Página 1639
Quinta-feira, 27 de Outubro de 1988 II Série - Número 53-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 51
Reunião do dia 26 de Julho de 1988
SUMÁRIO
Procedeu-se à discussão dos artigos 246.° e 248.° a 253.° e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Pais de Sousa (PSD), Alberto Martins (PS), José Magalhães (PCP), Carlos Encarnação (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Almeida Santos (PS), Cardoso Ferreira (PSD), Miguel Galvão Teles (PRD) e Vera Jardim (PS).
Página 1640
1640 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, termos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, já terminámos a discussão do artigo 243.°, relativo a "Tutela administrativa".
Em relação ao artigo 244.° ("Pessoal das autarquias locais") não há propostas de alteração.
Depois entramos no capítulo II, relativo a "Freguesta". Em relação ao artigo 245.° ("Órgãos da freguesia") não há propostas de alteração.
O artigo 246.° ("Assembleia de freguesia") tem duas propostas: uma do CDS, que altera os n.ºs 1 e 2, e outra da ID, que apresenta uma proposta de eliminação do n.° 2. Esta proposta vai no sentido de eliminar o seguinte: "Podem apresentar candidaturas para as eleições dos órgãos das freguesias, além dos partidos políticos, outros grupos de cidadãos eleitores, nos termos estabelecidos por lei." Penso que a proposta da ID dispensa qualquer justificação. Ela é clara, percebe-se por si!
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 247.° ("Delegação de freguesia"), em relação ao qual não há propostas de alteração.
Relativamente ao artigo 248.° ("Delegação de tarefas") há uma proposta de alteração do Partido Socialista e uma de eliminação do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como os Srs. Deputados sabem, um dos limites materiais da revisão constante do artigo 290.° refere-se à participação das organizações populares de base no exercício do poder local. No projecto de revisão constitucional do Partido Socialista a proposta relativa ao artigo 290.° suprime este limite material de revisão constitucional. Por razões de filosofia constitucional, que em outras oportunidades já tivemos ocasião de expender, entendemos que não há que violentar os limites materiais de revisão. Procurámos dar uma actualização conceptual a este limite material de revisão. Assim, a nossa proposta do artigo 248.° é a expressão dessa actualização, com consideração pelos limites materiais de revisão.
Onde se refere agora "organizações populares de base" o PS propõe que se passe a ler "organizações de moradores". Mantém-se a fórmula restritiva, ou seja, que a delegação das tarefas administrativas não pode envolver o exercício de poderes de autoridade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, o PSD propõe a eliminação do artigo 248.° Pensamos que, diversamente do mecanismo da democracia directa, está-se aqui perante a mera possibilidade de participação no exercício do poder local. As organizações populares de base têm, de alguma forma, a ver com um modelo de democracia de base. É público que esta norma, face ao seu carácter facultativo, não tem tido, na prática, relevância. Por outro lado, trata-se de uma norma conjuntural, que surgiu com a elaboração e génese da Constituição. Ela não tem, de facto, assumido relevância prática.
Assim, o PSD entende que estas verdadeiras estruturas paralelas ao poder local democrático, representativo e pluralista que a Constituição consagra não têm sentido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Pais de Sousa, que é a seguinte: penso que o Sr. Deputado confundiu o princípio de validade com o princípio da eficácia. A norma pode ser mais ou menos eficaz, isso é discutível. Enquanto norma formalmente constitucional, ela tem a sua validade. Ocorre que essa validade é ainda condicionada por um limite material de revisão constitucional. Este é um ponto essencial sobre o qual gostaria que o Sr. Deputado Pais de Sousa se pronunciasse. Pensa que é possível revogar normas cobertas pelos limites materiais através da técnica do costume derrogatório de que fala o Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Eu, o Kelsen e outras pessoas, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, registo a questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. No entanto, parece-me que o Sr. Deputado dirigiu a questão ao Sr. Presidente e não a mim.
De qualquer forma, creio que esse problema deverá ser discutido a propósito do artigo 290.°, ou seja, quando chegarmos à problemática dos limites materiais de revisão.
O Sr. Presidente: - Como a pergunta não me foi feita a mim, reservo-me para mais tarde. Não quero estar a repetir sempre as mesmas coisas.
Suponho que este ponto já está dilucidado.
Assim, vamos passar ao artigo 249.°, ou seja, ao capítulo III, relativo a "Município". Há uma proposta de aditamento do Partido Social-Democrata.
Pausa.
No fundo, trata-se de transpor para este artigo o actual artigo 254.°
Pausa.
Sr. Deputado José Magalhães, já discutimos alguns artigos. Se tiver alguma coisa para dizer e que seja muito importante, poderemos voltar atrás. Já vimos os artigos 243.°, 244.° e 245.° Relativamente ao artigo 246.° a ID e o CDS têm propostas. O artigo 247.° não tem alterações. Acabámos agora de analisar o artigo 248.°
No artigo 249.° apenas está em causa uma arrumação sistemática, visto que o n.° 2 vem referido, sem alterações, na actual redacção do artigo 254.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em relação ao conteúdo do preceito a proposta do PSD nada inova. Inova apenas naquilo que diz respeito à sua transposição sistemática. A questão que gostaria de colocar era a seguinte: os municípios são pessoas colectivas de direito público. Esta faculdade de constituir
Página 1641
27 DE OUTUBRO DE 1988 1641
federações ou associações ou é uma faculdade geral a coberto do direito de associação -e nesse sentido todos poderíamos, eventualmente, convir que ela já está consignada nos termos gerais- ou pretende ser mais do que isso, ou seja, pretende ser a faculdade de poder constituir associações ou, neste caso, outro tipo de organizações, mas não com a natureza de direito privado como aquelas que actualmente existem, designadamente a Associação Nacional de Municípios. Haveria que saber se há aqui uma abertura para a possibilidade de as associações ou as federações a constituir virem a ter à natureza de pessoas colectivas de direito público. Se assim for, não deveria a norma ser precisada com referência à própria lei, uma vez que os termos de constituição de entidades de direito público o são por via legislativa? Penso que é um problema em aberto, e não totalmente solucionado no nosso ordenamento jurídico, na articulação das autarquias locais entre si e nas suas prerrogativas associativas.
É uma questão que coloco não só ao PSD mas também a mim próprio. O que gostaria de ter era a interpretação que o PSD faz. Para o PSD a norma tal como está configura as duas hipóteses ou apenas uma delas?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, posso responder, mas não lhe vou dar a interpretação que o PSD faz porque não sei bem qual seja. Dou-lhe, sim, a minha interpretação.
Como sabe, esta ideia das uniões e federações de municípios vem já do Código Administrativo de 1936 e até em relação a alguns pontos ela é mais antiga. No Código Administrativo de 1936/1940 são, indubitavelmente, pessoas colectivas de direito público. Fundamentalmente, sempre foi assim que se considerou! De resto, o Pró f. Marcelo Caetano punha o problema de uma maneira clara e assim ensinava quer nas suas aulas quer no Manual de Direito Administrativo. Importa não confundir com associações de municípios de direito privado de outro tipo, que são aquelas a que se referiu.
Portanto, no elenco das pessoas colectivas de direito público de base territorial as uniões e federações de municípios obedeciam ao princípio da tipicidade. Admitiu-se sempre que a circunstância de o Código Administrativo prever em várias normas a possibilidade da sua constituição era suficiente para se lhes reconhecer a natureza de pessoas de direito público. Assim, na prática administrativa apareceram - e algumas ainda existem - várias federações de municípios, designadamente em matéria de distribuição da energia eléctrica.
Embora se tenha utilizado uma designação que pode ser enganosa a propósito da Associação Nacional de Municípios, a verdade é que essa Associação não é uma entidade de direito público. É, sim, uma entidade de utilidade pública administrativa, mas não é uma entidade de direito público e não foi constituída ao abrigo das normas do Código Administrativo.
Quando a Constituição consignou neste preceito esta possibilidade -e neste ponto a proposta do PSD não é inovadora, mas sim uma pura transposição- não quis mais do que sublinhar a importância de que se reveste a possibilidade de os municípios congregarem esforços na prossecução de interesses comuns. Isto está ligado a um ponto que tem grande relevância e que é o que diz respeito à construção de um poder municipal forte que ultrapasse as limitações resultantes de um volume relativamente reduzido de muitos municípios, em termos de receitas e até de área, que, portanto, disponham de capacidade para ter serviços apetrechados tecnicamente e em pessoal habilitados a satisfazer as necessidades mais complexas das necessidades locais de hoje. Portanto, é uma ideia de uma construção de entidades com uma extensão territorial e uma complexidade de estruturação superiores aos municípios, mas, de com a mesma raiz, vindos dos cidadãos. Nalguns casos vai-se ao ponto de afirmar que as regiões deveriam mais alicerçar-se neste conjunto progressivamente alargado de federações ou de associações de municípios do que ser uma entidade imposta, de algum modo, de cima pelo legislador. Enfim, isso é outro tipo de considerações.
Basicamente, a interpretação que faço é a seguinte: trata-se de entidades de direito público que estão ao lado dos municípios. São uma resultante do exercício do direito de associação público, diferente do direito de associação de direito privado, e é justamente por isso que necessitam de estar expressamente consignadas na Constituição. Caso contrário, não fazia sentido. Todos os municípios têm uma capacidade e uma actividade regida pelo direito privado e podem constituir associações, federações, sociedades, mas desde que se inscrevam dentro do seu princípio da especialidade. Não acontece assim com a capacidade pública das pessoas colectivas de direito público e é por isso .necessário que haja normas especiais que prevejam essa possibilidade. Portanto, as pessoas colectivas de direito público podem, em determinados casos, incluir no seu processo de constituição um reconhecimento normativo e não um procedimento caso a caso. É preciso que haja normas de direito público que especificamente o prevejam. A Constituição, as normas do Código Administrativo e as normas da lei relativas ao poder local resolvem esse problema de modo a não haver nenhuma solução de continuidade no ordenamento jurídico.
Suponho que a natureza pública dessas pessoas colectivas é pacífica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, depois dessa clarificação, gostaria de lhe colocar uma questão, que é a seguinte: há uma dúvida que tem sido frequentemente levantada e que diz respeito não tanto à natureza pública ou privada, mas sim quanto à natureza de órgão autárquico ou órgão associativo não electivo das associações de municípios.
O Sr. Presidente: - Isso é uma matéria diferente, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Gostaria que o Sr. Presidente pudesse dar um contributo nesse domínio para uma melhor interpretação deste preceito.
O Sr. Presidente: - Suponho que aquilo que basicamente tem acontecido é considerar-se que a democraticidade destas instituições é de segundo grau, que resulta da circunstância de os órgãos destas associações ou federações terem na origem uma base democrática. E têm essa base por assentarem em órgãos que têm eles por sua vez uma designação democrática, pois os seus titulares são escolhidos por um processo democrático.
Página 1642
1642 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
A democraticidade resulta assim indirectamente da circunstância de serem designados por órgãos que são eleitos democraticamente pelos próprios cidadãos.
O Sr. Alberto Martins (PS): - O Sr. Presidente admite a possibilidade de uma representatividade indirecta nos órgãos dirigentes das associações de municípios?
O Sr. Presidente: - O que tem acontecido é que estas federações e uniões têm finalidades mais restritas. Isto ao contrário daquilo que acontece nas autarquias locais, que na sua área obedecem a um princípio universal. Elas são limitadas pelas competências das entidades de direito público com uma extensão territorial mais vasta, designadamente pelo Estado, mas dentro da sua área e naquilo que são os interesses locais; os interesses de relevância local não obedecem ao princípio da especialidade, mas sim a um princípio de universalidade. Isto é, todos aqueles interesses que têm relevância local são, em princípio, da competência dos municípios ou das freguesias. Já assim não acontece nas federações e nos municípios. Só têm competência para aqueles conjuntos de interesses que especialmente lhes foram atribuídos; portanto, vigora, com outra força, o princípio da especialidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a minha intervenção visa repor o debate dentro daquilo que me parecem dever ser os seus limites: tanto quanto me apercebi, esta proposta do PSD é uma proposta de pura reinserção sistemática!
O Sr. Presidente: - É verdade, e foi dito.
O Sr. José Magalhães (PCP): - As questões de conteúdo, que são todas doutas, relevantes e propiciam reflexões muito interessantes, como pudemos ouvir da boca do Sr. Presidente, designadamente, são relevantes face a um texto vigente em cujo conteúdo não há numa vírgula que seja, conceptual e normativãmente, a mínima alteração.
O que deixa espécie é as razões pelas quais o PSD pretende fazer a operação de cirurgia plástico-jurídica (porque é disso que se trata), traduzida na deslocação do conteúdo normativo do artigo 254.° actual para um n.° 2 (a criar) do artigo 249.° Porque o artigo 249.°, sendo o inicial do capítulo respeitante aos municípios e começando, por assim dizer, pelo começo (isto é, pela criação ou extinção de municípios), pode comportar ou não uma alusão às experiências associativas dos municípios. Mas devo dizer que é uma questão de estão, é quase uma questão de "bom gosto normativo".
Francamente, quando fui confrontado com esta proposta pela primeira vez, a primeira ideia que me surgiu foi a de que o PSD queria eliminar o artigo 254.°, o que depois se percebe que não. Ao contrário do que acontece noutras partes da Constituição, não se trata de uma fúria eliminatória, trata-se apenas de uma fúria cirúrgica. Não me apercebi nas palavras do Sr. Presidente de uma justificação mínima para essa operação transpositiva que o PSD propõe. Porquê? Qual é a "importância de ser 249.°"?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, como V. Exa. acabou de referir, basicamente trata-se desta ideia simples: a importância das associações e federações de municípios resulta fundamentalmente de serem um instrumento de reforço da actividade dos municípios. Daí que parecesse útil sublinhar esse aspecto, ligando-o imediatamente ao artigo que inicia o capítulo sobre os municípios. Acresce a essa vantagem, que, como referiu muito bem, é de ordem estética - eu diria também de economia -, a de se eliminar um artigo que não se torna fundamental estar autonomizado. Pelo contrário, a circunstância de se ligar ao que passaria a ser o n. ° 1 reforça esta ideia de instrumentalidade das associações e federações de municípios relativamente aos municípios. É só; não é uma questão muito importante e não foi apresentada como tal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se me permite, Sr. Presidente, na lógica narrativa do capítulo m, não noto deficiência relevante. O capítulo começa com a enumeração das garantias quanto à criação e extinção de municípios, passa à definição dos elementos orgânicos, primeiro com carácter genérico no artigo 250.°, depois com carácter específico nos artigos 251.°, 252.° e 253.°; a seguir, alude à maneira como estas entidades, cuja natureza acabámos de apreender, se podem associar, sempre com carácter voluntário, e quer com um cunho federativo quer com um carácter meramente associativo. Finalmente, estabelece-se uma garantia especial para os municípios em matéria financeira.
Há nisto uma lógica que é perfeitamente impecável. Fico com dúvidas sobre a bondade da operação proposta e creio que o Sr. Presidente reconhecerá que verdadeiramente é um tanto especioso colocar-se esta matéria no frontispício do capítulo, a não ser que se queira enfatizar muito a componente associativa e a actividade associativa dos municípios.
O Sr. Presidente: - Mas, como lhe disse, essa foi uma das razões com a qual se pode ou não concordar. No fundo, o reforço do poder local passa muito pelo reforço da capacidade de actuação dos municípios pela via da cooperação através de associações e federações. Mas não é uma matéria que justifique ocupar-mo-nos longamente com ela. As posições estão postas, e não será por isso que haverá largos dissensos nesta Comissão.
Sr s. Deputados, poderíamos passar agora ao artigo 250.°, sob a epígrafe "Órgãos do município", relativamente ao qual o PS e o PSD propõem alterações de redacção, aliás de idêntico teor, em que é suprimida a menção ao conselho municipal, o qual, de resto, o próprio artigo 250.° já admite facultativamente.
Quer o PS justificar sucintamente a sua proposta?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Creio que, em alguma medida, a proposta justificar-se-ia por si própria, embora deva dizer-se que havia aqui uma representação dúplice de órgãos directamente eleitos e órgãos de representatividade orgânica. O conselho municipal, aliás cuja composição em termos de lei ordinária acabou por ser remetida para as assembleias municipais,
Página 1643
27 DE OUTUBRO DE 1988 1643
acabou na prática por não ter tradução factual em muitos municípios, sobretudo nos mais importantes. Poder-se-á dizer que foi uma norma que em grande medida não se realizou na prática constitucional. E a proposta do PS tem a coerência que decorre também da mesma solução apontada para o conselho regional, ao considerar que este órgão acabou por não ter efectiva representatividade, o que motiva a sua supressão, dando origem apenas aos órgãos directamente eleitos e prescindindo desta representatividade orgânica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, faria, muito sucintamente, a apresentação do preceito idêntico que o PSD apresenta para este artigo. Espero que o Sr. Deputado José Magalhães não nos acuse de fúria demolidora também em relação ao conselho municipal, uma vez que este preceito já teve perante as revisões constitucionais algumas histórias de alteração, sempre no sentido da desvalorização, que na prática resultou deste órgão.
Acompanharia quase ponto por ponto as considerações do Sr. Deputado Alberto Martins e não diria mais, na medida em que, a nosso ver, para além do sentido da evolução do preceito, o sentido de verificação da realidade aponta de facto para a desnecessidade de consagração constitucional do conselho municipal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de conselhos municipais, a linha de rumo que tem vindo a ser seguida, e que teve um momento concreto na primeira revisão constitucional, parece-nos nefasta e os raciocínios que nos foram agora expostos pelos Srs. Deputados do PS e do PSD enfermam coincidentemente de um mesmo vício. Parte-se de uma determinada análise do real para propor uma solução jurídica extintiva. E ao propor-se essa solução não se tem em conta qual é o seu conteúdo real neste momento!
O Sr. Deputado Alberto Martins dizia a certa altura que a extinção "se justificava por si própria", que "a experiência não provou". Ora, sucede que a demonstração a fazer constitucionalmente é de que a norma é danosa e não tem futuro.
Havemos de constatar tal secura do ramo, que nenhum viço seja esperável. Só perante um juízo desse tipo, de completa desesperança, é que se justificaria a liquidação constitucional da figura, que se limitaria, então, a certificar um óbito já ocorrido. Ora, esse exercício é que os Srs. Deputados não fizeram, limitando-se a uma espécie de diagnóstico factual ou de autópsia de um instituto. Tomando entre mãos o quê? A parte da realidade que entenderam.
Por exemplo, a consulta pública aos municípios que organizámos nesta Comissão não aponta para aí. Não vi nos pareceres emitidos - já agora era bom que tivéssemos o trabalho de os folhear, todos! - uma inclinação no sentido que os deputados proponentes aqui nos trouxeram: pelo contrário! Inclusivamente, alerta-se nesses pareceres para um facto que me parece extremamente razoável, uma verdade de bom senso: a criação, a existência de conselhos municipais é hoje, depois da primeira revisão constitucional, facultativa. Deixe-se às autarquias a liberdade, a força e o viço de os criar quando entendam e quando haja essa força e esse viço. Nos demais casos, a realidade, ela própria, se encarrega de dar resposta consoante com aquilo que sejam as aspirações, o estado real das coisas. Mas não se produza ope constitutionis um efeito que porventura as populações, em partes significativas do País, entendem indesejável.
A Constituição restringe a natureza e a dimensão dos conselhos municipais. A primeira revisão facultativizou-os. Porquê erigir em imperativo desta revisão constitucional a proscrição, porque é de proscrição que se trata, dos conselhos municipais?
Nos casos em que os Srs. Deputados possam fazer o raciocínio mortuário que os Srs. Deputados Alberto Martins e Carlos Encarnação aqui, em mão a mão, nos trouxeram, nesses casos a solução está ao alcance das assembleias municipais. Nesses casos, as assembleias municipais deliberam não criar conselhos municipais e não os há. Nos casos em que as populações aspirem à criação de conselhos municipais e consigam influenciar as assembleias municipais no sentido dessa criação, eles existirão. Onde houver vida, haverá conselhos municipais, onde ela não existir, não. É tão simples como isso. É esta a solução constitucional equilibrada e razoável, longe de uma sentença de morte, operada com base num juízo peremptório e, de resto, mal escorado em documentação abonatória (antes pelo contrário).
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que entendemos mal as explicações, que nos parecem soar a mal fundado, e rejeitamos a ideia extintiva em si mesma.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de tecer algumas considerações a propósito daquilo que referiu, não tanto em termos de averiguar se a consulta feita aos municípios abona esta ou aquela tese, porque, como é evidente, é um elemento de informação, mas não tem de ser necessariamente um elemento de decisão, atendendo apenas ao número dos que se inclinam num certo sentido ou noutro. Tenho uma dúvida que gostaria de colocar acerca da forma como em termos de relação entre a Constituição e a liberdade organizatória dos municípios se deve colocar esta questão. Isto é, uma hipótese - creio que foi o pressuposto de que o Sr. Deputado José Magalhães partiu, e eventualmente terá razão - é de que se o conselho municipal não estiver previsto no texto constitucional não é possível instituí-lo, tese que pode fundamentar-se, designadamente, numa certa ideia de numerus clausus dos órgãos municipais, na tradição das constituições portuguesas e na maneira cartestana como organizámos o nosso sistema de poder local, isto é, sem soluções de continuidade territorial, tudo por um modelo que tem depois pequeninas alterações de dois ou três subtipos, mas que não possibilita grande imaginação.
A outra alternativa possível consistiria em pensar noutros termos, defendendo que em matéria de poder local, dada a relevância dos interesses locais ou dos interesses com relevância local, como de maneira tecnicamente mais rigorosa se deveria dizer, e o princípio de universalidade das instituições que vão defender estes
Página 1644
1644 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
interesses, devemos garantir a existência de órgãos representativos, órgãos esses que devem estar devidamente regulados na Constituição. E existiriam esses e só esses, o que justifica a expressão cuidadosa: "os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal". Mas não prejuizávamos acerca da possibilidade, do ponto de vista organizatório, de existirem outros órgãos que facilitassem o trabalho dos municípios, e que poderiam ser muito diversificados consoante as necessidades dos municípios.
Devo dizer que se olharmos para a estrutura organizatória de cada câmara municipal encontraremos estruturas algo diferenciadas de câmara para câmara, mesmo para além daqueles tipos que foram consignados primeiro no Código Administrativo e depois nas leis sobre as autarquias locais. No entanto, estão, digamos, num nível com dignidade relativamente menos relevante, num nível inferior, pelo que, no caso de se entender que o conselho municipal era útil, estaríamos a relegá-lo para essa situação de um nível menos qualificado e sem relevância constitucional.
Se bem que porventura a questão não tenha uma grande importância, ela tem no entanto alguma, na medida em que, em meu entender, seria útil que a Constituição se referisse apenas às questões verdadeiramente fundamentais, consignando aqueles órgãos que têm necessariamente de existir, mas que a circunstância de não referir, por hipótese, a necessidade de existência de uma comissão venatória não significasse a proibição dessa comissão. Se bem que o conselho municipal ficasse numa posição menos relevante do que aquela que neste momento tem, embora apenas consultivo, não ficaria no entanto proibido.
No fundo, é essa a questão: se interpretarmos como o faz o Sr. Deputado José Magalhães, não poderemos em nenhum caso instituir um conselho municipal; se formos para uma interpretação em que apenas se consignam aqueles órgãos obrigatórios e de relevância do ponto de vista democrático (por isso são representativos), deixaríamos à autonomia organizatória das instituições o saber se, em cada caso, haveria ou não utilidade na existência de um conselho municipal.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Fiz simultaneamente uma pergunta e uma consideração dirigidas ao Sr. Deputado José Magalhães. Como os Srs. Deputados Almeida Santos e Nogueira de Brito solicitaram a palavra, talvez fosse mais útil o Sr. Deputado José Magalhães guardar-se para nos iluminar no fim.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O que queria era fazer uma pergunta ao Sr. Presidente, mas parece-me que não será oportuno neste contexto, em que vai haver uma intervenção para responder ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Exactamente. Então vamos dar a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos e V. Exa. congeminará a melhor maneira de fazer a pergunta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Queria dizer o seguinte: este mesmo problema foi posto aquando da primeira revisão. Nessa altura debateram-se duas teses: a que queria extinguir, desde já, os conselhos municipais - era a que eu defendia, devo dizer - e a tese que entendia que deveria manter-se uma experiência, como facultativos, isso que foram durante cinco anos entre as primeira e segunda revisões, e depois tirar conclusões. Por que é que defendia já a extinção? Talvez porque fui presidente de uma assembleia municipal e sei o que foi o papel do conselho municipal. Sempre encarei enviesadamente a constituição, meia corporativa, dos conselhos municipais e devo dizer que nunca simpatizei com essa composição.
Vozes e risos.
Devo dizer aliás que no meu distrito nunca funcionou. Ou não tinha quorum - o que era habitual - ou alguém tinha a bondade de fazer um parecer à pressa e depois andava a recolher as assinaturas para poder cumprir a formalidade de poder apresentar um parecer que dizia tanto como coisa nenhuma. E mesmo quando o parecer é muito bom, já sabemos o que é que os órgãos decisórios ligam aos órgãos consultivos e aos seus pareceres.
Era uma burocracia desnecessária, complicativa, e a experiência destes cinco anos em que foi facultativo - diga-se o que se disser -, só demonstra o acerto daqueles que já então entendiam que deviam ser extintos. Se algum "plebiscito" há nisto, é que a percentagem dos que se mantiveram é insignificativa relativamente àqueles que se não constituíram. É claro que podem dizer que entre aqueles que se constituíram seguramente 80% são nas câmaras de maioria comunista. O PCP pôs a funcionar os conselhos consultivos. Por isso compreendo que o PCP tenha uma perspectiva diferente da do PS, porque tem a perspectiva da sua própria experiência. À nossa experiência é desastrosa? A faculdade de os não constituir foi aproveitada em mais de 80% para se não constituírem. Foi esta a resposta. Quer-se melhor argumento de que, tendo-se tornado facultativos, quase ninguém aproveitou a faculdade? À perspectiva especial do PCP, que por acaso teve a habilidade especial de os pôr a funcionar, tiro o chapéu. Mas a verdade é que não posso considerar esse facto fora da área em que ocorre.
Portanto, a minha tese de 1982, que já então era a de se extinguir um órgão que achava inútil, pesado, burocrático, corporativo, está hoje condenada à morte pela razão simples que a experiência feita foi um autêntico plebiscito. Não existe hoje a mesma razão para se manter como facultativo na Constituição. E não acompanho o Sr. Presidente no sentido de que pode ser sempre um órgão facultativo. Depois de cá ter estado, e ter sido extinto, fica morto e bem morto. Se as câmaras quiserem ter órgãos consultivos que os tenham. Arranjam três, quatro juristas, pagam-lhes e eles dão-lhes os pareceres que quiserem. Agora um órgão com esta composição, representativo das actividades económicas e culturais, isso é que não!
Ora bem, este excesso de burocrativite pode ser corrigido com alguma sensatez. E respeitando muito embora a posição do PCP e compreendendo-a no âmbito da experiência que como partido tem, não a aceito nem o acompanho.
O Sr. Presidente: - Como as experiências traumatizantes têm importância para as revisões da Constituição!
Página 1645
27 DE OUTUBRO DE 1988 1645
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não estou traumatizado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Começaria por formular um voto: o de que não emendássemos a Constituição em função da menor capacidade ou habilidade deste ou daquele partido para pôr a funcionar este ou aquele órgão previsto na Constituição. Mas V. Exa. teve, de qualquer modo, uma intervenção-pergunta mais simpática para com o corporativismo do conselho municipal do que a do Sr. Deputado Almeida Santos, que realmente me parece ter posto bem o problema no sentido de apontar, claramente, as consequências resultantes desta eliminação. É que a minha pergunta ia precisamente no sentido de saber se V. Exa. não atribui importância à circunstância de, na sequência do que se passou na reforma de 1982, a proposta de eliminação, agora, de qualquer referência ao conselho municipal, tendo em conta o elemento de interpretação histórica, poder levar realmente à eliminação pura e simples do órgão que nem facultativamente poderá surgir no contexto dos órgãos municipais.
O Sr. Presidente: - Quer dizer que V. Exa. considera que a circunstância de se eliminar da Constituição a previsão do órgão impede que, dentro daquilo que é a discricionariedade organizatória das pessoas colectivas, que também existe naturalmente quanto às pessoas colectivas de direito público, elas ficam impedidas. Podem, porém, chamar-lhes outra coisa em vez de conselho municipal, chamarem-lhe conselho consultivo, e nessa altura já será admitido. Ora bem, julgo que isso é uma interpretação demasiado rigorista e que no fundo transplanta as ideias do Código Civil para a Constituição, ou seja, da técnica do Código Civil para a Constituição. Penso que se justifica a eliminação da referência, porque, na verdade, o conselho municipal tem provado, na generalidade dos casos, não ser suficientemente importante para se lhe dar uma dignidade constitucional ao lado dos outros órgãos.
Agora quanto ao problema decorrente de alguns municípios encararem o conselho municipal como útil e estruturarem a sua organização incluindo esse órgão, julgo que deveríamos, dentro dos direitos que são facultados pelo próprio quadro da lei relativa ao poder local, deixar isso à competência organizatória, que é discricionária, repito, das autarquias. A mim tal procedimento não me chocaria. É evidente que não me animam propósitos tão corporaticidas como aqueles que moveram o Sr. Deputado Almeida Santos, mas alinho com ele na ideia de que normalmente o conselho municipal já antes, até mesmo no período em que havia corporativismo, era um órgão relativamente pouco eficiente.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Apesar de tudo, depois de conhecer as teses, com laivos algo jacobinos, de alguns membros do Governo sobre a definição do interesse geral, dos interesses particulares e das relações entre os dois, congratulo-me com aquilo que V. Exa. manifestou sobre a possibilidade, ou melhor, a utilidade ou não de se constituir, embora facultativamente,
o conselho municipal, ao abrigo do arbítrio e da liberdade organizatória dos próprios municípios. Simplesmente, Sr. Presidente,...
O Sr. Presidente: - Eu não falei em arbítrio.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -... não podemos esquecer que o conselho teve assento constitucional como órgão obrigatório e tem agora assento constitucional como órgão facultativo. É evidente, Sr. Presidente, que a partir da eliminação proposta pelo PSD e pelo PS se vai concluir que ela equivale, neste contexto, à proibição constitucional.
O Sr. Presidente: - Eu não partilho essa tese, mas compreendo que ela seja defendida.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Há pelo menos que acautelar esta interpretação das coisas. Se efectivamente V. Exa. não se aflige com o carácter facultativo do conselho poderá concluir-se que se trata apenas da reacção ao exagerado verbalismo que eu partilho com V. Exa.? É essa reacção ao exagerado verbalismo que nos leva a tirar e a limpar...
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é uma outra coisas. É que, ao consignar-se, e constitucionalmente ao lado dos órgãos representativos, o conselho municipal, atribui-se-lhe uma importância que pessoalmente entendo ser errada. Isto é, quando V. Exa. olha para a orgânica de um município, V. Exa. verificará que existem vários órgãos. É claro que estamos, curiosamente, muito influenciados por uma doutrina sobre a teoria dos órgãos da pessoa colectiva de direito público, que em Portugal fez escola ao longo de 30 anos. A verdade, pesem embora o papel que desempenhou e a importância teórica do seu autor, o Professor Doutor Marcello Caetano, é que, naturalmente, as coisas evoluíram um pouco e na realidade das coisas não penso que ela, em termos de teoria orgânica e teoria das pessoas colectivas, seja tão explicativa, como parecem pensar muitas das pessoas que se têm pronunciado nesta matéria. Quer dizer, a ideia de que tudo o resto não são órgãos, de que os órgãos são tipificados de uma forma rígida e tudo aquilo que não está na Constituição não faz parte da capacidade organizatória das pessoas colectivas de direito público que estão previstas na Constituição, julgo que é uma visão, perdoar-me-á, um bocadinho apressada desta problemática.
Agora o que me inclino é em retirar ao conselho municipal uma dignidade que leve a mencioná-lo, embora facultativamente, ao par de dois órgãos que são indispensáveis e sem os quais ficaria descaracterizada a autarquia local. É nesse sentido que estou de acordo em relação a esta ideia. É evidente que também não virá um mal substancial ao mundo se nós eliminarmos a possibilidade de se constituírem conselhos municipais, mas por detrás disto existe uma ideia que, essa sim, a mim me aflige. É a ideia de numerus clausus em matéria de orgânica, uma visão demasiado tipificada e rígida da orgânica municipal, que considero profundamente errada, e resultou de uma certa interpretação da obra da Revolução Francesa em matéria de poder local, que importámos com o Decreto n.° 23, de Mouzinho da Silveira, e que, na verdade, vimos, religiosa-
Página 1646
1646 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
mente, observando ao longo do tempo. Liberais, neo-liberais, corporativistas, anticorporativistas sempre a ela fielmente se mantiveram, e agora também os intérpretes das lições de direito administrativo do grande catedrático de Lisboa a seguem, aqui e agora, nesta Comissão.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, que a interpretação por mim referida será possível demonstra-o a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos de há pouco. O PS, ao eliminar a referência, quis mesmo "matar" o conselho municipal. Logo, não compreendo esse tipo de argumentação que V. Exa. desenvolveu perante esta formulação: os três órgãos não estão em pé de igualdade, na medida em que um deles é declarado como de constituição facultativa ao lado dos outros que o não são. Mesmo assim, porém, VV. Exas., pela mesma razão de que não se lhe deve dar a mesma dignidade de que não devem estar em paralelo, entendem que não deve sequer ser mencionado. Querem eliminar essa formulação...
O Sr. Presidente: - Quer dizer, V. Exa. acha que é a mesma coisa eu querer-lhe dar uma dignidade um pouco superior, mas em todo o caso no mesmo plano da comissão venatória, por hipótese, e V. Exa. ao pô-lo na Constituição dá-lhe um relevo muito diferente da comissão venatória.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quanto à colocação em pé de igualdade com a comissão venatória, aguardo a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que, pelos vistos é responsável pela constituição de vários conselhos municipais. Do que não haja dúvida nenhuma é que estas propostas de eliminação acabarão por suscitar uma interpretação que porventura ganhará foros de interpretação mais autorizada, no sentido da eliminação do órgão propriamente dito, da possibilidade de o constituir. Veremos, Sr. Presidente! Mas aqui fica esta prevenção.
O Sr. Presidente: - Portanto, V. Exa. é a favor dos conselhos municipais.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Com certeza! Sendo a favor dessa capacidade organizatória dos municípios, neste momento é nesta matéria devíamos, pelo menos em homenagem a isso, manter a redacção.
O Sr. Presidente: - Mas V. Exa. aceita que poderá haver outros órgãos para além dos que estão aqui mencionados?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas estes já têm uma história constitucional, a questão é essa.
O Sr. Presidente: - A infelicidade dele é ter uma história constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de focar quatro aspectos...
O Sr. Presidente: - Desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas suponho que o Sr. Deputado Alberto Martins, que tinha pedido anteriormente a palavra, quereria intervir ainda antes.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Tenho algumas dúvidas sobre se o conselho municipal enquanto instrumento, e não tendo nada rigorosamente contra relativamente aos órgãos de representatividade orgânica, que podem ter, e já vimos que têm nalgumas soluções propostas, uma natureza vincadamente democrática, tenho no entanto dúvidas quanto à ideia do conselho municipal poder corresponder, efectivamente, a um alargamento da participação democrática. Neste sentido, o que pedia ao Sr. Deputado José Magalhães, uma vez que apresentou uma argumentação muito impressiva neste terreno, era que fornecesse dados por si disponíveis quanto à vitalidade dos conselhos municipais. Sendo certo que há uma dificuldade nesta disposição constitucional, não só pelo facto de a realidade a não confirmar, mas também por uma dificuldade de ordem legal, da qual a formalização constitucional não é responsável, e que radica no tacto de em lei ordinária não ter sido fixada a composição dos conselhos municipais. Isto levou a que, quer na lei inicialmente existente, quer numa proposta subsequente, a composição dos conselhos municipais fosse definida pela assembleia municipal, o que levanta algumas dúvidas de legalidade e até de constitucionalidade. Isto é, esta solução do conselho municipal pode ter ou teria eventualmente algumas virtualidades se a sua composição fosse rigorosamente fixada de molde que não constituísse um elemento, aí sim, em termos de composição, profundamente conjuntural e até de natureza de interesses especializados e portanto aberto ao tipo de críticas que aqui foram formuladas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Poderei e deverei considerar as observações feitas pelo Sr. Deputado Alberto Martins pelos restantes Srs. Deputados. Ordenarei as minhas considerações em torno de quatro tópicos.
Primeiro, creio que é importante procurar situar tudo o que está em causa (donde um subtítulo picante, que me é sugerido pelo Sr. Deputado Rui Machete: "crónica de um caetanicídio equivocado"; é que há aqui um equívoco sério). O segundo tópico: "as virtualidades do texto vigente". O terceiro: "os maus argumentos e as más soluções". O quarto: "as consequências". Serei breve.
O primeiro aspecto diz respeito às razões, tudo aquilo que pode levar a medir bem o que está em causa. O que está em causa não é o retardadíssimo caetanicídio que, porventura, se impõe em muitos esferas do nosso direito administrativo e que é uma tarefa destinada a quem souber e puder toma-la em mãos e executá-la bem. O que está em causa aqui é, mais exactamente a morte dos conselhos municipais.
Não estamos a discutir as virtualidades actuais e futuras do caetanismo, como orientação doutrinária, que se plasmou em muitos aspectos do nosso direito administrativo, que estão vivos, alguns deles, aliás impor-
Página 1647
27 DE OUTUBRO DE 1988 1647
tantes, deve dizer-se, em termos de construção de ciência administrativa em Portugal. Portanto, há que encarar com muita cautela certas liquidações apressadas de heranças, porque por vezes liquidam o que realmente não merece ser liquidado e mantêm aquilo que verdadeiramente devia ser postergado. Esta é uma alegação muito geral, que careceria, evidentemente, de muitas destrinças, que não farei aqui nesta sede...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, dá-me licença que lhe faça um curto comentário?
Penso que é importante dizer o seguinte, antes que V. Exa. prossiga. Desculpar-me-á que lhe diga o seguinte: eu posso concordar ou discordar dos ensinamentos do Dr. Marcelo Caetano, e certamente não fui dos que o acompanharam nas suas opções políticas, mas gostava de dizer-lhe duas coisas que me parecem importantes. Uma primeira é que ele foi um dos meus professores, e com o qual muito aprendi; em segundo lugar, que a sua obra foi uma obra notável do ponto de vista do direito administrativo, como V. Exa. há pouco referiu, e que merece toda a minha (e suponho que toda a nossa) consideração, porque não estamos a ajuizar o político, estamos a analisar o cientista e o professor.
Insisto, porém, neste ponto: o Prof. Marcelo Caetano escreveu no seu tempo, e há muitos aspectos que a meu ver têm de ser repensados, como certamente outros que escrevem em momento posterior vão ser ultrapassados, pois é assim a realidade da vida científica. Não há nenhuma menor consideração da minha parte pela sua obra. Gostava de dizer isto, não porque V. Exa. esteja, penso eu, em discordância comigo, mas, como estas matérias vão ficar registadas, eu não quereria, de modo nenhum, ser considerado ingrato em relação à memória de uma pessoa com a qual vivi largo tempo, algumas vezes em conflito, mas que sempre respeitei em vida, antes e depois do 25 de Abril, e, por maioria de razão, agora, que só podemos curvarmo-nos sobre a sua memória.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostava de sublinhar que trouxe esta necessidade de destrinça à colação porque acho que, realmente, tem de ser feita. Tem de ser feita por razões que o Sr. Presidente invocou, do seu lugar próprio, e que eu poderia invocar do meu, de forma diferente. Aquilo que estamos a debater não tem realmente a ver com a problemática que o Sr. Presidente aqui nos trouxe, sobre a questão da atipicidade ou não, orgânica, de certas pessoas de direito público (creio que essa questão deve ser abordada, mas separadamente). Tem a ver com outro problema, que é o da participação popular, em particular a participação de determinadas organizações populares, no exercício do poder político e, em particular, no exercício do poder local.
Nesta matéria a posição do PS e do PSD é extintiva. Propõem a supressão do artigo 118.°, e propõem a supressão deste artigo. E é essa opção extintiva que nós criticamos! Creio que o que era necessário justificar era a "maldade", os "malefícios", da existência desses instrumentos participativos na nossa democracia. E isso não foi feito pelos dois partidos!
A postura do PS nessa matéria é, apesar de tudo, mais incoerente do que a do PSD. O PSD não tem nenhuma tradição em que se possa abonar para defender a existência de organizações populares de base. Nem tem nenhuma vertente que inculque essa opção no seu pensamento liberal, "social-democrático", "bernsteiniano", seja o que for (cavaquista!). Não tem nada que possa permitir-lhe justificar uma ideia de participação popular, acrisolada no exercício do poder local, ou no que quer que seja. Portanto, "não tem pátria" desse ponto de vista. Ó PS, por sua vez, teve-a. Entende separar-se em 1988. E é isso que aqui fica significativamente marcado. Os argumentos do género daquele que o Sr. Deputado Alberto Martins aqui lançou, "será que alargariam os conselhos a participação democrática?", é um argumento muito feio para se usar à beira de uma cova jurídica. No momento em que o PS se apresta a liquidar um instituto, perguntar com o ar do Hamlet olhando a pré-caveira: "Tens tu ou não virtualidades de alargamento da participação democrática?" Apenas suscita uma resposta: "se queres saber, não me mates!" Esta discussão da virtualidade dos conselhos municipais é uma discussão que faz muito pouco sentido, se feita nas tábuas do Instituto de Medicina Legal...
Risos.
É esta a minha resposta directa e imediata ao Sr. Deputado Alberto Martins. As vossas propostas liquidam as virtualidades dos conselhos existentes e proscrevem tanto esses como os que pudessem criar-se no futuro. Essa responsabilidade desvitalizadora é indisfarçável.
Segunda questão: as virtualidades do texto vigente. O texto vigente é flexível, é o mais flexível possível. É até flexível em relação à questão da composição. É evidente que se o legislador ordinário tivesse morrido de paixão pelos conselhos municipais, teria sido mais eficaz, teria sido mais prolífico e teria sido mais "garantístico". Não o foi, e não por acaso! A solução a que acabou por se chegar é flexível acima de todas, porque permite que as composições se ajustem às realidades locais. Se, lobrigando à volta, os distintos autarcas da Guarda, para falar de um exemplo que aqui há pouco nos foi trazido, não vislumbram fumos de organizações populares que valham o estarem representadas, definam uma composição adequada! Definam-na dentro dos parâmetros legais, definam-na em termos tais e tão realistas que não tenham de passar por aquela terrível dor que apoquentou o Sr. Deputado Almeida Santos, subindo o calvário da busca de um parecer para conseguir, briosamente, honrar o seu mandato. É uma questão de sageza, que ou há ou não há.
Isto leva-me à questão dos argumentos, que são realmente péssimos. Os argumentos utilizados pelo Sr. Deputado Almeida Santos resumem-se a um: "tire-se de uma chama todo um inferno". Se aqui, ali e acolá não funcionou a figura dos conselhos, isso macula a própria ideia da sua existência.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só funcionou nas áreas do P,CP. "Está morto!"
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Foi o que eu disse. Não altere!
Página 1648
1648 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não altero um milímetro. Apenas penso que a sua lei não é salomónica, é hamurábica (dada a crueldade imensa)...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Qual crueldade! O que não presta põe-se fora. Desculpe, não há crueldade nenhuma. É pragmatismo. Ao que está morto passa-se a certidão de óbito}
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o que é que "está morto"? Onde?! Pois se V. Exa. me salienta e reconhece que o instituto está vivo, apenas ocorrendo esta vida numa parte que lhe interessa pouco!?
Risos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não! É bom procurar a explicação disso. Porque se facultou, 80% não aproveitaram a faculdade e os 20% que aproveitaram estão acantonados num lado, há-de ter uma explicação! O que interessa é que, dando-se a faculdade, houve uma rejeição em 80%, e pergunto se vale a pena manter os outros 20%! Aliás; mantendo um desequilíbrio entre os concelhos em que há e os concelhos em que não há! Nós, PS, pensamos que não vale a pena. Temos o direito de o pensar, e temos o direito de fazer o enterro, sem coroa de flores, sem complexos nenhuns.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me só que acabe.
Eu compreendo que as observações do Sr. Deputado Almeida Santos, sendo tão mortuárias, sejam muito entusiasmantes para o PSD, que não deseja senão óbitos constitucionais...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço desculpa por ter interrompido, não interrompo mais!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado Almeida Santos! Só ajuda, de resto, à argumentação. É que creio que os vossos argumentos são tão maus como a causa...
O Sr. Presidente: - Faz favor de amortalhar, e acabar!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Os argumentos desse tipo são de uma fragilidade verdadeiramente impressionante. Veja-se o segundo argumento: "os conselhos são inúteis, pesados e burocráticos, e não funcionam". O Sr. Deputado Almeida Santos acaba de reconhecer que não funcionam, onde não funcionam! Onde, se parte para eles, com o ânimo que V. Exa. aqui exibiu, não podem realmente funcionar, por definição!!!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Talvez funcionem onde há mais amor à burocracia e não funcionam onde há mais desamor à burocracia. Desculpe ter que lhe dizer isto, há pouco não lho quis dizer, mas é a explicação que para mim tenho. Pode ser que seja outra. Tirei-vos o chapéu por serem capazes de os pôr a funcionar, mas já que V. Exa. me provocou, dou-lhe a minha explicação. Penso que há zonas em que a burocracia é inestimável e há zonas em que a burocracia
é execrada. Para mim os conselhos municipais são uma burocracia inútil. Desculpe que lho diga, mas respeite a minha opinião como eu respeito a sua.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, estava a limitar-me a criticado, que é a forma mais eminente de respeito conhecida entre os povos modernos, suponho eu, e mesmo nos primitivos!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Pode passar à segunda fase de luta!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostava de dizer, de resto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que devem meditar cuidadosamente sobre as razões aqui invocadas.
Creio que encontrar no funcionamento dos conselhos, um mérito da burocracia é verdadeiramente, do ponto de vista sociológico, alguma coisa de muito frustre e muito primitivo. Eu diria precisamente o contrário. Se funcionam, quer dizer que ultrapassaram dificuldades burocráticas, conseguiram pôr pernas a caminho, produzir coisas que são sinais de vitalidade democrática.
Além de que condenar a participação popular no exercício do poder local em nome da burocracia popular é verdadeiramente piramidal, mas enfim! É uma lógica que o PS subscreve actualmente, não o subscreveu no passado. É sempre possível mudar nessas matérias, mas pensamos francamente que é mudar para pior.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, é má! Mas se for popular, é necessariamente boa? Não acompanho isso, desculpe que lhe diga!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, fica registado que, em 1988, para o PS, os conselhos municipais são uma forma ingente de "burocracia popular democrática". Perfeitamente! Fica registado!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Burocracia tout court. Ponto final. Burocracia inútil.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é essa a nossa opinião, o que me leva ao quarto e último aspecto, o das consequências. Quais são as consequências? Pena suspensa ou execução imediata? Creio que aqui não podemos fugir às opções. Qualquer que seja o saldo e o carácter perimido ou não do legado caetanista neste ponto, penso que é difícil sustentar que, operando o poder político, em sede de revisão constitucional, uma opção deste tipo, seria possível encarar uma espécie de liberdade de criação de estruturas, que passaria pela possibilidade de instituição, com este ou outro nome, de conselhos municipais. Não creio que isso caiba nos quadros do nosso direito público. Não creio que caiba nos limites constitucionais. Creio que isso é irremediavelmente contrário a toda a filosofia e a toda a lógica que preside à definição dos órgãos de poder em Portugal.
Página 1649
27 DE OUTUBRO DE 1988 1649
E, portanto, se VV. Exas. querem avançar para uma opção extintiva, hão-de fazê-lo assumindo todas as consequências. Porquê? Entre outras coisas porque fazer um paralelo entre as comissões venatórias outrora previstas na Lei da Caça é incorrecto...
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aquilo que o Sr. Deputado Rui Machete aqui invocou é uma sobrevivência do passado. Não tem, como exemplo, um estatuto suficientemente adequado. Mas imagine-se a criação de outras estruturas, e imaginemos também os perigos a que isso conduz. Imagine-se, por exemplo, que uma determinada autarquia, um município neste caso, criava um conselho de empreiteiros para avaliar e auscultar os interesses locais, em matéria de obras públicas...
O Sr. Presidente: - De empreiteiros é difícil, de empreitadas talvez não fosse mau de todo!
O Sr. José Magalhães (PCP): -... ou um conselho de fornecedores, doutros tipos! Creio que iremos cuidadosamente se pensarmos na lógica dos interesses e, em particular, se tivermos em atenção que certos interesses se podem projectar sob a forma de lobbies e que essa actividade de lobbying existe já junto de muitas autarquias (e de resto tem e traz problemas muito sérios). A ideia da "possibilidade" de instituir estruturas criadas por força dos normativos de carácter autárquico e com funções de representação abriria campos que são insondáveis e que, portanto, antes de serem admitidos, devem ser, pelo menos, sondados com cuidado pelo legislador, sobretudo em sede de revisão constitucional.
Não creio, Sr. Presidente, que a lógica que presidiu aos conselhos municipais esteja perimida. Cremos que eles são uma sede razoável, aberta e transparente para a expressão de interesses polivalentes, plurais, que pode ter aí uma expressão certa, conhecida e transparente. Isto poderia não ocorrer se em vez de conselhos municipais tivéssemos a criação de estruturas ad hoc, com carácter solidificado e estabilizado; ou, pior do que isso, patrocinássemos gravitação em torno de municípios, de estruturas informais, de verdadeiros grupos de pressão, de verdadeiros e próprios lobbies, e outros que subterraneamente se movem para impulsionar e promover dinâmicas de decisão nos órgãos representativos. E creio que esse é um perigo real a que devemos estar atentos...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de aprofundar um pouco mais, na sequência da argumentação do Sr. Deputado Almeida Santos, aquilo que se tem verificado de facto.
É que o Sr. Deputado Almeida Santos diz que só em 20% dos municípios do País foram criados os conselhos municipais, e numa área muito circunscrita, normalmente em áreas onde o PCP tem a sua maior implantação. Mas eu queria dizer-lhe, com a experiência que tenho de autarca, exactamente do distrito de Setúbal, que nem mesmo aí funcionam. Ou seja, o funcionamento é quase justificativo da sua existência, e o Sr. Deputado José Magalhães terá alguma dificuldade em dizer o contrário. O que se verifica é um conservadorismo por parte do PCP em instituir este órgão, mas, na prática, o seu funcionamento é mínimo para justificar pura e simplesmente a sua manutenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, foi bom V. Exa. ter regressado à sala, para esclarecer o alcance das propostas feitas pelo PS e pelo PSD - pelo menos esclarece a proposta do PS. É que o Sr. Deputado Rui Machete, como tem verificado com certeza, não atribui à eliminação proposta pelo partido de que é membro ilustre o mesmo alcance que V. Exa. atribui à proposta do PS. O Sr. Deputado Rui Machete considera que, eliminada a referência ao conselho municipal, não desaparecerá, por isso, a possibilidade de os municípios constituírem facultativamente este órgão representativo, ao passo que V. Exa. - suponho - tem outra intenção ao propor a eliminação. E conviria que isso ficasse claro.
O Sr. Deputado Rui Machete, suponho, fez, a certa altura, uma pergunta sobre a tipificação constitucional dos órgãos municipais. Eu diria que, como órgão representativo que é, desaparecendo da Constituição a referência ao conselho municipal, ele desaparecerá do número dos vivos, ou melhor, do número dos órgãos vivos! É claro que, com isto, não quero significar que os municípios não tenham uma liberdade organizatória. Mas não a têm para constituir órgãos representativos, que, esses, devem estar tipificados na Constituição - entendo eu. São dois planos e duas esferas diferentes em que se pode mover ou não a liberdade organizatória dos municípios. Não encontro os mesmos malefícios a opor a essa liberdade que o Sr. Deputado José Magalhães, mas considero que, se fizermos desaparecer do elenco tipificado de órgãos representativos, que figura neste artigo, a possibilidade de constituição dos conselhos, isso só pode ter o sentido que, suponho, o Sr. Deputado Almeida Santos lhe atribui e que gostaria de ver confirmado por V. Exa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A nossa posição, respondendo, não é de agora. Não há-de constituir surpresa para ninguém que leia as actas da primeira revisão e veja que já então entendíamos não ter justificação manter na Constituição, como órgão representativo do município, um órgão com a composição e a experiência já então havida do conselho municipal. Claro que há opiniões diversas dentro do meu partido. O nosso Alberto Martins, toda a gente sabe que é um dos entusiastas da permanência, ou pelo menos admite dúvidas sobre isso. Mas o nosso partido é assim, permite que cada um tenha a opinião que tem. A posição do PS já em 1982 era que se extinguisse. E com alguma resistência nós dissemos: "pois bem, faça-se a experiência de mais cinco anos, e ao fim de cinco anos tiramos a conclusão".
A conclusão, a meu ver, não pode ser outra senão a de que este órgão foi reprovado. Não devemos manter órgãos inúteis, que representam uma carga buro-
Página 1650
1650 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
crática, que têm uma composição, no meu entendimento, complicada e pouco significativa em termos democráticos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, esta apaixonante questão faz-me recordar um velho debate académico acerca das questões do funcionalismo. Malinovsky, como é sabido, defendia a teoria do funcionalismo integral, na convicção de que a todo o órgão corresponde necessariamente uma função. Depois veio a ser superado nessa teoria por Robert Merton, quando dizia que há órgãos que deixaram de desempenhar funções...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O caso do apêndice.
Risos.
Vozes.
O Sr. Jorge Lacão (PS): -... e é mesmo... dando lugar à teoria do equivalente funcional: é possível encontrar mais do que uma função desempenhada por um único órgão. Na verdade, e lá vamos ao caso, a realidade demonstra-nos que a assembleia municipal vê absorver funções tradicionais do conselho municipal. E por isso se explica que, na maior parte dos municípios portugueses, o conselho municipal tenha perdido a sua função porque, como órgão ao qual competia um certo tipo de representatividade social, se esgotou nessa potencialidade de representatividade, por força da existência de um outro órgão com legitimidade democrática directa - e esta é a chave da questão. Repare-se como os normativos constitucionais, em matéria de órgãos autárquicos, numa avaliação sistemática, não primam pelo grau de coerência. Enquanto no artigo 214.° se diz que "a organização das autarquias locais compreende..." - e apenas se cita - "... uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão colegial executivo perante ela responsável", no artigo 250.° fala-se em três órgãos representativos. Ou seja, aparece mais um órgão que está definido como órgão representativo, mas ao qual não são constitucionalmente atribuídos quaisquer tipo de funções. O estranho disto é aparecer, no plano constitucional, um órgão que, além de ser facultativo, não tendo funções constitucionalmente definidas, todavia aparece com a natureza de órgão representativo. À luz dos princípios democráticos da representatividade consignados no artigo 116.°, a regra geral é a de que a representatividade autárquica também advém do sufrágio directo, secreto, periódico, constituindo a regra geral de designação dos titulares. Assim sendo, parece inconsistente e incoerente, no plano da estrutura e da lógica constitucionais, manter a constitucionalizacão do conselho municipal. Questão diferente: se for suprimida a referência ao conselho municipal, não poderão amanhã as autarquias, por via de legislação ordinária, vir a constituir órgãos de natureza consultiva? Evidentemente que podem.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Podem?! O Sr. Jorge Lacão (PS): - Podem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Com base em quê?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - No artigo 239.°, quando lhe diz que "as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei", etc.. Ora, a lei, em matéria de atribuições dos órgãos autárquicos, pode-lhes conferir, como atribuição possível, a de constituírem órgãos, não de natureza representativa, mesmo que se trate de representação em sentido orgânico, mas de natureza consultiva. E, tal como o Sr. Deputado hoje, por legislação ordinária, pode criar órgãos consultivos que não intervêm na estrutura nem limitam as competências dos órgãos representativos, pode amanhã, para as autarquias locais, encontrar uma solução de tipo semelhante. Pode ter, inclusive, a faculdade genérica de constituir mais do que um órgão de tipo consultivo, quer para a assembleia municipal, quer sobretudo para o executivo municipal, onde isso mais se justifica - assessorias consultivas que não têm a natureza de órgãos representativos. Para concluir, justamente o que mais choca é ver colocado, em pé de igualdade, um órgão representativo cuia natureza não é a da representação directa, mas a da representação orgânica. Por boas e velhas razões, vale a pena eliminar esta paridade, tanto mais que a realidade a não justifica e a teoria constitucional muito menos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria só de formular uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
Há pouco tinha-se estabelecido uma espécie de consenso alargado, embora mortuário, em torno da ideia de que uma opção, como a proposta pelo PS e pelo PSD, tinha uma eficácia extintiva alargada porque seria uma eficácia proscritiva. O Sr. Deputado Jorge Lacão surge-nos com uma teoria que, a ser sufragada generalizadamente, teria um alcance totalmente diferente. Só que, por azar, essa teoria surge como uma vox insular no meio desta Comissão...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Salvo seja, não é verdade?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Seria até uma honra, Sr. Deputado Jorge Lacão, se fosse no sentido que lhe ocorre, pelos vistos.
É que V. Exa. nem sequer tem nove ilhas - está sozinho na ilha única. E, nessa matéria, não se abona em nada que eu tivesse percebido. Gostaria só que o Sr. Deputado pudesse certificar para a acta quais as razões em que funda a sua teoria de que a extinção não é extinção e de que a proscrição não é proscrição, podendo o legislador ordinário "recuperar" estes conselhos agora liquidados, pela vontade conjugada do PS e do PSD, num momento adiante. Porque, ou o Sr. Deputado deixa essa hipótese bastante gizada e fundamentada, ou, se não a deixa gizada e fundamentada, é uma forma piedosa - e revelando alguma má consciência - de enterrar, não enterrando, o instituto. Das duas, uma: ou V. Exa. acha que deve ser enterrado, e diga-o, ou acha que não o deve ser, e diga-o também. Num caso junta-se a nós e noutro caso junta-
Página 1651
27 DE OUTUBRO DE 1988 1651
-se ao PSD. Agora, é difícil estar no meio da ponte amando as duas partes - uma da parte da manhã, outra da parte da tarde; em matéria constitucional é mesmo impossível!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, basta que junte os meus próprios argumentos de há pouco. Disse que não faz sentido manter em pé de igualdade um órgão de representatividade orgânica com os órgãos de representatividade democrática. Mas disse mais: disse que uma coisa é um órgão de natureza representativa, outra coisa é um órgão de natureza consultiva. E que enquanto temos, na Constituição, para os órgãos autárquicos, um princípio de taxatividade para os órgãos com competência decisória quer de natureza deliberativa, quer de natureza executiva, não temos um princípio de taxatividade para órgãos de natureza consultiva, podendo a lei ordinária, nos termos "do artigo 239.°, vir a facultar a possibilidade da constituição desses organismos, um ou até mais do que um, para funções consultivas múltiplas. Não a figura clássica, necessariamente, do conselho municipal, mas a possibilidade da existência de organismos de natureza consultiva, por decisão dós órgãos executivos ou deliberativos municipais, de acordo com as regras de atribuição e de organização dos órgãos autárquicos, que são, como se diz no artigo 239.°, definidos por lei ordinária. Este é o meu ponto de vista, ou seja: admitir a possibilidade de órgãos consultivos criados por via da legislação ordinária, que todavia não têm a natureza de órgãos representativos (esses estão submetidos ao princípio da taxatividade constitucional - são a assembleia municipal e o executivo municipal, e não outros).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para fazer uma ligeiríssima súmula e também para de alguma maneira nessa súmula integrar uma pergunta que eu, há pouco, desejaria ter feito ao Sr. Deputado José Magalhães e que não consegui porque ele entretanto acabou de falar (o que é raro). O que eu quereria dizer era o seguinte: em primeiro lugar, a nossa posição em relação ao conselho municipal é (e, penso, não poderia deixar de ser outra) manifestamente contrária, por variadíssimas razões, que, aliás, resultam de intervenções de vários deputados aqui presentes. Quer em relação à natureza deste órgão - é um órgão de natureza eminentemente corporativa, é uma excrescência corporativa que a nós nos não parece correcto manter; por outro lado, é um órgão cuja composição, a nível da legislação ordinária, representa e manifesta alguma contradição e confusão, como disse, e muito bem, o Sr. Deputado Alberto Martins; por outro lado - e aqui enquistaria a pergunta que desejaria fazer ao Sr. Deputado José Magalhães -, o que é que representa verdadeiramente este conselho municipal? Designadamente, de que realidade estamos nós a falar, Sr. Deputado José Magalhães? Estamos a falar da realidade dos pequenos municípios, da maioria dos pequenos municípios deste país, onde se contarão, eventualmente, pelos dedos os agentes económicos e se contarão ainda menos pelos dedos os agentes económicos de determinados sectores. Portanto, ao fim e ao cabo, a possibilidade de fazer lobby ou de manifestar um lobby através de uma organização, de um órgão, de um município, seria por demais evidente, e seria por demais utilizado através de qualquer coisa que está previsto, mesmo que facultativamente, ao nível da Constituição. Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães não respondeu há pouco, tanto quanto me apercebi, ao Sr. Deputado Alberto Martins, quando, tendo referido as consultas feitas aos municípios portugueses, o Sr. Deputado Alberto Martins lhe perguntou quantos, de entre esses, queriam objectiva e manifestamente a manutenção do conselho municipal como órgão do município.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não conheço nenhum contra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Quantos conhece a favor, era a pergunta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ó Sr. Deputado, não tenho aqui cópia inteira dos ficheiros - estão ao vosso alcance. É uma questão de fazer continhas, Sr. Deputado. Tenha essa maçada!
O Sr. Presidente: - Suponho que chegámos ao fim desta interessante troca de impressões. Aliás, eu permitia-me fazer um comentário em relação a uma observação muito pertinente do Sr. Deputado Nogueira de Brito. É que efectivamente, em matéria de representatividade, o conceito não é tão unívoco como isso, e os órgãos consultivos podem, a meu ver, ser representativos em termos que não têm que ser excluídos pela supressão da referência ao conselho municipal no artigo 250.°, e pode haver outros órgãos representativos, depende daquilo que se entender em termos de representatividade. Daí que o Sr. Deputado José Magalhães tenha, há pouco, dado alguns exemplos que, evidentemente, são caricaturas, porque a discricionariedade tem os seus limites. Mas que existe essa possibilidade, a meu ver, existe. Aqui o problema foi da articulação do carácter representativo com o tipo de órgãos que estavam a ser considerados, que eram a assembleia municipal e a câmara municipal. Mas enfim, suponho que as coisas estão esclarecidas, as águas estão divididas e podemos passar adiante.
Em relação ao artigo 251.° ("Assembleia municipal"), temos duas propostas de alteração: uma do CDS e outra do PSD.
Para fazer uma justificação da proposta do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a alteração que o CDS propõe para o artigo 251.° só pode entender-se no contexto das alterações que o CDS propõe para o artigo 252.°, que constituem um dos pontos importantes do nosso projecto de revisão, embora não considerado por nós decisivo. Portanto, esta alteração do artigo 251.° tem a ver com a proposta de sufrágio por listas maioritárias para a câmara municipal. Ao contrário do que se passa com órgãos executivos de outras autarquias, a câmara é, também ela, como sabemos, designada por eleição directa dos cidadãos eleitores. Como dizem os comentadores Vital
Página 1652
1652 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
Moreira e Gomes Canotilho, existe, assim, nos municípios um órgão directamente eleito responsável perante um outro órgão directamente eleito. Esta circunstância de se tratar de um órgão executivo directamente eleito pelos cidadãos eleitores, seguindo o sistema definido com carácter geral na Constituição, torna a câmara um exemplo dos inconvenientes do sistema proporcional frequentemente apontado por aqueles que persistem em sublinhar os inconvenientes de tal sistema. É conhecido o exemplo, que encontra aliás tradução em muitas situações de autêntico bloqueamento, dos presidentes de câmara que, pertencendo embora à lista mais votada, não são apoiados por uma maioria absoluta ou por uma maioria simples mesmo na respectiva câmara municipal. De tal modo é assim que a dúvida sobre se estaria ou não instituído, em relação à câmara, o sufrágio por listas maioritárias chegou mesmo a suscitar-se face ao texto actual da Constituição, perante a referência aí feita à lista mais votada a propósito da designação do presidente da câmara. A dúvida foi, no entanto, prontamente esclarecida pelos mais autorizados intérpretes do texto de 76, como do de 82. E foi esclsrecido em termos que deixaram intocado o sufrágio proporcional, como também deixaram intocadas as situações de bloqueamento daí resultantes em alguns casos.
É claro que o CDS, ao defender esta solução de sufrágio maioritário em relação as câmaras municipais, não visa apenas afastar críticas mais fáceis dirigidas ao sufrágio proporcional, sufrágio proporcional que o CDS tanto preza como princípio de carácter geral instituído na Constituição. Visamos, sobretudo, atender realisticamente à natureza de órgão executivo designado por eleição directa e à difícil conjugação que essa natureza por vezes oferece com a eficácia da gestão dos municípios. Optamos, portanto, claramente, pelo sufrágio maioritário e não por uma solução mista, como parece ser a solução adoptada pelo PSD (que é a de manutenção da fidelidade, mesmo aqui, ao sufrágio proporcional, mas que constitui um sistema que permite preencher mandatos de modo a dar maioria ao partido que apoia o presidente da câmara pertencente à lista que reúna mais votos).
São estas as razões da nossa proposta. É, pois, uma preocupação de realismo e de coerência que nos faz apresentar esta proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para a justificação da proposta do PSD.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente, penso que a nossa proposta se justifica por ela mesma, mas, de qualquer das maneiras, gostaríamos de dizer o seguinte: é que, na verdade, o PSD tem sido sensível a uma questão importante que se tem colocado perante todas as assembleias municipais, que é o problema do número de membros destas assembleias e da dificuldade da eficácia das suas reuniões e da sua constituição. Nestes termos, e porque há vários argumentos que impendem sobre a reconsideração deste elemento, desde logo um e que é o de o número de freguesias não ser proporcional à população de cada município e, assim sendo, o número de membros da assembleia municipal pode ser muito diferente entre municípios de população idêntica. O que
nós pretenderíamos com esta modificação introduzir no preceito é a possibilidade de, havendo uma diminuição possível dos presidentes de juntas de freguesia representados nas assembleias municipais, promover, por esta via também, uma diminuição, em contrapartida, do número total de membros que constituem a assembleia municipal, sem quebra dos princípios que a Constituição inculca em relação a este preceito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer umas perguntas tanto ao Sr. Deputado Nogueira de Brito como ao Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, se me permite, não entraria ainda pelo fundo da questão, ou seja, reservar-me-ia para debater a forma de designação do executivo municipal no artigo 252.°
Assim, gostaria tão-só de lhe colocar uma questão a propósito do artigo 251.°, articulado de resto com idêntica proposta feita pelo CDS no respeitante ao artigo 246.° De facto, não tivemos na respectiva ocasião possibilidade de tratar deste ponto, e que é o seguinte: o CDS pretende consignar na sua proposta que a forma de eleição da assembleia municipal se faça segundo o sistema de representação proporcional. Ele torna isso expresso na sua proposta.
De modo que a minha pergunta é a seguinte: o CDS sente necessidade de tornar essa norma expressa a propósito do artigo 251.°, tal como a propósito do artigo 246.°. por não considerar que os órgãos autárquicos são abrangidos pela regra geral constante do n.° 5 do artigo 116.°, ou seja, a regra nos termos da qual a conversão dos votos em mandatos se fará de harmonia com o princípio da representação proporcional?
Para o caso de o CDS considerar que o princípio geral constante no artigo 116.° não se aplicaria aos órgãos autárquicos, gostaria de compreender qual o fundamento dessa posição por parte do CDS.
Por outro lado, dado que o CDS sente a necessidade de tornar expresso o sistema eleitoral, então o que eu gostaria de perguntar é se o CDS se contenta em o designar como sistema de representação proporcional, ou se não gostaria neste caso de ir mais longe e acolher por inteiro a norma relativa à Assembleia da República, ou seja, sistema de representação proporcional e método da média mais alta de Hondt.
Em primeiro lugar, por que é que o CDS tem necessidade de exprimir um princípio que já está consignado no artigo 116.°? Em segundo lugar, sentindo essa necessidade, por que é que o CDS não visa consagrar integralmente o princípio* da tradução de votos em mandatos, que é o da representação proporcional pela média mais alta de Hondt?
Quanto ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, a minha dúvida é a seguinte: que as assembleias municipais sejam constituídas por presidentes de junta de freguesia, compreendo qual seja a intenção do PSD, independentemente de estar ou não de acordo com ele. Não compreendo é a sua intenção quanto ao segundo aspecto da norma, ou seja, que a forma de eleição directa se processará mediante indivíduos eleitos por colégio eleitoral do município.
Página 1653
27 DE OUTUBRO DE 1988 1653
Aparentemente isto indicia que o colégio eleitoral não seria universal, isto é, poderia ser um colégio definido de forma restritiva em sede de legislação ordinária. Tendo dúvidas de que fosse essa a intenção do PSD, mas esta designação "[...] eleitos por colégio", e não pelo colégio, pode indiciar um princípio restritivo da regra da universalidade do sufrágio para a eleição dos titulares directos das assembleias municipais. Gostaria que o Sr. Deputado Carlos Encarnação clarificasse este ponto, caso tenha entendido o sentido da minha pergunta.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães colocou uma questão adicional.
Vozes.
Eu vou reproduzir essa questão para a acta, a qual não deveria lá ter ficado, e ela é a seguinte: é a de saber se os dois termos utilizados no texto do preceito são ambos lapso ou se é apenas um deles. Pelo que eu disse há pouco apenas será lapso, ou poderá ser mal interpretado ou poderá ser objecto de má interpretação, o segundo termo utilizado no texto, caso contrário não faria sentido aquilo que eu disse.
Na verdade, não tem razão o Sr. Deputado Jorge Lacão em estar preocupado em relação à segunda parte do preceito. Ela poderá ser entendida de uma maneira idêntica àquela que resulta do preceito existente. Poderá ser eventualmente corrigida.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, deveria ler-se no respectivo texto "[...] eleitos pelo colégio eleitoral do município".
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então trata-se de um lapso do PSD e não de falta de razão da minha parte.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O sentido é esse...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A intenção pode ser essa, mas o sentido do texto não é esse, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A intenção é essa e o sentido pode ser outro, como quiser. Mas, de qualquer modo, o que pretendo deixar explícito é que a primeira e a segunda parte do preceito são diferentes por razões diversas.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então, Sr. Deputado, diga que tive razão em colocar a dúvida em relação à intenção do PSD.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Tem muita razão em apresentar a dúvida. Penso que este aspecto ficou esclarecido.
O Sr. Presidente: Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, agradeço-lhe as perguntas que formulou. Supus, aliás, que ao fazer uma intervenção simultaneamente acerca dos artigos 251.° e 252.° eu teria respondido em parte à primeira questão que me colocou.
De facto, a circunstância de sublinharmos o sistema de representação proporcional no artigo 251.°, onde ele não estava consagrado, destina-se precisamente a resolver o problema resultante de termos quebrado a aplicação universal do sistema, consagrando para as câmaras municipais o sistema maioritário. Sem dúvida que estamos perfeitamente conscientes de que o princípio expresso no artigo 116.° é um princípio de aplicação geral. E foi esse, aliás, o entendimento que levou a resolver a dúvida colocada a propósito da actual redacção do artigo 252.° Por outras palavras: foi predominante a interpretação de que se aplicaria às câmaras o princípio geral do sufrágio proporcional. Ora, como introduzimos uma quebra nesse princípio em relação as câmaras municipais, entendemos que onde não adoptássemos o sufrágio maioritário deveríamos exprimir o princípio de que o sufrágio seria proporcional.
Por que é que não referimos o método concreto da transformação dos votos em mandatos? Porque no artigo 116.° propusemos uma alteração no sentido de que o método deveria ser referido em sede legislativa e não na Constituição. Neste sentido, devo dizer que foi em obediência à alteração que propusemos para o n.° 5 do artigo 116.° que aqui não incluímos a referência ao método de Hondt, em concreto.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, compreendo claramente o sentido da sua explicação. Quanto ao primeiro aspecto, o Sr. Deputado Nogueira de Brito admitirá que se, por hipótese, fosse consagrado o método proposto pelo CDS ou qualquer outro para a forma de designação do executivo municipal, e se nada se dissesse quanto à forma de designação da assembleia municipal, prevaleceria no caso do artigo 252.° uma norma especial que derrogaria o princípio geral. Não se dizendo nada no caso do artigo 251.°, prevaleceria claramente o princípio geral do artigo 116.° Estamos de acordo com esta interpretação?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Estamos de acordo, Sr. Deputado. É uma disposição de natureza cautelar.que, relativamente às freguesias, à assembleia de freguesia e à assembleia municipal, nos leva a fazer a reafirmação do princípio geral do sistema proporcional. Tanto mais que não temos o mesmo intuito, em matéria de reagrupamento dos membros da assembleia em relação aos presidentes de freguesia e aos membros eleitos, que tem o PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, embora o PS tenha dilucidado essa questão enigmática de saber onde é que estava o lapso, não adiantou excessivamente a projecção das implicações de uma solução como aquela que propõe para o primeiro termo por utilizado no texto, o qual não é gralha.
Página 1654
1654 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
De facto, a margem de escolha deixada ao legislador ordinário através do jogo com o número de presidentes de juntas de freguesia alarga substancialmente com a cláusula indefinitória decorrente da palavra por. É que a regra, sendo hoje certa, isto é, tendo um critério seguro, já conduz a efeitos de relativa distorção. Como não há proporcionalidade entre o número de freguesias e a população dos municípios, induz-se por essa via, desde logo, uma distorção em relação ao número de membros de assembleia municipal de município para município.
Em segundo lugar, há um efeito de reforço da posição do partido dominante precisamente por força desse critério, o que pode ter consequências mais acentuadas consoante o número de freguesias. Isto mediante um sistema em que, contudo, o número de presidentes é sempre conhecido, ou seja, o número de presidentes é o correspondente ao número de freguesias. É assim possível preencher a outra incógnita. O número de membros electivos tem de ser igual de município para município, isto é, um número é-nos dado objectivamente pelos indicadores respeitantes ao número de freguesias e o outro é um elemento derivado. Preenche-se fazendo uma conta de similitude, preenchida que seja a primeira das variáveis.
O PSD com esta proposta indefine por completo a primeira variável (o número de presidentes), que passará a ser aquele que a lei fixar. "Com certeza", diz o Sr. Deputado Carlos Encarnação. "Com incerteza", digo eu, porque qual é o número que a lei fixa? E quais são os presidentes? É que "muitos são os chamados e poucos são os escolhidos". Quem são os chamados e quem são os escolhidos? Como é que se faz a escolha? É por sorteio?
Nessa óptica, são concebíveis soluções que conduzam a um reforço adicional da posição do partido dominante através de uma selecção criteriosa dos presidentes eleitos. Todos são chamados, mas apenas os de cor idêntica aos do partido dominante - o que, com contas, é fazível - são eleitos, são devidamente incorporados num órgão.
Creio que o PSD está ciente desta implicação da solução que propõe. Esta solução permite à lei ordinária preencher a variável "pj" - presidentes de junta - em termos agravantes da já inevitável refracção provocada pelo sistema tal e qual está instituído. O Sr. Deputado Carlos Encarnação não aludiu minimamente a este aspecto!
Assim, qual é a solução em que VV. Exas. estão a pensar? Ou, porventura, estão a pensar em qualquer coisa que não desejem formalizar e exprimir inteiramente nesta sede?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, está a fazer uma intervenção?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a fazer uma intervenção apelativa, Sr. Deputado Carlos Encarnação, isto é, entendo que não deveria ser deixada sem resposta a interrogação basilar que está subjacente à minha intervenção!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Em relação à proposta do CDS não creio que valha a pena discutir aqui a proposta de que os executivos sejam eleitos segundo o método maioritário. Já veremos o que é que isso para nós significa. O CDS repete no artigo 251.° o que já está expresso no artigo 241.° O artigo 241.° diz o seguinte: "A assembleia será eleita por sufrágio universal, directo e secreto por cidadãos residentes, segundo o sistema da representação proporcional".
Ora, o CDS não elimina este texto. Não vejo bem por que é que estando no artigo 241.° esta regra aplicável a todos os deliberativos autárquicos, aqui, no artigo 251.°, se repete o que foi referido anteriormente. É evidente que não faz mal a ninguém, mas também não é necessário que se repita na espécie aquilo que já se afirmou no género.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas, então, a razão é só essa?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, Sr. Deputado. Não faz mal nenhum, mas, de qualquer modo, trata-se de um acrescento inútil. Portanto, se me permitisse, não me preocuparia com ele.
No entanto, já tem algum significado trocar "colégio eleitoral do município" por cidadãos eleitores residentes na área do município, porque o colégio eleitoral de um município pode não ser constituído apenas por cidadãos eleitores residentes na área do município. Creio que a versão da Constituição é mais sábia, é mais elástica. Por exemplo, os senhores, que defendem o voto dos emigrantes, teriam que fazer um segundo recenseamento, e eles também faziam parte do colégio eleitoral de um município e não residiriam lá. Portanto, entendo que esta vossa proposta não tem justificação.
Quanto à proposta apresentada pelo PSD, devo dizer que abono em parte as preocupações do Sr. Deputado José Magalhães. Em primeiro lugar, gostaria de dizer uma coisa que ele não referiu, e que é a seguinte: mais uma vez apelo para a minha experiência de presidente de assembleia municipal que fui e por isso constatei que quem anima a vida das assembleias municipais sãos os presidentes das juntas de freguesia. Retirem os presidentes das juntas das assembleias municipais e elas morrem, não tenham dúvidas acerca disso. Há pouco eu defendia a morte dos conselhos consultivos. Agora defendo a vida das assembleias municipais.
Se tivermos que procurar uma forma de redução do número de membros das assembleias municipais, procure-se. Mas, a verdade é que o País já se habituou a viver com o actual número de membros de assembleias municipais, que aliás apenas é exagerado nalguns concelhos, não em todos. Eu nunca sacrificaria a presença dos presidentes das juntas nessas assembleias porque é ali que eles reivindicam a igualdade de tratamento relativamente à distribuição das verbas pelas câmaras municipais, à distribuição das obras nos planos camarários, etc. De modo que é ali o fórum onde eles têm oportunidade de fazer valer os seus direitos e os defendem, e devo dizer que isso tem muito mais importância que todas as opiniões que possam ter os indivíduos directamente eleitos, os quais geralmente têm um conhecimento muito mais reduzido das matérias em debate. Não tiremos das assembleias os presidentes. A meu ver isso seria um grave erro.
Página 1655
27 DE OUTUBRO DE 1988 1655
Por outro lado, e agora aqui é que ingresso nas preocupações do Sr. Deputado José Magalhães, quem é que elege quem de entre os presidentes eleitos? O que vai acontecer é que normalmente serão sacrificadas as minorias. As maiorias das assembleias municipais escolhem os presidentes que lhes são afectos, e a voz de minorias é mais uma vez sacrificada, o que não coincide necessariamente com uma condição de saúde democrática.
Assim, somos inteiramente desfavoráveis a esta alteração, na medida em que não só correríamos o risco de reduzir a presença do elemento mais válido na assembleia municipal como poderíamos tornar essa presença monocolor. A assembleia municipal iria, como é óbvio, eleger membros afectos à maioria. A menos que se estabelecesse que o método utilizado nessas eleições seria o de Hondt. E quem é que elegeria os presidentes das juntas de freguesia? Far-se-ia uma segunda eleição junto do eleitorado? Quem é que elege - repito -, é o conjunto das assembleias? Como é que se juntam as assembleias? Faz-se uma segunda eleição pelo conjunto de assembleias e pelo método de Hondt?
Parece-me tudo isso muito pouco exequível. E no fundo para quê? Para reduzir o número, por vezes excessivo, de elementos da assembleia municipal. O problema é que esse número não é, apesar de tudo, tão grave como aquele que esta proposta poderia criar.
Por outro lado, algumas freguesias ficariam de fora, e ainda que se distribuísse o mal pelas aldeias e que as minorias tivessem representatividade dos seus presidentes na proporção, haveria sempre freguesias sem voz nos municípios. Isso é que me custa a aceitar, uma vez mais pela minha experiência de vários anos de presidente de uma assembleia municipal.
Portanto, por tudo isto seríamos, em princípio, desfavoráveis a esta proposta do PSD. Mas entendemos que a visão acerca destes problemas deve também ela resultar de uma visão global sobre todas as alterações neste domínio. Pode acontecer que se vierem a ser introduzidas outras alterações isso implique a modificação do nosso ponto de vista. Não vejo como, neste momento, mas isso pode sempre acontecer
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, diria o seguinte: a alteração que V. Exa. considera mais despicienda tem como única razão a manutenção do princípio face à proposta que apresentamos em matéria de eleição para as câmaras municipais.
Quanto à questão dos cidadãos eleitores residentes, a modificação assentou na velha ideia da restauração da ideia do vizinho, mas entendemos que, porventura, a formulação do colégio eleitoral do município pode ser mais sensata, na medida em que é mais abrangente para hipóteses diferentes que são caras, como V. Exa. sabe, ao nosso projecto de revisão constitucional em termos globais.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - De qualquer das maneiras, em relação às dúvidas levantadas pelos Srs. Deputados José Magalhães e Almeida Santos - é evidente que são dúvidas compreensíveis e são argumentos com algum fundamento genérico - o que eu gostaria de dizer é isto (aliás, o Sr. Deputado José Magalhães também já o disse, não é nada de novo o que eu venho agora referir): o sistema que, nesta altura, vigora permite um reforço da representação do partido mais votado; reforço esse que deriva imediatamente, não da lei, mas da Constituição. Isto é um facto que todo o analista, todo o estudioso da Constituição e do regime que está nela versado, facilmente concluirá. Aquilo que nós pretendemos não é, nem de perto nem de longe, agravar essa conclusão ou essa ideia; nem é, também, tirar voz às freguesias.
Nós podemos analisar aquilo que se passa em relação às assembleias municipais de diversíssimos ângulos, analisá-los à luz da nossa experiência (aqui também posso reivindicar a minha experiência de autarca) e podemos dizer o seguinte: diz o Sr. Deputado Almeida Santos que as freguesias, ou os seus presidentes, encontram o local indicado para exercer a sua pressão sobre os executivos municipais - nem sempre é assim. Devo dizer, pelo menos da minha experiência, que nem sempre é nas assembleias municipais que os presidentes das juntas de freguesia encontram o local mais indicado para fazer vigorar as suas representações junto do executivo; antes pelo contrário, muitas vezes acontece a criação de mecanismos informais de ligação entre as juntas de freguesia e os executivos municipais, que são o documento vivo de que as assembleias municipais não têm a valia que V. Exa. entende que lhes é cometida. Isto significa que os presidentes das juntas de freguesia têm de ultrapassar o órgão assembleia municipal para, na maior parte dos casos, fazer valer, junto dos executivos municipais, os seus pontos de vista, de maneira muito mais directa e muito mais ingente. Justamente porque nas assembleias municipais a sua representação acaba por perder-se, o seu poder de representação - se é que ele existe, como tal...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Aqueles que não tenham relações pessoais - o que acontece com frequência - com o executivo ou com a presidência do executivo camarário não têm outro meio de fazer valer os seus interesses que não seja ali, naquele quadro institucional. Isto porque há pessoas que não se dão com o presidente da câmara, que até têm reacções cortadas com ele! Ora numa assembleia institucionalizada um inimigo fala com outro inimigo, mas fora dela não fala. Ou se fala, é em termos de relevância nula. Porque ali. é testemunhada a sua posição, tem o apoio de outros, mas não há dúvida de que, fora disso, desgraçado daquele que não tenha relações ou não tenha a simpatia do presidente. Esse não tem outro quadro para fazer valer os seus pontos de vista.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Compreendo a objecção do Sr. Deputado Almeida Santos, mas o que eu entendo, em relação a este assunto, e em termos essencialmente pessoais, é o seguinte: o grande problema que decorre das ligações ou relações entre juntas de freguesia e câmaras municipais é a repartição de poderes entre umas e outras, entre as juntas de freguesia e as administrações municipais. Se alguma coisa for alterada, se, não ao nível constitucional, como é evidente, mas só ao nível da legislação ordinária, conseguirmos alterar isto, no sentido de atribuir mais pode-
Página 1656
1656 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
rés e mais claramente às juntas de freguesia, essa pequena (ou grande) questão será, evidentemente, ultrapassada.
Por outro lado, o que acontece é que há uma grande discrepância entre o funcionamento das assembleias municipais, por exemplo, em meios de grande densidade urbana, perante as juntas de freguesia urbanas e perante as rurais. Portanto, há um funcionamento perfeitamente diversificado das assembleias municipais de composição diversa em relação ao ambiente sobre o qual ou ao território no qual estão instaladas.
Por último, o que eu queria dizer era o seguinte: não me parece que a questão da dimensão, do número de elementos das assembleias municipais, seja um argumento de somenos importância. O Sr. Deputado Almeida Santos entende que o País já se habituou a viver com este número de elementos das assembleias municipais; mas V. Exa. conhece perfeitamente as variadíssimas diligências que têm sido tentadas fazer sobre a possibilidade de delegação de poderes, sobre a possibilidade de convocatória artificial dos membros das assembleias municipais para poderem funcionar com quorum. Entendo que das duas uma: ou queremos, na verdade, dignificar um órgão dando-lhe capacidade, dando-lhe eficácia para se desempenhar das suas funções e atribuições e, concretamente, ter a disponibilidade suficiente para se reunir quando deve e em tempo oportuno; ou estamos a tentar manter aquilo que, na nossa boa intenção, seria a dignificação de um órgão, mas que não é mais do que a sua caricatura. Acresce que, como se sabe, de acordo com a organização das autarquias locais e a diversificação da organização das autarquias locais, dentro do território nacional, o que acontece é que há assembleias municipais com uma composição perfeitamente caricata. Bastará lembrar a V. Exa. o número de freguesias, como acontece, por exemplo, nalguns concelhos do norte, de que me estou a recordar, e o número de elementos da assembleia municipal a que isso conduz.
Penso que podemos perfeitamente, a nível da legislação ordinária, estabelecer mecanismos de representatividade por conjuntos ou grupos de freguesias, ou de acordo com a representação eleitoral, ou de acordo com o número de eleitores de cada conjunto de freguesias que não leve, de maneira nenhuma, a ofender os princípios a que, há pouco, os Srs. Deputados José Magalhães e Almeida Santos faziam referência, e que eram: voltarmos a cair na pecha, no pecadilho, de reforçar, por esta via, o partido mais votado e de prejudicar os direitos das minorias. Do nosso ponto de vista não é essa a intenção que está no preceito que propomos e estamos disponíveis, como é evidente, para, ao nível da legislação ordinária, fazer as correcções necessárias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, eu percebi o longo excurso que V. Exa. fez. Parece-me, contudo, que esse longo excurso, tal como certas viagens, apenas serve para não passar pelo ponto onde se paga portagem. Esse ponto é, neste caso, a pergunta que lhe dirigi, a que carece de uma resposta frontal, mesmo que rude.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sou incapaz de dar uma resposta dessas - rude, principalmente!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesse caso, uma resposta "meiga" e frontal, qual seja: que presidentes é que seriam chamados e que presidentes seriam excluí-
dos? Essa é a boa pergunta! Tudo o mais são florilégios! Se V. Exa. estabelece uma regra nos termos da qual o legislador ordinário pode chamar uns e excluir outros, sendo a Constituição omissa quanto aos critérios de chamada e de exclusão, fica inteiramente nas mãos do legislador ordinário a possibilidade de excluir as minorias, em nome de "virtuosos" princípios, quais sejam o "reforço de homogéneas", a "criação de maiorias coerentes de apoio", a "garantia do reforço da eficácia" e outros argumentos que iremos apreciar adiante, dentro de pouco tempo.
V. Exa., em relação a isto, nenhuma garantia oferece. Pelo contrário, corrobora, nas observações que faz, os riscos imensos de caminhar para uma solução desse tipo, com alegação da diferença entre as zonas urbanas e rurais ou com a alegação de que, afinal de contas, "as assembleias não são tão importantes como isso, porque a representação das freguesias pode fazer-se na base do diálogo bilateral entre os presidentes que o tenham" (os que não o tenham, obviamente, ficam excluídos do diálogo bilateral). Tudo isto é altamente interessante, sobretudo para as oposições e sobretudo para as freguesias presididas por entidades que não tenham á mesma coloração exacta da maioria no município... E por aí adiante! São argumentos que só reforçam as inquietações que exprimi.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Exa. esqueceu-se do essencial, como é evidente. Foi algo que eu disse e V. Exa. não referiu.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que será, Sr. Deputado Carlos Encarnação?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A nova repartição de competências entre freguesias e município, por exemplo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado, qual "nova repartição de competências"? Traçada na imaginação?! É uma "lei mental", do Sr. Deputado Carlos Encarnação?! Tenho grande dificuldade em fazer raciocínios nessa base - obviamente, poderia fazê-los na base de factos palpáveis ou da boa-fé, mas nada nos deve levar a raciocinar na base de um castelo de cartas e de um projecto mental.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza, mas aquilo que estou a dizer é que a intenção que tivemos na elaboração deste preceito alternativo tem na base que, ao nível da legislação ordinária, estas outras, várias, considerações que eu teci se construam e se adeqúem.
Claro que V. Exa. pode dizer-me: estou eminentemente duvidoso em relação a essa vossa intenção. Com toda a certeza, é uma prerrogativa que V. Exa. tem, não pode deixar de ter e eu não posso coibi-lo de a ter. Mas se V. Exa. disser de outra maneira (como, aliás, também o PS pode fazer): se calhar também estamos abertos a que os perigos que existem hoje e que já foram variadíssimas vezes citados - como seja o do aumento da representação do partido mais votado, de acordo com a redacção actual do preceito - possam ser ultrapassados e evitados. Como? Com uma alteração, porventura no sentido daquela que VV. Exas. propõem, mas com uma redacção ligeiramente diferente.
Página 1657
27 DE OUTUBRO DE 1988 1657
Ou seja, em sede de redacção, poderemos estar abertos a alterações da nossa proposta, relativamente a este preceito; mais do que isso, é evidente, não poderemos nem seremos obrigados a fazê-lo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, estamos aqui, diria eu, a esgrimir com dois princípios: o da eficácia e o da representatividade. É discutível, mas pode ser compreensível, que se dê um certo primado ao princípio da eficácia na questão do órgão executivo. Agora se, com a mesma preocupação, se der o primado ao princípio da eficácia, no órgão que, por natureza, deve representar, com a maior fidedignidade possível, a expressão plural da vontade do colégio eleitoral num determinado município, estaremos porventura a afectar excessivamente o princípio da representatividade. Porque, repare-se, não se trata apenas de discutir a questão da eficácia, em função de saber se é idealmente melhor ou pior a presença de todas as freguesias representadas pelo respectivo presidente na assembleia municipal.
Trata-se, para além disto, de verificar que o método de apuramento dos titulares nas assembleias municipais já é um método misto: é, por um lado, a representação directa por via do método de Hondt; e é, por outro lado, uma representação por via do método maioritário, que é o método aplicável à designação dos presidentes das juntas de freguesia. Ora, os presidentes de junta, que, tendencialmente, constituem metade do órgão assembleia municipal (metade menos um, porventura), já eles são de designação por maioria simples. Mas aqui a distorção resultante é insuperável. Mas se juntarmos a esta distorção uma segunda distorção, que é a de transformar em colégio eleitoral indirecto os presidentes de junta, para a designação dos presidentes - representantes -, juntamos uma segunda distorção e agravamos, no resultado final, a representatividade da assembleia municipal. E então poderemos ter situações verdadeiramente descontroladas entre a expressão do eleitorado através do método de Hondt e a composição final da assembleia municipal. O sistema já não seria só misto, mas misto com designação, em segunda instância, por um colégio eleitoral restrito - colégio eleitoral esse não apurado pelo método de Hondt, mas sim pelo método maioritário simples.
Não são, de facto, questões suficientemente ponderosas para fazer o PSD reflectir quanto à circunstância de a sua preocupação pela eficácia, afinal de contas, ser demasiado afectada, em face da distorção do princípio da representatividade?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Penso que não, Sr. Deputado, porque, ao nível da legislação ordinária, nós poderíamos sempre ter meios para evitar que isso acontecesse. Designadamente em relação à fórmula de eleição dos presidentes das juntas de freguesia, podíamos inventar, ou estabelecer na lei ordinária, um mecanismo pelo qual as minorias nunca fossem afectadas com isso, antes pelo contrário, pudessem vir a ser beneficiadas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas que mecanismo seria esse? Porque o mecanismo que há garante esse desiderato; é um mecanismo seguro e certo para garantir que ninguém seja excluído. V. Exa. diz: mas esse é um mecanismo total, isto é, é um mecanismo demasiado fixo; arranjemos um que, não sendo fixo, garanta a protecção das minorias. Mas a seguir não engenha nenhum que me garanta a protecção das minorias, porque permite discriminações.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu poderia dizer a V. Exa. que qualquer mecanismo ou qualquer sistema que se possa estabelecer e garanta sempre a representação das minorias, dentro deste colégio eleitoral, e que atribua, a nível da aplicação do método proporcional ou outro qualquer deste tipo, um determinado número de elementos em relação aos demais resultaria sempre em garantias comparativamente maiores do que o método que, nesta altura, existe. Neste momento o que existe é que V. Exa. tem representados nas assembleias de freguesia todos os presidentes das juntas: tem todos, os dos partidos mais votados; tem todos, os dos partidos menos votados.
Suponha que - estou apenas a fazer uma construção aproximativa -, independentemente da garantia de, nas assembleias municipais, permanecerem os representantes das juntas de freguesia dos partidos menos votados, poderia encontrar-se uma fórmula de proporcionalidade em relação aos representantes dos presidentes de juntas de freguesia de partidos mais votados; ou outra qualquer. São sempre fórmulas, são sempre possibilidades que, ao nível da legislação ordinária, poderiam ser encontradas e que facilmente redundariam em benefício - e em benefício das minorias. Era isso o que eu queria dizer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, para que não fique nenhuma dúvida, permita-me que lhe formule a pergunta: quem é que escolheria esses presidentes? Que estrutura é que escolheria esses presidentes? Por que critério é que seriam seleccionados, por forma a garantir o não tratamento desigual, o não reforço indébito das posições do partido maioritário no município e, logo, a perturbação de toda a lógica da representação proporcional, criando-se, mais do que "um prémio de maioria", a possibilidade de aplicação de um contrapeso, escolhido pela própria maioria, para compensar as dificuldades que ela própria encontrasse, com lesão de todos os demais direitos e interesses em presença.
É esse sistema de garantias que V. Exa. não nos adianta, em troca de um (previsto na Constituição) que tudo garante. E ainda por cima num domínio eleitoral em que não deveria reger nenhuma indefinição que a lei ordinária tivesse de colmatar, sujeita às oscilações das maiorias, sujeita a que uma maioria construa a própria cadeira em que deseja instalar-se e, desejavelmente - na sua óptica -, perpetuar-se.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Este sistema tudo garante, até aquilo que V. Exa. quer combater.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
Página 1658
1658 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
O Sr. Almeida Santos (PS): - Pensei que talvez pudéssemos começar a tirar conclusões, senão nunca mais saímos daqui. Neste sentido, nós compreendemos a preocupação do PSD. Reconhecemos que, por vezes, é excessivo o número de elementos das câmaras municipais. Só é preciso que este defeito não seja corrigido por outro defeito maior. Já esta discussão nos permite antever dificuldades para as quais ainda ninguém, aqui, teve uma ideia luminosa. Se há presidentes de junta que ficam de fora, quais os que ficam de fora? Como é que evita que fiquem de fora exactamente aqueles que são minoritários? Como? Qual é o colégio eleitoral que, depois de saber quais são os presidentes de junta, elege de entre esses alguns e não outros? Qual é esse segundo colégio eleitoral? Que segundo momento é esse? Quando ocorre?
A menos que o PSD apareça com uma proposta que englobe a solução deste problema, nós temos que permanecer na recusa. É que podem surgir dificuldades superiores às da partida. Talvez valha a pena encarar, então, a maneira de superar a carga mítica que está ligada aos directamente eleitos como mais legitimados do que os presidentes das juntas. Não vejo que o sejam! Os presidentes das juntas têm uma legitimidade igual à dos outros. Por que é que o número dos segundos há-se ser maior do que o dos primeiros? Pelo contrário: o primeiro de uma lista há-de, por natureza, ter mais qualidades do que o último. O último por alguma razão não é o primeiro. Quem fez uma lista colocou um indivíduo em primeiro lugar porque ele tinha mais mérito do que o último. Esta é a lógica! Portanto, há aqui algum reforço da legitimidade qualitativa do presidente da junta, que foi eleito directamente para um cargo, mas que tem uma distinção que não têm os outros todos. Um indivíduo que vota, fá-lo muito mais preocupado em saber qual é a lista que merece ter o presidente da junta do que em saber quem são os indivíduos que hão-de, avulsamente, entrar para a assembleia municipal. Por que é que, então, não encaramos - se é essa a preocupação - a possibilidade de virar isto do avesso, isto é, serem os presidentes de junta em número superior aos directamente eleitos? É uma hipótese, embora eu me incline a deixar o que está. Já ternos experiência daquilo que agora está previsto. A única dificuldade é que, em alguns casos, são muitos. No entanto, não é problema tão grave que nos leve a envolver-nos em dificuldades que podem ter consequências inimagináveis, já que ainda não conhecemos quais sejam.
A não ser que o PSD apresente uma proposta milagrosa a dizer que os presidentes das juntas serão seleccionados de tal maneira que as minorias não serão afectadas, manteremos a nossa recusa. Não se esqueçam de que um dos grandes momentos da vida de uma assembleia municipal é o da elaboração do plano e do orçamento. É aí que eles refilam a dizer "isto está em desequilíbrio; por que é que se dá tanto àquela junta e tão pouco à minha?" É aí que o problema se coloca! Em relação à vida normal de uma assembleia, concordo com aquilo que disse o Sr. Deputado Carlos Encarnação, ou seja que as assembleias devem ter mais poderes, porque senão morrem. A maioria dos presidentes das juntas pensam que a assembleia municipal é uma maçada. Só existem para lhes criar problemas. Ora, isto não é rigorosamente assim. A assembleia municipal tem de ter a mesma função que tem a Assembleia da República relativamente ao Governo, ou seja, tem de ser o órgão de fiscalização política do executivo. Compreendo que haja alterações legislativas nesse sentido. Até aqui a Constituição deixa alguma abertura. Vamos ver se conseguimos recuperar essa possibilidade para a lei ordinária. Se continuarmos a não valorizar as assembleias municipais, admito que elas irão morrer, irão transformar-se numa rotina insignificativa e com o tempo acabarão por ter o mesmo óbito que teve o conselho consultivo municipal.
Portanto, a minha ideia era deixar estar o que está, a menos que se veja claramente uma solução que sobre esta tenha vantagens e que não tenha defeitos superiores aos que hoje tem a assembleia municipal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que já estão explicitadas as posições das diferentes perspectivas. Portanto, creio que poderíamos passar adiante.
Vamos passar ao artigo 252.° (câmara municipal), em relação ao qual existem propostas de alteração do CDS, do PSD e do PRD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o CDS já fez a sua justificação a propósito do artigo 251.°
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito o seguinte: no vosso espírito está presente a possibilidade de permitir o sistema de lista maioritária a duas voltas? O plural "sistema de listas maioritárias" significa isso mesmo, ou VV. Exas. querem, de algum modo, manter uma certa ambiguidade, relegando a solução deste problema para a lei ordinária, o que também é uma opção defensável? A formulação que cá está diz "listas maioritárias" e não "lista maioritária". Ora, isto é mesmo a consagração da maioria a duas voltas? É isto ou quiseram deixar isso ambiguamente para a lei ordinária?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, diria que as soluções se compaginam. O plural, sendo compatível com a solução das listas maioritárias em duas voltas, é também compatível com a definição mais clara dessa matéria por via legislativa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, é que, caso contrário, não se justifica o plural. Se há só uma volta é o sistema da lista maioritária e não das "listas maioritárias".
Página 1659
27 DE OUTUBRO DE 1988 1659
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A ideia é essa, Sr. Deputado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o desiderato final que o CDS parece querer alcançar com a sua proposta é o da constituição de executivos homogéneos. A minha pergunta ao CDS é a seguinte: para alcançar esse objectivo não terá ocorrido ao CDS propor a formação indirecta dos executivos municipais? O CDS deixa em aberto a possibilidade de a forma de designação ser por maioria simples, portanto por maioria a uma volta, já que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de reconhecer ao Sr. Deputado Almeida Santos a ideia de que a legislação ordinária é que diria qual o método de apuramento maioritário, se de maioria a uma volta, se de maioria a duas voltas. Admitindo que se satisfaz com um método de apuramento através da maioria simples, o CDS está, por um lado, a querer alcançar o objectivo do executivo homogéneo e, por outro lado, a admitir uma distorção completa da vontade do eleitorado no processo de formação desse executivo. Se isto que acabo de dizer tem sentido, por que é que o CDS não procurou alcançar o objectivo que propõe, o executivo homogéneo, com a garantia de autenticidade da repre-sentatividade do executivo através da forma de designação indirecta desse executivo pela assembleia municipal? Foi ideia que nunca ocorreu ao CDS? O CDS tem contra ela objecções fortes?
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Almeida Santos.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de. Brito (CDS): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão traduz-se, no fundo, em fazer algumas sugestões ao CDS. Partindo do princípio de que o objectivo do CDS é o de fortalecer o executivo municipal, evitando as situações concretas que ocorrem em função do sufrágio proporcional e que são, de facto, casos em que o executivo tem um presidente que não tem apoio na própria câmara, pergunta o Sr. Deputado por que é que o CDS não deslocou, à semelhança do que acontece nas relações entre o Governo e a Assembleia da República, a designação do executivo municipal para a assembleia municipal, portanto de uma forma indirecta.
Sr. Deputado Jorge Lacão, a preferência do CDS radica no facto de que a tradição democrática da designação dos executivos municipais vai no sentido da eleição directa dos mesmos. O CDS reconhece que essa eleição directa traz algumas dificuldades em matéria de fortalecimento do próprio executivo municipal, mas penso que seria ir muito longe abandonar a opção da eleição directa em favor do fortalecimento do executivo municipal. Portanto, é através da forma de sufrágio que, efectivamente, o CDS propõe a superação desse problema.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então o CDS aceita a tradição pelo lado pior? Com o método de apuramento que propõem, acabam por aceitar a possibilidade da distorção completa da vontade do eleitorado, distorção essa que vai ao ponto não apenas de privilegiar os partidos com melhor resultado eleitoral, ainda que eventualmente bastante minoritários no conjunto, como, para além disso, reduzir a zero a possibilidade de representação dos restantes partidos votados pelo eleitorado. O que resulta estranho daquilo que é proposto pelo CDS é que afinal o método de eleição directa só serve para apurar um dos concorrentes, com menosprezo total e completo pelos restantes. Quando lhe coloquei a questão da possibilidade da designação indirecta não estava a subalternizar os segundos e demais partidos votados, já que esses, à excepção das maiorias absolutas resultantes das eleições municipais, sempre poderão intervir no processo de designação dos executivos através das formas clássicas de coligação.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado invocou contra a solução do CDS os mesmos argumentos que são brandidos contra o sufrágio maioritário.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Estou justamente a dar primazia ao sufrágio directo e proporcional, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não vejo mal nenhum nesta minha observação, já que também costumo brandir esses argumentos quando defendo o sufrágio proporcional. Defendemos o sufrágio proporcional. Simplesmente suponho que aqui a realidade é um pouco outra e que na prática não há a distorção a que o Sr. Deputado se refere, já que as eleições autárquicas para a câmara desenvolvem-se, fundamentalmente, pluralizadas em torno dos cabeças de lista. Portanto, a distorção de que fala o Sr. Deputado, com falta de respeito pelas listas menos votadas, pelas listas não maioritárias, embora, porventura, até em conjunto possam efectivamente constituir uma maioria, não é nem será tão evidente como seria a distorção do princípio democrático da eleição se se retirasse às populações a eleição directa da câmara municipal.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito terá, com certeza, notado que me deu o melhor dos argumentos. O Sr. Deputado reconheceu que, no fundo, isso anda à volta da designação do cabeça de lista. Ora, isso é como se fosse uma forma plebiscitaria de encontrar o presidente da câmara. Toda a composição da lista, para além do cabeça de lista, resulta completamente subalternizada. É que as listas que não obtiveram nem o melhor dos resultados possíveis, nem um cabeça de lista, nem qualquer elemento, têm qualquer coisa a dizer no processo democrático. Se assim não fosse, quase que mais valeria a pena discutir-se o executivo municipal exclusivamente em torno de alternativas meramente encabeçadas pelo candidato à presidência da câmara e depois
Página 1660
1660 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
responsabilizar este por propor o executivo municipal restante à assembleia municipal. Eram fórmulas que melhor garantiriam o desiderato do CDS, executivos homogéneos, e melhor respeitariam a representatividade da vontade do eleitorado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta tem vindo a ser defendida pelo Partido Social-Democrata ao longo do tempo. Sobre ela gostaria de tecer as seguintes considerações:
Em primeiro lugar, entendemos que o sistema que tem sido seguido em relação às câmaras municipais, ou melhor, em relação à formação dos executivos municipais, é um princípio que, democraticamente, teve a sua validade, importância, relevância, e, historicamente, o seu lugar. Porém, acontece que o que neste* momento se pede às câmara municipais - até para sua própria dignificação - é fundamentalmente uma maior eficácia do seu funcionamento. Para atingir esta mera eficácia de funcionamento entendemos que o princípio constitutivo do órgão executivo deve ser modificado. E como é que deve ser modificado? Radicalmente, no sentido de optarmos por uma solução de eleição de lista maioritária? Pensamos que não! Entendemos que há um tertium genus, que há uma solução transitória entre uma coisa e outra, mas ancorada no princípio da proporcionalidade, que nos permite realmente conseguir os objectivos pretendidos na formação dos executivos municipais. O objectivo essencialmente pretendido é que o executivo municipal corresponda à maioria encontrada nas urnas. Sendo certo que a eleição para o executivo municipal é na maior parte dos casos fruto da escolha de um determinado presidente e da confiança que nessa figura é depositada, não fará sentido que a constituição da sua equipa, ou seja, que a constituição da maioria dentro desse executivo, não corresponda a essa vontade declarada pelo eleitorado ou, como é evidente e pior, que o presidente eleito pelo partido que ganhou as eleições seja condenado a governar o executivo municipal com uma minoria.
Pensamos que este facto é ou pode ser descaracterizador da acção do executivo. É descaracterizador quer em relação às características que o próprio executivo assume e à necessária política que desenha, elabora e aplica, quer em relação à própria posição dos cidadãos que estão em representação das demais listas apresentadas a sufrágio. É uma solução que não satisfará nem a lista mais votada nem as listas menos votadas, que se constituem em oposição.
Daí a razão de ser da nossa proposta.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, gostaria de saber qual é o vosso ponto de vista sobre esta matéria. Não foi por acaso que na primeira revisão constitucional nos debruçámos sobre as virtudes do sistema maioritário a duas voltas e preferimos manter-nos no sistema proporcional. O sistema
proporcional é o sistema base do nosso direito eleitoral. Podemos a qualquer momento alterá-lo, mas não vejo nisso vantagens significativas. Temos, por exemplo, o caso francês. Os franceses andaram a saltitar de um para o outro, com um sistema a corrigir o outro, com o outro a corrigir o primeiro. Não parece que haja uma vantagem tão clara no sistema das listas maioritárias, mesmo admitindo que seja a duas voltas. Não vejo que valha a pena tentar esta aventura e mudar o sistema proporcional, que é a regra base do nosso sistema eleitoral. Isso seria perfeitamente democrático. Só que sempre entendi que mais democrático é o sistema proporcional.
A ideia da competência própria para o presidente justificar-se-ia muito menos se tivesse êxito a proposta do CDS. Se, na verdade, se tratasse de um executivo homogéneo pela via das listas maioritárias, não teria tanta justificação atribuir competência própria ao presidente. Penso que o presidente, mesmo sem a Constituição lhe abrir a porta à competência própria, já a tem ou funciona como se a tivesse. É inegável que o presidente, mesmo sem competência própria, é hoje miem controla a vida dos municípios. Não vejo necessidade de reforçar a supremacia - que, aliás, já tem - sobre um órgão que deveria deliberar mais colegialmente do que delibera. Não tenho nada a opor à sua consagração. Mas também não vejo grande vantagem em reforçar a presença já hoje dominante do presidente da câmara relativamente à respectiva vereação. Se prevalecesse a tese dos executivos homogéneos, quer na base da proposta do CDS quer na base da proposta do PSD, justificar-se-ia ainda menos uma competência própria. Ele não teria dificuldade em fazer votar colegialmente aquilo que entendesse.
Em relação à proposta do PSD parece-me que ela tem um defeito básico, que é o de provocar uma distorção no princípio da representatividade democrática. Tem-se entendido que esta solução não deixa de ser proporcional. Penso que só dificilmente ela pode ser considerada enquadravel no método proporcional. É um ponto de vista, que, porventura, tem quem o conteste.
Devo dizer que compreenderíamos melhor esta proposta - e, mesmo assim, com profundas reservas - se, em vez de os vogais a mais necessários para provocar a homogeneidade serem retirados às minorias, acrescessem àqueles que resultassem de uma eleição segundo o sistema proporcional. Apesar de tudo, grande parte das minhas reservas pessoais desapareceriam, porque a voz das minorias estava lá. A presença de uma voz minoritária num executivo camarário é fundamental. A homogeneidade não desaparecia por isso. Pelo contrário, quem dominasse, quem decidisse, o partido que tivesse a responsabilidade de sozinho deliberar, tinha de tomar em conta as vozes das minorias e das oposições. Não vejo que se deva invalidar esse valor, que é o ponto de vista das oposições.
Nos termos da proposta do PSD, os partidos minoritários desapareceriam, em regra, dos executivos camarários. Assim, compreenderíamos muito melhor, se bem que ainda com reservas, a possibilidade de a homogeneidade se conseguir por acréscimo e não por dedução nos representantes eleitos, porque, aí, haveria uma dupla distorção do princípio da representação democrática. Sem isso, alguém que tinha sido eleito deixava de poder exercer o seu mandato para quem não tendo
Página 1661
27 DE OUTUBRO DE 1988 1661
sido eleito passasse a fazê-lo em sua substituição. Não tenha a menor dúvida a esse respeito, pois é o que cá está: "no caso previsto no n.° 2, os mandatos sobrantes são conferidos às restantes candidaturas". É o que cá está e eu ainda sei ler português.
Por outro lado, esta formulação "se a candidatura mais votada não obtiver mais de metade dos mandatos" nunca seria uma formulação feliz. O que é metade dos mandatos? É partir um vogal ao meio e deixar metade para cada lado? E partir por onde? Deixar intacto o quê? Ou seria na verdade quem não detém maioria vir a receber os mandatos a mais necessários para a ter, jogar portanto não o conceito de metade mais um dos mandatos, mas da maioria? Pode ser o mesmo, mas na prática isto é susceptível de originar dificuldades.
Portanto, em princípio, temos profundas reservas na medida em que nos mantemos fiéis à regra da proporcionalidade. Gostaríamos que os mandatos fossem desempenhados por quem foi efectivamente eleito, mas, apesar de tudo, compreenderíamos menos mal - repito - uma regra em que a homogeneidade se conseguisse por acréscimo, e não por dedução.
Quanto à proposta do PRD, somos contra a proibição de um terceiro mandato consecutivo. Em nosso entender, se o presidente da câmara pode ser o melhor presidente no terceiro mandato, por que é que vamos substituir um bom presidente por um mau? Só porque se acha que, em regra, o terceiro mandato pode vir a provocar habituação ao cargo, corrupção e não sei mais o quê? Não vejo que isto diminua em coisa nenhuma o risco de alguma corrupção que possa haver. Vejo é que corre o risco de mandarmos embora o presidente que é bom para vir outro inexperiente. A experiência é um valor que não se deve deitar fora, e se isto tem alguma justificação ao nível do Presidente da República, ao nível dos presidentes das câmaras a justificação é muito reduzida e muito duvidosa.
De qualquer modo, esta redacção é muito esquisita: "nem durante o período a que corresponde ao prazo fixado na lei para o mandato dos vereadores subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo, nem pode ainda, naqueles casos, exercer funções de vereador". É uma baralhada de todo o tamanho! Portanto, por mais estas razões, agora gramaticais, seríamos também desfavoráveis a esta proposta do PRD.
Em supremo resumo, deixaríamos ficar tudo como está.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria de fazer-lhe uma pergunta em relação às consequências daquilo que acabou de advogar, na medida em que não as antevi de forma suficientemente clara. Mas vamos dar um exemplo numérico de constituição de executivo, que, creio eu, é mais fácil do que batalhar sobre questões teóricas. Imagine que há um executivo constituído por cinco elementos, presidente e vereadores; são eleitos dois (o presidente e um vereador) pelo partido mais votado, restando pois três mandatos para atribuir. Como é que funcionaria, na sua análise e de acordo com a sua proposta possível, a distribuição dos mandatos definitivos numa eleição deste tipo?
O Sr. Almeida Santos (PS): - A posição que eu considero menos reprovável? Não me coloque problemas numéricos, que não vale a pena. O caso é este: faz-se uma eleição como hoje e esses elementos que foram eleitos segundo a lei actual fazem parte da vereação. Acontece que o partido mais votado não tem maioria relativamente ao conjunto das oposições: receberia o número de vogais necessário para que a tivesse.
Vozes.
Ou de voto qualificado do presidente, também pode ser. Só que o voto qualificado pode não chegar. Poderíamos conjugar os dois critérios, isto é, o número de vogais e o voto qualificado do presidente. Bastaria assim o empate mais o voto qualificado.
Vozes.
Acresceria, porque a lei o dizia, porque a Constituição o dizia...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A minha única dúvida é a seguinte: como é que fazia em relação aos restantes?
Vozes.
Vamos supor, por hipótese, que à lista mais votada seriam atribuídos porventura três lugares. Em relação aos outros, havia a perda de um lugar...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não quero perdas.
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É exactamente isso que eu pretendia saber. Como é que se processaria?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quantos é que eram os outros?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Três.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nesse caso, resolver-se-ia com o voto de desempate do presidente.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mantinha o número de vogais eleitos e acresceria apenas um...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Aqui bastaria o voto de desempate do presidente...
Vozes.
De qualquer modo, nós não simpatizamos com esta solução por uma razão simples: temos de admitir que, teoricamente, 20% dos votos poderiam dominar uma câmara. Supúnhamos que há uma repartição igualitária de voto pelas várias listas e que há cinco listas com 19,9% e uma lista com 20,4%. Esta lista, sendo a majoritária, vinha a receber o número de vogais necessários para ter a maioria. Onde é que isto pode ser dramático? Pode ser dramático na Câmara de Lisboa, na Câmara do Porto. Às tantas, há um grande equilíbrio
Página 1662
1662 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
entre as várias listas mas apenas uma delas tem de dominar todas as outras, para o que recebe uma montanha de vereadores, o que constitui uma grave distorção do princípio da representação democrática. Não somos portanto favoráveis a esta solução, mas, apesar de tudo, ela não é tão má como aquela que consiste em tirar cinco ao PCP, cinco ao PS, cinco ao CDS, a fim de fazer um molho de quinze para dar à lista mais votada, que, por acaso, só teve mais 0,5% do que a segunda, mais 0,7% do que a terceira, mais 0,8 % do que a quarta e mais 0,9% do que a quinta. É uma caricatura, mas, teoricamente, pode acontecer.
Vozes.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, é essa solução que merece menos antipatia do PS e que, portanto, me parece poder vir a ser consagrada...
Vozes.
O Sr= Almeida Santos (PS): - Faz-nos menos erisipela, nenhuma delas merece a nossa simpatia mas é aquela que menos nos repugna.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas não há nenhum limite para o número de vereadores acrescidos?
O Sr. Almeida Santos (PS): - É outra hipótese. Quando na verdade a distorção fosse abissal, poder-se-ia estabelecer um limite travão, determinar que o número de vereadores, o bónus, nunca poderia exceder determinado número.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Caso em que não se conseguiria o desiderato da maioria.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Ficava como está... É outra hipótese de trabalho... Tudo isso nos parece muito complicado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Aliás, não sei se o Sr. Deputado Almeida Santos ponderou também a possibilidade, que a bancada do PSD parece ter avançado, de a redacção proposta pelo PSD não ser totalmente incompatível com esse tipo de solução.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não! Isso é totalmente incompatível!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Também me parece.
O Sr. Almeida Santos (PS): - No caso previsto no n.° 2, os mandatos sobrantes são conferidos às restantes candidaturas.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de levantar algumas questões à consideração do Sr. Deputado Carlos Encarnação. A questão é a
seguinte: o método proposto pelo PSD implica, gostemos disso ou não, uma distorção relativa da vontade do eleitorado, distorção essa que através de um método artificial poderia conduzir a que um partido que não tivesse maioria absoluta do eleitorado tivesse todavia maioria absoluta de mandatos no executivo municipal. Ora, este método de apuramento para o executivo municipal não é correspondente, nem poderia ser, ao método de apuramento na assembleia municipal. De onde poder com frequência verificar-se uma não identidade entre uma maioria absoluta existente no executivo e a inexistência de uma correspondente maioria absoluta no órgão deliberativo. Ou seja, o partido que dispõe de maioria absoluta no executivo municipal disporia apenas de maioria relativa na assembleia municipal.
Sabemos, por experiência feita, que muitas vezes nos actuais executivos municipais, quando o presidente dispõe de vereadores que apenas lhe conferem uma maioria relativa, a tendência é para procurar consensualizar as políticas municipais no sentido de fazer corresponsabilizar nessas políticas outros vereadores que não os do partido mais votado, na medida em que. em contrapartida, vai obter também na respectiva assembleia municipal uma posição, não direi já necessariamente apoiante, mas pelo menos tolerante por parte dos segundos partidos aí representados, dado que os respectivos vereadores no executivo também tendem para uma posição, ela própria, cooperante. Ou seja, mesmo nos casos em que não existem maiorias absolutas, acaba por se encontrar um modus vivendi em que as propostas feitas pelo executivo à assembleia municipal logram aí ser aprovadas por não virem a ter contra elas maiorias absolutas negativas.
Simplesmente, no caso de se formar uma maioria absoluta artificial, o resultado pode ser o de que na respectiva assembleia municipal os partidos passem a sentir-se muito mais desresponsabilizados relativamente às propostas feitas pelo executivo, uma vez que não tiveram parte activa nem foram corresponsabilizados na definição dessas propostas da responsabilidade de uma maioria absoluta artificialmente encontrada. E então a consequência pode ser que, não havendo correspondência entre a maioria absoluta no executivo e a maioria absoluta na assembleia municipal, os segundos partidos não se sintam responsáveis por terem de votar na assembleia municipal os mesmos documentos que foram votados em sede de executivo. Assim sendo, aquilo que o PSD propõe como objectivo útil, ou seja, desbloquear o funcionamento autárquico, passa a ter como efeito perverso bloqueamentos e conflitualidades geradas na relação entre os dois órgãos. Na prática, as assembleias municipais onde não há maioria absoluta do partido que a detém no executivo passarão a ter tendencialmente muito mais inclinação para votar por motivações exclusivamente partidárias e, neste caso, a poder bloquear por maiorias absolutas negativas as propostas vindas do executivo, designadamente em sede de plano e de orçamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sucede que o PSD também figurou, por certo, essas hipóteses e propõe uma terapêutica mortal para isso, Sr. Deputado Jorge Lacão.
Vozes.
Página 1663
27 DE OUTUBRO DE 1988 1663
É que estas propostas do PSD jogam umas com as outras, articulam-se. O "prémio de maioria" está combinado com esta solução subtil em relação ao artigo 251.°, que permite resolver esse problema que o Sr. Deputado está a equacionar...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não necessariamente, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que sim!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Porque não sabemos o que é que nos reservaria a lei ordinária naquelas soluções para as quais nos remeteu há pouco o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Consequentemente, não é de excluir como séria a hipótese que estou a colocar, ou seja, a circunstância de haver contradição de maiorias entre aquela que é artificialmente criada no executivo e aquela que é naturalmente criada na assembleia municipal. Os impasses municipais que o PSD pretendia resolver em sede de executivo vão passar a ser impasses de conflitualidade entre o executivo e a assembleia municipal. E a conclusão ao PSD é: este segundo impasse não tem consequências mais graves para a vida dos órgãos autárquicos do que o primeiro?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A questão fundamental era a seguinte: diz o Sr. Deputado Jorge Lacão, que, aliás, fez uma intervenção prudentíssima, perfeitamente diferente daquela que o Sr. Deputado José Magalhães faria...
Vozes.
Mais uma vez, o Sr. Deputado José Magalhães tentou descobrir intenções onde elas não existem e que de maneira nenhuma estão presentes naquilo que o PSD propôs.
O Sr. Deputado Jorge Lacão fez de facto uma intervenção perfeitamente aceitável do nosso ponto de vista, levantando algumas questões que podemos analisar aqui, embora não seja talvez a sede mais adequada para o fazer. De qualquer forma, são questões relevantes que se prendem com o método proposto e conviria dizer duas palavras em relação a ele.
Em primeiro lugar, se o Sr. Deputado Jorge Lacão confrontar as crises com os problemas que existem ao nível de executivos e ao nível de assembleias municipais, verificará que a maior parte das crises se geram nos executivos e não nas assembleias municipais. Verificará também que a posição de votação, mesmo em relação às maiorias conjunturais que se formam nos executivos, normalmente não obtêm contrapartida nem repercussão nas assembleias municipais. Normalmente, quando se chega a uma formulação, designadamente do orçamento e plano, as assembleias municipais têm nessa sede, um procedimento completamente diferente do que têm no executivo municipal.
Por outro lado, pretendemos que os grandes bloqueamentos existentes, e que existem dia a dia nas decisões dos executivos municipais, sejam ultrapassados. Como sabe, o orçamento e plano acontecem mais raramente do que acontecem os grandes obstáculos às acções concretas dos executivos. E aquilo que nós pretendemos é resolver esta segunda questão e não a primeira, como é evidente. A segunda terá necessariamente de resultar de um entendimento, o mais perfeito possível e o mais democraticamente possível construído, entre um órgão e outro. Estamos a tentar superar as contradições internas de um órgão executivo; é nessa medida que nos estamos a preocupar e é para isso que tentamos encontrar uma solução.
A solução que nós propomos é uma, a solução que o Sr. Deputado Almeida Santos, em última ratio, descobre como admissível por parte do PS é outra.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... menos recusável, apesar de tudo. Repugnaria menos por acréscimo do que por dedução das minorias, na medida em que este método faz desaparecer a voz das minorias.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - A minha grande dúvida em relação a isso consistia em saber como é que o Sr. Deputado Almeida Santos formulava a sua teoria inicial; fiquei perfeitamente esclarecido quando falou...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Como não considero provável que tenha de a formular, talvez não valha a pena estar aqui a fazer esse esforço. No entanto, se tivéssemos essa necessidade, garanto que não me embaraçaria nada fazer a formulação. Mas como espero não ter que fazê-la, acho que o trabalho é inútil.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu dei por justificada a sua posição, não pensava que o Sr. Deputado Almeida Santos o fizesse outra vez. Porque aquilo que eu aceitei, aceitei por bem, como sendo a justificação cabal da sua posição, com a qual, aliás, de alguma maneira tenho alguns motivos para concordar, em princípio. Ou seja, suponha - e, como é evidente, não falo em nome do PSD - que nós caminhávamos para uma solução que se aproximasse da sugestão que o Sr. Deputado Almeida Santos propôs. Então aí, é evidente que a questão que se punha - e o Sr. Deputado Almeida Santos seria vítima da mesma pergunta que eu fui em relação ao Sr. Deputado Jorge Lacão, a pergunta seria colocada a si e não a mim...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É porque justamente, sem estar a advogar a bondade ideal da solução de compromisso que o Sr. Deputado Almeida Santos avançou, apesar disso, nesta segunda fórmula sempre pode admitir que, não sendo prejudicados quanto à sua representatividade os segundos partidos, então há um princípio, apesar de tudo, de corresponsabilização deles no executivo, que sempre se poderá traduzir em maior harmonia na expressão das respectivas forças na assembleia municipal e, consequentemente, no perigo do bloqueio ser menos significativo nesta segunda fórmula do que é na vossa...
Página 1664
1664 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É certo, Sr. Deputado Jorge Lacão, que a maioria pertencia sempre ao partido mais votado, quer por voto de qualidade quer por qualquer outra solução. Portanto o problema seria necessariamente o mesmo, ou seja, haveria no executivo uma expressão do partido mais votado, por voto de qualidade ou por maior número de elementos, diferente do que haveria provavelmente na assembleia regional.
Mas penso que na essência a resposta que eu tinha a dar-lhe em relação à questão que me colocou já foi dada. Se foi suficiente ou não, se o satisfez ou não, é outra questão; no entanto, penso que lhe pude dar a resposta que pude e não queria deixar de acrescentar esta nota, porque me parecia que o devia fazer em relação à sugestão formulada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, por mim devidamente analisada e pensada, a título pessoal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, percebi a sua argumentação respeitante às relações entre o executivo camarário e a assembleia municipal. No entanto, suponho que não há propriamente a introdução de novas causas de bloqueamento em sede de Assembleia da República com a solução que adoptamos, pelo menos formalmente.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Essa solução ainda é pior, pois agrava o problema. De facto, se com a transformação de votos em mandatos a maioria do executivo municipal homogéneo não tem nenhuma correspondência na representatividade da assembleia municipal, então o bloqueio pode ser total e absoluto.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas, Sr. Deputado, os bloqueios existem hoje na forma de constituição da assembleia municipal.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas não têm a mesma gravidade. De facto, a autonomia completa quanto à fonte de designação do executivo relativamente à assembleia municipal já hoje acontece. Simplesmente hoje a composição de um e de outro acompanham tendencialmente a expressão da vontade eleitoral, porque o eleitorado ao pronuciar-se contemporaneamente sobre a assembleia municipal e õ executivo, e sendo o método de apuramento o de Hondt, tanto para um como para outro, o resultado é que há um equilíbrio relativo aproximado na assembleia e nas câmaras municipais. Portanto, isto tende a gerar, apesar de muitas dificuldades que se reconhecem, um equilíbrio. Já o vosso sistema distorce completamente este equilíbrio de representatividade entre os dois órgãos, onde a homogeneidade de um não tem qualquer correspondência na representatividade do outro. Ora como na assembleia municipal as deliberações por maioria absoluta são necessárias para validar o plano e o orçamento, o resultado final pode ser um bloqueio total, insuperável e intransponível quando o executivo homogéneo artificialmente alcançado não tiver maioria absoluta na assembleia municipal e, pelo contrário, tiver a maioria das formações políticas contra ele. Isto dá inevitavelmente a dissolução dos órgãos autárquicos por dá cá aquela palha!
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Por "dá cá aquela verba"!...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. tem de reconhecer uma coisa: é que a dissolução também resulta muitas vezes dos bloqueamentos gerados hoje ao nível do executivo camarário - e os exemplos multiplicam-se nessa matéria.
Além disso, V. Exa. tem de reconhecer que nesse âmbito o principal problema reside no facto de ambos os órgãos serem eleitos directamente, ou seja, o órgão controlador e o controlado, o fiscalizador e o fiscalizado serem ambos de eleição directa.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - V. Exa. foi justamente no final da sua intervenção ao ponto final da minha alocução, quando lhe formulei essa pergunta logo no início.
Assim, pergunto-lhe o seguinte: por que é que então não se encontrou um método de designação que, quando muito, admitisse a designação do presidente da câmara municipal pela maioria simples, mas conduzisse a que o restante executivo resultasse da proposta do presidente à assembleia municipal, para que o executivo, ainda que homogéneo, traduzisse um compromisso encontrado entre as forças representadas na assembleia municipal? Como V. Exa. vê, não há incoerência nas minhas preocupações sobre isto.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É que isso chocaria exagerada e desnecessariamente a mentalidade das populações e a ideia que têm da democracia municipal.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que V. Exa. está a admitir é que as populações estão hoje extremamente chocadas com o processo de designação das juntas de freguesia, que é o que acabei de referir.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, desejo fazer a justificação da proposta do PRD. De facto, esta não é simpática às principais forças políticas, nem será obviamente aprovada, mas convém que conste que não o será, bem como as razões de tal atitude.
O PRD propõe concretamente uma limitação - e esta é uma ideia muito antiga - do número de mandatos dos presidentes de câmaras por razões que são substancialmente as mesmas que fazem com que, por exemplo, o Presidente da República tenha também uma limitação de dois mandatos. Aliás, o regime é fundamentalmente decalcado sobre o do Presidente da República.
Creio, assim, que seria um progresso enorme para a democracia portuguesa que os mandarinatos municipais fossem limitados. Temos a certeza de que esta nossa proposta não será aprovada, mas gostaríamos
Página 1665
27 DE OUTUBRO DE 1988 1665
que constasse que não é aprovada porque os grandes partidos não podem prescindir dos mandarinatos municipais.
Relativamente à proposta do CDS perguntaria se ela corresponde a alguma atitude particular relativamente ao artigo 290.° Existe, de facto, uma disposição expressa no artigo 290.° segundo a qual as eleições são feitas, mesmo para as autarquias locais, mediante o processo de representação proporcional. O CDS parece reconhecer alguma força normativa ao artigo 290.° e, embora modifique o preceito, mantém limites materiais de revisão constitucional.
Gostaria, portanto, de saber como é que o CDS compatibiliza a sua proposta com o artigo 290.°
Em segundo lugar, relativamente à proposta do PSD, devo dizer que o sistema proposto me é desagradável - e digo-o de um ponto de vista democrático. De facto, esta história de uns prémios lembra-me sempre o ciclismo: havia uma altura, na "volta a Portugal", em que a quem ganhava uma etapa eram abatidos uns segundos! Aqui, são capazes de ser uns minutos ou horas! Isto é, pois, um processo que, do ponto de vista democrático, se mostra perturbador, embora compreenda as razões de eficácia que lhe possam estar subjacentes. Creio que não podemos partilhar da ideia porque ela é, no fundo, uma forma de tentar obter os resultados do sufrágio maioritário sem fazer o que o CDS faz. Como há o artigo 290.°, vai-se de cernelha!
Em qualquer caso, sem fazer mais comentários sobre a proposta, gostaria de chamar a atenção para o facto de ela ter implicações muito sérias no funcionamento do sistema político português, porque vai, quer se queira quer não, fomentar blocos de partidos. Não sei se é esse o objectivo do PSD, mas gostava de saber.
Na verdade, a importância de ficar ou não em primeiro lugar, relativamente, vai obrigar a coligações pré-eleitorais sistemáticas nas autarquias locais. E digo isto porque se o ficar ou não em primeiro lugar é tão decisivo como se quer que seja, os partido, conforme o jogo de forças, terão de se coligar pré-eleitoralmente para disputarem até ao último centavo o primeiro lugar, o que, de algum modo, perturba a filosofia da representação proporcional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, a questão que V. Exa. me colocou é a da compatibilização da nossa proposta relativa ao artigo 252.° com a alínea h) do artigo 290.°
V. Exa. começou por considerar que o CDS parecia, no seu projecto de revisão constitucional, respeitar o artigo 290.° e a ideia dos limites materiais. Quero dizer-lhe que isso é verdade. De facto, propomos uma nova redacção para o artigo 290.° e adoptamos a tese da dupla revisão em relação ao actual artigo 290.° Como é que entendemos o respeito a ter para com o artigo 290.°? Não é, por certo, como o Sr. Presidente, que tem defendido uma tese diferente, mas sim neste sentido, ou seja, no de que consideramos que o que se consagra nesse preceito é a necessidade de respeitar grandes princípios. E supomos que a fornia como está redigida a alínea h) nos leva a manter o respeito pelo princípio da representação proporcional, apesar da redacção que demos ao artigo 252.° De facto, não estão no mesmo plano o sufrágio universal directo, secreto e periódico e a representação proporcional, na redacção que se dá ao artigo que acabei de mencionar. E entendemos que, mantendo a representação proporcional em relação a todos os órgãos, designadamente os do poder local e os colegiais, como a assembleia de fiscalização, e consagrando apenas o sufrágio maioritário no tocante à câmara, não estamos a desrespeitar o limite material da revisão previsto no artigo 290.° Como o Sr. Deputado Galvão Teles é que é o ilustre constitucionalista, caberá a V. Exa. dizer se estamos certos ou errados! Suponho, no entanto, que estamos certos.
Quanto ao comentário que V. Exa. fez sobre a alteração profunda que este princípio vai introduzir na cena política portuguesa, diria que não é tão profunda como diz. Suponho até que ele não forçará a constituição de blocos, bem pelo contrário. Se realmente um partido, tendo uma maioria relativa na autarquia, pode com isso governá-la com o apoio absoluto dos membros da câmara municipal, não estará tão forçado à constituição de blocos como estaria na hipótese contrária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vai já adiantado o debate, o que torna a minha intervenção extremamente simples e me permite alinhá-la em torno de cinco tópicos de reflexão.
O primeiro tópico poderia titular-se: "Os propósitos do PSD, a eficácia eficaz ou controle tentacular do poder local."
O segundo enuncia-se com uma pergunta: "O prémio de mais-valia tem valia democrática ou tem valor engenheiral?"
O terceiro funda-se nesta outra interrogação: "O pluralismo é odioso?" (a mais apaixonante das questões suscitadas pelo PSD).
O quarto tópico "a realidade grita realmente por uma solução de mais-valia?"
O quinto tópico está "fora de programa", é intitulado e deriva das posições adoptadas in itinere pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Tomemos o primeiro tópico. Creio que a leitura das propostas do PSD nesta matéria deve ser feita tendo em atenção a aspiração mexicanizante, a tal "insustentável leveza da mexicanicação do Poder" que percorre todo o projecto de revisão constitucional do PSD no âmbito da organização do poder político. Isso é válido para a questão dos órgãos de soberania como para a questão da composição dos órgãos de poder local, desde logo quanto à base através da qual eles se formam.
O PSD não se limita à prática de actos de eleitoralismo corrente, de aliciamento de autarcas, de que se queixa por noites desvairadas o Prof. Freitas do Amaral, de pressões sobre autarcas para obter apoios. De facto, o PSD não está tão confiante como isso de que esse tipo de operações lhe reforcem as posições adquiridas e pretende obter, no próprio corpo da Constituição, mecanismos que, em situação de dificuldade, lhe acudam e lhe permitam obter aquilo que não obtenha por via do sufrágio.
Página 1666
1666 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
Os "pezinhos de lã" com que o PSD apresentou estas propostas, a leitura desintegrada que fez até das propostas sobre os artigos 251.° e 252.°, a separação que fez entre as propostas respeitantes a uma manipulação da composição das assembleias municipais, aqui revelada pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação em termos suaves, e esta proposta de mais-valia apresentada quanto aos executivos - tudo isto não pode ser aceite. O projecto de revisão é um todo, a lógica do PSD nesta matéria é reforçar posições monocolores em relação às assembleias e aos executivos. No caso das assembleias, por uma via. No caso dos executivos, por outra via mais aberta, mais pujante e impudente.
Dizer que tudo isto é um tertium genus, fazer, para fundamentar e servir isto tudo, uma alegação incolor à necessidade de "reforçar eficácia", apenas visa colocar em plano secundário aquilo que devia ser colocado debaixo dos holofotes como solução que é, inserida em propósitos dos quais só se pode vivamente discordar.
O "prémio de mais-valia" proposto pelo PSD não é mais do que um instrumento de pura engenharia eleitoral. Em termos de valia democrática não oferece nenhuma! O debate que travámos até ao momento é uma prova concludente disso mesmo. Desde logo, os Sr s. Deputados do PSD têm grandes dificuldades em sustentar que um mecanismo deste tipo não introduz uma distorção significativa das regras de representação. Trata-se de uma solução artificial, que permite transformar em maioria absoluta uma maioria relativa, que prejudica as entidades que não tenham uma maioria e que altera radicalmente o modo de relacionamento entre a maioria e a minoria nos sistemas de poder municipal.
É evidente que terá tanto mais legitimidade para criticar esta solução quem critique outras igualmente distorcedoras da representação proporcional e da articulação maioria-minoria, como, por exemplo, a moção de censura construtiva. Em todo o caso, mesmo neste estrito plano, é possível ter em conta que numa situação de pulverização de votos poderia acontecer através deste sistema, que uma lista pouco mais votada que as demais tivesse, por virtude deste mecanismo mirabolante, uma maioria absoluta.
Entretanto, é outra evidência que esta solução não traria a pacificação e não seria o "desentupidor geral" do sistema de poder municipal. Já foi lembrado nesta sede que uma solução deste tipo é susceptível de induzir uma conflitualidade acrescida nas assembleias municipais. É inequívoco que essa conflitualidade acrescida existiria, uma vez que a situação existente no Executivo seria artificial. E os Srs. Deputados do PSD são coerentes, por uma vez, quando pretendem também "tratar da saúde" da composição das assembleias municipais. O vosso sistema não se esgota nas "virtualidades" enormes de engenharia eleitoral do "prémio de mais-valia": pretenderiam também dar à maioria precária assim existente a possibilidade de construir um sistema de poder assente na selecção dos presidentes das juntas de freguesia com assento nas assembleias municipais, e assim teriam duas maiorias (uma na câmara e outra na assembleia) e não apenas uma maioria isolada! Só que essa forma de construção de um sistema de poder é francamente assente numa ruptura das regras de lisura democrática e das regras de representação fiel das diversas forças políticas com interesses na vida municipal, sendo, portanto, duplamente inaceitável.
Acresce a isto, em termos de artificialidade, que uma solução deste tipo acarreta não só o hiperpresidencialismo como também a tendência para a formação de equipas assentes no pólo presidencial e uma distorção da representação, traduzida não só na lesão directa dos partidos e das forças minoritárias mas também numa pressão ínvia, ilegítima e indébita para coligações pré-eleitorais. Isso pode alterar por completo o próprio funcionamento do sistema partidário a nível local e a grelha de movimentação de partida, de arranjos, de constelações de poder e de relacionamento entre as forças políticas, com consequências de engenharia já não só do sistema eleitoral e do sistema político como também do próprio sistema partidário. Aquilo que o PSD gostaria de fazer, a partir daqui, seria um processo não apenas de pulverização mas de "pulverização a caminho do evanescimento" das forças excluídas da posse da maioria artificial lograda através deste funil de decantação de votos.
Quer-se cavar fundo e não apenas no sistema político, no sistema de poder ou no interior dos executivos. Quer cavar-se no sistema partidário e na própria identidade desse mesmo sistema partidário. É evidente que o CDS, no meio disto tudo, faz o papel de quem delira e anda mecanicamente para, no termo da linha de montagem, ser empacotado. Mas essa é uma outra questão, que tratarei separadamente.
O terceiro aspecto é o do mérito absoluto das soluções. Que se diga que a homogeneização é tudo e o pluralismo nada. vindo de quem vem, é verdadeiramente curioso. E conspícuo, embora seja significativo da reflexão que o PSD faz sobre si e sobre a sua filosofia neste ano de 1988.
Ao fim de catorze anos de trajectória democrática, o PSD descobre as virtudes do monocolor e da cor única, o que é interessante. Dir-se-ia que a composição pluralista dos executivos favorece, pela sua própria natureza, a eficácia da gestão, já que permite a pluralidade de visões sobre a mesma matéria e, logo, processos de reflexão conjunta e a formação de convergências, de maiorias e de consensos que são positivos para a resolução dos problemas. Viabiliza entendimentos susceptíveis de se repercutirem no próprio funcionamento das assembleias municipais; viabiliza formas de conjugação susceptíveis de terem mais vastas referências; ajuda a combater fenómenos de corrupção; ajuda a evitar, portanto, fenómenos de ilegalidade e de compadrio, dada a diversidade de posições e de interesses; é um factor de transparência, uma vez que os partidos que estão em minoria têm, no entanto, direitos de intervenção en su sitio e com igualdade de estatuto e não foram excluídos nem estão em situação de exílio, e contribui para tornar o poder local mais representativo e até para tornar mais fácil a fiscalização das populações, porque, aí, onde há muitos olhos exprimindo diversos pontos de vista, pode haver mais possibilidades de os cidadãos terem conhecimento do que se passa e, logo, intervirem, tomarem posições e, assim mesmo, fiscalizarem de forma directa e indirecta a acção dos executivos municipais.
É, portanto, um factor de vitalidade da democracia aquilo que o PSD pretende suprimir através deste mecanismo.
Página 1667
27 DE OUTUBRO DE 1988 1667
Isto leva-me ao quarto ponto: será que na realidade portuguesa alguma coisa grita aos berros que se acabe com esta situação ("executivos com feição monocolor, já") para permitir a salvação da Pátria, ou, pelo menos, do município? É uma questão intrigante, porque sabemos que as coligações pré-eleitorais dos partidos de direita entre si e até com o PS conduziram à redução muito grande do número de situações de maioria relativa. Assim, a questão tem - que se saiba - uma escassa incidência. A não ser que os Srs. Deputados estejam a fazer um raciocínio de amplificação destas situações e a não ser que o vosso prognóstico seja de muitas mais maiorias relativas, caso em que estariam a pôr "trancas à porta". Mas isso parece-me que seria uma muito imprudente e, sobretudo, uma muito impudente técnica de actuação!
Por outro lado, os casos de instabilidade decorrentes de maiorias relativas contam-se pelas mãos. Na verdade, os casos em que essa instabilidade, real ou suposta, conduziu a eleições suplementares foram diminutos. De resto, as eleições suplementares que se verificaram foram bastante interessantes quanto à punição eleitoral dos promotores da instabilidade, isto é, dos promotores das eleições. Lembro-me do caso de Évora e do caso de Loures, que são casos bastante interessantes desse ponto de vista. Note-se que se verifica ainda que, em casos em que, por exemplo, o PSD e a ex-APU tiveram quase o mesmo número de votos e o PSD obteve a presidência, isso não impediu a distribuição de pelouros, a realização de obra positiva por parte dos vereadores em minoria e uma correlação não bloqueadora de poderes e de actuações. E estou-me a lembrar claramente do caso de Sintra, mas talvez nas mentes de outros Srs. Deputados se perfilem outras hipóteses. Nos casos de Lisboa e do Porto, francamente, não creio que se possa dizer que é isso que provoca dificuldades no funcionamento dos executivos municipais. E, sobretudo, tenho mais dúvidas ainda de que a solução que os deputados do PSD propõem satisfizesse mais do que a gula do próprio PSD.
Que outros queiram fazer isso é que nos parece verdadeiramente inusitado. Como é possível que o PS encontre alguma vantagem, contando pelos dedos, numa situação desse tipo? Parece-nos que só pode resultar de contas mal feitas! Por outro lado, as contas deviam ser feitas - a serem feitas - tendo em conta também os vereadores minoritários e as consequências do apagamento do mapa desses mesmos vereadores. Quando se fazem contas, convém fazer contas totais. Nessa matéria, ser "totalitário" é extremamente positivo para não se ser todo deglutido.
Isto conduz-me ao último aspecto: "há soluções piedosas e aliciantes"? Refiro-me claramente à solução do Sr. Deputado Almeida Santos que foi aqui improvisada - claramente que surgiu no seu espírito nestes próprios minutos - e não tem nada a ver com nenhuma negociação nem com nenhuma discussão! Não tem nada a ver com nada! Saiu desta conversa coloquial e casual, neste fim de tarde ameno do mês de Julho, e traduz-se num verdadeiro e próprio direito de acrescer. O Sr. Deputado Vera Jardim não a conhece porque resultou deste debate a preocupação do Sr. Deputado Almeida Santos, aqui expressa espontaneamente, neste seu estão muito peculiar, nestes termos singelos: "Seria muito mau que os partidos que não têm direito a 'prémio de maioria' e que sejam vítimas da 'maioritarização absoluta à força* ficassem punidos e privados de vereadores."
"Mas, então - lançou o Sr. Deputado Almeida Santos num golpe de inspiração que me apraz sublinhar -, não se tire nenhum vereador a ninguém. Institua-se um 'direito de acrescer'. A maioria relativa adquire o número de vereadores que seja necessário para se transformar em maioria absoluta."
Claro que se a maioria for pequenina, então aí a questão que há que ter em conta é que, para ela se tornar em maioria absoluta, dada a pulverização do espectro partidário na candidatura, pode ser necessário dar-lhe muitos vereadores, ou seja, um coeficiente n. Daí as contas que os Srs. Deputados do PSD estavam fazendo ali num grupo garrido e luzidio e que me parecem ser de duas uma coisa: ou umas contas de Mofina Mendes ou umas contas para ter muito em conta.
Srs. Deputados, se se fosse para um direito de acrescer desse tipo, então estaria gerado um quadro que seria um verdadeiro pandemónio. Seria possível, por exemplo, num quadro de pulverização de votações, que um partido pouco distante dos demais em votação adquirisse, ipso facto, por mero efeito de ser o mais votado - e para ser o mais votado basta um voto, como se sabe -, o direito a acrescer de n vereadores (tantos quantos fosse necessário para ter sozinho mais que todos os vereadores dos outros partidos aglutinados). E então um pequeno partido, apenas um pouco maior que todos os outros, teria direito a ter mais vereadores que todos os outros, por um voto, virtualmente, o que me leva a dizer que este prémio de maioria, na modalidade de direito de acrescer, conduz a pelo menos tantas distorções ou se calhar a mais que o outro, uma vez que é artificialíssimo. Note-se que certas situações e hipóteses que poderíamos trabalhar se tivéssemos os números - e, seguramente, todos podemos ter todos os números - poderiam conduzir a situações verdadeiramente aberrantes.
Qual a virtualidade? Nenhuma, a não ser a da construção de uma maioria de qualquer maneira, mas com pouco proveito, se tivermos em conta a reflexão que o Sr. Deputado Jorge Lacão (o que também muito me apraz sublinhar) trouxe quando reflectiu sobre a composição das assembleias municipais. Porque essa "estabilidade à força", essa maioria erguida sobre um castelo de cartas teria de, nas assembleias municipais, noutro quadro, lutar, milímetro a milímetro, caso a caso, diploma a diploma, medida a medida, para obter a maioria que não teria nessa assembleia. O prémio de maioria nos executivos seria ou uma vitória de Pirro ou só funcionaria bem no esquema totalitário e total do PSD, que consiste em manipular também a composição dos executivos e - não podemos esquecer - manipular a composição das assembleias municipais. Neste caso, é facto, o sistema fecha, é tentacular, é completo, alimenta-se em circuito fechado e basta a quem o lidere verificar onde é que precisa de colher a minoria para escolher rapidamente o número de peões de que precisa para colmatar a brecha e adquiri-la aí onde lhe falte. Com uma tendência para a presidencialização adicional, isso é bastante mais fácil e a desvalorização das equipas funciona em cheio, porque realmente nessa lógica ou se ganha tudo ou se perde tudo.
Página 1668
1668 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
Essa é uma lógica de "tudo ou nada", que só pode jogar em desfavor do pluralismo, dos direitos das minorias, da transparência e da gestão dos órgãos do poder local, em moldes que - devo dizê-lo - não têm conduzido a nenhum resultado que, em termos de eficácia, exija que o princípio da representação proporcional seja imolado desta forma assaz sangrenta.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, rejeitamos formalmente qualquer modalidade de prémio de mais-valia, mesmo a mais piedosa - refiro-me à do Sr. Deputado Almeida Santos -, por representarem formas de alterar e subverter o princípio da representação proporcional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para outra intervenção porque há momentos o que disse foi pouco. Direi agora um pouco mais e vou começar por fazer um voto. Esta revisão constitucional tem razões que a razão não conhece e pediria que, se porventura...
O Sr. Presidente: - Isso cheira-me a Pascal.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Pois cheira. Mas pediria que, se porventura o PS e o PSD se viessem a entender nesta matéria, tivessem, ao menos, de uma forma ou de outra, o senso de remeter isto para a lei ordinária. Isto é, não porem este disparate monumental na Constituição e deixarem, quando muito, ao legislador ordinário a autorização para fazer isto com limites - se vierem a entender-se por aquelas razões que a razão não compreende -, porque pode ser que um dia haja um legislador ordinário sensato que reponha as coisas no sítio....
Fora deste voto, que espero não seja piedoso, queria chamar a atenção para um ponto - e este meu comentário dirige-se particulamente ao PS: quer se queira, quer não, a introdução desse sistema da mais-valia é o primeiro passo para caminhar na linha do sistema maioritário, porque, quanto àqueles comentários que aqui o meu querido amigo deputado Nogueira de Brito fez acerca da representação maioritária, é sabido que, em toda a parte do mundo onde funciona a representação maioritária, sobretudo à primeira volta - e isto vem a propósito do projecto do CDS -, se aniquilam, praticamente, os terceiros partidos, uma vez que, ganhando o que tem maior número de votos, os votos nunca se podem dividir e a propensão para unificar votos em função do essencial é sempre maior que a propensão para a divisão.
Nestes casos, no sistema das câmaras e com este sistema que o PSD propõe, que é, no fundo, uma forma deformada de introdução de elementos maioritários de representação, das duas uma: ou há um partido que tem claramente a maioria absoluta e as coisas funcionam normalmente, mas também o artigo não é preciso, ou há um partido que não tem a maioria absoluta e que propende a ter a maioria relativa e, então, é óbvio que os outros, pelo menos desde que haja um traço mínimo político entre eles, se coligam. Queria, sobretudo, chamar a atenção do PS para o seguinte: o PS, que vive obcecado com a moção de censura construtiva, para fugir e vencer as dificuldades que lhe apresenta o PCP, acaba por ter de se coligar, pré-eleitoralmente, em muitas autarquias locais, com o próprio PCP, para evitar que o PSD, através de uma maioria relativa, conquiste a maioria absoluta dos mandatos e para tentar, ele, PS, em coligação, obter a maioria relativa que lhe dê o tal prémio.
Isto é, com um partido tão forte como hoje é o PSD, no sentido de ocupar um espaço maior que os outros, todos os mecanismos de maioritarização são mecanismos que vão forçar, na esquerda, a coligação pré-eleitoral. Não estou a dizer se isto é bom, se mau. O que quero dizer é que aceitar isto é inteiramente contraditório com a lógica que leva a defender a moção de censura construtiva. E então se trocarem isto pela moção de censura construtiva, o dispara-te ainda é maior.
O Sr. Presidente: - Não há dúvida de que esta sessão está a tornar-se um pouco sui generis. Por acaso tem sido interessante que poucos dos intervenientes se tenham referido a uma coisa que é despicienda e que é a eficiência da administração municipal. É um problema relativamente menor!
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Posso responder-lhe a esse comentário, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É que creio que a eficiência da administração municipal é essencial e que os comentários do deputado Jorge Lacão são válidos, mas diria que o tipo de argumento para a eficiência da administração municipal que V. Exa., Sr. Presidente, usa é exactamente o mesmo argumento que tem sistematicamente sido usado no que toca à administração central, a favor do sufrágio maioritário. E não há nenhuma razão de fundo para este sistema funcionar nas autarquias e não funcionar na Assembleia da República. É a mesma coisa.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não! Parece-me que o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles não considerou este aspecto, que, aliás, foi longamente considerado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão: é que a câmara é um órgão executivo eleito directamente.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas é que, atrás desta lógica para a assembleia municipal, vem a lógica do mesmo sistema para a Assembleia da República. Do ponto de vista de princípios, não há nenhuma razão para assim não ser.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A demonstração de que não vem é que o CDS, que está tão interessado em manter o sufrágio proporcional na eleição legislativa, aceita e propõe aqui o sufrágio maioritário.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu não queria dizer que um disparate do CDS pudesse ser invocado para este efeito suicida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
Página 1669
27 DE OUTUBRO DE 1988 1669
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, queria fazer uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães, mas, como V. Exa. deu primeiro a palavra ao Sr. Deputado Miguel Galvão Teles para fazer uma intervenção, fiquei beneficiado. E explico porquê: é que a pergunta que eu queria fazer ao Sr. Deputado José Magalhães suscitou-se-me porque, a certa altura, ouvi comparar isto com a moção de censura construtiva. O que lhe pergunto - e a pergunta tem ainda mais pertinência depois da intervenção do Sr. Deputado Miguel Galvão Teles - é o que é que tem a ver uma coisa com a outra. O que é que isto tem a ver com a moção de censura construtiva?
Já agora, como V. Exa. também interveio antes de me dar a palavra, gostaria de me referir ao argumento da eficácia. Tal argumento é, naturalmente, relativo, como o são todos os argumentos de eficácia face a argumentos de fundo - políticos, éticos, etc. - que tenham a ver com os fundamentos da democracia política.
Para além de tudo o mais, queria ainda colocar a seguinte questão: não me parece que os problemas da eficácia sejam tão graves se tivermos em linha de conta que, dos 305 municípios existentes em Portugal, em 242 têm maioria absoluta. Estará o PSD tão preocupado com os outros 63? Ou será por pensar que nesses 63 municípios estarão alguns vivamente cobiçados pelo PSD e para conseguir maiorias absolutas desta forma, convenhamos, um pouco abstrusa (suponho que o meu colega Almeida Santos já a terá criticado), sobretudo através desta fórmula em que um "rapa" a outros para ter mais?
A outra fórmula também suscitou alguns comentários. Ouvi-a agora e, portanto, ainda não tive tempo para reflectir sobre o seu valor - foi o Sr. Deputado José Magalhães quem ma explicou, porque eu estava ausente na altura em que o Sr. Deputado Almeida Santos tomou a palavra para a defender.
Deixo, pois, ao Sr. Presidente, não direi esta pergunta, mas este repto.
O Sr. Presidente: - Se não há mais questões que tenham ficado de remissa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para responder, caso queira.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente, com certeza. Não poderia deixar de responder ao Sr. Deputado Vera Jardim, porque há duas questões co-envolvidas nesta proposta do PSD, já que pode ser lida por dois óculos. Um dos óculos é o do ganho: cada partido agarra no mapa eleitoral, verifica rigorosamente quais são as maiorias absolutas que tem e que aspira a ter, e que, de acordo com a lei das probabilidades, está no campo do horizonte que venha a ter, faz as contas e chega à conclusão que é benéfico. "É benéfico", mas isso implica apenas uma coisa - implica que se façam essas contas com muito cuidado. Deve-se ter em conta nessa óptica contabilística, por exemplo, que o número de municípios é uma coisa, mas a população dos municípios é desigual. Um partido pode ter x maiorias absolutas, correspondentes a uma população de n, e outro ter y, correspondente a uma população de n + f, sendo o valor f algo de enorme. Portanto, certas contas que não tenham em consideração estes factores redundam normalmente em desastre.
Insisto: os critérios devem ser aplicados de acordo com as leges artis e quem não os aplique desta forma terá um funesto resultado.
Creio, porém, que essa óptica é, acima de tudo, mais do que incerta, má. Essa óptica de conta de ganhos e perdas é péssima quando feita assim, nesses termos ou noutros. É que é preciso ter em conta a importância intrínseca de que se reveste a participação, em condições minoritárias, em executivos e as suas virtualidades. Deve computar-se também, mesmo nessa óptica um tanto contabilística, a relevância dos vereadores em situação de minoria e as virtualidades desse sistema. Por outro lado, e acima de tudo, creio que esse critério contabilístico é o pior de todos para discernir os caminhos nesta matéria, e devemos orientar-nos por alguns princípios também nesta matéria. É bom tê-los! Princípios que tenham em conta a natureza dos executivos, os valores-padrão a respeitar, a necessidade de articular maioria/minoria e assegurar aqueles objectivos que pude enumerar a contrario ao criticar a solução proposta pelo PSD.
O que me conduz ao aspecto que o Sr. Deputado Vera Jardim, em particular, queria ver exautorado e clarificado "até ao último milímetro". Sr. Deputado Vera Jardim, a resposta ou é demasiado simples ou é demasiado complexa. O que é que aproxima a ideia, subjacente à moção de censura construtiva, desta solução de prémio de mais-valia? É um aspecto e um só (depois, nas consequências, tudo se projecta diversamente). Qual é o aspecto comum? O aspecto comum é a artificialidade. A moção de censura construtiva visa dar a quem não tenha uma maioria tudo o que corresponde àquilo que se tem quando se tem uma maioria. No esquema protector decorrente da moção de censura construtiva é-se minoria e, no entanto, tem-se uma situação de imunização à maioria que exista, desde que essa maioria seja suficientemente heterogénea para que não possa convergir contra a minoria protegida. Aí está a alma mesma da moção de censura construtiva, que é, desse ponto de vista, uma criação artificial.
O prémio de mais-valia, por sua vez, distorce de forma radical, a favor da maioria relativa, os resultados eleitorais, conferindo-lhe poderes que não lhe correspondem. Ora o sistema já imuniza suficientemente (entendemos nós, PCP) as minorias, até as imuniza de mais, e viabiliza executivos minoritários em condições que podem sem muito débeis. Neste caso, trata-se de um chorudo prémio e, evidentemente, V. Exa., sendo "pai" da proposta do PS, "sente-se" quando alguém faz o paralelo, porque, em termos de ganho, o ganho para o PS e para o PSD é descomunalmente diferente, apesar do ponto de aproximação.
O que me leva ao último aspecto, que é a questão do impacte. A consagração da MCC (moção de censura construtiva) destina-se a instituir uma válvula de segurança para um cenário que o PS teme; a instituição do prémio de maioria destina-se a render pingues e imediatos resultados ao PSD em matéria de executivos. Portanto, num caso, aponta-se para o ar e para um futuro distante - não sei, não sabemos, mas o PS, aparentemente, situa-o nesse ponto distante. Por outro lado, aponta-se para um resultado precário e difícil - não sei, mas o PS, aparentemente, apresenta-o como precário e difícil, por isso o quer reforçado, preservado e defendido. Ao invés, o PSD aponta para um resul-
Página 1670
1670 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
tado tangível, palpável, rendoso, mas verdadeiramente suicidário, do ponto de vista dos que se lhe opõem, no que eu incluo, evidentemente, o PS.
Concluo, Sr. Deputado Vera Jardim, sublinhando que o impacte destas duas soluções é tão visceralmente oposto, é um negócio tão desigual, do ponto de vista das metas, dos métodos, dos resultados imediatos e futuros, que nem concebo que, apesar do factor de proximidade que sublinhei, se pudesse estabelecer qualquer relação de câmbio em torno de coisas tão distintas como estas. Seria um absurdo e seria extremamente negativo, em termos de futuro do sistema democrático.
Creio que satisfiz amplamente a curiosidade do Sr. Deputado Vera Jardim quanto a este ponto. Não posso satisfazê-lo quanto à solução proposta pelo Sr. Deputado Almeida Santos, porque (sublinho mais uma vez) ela é demasiado espontânea, foi excessivamente sobre a hora, portanto ainda não a pudemos avaliar em todas a suas dimensões, mas os Srs. Deputados terão, como nós, tempo para poderem maturar essa solução antes de fecharem o que quer que seja - uma vez que se trata de fechar, na vossa óptica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A minha intenção era participar no debate a propósito deste artigo, mas o Sr. Deputado José Magalhães acaba de fazer algumas afirmações que, a meu ver, são extemporâneas - diria, até, abusivas, mas fico-me por extemporâneas -, na medida em que o Sr. Deputado José Magalhães terá tempo, certamente, para se pronunciar acerca da maior ou menor bondade do acordo que vier a ser (se vier a ser) celebrado entre o PS e o PSD em matéria de revisão constitucional. Não está, portanto, colocado na melhor posição, neste momento, para se pronunciar acerca daquilo que - se o for - será um acordo global, para se pronunciar sobre as matérias de compromisso, sobre as cedências da parte do PS ou da parte do PSD. Tentar, como o Sr. Deputado José Magalhães tentou agora, fazer uma ligação directa entre a questão da moção de censura construtiva e a questão da lei eleitoral para as autarquias locais é um abuso de intenção da parte do Sr. Deputado José Magalhães que só a ele compromete - não compromete o PS, nem nada do que aqui foi dito neste debate permite ao Sr. Deputado José Magalhães retirar essa ilação.
Por outro lado, e à guisa de conclusão, direi ao Sr. Deputado José Magalhães que, tendo sido já aqui discutida a questão da moção de censura construtiva, pela parte do PS ficou mais que definido que ela não é uma forma artificial de estabilizar governos minoritários na Assembleia da República, é apenas uma fórmula natural de impedir a formação de maiorias negativas no processo de censura a governos legitimados no Parlamento.
O Sr. Presidente: - Gostaria de referir que estamos a discutir o problema da câmara municipal - às vezes não se nota muito. Nesta matéria, uma vez que foi feita uma referência pelo Sr. Deputado Vera Jardim, gostaria apenas de referir o seguinte: estou de acordo que, na constelação de valores que têm de ser ponderados, podemos naturalmente hesitar em saber quais aqueles a que vamos dar prevalência. Mas, do meu ponto de
vista e em primeiro lugar, não é a única via legítima para perspectivar o problema aquela que o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles adoptou de fazer uma leitura necessariamente paralela entre aquilo que se passa no nível central e o que se passa no nível local - não é necessariamente assim. Podemos e provavelmente estamos a fazer uma politização do poder local em termos que são, na minha perspectiva, perniciosos para esse poder local.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Não, essa é mais uma acentuação, porque o PRD o faz inspirando-se no problema dos mandatos presidenciais. Mas eu penso que, pelo contrário...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas eu preferia a presidencialização dos sistemas autárquicos a isto.
O Sr. Presidente: - Mas isso é uma outra alternativa possível. O que eu digo é que, na circunstância presente, nós vemos, por este debate, uma acentuação cada vez maior da importância política dentro do sistema político do poder local - isso é possível, não é ilegítimo, é evidente, mas não sei se é a melhor maneira de perspectivar o problema. É claro que, quando as propostas - embora umas possam ser elaboradas dessa forma - são sobretudo valoradas na perspectiva de saber o que é que, a curto prazo, um partido ganha ou perde em termos de executivo, é óbvio que só contribuímos para ainda acentuar mais esse aspecto.
O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Não, eu quero dizer apenas aquilo que disse - exactamente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Estou só a explicar que o problema da eficiência tem de ser perspectivado num certo contexto - se for num, tem uma certa valoração, se for noutro, tem outra. Á perspectiva que foi adoptada foi a de perspectivar a nota política estrita - naturalmente que aí a eficiência é considerada como um valor de segunda e eu compreendo que assim seja, porque, entre as soluções que foram aventadas, existem outras fórmulas alternativas, que podem não coincidir exactamente com a solução proposta pelo PSD nem com a proposta aventada pelo Sr. Deputado Almeida Santos e que, naturalmente, poderiam ser trabalhadas, se a preocupação básica, ou prevalecente, fosse a de assegurar a eficiência. Mas, como tudo está bem em matéria de poder local segundo a opinião que não perfilho, então como se entende bastar uma maioria de um partido para que a eficiência esteja assegurada e como, sobretudo, parece não se perfilar no horizonte uma reestruturação administrativa que venha a atribuir ao poder local atribuições muito mais significativas que aquelas que neste momento tem - o que tornará, claramente, bastante difícil qualquer reforma significativa
Página 1671
27 DE OUTUBRO DE 1988 1671
do Estado e do aparelho de Estado -, as coisas irão caminhar, calma e tranquilamente, no sentido que, naturalmente, será definido nesta revisão constitucional. É possível que assim seja, mas não creio.
Não queria tomar o Sr. Deputado Vera jardim como destinatário particular das minhas observações, apenas veio a propósito.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Certo. Sr. Presidente, mas a sua intervenção, recordando que há outros métodos que não este, leva-me a pensar que poderíamos, numa segunda leitura, a fazer dentro de algum tempo (e talvez o Sr. Deputado José Magalhães gostasse mais deste sistema, porque é substancialmente mais democrático), aceitar, por exemplo, uma segunda volta nas eleições municipais, com os dois candidatos mais votados. É um sistema muito mais democrático, que não suscitaria certamente as críticas do Sr. Deputado José Magalhães e que talvez fosse ao encontro da preocupação do PSD com a tal eficácia.
O Sr. Presidente: - É uma proposta extremamente positiva.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Em primeiro lugar, quanto à caducidade do artigo 290.°, lá iremos conversar oportunamente, com a participação do Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, mas em relação à interpretação do artigo 290.°, tal como está presentemente redigido, no que diz respeito ao sufrágio proporcional, não é tão inequivocamente como isso a favor da intocabilidade, no que diz respeito ao sufrágio local.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por um lado, gostaria de dizer, em relação à proposta apresentada pelo PRD, que não nos move, a título algum, o conjunto de preocupações indiciadas pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles. Parece-nos que, na análise da situação autárquica portuguesa, é preciso ter em conta -a evidência destes anos parece-nos elucidativa quanto a esse ponto- a dificuldade de movimentação e de alargamento do número de autarcas e o prejuízo relevante que poderia resultar de uma solução que, abstracta e indiscriminadamente, tolhesse a possibilidade de prolongar o número de mandatos, porque é de soluções abstractas e indiscriminantes que se trata. Dizer na Constituição "nunca haverá terceiro mandato" significa inviabilizar soluções em que o terceiro mandato possa ter plena justificação. Identificar isso com um "mandarinato" pode conduzir a uma confusão, de resto injusta, entre fenómenos de caciquismo político (indesejável e, portanto, condenável) e fenómenos de acolhimento duradouro de experiência autárquica de eleitos que tenham dado provas e que, como tal, devam ser mantidos na estrutura autárquica. Estas situações podem variar muito, não se vê é razão nenhuma para estabelecer um limite absoluto e de aplicação geral e abstracta como aquele que é rigidamente proposto pelo PRD.
O paralelo entre o cargo do Presidente da República e os milhares de cargos autárquicos parece-nos francamente forçado! Ainda que seja necessário andar com uma candeia de Diógenes atrás do Presidente da República ideal e possa não ser fácil encontrá-lo, apesar de tudo é mais fácil encontrar um homem para esse cargo do que centenas e centenas de homens para estes cargos de que estamos a falar. Sobretudo, o que pode ser injusto é excluir um determinado homem de um cargo deste tipo - como pode ser, aliás, doloroso excluir qualquer homem do cargo de Presidente da República, como se sabe. Portanto, a situação pode variar muito. Gostaria de dizer que nos parece que esses fenómenos traumatizantes não deviam ser multiplicados por milhares, sobretudo quando a experiência autárquica portuguesa ainda não conta com tantos, tantos anos de vigência como isso.
A última observação é para não deixar sem alguma satisfação o Sr. Deputado Jorge Lacão. Devo dizer que me limitei a fazer um paralelo. Não queria fazer uma afirmação abusiva ou extemporânea. Fico um tanto alarmado com a alusão ao extemporâneo: extemporâneo é aquilo que vem antes ou fora do tempo; é uma coisa que, sendo virtualmente justa quanto ao conteúdo, é apenas desadequada quanto ao momento em que é dita. O que quereria dizer que o Sr. Deputado Jorge Lacão não excluía nenhuma das hipóteses nefastas. Por nós, PCP, estamos cientes daquele bom preceito que diz que "os rios do tempo conduzem, mais cedo ou mais tarde, ao cais largo da verdade". Portanto, em devido tempo tudo saberemos e cada qual assumirá, naturalmente, nessa altura, o compromisso que tiver de assumir. Quem assumir o mau compromisso, desembarcará no cais da verdade devidamente ajoujado ao peso dele.
Gostava, no entanto, de dizer que não fiz um processo de intenções. Não devemos ler coisas intoxicantes como se fossem verdadeiras, nem ignorar coisas relevantes como se fossem inexistentes; neste caso concreto limitei-me a ter em atenção uma informação veiculada por um órgão de comunicação social no passado fim-de-semana, nos termos da qual o PS estaria disposto a ceder algo em relação à questão dos executivos maioritários nas câmaras, o que dependeria essencialmente de um acordo de cúpula sobre a moção de censura construtiva. A seguir, o órgão de comunicação social em referência diz: "O sistema de atribuição da maioria automática ao vencedor das eleições municipais nunca poderia ser realizado - nesse caso, presume-se - à custa dos vereadores da oposição." Suponho que o Sr. Deputado Almeida Santos não foi beber aqui esta inspiração súbita que o moveu esta tarde. Entretanto, por acaso, certamente, diz o mesmo órgão: "O PS exige um reforço de poderes de fiscalização das assembleias municipais caso se chegue a acordo para que os executivos sejam maioritários." Obviamente, não sei nem poderia afirmar aqui que tal coisa seja verdadeira - pode ser uma calúnia perfeitamente reprovável e eu espero, francamente, que seja uma calúnia completamente miserável e inaceitável e
Página 1672
1672 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC
que o tempo venha a considerar que esta minha afirmação, além de ser extemporânea, foi completamente destituída de fundamento, completamente infundamentada. É esse o meu voto supremo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É só para dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que lhe prometo que amanhã não trago aqui para ler nenhum artigo ou nenhuma notícia de nenhum jornal sobre as intrigas do Comité Central.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, pôr em paralelo alguns vómitos abjectos e uma especulação deste tipo que, tristemente, pode vir a provar-se fundada parece-me que traduz um mau critério. Espero que esse mau critério não presida ao vosso acordo de revisão constitucional - caso em que realmente as consequências seriam extremamente graves.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Estamos entendidos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E estamos conversado. Revele-nos mas é o acordo!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Apenas para fazer um comentário, que pretenderia que fosse final, em relação a este assunto, e muito rápido.
De todas as intervenções dos partidos políticos verificou-se o seguinte: só o PCP parece estar definitivamente contente com o que se passa em relação ao regime eleitoral para as autarquias locais. O PSD fez as propostas que fez, o CDS fez as propostas que fez, o PRD fez as propostas que fez, o PS não fez proposta nenhuma em relação, designadamente, a este artigo, mas, pelas vozes quer do Sr. Deputado Almeida Santos quer do Sr. Deputado Vera Jardim, considerou e formulou hipóteses alternativas a propostas iniciais. Isso significa que me parece haver uma preocupação generalizada para melhorar aquilo que está consignado neste artigo. Será como o PSD propõe, será como outras hipóteses alternativas se formulam e se antolham, será como hipóteses híbridas entre estas várias soluções propostas? Não sabemos. Mas, parece-me, é suficientemente importante que este problema se discuta e se tenha processado toda esta discussão.
Em relação à intervenção do Sr. Deputado Vera Jardim, gostaria apenas de salientar o seguinte: o PSD tem quase que a maioria das administrações municipais a seu favor, eleitas por si em maioria, tem quase que a maioria dos presidentes das câmaras eleitos. Penso, portanto, que ao PSD assiste alguma legitimidade para propor algumas alterações à Lei Eleitoral. Se o PSD estivesse em desvantagem, se estivesse numa situação mais fraca, se estivesse numa situação deficitária em relação a este sistema, pois com certeza que lhe seria perfeitamente condenável tentar uma modificação do sistema, porque aí se antolharia imediatamente como verificável que o PSD queria obter grandes vantagens com a modificação do sistema. O PSD não precisa, tem já - graças a este sistema e com a sua aplicação - resultados muito importantes ao nível eleitoral. Bastaria talvez que o Sr. Deputado Vera Jardim dissesse aquilo que não disse: era, em relação às tais 64 autarquias que não têm maioria nesta altura, saber em que percentagem elas são disputadas pelo PSD maioritariamente ou são por outros partidos. Isto é que talvez fosse importante verificar para a substância do argumento que aduziu. E não me parece que tenha fundamentalmente razão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - O Sr. Deputado Carlos Encarnação entendeu mal o sentido da minha intervenção. Não era minha intenção fazer propostas novas. Apenas me limitei a chamar a atenção para que, estando o PSD tão preocupado com os problemas de eficácia, poderia, no inventário geral que há de soluções para esse problema, ter escolhido uma, porventura mais brilhante, que não a de somar mandatos retirando mandatos às outras forças políticas. Foi tão-só isso! E chamei em meu auxílio o problema da segunda volta como poderia ter chamado a solução espanhola, que é diferente, etc. - enfim, há várias soluções para esse problema. É estranho que o PSD tenha vindo procurar esta solução.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, com respeito aos seus números (que os tem, certamente), o problema não reside em quantas tem ou deixa de ter; o problema reside, sobretudo, em quantas passaria a ter e quais seriam.
O Sr. José Magalhães. (PCP): - Exacto, exacto!
O Sr. Presidente: - Nós estamos a aproximar-nos das 20 horas. Suponho que podemos dar por concluída esta discussão do artigo 252.° É natural que não se ponham questões quanto aos artigos 253.° (aliás, já abordado), 254.° e 255.°, mas, de qualquer modo, amanhã teremos oportunidade de, rapidamente, passar em revista esses artigos, visto que eles já foram discutidos a propósito de outros preceitos.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, só uma palavra: em relação ao nosso projecto, reparei, e tomo nota, que só o PCP é que respondeu.
O Sr. Presidente: - Não é exacto, Sr. Deputado Miguel Galvão Teles. Em várias intervenções houve uma referência dizendo que não era apropriado retirar o paralelismo com o mandato do Presidente da República para vir inscrever esta limitação a propósito das câmaras municipais.
Iríamos, então, recomeçar amanhã às 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 20 horas.
Página 1673
27 DE OUTUBRO DE 1988 1673
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 26 de Julho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Guilherme Coelho dos Reis (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Guilherme Henrique Valente R. Silva (PSD).
Miguel Bento de Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Mendes (PCP).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles (PRD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
João Corregedor da Fonseca (ID).