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Segunda-feira, 5 de Dezembro de 1988 II Série - Número 60-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 58
Reunião do dia 2 de Novembro de 1988
SUMÁRIO
Foram debatidas questões relativas à organização e metodologia dos trabalhos da CERC.
Deu-se continuação à discussão do primeiro relatório da Subcomissão da CERC, respeitante ao preâmbulo e aos artigos 1.° a 11.º e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS), Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Pais de Sousa (PSD) e Pedro Roseta (PSD).
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, gostaria de começar por propor à vossa consideração um aspecto que é preparatório da segunda leitura. Penso que o deveríamos ponderar e decidir sobre ele atempadamente.
Como VV. Exas. devem ter tido oportunidade de constatar, quer pela participação nos trabalhos quer pela leitura das actas, fizemos uma discussão, sem limitação de tempo, das propostas que foram apresentadas.
Em relação à segunda leitura, não tem grande sentido estarmos a rediscutir as propostas que já foram amplamente analisadas. Tem sentido, sim, analisar as alterações que em resultado dessa discussão vierem a ser apresentadas. Assim, o que gostaria de pôr à vossa consideração era o seguinte: daqui a quinze dias entraríamos na segunda leitura. É previsível que até lá acabemos os últimos artigos que faltam, ou seja, os artigos 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.° e 290.° e o preâmbulo. Nessa altura passaremos a discutir e a votar os textos alternativos e as propostas que entretanto forem sendo apresentadas. Reservaremos um espaço de tempo, que será proporcional ao número de propostas que apareçam e à importância das mesmas, para analisar essas propostas de alteração. Agora já não há justificação para estarmos aqui a discutir sem limite de tempo. No final da discussão votaremos quer as propostas de alteração existentes quer as propostas dos textos apresentados inicialmente pelos diversos partidos. Assim, iremos arrumando a matéria, capítulo a capítulo.
Portanto, na segunda leitura procederemos à discussão das propostas de alteração que os partidos políticos entendessem fazer em função justamente daquilo que foi discutido na primeira leitura,
Para ordenar os trabalhos seria importante que essas propostas fossem apresentadas para serem discutidas até à sessão anterior àquela em que os trabalhos incidentes sobre esse articulado decorressem. Não iríamos discutir propostas apresentadas de supetão na sessão em que já estivéssemos a analisar as outras propostas alternativas, a não ser que houvesse propostas de alteração de redacção resultantes da discussão.
Teríamos assim uma segunda leitura baseada na discussão das propostas de alteração. Essas propostas seriam apresentadas até à. discussão das propostas de alteração. Essas propostas seriam apresentadas até à sessão anterior ao momento em que fossem discutidas. Iríamos marcando progressivamente, de uma maneira cuidadosa e tentando sermos tão exactos quanto possível nas nossas previsões, as matérias que iriam ser objecto das diversas sessões. As propostas alternativas seriam, portanto, apresentadas na sessão anterior, sem prejuízo de no decorrer da discussão haver necessidade de acomodações, de alternativas que resultassem dessa própria discussão. Nesse sentido não iríamos coarctar a possibilidade de esses aspectos serem analisados e discutidos.
As agendas de trabalho seriam marcadas de modo a discutir e votar as propostas de alteração, os textos propostos sobre os quais não houvesse alteração ou, se houvesse insistência e as alterações não fossem aprovadas, os textos propostos pelos próprios partidos. Desta forma iríamos fixando e concluindo progressivamente as matérias e teríamos finalmente um texto votado, completo. Poderemos ter, assim, uma indicação final de qual o texto que a Comissão entende submeter a Plenário, sem prejuízo do direito de os partidos políticos apresentarem as suas próprias propostas, mesmo eventualmente derrotadas na Comissão, nos termos do regimento da Comissão, que oportunamente aprovámos. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nós temos que ordenar os nossos trabalhos.
Corno sabem, a Comissão vai fazer uma votação que não é definitiva. Por força dos preceitos constitucionais em matéria de revisão e por força do próprio regimento que adoptámos, ela vai ser objecto de uma ratificação no Plenário da Assembleia da República. Assim, o que é importante é que a Comissão vote um texto; que tem que ser apresentado como uma sugestão, o qual é composto pelas propostas de alteração que merecerem aprovação e por aquelas propostas iniciais dos partidos políticos, umas e outras desde que tenham merecido a aprovação por maioria qualificada da Comissão.
Em qualquer circunstância, esse relatório vai permitir obter uma ideia clara de quais são os artigos, sejam eles os artigos inicialmente apresentados, sejam eles objecto de propostas de alteração resultantes da discussão da primeira leitura, que mereceram a maioria qualificada de dois terços, e também daqueles que foram rejeitados. É essa a súmula essencial do relatório a ser apresentado a Plenário.
Pergunta-me o Sr. Deputado Almeida Santos se vamos fazer duas votações. Isso depende, Sr. Deputado. Por exemplo, nós sabemos que houve várias discussões em que alguns dos partidos políticos aproximaram bastante as suas concepções. Portanto, é provável que um ou dois deles apresentem propostas de alteração. Se estas propostas fizerem vencimento, não haverá lugar a mais nenhuma votação. Ficam, portanto, prejudicadas. Como esta votação não é definitiva, os partidos poderão insistir nas suas propostas em Plenário. Penso que é essa a interpretação que dão à ideia da "sugestão".
Se, pelo contrário, assim não suceder, ou seja, se não houver uma maioria qualificada, votaremos todas as propostas que aparecerem em termos de saber qual o grau de votação que elas obtiveram. Isto porque só em última análise poderão ser consideradas como aceites pela Comissão aquelas que obtiverem uma maioria qualificada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não sei se percebi bem aquilo que V. Exa. acabou de propor.
Em primeiro lugar, lembro que na última revisão constitucional houve no fim uma votação global por escrito. Foi essa que contou. Não sei se vamos ou não repetir esse sistema.
Penso que este sistema da votação por escrito é vantajoso. Posso aceitar o ponto A, B, C, mas só depois de saber o que os outros partidos políticos aceitam das
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minhas propostas. Há nisto um equilíbrio. Mais: posso aceitar esta proposta no pressuposto de que vai ser aprovada ou rejeitada uma outra proposta que tem conexão com a primeira.
Mesmo nesta sede provisória, só posso pronunciar-me em definitivo sobre os pontos quando conhecer, na sua globalidade, as votações.
Portanto, as votações que se forem fazendo...
O Sr. Presidente: - São provisórias, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não são provisórias, Sr. Presidente. Elas tenderão a ser definitivas, mas com o direito de regresso sobre qualquer delas e alterá-la em função da votação sobre outros artigos que se conexionem com este ou com o equilíbrio global das votações.
O segundo ponto sobre o qual gostaria de me pronunciar era o seguinte: as propostas de substituição que fizermos serão feitas por escrito e distribuídas aos Srs. Deputados para que cada um possa meditar sobre elas. Começa-se por votar o quê? A proposta base ou a de substituição? Normalmente votam-se primeiro as alterações. Penso que aqui se justifica o contrário. É que, se a proposta base é aprovada, não se justifica nenhuma alteração. Se a proposta base não é aprovada, então, sim, justifica-se que se votem as alterações. Não sei se os Srs. Deputados preferem começar pelas alterações e depois regressar à base.
Imaginemos a seguinte hipótese: apresento uma proposta de alteração e os Srs. Deputados não sabem se eu vou ou hão votar a vossa proposta base. É muito provável que isto condicione a vossa votação da proposta de alteração. Quer dizer, eu mais facilmente votarei uma proposta de alteração de qualquer partido se souber que este não aprova a minha proposta base.
O Sr. Presidente: - Compreendo o seu ponto de vista, Sr. Deputado.
No entanto, gostaria de lhe dizer o seguinte: a segunda votação, que tem já em conta o conspecto global das votações que foram feitas, parece-me razoável. É que pode acontecer que algumas votações sejam feitas no pressuposto do equilíbrio de um texto constitucional e este venha a ser frustrado ou, pelo contrário, venha a ser conseguido. Ora, isso permite fazer uma afinação das posições finais aqui na Comissão. Isso parece-me importante! Em consequência, não vejo nenhuma dificuldade em fazermos uma segunda votação. No que diz respeito à segunda questão que colocou, ou seja, à de começarmos por votar as propostas, tenho uma dificuldade, que vos coloco com toda a clareza: julgo que ninguém poderá contestar que nesta primeira leitura temos vindo a fazer uma discussão extremamente ampla e sem limites. Apesar dos meus apelos para que sejamos parcimoniosos no tempo, a verdade é que eles nem sempre foram seguidos. A própria complexidade da matéria, a pujança da argumentação que foi utilizada por muitos intervenientes, alguma retórica, com particular distinção para alguns, levou a estender longamente os debates.
Por razões de economia processual, a ideia que tenho é esta: não tem muito sentido estar a repetir a mesma argumentação a propósito dos mesmos textos. Vamos pedir aos diversos partidos políticos, aos vários Srs. Deputados com assento nesta Comissão, que, caso queiram, apresentem textos alternativos. Isso significa que esses Srs. Deputados ou os grupos parlamentares em que estão integrados entendem que da discussão já retiraram um certo sentido da orientação global em que se encaminhariam as votações - de resto, ao compulsar as actas, nós temos uma ideia daquilo que poderá ou não obter vencimento sem nenhuma alteração - e de qual é o resultado ou a interpretação que retiram desta primeira leitura. Parece-me razoável fazer incidir a votação e o debate sobre esses textos alternativos. Ao serem discutidos esses textos alternativos, poderemos ficar com a ideia se os mesmos irão ou não prevalecer. Creio que na própria discussão isso vai resultar com muita clareza. É evidente que esse problema de saber quais são os que se votam em primeiro e segundo lugar não tem grande significado. Tem, sim, uma vantagem em termos de economia processual. Se for patente que não é esse texto, mas, sim, aquele que resulta de uma certa acomodação das ideias até agora explicitadas com os textos anteriores, será então, nessa altura, formulado na própria reunião. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, isso só reforça a minha observação. Se V. Exa. diz que já não se repete a discussão sobre as propostas originárias...
O Sr. Presidente: - Proponho que assim aconteça, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): -... e que só se discutem as segundas, então não faz sentido votá-las primeiro e depois regressar à base. É que, se as propostas originárias forem aprovadas, não fará sentido discutir as propostas alternativas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, quando não haja propostas de alteração, votam-se só os textos apresentados pelos partidos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não sei se o Sr. Deputado Almeida Santos se está a referir a propostas globais. É que, suponho, o que irá acontecer é o seguinte: de acordo com o estabelecido, cada partido, com as suas limitações, poderá alterar as suas proposta ou fazer propostas de substituição.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - E as dos outros, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - As dos outros?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro, Sr. Deputado. Sobre cada artigo poderá apresentar propostas alternativas.
Vozes.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas essa questão pode ser dirimida da seguinte maneira: em relação às alterações apresentadas por cada partido quanto às suas próprias propostas não há dúvida de que só se
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vota a segunda. Não se vai votar a primeira, uma vez já retirada; a segunda substitui a primeira e, portanto, não tem sentido votar esta.
Em relação às propostas de alteração procede-se como é habitual, ou seja, vota-se primeiro a alteração. O Sr. Deputado acabou de sugerir o contrário, isto é, que, em vez da alteração, se vote primeiro a proposta base.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, a primeira questão que gostaria de colocar era a seguinte: VV. Exas. não concordam que em relação a matérias em que não haja nenhumas propostas de alteração se não justifica estar a repetir a discussão? Suponhamos que há um artigo x sobre o qual não há nenhuma proposta de alteração apresentada até à última sessão. Por hipótese, todos os partidos políticos representados nesta Comissão apresentaram as suas propostas iniciais, mas ninguém apresentou outras propostas. A matéria foi discutida, houve oportunidade de todos explanarem as suas questões. Penso que não se justifica reabrir o debate para que as pessoas voltem, na prática, a dizer a mesma coisa. Portanto, nas matérias em que nenhum dos partidos sentiu a necessidade de apresentar uma alteração, e em que, portanto, todos mantêm as suas propostas, julgo que o procedimento a adoptar é este, ou seja, pedir, desde logo, uma votação.
Em relação às outras matérias, assim já não acontece. Há um deputado que, em função da discussão inicial, entende apresentar uma proposta de substituição, pertença ou não a proposta inicial ao seu grupo parlamentar. Não há aí nenhum direito de propriedade. Isso é um sinal de que existe justificação para fazer um pequeno debate sobre essa matéria para que o proponente justifique as suas razões e para que os outros apreciem se estas, de algum modo, procedem. A partir daí justifica-se, a meu ver, que se faça uma votação sobre essa sua proposta e eventuais acomodações que resultem da discussão. É que pode acontecer que desta proposta nasça uma ideia nova do próprio proponente ou de outros. Se é do proponente, ele retira-a. Se é de outro, ele tenta que essa proposta se sobreponha à proposta de substituição que foi apresentada nas 24 horas antecedentes ou na sessão anterior.
Penso que era normal fazermos a votação seguindo a ordem regimental: primeiro a última apresentada e assim sucessivamente.
Aceito a ideia do Sr. Deputado Almeida Santos de no fim procedermos, em função da visão global que já se tem, a uma votação que reequilibre as diversas posições. Estamos a fazer uma votação artigo a artigo. Se procedermos a essa votação, no final teremos uma visão de conjunto. Ficaremos nessa altura a saber se há algum partido que, em função dessa visão global, quer alterar o sentido do voto que manifestou. Não vejo grande inconveniente em que assim se proceda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, aceito que essa regra possa ter alguma virtude, desde que não seja uma regra absoluta. Suponhamos que íamos proceder à votação e alguém dizia: "Eu votava isso, mas aquela palavra que está aqui... Se vocês dissessem antes ..." Aqui temos de proceder a uma breve discussão, o que não significa que se tenha que repor tudo o que já se disse.
Penso que a regra pode ter virtude, desde que não seja absoluta; o que está discutido não se discute mais, e só deve haver discussão sobre a margem de novidade que surgir durante a fase de pré votação. Isso está bem, está certo. Mas não como regra estrita.
O Sr. Presidente: - Não, o que é preciso é que seja consubstanciada nalguma proposta. Vejo que não temos nenhuma vantagem (penso eu), a não ser dilatória, em estarmos a expender argumentos que foram expendidos na discussão. Agora - diz V. Exa. - aparece uma ideia de dizer: bom, eu talvez votasse esse aspecto, ou ponderaria isso, se fosse acrescentado ou suprimido um inciso. Com certeza! O nosso objectivo não é - já não fizemos a primeira leitura nesses termos, não iríamos certamente fazê-lo na segunda - fazer uma camisa de forças processual.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Até porque, de outra maneira, para poder provocar alguma discussão, poderia haver a tentação de apresentar uma proposta de alteração, nem que fosse de uma vírgula.
O Sr. Presidente: - Mas a única coisa que vos posso prometer é fazer isso com o equilíbrio e o bom senso que qualquer deputado de qualidades médias poderá imprimir à direcção destes debates. Desejaria, à partida, porque isso me parece importante, evitar que viéssemos a reproduzir - até por necessidades de dialéctica que compreendo, porque, se um produz umas afirmações, outro terá de as contraditar ou, pelo menos, julga que, de algum modo, as suas posições ficarão menoscabadas se não as contraditar - e assim acabamos por reproduzir, em grande parte, aquilo que fizemos na primeira leitura. E isto é que me parece francamente descabido.
Por isso, se ligarmos a ideia da segunda leitura à justificação e discussão das propostas que apresentem novidade, e se aceitarmos que, em princípio, a regra será a de as propostas serem apresentadas por escrito na sessão anterior, muito tempo será poupado. Poderá resultar da conversa, da discussão aqui havida, a necessidade de aditar uma palavra ou modificar um ponto, inclusivamente que não tenha sido objecto de proposta em momento anterior, mas que surja nesse momento, desde que isso seja feito com o intuito de apurar um texto e não de, por essa via um pouco ínvia, retomarmos de novo a argumentação da primeira leitura - não vejo inconveniente. É evidente que não vamos cercear o uso da palavra a quem num momento tem uma inspiração para acrescentar um inciso ou suprimir uma expressão e o queira fazer e justificar. Parece-me isso perfeitamente razoável e não podemos passar do laxismo generoso da primeira leitura para uma forma ática mas imposta manu militari numa segunda. Tem de haver algum espírito compromissório.
Já agora, gostava de acrescentar também, por uma questão de justiça, que admito que, se houver (como se passa em relação a alguns textos apresentados por alguns proponentes) argumentos que não foram ouvidos porque as pessoas não se pronunciaram, não va-
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mós impedir que elas se pronunciem. Por exemplo, lembro - para não irmos mais longe - os Srs. Deputados da Madeira, meus queridos colegas de bancada, que apresentaram várias propostas, algumas das quais não tiveram oportunidade de justificar, por não terem podido estar presentes. Parece-me razoável que, se o quiserem fazer, o façam. Têm essa faculdade. O que me parece ser menos justificável é que outros os incitem a fazê-lo, na hipótese de eles não quererem usar essa faculdade. A vocatio será feita pela Mesa, em termos da fixação da agenda e da comunicação oportuna da mesma, tal como na primeira leitura. Mas não mais vocationes!...
Esta é a minha proposta e gostaria que VV. Exas. reflectissem nela. Muito brevemente, repito-a: a segunda leitura seria feita basicamente à volta das propostas de substituição apresentadas pelos Srs. Deputados, quando existirem, e terão uma discussão com um limite de tempo razoável - em princípio, podemos aplicar, por analogia, as normas do Plenário, se for caso disso; se formos suficientemente morigerados, nem sequer isso será necessário. Em segundo lugar, essas propostas de substituição devem ser apresentadas por escrito até à sessão anterior àquela em que os artigos sobre os quais versem sejam agendados para discussão e votação. Terceiro: tal não significa que se impeça a faculdade de, antes da votação dos artigos, sejam ou não objecto de discussão por terem já sido sujeitos a propostas de substituição, apresentar algumas alterações de pormenor - porque as outras deverão constar de textos escritos apresentados anteriormente; portanto, naturalmente que uma discussão centrada nesses aspectos poderá ser feita. Quarto: os proponentes que não tiverem tido a faculdade de justificar as suas propostas, se entenderem fazê-lo na altura de procedermos à votação dos artigos a que essas propostas digam respeito, poderão fazê-lo. Quinto: os artigos serão objecto de uma votação individualizada, artigo a artigo, mas haverá no fim uma votação global, quando já se tem a visão de todas as votações já existentes, em que, de algum modo, se procede à ratificação das votações feitas durante este processo. E só após essa votação é que a Comissão elaborará o relatório a ser presente a Plenário, com o resultado final das votações e que traduz as propostas da Comissão ao Plenário, significando o que obteve ou não as maiorias qualificadas na votação da Comissão, susceptíveis de permitir a revisão da Constituição.
Suponho que, em síntese, é isto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não focou um ponto que considero importante. Em que momento e em que sede é que os partidos dizem se confirmam ou não para o Plenário as suas propostas originárias, quando tiverem feito vencimento? É aqui? É lá?
O Sr. Presidente: - É aqui, por causa do relatório.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Portanto, há mais isso! Aqueles que tiverem propostas que não fizeram vencimento devem declarar se mantêm ou não essas propostas, para votação no Plenário, ou se aceitam que a votação aqui preclude a votação no Plenário.
O Sr. Presidente: - Isso é importante, em termos de economia processual, para facilitar o relatório da Comissão e, depois, o trabalho do Plenário. Convém que o Plenário saiba, quando procedermos à discussão e votação, quais são as propostas que os partidos mantêm, apesar de terem sido derrotadas, seja por proposta de outros partidos, seja por proposta de substituição aqui na Comissão, e quais aquelas que entendem já não ser justificada a sua manutenção e discussão no Plenário.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Este caso não é de avocação a Plenário, porque isto tem de ser votado em Plenário obrigatoriamente.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só que não é votado aquilo que é retirado...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas ou é substituído ou é mantido. Não é retirado...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, não, também podemos retirar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, se um partido político retirasse toda a sua proposta, pergunto: alguma coisa o impedia? Nada o impedia! O que poderia acontecer - mas isso é outra questão - era essa circunstância não impedir que um outro partido político pudesse, de algum modo, retomar ou alterar a proposta. Isto porque há uma regra (como V. Exa. sabe) importante, que é não ser susceptível de revisão constitucional todo o articulado da Constituição que não tenha sido objecto de propostas iniciais. Portanto, aquilo que, suponho, não poderíamos aceitar, que o processo de revisão não aceita, é que um partido político, ao renunciar ou ao retirar as suas propostas, viesse a impedir que essas matérias fossem objecto de discussão e de eventual revisão.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Cada partido comunica à Comissão ou ao presidente da Mesa, como se queira, quais as propostas que mantinha ou retirava. Isto pode ser feito no fim, com a votação global: voto favoravelmente estas, abstenho-me naquelas, voto contra naqueloutras e mantenho para votação no Plenário esta, aquela e aqueloutra.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Gostaria de vos ouvir, porque vou submeter à vossa apreciação um texto escrito sobre esta matéria, que me parece ser importante. Simplesmente, não valeria a pena fazê-lo sem colher umas primeiras impressões de qual a vossa reacção. A ideia da votação por escrito é importante, porque facilita o trabalho do relatório e a própria maneira como a vontade da Comissão há-de formular-se, e não é tão complicado como isso. Em todo o caso, poderemos ponderar e, de resto, tudo está em aberto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. acaba de sublinhar que vai ter ocasião de formular - aproveitando já aquilo que resultou deste pequeno debate - um texto escrito, e esse texto originará seguramente uma discussão mais fundamentada. Em termos de contributo para esse debate, gostava apenas de fazer algumas observações.
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A primeira é que todos sabemos para que é que serve uma segunda leitura - serve para fazer o apuramento daquilo que decorra da primeira e para sedimentar. Acontece que nesta revisão ocorreu, entre a primeira e a segunda leituras, algo chamado "acordo político de revisão constitucional", o qual, não tendo sido derrogado até à data - a não ser que VV. Exas. tenham alguma informação fresca e crepitante sobre essa matéria -, estará, presumo, em vigor, aplicando-se a quem o subscreveu (não tenho conhecimento de que alguém tenha aderido ex post factum nas últimas horas) e não mais. Não se aplica a mais ninguém! Isso pode provocar algumas necessidades de redacção que não decorreriam, em condições normais, do trabalho de segunda leitura.
Daí que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha enxertado aqui uma terceira leitura e até mesmo uma segunda votação - a primeira provisória e a segunda definitiva e sendo realmente, como todos sabemos, ambas provisórias, porque só o Plenário delibera em definitivo. Isto pode complexificar razoavelmente aquilo a que estamos a chamar segunda leitura. Entre o minimalismo guilhotinante, a que o PSD pode estar tentado, e maximalismo barroco, que receia profundamente, talvez se possa encontrar uma solução razoável, desde que sejam respeitadas as normas constitucionais e a liberdade de discussão e transparência que, naturalmente, são os princípios reitores nesta matéria. Pela nossa parte, só assim entenderíamos o debate da chamada segunda leitura ou até mesmo da terceira leitura.
Creio bem que tudo o que foi dito em matéria de economia processual deve ser relido tendo em atenção a conclusão final a que o Sr. Presidente chegou - que é bastante menos talhante que a inicial, o que prova os méritos da discussão democrática, desde logo. Ainda chegaremos mais longe se continuarmos esta discussão.
Primeiro, porque há ausentes da primeira leitura; segundo, porque a Comissão ainda vai ter de ouvir pessoas e seguramente não as ouve de ouvidos moucos, ou para deixar sair por um lado aquilo que entrou por outro. Por outro lado, há reformulações, e não pode haver limites para a reformulação; e ainda porque há artigos que não foram discutidos, ou foram mal discutidos, ou foram discutidos na ausência de alguns na primeira leitura e pode suceder que queiram, na segunda leitura, dizer aquilo que não disseram na primeira. A questão da vocatio e até da pró vocatio é algo que também deve ser tido em conta, parece-me.
Em segundo lugar, mesmo em matéria de economia processual, deveria ter-se em atenção se, sim ou não, vale a pena haver uma subcomissão de redacção, ou se todos trazemos as redacções ou co-redacções de casa - na parte em que seja possível ser co-redacção -, ou se se deve fazer em co-equipa mais alargada a redacção daquilo que o deva ser na Comissão. Coloca-se aqui uma questão instrumental: a de saber se, sim ou não, deve haver uma subcomissão de redacção e, designadamente, se a subcomissão que fez os relatórios da maior parte do articulado das alterações deve ser activada e reorientada para esta tarefa, também nobre, de colocação em articulado daquilo que deva ser posto em português corrente e constitucional. Deixo esta questão como sugestão para o documento que o Sr. Presidente irá, na sequência, elaborar.
Há que examinar melhor como é que se enxertam as audiências. Por exemplo: não creio que, tendo todos nós feito escrupulosamente o debate sobre as matérias da liberdade de imprensa, a reflexão que o Conselho de Imprensa nos remeteu sobre a reforma dos preceitos constitucionais atinentes à liberdade de imprensa deva ser rechaçada com um simples "sim", "não", "tomei conhecimento", "ofereço o mérito dos autos", "passo". Não me parece que isso seja solução. E quem diz isto em relação ao Conselho de Imprensa pode dizer em relação ao documento emitido pelo Conselho de Comunicação Social, e quem diz estes documentos poderá dizer outros. Não sei se se multiplicarão por um número de coeficiente elevado. Em todo o caso, é facto que tudo isto deve ser tido em consideração.
Quanto às propostas como tais, deixo de lado a questão do prazo de apresentação, já que tem de haver um mínimo de antecedência, como é evidente. Tem de haver também, como o Sr. Presidente obtemperou, alguma flexibilidade, porque podem aparecer raciocínios in itinere que mereçam contemplação numa proposta derivada e, nessa altura, seria bastante pouco lúcido rejeitar, por razões formalistas, a apresentação de um texto que, em qualquer caso, é de todo o direito de cada partido e subscritor apresentar, até no próximo Plenário (nada nos pode
impedir de apresentar no Plenário propostas derivadas, absolutamente nada!).
O Sr. Presidente: - Nós não estamos a regular aquilo que vai acontecer no Plenário.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Eu estava apenas a fazer um raciocínio por maioria de razão: se nada nos pode impedir de no Plenário apresentar propostas derivadas, por maioria de razão nada nos pode impedir de na Comissão apresentar propostas derivadas e in itinere, "até ao fim da vindima" - evidentemente.
O Sr. Presidente: - Eu percebo, mas V. Exa. não esqueça o seguinte: vamos ter de fazer algo que seja razoavelmente equilibrado e, se não conseguirmos chegar (o que, julgo, não irá acontecer) a esse equilíbrio de razoabilidade, teremos de estabelecer a peremptoriedade dos prazos, os períodos da discussão, a repartição da discussão pelos partidos, porque temos um calendário mínimo que deve ser cumprido e não podemos eternizar os nossos trabalhos. Julgo que é preferível, e basta utilizar os mecanismos que o Regimento nos dá e aplicá-lo; tal como fizemos para a primeira leitura, seria útil encontrarmos fórmulas suficientemente elásticas mas que salvaguardem o essencial das contribuições que os diversos partidos oferecem, evitando uma aplicação rigorosa de preceitos e da peremptoriedade dos prazos, mas que podem, de algum modo, numa matéria de tanta monta, envolver alguns prejuízos da substância.
Era essa a minha proposta, mas tem de haver, como V. Exa. salientou há pouco, algum equilíbrio, porque eu percebo o cuidado de utilizar os benefícios aportados por diversas entidades que se prestaram a fazer declarações ou que sejam ouvidas pela Comissão. Mas isso terá de ser feito em termos de não prejudicar o andamento dos trabalhos, embora seja útil que não percamos essas aportações. Tudo isto exige, no fundo (era isso que eu me permitia sublinhar), que façamos um equilíbrio entre os aspectos formais que qualquer procedimento tem de ter e as aquisições substantivas que os procedimentos (espero) também tenham.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu compreendi, só estava a alertar para o facto de não haver meio regimental (obviamente, estou a excluir qualquer meio anti-regimental) de cercear certo tipo de direitos que decorrem do facto de os articulados serem votados no Plenário enquanto tais, e não noutro sítio qualquer. Portanto, será necessário salvaguardar a margem de liberdade de iniciativa (derivada, designadamente) que nesta matéria tem de existir. Tudo o que aqui for feito deve ter em atenção este grande pressuposto, este grande limite, que é comum a todos.
Por outro lado, a flexibilidade é tanto mais recomendável - de resto, o Sr. Deputado Almeida Santos insistiu nesse ponto com particular vigor, e creio que tem razão - quanto tudo o que aqui se pratique tem um cunho marcadamente provisório, até nesta dimensão que gostaria de sublinhar: é que as propostas retiradas podem, se necessário, ser renovadas. Se o CDS chegar à conclusão de que o artigo 53.° não merece nenhuma obra, retira aqui a sua proposta; desgraçadamente, não temos o direito de ver truncada essa malfeitoria aqui pelo facto de, numa boa hora, o CDS ter retirado a proposta - pode reapresentá-la no Plenário...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O exemplo não é o melhor possível.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O bizarro exemplo suponho que comoverá muito o CDS e o PSD. Podemos imaginar outros que nos deixariam a nós gratificados. É esse o mérito da solução...
O Sr. Almeida Santos (PS): - É que essa é a menos retirável das propostas do CDS - foi só por isso!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quis apenas ilustrar, de uma forma particularmente exuberante, até que ponto vai o direito de propor, mesmo que isso nos seja profundamente desagradável a nós, PCP, neste caso concreto. Obviamente, haverá outros exemplos. Por outro lado, é evidente que podem verificar-se as mais diversas formas de subscrição conjunta de propostas; não estamos verdadeiramente obrigados a que só o PS e o PSD subscrevam conjuntamente aquelas propostas fatalmente anunciadas pela crónica do acordo. Pode haver outras com formulações, com formações e conjugações diversas.
O Sr. Presidente: - Um contraio de adesão, como V. Exa. pode imaginar...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mesmo excluída a hipótese do contrato de adesão (que significaria multiplicar o mal), poderá haver outras conjugações. Este é um segundo bloco de questões relacionado com o regime de apresentação das propostas.
O terceiro bloco diz respeito à ordem de votação das propostas, o que já me parece mais susceptível de ser resolvido de acordo com as regras comuns do Regimento, seguindo-se, portanto, as ordens obrigatórias, segundo a ordem de apresentação e a natureza jurídica da proposta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, com a flexibilidade que sempre é conseguível quando se apela a um funcionamento consensual.
O quarto bloco de questões diz respeito ao valor jurídico das votações, todo ele marcado por esse carácter de provisoriedade que comecei por assinalar a um outro respeito. É evidente que alguma homenagem há-de ser feita à tal globalização e, portanto, aquilo a que o Sr. Presidente por último chamou a ratificação das votações ao fim é uma forma como outra qualquer de exprimir que cada partido guarda um direito de reserva e que, evidentemente, a última palavra há-de ser emitida no Plenário, não passando tudo o que se faça aqui de uma indiciação de um sentido de voto que só na sede própria poderá ser expresso. Todos teremos de o compreender assim, e só assim.
Portanto, Sr. Presidente, creio que haverá vantagem em amadurecer ideias. Não foi comunicado até à data que qualquer dos partidos com assento nesta Comissão tivesse um calendário. O Sr. Presidente também não foi excessivamente explícito nessa matéria. Aludiu, porém, a uma ideia de premência, quiçá mesmo a uma ideia de urgência...
O Sr. Presidente: - Não estou a pensar em 1992, mas num pouco mais cedo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O facto de o Sr. Presidente não ter sido explícito sobre essa matéria apenas nos leva a interrogarmo-nos sobre se há alguma ideia, designadamente quanto a questões de prazos e de calendários, por parte do PSD, visto que, a haver, seria extremamente interessante que todos a pudéssemos conhecer.
Sr. Presidente: - Por parte do PSD não sei se há; minha parte há, e explicitá-la-ei...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesse caso, Sr. Presidente, não adiantaria qualquer consideração antes de o fazer...
O Sr. Presidente: - Devemos ter uma ideia, sublinhando, como V. Exa. o fez, o carácter provisório dos trabalhos da Comissão. Convém que essa provisoriedade não se estenda por um período demasiado lato de tempo, pelo que apresentarei a minha ideia sobre esse período.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não se trata, pois, de uma emanação do acordo político sobre a revisão constitucional, mas, sim, se bem entendo, de uma ideia pessoal...
O Sr. Presidente: - Que eu saiba, ainda funciono em termos unipessoais e, portanto, a minha proposta é minha. Em termos de presidente da Comissão, sou independente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, compreendo perfeitamente, pelo que não adiantarei mais razões. V. Exa. está vinculado por um acordo, eu não ...
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O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas confirmar ao Sr. Deputado José Magalhães que a questão do calendário ficou fora do acordo, na medida em que não consta do texto do acordo político que foi divulgado e que é o único que existe celebrado entre o PS e o PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Concordamos, em princípio, com as sugestões formuladas pelo Sr. Presidente e aguardamos a sua concretização em texto escrito, assim como a proposta de calendarização que dessas sugestões deve naturalmente constar.
Pretendíamos apenas colocar uma reserva no sentido de que seja tomado em conta o que concerne à elaboração desse plano. Ou seja: não vemos com bons olhos a possibilidade de discussão dos projectos apresentados por grupos de deputados ou por partidos que não estiveram presentes na altura própria, pois para esses também se consumiu a primeira leitura. O que pode acontecer, e nós seremos...
O Sr. Presidente: - Seremos um pouco mais laxistas.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Naturalmente, teremos todo o interesse em ouvi-los, mas num pressuposto diferente: apenas na medida necessária aos trabalhos da segunda leitura, pois a primeira leitura está precludida. Far-se-á na medida em que seja adequado e necessário a esta leitura. Não gostaríamos de premiar quem, por princípio, não esteve presente quando da primeira leitura, abrindo a tais grupos a possibilidade de efectuarem essa primeira leitura. Temos, repito, todo o interesse em ouvi-los e manifestamos toda a nossa disponibilidade para o fazer, mas no pressuposto de que se trata do interesse da própria Comissão para a prossecução dos seus trabalhos, mais que de um direito ou uma faculdade que assista a esses grupos ou partidos, como se em relação a eles não tivesse transcorrido a primeira leitura.
O Sr. Presidente: - Penso que o prior de uma freguesia destas devia ser bispo!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não sei se não será mesmo arcebispo...
Compreendemos perfeitamente o valor da celeridade que se pretende imprimir aos trabalhos, mas creio que, depois de celebrado o acordo em cerimónia pública (sobre a qual já me pronunciei na Comissão), não deveríamos acrescentar nada, no âmbito dos trabalhos da Comissão, que pudesse dar ao exterior a ideia de que esta Comissão perdeu, ou viu diminuída, a sua razão de ser. Assim, contando com a boa fé de todos, incluindo a do Sr. Deputado José Magalhães, com a qual sei podermos contar, devemos elaborar um programa de trabalhos que, esperamos, venha a ser expresso pelo Sr. Presidente no seu projecto de regulamento, ou de conjunto de regras. E, apesar disso, devemos conferir à Comissão o máximo de possibilidades para que, sobre o mínimo (que é assim que entendemos) de revisão conseguido nas conversações entre os dois partidos que detêm a maioria de dois terços dos votos, possamos alcançar o máximo de revisão no âmbito da Comissão. Porém, este objectivo apenas será alcançado se dermos aos partidos que ainda não defenderam as suas propostas a possibilidade de o fazerem - não tendo tomado o tempo na primeira leitura, não há tempo a mais nem a menos. E devemos engendrar os processos de votação que consigam o mais possível obter consensos alargados.
A partir daí, Sr. Deputado Costa Andrade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos interessados em concluir o mais rapidamente possível a revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Até para não entrar em contradição com o Prof. Freitas do Amaral!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E não só: para dar a outro professor, o Prof. Cavaco Silva, rapidamente, a possibilidade de cumprir o seu programa, o que desde o início anda a prometer!
Consequentemente, se bem que estejamos interessados em andar rapidamente, é, em nosso entender, fundamental para a defesa do papel da Assembleia e da Comissão que se não transforme a segunda leitura naquilo que nunca poderá sê-lo. Trata-se de uma segunda leitura, como tal destinada a suprir as lacunas da primeira.
O Sr. Presidente: - É uma segunda leitura e uma votação.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Os pontos que são objecto do acordo têm de ser vertidos em propostas, o que ainda não aconteceu, mas vai acontecer. E essas propostas são discutidas como qualquer outra proposta de alteração. Não pode ser de outra maneira. Mas se, por exemplo, considerarem que determinado ponto está errado e que o votariam com uma palavra que deveria constar do texto em apreço, discutiremos essas objecções...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - V. Exa. pensa que seria possível fazer de outra maneira?
Vozes.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Infelizmente, possível seria! Desculpar-me-á, mas congratulo-me com o espírito que está a presidir às intervenções.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Depois de arrombadas algumas portas que estavam abertas, vamos suspender os nossos trabalhos, a fim de termos oportunidade de assistir e participar na recepção ao Sr. Presidente do Governo Espanhol.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 17 horas.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 18 horas.
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Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos com a análise do artigo 7.°, sob a epígrafe "Relações internacionais", relativamente ao qual foram apresentadas várias propostas, umas de alteração, outras de aditamento. O CDS propõe a alteração dos n.ºs l, 2 e 3; o PS, a alteração do n.° 3 e o aditamento dos n.ºs 4 e 5, embora se trate, em parte, de desdobramentos de articulado anterior; verdadeiramente inovador é o n.° 5. Por seu turno, o PSD apresenta igualmente uma proposta de alteração dos n.ºs 2 e 3. Os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Helena Roseta apresentam também propostas de alteração e de aditamento, a ID, uma proposta de alteração, o PEV, uma proposta de alteração e de aditamento, e, por fim, o PRD apresenta uma proposta de alteração.
Na ausência momentânea do CDS, começaria por pedir ao PS para fundamentar sucintamente as suas propostas de alteração e de aditamento.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os n.ºs 3 e 4 constituem, como o Sr. Presidente já referiu, o desdobramento do actual n.° 3, o que resulta do facto de entendermos que se torna mais curial, em termos de articulado constitucional, distinguir um princípio genérico de reconhecimento do direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão daquilo que deve ser um princípio afirmativo, dirigido a um conjunto de países com os quais Portugal deve manter especiais laços de amizade e cooperação, ou seja, os países de língua oficial portuguesa. Afigura-se-nos que a amálgama no actual n.° 3 junta duas realidades que não devem ser confundidas, o que nos leva a propor a separação do actual n.° 3 em dois novos números.
O n.° 5 é, em si mesmo, novo. No fundo, independentemente da questão da forma - e não estamos apegados à forma -, subjacente à proposta de um novo n.° 5 está a intenção de dar aos princípios fundamentais da Constituição uma tónica de participação de Portugal na organização política económica, social e cultural da Europa. Procurámos evitar referências redutoras ao sentido político global da Europa, não estando aqui apenas em causa a participação de Portugal nas Comunidades Europeias, mas a Europa numa realidade mais ampla, que está para além das organizações internacionais ou supranacionais existentes no continente europeu. Na medida em que a Europa ultrapassa o âmbito dos actuais doze países membros da CEE, tem uma realidade que se exprime em diversas instâncias internacionais, umas de vocação política, outras de vocação económica, outras de vocação social e cultural. Pareceu-nos que se deveria dar uma tónica ao empenhamento do Estado Português na organização da Europa, neste seu sentido amplo e nestas múltiplas vertentes. A fórmula talvez não seja forçosamente a mais feliz, mas, pela nossa parte, estaremos disponíveis para, se a ideia merecer acolhimento, responder a sua formulação.
O Sr. Presidente: - Para justificar, sucintamente, a proposta de alteração apresentada pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao n.° 2 do artigo 7.°, o PSD propõe a eliminação de determinadas referências que considera equívocas e susceptíveis de apropriação partidária. Na nossa perspectiva, deverão ser consagrados neste n.° 2 tão-só os dois magnos objectivos a prosseguir pela nossa política externa, ou seja, o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva e a criação de uma ordem internacional.
Quanto ao n.° 3, o PSD propõe a eliminação da primeira parte do actual articulado, que, a nosso ver, não tem qualquer sentido útil e não deve ter lugar na Constituição, face à conotação ideológica e até à natureza datada da actual formulação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão do texto e eu aproveitaria a ocasião inscrevendo-me como parte para fazer um pequeno comentário ao texto do PS, designadamente ao aditamento. Quanto ao resto, compreendo a preocupação que o PS tem em salientar, como foi sublinhado, a importância dos laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua oficial portuguesa e, portanto, em autonomizá-los suficientemente em relação ao actual n.° 3. De resto, temos uma formulação cujo propósito é similar e não vemos dificuldades de maior em encontrar uma redacção que não só mereça o nosso assentimento como também seja aceitável pelo PS.
No que diz respeito ao novo n.° 5 proposto pelo PS - o Sr. Deputado António Vitorino teve já, aliás, oportunidade de o referir -, a respectiva formulação pode não ser a mais feliz. De facto, não existe na versão actual do texto constitucional nenhum preceito que sublinhe (a não ser de uma maneira indirecta no artigo 8.°, n.° 3, a propósito do direito internacional) o empenhamento de Portugal na construção da Europa. Creio que, a benefício de uma reflexão ulterior, nos inclinamos favoravelmente para a ideia de um preceito que explicite o nosso empenhamento no reforço da identidade cultural, política e económica da Europa.
Porém, a menção expressa ao empenhamento na organização política da Europa, tal como aparece na formulação proposta pelo PS, é susceptível de traduzir algumas tonalidades ou algumas formas de realização desse empenhamento - suponho, de resto, que não é essa a ideia do PS - que, porventura, não seriam suficientemente cautelosas, no momento que estamos a atravessar. Pensamos que Portugal deve colaborar activamente na afirmação clara da identidade europeia e no seu reforço, mas parecer-nos-ia prematura e indesejável a existência num texto constitucional de qualquer asserção à qual pudesse ser atribuído um significado em termos de ser susceptível de se assemelhar à preconização do federalismo ou de um reforço de certas tendências com tonalidades mais federalizantes na construção europeia, orientações que seriam mais facilmente cobertas pela proposta socialista - embora, repito, não pretenda dizer que tal se deduza necessariamente da proposta do PS. Julgo que devemos deixar essa matéria imprejudicada quanto à maneira como as coisas se irão processar, salvo no que respeita ao objectivo fundamental, que é o da afirmação de uma entidade europeia substancialmente mais forte que aquela que neste momento existe. E nesse sentido penso que efectivamente pelo menos todos os partidos representativos da maioria do povo português que apoiaram
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a adesão de Portugal, e portanto estão na base da decisão política de assinar o tratado de adesão que tornou Portugal um dos membros da Comunidade Económica Europeia, estão de acordo com a afirmação desse revigoramento.
Já agora permitia-me observar, no respeitante aos n.ºs 2 e 3 da redacção actual, os motivos que nos levaram a ponderar ser preferível uma forma diferente. Não estamos propriamente contra a ideia de que deve haver uma dissolução dos blocos político-militares, só que a linguagem utilizada é efectivamente, como disse o Sr. Deputado Pais de Sousa, e muito bem, uma linguagem datada e, por outro, nalguns pontos ideologicamente marcada por um certo sector, na forma como perspectiva as relações internacionais. E por isso nos parece claramente preferível algo que enuncie os grandes objectivos da política externa, mas que não indicie esses aspectos eivados de uma ideologia que até está um pouco em vias de ser ultrapassada face às novas orientações, designadamente no que respeita aos novos ventos que sopram no bloco de leste graças à Perestroika.
Não, digo isso com toda a sinceridade, não estou a fazer qualquer ironia, é um aspecto muito importante e que me merece toda a atenção e simpatia pelo esforço que está a ser realizado, embora sem ilusões quanto aos seus limites.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Só para algumas precisões. A primeira é a de reafirmar não estarmos apegados à questão da formulação. No nosso entendimento o conceito de organização política não se restringe a formas de organização interestadual no âmbito daqueles países que têm uma comunhão de ideias e de filosofias políticas, até porque, como tive ocasião de explicitar na apresentação da proposta, quando utilizamos a expressão "Europa" conferimos-lhe um sentido amplo e, portanto, não excluímos dessa referência nada daquilo que a Europa tradicional e geograficamente representa...
O Sr. Presidente: - Inclua a Mitteleuropa!
O Sr. António Vitorino (PS): - Incluímos a Europa Central também, naturalmente, e vamos até aos Urais, num desvio gaulista, se se quiser, embora excluamos a Turquia e Marrocos, que não são países europeus, embora a Turquia tenha uma parte europeia.
O Sr. Presidente: - Istambul é uma cidade que é quatro quintos europeia.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sim, mas o país é quatro quintos asiático, da Ásia Menor. Desde os tempos mais remotos.
O segundo apontamento é sobre as propostas do PSD. A questão da abolição da referência ao direito de insurreição dos povos é uma questão que, salvo o devido respeito, não me parece justificar-se. Há mais textos constitucionais que reconhecem este direito, um direito à insurreição colectiva contra as formas tirânicas de exercício do poder. E inclusivamente poderíamos postular uma situação em que houvesse uma transição de regime político sem alteração do texto constitucional, por via da semantização do texto constitucional em vigor, que justificasse o recurso do próprio povo português à insurreição contra formas tirânicas de exercício do poder sem que houvesse ruptura constitucional, e encontrando essa resistência colectiva o seu fundamento ético, e jurídico também, num número como este n.° 3 do artigo 7.° da Constituição. Enfim, sem querer filosofar em excesso sobre esta matéria, mas se pensarmos que o nacional-socialismo, por exemplo, foi instituído como regime político sem uma rotura formal com a Constituição de Weimar, pelo contrário, construído à sombra desta e mantendo nos seus primórdios a própria Constituição de Weimar, talvez possamos chegar à conclusão de que a situação por mim prefigurada, e que todos nós ardentemente desejamos como afastada da nossa realidade política, tem, apesar de tudo, um mínimo de fundamento teórico.
Seja como for, a dificuldade que temos neste artigo é a de retirar o que já cá está. O que cá está tem colorações próprias, tem o seu quê de datado, é evidente, e como tal dever ser interpretado. As interpretações são flexíveis e são hábeis exactamente por causa disso, porque são formas de aggiornamento da letra dos textos sobre que versam essas interpretações. Com a devida vénia, não concordarei muito com o Sr. Presidente dizendo que a Perestroika coloca em desuso a temática da dissolução dos blocos político-militares. Pelo contrário, talvez a Perestroika coloque pela primeira vez os protagonistas do discurso de dissolução dos blocos perante as suas próprias responsabilidades. E a necessidade de se adoptarem medidas concretas tendentes a resolver essa querela entre os dois mundos existentes à face da Terra que ameaça toda a humanidade.
Portanto, reafirmaria a nossa indisponibilidade para empobrecer o artigo 7.° da Constituição nos termos em que o acabei de fazer.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, não resisto a fazer duas observações, embora naturalmente eivadas de um espírito o mais construtivo e cheio de simpatia possível.
E a primeira é que a minha interpretação acerca dos efeitos da Perestroika não era tanto quanto ao problema da dissolução dos blocos militares, nisso estou de acordo com o Sr. Deputado António Vitorino, é que hoje esta terminologia, que era uma terminologia usada por exemplo por Andrei Gromiko, já não está na moda na União Soviética. É nesse sentido que queria dizer que ela foi de algum modo posta em desuso e, portanto...
O Sr. António Vitorino (PS): - Pelo contrário, está na moda... E se recordarmos até o sentido amplo do conceito de imperialismo que o PPD utilizava na Assembleia Constituinte. A retirada soviética do Afeganistão feita pelo Sr. Gorbatchev é a demonstração cabal de que o artigo 7.° mantém actualidade.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado António Vitorino, insisto apenas que era a terminologia usada na política externa soviética, e que nós, cheios de simpatia, na altura de algum modo apropriámos, que caiu em desuso. Era apenas esse o sentido, um sentido nominalista, não era um sentido substantivo.
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O Sr. António Vitorino (PS): - Mas, Sr. Presidente, não estou de acordo com V. Exa. na interpretação sovietizante dos termos deste artigo 7.° Se alguma coloração ideológica ele tem, e reconheço que tem, é muito mais inspirada por princípios neutralistas, de não alinhamento definido pelos países do Terceiro Mundo, se assim quiser. De neutralidade activa quanto muito, mas não sovietizantes.
O Sr. Presidente: - Perdão! Há duas coisas distintas: um aspecto em que tem toda a razão, e outro, o relativo a essa história dos blocos político-militares, em que aí, digamos, a primazia da terminologia antes de ter sido apropriada pelo bloco neutralista terceiro-mundista foi russa, foi a linguagem utilizada pelos Soviéticos. Mas, enfim, isso tem pouco interesse!
Agora um outro ponto, que gostaria não passasse sem uma observação da minha parte, diz respeito ao problema do direito à insurreição. Vejo com satisfação que V. Exa. atribui uma parte de responsabilidade aos políticos, e em última análise os alemães em geral, por terem deixado instaurar o sistema hitleriano à circunstância de não haver uma disposição que previsse o direito de insurreição. Porque se o houvesse com alguma probabilidade o regime nacional-socialista não teria sido instaurado, ou poderia ter sido eliminado...
O Sr. António Vitorino (PS): - Não! A tese pode ser muito teórica, mas não é tão "tonta" como isso.
Risos.
É um problema de fundamento. O paralelismo histórico era só para dizer: "aí está um caso onde não houve ruptura constitucional e onde houve uma verdadeira mutação do regime político".
O Sr. Presidente: - Isso é verdade.
O Sr. António Vitorino (PS): - E a única coisa que estou a dizer é: um texto deste género, que subsistiria formalmente, embora semantizado por uma mutação do regime político, poderia ter utilidade como fundamento ético e jurídico último de uma acção popular contra poderes tirânicos. Mas não vale a pena ir mais longe, pois trata-se de uma mera tese teórica que não é este o momento adequado para discutir.
Vozes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É a linguagem das convenções.
O Sr. Presidente: - De algumas convenções! Falta...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não, como sabe, nos próprios textos da Revolução Francesa...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é preciso ir tanto atrás! É a linguagem das convenções, V. Exa. fala em deputados...
O Sr. Presidente: - Eu diria que isto são alguns entusiasmos juvenis dos nossos constituintes, que foram simpáticos e generosos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Falo em convenções e V. Exa. em entusiasmos juvenis...
O Sr. Presidente: - Não! Repare, o problema é este: uma coisa seria, como disse o Sr. Deputado António Vitorino, e não me importaria de ponderar, se estivéssemos a fazer uma constituição de novo, uma formulação do direito de resistência mais extensa .. .
O Sr. Almeida Santos (PS): - Diz-me aqui o sábio que é da Carta da ONU.
O Sr. Presidente: -... ou mais forte que a do direito de resistência pura e simples, outra coisa é traçar a orientação da política externa. O que aqui me choca, embora isto não seja uma matéria em que valha a pena estarmos a terçar armas longamente, é apenas isto: é que nós estamos num artigo que tem a epígrafe "Relações internacionais" e que, portanto, deve balizar a acção externa do Estado. E quando se fala no reconhecimento parece-me que ou se trata de uma proclamação sem grande significado, puramente semântica, ou deve condicionar a política externa em termos mais concretos. Essa matéria envolve tais dificuldades quanto a problemas de reconhecimento de beligerância, intervenção de terceiros em conflitos internos, etc.., que na verdade acaba por lhe retirar muita, senão a totalidade, da sua importância. Quer dizer, enquanto direito do povo português, penso que, independentemente de estar aqui considerado ou não, ele existe, como critério que de algum modo deve pautar as relações internacionais não se me afigura curial. Se fosse constituinte não o teria incluído aqui, pelo menos hoje, mais amadurecido, como não posso deixar de ser; se fosse um constituinte mais jovem, como teria sido nessa altura, talvez o tivesse querido. Mas, como já disse, não vale a pena estarmos a terçar armas nesta questão. O PS quer deixar prevalecer o sentido histórico como um marco, e nós nesse aspecto, até porque são necessários dois terços, que remédio temos senão curvarmo-nos perante essa ideia museológica que V. Exa. expressou. Como vêem sou compreensivo.
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria pela nossa parte de contraditar vivamente a ideia de que o artigo 7.° da Constituição da República seja uma peça de museu, uma espécie de dinossauro jurídico-constitucional pelo qual se passa com a frieza exacta de quem sabe que um dinossauro empalhado não morde.
O Sr. Presidente: - Não exagere, Sr. Deputado. O artigo 7.° todo não! Nem todo o n.° 2.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está uma feliz aclaração, Sr. Presidente! De generalização em generalização já V. Exa. quase envolvia a vinculatividade do artigo todo ele. Vejo que V. Exa. já circunscreve a afirmação tremenda ao n.° 2, se bem percebo, e
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mesmo a um segmento do n.° 2. Vamos de recuo em recuo. Talvez se ficar na primeira palavra esteja bem, afinal!
O Sr. Presidente: - Não, a primeira palavra não!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A primeira palavra é "Portugal"!
O Sr. Presidente: - E aí V. Exa. fará o favor, em todo o caso, de o deixar excluído deste comentário bem-humorado que temos estado a fazer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora foi aí precisamente, Sr. Presidente, que eu quis chegar! Não se trata, portanto, de uma discussão sobre uma coisa de museu. Toda a gente está agora ciente disso, seguramente.
Gostaria, por um lado, de sublinhar que em relação ao conteúdo normativo do artigo já tem sido sublinhado (e bem) que ele tem uma função útil de vincar conteúdos que já vigoram na ordem interna portuguesa. Muitos dos princípios aqui referidos são princípios de direito internacional comum e. portanto, nos termos do artigo seguinte da Constituição, sempre deveriam vigorar na nossa ordem interna. São o resultado da consolidação nas relações internacionais de determinados princípios fundamentais para o relacionamento entre os povos, entre os Estados. Difícil seria conceber o funcionamento normal da nossa vida internacional se esses princípios não vigorassem e se não se procurasse com algum esforço fazer com que eles sejam aplicados na maior extensão compatível com a manutenção da paz, que é porventura o objectivo comum supremo. Nesse ponto não creio que tenhamos razão para entender que a opção dos constituintes foi uma opção errónea e que aquilo que vieram a incorporar na nossa ordem interna no mais alto grau tenha sido alguma coisa de datado, de modo e adoptado por inspiração ou paixão de um momento demasiado fugaz. Creio que ao fazer-se tal opção se quis muito sublinhar aquele outro momento (infelizmente não fugaz e razoavelmente duradouro) que conduzia a que muitos destes princípios não fossem acatados na ordem interna e na ordem internacional, quando o Estado Português era regido pela Constituição de 1933.
Discordamos, pois, profundamente da interpretação "flexibilizadora" tendente a sublinhar que tudo isto é uma "coisa histórica". Será que o PSD, que realmente é um partido sem memória, enjeitou aquilo que foi, digamos, o seu contributo fundador? Será que vai tão longe nesse enjeitamento que lhe repugna hoje aquilo que outrora o apaixonava e consta do seu programa? A horrenda expressão - "sovietizante" (sic), tresloucadamente "gromiquesca" - que há pouco era citada pelo Sr. Deputado Rui Machete consta a página 27 do programa do PSD na edição de 1986...
Risos.
Cá está ela...
O Sr. Presidente: - É o imperialismo semântico, a que não fugiu o PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, V. Exa. poderá fazer o julgamento póstumo dos pais fundadores do PSD. É um ajuste de contas interno do qual me dissocio com todo o gosto...
O Sr. Presidente: - Peço muita desculpa, mas subscrevi essas expressões, de algum modo fui autor material como alguns outros dos meus colegas e compreendo muito bem, sem saudosismos excessivos, o entusiasmo com que elas foram ditadas. Em todo o caso, devo dizer que uma coisa é o programa do partido, outra coisa é o texto da Constituição. E entendamo-nos: não estamos aqui a discutir, pelo menos não pusemos em discussão, os princípios substantivos fundamentais que aqui se encontram consignados, mas algumas fórmulas, sobre as quais não queremos, aliás, travar uma pugna extremamente longa, mas as formulações que pelo nosso lado adiantámos não os excluem, pelo contrário, reafirmam de maneira mais conveniente e acertada esses mesmos princípios. O que me pareceu, e reitero, foi que, de um ponto de vista de formulação, algumas delas traduzem efectivamente formas, estados de alma legítimos, mas que porventura não são os mais adequados para um texto constitucional como aquele que nós pretendemos. Mas isso não é uma matéria nem suficientemente importante nem sobretudo justifica, e isso é um ponto que gostaria de deixar claramente sublinhado, e V. Exa., Sr. Deputado José Magalhães, com a sua inteligência e os seus conhecimentos, não pode ignorá-lo, que venha deturpar-se o que dissemos para insinuar que estamos a pôr em causa as ideias fundamentais, que são as relativas à criação de uma ordem internacional que promova a paz e a justiça e elimine todas as formas de agressão, de domínio e de exploração nas relações entre os povos. Isto tem um significado muito claro, correspondente efectivamente às aspirações de ordem internacional, numa formulação que não é nem de um país terceiro-mundista nem de nenhum bloco, sem enjeitarmos, como V. Exa. sabe, que, se temos de estar integrados nalgum bloco, devemos estar claramente no bloco ocidental. A verdade e que estas formulações devem procurar ser linhas gerais, directrizes de política externa sem mais, porque nos parece que é esse o objectivo de um artigo relativo às relações internacionais como é este da Constituição.
O Sr. Deputado possivelmente discordará disto, com toda a legitimidade para o fazer. Apenas lhe diria que a sua crítica tomasse em consideração que o aspecto que defendemos é uma questão de fórmulas. Faltará provar que estamos discordantes quanto ao conteúdo da ordem internacional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, compreendo que tenha tido necessidade de fazer esse acrescento e precisão. Limitei-me, pela minha parte, a alertar para um facto: é que, dada a intensidade da diatribe proferida contra o texto constitucional, poderia haver uma propensão para esquecer que o programa do PSD está ainda hoje verdadeiramente inçado das expressões que o PSD pretende expurgar da Constituição. É um facto!
Assim, na página 28, nos n.ºs 4 e 5 do seu programa, o PSD visa a promoção da paz através "de iniciativas conducentes ao desaparecimento dos blocos centrados nas duas superpotências como condição da independência nacional de todos os países, grandes e pequenos, do repudio de todas as formas de colonialismo, imperialismo neocolonialismo e de qualquer forma de exploração e domínio de um povo sobre o outro". No mesmo sentido, na página anterior encontraremos um texto, na sequência destes princípios, em que o PSD
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propugna "pela necessidade do desarmamento mundial, com a extinção progressiva e equilibrada dos blocos militares, e de um aumento das relações pacíficas entre todos os povos; pela conclusão e adesão a tratados, limitando a proliferação e se possível conseguindo a supressão de todos os meios de guerra atómica, química e bacteriológica; pela assinatura de acordos de paz entre todas as nações ou povos em conflito; pela apertada regulamentação da venda de armamento e pela vigilância do comércio deste por parte de organismos internacionais; pelo efectivo cumprimento dos princípios da Carta das Nações Unidas".
Não vou ler a parte em que o PSD só admite a adesão à OTAN "enquanto não estiver institucionalizado um novo sistema internacional e multilateral de segurança". O texto continua por aí adiante e é de leitura palpitante!
Refiro isto para sublinhar que o PSD, nesta matéria, se tem algum aggiornamento a fazer já o fez verdadeiramente mediante a sua prática, a qual dispensa comentários adicionais (foram feitos na altura em que discutimos a política de defesa nacional).
Por outro lado, o PSD não se limita a purgar fórmulas. Poderia colocar-se em dúvida se a supressão das fórmulas que constam da Constituição não teria um sentido amputatório, do qual naturalmente nos dissociamos. Pela nossa parte entendemos que teria esse sentido. Congratulamo-nos com o facto de não vermos indiciada uma consensualização de votos que permita essa supressão.
Quanto à questão da cláusula respeitante ao direito de insurreição, poderia praticamente subscrever as declarações feitas pelo PS. Qualquer que seja o valor que se possa atribuir em termos de fundamentação do direito à insurreição e à resistência contra as formas de opressão, creio que esta cláusula não esgota aquelas que no quadro constitucional legitimam uma resistência desse tipo, e outras há igualmente relevantes.
Portanto, a supressão da norma, na óptica da completude da nossa ordem jurídico-constitucional, não teria qualquer vantagem, mas implicaria seguramente alguns visíveis inconvenientes: diminuiria a componente progressista da Constituição, alteraria a sua marca, o seu traço "anti todas as formas de opressão", que é certamente um dos mais característicos.
A grande questão que a propósito do artigo 7.° se coloca é a de saber se ele é acolhido na prática governativa, se a directiva constitucional é objecto de cumprimento, se as medidas que deveriam ser tomadas para lhe dar plena execução são tomadas ou não pelo governo do PSD. Esse é todo um outro campo de reflexão. Nesse ponto a Constituição tem sido largamente, e infelizmente, incumprida. De todo o modo, neste caso precisaremos não de menos mas de mais Constituição.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o que eu disse foi um pouco diferente. O que afirmei foi que em matéria de política externa isto cria alguns tipos de dificuldades que não podem ser ignoradas. O Sr. Deputado suponha que a Constituição estava em vigor com este texto no tempo do Estaline. Obviamente que hoje todos reconhecem que foi um opressor, mas ontem... Seria realmente complicado dizer ao Governo, qualquer que ele fosse na altura, para fazer proclamações, para intervir em termos de garantir o direito de insurreição do povo soviético por estar ele submetido a uma opressão.
Assim, é este tipo de dificuldades que...
O Sr. António Vitorino (PS): - A Legião Portuguesa fê-lo!
O Sr. Presidente: - Isto é para dizer que estes são problemas extremamente sérios e que a circunstância de não se tomar em consideração o sítio onde eles estão explicitados coloca algumas dificuldades.
Não tenho, repito, dificuldades em reconhecer que existe um direito dos povos à insurreição e que existem ainda presentemente fórmulas de opressão com características de colonialismo e imperalismo, sobretudo se não dermos a estas expressões uma interpretação semântica.
No entanto, tenho alguma dificuldade em dizer que isto, como preceito em matéria de relações externas, deve pautar as condutas dos governantes, porque pode criar alguns problemas. Foi essa a observação que fiz. V. Exa. dir-me-á que prefere, apesar de tudo, manter esta redacção. Dir-lhe-ei que não é uma questão que me cause engulhes excessivos.
De qualquer modo, gostaria de precisar que este não é um problema do governo do PSD, mas, sim, um problema que surge nas relações internacionais em matéria de intervenções de terceiros na esfera interna. No fundo, isso só faz sentido se significar uma limitação ao princípio da não ingerência nos assuntos internos. Esse é que é o significado que se visa expressar, caso contrário não tem muito sentido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que o facto de V. Exa. ter sentido necessidade de ditar para a acta esse conjunto de precisões é só por si um elemento reforçador da ideia de que tocar o texto constitucional poderia originar pelo menos alguns equívocos perigosos em relação à própria definição do quadro que deve presidir às relações internacionais de Portugal.
Por um lado, creio que seria desde logo injusto não assinalar que esta norma contém uma reparação, ou pelo menos um precisão histórica, que não é de importância menor, em relação à guerra colonial tal e qual foi travada por Portugal. Essa guerra teve protagonistas, vítimas, significava a denegação de um direito fundamental dos povos. O facto de proclamarmos, depois do 25 de Abril, o direito à insurreição como direito inalienável dos povos tem um significado de reconhecimento activo, e quase que voltado para o passado, de uma parte da nossa própria história, a qual envolve evidentemente, no que diz respeito a Portugal, um juízo negativo acerca dos protagonistas. Para além disso, envolve uma homenagem àqueles que souberam resistir na altura e àqueles que souberam mover contra a guerra colonial, dentro da sua própria pátria, uma luta que assim adquire um reconhecimento pleno. Creio que isso não é apagável.
Segundo aspecto: não podemos esquecer que esta norma transpõe para a ordem interna alguma coisa de que não podem prescindir as ordens jurídicas de Estados modernos, que devem relacionar-se nas condições que são próprias do nosso século. De facto, não é concebível que, proclamando a Carta das Nações Unidas aquilo que proclama, alguém considere que é "melindroso" e "susceptível de criar dificuldades" a proclamação e o reconhecimento do direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão. O contrário é que poderia ser melindroso: Portugal reger-se
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por um conjunto de princípios tais que pudessem implicar o manter silêncio em relação ao direito dos povos à insurreição perante formas de opressão. Evidentemente que cada povo tem de emitir um juízo próprio acerca da opressão que o atinja e tem o direito de lutar com os meios que entenda e que estejam ao seu alcance para combater essas formas de opressão. No entanto, em termos de princípio de direito internacional, eis o que está estabelecido por força de normas das mais diversas, as quais Portugal por esta forma acolhe.
Há realmente neste artigo uma dimensão que é embaraçosa e que traz dificuldades. A dimensão a que estou a fazer referência é a que nesta norma aponta para o apoio activo aos povos que lutam contra a opressão. Ela só traz dificuldades quando o Estado tenha um governo que não a queira dar. Por outras palavras, encontrará um escolho nesta norma um governo que queira, em vez de proteger e apoiar os povos contra a opressão, não os apoiar (e, quiçá, até desapoiar), praticando actividades de ingerência e até de colaboração com aqueles que o oprimem. Para esses Estados e governos este artigo é evidentemente, um embaraço. Mas será esse o caso do nosso Estado e do nosso Governo? Eis uma questão que deixo por inteiro ao exame de consciência política do PSD!
Quanto ao exemplo que o Sr. Presidente aventou em relação ao tempo de Estaline, como V. Exa. bem sabe, nessa altura o Estado Português entendia, no quadro de um posicionamento internacional e de uma caracterização como regime, que era um dever não só ter uma atitude de intervenção condenatória geral como ate uma actividade de cruzada muito concreta, que passou pela cedência de partes do território nacional para vários efeitos, designadamente para efeitos de combate propagandístico activo, efeitos bélicos dos mais diversos, etc.., etc.. Isto tudo em nome de uma causa em que o regime "combatendo Estaline" defendia realmente Salazar, o que verdadeiramente não me parece que fosse uma grande forma de fazer antiestalinismo consequente...
O Sr. António Vitorino (PS): - Era um problema de família!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nessa matéria creio que o PSD terá de fazer a sua revisão da história, e estou convencido de que a fará en su tiempo e, de preferência, com as implicações todas. Pela nossa parte não gostaríamos que essa revisão tivesse início com a amputação do artigo 7.° nestas dimensões que o caracterizam.
O que me conduz ao terceiro aspecto: as propostas respeitantes a questões que não foram contempladas até agora pelo PS ou pelo PSD. Há, de facto, propostas de pequenas benfeitorias constantes do projecto n.° 7/V que são partilhadas pelos Srs. Deputados do PS, nomeadamente o facto de se aludir não a países de língua portuguesa mas a países de língua oficial portuguesa. Julgo que não haverá grandes dificuldades em consensualizarmos uma solução desse tipo, porque se trata apenas de uma questão de rigor.
Por outro lado, há propostas do PEV que implicariam um alargamento, uma ampliação das dimensões principológicas da Constituição da República, designadamente com a alusão à não militarização do espaço e a uma prática de Portugal na esfera internacional de mais intensa participação no combate ao racismo, ao sionismo e ao apartheid.
Por outro lado, o PEV propõe a inclusão de uma norma tendente a prever expressamente uma proibição de utilização, por qualquer forma, do território nacional para o desenvolvimento de actividades de organizações político-militares que combatam os países com quem Portugal mantenha laços especiais de amizade e cooperação. A fórmula poderá ser objecto de precisões. Creio que ela está muito genérica; tal qual está redigida não abrange somente aquilo que me parece ter sido o escopo principal dos proponentes. Suponho que eles terão pensado sobretudo nas organizações político-militares que combatem os Estados existentes em países africanos de expressão oficial portuguesa. Em todo o caso, tal qual está redigida a norma refere as organizações político-militares que combatam países "com quem Portugal mantenha laços especiais de amizade e cooperação". Isto abrange virtualmente quaisquer países com quem Portugal mantenha esses laços...
O Sr. António Vitorino (PS): - Como o caso da África do Sul! Há lá 700 mil portugueses!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não creio, apesar de tudo, que seja o caso da África do Sul, apesar do carinho com que o Governo tem acompanhado certas iniciativas pró-apartheid e da sua não demarcação em relação a certas outras iniciativas que seguramente não são cofitra-apartheid. Mas esta fórmula pode abranger outros países, o que suponho que estaria fora dos intuitos dos proponentes.
A ideia de alargamento e a ideia de rejeição das formas de utilização do território nacional para actividades tendentes à alteração das ordens jurídicas e políticas reinantes nos países africanos de expressão oficial portuguesa merecem ponderação. Pela nossa parte, ponderá-las-emos. Não sentimos a necessidade de apresentar uma norma constitucional acerca disto, mas, por exemplo, apresentámos na Assembleia da República um projecto de lei tendente a instituir um conjunto de medidas que permitiriam que Portugal passasse a ter, por obrigação legal, uma política não de acolhimento e de protecção a elementos ligados a organizações político-militares com actividades, algumas até de carácter puramente terrorista, em países africanos de expressão oficial portuguesa, mas, pelo contrário, que desencorajassem esse tipo de actividades e impedissem o uso do território nacional para essas finalidades. Nesse terreno da lei ordinária muito há, sem dúvida, a fazer.
A preocupação de elaborar uma cláusula constitucional com um conteúdo como o proposto pelo PEV reveste-se de algum melindre e teria, na formulação que vem adiantada, as implicações que comecei por situar e que, além de estarem, ao que parece, fora das intenções dos proponentes, estariam seguramente além de qualquer margem de normação possível em sede constitucional, sob pena de gravíssimos equívocos em sede de relacionamento internacional do Estado Português. Quanto à alusão ao combate ao racismo, ao sionismo e ao apartheid, diga-se que a cláusula não é estritamente necessária para que Portugal honre as suas obrigações no plano internacional nestes domínios e, sobretudo, aquilo que decorre do artigo 7.° com a sua precisa redacção, sem lhe acrescentar uma vírgula, mas também sem lhe tirar nenhum conteúdo. A norma teria utilidade enfatizadora e precisadora.
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Em relação às propostas do PRD, creio que este, por um lado, partilha com o PSD (mas gostaria de ver isso fundamentado) a necessidade de abolir a referência ao reconhecimento por Portugal do direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo, o que é uma coisa que me deixa verdadeiramente estupefacto. Devo dizer que não iremos adiantar grandes considerações nesta matéria sem poder ouvir os proponentes. Ficará, então, para a segunda leitura de que falávamos há bocado. Aliás, talvez se justifique podermos prevenir os Srs. Deputados do PRD sobre a natureza deste debate e o seu conteúdo, porque não me parece que a proposta seja coerente.
O Sr. Presidente: - Isso será uma espécie de aplicação do princípio inquisitório no procedimento da Comissão!
O Sr. António Vitorino (PS): - Antes isso que reler as propostas do PE V!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que não é razoável estabelecer a regra de que o silêncio é aquiescência, salvo quando haja uma disposição expressa nesse sentido. Neste caso julgo até que há, pelo menos, uma presunção de inocência. Mantenhamos essa presunção até trânsito em julgado da sentença condenatória, a qual só há-de ser emitida após a audição dos proponentes. No caso concreto, não creio que possamos adiantar muito mais a discussão sobre essa matéria sem ouvirmos minimamente a fundamentação eventual da proposta.
Em todo o caso, quanto ao PRD, suscita-se não só esta questão como também aquela que decorre do aditamento do adjectivo "equilibrado" no n.° 2. Substitui-se a expressão "o desarmamento geral, simultâneo e controlado" por "o desarmamento simultâneo, equilibrado e controlado". Só que esse aditamento é precedido da alteração da expressão "Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão". E a substituição das fórmulas "imperialismo" e "colonialismo" por "dominação" implica uma mutação conceptual para a qual não vislumbramos fundamento bastante. Porém, não posso, também neste ponto, adiantar excessivamente razões, uma vez que não temos a produção de argumentos por parte dos proponentes. Idêntica razão me leva a não comentar algumas das propostas constantes dos projectos n.ºs 6/V e 5/V.
Quanto às propostas decorrentes dos projectos do PS e do PSD, gostaria de formular duas observações finais. Em relação à ideia de fazer o desenvolvimento do actual n.° 3, não me parece que validamente se possa objectar o que quer que seja, na medida em que desta alteração só resultará clarificação, sem qualquer perda de conteúdo. Quando muito, o aditamento da expressão "oficial" trará um ganho em termos de correcção e de rigor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Devo dizer que não estamos muito felizes com a consagração do verbo "manter", na medida em que o facto de a Constituição dizer que se mantêm laços especiais de amizade não nos parece revestir muito significado. O que são laços especiais de amizade? Significa que Portugal continua a ser amigo? A redacção actual tinha algum significado ao utilizar o futuro do verbo manter, ou seja, a promessa de que no futuro seria idêntico. Assim, na altura da apresentação de propostas iremos propor a expressão "privilegia". Trata-se de uma simples correcção gramatical, mas parece-nos que a expressão "privilegia" tem significado, contrariamente a "mantém".
O Sr. Presidente: - É provável que essa proposta consiga um consenso suficientemente alargado para nos evitar neste momento uma discussão sobre essa matéria.
Vozes.
O Sr. Presidente: - De facto, o verbo privilegiar parece-me francamente melhor.
Mas creio que o Sr. Deputado José Magalhães estava ainda no uso da palavra, não é assim?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta interrupção foi muito útil. No fundo, a expressão constitucional tem o sentido que desejam. Quando se diz que alguém mantém laços especiais isso é a própria instituição de uma relação privilegiada.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, o termo "manter laços de amizade" não é feliz. Mantenho a minha amizade para consigo. Isto dá a ideia que estava em dúvida que não a mantivesse. Se eu disser "eu privilegio", isso já tem algum significado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez, Sr. Deputado. Uma redacção desse tipo obrigará, porém, à reescrita de todo o preceito, porque, se se diz "Portugal privilegia as relações", é preciso reformular o segmento seguinte...
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A partir do momento em que se institua a ideia de privilegiar as relações ainda faz sentido á alusão a "laços especiais de amizade"? É redundante.
Em todo o caso, não haverá alteração conceptual. Essa é a questão basilar, para a qual importa estabelecer convergência.
Já não creio que seja tão fácil estabelecer uma convergência nos mesmos termos em relação à proposta constante do n.° 5, apresentada pelo Partido Socialista. A intervenção do Sr. Deputado António Vitorino é significativa das dificuldades a que daria origem uma norma deste tipo. Repare-se: por exemplo, o CDS, imbuído de uma mística europeísta, ergueu o respectivo estandarte e ferrou um n.° 3, que reza precisamente: "Portugal manterá laços especiais de amizade e de cooperação." Com quem? Primeiro "com os países de língua portuguesa" e depois "com os demais membros da Comunidade Europeia", o que até faz uma conexão perversa (é que dir-se-ia que os países de língua portuguesa são os outros membros da Comunidade Europeia!).
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O Sr. Presidente: - Quem sabe geografia percebe isso, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente, a geografia é boa. Trata-se apenas de mau português. A questão é a de saber se é uma boa ideia.
Receio francamente que não seja uma ideia excelente. Então, na interpretação do Sr. Deputado António Vitorino a ideia arrisca-se a ser extremamente confusa. Ele arrisca-se a parecer pan-europeísta e a erguer aqui o estandarte já não se sabe de quem. No meio da exposição, tal era a velocidade e a derrapagem ideológica, o Sr. Deputado António Vitorino já sentia o fantasma do general pairando "gaulesmente" por detrás da sua própria cadeira, já falava da Europa "do Atlântico aos Urais", o que não é totalmente impossível...
O Sr. Presidente: - Nos tempos da Perestroika não é, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sabemos a fundura da inspiração ideológica da proposta, mas também não me parece que seja essa!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O Papa também tem falado nessa Europa!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta do PS alude, pura e simplesmente, à Europa, à Europa tout court. Como se sabe a Europa não se esgota na dúzia comunitária, como se sabe que, para além desta, há no âmbito do sistema comum ou afim aos dos países das Comunidades outros que lá se inserem e que não estão dentro das comunidades europeias, mas pertencem seguramente à Europa, como se sabe que há outros países da Europa dignos desse nome e que são seguramente sujeitos de direito internacional em plenitude, de direitos e deveres, que não enjeitam a sua qualidade de detentores de um sistema que rompeu com o capitalismo...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado refere-se à Áustria, à Suíça, etc..?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. Na primeira parte é que me referi, entre outros, à Suíça!
A proposta parece-nos, em qualquer caso, indesejável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, a equivocidade é um dos méritos das diversas constituições. Portanto, não seria mau que ficasse assim mesmo. Cada um pensa na Europa que quer e depois se vê.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, o que é difícil é admitir que essa idolatria do albergue espanhol caiba bem na Constituição, em particular em matéria de relações internacionais. Aliás, é significativo que o PSD tenha sentido necessidade de diminuir a abrangência deste conceito que o PS aqui introduz...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, mas nós podemos encontrar uma fórmula que traduza a mesma ideia. Não somos contra isso. Como disse o Sr. Deputado António Vitorino, nós também não morremos de amor por essa formulação. A Constituição nada diz sobre a constituição da Europa comunitária. Portanto, pensamos que, pelo menos, poderíamos incluir aqui uma pequena nota. Aliás, fomos muito comedidos nisso e até estamos dispostos a votar contra todas as referências, nomeadamente aquelas que são propostas pelo CDS. Numa altura em que há um projecto europeu, que todos nós sabemos qual é, parece-me mal não se dizer nada. Nós não gostamos desta formulação. Os Srs. Deputados talvez também não gostem. Então, proponho que arranjemos outra.
O Sr. Presidente: - Falei, por exemplo, em reforço da identidade europeia. Poderia ser qualquer coisa desse tipo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Estamos abertos, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma formulação desse tipo, uma alusão abstracta e genérica ao reforço da identidade europeia suscita exactamente os mesmos problemas que a formulação do Partido Socialista, uma vez que, ao contrário de "Europa", sendo "europeia" um adjectivo, nem por isso deixará de ter de definir a que área, a que conceito preciso é que diz respeito.
O Sr. Presidente: - Mas não fala apertis verbis na organização política, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O preceito do Partido Socialista fala, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Penso que a ideia do reforço da identidade europeia, sem alusão aos aspectos da organização política, económica, social e cultural, tem essa vantagem de não especificar as fórmulas em que se traduz.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que essa não é uma vantagem, mas, sim, uma desvantagem.
Talvez eu esteja demasiado influenciado pelas reflexões lourencianas sobre o tema infinito "Nós e a Europa". A verdade é que, se começarmos a introduzir o debate do que seja a identidade europeia, do que sejamos nós e do que seja a Europa, do que seja a identidade portuguesa e europeia, o debate será fecundo, porventura extremamente interessante e longo. Em todo o caso, a sua transposição para o terreno constitucional, a sua transposição em termos de um recorte normativo que tenha o mínimo de significado e que traduza, portanto, uma directriz, será extremamente difícil de captar. Seria, em termos de desígnio político, alguma coisa que não poderíamos subscrever.
Em qualquer caso, o que me parece é que mesmo para quem arda de paixão pela causa europeísta, o que quer que ela signifique (quer signifique o Mercado Único, quer signifique a Federação Europeia, quer signifique Europa até ao meio ou até aos Urais), a questão do recorte constitucional oferece dificuldades praticamente insuperáveis. Pela nossa parte não sentimos
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que esteja aí uma causa pela qual valha a pena fazer um esforço. O esforço que consideramos fundamental está mais em outros sítios.
O Sr. Presidente: - Quer dizer, nessa matéria VV. Exas. já perderam o ardor dos constituintes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é exacto, Sr. Presidente. Nesta matéria os constituintes não tiveram, como se sabe, ardor nenhum. Deixaram a questão completamente de lado.
Portanto, a inserção de uma norma deste tipo não seria a reparação da "amnésia" - é que não houve uma amnésia, mas, sim, uma deliberada não consideração.
Por outro lado, a inserção de uma norma deste tipo nesta sede não resolveria a questão principal que em matéria de relacionamento com as Comunidades se coloca. Essa questão surge em outra sede e só poderia ser dirimida em outros termos. Felizmente não está proposta por ninguém a introdução de qualquer norma como a existente na lei fundamental alemã sobre essa matéria.
Como Diógenes, VV. Exas. andarão com uma candeia em busca da identidade europeia. Logo se verá! Pela nossa parte, de olhos em Portugal que acompanhamos a vossa particular sofreguidão nessa busca.
Gostaria de não deixar sem resposta uma observação feita pelo Sr. Presidente quanto ao alcance da releitura "perestroikica" do artigo 7.° Não será o Sr. Presidente personalidade suspeita para analisar essa matéria, dadas as suas funções em certa fundação! Por mim, só gostaria de fazer a seguinte menção: a Perestroika colocou e coloca algumas questões relevantes para se aferir da possibilidade de execução do n.° 1 do artigo 7.° da Constituição da República Portuguesa. É evidente que sim! Portugal não é pivot da condução internacional da solução pacífica dos conflitos internacionais. Também bom é que não sejamos espectadores passivos. É facto que houve, que há uma alteração e que é importante. É facto, por exemplo, que o Partido Comunista da União Soviética reviu o seu programa, no sentido de não prever mais que uma guerra nuclear seja um factor positivo à luta de classes na esfera mundial e que dela possa resultar alguma coisa de positivo para a luta dos povos pela sua emancipação contra todas as formas de opressão.
O Sr. Presidente: - Congratulo-me com esse facto, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é um facto, é uma alteração, é uma revisão programática, cuja transposição, de resto, para a Constituição, para a lei fundamental soviética está em curso, com o exacto desfecho que, como é natural, não somos capazes de imaginar. Em todo o caso, creio que isso só é positivo para que adquiram mais vigor na ordem interna internacional alguns dos princípios que em boa hora foram inscritos na Constituição de Portugal. Penso que é extremamente positivo que sejam mantidos como tais e não eliminados ou distorcidos.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que exprimo o sentido, o voto, o empenhamento do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não sei se a minha intervenção foi de deriva ideológica. Foi assim que, muito simpaticamente, o Sr. Deputado José Magalhães a rotulou. Provavelmente pensou que, tratando-se de princípios fundamentais, quando tocava a debandar a ideologia tudo tinha de ir bater à porta da deriva ideológica. Não sei se, pelo contrário, nos antípodas o Sr. Deputado José Magalhães não fez uma intervenção nebulosa, que constitui a manifestação de uma alergia epidérmica a tudo o que diga respeito à Europa.
O que quis significar na minha intervenção, que, em meu entender, não foi confusa, mas também reconheço que não foi excessivamente precisa, é que, como disse o Sr. Deputado Almeida Santos, nós quisemos deixar nesta nota a flexibilidade suficiente para a interpretação de várias realidades europeias, portanto nunca uma perspectiva redutora, mas, sim, ampliativa, que não se consome, de facto, nas Comunidades Europeias e que tem no plano cultural outras formas de afirmação: a Europa do Sul, a Europa mediterrânica, a Europa latina, que inclui, por exemplo, a Roménia...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O Conselho da Europa!
O Sr. António Vitorino (PS): - Por exemplo, Sr. Deputado. Até sob o ponto de vista social, a Europa dos trabalhadores, que é um conceito cada vez mais importante e mais relevante...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para já não falar na Europa dos monopólios, Sr. Deputado, que infelizmente é o conceito que apaixona certas forças com as quais o PS celebrou o seu acordo de revisão...
O Sr. António Vitorino (PS): - Aí diria do Atlântico aos Urais, contra a opressão dos trabalhadores, onde quer que ela se verifique...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Na Polónia, por exemplo!
O Sr. António Vitorino (PS): - Portanto, se há vantagem neste tipo de referência, é exactamente a da não precisão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, penso que é extremamente significativo das vantagens de uma norma deste tipo o comentário ou o aparte do Sr. Deputado Costa Andrade quando o Sr. Deputado António Vitorino discorria sobre esta matéria. É realmente espantoso como é que é possível alguém ver, mediante a simples alusão à palavra "trabalhadores", todo o universo de referências de carácter cultural e laboral que, de imediato, o Sr. Deputado Costa Andrade projectou na acta. Espero que isso fique registado na acta!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Também desejo isso, Sr. Deputado.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas aquilo que o PS propõe não é nada disso! Aquilo que, ao que parece, o Partido Socialista queria era uma flexibilidade que abrangesse várias realidades. São tantas e tais que se fica sem saber que realidades é que podem ser, são tantas e tais que podem variar em função do tempo, são tantas e tais que podem variar consoante a geografia, em função do aplicador. É a isso que se chama o tal "albergue espanhol", porque lá pode estar quem estiver e quem lá estiver traz e come o que trouxer. É essa a definição típica e específica de um conceito desse tipo. Qual é a vantagem de incluir um tal conceito ibero-alberguista na Constituição da República Portuguesa neste momento da sua história? Isto dá que pensar, Srs. Deputados. É que das duas uma: ou o conceito surge vestido e aparelhado com o conjunto de referências que há pouco levaram o Sr. Presidente a invectivá-lo, dizendo que "se há aqui qualquer alusão a qualquer opção federalista não contem connosco porque nós não pomos isso na Constituição" (aliás, nós também não), ou então o conceito não surge aparelhado com esses detalhes e ou é inoperativo, despojado de dimensão, de conteúdo, ou então tem conteúdos que poderão ser objecto de negativas refracções. Devo dizer que, cheio de curiosidade, fico à espera de saber que conceito é que trazem e, sobretudo, como é que o definem. É que se o introduzirem na Constituição terão de o definir. Isto nós garantimos!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, penso que essa sua intervenção é um pouco hipócrita, sobretudo quando se segue a uma anterior onde defendeu a manutenção da expressão "contra todas as formas de imperialismo". Sabendo perfeitamente o Sr. Deputado José Magalhães que cabem neste conceito várias interpretações...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. A expressão é "contra todas as formas de opressão".
O Sr. António Vitorino (PS): - "Todas as formas de imperialismo", Sr. Deputado, no artigo 7.°, n.° 2.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. A forma que está aqui é "nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo".
O Sr. António Vitorino (PS): - Como o Sr. Deputado sabe, na Assembleia Constituinte não foi dada uma interpretação unívoca ao termo "imperialismo". Portanto, o conceito de imperialismo que a Constituição acolhe foi explicitamente assumido pela Assembleia Constituinte como um conceito amplo, aberto, susceptível de ser integrado por várias formas concretas. Não sei por que é que o Sr. Deputado José Magalhães se bate pela defesa dessa fórmula aberta e, quando nós t propomos uma fórmula aberta para o conceito de Europa, lhe chama depreciativa, jocosa e hipocritamente "albergue espanhol".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, ao falar há pouco não me fundava na hipocrisia. Procurava fundar-me em algum princípio, coisa que - há-de reconhecer - de vez em quando faz falta!
Como o Sr. Deputado reconhece, a Constituição tem o seu sentido, que é o que decorre, no fundo, também do direito internacional, da sedimentação internacional e não tanto, provavelmente, do conflito apaixonado e conjuntural entre os adeptos da teoria dos "dois imperialismos" e os adeptos dos textos internacionais nessa matéria. Por exemplo, nessa altura o actual Secretário de Estado dos Negócios Estangeiros, Dr. Durão Barroso, batia-se fogosamente nas ruas de Lisboa, de spray na mão, pinchando as paredes com o slogan "abaixo o social-imperialismo soviético" e outras belezas do género. É evidente que hoje em dia não pincha coisa nenhuma, protagoniza linhas da política externa portuguesa.
Suponho que não é isso que é relevante para relermos o n.° 3 do artigo 7.° da Constituição da República Portuguesa. Não é isso que nos preocupa. Já há uma elaboração constitucional e doutrinária sobre a matéria e podemos conhecê-la. O problema é que o Partido Socialista propõe a introdução de um conceito ex novo e é sobre este que temos de emitir o seguinte juízo: é um conceito aberto ou é, pura e simplesmente, uma coisa indefinida? Há uma diferença! Um conceito aberto não é a mesma coisa que uma realidade indefinida, ou então ignoramos o elemento conceptual basilar.
A noção de Europa é um conceito aberto neste sentido? Creio que não! mais: as precisões que aqui foram feitas por várias bancadas, incluindo a do PSD, são de molde a colocar a exigência de clarificação que permita ao Partido Socialista apresentar-nos pelo menos uma fundamentação mais extensa e definida do que seja o conceito que pretende transpor para a Constituição. Foi isto que me limitei a dizer! É um acto supremo de "hipocrisia", de "hostilidade", de "antieuropeísmo militante", "insuportável"? Creio que não. Penso que quando se faz a introdução de um conceito novo na Constituição esta prevenção é elementar...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães ficará mais feliz se dissermos "Europa Ocidental"!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio que não, Sr. Deputado. Aliás, segundo percebi, VV. Exas. não querem isso! Se assim não é, então o que posso dizer é que o Sr. Deputado António Vitorino foi aqui um mandatário infiel, coisa que me inquieta muito, dadas as suas altas responsabilidades negociais...
O Sr. António Vitorino (PS): - O que me inquieta é que, por exemplo, o Sr. Deputado José Magalhães se recusa a ler o n.° 2 do artigo 7.°, onde se diz que "Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo". Portanto, já cá vem escrito apertis verbis e não há adquirido doutrinário possível que o possa contrabater que, por exemplo, uma das teses possíveis é essa mesma que acabou de referir. Não pode dizer que isso não caiba cá!
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, a sua argumentação é do tipo "alho, bugalho".
O Sr. António Vitorino (PS): - Esse é o tipo de argumentação do PCP em matéria de Europa, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, V. Exa. poderá ter uma vingança histórica a praticar quanto à questão do acerto de contas com "a Europa". Penso que essa vingança é injusta. Em todo o caso, quando V. Exa. fala dessa Europa, sabemos do que é que está a falar: estamos a falar das Comunidades Europeias, e nós sabemos o que é que estas são. Talvez não saibamos o que será o seu dever e seguramente não nos entendemos quanto ao modelo do seu desenvolvimento. Isso, porém, é totalmente diferente da inclusão da palavra "Europa" como tal, não caracterizada. É o que o Partido Socialista propõe. Parece-me uma evidência a falta de caracterização...
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas nós podemos caracterizá-la, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Partido Socialista dispõe-se a caracterizá-la, reduzindo-a...
O Sr. António Vitorino (PS): - É por isso que digo que a sua é uma argumentação hipócrita, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A nossa argumentação não será hipócrita, Sr. Deputado. A vossa proposta é que não é unívoca! Como acabou de se provar, é altamente equívoca!
O Sr. António Vitorino (PS): - É essa a sua vantagem, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Suponho que já estamos esclarecidos acerca do carácter, aberto ou não, da proposta e poderíamos passar agora ao artigo 8.°
No artigo 7.° ainda há uma proposta de aditamento de um número, apresentada pelo CDS, sobre limitações da soberania...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Estamos, já o dissemos várias vezes, contra qualquer referência expressa a limitações de soberania. Elas são óbvias e são ilícitas, mas de qualquer modo não vale a pena estarmos a consagrá-las na vitrine.
O Sr. Presidente: - Nós também não subscrevemos esta posição, nem qualquer outra com esta epígrafe "Limitações de soberania". Não nos parece útil inserir mais um artigo nesta matéria. Portanto, do nosso lado a indisponibilidade é clara e plenamente expressa.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não se encontram aqui os seus proponentes, mas parece que é inútil, pois em certa medida já cabe no n.° 3 do artigo 8.°...
O Sr. Presidente: - E, na medida em que não cabe, não convém que seja feita.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Vai longe de mais.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Tiraram-me as palavras da boca. Na parte em que não é inútil vai longe de mais. Parece que estamos de acordo, embora lamente que os proponentes não estejam presentes. Em todo o caso, não queria deixar de aproveitar a oportunidade para notar que, se, como o Sr. Deputado José Magalhães referiu, há, no que diz respeito ao artigo 7.°, uma certa aproximação do projecto do PRD em relação ao do PSD, também deve ser notada uma aproximação da proposta do CDS, da qual ninguém falou. Por memória e uma vez que agora aqui - artigo 7.°-A - somos contrários à alteração proposta pelo CDS, parece-me que é da mais elementar justiça notar o esforço que fizeram em relação ao artigo 7.°, embora também tenhamos algumas dúvidas sobre algumas das formulações. Parece-me que dentro do princípio, que sempre tento seguir, contido naquela velha divisa dos árcades inutilia truncai, a parte inútil não me parece que seja de apor; mais que inútil, torna-se pernicioso. Devo dizer que também no que se refere ao ponto anteriormente debatido, sublinhando o que disse o Sr. Presidente, cabia muito aplicar a referida divisa, porque - como o Sr. Deputado José Magalhães disse - transcrever princípios de direito internacional comum que já vigoram no nosso direito, lá porque estão em convenções internacionais, parece-me inútil. Há razões históricas, mas penso que...
O Sr. Almeida Santos (PS): - A principal razão é porque estão cá. Tinham um significado autónomo em relação à frase em si.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É uma razão um bocado conservadora, Sr. Deputado e meu amigo!
O Sr. Presidente: - É uma razão histórica.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Razão histórico-conservadora!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Uma vez por outra nós somos "conservadores"!...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Estou a ver que o são muitas vezes!
O Sr. Presidente: - Talvez agora, não sei se o Sr. Deputado José Magalhães...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quereria colocar uma questão, que é de calendário. Quando é que continuam os trabalhos?
O Sr. Presidente: - Encarariam VV. Exas. a possibilidade de recomeçarmos os trabalhos na terça-feira, às 15 horas e 30 minutos? Não?
Pausa.
Então, assim sendo, fica assente sexta-feira de manhã e na próxima semana, terça-feira, às 15 horas e 30 minutos, quarta-feira e quinta-feira de manhã e de tarde e sexta-feira de manhã.
Vamos passar ao artigo 8.° Em relação a este artigo, é V. Exa., Sr. Deputado António Vitorino, que
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faz a introdução sucinta da sua proposta, que é uma proposta simples, porque é, no fundo, apenas a supressão de um advérbio - "expressamente".
Tem a palavra, Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Propomos a supressão da expressão "expressamente" no n.° 3 do artigo 8.° Em nosso entender, trata-se de uma mera precisão técnica referente às condições de vigência na ordem jurídica interna do direito comunitário. Este vigora directamente na ordem jurídica interna, nos termos do n.° 3 do artigo 8.° decorrente da revisão de 1982, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos tratados constitutivos, o que naturalmente abrange, sem margem para dúvidas, os regulamentos comunitários, na medida em que, em relação a esse instrumento de direito comunitário, os próprios tratados constitutivos das Comunidades prevêem a sua aplicabilidade directa.
A questão que se pode colocar é a das chamadas directrizes directamente aplicáveis na ordem interna dos Estados membros, cuja aplicação directa não decorre dos tratados constitutivos, mas decorre, sim, da ulterior elaboração jurídica e jurisprudência!, ou seja, decorre não do direito comunitário originário, mas sim do direito comunitário derivado e da jurispridência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esta exigência da expressa previsão da aplicabilidade directa nos tratados constitucionais pareceria em contradição com a aplicação directa, na ordem jurídica interna, dessas directivas. Como entendemos que decorre do Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias a aceitação dos efeitos do direito comunitário na ordem jurídica interna, sejam eles direitos decorrentes dos tratados constitutivos, sejam eles efeitos decorrentes do direito derivado, entendemos que clarificamos as condições da aplicação do direito comunitário na ordem interna retirando o inciso "expressamente". Isto na medida em que vigorarão na ordem interna, directamente, aqueles instrumentos de direito comunitário previstos nos tratados constitutivos nas condições de eficácia determinadas no âmbito do mesmo direito comunitário. É este, e só este, o sentido útil da nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Suponho que a sua intervenção foi muito clara. Já agora, e dado não ter ainda inscrições, gostaria de tecer apenas duas ou três observações muito sucintas. Penso que no que diz respeito às directivas ou, como V. Exa. referiu, às directrizes é urna precisão que é útil. Todavia, como V. Exa. sabe, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, uma jurisprudência montada habilmente ao longo de vários acórdãos, acabou no fundo por se firmar, como não poderia deixar de ser, ainda em função dos tratados e de normas expressas nos tratados, de uma maneira forte, sem precisar dos legisladores nacionais. Quer dizer: a circunstância de o artigo do Tratado de Roma não mencionar senão os regulamentos não obstou a que na sua numerosa jurisprudência - acórdão Simmenthal e outros - viesse a pouco e pouco o Tribunal a especificar de uma maneira clara o âmbito e alcance do efeito directo, com todas as suas consequências. Algumas vezes fê-lo, até, em contraposição à jurisprudência dos Tribunais Constitucionais Alemão e Italiano e mais flagrantemente à mais teimosa jurisprudência do Conselho de Estado Francês. Mas afirmou, de uma maneira inequívoca, diversas consequências da aplicação directa ou do efeito directo em relação aos regulamentos e, com as limitações resultantes da sua própria natureza, quanto às próprias directivas.
Portanto, diria que não é fundamental na ordem jurídica portuguesa esta alteração para que se reconheça o efeito directo nas suas consequências habituais, e isso tem acontecido. Também aqui uma alteração pode suscitar alguma dúvida acerca de algo que se tem vindo a consolidar em termos similares àqueles que têm vindo a ser praticados pelos outros tribunais, designadamente, depois de 1984, na Itália e, depois de 1978, na República Federal da Alemanha, com excepção um pouco da França, que ainda mantém uma posição menos clara a esse respeito, e é a orientação claramente seguida, por exemplo, nos tribunais belgas.
Estou de acordo com a ideia explicitada por V. Exa. Percebo a razão, parece-me que é uma razão justificada, só tenho, em termos de oportunidade legislativa, esta dúvida, isto é, se ainda valerá a pena. V. Exa. acha que a experiência jurisprudencial portuguesa, os actores que se movem no ordenamento jurídico português, incluindo não apenas os tribunais mas também os órgãos da Administração, os cidadãos em geral, carecem desta precisão para interpretar o efeito directo das directivas, nos termos que são definidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, ou se, pelo contrário, esse efeito já está obtido? Porque, se esse efeito já está obtido, a dúvida que se põe é a da utilidade do aditamento. Digo isto sem nenhum intuito critico, tenho realmente essa dúvida. Percebo o problema. Julgo que ele se poria com muita acuidade de início. Interrogo-me sobre se alguém suscitará, com possibilidade de êxito, a circunstância de haver o advérbio "expressamente" - como no artigo 255.° do Tratado se fala apenas nos regulamentos, e às directivas não é atribuída essa característica -, se por aí seria possível fundamentar a negação do reconhecimento do efeito directo às directivas, fora, repito, das condições cautelosas em que, apesar de tudo, o Tribunal das Comunidades define esse efeito directo quanto às directivas.
O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que, quase provocatoriamente, respondia dizendo: não é um problema de saber se ainda valerá a pena, é um problema de afirmar que pois agora é que começa a valer a pena...
O Sr. Presidente: - Agora com os problemas que estão a surgir no ordenamento jurídico português! É isso que V. Exa. quer dizer?
O Sr. António Vitorino (PS): - Todos nós temos consciência disso, de que o protagonismo jurídico europeu dos agentes económicos e dos agentes sociais portugueses agora é que começa verdadeiramente a despontar. É que todos temos conhecimento de situações em que, por pura ignorância ou falta de informação, entidades económicas e sociais portuguesas não invocam disposições comunitárias de que poderiam beneficiar junto de juizes nacionais, nuns casos por desconhecerem a possibilidade de invocarem esses normativos e noutros por receio de que o juiz nacional não esteja
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suficientemente sensibilizado e preparado para aplicar ao caso concreto esses normativos de que poderiam beneficiar decorrentes do direito comunitário.
Aliás, gostava de precisar que a proposta é uma mera correcção técnica e dela não resultará nenhuma ilegitimação das directivas que entretanto tenham sido validamente aplicadas a Portugal, na vigência da redacção actual do artigo 8.°, pois que não houve nenhuma acção de declaração de inconstitucionalidade das mesmas - penso, aliás, que não está nenhuma pendente no Tribunal Constitucional - e naturalmente que não haveria sequer consequência, para o passado, desta precisão que é introduzida. Para futuro, é apenas uma indicação de que o ordenamento jurídico português acompanha a dinâmica do ordenamento jurídico europeu e da construção jurídica europeia.
O papel fundamental aí não cabe ao legislador da Constituição, ou ao legislador de revisão constitucional. Não é por essa via que se poderão obter os efeitos mais relevantes. Há Constituições que consagram normas de expressa assunção de restrições à soberania - um pouco ao estão do artigo 7.°-A do CDS -, e o próprio projecto do Dr. Francisco Sá Carneiro, apresentado, a título pessoal, em 1980, previa uma norma onde expressamente se fazia referência a esse aspecto: "Portugal aceita as restrições de soberania decorrentes da adesão às Comunidades Europeias" (cito de cor). O que dizemos sobre essa dimensão é que são questões que vão ter que ser assumidas na prática legislativa dos órgãos de soberania e sobretudo pela actuação dos próprios tribunais. Não há aqui nenhuma tomada de posição sobre, por exemplo, a questão da primazia do direito comunitário; sobre a questão do âmbito do conceito de normas; sobre o papel do juiz nacional como juiz comunitário; sobre o problema da inaplicação da norma interna contrária ao direito comunitário superveniente ou previamente existente; ou sequer sobre a obrigação da derrogação dessas normas internas, que decorreria para os órgãos competentes dos Estados membros de uma declaração de desconformidade de direito interno com o direito comunitário. Esse é o grande mundo das questões, que terá de ser dirimido pela prática dos órgãos de soberania, pela prática dos tribunais, pela prática do próprio Tribunal Constitucional. Portanto, penso que a benfeitoria é limitada, e nesse sentido, assim como dela não vem ao mundo nada de espantoso, também não vejo grandes riscos quanto a eventuais situações já constituídas e consolidadas no plano do ordenamento interno. Mas naturalmente, sempre se deveria entender que essas situações estão consolidadas no direito interno, até porque são constitutivas de direitos para os particulares. Mesmo que se considerasse que durante um período a aplicação da directiva com efeito directo era inconstitucional, o direito dos particulares dela eventualmente decorrente nunca seria afectado, na medida em que sempre poderiam ser accionados junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias os mecanismos tendentes ao seu pleno reconhecimento por parte da ordem jurisdicional comunitária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino pôde enunciar os propósitos do PS
neste domínio. Em todo o caso, não nos trouxe senão a preocupação de circunscrever o alcance da proposta reduzindo-a praticamente a um pequeno acerto técnico que, como teve ocasião de sublinhar, não afectaria sequer direitos de particulares dadas as especificidades e condicionalismos que presidem à vigência do direito comunitário na ordem interna portuguesa. Contudo, não deixou de enunciar, simultaneamente, todo um complexo magno de questões que têm vindo a ser afloradas a propósito deste artigo e, em geral, a propósito da problemática do direito comunitário.
Creio ser extremamente difícil que muito do debate sobre esta matéria não seja dominado pelos temas daquilo a que chamou (aliás, creio que correctamente) grande mundo do direito comunitário. Estará, porventura, bem aferido, bem assegurado, bem garantido, bem clarificado, que a vossa proposta diz respeito ao pequeno mundo e que o PS não abre, por esta via, as portas para um outro universo em que por de mais proliferam concepções escoradas tanto numa ignorância basilar das ordens jurídicas e da natureza própria dos direitos nacionais como numa maximização, empolamento, e quase diria congeminação empolativa, do que seja direito comunitário e o seu chamado primado, que conduzem a uma visão destorcida daquilo que é, na relação normal entre as Comunidades e os países membros, o direito justo, a forma de relacionamento inevitável, a partir do momento em que há um dever de lealdade comunitária.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de esclarecer o sentido da sua intervenção. O Sr. Deputado António Vitorino, a meu ver, explicitou de uma maneira clara que o objectivo era apenas o de tornar iniludível o efeito das directivas. Obviamente, quanto ao significado desse efeito directo, quer no caso das directivas, quer no caso dos regulamentos, deixou a questão imprejudicada. E efectivamente, tal como está formulado, assim é.
Quer V. Exa., através da sua intervenção, no fundo, referir que, para além disso, não é possível tocar na questão do efeito directo das directivas sem colocar os problemas da constitucionalidade da norma interna posterior, os da invocação da inconstitucionalidade em matéria de direitos fundamentais, eventualmente postos em causa por normas comunitárias, etc..? É essa a questão que V. Exa. pretende colocar?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, gostaria apenas que não se tomasse por simples aquilo que é complexo e que ao penetrarmos no "pequeno mundo" do PS não estivéssemos, porventura por equívoco, a abrir portas para que outros, menos bem intencionados do que seguramente todos nós, penetrassem no grande mundo a que o Sr. Deputado António Vitorino fez referência.
E, se V. Exa. me permite, concretizo nos seguintes sentidos: por um lado, quando falamos do efeito directo das directivas, estamos a tocar um dos temas mais polémicos da elaboração do direito comunitário nos diversos planos (doutrinal, jurisprudencial), no próprio relacionamento directo entre os Estados, e, por outro lado, estamos a tocar um dos temas mais dominados por alguns, não só dos ditames como, até, dos mitos e mitologias da realidade comunitária. Há quem, a propósito deste tema, desenvolva todo um conjunto de fo-
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gosas concepções sobre a natureza jurídica das Comunidades, sobre as características do direito comunitário, sobre a superação e inaplicabilidade das teorias do monismo, do dualismo, da transformação própria do direito internacional ao direito comunitário, sobre a tipificação do acto comunitário, sobre a natureza, o alcance e o âmbito das directivas, sobre o sentido próprio das próprias directivas, sobre o que é que seja o próprio espírito de "lealdade comunitária" na execução das directivas...
O Sr. Presidente: - É a Verfassungstreue.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a Gemeinshaftstreue...
De facto há quem desenvolva concepções também sobre a violação das normas comunitárias directamente aplicáveis e sobre a qualificação da natureza jurídica dessa violação, ou seja, se a violação da obrigação legal deve ser sancionada, se origina responsabilidade civil ou não para o violador, e em que termos, etc. ... Sobre a matéria, a doutrina e a jurisprudência são conhecidas. Trata-se de saber em que ponto é que nós, Portugal, ficamos.
Seria útil, creio, que o PS situasse bem claramente qual o juízo que faz sobre o estado actual da aplicação do direito comunitário em Portugal, ao propor o que propõe. O relatório da Comissão das Comunidades Europeias ao Parlamento Europeu sobre o controlo da aplicação do direito comunitário (o último de que tenho conhecimento refere-se a 1986), o relatório que em nome da Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos foi elaborado pelo Parlamento Europeu e que é o documento A20305/87, não diz ainda respeito a Portugal e Espanha, porque esse não podia ser, à data, o objecto do relatório das Comunidades. Não disponho, portanto, de uma leitura do estado de aplicação do direito comunitário em Portugal feito a partir das Comunidades. Em todo o caso, seria útil que o PS, que isto propõe, nos trouxesse um juízo ou uma leitura sobre esse estado de aplicação e sobre as consequências potenciais de uma norma deste tipo.
Em segundo lugar, estou, evidentemente, ciente de que, se se clarificar, apenas clarificar, que as directivas existem como acto típico do direito comunitário, não traremos, quanto me é dado perceber por inserção constitucional, qualquer apport significativo para a polémica jurisprudencial e política em curso sobre esta matéria. Se!
O Sr. Presidente: - É essa a ideia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse contributo ex novo será nulo, na medida exacta em que, como se sabe, os actos comunitários são uma realidade não fixa, não cristalizada. A própria definição do que sejam regulamentos, do que sejam directivas e do espaço próprio de cada uma das figuras, de cada um dos actos típicos de direito comunitário, sofre alteração. Suponho que ninguém sustenta, hoje em dia, uma cristalização dessas duas noções, e, pela nossa parte, não alimentamos nenhuma ilusão sobre quais sejam as razões fundas que levam a que se procure rearranjar aprovações de directivas que substituam a aprovação de verdadeiros e próprios regulamentos. Sabemos também que esses rearranjos não poderão, em qualquer caso, conduzir a uma situação em que houvesse a supressão das directivas em benefício dos regulamentos ou o alargamento indébito do papel das directivas para evitar regulamentos propriamante ditos.
Creio igualmente que seria impossível ter-se uma consideração desta matéria situada nos quadros típicos duma certa dogmática jurídica que começa com um hino às Comunidades e acaba com um "viva a Europa", deixando de lado essa realidade que é as relações de forças existentes entre os diversos Estados membros de que a Comunidade é expressão.
Creio que alguém dizia com alguma razão, analisando a evolução da jurisprudência comunitária nesta matéria, que depois do caso Ratti as coisas não eram susceptíveis de serem lidas da mesma forma e que certas ilusões seriam sem dúvida quebradas. Por outro lado, creio que andavam bem aqueles que assinalavam que os esforços para conceber um crescendo daquilo a que alguns chamam supranacionalidade no plano normativo por vezes ocultam aquilo que é um recuo no plano decisional. Alguém sublinhava, com razão, que o processo decisional no seio das Comunidades revela que a vontade dos Estados não se extinguiu com a assinatura uús uãLãuos: os Estados mantêm ú seu poder de, só eles e através dos órgãos próprios, determinar a revisão dos tratados comunitários. São os tratados que determinam o tipo de actos normativos, o seu valor, e não há em poder das Comunidades outros meios, outras formas, que não aqueles que os próprios tratados instituem para fazer vigorar e para impor na ordem jurídica dos Estados membros' os actos típicos de direito comunitário. Essa é a situação que não é alterável a qualquer golpe de batuta mágica normativa, neste ou em qualquer outro artigo da Constituição. Em todo o caso, seria útil que o PS pudesse, pelo menos, precisar alguns dos pontos que procurei aflorar.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, não gostaria de transformar este debate acerca de um advérbio (embora importante) numa discussão sobre a dogmática do direito comunitário e a sua jurisprudência, aliás muito interessante. Compreendo e aprecio que todos os Srs. Deputados se preparem devidamente e revelem os seus conhecimentos nesta matéria. Aliás, depois da exposição feita pelo Sr. Deputado António Vitorino acerca da carência de conhecimentos em matéria de direito comunitário por parte de alguns dos nossos agentes do ordenamento, digamos assim, é bom que os deputados dêem o exemplo no sentido de que pelo menos eles estão bem conscientes das correntes jurisprudenciais e dos principais problemas. Muito folgo na medida em que isso demonstra a afincada preparação de que estes debates são objecto.
Todavia, não devemos perder o sentido da matéria em discussão e penso que é um pouco excessivo - mas veremos o que diz o Sr. Deputado António Vitorino - pedir-lhe que faça uma exposição sobre o princípio da aplicação directa em geral e a evolução doutrinal havida sobre o assunto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas pode ficar para sexta-feira!
O Sr. Presidente: - Mesmo para sexta-feira, Sr. Deputado! Essa exposição fica mais adequada numa conferência sobre esta matéria do que a propósito, circunscritamente, da matéria objecto do nosso debate.
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Gostaria também de referir algo sobre o qual não acompanho o Sr. Deputado José Magalhães. Julgo que a Constituição deve consagrar aquilo que é absolutamente indipensável e não se imiscuir em debates doutrinais complexos, relativos a questões ainda muito em aberto e sobre as quais, como, aliás, muito bem referiu, V. Exa. encontra posições díspares não apenas de autores de diferentes nacionalidades mas de autores nacionais para autores nacionais e, até, interpretações diferentes da jurisprudência nacional de cada um dos países.
Consequentemente, se bem que compreenda o interesse com que V. Exa. se debruça sobre este problema - aliás, acompanho-o nesse interesse -, gostaria no entanto que nos limitássemos àquilo que seja fundamental para a compreensão e avaliação da proposta socialista e, portanto, para, em última análise, nos decidirmos perante ela. Salvo se V. Exa. tem a intenção (que, aliás, não lhe pretendo coarctar) de apresentar propostas mais vastas nesta matéria, caso em que seria muito vantajoso podermos, porventura, aguardar a respectiva formulação para, de uma maneira mais amadurecida, nos pronunciarmos sobre elas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Muito sucintamente, iria ater-me a dois pontos fundamentais, o primeiro dos quais é concordar com o Sr. Deputado José Magalhães em que a proposta do PS não abre portas para nenhum outro mundo, embora, de certeza absoluta, o Sr. Deputado José Magalhães e eu estejamos em profundo desacordo sobre quais sejam as portas que para esse outro mundo já hoje estão abertas pela Constituição e pelo ordenamento jurídico português.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Sr. António Vitorino (PS): - A lógica da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães era a seguinte: sobre o primado, nenhuma porta aberta, e esta também não a abre. A minha posição é contrária e está expressa num escrito que, há tempos atrás, publiquei: sempre defendi que o primado era uma "questão existencial" do próprio direito comunitário, uma decorrência normal do facto de pertencermos a uma organização com as características de uma organização supranacional como são as Comunidades Europeias e uma condição fundamental de operatividade do ordenamento jurídico comunitário no seu conjunto. É a delimitação das condições de efectivação do primado do direito comunitário face ao direito interno que, em meu entender, é susceptível de interpretações mais amplas ou mais restritivas a cargo dos órgãos de soberania, sobretudo dos tribunais e, desde logo, do próprio Tribunal Constitucional.
Mas trata-se da minha concepção pessoal, mera doutrina pessoal, e o PS, como é evidente, não está suposto de ter doutrina feita ex cátedra sobre o primado do direito comunitário, na medida em que julgo que não se deve exigir aos partidos políticos a função de "intelectuais orgânicos" das grandes questões do direito e da jurisprudência. Assim, é inútil tentar amarrar o PS a esta ou àquela interpretação doutrinária de um deputado do PS que, por acaso, tem uma posição pessoal sobre essa matéria, neste caso, até não coincidente com a posição defendida pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Não creio que o direito comunitário esteja também tão decrépito quanto faria pensar a citação que o Sr. Deputado José Magalhães leu. Todos os tribunais constitucionais europeus, designadamente o alemão e o italiano, que no passado defenderam, por exemplo, a primazia do direito interno, inclusivamente o direito constitucional, sobre o direito comunitário, vieram, progressivamente, a recuar nas suas posições, por imposição das decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Esse é, digamos assim, o apport mais recente, e creio que desde há cerca de dois ou três anos não existe nenhuma sentença de nenhum tribunal constitucional europeu que mande não aplicar uma norma de direito comunitário com fundamento em violação da Constituição do respectivo Estado membro. Mas também reconheço que não se trata de uma situação consolidada, e não estou a dar este estádio como adquirido, mas, sim, a defender que deixemos a flexibilidade da vida encarregar-se do esclarecimento das evoluções e das involuções deste tipo de problemas e que não coloquemos também, à partida, nenhumas baias rígidas.
Há questões que me preocupam mais, como seja a subversão do quadro constitucional de competências dos órgãos de soberania, provocada pela transferência de competências em benefício dos órgãos comunitários - e aí estou de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães -, isso preocupa-me, de facto, tal como me preocupa a entropia das formas de decisão das instâncias comunitárias e a confusão que essa situação lança sobre o próprio direito comunitário, que é um direito nascente, hesitante, em que a tipificação das normas está por fazer, em que está por determinar a sua conformação jurídica, em termos de natureza e em termos de eficácia total. Todas estas questões me preocupam, mas fazem parte do caminho da construção europeia. Não há Constituição que possa impor baias ou balizas a essa evolução, uma vez aceite o princípio de pertencer à Comunidade.
A solução radical é sair das Comunidades, e, nesse aspecto, a Sra. Thatcher tem toda a razão num discurso político claríssimo em que sublinhou os vícios, os riscos e as prevenções que perfilha sobre a construção europeia. O que é a dinâmica futura do direito comunitário neste momento? Não posso responder com toda a segurança por ela. Por exemplo, seria útil meditarmos na sentença de 15 de Outubro de 1976 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias num caso da Comissão contra a Itália sobre a liberdade de estabelecimento, onde, por exemplo, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias vai ao ponto de determinar que a mera inaplicacão da norma interna contrária ao direito comunitário não é já suficiente para satisfazer a obrigação que os tratados constitutivos postulam de os Estados membros acatarem o direito comunitário e postula que da decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias resulta uma verdadeira e própria obrigação para os Estados membros de derrogarem a norma interna contrária ao direito comunitário, pelos meios processualmente adequados no plano constitucional de cada um desses Estados. É a sentença mais recente de que tenho conhecimento sobre esta matéria e que visa, exactamente, responder ao problema - cito - "da frágil operatividade do prin-
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cípio da aplicabilidade directa do direito comunitário", reconhecida pelo próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias nessa sentença.
Para concluir, apenas posso dizer que estamos num terreno em que a dinâmica é a sua maior virtude e, provavelmente, o seu grande defeito, na óptica do Sr. Deputado José Magalhães. A Constituição não abre nem fecha portas nenhumas nesta matéria, e, em meu entender, a alteração que o PS propõe é ínfima, é uma gota de água no oceano, apenas uma mera correcção técnica a uma situação que, de tão evidente, me parece merecer acolhimento. Todo o outro mundo fica para a vida, e a vida às vezes ensina muito às próprias Constituições.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pretendia fazer uma pergunta ao Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. Deputado António Vitorino, subtilmente, deslocou o eixo da discussão tia problemática do possível efeito directo das directivas (tema polémico em torno do qual se esgrimem concepções diversas e sobre o qual se fazem igualmente interpretações diversas quanto à natureza, quanto às condições, quanto aos requisitos, quanto às implicações, quanto às formas de sancionamento e quanto á ausência delas) para a problemática geral do direito comunitário. Creio que é mau que isso aconteça e deveríamos centrar-nos mais neste terreno específico, porque, segundo o Sr. Deputado António Vitorino, é só nele que a proposta do PS se desloca.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, nada de mal-entendidos: só fui para aqueles outros terrenos porque o Sr. Deputado José Magalhães os enunciou. Mas sublinhei que o fazia a título pessoal, sem vincular o PS, como posição doutrinária, vaidade - diria aqui o Sr. Presidente - de alardear conhecimentos talvez mal consolidados, mas só porque o Sr. Deputado José Magalhães me convidou.
O Sr. Presidente: - Eu não diria tal coisa.
O Sr. António Vitorino (PS): - Só porque me convidou, porque, quanto ao efeito da nossa proposta, é só esse, nada mais. E é a esse que nós nos atemos e é sobre esse que o PS tem posição.
O Sr. Presidente: - Não percebi bem o problema que V. Exa. colocou: para além da questão do alargamento, o PS recusa a ideia de que as directivas devem ter efeito imediato?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao que possa ser o efeito directo das directivas, há, desde logo, uma extraordinária necessidade de precisão de conceitos, uma vez que nem a mais "europeísta" das oritentações nessa matéria se pronuncia pela produção de efeito directo em quaisquer circunstâncias. E, pelo contrário, há uma apertadíssima grelha tendente a precisar em que circunstâncias é que tal poderá acontecer, sendo certo que, para além disso, há toda uma melindrosa e labiríntica rede de implicações nas hipóteses de eventual desconformidade, e, designadamente, a questão do sancionamento passa por meandros que são tudo menos simplórios...
O Sr. António Vitorino (PS): - Nisso estou totalmente de acordo. Trata-se apenas de abranger as directivas que sejam directamente aplicáveis pela sua natureza, isto é, aquelas que não carecem de integração no plano do direito interno por nenhum acto de um órgão do Estado membro, porque são constitutivas de direito dos particulares ipso facto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, como o Sr. Deputado António Vitorino sabe, não se esgotam aí os requisitos para a admissão de um efeito directo.
O Sr. António Vitorino (PS): - Certo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há outros requisitos, designadamente alguns que não têm a ver com a natureza das directivas, que terão a ver com o esgotamento do prazo de execução ou com outros mecanismos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Está bem, mas isso é a regra geral: aplica-se a todos os instrumentos de direito comunitário que têm efeito directo. Estava só a dizer qual era o quid específico das directrizes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, como V. Exa. sabe (e só para citar uma jurisprudência que, aliás, foi referida por V. Exa., porque citou a sentença Ratti e a sentença Simmenthal da Comissão versus Bélgica de 6 de Maio e a Ursula Becker de 19 de Janeiro de 1982), a expressão que costuma ser utilizada nessa jurisprudência é esta: "pode reconhecer-se efeito directo a uma directiva em todos os casos em que as disposições de uma directiva apareçam, do ponto de vista do seu conteúdo, como incondicionais e suficientemente precisas; nesse caso estas disposições podem ser invocadas, na falta de medidas de aplicação adoptadas nos prazos devidos, contra qualquer disposição nacional não conforme à directiva, ou enquanto são susceptíveis de definir direitos que os particulares possam fazer valer em face do Estado", Portanto, é, sobretudo, dentro desta ideia que as directivas têm limitações. Agora, o que o PS quer dizer, na sua proposta, suponho ser isto: em princípio não é a circunstância de um determinado preceito comunitário ser qualificado como uma directiva que obvia a que tenha efeito directo. Agora, os termos exactos em que tem efeito directo, também, diga-se de passagem, em relação aos próprios regulamentos, não é tão líquido. Há que consignar os termos exactos em que têm efeitos directos - e V. Exa. teve oportunidade de referir essa questão. Mas isso é uma matéria que é conhecida, não só nas zonas de convergência como nas zonas onde há dúvidas. Nós estamos aqui a circunscrever-nos apenas, suponho, à questão básica de saber se é ou não conveniente que se clarifique que, pela circunstância de um determinado preceito comunitário ser qualificado como directiva, isso não exclui a priori os seus efeitos directos - suponho ser isto, em rigor, aquilo que traduz a proposta socialista. Sobre isso é que teremos que nos pronunciar; teremos que nos pronunciar sobre outras coisas, se o Sr. Deputado
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José Magalhães ou outros Srs. Deputados apresentarem propostas que ponham essas questões. Agora não me parece, salvo o devido respeito, que se justifique (embora muito me agradasse assistir e até, eventualmente, participar numa discussão desse tipo) estarmos a discutir toda a problemática da prevalência da ordem internacional sobre a ordem interna, das eventuais restrições dessa superioridade, dos princípios da competência, etc.., que são coisas que não têm a ver com esta proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o meu esforço foi precisamente no sentido de que ficasse inteiramente claro que não tinham.
O Sr. Presidente: - E eu apreciei esse esforço. A minha observação é uma modesta contribuição, em convergência com o seu esforço.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Os limites da convergência são os decorrentes da leitura final sobre tal matéria, a qual se arrisca a ser divergente. Em todo o caso, não será negativo, apesar de tudo, que mais uma vez se certifique o que cá não está! Quanto ao que cá esteja, haveremos de ter que fazer apuramentos ulteriores, uma vez que, como se sabe, a própria polémica sobre o suporte nos tratados de algumas das outras considerações que aqui foram feitas é uma polémica acesa, porventura inextinguível. Suponho que não haveríamos de ter, qualquer um de nós, a pretensão de a encerrar hoje às 19 horas e 50 minutos. Teremos ocasião de procurar aprofundar pontos de vista sobre esta matéria noutras sedes ainda. Não perco a esperança de que o PS ainda clarifique mais o que é que cá não está, independentemente das considerações que cada um de nós possa fazer noutras sedes sobre o que cá está.
O Sr. Presidente: - Suponho que já estamos em condições de "atacar" o artigo 9.° hoje.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Diz muito bem V. Exa., porque é de um ataque que se trata, nas propostas do PSD e do PS.
Risos.
O Sr. Presidente: - E, portanto, recomeçaríamos os nossos trabalhos na sexta-feira às 10 horas. Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 2 de Novembro de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Albuquerque (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD.
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento M. da Costa de Macedo e Silva (PSD).
Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).