrário. Agora trata-se do latifúndio entendido no conceito que eu e o Sr. Deputado Luís Capoulas demos. Não só tomando como princípio a dimensão, mas, sobretudo, a característica do subaproveitamento, da má gestão, ao fim e ao cabo. É neste particular aspecto que queria centrar todo o meu comentário em relação ao latifúndio.. Portanto, se isso ficou por esclarecer, eu gostava que ficasse muito claro. Nós não somos a favor do latifúndio, mas o latifúndio tem de ser entendido conforme o definimos e, por conseguinte, pode também haver latifúndio em actuais UCP's.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

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O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Vou reservar-me para a discussão do artigo seguinte, embora algumas das questões já tenham sido levantadas aqui, na medida em que vou fazer uma intervenção de carácter político sobre estes temas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, ia só fazer três perguntas ao PS na expectativa de que não haja uma nova sub-rogação por parte do respondente, como aconteceu há pouco quando o meu colega fez umas perguntas também ao PS, e o Sr. Deputado José Magalhães, num certo furor de destruir todas as nossas propostas relativamente ao problema da política agrícola, respondeu impetuosamente.

A pergunta é, de facto, dirigida ao PS para efeito de esclarecimento do n.° 1 do artigo 97.°

O Sr. Presidente: - Peço desculpa por interromper, mas ainda, lá não chegámos, Sra. Deputada.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, vou trazer à colocação uma afirmação, que me pareceu grave, do Sr. Deputado Luís Capoulas, que não posso deixar passar em claro.

É bom que tenhamos presente que em sede de revisão constitucional não devemos propriamente jogar pedradas em função daquilo que temperamentalmente cada um sente que é o latifúndio. Estamos a fazer a discussão objectiva dos conceitos e dos problemas. O que é que quero dizer com isto? É que, segundo me parece, a impetuosidade vem de lá para cá, porque ainda não abordei aqui nenhum problema que não no estrito âmbito da análise objectiva de conceitos e de considerações técnicas e económicas. Não fiz qualquer tipo de insulto, nem de provocação. As gravações das reuniões falarão por elas.

Agora, em relação a histórias do tipo "quando vocês andaram lá por aqueles Alentejos a atacar os pequeninos e médios agricultores", devo dizer que tenho ouvido muitas desculpas, sobretudo para defender os latifundiários. Assumindo eventuais erros - e alguns se cometeram -, devo dizer que, se a Reforma Agrária - e não foi o PCP que a fez, mas sim os trabalhadores rurais do Alentejo - pode ter cometido erros, deles não foram vítimas, em princípio, os pequenos e médios agricultores. E, provavelmente, para o PSD a questão estará - daí a dificuldade em definir o que são pequenos e médios agricultores - na confusão entre latifundiários e (já não digo "pequenos") médios agricultores.

Por outro lado, quanto às formas democráticas, diria que, enquanto a Constituição da República reconhecer a existência das unidades de exploração colectiva por trabalhadores, um facto que não pode ser contestado é o de que há um determinado tipo de estrutura criado pelos próprios agentes que fizeram a Reforma Agrária, e a questão está em saber se é discutível ou não em termos institucionais. Essas unidades estão reconhecidas institucionalmente, oficialmente, e são reconhecidas pelo próprio Tribunal Constitucional (TC) e pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), tribunais estes que reconhecem o direito à posse útil dos meios de produção. São também reconhecidas pelo INSCOOP (não vou dizer agora quantas têm o estatuto cooperativo e quantas não o têm, porque não tenho elementos para tanto, mas estou convicto de que a esmagadora maioria o tem).

Finalmente, não estou aqui particularmente empenhado em discutir o conceito de democracia do Sr. Deputado Luís Capoulas fora do âmbito das definições e dos preceitos constitucionais e legais. Podemos sempre discutir o que é democrático, mas há um quadro aferidor do que é democrático que é a Constituição da República - e esse é o primeiro que defendemos.

Penso que esta precisão era necessária. As questões podem ser discutidas no âmbito da objectividade, da racionalidade, sem prejuízo do calor do debate, mas sem cair no ataque vazio, arbitrário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Prescindi de intervir exactamente porque há aqui uma confusão entre dois tipos de discussão, e sistematicamente, digo-lhe com franqueza, os Srs. Deputados do PCP fazem determinado tipo de intervenções e não admitem a réplica com o mesmo tipo de questões que normalmente levantam nas suas intervenções.

Mas, para não entrar na discussão desse tipo de processos, gostaria de lhe fazer algumas perguntas concretas que penso traduzirem o que disse o Sr. Deputado Luís Capoulas sobre as unidades colectivas de produção e que têm a ver com realidades. Por exemplo: é ou não verdade que em determinadas Unidades Colectivas de Produção (UCP's) se deu uma concentração de propriedade e que daqui resulta que algumas delas são maiores do que muitos dos latifúndios previamente existentes? E o julgamento sobre o latifúndio enquanto extensão da propriedade não é também aplicado às unidades colectivas de produção? É ou não verdade que, salvo casos pontuais de diversificação de culturas, as unidades colectivas de produção reproduziram os modelos agrícolas previamente existentes no Alentejo e reproduziram todas as taras desse modelo agrícola que eram conhecidas de há muito tempo? É ou não verdade que os estudos publicados sobre as UCP's, sobre os seus estatutos e sobre a vida interna - não é o estudo feito pelo nosso colega Deputado António Barreto...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está a falar do famigerado estudo que zurzimos durante o debate da impugnação e que, aliás, ainda não foi fornecido à Assembleia?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Como sabe, há mais do que uma pessoa com o apelido Barreto e há mais do que um estudo assinado por pessoas com esse apelido.

Dizia que existem vários estudos, inclusivamente estudos académicos, que revelam que as unidades colectivas de produção no seu interior reproduzirem todas as estruturas conservadoras da própria sociedade alentejana. As estatísticas revelam, por exemplo, que em situações de desemprego as mulheres são as primeiras a ser despedidas, as estatísticas revelam ainda diferenças salariais - a trabalho igual, salário igual - entre

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os homens e as mulheres nas UCP's. Os estudos feitos sobre as unidades colectivas de produção revelam a existência de estruturas anti-democráticas de controlo dessas UCP's. São realidades que podem ser discutidas objectivamente em função dos estatutos existentes, em função do material e do conhecimento científico que existe sobre essas realidades. Portanto, os Srs. Deputados não podem pretender em alguns casos apresentar a questão meramente em termos jurídicos, ou seja, em termos de uma análise formal da realidade existente, e outras vezes deslocar-se quase sempre, quando atacam, para uma análise material ou das intenções ou que não corresponde à realidade factual.

É evidente que na proposta do PSD se entra em conta com estas realidades, e estamos aqui não só para fazer uma discussão formal inteiramente jurídica mas também uma discussão que tem a ver com a realidade do País, com posições e observações sobre a materialidade dos factos. Se vamos fazer essa discussão em relação a um do capítulos em que é mais forte a influência ideológica, o capítulo sobre a reforma agrária, toda a parte sobre a política agrícola é daquela que mais está preenchida por formulações de tipo ideológico que podem, aliás, ser contestadas e demonstradas quer na sua origem histórica quer na sua origem quase verbal e conceptual. Se querem fazer essa discussão, façamo-la, mas não admitimos uma limitação do tipo de intervenção que possamos fazer sobre esta matéria enquanto os senhores se arrogam não só o direito de fazer processos de intenção, como de fazer uma análise que se desloca do plano jurídico para o plano material conforme muito bem entendem. Se é assim - e foi por isso que não quis falar há pouco, pois reservava-me para discutir o artigo 97.° sobre a eliminação dos latifúndios -, poderia fazer uma intervenção sobre muitos aspectos completamente contraditórios das posições que os senhores têm expresso. Por exemplo, toda a formulação sobre a reforma agrária, da terra a quem trabalha, tem sistematicamente esquecido um dos aspectos em que o problema da propriedade capitalista de terra é mais importante, que são as grandes quintas do Douro, das quais os senhores nunca falaram depois dos anos 50.

Há, pois, muitas coisas inteiramente contraditórias. A fórmula "a terra a quem a trabalha" era entendida a partir de um princípio de divisão de propriedade e depois foi substituída pela tentativa de criar em Portugal uma espécie de solvkoze que são as UCP's, que foram pensadas assim. Se os senhores quiserem, cito-vos declarações de membros do PCP com responsabilidade no processo da reforma agrária que explicitamente o diziam. Os senhores não gostam da memória porque a memória tem um papel importante na formação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está a falar em relação a si?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não, e em relação a si também, porque tenho boa memória. Pretendo dizer é que se os senhores...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem memória ou acesso a certas fichas e ficheiros passados e talvez actuais?!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O senhor não me intimida com esse tipo de observações.

Se quiserem discutir a questão, devo dizer que não admito a duplicidade de critérios. Se quiserem discutir nestes termos, somos capazes de o fazer e, portanto, não podemos deixar de analizar todas as formulações que os senhores querem manter na Constituição com as intenções originais que estavam presentes nessas formulações, e que, evidentemente, os senhores, na maioria dos casos, não fazem propostas de alteração, pretendem manter.

Se quiserem, portanto, essa discussão, estamos disponíveis para fazê-la mas, não podemos admitir que apenas a possamos fazer em algumas alturas sobre os aspectos jurídicos e que, quando queremos discutir sobre os aspectos materiais, os senhores nos acusem de nos estarmos a desviar do processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Respondendo às questões colocadas, começaria por dizer que considero perfeitamente legítimo ser questionado - e gosto de o ser - em torno de ideias e dos princípios que defendo. Penso que assim o debate pode ser útil e rico, e não foi isso o que critiquei. A questão coloca-se quando se pretende condicionar o debate. Se neste momento, por exemplo, me virasse para si e dissesse que os senhores estão aqui a debitar conceitos quando andaram para aí a dar cabo dos pequenos e médios agricultores, isso seria limitar e condicionar o debate, impossibilitando-o. Foi isso o que foi feito e foi isso o que foi criticado, porque essa não é a forma de se abordarem os problemas.

Mas vamos ao debate das ideias. Perguntou-me se é verdade que em UCP's se deu concentração de propriedade e que algumas ficaram com dimensão maior do que a de latifúndios que existiam. Também é verdade que essa não foi a solução para todos os casos. Também é verdade que há diferenças substanciais entre distritos. Também é verdade que, por exemplo, a estrutura que foi constituída no Distrito de Setúbal não tem nada a ver com a do Distrito de Évora ou de Beja, isto é, que há diversidade, o que pressupõe que as coisas não terão sido tão "chapa carimbada" como eventualmente possa pretender insinuar-se.

Esta questão da concentração da propriedade tem a ver com vários factores. Quase diria, relembrando ainda o primeiro período da "colonização" do Alentejo...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Então, considera que em determinadas circunstâncias é racional haver grandes propriedades com uma extensão superior àquela que existia antes da reforma agrária?

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Desde o princípio que levantei a questão. A questão do latifúndio não é uma mera questão de dimensão, mas uma questão que também tem a ver com o regime da propriedade da terra. Isto é um facto. Basta atentar no que sobre o latifúndio está dito e adquirido pelo Concílio Ecuménico dos bispos para se entender que o latifúndio não se resume a uma questão de dimensão, mas tem

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sobretudo a ver com a questão do regime da propriedade da terra e, por via dela, dos poderes que são detidos. E devo dizer que, em relação a regime de concentração da propriedade da terra, não há na Europa similar em relação a Portugal e os únicos países onde há similitude situam-se exactamente na América Latina. O problema é o seguinte: uma coisa é o proprietário da terra ter e explorar 10 mil hectares, dos quais 3 mil de sobreiros, e o que isto tem de consequências quanto à minha concepção da terra e quanto à própria concepção de rentabilidade, de ocupação; outra coisa é, por exemplo, esses mesmos 10 mil hectares serem explorados por 100 ou 200 trabalhadores em regime cooperativo, com a produtividade dessa terra a ter de satisfazer as necessidades desse trabalhadores e não apenas da família que detém esse latifúndio. Isto tem implicações na utilização dos solos, na própria concepção da agricultura, da produção, da produtividade, completamente distintas.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso significa que a questão essencial não é a propriedade da terra em si, mas sim os objectivos que se pretendem realizar com essa propriedade nas suas diferentes formas.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Não, isso significa que o regime de propriedade é decisivo, não sendo necessariamente resolvido pela propriedade, se com isto se quiser dizer que nós, por exemplo, defendemos o regime da posse útil, e não necessariamente da propriedade, da terra. No entanto, no regime da propriedade privada da terra, o latifúndio tem uma classificação e um conceito precisos que não são apenas, no nosso entender, uma mera questão de maior ou menor aproveitamento, de melhor ou pior aproveitamento do recurso. Ultrapassa esse âmbito, sendo certo que, por regra, o próprio regime da propriedade latifundiária conduz ao subaproveitamento, o que não quer dizer que não possam existir excepções.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não foi isso que aconteceu na reforma agrária, em que foram nacionalizadas empresas que não obedeciam a esses critérios.

O Sr. Presidente: - Quando entender oportuno, Sr. Deputado Rogério de Brito - não tem de ser hoje, pode ser amanhã -, há-de tentar esclarecer-me sobre o conceito de "posse útil". O defeito é seguramente meu, faço uma confusão mental diabólica, e por isso lhe peço que tenha a paciência de fazer esse esclarecimento.

Não tem de ser hoje, pode ser amanhã. Amanhã vamos continuar, pelo que lhe peço que me traga esse recado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Isto leva-nos à questão de haver casos de UCP's reproduzirem, salvo excepções, modelos e taras que já vinham do anterior. Neste ponto, apelaria ao sentido a que apelou, isto é, do conhecimento, e à interpretação científicas da realidade do País, da materialidade dos factos e da realidade social. Penso que, conhecendo nós a realidade sócio-cultural e económica do Alentejo, pretende que a reforma agrária, que tem à partida o objectivo muito claro de dar resposta a um imperativo de ordem fundamentalmente sócio-económica, possa a partir daí traduzir, materializar uma resposta ao nível da produção, da produtividade, da modernização, faz com que o latifúndio seja questionado por razões fundamentalmente de ordem sócio-económica.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso é uma explicação racional do sub-emprego da população alentejana.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Ao reproduzir modelos, diria que em termos científicos seria uma hipocrisia admitir, só porque se fez uma reforma agrariam, que aqueles que toda a vida tiveram como conhecimentos materiais a exploração extensiva da terra, a pobreza tecnológica da exploração, etc., só porque fazem uma alteração do regime da propriedade da terra, que é socialmente justa, se transformam em agrónomos, em técnicos de agricultura, ou adquirem formação técnica e profissional ou há possibilidade de posteriormente levar as necessárias reconversões, por via da vulgarização técnica, por via da disponibilidade de novos recursos àquela realidade que não se pode transformar...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, se há sítios do País em que houve uma direcção centralizada da agricultura, é no Alentejo, onde era possível conduzir uma política, e houve de facto esforços nesse sentido para o conjunto das UCP's. É completamente diferente porque está, no fundo, a remeter para os trabalhadores rurais a responsabilidade pela manutenção de um modelo económico que na realidade corresponde a uma opção política de fundo. Se há sítio onde era possível conduzir uma política de conjunto a partir de uma direcção centralizada utilizando estruturas existentes, de poder sindical, político, administrativo, era o Alentejo. Na realidade, a decisão de manter modelos agrícolas tem a ver com o próprio sistema da propriedade, tem a ver com as UCP's, tem a ver com decisões de tipo político, que estão inscritas no modelo da Constituição, e com uma determinada prática de poder, não têm a ver com a posição dos trabalhadores rurais alentejanos.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Não sei se deva interpretar isso como um atestado de menor capacidade aos trabalhadores alentejanos ou como um atestado no sentido de que eu diga que efectivamente os comunistas tinham o poder, o controlo centralizador, etc. Não me leva por aí.

Sou dos que entendem que os trabalhadores que fizeram a reforma agrária encontraram por si os seus próprios mecanismos, tiveram as dificuldades inerentes à construção de um processo de vida colectiva e democrática - isso não é fácil, mas enfrentaram-no com vicissitudes, com dificuldades, com erros. Se os recusássemos, estaríamos a ser hipócritas ou pelo menos, muito pouco científicos. Cientificamente qualquer destes processos comporta, inevitavelmente, erros, defeitos, rupturas, etc.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Aceito essa formulação mas isso também é verdade para a atitude de um empresário, e o empresário considera aquilo a que chama erros e vicissitudes acontecidos no Alentejo

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como sendo vícios do sistema e, portanto, é essa duplicidade na análise com que penso devermos ter cuidado.

O Sr. Presidente: - Pedia-vos que não introduzissem aqui a figura nova do diálogo ininterrupto entre dois deputados apenas. Vamos por favor, a concluir.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Queria apenas concluir dizendo que, entre o triénio de 1974-76, os três primeiros anos de incidência da reforma agrária, e o último triénio, de 1985-87, se comprova que o primeiro foi o que registou produções mais altas. Mesmo assim, a produção média rio último triénio, por exemplo, dos cereais praganosos foi de cerca de 80% das produções obtidas em 1974-76, e talvez isto queira dizer alguma coisa. É evidente que as cooperativas fizeram aquilo que à partida era a única coisa que podiam fazer, mesmo que isso pudesse traduzir erros de concepção técnica, que era uma maior ocupação dos solos, eventualmente com os erros apontados de utilização indevida de solos que não tinham capacidade agrícola. Admitimos até esses erros porque resultaram da tentativa de alargar ao máximo a produção, sendo certo que os aumentos brutais de produção que se registaram nestes primeiros anos nunca podiam decorrer de aumentos de produtividade que não se alcançam num ano, nem em dois, nem em cinco, nem em dez.

É bom ter isto presente, porque os próprios aumentos de produtividade têm a ver com as variedades disponíveis, com as técnicas disponíveis. Mas, enfim, é uma matéria infindável...

Quanto ao estudo publicado sobre os estatutos, o comportamento interno das UCP's, a reprodução das estruturas sociais, as mulheres, as primeiras a serem desempregadas, a diferenciação salarial, etc., mais uma vez tenho de apelar ao seu sentido científico. É que tenho a certeza de que não há nenhum sociólogo que seja passivo com a sua forma de ver o problema. Então, transforma-se a sociedade apenas porque se criam UCP's cooperatiavas, porque se faz uma reforma agrária? Aquilo que lhe posso dizer é isto: persistem hoje na sociedade moderna diferenciações substanciais, por exemplo, entre o homem e a mulher; persistem ao nível dos trabalhadores, ao nível das classes médias, ao nível dos grandes intelectuais. Pois persistem. Infelizmente, é a realidade social. Provavelmente, cada um de nós é intérprete, à sua maneira, de muitas destas diferenciações e destes estigmas. Vamos agora colocar isto em termos de discussão da organização dos trabalhadores, mormente da reforma agrária? Isso é um problema mais vasto...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, o Sr. Deputado Pacheco Pereira fez um elogio às UCP's admirando-se de isso ainda acontecer nelas. Portanto, é um elogio. Não é uma crítica.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Deputado Almeida Santos é um homem hábil nessa formulação, mas o que eu, na realidade, disse foi que havia um reforço, por novas formas de controlo social, dessas situações. Não que elas eram iguais.

O Sr. Presidente: - Queria ver se os Srs. Deputados se entendiam, para nós irmos jantar.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Diria que ainda existem diferenciações entre o homem e a mulher e não apenas na reforma agrária - devemos reconhecê-lo. Seria importante que, em simultâneo com isto, pensássemos, por exemplo, que, provavelmente os homens e as mulheres do Alentejo, em Abril de 1974, não sonhariam ainda que fosse possível existirem na região lares de terceira idade (lares de terceira idade, atenção, com o respeito pela dignidade da pessoa!), jardins infantis, creches, escolas, que os filhos pudessem todos ter acesso ao ensino, que pudessem, muitos deles, pela primeira vez, ter direito à estabilidade de uma casa. Estas não são questões despiciendas de que nos possamos rir alarvemente - isto não é para si Sr. Deputado Pacheco Pereira -, porque não entendemos realmente nada disto, mas que qualquer estudo da Gulbenkian, das organizações internacionais, etc., atestam e comprovam como factos, como realidades. E esta dimensão de dignidade do homem que também está inerente à reforma agrária e que não pode ser omitida.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados estão a discutir aspectos que não têm muito a ver com as propostas que estão em causa, e creio que já discutimos isso. Não me importo de continuar a dar, adaeternum, a palavra a cada um dos Srs. Deputados para responderem ao outro. Mas não é praxe dos nossos trabalhos esse diálogo. Pedia-vos para o suspenderem.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, como as interrogações que tenho são em relação à proposta do PS, e como isso será seguramente o prato forte da próxima reunião da Comissão, reservava, a palavra para essa altura porque aí poderemos até entrar no famoso tema que é a posse útil. Não juro que trarei um estudo do Prof. Orlando de Carvalho que seria a entidade que mais gostaria que tivesse esse diálogo com o Sr. Deputado Almeida Santos, coisa que não é impossível como V. Exa. sabe.

O Sr. Presidente: - Sou amigo dele, mas se ele me explicar tão claramente o que é posse útil, como me explicou o que era o estabelecimento comercial, ficarei devidamente esclarecido, não tenho a menor dúvida!...

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio, Sr. Presidente, que será possível agenciar uma explicação, não talvez em um tomo, nem em dois, nem em três, mas em algumas nutridas páginas que, creio, bastarão.

O Sr. Presidente: - Quanto mais simples, mais me facilitará a compreensão. Penso é que poderíamos, em qualquer caso, dar por discutido este problema, e discutir isso amanhã, a propósito da eliminação dos latifúndios, etc.

Portanto, não acham que devemos continuar hoje à noite, aproveitando o facto de haver Plenário?

Vozes.

Já vi, pelo vosso espanto, que não é do vosso agrado.

Portanto, amanhã às 10 horas, com quorum a partir das 10 horas e 5 minutos.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A ideia é só esta: é que, na verdade, nós tínhamos previsto que amanhã não pudéssemos estar, por causa do Congresso. Só que, consultados os elementos da Comissão, verificámos que havia número suficiente de elementos do PSD para continuar.

O Sr. Presidente: - Portanto, amanhã às 10 horas, bem dispostos, para andarmos para a frente. Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Relação das presenças dos Senhores Deputados

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
António Costa de Sousa Lara.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Luis Bonifácio Ramos.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Maria da Assunção Andrade Esteves.
Manuel da Costa Andrade.
Luís António Damásio Capoulas.
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos.
Alberto de Sousa Martins.
António Manuel Ferreira Vitorino.
Jorge Lacão Costa.

Partido Comunista (PCP):

José Manuel Santos Magalhães.
Rogério de Sousa Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

Raul Fernandes de Morais e Castro.

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