O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1207

Sexta-feira, 30 de Setembro de 1988 II Série - Número 39-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 37

Reunião do dia 30 de Junho de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 14. ° Relatório da CERC respeitante aos artigos 123.° a 149.° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), José Magalhães (PCP), Rui Comes da Silva (PSD), Cosia Andrade (PSD), Mário Maciel (PSD), Carlos Encarnação (PSD), Raul Castro (ID), Miguel Galvão Teles (PRD), Rui Salvada (PSD), Sottomayor Cárdia (PS), Jorge Lacão (PS), António Vitorino (PS) e José Luís Ramos (PSD).

Página 1208

1208 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 30 minutos.

Ficou pendente uma pergunta, desdobrada em várias, colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas, dado que, de momento, ele se ausentou - embora já tenha estado presente - passaremos à frente. Na última reunião, tínhamos visto o artigo 129.° Quanto ao artigo 130.° não foram apresentadas propostas de alteração, e relativamente ao artigo 131.° foi apresentada uma proposta pelo PCP. No entanto, como já referi, dado o PCP não estar presente este preceito ficará de remissa. Os artigos 132.°, 133.°, 134.° e 135.° não foram objecto de quaisquer propostas de alteração e discutiremos o artigo 135.°-A, proposto pelo PS, em matéria de autonomia. Consequentemente, Srs. Deputados, vamos iniciar a análise do artigo 136.°, sob a epígrafe "Competência do Presidente da República quanto a outros órgãos", preceito relativamente ao qual foram apresentadas propostas de alteração pelo CDS, pelo PS, pela ID, pelo PRD e por vários deputados do PSD subscritores de projecto n.° 10/V.

Pediria ao PS o favor de, querendo, apresentar sucintamente as razões da sua proposta de alteração.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Relativamente à alínea b) do artigo 136.°, apenas propomos uma alteração de redacção insignificativa. A expressão "de harmonia com a lei eleitoral" é passada para o início do preceito, por conveniência de redacção. Por outro lado, distingue-se, como hoje, aliás, se faz, deputados (com letra grande) que são os da Assembleia da República e deputados (com letra pequena) que são os deputados às assembleia regionais. Não fazemos questão nisto mas pareceu-nos que assim ficaria melhor. Acrescenta-se também nesta alínea o inciso "bem como de outras eleições que a lei determinar", referência implícita às eleições para o Parlamento Europeu.

Não pode a lei ordinária "pendurar" competências no Presidente da República, a menos que a Constituição o autorize.

Na alínea f) alterámos a actual redacção. Em vez de "nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.° 1 do artigo 190.°", passaria a dizer-se "nomear o Primeiro-Ministro, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 190.°". Isto porque, na nossa proposta, o artigo 190.° passa a ter um n.° 2 relativo à moção construtiva.

Na alínea m) acrescentam-se às personalidades que compete ao Presidente da República nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o governador e os vice-governadores do Banco de Portugal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, nós sustámos no completar a discussão do artigo 124.° Passámos por cima do artigo 131.°, visto ter sido apresentada pelo PCP uma proposta de alteração, e estávamos a analisar o artigo 136.°, tendo o PS justificado a proposta que apresentou. Visto não estarem presentes proponentes de outras propostas de alteração, vamos dar início à discussão deste preceito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pretendia apenas indagar da intenção da Mesa quanto à

orientação dos trabalhos e quanto à conclusão do debate que ontem tínhamos interrompido.

O Sr. Presidente: - Dado o debate estar quase terminado, tendo ficado apenas umas perguntas que o Sr. Deputado José Magalhães tinha formulado, em vez de estar a dar respostas na eventualidade de elas serem dadas todas ao Sr. Deputado que as tinha feito na sua ausência, passámos adiante. Mas já lá voltaremos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, apenas gostaria de clarificar que a minha deslocação ao exterior se deveu precisamente à necessidade de aduzir ao debate dois textos que eu considerava úteis para que o PSD pudesse explanar o seu pensamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, foi dito que V. Exa. estava ausente momentaneamente, tendo já estado presente. No entanto, a fim de não perdermos tempo, iniciamos a discussão do artigo 136.° e depois regressaremos ao artigo 131.° Por vezes a técnica do canguru tem efeitos positivos.

Estão, portanto, em discussão as propostas de alteração apresentadas relativamente ao artigo 136.° Permitia-me sublinhar que na proposta do PS, para além do aperfeiçoamento técnico da alínea b), em relação ao qual o problema não se põe com nenhuma particular acuidade, pois para nós não é importante saber se se põe deputados com "D" ou com "d"...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já está assim hoje na lei; trata-se apenas de adequar a Constituição à lei.

O Sr. Presidente: - A inovação importante consiste na nomeação do governador e dos vice-governadores do Banco de Portugal pelo Presidente da República, visto que no que concerne ao Presidente do Tribunal de Contas e ao Procurador-Geral da República já assim acontece.

Gostaria de perguntar ao PS se a proposta tem apenas a intenção de acentuar a relevância do governo do Banco de Portugal, visto que este é constituído pelo governador e pelos vice-governadores, bem como a sua diferença em relação aos postos do topo da hierarquia administrativa, digamos, aos directores-gerais - porque não se trata exclusivamente de uma entidade que esteja subordinada a uma hierarquia administrativa típica - ou se existe ainda uma pretensão de ir mais além e de, de algum modo, sublinhar não só essa especificidade mas também a autonomia do Banco Central em relação às orientações e às directrizes traçadas pelo Ministério das Finanças. Quer dizer, se bem que, V. Exa. sabe, os figurinos em matéria de organização das autoridades monetárias no direito comparado sejam vários, para este efeito relevam particularmente dois. Num primeiro sistema o Banco Central goza de uma autonomia praticamente plena, isto é, pode prosseguir uma política monetária como autoridade monetária e cambial autónoma em relação ao Governo, embora de algum modo concertada. Os modelos mais afirmativos dessa orientação são o modelo da RFA e o modelo dos Estados Unidos da América. A outra orientação - que é a nossa -, embora, pela complexidade das funções e pela necessidade de garantir com certa autonomia do tipo técnico ao Banco Central, destaque progressivamente as suas diferenças em relação a outros órgãos

Página 1209

30 DE SETEMBRO DE 1988 1209

da Administração Pública, mantém, no entanto, o Banco Central claramente integrado no aparelho administrativo.

Assim, gostaria de perguntar até onde é que vai a alteração proposta pelo PS: trata-se, repito, apenas da intenção de sublinhar, em paralelo com aquilo que, por exemplo, se verifica em relação ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas que está integrado - embora no aparelho administrativo militar - na Administração Pública e subordinado às orientações do Governo, ou pretende-se aproximá-lo de entidades que têm já um estatuto muito particular e muito especial, como é o caso do presidente do Tribunal de Contas que, como presidente de um tribunal, não deve obediência ao Governo ou, de uma maneira naturalmente menos independente, mas apesar de tudo com garantias de autonomia próprias das funções que exerce, do procurador-geral da República?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, naturalmente que com coeficientes e pesos distintos estão em causa todos esses valores, ou seja, em primeiro lugar, o reforço da autonomia e, em segundo lugar, o prestígio. Penso, aliás, que a autonomia e o prestígio estão ligados, sendo o prestígio tanto maior quanto maior for a autonomia. Entendemos que toda a orgânica do Banco de Portugal terá de ser revista na primeira oportunidade no sentido do reforço do seu papel e da acentuação da sua importância. De facto, compreendemos mal que entidades como o presidente do Tribunal de Contas, o procurador-geral da República e outros sejam designadas pelo Presidente da República e que o governador do Banco de Portugal o não seja. De qualquer modo, devo dizer que, na nossa proposta, não deixam de continuar a ser nomeados por indicação do Governo, que, como é óbvio, não deve ficar de fora.

Em todo o caso, parece-nos que a nomeação pelo Presidente da República acresceria o seu prestígio e reforçaria a sua autonomia. Entendemos - aliás temos referido essa questão várias vezes - que o Banco de Portugal tem de ser reestruturado organicamente, no sentido destes dois vectores: mais autonomia, mais prestígio, uma intervenção mais importante do que aquela que tem tido até hoje. E consideramos que um dos caminhos para consagrar esses dois valores é exactamente esta nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Inscrevendo-me para uma brevíssima intervenção e para fazer um comentário - de resto, não há neste momento outros pedidos de palavra - diria que, em termos apenas de uma primeira reacção e sublinhando o carácter provisório de que vou referir em seguida, me parece razoável admitir que o governador do Banco de Portugal seja nomeado pelo Presidente da República, há, aliás, uma questão de algum modo delicada dentro da própria estrutura do Banco, que é a de se saber se deve subsistir uma diferenciação entre o Governo e a administração do Banco, se isso não é de algum modo um resquício do passado e apenas ser dever verdadeiramente distinguida a figura do governador. Mas, deixando de parte esse aspecto técnico que, tem em todo o caso a sua relevância, propendo - falo em termos pessoais e julgo que teremos de meditar sobre esta questão, sendo isto apenas uma primeira leitura - a pensar que a ideia da designação do governador do Banco pelo Presidente da República sob proposta do Governo é, em si, uma proposta susceptível de merecer uma ponderação atenta e de, eventualmente, ser aceite por nós.

Todavia, gostaria de sublinhar que, na actual evolução do sistema económico-financeiro em Portugal, incluindo portanto os aspectos monetários e cambiais, não se nos afigura aconselhável dar ao Banco de Portugal uma autonomia parecida com aquela de que goza o Banco- Central da República Federal da Alemanha ou o Banco dos Estados Unidos. Pensamos que já hoje o Banco Central goza de uma grande autonomia em função das características das suas competências, da qualidade das pessoas que têm desempenhado os lugares de governador e de vice-governador, e até da administração em geral. No entanto, a estrutura administrativa portuguesa não é facilmente adaptável a algo que se compreende bem na RFA, e que também se compreenderia numa estrutura administrativa comple-tamente diferente como, por exemplo, a sueca, que é uma espécie de federação de organismos independentes e de ministérios, mas que não é próprio da estrutura napoleónica da administração portuguesa. Cito a propósito aquilo que se passa em França, onde o Banco de França, se bem que também tenha vindo a ganhar uma progressiva autonomia, se mantém, todavia, dentro do quadro, do arco institucional das instituições administrativas francesas.

Consequentemente, com esta ressalva importante de nos parecer que uma coisa é sublinhar a importância do governador do Banco, e do Banco por essa via, e outra coisa é dar um salto qualitativo de modo a extrair o Banco Central das instituições administrativas sob orientação do Executivo - salto esse que, em nosso entender, não estamos em condições de fazer - e sublinhando ainda o carácter provisório e cautelar das considerações que expendi, admito, todavia, que seja uma solução possível.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Registámos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, sem curar das simpatias por uma ou outra corrente, que hoje em dia vão tendo cada vez mais adeptos, em relação à importância do Banco Central, essencialmente em termos de política monetária, não lhe parece que esta alteração da Constituição vai no sentido - e há pouco o Sr. Presidente referiu bem esse pormenor - de dar mais importância ao governador do Banco de Portugal, bem como ao Banco de Portugal, se comparado com o próprio Ministro das Finanças e do Governo nesta matéria? Penso que é esse o risco, pese embora algumas simpatias que tenha...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não será tanto acima mas ao lado, pois a verdade é que se trata de funções completamente distintas. A nossa ideia é que o papel que já hoje tem o Banco de Portugal já justificava esta dignidade. Pode ficar com o mesmo papel e a dignidade acrescida, mas reconheço que este reforço de dignidade pode contribuir para um reforço tendencial da autonomia. Quanto ao grau desse reforço, estou de acordo com o Sr. Presidente: não queremos dar saltos,

Página 1210

1210 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

não pretendemos fazer uma revolução na orientação da nossa política monetária. Por exemplo, quando a Constituição deu o "salto" para que fosse o Presidente da República a nomear o procurador-geral da República e o presidente do Tribunal de Contas, o que é que neste domínio aconteceu na vida do nosso país? Algo de preocupante? De maneira nenhuma. Pelo contrário, reforçou-se a dignidade e reforçou-se a autonomia de uma e outra destas entidades, mas não mais do que isso.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Poderemos então entender essa proposta como uma leve aproximação do PS às teses monetaristas das escolas de Chicago e de Viena?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro que não; não estou já a tirar essa conclusão. Como deve calcular, o grau de autonomização há-de resultar sobretudo da alteração da Lei Orgânica do Banco de Portugal. Desta alteração resulta apenas um belo discurso no dia da posse e a dignidade inerente ao facto de se tratar de um cargo que tem a aprovação do próprio Presidente da República.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Apesar de tudo, e dada uma certa diferença qualitativa entre o teor das funções do procurador-geral da República e do presidente do Tribunal de Contas, a irmos para uma hipótese dessas, penso que deveríamos autonomizar isto em alínea própria.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que sim. Nós não discutimos a redacção, até porque reconheço que a componente de independência dos outros dois cargos é superior à que se exige para o Banco de Portugal, embora a componente de prestígio seja semelhante. No mínimo, temos de os colocar em pé de igualdade.

Quanto à componente autonomia, admito que o presidente do Tribunal de Contas deva ter uma maior autonomia que o próprio procurador-geral da República.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Como, porém, as funções são diferentes, penso - repito - que, a aprovar isto, deveríamos autonomizá-lo em alínea própria, porque, apesar de tudo, há uma maior proximidade relativamente à chefia do Estado-Maior-General das Forças Armadas do que relativamente ao Tribunal de Contas.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não há tanta analogia como isso, mas enfim!

O Sr. Presidente: - Há a diferença entre os carros de combate e os bilhetes do Tesouro!

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Normalmente os carros de combate põem-se em movimento por causa dos tesouros!

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de, sobre esta matéria, lembrar que teremos vantagem em fazer uma consideração global das implicações desta e das outras propostas respeitantes ao estatuto do Banco de Portugal.

O próprio PSD apresenta, em sede de artigo 105.°, uma proposta, sobre cujo sentido nos debruçámos em reunião anterior, tendente a estabelecer uma melhor articulação entre a actividade do Banco de Portugal e os instrumentos legais de definição dos programas financeiros da República. O PS não pôde especificar nessa circunstância como é que encarava esta articulação, no entanto é bom de ver que, não sendo concebível uma desarticulação, a questão do estabelecimento de relações de subordinação ou a atribuição, à lei do orçamento, de um papel intermédio, enquadrador, tem implicações que devem ser apreciadas. Pela nossa parte estão a sê-lo, e a ideia de enquadrar assim as próprias directivas do Governo, estabelecendo um quadro em que elas hão-de mover-se e pelo qual hão-de ser condicionadas, tem também implicações que, prima fade, se afiguram positivas.

Não está desconforme com este quadro - pelo contrário, enriquece-o - o facto de o estatuto do Banco de Portugal vir a ser enriquecido ou aperfeiçoado pelo facto de o governador - aquele que é o seu principal responsável, embora obviamente não dominus - passar a ser legitimado, também, com um processo de designação que não o torna entidade directa e exclusivamente emanada de um governo, por maior que seja a legitimidade que este tenha.

Quanto a esse aspecto, creio que as observações feitas não carecem de reforço. Apenas gostaria de sublinhar que não vale a pena maximizar, nem minimizar, a alteração do sistema de nomeação. É evidente que o novo sistema dá origem a um belo discurso no dia da tomada de posse, mas também pode dar origem a um belo discurso no dia da demissão e, no Ínterim, a vários discursos, oportunos, positivos, na óptica, precisamente, do exercício das funções que cabem ao Banco de Portugal. Não é na óptica teratológica que esta questão deve ser encarada...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado permite-me uma intervenção? É que é justamente o problema da eventualidade de conflitos entre o Ministério das Finanças e o Banco Central e do modus da demissão que dá toda a relevância à proposta.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Os conflitos já hoje existem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, entendi colocar a questão nesse terreno - e podia não o ter feito - porque não me parece haver vantagem nenhuma em travar o debate silenciando pressupostos, pois todos estamos cientes deles. Em relação a fantasmas desse tipo, o melhor é arrancá-los das gavetas, pô-los em cima da mesa e discuti-los para avaliar qual o grau de mudança e de pericolusidade. Ora, o grau de pericolusidade depende, como sabemos, não só de umas mas de todas as variáveis: da variável Banco de Portugal, da variável Governo e da variável Presidente. As respostas serão muito diferentes em função das conformações concretas e históricas destas três variáveis.

Página 1211

30 DE SETEMBRO DE 1988 1211

Na projecção ou na prospecção que, razoavelmente, podemos fazer disto, só na óptica de um espírito de conflitualidade galopante em todas estas três variáveis é que a solução agora proposta poderia inspirar inquietações. Não é razoável fazer essa prospecção ou assentar nesse pressuposto assim, sem mais. E porquê? Eis a principal questão que gostaria de colocar.

É que, o estatuto do governdor do Banco de Portugal será aquele que decorra do regime jurídico aplicável ao próprio Banco de Portugal. Cabe hoje ao Governo defini-lo.

Sucede que um dos partidos apresentante de projectos de revisão constitucional - concretamente o CDS - tem uma proposta de uma nova alínea r) para o artigo 167.°, em que comete à Assembleia da República, na área de reserva absoluta de competência legislativa, o poder de definir a organização e o funcionamento do Banco de Portugal. Mesmo neste esquema, a definição concreta do estatuto do governador - e logo dos seus poderes, das suas garantias e da margem de conflito possível dessa entidade com as outras entidades, designadamente com o Governo e, em particular, com o Ministro das Finanças - fica dependente da opção concreta do legislador, seja ele o governo, como ora sucede, seja a Assembleia da República (com o estatuto que o CDS pretende ou com outro qualquer, uma vez que a solução apresentada pelo CDS é, evidentemente, susceptível de reconformações e de reperspectivações).

Creio que é importante alertar para este aspecto, porque isto devolve ao PSD a preocupação que aqui exprimiu sobre a margem de conflitualidade. Reforçado inequivocamente - e não vale a pena escamotear esse facto -, o estatuto do governador (e dos vice-governadores eventualmente), a margem de intervenção que lhe é conferida e as garantias dependem de estatuto aprovado pelo legislador ordinário! Isto me parece que permite diminuir um pouco o alcance da proposta - mas qualquer proposta teria sempre esse alcance diminuído, dado o quadro real que deve ser tido em conta - e ultrapassar airosamente a questão colocada em termos desapaixonados, realistas e creio que compreensíveis e geralmente aceitáveis.

Pela nossa parte, naturalmente, não temos senão que dar o nosso aplauso a uma solução desse tipo, apenas acentuando os seus limites. Tudo aquilo que o Sr. Presidente acabou de sublinhar sobre as evoluções possíveis do Banco de Portugal quanto ao seu estatuto, quanto ao modelo de funcionamento em que deve inspirar-se, etc., etc., depende do legislador ordinário. E creio que não está em causa a alteração ou a evolução súbita de Portugal para qualquer dos dois modelos apontados como pontos extremos de autonomia.

Creio, também, que não deveríamos caminhar para um sistema em que o Banco de Portugal visse aviltadas competências e fosse colocado em situação de choque ou de directivismo galopante com intervenção substitutiva do Governo ou uma intervenção assente numa visão exacerbada, daquilo que são prerrogativas do governo enquanto órgão superior da Administração Pública: tem de haver diferença - mesmo no nosso sistema constitucional e com a exacta redacção que a Constituição tem no artigo 105.° - entre o estatuto do Banco de Portugal e o estatuto da Direcção-Geral da Contabilidade Pública! Esse é o outro pólo de raciocínio que tem de estar presente no debate e que, de resto, não foi omitido pelo Sr. Deputado Rui Machete, excepto na medida em que a alusão à integração na Administração Pública não faz realçar a diferença específica de estatuto do Banco de Portugal e pode inculcar um pouco a ideia de certa identidade de estatuto em relação a entidades relativamente às quais o Governo tem um poder, já não de superintendência, mas de direcção imediata.

O governador do Banco de Portugal não pode ser um director-geral da confiança do Governo - eis o que me parece basilar. Que a sua legitimidade seja reforçada só poderá, obviamente, trazer vantagens.

Gostaria de sublinhar, por último, Sr. Presidente, que também nós PCP procurámos, em sede de competências da Assembleia da República, trazer alguma clarificação útil sobre as relações entre a Assembleia e o Banco de Portugal para efeitos de debate orçamental. Na altura própria poderemos fundamentar mais extensamente as razões que nos levam a apresentar essa proposta que tem conexão com este tema que agora estamos a debater.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitia-me só dizer que as observações do Sr. Deputado José Magalhães reforçam o acerto de considerarmos com extrema cautela esta matéria, não porque no nosso pensamento o governador do Banco de Portugal possa ser equiparado a director-geral - já hoje não o é, e quem tenha a mínima familiaridade com o modo de actuação do Banco de Portugal, seja qual for o governador, sabe que assim não é -, mas porque, na realidade, nas matérias em que o Banco de Portugal actua, quer no campo cambial, quer em matéria de programação monetária como autoridade monetária, quer na articulação com o Tesouro, são questões de uma extrema delicadeza e importância do ponto de vista financeiro, económico e político, que nos obrigam a ter muito cuidado na evolução, que é desejável, no sentido de cada vez mais se firmar a autonomia técnica do Banco de Portugal.

Não pode o Banco de Portugal, nas suas funções, estar sujeito a flutuações de orientação política contingentes por motivos que não sejam motivos macroeconómicos, mas há um ponto sobre o qual, em particular, gostaria de fazer incidir a atenção de VV. Exas.: é que o Sr. Deputado José Magalhães disse algo com que, salvo o devido respeito, não estou de acordo, em termos de acento tónico. O problema não é tanto o das divergências institucionais entre o Ministro das Finanças e, eventualmente, o Primeiro-Ministro, o governador do Banco de Portugal ou o Presidente da República - que podem naturalmente existir -, mas encontra-se mesmo no fluir normal da actividade quotidiana do Banco, onde é muito importante que exista, simultaneamente, uma capacidade de ter autonomia na decisão e, por outro lado, de havçr uma política concertada, podendo alguém dizer a última palavra. Os problemas não se põem só quando os conflitos estalam e existem concepções fundamentais diversas, mas, a propósito de meio ponto na taxa de juro, a propósito - se os continuarmos a utilizar - dos limites de crédito, da política de open market, do crawling peg, ou seja lá do que for, existem possibilidades de divergência extremamente importantes e, no sistema político, financeiro e administrativo português, torna-se necessário imputar a alguém a responsabilidade última da

Página 1212

1212 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

decisão, quer no sentido de haver uma unidade de direcção, quer no de depois se apurar, do ponto de vista político, as consequências dos resultados, eventualmente nefastos ou positivos, das decisões tomadas.

Isto apenas para dizer que, se de um ponto de vista de prestígio, não me causa nenhum problema a proposta do PS - e insisto em que devemos ponderá-la atentamente -, não gostaria que ela fosse para além daquilo que nós próprios propusemos, do ponto de vista do funcionamento substantivo, no artigo 105.° Isto é, parece-nos importante que não seja por uma via de uma subordinação pura e simples em relação a ordens emanadas do Governo que o Banco de Portugal actue. O seu governador não é realmente um director-geral, mas quanto às directivas continuamos a pensar que estas devem partir da Assembleia da República, nas competências que lhe são próprias, e do Governo.

Suponho que o problema está esclarecido quanto às dimensões da proposta e das suas possíveis leituras. Na nossa perspectiva, não desejaríamos que, através desta proposta e na eventualidade de ela vir a ser aprovada - e sobre reservamos a nossa opinião, como dissemos embora a encaremos sem negativismo - houvesse saltos. O Banco de Portugal, com o crescimento e a complexificação do nosso sistema económico-financeiro vai caminhando para uma autonomia técnica que é inevitável. As funções do Tesouro estão a ser alteradas, todos os dias, em função do crescimento e da internacionalização da economia e da multiplicação das tarefas que cabem, quer ao Estado, quer ao Banco Central; essas evoluções são suficientemente delicadas e deveremos ser muito prudentes e, sobretudo, não deveremos cair na tentação de instrumentalizar esta matéria a concepções políticas mais gerais, que têm pouco a ver com as delicadezas e subtilezas da política monetária e cambial.

É nesse sentido, portanto, que diria que vamos ponderar e que estamos naturalmente abertos à consideração desta matéria, encaramos favoravelmente a ideia de prestigiar o Banco de Portugal. Se é este o caminho aconselhável ou não é uma questão em aberto, e gostaríamos de reservar a nossa posição em função da ponderação que vamos fazer.

E suponho que está explicitado o alcance da proposta do PS e também da forma como os diversos partidos aqui presentes a vêem.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, uma das competências do Presidente da República - e coloco a questão a pessoas com uma opinião certamente mais autorizada do que a minha - é a de dissolver os órgãos das regiões autónomas. Ora, não seria mais correcto que o Presidente da República pudesse dissolver as assembleias regionais (porque a palavra "dissolução" se aplica mais a um órgão parlamentar) deixando de fora o governo regional, que, à semelhança do que acontece com os órgãos de soberania, ficaria em gestão até às eleições subsequentes? Parece-me esse o alcance do projecto n.° 10/V. Deixo este assunto à vossa reflexão: o Sr. Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República, mas, em relação aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas, dissolve também, se quiser, o governo regional,...

O Sr. Presidente: - Demite!

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Bom, a palavra utilizada na Constituição da República Portuguesa é "dissolver". Não se refere qualquer acto de demissão.

O Sr. Presidente: - Não pode demitir.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - A não ser - e solicitaria que mo explicassem - que este seja um dispositivo excepcional que o Presidente da República tenha relativamente à questão das autonomias regionais, mas que, pelos vistos, não se aplica aos órgãos de soberania.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de fazer uma observação que é apenas de ordem ou de método. Eu preferiria que - se VV. Exas. estivesem de acordo - ponderássemos em conjunto o problema do estatuto das regiões autónomas e que, depois, em função dos resultados a que chegássemos, traduzíssemos as alterações em relação aos órgãos que têm implicação nessa matéria. É porque isso permite uma visão global dessa problemática. Mas, no que se refere à alínea j) do artigo 136.°, suponho que a expressão está usada no sentido técnico - como sabem, em termos técnicos não há dissolução de órgãos, que não sejam plurais, que podem ser órgãos electivos ou nomeados, designados pela própria entidade que os dissolve, ou sobre os quais ela tem um poder de superintendência particular, designadamente de ordem administrativa, como é o caso em matéria de autarquias locais. No que diz respeito às regiões autónomas, o problema põe-se em relação às assembleias regionais, mas não em relação aos governos, os quais por serem órgãos complexos, apesar de plurais, quando tomados no seu conjunto, não se dissolvem, demitem-se ou são demitidos.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Mas fala em órgãos.

O Sr. Presidente: - Por isso mesmo é que está o "dissolver"; na nossa técnica jurídica não se dissolvem os governos do ponto de vista técnico-jurídico - do ponto de vista químico é outra coisa!

Portanto, diria que não há aqui a consignação sub-reptícia de um poder, que depois os estatutos não explicitam. Mas preferiria, salvo se a Comissão entender diferentemente, que discutíssemos esta matéria em conjunto quando chegássemos aos artigos que especificamente se referem às regiões autónomas - isso permitirá uma visão de conjunto.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sem prejuízo dessa visão de conjunto,1 talvez seja um pouco difícil repescar tudo o que está para trás, porque há dezenas de artigos que se referem a esta matéria. Penso que poderíamos fazer uma primeira aproximação, uma troca de impressões genéricas, sem prejuízo de, depois, termos uma visão global.

O Sr. Presidente: - Mas eu não diria não referir, pró memória acho que sim. O que penso é que não devemos fazer uma discussão, mas mencionar pró memória é bom, até porque constará das actas e, portanto, ficará salvaguardada a hipótese do "olvido" das matérias.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

Página 1213

30 DE SETEMBRO DE 1988 1213

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não seria razoável objectar excessivamente a essa sugestão metodológica. Em todo o caso, também pró memória, em particular pró memória do PSD, gostava de alertar para um aspecto.

Nós podemos ser confrontados com esta situação: os proponentes do projecto n.° 1 O/V não participam nos trabalhos da comissão de revisão constitucional, nunca participaram nem nunca, apesar de instados, compareceram aos trabalhos desta comissão - até agora? A ideia de substituição da participação corrente - a qual, obviamente, devendo ser livre, não pode ser, por definição, imposta -, a ideia da substituição dessa participação normal, desdramatizada por uma intervenção em globo, de súbito e em "dia de juízo final", parece-me a pior das maneiras de encarar a questão da revisão constitucional e regiões autónomas, e, em particular, a questão do projecto de lei de revisão constitucional n.° 10/V.

Porquê? Por razões óbvias, que escuso de desenvolver excessivamente. É conhecido que o Sr. Dr. Alberto João Jardim considera a revisão "um caso perdido" (não sei se é por causa disso que os proponentes do projecto n.° 10/V não põem cá os pés!); em todo o caso, como sempre acontece quando se tem esse espírito de apocalipse, de "tudo ou nada", de "são todos maus e nós absolutamente messiânicos e excelsos" - a ideia de marcar "um dia" para fazer "o debate" dá-lhe a natureza de "o debate", por antonomásia, e gera um clima quase intolerável de dia do julgamento final. Creio que fazermos o debate sobre as autonomias em clima de "o dia do julgamento final" - que alinhasse, de um lado, todos os que se autovestem de absolutos apóstolos da autonomia e que apostrofam os outros como sendo jurados inimigos da autonomia - não é uma solução adequada.

Sem prejuízo de não se poder coagir o PSD a um facto deste tipo (o que seria impensável) creio que seria interessante que, no quadro da Mesa desta comissão, pudéssemos ponderar alguma solução que permitisse alterar este sistema. Importaria que - como chegou a ser aventado no início dos trabalhos e na sequência de contactos tidos (não a título de membro da Mesa, mas a título partidário, com outro estatuto que nunca foi especificado) entre o Sr. Presidente, Deputado Rui Machete, e um representante das regiões autónomas - pudéssemos encontrar alguma forma de evitar este acumular de declarações pró memória que, mais tarde, obrigarão a uma concentração, extremamente cheia de melindre e forçosamente mais desfavorável do que a consideração ponto a ponto das diversas soluções.

As dificuldades do PSD nessa matéria são bem patentes; mas também creio que o processo de revisão constitucional não deveria ser excessivamente objecto de algumas das mais desgraçadas consequências dessas dificuldades.

O Sr. Presidente: - Penso, em todo o caso, que, se é só isso, não é pouco! O que queria dizer, e continuo a pensar que é correcto, é que, de um ponto de vista puramente técnico, esquecendo esses aspectos políticos que o Sr. Deputado José Magalhães está a sobrevalorizar, é preferível considerar, no contexto global da questão do estatuto das regiões autónomas. O problema de saber, por exemplo, quais são os poderes que o Presidente da República tem nesta matéria do Estatuto das

Regiões Autónomas - embora nada me custe, se VV. Exas. assim o preferirem, que o discutamos agora. Só que vamos discutir agora e vamos discutir depois - vamos fazê-lo em duas fases e vai ser, certamente, muito difícil evitar a repetição da discussão. Por isso, afigura-se-me preferível discutir quando estivermos no centro de gravidade da questão - regiões autónomas - e não a propósito de cada órgão que tem algum tipo de implicação com o estatuto daquelas.

É evidente que há algumas considerações que podem desde logo ser feitas: uma, em primeiro lugar, para não nos esquecermos que esse problema existe, por exemplo, a propósito da competência do Presidente da República, como também a propósito da competência da Assembleia da República, e assim por diante, Tribunal Constitucional, etc.. Portanto, era nesse sentido que eu fazia a observação. Se quiserem discutir agora, pois vamos discutir - isso, a mim, não causa nenhum engulho!

Quanto ao problema político, julgo que V. Exa. está a fazer uma interpretação ultra vires; do ponto de vista do funcionamento da comissão, todos os Srs. Deputados que são, a algum título, membros desta comissão, proponentes de projectos ou designados pelos partidos políticos, recebem as respectivas convocatórias, têm acesso à comissão - não há nenhum tratamento diferenciado ou discriminatório. O que não podemos fazer é violentar a autonomia das pessoas, penso eu - como, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães explicitou, e também o nosso proselitismo político deve respeitar essa autonomia. Assim sendo, não vejo grandes voltas a dar.

Por outro lado, nas matérias que temos vindo a discutir até aqui, numa ou noutra, tem havido referências às regiões autónomas; ainda ontem, a propósito do problema da publicidade dos. actos legislativos, tocámos numa questão, essa sim, muito circunscrita, muito autonomizável, que punha em causa toda a constetação de poderes que, de algum modo, definem o estatuto. Mas, nesta matéria, não tenho nenhuma pretensão de impor à comissão uma orientação firme - devíamos fazer algo que fosse pragmático, que evitasse a repetição das discussões. Se VV. Exas. quiserem desenvolver o problema de saber se o Presidente da República deve dissolver os órgãos, ou não deve, ou em que medida, eu não tenho nenhum óbice, apenas acho que vamos discutir isto duas vezes, mas façamo-lo!

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Concordo inteiramente com a fundamentação de V. Exa. quanto à orientação metodológica proposta, que é reclamada pelo modo como temos vindo a proceder. Os autores do projecto n.° 10/V têm sido tratados do mesmo modo que os autores dos projectos n.ºs 7/V ou 9/V: quando estão presentes apresentam e são discutidas as suas propostas; quando não estão, isso não tem sido feito.

O Sr. Presidente: - Mas já estiveram, talvez não tenham intervindo, não me recordo; mas já estiveram presentes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que não aludi a essa última forma de presença - não estava a pensar na decoração!

Página 1214

1214 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. Presidente: - Como V. Exa. sabe, não obrigo ninguém a falar. Até mesmo, às vezes, faço algumas tentativas para que alguns se morigerem nas suas explanações - sem êxito, aliás! Sem êxito!

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Apenas para fazer uma brevíssima referência quanto ao artigo 136.°, para dizer o seguinte: na sequência daquilo que o Sr. Presidente acabou de dizer, quanto à posição do PSD, compreendemos a especial dignidade que o Banco de Portugal assume; recordamos aquilo que foi dito no artigo 105.°, proposto pelo PSD - que obteve, em geral, a concordância do PS, e que releva, justamente na parte final, a colaboração do Banco de Portugal na execução das políticas monetária e financeira - e ainda aquilo que é aditado por este artigo, proposto pelo PSD, que é a consonância obrigatória com a lei do orçamento. Por isso, entendemos que esta matéria deverá ser tida em conta, não só analisando as referências ao artigo 105.°, como analisando as referências ao artigo 108.°, que discutimos quanto ao conteúdo da lei do orçamento e eventuais relações com a lei do enquadramento orçamental, et coetera. Penso que isto deve ser analisado em bloco e não separadamente, sendo certo que me parece continuar a haver por parte do PSD uma disponibilidade grande para considerar estas alterações - mas gostaria de as ver enquadradas dentro de todo este esquema.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Não sei se haverá consenso no sentido de que não se discuta agora a proposta do projecto n.° 10/V, relativamente ao artigo 136.°; se houver alguém que discorde, teremos de a discutir, como é óbvio.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os argumentos do Sr. Deputado Rui Machete não me convenceram, mas a questão está muito para além do convencimento de todos nós.

O Sr. Presidente: - A menos que fôssemos para um meio termo, na medida em que o Sr. Deputado dos Açores colocou o problema, e que se queira não debater a fundo este artigo - seria um debate duplo -, mas apenas uma breve posição geral em relação a ele. Na generalidade, apenas para constar da acta, e também para V. Exa. começar a pensar nas dificuldades que possa ter a aprovação de alguns aspectos, pelo menos, desta vossa proposta, quero dizer que tenho sempre o máximo respeito pelas propostas vindas dos Açores e da Madeira e que, em regra, as compreendo, mesmo quando delas discordo. Esta é uma daquelas em que se tenta avançar no sentido da equiparação entre os órgãos legislativo e executivo regionais e os correspondentes nacionais; pretende-se consagrar para o Presidente da República uma função que nem sequer tem hoje em relação à Assembleia da República - ele não é obrigado, nem se prevê que inaugure solenemente a primeira sessão de cada legislatura. Aqui é mais que paralelismo.

Relativamente à dissolução, colocava a V. Exa. este problema: reconheço que, em relação ao Governo, a figura da dissolução não é, porventura, a mais adequada. Simplesmente, lembro-lhe que, não sendo o Presidente quem nomeia os membros dos governos regionais, também não seria adequado que demitisse quem não nomeia. Por outro lado, vejo alguma dificuldade em conceber que só exista a faculdade de dissolver em relação à assembleia regional e não em relação ao outro órgão do governo próprio, na medida em que a razão da dissolução pode estar no executivo e não no legislativo. Obrigaríamos o Presidente a sancionar um órgão que não estava em causa por culpa do funcionamento do outro.

Por outro lado, o fundamento novo "em caso de crise política grave, para assegurar o regular funcionamento das instituições", em meu entender, garante menos as regiões, do que "a violação da Constituição e do estatuto", se vier a ser aprovada a nossa proposta de que se inclua também o estatuto. Propõe o PS, em meu entender com inteira lógica, que o possa ser também por violação do estatuto, até porque, de algum modo, o estatuto tem uma natureza paraconstitucional. Mas algo tão vago como "em caso de crise política grave, para assegurar o regular funcionamento das instituições", perde objectividade e coloca as regiões à mercê da má disposição de um Presidente que tenha tendência para ser maldisposto - o que, hoje, não acontece. Esta fórmula vaga é mais perigosa para as regiões do que a actual forma de "violação da Constituição", que é algo de muito positivo e de muito concreto. Salvaguarda mais os órgãos de governo próprio que a formulação proposta.

Quanto à última alínea, "Nomear e exonerar os presidentes dos governos regionais", isto é, a velha querela dos Ministros da República. Como V. Exa. sabe, não estivemos de acordo, e penso que o PSD também não está, em eliminar a figura do Ministro da República. E como não estamos dispostos a eliminá-lo tout court, também não estamos dispostos a eliminá-lo a prestações - como seria este o caso -, retirando-lhe sucessivamente prerrogativas até que não fosse senão urna menção da própria Constituição. Entendemos que do equilíbrio constitucional actual - que irá manter-se no essencial, como é óbvio, até pelas propostas que foram apresentadas -, a solução mais correcta é a actual: não envolver o Presidente da República na nomeação dos membros do governo regional, até porque isso é um prolongamento lógico da definição constitucional do Ministro da República.

Portanto, em princípio - não quero dizer que não possamos voltar a este tema, isto é apenas uma primeira apreciação, com um coeficiente muito pessoal -, não deverão esperar de nós grande entusiasmo para qualquer destas propostas, sem prejuízo de uma ulterior reapreciação.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que são úteis as reflexões que agora se façam precisamente por permitirem, talvez, começar a fazer levedar algumas das ideias sobre as dificuldades que a proposta comporta, na redacção que, neste momento, tem e que, obviamente, pode vir a dar origem a reformulações.

Uma das coisas que me parecem de sublinhar, nesta sede, é que as propostas têm natureza muito diversa: enquanto, provavelmente, o aditamento de prerrogati-

Página 1215

30 DE SETEMBRO DE 1988 1215

vás, como dirigir mensagens ou até inaugurar solenemente sessões, et coetera, não suscitam (creio eu) particulares problemas - aliás, o Sr. Vice-Presidente Deputado Almeida Santos não se referiu a elas sequer.

O Sr. Presidente: - Não, não. Referi-me, não às mensagens, mas ao facto de hoje esta competência não existir em relação à própria Assembleia da República. Parece-me difícil aceitar que, não existindo esta competência em relação à Assembleia da República, venha a existir em relação às assembleias regionais.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - O Sr. Presidente da República teria o direito constitucional de usar da palavra na assembleia regional. Digamos que é o mais alto magistrado da Nação e não tem de se sujeitar a prévio convite do presidente de uma assembleia regional.

O Sr. Presidente: - Como também me parece que ele hoje não precisa desse convite.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - É uma questão de bom senso.

O Sr. Presidente: - O melhor nestas coisas é não pretendermos que somos inocentes! Nós sabemos o significado das coisas e não vale a pena irmos muito ao fundo nesse aspecto.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi isso precisamente que quis sublinhar, porque em relação ao que vem proposto nas alíneas l) e l') o caso é totalmente diferente.

O texto em causa assenta desde logo -devo dizer que isso nos preocupa bastante- numa radical confusão quanto ao próprio esquema constitucional vigente, em dois pontos absolutamente fulcrais.

O primeiro ponto é que deva entender-se pelo regime de dissolução dos órgãos de governo próprio das regiões.

A Constituição configura-o como um mecanismo quase de estado de sítio regional, de sanção por procedimentos de enorme gravidade contrários à unidade nacional, à vigência da Constituição no território; são situações limite da máxima gravidade, por ofensa a valores fundamentais constantes, designadamente, do próprio estatuto das regiões ou decorrentes da natureza do Estado democrático. Não se trata de um mecanismo que deva confundir-se com o sistema de governo das regiões. O mecanismo a que se refere o artigo 136.°, alínea j), e o seu desenvolvimento posterior na parte correspondente no artigo 236.° da Constituição não tem a ver com a problemática do sistema do Governo. No sistema de governo, tal qual está gizado constitucionalmente, há responsabilidade do Governo perante a assembleia regional - não há responsabilidade dos governos perante o Ministro da República, e por maioria de razão não há responsabilidade do governo regional perante o Presidente da República; o Ministro da República não pode demitir os governos regionais e a possibilidade de dissolução da assembleia regional pelo Ministro da República, por outras razões, é controversa. Há quem sustente que isso está na disponibilidade dos estatutos regionais, mas sucede que esses estatutos não previram essa hipótese - reflectimos bastante sobre essa matéria no momento da sua redacção e da sua revisão, concretamente no caso dos Açores, mas não se chegou a qualquer solução que alterasse o status.

Em todo o caso, mesmo que viesse a configurar-se a hipótese de reformular o sistema do Governo tendo em conta um outro perfil de competências do Ministro da República, uma criação de um sistema em que o governo regional dependesse simultaneamente da assembleia regional e em certa medida da confiança do Ministro da República, coisa que não está colocada, tudo isso nunca teria nada a ver com o regime de dissolução que está previsto neste artigo. Portanto, avançar-se para soluções como aquelas que o projecto n.° 10/V prefigura, nos termos das quais passaria a ser possível, "em caso de crise política grave e para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas", o Presidente da República dissolver os parlamentos das regiões autónomas, significaria a transposição para o sistema regional do esquema de dissolução da Assembleia da República - que tem razões de uma outra natureza. Essas razões serão graves obviamente, terão a ver com fenómenos de crise política que pode ser crise política corrente (que embora deva ser uma grave, pois ninguém dissolve por lana-caprina) mas esse quadro crítico não é susceptível de ser colocado em paralelo com as situações-limite a que se refere o artigo 236.° da Constituição no caso das regiões autónomas, que são típicas situações de crítica, de censura e de sanção, de castigo, em sentido político, por condutas gravemente violadoras da Constituição e da unidade nacional. É a crise das crises - a crise máxima. Só nessas situações se justifica a compressão à autonomia que uma tal dissolução sempre representa.

Parece-me preocupante que este aspecto fulcral não tenha sido materializado e ponderado - tenho esperança que isso ainda venha a acontecer! - pelos proponentes. Dir-se-ia que, na cegueira de centrar todo o debate em torno da presença ("maldita" ou "bendita") do Ministro da República e do vezo de ultrapassar a figura do Ministro da República, através da projecção para o Presidente da República de um conjunto de competências, os proponentes perdem de vista as próprias garantias de autonomia co-envolvidas no actual sistema de dissolução e fazem do Presidente da República, neste cenário em que surge sem mediador e com intervenção directa, um gestor de crises políticas regionais correntes. A não ser que entendam que o "regular funcionamento das instituições democráticas" deveria ser compreendido, na conceptologia do artigo 236.° do projecto n.° 10/V, como "a perturbação do funcionamento das instituições quanto ao próprio exercício da soberania, quanto à unidade nacional"... Isso, porém, seria dar a essa expressão, que já é de controversa e difícil aplicação, um outro e mais difícil campo de leituras recheadas de dificuldades. Suponho que não é fértil e pode ser extremamente instabilizador.

A mesma coisa se passa em relação à alínea l'), embora aí pontualizada pelo facto de tudo se operar nos termos dos respectivos estatutos político-adminis-trativos, envolvendo, em todo o caso, uma alteração radical da estrutura de poder e do relacionamento entre a República e os órgãos do governo próprio das regiões autónomas. É um passo que tem pressupostos e implicações que creio não estarem medidas pelos próprios proponentes.

Página 1216

1216 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma curta declaração. Desde logo para constatar -sem que nisto vá qualquer crítica ao debate, porque todos os debates são esclarecedores - que estamos necessariamente condenados a repetir este debate em relação a todas as alíneas, à excepção talvez da alínea j).

Quanto às alíneas l) e l'), terá de ser tudo repetido; de resto, o próprio projecto n.° 10/V, sem grande rigor sistemático, repete um pouco as coisas. Por isso, este artigo e as tomadas de posição sobre ele são, em boa parte, resultado derivado de opções em outras sedes.

De todo o modo, já o podemos adiantar, uma vez que alguma coisa foi feita, que obviamente este tipo de propostas não constam do projecto de revisão constitucional do PSD, enquanto tal. Nesta, como em todas as outras matérias, temos a atitude de não fecharmos as coisas em termos de preclusão absoluta, mas a nossa predisposição será para neste momento votarmos contra este tipo de propostas, até porque, se também as considerámos quando da elaboração do nosso projecto, elas não foram nele introduzidas. Mas em relação a este projecto, como em relação a todos os outros, e a este por maioria de razão, penso que a discussão-chave será feita na altura apropriada. E discussão implica a ideia de convencimento - senão estaríamos todos a fazer um trabalho inútil, entregaríamos isto ao computador e este, a partir dos vários projectos, construiria um único projecto a submeter à aprecição do Plenário. A nossa posição neste momento é, por princípio, em sentido negativo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, sem prejuízo do que acabou de dizer o Sr. Deputado Costa Andrade, com o qual, como é evidente, concordo, porque a posição do PSD é esta mesma, a título pessoal gostaria de lançar para o debate, que não tem necessariamente de ser feito aqui, a seguinte questão: a título pessoal concordaria e acharia relevante, em termos de representação da soberania nacional e em termos de ligação das regiões autónomas com o Estado, a primeira parte, ou parte dela, da alínea j) do projecto n.° 10/V. Ou seja, entenderia que talvez devesse competir ao Presidente da República a inauguração da primeira sessão de cada legislatura dos parlamentos das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Não vamos discutir isso, mas isso não é tão irrelevante como parece, nem tão inocente como parece. Discutiremos isso na altura própria.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - É claro que não me assumiu como proponente, já que não o sou. Quis suscitar tão-só uma reflexão sobre uma realidade que é importante. Agradeço as reflexões que foram feitas, às quais voltaremos, talvez em melhor sede.

O Sr. Presidente: - E sobretudo numa discussão balanceada, porque ela tem de ser feita.

Não está presente o Sr. Presidente Rui Machete para voltarmos ao artigo 124.°, pelo que iremos ao artigo 131.°, que tem uma proposta do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que interrompeu a discussão do artigo 136.°

O Sr. Presidente: - Interrompi!? Queria continuar? Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sobre esse aspecto, mas existem outras propostas.

O Sr. Presidente: - A verdade é que ninguém se pronunciou sobre elas. Se me tivessem pedido a palavra, tê-la-ia dado. Se quiser pronunciar-se, Sr. Deputado José Magalhães, faça favor. Normalmente nem sempre nos pronunciamos sobre todas as propostas quando os proponentes não estão presentes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não me referia a essas; refiro-me à proposta do PS em relação à alínea f) do artigo 136.º

O Sr. Presidente: - Já falei nisso, pois trata-se do problema de saber se se consagra a moção de censura construtiva. Se for consagrada, temos de consagrar esta referência. Se não for, logo se verá.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Entende, portanto, que a questão deve ser discutida na sede respectiva.

O Sr. Presidente: - É óbvio que sim. Tinha dito isso de forma implícita quando fiz o resumo inicial.

Quer justificar a proposta do PCP para o artigo 131.°?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Trata-se de fazer a explicitação, em sede de estatuto do Presidente da República, de um aspecto que não se encontra devidamente clarificado. A proposta visa completar, na esteira de disposições como os artigos 120.°, 22.°, etc., da Constituição, a malha de disposições que definem (e que entenderíamos dever definir com mais rigor) os direitos e deveres dos titulares dos cargos políticos. Neste caso, trata-se de prever explicitamente que o Presidente da República não possa desempenhar nenhum outro cargo ou funções públicas, excepto naturalmente aqueles que a Constituição preveja, explicitamente, nem nenhuma função privada ou actividade profissional.

O que se poderá, as mais das vezes, dizer é que tudo isto deveria ser uma evidência. Parece, de facto, uma evidência. Sabemos que a questão, no que diz respeito ao estatuto dos membros do Governo, tem uma determinada solução; no que diz respeito aos deputados à Assembleia da República, a questão é polémica: tem havido sucessivas iniciativas, quer em sede de Estatuto dos Deputados, quer em sede de outras leis ordinárias; alguns partidos anunciam novas iniciativas tendentes a clarificar incompatibilidades.

Se, no caso dos deputados, a matéria tem dado acesa polémica e envolve ainda hoje uma melindrosa rede de opções (que estão, de resto, por tomar), no que diz respeito aos membros do Governo, a situação encontra-se neste momento estabilizada num sentido proibitivo ou limitativo, pelo menos de algumas funções, embora

Página 1217

30 DE SETEMBRO DE 1988 1217

o quadro ofereça dúvidas e tenha dificuldades de aplicação - como, recentemente, o caso de um secretário de Estado do Ministério da Saúde evidenciou abundantemente, embora de forma efémera.

No caso do Presidente da República, a questão coloca-se em termos que creio serem susceptíveis de ser considerados pacíficos. Devo, no entanto, dizer que a norma que propomos tem duas componentes. Por um lado, a proibição de desempenho de cargos e funções públicas não previstos na Constituição e, por outro lado, as actividades privadas ou actividades profissionais.

As coisas são obviamente de natureza diferente. Embora se insiram na mesma problemática, há gradações, esferas: um mesmo tipo de actividades pode merecer juízos diferenciados e pode originar soluções diferenciadas. Pareceu-nos que a solução era, à partida, correcta e contamos com os resultados da ponderação colectiva que, com esta proposta, visámos precisamente desencadear.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, independentemente da nossa posição, que vai ser já indiciada, tenho algumas dúvidas quanto ao conteúdo (e todos nós percebemos o que é um cargo ou função pública ou uma actividade profissional no campo privado) da expressão "função privada", que suscita graves dificuldades de compreensão. Por exemplo: um Presidente da República que seja proprietário de um bem exerce uma função privada; se recebe proventos de alguma coisa que possui exerce uma função privada? Confesso que não sei o que é uma função privada, e talvez convenha esclarecer isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não tenho perguntas a colocar, Sr. Presidente, mas gostaria de dizer que a posição do PSD em relação a este problema pode ser expressa da seguinte maneira: tirando esta dúvida, que tem toda a legitimidade de ser colocada, a proposta do PCP é uma proposta que merece concordância nos termos essenciais quanto à substância do seu conteúdo.

Acontece que não nos parece que aqui seja o local próprio para inserir essa proposta. É um tanto chocante que esta matéria seja aqui remetida para o artigo 131.° da Constituição. Pensamos que esta matéria deverá constar necessariamente, como consta em grande parte dos casos em relação a outros órgãos de soberania, nas leis eleitorais respectivas.

O Sr. Presidente: - Diria o seguinte, para o Sr. Deputado José Magalhães tomar em conta: está adquirido que a competência do Presidente da República é uma reserva da Constituição. Ora, se está adquirido que a competência do Presidente é uma reserva da Constituição e que nenhuma lei ordinária lhe pode atribuir uma competência que a Constituição não preveja, salvo quando ela própria remeta para a lei ordinária - já vimos uma proposta do PS que diz "salvo se lhe atribuir as marcações de outras eleições", a pensar na marcação das eleições para o Parlamento Europeu -, não vejo que haja necessidade de se dizer que não pode desempenhar nenhum outro cargo ou função pública, pela simples razão de que é óbvio que só pode desempenhar as que resultarem das suas competências. Acho que a primeira parte é uma clarificação, mas não é necessária. Não estou em desacordo com o conteúdo, estou em desacordo com a necessidade.

De qualquer modo, mesmo quanto a isso e quanto a funções "privadas" - já que também acompanho o Sr. Deputado Costa Andrade no exagero da expressão - há muita função privada que o Presidente da República tem de exercer: por ser presidente de uma associação moral, de beneficência, presidente do Prémio Nobel, por que não? Também admito que possa ser prestigiante para o País o facto de ele amanhã presidir a um órgão supranacional que não tenha carácter executivo, mas que se revista de grande prestígio! Portanto, deixaria ficar tal como está, compreendendo embora a preocupação ínsita na pergunta.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está, evidentemente, longe de nós a ideia de agir no terreno do perigo e seria sempre pecado venial agir no terreno da desnecessidade...

O problema existe. A solução é, como todas, eminentemente discutível, não mais que isso. A terminologia pode ser própria ou imprópria, a interpretação pode ser correcta ou inadequada e, em certos casos, deverá ser correctiva. É evidente que só por grande malevolência é que o Sr. Deputado Costa Andrade resolveu fustigar-nos com qualquer intuito de proibir as funções privadas em que pensou ao titular do cargo: era no cargo e suas funções - "funcionais" jurídicas que pensávamos e não nas muitas que a todos cabendo não podem ser proibidas pelo direito político!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, das duas uma: ou a expressão "função privada" não significa nada, ou significa aquilo que, em teoria sociológica, significa "funções". E "funções" é tudo aquilo que num sistema desempenha algum papel ou tem alguma função. Ou debitamos aqui toda a teoria funcionalista de Parsons e Luhman, e vemos o que são funções privadas - e todos os papéis sociológicos são funções...

O Sr. Presidente: - Por exemplo: ontem o Presidente da República exerceu uma função privada, isto é, atribuiu um prémio que ele próprio instituiu. Com base num outro prémio que lhe foi atribuído ele consagrou um prémio que, na qualidade de presidente desse prémio, atribuiu e entregou. É claro que é a caricatura do risco, se o Sr. Deputado José Magalhães consentir. Mas poderemos figurar muitos mais exemplos. Certamente que a fiscalização da constitucionalidade não vai encarniçar-se contra uma hipótese desta, mas também não vejo necessidade de consagrar isto expressamente, porque já decorre dos princípios.

Página 1218

1218 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O exemplo que coloquei foi, naturalmente, académico. Mas, em rigor, "função privada" ou não significa nada, não é uma expressão jurídica, ou então tem o significado que lhe dá a teoria sociológica para a qual todos os papéis representados e todas as funções desempenhadas por uma pessoa para o funcionamento, a preservação, a manutenção e a adaptação do sistema ao ambiente são funções privadas. Foi apenas isto que pretendi dizer e, de resto, a minha intervenção -não me pronunciei sobre o mérito da proposta- tinha implícita uma certa concordância com a proposta. Simplesmente, penso que esta expressão deveria ser eliminada ou, pelo menos, substituída.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, quanto à questão terminológica, façamos uma reformulação. Substituamos "função privada" por "cargo privado", por exemplo, apenas para adiantar e encurtar razões. É evidente que Parsons não foi chamado para aqui, não o seria a título nenhum e de certeza não entra no hipódromo do direito constitucional sem ser convidado. Neste caso concreto, ele não foi por nós convidado e só cavalgaria neste articulado contra a nossa vontade, na medida em que não fizemos nada que legitimasse sequer a sua aproximação; foi aqui introduzido pela mão do Sr. Deputado Costa Andrade por conveniências de generalização e de argumentação, a fim de tornar caricaturalmente mais polissémico aquilo que é, realmente e em certa medida, polissémico, como o Sr. Deputado Almeida Santos anotou. O interesse deste debate consiste, sobretudo, em nos conduzir ao terreno da sensatez, no qual não quereríamos senão permanecer desde o início. A discussão é, aliás, particularmente interessante quando posta perante exemplos. É nesse terreno que nos devemos mover.

Por um lado, quis-se na nossa proposta estabelecer uma divisão entre os cargos ou funções de carácter público que o Presidente pode exercer e os que lhe estão vedados (já iremos às funções privadas). Objectou o Sr. Deputado Almeida Santos: "como há uma reserva de competência e como não há uma possibilidade de alargamento, a questão resolvida está"... Ora não está, porque, como este clausulado e esta reserva não são aparentemente impedientes da criação de estruturas, mesmo de carácter público - pensemos, por exemplo, numa fundação de carácter público instituída pelo poder legislativo - presididas pelo Presidente da República...

O Sr. Presidente: - O Prémio Nobel.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, pense numa instituição de carácter público nacional, como, por exemplo, uma imaginária Fundação Afonso Costa enquanto estrutura com funções de estudo e investigação, de pesquisa, de arquivo histórico, de prospecção, etc., existindo na dependência da Presidência da República, com funções que lhe seriam adstritas e presidida, suponha-se, pelo próprio titular do cargo.

Dir-se-á que a factibilidade desse tipo de estrutura é dúbia. Sabemos que não é dúbia: há precedentes e pode haver consequentes. A questão é saber se o argumento da reserva de competências que foi utilizado pelo Sr. Deputado Almeida Santos tem tanta valia ou se tem apenas uma valia tão relativa que devamos configurar a necessidade de levar a reserva da Constituição até ao seu limite. Este é um primeiro aspecto.

O segundo aspecto é relativo às "funções privadas", assim chamadas e porventura mal baptizadas, pelo que passo a utilizar a expressão "cargos privados ou actividades profissionais". As hipóteses são repugnantes e o Sr. Presidente desde logo o sublinhou: alguém que exercesse - a admitir-se que isso é permitido - funções deste teor e simultaneamente fosse presidente do conselho de administração da "Trólaró, S. A.", desqualificar-se-ia. Isso seria uma coisa absolutamente absurda ...

O Sr. Presidente: - É por isso que não é necessário dizê-lo, o absurdo não tem de ser proibido pela Constituição... Estamos a tratar do Presidente da República!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Extacto... Mas não se trata apenas do absurdo e o debate é insusceptível de ser travado senão no terreno da prospecção, e portanto com o terreno limpo nesse sentido.

Já quanto às actividades profissionais, o que é que é uma actividade profissional? Tudo depende da profissão do eventual titular.

O Sr. Presidente: - Mas terá dignidade prevermos que o Presidente da República não pode ser nem comerciante, nem professor primário, nem médico?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não teria dignidade se isso fosse encarado como uma norma ad hominem - o que é absolutamente de postergar -, ou se fosse encarado como uma norma discriminatória, prevista só para o titular de um cargo político e não para outros. Ora sucede que nós prevêmo-la também, em sede de artigo 185.°-A, para os membros do Governo e inserimo-la na nossa reflexão, que de resto tem vindo a ser feita, ao longo destes debates, sobre o estatuto de todos os titulares de cargos políticos...

O Sr. Presidente: - Para os membros do Governo, já não me choca tanto que estas coisas se digam. Aliás, talvez até convenha na medida em que a experiência tem demonstrado que há inclusivamente membros do Governo que continuam a exercer actividades profissionais. Mas prever a Constituição que o Presidente da República não pode ser profissional de coisa nenhuma, quando já sabemos existir uma reserva de competência, consagrada implicitamente na Constituição...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! Mas, Sr. Presidente, em relação ao exercício de cargos, é necessário ter em atenção que existem outros exemplos, além daqueles que o Sr. Presidente aqui aventou - de resto, têm carácter não taxativo. A hipótese honrosa "Prémio Nobel" é uma, mas imagine-se a hipótese de uma fundação de direito privado - não vou baptizada -, ou imagine-se a questão suscitada pelas hipóteses de presidências "honorárias", assim chamadas, quaisquer que elas sejam: é evidente que a sanção para tudo isso pode situar-se no terreno político...

O Sr. Presidente: - Aí é que está o Prémio Nobel! Que me dera que o Presidente da República Portuguesa fosse escolhido para presidente do Prémio Nobel!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, aí seria difícil saber se o seria na qualidade de Presidente da República. Aliás, entendo que não...

Página 1219

30 DE SETEMBRO DE 1988 1219

O Sr. Presidente: - Na qualidade, não é. Se ele for comerciante, não é na qualidade de Presidente da República, mas se for presidente de uma fundação também não é nessa qualidade. Não podemos fazer essa distinção; podemos fazê-la em relação às funções privadas entendidas como o foram pelo Sr. Deputado Costa Andrade, mas qualquer outra é sempre noutra função que não a de Presidente da República.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É imprescindível distinguir. Creio que o terreno deve ser percorrido com a cautela e a sensibilidade adequadas mas, em todo o caso, não amalgamando coisas diferentes. É evidente que se o Presidente da República é um eminente escritor e membro da Associação Portuguesa de Escritores, não há nenhuma confusão possível. É evidente que sendo membro inscrito a referida associação terá a maior honra nisso e o autor, nessa qualidade, pagará as suas quotas se assim entender... Mas é imprescindível traçar fronteiras entre o público e o privado.

O Sr. Presidente: - Ou se publica um livro!... É uma actividade privada... Bom exemplo! E se o vende? E os direitos de autor? É preciso cuidado com isso. No entanto, compreendo o que subjaz à vossa ideia ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É realmente esta a nossa ideia, Sr. Presidente. Estamos cientes de qual é o terreno, de quais são as dificuldades e de qual será a utilidade da medida.

O Sr. Presidente: - Não estou em divergência quanto à razão de ser da vossa proposta mas sim quanto à consagração ou à necessidade dela.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, vamos iniciar a análise do artigo 137.°, em relação ao qual o CDS apresentou uma proposta em que elimina a alínea a), segundo a qual ao Presidente da República compete exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas. Suponho que a razão desta alteração reside no facto de isto já estar incluído na definição de Presidente da República, ou seja, no artigo 123.°, onde se diz que ele é por inerência Comandante Supremo das Forças Armadas. No entanto, o artigo 137.° refere-se à competência para actos próprios do Presidente da República e não à definição do órgão.

Por seu lado, o PCP apenas acrescenta na alínea a) deste preceito "e na lei". Quanto ao PS, menciona na alínea b) as leis paraconstitucionais e acrescenta no final desta alínea as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais, sabido como é que nem todos esses acordos são aprovados por decreto. Na alínea f) o PS acrescenta ao actual texto "requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade das leis paraconstitucionais". O essencial destas propostas apresentadas pelo PS quanto ao artigo 137.° está pois relacionado com a consagração ou não das leis paraconstitucionais. Por fim, na alínea g) o PS propõe a expressão "verificação de inconstitucionalidade por omissão" em vez de "da existência de inconstitucionalidade por omissão".

O PSD, por seu lado, prevê na alínea c) que o Presidente da República seja competente para "submeter questões de relevante interesse nacional e transcendente importância política a referendo popular, nos termos do artigo 138.°-A".

A ID na alínea b) propõe que se estabeleça que compete ao Presidente da República "assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas e exprimir publicamente em nome das Forças Armadas essa fidelidade".

Salvo erro, isto já consta da Lei de Defesa Nacional, mais ou menos nestes precisos termos. Trata-se pois de saber se se deve ou não constitucionalizar. Na alínea f) a ID propõe a seguinte redacção: "conferir, por iniciativa própria, ouvido o Conselho Superior de Defesa Nacional, a dignidade de marechal ou almirante".'Suponho que já será, mais ou menos, assim, mas não tenho a certeza.

Quanto ao PRD, acrescenta na alínea a) o inciso "e participar na definição da política de defesa nacional"; na alínea b) o PRD comete ao Presidente da República a submissão" a referendo de decisões políticas de importância fundamental ou decretos da Assembleia da República e do Governo, nos termos dos artigos 276.°-A e 276.°-B". O PRD adita ainda uma alínea j) em que atribui ao Presidente da República competência para "definir, por decreto, a organização da Presidência da República e praticar todos os actos administrativos respeitantes aos seus serviços e pessoal".

Finalmente, os deputados subscritores do projecto n.° 10/V cometem ao Presidente da República a promulgação e a ordem de publicação de leis, de decretos-leis, de decretos regionais, de decretos legislativos regionais, de decretos regulamentares regionais, bem como assinar os restantes decretos do Governo, competência que actualmente cabe aos Ministros da República. Na alínea/) desta proposta faz-se uma menção às leis regionais, que, como se sabe, hoje não existem com esta denominação.

Não estando presente o CDS, pediria ao PCP que justificasse o inciso que propõe.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a nossa proposta tem uma justificação sucinta. Sabe-se que hoje a definição das competências do Presidente da República quanto ao regime de estado de sítio e do estado de emergência se caracteriza por uma mera remissão para os dois preceitos da Constituição onde a matéria tem tratamento, isto é, os artigos 19.° e 141.° Quando, na Assembleia da República, elaborámos o regime concreto de estado de sítio e do estado de emergência, pudemos perspectivar algumas das dificuldades que isso suscita, sobretudo à luz de uma leitura excessivamente rígida, ou paramentada por balizas demasiado estreitas, das necessidades decorrentes da definição das formas de intervenção do Presidente da República em qualquer dessas situações de excepção - de resto, nas duas únicas previstas constitucionalmente. Creio que a lei se move com alguma habili-

Página 1220

1220 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

dade dentro deste espaço que a Constituição, bem lida, delimita. Em todo o caso e à cautela, seria de aperfeiçoar o respectivo regime.

Quanto à solução a adoptar para a elaboração desse tipo de instrumento legislativo, a discussão careceria de aprofundamento. Sabe-se, por exemplo, que o PS inclui na alínea c) do n.° 2 do artigo 166.°-A, respeitante às leis paraconstitucionais, precisamente a legislação sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência. Outras soluções são naturalmente possíveis... Em todo o caso, é evidente que esta é uma daquelas matérias em que são necessários todos os cuidados e em que é mais explicável a preocupação de conseguir uma base alargada para a respectiva aprovação, qualquer que sejam o regime ou a modalidade que se venha a adoptar para esse efeito.

Por outro lado, lembro que, nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 139.°, a legislação sobre estado de sítio e estado de emergência é, já hoje, carecida de maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, para a confirmação de decretos que lhes digam respeito. É o que reza o citado n.° 3 do artigo 139." da Constituição. Isto permite situar melhor o quadro em que esta matéria é tratada na Constituição e em projectos de revisão constitucional. Creio que o aspecto decorrente da nossa proposta não pode ser lido sem ter em conta não só o quadro já criado constitucionalmente, como também e sobretudo as possibilidades de mutação ou as dinâmicas de alteração desse quadro, decorrentes dos projectos que já estão apresentados e que irão, creio eu, ser fundamentados também nesse ponto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na qualidade de parte daria por justificada a proposta do PS, com o esclarecimento adicional de que o fundo relativo à existência ou não de leis paraconstitucionais seja relegado para a oportunidade própria. Neste preceito, faz-se apenas uma menção a este tipo de leis, no caso de virem a ser criadas. Quanto à parte final da alínea b), não me parece que careça de justificação.

Assim sendo, pediria ao PSD para apresentar a sua proposta, com a mesma condição - se aceitasse - agora relativa ao referendo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza Sr. Presidente. Na medida em que consideramos não ser esta a altura de discutirmos a questão em apreço, designadamente a nossa proposta de alteração para a alínea c), remetemos esta discussão para o momento próprio.

O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta da ID, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Como já foi referido pelo Sr. Presidente, as duas propostas de duas novas alíneas [alínea b) e l)], que a ID apresenta representam, no fundo, a transcrição e a dignidade constitucional atribuída a normas que já constam da Lei de Defesa Nacional. Não são, portanto, matérias que estejam aqui desgarradas de qualquer regulamentação legal já existente, mas, pelo contrário, a única questão que se pode pôr aqui é saber se tem ou não dignidade constitucional aquilo que já está consagrado na lei ordinária. Naturalmente que as propostas partem do pressuposto que tem dignidade constitucional dada a natureza das matérias, e que efectivamente elas devem constar da Constituição e não se limitem a constar da lei ordinária. Daí o facto da ID apresentar estas duas propostas.

O Sr. Presidente: - Pedia agora ao PRD o favor de justificar a proposta, com a mesma condição na parte que se refere ao referendo. Discutiríamos o fundo da questão na altura própria.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Excepção feita à matéria do referendo, a proposta do PRD incide sobre a intervenção do Presidente da República em matéria de defesa nacional e sobre a auto-organização da Presidência da República.

No que toca ao primeiro ponto, o projecto do PRD corresponde a uma linha geral que é a de tentar, de alguma sorte, reforçar os poderes presidenciais, adequando-os, na nossa óptica, àquilo que resulta da eleição por sufrágio directo e universal. Embora não tenhamos querido fazer do domínio da defesa nacional e do domínio da política externa, que vem referido no artigo seguinte, domínios reservados do Presidente da República, achámos que não ficaria mal que a Constituição, expressamente, atribuísse ao Presidente da República uma participação especial na definição daquelas políticas. Portanto, a política de defesa nacional, assim como a política externa, teriam de ser definidas, em conjugação, pelo Presidente da República e pelo Governo, embora não se especifique a forma de participação do Presidente da República, deixando-se tal especificação para a prática e porventura para a legislação ordinária. Isto encontra-se, aliás, ligado a outra modificação que o PRD propõe e que consiste na constitucionalização da composição do Conselho Superior de Defesa Nacional. Quanto à alínea j), trata-se de uma solução que me parece corresponder ao espírito geral da Constituição, isto é, que cada órgão de soberania se auto-organize e pratique os actos administrativos que dizem respeito ao funcionamento dos seus serviços próprios. Este princípio vigora para a Assembleia da República, a organização do Governo é competência exclusiva deste, nos termos do artigo 201.°, alargámos o princípio ao Presidente da República, embora esse alargamento tenha alguns limites e possa ter o inconveniente de criar uma nova forma de acto normativo. No fundo, além dos decretos-leis e dos decretos regulamentares haveria este decreto do Presidente da República, que, ao contrário do que é habitual nos decretos do Presidente da República, seria um acto normativo. A intervenção do Governo mantinha-se porque o decreto estaria sujeito a referenda do Primeiro-Ministro, mas em todo o caso salientava-se que era o Presidente da República quem definia a organização da sua própria máquina, dos serviços com que conta. Por outro lado garantia-se constitucionalmente que era o Presidente da República que praticaria os actos relativos ao pessoal da Presidência como forma de lhe assegurar efectivamente a independência.

O Sr. Presidente: - Não estando presente nenhum dos signatários do projecto de lei n.° 10/V, perguntava ao Sr. Deputado dos Açores presente se queria fazer a defesa oficiosa dele, como aliás tem feito relativamente a outros.

Página 1221

30 DE SETEMBRO DE 1988 1221

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Agradeço-lhe, Sr. Presidente, a sua amabilidade.

No entanto, como não sou proponente, apenas diria que este conjunto de propostas de alteração se insere na filosofia de extinção da figura do Ministro da República. Procederemos nessa sede a tal discussão.

O Sr. Presidente: - Justificadas que estão as propostas, dou a palavra a quem o desejar.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, quero colocar uma questão ao Sr. Deputado Galvão Teles, relativamente à explicação que deu sobre a proposta do PRD quanto ao artigo 137.° Em relação à alínea a), em que o PRD defende a participação do Presidente da República na definição da política de defesa nacional, tenho algumas dificuldades em compreender tal proposta. V. Exa. disse que seria a prática a definir, em termos de futuro, a forma como essa participação seria feita, eventualmente por lei. Tenho alguma dificuldade em perceber como poderíamos remeter para a prática uma questão que tem muito melindre em termos nacionais e absolutos e algum melindre em termos de relacionamento com a autoridade própria para definir a política de defesa nacional, que é o Governo. Por outro lado, em termos da própria dignidade do Presidente da República, o facto de ele participar na definição de tal política e, portanto, não exercer aí uma função de árbitro ou último decisor gera, do meu ponto de vista, alguma dificuldade de conciliação entre a figura institucional "Presidente da República" e esta forma de participação, a não ser numa posição de árbitro ou último decisor.

Conviria, pois, que fosse dada uma explicação mais profunda desta questão, que parece ser importante. Gostaria que o Sr. Deputado aprofundasse mais esta matéria, se V. Exa. assim o entender.

O Sr. Presidente: - Quer dar já a resposta, Sr. Deputado Galvão Teles?

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Diria duas coisas. Quanto à questão de o Presidente da República não ser o último órgão decisório nessa matéria e de isso poder pôr em causa a sua dignidade, é evidente que penso que não põe. De alguma sorte, em todo o nosso sistema constitucional, na medida em que há numerosos actos do Governo cuja existência depende da intervenção do Presidente, se torna necessário estabelecer uma forma de ajustamento das intervenções do Presidente da República e do Governo. A ideia é a de uma intervenção conjugada de dois órgãos, uma cooperação forçada, digamos assim, de dois órgãos em certas matérias. Temos outro caso no artigo 297.°, a respeito de Timor. Lá está que a prática dos actos e a condução da política em relação ao caso de Timor é feita, como aí expressamente se diz, pelo Presidente da República e pelo Governo. Quanto à especificação, diria que as constituições de todo o mundo estão cheias de normas deste tipo, que obrigam à colaboração de dois órgãos, fazendo-se depois a especificação conforme a relação de forças, conforme a personalidade dos titulares dos órgãos. O que me parecia importante é que o Governo não pudesse invocar em matéria de defesa nacional e de política externa - pois são matérias típicas de Estado e em que, designadamente, o Presidente da República tem, por outras razões, competências particulares, por exemplo em matéria de defesa nacional é comandante supremo das Forças Armadas, em matéria de política externa é o representante do Estado na ordem externa e toda a representatividade de outros órgãos e de outros agentes dele vem - o que não quereria, dizia, era sobretudo que o Governo tivesse legitimidade constitucional ou pudesse invocar a Constituição para pôr o Presidente da República à margem de decisões fundamentais nestas matérias. É evidente que se se verificar um conflito, os conflitos resolvem-se como se resolvem os conflitos políticos, isto é, pelos mecanismos próprios que a Constituição também prevê. É esta a linha geral. E evidente que uma solução destas tanto permitiria uma prática muito semelhante à actual como permitira práticas diferentes, consoante as relações de força. O que me parece mal é que o Governo, como já aconteceu algumas vezes, se sinta em condições de invocar a Constituição para pôr o Presidente da República completamente à margem de decisões fundamentais em matéria de política externa e de política de defesa. Não estou a referir-me concretamente a este Governo.

O Sr. Presidente: - Alguém mais quer usar da palavra?

Pausa.

Uma pergunta para o Sr. Deputado José Magalhães e depois tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. As perguntas têm precedência sobre as intervenções.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas a pergunta era ao PS.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Estas propostas, se bem entendo, excepto a parte que não está a ser discutida substantivamente, e que é a do referendo, não alteram o teor das competências do Presidente da República para actos próprios, por consequência nada tenho a observar a este respeito. Relativamente à proposta da ID, "assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas", acho bem. O exprimir publicamente, em nome das Forças Armadas, a fidelidade afigura-se-me que é redundante e não tem sentido útil. Mais: penso que, se isto ficar na Constituição, tais expressões de fidelidade terão menos valor: passam a decorrer de um dever constitucional e não de um sentimento efectivo. O que é relevante e negativo, quando se trata de fidelidade. Sugeriria que estas palavras fossem retiradas, porque acho que nada acrescentam e podem até diminuir o alcance daquilo que se pretende acautelar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

Página 1222

1222 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. Raul Castro (ID): - Era para responder à observação feita pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Naturalmente que se regista a concordância de V. Exa. quanto à 1.ª parte desta nova redacção da alínea b). Em relação a considerar redundante a parte final, não nos parece tão redundante como isso, na medida em que seria legítimo pôr-se a questão de quem é que exprime. O raciocínio de V. Exa. é que a 2.ª parte da alínea seria uma conclusão implícita e que portanto era desnecessário ser explicitada, mas a verdade é que esta é uma fórmula de pôr de lado quaisquer dúvidas a este respeito. Não é tão redundante como isso, em função da própria organização das Forças Armadas, qual é a entidade que deve exprimir esta fidelidade das Forças Armadas, portanto o que se pretende é não deixar margens a dúvidas de que sendo ao Presidente da República que compete assegurar a fidelidade das Forças Armadas, é a ele também que compete assumir publicamente essa qualidade. O objectivo é este.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Só queria dizer a este respeito uma coisa. Sou das pessoas que entendem que o princípio da fidelidade é um princípio fundamental e que todas as ordens jurídicas de todos os sistemas políticos se baseiam num pressuposto de fidelidade. Nesse aspecto não estamos tão longe da Idade Média como parecia, deixou de se jurar fidelidade às pessoas, para passar a jurar-se fidelidade às constituições. Não é por acaso que o juramento das constituições se manteve como prática em toda a parte. Onde tenho medo na proposta da ID e na concordância que lhe deu o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia é em restringir as garantias de fidelidade às Forças Armadas.

Por um lado, porque isso faz presumir uma suspeita específica relativamente às Forças Armadas, que penso não ficaria bem. Por que razão se pretende assegurar a fidelidade das Forças Armadas e não de outros agentes? Propenderia a dar o meu aplauso a qualquer disposição que atribuísse ao Presidente da República uma função específica de garantia de fidelidade à Constituição, para além da fidelidade a que ele próprio se compromete no seu juramento. Mas propenderia a não restringir às Forças Armadas, porque nem há razão para restringir às Forças Armadas, e parece-me pouco prudente deixar a suspeita que a específica referência às Forças Armadas pode suscitar, embora sejam elas, evidentemente, que têm as armas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É muito simples. Afigura-se-me, Sr. Deputado Raul Castro, que a declaração de fidelidade não deve ser exclusiva do Presidente da República. A declaração de fidelidade às instituições democráticas por parte das Forças Armadas não deve ser exclusiva do Presidente da República. É manifesto, aliás, que ela terá mais relevante significado em termos informais se for feita por outros que não o Presidente da República. Não percebo bem o alcance desta disposição. Acho muito bem que um coronel, um general declarem que são fiéis à Constituição. Acho isso excelente. Porque se há-de impedir esses oficiais de o fazerem e se há-de cometer ao Presidente da República o exclusivo da possibilidade de o fazer?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Creio que não está em causa proibir qualquer oficial das Forças Armadas de proclamar essa fidelidade, o que está em causa é o facto de o Presidente da República ser já o comandante supremo das Forças Armadas e é nessa qualidade que ele fala em nome das Forças Armadas, como comandante supremo é ele que terá competência e legitimidade para fazer esta afirmação. Verifica-se não ser já o caso de ser redundante, como o Sr. Deputado Cárdia na 1.ª versão dizia, mas algo de que discordava em face das razões que apresentou. E até a observação feita pelo Sr. Deputado Galvão Teles também se prende com esta mesma justificação. É a função que lhe é atribuída na alínea a). Naturalmente que quanto a adaptações de ideias estaremos sempre abertos a isso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães tem a palavra para colocar a sua pergunta ao PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PS propõe em relação ao artigo 137.°, alínea b), o aditamento de um novo segmento normativo que estabelece um regime especial de aplicação circunscrita às resoluções da Assembleia da República relacionadas com actos de direito internacional. O PS não fez nenhuma alusão a essa matéria, creio que teria alguma utilidade que a pudesse fazer.

O Sr. Presidente; - Também me tinha inscrito para responder a V. Exa. e a seguir fazer as seguintes considerações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já agora, para encurtar razões, na alínea g) suponho que faz uma mera correcção técnica.

O Sr. Presidente: - Sim, só, mais nada. Nem sequer é correcção, é uma outra fórmula.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Acham que vale a pena? É que é uma questão gramatical. A existência de um silêncio ou de uma omissão é sempre a verificação de que não existe uma coisa que devia existir...

O Sr. Presidente: - A inconstitucionalidade por omissão já é isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio.

O Sr. Presidente: - Se inexiste, como é que vamos reforçar? Por um lado, dizemos que se omite; por outro lado, diz-se que não existe.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Da mesma maneira que se constata que existe um determinado silêncio, silêncio esse que é a inexistência de voz e de som. Pode parecer um jogo de palavras; de certo modo não passa disso, de resto. Não sei se a função da revisão constitucional é fazer correcções ortográficas e gramaticais. Mas enfim...

Página 1223

30 DE SETEMBRO DE 1988 1223

O Sr. Presidente: - Era tautológico, era redundante. Também era para exprimir a minha discordância pela abolição, pelo CDS, da alínea a). Acho que o facto de estar na definição do cargo de Presidente da República "e é por inerência comandante supremo das Forças Armadas", não substitui "compete ao Presidente da República na prática de actos próprios exercer as funções de comandante supremo das Forças Armadas". É uma alteração que não melhora nada.

Nada temos contra o acrescento proposto pelo PCP de referência à lei, tratando-se de uma lei tão importante, e que de algum modo complementa o que se prevê na Constituição. Na alínea ò) é evidente que parte do pressuposto, creio que certo, de que há acordos que são aprovados por resolução da Assembleia e, sendo assim, justifica-se tanto que o Presidente os assine como se fossem publicados por decreto.

Sobre a proposta do PSD, lá iremos.

Quanto às propostas da ID, devo dizer que a circunstância de esta matéria estar na Lei de Defesa Nacional não faz com que ela seja o mais importante dessa lei para ser constitucionalizada. Dá-me a impressão de que, se vamos ter a preocupação de constitucionalizar matérias da Lei de Defesa Nacional, há por lá matérias mais importantes do que esta. Por outro lado, tenho alguma dificuldade em perceber que tenha dignidade constitucional o "assegurar pelo Presidente a fidelidade". Em primeiro lugar ele é o comandante supremo das Forças Armadas e representa-as ao mais alto nível. Mas também me parece esquisito, porque assim de algum modo se exclui que outrem assegure essa fidelidade. Por outro lado, o verbo "assegurar" não me deixa feliz! Ele assegura como essa fidelidade?

A outorga da "dignidade de marechal ou almirante" também não me parece que justifique a constitucionalização. É matéria para a lei de defesa, sobretudo se essa lei vier a ter a dignidade, que nós esperamos e queremos que tenha, de lei paraconstitucional.

Relativamente à proposta do PRD - e tenho pena que não esteja cá o Sr. Deputado Galvão Teles -, estas propostas do tipo da alínea a) são perigosas, porque entendo que esta competência já decorre da circunstância de o Chefe de Estado ser o comandante supremo das Forças Armadas. Mas, se agora "chumbarmos" esta proposta, parece que não é assim!... O mesmo quanto a participar na definição da política de defesa nacional! Melhor fora que, sendo ele o comandante supremo das Forças Armadas, não tivesse nada a ver com essa definição! Mas envolvê-lo, directa e expressamente, numa área do Executivo da Administração Pública; pôr em dúvida que isso possa não estar incluído na sua dignidade de comandante supremo, não me parece um bom serviço à dignidade e ao prestígio do comandante supremo das Forças Armadas que o Presidente da República é.

Quanto à alínea 7), independentemente da formulação dever ser essa, lembro que também propomos autonomia administrativa, organizativa e financeira, mas propomo-las para os serviços da Presidência. Não propomos para o Presidente. Veremos depois se esta proposta tem mais virtualidades do que a nossa. Nós tivemos algumas dúvidas, algumas hesitações. Devo dizer que numa primeira abordagem tínhamos uma formulação deste género. Tivemos depois dúvidas de que se deva dar ao Presidente competência normativa ou para cometer actos administrativos ele próprio.

Quanto às leis regionais, constantes de propostas de deputados à Assembleia Regional da Madeira, a resposta está implícita no que disse de manhã. Sendo nós contrários à substituição do Ministro da República pelo Presidente da República, estas propostas, de um modo geral, caem - menos, evidentemente, a referência às leis regionais (embora também me pareça susceptível de entronizar alguma confusão!). Acho que a lei deve ser uma categoria reservada à Assembleia da República. Nem sequer entendemos essa categoria ao Governo - claro que o Governo faz leis em sentido genérico, mas aqui o sentido não é o genérico, é o específico. Penso que deveríamos manter a reserva da denominação de lei para os diplomas legislativos emanados da Assembleia da República. Se o não fizermos, menorizamos os diplomas que dimanam do Governo Central!

Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Tentarei em termos sintéticos dar a posição do PSD em relação às propostas várias que são apresentadas quanto ao artigo 137.° e quanto ao próprio pensamento do PSD em relação a este artigo. O nosso princípio, como se verifica pela proposta que fazemos, é de manter - no que somos acompanhados pela maioria dos outros partidos, pelo menos os maiores partidos - as competências inscritas na Constituição quanto ao órgão de soberania Presidente da República. Independentemente disto, eu diria aquelas com as quais nós temos discordância de princípio, e ainda outras que, eventualmente, deixaríamos para análise posterior noutra sede e junto de outros preceitos ou de outras propostas de alteração a preceitos constitucionais.

A nossa concordância de princípio será em relação à proposta do PCP de alteração da alínea c) do artigo 137.°; a nossa concordância de princípio também em relação à parte final da alínea d) do artigo 137.° tal como vem proposto pelo PS - embora evidentemente que não em relação à problemática que envolve as leis paraconstitucionais - e ainda a concordância com a alteração de redacção da alínea g) do mesmo artigo proposto pelo PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Também inclui a alínea b)1

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não. A alínea g).

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas engloba também a parte final da alínea h)?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, embora englobando, como é evidente, a matéria...

O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - ... é isso efectivamente: as resoluções da Assembleia da República sobre acordos internacionais. A nossa não concordância com as formulações apresentadas pela ID quer pelas razões que já foram aduzidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos e com as quais concordamos, não curando, portanto, aqui, de analisar, numa primeira

Página 1224

1224 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

fase a essencialidade das propostas, mas curando, apenas, de dizer que já estão consagradas em Lei de Defesa Nacional. Não vemos razão para aqui estarem incluídas, isto é, na Constituição. Em segundo lugar, e noutro aspecto, sobre a essencialidade das propostas, concordando em relação à primeira sobre a alínea d) com as ressalvas formuladas pelo Sr. Deputado Galvão Teles, tendo em conta a infelicidade do preceito, ou da redacção do preceito, e a confusão que poderia gerar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está, portanto, de acordo com a primeira parte, se bem percebi?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado. Estou em desacordo com as duas propostas da ID, ambas pelas razões que exprimi antes; esta particularmente pela razão de concordância com as reflexões que o Sr. Deputado Galvão Teles fez sobre elas.

O Sr. Raul Castro (ID): - Se me permite um pedido de esclarecimento.

Com efeito, não percebo muito bem, pois o Sr. Deputado Galvão Teles concorda com o teor, só achando que devia ser acrescentado à alínea a). Não sei se essa é também a sua posição. O que ele disse foi que acha que isto não devia ser uma alínea autónoma, mas devia ser acrescentado à actual alínea a) do artigo 136.°

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, ao que me estava a referir, é à obrigação singular de assegurar o juramento de fidelidade das Forças Armadas à Constituição - e foi isso que ouvi da intervenção do Sr. Deputado Galvão Teles - e, por isso, ser justamente apenas para as Forças Armadas e não para outras instituições ou pessoas. Compreende, Sr. Deputado? Era neste propósito ou sentido que eu dizia que o preceito era realmente infeliz do ponto de vista da sua redacção. Isto é do ponto de vista específico deste preceito; do ponto de vista genérico já disse por que é que entendemos que não o deveríamos aceitar quer esta, quer a outra alteração.

Em relação às propostas do PRD, entendemos que a formulação proposta - também proposta para a alínea a) - é susceptível de aumentar a conflitualidade numa área onde ela não deve surgir, pensamos nós. Por outro lado, em relação à alínea j) é a tal intenção nossa de - como disse o Sr. Deputado Almeida Santos e lembrou bem - talvez se dever lançar ou situar a discussão desta problemática quando nós discutirmos aquilo que é proposto pelo PS em relação ao seu artigo 136.°-A.

O Sr. Presidente: - A redacção, veremos depois qual há-de ser: se vai referir-se ao Presidente ou ao serviço. Penso que tem melindres técnicos, mas, quanto a nós, há coincidência quanto ao essencial da proposta.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Parece-nos que é uma redacção pouco mais bem conseguida que esta, e isso, sob este ponto de vista, pensamos que é melhor discutir nessa altura.

O Sr. Presidente: - É a nossa dúvida: se há-de ser o Presidente, se os serviços dele. Depois veremos isso. Mais alguém quer usar da palavra?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a leitura deste preceito há-de fazer-se tendo em conta, naturalmente, aquilo que os diversos partidos propõem em relação ao artigo 136.° Não discutimos essa matéria por ausência circunstancial de alguns dos proponentes. Em todo o caso, essa discussão acaba por estar implícita em tudo o que agora vem sendo afirmado. Gostaria, apenas, pela minha parte, de sublinhar que não há, nesta matéria, na segunda revisão constitucional, nenhuma alteração de fundo ao artigo 136.° - excluída e posta de lado, naturalmente, toda a questão relacionada com o referendo. Não há, de facto, alteração comparável à que foi apresentada e debatida intensamente na primeira revisão constitucional. Não se trata agora de operar nenhuma mudança de rumo, nenhuma indefinição de arquitectura constitucional.

O PRD refere no preâmbulo do seu projecto de revisão constitucional que procuraria "restabelecer o equilíbrio de poder" neste domínio. No entanto, analisando-se as disposições que propõe neste ponto, a diferença entre o objectivo fixado e as soluções plasmadas (mesmo na sua melhor ou mais esforçada interpretação) é, ao que me parece, bastante grande. Desde logo porque aquilo que se possa fazer no sentido de procurar densificar constitucionalmente o conceito de comando supremo da Forças Armadas - com as dificuldades que este origina e com o património de debate constitucional que atrás dele está - depara com alguns obstáculos.

O CDS envereda por uma solução obviamente inaceitável. Elimina, pura e simplesmente, a alusão à função de comando supremo, o que, de resto, originaria dificuldades quase inultrapassáveis. Suponho que ou é um efeito não desejado, ou seria apaixonante ouvir da boca do CDS a fundamentação da opção que aqui propõe ou das implicações que essa solução teria. Essas implicações seriam, quanto a nós, bastante graves.

Abandonado esse caminho, retira-se do preceito (tal qual ele deve ser interpretado, tendo em conta o disposto no artigo 136.° e no artigo 205.° quanto ao regime constitucional das Forças Armadas) um conjunto de implicações e de ilações que permitem distinguir os poderes do Presidente da República nesta matéria, dos poderes do Governo, e também dos poderes da Assembleia da República, não é lícito face ao actual quadro esvaziar o papel e o poder do Presidente da República, reduzi-lo a um estatuto puramente honorífico, simbólico e meramente representativo. Há um conteúdo constitucional para o comando que lhe cabe constitucionalmente.

O comando, naturalmente, não é a actividade operacional em teatro de batalha, mas não é um conceito esvaziado de sentido. Há na Constituição elementos dos quais podemos extrair um sentido útil para a noção de comando.

Aquilo que o PRD propõe nesta matéria - é de resto o único partido que adianta soluções explicitativas, por assim dizer - merece, naturalmente, atenção. Pela nossa parte iremos reflectir sobre elas. Em todo o caso, a fundamentação que foi adiantada, não me parece acrescer nada de significativo àquilo que é impossível deixar de extrair da interpretação conjugada dos dispositivos que citei. É evidente, por exemplo, que o Presidente participa na definição da política de defesa nacional. E evidente que participa! A reflexão que fizemos do quadro da Lei de Defesa Nacional, pesem embora todos os seus

Página 1225

30 DE SETEMBRO DE 1988 1225

vícios, todas as críticas justas que lhe dirigimos, e que, de resto, mantemos - não pôde deixar ela própria de conduzir ao reconhecimento legal daquilo que a Constituição estabeleceu, isto é, que a definição da política de defesa nacional não é um acto governamental. O Governo tem as funções que tem nessa matéria, são suas e inexpropriáveis, mas a Assembleia tem igualmente funções próprias. Elas materializam-se, designadamente, na aprovação ou no debate de certos instrumentos. Teremos ocasião, quando apreciarmos as competências da Assembleia, de, com mais detalhe, e com contribuição especializada eventualmente, nos debruçarmos sobre isso. Em todo o caso, o que não flui da Constituição - isso a qualquer luz é líquido - é que o Presidente não participe na definição da política de defesa nacional! Mais: em determinados momentos, tem até uma função decisiva e insubstituível para a prática de determinados actos que podem ser capitais para a política de defesa nacional. Posso e devo falar da declaração do estado de guerra. É óbvio e patentemente o caso limite e paradigmático. Aí, mais do que participação, até há a decisão. Pense-se também nos tratados internacionais. A margem de intervenção do Presidente, em todos estes domínios, pode alcançar-se razoavelmente do quadro constitucional.

Uma coisa é certa: nenhum partido propôs o reequilíbrio - no sentido do retorno à situação anterior à revisão constitucional de 1982. Ele, de resto, não seria possível dado o esquema muito diferente dos órgãos do poder no quadro vigente até 1982 e no quadro em que vivemos, quaisquer que sejam as interpretações possíveis, as evoluções possíveis, as formas de gestão possíveis, as formas de articulação possíveis, largamente dependentes, naturalmente, do papel que a variável governo assuma em tudo isto. É pública a nossa posição crítica em relação ao papel que a variável governo tem assumido neste domínio sob a gestão PSD. Deixaria, no entanto, isso de lado porque não é imprescindível para fazer o raciocínio que deve subjazer à apreciação da proposta do PRD e do CDS que são o objecto deste debate.

Um segundo bloco de questões diz respeito à melhoria da redacção da Constituição em relação à intervenção do Presidente da República na vinculação internacional do Estado Português. Creio que todos poderemos reflectir sobre o apuro da solução proposta. Apenas alerto neste momento para que um é o regime dos tratados propriamente ditos; outro é o regime da convenção que se encontra na competência governamental e que dependem, naturalmente, ou têm uma tramitação própria e uma intervenção própria do Presidente da República; outro ainda é o regime daquilo a que a Constituição chama "acordos internacionais" não ratificados pelo Presidente mas em que este tem - quando aprovados pelo governo - o poder de assinar os decretos governamentais de aprovação. Visa-se que em relação a estes acordos, tanto quanto percebi, quando partam da Assembleia da República o Presidente tenha um grau de intervenção...

O Sr. Presidente: - Está também relacionado com outras propostas nossas neste domínio, que julgo clarificadoras no sentido de unificar na palavra "convenções" os actuais vocábulos "acordos" e "tratados".

Penso que, do conjunto das nossas propostas - depois poderemos vê-las globalmente -, esta nova proposta ganha sentido e encontra justificação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, Sr. Presidente.

Portanto, eu não adensaria a análise desta matéria e reservá-la-iamos para a apreciação em bloco de todas estas questões. Há realmente algumas dificuldades. Essas dificuldades podem ser facilmente ultrapassadas quanto a nós, e devem ser ultrapassadas no sentido de uma adequada articulação dos diversos órgãos de soberania na vinculação internacional do Estado Português.

A última observação seria em relação à proposta apresentada pelo PRD quanto à organização da Presidência da República e à prática dos actos administrativos respeitantes aos serviços da Presidência e ao pessoal da Presidência. Como se verificará, outros partidos noutra sede adiantam uma preocupação similar à que aqui vem expressa pelo PRD. Refiro-me, concretamente, às propostas dos artigos 143.°-A e 135.°-A apresentadas respectivamente pelo PCP e pelo PS. Creio que ouvidos os argumentos do Sr. Deputado Miguel Galvão Teles ficam reforçados os factores que nos levaram, pela nossa parte, a procurar tratar esta matéria como artigo novo, não em sede de competências do Presidente, mas em sede de definição do regime de autonomia financeira e dos serviços próprios. Não me parece que faça sentido, desde logo, que o Presidente defina por decreto um regime organizativo que tem, além do mais, implicações de carácter financeiro, implicações em relação à aplicação do regime da função pública e suscita melindrosos problemas de articulação entre o governo e o Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobretudo que nomeie o jardineiro!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. E não só!

O Sr. Presidente: - Vamos pôr o Presidente a nomear: "Nomeio o Sr. José Joaquim jardineiro do meu palácio, etc..".

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. E mais até do que isso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É ao chefe da Casa Civil do Presidente. Este por decreto apenas define a organização e atribui competências, e depois quem tiver essas competências exerce-as. Não vamos pôr o Presidente da República a fazer nomeações dessas! Não é que ser jardineiro não seja uma dignidade como outra qualquer! Até é bonita!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é que há uma coisa ainda mais melindrosa nesta proposta...

O Sr. Presidente: - Trata-se de actos próprios do Presidente da República. Ainda por cima, diz-se em cima "actos próprios do Presidente da República": é próprio do Presidente da República... Já nomear era o menos, mas demiti-lo, levantar-lhe um processo disciplinar! Não estou a ver o Presidente da República envolvido nesse tipo de competências!

Página 1226

1226 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há um aspecto mais melindroso ainda. É que através desta proposta, Sr. Deputado Almeida Santos, atribuir-se-ia uma quota de poder legislativo ao Presidente da República, poder legislativo aliás absoluto.

O Sr. Presidente: - Que ele possa, por decreto, aprovar a organização dos próprios serviços, como faz o Governo, e a Assembleia também está a fazer, enfim!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é que o Governo tem poder legislativo, o que não acontece em relação ao Presidente da República.

O Sr. Presidente: - É evidente. Mas ser ele a praticar os actos de administração das suas Casas Civil e Militar?

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PS não adiantou solução que, de perto ou de longe, se assemelhasse a isso. A proposta do PS estabelece que: "os serviços de apoio da Presidência da República dispõe de autonomia organizativa, administrativa e financeira, nos termos da lei".

O Sr. Presidente: - Mais nada! Mais nada! Penso que não se pode ir além disso.

O Sr. José Magalhães (PSD): - Haverá ainda que estabelecer alguma cautela quanto à entidade competente. Há várias soluções possíveis nessa matéria: nós preocupámo-nos, por exemplo, com a questão do orçamento da Presidência da República, em que adoptámos uma solução paralela à da Assembleia da República. Mas isso é outra matéria. Porém, a atribuição de poderes legislativos ao Presidente não é razoável...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, na proposta do PS atribui-se à Assembleia competência com reserva absoluta para aprovar o regime da organização administrativa e financeira dos serviços de apoio do Presidente da República. Continua-se, portanto, a conferir ao órgão com função legislativa a competência para aprovar o respectivo sistema organizativo. Assim, não há uma transferência de competência legislativa do órgão legislativo para um órgão que não desempenha tal tipo de função.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Essa solução está no projecto do PRD. Creio que não faz sentido.

O Sr. Presidente: - É que isso nalguns casos se justifica: que em caso de veto, mesmo que não seja por inconstitucionalidade, se exija confirmação por dois terços.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesse sentido, Sr. Presidente, creio que as propostas apresentadas pelo PS e pelo PCP - de resto, em conjugação com a preocupação que esta também exprime, embora suscitando outros problemas - constituem uma base adequada para se encontrar na sede própria (e tendo igualmente em conta a repartição de competências adequada e os regimes de fiscalização que possam afigurar-se mais correctos) uma solução para um problema que todos reconhecem existir e que deve ser tratado com o sentido institucional naturalmente exigível.

Por seu lado, as propostas constantes do projecto de lei de revisão constitucional n.° 10/V envolvem algum melindre, designadamente no que diz respeito à criação de um novo tipo de leis, as "leis regionais", o que é evidentemente vulgarizador da noção de lei, tal qual está consagrada entre nós - e é bom que se mantenha como tal - e induz alguma confusão. Não creio que haja grande vantagem na operação. Pelo contrário, somos todos capazes de ver nela três ou quatro desvantagens, algumas bastante sensíveis.

Quanto ao que possa inculcar-se relativamente ao regime das Forças Armadas, o debate não pode ser mais aprofundado. Talvez o possa ser na sede própria, na medida em que as observações relacionadas com a proposta da ID para o artigo 137.°, alínea b), podem ser compaginadas com algumas preocupações que fluem de outras propostas apresentadas noutras sedes. É evidente que o Presidente da República, nos termos do artigo 130.°, n.° 3, jura cumprir e fazer cumprir a

aplica a todas as entidades. Quaisquer particularizações poderão ter a pertinência e a inserção adequada, matéria sobre a qual poderemos pronunciar-nos ulteriormente e noutra sede, sem prejuízo naturalmente do aprofundamento do debate nesta. Em todo o caso, gostaria de deixar ressalvado este ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Começando pela proposta do PCP, pensamos que se trata de uma proposta útil, positiva, que não suscita qualquer questão.

Em relação às propostas do PS, e deixando de lado aquelas matérias que não estão agora em discussão e referentes a outras propostas, nomeadamente as leis paraconstitucionais, parece-nos existir aqui uma nova disposição, a alínea g), que, em nosso entender, merece também acolhimento aqui, em Comissão.

No que concerne às nossas propostas, e num último comentário ao que foi afirmado, elas visam corresponder àquilo que já está constitucionalmente estabelecido, ou seja, consagrar o Presidente da República como comandante supremo das Forças Armadas. Está reconhecido que, nesta qualidade, existe um certo vazio legislativo, na medida em que não se sabe ao certo em que é que consistem esses poderes. Consequentemente, visa-se aqui corporizar dois poderes, que não são dois poderes quaisquer, mas sim poderes retirados da Lei de Defesa Nacional. Observa o Sr. Deputado Almeida Santos que haveria outros poderes com interesse, ou com maior interesse - nós perguntamos quais, pois estamos abertos a concordar com a constitucionalização de outros, desde que saibamos quais. E, sem pretender regressar à polémica que aqui se estabeleceu, a forma como são apresentadas visa tornar claro - penso que já está esclarecido - que isto não desobriga qualquer escalão das Forças Armadas de ter a mesma identificação com a Constituição e as instituições democráticas. Mas o que aqui se prevê é de quem, representando as Forças Armadas - e só o Presidente

Página 1227

30 DE SETEMBRO DE 1988 1227

da República, que é o seu comandante, as representa -, tem competência para assegurar e tornar pública esta fidelidade.

Por seu lado, as propostas do PRD, pareceu-nos apresentarem algumas dificuldades porquanto, por um lado, não se diz como participaria o Presidente da República na definição da política de Defesa Nacional - e esta não é uma questão muito fácil de resolver - e, por outro lado, já foram levantadas algumas questões e observações que, em nosso entender, são pertinentes em relação à definição por decreto da organização da Presidência da República. Embora estejamos de acordo com a intenção subjacente a esta alínea j) da proposta do PRD, pensamos que a fórmula não será a mais adequada. Inclusivamente consideramos que a fórmula actual pode corresponder melhor ao que se visa aqui conseguir.

Quanto ao projecto n.° 10/V, que aliás não foi aqui defendido, a nova figura das leis regionais seria suficiente para nos suscitar as maiores reservas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, reconsiderei a proposta da ID e sou a favor do espírito, mas sou contra a formulação da alínea b) toda ela, por duas razões. Em primeiro lugar, porque garantir que as Forças Armadas respeitem a Constituição é um objectivo pelo qual são responsáveis o Presidente da República, a Assembleia da República, os tribunais e, sobretudo, o Governo. Em segundo lugar, afigura-se-me que cometer a um órgão de soberania a competência de assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas pode conduzir a que esse órgão de soberania interprete subjectivamente o conteúdo dessa fidelidade. Considero que esta formulação é potencialmente mais perigosa do que vantajosa para a segurança da Constituição. Aliás, ela só poderia ter aplicação relevante (mas nesse caso eventualmente subjectiva) em momentos graves da vida nacional. Dada a natureza das matérias, parece-me que não será oportuno nem necessário acrescentar seja o que for.

O Sr. Presidente: - Sem que isso represente um convite para prolongarmos o debate, queria informar o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles de que, na sua ausência, nos colocámos algumas dúvidas sobre se, na proposta constante da alínea j), apresentada pelo seu partido, a autonomia deveria referir-se ao próprio Presidente ou aos serviços do Presidente, como consta da nossa proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É evidente que tivemos a noção de que ao apresentar esta proposta criávamos uma nova forma e uma nova sede legislativa. Se bem que não seja tradicional, isso não nos afligiu excessivamente, embora não se avançasse demais no plano prático porque o decreto teria de ser referendado pelo Primeiro-Ministro - o qual poderia, portanto, sempre opor. Pessoalmente, devo chamar a vossa atenção para o facto de que não me parece muito bonito, por exemplo, a Assembleia da República discutir a organização da Presidência da República, sobretudo porque o Presidente da República não tem canais directos de comunicação com ela.

O Sr. Presidente: - Uma informação complementar: nós considerávamos isso incluído na reserva absoluta e confirmável apenas por dois terços, mesmo em caso de veto político.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Devo dizer que me custa que o Presidente não possa sequer tomar a iniciativa. Podia o Governo ser obrigado a apresentar proposta ... não sei, ou por exemplo teria a lei de ser votada em bloco. Não me aflige e penso que se trata de um assunto a ponderar noutra sede.

Quanto à prática dos actos administrativos, é evidente que estava aqui suposto que se pudessem fazer delegações. Em meu entender, o poder deve aí pertencer originariamente ao Presidente ou aos órgãos dirigentes dos seus serviços. No entanto, não faz qualquer diferença que não seja o Presidente a praticar certo tipo de actos e que, porventura, se queira mesmo fugir à delegação... No fundo, o que pretendíamos assegurar era a autonomia da organização interna da Presidência da República e dar ao Presidente da República alguma liberdade de escolha da organização interna. Faz pouco sentido, que, por exemplo, se o Presidente quiser um secretário-geral em vez de um chefe da casa civil e de um chefe da casa militar, o Governo ou a Assembleia da República lhe possam dizer que não pode ter uma coisa ou outra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à análise do artigo 138.°, relativamente ao qual foram apresentadas três propostas que coincidem na preocupação de consagrar, nalguns casos com alguma extensão, a competência do Presidente da República em matéria de relações externas. O PCP propõe, no início da sua alínea a), que compete ao Presidente da República "representar externamente a República". O PS fala em "representar o Estado na ordem externa" - o que, obviamente, não é a mesma coisa. E o PRD propõe "participar na definição da política externa".

O PCP acrescenta ainda "acompanhar a negociação e o ajuste de quaisquer acordos internacionais e pronunciar-se sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional", para além do que já se encontra na actual alínea b), ou seja, "ratificar os tratados internacionais, depois de devidamente aprovados". O PRD acrescenta ainda um n.° 2 com uma redacção que não é de fácil entendimento, embora eu admita que esteja correcta, segundo a qual "devem necessariamente revestir a forma de tratado, ratificado pelo Presidente da República, as convenções respeitantes às matérias na alínea i) do artigo 164.°" - ou seja, a competência reservada em matéria de tratados - "ou internamente reservadas a actos com forma legislativa, bem como as convenções que contendam com normas legais ou exijam actos com forma legislativa para a sua execução, e ainda todas as que hajam sido aprovadas pela Assembleia da República".

Pediria agora ao PCP para justificar a sua proposta. Assim, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta é uma das seis propostas que o Grupo Parlamentar do

Página 1228

1228 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

PCP apresenta, tendo em vista explicitar certos aspectos evidentes ou fazer pequenas correcções no estatuto do Presidente da República sem alterar qualquer aspecto fundamental dos que o caracterizam.

Esta alteração cifra-se em recolher, explicitar, refundir e exprimir em enumeração corrente aquilo que são, no domínio das relações internacionais, as competências típicas do Presidente da República. Sabemos todos que o Presidente não tem competência para, nesta matéria, concluir ou ajustar tratados internacionais. Rompeu-se aqui uma tradição, tendo o Governo, nos termos do artigo 200.°, n.° l, alínea c), assumido esse poder, e cabendo-lhe, de resto, a condução da política geral do País. No entanto, quanto ao primeiro ponto apresentado na proposta do PCP, sabe-se que ao Presidente da República não pode deixar de caber a função de representação externa da República Portuguesa - confronte-se designadamnente o disposto no artigo 123.°- o que não se confunde com a condução da política externa. Evidentemente, deveremos fazer, em termos hermenêuticos, todas as operações de concordância prática necessárias e adequadas para o efeito. Em todo o caso, parece inquestionável que, se se optar pelo caminho de procurar sintetizar aquilo que são competências do Presidente nesta esfera de relações internacionais, haverá que começar por aqui.

Quanto ao segundo ponto, isto é, quanto às vinculações internacionais do Estado Português através deste mecanismo, foram tidos aqui em conta não só os contornos originários da Constituição neste ponto, sua evolução em 1982, e experiência de aplicação, como um balanço (que não nos parece dever deixar de conduzir a algumas conclusões) sobre as dificuldades que certas interpretações do regime actual têm originado.

Mais explicitamente: não sendo o Presidente da República titular do poder de fazer a vinculação, de dirigir a negociação, de conduzir a negociação, não tem treaty making power. Isso é evidente. No entanto, não parece inútil mas, pelo contrário, bastante relevante que se pontualise aqui que o Presidente não deve ser indiferente ou não deve estar alheado, não deve deixar de acompanhar - palavra que usámos- a negociação e o ajuste de quaisquer acordos internacionais. Dir-se-á, quando muito, que isto já decorre do disposto no artigo 204.°, n.° 1, alínea c). Em certa medida assim será, uma vez que cabe ao Primeiro-Ministro informar o Presidente da República não só sobre os assuntos respeitantes à condução da política interna como sobre os assuntos respeitantes à condução da política externa do País. Sendo a negociação de tratados, convenções e acordos um aspecto que sem dúvida marca a política externa do País, por essa via se chegará a este resultado. Se assim se raciocionar, diremos: "Excelente!", porque se trata então de tão-só refundir, enumerar, pela ordem própria, aquilo que é uma decorrência da Constituição, devidamente lida e interpretada neste domínio! Creio, de resto, que essa leitura não será polémica.

Por outro lado, a expressa faculdade de o Presidente da República se "pronunciar sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional", não nos parece igualmente que ofereça especiais dificuldades. Ela não altera em nada o facto de a Assembleia da República, por um lado, o Governo, por outro (e em certa medida até os tribunais) terem competências nesta matéria. Seguramente a Assembleia da República não deixará de pronunciar-se através das formas próprias, e até, mais do que isso, não deixará de decidir certas grandes orientações de Portugal no plano internacional, desde logo ao exercer as suas competências em matéria de aprovação para ratificação de tratados internacionais. Por outro lado, tem outras formas próprias de se pronunciar sobre todas essas matérias. Isso não exclui nem se sobrepõe, nem colide com o poder de intervenção que ao Presidente da República deve ser reconhecido, face ao seu estatuto actual - sublinho e ressublinho - uma vez que creio que, a nenhuma luz, se pode sustentar que o Presidente da República não possa exercer os seus poderes de forma a exprimir o seu pensamento sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional. Isto não tem nada a ver, digamos, com a obsessão de caça às "diplomacias paralelas", que avassalou certos espíritos numa determinada fase da vida política portuguesa e que -suponho - neste momento não povoa os pesadelos de ninguém. Em todo o caso, creio que a explicitação proposta pelo PCP não é nefasta, antes pelo contrario. Obviamente nada disto tem a ver com as competências próprias do Presidente da República, nos termos do n.° 2 do artigo 297.º, que são uma excepção ao quadro geral traçado pelas normas aplicáveis a que tenho vindo a fazer referência.

Eis, pois, Sr. Presidente, que, provavelmente, a melhor defesa que se pode fazer desta proposta do PCP é de que ela é clarificadora: sendo baixa a sua margem de inovação a sua margem de clarificação é, porém, de alguma utilidade.

O Sr. Presidente: - Mas não o poderia dizer em relação à nossa proposta, pois ela é somente clarificadora. Não há a menor dúvida de que quem conduz a política externa é o Governo, competência essa que está expressa claramente na alínea c) do n.° 1 do artigo 204.° Está já entendido que o Primeiro-Ministro tem de informar o Presidente da República sobre a condução da política externa.

Ora, o facto de no artigo 123.° se referir que o Presidente da República representa a República Portuguesa poderia justificar dúvidas sobre o saber se a República estava aqui a excluir a representação do Estado. É só isto que queremos clarificar. Portanto, o Presidente da República também representa o Estado na ordem externa. A representação global da República está já na definição do próprio cargo. Não creio, pois, que a nossa proposta traga mais que uma clarificação daquilo que já é.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Secretário José Magalhães.

O Sr. Presidente (José Magalhães): - Srs. Deputados, seria necessário saber se alguns dos Srs. Deputados desejam ainda usar da palavra quanto ao artigo que está em debate.

Pausa.

Visto que sim, tem então a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, há duas propostas sobre esta matéria, da autoria do PRD.

Página 1229

30 DE SETEMBRO DE 1988 1229

A primeira proposta respeita ao actual corpo do artigo 138.°, que passaria assim a n.° 1. Esta foi já justificada quando se falou da participação do Presidente da República na definição da política de defesa nacional. A segunda proposta, que é de aditamento de um novo n.° 2 ao referido preceito, carece de alguma explicação. De facto, é uma tentativa de clarificação técnica da Constituição.

A lei fundamental utiliza uma categoria genérica, ou seja, a das convenções internacionais, que pode ter a forma de tratado e de acordo em forma simplificada. Acontece, porém, que a Constituição nunca refere quando é que tem de se utilizar a forma de tratado e a de acordo em forma simplificada. É evidente que se supõe que quando a aprovação da convenção é feita pela Assembleia da República terá de se assumir a forma solene de tratado com ratificação solene do Presidente da República. No entanto, a letra da Constituição não proíbe hoje, por exemplo, que a Assembleia da República aprove a convenção ou projecto de convenção e que, posteriormente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros exprima a vontade do Estado - e isto nem sequer em forma solene.

Na verdade, é este o problema que se procura resolver, ou seja, o da distinção dos casos em que é necessário utilizar a forma de tratado e dos casos em que se pode empregar o acordo em forma simplificada. Por conseguinte, a forma de tratado seria necessária sempre que fosse imprescindível a aprovação por parte da Assembleia da República, bem como sempre que não sendo obrigatória essa aprovação ela, ainda assim, se tenha verificado e ainda sempre que, cabendo a aprovação ao Governo, o tratado incida sobre matéria legislativa ou tenha implicações legislativas na ordem interna, dado o princípio que o artigo 8.° consagra da recepção automática de direito internacional. É, portanto, esta a função deste preceito. Trata-se de um aspecto puramente técnico que esclareceria algumas dificuldades que, de vez em quando, se levantam.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PRD): - Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, não percebi a terceira categoria. V. Exa. pode dizer qual é?

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É a seguinte, Sr. Deputado: sempre que a aprovação tivesse sido dada pelo Governo, mas o tratado incidisse sobre matéria legislativa ou tivesse internamente implicações legislativas.

Portanto, nos casos que enunciei era obrigatório utilizar a forma solene do tratado com uma ratificação solene por parte do Presidente da República. Era esta clarificação que se queria fazer no fundo, ou seja, o referir-se quando é que é precisa a ratificação presidencial numa convenção internacional ou quando é que a vontade do Estado pode ser expressa por outra maneira, seja por uma intervenção não formal do Presidente da República, o que hoje, em princípio, não se verificará, seja por acto do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Quando é que, por exemplo, um tratado pode se celebrado por troca de notas?

É evidente que, em rigor - e já agora acrescento isto - deveríamos rever, em ligação com isto, o que se dispõe na alínea c) do n.° 1 do artigo 200.° e no n.° 2, porque a maneira como a Constituição está redigida dá a impressão que é preciso sempre para qualquer acordo internacional um decreto-lei emanado do Governo. Isto é, pelo menos, o contrário de toda a prática que tem sido seguida. É, pois, frequentíssimo um acordo ser celebrado mediante troca de notas, um Ministro dos Negócios Estrangeiros português com outro Ministro da mesma pasta, sem que o acordo seja submetido formalmente à aprovação do Governo.

Esta matéria precisaria de ser retocada. Penso, aliás, que haveria necessidade de estabelecer neste ponto alguma restrição, mas não vou agora consultar o projecto de lei do PS, nem sequer encontrei na altura da elaboração do projecto de lei do PRD fórmula adequada. Foi essa a razão porque não mexi neste ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, talvez devêssemos ponderar da conveniência, utilizando porventura a nossa subcomissão para os trabalhos da revisão constitucional, para uma reflexão sobre todas as incidências técnicas que da formulação, tal como ela se encontra na Constituição, quer das várias propostas apresentadas. Aliás, dá-me ideia de que os conceitos não são sempre utilizados com o mesmo alcance nas diversas propostas apresentadas pelos diversos partidos, convenção, tratado ou acordo. Assim, essa diligência, por mim proposta, visaria, quanto mais não fosse, tentar uma compatibilização conceptual sem prejuízo das opções de fundo. Além disso, toda esta problemática tem, como todos sabemos, evidentes conexões, designadamente com a matéria de fiscalização da constitucionalidade, pelo que deveríamos talvez fazer um trabalho de aprofundamento à volta de toda a temática das convenções internacionais.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que convinha continuar a respeitar a terminologia usada na Constituição, que é a seguinte: convenção é o conceito genérico que abrange o acto que...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Os tratados e os acordos.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - ... se divide em tratados e acordos que, por sua vez, se distinguem por critérios formais. É isso, no fundo, que se procura especificar neste articulado proposto pelo PRD. De facto, o tratado é a convenção em que o Presidente da República intervém solenemente e o acordo é toda a outra convenção. Creio que convinha mantermo-nos nesta técnica e terminologia.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas como se verificou que não nos debruçámos, no início dos trabalhos da revisão, sobre os princípios fundamentais, e, designadamente, o artigo 8.° está igualmente por ser tratado, sendo, talvez, o bom momento para, a propósito desse preceito, reflectirmos sobre todas as incidências que depois decorrem desse articulado na versão que poderá vir a ter, quer quanto às competências de ratificação do Presidente, quer relativamente a esta nova atribui-

Página 1230

1230 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

cão que também decorre da proposta do PS e do artigo que analisámos anteriormente. Visa-se, pois, conferir ao Presidente da República a assinatura das convenções aprovadas na Assembleia da República, o que é uma tentativa de distinção entre a competência de ratificação da convenção propriamente dita e da assinatura da resolução aprovada no Parlamento. Há, portanto, também neste ponto, uma distinção que seria inovadora. Volto, assim, a sublinhar que talvez valesse a pena reflectirmos sobre tudo isto quando tratarmos do artigo 8.°

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Penso que conviria dedicarmos uma ou mais reuniões aos problemas ligados aos aspectos em geral de direito internacional, como seja, à vinculação do Estado na ordem internacional, à eficácia do direito internacional na ordem interna, etc.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que é uma sugestão pertinente e que não suscitará nenhuma objecção de nenhuma bancada. Gostaria apenas de aditar uma acha a essa fogueira de reflexão, quai seja a decorrente de havermos de escolher com cuidado e critério a sede mais própria para dirimir essa questão. Talvez esta não seja impertinente...

Parece-me, contudo, que uma das observações formuladas pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles suscita particular necessidade de reflexão ulterior. Toda a alusão feita àquilo que se vem chamando de "acordos por troca de notas" provoca grandíssimas dificuldades. Desde logo, a dificuldade decorrente da inexistência de cobertura constitucional para essa figura. De facto, a matéria tem vindo a ser objecto de litígio, o próprio Tribunal Constitucional está a debruçar-se sobre essa questão e, designadamente, o PCP suscitou o problema da inconstitucionalidade dos chamados "acordos por troca de notas" entre Portugal e os Estados Unidos no respeitante à autorização de uso do território nacional para efeitos militares. Nesse caso, as coisas são bastantes mais complexas, porque se tratou de, através de acordos por troca de notas, alterar verdadeiros e próprios tratados firmados antes do 25 de Abril, que, aliás, tinham forma específica e própria, o que face à constelação de poderes decorrentes da Constituição não tem, quanto a nós, cabimento.

Em todo o caso, não podemos antecipar o veredicto do Tribunal Constitucional sobre essa matéria, mas devemos reflectir sobre ela, aproveitando o facto de a questão estar equacionada. Ela está, efectivamente, equacionada neste preceito, como o está no artigo 164.° na sequência de projectos de outros partidos, incluindo o PCP, que tem também preocupações comuns às que foram expressas por deputados de outras forças políticas e formações partidárias.

Não sei se alguns dos Srs. Deputados gostariam de tomar posição sobre as propostas pendentes. Creio que elas foram apresentadas, mas não houve possibilidade de troca de impressões acerca do respectivo alcance.

Pela minha parte, diria, desde já e de imediato, que encaramos favoravelmente as propostas que são convergentes com a nossa, como não poderia deixar de ser, e que a matéria constante da proposta de aditamento de um novo n.° 2 do artigo 138.°, apresentada pelo PRD, nos merece a atenção que já decorre do que atrás ficou dito.

Portanto, pergunto se o PSD deseja exprimir a sua posição sobre as propostas pendentes.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como facilmente se constatará, o nosso projecto, na parte relativa ao Presidente da República, é um texto que exprime a ideia, a vivência ou a experiência do nosso partido no sentido de que, em relação a tal órgão de soberania, não há necessidade de alterações significativas. Nós próprios não temos praticamente propostas a fazer nesta matéria, a não ser as decorrentes da inovação do referendo. No resto, as nossas alterações são quase inexistentes.

Ora, concordando em parte com a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães no que toca, designadamente, à competência do Presidente da República em matéria de relações internacionais, entendemos que, no fundo, estas propostas não têm um conteúdo inovador significativo, limitando-se, de certa maneira, a clarificar esta problemática. Além disso, o PSD não tem necessidade de, neste momento, esconjurar fantasmas de diplomacias paralelas; caso contrário, teríamos previsto um qualquer dispositivo normativo que obviasse a tais fantasmas.

Apesar de tudo, temos algumas apreensões e dúvidas - nesta fase, são mais dúvidas do que oposição - em relação às propostas em análise, descontada, naturalmente, a proposta de aditamento de um novo n.° 2 do artigo 138.° da autoria do PRD. Neste ponto, há também da nossa parte concordância para reflectirmos sobre a questão. De resto, essa recomendação já foi feita pelo Sr. Deputado Rui Machete, no sentido de que era preciso afinarmos conceitos e, eventualmente, a terminologia utilizada. Eu próprio não me sinto particularmente à vontade nestas matérias de direito internacional.

De todo o modo, sabemos que o artigo 123.° refere que o Presidente da República representa a República Portuguesa, sem especificar se é o representante externo ou o representante interno. Logo, define-o com todas as valências como sendo representante da República Portuguesa, em si, não só relativamente ao exterior, mas também em relação aos subsistemas e aos subpoderes próprios da organização democrática do Estado. O Presidente da República aparece, pois, como símbolo, força e entidade de integração simbólica, real e política da comunidade portuguesa.

Perguntaria, então, se no domínio da representação externa é só o Presidente da República que está incumbido de tal tarefa ou se também o Governo não representa, a seu modo e no âmbito das suas competências, a República Portuguesa. E será que a própria Assembleia da República não representa, a seu modo e nos termos das suas competências, a República Portuguesa?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que lhe chame a atenção, a fim de não lhe facultar uma excessiva aceleração da cadeia de raciocínio, para o seguinte: V. Exa. deve ter em conta o previsto no artigo 123.°! As interrogações que está a colocar podem ser feitas, efectivamente, se começar a enveredar por

Página 1231

30 DE SETEMBRO DE 1988 1231

aí, a propósito desse preceito. De facto, este articulado refere que o Presidente da República representa a República Portuguesa.

O Sr. Deputado pode, se continua por esse caminho, começar a perguntar um tanto angustiado: então a Assembleia da República e os seus membros não representam a República Portuguesa?! E por aí adiante. Digo isto para não dar excessivo valor...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É o paradigma da representação!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, e para concluir a nossa posição acerca desta matéria, devo ainda dizer que temos alguma dúvida e hesitação em dar um passo neste sentido.

Verifico, aliás, que o PCP especifica mais competências do Presidente da República, nas relações internacionais, na sua proposta de substituição da alínea a) do artigo 138.°, como sejam o acompanhamento da negociação e do ajuste de quaisquer acordos internacionais e o pronunciamento sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional. É óbvio, porém, que sempre que produz discursos, interna ou externamente, o Presidente da República se pronuncia sobre as grandes orientações de Portugal no plano internacional. Portanto, talvez não víssemos grandes obstáculos à inclusão desta parte da proposta do PCP.

Já no respeitante à primeira expressão - "representar externamente a República" - da referida proposta, devo salientar que essa competência traz alguns perigos que podem emergir da sua própria natureza. O mesmo já não se aplica quando se trata de definir o estatuto, pois nesse ponto há a tal ideia do paradigma da representação, referida pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles. Ela é, por excelência, toda a outra representação e vale, de certa maneira, com alguma analogia e limitação, em função da representação confiada ao Presidente da República.

Entretanto, pretende-se que se preveja que, no capítulo da política externa, o Presidente da República representa externamente a República, é, numa primeira aproximação, bastante negativo. De resto, esta nossa posição está conjugada com a nossa postura geral em relação à parte da Constituição relativa ao Presidente da República. Nós entendemos que esta parte da Constituição não suscita problemas e tem funcionado bem. Descontada a parte técnica, sugerida pela proposta do PRD, entendemos que não há grande necessidade destas alterações. As coisas têm funcionado relativamente bem e, portanto, qualquer alteração pode eventualmente ser perturbadora. Nesta dúvida, e sempre abertos a uma ulterior reflexão e até a nova consideração das propostas, preferiríamos por agora deixar estar tudo como está.

Também quanto à participação na definição da política externa, das duas uma: ou isto é o que já resulta do equilíbrio actualmente constante da Constituição, ou significa um sinal de maior interferência ou comprometimento do Presidente da República na condução concreta da política externa pelo Governo, o que pode ser inconveniente, não tanto numa perspectiva de conflito latente ou eventual, mas numa certa ideia de responsabilidade própria, de separação de competências e, por esse motivo, de separação de responsabilidades. Mas, sobretudo em nome da nossa visão das coisas, e

do modo como apreciamos e valoramos o ordenamento normativo-constitucional na parte respeitante ao Presidente, e porque a nossa posição é de grande dúvida em relação às alterações propostas nesta matéria, pronunciamo-nos, in dúbio, a favor do actual texto da Constituição.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Pró reo!...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Também! Pronunciamo-nos a favor do actual texto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, muito nos congratulamos com essa presunção que acaba de enunciar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Gostaria de me pronunciar a partir da própria proposta apresentada pelo PS. A representação do Estado, por parte do Presidente da República, na ordem externa, é já um afloramento constitucional do disposto no artigo 123.°, quando se caracteriza o Presidente da República como o órgão de soberania que representa a República Portuguesa. Essa representação é, obviamente, de ordem geral, tanto no plano interno como no externo. A proposta do PS, se algum significado tem, é apenas como que uma explicitação de algo que já decorre da própria disposição constitucional; isto nos separa, naturalmente, de concepções apresentadas, sobretudo pelo PRD, neste ponto.

Na verdade, são duas filosofias distintas: esta proposta do PRD visa envolver o Presidente da República na definição da política externa, como no artigo anterior visava envolvê-lo na definição da política de defesa nacional - tudo isto reforçado por um outro artigo apresentado pelo PRD e que visa retomar a ideia da dependência política do Governo relativamente ao Presidente da República. São duas filosofias que não são, na verdade, coincidentes e, à luz da filosofia sustentada pelo PS desde a anterior revisão constitucional, obviamente, só temos razões para nos mantermos fiéis ao nosso entendimento - na verdade é que a atribuição de competências reforçadas de intervenção do Presidente da República significaria, concomitantemente, uma perda da capacidade de fiscalização da Assembleia da República, uma vez que, na repartição de atribuições entre órgãos de soberania, não compete à Assembleia da República fiscalizar os actos do Presidente, mas meramente os do Governo. Como na proposta do PRD o Governo depende politicamente do Presidente da República, sempre se poderia sustentar que a perda de uma atribuição, por parte do Parlamento, seria ganha paralelamente por outro órgão de soberania, na vertente presidencial; como, na proposta do PS, essa vertente presidencial não é recolhida, logo significaria que, se admitíssimos, porventura, em matéria de política externa, como em matéria de defesa nacional, um acréscimo da competência do Presidente da República, sempre isso significaria uma diminuição inevitável das atribuições de fiscalização do Parlamento e um manifesto desequilíbrio de poderes.

São, obviamente, duas filosofias distintas. Por isso, não estamos disponíveis para recolher aquilo que, pode-

Página 1232

1232 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

ríamos dizer, é uma marcha-atrás, relativamente à primeira revisão constitucional, no que diz respeito à repartição de competências entre órgãos de soberania.

O Sr. Presidente: - Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Queria apenas dizer que aquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse, é exactamente correcto - é evidente que são duas filosofias diferentes e é evidente também que as alterações consignadas nestes dois preceitos, 137.° e 138.°, estão correlacionados com a alteração relativamente ao regime, não diria de confiança política, mas pelo menos de responsabilidade política do Governo perante o Presidente da República. Compreendo, portanto, que havendo filosofias diversas, as posições, aí, se extremem.

Não sei se isto é uma marcha-atrás, ou se a marcha-atrás foi feita em 1982 - a única coisa que eu queria salientar é que isto demonstra que o PRD, pelo menos em relação à sua herança ideológica, não faz propostas od hominem nem em função cias circunstâncias, não deixando eu aqui de dizer com muita clareza que, pessoalmente, prefiro francamente a política externa que tem sido conduzida por este Governo, do que a que foi conduzida por governos anteriores. Mas, como não fazemos revisões ad hominem, mantemos a nossa coerência. E submetemo-nos ao voto também - porque somos democratas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sugiro a V. Exa. que faça uma extracção da acta desta reunião e a envie, com um cartão, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que ficará penhoradíssimo!

O Sr. António Vitorino (PS): - São tão raros os apoios que ele tem!

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não mando cartões a ninguém, nesta matéria. Mas digo o que penso.

Vozes e risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a esta matéria, gostaria de saber se há mais algum pedido de intervenção.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Em primeiro lugar, há aqui uma diferença de fórmulas na proposta do PCP e do PS, visto que o PS propõe a fórmula "representação do Estado" e o PCP "representação da República". Afigura-se-nos que a fórmula do PCP é a mais adequada, já que a representação da República é mais do que a do Estado, porque também inclui (além do Estado) a representação da colectividade - é, portanto, mais vasta e mais abrangente, do que a fórmula "representação do Estado". A ideia é, fundamentalmente, a mesma nos dois projectos, do PS e do PCP, e como já foi sublinhado, resulta de outras disposições da lei - não está a atribuir-se aqui poderes que outras disposições da Constituição não tenham já estabelecido e com acordo de todas as forças políticas, dado que não houve propostas de alteração em relação a isso. Também esta atribuição de competência de representação da República na ordem externa não põe em causa a representação própria da Assembleia da República, porque são duas ordens de representação diversas: a Assembleia da República é um órgão plural, que representa os vários partidos; o Presidente da República tem uma representação de outro tipo, porque é a da comunidade simbolizando, como já tem sublinhado, a unicidade do poder estadual - o que não acontece com o órgão Assembleia da República, que é, naturalmente, diferente. Portanto, não há sobreposição de competências.

Em relação às propostas do PRD, em princípio, pensamos que abrem uma pista de discussão, como foi aqui sublinhado, que conviria aprofundar porque, antes do mais, e antes de razões de opção política, em relação às quais poderá haver divergência (isso agora não importa), o que importa é que, parece-me, todos reconhecem haver necessidade de um aprofundamento técnico desta matéria, no que diz respeito às formas de direito internacional. Daí surgiu a sugestão de se fazer já esse aprofundamento e é nesse sentido que também nos pronunciamos. De qualquer forma, não nos parece que só através desta proposta do PRD aqui se venha acentuar uma filosofia própria, desacompanhada de outros projectos que o PRD apresenta - urna filosofia de reforço dos poderes presidenciais...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Há que distinguir aquilo que diz respeito à alteração quanto à participação do Presidente da República na política externa da questão "o que é que é tratado". Penso que a qualificação é indiferente à filosofia política subjacente.

O Sr. Raul Castro (ID): - Portanto: no n.° 1, participação na definição da política externa - em princípio, estamos concordantes; aliás, a própria ID também propõe no seu projecto o reforço dos poderes presidenciais, mas não é altura ainda para o discutir. Assim, em princípio concordamos com as propostas apresentadas e parecia-nos vantajoso o aprofundamento do debate em relação ao n.° 2 do artigo 138.° do projecto do PRD.

O Sr. Presidente: - Gostaria de fazer uma última observação, da parte da bancada do PCP, sobre alguns dos aspectos co-envolvidos nesta discussão.

Por um lado, creio que é de sublinhar a hesitação do PSD nesta matéria, embora eu creia que, como todas as hesitações, pode ser vencida no mau ou no bom sentido.

Façamos votos de que a evolução deste debate permita a superação positiva da hesitação aqui exibida pelo Sr. Deputado Costa Andrade. Em todo o caso, não fiz uma leitura perversa dessa hesitação, até porque tenho cientes as declarações do Sr. Deputado Dias Loureiro - recentes, ainda (apesar de tudo, são pós-congresso, suponho datam de 24 de Junho). Nelas o Sr. Deputado sublinha, na sua qualidade de chefe partidário, que "o PSD não faz nada contra ninguém", tudo o que faz é pelo engrandecimento e prestígio do País, et coetera. Neste caso não se trataria, precisamente, de fazer nada contra ninguém, tratar-se-ia de fazer uma clarifica-

Página 1233

30 DE SETEMBRO DE 1988 1233

cão - clarificação essa que também não é por ninguém, é pela definição mais rigorosa do estatuto do Presidente da República, independentemente das apreciações ou observações de carácter mais conjunturalizado, que possam estar na mente dos Srs. Deputados do PSD. Em todo o caso, esta matéria ainda poderá ser objecto de reflexão ulterior.

Parecem-se igualmente infundadas as preocupações quanto à perturbação que o Sr. Deputado Costa Andrade receava, decorrente da menção do papel do Presidente da República, quanto à representação externa da República. Não há nenhuma razão para haver temores de unicidade representativa. A Constituição, nesse ponto, é extremamente clara: em nada perturba a natureza definitória do artigo 123.°, nem a deste artigo. Aquilo de que se trataria aqui seria até de dar eco e formalizar uma reminiscência de velhíssimos princípios tradicionais, quanto ao papel dos chefes de Estado. Mas o papel da Assembleia da República não deixaria de ser aquele que é.

Obviamente, compreendo que, por vezes, assalte a alguns membros do PSD alguma dúvida sobre se não seria necessário dar uma valia acrescida ao seu estatuto constitucional, pelo facto de, quando vão ao estrangeiro, não serem chefes de Estado nem representarem a República Portuguesa - às vezes, representam um governo! Já não é mau, Sr. Deputado Costa Andrade! Não creio que haja de levar tão longe a preocupação pelo estatuto, ou as desvalias do estatuto de certos titulares de cargos políticos - como é o caso do Primeiro-Ministro - a ponto de recusar a clarificação e explicitação do estatuto que inequivocamente têm outros titulares de órgãos de soberania - como é o caso do Presidente da República. É evidente que haverá sempre uma diferença entre uma viagem do Presidente da República ao Rio de Janeiro e uma viagem do Primeiro-Ministro ao Rio de Janeiro - isso pode doer mas é evidente! Não há nenhuma razão para não se considerar, no entanto, esta benfeitoria, porque são coisas totalmente separadas.

Em qualquer caso, repito, preocupação ou temor unicitário, não têm o mínimo cabimento. O PSD, de resto, não tem proposta nenhuma que dê resposta à outra questão - portanto, aparentemente, satisfaz-se com a solução constitucional, por mais perturbações que isso provoque ao PSD ou ao Primeiro-Ministro pelos seus "inconvenientes" práticos. É uma questão que não tem nada que nos perturbar no juízo que emitamos sobre esta norma. Eis o que gostava de não deixar de dizer sobre esta matéria.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Como comecei por dizer, nós não temos nenhum fantasma a esconjurar nesta matéria, nem estamos minimamente preocupados com a natural, óbvia e manifesta diferença que existe entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, que são entidades completamente diferentes. Mas já assim é! Por isso não necessitamos, do nosso ponto de vista, de alterar a Constituição. Se o tivéssemos sentido, naturalmente que V. Exa., que tem lido todas as nossas propostas e lhes tem atribuído intenções manifestas e outras latentes, que tem de nós a imagem de "maquiáveis" refinadíssimos no que toca à prossecução dos nossos interesses,...

O Sr. Presidente: - Eu nunca disse "refinadíssimos", Sr. Deputado Costa Andrade!

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - ... facilmente nos faria a justiça de reconhecer que, se quiséssemos alterar as coisas neste sentido, também faríamos aqui uma proposta extremamente nefasta para o equilíbrio dos poderes constitucionais. Não o fizemos porque concordamos com o status que jurídico-constitucional e entendemos que o que vai dando conteúdo prático às normas constitucionais (porque todas as normas estão para além da law in book, para além de normas nos livros, são também law in actiori), aquilo que as vai modelando na prática, nos satisfaz plenamente, como penso que satisfaz todos os cidadãos portugueses.

Neste momento, esta questão não suscita problemas. A nossa predisposição é para não alterar esta parte da Constituição. De todo o modo, se melhores argumentos forem apresentados, se uma melhor reflexão houver da nossa parte e - por que não dizê-lo - se houver um juízo de alguém do meu partido mais abalizado em questões de matéria internacional (que eu não sou), se esses inputs aqui chegarem, também o nosso output nesta Comissão se alterará. Mas, nesta fase, a predisposição do PSD é para deixar estar as coisas como estão.

O Sr. Presidente: - Tendo em conta as decorrências da necessidade da revisão in action, passaríamos ao artigo seguinte, caso não haja objecções.

O artigo seguinte poderia ser o 138.°-A, apresentado pelo PSD, mas como diz respeito ao referendo, e dado que há propostas constantes do projecto do CDS como artigo 140.°-A, do PS como 112.°-A, do PRD como 276.°-A, B, C e D, que também se referem a esta matéria; creio que, tal como fizemos em ocasiões anteriores, reservaríamos para momento ulterior o debate sobre a instituição eventual desse instituto.

O artigo seguinte, em relação ao qual existem propostas de alteração, é o 139.°; propõem as alterações o CDS, o PS, o PSD, a ID e o PRD. O CDS propõe uma nova redacção para o n.° 3, a qual seria a seguinte: "será, porém, exigida a maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções para confirmação de decretos da Assembleia para serem promulgados como leis orgânicas ou como leis, quando estabeleçam restrições aos direitos, liberdades e garantias"; propõe ainda a inclusão, como n.° 6 do artigo 139.°, da disposição constante actualmente do artigo 140.°

Em relação ao PS, introduz-se, no seu projecto de revisão constitucional, a referência às leis paraconstitucionais, na redacção do n.° 1 do artigo 139.°; altera-se o n.° 3 e inclui-se um novo n.° 4, com as seguintes redacções: n.° 3 - "será, porém, exigida maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções para a confirmação de decretos em matéria de lei paraconstitucional, e maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, para a confirmação de decretos que respeitem a matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a relações externas ou a restrições a direitos, liberdades e garantias"; - n.° 4 - "não são susceptíveis de confirmação pela Assembleia da Repú-

Página 1234

1234 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

blica os decretos que tenham sido objecto de veto pelo Presidente da República e que respeitem à convocação de referendos ou à aprovação de convenções internacionais"; os actuais n.ºs 4 e 5 passariam a corresponder, na proposta do PS, aos n.ºs 5 e 6.

Quanto ao PSD, elimina a alínea c) do n.° 3 do artigo 139.°; propõe a redução do prazo fixado no n.° 4 do artigo em análise, de 40 para 20 dias.

Quanto à ID, propõe uma nova alteração ao n.° 3 do artigo 139.°, introduzindo três novas matérias, constantes de outras tantas alíneas, para as quais prevê a exigência de maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, para a confirmação dos decretos respectivos; alínea a): aquisição, perda e requisição da cidadania portuguesa; alínea c): estatuto das regiões autónomas; alínea e): associações e partidos políticos, passando as alíneas actuais a ser requalificadas.

Finalmente, o PRD alarga a exigência de maioria qualificada para confirmação dos decretos que respeitem às matérias contidas no n. ° 5 do artigo 171.°, retirando do actual artigo 139.° as alíneas b), f) e g), passando as actuais alíneas c), d) e e) a b), c) e d), respectivamente. Srs. Deputados, são estas as propostas em debate. Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não ouvi bem a leitura que V. Exa. fez da nossa proposta. Como o texto impresso suscita algumas dúvidas, devo dizer - isto para não discutirmos numa base falsa - que a nossa proposta só elimina a alínea c) do n.° 3 do artigo 139.°, ao contrário do que é graficamente sugerido.

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado. Aliás, isso consta do relatório da subcomissão. Contudo, o facto fica desde já assinalado, porque o projecto de lei, tal qual se encontra redigido ou, pelo menos, impresso, poderia originar essa dúvida. Procurámos, de facto, corrigi-la nos relatórios da subcomissão, o que efectivamente aconteceu. Em todo o caso, já nenhuma dúvida se poderá suscitar agora.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo apresentar a nossa proposta relativa ao artigo 139.°, uma vez que não está presente nenhum Sr. Deputado do CDS.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - V. Exa. não quer representá-lo?

O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Deputado. Confesso, aliás, que nem sequer li a proposta do CDS sobre esse articulado.

Quanto à proposta de alteração do n.° 1 do artigo 139.°, apresentada pelo PS, creio que não vale a pena deter menos nela agora. A nova redacção dada pela citada proposta é uma mera consequência da eventual consagração das leis paraconstitucionais, pelo que, uma vez consagrado o princípio, logo se curaria das suas consequências em sede do instituto de promulgação e do veto.

Quanto ao n. ° 3 do referido preceito dividiria as alterações propostas em dois segmentos: o primeiro é ainda referente às leis paraconstitucionais que, como VV. Exas. sabem, na proposta do PS são aquelas que carecem de uma maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções para serem aprovadas. Portanto, em conformidade com esta lógica da proposta do PS e em caso de veto político do Presidente da República passar-se-ia a exigir, para efeitos de confirmação pela Assembleia da República, o voto da maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, na medida em que esta maioria de confirmação deve ser mais onerosa do que a maioria de aprovação.

Creio que também neste ponto não vale a pena determo-nos, em virtude de ele estar intimamente ligado à questão das leis paraconstitucionais.

No entanto, já não é assim no que respeita ao segundo segmento do n.° 3 proposto pelo PS. Ele corresponde, de facto, a uma preocupação que é a de alargar o veto político do Presidente da República. Não vale a pena expender considerações vastas e extensas sobre o significado do veto político no sistema constitucional português. Entendemos, pois, que o Presidente da República tem uma importante função no Estado Português de garantia do regular funcionamento das instituições democráticas. E, independentemente de não acompanharmos a proposta do PRD de reconstituir o complexo de poderes que a redacção originária da Constituição de 1976 conferia ao Presidente da República, julgamos que a revisão de 1982, ao prefigurar o Presidente da República como o detentor de um poder moderador no quadro de funcionamento do nosso sistema político semipresidencial, justifica plenamente que se confira no Presidente da República nesta segunda revisão um veto político mais alargado.

A proposta do PS vai no sentido de alargar o veto político qualificado do Presidente da República, isto é, aquele veto que só pode ser ultrapassado por uma confirmação parlamentar obtida por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, abrangendo todas as matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as matérias das relações externas e as que comportem restrições dos direitos, liberdades e garantias.

Neste sentido, deixámos de optar pelo elenco das alíneas que vêm no actual n.° 3 e fazemos uma remissão genérica para todas as matérias constantes no artigo 167.° da Constituição. Refiro-me, pois, a todas as matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República enumeradas no artigo 167.°, que, aliás, recupera o essencial do actual n.° 3. Elas estariam todas sujeitas, em caso de veto político, a uma confirmação parlamentar por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.

Relativamente à matéria das relações externas, ela suscita, no meu entendimento, algumas dúvidas de interpretação quanto ao que neste capítulo pode ser objecto de veto absoluto do Presidente da República e que não caiba em nenhuma das categorias de actos externos vinculativos do Estado Português? Apesar de

Página 1235

30 DE SETEMBRO DE 1988 1235

tudo, optamos por manter a referência às relações externas e aditamos a referência às restrições de direitos, liberdades e garantias.

Quanto ao que aditamos, trata-se de uma matéria que nos parece particularmente relevante, embora naturalmente não estejam em causa todas as leis reguladoras de direitos, liberdades e garantias, mas sim, apenas, aquelas que envolvam restrições a direitos, liberdades e garantias, ou seja, àquele elenco de direitos, liberdades e garantias que está protegido pelo disposto no artigo 18.° da Constituição e que, por isso mesmo, seria acompanhado de uma garantia adicional de veto qualificado do Presidente da República.

Quanto ao n.° 4, na sua nova redacção, devo dizer que consagramos nele dois casos de veto absoluto do Presidente da República.

O primeiro caso é o da convocação de referendos e que se insere na lógica do referendo proposto pelo PS. E também neste ponto valerá talvez mais a pena discutir a nossa proposta quando compararmos os projectos de lei dos vários partidos em matéria de referendo e debatermos a qualificação jurídica do título de participação do Presidente da República no processo de convocação dos referendos.

O segundo é passar a considerar expressamente como veto absoluto a recusa de assinatura ou de ratificação de uma convenção internacional pelo Presidente da República, por identidade com o que já hoje se passa nestas matérias sem possibilidade de confirmação por parte do Parlamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta relativa ao artigo 139.° tem duas incidências.

Em primeiro lugar, subtraímos ao elenco actual do referido preceito a alínea c) do n.° 3, cuja redacção é "Limites entre os sectores da propriedade pública, privada e cooperativa;". E noto que mantemos o preceito segundo a técnica que já consta do actual texto constitucional, ou seja, a técnica da tipicidade, ou do numerus clausus, das matérias que reclamam maioria qualificada de dois terços para a ultrapassagem do veto político do Presidente da República. A nossa proposta tem a seguinte justificação: na linha geral do nosso projecto, entendemos - e temo-lo dito - que as questões relativas à organização económica do Estado (este é um dos tópicos nucleares do nosso projecto e da nossa participação no processo de revisão constitucional em curso) devem ser assuntos que relevam da natural conflitualidade das forças políticas e do princípio da alternatividade que se traduz no jogo normal das maiorias formadoras de governo. Nesta matéria, respeitados os limites constitucionalmente estabelecidos à questão da delimitação dos sectores da propriedade, a concretização e a actuação legislativas dentro dos parâmetros constitucionais devem ser efectuadas, no nosso entendimento, por maioria simples. Não há, do nosso ponto de vista, razão para que uma matéria como esta careça de maioria de dois terços. De resto, pensamos que nem seria salutar, nesta matéria, obrigar partidos com diferentes posturas na área da política económica a colocarem-se eventualmente de acordo quanto à aprovação de um acto normativo que em princípio só obteria o acordo da maioria conjuntural.

Diferentemente se passam as coisas em relação a todas as outras matérias referidas no artigo. De facto, estas são matérias que por natureza relevam de um certo consenso. Se, quanto a uma matéria como estas, o Presidente da República manifesta a sua oposição, é óbvio que a ultrapassagem do veto político do Presidente da República reclama necessariamente que a Assembleia da República tenha de se perfilar especialmente qualificada (ou seja, com uma maioria qualificada). Portanto, as matérias das relações externas, do regime do estado de sítio, da organização da defesa nacional, etc., reclamam uma especial qualificação de voto por parte da Assembleia da República para ultrapassar o veto político.

Já o mesmo não acontece em matéria de organização económica. E de organização económica se trata quando, dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, se preconiza a fixação dos limites entre os sectores da propriedade pública, privada e cooperativa.

Em segundo lugar, reduzimos de 40 para 20 dias o prazo que assiste ao Presidente da República para exercer o direito de veto. Parece-nos que esse é um prazo suficiente. Se é certo que "tempo é dinheiro", torna-se cada vez mais conveniente a aceleração dos processos no sentido de que não se deve demorar muito a tomar decisões nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta que o PRD apresenta quanto ao artigo 139.° não é senão a consequência da alteração formulada para o n.° 5 do artigo 171.°, no sentido de determinadas leis terem, logo à partida, de ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Daí decorre que essas leis, se acaso for admitida essa solução quanto ao n.° 5 do artigo 171.°, terão de ser em segunda votação também aprovadas por dois terços. E o que se suprimiu nas diversas alíneas do n.° 3 do artigo 139.° foi aquilo que transitou para o nosso n.° 5 do artigo 171.° Repito, isto não é mais do que uma consequência dessa proposta de alteração do n.° 5 do artigo 171.°

O Sr. Presidente: - Não se encontrando presente o Sr. Deputado Raul Castro para fazer a apresentação da proposta da ID quanto a este preceito, daria a palavra ao Sr. Deputado José Luís Ramos para formular a pergunta que pretendia fazer.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, desejo colocar-lhe duas questões.

Julgo que há pouco V. Exa., na apresentação da proposta do PS, disse que a intenção do seu partido não era, de algum modo, restabelecer os poderes do Presidente da República. Pretendia antes ficar um pouco aquém desse desiderato. Devo dizer-lhe que o que entendo neste caso, relativamente ao n.° 4 do artigo 139.°, é que fica um pouco além, porque, nos termos desse articulado, o veto absoluto nunca existiu,

Página 1236

1236 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

nem antes nem depois da revisão constitucional de 1982. Trata-se de querer dar poderes ao Presidente da República de impedir de qualquer forma a aprovação de matérias, nomeadamente de convenções internacionais, ainda que possamos deixar entre parêntesis os referendos. E já não vou à questão de saber por que é que se inclui nesse quadro as convenções internacionais. Já no respeitante à questão de fundo julgo que isso é dar demasiados poderes nesta matéria ao Presidente da República. Parece-me, afinal, que a comparação com o PRD não colhe neste âmbito.

Quanto à questão de se prever neste articulado a aprovação de convenções internacionais, gostaria então de lhe perguntar o seguinte: qual a razão de ser desse normativo? V. Exa. disse que a questão dos referendos ficava para momento ulterior, mas acabou por não justificar a razão da inclusão, no novo n.° 4 do artigo em discussão, da expressão "ou à aprovação de convenções internacionais". E digo isto porque, nos termos da nova redacção, não é possível a confirmação pela Assembleia da República dos decretos objecto de veto pelo Presidente da República que incidam sobre esses instrumentos de direito internacional.

Além disso, pergunto-lhe também o seguinte: qual a relação possível entre o previsto non.°4enon.°3? E formulo-lhe esta questão uma vez que no n.° 3 proposto pelo PS se prevê a maioria de dois terços para a confirmação de decretos respeitantes a matérias da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a relações externas ou a restrições a direitos, liberdades e garantias.

Finalmente, pergunto-lhe como é que se podem conjugar estas previsões com o artigo 279.°, que o PS mantém na sua redacção actual. Não entendo isto, porque o artigo 279.° refere, no seu n.° 4, que se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do tratado, este só poderá ser ratificado se a Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços dos deputados presentes. Não sei, então, se esta nova previsão dada pelo PS no n.° 3 do artigo 139.° alterará o estatuído no artigo 279.°, como tal, mas, pelo menos, a referência em termos de artigo 139.° não é modificada. Como é possível conjugar uma questão para tratados e outra para convenções? Por que é que existe esta distinguo?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, começando pela magna questão dos poderes presidenciais, o que eu disse foi que o PS não pretendia reconstituir o estatuto do Presidente da República conferindo-lhe de novo os poderes de que dispunha nos termos da redacção originária da Constituição de 1976 e que foram objecto de alteração na revisão de 1982. O texto inicial da Constituição fazia do Presidente da República um órgão particularmente relevante no nosso sistema político com manifesta capacidade de intervenção, no quotidiano da governação, não só enquanto Presidente do Conselho da Revolução em todas as áreas daí decorrentes, ou seja, órgão legislativo em matéria militar, de autogoverno das Forças Armadas e de fiscalização da constitucionalidade, mas também no vasto complexo de relações estabelecidas entre o Presidente da República e o Governo, designadamente usufruía do poder de demitir livremente este último com base em discordâncias políticas.

A alteração introduzida na revisão de 1982 reduziu significativamente a vertente presidencial do sistema de governo consagrado na Constituição, e há mesmo quem defenda que a eliminação do poder de livre demissão do governo terá aniquilado a própria natureza semi-presidencial do regime. Não é, porém, esse o meu entendimento, pois penso que houve um rearranjo dos poderes presidenciais em 1982, e que o órgão de soberania Presidente da República continuou a ser concebido como um órgão político relevantíssimo no quadro do funcionamento do sistema político português. À luz dos princípios caracterizadores do sistema semi-presidencial, que são, aliás, particularmente flexíveis e de entendimento muito diversificado em função dos vários casos concretos existentes e arrolados pelo Prof. Maurice Duverger, a verdade é que entendemos que o Presidente da República, tal como foi definido pela revisão de 1982, é detentor de um importante poder moderador, enquanto garante da unidade do Estado, da independência nacional e do regular funcionamento das instituições democráticas. E é esta vertente de poder moderador e de árbitro institucional que importa acentuar em todas as transformações constitucionais do estatuto presidencial na presente revisão e não o retorno a um presidente interventivo, protagonista do processo político quotidiano e, até eventual" mente, não só responsável pela demissão dos governos, mas também pela sua própria gestão. Refiro-me, pois, aos chamados governos de iniciativa presidencial.

Portanto, quando eu disse que o PS não acompanhava a reconstituição dos poderes constantes na Constituição originária de 1976, mas considerávamos que deveríamos ampliar o direito de veto político do Presidente da República, é porque entendemos que este direito de veto se insere nesta segunda ordem de preocupações: a do exercício de um poder moderador no quadro do regular funcionamento das instituições democráticas, que, aliás, é perfeitamente coerente com o facto de o Presidente da República ser eleito por sufrágio directo e universal.

Ora, o que se pode perguntar na caracterização do estatuto do Presidente da República num sistema semi-presidencial, como é o nosso, é se o conjunto de poderes que a Constituição em concreto confere ao Presidente da República o tornam um interventor no processo político com vocação moderadora suficientemente relevante que continue a justificar a sua eleição por sufrágio directo e universal.

Ora, o complexo de poderes que hoje a Constituição confere ao Presidente da República justifica plenamente a eleição directa: desde logo o poder de dissolução da Assembleia da República, mas também o de poder de demissão do governo em circunstâncias excepcionais, com assento no n.° 2 do artigo 198.° da Constituição e outras importantíssimas e relevantíssimas funções moderadoras, como seja, a de que estamos a tratar a do veto político.

O exercício do veto político pelo Presidente da República é, no meu entendimento, um importante instrumento de intervenção desse órgão de soberania em função dos pressupostos de natureza política ou programática que estão na base da sua eleição. Com efeito, os candidatos à Presidência da República são

Página 1237

30 DE SETEMBRO DE 1988 1237

eleitos na base de linhas programáticas, que não são partidárias, nem de governo, mas sim de orientação institucional, de direcção político-institucional, ou que exprimem pelo menos um posicionamento do próprio candidato face ao complexo de poderes que a Constituição lhe confere. Ora, uma das fórmulas institucionais pelas quais o Presidente da República pode exprimir o entendimento que tem do interesse nacional e da vontade popular que esteve na base da sua eleição é através do veto político. Por isso, entendemos que o alargamento do veto político é conforme ao princípio da eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal e à vocação moderadora do Presidente da República no sistema semipresidencial português pós-1982.

Quanto à questão de saber se estamos a ir além do estádio actual dos poderes do Presidente da República, devo dizer-lhe que sim. Apesar de tudo, não se trata de uma proposta radical, porque já hoje em dia, por exemplo, em relação às convenções internacionais, a recusa de ratificação ou de assinatura de um determinado diploma equivale a um veto absoluto porque inultrapassável.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas, neste momento, o Presidente da República ratifica um tratado se quiser e não ratifica se não quiser. Diria até que esta proposta conjugada com uma outra apresentada na mesma pelo PS diminui, de certa maneira, a posição do Presidente da República. Actualmente, acontece que a aprovação de um tratado tem em rigor um significado de autorização ao Presidente da República para ratificar. E este ratifica se quiser e se não quiser não ratifica. Aliás, também na Constituição actual as resoluções não estão sujeitas a promulgação. E acontece que os tratados são aprovados mediante resoluções.

Entretanto, verifico que o PS propõe que se introduza na Constituição a obrigatoriedade de assinatura das resoluções de ratificação de convenções internacionais -e isto pode ser um pouco bizantino-, mas é evidente, que a situação para o Presidente da República não melhora. Antes o Presidente da República recebia um tratado para ratificar e podia, pura e simplesmente, metê-lo na gaveta. Hoje, com esta talvez bizantinisse de exigir a assinatura do Presidente da República, prevista no projecto da autoria do PS, nas resoluções de aprovação dos tratados internacionais já o Presidente não pode reduzir-se ao silêncio: tem de dizer que não assina. Contudo, é óbvio que sendo uma autorização para a prática de um acto próprio o veto não pode deixar de ser absoluto. Neste ponto, tenho francamente dúvidas que valha a pena introduzir no texto constitucional a necessidade de assinatura nas resoluções que aprovam tratados internacionais. Em resumo: penso que o projecto de lei do PS não diminui os poderes do Presidente da República, pelo contrário, obriga-o a dizer que não de forma expressa, enquanto que até agora podia fazê-lo apenas de forma tácita. Quanto à questão do referendo ela é uma matéria nova.

Finalmente, devo dizer que esta minha explanação não teve em vista vir em socorro do PS, mas sim explicar o que penso sobre esta matéria.

O Sr. António Vitorino (PS): - Estou totalmente de acordo com V. Exa. Aliás, confesso que estava na suposição de não precisar de advogado de defesa, mas raras vezes um cidadão português terá tido a oportunidade de ter um causídico tão brilhante a título gratuito.

Risos.

Portanto, a minha interpretação coincide exactamente com a expendida pelo Sr. Deputado, ou seja, a situação dos poderes do Presidente da República não sai substancialmente alterada face ao que hoje em dia sucede no que concerne às convenções internacionais.

O PS só qualificou como veto no seu projecto de lei aquilo que hoje é a recusa de ratificação e, naturalmente, a recusa de assinatura, que são actos próprios do Presidente da República, consistindo a alteração em transformar uma inércia legítima num acto positivo de recusa ou veto. De facto, o Presidente da República não pode ser compulsivamente obrigado a ratificar um tratado internacional, seja na fórmula actual, seja nos termos propostos pelo PS.

A nossa solução pode se discutível, como é evidente, embora em matéria de convenções internacionais ela não altera grandemente a situação actual.

Finalmente, faria uma observação sobre o projecto de lei apresentado pelo PSD, referente ao novo n.° 4 do artigo 139.°, no qual se reduz de 40 para 20 dias o prazo para o Presidente da República proceder à promulgação dos decretos do Governo.

Suponham VV. Exas. que não vou falar de Portugal mas, sim, de outro país e que o Presidente da República recebe com inusitada frequência decretos-leis para promulgação que não são totalmente perfeitos, que contêm pequenas deficiências, como seja, falta de páginas, incongruências, inconstitucionalidades menores que a boa vontade institucional permite ultrapassar mediante um estudo detalhado dos serviços de apoio do Presidente da República, e numa base perfeita de confiança institucional advertem o Governo da necessidade de suprir essas deficiências, tudo isto nos 40 dias a que se refere este número. E durante este prazo o Presidente da República não tem de tomar atitudes drásticas nos termos da Constituição, mas pode desenvolver um processo de concertação legislativa que o não faz violar a lei fundamental.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas no prazo de vinte dias isso não é possível?

O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que V. Exa. tem consciência da inflação legislativa existente em Portugal. Parece-me sinceramente que será pedir demais...

Talvez uma consulta ao Sr. Secretário de Estado Marques Mendes ajude a elucidar o que é que quis dizer, não à luz da experiência portuguesa, mas à do tal país imaginário que, por acaso, desconfio que o Sr. Secretário de Estado conhece tão bem como eu.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Raul Castro ainda não usou da palavra para fazer a apresentação da proposta da ID relativa ao artigo 139.°

Página 1238

1238 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

Contudo, tenho uma sugestão a fazer, que é a seguinte: o Sr. Deputado Raul Castro faria efectivamente essa apresentação, mas como tenho necessidade de me ausentar a pedido do meu grupo parlamentar, solicitava uma curta interrupção, nos termos regimentais, nos trabalhos da Comissão. Proponho, pois, que retomemos os nossos trabalhos quinze minutos depois do termo da intervenção do Sr. Deputado Raul Castro. Se algum dos Srs. Deputados tiver alguma objecção a formular, faça favor.

Pausa.

Sr. Deputado, o PSD acaba de transmitir-me a sugestão de que terminássemos o debate deste artigo para depois interrompermos a reunião. Procederemos, então, desse modo. Como está aprazado, os trabalhos terão, de novo, lugar amanhã, a partir das 10 horas.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao n.° 3 do artigo 139.°, proposto pela ID, há algumas alterações que são as seguintes: o acrescentamento de certas matérias que entendemos deverem merecer o tratamento de que já beneficiam aquelas que constam do actual n.° 3 do artigo em causa.

Trata-se, por isso, de acrescentar a essas matérias, para as quais, dada a sua importância, é exigida a maioria de dois terços dos deputados presentes, mais as seguintes: aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa, estatuto das regiões autónomas e associações e partidos políticos.

Pensamos que em relação a qualquer destas três matérias talvez a sua importância dispensasse quaisquer considerações, porque na realidade o exame comparativo do leque enumerado no actual n.° 3 de matérias em relação a estas três, que enunciei, dá a ideia que se procurou introduzir algumas que se revestem de importância compatível com aquelas que são actualmente existentes. É o caso das associações e partidos políticos que constituem uma trave mestra do regime democrático. Os estatutos das regiões autónomas também são um aspecto essencial do próprio sistema democrático. Finalmente, propomos que se inclua também na previsão do n.° 3 do artigo 139.° a aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa, ficando esta matéria integrada na respectiva alínea a).

Tratam-se, portanto, de três aspectos que se nos afiguraram ter não só importância, como também dignidade constitucional, para se acrescentarem à discriminação daquelas matérias em que é exigida à maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, para a confirmação dos decretos que respeitem a essas mesmas.

Portanto, foi por estas razões de importância comparativa e dignidade constitucional, que dispensam no nosso entendimento muitas considerações, que a ID apresentou esta proposta de aditamento destas três alíneas às actualmente existentes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Exas. podem inscrever-se para o debate alargado destas matérias a aditar àquele que foi já travado.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, já fizemos a justificação das nossas propostas.

Também tomámos nota da observação formulada pelo Sr. Deputado António Vitorino a propósito do prazo de vinte dias ínsito na nossa proposta de alteração do n.° 4 do artigo 139.° Tal proposta, aliás, é mais de carácter pragmático, porque estas coisas não jogam com princípios. Trata-se, sim, de saber se um determinado prazo é mais factível que outro, embora nos pareça que o de vinte dias é adequado para o efeito em causa.

Entretanto, merece-nos uma referência um pouco mais detida a proposta do artigo 139.° da autoria do PS, mas não, naturalmente, na parte que toca às leis paraconstitucionais, uma vez que aí nos mantemos de remissa. Porém, é evidente que, se ao longo do processo de revisão constitucional nos viermos a pronunciar pela necessidade de leis paraconstitucionais, o regime terá de ser apenas este.

Temos algumas dúvidas, ou mesmo oposição de princípio, quanto à alteração da técnica legislativa proposta pelo PS nesta parte. Todos os outros partidos mantêm a lógica da enumeração das matérias que requerem uma maioria qualificada de dois terços para a ultrapassagem do veto. Ora, independentemente de discutirmos quais devem ser submetidas a este regime, entendemos que este método deve ser privilegiado. Do nosso ponto de vista, a maioria qualificada de dois terços releva da excepcionalidade, e o que é excepcional tem de se enumerar. Já é assim na Constituição vigente e entendemos que isso se deve manter. O n.° 3 do artigo 139.° proposto pelo PS, abrangendo desde logo todas as matérias da reserva absoluta da Assembleia da República sem curar de saber se todas elas devem ou não ser submetidas a este regime, parece-nos inconveniente. E mais inconveniente é ainda a parte que prevê que todas as leis relativas a restrições a direitos, liberdades e garantias exigem essa maioria qualificada, previsão que nos parece manifestamente exagerada e inconveniente. De facto, a maioria das leis pode implicar restrições a direitos, liberdades e garantias. Basta pensar -e isso é normal- que, hoje em dia, a eficácia das normas não é um dado, pois o legislador não fala normalmente ao coração do homem. É preciso estabilizar as normas e, para tal, necessário se torna criar sanções. Aliás, os diplomas legislativos terminam usualmente com um elenco de sanções, embora estas sejam muitas vezes elaboradas de forma tecnicamente imperfeita. Quase todas as leis e decretos-leis contêm uma norma sancionatória do tipo "quem violar o disposto no presente diploma será punido com multa", ou "com coima", ou "com pena", etc.. E isto porque a vigência das normas não se assegura por elas próprias, antes tem de ser contrafactivamente garantida. As restrições a direitos, liberdades e garantias são omnipresentes, ou pelo menos estarão em quase todas as leis.

Nesta medida, parece-me que é manifestamente inconveniente a proposta de alteração do n.° 3 do artigo 139.° da autoria do PS. Penso, assim, que devemos manter a lógica da enumeração taxativa, embora estejamos abertos a discutir a introdução de novos itens no n.° 3 do artigo 139.° Aliás, nós próprios propusemos a supressão da alínea c), mas penso que algumas das propostas, como a constante do projecto da ID, merecem uma consideração da nossa parte. Refiro-me,

Página 1239

30 DE SETEMBRO DE 1988 1239

nomeadamente, à inclusão de uma nova alínea com a matéria relativa à associação e partidos políticos.

Somos, pois, a favor da enumeração tipificada e taxativa consagrada no actual n.° 3 do artigo 139.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, vou fazer duas brevíssimas observações.

A primeira é para dizer que reconheço na segunda consideração expendida por V. Exa. alguma razão de ser, isto é, todas as leis podem ser, de uma forma ou de outra, incidental e lateralmente leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Aliás, o CDS acompanha-nos nesta preocupação de dar um estatuto especial às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, pois no n.° 3 do artigo 139.° do seu projecto de lei prevê-se também que para a confirmação das leis que estabeleçam essas restrições seja exigida uma maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.

Não vamos tão longe ao ponto de integrar na Constituição uma norma que obrigasse a esta maioria qualificadíssima para contemplar todas as situações de restrição de direitos. Porém, preocupa-nos naturalmente o estatuto constitucional dos direitos, liberdades e garantias e, por isso achamos que na nossa proposta apenas estão abrangidas aquelas leis cujo objectivo principal seja a introdução de restrições a esses direitos, liberdades e garantias, mas já não aquelas que o fariam a título incidental ou por conexão com o objecto principal da matéria.

Não obstante reconheço que pode haver na nossa proposta de alteração um excesso de generosidade quando consagramos indistintamente desta forma todas as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Trata-se, pois, de uma observação, que vamos ponderar no sentido de ver se há alguma convolação possível da nossa proposta ou se, ao invés, a recusa do PSD a torna insusceptível de vir a ter assento constitucional.

Quanto à primeira parte da observação é que me permito discordar de V. Exa. De facto, creio que a questão mais relevante não é verdadeiramente a da alteração da técnica legislativa usada para a formulação do preceito. A nossa proposta pretende de facto uma ampliação das matérias sujeitas ao veto político, pelo que o problema está em saber se o PSD concorda ou não com essa ampliação e em caso afirmativo em que matérias.

Gostaria também de chamar a atenção do Sr. Deputado Costa Andrade para o facto de a nossa proposta dever ser interpretada à luz das alterações que propomos para o artigo 167.°, ou seja, tendo em linha de conta as modificações daquilo que passa a ser matéria de reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República e das transferências de algumas delas da reserva absoluta para a relativa, abrangendo também por este veto qualificado as leis paraconstitucionais que, como V. Exa. sabe, são as oito que estão previstas no artigo 166.°-A. Refiro-me, pois, aos actos legislativos sobre as seguintes matérias: eleições, que já se encontram no texto da Constituição; referendo a nível nacional e local, que não podia estar porque não existia; regime do estado de sítio e do estado de emergência, que está já hoje no artigo 139.°; associações e partidos políticos, que não estão previstos na versão actual, mas que passariam a ser consagrados neste artigo no que somos acompanhados pela ID; organização da defesa nacional que já se encontra na Lei Fundamental; estatutos das regiões autónomas, que é uma inovação; estatuto da informação e o regime de elaboração do Orçamento de Estado como inovações também. Este é o contributo de inovações quanto ao veto qualificado por força da criação das leis paraconstitucionais. Se pudermos ir mais longe integrando também a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República este veto qualificado passaria a abranger a lei da nacionalidade (tal como, aliás, a ID também propõe), a definição dos limites das águas territoriais, que são duas inovações, o estatuto das autarquias locais e o regime das finanças locais, o regime de organização administrativa e financeira da Presidência da República, a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (que hoje já está), o regime de criação, extinção e modificação das autarquias locais, e ainda o regime da segurança interna è do sistema de informações, a definição do segredo de Estado, e a definição dos sectores económicos básicos onde é vedada a actividade a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza - portanto, neste sentido, recuperando a actual alínea c) do n.° 3 do artigo 139.° Renumerei estes casos para dizer que não nos repugna que, em vez da técnica legislativa por remissão que adoptamos, possamos optar por dizer quais, de entre estas matérias, aquelas que mereçam abertura do PSD para serem consideradas como susceptíveis de alargarem o elenco das matérias sujeitas a esta confirmação por maioria qualificada de dois terços. O projecto do PRD coincide, em muitos aspectos, com o elenco que acabei de referir, e inclui ainda, por exemplo, nestas matérias, a lei que aprova o estatuto dos magistrados do Ministério Público, e a que aprova o estatuto dos magistrados judiciais - são duas leis que também são consideradas sujeitas a este especial requisito de confirmação face a um veto político do Presidente da República.

Enfim, tentei fazer o elenco, agora é uma questão de ver qual a margem de flexibilidade para, apesar de tudo, se repescarem algumas das matérias que possam ter mais relevante dignidade jurídico-constitucional e, consequentemente, justificar nesses casos a existência de um veto qualificado do Presidente da República. Por nós, este é o presente estádio de reflexão mas estamos abertos a qualquer solução e, eventualmente, até, à consideração de qualquer caso que possa ter ficado fora desta preocupação enunciativa que acabei de fazer.

O Sr. Presidente: - Gostaria de fazer duas observações, a primeira para exprimir disponibilidade do PCP em relação à consideração do alargamento das hipóteses de veto político nestas circunstâncias.

É evidente que estamos cientes da necessidade de aprofundar o debate, dada a existência de posições muito extremadas, quanto a este ponto. Gostaria de observar, em relação ao extremo que o Sr. Deputado Costa Andrade representou, que o plaidoyer que fez, um tanto malthusiano, pela proposta do PSD respeitante ao artigo 139.°, n.° 3, alínea c), isto é, quanto à eliminação dessa alínea, assenta num conjunto de

Página 1240

1240 II SÉRIE - NÚMERO 39-RC

considerações que bem se percebem, face àquilo tudo que já debatemos, quanto à Constituição económica e à visão que o PSD dela tem...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não nos rotule já em posições extremadas, antes de chegarmos a acordo. A única coisa em relação à qual temos uma ideia certa é a eliminação da alínea c). Mas, quanto a alargar o leque, e se tivermos consensos nessa matéria, a nossa postura não pode ser classificada já, à partida, de extremada. Já basta quando nos fechamos! Não nos obrigue a fechar mais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, muito me congratulo com a sua recusa de colocação numa posição extrema nesta matéria - teremos ocasião de testar, muito concretamente, qual o grau de aproximação que o PSD está disponível para adoptar, nesta matéria [ao preço da eliminação da alínea c) tanto quanto já todos pudemos, apurar, o que é algo que dá que pensar]. Ao contrário do que o Sr. Deputado Costa Andrade aqui referiu ("que horror, o acordo entre dois partidos para a delimitação de sectores, para quê o consenso numa matéria destas, que deve ser domínio restrito e livre da maioria, porquê estabelecer conjugação de pontos de vista, ainda por cima fazendo um tripé presidente/maioria/partido-da-oposição-capaz-de-fazer-dois-terços"), a actual lei de delimitação de sectores resultou sempre, no texto originário e na sua revisão, de uma conjugação de votos desse tipo! A lei originária, aprovada em 1977, e a sua revisão, aprovada in illo tempore, na altura do bloco central, e que o PSD agora pretende alterar, foi aprovada por maioria de dois terços ou mais até...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Por maioria simples, no bloco central!

O Sr. Presidente: - Não, foi aprovada por maioria de dois terços! Por aquela que era "a maior maioria", até aparecer uma maioria maior.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Era uma maioria normal.

O Sr. Presidente: - O que eu estava a situar é o facto de não ter sido necessário recorrer a esses mecanismos, o que apenas responde ao seu argumento de que "é absurdo" que isto seja um domínio onde tem de intervir quem quer que seja além da maioria circunstancial de cada momento.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ninguém falou em "absurdo", por amor de Deus! Nós assumimos as nossas posições, mas não lhe ponha as tintas mais pesadas do que nós próprios. Ninguém falou em "absurdo"!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fico muito contente por V. Exa. não ter falado em absurdo. No caso concreto, gostaria apenas de salientar que esta visão do PSD só é compreensível à luz da maneira como encara, por um lado, o que é a constituição económica, e, por outro lado, o que é ser maioria - matéria sobre a qual já nos debruçámos insistentemente e, seguramente, ainda nos debruçaremos. Essa defesa, feita pelo PSD, tem um grave significado que apenas quis assinalar. Pela nossa parte, naturalmente, rejeitamos essa visão.

Em relação às propostas concretas de alargamento, merecem-nos consideração, dentro do quadro que já desenhei. Só gostaria de exprimir uma dúvida, em relação a mais dois pontos.

Primeiro, em relação ao regime previsto pelo PS, quanto às convenções internacionais. Creio que a matéria toda, de resto como há pouco vimos, merece uma reconsideração porque, uma coisa é certa, independentemente da discussão dos mecanismos, da tramitação, da aprovação e da intervenção presidencial nesse processo, nada obriga o Presidente a fazer o acto de ratificação, pura e simplesmente! Isso está fora de causa. A solução do PS, além da dificuldade co-envolvida pela solução proposta para o artigo 137.°, alínea b), parte final, assenta talvez numa avaliação que não tem em conta algumas das potencialidades do actual estatuto e que, ao colocar novos trâmites e ao prever novos poderes, pressupõe, ou não valoriza suficientemente, os poderes que há e as implicações que esses poderes têm e que são decisivas, ainda para mais.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não creio que seja tanto isso, porque a questão da recusa de ratificação é entendida pacificamente por força da tradição do instituto do nosso direito constitucional. A verdade é que não há uma afirmação constitucional dessa circunstância - há até, de facto, algumas dúvidas de interpretação suscitadas pela alínea a) do n.° 3 do artigo 139.°, quanto às matérias que cabem no âmbito das relações externas e que, sendo objecto de veto político do Presidente da República, só podem ser confirmadas pela maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. A nossa pretensão era apenas a de clarificar, mantendo o essencial do regime actualmente vigente e estabelecendo uma integração analógica entre a recusa de assinatura e o veto absoluto. Mas também não fazemos grande cavalo de batalha nisto; pode ser considerada uma benfeitoria voluntária e, como tal, também não queríamos entreter-nos excessivamente com ela.

O Sr. Presidente: - Agradeço o esclarecimento adicional. Creio que, realmente, vale a pena continuar a reflexão sobre esta matéria.

A minha última observação é em relação à proposta do PSD, referente ao artigo 139.°, n.° 4. Já se discutiu a maneira aventurosa como a apreciação de certos diplomas pode ter que ter lugar, por responsabilidade daqueles de quem emanam. O que não foi sublinhado, é que aquilo que o PSD propõe é uma redução de prazo para metade, pura e simplesmente. O PSD pôs um ar um tanto displicente, e disse: "20, 40, 30 - uns tantos dias"! Mas a questão é que é uma redução para metade! O que é interessante constatar é que o PSD nestas matérias tem, realmente, uma propensão para a protecção governamental espectacular, que não é manifestado apenas aqui; alerto, somente, para o que acontece no artigo 172.°, n.° 4, quanto ao regime especial que o PSD inventa para a caducidade dos processos de ratificação - é outro caso de pressa na protecção do Governo.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×