Página 1243
Segunda feira, 3 de Outubro de 1988 II Série - Número 40-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 38
Reunião do dia 1 de Julho de 1988
SUMÁRIO
Finalizou-se a discussão do 14. ° Relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 123. ° a 149. ° e respectivas propostas de alteração.
Iniciou-se a discussão do artigo 151.° e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Miguel Calvão Teles (PRD), Almeida Santos (PS), Rui Comes da Silva (PSD) e Sottomayor Cárdia (PS).
Página 1244
1244 II SÉRIE - INÚMERO 40-KC
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, vamos discutir o artigo 142.°, cuja epígrafe é "Actos do Presidente da República interino". Existem duas propostas. Uma proposta...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, foram colocadas quatro questões em relação ao artigo 124.° e os seus autores querem que V. Exa. responda.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Vamos ao artigo 142.° ou V. Exa. insiste pela resposta?
Vozes.
O Sr. Presidente: - A resposta é simples, só para encerrar este problema.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E para V. Exa. "arrumar isto" como entender - se entender, aliás -, gostaria de sublinhar as questões que o Sr. Presidente, na intervenção que produziu, tinha deixado em aberto. Embora directamente tivesse chegado à conclusão de que em casos de dupla nacionalidade é particularmente aberrante insistir-se na posição em que o PSD se apresenta no seu projecto de revisão constitucional, insistiu em não responder a quatro objecções fundamentais...
O Sr. Presidente: - V. Exa. acha que eu disse que era "particularmente aberrante insistir"?
Tenho a impressão de que não foi isso que disse, mas, enfim!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, terei todo o gosto em reformular o meu resumo por forma que o Sr. Presidente nele possa reconhecer-se...
O Sr. Presidente: - Acho melhor, e que seja um resumo fidedigno.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. compreenderá demasiado bem o meu resumo, Sr. Presidente.
As perguntas são três, havendo ainda uma quarta questão que é relevante.
O Sr. Presidente: - Qual é a quarta?
O Sr. José Magalhães (PCP): - A primeira objecção é a decorrente das condições de igualdade de oportunidades na campanha eleitoral e nas candidaturas. A esse aspecto o Sr. Deputado não se referiu.
Segundo, questões de segurança no sufrágio.
O Sr. Presidente: - A terceira era a "factura da Diáspora"?
O Sr. José Magalhães (PCP): - A terceira era -e creio que é, aliás, uma questão extremamente relevante (talvez por isso não tenha sido objecto de referência) -
o peso decorrente da circunstância específica de no caso português se cumularem os efeitos conjugados, por um lado, da Diáspora a que faz referência, por outro lado, da descolonização a que não fez referência, e designadamente do facto de haver cerca de cem mil cidadãos portugueses chineses em Macau - para além de outros que venham a formar-se e a fazer-se - cuja relevância nesta matéria não é, obviamente, despicienda dada a natureza da eleição.
O último aspecto - e creio que mereceria alguma atenção - é o argumento da impossibilidade técnica. O PSD não pode deixar de estar ciente de que a proposta que faz não é possível tecnicamente, entre outras coisas porque, num cenário de segunda volta, a participação no acto eleitoral de cidadãos residentes no estrangeiro na extensão que o PSD propõe implicaria uma delonga inimaginável dessa segunda volta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, procurarei responder muito telegraficamente. De resto, penso que o debate que tivemos ocasião de tratar, porventura não exclusivamente por meu intermédio, mas por intermédio daquilo que disse o Sr. Deputado Carlos Encarnação, deu resposta no sentido de exprimir a nossa opinião acerca dos pontos que foram levantados. Todavia, repetindo, rapidamente, penso que no que respeita à campanha eleitoral ela não é diferente. As condições não são diversas daquelas que se põem em relação às campanhas eleitorais que ocorrem para a Assembleia da República e que, por consequência, os problemas que se põem e as formas que se têm encontrado para obviar a esses inconvenientes - pelo menos aos mais visíveis -, quando existem, são exactamente os mesmos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há um candidato!
O Sr. Presidente: - Isso não é da campanha eleitoral; essa é a questão do candidato, que suscita outro tipo de problemas.
Relativamente à segunda questão: o colégio eleitoral, a capacidade eleitoral activa na minha perspectiva não deve abranger aqueles que tenham dupla nacionalidade e, naturalmente, estejam a participar em comunidades políticas diferentes. Isso reduz substancialmente o colégio eleitoral na parte relativa aos emigrantes. Parece-me, de resto, uma solução justa na medida em que o conceito de nacionalidade não tem de funcionar-nos mesmos termos exactamente para todos os efeitos e, portanto, isso torna aquilo que me pareceu um pouco o que assustava ou criava alguns mitos fantasmagóricos nalgumas das intervenções reduzido às suas devidas proporções.
Matéria de segurança de voto: quase que reproduziria as mesmas observações que fiz há pouco, porque o problema também existe quanto ao voto no que diz respeito à Assembleia da República, e, por outro lado, podem perfeitamente introduzir-se garantias suficientes desde que, como tive oportunidade de dizer, o voto por correspondência não seja o princípio geral - e não deve ser: o voto por correspondência não deve ser o princípio geral nesta matéria. É perfeitamente possível encontrar fórmulas que garantam a fidedignidade do voto. O problema que o Sr. Deputado põe, em relação àquilo que chamou de uma forma simultaneamente contabilístico-hebraica a "factura da Diáspora", é um
Página 1245
3 DE OUTUBRO DE 1988 1245
problema que, digamos, tem aspectos vários. Recordarei a V. Exa. que, quando foi da descolonização, naturalmente ninguém pensou em recusar o direito de voto àqueles que foram designados por retornados e que voltaram à Pátria.
No que diz respeito a Macau, a questão vai pôr-se nos precisos termos em que é negociado o acordo, e se houver um núcleo importante de cidadãos portugueses residentes em Macau que regressem à Pátria, obviamente que o problema terá as suas dificuldades - porque tem e não vale a pena ignorá-las -, mas não penso que seja possível negar-se-lhes o direito de voto.
Há um requisito, todavia, que julgo que é importante e que é algo que pode ser, naturalmente, considerado e discutido - e que, porventura, no caso de Macau tem a sua particular relevância. Considerando que o problema da nacionalidade, da aquisição da nacionalidade, por vezes tem a ver com questões muito relevantes em termos da política nacional, mas que não têm por objectivo directo e imediato o problema da capacidade eleitoral activa, há uma outra condicionante que julgo que é perfeitamente aceitável introduzir, e que vale, naturalmente, a pena discutir e meditar, que é o conhecimento da língua portuguesa. É um ponto que para pessoas da segunda geração tem toda a sua relevância - quando o problema da binacionalidade se não põe- e que importaria encontrar fórmulas especiais quando essa questão revela particular acuidade, como será o caso em Macau.
O Sr. António Vitorino (PS): - O conhecimento da língua portuguesa como condição para ter a capacidade eleitoral e não a nacionalidade?
O Sr. Presidente: - Exacto. Foi por isso que fiz a distinção entre as razões que podem levar à outorga da nacionalidade, enfim, a permitir que se adquira a nacionalidade. E não é a mesma coisa esse problema e o problema da capacidade eleitoral activa, porque, na verdade, é uma situação muito particular. É uma situação que terá de ser considerada. De resto, penso que a Assembleia da República terá de dedicar uma especial atenção ao problema de Macau, mesmo noutra perspectiva, visto que vai haver necessidade disso. Como V. Exa. sabe, em resultado do Acordo, a legislação que vai permanecer será uma legislação resultante dos órgãos da Administração de Macau. Penso que aí a Assembleia da República, em conjugação, naturalmente, com outros órgãos de soberania, e de maneira muito particular com a Presidência da República, terá de ponderar certos esquemas operacionais que, ainda neste momento, não existem, e esse aspecto será um dos aspectos que deve vir a ser considerado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E o candidato vindo de Washington?!
Vozes.
O Sr. Presidente: - Essa hipótese também foi aventada. Penso que...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu tinha-o imaginado vindo de Washington, mas Macau!...
O Sr. Presidente: - Tinha-o posto em Washington, não em Macau. Agora com a Perestroika, por que não em Moscovo?!
Quer dizer, tudo isso é possível, mas a verdade é que as hipóteses realistas não são muitas, a não ser que V. Exa. considere que o eleitorado português, pela simples circunstância de haver um candidato que vem de Washington, de Moscovo, de Macau, de Pequim, de Londres, seja lá de onde for, por essa simples circunstância tem uma vantagem enorme e vai convencer toda a gente a votar nele, enfim, a maioria suficiente para ganhar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é essa a questão, mas enfim...
O Sr. Presidente: - Quanto aos problemas da impossibilidade técnica, julgo que é fácil esgrimir esse problema em termos de parecer que com ele se cria uma impedimento dirimente. Julgo que não é assim. Existem hoje meios completamente diferentes daqueles que existiam há dez anos, ou há cinco, ou há dois, e que permitem encontrar soluções relativamente eficientes. Aliás, é uma das razões por que nós programamos também o encurtamento dos prazos em matéria do processo eleitoral. Não pensamos que os problemas técnicos criem impossibilidade. Mas se, enventualmente, fosse assim, caberia, naturalmente, o ónus da prova a quem o afirme.
O Sr. António Vitorino (PS): - Propõe o encurtamento do prazo entre a primeira e a segunda volta? É isso?
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Não estou a falar no problema dos 15 dias e dos 21 dias.
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas é essa a questão técnica que se coloca essencialmente, e não qualquer outra.
O Sr. Presidente: - Era essa a questão técnica?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é evidente, Sr. Presidente! A não ser que esteja a congeminar o voto por telefax!
O Sr. Presidente: - Talvez V. Exa. não tenha ouvido o que - quando se discutiu esse artigo - tive oportunidade de referir. De uma maneira clara, referi que nós estaríamos, obviamente, na disposição de rever a nossa proposta em relação ao artigo que diminui para quinze dias - ou catorze dias - o prazo entre as duas voltas da eleição presidencial, se fosse encontrada uma solução correcta, na nossa perspectiva, para o voto dos emigrantes. Portanto, esse problema técnico, quando muito, significará que, na nossa proposta, não fomos tecnicamente tão coerentes como poderíamos ter sido, e naturalmente corrigiremos essa falta de coerência ou essa pequena incorrecção em matéria de prazos. Não é um problema que nos deixe especialmente preocupados.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me, Sr. Presidente?
A questão de saber se o PSD foi ou não coerente nas diversas partes do seu projecto de revisão constitucional
Página 1246
1246 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
não assume particular relevância para este efeito. É que mesmo o actual prazo-limite constitucional, e admitindo mesmo que duplicássemos o prazo constitucional, ou até talvez que triplicássemos o prazo constitucional, isso provavelmente não chegaria para, no caso de um alargamento do corpo eleitoral - com as características que isso teria de ter nos diversos cenários colocados pelo PSD - , facultar em tempo útil a realização de uma segunda volta.
O Sr. Presidente: - Mas é o que lhe estou a dizer: penso que V. Exa. se mantém firmemente arreigado à "galáxia de Gutenberg". Talvez possamos encontrar soluções técnicas com iguais garantias. Até porque há hipóteses de verificação perfeitamente correcta de soluções alternativas. Penso que é difícil sustentar hoje que, com a evolução que sofreram as comunicações - e V. Exa. falou, ironicamente, no telefax, mas há outras soluções que permitem (desde que, naturalmente, a prova permaneça, porque isso é fundamental) facilmente encontrar comunicações suficientemente rápidas e seguras -, isso constitua uma impossibilidade técnica, a menos - repito - de que a ideia seja apenas de as comunicações terem de vir a ser feitas por carta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, é que não há exemplo, no direito comparado, da utilização desses meios tecnológicos para este efeito, por razões que se prendem com a segurança das comunicações e com a possibilidade de sindicação, de controle, de fiscalização e tudo o mais que é absolutamente basilar para garantir a genuinidade e a veracidade dos resultados eleitorais e, designadamente, para impedir a criação de factos consumados (ou até de factos políticos - que seriam, obviamente, possíveis) não só por mecanismos de viciação originária, como de intercepção in itinere, como de recepção distorcida. Como sabe, dada a característica própria desses meios tecnológicos, tudo isto que referi é possível. Se me colocar a questão em termos muito distantes destas perspectivas "hebraico-contabilísticas", que todos devemos rejeitar, se me falar de um meio que está por inventar, mas que há-de ser inventado um dia por alguém, qualquer que seja a sua raça ou opção religiosa, capaz de ter a virtualidade de ultrapassar estas dificuldades técnicas que enunciei, então a objecção que formulei ficaria sem sentido. Mas sem indicação específica desses novos meios técnicos (inexistentes) o seu estão de discussão "no ar" é inaceitável: não é já na Estrela Polar e na estratosfera - é de outro mundo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. faz uma afirmação que não vale a pena discutir muito. Das duas uma: isso é um problema técnico que se for feita a demonstração da impossibilidade, então ninguém pode pretender coisas que são impossíveis. Não estou convencido que assim aconteça. A questão neste momento está posta. Suponho que não vale a pena nem eu nem V. Exa. - pois que presumo que não será V. Exa. especialista nesta matéria - discutirmos em profundidade os problemas tecnológicos que estão envolvidos. Portanto, essa dificuldade carecerá de um aprofundamento ulterior que, naturalmente, pelos nossos meios cada um irá fazer. Está esclarecido o problema na medida em que aqui o possa ser. Estão dadas as respostas. Proporia que passássemos adiante.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, agradeço as explicações. Gostava apenas de sublinhar que das observações que fez na última reunião em que esta matéria foi abordada uma me pareceu particularmente injusta, e foi por isso mesmo que insistimos na aclaração de todos estes aspectos.
Quando chamámos a atenção para a gravidade de uma das formas como o PSD se tem aproximado desta questão, a bancada do PSD reagiu considerando a crítica do PCP "inaceitável" ou, pelo menos, "desprovida de fundamento de facto". Aludi, nessa altura, ao comportamento e às declarações de alguns membros do Governo sobre esta questão, sinalizando que elas se filiavam numa óptica de discussão inteiramente distinta da que o PSD aqui usou. Na minha opinião, os argumentos que o Sr. Presidente usou não são bastantes nem bons, mas assentam numa certa óptica e numa certa aproximação às coisas. Aquilo que tem sido feito no exterior é uma campanha primitiva e intoxicante tendente a estabelecer uma fronteira perversa entre aqueles que não quereriam a solução do PSD, supostamente por não defenderem os interesses dos emigrantes, e aqueles outros que, supostamente por os amarem, defenderiam esta solução, independentemente das suas consequências.
Gostaria apenas de averbar para a acta que não se trata de uma fantasia ou vezo do PCP. Quem ler, por exemplo, o discurso do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Dr. Correia de Jesus, no curso de auditores de defesa organizado pelo Instituto de Defesa Nacional, em 20 de Março de 1988, aí topará, além da assunção um tanto esdrúxula de que "os emigrantes quando chegam a Portugal adoptam comportamentos exuberantes, excêntricos, e, por vezes, até anti-sociais", a afirmação de que seria "absolutamente fundamental em matéria de eleição do Presidente da República conceder aos residentes no estrangeiro em paridade direitos de intervenção e de voto".
Não se tratou, portanto, Sr. Presidente, de uma fantasia ou de uma acusação injusta. Tratou-se de trazer para este debate aquilo que, infelizmente, é uma campanha externa bastante danosa para o clima em que todo este tema devia ser discutido.
O Sr. Presidente: - Vamos passar então, se VV. Exas. estiverem de acordo, à apresentação e discussão do artigo 142.° (Actos do Presidente da República interino).
Portanto, há duas propostas de alteração quanto ao n.° 1 e não há propostas de alteração quanto ao n.° 2. As propostas de alteração quanto ao n.° 1 são do PSD e do PRD, e elas são no sentido de acrescentar mais algumas alíneas - trata-se de uma matéria técnica em conjugação com aquilo que está dito para trás (em relação ao referendo).
Temos depois o artigo 143.° (Referendo ministerial), ao qual se acrescenta também a alínea j), primeira parte, do artigo 137.°, na proposta do PRD. Suponho que a justificação...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É o tal decreto, que o PRD sugeriu, de organização da Presidência da República.
O Sr. Presidente: - Temos depois o Conselho de Estado. Em relação à definição de Conselho de Estado
Página 1247
3 DE OUTUBRO DE 1988 1247
(artigo 144.°), curiosamente, não há alterações. No respeitante à sua composição (artigo 145.°): o CDS elimina a alínea d), o PCP altera a redacção da alínea h) e a ID altera também a alínea h) e a alínea e).
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para justificar a eliminação do princípio da representação proporcional na alínea H) do artigo 145.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta apresentada pelo PCP visa garantir a representação pluri-partidária no Conselho de Estado, que se nos afigura inerente à natureza deste órgão consultivo do Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Mais algum comentário? Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Estamos abertos a discutir as vantagens da representação da Assembleia, no Conselho de Estado, à base de partidos. São duas propostas que têm virtualidades. Pensamos também que a presença de um representante de cada um dos principais partidos enriquece o Conselho de Estado. De qualquer modo, não nos vincularíamos, desde já, nem a uma resposta afirmativa, nem sequer à redacção, porque pode, inclusivamente, não haver cinco partidos na Assembleia. Neste momento há, mas podemos imaginar circunstâncias em que não haja.
Também não vemos razão para substituir os presidentes dos governos regionais pelos presidentes das assembleias regionais. Embora isso pudesse ter mais lógica, a verdade é que não se compara o relevo que têm os presidentes dos governos regionais com o dos presidentes das assembleias regionais. É um facto que tem de ser tomado em conta e não vemos razão para alterar.
O Sr. Presidente: - Nós também, na nossa perspectiva, preferiríamos -como, aliás, resulta claramente de não termos proposto nenhuma alteração ao artigo 145.°- que se mantenha a situação actual. No que diz respeito ao Provedor de Justiça, não creio que se justifique a eliminação, muito embora, se a Constituição tivesse sido escrita de raiz, tenha algumas dúvidas que se justificasse a inclusão, visto que as funções e a natureza do cargo não o vocacionam para uma função claramente política como é a do Conselho de Estado, mas, enfim, também não me parece uma questão essencial. Mas neste momento está lá e isso teria um significado relativamente menos agradável, o que poderia repercutir-se no prestígio do cargo, coisa que, neste momento, pareceria da mais alta inconveniência; sê-lo-ia sempre, mas de uma maneira muito particular nesta altura.
Quanto à proposta do PCP, ela parte do pressuposto - que não sei se se manterá- de que vai haver cinco partidos mais representados na Assembleia da República.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas a redacção da ID, nesse aspecto, corrige esse risco.
O Sr. Presidente: - E, portanto, isso é uma visão um pouco imobilista que, porventura, pode vir a verificar-se com o progresso ou com a regressão de alguns partidos - não sei bem como é que as coisas se irão passar daqui a algumas eleições.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente: - Acho que foi particularmente feliz que tenha sido o PRD a fazer a observação, devo dizer.
Quanto à alínea e), da proposta da ID, a substituição dos presidentes dos governos regionais pelos presidentes das assembleias regionais das regiões autónomas, percebo o sentido da proposta da ID, mas também entendo que ela não corresponde à ponderação realista das coisas e, por consequência, nós preferimos manter a situação actual, em que são os presidentes dos governos regionais que fazem parte do Conselho de Estado. E mesmo no que respeita à proposta da ID para alínea h), que é, neste aspecto, mais cautelosa, mais evolutiva e mais realista - e percebo porquê - do que a proposta do PCP, apesar disso nós preferimos -uma vez que se tem feito uma homenagem tão sistemática e de tão grande extensão ao princípio da proporcionalidade - que se mantenha a redacção da alínea h) do artigo 145.°
Suponho que esta matéria não justifica uma dilucidação maior, porque já foi feita aquela que era possível, desejável e exigível, e iríamos passar, se estivessem de acordo, à posse e mandato.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estou de acordo em que não nos detenhamos excessivamente nesta matéria. Gostaria apenas de sublinhar um ponto.
Creio que não podemos ser indiferentes à evolução entretanto verificada e à sua projecção num órgão constitucional com as características do Conselho de Estado. Não se trata de um órgão jurisdicional ou de um órgão com funções arbitrais, nem se trata seguramente de um órgão de direcção, porque é qualificado constitucionalmente como órgão de consulta, como Conselho de Estado, não como Conselho do Presidente com um alcance estrito. É bom de ver que, quanto menor fosse a representação pluripartidária nesse Conselho, de menos valia o Conselho seria, menos alcance teria a sua acção e de menos relevância seriam as suas acções possíveis. Neste momento, por força da articulação entre os resultados do sufrágio e a sua projecção na Assembleia da República, com os actos eleitorais subsequentes aqui praticados no âmbito parlamentar, o Conselho de Estado não projecta já a gama parlamentarmente representada - o espectro partidário. Há, portanto, uma refracção cujo grau dificilmente se pode sustentar que seja vantajoso.
Estabelecer um divórcio total entre um movimento e o outro (o movimento do sufrágio e a composição do Conselho de Estado, é irrazoável. Estabelecer uma garantia mínima pareceria sensato, dadas as atribuições e competências do órgão. Nesse sentido, independentemente da questão da redacção - é óbvio que aí tal-
Página 1248
1248 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
vez possamos convir que a redacção da ID ultrapassa as dificuldades aventadas-, uma solução estabilizadora e de garantia pluripartidária alargada seria vantajosa nesta matéria.
Seria importante que, na reflexão que o PSD vai levar a cabo, estes elementos fossem também tidos em consideração. De olhos postos no presente, mas talvez, também, no futuro, independentemente da questão de saber se o "pentapartido" é o futuro de Portugal, ou se não o é, e se a posição relativa dos diversos partidos se alterará, como nós esperamos que se altere. Em todo o caso, creio que a questão deveria merecer consideração tendo em conta esta gama de problemas e dificuldades e não apenas o argumento que vi enunciado na intervenção dos Srs. Deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Almeida Santos já exprimiu a posição do PS, que é de abertura para esta proposta. Contudo, eu gostava só de aditar uma pequena reflexão. Porque o que estão aqui em causa são duas ópticas distintas de encarar a representação, no Conselho de Estado, das forças políticas com assento parlamentar. A representação institucional da componente parlamentar está assegurada através do Presidente da Assembleia da República, e a lógica da revisão de 1982 foi a de consagrar a representação de cidadãos eleitos pela Assembleia da República e não representantes de partidos políticos - essa é a lógica e a matriz originária da Constituição de 1982. Portanto, na construção do preceito não esteve presente a preocupação de estar no Conselho de Estado o maior número possível de partidos políticos com representação parlamentar, mas sim de a Assembleia da República, como órgão de soberania, proceder a uma eleição de representantes (que não forçosamente deputados) da Assembleia da República no Conselho de Estado.
O que as propostas do PCP e da ID propõem neste ponto é uma alteração da lógica da composição do Conselho de Estado. Mas não vale a pena também subestimar o significado da alteração - é uma alteração de lógica da composição. Acresce que as vantagens que o Sr. Deputado José Magalhães referiu -maior leque de opiniões representado no Conselho de Estado, como órgão de consulta do Presidente da República- para mim é de menor relevância saber se são quatro, se são cinco. Mas é bom também não esquecer que o Conselho de Estado vota um parecer importante, no mínimo, que é o parecer sobre a dissolução da Assembleia da República, parecer esse que é publicado no Diário da República, em paralelo com a decisão do Presidente da República, e que não sendo, obviamente, um parecer vinculativo, também não é um parecer de efeitos meramente internos, e, na votação desse parecer, a lógica da proposta do PCP fará com que um partido com 100, 150 ou 200 deputados valha um voto, e um partido com 4 deputados valha um voto no Conselho de Estado - portanto, essa é uma consequência da inversão de lógica que o PCP propõe.
Só fiz esta intervenção não para dizer que nós tenhamos qualquer alteração relativamente à posição que o Sr. Deputado Almeida Santos já exprimiu, mas porque
me parece que não vale a pena também apreciar as propostas sem ponderar todas as vertentes que o problema comporta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, creio que equacionou algumas questões que devem realmente esta presentes quando debatemos esta matéria. Longe de nós procurar fazer o debate sem as clarificar, ou sem lhes procurarmos dar alguma resposta. Parece-me, no entanto, que sublinha excessivamente, e com algum formalismo indevido, aquilo a que chamou a "lógica do sistema" erigido na primeira revisão constitucional, e que vem desenhado neste e noutros artigos da Constituição.
É evidente que, tendo em conta o específico sistema de designação dos conselheiros de Estado - que passa por um acto praticado numa Assembleia da República, que terá sempre composição variável, e ainda por cima fará a eleição de acordo com o método da. representação proporcional-, os membros do Conselho de Estado que venham a ser eleitos pelos parlamentares têm de ter, com os partidos políticos que participam no sufrágio, com os partidos políticos de que fazem parte os deputados com assento na Assembleia da República, que são os seus eleitores, algum nexo fiduciário, maior ou menor, variável - trata-se de uma relação política directa entre um cidadão e um partido. Só que isso é inafastável, é impostergável, o nexo pode variar mas não é sindicável. Tal como, de resto, os membros do Conselho de Estado designados pelo Presidente da República são elementos da sua confiança, da sua confiança no plano político, e até no plano pessoal, e isso é impostergável. O que quer dizer, portanto, que os membros do Conselho de Estado, eleitos pela Assembleia da República, não deixam de ter um nexo representativo dos principais partidos políticos. Sucede mesmo que essa representação variará de acordo com o número de deputados que os partidos tenham: mais terão se o número de deputados for maior, menos terão se tal número for menor.
Onde é que a "distorção" se pode verificar? Pode verificar-se apenas -e estamos a chamar-lhe distorção por razão de rigor contabilístico, é evidente- quando o número de deputados, embora significativo, seja insusceptível de ter projecção em mais de um representante, ou quando, no caso limite, um número muito pequeno de deputados conduza ao mesmo resultado, em mandatos, que um número vastíssimo de deputados. O Sr. Deputado António Vitorino colocou a questão do "quatro-cinquenta". Podem colocar-se outras hipóteses: quatro dá tantos mandatos como cinquenta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... é o "até quatro" ou "até cinco". Porque pode não haver cinco partidos na Assembleia, e o "até quatro" resolve esse problema. Mas se, onde está "até quatro", puser "até cinco", não tem importância nenhuma. Até acho que devia ser cinco, porque é o número actual. O problema não é serem cinco, é serem "até" - pode não haver cinco.
Página 1249
3 DE OUTUBRO DE 1988 1249
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Mas não era para esse aspecto que eu estava a alertar, Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A razão por que nós considerámos melhor a proposta da ID não é em resultado do número, é em resultado do "até". Não é por ser o número - eu até prefiro cinco, que é o número actual. É por contemplar a hipótese de não haver cinco partidos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo. Mas, quanto à questão da formulação, não temos nenhum apego ao nosso texto, não é essa a questão principal para nós. O que procurava que o Sr. Deputado António Vitorino pudesse considerar era aquilo a que chamou a "mudança de lógica", para, no fundo, lhe perguntar se não admite que hoje a forma através da qual se estabelece a representação depende de uma relação fiduciária entre os conselheiros e os partidos, a qual se estabelece nesta ou naquela modalidade, consoante os partidos e os conselheiros.
Como é possível conceber que a eleição projecte um conceito de Estado voltando costas à realidade partidária, designadamente tal qual ela se espelha no universo parlamentar? Existe realmente "mudança de lógica" na nossa proposta? Não me parece que essa tese tenha arrimo bastante, pelo menos nos argumentos que produziu.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção visava somente relativizar o discurso grandiloquente que o Sr. Deputado José Magalhães quis fazer a propósito desta temática porque, no fundo, em termos práticos, o que está em causa é saber se o PRD, por exemplo, na actual composição parlamentar está, ou não está, no Conselho de Estado, porque o CDS, que representa uma importante corrente do pensamento português, a corrente conservadora e democrata-cristã, nem mesmo com a proposta do PCP chegaria neste momento a ter assento no Conselho de Estado.
Mas o que queria dizer ao Sr. Deputado José Magalhães, com toda a sinceridade, era o seguinte: não sei se a minha intervenção foi uma intervenção de formalismo indevido. Mas - e a posição do PS para todos os efeitos é a veiculada pelo Sr. Deputado Almeida Santos - a minha posição pessoal é de não simpatia pela proposta do PCP, se o Sr. Deputado quer que lhe diga. É hoje, como já era na primeira revisão constitucional. O Sr. Deputado José Magalhães decerto não se esqueceu de que, já na primeira revisão constitucional, o PCP apresentou esta proposta, que nessa altura, eu próprio disse que não estava de acordo. Pela minha parte continuo a considerar, a título pessoal, que a solução que está na Constituição é melhor que a que propõe o PCP. A posição do PS, contudo, é aquela que o Sr. Deputado Almeida Santos exprimiu. Mas os argumentos que utilizei na primeira revisão - se o Sr. Deputado se der ao trabalho de recordar as actas - são os mesmos que utilizaria agora. Não decorreu de nenhum formalismo indevido, segundo penso. Sinceramente, é apenas o reconhecimento da razão que assistiu à Assembleia da República em 1982 quando recusou a lógica que o PCP ora repropõe. Adoptou uma outra, a que está hoje na Constituição e que entendo que deve ser mantida. Gostaria ainda de acrescentar que, enquanto hoje a lógica da Constituição é a de que a Assembleia da República deva fazer um voto em nomes de pessoas concretamente identificadas e à luz dos seus méritos pessoais, o que o Sr. Deputado José Magalhães propõe é uma inversão também desse ponto de vista. Provavelmente, o que o PCP preconiza na sua proposta é a realização de uma eleição por lista bloqueada e não de uma eleição nominal, porque se fosse uma votação nominal - mesmo com a garantia constitucional da representação de um máximo de quatro ou cinco partidos - estaríamos a colocar na mão de uma maioria a possibilidade de fazer eleger apenas os seus representantes e deixar por preencher, por insuficiência de votos, os representantes dos partidos da oposição. Portanto, a proposta do PCP até deixa a porta aberta para uma solução que pode ser mais arriscada para a garantia da representação dos partidos da oposição no Conselho de Estado, se na Constituição não ficar claro que é uma eleição por lista bloqueada, com representantes de todos os partidos, coisa que a proposta do PCP não clarifica. A lógica da proposta do PCP impõe que fique claro que se trata de uma lista bloqueada, sob pena de se exigirem 126 votos para eleição de cada membro do Conselho de Estado, sabendo-se que uma maioria parlamentar pode eleger apenas os seus representantes e deixar vagos os lugares dos representantes da oposição. Não vota neles: não há maioria para os eleger! Portanto, a solução que a Constituição actualmente consagra não é também tão aberrante ou tão má como a situação que poderia resultar de uma leitura perversa da própria proposta do PCP e que os seus próprios termos não excluam. Tudo é relativo na vida, de facto!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, há pouco referi que não gostaria de fazer uma intervenção. Trata-se apenas de uma pequena nota, cuja justificação, aliás, e segundo penso, fica mais clara depois da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino.
O problema que me parece existir aqui é o seguinte: Sr. Deputado José Magalhães, se o 19 de Julho de 1987 tivesse sido ligeiramente mais avassalador em relação à ausência da representatividade parlamentar de alguns dos partidos, nomeadamente o CDS e o PRD, e sabendo nós da capacidade multiplicadora do PCP para inventar e para criar partidos nos seus grupos parlamentares, a alínea h), ao ser aprovada, significaria por exemplo, que, em casos extremos, o PSD teria um representante no Conselho de Estado, o PS outro representante e o PCP ou as listas da CDU - de acordo com a formulação da alínea h) proposta pelo PCP - teria três representantes no Conselho de Estado. Imaginemos, por exemplo, que a ID não era um agrupamento; era mais do que um conjunto de pessoas que se aliaram às listas da CDU, isto é, era também um partido, e teríamos então três partidos dentro da CDU. O PSD meteria um representante no Conselho de
Página 1250
1250 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
Estado, o PS outro, e o PCP ou as listas da CDU um pelo PCP, outro pelo PEV e outro ainda pela ID ou pelo MDP, no caso de ainda estar lá.
Aquilo que me parece é que também aí haveria desvirtuação do espírito do preceito, isto é, o PCP, com um terço ou um quarto da Assembleia da República, meteria três representantes no Conselho de Estado, o PSD, com cento e quarenta e oito ou cento e cinquenta e tal deputados, meteria um representante, e o PS outro representante. Isto é, 12% dos votos dos eleitos poderiam significar três quintos dos representantes do Conselho de Estado eleitos pela Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, não desejo falar muito. Trata-se apenas de duas observações. Queria dizer o seguinte: o PRD nesta matéria não propôs nada, até para que se não pensasse que estava a fazer propostas em causa própria, ou com intuitos de benefício partidário. Creio que este problema merece alguma ponderação. Devo confessar que simpatizo algum pouco com as propostas de recomposição do Conselho de Estado nesta matéria, independentemente do partido que aqui represento. Neste sentido direi: por um lado, embora haja várias formas possíveis (estas que estão aqui e outras ainda), e embora se possam tomar cautelas, o Conselho de Estado não pode ser visto como um órgão de expressão democrática - já não o é, porque a representação já se encontra distorcida. Com efeito, o partido da maioria tem o Presidente da Assembleia da República e tem o Primeiro-Ministro. Depois os governos regionais também podem distorcer. Portanto, a representação no Conselho de Estado não traduz uma representação como expressão de sufrágio. O Presidente da República também nomeia cinco pessoas, embora este seja eleito por sufrágio universal. O que me parece é que - e aqui tenho a experiência adquirida como conselheiro do Estado -, se os principais centros de acção política não estão representados no Conselho de Estado, este perde em grande medida uma função de espaço de consenso, ou de tentativa de consenso, de espaço até de diálogo e de confronto. Não quero falar do PRD, mas creio, por exemplo, que um Conselho de Estado - isto provém da experiência que tenho - sem o PCP seria coisa profundamente diferente daquela que é, porque havia um sector importante na sociedade portuguesa e das forças políticas portuguesas que não tinham aí voz. Que, aliás, não é deliberativa. Em princípio sou, pois, favorável - a título puramente pessoal - a uma recomposição do Conselho que assegure a presença das principais instituições, como já acontece, e das principais forças políticas.
Ainda uma última nota, em relação a um ponto que se colocou várias vezes: percebo que há uma diferença radical entre a lógica do projecto do PCP e a lógica actual quanto aos representantes previstos na alínea h). A lógica do projecto actual é a eleição pela Assembleia da República, embora com uma certa proporcionalidade; a lógica do PCP é a da indicação pelo partido.
Não queria estar a defender uma ou outra (até talvez pudessem conjugar-se), mas recordo-me - e aqui também falo por experiência - de problemas delicados que se podem suscitar no Conselho - aconteceu, designadamente, com o PSD -, quando se verifica uma mudança de direcção política no partido a meio de um mandato dos membros designados pela Assembleia da República, em que a nova direcção do partido fica sem expressão fiel no Conselho de Estado. Isto aconteceu já, repito, com o PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Assim ocorreu.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não queria dizer que a solução deva ser uma, ou deva ser outra. Penso que valerá a pena ponderar com mais cautela esta matéria. Não deixaria senão este comentário final.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, percebo, obviamente, o sentido da sua observação, mas isso levaria - quando levado às suas consequências extremas - a que fosse menos um problema de eleição pela Assembleia da República - ou só de uma maneira muito formal com a exigência de ser um deputado - e a permitir que houvesse uma representação partidária directa, que é o que o PCP propõe.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - O PCP propõe isso. Não estou a dizer que sim, nem que não. Não estou a formular nenhuma sugestão: estou a dizer que há razões para pensar nisso, pois verificaram-se problemas que merecem alguma ponderação nesta matéria. Até admitiria, por exemplo - e lembro-me de que cheguei a andar por aí na altura da elaboração do projecto do PRD -, a hipótese de haver - embora me pareça ao mesmo tempo que o alargamento do número de membros do Conselho de Estado possa tornar o órgão excessivamente pesado - uma representação parlamentar acopulada com uma representação partidária directa. Não sei. Tudo isto penso que merece alguma ponderação.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, julgo que as considerações sobre a lógica da natureza e do funcionamento do Conselho de Estado feitas há pouco pelo Sr. Deputado António Vitorino levam a pensar o seguinte: é que nós não estamos a discutir uma segunda Câmara - e do meu lado julgo que não deveríamos encaminharmo-nos para qualquer coisa que funcionasse como um arremedo de uma segunda Câmara...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Exacto. Também estou de acordo.
O Sr. Presidente: - E é evidente que, se acentuarmos muito esse aspecto, começamos a ter algumas alterações em relação à natureza de um órgão consultivo cujas reuniões são relativamente episódicas - salvo nos casos em que obrigatoriamente se tem de pronunciar - e que desempenha um papel que tem sido na tradição portuguesa de consulta do Presidente da República, para poder transformá-lo numa outra coisa.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não, Sr. Presidente. Segunda Câmara nunca. Aliás, em relação a um ponto que o Sr. Deputado António Vitorino referiu, e que o Sr. Presidente também mencionou, que, enfim, é melindroso, e que é o problema do voto que se verifica em pareceres obrigatórios, direi que a representação já está distorcida pelas inerências. Recordo,
Página 1251
3 DE OUTUBRO DE 1988 1251
contudo, que no regimento do Conselho de Estado - esse ponto lembro-me que foi altamente discutido - houve uma disposição que me parece essencial para ponderar essa função, que é esta: na publicação indica-se o voto de cada membro do Conselho.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Era assim, já não é.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Já não é? Mudaram o regimento? Só se mudaram o regimento entretanto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tenho ideia de que seja assim.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Nessa altura, na publicação indicava-se...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que não, mas também não juro.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Nessa altura foi proposto e, tanto quanto me parece, foi aprovado (a não ser que haja sido simples prática). O que tem significado é que a origem do voto conjugada com o interesse que se possa ter no assunto produz efeito político. Recordo-me, por exemplo, de que, na dissolução de 1983, o Conselho pronunciou-se por maioria de um voto contra a dissolução. Só que foram todos os membros que,, de uma forma ou de outra, representavam a AD que votaram contra a dissolução, e todos os outros votaram a favor dela, de modo que isto deu ao parecer um sentido de quase soma de pareceres individuais. É um aspecto, mas penso que este aspecto em geral deve ser ponderado. Não queria nem formulo proposta nenhuma. Não formulo solução nenhuma, mas chamo a atenção para vários problemas que aqui se deparam, designadamente este, que já referi, de, através de uma alteração na direcção partidária a meio do mandato dos membros, estes virem a criar dificuldades ao partido por falta de expressão da sua orientação, e até, diria, dificuldades quase dramáticas para as pessoas que representavam o partido no Conselho nessa altura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Muito brevemente, Sr. Presidente, afigura-se-me que a alínea h) deve, do meu ponto de vista, permanecer inalterada. Todavia, não vejo motivo para que se não acrescente uma outra alínea em que se diga "um representante de cada um dos partidos com assento na Assembleia da República, até ao máximo de cinco (entenda-se cinco partidos) sem direito de voto". Deste modo, afigura-se-me que se conjugariam os diversos interesses. Respeitar-se-ia o princípio da representação da Assembleia da República, proteger-se-ia o interesse da representação dos partidos - que é um interesse geral, não só dos partidos- e resolver-se-ia também a questão suscitada há momentos pelo Sr. Deputado Galvão Teles. Os cinco partidos com maior expressão parlamentar indicariam respectivamente - além dos cinco eleitos - o seu representante, que seria removível a todo o tempo, conforme as alterações ocorridas na direcção do partido. Sem direito de voto, repito.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não creio. Isso complicaria. Mas está bem, vamos anotar.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não. Eles participariam com direito de intervenção sem direito de voto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Portanto, não seriam eleitos, seriam indicados.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Também não sei se o presidente do Tribunal Constitucional deve ter direito de voto. É um juiz e não um homem político.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Tem. Todos os que lá estão têm.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sei que tem. Mas poderia não ter. Compreende-se a razão da presença do presidente do Tribunal Constitucional. Não é, certamente, a de ele ser o representante do tribunal máximo na hierarquia dos tribunais portugueses. Não é apenas essa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É um tribunal que tem um coeficiente de alguma competência política e fiscaliza a constitucionalidade. Naturalmente, nas consultas que o presidente faz há sempre a atinência do além-constitucional. A presença dele é fundamental.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Exacto. A presença é fundamental, mas o voto talvez não. O voto num órgão político, embora consultivo, por parte de um juiz, também poderá ter as suas dificuldades. O direito de intervenção é dissociável do direito de voto. E talvez o mesmo critério deva ser aplicado ao Provedor de Justiça.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice- Presidente Almeida Santos.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que, por um lado, o facto de se ter travado esta discussão permitiu apurar quais são as dificuldades reais e quais são as propostas. Gostaria de considerar neste momento apenas três aspectos:
Riscos de se transformar o Conselho de Estado num arremedo de segunda Câmara: entendo que não existem, pura e simplesmente. Em qualquer cenário o Conselho tem as competências previstas na Constituição. Tem hoje as competências constantes do artigo 148.° É tipicamente um órgão auxiliar; é convocado pelo presidente com carácter obrigatório nas circunstâncias que a Constituição estabelece; não o é nas outras. A sua composição neste ponto não seria nenhum elemento determinante de qualquer alteração. Aquilo que se garante na proposta do PCP é apenas um determinado fio representativo, ou, pelo menos, a não perda desse
Página 1252
1252 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
fio representativo, independentemente de flutuações conjunturais da composição da Assembleia da República.
Segundo comentário: em relação ao nexo que existe entre os cidadãos eleitos pela Assembleia com assento no Conselho de Estado e os partidos com assento na Câmara. Creio que é evidente que esse nexo existirá sempre, em maior ou menor medida. É inútil postergado ou subalternizar esse aspecto. É realmente excessivo formalismo, ao que me parece. É evidente que compreendo as razões do Sr. Deputado António Vitorino. De resto, tive a ocasião e o trabalho de lê-las. Lamento apenas que essa posição de reafirmação das actas de 1982 não valha, por exemplo, para a reforma agrária. Vale, porém, para esta matéria. Enfim, é uma questão de coerência repartida!
Terceiro comentário: em relação à questão mais importante que aqui foi equacionada, qual seja a de saber se a proposta não poderia acarretar distorções intoleráveis na composição do Conselho, creio que aquilo que se visa é precisamente o contrário: é evitar que se verifiquem distorções difíceis de considerar úteis e positivas, para expressão da gama de interesses, e de visões do mundo até, que deverão estar representadas no Conselho para ele ser de Estado. Creio, sobretudo, que são extremamente pouco pertinentes as observações feitas na linha argumentativa do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, porque para se responder, não digo no mesmo tem e usando o mesmo tipo de argumentos, mas à letra, então seria bom e necessário dizer que, provavelmente, aquilo que para o PSD (ou para o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva - não estabeleçamos, apesar de tudo, excessiva responsabilidade partidária por uma afirmação que, no fundo, resulta de uma reflexão pessoal), na sua visão mais tranquilizada, seria excelente, seria um Conselho de Estado em que o PSD tivesse o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o presidente do Tribunal Constitucional (pois, claro!), o Provedor de Justiça (evoé! Então, não?!), os presidentes dos governos regionais (pois, claro!), enfim, os antigos Presidentes da República recrutados ad hoc para o efeito, alguns ou, vá lá, todos os representantes designados pelo Presidente da República (pois, claro! É o cenário "Rebelo de Sousa") e, claro, três dos cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, senão mais! Este é que é um Conselho de Estado: Estado = PSD, logo, Conselho de Estado igual a Conselho do PSD. Ora, isto não tem nada a ver, obviamente, com aquilo que deva ser um Conselho de Estado. Tem a ver, obviamente, com a monomania e com a ideia de monopartidarização das instituições que bebe em alguns leites que percorrem o PSD, mas esses leites devo dizer que são bastante maus e inquinados e não têm nada a ver com uma consideração do que deve ser uma composição de um Conselho que seja do Estado Português, e não do Estado - PSD, tal qual o PSD procura transformá-lo, todos os dias e por todas as maneiras. Creio que não se deve ir por este caminho.
Também o cenário delirante de um PCP por 1000 ilhas repartido, com 300, ou 400, ou com n fragmentos de si próprio, a eleger na Assembleia da República conselheiros a esmo é uma caricatura que não tem nada a ver com a realidade. É um insulto, designadamente àqueles que têm relações políticas idóneas com o PCP, e bebe inspiração numa visão, bastante trauliteira do que deva ser a análise da vida política portuguesa e, designadamente, a projecção dessa vida política portuguesa no Conselho de Estado.
Creio, Sr. Presidente, que deveríamos fazer este debate a partir de outros parâmetros: aqueles que ficaram enunciados em outras intervenções mais próximas das dificuldades e do melindre institucional da questão que estamos a debater. Não vale a pena fazermos este debate na óptica dos fantasmas do PSD, na visão fagocitária do sistema que pela boca de alguns dos seus representantes vem expendendo e, sobretudo, o que é mais inquietante, praticando.
O Sr. Presidente: - Estava eu inscrito, e até o faço agora para tentar pôr água na fervura. A verdade é que não vejo nada que justifique tanto calor, até porque o PSD já disse que não está de acordo. Sem o PSD estar de acordo, provavelmente estamos a discutir em branco. Mas eu próprio quero salientar que não fui além de enunciar a abertura do meu partido para considerar esta hipótese. Abertura é uma coisa, voto a favor é outra. Mas continuo a pensar - e nisso o Sr. Deputado Galvão Teles tem razão - que hoje o Conselho de Estado não está constituído na base da representatividade democrática. Não está. Não houve essa preocupação ou alguma razão. Quer dizer: dá-me a impressão de que o que resulta da actual composição é o peso das opiniões, o significado, a policromia dela, a variedade dessa composição, não tanto a representatividade democrática. Nessa medida, veria com simpatia que cada um dos principais partidos pudesse fazer ouvir a sua perspectiva própria. Enriquecia o Conselho de Estado. Mas também não me bato por isso, é evidente. Se se entende, e aliás sou favorável à regra ou princípio da proporcionalidade, que isto gera confusões, que é preciso recorrer ao sistema da lista (e se não for o sistema da lista - como diz o Sr. Deputado António Vitorino e muito bem - às tantas há o risco de não haver eleição de alguns), não vale talvez a pena metermo-nos nisto. Primeiro, porque já se sabe qual é o resultado; em segundo lugar, porque as dificuldades são tantas, ao que parece, que não vale a pena perdermos muito tempo neste ponto.
De qualquer modo, darei a palavra ao Sr. Deputado Gomes da Silva e depois ao Sr. Deputado António Vitorino, para darmos o assunto por encerrado.
Antes disso ainda, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Almeida Santos, acabou de verificar que o PSD se tinha pronunciado contra a proposta do PCP, mas, peço desculpa, o PSD não se pronunciou contra a minha sugestão.
O Sr. Presidente: - O PSD não é contra a sua sugestão?
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sugestão ou proposta, se for necessário fazê-la.
O Sr. Presidente: - Repare, Sr. Deputado, que não está formalizada a proposta. Foi apenas uma ideia lançada para a Mesa.
Página 1253
3 DE OUTUBRO DE 1988 1253
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Pode ser que seja uma ideia de fácil consenso e o PSD até agora não se manifestou.
O Sr. Presidente: - O PSD o fará, se assim o entender. Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, eu gostaria de expender mais argumentos do que aqueles que há bocado referi.
Não se trata, Sr. Deputado José Magalhães, de entrar por formas "trauliteiras" de comentar propostas do PCP. O que penso é que, levada às últimas consequências, a sua proposta ou a proposta do seu partido poderia levar a essa solução. Também, sendo nós "férteis em imaginação" - e penso que o Sr. Deputado poderá dar algum contributo para isso -, o PSD, se o desejasse, numa previsível alteração da alínea h) do artigo 145.°, poderia, numa futura eleição - ou reportemo-nos ao 19 de Julho do ano passado -, prever que, se desdobrasse a sua composição das listas por diferentes partidos - ou indo buscá-las a agrupamentos -, poderia até, de forma mais distorcida, conseguir uma representação diferente no próprio Conselho de Estado. Consideremos um partido com mais alguns representantes, ou com mais alguns deputados eleitos do que aqueles que o PSD tem neste momento - e tal poderá acontecer, porque também há cerca de um ano ninguém dizia ser possível maioria absoluta de um só partido. Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, devo dizer-lhe...
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que apoquenta o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva é um cenário em que o PSD deixe de estar representado no Conselho de Estado, ou um cenário em que só lhe faltem dois membros para controlar todo o Conselho de Estado?!
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - São vários cenários possíveis e imaginários, porque também a desvirtuação da representação da Assembleia da República no Conselho de Estado é possível. Ainda há bocado o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles falava da não representatividade directa entre composição da Assembleia da República e representantes no Conselho de Estado dessa mesma composição da Assembleia da República. O Sr. Deputado vai mais longe: por que é que, então, o Conselho de Estado é maioritariamente do PSD? Mas, Sr. Deputado, eu não tenho culpa que o Presidente da Assembleia da República - porque o PSD tem uma maioria absoluta - seja do PSD, que o Primeiro-Ministro, porque o PSD tem maioria absoluta, seja também do PSD, porque o povo português votou no PSD, e assim sucessivamente; os governos regionais também; e a maioria dos cinco deputados eleitos pela Assembleia da República...
Mas, se calhar, se ao Sr. General Ramalho Eanes algum dia lhe passar pela cabeça em aderir também ao PSD!...
Risos.
Mas, Sr. Deputado, conforme V. Exa. aqui diz, o Sr. General Ramalho Eanes não poderia aderir ao PSD - José Magalhães dixit. O Presidente da Assembleia da República não poderia ser do PSD, porque o Sr. Deputado José Magalhães diz que o PCP existe e porque "às tantas" era tudo social-democrata. Sr. Deputado, a sua visão é que foca a distorção da responsabilidade política.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Exacto. O Estado perderia com a falta dessa cor laranja...
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não vamos por aí. Vamos é, antes, ser realistas. Em determinado momento há determinadas coisas que representam este país. Não percebo qual é a sua dificuldade em assumir isso.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Também preferia voltar à realidade. Nós estamos a discutir, como se recordarão, não a alínea f), mas as alíneas e) e h) do artigo 145.°
O Sr. Deputado António Vitorino tinha uma observação de vinte segundos a fazer, pelo que tem a palavra.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, são só vinte segundos.
O Sr. Deputado José Magalhães não respondeu totalmente à minha intervenção, mas também não faz mal. Já percebi qual era a resposta que, eventualmente, me viria a dar, mas já agora fará a justiça de recordar que nunca utilizei nesta Comissão a coerência como argumento de autoridade. Daí que o paralelismo sobre as minhas opiniões, em matéria de reforma agrária e de composição do Conselho de Estado, me pareça deslocada, por uma razão simples: porque pode ser mais coerente mudar de opinião, em face da mudança da realidade objectiva, do que manter uma opinião que nós chegamos à conclusão que é errada, ou uma opinião que está desfasada da evolução da realidade entretanto verificada. Não é esse o caso em relação à composição do Conselho de Estado; é esse o caso em relação à reforma agrária.
Isto é apenas uma providência cautelar para quando, daqui para a frente, o Sr. Deputado José Magalhães invocar sempre as minhas opiniões na anterior revisão constitucional já saber que eu invoco sempre esta frase em minha defesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vai falar nos ex-Presidentes da República, pois não?! Espero.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica combinado, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Não sei. Se calhar, alguém melhor do que eu aqui nesta sala poderá falar em relação ao general Ramalho Eanes.
O Sr. Presidente: - Suponho que está dilucidada suficientemente a matéria das alíneas f) e h) sobre as quais havia propostas.
Página 1254
1254 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
Vamos passar ao artigo 146.° No artigo 146.° (Passe e mandato) existe apenas uma proposta de alteração do PRD, que é muito simples quanto à sua jusitificação, mas, em todo o caso, se o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles quiser usar da palavra, faça favor.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Esta proposta corresponde à tentativa de resolução de um problema que se levantou em face do texto actual da Constituição, que é o de saber se os membros designados por inerência têm ou não de tomar posse. Tomá-la é uma "bisantinisse": O Primeiro-Ministro é nomeado Primeiro-Ministro. Toma posse do cargo de Primeiro-Ministro e depois vai tomar posse de conselheiro de Estado! Um antigo Presidente da República, cada vez que há um novo Presidente da República, vai lá tomar posse outra vez?
Na altura, o antigo Presidente - e o actual Presidente manteve, de resto, a mesma orientação - optou pela solução de dar posse aos membros designados por inerência, porque teve receio de que se entendesse à letra a Constituição, mas parece que não tem pés nem cabeça que aqueles que são membros do Conselho de Estado por inerência tomem posse específica do cargo no Conselho de Estado. A posse do lugar de origem tem como consequência a investidura nas funções de membro do Conselho. É, portanto, apenas isto. Penso que não vale a pena estarmos a discutir mais.
O Sr. Presidente: - Certo. É aquilo que se designa por Verfeinerung des Gerstzes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quero aplaudir! Vozes.
O Sr. Presidente: - Isto é apenas para alegrar as hostes.
Relativamente ao artigo 147.° não há propostas de alteração, pelo que admito que não haja ninguém que queira intervir...
Pausa.
Passando ao artigo 148.°, temos o problema da competência do Conselho de Estado. Em matéria de competência do Conselho de Estado existem duas propostas: uma proposta de alteração e de eliminação; uma proposta da ID relativamente à alínea b) e uma proposta de vários deputados do PSD em relação à alínea a) e de eliminação da alínea c). São consequências das alterações. Suponho que não tem grande sentido estarmos neste momento a atardar-mo-nos na sua discussão. Poderemos, se não houver objeccões, prosseguir.
Artigo 149.° (Emissão dos pareceres): não há propostas de alteração.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação ainda ao artigo 148.°, verifica-se a circunstância já analisada ontem. É evidente que acabaremos por ter de apreciar esta matéria, de forma concentrada, numa altura que alguns considerem própria, o que se arriscará a trazer-nos algumas dificuldades. Ontem, seguimos o critério de, apesar de tudo, não passar por
aqui, ou por lugar paralelo, sem nos debruçarmos minimamente sobre o alcance das soluções aqui contidas. Creio que neste caso ainda é mais fácil.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Isto é consequência de uma alteração que ontem foi considerada ligeiramente, mas considerada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, só foi considerada a primeira, Sr. Deputado Almeida Santos, a questão da dissolução dos organismos, dos órgãos dos governos regionais, que são os governos regionais.
O Sr. Presidente: - Quer V. Exa. pronunciar-se, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação à alínea c) é brevíssima, e, portanto, nocet.
O Sr. Presidente: - Exacto. Mais alguma intervenção?
Pausa.
Subscrevo a opinião de que esta proposta, compreendendo o seu alcance, todavia, não parece curial, e por isso não a propusemos no nosso projecto. Por isso não a apoiamos. Podemos passar adiante?
Pausa.
Suponho que há consenso. Artigo 149.° (Emissão dos pareceres): não há propostas de alteração.
Artigo 150.°: entrámos no título m, relativo à Assembleia da República. Também quanto à definição da Assembleia da República não há propostas de alteração.
Passamos ao artigo 151.° (Composição da Assembleia da República): aqui existem três propostas: uma do CDS, que propõe que a Assembleia da República tenha um mínimo de 200 e um máximo de 210 deputados; o PSD propõe que a Assembleia da República seja constituída pelo mínimo de 180 e o máximo de 200 deputados; e a ID propõe apenas uma alteração de redacção, eliminando o inciso "nos termos da lei eleitoral", e fixa em 250 o número de deputados pelos quais deverá ser composta a Assembleia da República. Quer dizer, não há variação entre os 240 e os 250 deputados no projecto da ID, e, portanto, não tem sentido a remissão para a lei eleitoral.
Passaríamos à justificação sucessiva das propostas. Quer o PSD apresentar a sua justificação?
Pausa.
Assim, farei eu a apresentação sucinta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É uma justificação impossível.
O Sr. Presidente: - Não, não é uma justificação impossível. A nossa ideia é relativamente simples. Pensamos que a Assembleia da República, no sistema jurídico-português, ou seja, na estrutura constitucional portuguesa, é o órgão que tem naturalmente um papel decisivo e, porventura, o mais relevante, pelo menos na vida normal, visto que o Presidente da República pode, em algumas circunstâncias, ter um papel deci-
Página 1255
3 DE OUTUBRO DE 1988 1255
sivo, mas são, regra geral, circunstâncias anómalas de alguma tensão. Mas nos termos normais, num regime semipresidencial, ou semiparlamentar como o nosso, é à Assembleia da República que cabe o papel de maior relevância. Para isso necessita não só - o que não tem neste momento - de estar dotada dos meios técnicos e de assessoria adequados, mas precisa também de conseguir ter, ou seria desejável que conseguisse ter um elevadíssimo nível no que respeita aos seus deputados, o que, dada a relativa restrição das elites portuguesas, não é uma matéria fácil de concretizar infelizmente. Evidentemente que todos os partidos estão empenhados em que os seus candidatos, e depois deputados, sejam deputados qualificados, mas a realidade obriga a dizer que esses esforços não são sempre inteiramente coroados de êxito.
Por outro lado, relativamente a ratio entre o colégio eleitoral e os representantes - e se cotejarmos com o direito comparado - verificamos que há uma possibilidade de flutuação suficiente que não obriga necessariamente ao número de 250. Também é verdade que não obriga a um número necessariamente inferior, e até poderia permitir ir mais além. Mas é sobretudo a consideração de razões de um eficaz funcionamento da Assembleia da República, da necessidade de acautelar e de aumentar o seu prestígio - o qual está, intimamente relacionado com a eficácia do seu trabalho e com a qualidade dos seus membros -, que levam a pensar que seria útil e prestigiante para a Assembleia da República, ao contrário de uma consideração puramente quantitativa que já temos visto ser explicitada por outras opiniões e sem prejuízo, naturalmente, do respeito pelas mesmas que seria algo, em termos de opinião pública, bem recebido que não prejudicaria o prestígio da Assembleia - pelo contrário, contribuiria para ele -, que permitiria uma maior eficiência dos trabalhos parlamentares; temos de pensar, designadamente, que essa eficiência resultará muito mais da utilização assisada do trabalho em comissões do que da multiplicação de sessões plenárias (embora estas sejam, naturalmente, indispensáveis). É todo um conjunto de razões que nos leva a propor a redução do número de deputados entre 40 a 60, considerando o número mínimo de 240 actualmente previstos.
Esta é uma explicação, portanto, muito sucinta. Naturalmente que, se for caso disso, teremos oportunidade de detalhar em termos de discussão as razões assim sumariamente expendidas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, a exposição de V. Exa. suscita-me três ordens de questões diferentes.
A primeira é a seguinte: V. Exa. explicou esta proposta à luz de critérios de produtivismo parlamentar, de imagem da Assembleia da República, da qualidade do corpo de deputados, da relação numérica entre deputado/intervenção parlamentar, mas amputou desse raciocínio uma outra vertente da vocação da instituição parlamentar que é a da representação da vontade popular e da pluralidade de opiniões com representação parlamentar que deve ser garantida pelo próprio sistema eleitoral consagrado.
Sabemos que os sistemas de representação proporcional consagram círculos eleitorais que oscilam entre um quociente de um deputado por cada 25 000, 27 000, 30 000 ou 32 000 eleitores. E o sistema eleitoral português tem oscilado exactamente nesta ordem de valores: 25 000/27 500 eleitores, que é, salvo erro, o quociente em vigor neste momento em virtude da aplicação do método de Hondt à distribuição dos mandatos em disputa pelos círculos eleitorais. Creio que V. Exa. tem consciência de que ao reduzir o número global de deputados vai alterar este quociente. Portanto, o efeito imediato que dele vai resultar é que vamos passar a ter não um deputado por 27 500 eleitores mas, sim, um deputado por 32 000, ou 35 000 ou 37 000 cidadãos eleitores, o que pode contribuir para afastar os deputados da representação popular, na medida em que aumenta o número de eleitores representados por cada um dos deputados. Além de que tem inevitáveis efeitos amputatórios no pluralismo de opiniões e na representação proporcional. Esta é, pois, a primeira ordem de questões, que não deve ser escamoteada.
A segunda ordem de questões é a que respeita ao exemplo do direito comparado. De facto, ele não colhe. Vejamos alguns exemplos. O caso irlandês, onde um país com cerca de 4 milhões de habitantes tem menor número de deputados que Portugal, mas assim tem 226 nas duas Câmaras. A Suécia, com cerca de 8 milhões de habitantes, tem um Parlamento com 350 deputados. A Grécia, com 10 milhões de habitantes, criou um Parlamento com 300 deputados. A Bélgica e a Holanda, que têm população semelhante à portuguesa, são países onde existem duas Câmaras e que têm um número de deputados ou superior a Portugal (a Bélgica só na Câmara baixa tem 212 e 182 no Senado, a Holanda tem, respectivamente, 150 e 75) ou equivalente.
Portanto, o argumento do desfazamento entre a população e o número de deputados também não releva em termos de direito comparado e não me parece que colha no caso específico português.
O terceiro tipo de questões é respeitante ao facto de o Sr. Presidente ter apresentado esta proposta como de melhoria indirecta da qualidade dos deputados, cujas razões são, segundo penso, insondáveis.
Os deputados dividem-se frequentemente - e digo isto para utilizar uma linguagem meramente operacional e sem desprimor - entre deputados-procuradores e deputados-questores. Pergunto-lhe então se V. Exa. tem a certeza de que uma redução do número de deputados teria como consequência aumentar os primeiros em detrimento dos segundos. Ou não teria exactamente o efeito inverso? É que os partidos recolhem apoio popular graças à acção dos deputados-procuradores, escolhidos segundo critérios de representação local, e pelo facto de gozarem de prestígio nas regiões em que se inserem. Logo, por isso mesmo são importantes para a vida parlamentar, mas, regra geral, têm uma menor participação nos trabalhos da Câmara. No entanto, eles são um factor importante como indutores de votos nas listas partidárias, bem como desempenham um importante papel no Parlamento no sentido de trazerem até ele as realidades locais com que estão em mais directo contacto e onde estão mais perfeitamente enraizados.
Já os deputados-questores são, por contraste e em regra, os mais activos parlamentarmente na vida própria da Câmara e até podem ser mais conhecidos da opinião pública em geral. São, pois, aqueles que conhecem melhor o funcionamento da máquina parlamentar, que é, no fundo, complicada, mas não se revelam, na maioria dos casos, factores indutores de voto popu-
Página 1256
1256 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
lar. Penso, de facto, que o efeito da proposta de redução do número de deputados era exactamente o contrário "daquele que V. Exa. acaba de enunciar como sendo o seu objectivo. Resta sempre saber se o PSD não terá o arrojo de propor que a votação desta proposta seja feita por sufrágio secreto no Plenário da Assembleia da República!...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, penso que V. Exa. me permitirá responder desde já, porque, mais do que uma intervenção, formulou perguntas. E como V. Exa. formulou uma série de questões, julgo que adiantará alguma coisa à discussão responder desde já.
Em primeiro lugar, e é para isso que serve a discussão, é bom que haja comentários que permitam explicitar de uma maneira mais clara o pensamento que está subjacente às propostas apresentadas. Gostaria, assim, para evitar quaisquer mal-entendidos, que não foram, aliás, colocados pelas perguntas do Sr. Deputado António Vitorino, de dizer que no meu pensamento e comportamento pessoais -e nesse aspecto identifico-me cem o PSD - a Assembleia da República é um órgão que tenho sempre procurado prestigiar como parlamentar, dando, quando intervenho nele, o que melhor sei na medida das minhas possibilidades e às vezes com pesados sacrifícios, porque entendo que a Assembleia da República é vital para a estabilidade e o aprofundamento da democracia em Portugal. É inclusivamente importante referir que quando surgem, por vezes, problemas de conflitos de competências, que são colocados pela dinâmica da vida ao funcionamento dos sistemas políticos, tenho procurado sempre encontrar soluções que privilegiem ou acautelem os aspectos mais essenciais do funcionamento desta instituição, justamente porque ela deve ser o órgão por excelência da representatividade da soberania popular. Gostava que isto fosse dito, porque não penso que devamos caminhar para soluções que menosprezem e diminuam a Assembleia da República.
Contudo, julgo também que devemos falar com inteira clareza, como, aliás, resulta das perguntas feitas por V. Exa. É um facto que lamento, mas que registo porque suponho que é iniludível que, infelizmente, em termos de opinião pública, a Assembleida da República não é o órgão de soberania mais prestigiado, existindo variadíssimos motivos para isso. Há, inclusivamente, um motivo que nem sempre tem sido apontado e que resulta da circunstância de nós, povo, ainda estarmos um pouco na expectativa de que os órgãos políticos são fundamentalmente de prestação de serviços individualizados e palpáveis, de obras públicas. Acontece que o Governo presta muito mais serviços palpáveis para os utentes. Faz estradas e constrói escolas e hospitais. Espera-se mais dele e resolve mais problemas concretos do que a Assembleia da República. A mesma ideia se tem do próprio Presidente da República, a quem se dirigem petições para resolver dificuldades. Já o mesmo não se verifica com a Assembleia da República ou, pelo menos, em tão grande medida. É essencialmente um órgão não vocacionado para funções executivas. Essa imagem, de resto, resultou do passado e contribui para que nem sempre se aprecie devidamente o trabalho desenvolvido aqui na Assembleia. Não é, porém, a única razão, mas é uma das que levam a perspectivar muitas vezes o trabalho na Assembleia da República de uma forma um pouco depreciativa em comparação com o trabalho de outros órgãos de soberania, o que é, obviamente, algo que todos devemos corrigir e que a própria Assembleia da República terá de procurar corrigir. Também é verdade que as assembleias políticas, mesmo prescindindo dessa peculiar situação histórica de Portugal, têm tido alguma dificuldade em fazer face ao avolumar de funções que lhes são cometidas ou que, de algum modo, estão dentro do âmbito das suas atribuições tradicionais e que têm aumentado em complexidade e tecnicidade a cada ano que passa. Portanto, têm-se registado dificuldades para fazer face a esse acréscimo de funções por parte das assembleias políticas. Trata-se de um fenómeno conhecido que em Portugal também se regista.
Encontramo-nos, pois, numa situação que tem aspectos próprios do nosso país e que podem apontar-se como um certo défice de prestígio, que penso não ser dramático mas que convém naturalmente tomar em consideração nas medidas que, em sede de revisão constitucional, tenham este órgão como objecto. Temos também os problemas decorrentes da complexificação progressiva da vida pública e das funções a que são cometidos os órgãos políticos de tipo parlamentar. E ainda há bem pouco tempo foi salientado nesta mesma Comissão, e a meu ver com razão, que a circunstância de Portugal ter aderido à Comunidade Económica Europeia vai obrigar a algum tipo de reflexão e de reexame da distribuição de funções que tenha em atenção o princípio da separação de poderes e a funcionalidade com que ele possa actuar em termos de relações entre órgãos executivo e legislativo. É por isso que esta matéria tem de se inserir nesse contexto.
O Sr. Deputado António Vitorino formula três perguntas que são simultaneamente três críticas. Devo dizer que uma delas é útil, embora não me tenha impressionado exageradamente. Refiro-me aos exemplos de direito comparado que trouxe à colação. Tive, aliás, oportunidade de dizer que não existem soluções medidas ao milímetro, ao voto ou ao deputado. Há, de facto, alguma flexibilidade em termos de direito comparado. Na realidade, V. Exa. citou o exemplo da Grécia, que aliás conheço, e tive ocasião de ler alguns diferentes artigos sobre as instituições gregas e verifico que elas se debatem com alguns problemas muito similares aos nossos nesta matéria e, em particular, em termos de prestígio. Julgo até que seria errado pensar que é a variação do número de deputados em termos de aumento que vai resolver esse tipo de questões.
O Sr. António Vitorino (PS): - É então a diminuição, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - A diminuição pode ajudar a resolver, Sr. Deputado.
Devo, aliás, dizer-lhe que, nos termos em que V. Exa. enunciou os exemplos do direito comparado, daria a sensação de que, quanto maior fosse o número de deputados, maior seria a representação, o quociente seria mais baixo e, portanto, teríamos uma representação maior. E V. Exa. tem evidentemente razão num ponto: é que quanto mais nos aproximamos do número de eleitores, mais a democracia representativa se aproxima da democracia directa. Isto é algo que significa teoricamente um progresso notável.
Página 1257
3 DE OUTUBRO DE 1988 1257
Porém, acontece que há outros factores a serem tomados em consideração.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, V. Exa. está por acaso a sustentar os "méritos" de factores que diminuem confessamente a democracia representativa e a distanciam da democracia directa, além de vibrarem um golpe no pluralismo?!
O Sr. Presidente: - Estou somente a explicar que a lógica do Sr. Deputado António Vitorino é esta: o que era desejável era termos uma democracia com um quociente baixíssimo em termos de divisão do número de eleitos pelo número de deputados que nos aproximasse do ideal da democracia directa. Creio que é o que está subjacente à lógica do Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, gostaria só de precisar o seguinte: devo dizer ao Sr. Presidente que não estava a defender a lógica ou a tese a que se referiu. Estava somente a defender algo que pretende pôr em relevo o seguinte: a vossa proposta implica uma alteração entre 20% e 28% da ratio eleitoral deputado/eleitor, ou seja, onde hoje um deputado representa 27 500 eleitores para um total de 250 deputados, passaria um deputado a representar mais 20% do que esses 27 500 eleitores. E no caso da modalidade 180 deputados, um deputado passaria a representar mais 28% de eleitores.
Pergunto-lhe, então, quais são os efeitos que isto tem no sistema proporcional global.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, gostaria de lhe dizer, citando ainda casos de direito comparado, que se V. Exa. considerar, por exemplo, a Grã-Bretanha, encontrará certamente quocientes muito superiores àqueles que referiu. E noto-lhe que não encontra nela um sistema proporcional.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Estava, pois, a dizer que esse argumento do direito comparado tem alguma valia. Porém, o problema está em que não podemos ter todos os benefícios numa solução e todos os malefícios na outra. De facto, há vantagens e inconvenientes.
Quero, pois, referir que não é possível uma condenação nesses termos esquecendo os outros aspectos do problema. Simplesmente, a questão que se coloca é esta: é intolerável ou não, em termos de representação proporcional, a proposta que apresentamos, face aos benefícios que se vão colher de outros lados?
O Sr. Deputado António Vitorino colocou uma outra questão dentro da mesma lógica, por via da qual, de uma forma hábil, estabeleceu a clivagem entre deputados-questores e deputados-procuradores. Devo dizer-lhe que penso que esta nossa proposta está em conjugação, mas não necessariamente articulada, com uma ideia, que entendemos ser importante, de constituição de um círculo nacional único ao lado dos círculos eleitorais actualmente existentes. Isto é importante para dar a ideia da acentuação do tipo de deputados que têm de ser escolhidos. V. Exa. compreenderá que quanto maior for o número de deputados menor preocupação os partidos políticos têm em encontrar candidatos que representem esse aspecto de serem questores e dêem, de algum modo, a confiança ao eleitorado no sentido de poderem garantir um correcto funcionamento da Assembleia da República. Aliás, repare V. Exa. o seguinte: nas últimas eleições para a Assembleia da República, o que corresponde a um fenómeno vulgar noutros sistemas políticos mas que em Portugal foi, apesar de tudo, mais marcante nas últimas eleições, votou-se mais para a designação de um Primeiro-Ministro do que para a escolha do deputado A, fosse por Faro, Bragança ou outro círculo eleitoral. Começou, pelo menos, a ser mais acentuada essa opção. Não estou a dizer que isso seja um mal, é uma evolução normal dos sistemas políticos, ainda citando o caso da Grã-Bretanha, que foi, porventura, o sítio onde inicialmente esse fenómeno se fez notar com mais acuidade. Isto serve para sublinhar que cada vez mais se vai tornar necessário, não só em relação ao candidato a Primeiro-Ministro e líder de um partido que se apresente às eleições como também no caso do círculo nacional, na hipótese de ser aprovada a nossa proposta, que os partidos políticos cuidem da qualidade daqueles deputados que (usando a terminologia de V. Exa. a) funcionarão basicamente como deputados-questores. Diz V. Exa.: mas então os procuradores? Os procuradores são um aspecto de representação política que não deve ser depreciado nem considerado como algo de negativo. Não estou a fazer um raciocínio ad hominem; mas, em todo o caso, entre uns e outros há uma valoração diferente, quanto mais não seja pela escassez de uns em relação à maior abundância de outros - é nesse sentido que estou a raciocinar. O que eu diria é que, quanto a esse número, naturalmente justifica-se que exista até um determinado limite, mas não vejo que vamos ceder a uma lógica quantitativa, porque então teríamos de voltar a aumentar significativamente o número - já que os interesses são, geograficamente, muito mais localizados do que o quociente de representação permite, em termos práticos, que se concretize. Quero dizer com isto o seguinte: as observações que V. Exa. fez correspondem a problemas que existem e são reais. Uma questão que se nos põe é esta: se devemos, na ponderação relativa das vantagens e inconvenientes, entender que os problemas sobrelevam às vantagens que para nós resultam dessa circunstância - se se fizer uma sondagem à opinião pública, suponho que não restarão grandes dúvidas de que as pessoas irão aplaudir a ideia de que haja um menor número de deputados. Segunda questão: em termos da qualificação e até do esquema de recrutamento, isso forçará, certamente, os partidos políticos a encontrar critérios mais apertados para que os seus deputados não sejam predominamente (na terminologia de V. Exa.) deputados-procuradores. Terceiro aspecto: o problema do funcionamento da Assembleia da República - eu não sou dos que pensam que a imagem de um plenário relativamente escasso em termos de deputados traduza necessariamente que os deputados não trabalham; sabemos que as comissões são importantes, sabemos que, muitas vezes, é necessário estudar as questões - portanto, não há uma correspondência directa entre uma coisa e outra. Mas valha a verdade que se diga que a uma percentagem apreciável dos deputados, talvez mesmo em termos de outro tipo de funções, tivesse de ser exigido um pouco mais de prestações. Penso que isto é uma realidade que resulta de circunstâncias da vida, que é clara e não vale a pena escamoteá-la. O problema da qualidade é, a meu ver, extremamente importante e não pode ser subestimado.
Página 1258
1258 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
VV. Exas. dirão que preferem valorar mais os pontos que puseram - é uma questão, naturalmente, legítima; o que eu não gostaria é que esta matéria não fosse posta, como já tenho visto ser colocada, em termos de maior sensibilidade democrática representativa versus menor sensibilidade democrática representativa. Há vários caminhos para se chegar lá, penso que os objectivos são partilhados, pelo menos, pelos partidos com maior responsabilidade em função do favor que têm em termos de eleitorado: partilham os objectivos da valorização da Assembleia da República, da importância do seu papel; o problema que eventualmente nos pode dividir - e será importante, em termos de revisão constitucional - é a via para lá chegar. Na nossa perspectiva, esta é uma questão obviamente importante, que tem de ser discutida com franqueza e com clareza: mas gostaríamos que não houvesse argumentações (já não estou a responder ao Sr. Deputado António Vitorino), que não houvesse tergiversações que nos impedissem de analisar o âmago das questões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Se a redução do número de deputados não afectasse a proporcionalidade e se a redução do número de deputados favorecesse a qualidade, eu seria a favor. Acontece, todavia, que a questão de saber se a redução afecta ou não a proporcionalidade, não é aqui que vai ser discutida - é mais adiante; por consequência, sobre isso não é útil discutirmos agora. Se VV. Exas. aceitarem a minha proposta para o artigo 155.°, eu direi que, efectivamente, desaparece o argumento de que a proporcionalidade é afectada.
O Sr. Presidente: - Depois corrigirei isso, mas há pouco omiti, na minha resposta, as considerações sobre o pluralismo e a preservação do pluralismo - depois, lá iremos.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Se a redução afectar, prejudicar, diminuir ou enfraquecer a proporcionalidade, sou contra; se não diminuir, não reduzir, não afectar a proporcionalidade, poderei não ser contra - seria mesmo a favor. Seria a favor, se estivesse convencido (como o Sr. Presidente está) de que a redução significaria uma melhoria na qualidade da representação nacional.
O Sr. Presidente: - Eu digo que facilita.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - O meu ponto de vista é exactamente o oposto: se houvesse redução do número de deputados, diminuiria o número e mesmo a percentagem daqueles que o Sr. Deputado António Vitorino chamou de questores. Não sei se há distinção entre procuradores e questores, muito menos sei se os procuradores trazem votos e os questores não os trazem - não entro nessa análise. Eu usaria outra terminologia.
O Sr. Presidente: - Dei isso de barato. Isso era uma outra questão, mais complicada.
O Sr. António Vitorino (PS): - Utilizei essa terminologia por simplicidade de expressão, mas como a resposta do Sr. Presidente, Deputado Rui Machete, foi tão precisa, fiquei com a ideia de que tinha percebido exactamente aquilo que eu queria exprimir, embora a terminologia fosse só operacional e sem qualquer sentido pejorativo.
O Sr. Presidente: - Sim, sim. Eu percebi que era operacional.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Se é terminologia operacional, também me movo dentro da terminologia. Apenas estou a discordar de algumas das caracterizações que foram dadas para designar a qualidade de procurador ou de questor. Tanto assim é, tanto essa caracterização não é essencial, que nos entendemos perfeitamente sobre aquilo que estamos a dizer, mesmo discordando da definição. Por consequência, tudo isto é extremamente claro e a linguagem é aceitável nestes pressupostos.
Em suma, Sr. Presidente, Deputado Rui Machete, o meu desacordo baseia-se essencialmente no facto de que a sua previsão se me afigura errada e que outras seriam as consequências. Até porque sempre se tem votado mais para a eleição de um primeiro-ministro do que para a eleição de deputados; o que leva, por consequência, os candidatos a primeiros-ministros a quererem assembleias mais fiéis, mais dóceis, menos potencialmente críticas, e isso é mais fácil de obter prescindindo-se de alguns deputados que, de algum modo, fazem, porventura, o essencial ou muito do trabalho mais relevante nos parlamentos. Portanto, porque a nossa previsão é oposta, a nossa vontade é também oposta, sendo embora convergente em abstracto - mas só em abstracto.
O Sr. Presidente: - Teleologicamente convergente.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É ideologicamente convergente no plano dos valores: mais gerais não sei se no plano da vontade concreta. Que se situa na questão da proporcionalidade. Estamos aqui numa discussão que se me afigura não ser muito útil, porque estou convencido de que se agora o PS dissesse: sim, senhor, vamos reduzir os deputados para 200, ou para 150...
O Sr. Presidente: - Não, não. Há limites que começam, aí, a atingir problemas de representatividade e de pluralismo.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Podiam não atingir também. Mas se disséssemos agora que estávamos de acordo com V. Exa., quão difícil seria a tarefa da direcção do PSD relativamente ao grupo parlamentar - é evidente!
O Sr. Presidente: - E não só! Do PSD, do PS, talvez apenas - e, mesmo assim, agora já não sei - no PCP as coisas fossem mais fáceis, mas, mesmo assim, repito, não sei!
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas estas considerações são laterais e o essencial do que eu tinha para dizer está dito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
Página 1259
3 DE OUTUBRO DE 1988 1259
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que este é um dos aspectos em que o PSD não mudou, nem o discurso, nem a estratégia, nem o projecto, depois do congresso realizado há dias.
O PSD sonha com um sistema em que a Assembleia da República não o incomode, ainda que tenha, como ora sucede, uma bojuda maioria absoluta. A existência de um parlamento exercendo as suas competências parece-lhe interessante em teoria, é mesmo apodada de "vital" na boca de alguns dos arautos do PSD. Medidas e pesadas as coisas no concreto, face ao parlamento vivo, ao parlamento exprimindo-se através do exercício das suas competências legislativas e fiscalizadoras, a visão do PSD torna-se totalmente diferente - para não dizer radicalmente diferente. Economicamente, o PSD é neoliberal; politicamente, o PSD revelou-se "parlamenticida".
O que ouvimos da boca do Sr. Deputado Rui Machete é, apesar de tudo, diga-se, nos tempos que correm, invulgar. As declarações de proselitismo parlamentar, de apego ao lugar central do Parlamento na vida política portuguesa, as alusões à necessidade de melhorias da sua eficácia, e tudo o mais que consta da acta - mas apenas da acta, que não da vida e, menos ainda, da prática do Grupo Parlamentar do PSD - é uma forma de aproximação à questão parlamentar, hoje praticamente de último moicano, no PSD. Aquilo que resulta proclamado e é doutrina oficial e é prática oficial (o que é pior ainda) é precisamente o contrário disso! O Primeiro-Ministro vai calmamente à rádio e à televisão dizer o contrário. É histórica a sua declaração de 4 de Março de 1988, nos termos da qual "o nosso povo tem pouco consideração pela Assembleia da República", supostamente porque ela tem deputados activos - não vou agora qualificá-los. O Ministro das Finanças, por exemplo (mas qualquer outro ministro ou secretário de Estado, qualquer apaniguado, não mede palavras, nem vai longe disto), declara calmamente, onde pode - há dias, por exemplo, num almoço com empresários, na Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, num hotel da capital, à sobremesa: "já perdemos tempo de mais", diz ele em relação a certas formas legislativas privatizadoras, "é que no nosso país" "a linha de fabrico de uma lei é muito demorada". Este gracioso paralelo entra as linhas de fabrico das salsichas e as linhas de fabrico das leis revela cristalinamente um espírito de salsicheiro, mas seguramente não uma ideia de compreensão das instituições e do Estado, tal é a atitude do PSD em relação ao Parlamento, independentemente das proclamações isoladas deste ou daquele deputado.
É um contencioso fundo o que assim se estabelece e é um contencioso muito preocupante, uma vez que põe em causa a possibilidade de a Assembleia desempenhar as suas competências, constitucionalmente plasmadas. Vide o incrível contencioso em torno do regimento da Assembleia e a tentativa de o desnaturar e criar nele uma série de freios, de limitações e desnaturações; vide o contencioso em relação à própria estruturação da Assembleia, vista como coisa da maioria - isto resulta evidenciado na lei orgânica aqui aprovada; vide os ataques ao livre exercício dos poderes dos deputados, domínio em que o conflito aberto pelo Primeiro-Ministro, com o triste episódio da contestação da liberdade de opinião e expressão dos deputados, a contestação das imunidades, o regresso a um sistema que só teria cobertura na Constituição de 1933, deixou absolutamente, sem margem para qualquer dúvida, clara a visão do PSD sobre a Assembleia e os seus deputados, individualmente tomados.
Os argumentos que aqui foram trazidos não resultam de outra visão. Na verdade, independentemente das declarações de amor ao Parlamento, aquilo que o PSD aqui visa é o prolongamento de uma campanha contra o sistema proporcional - uma campanha velha; neste caso, trata-se de desencadeá-la contra um dos pilares desse sistema.
É óbvio e dispensa demonstração que, se se reduzir o número de deputados, se afecta a própria possibilidade de aplicação do princípio de representação proporcional; e se afectará tanto mais quanto maior for a redução do número de deputados. É também evidente que isso teria consequências extremamente nefastas.
Gostaria de sublinhar a incorrecção, insuficiência e inadequação dos argumentos que o PSD utiliza nesta matéria. Já assinalei que as propostas em debate se inserem numa campanha, abertamente dirigida contra o Parlamento, e extremamente nefasta e perigosa porque mergulha num todo histórico muito velho, muito antigo e bastante perigoso, de desprestígio da instituição como tal. Essa campanha procura identificar a existência de um parlamento livremente eleito, dotado de competências com a perda de tempo, a "verbiagem" ignara, a ociosidade, a alta remuneração e a nula produtividade, o desleixo e o desinteresse em relação aos problemas do povo, a incapacidade de estudar, de ponderar, de discutir, sem deixar de usar, pertinentemente, argumentos com a vivacidade que seja adequada, com a liberdade de criação e de expressão que seja própria de cada deputado e de cada grupo parlamentar, que seja seu timbre, seu cunho próprio.
Essa campanha, que é um eixo fundamental da actividade do PSD, conexiona com essas ideias esta outra: a de que são precisos menos deputados, eventualmente para serem melhores. É um argumento francamente débil, para não dizer nulo, uma vez que não é remédio para a escolha dos deputados e, menos ainda, para a capacidade dos deputados, como a triste maioria do PSD tem evidenciado ao longo desta sessão legislativa; nem uma solução deste tipo alteraria os critérios de escolha.
Não vou entrar na distinção entre aquilo que sejam deputados - "questores", "procuradores", e mesmo "cônsules", e mesmo "pretores" -, para já não dizer mesmo "pachecos", que também há, como se sabe...
Risos.
Parece-me que a discussão não se deve situar nesse terreno. Deve situar-se na apreciação de quais são os critérios de escolha dos deputados, quais os meios necessários para lhes dar mais possibilidades de intervenção, melhores condições de intervenção, melhores condições de instalação, mais apoio, mais conhecimento dos problemas; e depois, mais capacidade de ligação aos problemas do povo, mais capacidade de não-ensinamento, não-fechamento, abertura aos cidadãos que se lhes dirigem, cumprimento das suas obrigações, responsabilização face aos seus compromissos, tal qual os assumiram perante o povo na altura em que se candidataram, mais capacidade de ligação às estruturas dos seus partidos, que lhes permitam compreender e dis-
Página 1260
1260 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC
cutir as questões que sejam relevantes para o exercício adequado do mandato, maior articulação entre a liberdade de criação e a responsabilidade que resulta de cada deputado estar integrado num partido com um estatuto que variará consoante o partido em que tenha assento. Tudo isto tem cabimento no quadro da actual representação nacional, tudo isto tem cabimento no quadro de uma Assembleia livremente eleita, com poderes e com deputados capazes de exercer esses poderes. É este o primeiro aspecto a evidenciar: qualidade e eficácia não é igual a restrição do número de deputados, pelo contrário.
Percebemos naturalmente que isso cause embaraços ao PSD neste momento, que, esbarrondando de deputados, saindo-lhe deputados pelo tecto das salas do grupo parlamentar, não dá resposta a problemas elementares, tanto do funcionamento da Assembleia da República como do funcionamento da instituição, no que diz respeito ao exercício das competências individuais dos deputados. É evidente que volta, meia volta, cada dirigente, ou cada candidato a dirigente, ou cada ex-dirigente do PSD, se pronuncia em tem, por vezes lamechento, sobre as dificuldades da direcção do grupo parlamentar respectivo, sobre as dificuldades decorrentes da actuação dos partidos da oposição que existem. É verdade - é um aborrecimento para o PSD -, a décalage brutal entre aquilo que é o volume e aquilo que é a qualidade no Grupo Parlamentar do PSD. No entanto, tudo isso são circunstâncias episódicas e quase pessoais do PSD, que ele resolverá ou não e o eleitorado julgará adequadamente em su tiempo. E não mais do que isso...
O segundo conjunto de razões que o PSD usa para sustentar que a sua solução malthusiana seria remédio, diz respeito i própria qualidade dos trabalhos legislativos, o que é, no fundo, ainda um desdobramento do primeiro argumento da eficácia, cuja menos-valia já abordei.
Creio que, neste ponto, se aflora um outro vício concepcional do PSD, traduzido numa certa leitura elitista e restritiva da democracia, sumarizável naquela máxima pernóstica: "muitos é um aborrecimento, mais vale pouquitos mas bons"! E mais são os bons? Surge aqui um conceito sui generis do que seja a bondade, aferida a mais das vezes pela fidelidade ao chefe, bem como a ideia de que isto da política é uma coisa que deve ser vista com conta, peso e medida (porque verdadeiramente "quem domina as engrenagens e percebe o real é o chefe", na sua mística e ligação ao povo e na sua percepção por linha directa daquilo que ele sente, ainda que os índices de popularidade decaiam). A ideia de haver muitos deputados por via da qual cada deputado é uma cabeça, cada cabeça sua sentença e cada sentença um óbice ao chefe é, de facto, desagradável, facto que, aliás, se percebe. Porém, é uma regra eminentemente democrática, e o PSD pretende torneá-la através de uma solução restritiva, o que não abona o seu conceito de democracia.
Em terceiro lugar, temos as questões relacionadas com os argumentos supostamente técnicos. Neste aspecto como nos outros a argumentação não tem ponta onde se lhe pegue. Gostaria, aliás, que o PSD não usasse o argumento da singularidade portuguesa apenas quando está a discutir o artigo 124.° e a reflectir sobre a "diáspora" e as suas imensas e ínclitas facturas. O PSD podia aplicar o argumento da singularidade portuguesa a Portugal e ao número de deputados da Assembleia da República. Desde logo, porque se operou em 1975-1976 com a Constituição da República Portuguesa um corte radical com a noção que presidiu durante anos às falsas câmaras existentes, com a ideia de uma Assembleia Nacional que realmente era pequenina (além de não representativa!) e que encontrava no carácter diminuto dos seus deputados "uma das suas virtualidades imensas": poucos deputados, absolutamente escolhidos a dedo, pendurados no ar, com uma Assembleia Nacional sem serviços e estruturas e sem poderes, logo dependente do Governo. Eis uma coisa que obviamente não voltará! E o PSD também não propõe formalmente tal coisa! A questão está em saber se pelo caminho que propõe não poderíamos, em termos de resultados, reaproximarmo-nos alguma vez de aspectos típicos desse sistema, que foi extremamente nefasto e pesou muito na imagem que ainda existe da própria Assembleia da República. Esse corte com o desprestígio e o passado de ausência de poderes não foi feito na profundidade e dimensão suficientes. E a nova Assembleia da República, com a estrutura e os poderes que tem no nosso sistema democrático, não logrou ainda libertar-se do lastro pesado decorrente desse passado que macula a instituição parlamentar e a experiência das nossas instituições e que nos persegue em condições que o PSD com este sistema se arriscaria a agravar. Os argumentos técnicos oriundos do direito comparado, que é uma área em que o Primeiro-Ministro claramente navega mal, são fracos. O Sr. Deputado António Vitorino já pôde adiantar algumas das implicações e demonstrações pertinentes nessa matéria.
A análise severa e rigorosa dos quocientes não deixa dúvidas quanto à injustificação das propostas do PSD. É evidente que quanto menor for o número de deputados menos fiel será o mapa popular ou a projecção do povo nas instituições e mais distorcida será a força real dos partidos. É claro que os maiores partidos são sempre favorecidos com a redução do leque de deputados. O PSD aplica neste ponto uma gula de maior partido, estando preocupado e apostado em operações de engenharia eleitoral para se precaver contra evoluções do eleitorado e quedas de popularidade.
Ora a proporção existente em diversos países não aconselha a redução do número de deputados em Portugal. Temos, por exemplo, na índia um deputado por 1 milhão de habitantes, nos Estados Unidos um deputado por 500 mil habitantes, na União Soviética um deputado por 250 mil habitantes, na França, Itália e RFA um deputado por 70 a 100 mil habitantes, na Bélgica um deputado por 50 mil habitantes, na Suécia e Suíça um deputado por 25 mil habitantes e na Irlanda e Noruega um deputado por 20 mil habitantes. Acontece que a população portuguesa é aquela que se sabe, bem como o número de eleitores, pelo que a ratio existente não é francamente excessiva. E isto ainda resulta mais claro se tivermos em conta que em alguns desses países que referi não há uma mas duas câmaras, enquanto em Portugal existe apenas uma.
Em suma: esta questão do "excesso de deputados" é uma componente demagógica e uma peça instrumentalizadora, através da qual o PSD, tal como procura delibitar o exercício das competências do Tribunal Constitucional para ter mãos livres em aspectos fulcrais, tenta lançar contra a Assembleia da República mais um
Página 1261
3 DE OUTUBRO DE 1988 1261
mastim. Cremos que essa campanha é muito perigosa. Aliás, o PSD está a insistir nela publicamente neste momento e vai fazê-lo mais ainda. Não nos surpreendemos que apareçam em diversos órgãos de comunicação social prestimosos artigos tendentes a demonstrar, com contas e contículas, que há um "excesso de deputados" em Portugal, apresentando os mais abstrusos números sobre os outros países de molde a sustentar o nexus perfidus entre a remuneração dos deputados e o seu número, a alegar que o erário público português não suporta tantos deputados para tão poucos efeitos.
Deste modo, o PSD pretenderá obliterar que se as leis da Assembleia da República não são mais e melhores, isso deve-se exclusivamente ao PSD, que tem nela maioria absoluta. Se o PSD impede a aprovação de inquéritos parlamentares, isso deve-se ao PSD e a mais ninguém, a título nenhum. Se o PSD impede que os ministros compareçam na Câmara para prestar explicações e informações, isso deve-se exclusivamente ao Governo presidido pelo PSD, aos respectivos titulares e à sua maioria, que isso mesmo deseja, e não ao "excesso de deputados". Se os ministros tratam as comissões parlamentares com desprezo e não comparecem quando são convocados, isso deve-se ao PSD e apenas a ele. Se os conselhos de gestão do PSD, que censuram barbaramente humoristas e cidadãos portugueses, não comparecem, mesmo quando convocados expressamente pela 1.ª Comissão, isso deve-se ao PSD e não, de modo nenhum, à Assembleia da República e ao "excesso de deputados".
Portanto, as traves mestras do regime e das instituições democráticas são colocadas em causa pelo PSD, e não pelo "excesso" de deputados. A questão não está no excesso de deputados mas, sim, na maneira como certos deputados e como o PSD encara os deputados que deputam quando o fazem de acordo com os interesses que consideram representativos e relevantes. No caso, não abdicaremos naturalmente de exercer as nossas competências e não podemos coonestar, nem corroborar, qualquer campanha desse tipo. Pelo contrário, opor-lhe-emos sempre razões e argumentos de direito comparado, de análise da realidade política e do travejamento democrático-constitucional, mas não embarcaremos de forma nenhuma em campanhas de detracção das instituições democráticas e em tentativas do seu esvaziamento por este ou por qualquer outro método.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há quatro inscrições para pedidos de intervenção.
Entretanto, quero fazer uma simples observação em relação a um ponto da exposição que o Sr. Deputado José Magalhães fez, deixando de lado os aspectos que não são relevantes para o objectivo que estamos a analisar. De facto, a proposta do PSD inscreve-se dentro daquilo que é a relatividade dos quocientes em termos de representatividade eleitoral face ao número de eleitores e dentro de limites que são perfeitamente admissíveis; aliás, as citações que o Sr. Deputado fez justificam isso, visto que referiu vários números em que o quociente anda à volta, em países de uma extensão não muito diferente da nossa, dos 25 mil a 55 mil eleitores por deputado.
Além disso, sublinho uma precisão de ordem técnica importante, que é a seguinte: torna-se evidente que não tem sentido comparar o Soviete Supremo com um parlamento que não reúna apenas duas vezes por ano, mas habitualmente. E digo isto porque esse tipo de comparações falseia a análise que estamos a desenvolver e, por isso, importa que, em termos de direito comparado, se citem coisas comparáveis quanto às funções e ao número de reuniões por sessão legislativa.
O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Presidente, mas esse quociente que se pratica em países da mesma dimensão resulta do facto de se introduzir uma alteração que comporta um aumento em cerca de 30% a 33% desse quociente. É este o significado objectivo.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado, esse é um segundo aspecto da questão.
O Sr. António Vitorino (PS): - Um círculo eleitoral nacional vai a mais, ou seja, passa de 27 500 para 58 000 eleitores por um deputado, o que é um aumento muito mais significativo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, podemos discutir se o aumento é justificável, se, por hipótese, os cento e oitenta ou duzentos deputados não são demais, e se não há um salto demasiado brusco se acaso se vai além daquilo que seria conveniente em função do quociente.
De facto, tudo isso é discutível. Porém, o que quis dizer é que a ideia de que existe uma barreira para além da qual os problemas de pluralismo, da votação proporcional são, de uma forma inaceitável, colocados em causa, não é atingido pela nossa proposta. Foi apenas isso que pretendi dizer e mantenho-o em função dos números que são apresentados. Iremos certamente ter oportunidade de debater este problema na próxima semana.
Finalmente, devo dizer que, de acordo com o que tem vindo a ser feito, os trabalhos recomeçarão na próxima terça-feira, pelas 15 horas e 30 minutos. Na quarta-feira haverá igualmente reunião, pelas 15 horas e 30 minutos e à noite. Na quinta-feira teremos reunião marcada para as 10 horas e, depois, à tarde, pelas 15 horas e 30 minutos. Finalmente, a última reunião da semana será na sexta-feira, pelas 10 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 1 de Julho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel António Monteiro Galvão Teles (PRD).