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Segunda-feira, 24 de Outubro de 1988 II Série - Número 50-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 48

Reunião do dia 20 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão do artigo 238.º e respectivas propostas de alteração, do artigo 229.º e respectivas propostas de alteração, da proposta de artigo novo -artigo 229.º-A - apresentada pelo PSD, do artigo 230.º e respectivas propostas de alteração, das propostas de artigos novos - artigo 230.º-A e 230.º-B - apresentadas pelos deputados Carlos Lélis, Cecília Catarina, Guilherme da Silva e Jardim Ramos, do PSD, subscritores do projecto de lei de revisão constitucional n.º 10/V, e do artigo 231.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Vera Jardim (PS), Mano Maciel (PSD), Alberto Martins (PS), Jorge Lacão (PS), Miguel Macedo e Silva (PSD), José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Guilherme da Silva (PSD), Carlos Lélis (PSD) e Amónio Vitorino (PS).

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O Sr. Presidente (José Magalhães): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, vamos encetar os nossos trabalhos. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que, estando reunidas as condições para prosseguirmos os trabalhos, por contacto prévio feito com o PS e por parte desse partido, se entenderia que poderíamos recomeçar não no capítulo das regiões autónomas, mas na parte referente às autarquias locais. O PSD, por sua parte, está disponível para o fazer, mas V. Exa. ouvirá, certamente, a opinião dos outros partidos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, o nosso pedido tem por fundamento o facto de boa parte dos membros da nossa bancada nesta Comissão estar neste momento numa reunião com uma outra força partidária e, pela distribuição de tarefas entre os membros da Comissão, os que se encontram presentes não se considerarem aptos a discutir a matéria das regiões autónomas. Por conseguinte, proporíamos que se passasse a discutir o poder local, ultrapassando esta pequena dificuldade, de forma a podermos começar já os nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Gostaria de perguntar ao PS se esse entendimento significa que, quando o PS estiver apto a discutir o capítulo das regiões autónomas, o faremos ou se iremos discutir o poder local na globalidade. Isto é: quando o PS estiver disponível, voltaremos às regiões autónomas?

O Sr. Vera Jardim (PS): - É-me completamente indiferente, Sr. Deputado. O importante é que comecemos os trabalhos pelo poder local, enquanto não regressam os restantes membros da nossa bancada. Se VV. Exas. nomeadamente o Sr. Presidente, entenderem que na altura deveremos regressar às regiões autónomas, não me oporei.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - É nesse sentido que fazia a minha proposta.

O Sr. Presidente: - Se bem entendo, Sr. Deputado Vera Jardim, a ideia do PS e do PSD seria encetar o debate do título respeitante ao poder local e, eventualmente, interromper esse debate logo que cheguem os membros da vossa equipa com especial afectação à outra matéria, retomando-o depois.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Suponho que o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Maciel foi um pouco nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos usado de grande flexibilidade na discussão das matérias. Temos alterado, por vezes, a ordem de discussão sem que qualquer partido se tenha oposto a tal e isso apenas implica, como é no momento o caso, alguns rearranjos. Designadamente, como temos um determinado esquema de participação nos debates, implica, da bancada do PCP, a adopção de certas medidas para cuja efectivação interromperia a reunião durante alguns minutos, reatando os trabalhos logo que estejam reajustadas as composições das diversas bancadas, tendo em conta a alteração do objecto do debate.

Srs. Deputados, interromperemos, então, os nossos trabalhos por alguns minutos.

Está suspensa a reunião.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos consoante o estabelecido há pouco. Iremos abordar as propostas de alteração respeitantes ao título VII da Constituição, relativo ao poder local. Há a registar nessa matéria que, segundo o projecto de revisão constitucional do PS, a epígrafe do actual título VII da parte 111 da Constituição passaria a constituir a epígrafe do novo título viu, por razões de ressistematização que se compreendem, tendo em conta o que debatemos e as alterações que o PS propõe.

Não há propostas de alteração atinentes ao artigo 237.° Há propostas do CDS e do PSD em relação ao artigo 238.°, relativo às categorias de autarquias locais e divisão administrativa. O CDS propõe a supressão do n.° 2, que tem a redacção conhecida: "As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira compreendem freguesias e Municípios." O PSD propõe uma reformulação do n.° 3 do actual artigo, passando o preceito a ter o seguinte teor: "Nas áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização territorial autárquica."

Uma vez que o CDS se encontra ausente desta reunião de trabalhos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, penso que a apresentação desta proposta é eminentemente simples, porque o que propomos em relação ao actual n.° 3 é uma ampliação. O preceito, tal como está, refere que "nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá estabelecer [...] outras formas de organização territorial autárquica", e a única coisa que o PSD aqui acrescenta é que não se abranjam só as grandes áreas, mas as áreas urbanas e as ilhas, sendo certo que a justificação deste preceito se filia na necessidade de adequar formas de organização autárquica em relação às fórmulas e aos problemas de crescimento urbano que se detectam para quem se ocupa do estudo destes problemas.

Assim sendo, a realidade administrativa tem de corresponder a uma realidade autárquica e terão, evidentemente, de se estudar ou de se aplicar fórmulas novas que não estejam até agora perspectivadas no texto constitucional em relação a estes espaços.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos em condições de generalizar o debate. Algum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, designadamente para efeitos de perguntas ou de observações e comentários a esta proposta do PSD?

Pausa.

Gostaria de formular uma pergunta com vista a poder apurar mais rigorosamente o sentido da proposta do PSD.

O que sejam "outras formas de organização" tem suscitado algumas dúvidas. De resto, este dispositivo constitucional não teve aplicação até hoje, salvo no caso das regiões autónomas. No caso das áreas urbanas - que é o único ponto em que o PSD introduz alterações -, não há até este momento qualquer variante de estrutura autárquica distinta das formas de organização territorial que conhecemos, constitucionalmente previstas e legalmente regulamentadas e desenvolvidas.

O PSD, com este dispositivo, visa, manifestamente, permitir generalizar a existência de "outras formas de organização territorial", eventualmente em todas as áreas urbanas. É o que resulta da liberdade adicional concedida ao legislador pela supressão do elemento de conformação ou de qualificação resultante do adjectivo "grandes" hoje existente, com uma função específica no dispositivo desta norma. Ora este alargamento propicia uma aplicação indiscriminada, generalizada. Combinando esse factor com a indeterminação do conceito de "outras formas de organização territorial autárquica" ficam viabilizados rearranjos das actuais formas ou a criação de outras inteiramente novas, adaptações ou inovações absolutas. Gera-se uma maleabilidade que se torna acrescida nos dois pólos, nos dois elementos de qualificação. Seria bastante relevante que o Sr. Deputado Carlos Encarnação pudesse precisar qual é o "mapa de viagem" e quais as criaturas a construir, para que se possa ter uma ideia das implicações da projecção da proposta do PSD no terreno, caso o legislador ordinário viesse a efectivar a possibilidade que agora a proposta do PSD pretende abrir.

Sr. Deputado Carlos Encarnação, desejava informá-lo de que o deputado Alberto Martins pretende igualmente intervir. Talvez houvesse vantagem em que pudesse fazer os seus comentários no fim...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria apenas colocar uma questão breve e simples. Este n.° 3 do artigo 238.° da Constituição permite, naturalmente, aquilo que hoje não foi ainda incrementado em termos de normativo praticado, embora haja projectos nesse sentido, ou seja, a criação de áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Este artigo admite igualmente, embora não decorra dele, a criação das associações de municípios, que são realidades distintas das previstas neste número.

Ora a minha dúvida relativamente à proposta que o PSD apresenta é a seguinte: não abrirá esta proposta, com a flexibilidade e amplitude que admite ao retirar

a ideia das grandes áreas urbanas, caminho ao surgimento das regiões metropolitanas, o que, em grande medida, subverteria -penso eu- pela adopção de uma solução autárquica semelhante a uma região metropolitana, também o projecto das regiões administrativas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, responderia, então, às duas dúvidas da seguinte maneira: em primeiro lugar, grande parte da pergunta que me foi dirigida pelo Sr. Deputado José Magalhães já obteve resposta, designadamente quando são referidas as outras formas de organização territorial autárquica na pergunta do Sr. Deputado Alberto Martins. Realmente, o que se tenta aqui configurar é a possibilidade de virem a existir ou associações de municípios ou áreas metropolitanas, justamente nas áreas urbanas ou nas ilhas, quando tal se mostrar necessário.

E por que é que me parece que esta expressão "grandes áreas urbanas" será uma expressão menos interessante do que, pura e simplesmente, a expressão "áreas urbanas"? Porque aqui a noção de dimensão é menos importante do que a noção de importância relativa. Ou seja, todas estas coisas evoluem num determinado sentido e é difícil estarmos a pensar que só em termos de sentido territorial existirão áreas e que, por exemplo, em termos demográficos ou em termos de relações económicas não poderão existir outras formas de organização territorial autárquica. Toda a gente que se ocupa destes assuntos e que os tem estudado sabe que, muitas vezes, não é apenas a característica de dimensão territorial que aconselha a que novas fórmulas de organização autárquica se institucionalizem.

Por outro lado, se não sabemos exactamente o sentido em que as instituições vão evoluir, sendo certo que podemos ter uma apreciação de natureza científica do estudo das duas vertentes em que estas formas de organização territorial podem conformar-se, designadamente o modelo das áreas metropolitanas e o modelo das associações de municípios, teremos de fazer um artigo suficientemente abrangente para que as duas realidades possíveis possam vir a existir. E, se bem que estejamos abertos, como é evidente, em sede de redacção, a estudar e a introduzir as alterações que se revelem mais adequadas em função da realidade que queremos retratar neste preceito constitucional, o que nos parece é que a redacção que nele utilizámos foi suficientemente cuidadosa e ponderada para abranger estes caminhos vários e possíveis do desenvolvimento das instituições autárquicas nestes domínios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Queria suscitar uma questão ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, não na decorrência directa da proposta apresentada pelo PSD, mas - diria - por omissão de propostas acerca da matéria. As associações de municípios, quer a Associação Nacional actualmente existente, quer outras associações de índole distrital ou sub-regional, são associações de natureza privada, ainda que de utilidade

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pública. Ora, pergunto: não seria de admitir a possibilidade da constituição de associações intermunicipais, configurando-lhes a natureza de direito público?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... designadamente, se não estou em erro, o artigo 249.° Portanto, não sei se assim é ou não, mas está exactamente previsto no nosso projecto para o artigo 249.° com a criação do n.° 2. O que estamos aqui a tratar é uma coisa um pouco diferente, ou substancialmente diferente, que é este caso da necessidade de que a criação de figuras autárquicas acompanhe a evolução do crescimento, designadamente em relação à Região Autónoma da Madeira, que é onde vemos com mais facilidade que isto possa vir a ter algum interesse num futuro próximo. Não tanto, porventura, em relação aos Açores.

Creio, portanto, que as dúvidas estarão satisfeitas, mas, se VV. Exas. tiverem outras dúvidas adicionais, façam o favor de as colocar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pela minha parte, o debate até agora travado suscita-me algumas dúvidas, aliás - devo dizer - adicionais, porque creio que há alguma amálgama e indefinição de conceitos em algumas das intervenções, designadamente do Sr. Deputado Carlos Encarnação, o que nos preocupa, porque vêm dos proponentes.

Todas as alusões às ilhas são indébitas, uma vez que os senhores não pretendem alterar nada que no clausulado constitucional diga respeito às mesmas. A vossa alteração no que diz respeito à expressão "grandes áreas urbanas" desqualifica-se, passando o preceito a rezar, puramente, "área urbana".

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Precisamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha-se em conta que na primeira revisão constitucional o preceito respectivo foi objecto de uma alteração. A Constituição, na versão originária, referia que "nas grandes áreas metropolitanas, a lei poderá definir [...]". Entendeu-se que essa era redundante e pleonástica. A expressão passou a dizer em 1982 o que dizia antes, com uma correcção, mas, virtualmente, sem alteração de conteúdo. Ora o PSD suprime o qualificativo "grande" e, portanto, permite a generalização de outras formas de organização territorial autárquica a; virtualmente, qualquer área urbana, ainda que, quiçá, pequena.

Sucede que, na consulta que realizámos às autarquias locais por iniciativa desta Comissão, certas autarquias abordaram a matéria. Uma delas, por exemplo - a Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira -, especifica, no parecer que nos enviou, o seguinte: "Entende-se que a disposição que prevê, formas específicas de organização territorial autárquica nas grandes áreas urbanas e nas ilhas não carece de revisão do texto actual. Pareceria vantajoso que a Assembleia da República definisse até o conceito de grandes áreas. Excluiu-se, de todo em todo, que tal conceito fosse definido com carácter extensivo, o que perverteria a actual estrutura territorial autárquica."

Independentemente do juízo que os Srs. Deputados possam fazer sobre o parecer emitido, há, no entanto, aqui um aspecto que me parece que deveria merecer alguma ponderação: é precisamente o que flui da última observação feita neste ponto quatro, quando se referem os riscos de perversão da aplicação de esquemas normais de organização territorial autárquica. Está-se a alertar aí para um perigo que me parece real, desde logo porque o conceito é indefinido, como comecei por referir nas perguntas formuladas aos Srs. Deputados do PSD. A Constituição não tipifica rigorosamente em que é que possam consistir essas "outras formas de organização territorial autárquica", e se os Srs. Deputados vierem a indefinir o que sejam as áreas a que isto é aplicável, se, em vez de ser precisado o conceito de "grandes áreas", se suprime o qualificativo, e portanto a Constituição fica inteiramente imprecisa, então a organização autárquica passa a poder ser a prevista na Constituição em termos normais, ou outra qualquer, consoante aquilo que o legislador ordinário entenda por "áreas urbanas". O conceito constitucional ficaria duplamente aberto e, logo, duplamente incerta a própria estrutura da organização autárquica, do ponto de vista territorial. Repito: deixaria de haver, constitucionalmente, uma estrutura territorial autárquica normal e ficaria na disponibilidade do legislador ordinário alterar essa estrutura para os centros urbanos, quaisquer que sejam. Isto tem implicações que, penso eu, os proponentes terão ponderado. Ainda não foi, porém, possível ouvir até agora que razões terão...

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, julguei que já lhe tinha respondido a essa dúvida. No entanto, admitindo que não reparei ou que V. Exa. não ouviu - na altura em que eu estava a tentar explicar-lhe V. Exa. estava a conversar, e admito que nessa altura não tenha ouvido...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, permita-me que o interrompa apenas para sublinhar duas coisas: por um lado, tomei conhecimento do conteúdo da sua exposição e, por outro, o aspecto sobre o qual na minha bancada se tornou necessário trocar impressões foi precisamente aquele que estava a ser sublinhado por V. Exa., com uma dupla agravante: há uma mistura com a noção de associações entre autarquias que não tem nada a ver com esta matéria!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, como é evidente, não disse isto com qualquer intuito malévolo e, se V. Exa. quiser, estas afirmações serão apagadas da acta. Apenas me esqueci de desligar o microfone na altura em que fiz o comentário, porque estava perfeitamente convencido de que, quando eu falava, V. Exa. estava distraído e não tinha ouvido.

De facto, o que eu disse em relação a esta matéria - e estou à vontade, na medida em que me tenho ocupado alguma coisa desta questão - é que, na verdade, não há aqui qualquer intenção perversa do ponto de vista do PSD. Acontece que, como é evidente, a inde-

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finição que V. Exa. refere não existe aqui; existe da mesma forma no "grandes" e no "não grandes". O Sr. Deputado é capaz de me dizer quais são as grandes áreas urbanas? Terá porventura uma dificuldade menor, em termos de qualificação de grandeza, porque vê que são muito grandes, do que com a qualificação de "áreas urbanas"? O facto é que - e essa foi a explicação que há pouco lhe dei - o conceito não pode nem deve aplicar-se apenas em termos territoriais a uma noção de grandeza; deve e pode aplicar-se, ou deve e pode ter alguma flexibilidade em termos de importância relativa das áreas a abranger, em relação à sua importância do ponto de vista económico, à sua importância do ponto de vista demográfico, etc.. Há, pois, uma série de critérios pelos quais se têm de determinar as eventuais novas fórmulas de organização autárquica a constituir. O que acontece em Portugal, nesta altura, quando estamos a prever, do ponto de vista constitucional, esta alteração, é, ao fim e ao cabo, uma forma de abertura a figuras que já noutros países se têm vindo a constituir com base em realidades paralelas. O que nós não queremos nunca, como é evidente, é vincular o texto constitucional àquilo que entendemos ser uma imagem diminuidora das virtualidades deste preceito constitucional, o Oque não tem nenhum intuito de perversão de qualquer organização autárquica.

Consequentemente, o que nós dizemos - e repare bem no que propomos para os n.ºs 1 e 2, mas reporto-me apenas ao n.° l, que é generalizador - é que no continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Esta é a norma base, esta é a norma-regra, e entendemos que o resto, dsignadamente aquilo que se encontra no n.° 3, deve estar previsto com a necessária flexibilidade, a fim de que seja possível imaginar e criar as figuras autárquicas que se tornem mais adequadas ao desenvolvimento das circunstâncias. Assim, face a esta realidade, propomos, portanto, uma visão nitidamente gradualista, digamos, não uma visão fixista e, de maneira nenhuma - não a consigo divisar -, qualquer perversidade em relação à estrutura fundamental autárquica. O Sr. Deputado José Magalhães poderá ter alguma suspeita em relação a isso, mas eu próprio não a consigo divisar.

Por outro lado, se bem que, como é evidente, tenha o maior respeito pelas opiniões emitidas pelas autarquias, tenho o maior respeito pela opinião da autarquia que V. Exa. referiu, não entenderá certamente que essa opinião seja vinculativa, e não é certamente vinculativa para aquilo que eu penso a respeito deste assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, talvez não seja suficientemente relevante prolongar muito o debate à volta deste ponto, mas as considerações do Sr. Deputado Carlos Encarnação suscitam-me outras considerações, não quanto a suspeitar de qualquer intenção malévola por parte do partido proponente (nesta matéria, que não noutras porventura), mas para fazer a seguinte observação: a meu ver, o sentido da proposta de alteração não é claro, não se compreendendo bem o significado útil da proposta de alteração que o PSD apresenta. Esse significado útil parece não estar suficientemente realçado, porque, aparentemente, tanto se realiza a preocupação que o Sr. Deputado Carlos Encarnação referiu na versão que o PSD propõe como na versão já consignada no texto constitucional. Nesse sentido, o que pretendo compreender melhor era qual a inovação útil resultante da proposta apresentada. Isto, pelo seguinte: quando entramos em linha de conta com o conceito de áreas urbanas, sempre poderemos daqui inferir que as grandes áreas urbanas estão submetidas a uma realidade de concentração demográfica, constituindo como tal uma realidade administrativa autónoma, no âmbito da respectiva autarquia e, portanto, no âmbito de um concelho com a sua realidade administrativa já determinada e já fixada. Aparentemente, a expressão "áreas urbanas", sem referência ao respectivo qualificativo, poderá como que permitir vários recortes da realidade urbana, independentemente da realidade administrativa que já estrutura essa realidade urbana. É esta a dificuldade que, a meu ver, não está totalmente clara na nova proposta do PSD. De facto, se o PSD pretende trabalhar sobre concentrações urbanas no âmbito dos concelhos em que essas concentrações urbanas se situam, a hipótese de trabalho é perfeitamente transparente; mas se o PSD deseja trabalhar sobre a realidade "área urbana" desligando-a por inteiro da sua actual configuração administrativa ou municipal, a questão, aí, já se pode pôr de outra maneira completamente diferente. É este o ponto que não me parece estar suficientemente claro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com franqueza, não consigo compreender esta dúvida, porque em sítio nenhum a proposta do PSD refere algo em contrário à ideia subjacente àquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão acaba de afirmar. Não dizemos que prescindimos dos concelhos enquanto tais; antes pelo contrário, dizemos que - repito - a organização fundamental com a qual trabalhamos, a organização fundamental autárquica está descrita no n.° 1. Aquilo que nós entendemos no n.° 3 é uma adequação da organização autárquica em relação a possíveis questões essenciais de crescimento. E o que pretendemos dizer é que a noção de crescimento ou a noção de grandeza não é uma noção única, não pode ser uma noção apenas territorial, não pode ser uma noção limitada desse ponto de vista...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Permita-me dar-lhe um exemplo concreto: imagine que trata a realidade urbana de Queluz com a da Amadora e com a da Pontinha, que são três zonas de grande concentração urbana, apesar de tudo divididas por três concelhos distintos. Quando entramos em linha de conta com a actual configuração constitucional de grande área urbana, parece resultar uma certa leitura, nos termos da qual esta grande área urbana corresponde a uma lógica de cooperação administrativa e, portanto, intermunicipal.

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A minha pergunta é no sentido de saber se quando o PSD propõe a expressão "área urbana" sem a qualificação o faz justamente para amanhã poder tratar como uma nova figura autárquica, por exemplo, a realidade urbana, que citei, com continuidade demográfica mas com descontinuidade administrativa.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado, a situação não é essa; não pode ser essa de maneira nenhuma.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, apercebi-me de que o Sr. Deputado Alberto Martins desejaria formular uma pergunta que talvez pudesse facilitar a sua exposição.

Tem a palavra, Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Pretendia colocar uma questão na sequência daquela que anteriormente formulei. Quando no n.° 3 do artigo 238.° definiu "nas grandes áreas urbanas" - e o Sr. Deputado José Magalhães já o referiu -, tratou-se de uma forma de evitar a redacção pleonástica "grandes áreas metropolitanas", pelo que o significado das expressões "nas grandes áreas urbanas" ou "nas áreas metropolitanas" é idêntico. Ora, creio que com esta expressão "grandes" pretende-se traduzir a ideia da existência de uma autarquia de nível territorial autárquico intermédio entre o município e a região administrativa - aliás, é essa a experiência existente das soluções noutros países, ou seja, a existência de áreas metropolitanas, que recentemente têm vindo a alterar as suas funções mas cuja existência não tem perdido actualidade. Ao retirar-se o qualitativo "grandes" admitir-se-ia a possibilidade - é esta a minha dúvida - de haver uma organização territorial autárquica de nível inferior às regiões administrativas, ou até aos municípios, cuja configuração não fica precisamente definida. Porque, se é natural que haja necessidade de uma autarquia de natureza metropolitana, já é difícil visualizar outra autarquia sem essa natureza. Daí a minha dúvida e a questão cuja clarificação lhe pedia.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu penso que não, Sr. Deputado...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva pretende dar uma achega sob a forma de pergunta.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, em relação a esta matéria, julgo que provavelmente se está a fazer um pouco de confusão entre aquilo que é a autarquia local e aquilo que significa uma área metropolitana. Tanto quanto eu sei (e julgo que sei bem), uma área metropolitana não é exactamente uma autarquia, mas sim uma forma específica de gestão de uma determinada área territorial...

Voz.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Pode ser, mas é comummente entendido como uma específica forma de gestão de uma determinada área territorial que, por levantar problemas que são diferenciados (nomeadamente pela sua amplitude) das restantes autarquias locais, é delas destacada, destacada nessa específica forma de gestão, daquilo que se passa em relação ao resto da estrutura autárquica.

Nesse sentido, pretendia perguntar ao Sr. Deputado Carlos Encarnação se é com este entendimento que V. Exa. deu as respostas que deu até este momento ou se, eventualmente, não é este o entendimento que está contido nas suas respostas mas outro.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Vamos lá ver se nos entendemos: o que estamos a tentar discutir (e este é o artigo adequado para o fazer) são as categorias de autarquias locais que poderão estar previstas na Constituição. Consequentemente, não estou a fazer referência apenas a formas de administração, mas sim a categorias de autarquias locais que podem existir. Podem perfeitamente existir novas fórmulas de autarquias locais ou de autarquias não locais (territoriais, regionais ou como queiram chamar-lhes) que coenvolvam, neste caso concreto, áreas urbanas cuja dimensão, não só física mas também demográfica, etc.., justifique que se criem como tais. por variadíssimas finalidades, por variadíssimos interesses, por interesses de natureza administrativa, por exemplo, e aí os interesses administrativos poderão ser vários, por razões de definição de critérios de abastecimento de águas, de transportes, etc.. Assim, podem existir várias motivações para estas autarquias, que normalmente se criam a partir das autarquias existentes (normalmente criam-se através de associações das autarquias existentes ou por qualquer outra forma de constituição), se subsumem neste outro todo; mas elas têm sempre na sua raiz a voluntariedade das autarquias existentes. Esta questão não pode nunca deixar de estar subjacente ao nosso critério. Ou seja, o que eu pretendo dizer é que longe de nós a intenção de impor fórmulas de organização autárquica que não correspondam ao interesse das autarquias nelas subsumidas. Se com isto atingi o cerne das dúvidas que estavam a ser colocadas, e penso que talvez fosse, muito bem.

Quanto à dúvida do Sr. Deputado Jorge Lacão, peço desculpa mas não tem razão de ser.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Admite que nesta sua fórmula estas novas figuras autárquicas sejam de grau intermédio sempre ou elas poderiam vir a segmentar a estrutura territorial dos actuais ou futuros municípios?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, estas novas fórmulas têm de ser sempre sobretudo intermédias.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Era isso, era essa a questão.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quando acabei de responder à questão colocada pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, estava a dar implicitamente a resposta à sua pergunta, razão pela qual disse que, atingindo o cerne do que acreditava ser a sua interrogação, pensava ter-lhe dado resposta eficaz.

Mas não há dúvida nenhuma de que, seja em Queluz, seja na Amadora ou seja onde for, o problema é sempre o mesmo e pode surgir em qualquer sítio.

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Quer dizer: não temos de nos preocupar em relação àquilo que aqui diz "grandes áreas urbanas", mas sim de pensar nas áreas urbanas onde isso foi justificável.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E portanto os respectivos municípios...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza. É esta, portanto, a razão da amplitude da redacção do preceito, contra a estreiteza que actualmente existe na Constituição.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, estando este artigo encerrado, voltaríamos ao artigo 229.°, em relação ao qual foi apresentada uma proposta pelo PCP no sentido de na alínea f) se incluir o seguinte inciso: "ressalvados os direitos das autarquias locais". E o PCP já explicará o sentido desta fórmula.

O PSD apresenta uma proposta no sentido de, na alínea a), se acrescentar poderem as regiões autónomas fazer uso das autorizações legislativas - o que teria de ser igualmente consagrado noutro local, em matéria de competência da Assembleia. Propõe: "ficando as respectivas leis regionais sujeitas ao regime de ratificação previsto no artigo 172.°", o que significa que sempre que fossem usadas as autorizações os correspondentes diplomas seriam ratificáveis. Na alínea y) propõe uma norma (que, salvo erro, nestes termos ou próximos, já consta do Estatuto dos Açores) no sentido de ser conferido às regiões autónomas o poder de "exercer poder tributário próprio". Já hoje assim acontece em termos de "adaptar o sistema fiscal nacional, nos termos da lei-quadro da Assembleia da República" - suponho que terão querido dizer "de lei-quadro da Assembleia da República", uma vez que essa lei ainda não existe. Na alínea f) em vez de se referir "Plano nacional", o PSD propõe que se fale em "planos nacionais".

Propõe-se igualmente uma extensa reformulação dos poderes das regiões autónomas no projecto n.° 10/V, apresentado por um grupo de deputados do PSD da Madeira. O sentido desta alteração, se bem que profundo, em resumo, é o seguinte: na alínea a) cortar-se-ia a referência às leis gerais da República; na alínea b) far-se-ia também uma referência à autorização da Assembleia da República para que as assembleias regionais pudessem legislar sob autorização, tal como acontece hoje com o Governo; na alínea c) propõe-se a seguinte formulação: "Desenvolver as bases gerais do sistema de ensino, da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural e do regime e âmbito da função pública, bem como do regime geral do Orçamento". Tudo, mais ou menos, novas competências legislativas das assembleias regionais. Na alínea F) não se propõe uma alteração significativa. Na alínea h) dir-se-ia "exercer no âmbito regional, nos termos da lei, as competências administrativas do Governo da República, incluídas as relativas à gestão do património do Estado que não estejam reservadas aos órgãos de soberania por força da Constituição". O que nesta alínea se propõe constituiria, a meu ver, uma importante alteração, na medida em que reduziria as actuais competências dos Ministros da República. A alínea j) vem na linha de alteração da alínea f) da proposta do PSD. Trata-se aqui de "adequar o sistema fiscal às suas realidades económicas e às necessidades do seu desenvolvimento, criando impostos ou derramas e alterando taxas fixadas e dispor das receitas fiscais nelas cobradas e de outras que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesa". Esta parte final já existe. Na alínea n), suponho que não haverá novidade: "Elevar povoações à categoria de vila ou cidade". Na alínea p) propõe-se: "Introduzir, com respeito pelo sistema nacional de ensino, alterações específicas nos programas escolares, nos termos da lei." Na alínea s) dir-se-ia: "Participar na definição das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial" - tal como hoje - mas "superintendendo a nível da região na respectiva execução e na política de crédito, de modo a assegurar o controle regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimetno económico-social". Na alínea x) diz-se: "As regiões autónomas podem estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e participar em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa." Esta proposta deve ser aproximada com a proposta do PSD para o artigo 229.°-A, segundo a qual "as regiões autónomas podem estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e participar em organizações que tenham por objecto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa". É, portanto, uma proposta com alguma atinência à que se formula na alínea x) do artigo 229.° do projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Jardim Ramos, do PSD.

Pergunto, agora, ao PCP se quererá justificar rapidamente a sua proposta, visto que ela é bastante limitada em tamanho e também em significado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de autonomia regional esta é a primeira proposta. Diga-se que ela não toca nenhuma questão que se insira no coração da autonomia. O Sr. Deputado Almeida Santos terá toda a razão quanto à qualificação do significado da proposta em si. Sucede, no entanto, que, geralmente, as propostas apresentadas pelo PCP, no respeitante ao regime das regiões autónomas, não visam senão pequenos aperfeiçoamentos, embora não insignificantes, contemplando um número limitado de aspectos, sem qualquer perturbação do equilíbrio constitucional entre as autonomias e a unidade do Estado.

Apreciámos já a proposta do PCP tendente a delimitar os poderes das assembleias regionais no tocante ao desenvolvimento das leis de bases. Nessa altura, suspendemos o debate em benefício de uma consideração ulterior. Tivemos ocasião de discutir aspectos relacionados com os poderes da Assembleia da República e das assembleias regionais em matéria legislativa. O PCP propõe designadamente, como os Srs. Deputados se recordarão, a inclusão na área de reserva absoluta de

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competência legislativa da Assembleia da República da delimitação de poderes das regiões autónomas em matéria fiscal.

Neste momento, trata-se de apreciar uma proposta que visa tão-só clarificar que o regime previsto na alínea f) deste artigo de forma alguma deve deixar de se harmonizar com os poderes e prerrogativas no plano financeiro das autarquias locais existentes nas regiões autónomas. Estas têm direitos e deveres iguais aos das demais autarquias, embora a existência de regiões autónomas implique formas de articulação especiais, decorrentes do facto de haver orçamento regional e finanças regionais. Isso não pode, porém, implicar a invasão da esfera própria das autarquias locais pelos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. A autonomia financeira das autarquias locais sediadas nas regiões autónomas deve ser preservada. Sabemos, infelizmente, que tem havido neste ponto algumas distorções significativas e fenómenos de invasão da esfera própria das autarquias locais por parte, sobretudo, dos governos regionais. Tem também havido retenções de receitas próprias das autarquias locais pelos governos regionais, bem como fenómenos discriminatórios de autarquias locais, tentativas de estabelecer desigualdades entre autarquias a pretexto de apoios concedidos, avulso, de acordo com critérios obscuros, por certos governos regionais.

Tudo ponderado, a cautela proposta pelo PCP visa normalizar aquilo que pode ser perturbado por uma leitura errada das competências, poderes e esferas de actuação próprios das regiões autónomas, como tais, e dos seus órgãos de governo próprio, por um lado, e, por outro, das autarquias com os seus representantes, cujas prerrogativas não devem ser subalternizadas ou ultrapassadas (nas regiões autónomas, como em qualquer outro ponto do território nacional).

É esta finalidade clarificadora que está subjacente à proposta do PCP.

O Sr. Presidente: - A fim de esclarecer a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na parte em que as nossas propostas são sobreponíveis às dos nossos companheiros das regiões autónomas, serão justificadas também por eles, o que acontece, normalmente, com algumas divergências. Portanto, a justificação dos nossos colegas das regiões autónomas vale também para a proposta do PSD na parte em que é sobreponível.

O Sr. Presidente: - É tudo sobreponível menos a alínea l), na medida em que não coincidem quanto ao Plano, no aspecto de ser com letra grande ou com letra pequena.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Em primeiro lugar, Sr. Presidente, quero dizer que os deputados do PSD eleitos pela Região Autónoma da Madeira apresentaram um projecto de revisão constitucional próprio abrangendo as disposições relativas às regiões autónomas, porque - e isso é público e consta da nossa nota justificativa - temos um entendimento mais amplo, em matéria de revisão constitucional na parte respeitante

às regiões autónomas, do que o próprio PSD. E têmo-lo porque estamos, proventura, mais identificados com os problemas da autonomia. Recolhemos na fonte as aspirações das populações das regiões autónomas relativamente à dinâmica do fenómeno autonômico e daí que tenhamos tido a iniciativa de apresentar um projecto de revisão constitucional. Temos fundamentalmente alguma coincidência, seguindo a indicação previamente combinada com o Sr. Deputado Costa Andrade, neste artigo 229.° com aquilo que o PSD propõe e também algumas divergências.

O PSD propõe, tal como nós, a possibilidade de as assembleias regionais poderem vir a legislar em matéria reservada da Assembleia da República com autorização desta instituição. É uma aplicação de uma certa analogia com o que se passa entre a Assembleia da República e o Governo, pelo que nos parece que esta era uma forma de permitir que as assembleias regionais, com o conhecimento mais aprofundado das situações locais, pudessem levar o seu poder legislativo a áreas que, em princípio, competem apenas à Assembleia da República, mas que esta, sob autorização, conferiria essa possibilidade sem prejuízo obviamente da figura da ratificação e se acaso o entendesse. Portanto, não era um cheque em branco, de modo que o mecanismo seria idêntico ao mecanismo constitucional hoje existente em relação às autorizações concedidas ao Governo. Parece-nos, pois, que isto era um passo importante no reforço dos poderes legislativos e, consequentemente, da autonomia regional.

Vamos mais longe quando defendemos que em matéria de interesse específico as assembleias regionais possam exercer poder legislativo apenas limitadas pela Constituição e implicitamente pelos poderes próprios dos outros órgãos de soberania, mas sem ter de se subordinar a essa figura, que todos sabemos possuir contornos muito mal definidos, que é a das "leis gerais da República". De facto, estas, pela sua própria designação e natureza, são, em princípio, normas que não têm em conta condicionalismos específicos de uma região em particular do País, nem das regiões autónomas, pelo que se traduzem em leis vocacionadas para serem vigentes em todo o território nacional.

Ora, depara-se com frequência que determinadas leis gerais da República, por o serem, se impõem às regiões autónomas, como se impõem a toda e qualquer parte do País, sem que os condicionalismos específicos da região tenham sido tomados em conta. Parece-me que a circunstância de esta possibilidade se referir - e não poderia ser de outro modo - apenas a matérias de interesse específico da região legitima perfeitamente que se elimine esta limitação profunda, pois dá hoje às assembleias regionais uma capacidade menor em termos legislativos, levando a que a unidade do Estado e a soberania ficariam integralmente respeitadas pela subordinação a que esses órgãos teriam de estar sujeitos no exercício do seu poder legislativo à Constituição. Portanto, em matéria de reforço do poder legislativo das regiões temos este entendimento e defendemos esta solução.

Na verdade, preconizamos a possibilidade de haver por parte dos órgãos regionais uma certa adequação do sistema de ensino para que se tenha também em conta determinadas realidades regionais. É óbvio que isto não é um querer afastar-se das linhas gerais que a nível nacional é traçado para o ensino, mas é poder

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fomentar aspectos da cultura ou da idiossincrasia própria das regiões. É por isso que as linhas gerais do ensino aprovadas para o País em geral não estão contempladas. Portanto, no nosso projecto de revisão constitucional nas alíneas c) e p) do artigo 229.° fomos bem claros quanto ao que se pretende com esta possibilidade. Trata-se, pois, de "introduzir, com respeito pelo sistema nacional de ensino, alterações específicas nos programas escolares, nos termos da lei". Portanto, é também uma pretensão que é veiculada pelo nosso projecto.

No respeitante à área fiscal já a Constituição prevê hoje que deva haver uma adaptação específica às regiões do sistema fiscal nacional. Não vale a pena camuflarmos que as realidades sócio-económicas das regiões são distintas e daí que as regiões, por esse conjunto de diferenciações, sejam autónomas. Deve, pois, levar-se, tanto quanto possível, essa autonomia a zonas sensíveis que tornam essa mesma autonomia mais real, e a área fiscal é uma em que esse problema se coloca com carácter de certa sensibilidade. O mesmo se diga da possibilidade de intervenção dos órgãos regionais em matéria financeira, designadamente no controle regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao desenvolvimento regional.

Ora, nós assistimos a esta situação, que é a seguinte: as regiões têm hoje órgãos próprios, como seja, a assembleia regional, um governo regional, um orçamento, um plano próprio, mas a verdade é que, embora os governos regionais tenham de prestar regularmente contas ao eleitorado através das eleições sucessivas e periódicas para a Assembleia Regional, estão ainda bastante limitados nos seus poderes e meios para executarem muitas vezes aquilo a que se comprometem, que faz parte dos seus programas de governo e dos seus planos regionais, porquanto a Constituição actual não lhes confere os meios e os poderes necessários para essa intervenção.

Há, assim, nestas áreas (fiscal e financeira) uma solução autonômica ainda coxa e, portanto, isso prejudica uma actuação que poderia ser mais intensa e melhor orientada e aproveitada em benefício das populações das regiões autónomas.

Existe igualmente uma pretensão, que penso que na prática vem já tendo alguma execução, traduzida na possibilidade de as regiões estabelecerem cooperação com outras entidades regionais estrangeiras. Como o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Almeida Santos referiram, esta alínea x) do artigo 229.°, constante do projecto por nós subscrito, está coligada com o artigo 229.°-A do projecto do PSD. Não será uma redacção em tudo idêntica, mas a verdade é que o princípio, a ideia é a mesma. Todos sabemos hoje a intensificação do fenómeno da regionalização, que vem dando lugar à criação de vários organismos internacionais que se interessam pela problemática das regiões. A Madeira vem já participando em vários organismos desse tipo, designadamente o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira é presidente das Regiões Periféricas Europeias - organização que está vocacionada para os problemas regionais. Portanto, não há neste articulado, até pela forma como a alínea x) do artigo 229.° do nosso projecto está redigida, qualquer colisão com os princípios da representação externa do Estado - atributo de soberania que as regiões não querem minimamente atentar ou beliscar. Entretanto, parece-nos que é perfeitamente conciliável e até estimulável que se dê essa capacidade de ligação e de cooperação das regiões autónomas com essas entidades ou organizações estrangeiras vocacionadas para a cooperação inter-regional.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Guilherme da Silva, formulo-lhe esta questão baseada nos seguintes pressupostos: entre as outras matérias - e são muitas - de alargamento de competências verifico, numa primeira análise, que é proposto um alargamento de competências em matéria de definição do território, que, como se sabe, é assunto essencial ao exercício da soberania, dado que o território - e é o caso típico das águas territoriais -, sendo um elemento de Estado, é a matéria de soberania por excelência. Temos, assim, a alínea t) do artigo 229.°, que refere expressamente o seguinte: "Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos." Verifico, pois, uma participação no jus tractum que é, como se sabe, um dos atributos tradicionais da soberania constante da alínea u), quando esta refere a participação nas negociações de tratados e acordos internacionais. Repare-se que não se menciona a participação na tomada de decisão dos órgãos competentes da República mas, sim, a participação no processo negociai com entidades terceiras, ou seja, a participação no próprio jus tractum que a República teria em matéria de acordos internacionais. Além disso, essa alínea abrange também um direito de participação do próprio processo constituinte, na medida em que na alínea y) há um direito de pronúncia em matéria de alteração do regime constitucional autonômico.

Perante a verificação desta pretensão de alargar as competências, pergunto, muito francamente, aos Srs. Deputados proponentes se ainda consideram que estão face a uma realidade de autonomia regional alargada ou se estas vossas propostas não estariam já no domínio de um federalismo envergonhado.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Se é isso que os Srs. Deputados querem insinuar!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero, entretanto, colocar uma questão de outra ordem a VV. Exas. que é a seguinte: devem ou não os trabalhos prolongar-se até ao dia 29 do corrente mês, ou seja, alguns dias para além do limite que está pré-fixado para o trabalho do Plenário da Assembleia da República? De facto, tem-se entendido que, mediante essa deliberação, não há nada que impeça que isso aconteça, mas é necessária uma tomada de posição nesse sentido.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, essa questão foi objecto de abordagem na conferência de líderes parlamentares de ontem, pelo que não entendo qual seja a razão que leva V. Exa. a suscitar a questão nesses termos.

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O Sr. Presidente: - Acontece que é preciso formalizar uma deliberação e esta só pode tomar forma com o acordo da Comissão. Ninguém pode felizmente obrigar ninguém a trabalhar neste país. Até ver, ainda não está consagrado o trabalho compulsório!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não ignoro realmente esse aspecto, Sr. Presidente. Porém, a questão que suscitei é sobre o momento da deliberação. Não estou a questionar a necessidade formal dessa mesma deliberação. Pergunto: quem é que decidiu injectar essa questão neste momento e qual é a instância que nos "insta" a emitirmos esse parecer "já", "já" e "já"?!

O Sr. Presidente: - Não tem de ser neste momento tomada a deliberação, pois pode ser amanhã. Contudo, ela tem de se verificar antes do encerramento do Plenário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. Sugeriria, então, que fosse amanhã.

O Sr. Presidente: - De acordo, Sr. Presidente.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva, a fim de responder à questão anteriormente formulada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão colocou duas questões que estão já respondidas pela actual Constituição.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não está respondida a complementaridade delas, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - O Sr. Deputado referiu-se às alíneas t) e v) do artigo 229.° do nosso projecto que correspondem às actuais alíneas o) e p) desse artigo.

Os seus receios de que este projecto fosse portador de uma solução dita de federalismo envergonhado estão consagrados na actual Constituição. Portanto, se realmente há um federalismo envergonhado, ele brota do texto constitucional actual e não do nosso projecto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Guilherme da Silva, se me permite, gostaria de lhe dizer o seguinte: na vossa proposta acrescem agora e pela primeira vez, pelo menos que eu saiba, de uma participação no próprio poder constituinte derivado.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Já lá vou!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Portanto, do vosso ponto de vista isto significa a possibilidade de as regiões autónomas também elas virem a participar no processo de definição de competências não só estruturantes relativamente às regiões, como inclusivamente em relação aos próprios órgãos de soberania.

Ora, a articulação de todos estes aspectos é que fundamenta a pergunta sobre se não estamos, com esta lógica, perante uma lógica de federalismo envergonhado.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Penso que o Sr. Deputado está a referir-se a uma alínea a que já se tinha referido, ou seja, a alínea y).

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem como as alíneas v) e x), que complementam a t) e a u), que são as tais que já vêm da actual versão do texto.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Aliás, era à alínea v) que me reportava. Esclareci já qual era o alcance desta alínea x). Adianto que, na prática, este relacionamento já se vem registando: os órgãos regionais das regiões autónomas já estabelecem um relacionamento directo com vários organismos internacionais de cooperação inter-regional. Esta é uma situação de facto.

Esta matéria está claramente apresentada no texto da alínea x) ao referir-se o seguinte: "[...] de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa". Assim sendo, não se trata de um relacionamento paralelo de representação externa à revelia do Estado Português, ele é subordinado; trata-se de uma matéria de interesse para as regiões, em que elas estão mais vocacionadas para esse tipo, digamos, de representação externa do Estado Português neste domínio, e que sejam privilegiadas nesse sentido.

No fundo, é um pouco esta a ideia em vista, conciliando-se assim a defesa de eventuais interesses das regiões junto desses organismos e uma melhor representação em função da vocação das regiões para esse efeito. Portanto, não há nenhuma colisão quanto aos princípios.

Em relação a essas questões, devo dizer que nunca nos preocupámos e nunca nos preocuparemos, em termos de autonomia, com os rótulos que se lhes possam colocar. De federalismo, de solução de Estado federal, de federalismo envergonhado não nos importamos absolutamente nada, nem estamos preocupados em encontrar um figurino que se encaixe nas autonomias regionais da Madeira e dos Açores.

De facto, temos uma solução sui generis e é no âmbito dela que nos movimentamos. Queremos mais autonomia para valorizarmos mais e melhor o Estado Português e Portugal nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. É essa a nossa perspectiva. Na verdade, não colide com nada a nossa ânsia de maior autonomia e de maiores poderes nas áreas que referi, que visa exclusivamente conseguir a sua maior eficiência e um encontro de melhores soluções para os portugueses das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, nada tendo isto a ver com a unidade e com a soberania nacional.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, gostaria, para além das questões de mácula, que nos ativesse-mos ao rigor dos conceitos. Ora, o federalismo é um conceito como qualquer outro que pode aqui ser discutido sem complexos, e por isso coloquei a pergunta sem complexos.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - E eu também respondi sem complexos!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - A questão, tal como eu gostaria que a abordasse, e na medida em que permitindo a prerrogativa da iniciativa às regiões autónomas em matéria constitucional... O Sr. Deputado repare que na vossa alínea v) se diz o seguinte: "Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta [...]" se con-

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cluiria tratar-se aqui de uma iniciativa autónoma do poder constituinte. Ora, verificar-se isto em matéria que inclua propostas de alteração do regime constitucional das autonomias é estar a conceder a deputados regionais ou a uma assembleia regional uma prerrogativa de iniciativa que só os deputados da Assembleia da República têm, e nem sequer a têm as demais entidades com iniciativa legislativa, designadamente o Governo.

Assim, tal significaria conceder uma prerrogativa de iniciativa em matéria constitucional que ultrapassa prerrogativas que nem sequer são reconhecidas, nos termos da Constituição, a outros órgãos de soberania com função legislativa. É isto que me faz dar sentido à pergunta que há pouco lhe fiz, e a qual eu gostaria que V. Exa. esclarecesse.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Penso que o conteúdo da alínea v) não tem, de forma alguma, as envolvências e as implicações que o Sr. Deputado refere, porque não há nesta fórmula um interferir, um colidir ou um retirar de poderes a outras entidades próprias com poderes constituintes apenas porque nesta alínea se prevê que os órgãos regionais possam eventualmente pronunciar-se sobre esta matéria.

Creio que isto tem uma explicação elementar: é orientação da Constituição na parte respeitante às regiões autónomas que estas sejam pelo menos ouvidas em matérias que lhes dizem directamente respeito. É óbvio que há matérias mais importantes e matérias menos importantes. Ninguém porá em dúvida que as matérias mais importantes para as regiões autónomas são exactamente aquelas que respeitam a alteração do regime constitucional das autonomias.

Ora, neste momento, não há realmente nenhuma previsão e não há nenhuma vinculação à posição que as regiões, através dos órgãos próprios, tomem acerca dessa matéria, mas no mínimo parece-me perfeitamente razoável que os órgãos regionais possam pronunciar-se. A ideia de se referir no texto "[...] por sua iniciativa [...]" tem apenas este intuito: nós sabemos que muitas vezes, e isso acontece até na prática da Assembleia da República, se apresenta a questão de as regiões deverem ser consultadas - e não o são - ou discute-se se o devem ser ou não.

Assim, para quebrar ou cobrir essa eventual omissão dos órgãos de soberania com competência própria - neste caso a Assembleia da República - para alterar o regime constitucional permite-se e prevê-se que os próprios órgãos regionais possam ter a iniciativa de o fazer. Pronunciam-se, tomam a iniciativa de enviar o seu parecer, a sua opinião, a sua posição.

De facto, até lhe posso dizer que isso aconteceu agora a propósito da revisão constitucional: a Assembleia Regional da Madeira enviou uma espécie de parecer da sua posição relativamente à revisão constitucional na parte respeitante às regiões autónomas. Tanto quanto sei, o encaminhamento que esse documento teve foi o de mero arquivo, porque não havia previsão constitucional, nem regimental, nem legal que previsse essa possibilidade de a Assembleia Regional da Madeira se pronunciar acerca dessa matéria.

Ora, se aprovarmos esta disposição, como espero, já não se colocará esse problema. Para além disso, tomamos uma iniciativa da maior justiça, que é a de permitir que as regiões se pronunciem, ainda que a título

meramente de parecer, sobre uma questão fundamental para a sua organização, que consiste na parte constitucional respeitante às regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou um conjunto articulado de propostas em relação a esta matéria, e não alterará em todo este debate a sua leitura do estado de desenvolvimento das autonomias regionais e do seu enquadramento constitucional.

Já o afirmei, mas insisto neste ponto: entendemos que o actual quadro constitucional, sendo susceptível de uma pequena margem de aperfeiçoamento, é apto e adequado para dar resposta ao conjunto de imperativos que presidiram à própria instituição das regiões autónomas.

Pela nossa parte, consideramos que não deve ser feita sobre a matéria da autonomia regional uma discussão que, de alguma forma, inquine o ambiente de geral consenso que em torno do enraizamento das autonomias se vem estabelecendo. Esse clima só é perturbado por movimentos disfuncionais, e eventualmente centrífugos, mas sujeitos a flutuações de interesses e a batutas exógenas, e, em certos casos, a preocupações dos governos regionais do PSD, obedecendo, portanto, a preocupações cujas raízes são perceptíveis para quem acompanhe o dia-a-dia da vida das regiões autónomas, mas que seria péssimo transpor para o debate da arquitectura da Constituição.

A questão essencial a que temos de responder aqui é a de saber se a arquitectura fundamental da Constituição está errada ou está correcta. Nesse sentido, parece-me que a última das acusações feita pelo Sr. Deputado Guilherme da Silva é surpreendente e estabelece uma ficção política que não vale a pena deixar pendente no ar durante demasiado tempo.

O Sr. Deputado Guilherme da Silva, ao dizer "se aprovarmos, como espero, esta proposta", aludindo ao disposto no projecto de lei de revisão constitucional n.° 10/V, está a transpor para este debate parlamentar aquilo que é uma enormíssima ficção, e uma ficção política perigosa. Isto porque estabelece, no fundo, uma imaginária probabilidade de aprovação de alguma coisa que não tem viabilidade por não ter quem a sustente com condições para a sua projecção no real, desde logo o PSD. Sublinho este ponto: nem o PSD apoia a proposta cuja aprovação o Sr. Deputado simula esperar!

É uma proposta virtualmente órfã de capacidade pro-criativa efectiva. A insistência em defendê-la é, obviamente, legítima do ponto de vista político, mas desde que temperada por um princípio do real que permita dimensionar rigorosamente qual é a base de sustentação e quais são as razões políticas que permitam fundamentar essa pretensão.

Ora, é nesse ponto que me parece que as intervenções dos Srs. Deputados são insatisfatórias. Nenhum de nós ignora o debate que tem vindo a ser feito ao longo destes anos, promovido em particular na Região Autónoma da Madeira pelo PSD local. Também não ignoramos aquilo que tem vindo a ser discutido nas "cimeiras atlânticas", promovidas entre os chefes dos

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dois governos regionais - realizou-se uma não há muito tempo. Não ignoramos também o debate que foi travado no congresso nacional do PSD sobre essa matéria, designadamente os epítetos com que se mimosearam, nessa altura e depois, o Prof. Barbosa de Melo e o Dr. Alberto João Jardim. Essa polémica prosseguiu depois nas colunas do jornal Tempo (todos somos leitores atentos da coluna do Dr. Jardim nos jornais regionais e naquele jornal), etc.

Essas campanhas assentam, designadamente, no esbatimento dos contornos da autonomia regional como realidade que se articula harmoniosamente com o carácter unitário do Estado, traduzem-se em tentativas "descomplexadas e descomplexizantes" de dizer: "somos federalistas?! Então sejamo-lo, não temos nenhum problema com isso" (esta foi a última boutade do Dr. Jardim nas colunas do jornal Tempo na sequência do congresso do vosso partido). Frases como "dizem que somos pelo federalismo inconstitucional? Então, somos isso mesmo. Boa tarde, venham cá e digam-nos o contrário!" demonstram um espírito altamente impróprio para debater seriamente esta matéria.

Portanto, nem vou comentar excessivamente as implicações teratológicas da proposta que o Sr. Deputado Guilherme da Silva aqui sustentou, minimizando os seus efeitos. Nem o PSD, no seu projecto n.° 4/V, ousa suprimir a noção de "lei geral da República", independentemente dos esforços hermenêuticos que é necessário fazer para apurar rigorosamente o sentido, as articulações entre os actos normativos regionais e as leis gerais da República, os espaços em que as assembleias regionais podem intervir (até com carácter revogatório de leis da República, desde que não gerais)...

Todos esses aspectos, que são de substancial melindre e complexidade, eu deixaria, nesta sede, de lado. Apenas sublinho que ninguém, até agora, adiantou uma base de apoio para a pretensão dos Srs. Deputados subscritores do projecto n.° 1 O/V de supressão do elemento enquadrador decorrente da existência de leis gerais da República, com todas as suas funções e especificidades.

Por outro lado, as pretensões relacionadas com aquilo a que se chama um "desenvolvimento de bases gerais" podem ser consideradas, quando muito, no quadro que o PCP propõe (na sede do artigo 115.°, insisto nesse aspecto).

Quanto às ideias de adaptação do sistema de ensino em matéria programática e outras, de intervenção alargante em matéria fiscal fora dos limites actualmente previstos, de alargamento dos poderes de intervenção em questões financeiras, monetárias e similares, de relacionamento internacional (em termos que podem colidir com o carácter unitário do Estado e com o facto de ser uma prerrogativa da própria República a condução das relações externas), bem como relativamente a outras propostas deste tipo, as quais, de resto, devem ser lidas tendo em atenção aquilo que o mesmo projecto propõe em relação ao alargamento inusitado das competências dos governos regionais, concedendo-lhes competências legislativas próprias e alterando radicalmente a natureza desses executivos nesse ponto específico (e, portanto, alterando também a natureza das relações Assembleia da República-governo regional), quanto a todos estes aspectos, entendemos que as propostas alteram visceralmente a natureza e as dimensões

das autonomias regionais, tal e qual se encontram configuradas. Parece-nos que nada justifica e tudo desaconselha que esse passo seja dado.

Evidentemente que nos recusamos - e insisto também neste ponto - a transpor para aqui toda a chusma de equívocos, de demarcações, de fronteiras falsas entre os "verdadeiros defensores da autonomia", que seriam supostamente os defensores deste projecto, e todos os outros, que seriam "péssimos", "nefandos", etc., etc. Rejeitamos formalmente esse tipo de equívocos e percebemos que eles são, seguramente, suscitados na mim do próximo mês de Outubro.

Para além disso, parece-nos que esse é um péssimo estão político, que em nada contribui para solidificar aquilo que deveria ser solidificado e alargar o consenso em torno da defesa das autonomias regionais, que é o princípio orientador que nos move nesta matéria e do qual, naturalmente, não abdicaremos, quaisquer que sejam as fumaças e tentativas de perturbação que alguns procurem induzir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, procurando reatar a troca de impressões há pouco verificada com o Sr. Deputado Guilherme da Silva, diria ainda o seguinte: voltando à questão do poder constituinte, se atentarmos bem naquilo que está consignado na alínea v) proposta pelos deputados subscritores do projecto n.° 10/V, verificamos que estão aí conferidos dois direitos. Um direito de participação, não podendo o poder constituinte derivado exercer o seu poder constitucional em matéria de regime constitucional das autonomias sem um dever (necessário) de auscultação às regiões autónomas. Este direito de participação seria realizável nos termos que hoje já ocorrem para as matérias de interesse específico, no que diz respeito ao processo legislativo ordinário; e, para além deste direito de participação, ocorreria ainda um autêntico direito de iniciativa, uma vez que este direito de se pronunciar é desdobrado, nos termos da mesma alínea, na possibilidade de apresentação de propostas de alteração do regime constitucional das autonomias.

Ora, também aqui se visava conferir às regiões autónomas a possibilidade de suscitar a iniciativa em matéria de legislação constitucional. Razão pela qual, digo e reafirmo, a tentativa de fazer participar órgãos que obviamente não têm intervenção nas funções soberanas do Estado naquela que é a mais elementar função soberana, que é a do exercício do poder constituinte, é naturalmente algo que faz pensar bastante a natureza que se pretende para as regiões autónomas, e daí eu insistir em que já não estaríamos no domínio da autonomia regional com exercício do poder a título derivado, mas perante uma forma de participação no próprio processo constituinte.

Mas há ainda outros aspectos que conviria realçar, e um deles, e dos mais interessantes, é o que diz respeito à própria alínea a) e à supressão da referência que impende sobre os decretos legislativos regionais, de subordinação, no sistema de hierarquia das leis, às leis gerais da República. Teríamos, também aqui, uma nova configuração da pirâmide hierárquica, com os decretos legislativos regionais na mesma posição hierárquica que as próprias leis gerais da República. Portanto, em

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caso de não coincidência normativa entre uma lei geral da República e um decreto legislativo regional, teria-mos a prevalência da validade e da eficácia do decreto legislativo regional, em função justamente do princípio da territorialidade dos próprios órgãos regionais com função legislativa. Mais uma razão, portanto, que configuraria uma restrição do exercício das atribuições configuradas à própria Assembleia da República (AR) e ao Governo, como órgãos legislativos da República.

Ocorre ainda que, se as assembleias regionais viessem a poder legislar sob autorização legislativa em matéria de reserva de competência da Assembleia da República, assistiríamos a uma clara deslocação dos equilíbrios actualmente existentes quanto à repartição da função legislativa entre AR e Governo e teríamos, para além de AR e Governo, a susceptibilidade de participação nessa função, próprias das regiões autónomas.

Portanto, tudo razões justamente que militam a favor da preocupação que expendi na pergunta que inicialmente fiz ao Sr. Deputado Guilherme da Silva e que gostaria de ver aclaradas, porque me parecem questões suficientemente sérias, do ponto de vista institucional, para não poderem passar sem um grande aprofundamento nesta Comissão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, por uma questão de facilidade, e uma vez que o Sr. Deputado Jorge Lacão termina sob forma de interrogação, dirigida ao Sr. Deputado Guilherme da Silva, agradecia se V. Exa. me permitisse fazer duas perguntas rápidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para tal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme da Silva, entrando em algum pormenor em aditamento a estas perguntas, gostaria que pensasse, por exemplo, na diferença que há, visceral, entre a redacção da alínea j), na redacção que os Srs. Deputados adiantam, e a redacção constante actualmente da Constituição. Repare que não há só uma mutação de conteúdo, não há só um alargamento, há também uma supressão da cláusula que actualmente prevê a remissão para lei. O que quer dizer que a adequação, se uma proposta deste tipo fosse aprovada, seria feita, autonomamente, pelas assembleias regionais (ou, entendendo estas delegar, porventura pelos governos regionais), isto em matéria que é, até, da mais eminente, em termos de reserva de competência da Assembleia da República.

Portanto, não se minimize o alcance destas propostas, designadamente na componente em que elas reduzem o conjunto de matérias reservadas (e logo as competências de órgãos de soberania, incluindo a própria AR) em domínios que são fulcrais até em termos de harmonização e de igualdade de critérios e de regimes para todo o território nacional. Citei-lhe este caso porque me parece um caso paradogmático. Mas há muitos outros...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme da Silva, pode exercer o seu direito de resposta.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Lacão volta a insistir numa questão relativa à alínea v) do nosso projecto, o que, salvo o devido respeito, resulta de uma leitura menos correcta do mesmo. Disse o Sr. Deputado Jorge Lacão que esta alínea envolvia, digamos, dois poderes novos: o poder, realmente, de pronunciar-se sobre determinadas questões, por sua iniciativa, sem que os órgãos de soberania tomassem, eles próprios, a iniciativa da consulta; e, por outro lado, a própria possibilidade de as regiões apresentarem propostas de alteração do regime constitucional das autonomias. Ora, não é isso que resulta da alínea v)...

Voz.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Desculpe, eu explico-lhe. Pode haver uma redacção menos clara, menos precisa. Mas a ideia é esta; o que há de novo, efectivamente, são duas coisas: a possibilidade de os órgãos regionais se pronunciarem sem que aguardem o pedido de consulta formulado pelos órgãos de soberania e de poderem fazê-lo sobre matéria de alteração do regime constitucional das autonomias.

Não é, não se quis dizer aí, que os órgãos regionais tivessem, ou pudessem ter, a iniciativa de propostas de alteração do regime constitucional da autonomia. O que se diz é que passam a poder pronunciar-se, nomeadamente por sua iniciativa, sobre matérias de questões da competência que lhes digam respeito, incluindo a matéria de alteração.

Uma voz: - A proposta de alteração!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Incluindo a proposta de alteração... nos quais se inclui. Não é, realmente, o poder de tomar a iniciativa de apresentar propostas de revisão constitucional. É pronunciar-se sobre essa matéria, que, obviamente, será de iniciativa dos órgãos competentes.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado Guilherme da Silva diz que gostaria de rever esta redacção para que ficasse claro que se excluía o direito de iniciativa em matéria constitucional?

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Se essa dúvida subsiste, eu não terei dificuldade em encontrar uma redacção que a dissipe. Em relação às questões que levanta pela circunstância de eliminarmos, como limite do poder legislativo das assembleias regionais, as leis gerais da República. E põe o problema de que, nessa circunstância, poderíamos deparar com o facto de os diplomas regionais passarem a estar numa hierarquia equivalente às leis gerais da República. Às leis em geral, porque no nosso entendimento o próprio conceito de lei geral da República deveria ser eliminado da Constituição, porque ele só surge e só é inserido constitucionalmente para servir de travão e servir de limite à produção legislativa regional. Ora bem, e penso que esse problema está mal colocado, salvo melhor opinião, é que não se pode esquecer que esse poder de os órgãos regionais legislarem sem terem como limite as leis gerais da República, mas terem como limite apenas a Constituição, supõe exclusivamente em matérias de interesse específico da região. E aí, sim, já não é um problema apenas de hierarquia da lei a se, mas também do âmbito territorial, por um lado, e específico da matéria em causa, que confere essa possibilidade às regiões de legislarem de forma própria. E só assim é que se

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compreende, não é? Parece-me que, tendo presente este aspecto particular do interesse específico, essa colisão não tem qualquer aspecto chocante, contrariamente à forma como o Sr. Deputado Jorge Lacão colocou.

O Sr. Deputado José Magalhães começou por criticar o meu optimismo em relação à esperança de ver aprovado este artigo do nosso projecto. É óbvio que o meu optimismo não passava, de forma alguma, pela esperança de ter o voto do PCP. Mas passa pela de ter o voto dos outros partidos, que sei serem mais sensíveis às questões de autonomia do que o PCP.

O outro aspecto que o Sr. Deputado José Magalhães também refere, aliás um pouco na sequência do que a esse respeito teria referido já o Sr. Deputado Jorge Lacão, é o 'problema da solução federal, do federalismo; e uma crítica ao facto de nós recusarmos aceitar necessariamente para as autonomias regionais esse, ou outro qualquer, rótulo. Não é uma posição de sobranceria relativamente aos conceitos, que, em domínios da organização do Estado, estão desenhados há muito pela Ciência Política. É o reconhecimento de que temos uma solução sui generis e não queremos abdicar de que ela continue a ser uma solução sui generis. Eventualmente, nalguns aspectos terá matizes e poderes que excedem as soluções federais e noutros terá menos. Nos que tem menos, nós batemo-nos, eventualmente, pelo alargamento, sempre, repito, com a consciência de que estamos a fazê-lo no desenvolvimento e aperfeiçoamento da solução que se mostrou ser a melhor para resolver os problemas de cidadãos portugueses residentes nas regiões autónomas, e, portanto, não desistimos do seu aperfeiçoamento e o seu aprofundamento.

Queria pôr ao Sr. Deputado José Magalhães uma última questão (e tenho pena de ele não estar nesta ocasião presente). Mas, se o Sr. Presidente permitir, quando ele regressar, pelo menos esta última parte gostaria de recapitulá-la. Queria fazer-lhe esta pergunta muito clara, e também para a qual quereria uma resposta muito clara: que me confirme se efectivamente a postura do PCP em matéria de revisão constitucional é ou não a de tomar posição ou o reforço de quaisquer poderes em matéria de autonomia, relativamente às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

O Sr. Presidente: - Como sabem, Srs. Deputados, também estou inscrito e queria dizer-vos o seguinte.

Nós não consideramos que seja curial, neste momento, estarmos a discutir a matéria relativa às regiões autónomas, com a profundidade com que me parece estarmos a tentar fazê-lo, sem que o PSD, que apesar de tudo tem propostas diferenciadas das dos deputados da Madeira, se pronuncie também sobre elas. Portanto, reservamo-nos para depois desse momento, e compreendemos a reserva do PSD nesta matéria. Pensamos até que ele há-de gostar de ter uma visão global de todas as propostas. Cada vez que aparece uma proposta parcelar sobre as regiões sempre sentimos a necessidade de uma visão global. Quer dizer, vamos sopesar o significado das propostas, concluindo depois sobre o que é atendível e o que não é.

Por esta razão e na sequência do que estava a argumentar, como sempre bem, o meu camarada Jorge Lacão, compreendemos que os deputados das regiões autónomas lutem pela maior autonomia possível. Longe de mim estranhar isso. Mas também se não há-de estranhar que de algum modo nós, que temos a justa preocupação de que a autonomia não deixe de ser autonomia, para passar a ser outra coisa diferente, ponhamos alguns travões e imponhamos algum doseamento. Não se trata de andar em certa medida para a frente. Trata-se de não estugar o passo. Este processo é um processo lento. E quando ouvimos os responsáveis pelas regiões autónomas falar em autonomia progressiva, sem a fixação de um limite, nós tendemos a valorizar o limite que está na Constituição, como é óbvio. Se dissessem assim: "queremos uma autonomia progressiva, mas nunca para lá da fronteira tal"...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Mas está dito!

O Sr. Presidente: - Desculpe, não está! Já os desafiei na Madeira, nos Açores, aqui em reuniões com delegações... Estamos fartos de perguntar onde é que pára a autonomia, em que fronteira pára a autonomia. Nunca obtive, nunca obtive uma definição, nunca uma resposta concreta. Enquanto esta definição não existir, o limite da fronteira é em princípio o da própria Constituição. Que comporta melhorias, e nós próprios fazemos algumas propostas no sentido de alargamentos, e melhorias, não somos evidentemente contra. Mas, como estava a dizer, não vamos pronunciar-nos em pormenor, embora tenhamos de afirmar que o que está nesta proposta é uma alteração profunda. Não tenhamos ilusões a esse respeito. A possibilidade de concessão pela Assembleia da República de autorizações legislativas às assembleias regionais seria um passo muito significativo. A possibilidade de desenvolvimento das bases regionais do sistema de ensino, de segurança social, do serviço nacional de saúde, etc.., por aí adiante, era outro passo de enorme alcance. "Exercer no âmbito regional, nos termos da lei, as competências administrativas do Governo..." era outro. O governo central deixava de ter competências administrativas nas regiões, desaparecia como governo de todo o País.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É o que se passa hoje com todos os serviços... (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras finais do orador.)

O Sr. Presidente: - Não é, desculpe! É só para aqueles que foram transferidos, não os outros. E que podem também deixar de o ser porta que se fechava aqui. Na vossa proposta, a alínea a) do artigo 229.° vem no sentido de que, o regresso,...

Uma voz: - Da irreversibilidade!

O Sr. Presidente: -... só com a vossa autorização. Por outro lado, a adequação do sistema fiscal, enfim, essa já está no Estatuto dos Açores, é uma questão de redacção.

Uma voz: - Já está na anterior Constituição!

O Sr. Presidente: - Alguma abertura! Elevação das populações à categoria de vila, também não tem importância. Já está, creio eu!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Já estava!

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O Sr. Presidente: - Sim, mas nem tudo o que está no Estatuto pode ou deve vir na Constituição.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Já estava na anterior Constituição!

O Sr. Presidente: - Já está na anterior Constituição! "Introduzir, com respeito pelo sistema nacional de ensino, alterações específicas ...", alínea p) do projecto n.° 10/V. Era o ensino todo ele transferido para as regiões.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não era. Porque aqui diz que é "com respeito pelo". Isso conjuga-se com a alínea c) do mesmo artigo.

O Sr. Presidente: - "Superintender a nível da região na respectiva execução e na política de crédito"... "Superintender", em vez de "participar"! É diferente! É um salto importante. Tenhamos consciência de que são saltos importantes.

Na alínea v) prevêem a proposta de "alteração do regime constitucional das autonomias". Isto não é necessário. Já está previsto no artigo 228.°, é o sistema dos estatutos. Nós já demos uma interpretação aos estatutos que podia não ter sido dada. Tenho habilidade suficiente para ter defendido outra. Mas fui eu o primeiro a entender que a autonomia da Região Autónoma dos Açores deve ter esse princípio de auto-organização. O que foi adquirido em matéria de estatutos só anda para trás com a sua proposta. É a maior prerrogativa de poder que as regiões têm! A maior de todas. Os órgãos de soberania não têm competência para alterar por iniciativa própria os estatutos. E na parte em que as regiões propuserem alterações só o podem fazer dentro da esfera do que tiver sido proposto. Isto não decorre claramente da actual Constituição! E até vos garanto que não foi assumido, nem consciencializado no momento em que se redigiu o artigo sobre a "matéria dos estatutos". Mas nós entendemos assim e muito bem! Não está em causa andar para trás. Mas se a autonomia nunca pode andar para trás, temos de ser muito mais prudentes de cada vez que anda para a frente. Precisamente porque não tem recuo. Também o previsto na alínea x) parece inocente. Mas a possibilidade de as regiões passarem a ter alguma competência em matéria de política externa, ainda que sujeita às orientações dos órgãos de soberania, era a primeira...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Com a cooperação.

O Sr. Presidente: - Não é só cooperação, desculpe. De acordo com orientações, etc.... A cooperação, desde que pare em inter-regional, está no Estatuto dos Açores. O problema é se deve ou não constitucionalizar-se.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Aqui ainda há mais cautelas em termos de soberania.

O Sr. Presidente: - Por outro lado também, logo a seguir, uma organização judicial específica. Sempre entendemos que pode prever-se uma organização judicial adaptada aos condicionalismos das regiões. Não

específica! Sempre fomos contra isso, como fomos contra a eliminação do limite das leis gerais da República. Isto já foi discutido a propósito do Estatuto dos Açores. Nunca demos o nosso acordo porque é prerrogativa fundamental de soberania termos leis que as regiões não podem alterar. Estas salvaguardas são fundamentais para a qualificação da autonomia, como autonomia, e não mais do que isso. Mas vamos ouvir o PSD e então pronunciar-nos-emos em definitivo. Não estamos com a preocupação de fechar portas mas, por outro lado, o que estamos dispostos a consagrar nos estatutos poderemos não estar dispostos a consagrar na Constituição. Lembro no entanto que não fizemos nenhuma proposta no sentido de, pela via da revisão constitucional, recuarmos um milímetro na dosagem da autonomia. Com esta garantia, estejam tranquilos. Não haverá muitos avanços, não haverá saltos de corça, mas haverá avanços.

Era só isto que de momento queria dizer. Depois veremos numa apreciação global.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - O optimismo não nos abandona!

O Sr. Presidente: - Não sejam muito optimistas. Mas podem ter a certeza de que haverá uma apreciação positiva. Quanto ao artigo 230.°, já na anterior revisão nos recusámos à eliminação dos limites dos poderes. Se cá não tivesse estado este artigo talvez não tivesse grande sentido pô-lo cá. Estando, o que se pode tirar da manga ou do chapéu, por ter cá estado e ter-se retirado, é inimaginável. De modo que aí, provavelmente, vai encontrar a mesma resistência da nossa parte.

Passávamos então à apresentação do artigo 230.°-A, que é a parte judicial.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Em relação ainda ao artigo 230.°, à discussão das propostas de eliminação do artigo 230.°, do PSD-Madeira...

O Sr. Presidente: - O problema é só este. Não temos nenhuma abertura a essa eliminação, como já não tivemos na altura da última revisão. Como não estamos ainda esgotar a discussão, pareceu-me que não vale a pena... Mas se V. Exa. quiser...

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Se o Sr. Presidente não pusesse obstáculos, o PSD gostaria, de forma breve, de justificar esta proposta, dizendo o seguinte. Em primeiro lugar, queríamos realçar, em relação a este artigo, que a proposta do PSD coincide com a proposta que os deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira fizeram também para o artigo 230.° da Constituição.

O Sr. Presidente: - Uma proposta que o PSD já fez.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Exacto. Que o PSD já fez também em anteriores revisões constitucionais. De qualquer forma, o que queríamos dizer era o seguinte: as regiões autónomas são, como todos sabem, em termos constitucionais, parte integrante do território nacional e como tal estão subordinadas, como não podia deixar de ser, à Constituição e às leis gerais da República.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Achei graça que tivesse dito que estão subordinadas às leis gerais da República, por enquanto estão, mas ali os colegas de V. Exa....

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Estou aqui a expressar a posição do PSD e aquilo que é a situação jurídico-constitucional neste momento. As regiões autónomas estão subordinadas à Constituição e às leis gerais da República, isto é verdade e é indiscutível. Portanto, os limites dos poderes dos órgãos das regiões autónomas, que persistem num artigo 230.°, são no fundo os três limites que lá estão e que são explicitações ou extensões de princípios gerais, dos direitos, liberdades e garantias da Constituição e das leis que, em geral, regem todo o território nacional.

Nesse sentido, não vemos por que é que deve subsistir o artigo 230.° com o actual conteúdo. E por três ordens fundamentais. A primeira é porque, a constituir um artigo de limitação dos poderes das regiões autónomas, o artigo 230.° é incompleto. E é incompleto porque há outras limitações de poderes das regiões autónomas que não estão contidas neste artigo 230.°, desde logo, e por exemplo, o da iniciativa legislativa. Há limites à iniciativa legislativa das regiões autónomas que não estão contidos neste artigo. Não vejo portanto qual é a adequação, nomeadamente da epígrafe do artigo 230.°, ao conteúdo e aos objectivos que se pretendem com este mesmo artigo. Em segundo lugar, é um artigo inútil, e é inútil porque, como já referi anteriormente, os limites previstos neste artigo 230.° já estão contidos noutras disposições constitucionais, às quais se subordinam, como é evidente, todo o território nacional e também as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Em terceiro e último lugar é um artigo que tem uma formulação que nos parece de alguma forma incorrecta, na medida em que pode decorrer dela, ou pode inculcar, um espírito de desconfiança em relação a uma parte integrante do território nacional que tem uma forma específica de autogoverno. Acusa ainda que a alusão, nas alíneas b) e c), ao espaço regional é redundante, porque neste ou naqueles particulares e no que diz respeito às alíneas b) e c) não vemos qualquer particularidade específica das regiões autónomas que seja importante salvaguardar num artigo deste tipo.

O PSD entende por isso que deve propor a eliminação do artigo 230.° da Constituição, mas propõe sem pôr em causa, salientamos, frisamos e assinalamos isto, o respeito devido pelas regiões autónomas, e que não está em causa, aos limites dos seus poderes, que são limites consagrados constitucionalmente e que em nada são beliscados pela subsistência do artigo 230.°, tal qual está neste momento.

O Sr. Presidente: - Como deve calcular, a sua argumentação tem toda a lógica, mas não tem nada de novo relativamente à argumentação que foi produzida da outra vez. E o PS não foi sensível a esse tipo de argumentação. O nosso argumento é o mesmo: se cá não estivesse o artigo, talvez pudéssemos admitir que não se constitucionalizassem esses princípios. Não está cá e tirá-lo permite toda uma argumentação de carácter negativo. Por outro lado não é bem assim. Nada impediria que uma lei regional, invocando particularismos regionais, alterasse uma lei, sobretudo a nível de regulamentação, onde estivessem consignados direitos

dos trabalhadores. Dirá que se exige o respeito das "leis gerais da República". É verdade. Mas em matéria de regulamentação, as leis gerais da República que não reservem para si o poder regulamentar deixam em aberto toda uma margem de intervenção!

As restrições ao trânsito de pessoas e bens, etc.., parece, à primeira vista, que não são precisas. Devo no entanto dizer que já houve épocas em que, de facto, chegou a advogar-se que não deveriam os membros do governo central ir aos Açores sem prévio entendimento com o governo local. Também estou de acordo em que Vizela é um argumento nesse sentido. Reparem que a polémica sobre as bandeiras não foi menos absurda, e no entanto a polémica existiu e foi preciso resolvê-la com árduas negociações. A alínea c), relativa "aos naturais ou residentes na região", não se esqueçam de que das propostas de alteração dos estatutos que vierem dos Açores aflorava a ideia de dar corpo a um povo açoriano que pudesse ter direitos específicos relativamente ao povo português.

Mas não vamos rebuscar todos os argumentos que poderão ter justificado este artigo. Mas. depois de cá ter estado, não temos nenhuma abertura para o eliminar. Por isso a nossa posição é rigorosamente a mesma a este respeito, embora reconheçamos que as garantias gerais da Constituição, não sendo suficientes, cobrem grande parte dessas preocupações.

Queria informar o Sr. Deputado José Magalhães de que a intervenção que fiz foi no sentido de que, quanto ao artigo de há pouco, gostaríamos de ter, previamente, a posição do PSD sobre o assunto - pois temos apenas as posições dos deputados da Madeira e dos Açores - para podermos, nós próprios, pronunciar-mo-nos de fundo.

Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É só para dizer que corroboro, em parte, os argumentos que o Sr. Deputado Miguel Macedo apresentou relativamente à proposta de eliminação constante do projecto do PSD. Admito que, num dado momento inicial da experiência autonômica, houvesse cautelas que determinaram este artigo 230.° Neste momento acho que isto funciona ao contrário. Primeiro que tudo, parece que dá um estatuto de menoridade às regiões autónomas...

O Sr. Presidente: - Pelo amor de Deus!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Em segundo lugar, o falar-se, nestas questões, de que as regiões autónomas não podem proibir o trânsito das pessoas, etc.., e "negar o acesso a profissões a não naturais" é realmente pôr, ainda por cima na Constituição, elementos que admitem discriminações atentatórias da unidade nacional. E isto parece-me um erro que, efectivamente, a Constituição não devia consentir a si própria, e estou totalmente contra a manutenção desta disposição. Todos reconhecemos que, no domínio dos direitos e garantias gerais e liberdades, a Constituição já consagra estes direitos e eles não precisam desta disposição para que haja imperativo constitucional para a sua não violação. Portanto, o dar-se esta forma específica para as regiões autónomas é uma forma errada que subverte

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os princípios que a Constituição devia efectivamente consagrar em matéria de trato das regiões autónomas. Isto era um bom serviço que prestávamos...

O Sr. Presidente: - Compreendo a sua posição, mas também lhe digo uma coisa: se tem tão pouco significado estar cá, também não vejo que tenha tanto significado o empenho em retirar. De qualquer modo, ponho-lhe a seguinte questão: "Não pode reservar o exercício de qualquer profissão, não pode estabelecer restrições ao trânsito de quaisquer pessoas e bens." Está cá esta proibição específica. Se desaparece, começam a ser invocadas as especificidades regionais para dizer: tirou-se por causa das especificidades regionais. E aparece um sofisticado Tribunal Constitucional a dizer: "a Constituição consagra sem limites o princípio da representação proporcional, mas isso não vale para as ilhas"!...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - As especificidades não...

O Sr. Presidente: - É uma argumentação um pouco ad absurdum, mas não julguem que é tão infundada como isso. Não tem grande significado estar cá, mas tem algum significado ter estado e ter sido retirado.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Acho que tem significado cá estar. Simplesmente acho que esse significado é negativo e por isso entendo que a sua eliminação é benéfica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eis uma matéria em que tudo está dito há muitos anos, e está dito de parte a parte. A única coisa que poderia, porventura, mudar alguma coisa era a própria mudança das coisas e a tal não temos assistido.

Que este artigo 230.° "diz o que diz e não mais do que diz", todos estaremos de acordo. Que a sua autonomia, que a sua relevância específica existe em relação a alguns segmentos normativos e não em relação a outros em que o preceito apenas reafirma, sistematiza, enfatiza, também é sabido. Não detalharei agora a análise porque de resto é desnecessário: está abundantemente feita a identificação de quais são os segmentos normativos em que ocorre esse fenómeno, em que há uma especificidade normativa. A verdade é que a experiência parece ter revelado que estes limites foram prudentes. Elas verificam-se em áreas, por assim dizer, nucleares, áreas que envolvem alguma possibilidade, algum risco de discriminação de não residentes ou não naturais, risco de obstáculos indébitos à realização de movimentos de pessoas e bens, de disseminações ou diferenciações indébitas entre trabalhadores pelo facto de serem residentes ou terem contrato de trabalho nas regiões.

Curiosamente, a experiência veio revelar que esses riscos não eram o resultado de um enorme "pesadelo da razão" dos constituintes. Lamentavelmente, a jurisprudência constitucional, tanto da Comissão Constitucional como ultimamente do Tribunal Constitucional, atesta, em vários casos, que algumas espécies legislativas colocaram problemas sérios nestas áreas. Isso originou, de resto, declarações de inconstitucionalidade. Não há razão, nenhuma razão, para escamotearmos este facto! Insisto: estes dispositivos não são só dispositivos face a perigos imaginários, face a problemas imaginários: são dispositivos testados! A sua eliminação numa parte seria, talvez, inócua, noutra não o seria certamente. Nessa parte, evidentemente, é preciso que os Srs. Deputados assumam o que querem. Querem suprimir um limite, querem politicamente suprimir um limite? Nós dizemos: a supressão desse limite é negativa, mas assumam-na! Não vale a pena, como o Sr. Deputado Miguel Macedo estava discorrendo, tentar reduzir a um "nada" este dispositivo: este dispositivo não é um nada, é um quid constitucional, cuja exegese permite conclusões relevantes e não propriamente afastáveis com um safanão displicente.

Os Srs. Deputados do PSD têm, de facto, uma postura dúplice nesta matéria: ora exorcizam o preceito como inspirador de restrições nefandas à autonomia, ora o reduzem a um nada, a uma espécie de biombo desnecessário, que perturbasse o olhar impedindo-o de atingir uma coisa que deveria ser objecto de penetração directa. Só que não fazem (porque ninguém é capaz de fazer, em hermenêutica razoável e conforme aos padrões) a demonstração dessa "irrelevância" e dessa "inespecificidade". Não o fazem, designadamente em relação ao trânsito de bens e não o fazem em relação a alguns dos aspectos relacionados com os direitos dos trabalhadores. E não o fazem, sequer, em relação ao exercício das profissões.

O que me parece, apesar de tudo, mais relevante nesta matéria é que, ao agirem assim, os Srs. Deputados exorcizam alguma coisa pelo ângulo do acinte. Que coisa será? Lemos atentamente o parecer que foi enviado à AR, "nos termos da alínea q) do artigo 229.° da Constituição", pela Assembleia Regional da Madeira, no mês de Novembro de 1987. Nesse documento encontramos, no ponto 11, sob a epígrafe "Rejeição de suspeitas acintosas", a seguinte menção: "também o actual artigo 230.° deve ser eliminado por ser a expressão de uma suspeita inaceitável e injustificável". Srs. Deputados, entendamo-nos: não se pode jogar com conceitos duplos em matérias como estas! Se VV. Exas. entendem que a Constituição já proíbe (mesmo sem o artigo 230.°) tudo aquilo que está no artigo 230.°, se ao suprimir o artigo não querem suprimir o conteúdo que, segundo dizem, já decorre de outros artigos, não podem ler as disposições que proíbem tudo isso como "suspeitas" "inaceitáveis" e "injustificáveis" em relação à região autónoma. Se é evidente para os Srs. Deputados que não se deve poder restringir os poderes igualmente reconhecidos dos trabalhadores, se é evidente que não se deve poder estabelecer restrições ao trânsito, se é evidente que não se deve poder reservar o exercício de profissões e o acesso a cargos públicos aos naturais e residentes na regiões - se os Srs. Deputados entendem que tudo isto "é evidente", a atitude mais evidente face a essa evidência é deixar estar o preceito como está, pura e simplesmente! Porque ou proclamam uma evidência (e em evidências é fácil estabelecer consenso) ou então aquilo que dizem ser "evidente" afinal de contas não é tão evidente. Sobretudo, não seria nada evidente ou seria menos evidente se a vossa proposta em relação ao artigo 229.° fosse consagrada!

Vozes.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, digo tudo isto por uma razão que me parece óbvia: é que há descontinuidade geográfica e há autonomias regionais. Em mais sítio nenhum do território nacional há órgãos de governo próprio, em mais sítio nenhum do território nacional há órgãos com tais poderes legislativos, em mais sítio nenhum do território nacional, sobretudo na vossa visão - vossa, subscritores do projecto n.° 10/V, ao qual se associou agora ad hoc o Sr. Deputado Miguel Macedo...

Vozes.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... do PSD é coincidente com a proposta dos deputados do círculo eleitoral da Madeira.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que sofreguidão, Sr. Deputado! Eu não me estou a referir a esta proposta do PSD, mas sim à proposta do artigo 229.º, Sr. Deputado!

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Essa, já passámos...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não passámos, Sr. Deputado. É que VV. Exas. não podem discutir as coisas com lunetas; ou, pelo menos, porão VV. Exas. as que vos apetecer mas não as ponham a nós. Debates com tapa-olhos, não aceitamos!

Os Srs. Deputados proponentes deste texto são responsáveis por tudo o que propõem: não são responsáveis por bocadilhos. Quando leio a vossa proposta sobre o artigo 229.°, vejo que, ao contrário do que o PSD nacional propõe, os Srs. Deputados subscritores do projecto n.° 10/V têm uma outra visão do poder legislativo regional, tem uma visão alargardíssima, tem uma visão que permite, inclusivamente, a ultrapassagem da Assembleia da República em áreas da sua reserva absoluta. É esta a vossa concepção do poder legislativo!

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Não é verdade!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme da Silva, têm ou não têm uma concepção alargada dos poderes legislativos das assembleias regionais?

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Mas não é verdade que se usurpe os poderes da Assembleia da República! O artigo 229.° em nada tem essa pretensão, não há nenhuma disposição que tenha esse alcance.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, a partir do momento em que o vosso projecto estabelece competência concorrencial entre a Assembleia da República e as assembleias legislativas regionais, suprimindo a noção de "lei geral da República", é evidente que se gera um fenómeno que não existe nem é pensável face ao actual quadro de repartição de competências.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - No que respeita às competências reservadas da Assembleia da República, as assembleias regionais só legislam nessas matérias por autorização.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por acréscimo, ainda legislariam por autorização, nas matérias reservadas, exactamente, portanto, em matérias como os direitos dos trabalhadores - muito obrigado pelo auxílio, porque isso é verdade -, estabelecendo-se um conflito, não um conflito de competências, mas uma prevalência regional ou uma situação de igualdade que poderia originar fenómenos de tratamento discrepante. É um risco que, mesmo no quadro da actual repartição de poderes legislativos, é grande. No quadro de uma alteração da repartição de competências em matéria legislativa seria um risco inusitado e em roda livre: não seria "autonomia legislativa progressiva", seria autonomia legislativa em roda livre, com riscos centrífugos em matérias nucleares, quais sejam todas estas que estão enumeradas.

Os Srs. Deputados podem fazer tudo menos minimizar o alcance do que propõem e, sobretudo, não podem oscilar entre considerar que isto é "inexistente" e "evidente" e depois que é "acintoso", "horrível", "suspeitoso", etc.. Por favor! Parece-me que isso não pacifica a leitura da Constituição nesta matéria e, pelo contrário, torna-a completamente polémica, porque não se faz com todas as "cartas na mesa", mas com as chamadas "hermenêuticas por metade", que são uma forma como outra qualquer de não fazer hermenêutica verdadeira. Dissociamo-nos, por completo, de uma démarche desse género!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Isto é a manutenção na Constituição de uma norma que, em princípio, é inconstitucional, porque discriminatória.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, inconstitucional?!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É inconstitucional, digamos, no domínio dos princípios. Esta norma, se bem que formalmente consagrada na Constituição, é, porém, violadora de princípios constitucionais, na medida em que dá um trato discriminado, recomendado, suspeito para as regiões autónomas. Espero que quando se consagrarem as regiões administrativas haja uma disposição equivalente para as regiões administrativas, para acabarmos com este sentido discriminatório. É inconstitucional no sentido dos princípios, como é óbvio, porque se está na Constituição não é inconstitucional em termos formais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Julguei que estava aqui o famoso Otto Bachhoff-Silva.

Risos.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Em sentido metafísico, no sentido dos princípios...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se concordarem, passaremos ao artigo 230.°-A proposto pelos Srs. Deputados da Madeira. No n.° 1 deste preceito pretende-se consagrar para as regiões autónomas uma organização judicial específica e no n.° 2 propõe-se que

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"os estatutos das regiões autónomas estabelecem as condições e formas da sua participação no estabelecimento da divisão judicial do território, com respeito pela unidade e independência do poder judicial".

Para justificar esta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr ^Guilherme da Silva (PSD): - Esta questão da organização judicial das regiões autónomas não é nova e ainda há pouco tempo foi apresentada na Assembleia da República uma proposta de lei da Assembleia Regional que visava contemplar soluções nesta área para a Região Autónoma da Madeira, proposta essa que, infelizmente, não prosseguiu e não foi aprovada. O que acontece - e é bom que isso fique claro - é que não existe propriamente nesta pretensão, nem na pretensão que foi veiculada através dessa proposta de lei, a exigência de uma organização judicial desarticulada, desmembrada da organização judicial nacional. Na verdade, a nossa preocupação é que se tenham presentes as condições específicas que também na área judiciária as regiões autónomas apresentam. É necessária a criação de novos tribunais, dada a situação de carência que neste campo se verifica nas regiões autónomas. Estou-me a lembrar, por exemplo, do contencioso administrativo: não há na Região Autónoma da Madeira um tribunal administrativo de círculo, assim como não há, tanto quanto sei, um tribunal administrativo de círculo na Região Autónoma dos Açores. Ora, com o incremento que as autonomias tomaram naquelas duas regiões, é salutar e a todos os títulos conveniente uma mais fácil fiscalização dos actos administrativos, desde os actos dos governos regionais aos actos das câmaras, aos actos das juntas de freguesia. E vemos com pena que para poderem eventualmente reclamar essa fiscalização contenciosa, que é um direito constitucionalmente consagrado, os cidadãos açorianos e madeirenses tenham de o fazer através do tribunal administrativo do círculo de Lisboa, com todas as dificuldades inerentes, o que de certo modo atenta contra o direito de acesso à justiça e aos tribunais. Também, por exemplo, na área fiscal o tribunal próprio para as reclamações dos recursos fiscais de primeira instância da Madeira é o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém. Como é que um cidadão da Ponta do Sol ou da Calheta, na Madeira, vai dirigir a sua reclamação para o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém? Isto é uma coisa perfeitamente aberrante.

É, pois, este conjunto de condições específicas das regiões autónomas que leva a esta preocupação de consagrar na Constituição a possibilidade de uma organização judicial específica, com este sentido restrito do levantamento, do apuramento deste quadro de carências e da resposta adequada. Isto também porque a autonomia tem permitido que em várias áreas se consiga alguma eficiência e celeridade de processo, e a circunstância de as regiões não poderem ter nenhuma intervenção em matéria de organização dos tribunais tem provocado uma estagnação e uma deterioração cada vez maior na justiça nas regiões, quer por atraso, quer por falta de tribunais, quer por falta de magistrados. É portanto este o intuito desta disposição.

Por outro lado, basta a circunstância - e, obviamente, nem de outra forma poderia ser - de aqui se referir que a definição dessa organização judicial específica seria feita através de lei da Assembleia da República para que estejam acautelados e inteiramente tranquilizados os espíritos que pudessem ver nesta norma o intuito de criação de uma organização judiciária, de uma justiça específica ou retirada do contexto da organização judiciária nacional. É este o alcance e é esta a visão que temos ao propormos esta norma no nosso projecto de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão sobre o artigo 230.°-A.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, verifica-se desde logo que este artigo vem repor uma questão que eu diria que é sobretudo uma questão que o PSD tem com ele próprio. Na verdade, como o Sr. Deputado Guilherme da Silva bem recordou, ainda há pouco tempo ela foi objecto de viva polémica no Plenário da Assembleia da República, aquando da não admissão, por parte do Presidente da Assembleia da República, de uma proposta de lei oriunda da Região Autónoma da Madeira na qual se pretendia a criação de uma organização judicial própria. É um facto que já hoje o Estatuto dos Açores consagra uma norma permitindo a existência de uma organização judicial própria para essa região. De outro tanto não se pode gabar a Madeira, mas isso tem a ver com a inexistência do célebre estatuto definitivo - e esse é outro problema. Porém, gostaria de verificar que o PSD tem evoluído de uma maneira muito curiosa neste ponto. Começou, primeiro, ao tentar sustentar a posição do Presidente da Assembleia da República, por justificar essa não admissibilidade da proposta na circunstância de a competência para a definição dessa organização judicial pertencer exclusivamente ao Governo. Chegou mesmo à forma desairosa de admitir que essa competência governamental (exclusiva) seria de natureza administrativa e não de natureza legislativa. Teve depois de corrigir essa posição e admitir que essa função legislativa era da competência da própria Assembleia da República e que, naturalmente, estava submetida ao princípio da reserva da lei.

Verifico agora com alguma perplexidade que os autores desta proposta, curiosamente, são minimalistas. De facto, tendo no artigo anterior apresentado uma solução que permitiria aos órgãos de governo regional legislar em matéria de interesse específico, sob autorização legislativa da Assembleia da República, permitindo portanto o princípio da delegação de competência, vêm agora definir um princípio de reserva absoluta por parte da Assembleia, o que é tanto mais curioso quanto, nos termos do artigo 168.° da Constituição, esta reserva que a Assembleia da República tem em matéria de organização judicial não é de reserva absoluta, mas de reserva relativa. Ou seja, os autores deste projecto viriam configurar para a organização judicial específica das regiões autónomas não o princípio genérico de reserva relativa por parte da Assembleia da República mas um princípio de reserva absoluta. É curioso verificar este sentido minimalista da proposta apresentada. Porventura os autores não se confrontaram com este aspecto do problema, mas a verdade é que estão a definir não apenas a regra geral da reserva da lei, como a reserva de lei da Assembleia, e nesse sentido portanto, reserva absoluta de competência legislativa. Gostaria de perguntar aos autores da proposta se tinham meditado nestas consequências e saber o seu ponto de vista.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É evidente que da articulação do artigo anterior com o artigo 230. °-A resulta claramente que esta definição tanto pode ser feita por lei da Assembleia da República propriamente dita, sem que tal implique que se está a considerar que isto seja de uma competência exclusiva não delegável, como pode ser feita por lei de autorização legislativa.

Vozes.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Pode perfeitamente seguir qualquer dos caminhos: é a articulação lógica que resulta desta duas disposições.

Vozes.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então, quando dizem "lei da Assembleia da República"...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Pode perfeitamente ser nos dois sentidos, não há efectivamente nenhuma imperatividade de que seja de uma forma ou de outra...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Portanto admitem que por lei de autorização legislativa se viesse a permitir a delegação de competência aos órgãos regionais...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Eventualmente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Assim percebo melhor; porque achava muito curiosa a contradição de ponto de vista. Direi que pelo menos são coerentes com a vossa proposta inicial, mas essa coerência atira-os para uma solução mais indefensável, isto é, a de que não visam apenas consagrar o princípio da organização judicial específica (em que poderíamos estar de acordo), como, para além disso, admitem que, pelo processo de delegação de competências, o exercício dessa competência pudesse incumbir aos órgãos de governo próprio da região...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Repare que a questão tem de ser posta com a cautela necessária perante a inexistência da garantia prévia de qual das disposições será aprovada, se serão ambas aprovadas integralmente, se serão aprovadas apenas parcialmente. Assim, a fórmula permite que eventualmente subsista o artigo 230.°-A, ainda que o artigo 229.°, na parte das autorizações legislativas, não seja aprovado. A questão é efectivamente a da articulação consoante o trato e as aprovações que esta matéria venha a ter.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou na sede própria uma proposta tendente a sublinhar que a administração da justiça deve ser estruturada, em geral, de forma a evitar a burocratização, a simplificar e a acelerar as decisões judiciais e a assegurar a proximidade em relação aos cidadãos, "especialmente nos casos de descontinuidade geográfica".

Este último segmento normativo tem em especial atenção a situação das regiões autónomas e os seus problemas próprios, designadamente em tudo o que diz respeito à instalação dos equipamentos judiciais, ao parque judiciário, à proximidade em relação aos cidadãos, que é particularmente relevante quanto a certas categorias de tribunais. Há situações, herdadas do passado, verdadeiramente aberrantes, que implicam uma limitação real do acesso dos cidadãos residentes nas regiões autónomas à justiça. Há, portanto, problemas a ultrapassar, problemas a remover e realidades próprias a respeitar.

Sucede que as propostas que têm vindo a ser apresentadas pelos Srs. Deputados do PSD nesta matéria têm implicações que, em muito, transcendem o quadro próprio para dar resposta aos problemas existentes. Momentos houve em que os PSDs regionais defenderam a "necessidade" de organizações judiciais próprias, em que sustentaram, inclusivamente, a regionalização da justiça. São conhecidos e não são escondíveis neste debate os documentos aprovados em determinado congresso do PSD Madeira em que esta matéria foi abordada em termos inequivocamente insusceptíveis de terem qualquer acolhimento constitucional, enquanto o Estado democrático português for o que é, isto é, enquanto não mudar - o que espero que não ocorra - a sua própria natureza.

Depois disso, os PSD's regionais vêm insistindo junto da Assembleia da República com versões matizadas da mesma ideia, da mesma proposta, baptizadas com outros rótulos, que deparam, reiteradamente, com a mesma resposta. Inicialmente, o PSD favoreceu o debate na generalidade, inconsequente, desse tipo de propostas. A Assembleia Regional da Madeira apresentou e renovou sucessivamente uma iniciativa sobre "organização judiciária própria" da região; a Assembleia da República discutiu e rediscutiu a matéria, nunca tendo chegado à aprovação de um articulado. Porquê? Porque o PSD, especificamente o governo do PSD, obtemperou na legislatura passada e obtemperou de novo agora, de forma mais radical, que não havia qualquer plausibilidade para uma solução do tipo da aventada. Dispenso-me de dizer aqui tudo o que está dito nas actas da Assembleia da República a propósito do debate destas propostas e dou por reproduzidas as nossas considerações sobre o tema, passando a um segundo leque de observações.

Estamos bem cientes do desprestígio que para a República redunda do estado de abandono em que estão estabelecimentos prisionais ou do estado de degradação em que estão tribunais situados nas regiões ou da carência de determinadas categorias de tribunais ou da reiterada falta de meios financeiros para garantir sequer, por exemplo, como aconteceu no Tribunal do Funchal durante meses, o pagamento da água, da luz e dos telefones. Essa situação, por vezes indigente, verdadeiramente, é perturbadora da imagem da República, da imagem da justiça, da dignidade das instituições e das relações entre as regiões a própria República, e alimenta (quanto a nós) e cava equívocos que, todavia, devem ser superados através do exercício, pelas entidades competentes - desde logo, pela Assembleia da República e pelo Governo - das responsabilidades que têm em todas estas matérias, e não pela indução de

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soluções que não são compatíveis .com um quadro constitucional ,em que a regionalização da justiça não é, pura e simplesmente, concebível.

As confusões entre críticas por carências reais e pretensões inconstitucionais são, neste contexto, um risco real. Não posso esquecer que no último congresso do PSD, pela enésima vez, o Presidente do Governo Regional da Madeira entendeu desferir mais, uma violenta diatribe contra magistrados que labutam na Região Autónoma da Madeira, e deles disse o que o diabético não diz da glicemia: algo de uma veemência, de uma fúria e de. um furor completamente perturbadores, que não têm a mínima justificação. Mas, além de não terem a mínima justificação, são formas ínvias de assumir este facto: é que o governo regional não põe as mãos nos tribunais - mas não põe, nem porá, nem pode pôr!

Qualquer solução que faculte qualquer aproximação a essa solução é nefasta, não pode ser assumida, não pode ser aceite! O Presidente do Governo Regional da Madeira (nos Açores a situação é diferente)'pode ter uma coluna própria, diária, em que martele magistrados da Região com um azorrague, com toda a espécie de alusões, críticas, calúnias, ataques, o que quer que queiram. Mas uma coisa não pode: é ter quaisquer poderes na cadeia que se relaciona com o Ministério Público!

A proposta de artigo 230.°-A incorre num equívoco porque ou não diz coisa nenhuma e - para usar um símile da argumentação dos Srs. Deputados do PSD em relação ao artigo 230.° - é, puramente, redundante (diz o que lá está, e então não vale a pena estar com esta suspeição de que a República não compreende a necessidade de respeitar as especificidades da organização judicial) ou então diz algo de inaceitável.

Sucede que a República tem de compreender as especificidades! Por exemplo: a lei orgânica dos tribunais judiciais, embora tenha aberrações, não deixou de distinguir entre o regime dos Açores e da Madeira; contudo, quanto a nós, não teve minimamente em conta algumas das especificidades que devia ter tido em conta - mas o que é que, constitucionalmente, impede isso? O que é que impede a Assembleia da República de fazer uma sábia lei orgânica dos tribunais judiciais? A incapacidade de uma maioria conjuntural, mais nada! Está inteiramente livre o caminho para isso: os Srs. Deputados regionais do PSD é que não tiveram voz ou, se a tiveram, não tiveram no Governo ouvidos com qualidades de recepção adequadas para que esse vosso eco chegasse e fosse traduzido em lei. Mas não há nenhum obstáculo constitucional a isso.

Tomemos outro exemplo: a alteração da organização em matéria de tribunais administrativos e fiscais. É perfeitamente possível! De que é que se está à espera? Pela nossa parte, estamos inteiramente de acordo em facilitar o acesso à justiça fiscal e administrativa das populações dos Açores e da Madeira. É óbvio que sim! Adeqúe-se a orgânica! Inventem-se as fórmulas! Já se inventaram algumas no estatuto em vigor. Já se permite a entrega de petições junto dos tribunais comuns, para efeitos de serem encaminhadas para tribunais administrativos. Vá lá! Já é um passo! É um passo positivo, mas não chega! Há algum obstáculo constitucional em que se avance? Não há obstáculo nenhum, constitucional.

Uma norma deste tipo seria (retomando o fio à meada) ou prejudicial, equívoca, ou uma redundância e, nesse sentido, uma "suspeição inútil", para utilizar o vosso código analítico, em relação à capacidade, à percepção, à razão da República. Realmente, o vosso governo não inspira muita confiança nessa matéria e tem dado uns passos desgraçados, que inspiram uma certa suspeição, lá isso é verdade! Mas não eternizemos essa suspeição, dando-lhe dignidade constitucional. Ou quer-se outra coisa, regionalizar a justiça, por exemplo? A vossa proposta é muito inespecífica porque, embora falando de uma "organização judicial específica", não define em que é que consiste essa especificidade; em segundo lugar, permite - como o Sr. Deputado Guilherme Silva, sabiamente, acabou de revelar - através da conjugação com a vossa ideia do artigo 229.°, sucessivas delegações através das quais chegaríamos a que a Assembleia da República delegaria na assembleia regional a decisão sobre a definição das especificidades, com as consequências que bem se podem calcular...

Por outro lado, quanto à participação no estabelecimento da divisão judicial: se a vossa proposta traduz uma reacção ao facto de não ter sido respeitada pelo Governo da República, da última vez, aquilo que já é prerrogativa das regiões, não sei; agora, transformar aquilo que já consta do artigo 229.° num elemento adicional aqui repetido, também não me parece sábio. VV. Exas. já pensaram no que pode ocorrer se isto não for consagrado? Já pensaram no efeito negativo da apresentação desta proposta ocorrendo a sua rejeição? Entendo que a participação no estabelecimento da divisão judicial já é qualquer coisa que flui do disposto no artigo 229.° - mas VV. Exas., desgraçadamente, apresentam esta proposta. E se esta proposta é rejeitada? Que hermenêutica perversa não se pode gerar? Não seria melhor pensarem retirar, sabiamente, esta proposta, para evitar efeitos perversos? É que o artigo 230.° está e está! O facto de a vossa proposta ser rejeitada não tem nenhum significado. Em relação à vossa proposta 230.°-A, a ideia nela contida não está inequivocamente! E se não vier a estar, a título nenhum? O conteúdo constitucional deixa de ser aquele que é? É óbvio que sustentarei que não, e farei o melhor que me for possível, mas pode haver quem, malevolamente, faça interpretações perversas - que acho, aliás, absolutamente inaceitáveis - que conduzam ao resultado inverso daquele que VV. Exas. consideram ardentemente desejável...

O Sr. António Vitorino (PS): - São raras nesta Comissão!

O Sr. José Magalhães (PCP): - São raríssimas nesta Comissão, como VV. Exas. compreendem! Portanto, eu apelaria a que VV. Exas. reconsiderassem esta matéria toda, tendo em conta que o tiro está dirigido ao alvo errado, e mais: que o tiro pode ter boomerang, acertando em aspirações legítimas das regiões autónomas, caso em que VV. Exas. se transformariam não em benfeitores das autonomias regionais mas precisamente no contrário.

O Sr. Presidente: - Eu pedia a VV. Exas. o favor de avançarmos. Estamos a malhar em ferro frio! Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

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O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Realmente é para mim uma surpresa a conclusão do Sr. Deputado José Magalhães sobre esta matéria, porque esta é das poucas disposições do nosso projecto relativamente à qual eu tinha alguma expectativa de ter o voto favorável do PCP - até pela introdução. O PCP está preocupado com as regiões e tem, até, nesta matéria projecto próprio, na parte respeitante aos tribunais, e, portanto, parece-me que isto seria perfeitamente articulável com essa boa vontade e com essa posição que revelou. Agora é, para mim, contraditório que a conclusão seja a inversa e que até nos recomende retirar esta proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. retiram a vossa e aprovam a nossa, por exemplo!

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Mas não a vamos retirar, e continua o Sr. Deputado José Magalhães e o seu partido com a oportunidade de pôr, preto no branco, a sua posição relativamente a esta matéria. De qualquer forma, registamos a sua prevenção, em termos de futuro, relativamente a maiorias maldosas e a minorias inocentes.

O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à proposta de deputados da Madeira relativamente ao artigo 230.°-B, no sentido de as competências, serviços e bens transferidos para as regiões autónomas só poderem reverter para o Estado "mediante parecer favorável dos parlamentos regionais".

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Ainda há pouco o Sr. Presidente fez uma alusão a esta disposição que pretende garantir uma consolidação da autonomia ou da sua efectivação, através das transferências de competências e serviços que se vêm processando para a região. Isto para evitar que, em qualquer circunstância, possamos estar dependentes de maiorias, como há pouco referia o Sr. Deputado José Magalhães, que podem não ser as mais afeiçoadas à autonomia, e lembrar-se não apenas das posições a que vimos assistindo da parte de alguns partidos de não admitir um reforço das autonomias, mas quererem ir mais longe e fazer operar retrocessos em matéria de autonomia. É este o sentido desta disposição; é uma norma que tem um certo anseio, em termos de região, para tranquilizar as conquistas que foram conseguidas em matéria de autonomia...

O Sr. Presidente: - Eu já disse sobre isto o que tínhamos a dizer. O problema dos retrocessos põe-se em relação à matéria estatutária. Consagrar na Constituição aquilo que nem sequer está no estatuto seria uma segunda linha de consolidação.

Se mais alguém quiser usar da palavra sobre isto...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O PSD do continente não tem proposta sobre este artigo.

O Sr. António Vitorino (PS): - Quer dizer: está mais isolado do que uma ilha!

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Está "confortabilissimamente" colado à Constituição vigente. É uma península!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que, em matéria de suspeições, de receios e de acintes, é possível abrir um concurso nacional, sem nenhuma restrição de acesso, que o PSD ganha! É que não está colocada em questão a involução das autonomias. A não ser que VV. Exas., dado o vosso íntimo relacionamento com o Governo da República, tenham informações que nós não temos, não está colocado em causa, no terreno das coisas prováveis, qualquer regresso à situação anterior ao Decreto-Lei n.° 458-B/75, ao Decreto-Lei n.° 100/76, de 3 de Fevereiro, ao Decreto-Lei n.° 101/76, da mesma data, que cometeram às Juntas Regionais dos Açores e da Madeira a promoção da progressiva transferência para a administração regional de funções de governo, bem como dos respectivos serviços periféricos. Terão VV. Exas. alguma informação secreta e particularmente relevante sobre uma agressão às autonomias pelo governo do PSD? Nesse caso nós próprios aderiríamos...

O Sr. Presidente: - Aqui, o pedido de confiança funciona ao contrário. Há pouco, pediram-nos que confiássemos em vós, agora peco-vos que confiem também em nós.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A não ser que

VVS Exas. não confiem no governo em funções, mas quanto a nós... francamente!

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, Srs. Deputados, não estabeleçamos suspeições inúteis em matéria de devolução de funções estaduais, até porque alguns dos Srs. Deputados têm uma noção muito bizarra e muito esquisita do que seja a devolução de poderes, e chegam mesmo a incluir nela a questão da justiça e do Ministério da Justiça. Veja-se o citado parecer da Assembleia Regional da Madeira, sob a epígrafe "Devolução de funções estaduais", § v. Encontrarão aí uma teorização completamente esdrúxula e bizarra (todas as teorizações esdrúxulas são, em princípio, estranhas, mas esta é particularmente estranha) do que seja a devolução de poderes.

Por outro lado, só se justifica pensar em proclamar a irreversibilidade daquilo que possa estar em risco de reversão. A questão só se coloca quanto àquilo que no horizonte das coisas é susceptível de reversão. Creio que neste caso VV. Exas. não têm de ter receio de regresso a 1974 ou de regresso a 1973. Não há essa razão! A autonomia está ameaçada por alguns problemas: de todas as vezes que vejo o Dr. Jardim vir a Lisboa pedir dinheiro ao Ministro Cadilhe, penso que, realmente, a autonomia corre o risco de ser asfixiada por via financeira; cada vez que vejo os governos regionais abdicarem de prerrogativas e rebentarem com as competências das assembleias regionais, em homenagem aos protocolos de reequilíbrio financeiro, penso, realmente, que as autonomias morrem ao amanhecer nos cordões

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da bolsa do Ministro das Finanças. Mas seguramente não morrem de reversão! Portanto, este é um ponto em que não creio que tenhamos razões para estar preocupados.

O Sr. Presidente: - Talvez pudéssemos ainda passar ao próximo artigo, que é muito simples, e ficaria o artigo 232.° para amanhã.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, são os custos da insularidade!

O Sr. Presidente: - É simplissíssimo!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quer discutir os custos da insularidade em um minuto e meio?

O Sr. Presidente: - Quanto a isto, eu confio no Ministro Cadilhe! Estou certo de que ele inspirará o PSD no sentido da solução adequada. Confio no PSD, que advogará a solução adequada!...

Não penso - dado que já está no Estatuto dos Açores, e muito bem - é que isto seja matéria para consagrar na Constituição. Não está em causa que não seja assim, já está no Estatuto. E se amanhã a Madeira vier propor um estatuto em que proponha a mesma norma do Estatuto dos Açores, não votaremos contra. Mas quanto a consagrar isto na Constituição, não penso que tenha, efectivamente, dignidade. Para o Estatuto, sim. De um modo geral, teremos tendência para votar um estatuto para a Madeira nivelado pelo dos Açores, menos as inconstitucionalidades deste. Essas hão-de desaparecer um dia do Estatuto dos Açores.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Por mais que um vez se tem reconhecido os custos da insularidade e a necessidade de solidariedade nacional nesse âmbito, mas quando se põe o problema da concretização dos necesssários apoios ou auxílios por via desses custos, mais que uma vez, repito, se tem procurado atirar esse encargo para os orçamentos regionais - o que é paradoxal. Portanto, esta disposição pretendia, em sede constitucional, prevenir essas interpretações peregrinas e essas posições com as quais nos temos debatido...

O Sr. Presidente: - Mas nem tudo se pode pôr na Constituição. Aí teria particular significado falarmos nos custos da insularidade e não falarmos nos custos da transmontaneidade. No entanto não tem, porque é o estatuto próprio de uma região autónoma.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Exacto, a intenção desta disposição era deixar constitucionalmente clarificado este princípio.

O Sr. Presidente: - Terão o nosso apoio em relação ao estatuto. Aqui não. Senão, lá se põe o problema das outras regiões pobres.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Enfim, acreditando na boa fé de todos, a verdade é que, na prática, temos (como dizia eu) deparado, não poucas vezes, com situações difícieis.

O Sr. Presidente: - Mas agora que há um governo majoritário que impõe as soluções que quer no Parlamento português, o que é que impede o PSD de aprovar uma lei a consagrar uma ampla cobertura dos custos da insularidade?

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Nós acreditamos que esse governo maioritário se vai manter por muito tempo,...

Risos.

O Sr. Presidente: - E vai aprovar essa lei?

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): -... mas, de qualquer forma, temos de perspectivar isto num prazo muito maior.

Vozes.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Exactamente, até essa oportunidade e essa prevenção devemos ter.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - No quadro radioso decorrente do debate já travado posso afirmar que o PCP está de acordo. Gostaria de dizer, no entanto, e em acréscimo, porque poderia parecer insuficiente um sim, que me parece que a disposição sobre esta matéria existente no estatuto autonômico dos Açores tem dado origem a dificuldades interpretativas. Não se pense, nem por sonhos, que a inscrição constitucional de uma norma deste tipo daria resposta ao complexo problema que está criado.

O Sr. Presidente: - Não, não dá e até criava alguns problemas ao nível do continente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os próprios estatutos precisariam, mais do que uma densificação, de um desenvolvimento na sede própria, isto é, seria útil uma lei sobre o relacionamento financeiro, com as adequadas quantificações, o que implica o cálculo de uma bateria extremamente complexa de coeficiente, a invenção de uma fórmula adequada e o estabelecimento de garantias de tipo objectivo para os fluxos financeiros entre a República e as regiões. Mais: a internacionalização, desde logo decorrente do facto da adesão às Comunidades, traz problemas adicionais de extremíssima gravidade, pode implicar distorções adicionais - já está a implicar, aliás - e um verdadeiro ladear, ou afastamento, ou postergação, ou marginalização das regiões autónomas no que diz respeito à partilha dos benefícios decorrentes desses fluxos financeiros (há uma

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completa falta de transparência em relação a certas opções de afectação ou não afectação). Temos, pois, um problema extremamente sério.

A situação específica da Madeira dá que pensar nesta matéria, mas a dos Açores também - vide as implicações dos acordos com os Estados Unidos da América e os problemas complexos ligados à percepção das receitas correspondentes. É extremamente difícil condensar tudo isso numa fórmula matemática, ainda que seja possível. Em todo o caso, a complexidade da matéria não resultaria dilucidada com uma norma de carácter geral situada nesta sede e poderia, de resto, tornar complexificadas, de certa forma, coisas que já têm hoje resolução no terreno da lei ordinária - aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos disse é uma evidência: que o PSD dirima isso!

O Sr. Presidente: - A fórmula foi aprovada no último governo do bloco central. Não nasceu perfeita, mas pode melhorar-se, como é óbvio. O que me parece que tem sido imperfeito, mais do que a fórmula, é a interpretação dela, que tem sido tal com V. Exa. disse.

Srs. Deputados, recomeçaremos amanhã, a partir das 10 horas e 30 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 20 horas.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 20 de Julho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento de Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
Miguel Galvão Teles (PRD).

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