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Quarta-feira, 25 de Janeiro de 1989 II Série - Número 68-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 66
Reunião do dia 13 de Dezembro de 1988
SUMÁRIO
Concluiu-se a discussão e votação do artigo 26.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Procedeu-se a nova discussão e à votação dos artigos 28.° e 29.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Iniciou-se a nova discussão e a votação dos artigos 27.°, 30.° e 32.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Herculano Pombo (PEV), José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Vera Jardim (PS), Raul Castro (ID), Pedro Roseta (PSD) e António Vitorino (PS).
Foram os seguintes os resultados das votações realizadas: n.º 4 do artigo 27.° proposto pelo CDS, n.º 4 do artigo 27.° proposto pelo PCP e n.° 2 do artigo 28.° proposto pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP, da ID e do PVE; n.° 3-A do artigo 27.º proposto pelo PCP - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS, os votos a favor do PCP e da ID e a abstenção do PEV; n.ºs 1 e 4 do artigo 26.° proposto pelo PEV - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP, da ID e do PEV; proposta de substituição do n.° 1 do artigo 26. ° apresentada pelo deputado Pedro Roseta (PSD) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP, da ID, do PEV e dos deputados Pedro Roseta (PSD) e José Luís Ramos (PSD); n.º 3 do artigo 28.°proposto pela ID - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP, da ID e do PEV; proposta de substituição do n.º 7 do artigo 29.º apresentada pelo PCP - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID as abstenções do PSD e do PS; proposta de substituição do n.° 5 do artigo 30.° apresentada pelo PS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP e da ID; n.° 5 do artigo 30. ° proposto pelo PEV - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP e da ID; n.° 6 do artigo 30.° proposto pelo PEV - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e a abstenção do PS; n.º 4 do artigo 32.° proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID; n.º 4 do artigo 32.° proposto pelo PCP e n.º 8 do artigo 32.° proposto pela ID - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP, da ID e do PEV e a abstenção do PS; n.° 9 do artigo 32.º proposto pelo PCP - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PS e do PEV.
Em anexo à presente acta, são publicadas propostas de substituição do n.º 1 do artigo 26.° (PSD), do n.º 3 do artigo 28.º (ID), do n.° 5 do artigo 30.° (PS-PCP) e dos artigos 32.°-A (PCP-PS) e 33.° (PSD).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que deixámos em aberto a discussão da proposta do PEV para o artigo 26.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Já que o Sr. Deputado Pedro Roseta manifestou também a intenção de participar activamente neste debate, permitia-me solicitar ao Sr. Presidente que passássemos à frente, voltando a este artigo quando o Sr. Deputado Pedro Roseta estiver presente.
O Sr. Presidente: - Vamos então passar ao artigo 27.°, em relação ao qual existe uma proposta do CDS para a alínea c) do n.° 3, no sentido de que se consagre a exigência de recurso para o Tribunal Militar competente. Há outra proposta pelo CDS para o n.° 4, incluindo os incisos "de forma compreensível" e "bem como dos seus direitos".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Consoante V. Exa. poderá verificar, o CDS retirou a primeira proposta no dia 20 de Abril de 1988.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, é mais uma a menos. Vamos então passar ao n.° 4: "Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua detenção ou prisão, bem como dos seus direitos".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que este é um dos casos em que se suscita uma questão geral, um problema que poderá vir a surgir no futuro, também. Talvez seja bom trocarmos impressões sobre o que fazer em tais circunstâncias. O CDS e o PCP têm uma proposta coincidente numa parte e afim noutra. Talvez fosse possível sondar a disponibilidade das diversas bancadas quanto ao modo de proceder, porque, se houver uma inclinação favorável à introdução de algum aditamento à Constituição neste ponto, talvez se pudesse trabalhar num texto de substituição, elaborado ad hoc, fundindo conteúdos generalizadamente aceitáveis. Se não se fizer isso, obviamente também o resultado poderá ser feliz, no sentido exacto de que poderá haver uma justaposição de conteúdos normativos. Se se aprova a proposta do CDS e, a seguir, se aprova outra do PCP que tem um quantum a somar à anterior, é evidente que o resultado terá de ser objecto de fusão em sede de redacção. Mas creio que talvez fosse melhor caminharmos no outro sentido, até porque poderá não haver acordo de certas bancadas quanto a essa justaposição; e poderá haver acordo, pelo contrário, em relação à outra solução.
O Sr. Presidente: - Acho muito bem que se tente uma formulação que possa colher o que há de bom nas duas propostas no sentido de se poder obter uma
votação favorável. Desde já me pronunciaria - e começo por aí - no sentido de que estaríamos dispostos a votar os incisos "de forma compreensível" e "dos seus direitos". Não estriamos dispostos a votar "de fornia rigorosa". Aí têm, desde já, a nossa disposição de voto. Gostaria de ouvir o PSD sobre esta matéria. Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Na primeira leitura, pronunciámo-nos contra o aditamento proposto a este artigo, com base numa razão simples, que me permito recordar: quando a Constituição diz que toda a pessoa privada da Uberdade deve ser informada das razões da sua prisão ou detenção, entendemos que a pessoa ou é informada de forma compreensível, ou não é sequer informada; se não há comunicação que estabeleça uma certa comunidade de linguagem entre quem informa e quem é informado, não há informação.
O Sr. Presidente: - O nosso receio é o de que não haja! Queremos clarificar as expressões, precisamente para evitar que uma pessoa seja informada em termos técnicos de tal maneira que se cumpra o requisito legal mas com um efeito nulo, senão negativo. Penso, portanto, que esta precisão seria a favorável à informação, tal como se quer que ela seja - uma informação acessível a quem a recebe. Creio que não perderíamos nada com isto.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Estamos de acordo que informar é isso...
O Sr. Presidente: - De qualquer forma, não são contra o acrescento "de forma compreensível". E quanto a "dos seus direitos"?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se mexermos no texto, podemos acrescentar isso, mas não há dúvida de que informar é precisamente dizer quais os direitos que a pessoa tem e as razões da privação da liberdade. O nosso voto seria tendencialmente contra, mas não queríamos que fosse...
O Sr. Presidente: - E quanto à "forma rigorosa"?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quanto a esse inciso, achamos que é excessivo e que pode, aí sim, acarretar alguns inconvenientes. Se introduzirmos a expressão "de forma rigororosa", é natural que se torne necessário haver um intérprete em cada esquina para a interpretar. Isso pode suscitar problemas extremamente difíceis. O que se entende por "rigosa"? Há já algum tratado de toda a construção dogmática dos direitos que o recluso tem? É que este inciso pode aumentar a complexidade da administração da justiça. Que a pessoa deve ser informada dos direitos que lhe assistem e das razões da sua detenção, estou inteiramente de acordo. Quanto à expressão "de forma rigorosa", entendemos que dificultará as coisas e votaríamos, desde já, contra ela. Não gostaríamos, porém de fechar as portas em definitivo à introdução das expressões "compreensível" e "dos seus direitos".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
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O Sr. Vera Jardim (PS): - Quanto a esta última fórmula, diria que, se a explicação do PSD colhe, em parte, no que diz respeito à informação, já o inciso "e dos seus direitos" parece não estar claramente incluído na redacção actual se é que está mesmo. O que hoje se diz é: "informada imediatamente das razões da sua prisão ou detenção". Parece-nos que, subscrevendo embora alguma prevenção no que diz respeito à palavra "rigorosa" - que também temos, como já foi dito pelo meu camarada Almeida Santos -, o último inciso, relativo à informação "dos seus direitos", tem algum sentido positivo no quadro deste artigo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Pensamos que, tanto na proposta do CDS, como na do PCP, há pressupostos que nos parecem importantes, quanto àquilo que a Constituição já estabelece e para que esta matéria possa ser aperfeiçoada, no sentido de garantir aquilo que é, afinal, um direito essencial dos arguidos, que é saber os motivos da sua detenção ou prisão, os direitos que possuem no momento em que ela se efectua. Em relação aos adjectivos "de forma rigorosa e completa", na realidade, quando o PSD põe algumas restrições a essa expressão, em nome de que a informação, ou é informação ou não é, pensamos que aqui o que se impõe é recordarmos a prática de todos os dias na qual, efectivamente, se as autoridades policiais que efectuam a prisão não estiverem vinculadas - não se trata de consultar nenhum tratado jurídico, mas, sim, de apresentar ao detido ou ao preso, de forma que seja exacta ou rigorosa, os motivos da sua detenção ou prisão -, a autoridade poderá dizer: "eu informei sobre os motivos", mas pode ser deturpado, não ter informado como devia fazer. As propostas de apresentadas por estes dois partidos vão, em nosso entender, no sentido de garantir os direitos de quem é privado da sua liberdade. Portanto, é matéria que se nos afigura importante e, pela nossa parte, subscreveríamos quer a proposta do CDS, quer a proposta do PCP, que tem o aditamento, além de "compreensível", como está na do CDS, do adjectivo "rigorosa". Entendemos que este adjectivo não significa fornecer uma explanação jurídica, uma divagação jurídica teórica, mas sim indicar com precisão as razões que levam à situação, de forma a que a amanhã o arguido não possa dizer "fui informado, mas não percebi, porque não foi isso que me disseram"; evitar que se diga alguma coisa que não se adapta àquilo que é a informação rigorosa.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao PCP se, para evitar complexidades de votação, poderia retirar a expressão "de forma rigorosa", o que conduziria a vossa proposta a uma total identidade, salvo pormenores de redacção, com a proposta do CDS, por forma a podermos votar conjunta e favoravelmente as duas propostas, ficando com a seguinte redacção: "Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos". Penso que esta seria uma boa solução.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que sim, face ao saldo do debate que foi feito na primeira leitura.
O Sr. Presidente: - Retire da vossa proposta a expressão "de forma rigorosa"; assim, votamos as duas propostas em conjunto e todos favoravelmente, pelo que seria aprovada por unanimidade - suponho que o Sr. Deputado Raul Castro não irá contra isso, embora tenha feito a defesa da expressão "de forma rigorosa", o que compreendo, mas que me parece um excesso.
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação conjunta das propostas do CDS e do PCP para o n.° 4 do artigo 27.°, com a redacção já referida.
Submetidas a votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP, da ID e do PEV.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à proposta do PCP de aditamento de um n.° 3-A ao artigo 27.°, que é do seguinte teor: "Fora de flagrante delito, a prisão só pode ser efectuada por mandato do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, o Ministério Público, prevendo a lei as formas da sua decisão urgente".
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da referida proposta.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a contra do PSD, do PS, os votos a favor do PCP, da ID, e a abstenção do PEV.
O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à proposta do PSD, que iríamos discutir em conjunto, se VV. Exas. estiverem de acordo, uma vez que se trata de uma nova definição de pena maior. Penso que o PS estará maduro a conclusão de que pode ser perigosa a definição de pena maior com a inclusão de um limite mínimo. Pela razão simples de que bastaria que o limite mínimo fosse num caso concreto ligeiramente - um mês, um dia - abaixo do limite mínimo legalmente fixado, e embora o limite máximo fosse enorme, para a pena deixar de ser maior. Esse risco não foi, na altura, tomado em conta por nós.
Portanto, estaríamos, em princípio, dispostos a aceitar que só constasse da definição um limite máximo e, nesse caso talvez este limite se deva manter em três anos. Este é o nosso estado de espírito, mas gostaríamos de ouvir as vossas opiniões para podermos, se for caso disso, retirar a nossa proposta. Nesse caso, votaríamos, se concordassem, apenas a proposta do PSD, na medida em que é isso mesmo que significa e, sendo igual à do PRD, seriam ambas aprovadas em conjunto.
Gostaria de ouvir a ID, o PCP e o PEV.
Mas, antes, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, embora isto não seja decisivo, porque somos legisladores constituintes e não legisladores ordinários, é evidente que, se aprovarmos um limite mínimo, inconstitucionalizaremos muitas normas e até, de certa maneira, imporemos alterações do Código de Processo Penal. Isso não é decisivo, do nosso ponto de vista, porque somos legisladores constituintes, mas tem esse custo. Há, contudo, uma razão de fundo, que é esta: tanto quanto sei, quase todas as legislações - e a nossa também para aí caminhará - tendem hoje a eliminar os limites mínimos das penas.
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É o que sucede, por exemplo, com o código alemão - que cito pela influência que exerce sobre nós - no qual só meia dúzia de artigos estipulam limites mínimos, dizendo as restantes normas: será punido com prisão até x anos ou multa. A maior parte dos limites mínimos desaparecerá, o que significa que será o limite máximo o padrão. Neste caso, o limite de três anos seria a solução adequada na economia do sistema penal que está constituído. De resto, há especialistas de direito processual penal de vários partidos, alguns do PSD, outros independentes, outros ainda do PS e também do PRD, que dizem que a boa solução (isto apenas será tomado pela comissão com a força que tiver é ou a solução do PRD ou a do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de exprimir alguma reserva, bem como as razões por que sinto necessidade de o fazer. Tivemos ocasião de discutir esta matéria na sequência da 1.ª revisão constitucional, e o processo de discussão conduziu à elaboração de uma lei, lei essa que veio, precisamente, definir qual devesse ser, num processo adaptatório, o conceito de pena maior. Sucede que este texto, que o PS aqui trouxe...
O Sr. Presidente: - Esqueça o do PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não posso, Sr. Presidente. Porque o texto que o PS aqui trouxe reproduz rigorosamente o texto da lei em vigor. E não é por acaso! Tive ocasião de elaborar com a Sra. Deputada Margarida Salema, o relatório da 1.ª Comissão sobre esta matéria; o que foi feito na base de um cotejo exaustivo das consequências, tipo a tipo criminal, da utilização de apenas um topo e não de um limite mínimo. Essa análise foi casuística, não assentou em nenhum critério de simetria, em nenhum padrão, em nenhum elemento abstracto. Essa démarche, que fizemos conjuntamente, tinha um sentido útil que a todos preocupou bastante na altura: é que, se porventura suprimíssemos o limite mínimo, deixaríamos de fora alguns crimes e isso poderia ter consequências de libertação imediata de vários arguidos em vários crimes, em vários processos polémicos - designadamente, relacionados com certas redes. Não quisemos fazê-lo então. Creio que teríamos de fazer o mesmo exercício hoje - um exercício duplo: exercício de olhos postos nos tipos criminais do Código Penal, e exercício feito tendo em conta as implicações e projecções práticas que uma tal solução possa vir a ter.
Devo dizer que estou bastante mais preocupado com o impacto que uma solução deste tipo possa ter no nosso mundo judicial, do que com o facto de Portugal vestir ou não à última moda penal da RFA, Até porque creio que, na RFA, uma situação como aquela que vivemos em Portugal não é puramente concebível. Não é imaginável que uma solução deste tipo seja projectada, discutida e, eventualmente, aprovada, sem se ter em conta esta dupla ponderação a que aludi, devidamente instruída com os mais diversos pareceres e estudos.
Insisto: o Código Penal vigente é aleijado. Temos um Código Penal cujos tipos criminais e cujas medidas de pena integram verdadeiras aberrações - não por acaso o Governo terá anunciado, ao fim de soluçantes hesitações, que pretende apresentar em breve (este "em breve" já se repete em bocas governamentais desde há três anos) uma iniciativa legislativa, tendente à sua revisão que, suponho, servirá para corrigir certos aspectos de distorção (esperemos que não seja para agravá-los). Isso quer dizer, ao que agora importa, que o terreno legal é movediço, está em movimento, há uma dinâmica, não está consolidado, estabilizado. Verdadeiramente sofre de grossas entorses que lhe foram introduzidas, designadamente, no decruso da última revisão ministerial (que, como é sabido, não teve muito a ver com o processo originário de concepção e com a maneira como o Código fora imaginado pelos verdadeiros pais-fundadores do seu texto).
Neste contexto, Sr. Presidente, creio que deveríamos andar com muito cuidado. E gostaria de saber, da parte daqueles que se dispõem a fazer consenso quanto a uma solução que não integre um limite mínimo, se nos podem esclarecer, para todos os efeitos, sobre as consequências, em todos os planos, da solução que patrocinam. Não gostaria, de forma alguma, que, de forma obscura, fosse a revisão constitucional a fazer aquilo que, no passado, a lei ordinária não fez, com inevitáveis corolários em processos pendentes (seria um escândalo no nosso mundo judicial!). Isso é que não gostaríamos que acontecesse!
O Sr. Presidente: - Penso que por algum lado temos de começar: ou adaptamos a Constituição ao sistema em vigor, ou adaptamos o sistema em vigor à definição constitucional. Parece ser difícil passar sem um conceito de pena maior ou o equivalente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!
O Sr. Presidente: - Portanto, temos de consagrar um conceito de pena maior. Claro que não há soluções perfeitas. Podemos, inclusivamente, consagrar uma norma transitória, dizendo que a nova definição de pena maior não se aplica aos casos pendentes, à data da entrada em vigor da Constituição, por forma a que, de futuro, quem aplica penas, saiba com aquilo que conta. Temos de ultrapassar a dificuldade. Se consagrarmos um limite mínimo, vai decerto criar problemas. Para começar, vai ao arrepio da tendência vigente no direito criminal. Em princípio temos de sujeitar a lei ordinária à Constituição, e não de adaptar a Constituição à lei ordinária. Sê acharmos que o problema não está maduro, vamos amadurecê-lo. Mas creio bem que também não estará maduro daqui a um mês!
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A alteração, no sentido proposto pelo PSD e pelo PRD, não resulta na soltura de presos, que devem continuar presos; o que pode resultar é o sentido contrário. Não é a soltura, antes do tempo, de determinados acusados ou arguidos em processos criminais; o que pode acontecer é legitimar-se o recurso (sejamos francos) à prisão preventiva em relação a certo tipo de crimes, mas não o contrário.
O Sr. Presidente: - Isso é evidente, porque o limite máximo mantém-se e afasta-se a exigência de um limite mínimo, abrangendo assim mais casos e não menos.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sendo certo que, para prevenir esse perigo...
O Sr. Presidente: - Pode consagrar-se uma norma, embora todos saibam que a pena menos favorável, não se aplica aos casos pendentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que seria melhor aprofundar esta ponderação, tendo em conta os dois cruzamentos que eu propus. Recordo que o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.° 70/85, de 24 de Maio, publicado no Diário da República, II série, n.° 126, de 1 de Junho de 1985, entendeu não ser possível qualificar como pena maior uma pena de um mês a três anos de prisão - e o que estava aqui em causa era, precisamente, a questão do limite mínimo. No seguimento disto, o Governo de então apresentou uma proposta de lei, a 117/III, que dizia: "são equiparadas à pena de prisão maior as penas de prisão cuja medida, no seu limite máximo, exceda três anos". Essa proposta foi examinada pela 1.ª Comissão. "Ponderadas as implicações das soluções possíveis, face aos contornos legais e constitucionais do instituto da prisão preventiva, e ao disposto no Decreto-Lei n.° 477/82, de 22 de Dezembro," sobre crimes incancionáveis, regime que agora foi alterado pelo' Código do Processo Penal, a comissão apresentou o seguinte texto alternativo: "para efeitos de aplicação das normas que façam referência a prisão maior ou a pena maior considera-se desta natureza a pena de prisão cuja medida exceda três anos no seu limite máximo e que seja igual ou superior a seis meses no seu limite mínimo." O texto foi aprovado por unanimidade.
Aquilo que eu, realmente, não percebo é porque é que os padrões ou parâmetros que conduziram a esta unanimidade se alteraram da parte do PSD, designadamente. Lembro-me de que em 1985 o quadro que nos preocupou era dominado por preocupações hoje inexistentes. O supremo tinha entendido que face ao novo Código Penal deviam ter-se por penas maiores as meramente superiores a dois anos, o que, dadas as profundas diferenças entre as penas previstas no velho Código de 1986 e no actual, conduziria a indesejáveis disparidades de tratamento excluídas pelo legislador em sede de revisão. Hoje isso não estará em causa e a fixação do limite máximo é relevante. A questão é se bastará.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Por isso é que estamos a introduzir este. De resto, o conceito de pena maior já não existe, apenas figurando na Constituição pelo facto de na 1.° revisão constitucional arranjar uma solução para este problema. Pode acontecer o mesmo nesta revisão, na certeza de que, se assim for, tudo ficará como está e como consequência, pelo menos o Código de Processo Penal continuará em vigor, constitucionalizado. O conceito de pena maior já não existe - à excepção deste resíduo, por incapacidade nossa de arranjarmos uma solução - porque o conceito de pena maior fazia parte de uma certa concepção político-criminal que partia do princípio de que os criminosos não são todos iguais, antes havendo criminosos para os quais a sociedade olha com uma desconfiança qualificada e que, por princípio, são perigosos e incorrigíveis. Hoje isso é inaceitável e o conceito de pena maior não tem razão de ser.
O que cumpre fazer em termos constitucionais, é estabelecer um limite para o legislador ordinário preceituar que abaixo desse limite não é admissível a prisão preventiva fora de flagrante delito. Esse é o problema que deve ser colocado em sede de direito constitucional, sem curarmos desse trabalho, que teve de se mover em parâmetros constitucionais que nos propomos rever e que foi útil e necessário na altura. O que devemos fazer aqui é estabelecer um limite, porque, se continuarmos a manter a ideia de pena maior, mantemos um conceito que já não significa nada, que já não existe. A nossa tarefa, hoje, não é redefinir o conceito de pena maior, mas fixar ao legislador ordinário um limite abaixo do qual não deve, fora de flagrante delito, recorrer-se à prisão preventiva, sendo certo que acima desse limite - e esta seria também uma injunção dirigida ao legislador ordinário - a prisão preventiva é, mesmo assim, a Ultima ratio, o que já hoje consta da Constituição e pode até ser reforçado. Se - falo francamente - obtivermos alguns ganhos nestas propostas, admitiremos no artigo 28.° o aditamento "por qualquer outra medida", isto é, admitiremos reforçar ainda a ideia de subsidiaridade. E com isto dizemos ao legislador ordinário duas coisas: primeiro, que se o crime não for punido, pelo menos, com três anos de prisão não pode haver prisão preventiva fora de flagrante delito; segundo, que mesmo em relação a tais crimes o legislador ordinário é obrigado a só utilizar a prisão preventiva como ultima ratio possibilitando-se o recurso não só à caução, como meio primacial, mas também, a outras medidas já hoje previstas e que a Constituição irá também inscrever. Tudo isto vai reforçar os deveres do legislador ordinário, forçando-o a imaginar ainda mais medidas para só recorrer a prisão preventiva em ultima ratio...
O Sr. Presidente: - Isso vai criar, no fundo, dois tipos de penas: é a pena de 3 anos e menos um dia e a pena de 3 anos e mais um dia.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É isso.
O Sr. Presidente: - Quando o legislador quiser que ele fique sujeito a prisão preventiva dirá três anos e um dia, se não quiser que fique, dirá três anos menos um dia.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Esse é um bom argumento em que não tinha pensado, mas vale em geral, mesmo que se estabeleça o limite mínimo.
O Sr. Presidente: - Seja o que for. No entanto penso que em todo o caso o limite mínimo pode ser perigoso, porque pode ter tendência para fixar acordos de quantificação penal exactamente para o meter dentro do limite, porque tem que jogar com dois parâmetros quando pode jogar com um só. Acho que o limite de três anos não está mal.
A solução é evidentemente convencional. Já tivemos 2 a 8 anos e vivemos de acordo com esses limites. Se consagrássemos agora 6 meses a 3 anos a legislação ordinária adaptava-se a isso. Se há só limite máximo fica a liberdade de fixar o limite mínimo que se quiser.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Iremos reflectir sobre essa argumentação.
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O Sr. Presidente: - Quer ter mais tempo para reflectir?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que sim, porque não tenho por seguras algumas ilações que são tomadas. Por outro lado, sobretudo aquilo que se faz, ao não se fixar constitucionalmente um limite mínimo, é, no fundo, conceder ao legislador ordinário uma margem de actuação suplementar...
O Sr. Presidente: - Para não encastelarmos os casos de aditamento, vamos adiar este ponto para o próximo dia. Se nessa data V Exa. não estiver, de todo, habilitado a decidir, pedirá novo adiamento. Mas em princípio votar-se-à no próximo dia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vejo inconveniente nisso. A única coisa que não quereria era que se fizesse a votação sem que fosse possível ponderar algumas implicações.
Se me permitem, e dado o Sr. Deputado Costa Andrade ter feito algumas reflexões sobre a matéria, gostaria só de assinalar um outro aspecto. É evidente que, como o Sr. Deputado Vera Jardim teve ocasião de salientar no decurso da primeira leitura, poderia haver uma outra técnica tendente a acautelar melhor os direitos dos cidadãos, qual fosse a elencagem dos tipos de crimes em relação aos quais se legitima a prisão preventiva. Aliás, o Sr. Deputado Vera Jardim, no dia 28 de Abril, chegou a adiantar um texto, no qual se previa: "prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática dos seguintes crimes consumados ou tentados: homicídio, sequestro, escravidão, rapto, roubo, extorsão, outros crimes contra o património quando praticados por um reincidente, contrafacção de moeda e títulos de crédito, terrorismo e organização terrorista, produção e tráfico ilícito de droga, e ainda nos crimes contra a humanidade, a segurança do Estado, de perigo comum ou abrangidos por convenção sobre a segurança da navegação aérea ou marítima". Qual é a preocupação? É obviamente, a de balizar a actuação do legislador ordinário. É evidente que, seguindo-se uma técnica como esta, nem por isso o legislador ordinário deixa de ficar livre de introduzir nestes grandes odres o conteúdo que, de certa forma, possa ser-lhe mais fagueiro, isto é, os riscos para as liberdades dos cidadãos nem por isso deixam de se colocar.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Parece que é absolutamente decisivo. Suponha V. Exa. que o legislador ordinário quer estabelecer a possibilidade de prisão preventiva em relação a um crime que o Código Penal é punível com a prisão até três anos: como não o pode fazer, quem "apanha" são os futuros delinquentes, porque o legislador ordinário mexe no Código Penal, eleva a pena e estabelece um limite mínimo de seis meses, e o crime que podia ser punido com dois meses de prisão vai ser punido com um mínimo de seis meses. Temos de ter muito cuidado com as coisas, porque às vezes ao abrir portas em nome da liberdade estamos a fechá-las.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vale a pena aproveitar a interrupção para reflectir sobre tudo isto...
O Sr. Presidente: - Agora já não há desconexão, está adiada. Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Continuo convencido de que uma fórmula que repegasse a nossa tradição jurídica nessa matéria seria, e matéria de direitos, a melhor. Em todo o caso, também não posso desconhecer (suponho, aliás, que na altura alguns argumentos foram aqui trazidos nesse sentido) que o que era bom em 1911, na nossa tradição constitucional, pode hoje ser bastante mais difícil de concretizar pois todos sabemos que as condições sociais são hoje de molde a alterar muito mais facilmente a política criminal de ano para ano, já que esta anda hoje muito mais ao sabor dos fluxos e refluxos da sociedade. Admito, pois, que essa fórmula tivesse também desvantagens. Por isso não a mantive. Penso que ainda é cedo para a tomarmos em conta, mas mesmo que a tomemos em conta em futuras revisões ela continua a ter alguns riscos, porque não estamos hoje confrontados com situação idêntica àquela com que o estavam os constituintes de 1911. Continuo, no entanto, a manifestar a minha simpatia por uma fórmula que, no que diz respeito às garantias individuais dos cidadãos, é, a meu ver, a melhor de todas.
O Sr. Presidente: - O números clausus?
O Sr. Vera Jardim (PS): - É.
O Sr. Presidente: - Mas, não é viável.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Toda a história deste preceito é a história da luta por um numerus clausus, difícil de construir, na medida exacta em que o legislador, desejoso de alargar as possibilidades policiais de prender ou mexe no Código de Processo Penal ou no Código Penal, como já aqui foi lembrado. Em qualquer dos casos, a sua acção é dificilmente balizável, dado que a Constituição tem sempre de deixá-lo preencher conceitos cujo grau de determinação é relativo na Constituição ou então autorizá-lo a fixar as fasquias relevantes em termos processuais penais.
Creio que a única solução razoável é pôr pés bem firmes no nosso terreno jurídico-penal e jurídico-processual penal. De resto, é disso que estou a partir nestas considerações.
Ao contrário do que poderia deduzir-se de algumas das observações do Sr. Deputado Almeida Santos, se há alguma coisa que choque nas penas fixadas no Código Penal não é a sua razoabilidade, a sua racionalidade, o seu critério obediente a um padrão comum, mas sim o facto de haver opções verdadeiramente inexplicáveis. A certa altura deparam-se crimes da maior gravidade com um limite máximo brutal e com um limite mínimo de um mês. A tabela está feita (está publicada no Diário da República, n.° 115, II Série, 12-VI-85, p. 3664), é uma verdadeira aberração não corrigida.
O Sr. Presidente: - É o juiz-legislador é uma tendência com que se pode ou não concordar.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em relação ao crime mais horrível pode, num país, metade da doutrina e
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da jurisprudência dizer que dado indivíduo está condenado a prisão perpétua e a outra metade dizer que deve ser absolvido, quanto à prática dos mesmos factores. Dou um exemplo claro: num julgamento recentemente realizado num país de Europa Ocidental, um médico que deixou morrer uma determinada pessoa foi condenado pelo Supremo Tribunal desse país a prisão perpétua, e toda a doutrina, sem excepção, entende que ele deveria ter sido absolvido. Daí que essas molduras extremamente amplas não apareçam por acaso. É que em relação ao mesmo crime, em abstracto, pode haver situações concretas muito diversificadas.
Terminamos aqui a nossa intervenção, sendo certo que, por dever de lealdade - e penso que todos os membros da comissão o compreenderão -, preferimos sobrestar na votação do artigo 27.° até a próxima reunião.
O Sr. Presidente: - Não, ficaria suspenso tudo o que falta votar e o PSD com o direito de rever a sua votação quanto aos pontos anteriores.
Passamos ao artigo 28.°...
Pausa.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Já temos, neste momento, as condições que referi há pouco e poderíamos eventualmente voltar atrás, ao artigo 26.°
O Sr. Presidente: - Passamos ao artigo 26.° porque já se encontra presente o Sr. Deputado Pedro Roseta. Concedo a palavra ao Sr. Deputado Herculano Pombo para fazer uma breve exposição sobre as suas propostas para o n.° 1 e o n.° 4.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Uma brevíssima introdução, uma vez que não tive, de todo em todo, hipótese de participar no debate da primeira leitura, debate bastante vivo. Tive ocasião de ler as intervenções que foram produzidas a este respeito mas no entanto ficou-me a sensação de que, apesar delas, a proposta continua a ter cabimento. E se é certo, para todos nós, que a tolerância é um valor que não se decreta, por outro lado conhecemos situações em que a intolerância está decretada e conhecemos hoje na nossa sociedade situações em que minorias, qualquer que seja a sua natureza - e quando falamos em minorias muitas vezes foge-nos o pensamento na direcção de determinadas minorias, classicamente entendidas -, quer sejam de natureza étnica, rácica, sexual ou doutra natureza, mas existem entre nós, sociedade portuguesa, por outro tipo de minorias, outro tipo de diferenças que não podem, em boa verdade, ou não têm podido, ser assumidas em plenitude. Poderíamos aqui trazer casos recentes, que apaixonaram a opinião pública, de diferenças que resultam de contracção de determinado tipo de doenças que vieram, de algum modo, fazer-nos lembrar e chocar-nos a todos com a lembrança de ghettos que outras doenças, noutras alturas, criaram. Refiro-me concretamente ao tratamento que era dado aos portadores de determinadas doenças, nomeadamente os leprosos, que, entendidos como minorias, eram escorraçados, e a própria sociedade, para sua defesa, entendia que era legítimo que eles fossem portadores de sinais avisadores de que eram diferentes e a sua diferença era contagiosa e alarmante.
Existem hoje, entre nós, outros tipos de doenças e portadores dessas doenças a quem tem sido dispensado o mesmo tipo de tratamento o que, se a todos nos envergonha, também a todos nos preocupa. É óbvio que comecei pelo caso mais chocante, mas poderia, recuando um pouco em termos de nível de diferença, passar, por exemplo, para um grupo que, infelizmente entre nós não é assim tão minoritário. É o caso dos deficientes, que são neste momento um milhão, 10% da população. Embora a nossa Constituição já consagre todas e mais algumas igualdades e consagre todos os direitos fundamentais, não me parecia, de todo em todo, incorrecto que uma formulação, esta ou outra semelhante à que propomos, viesse a clarificar, a positivar, a dar um sinal positivo no sentido de que essas e outras minorias tivessem de facto o direito, consagrado e claro, de assumirem a sua diferença e de a exercerem, pois a tolerância das sociedades está na razão inversa do grau de diferença que os diferentes apresentam. É certo que as sociedades toleram muito mais aqueles que se parecem com a maioria, e à medida que as pessoas vão deixando de se parecer com a maioria e vão sendo cada vez mais diferentes são menos tolerados. Isto verifica-se a todos os níveis e abarcando todo o largo espectro das diferenças.
Foi um pouco motivado por estes últimos e recentes casos de manifesta incapacidade da sociedade, enquanto tal, e da própria administração, de ser capaz de garantir que esses cidadãos diferentes, qualquer que seja a sua diferença, possam gozar integralmente dos seus direitos de cidadãos, que nos levou a introduzir esta proposta e que felizmente e em boa hora suscitou tão vivos e qualificados debates e a que é chegada a hora de dizermos "sim" ou "não". Penso que deveríamos dizer "sim", embora manifeste a minha abertura no sentido de esta proposta vir a ser um pouco mais escorrida para dela se obter o sumo, quanto baste, pois há que reconhecer que algumas palavras que aqui estão ficam a dever mais à literatura do que à técnica jurídica, e estamos abertos a qualquer melhoria. Gostaríamos que o novo texto constitucional, a lei de revisão, consagrasse esta ou outra fórmula que fizesse menção expressa ao direito à diferença e ao direito que as minorias têm, numa sociedade democrática, de serem tão valorizadas como as maiorias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim. Mas lembro-lhe que o Regimento só consagra, como regra, o direito de apresentação quando não foi anteriormente feita, e não a retoma de uma discussão nos termos em que deveria ter sido feitas se o Sr. Deputado Herculano Pombo cá estivesse na altura própria.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Na altura da discussão na primeira leitura demonstrámos simpatia por tudo aquilo que seja alargar o princípio da igualdade, e a nossa Constituição já o consagra com um âmbito muito vasto. Consagrar o direito à manifestação das diferenças parece-nos, apesar de tudo, ter algum sentido militante desse direito à diferença, que se nos afigura desproporcionado para o texto constitucional, na medida em que o princípio da igualdade já vem consagrado
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com grande amplitude. E até estamos dispostos a colaborar, se possível, no seu alargamento, consagrando alguns incisos que marcassem bem a grande extensão que procuramos dar a esse princípio. Pensamos que esta proposta até poderia, de certo modo, resultar em prejuízo dessas minorias, na medida em que o que elas devem afirmar, em nosso entender, é o direito à igualdade plena tal como vem consagrado no artigo 13.° e não o direito à manifestação da sua diferença, que nos parece um minus em relação, ao princípio da igualdade que é mais lato. Não estaríamos dispostos, embora demonstrando toda a simpatia por tudo o que é direito à diferença à consagração desse direito em termos constitucionais.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Penso que haverá aqui uma pequena confusão. É evidente que o direito à igualdade está sumamente consagrado, e em benefício de todos nós, mas o que me parece é que existem minorias que têm o sagrado direito, em nosso entender, de não militarem pelo direito à igualdade, mas pelo direito à diferença. É óbvio que as democracias se definem pelas maiorias, mas não devem nunca e em caso algum, sob pena de deixarem de ser democracias, abafar as minorias ou, não as abafando, tentar civilizadas, tentar torná-las compatíveis com as maiorias. É o pior que se pode fazer a qualquer minoria, e lembremos-nos, por exemplo, que a melhor maneira de integrar os ciganos, que em nosso entender são uma minoria de natureza étnica, é deixar que eles passem pela nossa sociedade quantas vezes quiserem, entrem e saiam sem tentar compatibilizá-los com os nossos valores, desde que eles os respeitem. Tentar modificá-los, a ponto de se tornarem cidadãos iguais a nós, é impor-lhes um direito à igualdade que eles certamente recusarão; militarão pelo seu direito à diferença e de manutenção da sua diferença, como povo que tem características próprias, que caminha constantemente e raramente acampa por muito tempo.
Penso que não temos o direito de consagar o direito à igualdade como uma imposição. Era um pouco esta confusão que queria desfazer, e também me parece que no nosso texto não se faz um apelo à militância em nome da livre expressão. Não é obrigatório que as pessoas expressem, no dia a dia, a sua diferença, não se estimulam as pessoas à manifestação de sua diferença. Pelo contrário, deve deixar-se claro é que se permite. E, por outro lado, fazendo um pouco a chamada mais para o ponto 4, parece-nos positivo que a própria lei, para além de salvaguardar, e proteger as minorias duma forma passiva, dizendo que estas minorias são toleradas, são permitidas, até se respeitam, até se admitem, até são fundamentais para a construção do tecido social, de alguma forma de indícios que permitam à sociedade determinado tipo de aproximações, de tolerância, no sentido positivo, activo, e não a tolerância passiva, no sentido de "deixá-los estar que não incomodam" e no sentido de nos aproximarmos e de nos interpenetrarmos em termos culturais. Penso que, se a lei o fizer, estará a dar passos extremamente positivos numa altura em que, infelizmente, ainda existem leis que fazem exactamente o contrário, ou seja, que impedem que as culturas, as minorias e as maiorias se interpenetrem nas sociedades em que existem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, constato que a minha intervenção é algo tardia. Se tivesse assumido o meu mandato em Abril, teria talvez feito uma intervenção mais longa. No entanto não quero deixar de dizer que, na sequência lógica do que aqui afirmei há semanas no debate sobre o artigo 9.°, sou bastante sensível à proposta de consagração na Constituição do direito à diferença. O que não posso é aprovar a formulação do PEV pois entendo que temos de ser prudentes na consagração de direitos, uma vez que é necessário uma certa estabilização e que a inovação terá de ser progressiva.
É evidente que todos sabemos hoje existirem novos direitos que, mais tarde ou mais cedo, virão a ser consagrados, nestes ou noutros artigos. Não farei exaustivamente aqui o seu elenco, mas vou referir alguns: o direito ao espaço; o direito ao silêncio, em contraponto ao direito à palavra, que felizmente, consagrámos há dias; o direito ao acompanhamento na solidão; o direito à dignidade na morte; o direito à paisagem; etc.. Todos eles são realmente os direitos a consagrar no futuro, mas penso que pode, efectivamente, ser prematuro fazer-mos aqui e agora uma grande elaboração, sobretudo em sede constitucional, sobre uma matéria que ainda é, fundamentalmente filosófica.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Se não os aprovarmos agora, serão direitos vazios no futuro.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não hão-de ser, Sr. Deputado.
Aquilo que vejo é que estamos um pouco, quer o Sr. Deputado, quer eu próprio, a iniciar tardiamente, esta discussão. E aquilo que eu gostaria que pudesse ser salvo não é sequer a vossa proposta relativa ao n.° 1, que trata do direito à livre expressão das diferenças, pois entendo que esse direito já está contemplado noutros preceitos - nos artigos que defendem a livre expressão.
Aquilo que deveria ser salvaguardado, na sequência do que aqui defendi - e, caso contrário, cairia eu em grave contradição - era o direito a ser diferente. A única coisa útil para mim seria a consagração entre os direitos elencados no n.° 1, do direito a ser diferente e não a expressar e a manifestar as suas diferenças pois essa é outra questão, que não é ontológica nem tão profunda como esta.
O deputado Sottomayor Cárdia disse na primeira leitura - e com razão - que este direito à diferença é eminentemente personalista. Ora, sendo eu personalista, é óbvio que não podia recusar a sua consagração e teria de arranjar uma formulação diferente - que, por isso, dificilmente poderia ser votada hoje - que aproveitasse de toda a proposta do PEV apenas o direito à diferença.
Julgo que não vale a pena repetir - o Sr. Deputado não estava cá, mas poderá lê-lo nas actas - que a igualdade imposta pelo poder político é das coisas que mais me arrepiam. Tratei disso aqui há dias e, se me permite, remeto-o para aquilo que disse. Penso, no entanto, que os meus argumentos de há pouco - a prudência necessária, a desnecessidade, no que diz respeito à expressão, por esta já estar assegurada por outros artigos - são válidos.
Quanto ao n.° 4, coloco-lhe a mesma questão que o Sr. Deputado Rui Machete colocou durante a primeira leitura, embora o Sr. Deputado Herculano
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Pombo não estivesse presente: considera V. Exa. que hoje na Constituição a discriminação não está proibida? Que nos termos dos preceitos constitucionais não é possível exprimir livremente o direito a ser diferente e a usar para tanto da liberdade? Devo dizer que penso que o direito à livre expressão está contemplado e que a protecção das minorias também o está. Repito: aquilo que gostaria de ver consagrado era, exclusivamente, o direito a ser diferente, que é aquilo que me parece essencial. Quanto aos outros novos direitos, que referi, deixemos passar os anos e, quando tivermos mais barbas e cabelos brancos, certamente que veremos a consagração na Constituição, a seu tempo, do direito ao espaço, do direito ao silêncio, do direito à dignidade e ao acompanhamento na morte, do direito ao acompanhamento na solidão, do direito à harmonia e do direito à paisagem, que vão ser certamente, entre outros direitos que muito interessarão às gerações futuras.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta sugestão trazida pelo Sr. Deputado Pedro Roseta não é despicienda. Entre o depositar toda a esperança no futuro distante e o tratar de aditar alguma coisa no presente, de olhos postos no futuro imediato, preferimos francamente a segunda posição. Se há, por parte da bancada do PSD, disponibilidade para isso, não seremos nós que inviabilizaremos esse consenso.
É que, como a experiência vem provando, para nossa insatisfação, há personalistas, que, se o são, não se exprimem! Serão imensamente personalistas, mas não se revelam como tais e, portanto, não fazem propostas que exprimam validamente tanto personalismo em sede de revisão constitucional. Em suma: de personalistas mudos está o inferno cheio! Venham propostas concretas!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador).
O direito à igualdade está concebido na nossa Constituição como um direito e não como um dever. Não faço ideia das consequências que seriam estratáveis da circunstância de consagrarmos o direito à diferença em pé de igualdade com o direito à igualdade, até porque as excepções ao direito à igualdade são discriminações positivas que a nossa Constituição consagra.
Devo dizer que concebo o direito à diferença como um conjunto de discrimacões positivas, e que estou disponível para considerá-lo. Sou pelo direito à igualdade e não aceito que seja diminuído com uma formulação tão genérica do direito à diferença como é a do direito à igualdade. Quanto às discriminações positivas que focou o deputado Herculano Pombo, vamos a elas! A conquista da igualdade demorou muitos séculos, exigiu muitos sacrifícios e muitas vidas, para que, agora, de uma "penada", lhes coloquemos ao lado o direito à diferença com um peso idêntico! Consequentemente, se concordarem, passaremos à votação e cada um votará como entender.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Hoje ninguém sustenta essa contradição! O direito à diferença é complementar, nos termos em que é tratado por inúmeros pensadores do nosso tempo!
O Sr. Presidente: - Serão complementares na sua formulação positiva.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado, não me venha dizer que os pensadores das correntes de pensamento hoje dominantes têm andado a brincar ou que estão a pôr em causa o direito à igualdade conquistado nos fins do século xvm. Isso é impensável!
O Sr. Presidente: - Não andaram a brincar, mas nem tudo o que está na vanguada do pensamento é de acolher assim na passada. Teríamos de reformular toda a filosofia, em prol da igualdade, para podermos consagrar, nesses termos, o direito à diferença.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, mas devo dizer que não saio desta posição enquanto estiver a dirigir os trabalhos. Só se fundamentar um adiamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não quero fundamentar coisa nenhuma em termos de adiamento. Quero é exprimir o que não pude exprimir. Creio que é perfeitamente razoável fazê-lo neste momento.
O que eu estava a sustentar, Sr. Presidente, é que estando, aparentemente, o Sr. Deputado Pedro Roseta de acordo com uma determinada ideia, não percebia eu - e precisamos de um tempo mínimo para o perceber, disso não posso abdicar - se o Sr. Deputado Pedro Roseta está disponível para adiantar, isolada ou conjuntamente, um aditamento que exprima, rigorosamente, o seu pensamento sem tirar nem pôr, designadamente a introdução da palavra "à diferença". Só isto!
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Pedro Roseta já disse que não há proposta nenhuma!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas, a título pessoal, posso fazê-lo, se os meus companheiros de bancada não virem inconveniente nisso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era isso que queria saber. Se não, é possível continuarmos o debate.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Pedro Roseta quiser formular uma proposta formula-a e, nessa altura, reabrimos a discussão.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, inteiramente sintonizado com o teor das considerações pessoais do Sr. Deputado Pedro Roseta, com as quais, de
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resto, todos estamos de acordo, devo dizer que as coisas que estão suficientemente amadurecidas para tal. Por isso, no PSD, salvaguardada naturalmente a liberdade de voto de cada um, vai votar contra esta proposta.
O Sr. Presidente: - Isso a mim não me trava, peço desculpa. Se o Sr. Deputado Pedro Roseta quiser apresentar uma proposta que o PSD votar a favor ou contra, é para mim irrelevante. É uma proposta que terá os votos a favor ou contra que tiver.
Agora tenho apenas o problema de saber se o Sr. Deputado Pedro Roseta formula ou não a proposta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, o meu problema é que não posso votar as propostas do PEV, pelas razões que já referi. Por consequência, estou a formular uma proposta e votá-la-á quem quiser.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, enquanto o Sr. Deputado Pedro Roseta redige a proposta, devo dizer, em jeito de àparte, que o Sr. Presidente tem alguma dificuldade em conceber o que é que é diferente, mas eu tenho ainda mais dificuldade em conceber e que é que é ser igual. O que é que é o direito à igualdade?
O Sr. Presidente: - A igualdade tem uma luta de séculos e todos nós sabemos o que é. A diferença como valor genérico não sabemos bem o que seja. O que me preocupa não é o direito pontual à diferença - a esse sou favorável. Há na Constituição discriminações positivas e poderemos consagrar outras.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Mas nós não a entendemos como discriminação positiva, Sr. Presidente. Eu, pelo menos, não entendo este direito como uma discriminação positiva, nem sequer como uma discriminação, mas como um direito igual ao direito à igualdade.
O Sr. Presidente: - Pois não! É que, de uma "penada", colocam dois direitos contraditórios e o problema é o de concilar os dois.
Srs. Deputados, o Sr. Deputado Pedro Roseta acrescenta ao n.° 1 do artigo 26.°, a seguir à expressão "familiar", a expressão "e à diferença".
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 1 do artigo 26.° proposto pelo PEV.
Submetido a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP, da ID e do PEV.
É a seguinte:
1 - A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania; ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva das intimidades da vida privada e familiar e à livre expressão de todas as diferenças.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, votaremos agora a proposta de aditamento ao n.° 1 do artigo 26.° do Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, em relação a esta proposta do PSD, gostaria de saber se o direito à cidadania figura aqui ou não.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Figura. E foi acrescentado já, por nossa proposta, o direito "à palavra".
O Sr. Herculanò Pombo (PEV): - Que não ao palavreado!!!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de aditamento ao n.° 1 do artigo 26.° apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP, da ID, do PEV e dos deputados Pedro Roseta (PSD) e José Luís Ramos (PSD).
É a seguinte:
Artigo 26.°
1 - Proponho o aditamento no número 1 ... "familiar e à diferença".
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta do PEV para o n.° 4 do artigo 26.°
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e votos a favor do PCP, da ID e do PEV.
É a seguinte:
4 - A lei salvaguarda e protege as minorias, nomeadamente vedando qualquer forma de perseguição, fomentando a aproximação e a tolerância e eliminando quaisquer formas de discriminação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passaremos agora ao artigo 28.°, relativamente ao qual há uma proposta do PSD no sentido de, onde se diz "por medida de liberdade provisória prevista na lei", se passar a dizer "por qualquer medida prevista na lei".
Temos ainda uma proposta da ID para o n.° 3, no sentido de se substituir a expressão "a decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação" pela expressão "a privação da liberdade deve ser logo comunicada ..."
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se bem me lembro, o PSD tinha admitido, na primeira leitura, qualificar ou precisar a sua proposta, no sentido de deixar bem claro que a substituição seria pela expressão "por quaisquer medidas menos gravosas".
Eu sei que a matéria é suficientemente polémica - e durante o debate do Código do Processo Penal a questão foi objecto de razoável apreciação. O Acórdão do Tribunal Constitucional que sobre esta matéria se debruçou, com algumas reservas e alguns receios, em sede de fiscalização preventiva, não deixou de apontar precisamente neste sentido e de salientar o perigo que existe em considerar-se que qualquer medida é melhor do que a prisão. Isso pode conduzir, no terreno da lei ordinária, a impor a cidadãos obrigações extremamente gravosas que, no limite, podem engendrar situações tão más ou porventura piores do que a própria prisão.
O aditamento do inciso "menos gravosas" seria, quanto a mim, de alguma utilidade para que nenhuma
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dúvida subsistisse quanto à opção do legislador em sede de revisão constitucional quanto a este ponto.
Eu entendi, da intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, que seria esse o espírito com que o PSD propõe o seu texto. Devo dizer que não estamos contra a ideia que aqui se procura precisar. Em todo o caso, não gostaríamos que houvesse equivocidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, para os devidos efeitos - e penso que isto também é importante para efeitos hermenêuticos -, pensamos que pela natureza das coisas, a expressão "ou por qualquer medida prevista na lei" só pode ter por si, no plano dos factos o sentido de uma medida mais benigna para o arguido do que a prisão preventiva, pois a prisão preventiva é a ultima ratio em relação a uma pessoa que ainda se presume inocente. Já por si as coisas são assim, mas, se é importante acrescentar algum contributo, aqui fica o nosso - e talvez outros partidos o possam também deixar expresso, manifestando a sua vontade também neste sentido e como importante elemento interpretativo. É evidente que a expressão "qualquer outra medida" só pode significar medida mais favorável ao arguido. Ficarmos apenas pela alternativa prisão preventiva-caução pode levar a manter pessoas na prisão desnecessariamente. De resto, penso que, dado o estado actual da consciência universal e colectiva, hoje ninguém pensaria noutro sentido. Ninguém pensaria, naturalmente, em substituir a pena de prisão por soluções degradantes, desumanas, ou por qualquer outro tipo de soluções infamantes.
A nossa intenção é manifestamente a de dar uma injunção ao legislador ordinário no sentido de que, para levar a bom termo e dar eficácia prática ao imperativo da subsidiaridade e de ultimo ratio da prisão preventiva, deve desenvolver a sua imaginação tentando inventar medidas, obviamente mais favoráveis ao arguido, para, na medida do possível, evitar a prisão preventiva. É um contributo que pode ser útil para efeitos hermenêuticos, e penso que hoje nenhum tribunal poderia entender isto noutro sentido.
O Sr. Presidente: - Na medida em que também consideramos isso útil e na medida em que estamos dispostos a votar esta proposta, queríamos dizer o seguinte: votámos a proposta com o conteúdo de que seria inconcebível que a medida que aqui se prevê pudesse ser mais gravosa do que aquilo que se destina a substituir, Isso seria perfeitamente inconcebível! Penso que é desnecessário clarificar isso, mas, de qualquer modo, fica registada esta nossa declaração como elemento interpretivo do texto constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há um consenso total em torno dessa ideia.
O Sr. Presidente: - Não poderia ser de outra maneira, Sr. Deputado, Pensamos que é desnecessário o aditamento. Se fosse necessário concordaríamos com ele.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, a proposta do Sr. Deputado não viria a clarificar nada porque depois haveria que discutir o que é que se entende "por mais ou menos gravosas" e qual seria, inclusivamente, a opinião do arguido. Por outro lado, também não vejo qual o tipo de medidas concretas. Pedia ao Sr. Deputado Costa Andrade que especificasse uma medida que eventualmente pudesse vir a substituir a caução.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É o caso de alguém que, tendo batido noutrem durante um desafio de futebol, ficasse proibido de ir ao futebol durante três semanas.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - De facto, o que é preciso é imaginação.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em alternativa a ir para a prisão, Sr. Deputado.
Risos.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Isso faz-me lembrar algumas medidas preventivas, como por exemplo, a de não comer sobremesa durante duas semanas.
O Sr. Presidente: - É o caso daquelas medidas que obrigam uma pessoa a apresentar-se de x em x dias junto da entidade instrutória. São medidas que, na prática, são correntes. Podemos criar outras, mas sempre com a ideia de que a prisão preventiva, em certos casos, pode ser substituída por determinados comportamentos.
O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, creio que deve funcionar - e, aliás, votarei isso favoravelmente - com o sentido de que isso serve, entre outras coisas, para estimular a criatividade do legislador ordinário. Creio que isso é positivo!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Esse é o nosso propósito, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há mais inscrições, vamos proceder à votação do n.° 2 do artigo 28.° proposto pelo PSD.
Submetido a votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP, da I D e do PEV.
É o seguinte:
- A prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução ou por qualquer medida prevista na lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, em relação ao n.° 3 do artigo 28.° proposto pela ID, gostaria de dizer o seguinte: na altura em que ele foi discutido a principal objecção apresentada foi a de que poderia haver casos em que o próprio arguido não desejasse
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que a sua prisão fosse comunicada. Nesse sentido apresentámos uma proposta de aditamento. Assim, depois da expressão "por estes indicados", aditava-se: "a menos que ele declare por escrito não desejar usar este direito". Creio que isto iria ao encontro do sentido das objecções apresentadas.
O Sr. Presidente: - Mas quando é que apresentaram a proposta, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (ID): - Não, Sr. Presidente. Faço agora essa proposta.
O Sr. Presidente: - Quer formular agora a proposta, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (ID): - Sim, Sr. Presidente.
Tanto quanto me recordo de debate desta proposta da ID, o argumento apresentado pelo PSD foi o de que haveria casos em que o próprio arguido não desejaria, por ser inconveniente e por ficar mal colocado...
O Sr. Presidente: - Qual seria a formulação, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, a formulação seria a seguinte: acrescentar ao texto da proposta o inciso "a menos que ele declare por escrito não desejar usar este direito".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, só por uma questão de método, solicitava que essa proposta fosse reduzida a escrito, para que seja arquivada.
O Sr. Presidente: - Já está, Sr. Deputado. Vai ser fotocopiada e distribuída por todos vós.
Srs. Deputados, vamos votar primeiro a proposta da ID. Se ela for aprovada, justifica-se a votação do aditamento. Caso contrário, não se justifica.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vera Jardim está aqui a dizer - e com razão - que se ele não indicar as pessoas a avisar será prova que não quer que isso suceda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... Se ele diz que não quer indicar ninguém, então não é preciso dizer, por escrito, que não quer indicar nada. O indicar as pessoas que quer que sejam avisadas já exige um acto de vontade do arguido. Este aditamento da ID vem clarificar, mas penso que é desnecessário.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Vera Jardim (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado, o aditamento tem em vista evitar a situação dúbia de não se saber se ele foi ou não colocado perante a possibilidade de usar o direito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mas quando se acrescentou "por este indicados" já foi com esse sentido.
O Sr. Raul Castro (ID): - Mas não faço questão, Sr. Presidente, se houver objecção...
O Sr. Presidente: - Não há objecção, Sr. Deputado. Temos é de saber se esta proposta é ou não prejudicada.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 3 do artigo 28.° proposto pela ID.
Submetido a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP, da ID e do PEV.
É o seguinte:
Artigo 28.°
3 - A privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança do detido por este indicados.
O Sr. Presidente: - Como esta proposta foi rejeitada, fica prejudicado o aditamento proposto pela ID.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O problema é que este artigo deixa de ser tocado. O Sr. Deputado pode formular uma proposta em relação ao actual n.° 3. Tem a mesma utilidade para o actual n.° 3, Sr. Deputado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, então, o aditamento para o n.° 3, que é válido também para a redacção proposta pela ID ou para o actual n.° 3.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não percebo qual é o significado autónomo da proposta nestas condições. O texto originário da ID incorporava uma alteração em relação ao texto actual.
O Sr. Presidente: - É a mesma coisa, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se a proposta é rejeitada, se não há nenhuma margem de inovação, o texto da ID ainda poderá surgir como redutor, ao acoplar-se ao normativo vigente...
O Sr. Presidente: - Mas o texto da ID já não está admitido, Sr. Deputado. O problema é este: a proposta da ID é mantida em relação ao n.° 3 do texto actual, que tem o mesmo significado. A seguir a "indicados" acrescenta-se "salvo se".
O Sr. José Magalhães: (PCP) - Sr. Presidente, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Raul Castro o seguinte: uma vez que foi rejeitada a melhoria que
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propôs ao texto actual, faz sentido apesar de um texto que amputado do seu conteúdo inovador, só ficaria com um segmento que representa uma restrição ou uma aclaração provavelmente inútil, senão perniciosa, em relação ao texto actual? É que um contexto de aditar, ou seja, de melhorar, de acrescer os direitos dos cidadãos privados de liberdade perceberia que se fizesse um pequeno proviso como aquele que a ID adianta, mas na lógica de manutenção do texto actual intacto o proviso aditado com base na parte não rejeitada da proposta da ID significaria, provavelmente, um encurtamento ou uma redução do teor actual do preceito, o que nem parece contrário ao espírito que presidiu à iniciativa dos proponentes. Não será assim?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, considera ou não prejudicada s sua proposta? Faça favor de dizer o que é que prefere. Não precisa de a retirar, Sr. Deputado. Basta que a considere prejudicada.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, o aditamento foi apresentado no pressuposto de que ia contra o argumento que foi apresentado na primeira volta da discussão em relação à proposta. Agora, se esta proposta, antes de votar o aditamento, já está rejeitada, o aditamento deixa de fazer sentido porque não há proposta em que ele se encaixe.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Considera prejudicada ou retira a proposta, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (ID): - Considero prejudicada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pelo que percebo a disponibilidade do PSD em relação a esta matéria é bastante reduzida. O debate na primeira volta foi, apesar de tudo, bastante mais rico do que indicia a sucessão de soluções negativas para que se vem apontando.
O receio dos Srs. Deputados do PSD era o de que ao abranger-se todas as formas de privação da liberdade se manietasse a capacidade investigadora dos polícias. A minha pergunta, é pois, a seguinte: pensam que em relação a esta meteria não há nenhuma alteração que tenha cabimento? A solução proposta pela ID é digamos, uma solução abrangente de todas as formas de privação de liberdade mas são concebíveis outras menos abrangentes, designadamente os Srs. Deputados do Partido Socialista adiantaram uma outra durante o debate.
O que gostaria de perguntar à bancada do PSD é se está inteiramente indisponível para considerar qualquer alargamento. A solução do Sr. Deputado Raul Castro era uma boa tentativa, com uma determinada bitola e âmbito. Os Srs. Deputados do PSD consideram-na excessiva. Então, isso quer dizer que não vão além do n.° 3 do artigo 28.° da redacção actual? Não estão disponíveis para considerar qualquer outra solução menos avançada do que a contida na proposta da ID, mas apesar de tudo, mais avançada do que a constante do actual n.° 3 do artigo 28.°? É esta a dúvida que me fica. Creio que haveria um campo de imaginação normativa a trabalhar, designadamente na esteira daquilo que foi adiantado, já em terceiras núpcias, pelo Sr. Deputado Vera Jardim na primeira leitura.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há casos de privação de liberdade sem decisão, anteriores à decisão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É isso, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se aguardamos a decisão pode haver horas, um dia de privação de liberdade não comunicada à família. É o caso da prisão em flagrante delito feita durante um fim-de-semana e em que não se encontra o juiz. Não há dúvida de que isso é verdade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema é exactamente esse, Sr. Presidente.
'O Sr. Presidente: - Foi por essa razão que nós votámos a favor. Pensamos que o que deve desencadear o aviso à família e aos parentes é o facto da prisão e não a decisão de prender. A prisão começa, em regra por ser um facto antes de sobre ela haver uma decisão. Enfim, o PSD dirá o que pensa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, em termos processuais não temos nada a dizer, uma vez que a proposta já foi votada.
O Sr. Presidente: - Se a vosso pedido se repetir a votação, não há nenhuma impossibilidade, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não temos razões para a alterar.
O Sr. Presidente: - Em qualquer caso, podem pensar nisso. Se em qualquer momento entenderem...
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mesmo no plenário, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Mesmo antes do Plenário, Sr. Deputado. Nada impede que qualquer um de nós diga "pensei melhor e relativamente ao ponto tal queria reabrir a votação". Não será o mesmo que dizer "dou o dito por não dito, votei assim, voto agora assado".
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, nós assumiremos, se for caso disso, com toda a lealdade, algumas mudanças.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esta diligência visava tão só saber se o PSD nesta matéria tem alguma disponibilidade para considerar soluções concretas alternativas. Nesse caso, sim, vale a pena trabalhar, sob pena de termos de lançar sobre o PSD o mais terrível dos labelos de desinteresse em relação à sorte de todos os privados de liberdade e andar adiante. Não creio que seja essa a perspectiva que nessa matéria é a mais justificável.
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O PSD reconheceu que a solução actual tem um determinado âmbito, que, como bem se evidenciou, é insuficiente. Aliás, o próprio Código de Processo Penal tem determinadas regras em relação à incomunicabilidade, regras essas que consentem mecanismos de defesa, que, de resto, o Tribunal Constitucional veio a considerar que teriam que ser bastante mais vastos do que aqueles que a versão originária consagrava. Foram aqui feitas observações muito virtuosas, mas, em termos de revisão constitucional, a questão é esta: tudo fundido e sintetizado, há ou não alguma benfeitoria? Esta é que é a pergunta! Em relação a essa pergunta o PSD tem uma resposta puramente negativa. É isso que creio que para todos os efeitos fica evidenciado nos autos e é isso que nós lamentamos. Repito estamos dispostos a trabalhar outras soluções, porventura menos ambiciosas, mas úteis em termos de garantir um acréscimo da margem de tutela constitucional das pessoas privadas de liberdade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães: A resposta a essa questão é extremamente simples.
Em relação à proposta, que tem este grau de generalidade, a nossa disposição é, com toda a franqueza, no sentido de votar contra.
Somos questionados sobre outras soluções, que não é esta, no sentido de maleabilizar as coisas...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado Costa Andrade?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, suponha que a solução a trabalhar é a que foi adiantada pelos Srs. Deputados do Partido Socialista, ou seja, a que compatibiliza o dever de comunicação nas diversas situações de privação com a marcha normal das investigações, procurando equilibrar dois valores em termos constitucionais. Como é óbvio, o legislador ordinário teria que desincumbir-se desta tarefa que lhe seria cometida, teria de buscar o ponto de equilíbrio óptimo entre o direito à não privação da comunicação (no direito processual penal português não haveria nunca desaparecidos) e as medidas tendentes a garantir uma marcha investigadora. Creio que essa poderia ser a base para uma benfeitoria em relação ao texto actual. Repare: trabalhar essa base, o que pode ser feito no âmbito da Mesa ou da subcomissão, supõe alguma disponibilidade à partida, supõe uma porta aberta. O que gostaria de saber era se essa porta está aberta ou se o PSD a fecha.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, há um risco que assumimos com alguma frontalidade, que é o seguinte: pode haver razões, para além daquela que referimos na primeira leitura, que o justificam. O risco desta situação constitucional é apenas o de permitir que durante 48 horas não haja uma decisão judicial. Decorridas as 48 horas, tem de ser proferida a decisão judicial. Há, pois um certo espaço de tempo que a constituição deixa para ponderação de interesses. Imaginemos casos de criminalidade organizada ou violenta, como a hipótese de ser detido um membro de uma associação criminosa. A comunicação à família poderia inviabilizar completamente toda a actividade investigadora em relação aos restantes membros. Temos que ter consciência de que risco é, apesar de tudo, limitado. O risco é apenas de 48 horas, risco esse que tem de ser gerido em nome de interesses fundamentais. A alternativa são as detenções no mundo subterrâneo da ilegalidade. Não podemos legalizar tudo em termos perfeccionistas, sob a pena de mandarmos para o mundo da ilegalidade algumas reacções contra os cidadãos. Assumimos, com alguma consciência este risco.
Diz o Sr. Deputado que não podemos estreitar mais a margem de risco e pergunta se não será possível aperfeiçoar mais as coisas. É uma proposta sobre a qual iremos reflectir. Neste momento não temos conhecimento de nenhuma outra proposta e, portanto, não nos podemos pronunciar com mais profundidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ler a proposta de substituição relativa ao n.° 7 do artigo 29.°, apresentada pelo PCP, que passaria a ser o novo n.° 8 do artigo 32.°, proposta essa que foi reformulada nos termos que foram fotocopiados e se fizeram circular. Refere o seguinte: "A lei pode facultar ao arguido o arquivamento ou a suspensão provisória do processo, mediante o cumprimento de injunções e regras de conduta, quando o crime for punível com pena de prisão não superior a três anos e seja obtida a concordância do arguido e do assistente".
Sr. Deputado José Magalhães, há, nesta redacção, passos que não entendo. Em primeiro lugar, o texto diz "facultar ao arguido (...) com a concordância do arguido (...)". Isto não foi redigido um pouco à pressa?
Por outro lado, é mesmo ao arguido que se deve facultar o arquivo, ou faculta-se antes ao arguido requerer o arquivamento?
Quer considerar este dois aspectos? Pausa.
Sr. Deputado, levantei-lhe o seguinte problema: na nova formulação apresentada e em parte também já velha refere-se "(...) facultar ao arguido (...)". Pergunto-lhe se é a ele próprio que se faculta o arquivamente. Por outro lado, o texto diz "(...) facultar ao arguido (...) obtida a concordância do arguido
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, as formulações utilizadas não primam pela originalidade, de resto é deliberadamente que tal ocorre. Teve-se em conta o debate que foi feito no âmbito do processo legislativo atinente ao Código de Processo Penal.
Este código, numa disposição que foi bastante polémica, e que de resto foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional no processo atenente à fiscalização preventiva do Código de Processo Penal (Processo n.° 302/86, de 9 de Janeiro de 1987), consagrou com carácter inovador esta figura que exprime uma outra concepção do papel do Ministério Público e uma certa quebra em relação à visão clássica e tradicional do princípio da legalidade.
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A preocupação manifesta que levou a esta solução foi a de encontrar formas aptas para, de acordo com ensinamentos e experiências da doutrina e da realidade estrangeira e necessidades da nova realidade processual-penal, encontrar formas expeditas de tratamento de certos casos. Teve-se em mente, em princípio, e sobretudo, porventura mesmo em exclusivo, a pequena criminalidade.
Foi assim que o artigo 281.° do Código de Processo Penal na sua versão vigente veio estatuir - o Sr. Presidente verificará a coincidência entre os textos - que "se o crime for punível com a pena de prisão não superior a três anos ou com sansão diferente da prisão pode o Ministério Público decidir, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo mediante imposição ao arguido de injunções e regras de conduta se se verificarem os seguintes pressupostos: concordância do arguido e do assistente, ausência de antecedentes criminais do arguido, não haver lugar a medida de segurança e de internamento, carácter diminuto da culpa, e a ser de prever que o cumprimento das injunções é regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir".
O Sr. Presidente: - De qualquer modo, não é a mesma coisa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A seguir elencam-se no n.° 2 as injunções e regras de conduta susceptíveis de serem opostas ao arguido. Os n.ºs 3, 4 e 5 aditam e complementam a mancha normativa que visou delimitar esta nova figura.
Pela nossa parte procurámos manter-nos próximos destes contornos, como uma diferença, como é óbvio: é a de que estamos a legislar em sede constitucional e, portanto, não caberia reproduzir ou decalcar puramente o preceito legal vigente. No entanto, a preocupação que temos é a de que tudo o que está no preceito seja absorvido e, portanto, que não se venha a extrair desta norma qualquer inconstitucionalização de soluções adquiridas, mas, pelo contrário, a sedimentação e a estabilização de uma solução que foi polémica na sua génese e que ignoramos ainda que resultado é que possa vir a ter (parco tem sido nestes meses!).
Por último, devo dizer que falta no texto distribuído agora uma menção ao juiz de instrução. O Sr. Presidente estava a verificar, nesse ponto, a desconformidade.
O Sr. Presidente: - Então, anula-se no texto a primeira referência ao arguido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, não é ao arguido.
O Sr. Presidente: - Ao juiz de instrução.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Também não é ao juiz de instrução.
O Sr. Presidente: - Então, a quem é?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É ao Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, que cabe o poder.
O Sr. Presidente: - Então, corrige-se a proposta nesse sentido. A expressão "obtida a concordância do juiz de instrução" vem no fim do texto da proposta?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Portanto, o texto ficaria do seguinte modo: "(...) obtida a concordância do juiz de instrução e do assistente".
O Sr. José Magalhães (PCP): - E do arguido também.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Srs. Deputados, rectificada a redacção da proposta apresentada...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de perguntar se o PSD em relação a esta matéria mantém a posição de simpatia relativa que exprimiu na primeira volta, na primeira leitura do articulado, ou se assim não é, porque isso, como se sabe, não é absolutamente nada indiferente para o resultado da démarche.
O Sr. Presidente: - O PSD pretende pronunciar-se acerca desta matéria?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Obviamente que não podemos estar contra este tipo de normativos. De resto, tal como o Partido Socialista, votámos favoravelmente o Código de Processo Penal e, portanto, as soluções dele constantes. De facto, não podemos ser contra este tipo de soluções.
Temos é dúvidas fundadas - e já o dissemos - sobre se isto é matéria de Direito Constitucional. Esse é o problema latente. Teríamos então, que ir sedimentando imediatamente em matéria constitucional todos os ganhos que se vão obtendo em matéria de legislação ordinária? Estamos à vontade para colocar essas dúvidas, sem prejuízo da nossa simpatia para com a proposta, na medida em que somos favoráveis a este tipo de regulamentações. Temos, sim, dúvida de que isto deva ser já inserido na Constituição. Não pode vir tudo aqui expresso, sob pena de a breve prazo deixar de haver diferença entre a lei fundamental e a lei ordinária. Esta é uma experiência que se está a encetar e ninguém tem certezas quanto ao êxito de tais medidas.
Repito: por princípio, somos favoráveis a este tipo de normas, até porque fomos, dos partidos com assento parlamentar, um dos mais activos no sentido da sua consagração, mas não vemos utilidade em inserir isto na Constituição. Estamos inteiramente de acordo com este tipo de soluções, embora entendamos que não devem ser introduzidas na Constituição.
Aliás, temos estado aqui num equívoco sistemático: estamos a apreciar o artigo 29.° mas o Partido Comunista mudou esta norma para o artigo 32.°
O Sr. Presidente: - Esse é um problema sistemático. De qualquer modo, podemos discutir em que artigo poderá ficar incluído o texto desta proposta.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Parece-me que é mais correcto ser no artigo 32.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta tem em conta uma sugestão do Sr. Deputado Costa Andrade.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Parece-me que isto é matéria relativa ao artigo 32.°
No entanto, penso que a formulação originária do Partido Comunista seria, apesar de tudo, mais conforme com o Direito Constitucional que viesse a ser consagrado. Não daremos para já esse contributo no sentido da elevação do Direito Constitucional. Pode ser que numa próxima eventual revisão constitucional, tendo já passado algum tempo, venhamos a ponderar o problema de outro modo. De qualquer maneira, a proposta originária apresentada pelo- PCP parece-nos melhor do que a actual, porque esta restringe mais as coisas. Segundo esta proposta, já ficaria estabelecida constitucionalmente uma baliza, que é a da prisão não superior a três anos, aspecto que a proposta originária não contemplava.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não. Nós usávamos o conceito de pena maior. Mas, uma vez que o PSD pretende traduzir esse conceito fazendo-o equivaler a prisão superior a três anos, o argumento não faz sentido. A proposta do PCP originária e a actual dizem... o mesmo (traduzido)!!!
O Sr. Presidente: - Penso que a grande correcção do texto está em que não se faculta ao arguido mas, sim ao Ministério Público.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mesmo assim a minha objecção tem algum relevo: o Partido Comunista estreita mais o campo de manobra possível desta nova figura, porque estabelece o limite de três anos, ao passo que na outra fórmula se verificava um alargamento até aos casos de pena maior.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que são precisamente esses na vossa definição.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - No direito vigente, quando se fala em pena maior ainda se entende que varia entre seis meses e três anos, por força de lei da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, utilizemos aqui uma monocoloração em matéria de conceitos: vamos admitir que o conceito que o PCP utiliza é o que for adquirido lá atrás quanto à tradução constitucional de noção de pena maior. E prescindamos do raciocínio sobre supostos vícios da reformulação que propusemos, porque os vícios serão todos os que tiver a vossa solução e as virtudes serão todas as que a vossa solução tiver. Se nos quer criticar, não use este ponto, que é de escala móvel, inteiramente transparente (no sentido de sem conteúdo próprio). Os outros não.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Estou inteiramente de acordo. Para abreviar, diria que a nossa posição é esta: não podemos ser contra isto, mas não estamos preparados para o inscrever já na Constituição. Em conformidade, votaremos para que esta norma não seja já inscrita na Constituição.
O Sr. Presidente: - Nós também nos iremos abster - não sei se é esse o sentido do vosso voto -, mas com o siginificado de que não somos contra a medida em causa. Somos, sim, contra a constitucionalização dela neste momento e também contra a concreta redacção, que não nos pareceu muito feliz, mesmo na nova formulação que, apesar de tudo, é melhor que a anterior.
Passamos, então, à votação da proposta de substituição do PCP relativa ao n.° 7 do artigo 29.°, que passa a n.° 8 do artigo 32.°
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PSD e do PS.
É a seguinte:
8 - A lei pode facultar ao arguido o arquivamento ou a suspensão provisória do processo, mediante o cumprimento de injunções e regras de conduta, quando o crime for punível com pena de prisão não superior a três anos e seja obtida a concordância do juiz de instrução, do arguido e do assistente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos apreciar agora a proposta relativa ao n.° 1 do artigo 30.° apresentada pelo PCP, que refere o seguinte: "As penas e medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade têm como fim primordial a reinserção social dos cidadãos a quem sejam aplicadas."
Esta proposta está próxima da proposta apresentada pelo PS para o respectivo n.° 5, a qual tem uma redacção semelhante, só que se refere à execução das penas e não às próprias penas e medidas. As duas propostas de algum modo complementam-se. Enquanto que o PCP propõe que "as penas e medidas tenham como fim primordial a reinserção social dos cidadãos", o PS preocupa-se com a execução das penas e não com a sua definição. Embora a redacção de ambas as propostas não seja rigorosamente igual é bom que no espírito de quem vai votar, elas sejam aproximadas.
De qualquer modo, o PS reformulou esta sua proposta numa outra proposta que apresentou, a qual foi fotocopiada e distribuída, com o seguinte texto: "A execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos condenados" (em vez de "arguidos"). Portanto, deixaríamos cair tudo o que está para lá disso, ou seja, "(...) e para o desenvolvimento integral da sua personalidade, no respeito e dignidade da sua pessoa humana". Numa segunda leitura isto parece-nos um pouco farfalhudo e talvez desnecessário.
Assim, iríamos votar em primeiro lugar a proposta apresentada pelo PCP e em segundo lugar a proposta apresentada pelo PS. Isto a menos que o PCP quisesse reconduzir a sua proposta à nossa, porque nos parece que esta referência feita às penas e medidas nestes termos não traz muito de novo. Toda a gente sabe que as penas têm essa função. Poderá haver eventualmente dúvidas é sobre se a execução delas deve ser feita nesses mesmos termos. De modo que se os Srs. Deputados do PCP pretenderem reconduzir-se à nossa proposta na nova formulação temos muito gosto em subscrever em conjunto uma proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não estranhará V. Exa. que a minha curiosidade principal seja incidente sobre a atitude do PSD nesta matéria. Devo dizer que da nossa parte há uma completa disponibilidade para subscrever qualquer texto que introduza aperfeiçoamento neste ponto da Constituição...
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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está hoje muito sem critério!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, o critério é consagrar constitucionalmente a ideia da reinserção social. Tão simples como isso.
Risos.
O Sr. Presidente: - O PSD não quererá pronunciar-se sobre estas nossas duas propostas?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A nossa posição quanto a esta matéria é a seguinte: por razões que já explicitámos na primeira leitura, em termos de política criminal, somos inteiramente favoráveis à política da reinserção social. Pelas razões então expostas, vemos alguns inconvenientes na elevação do imperativo constitucional da ressocialização e por isso votaremos contra ambas as propostas.
Por outro lado, solicitamos à Mesa que adie a votação da proposta relativa ao n.° 6 apresentada pelo Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não considera que a ideia de reinserção social não tem força suficiente, contrariamente ao que dizíamos há pouco acerca da outra proposta, para constar da Constituição? É que se trata de uma ideia muito forte, sobretudo se expurgada da parte mais farfalhuda. Já reconhecemos isso, e pareceu-nos, na primeira conversa acerca desta matéria, que os senhores seriam mais sensíveis à primeira parte, razão pela qual fomos em direcção ao vosso voto, cortando a parte que nos pareceu que vos faria mais confusão.
De qualquer modo, penso que reduzido, à expressão "a execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos condenados" o texto embeleza a Constituição. Este número engloba tantas normas de Direito Penal e Direito Processual Penal que não creio que haja outros com mais dignidade do que ele.
Neste sentido, e já que os senhores têm alguma abertura quanto ao n.° 6, porque não então também a votação relativa ao n.° 5? Nesse caso ponderariam em conjunto as duas propostas. Esta é a minha sugestão. Julgo, inclusivamente, que a primeira proposta, a relativa ao n.° 5, tem tanta dignidade como a segunda, se não mais.
Em todo o caso, opomo-nos a esta proposta pelas razões que já referimos. É evidente que não temos de nos pautar por isso, pois somos legisladores constituintes, mas há um certo normativo derivado dos factos. Faria, pois, o seguinte desafio: se se inquirirem todas as pessoas, no âmbito das universidades de Lisboa e de Coimbra, que se têm preocupado com estes temas sobre se são ou não favoráveis a uma norma como esta, quase arriscaria o meu prognóstico de que, fossem de direita ou de esquerda, praticamente todas diriam que não - e conheço, naturalmente, a posição de outras pessoas com outra perspectiva, a da reinserção social, porque trabalham nesse âmbito. Quanto ao programa de política criminal, penso que hoje não há dúvidas na sociedade portuguesa de que a sua vertente principal tem de ser a da reinserção social. Mas como princípio de Direito Constitucional esta proposta é, do nosso ponto de vista, muito perigosa. Já fiz esse teste, por exemplo, na faculdade onde dou aulas, e na qual há estudiosos das questões do Direito Penal e de outras questões do mesmo teor. E estou a falar não como membro do PSD mas, sim, como aprendiz e estudioso destas matérias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, então não valeria a pena adiar a votação.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, Sr. Presidente. Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de substituição relativa ao n.° 5 do artigo 30.°, apresentada pelo PS.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra dos PSD e os votos a favor do PS, do PCP e da ID.
É a seguinte:
5 - A execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos condenados.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, fica somente adiada a votação da proposta referente ao n.° 6 daquele artigo.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.
O Sr. Vera Jardim (PS): - A redacção da nossa proposta - e não entrando agora na crítica da proposta apresentada pelo PCP, que coloca problemas mais graves de política criminal, porque se refere às próprias penas - é um pouco diferente. A nossa proposta é limitada à execução das penas e medidas de segurança, o que coloca muito menos problemas de política criminal.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Vera Jardim, creio que essa diferença foi salientada na primeira leitura. A proposta apresentada pelo PCP nunca poderia ser aprovada devido ao aspecto relativo às penas. Não vale a pena discutir agora as implicações disso, mas sempre diria que essa é uma proposta muito perigosa do ponto de vista da liberdade dos cidadãos. A questão tem de se limitar à execução das penas.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - E a proposta do PCP?
O Sr. António Vitorino (PS): - A do PCP foi retirada.
O Sr. Presidente: - Não, em bom rigor deveria ter-se votado em primeiro lugar a proposta apresentada pelo PCP, mas como ele se tinha predisposto a fundi-la com a nossa não sei se valerá a pena votá-la.
VV. Exas. retiram-na ou vamos votá-la? Como já referi, deveria ter-se votado primeiro a nossa proposta, mas como surgiu a ideia de uma fusão acabei por me esquecer dela e pôr a votação apenas a nossa proposta. Pretendem que a votemos agora, ou consideram-na já prejudicada por esta votação?
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em bom rigor deveríamos ter reformulado o texto, e de resto estamos disponíveis para o fazer. No quadro da discussão contávamos com uma posição mais receptiva por parte do PSD e, portanto, não apresentámos um texto reformulado.
O Sr. Presidente: - Então, se o Sr. Deputado concordar, vamos fazer o seguinte, pois era isso que estava no nosso espírito: aquilo que se votou foi a nossa proposta assinada em conjunto por VV. Exas. e por nós. Está certo?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode ser, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, a proposta do PCP fica prejudicada.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O PCP subscreve esta proposta?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não posso, Sr. Deputado Costa Andrade, porque se bem reparar no teor do papel logo se perceberá porquê.
O Sr. Presidente: - Faça já a redacção da proposta. Pausa.
Portanto, proposta para o n.° 5 do artigo 30.°: "A execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos reclusos". A proposta circulará a posteriori. Vamos avançar no sentido de votarmos a proposta do PCP para o n.° 6 do artigo 30.° É um número novo, já foi discutido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O n.° 6?
O Sr. Presidente: - Sim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o n.° 6 está suspenso pelas mesmas razões do n.° 5.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Talvez se consiga uma formulação conjunta e talvez o PSD possa dar o seu voto favorável.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Nós, a páginas 275 do Diário n.° 10, RC, de 6 de Maio de 1988, tínhamos chegado a adiar uma redacção que fundia uma outra contribuição do Sr. Deputado Costa Andrade com uma outra que tinha surgido e dizia qualquer coisa como: "A lei assegura os direitos fundamentais das pessoas que cumpram penas privativas de liberdade, só podendo o seu exercício ser limitado nos termos da sentença condenatória na estrita medida das exigências do regime prisional".
O Sr. Presidente: - Talvez aqui também pudéssemos apresentar uma proposta conjunta, no sentido da aproximação da nossa.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Tenho que consultar o meu partido.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação da proposta relativa ao n.° 5 do artigo 30.° apresentada pelo PEV, que é uma proposta nova e diz o seguinte:
"O Estado garante a dignidade humana e a integridade física e moral dos reclusos o apoio educacional e jurídico e assegura-lhes as condições necessárias ao relacionamento adequado com os cônjuges, companheiros e familiares".
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP e da ID.
O Sr. Presidente: - Passamos seguidamente ao n.° 6 do artigo 30.° proposto pelo PEV, que é do seguinte teor:
"A lei assegura que as penas tenham como objectivo primordial a reinserção do recluso na sociedade, sejam cumpridas em condições de salubridade e, sempre que possível, substituídas pela realização de tarefas sociais úteis e necessárias à colectividade".
A primeira parte está prejudicada, não está prejudicada a segunda. Não sei se valerá a pena votarmos só a segunda parte. Como não se encontra presente o PEV talvez devamos esperar por ele.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto à primeira parte está manifestamente prejudicada. Relativamente à segunda não está, mas aí a questão é saber se o PSD mantém a mesma perspectiva malthusiana, recusando-se a aditar o que quer que seja em matéria de política criminal constitucional numa espécie de repugnância pela elevação constitucional de ideias que diz estimar.
O Sr. Costa Andrade (PCP): - Obviamente que o sentido dos nossos votos não pode ter essa conotação.
O Sr. Presidente: - Vamos então votar a proposta do n.° 6 do artigo 30.° apresentada pelo PEV, a cuja leitura se procedeu há pouco.
Submetida a votação não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e a abstenção do PS.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 31.° não há propostas.
Para o artigo 32.° há diversas propostas. Uma do CDS para o n.° 4, que diz:
"A instrução é da competência de um juiz, podendo a lei atribuir a outras entidades a prática dos actos instrutórios que não se prendam directamente com os direitos fundamentais".
A proposta do PCP para o n.° 4:
"A lei assegura os meios necessários à defesa eficaz do arguido, independentemente da sua situação económica ou condição social".
Para o n.° 9 do artigo 32.° o PCP propõe:
"As informações constantes do processo criminal não podem, fora do respectivo âmbito, ser transmitidas a quaisquer autoridades ou usadas para outros fins que não os do processo".
A ID propõe um novo n.° 8 para o artigo 32.° dizendo:
"O julgamento da causa não pode caber a juiz que tenha intervindo no processo na fase de instrução ou na de pronúncia ou equivalente".
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Vamos proceder à votação da proposta do CDS relativa ao n.° 4 do artigo 32.° que acabou de ser lida.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID.
O Sr. Presidente: - Passamos seguidamente à proposta do PCP. Quererá o PCP justificar a sua proposta, dado parecer-me que há aqui uma duplicação do que está no artigo 20.°, no sentido de ver se nos convence da necessidade deste dispositivo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós, do debate feito na primeira leitura colhemos a vossa opinião de que a norma em causa caberia melhor no artigo 20.° Em todo o caso, não nos pareceu que a problemática das garantias do processo criminal não merecesse uma menção explicitadora ou enfatizadora, dado que ignoramos a situação de particular debilidade que neste campo se vive em Portugal. E daí a alusão à defesa eficaz.
Por outro lado, o combate às desigualdades económicas e sociais parece-nos de particular importância, sobretudo num quadro em que houve uma mutação processual penal e em que os objectivos proclamados de melhoria da situação, nesse ponto, não passam, precisamente de proclamações.
É evidente que a inserção de uma cláusula deste tipo na Constituição tem a grandeza e as implicações de que todos estamos cientes. Não temos a pretensão de resolver duma "penada", através da inclusão do inciso, todo o drama processual penal português e todos os problemas da desprotecção punjente em que muitos e muitos arguidos se encontram. Em todo o caso, a alusão à defesa eficaz - que não pode ser assegurada sem que a lei ordinária preencha determinados requisitos, designadamente quanto ao apoio a prestar, quanto às garantias a atribuir, em concreto - e, por outro lado, a menção explícita de que também aqui o bom combate a travar é contra a desigualdade parecem-nos francamente úteis.
Relembro, aliás, que esta matéria foi debatida aqui em dois momentos, e desses dois momentos extraí esta ideia. Por nós, não podemos decair da nossa ideia de que a Constituição neste ponto precisaria de alguma melhoria.
Estamos, obviamente, disponíveis para encontrar outras formas de o dizer. Por exemplo, um dos Srs. Deputados do PS chegou a aventar que melhor que a cláusula final que o PCP adita seria qualquer coisa que dissesse "evitando quaisquer discriminações". Não sei se, tudo visto isso vos parece suficiente meritório, pois na visão que aqui exprimiram na primeira leitura o artigo 32.°, ele próprio seria um conjunto enorme de "redundâncias" e de "coisas que já estão". Ora, sucede que não é assim. Todo o objecto do artigo 32.° é preencher, elo a elo, uma malha que evidentemente poderia, como acontece noutras construções, ser objecto de um só enunciado extenso e denso, (até porque o n.° 1 já estatui: "O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa)".
Acredito que alguns minimalistas se satisfariam plenamente só com este n.° l, entendendo portanto que tudo o mais, no artigo, é um pouquinho "redundante".
Não têm, em nosso entender, razão. É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Alguém quer fazer alguma precisão sobre isto ou passamos à votação?
Pausa.
Sendo assim, vamos votar a proposta do PCP para o n.° 4 do artigo 32.°, que foi lida há pouco.
Submetida a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra o PSD, os votos a favor do PCP, da ID e do PEV e a abstenção do PS.
O Sr. Presidente: - Vamos votar seguidamente a proposta do PCP de um novo n.° 9 para o artigo 32.° Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, este número reformulado tem em conta, supomos nós, todas as observações que foram feitas durante o primeiro debate.
O Sr. Presidente: - Há uma reformulação a tomar em conta. "As informações constantes do processo criminal, quando sujeitas a segredo de justiça, só podem ser usadas para os fins do processo, sendo vedada a sua transmissão a outras autoridades".
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, que é um especialista nestes domínios.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que a formulação originária não podia ser aceite, por várias razões, já aqui invocadas.
Quanto a esta formulação não sabemos o que possa acrescentar à ideia de segredo de justiça. Por outro lado, na medida em que acrescente alguma coisa, poderá tomar-se isso em termos absolutos? Será, por exemplo, ilícito querer saber, para efeitos estatísticos, quantas instruções estão a decorrer por furto? O juiz de instrução não pode comunicar às instâncias superiores, ao Conselho Superior de Magistratura, quantos processos tem em instrução ainda na fase de segredo? E para efeitos universitários, de estudo ou por exemplo, de estatística, não se pode informar que estão em curso "tantos" processos por furto, por estupro ou por qualquer outro crime? Desta formulação parece resultar que tais informações não podem ser transmitidas a outras autoridades. Esta proposta, tomada como está, ou é inútil, porque diz que há-de haver segredo de justiça quando é certo que ele já existe, ou diz mais do que isso, o que nos parece inconveniente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto à primeira observação do Sr. Deputado Costa Andrade, creio que o preceiro inculca precisamente o contrário daquilo que acabou de afirmar. Quando de diz "as informações constantes de processo criminal", evidentemente não se exclui as informações sobre o número de processos. Está-se a excluir, obviamente, as informações contidas nos processos, isto é as informações que estão sob segredo. O número de processos não está sob segredo. Outros dados, de carácter puramente estatístico e não
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individualizável, não estão sob segredo. A nossa proposta recobre exactamente a mesma mancha que nos termos processuais penais está abrangida.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se a um juiz de instrução se pergunta quantos processos tem, por exemplo, em relação a menores de 21 anos, tratam-se de informações que constam dos processos e ao responder o juiz estará a dar informação sobre matéria do processo. Há-de proibir-se isto?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é matéria, Sr. Deputado Costa Andrade, susceptível de ser dirimida com simplicidade! O artigo 86.° do Código de Processo Penal pode ser interpelado nos termos em que o Sr. Deputado acaba de me interpelar a propósito do texto do PCP. Pode o leigo (não é o caso do Sr. Deputado) interpelar o autor do Código de Processo Penal e dizer-lhe: "quando tu disseste que o segredo de justiça vincula todos os participantes processuais bem como as pessoas que, a qualquer título, tivessem tomado contacto com o processo e tomado conhecimento de elementos a ele pertencentes" e que implica as proibições de assistir à prática tornada de conhecimento de conteúdo ou divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos independentemente do motivo que presidir a tal divulgação, isso quer dizer que o juiz não pode informar quantos menores de cabelos loiros e olhos azuis é que estão, neste momento, abrangidos por processos? È óbvio que o bom hermeneuta, o razoável hermeneuta do artigo 86.°, n.° 3, alíneas a) e b), dirá seguramente, julgo eu, que não com a mesma candura, lisura e pureza de razões com que lhe respondo que não em relação ao texto que propusemos! É evidente que a palavra "informações" é polissémica, é evidente que a expressão "segredo de justiça", até ela própria, tem que ser preenchida, por aplicação das regras habituais nessa matéria, uma vez que a Constituição não tem que ter um conceito próprio de segredo de justiça, a não ser que o definíssemos aqui, o que pareceria impertinente.
Em suma: poderemos calibrar a redacção para excluir, em absoluto, qualquer equivocidade. É em torno disto que é possível buscarmos algum entendimento, e buscá-lo tendo em vista uma razão. Qual há-de ser a razão do preceito? Qual há-de ser a utilidade do preceito? A utilidade do preceito, e aí está a sua diferença em relação ao texto que apresentámos. Assenta nisto que pareceria uma verdade apodítida: "as coisas do processo criminal são para o processo criminal"; "as coisas secretas do processo criminal ficam no processo criminal". Se um juiz de instrução mandar fazer uma escuta ao telefone do Sr. Deputado Costa Andrade, por razões que a lei estatui, essas escutas não podem ser utilizadas para qualquer outra finalidade que não para isso. Designadamente, não é lícita a utilização dessas escutas para outras finalidades, como, por exemplo, o interesse do serviço de informações em certas actividades do Sr. Deputado ou, por exemplo, para divulgação pública num órgão de comunicação social. Não é lícito pura e simplesmente! Não pode ser! É evidente que a lei terá que acautelar tudo isto devidamente, mas a Constituição também deveria contribuir para esse fim.
É evidente que já hoje são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, ou abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações". Daqui se extrai, por exemplo, a ideia de que a realização de escutas pelos serviços de informações é absolutamente inconstitucional, desprovida de qualquer cobertura. No entanto, admitamos e figuremos a seguinte hipótese: é possível realizar intercepções, por exemplo, de correspondência ou de telecomunicações e obter a partir daí determinadas informações, com legítimas finalidades de processo criminal. Enquanto essas informações estiverem em segredo de justiça - e note-se que se não houver outro interesse relevante a proteger, a partir do momento em que o deixarem de estar todo e qualquer um, incluindo o mais humilde espião, pode ter acesso a elas - será que é legítimo admitir a comunicação ou a transmissão dessas informações, face aos parâmetros constitucionais (tal qual sou capaz de os abranger e de os identificar hoje, por outros pontos de referência e outras metas e outros elementos de enquadramento)? Creio que não! Em todo o caso, é útil haver uma norma explicitadora que garanta', no fundo, aquela ideia com que iniciei estas considerações breves, qual seja: "ao processo criminal o que é do processo criminal, enquanto o segredo for útil em termos processuais". Basicamente é essa a ideia. É em reiação a essa ideia que pergunto se as objecções do PSD são sustentáveis em algum argumento, já que é sempre possível invocar uma vontade política cega...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, como conteúdo normativo esta proposta não acrescenta nada de útil àquilo que já está previsto no Código de Processo Penal em matéria de segredo.
Em relação às considerações que o Sr. Deputado daí quis tirar, parece-me que, de certa maneira, elas provam de mais ou de menos. À custa deste preceito, o Sr. Deputado quer impedir que o conteúdo de escutas obtidas legitimamente para efeitos processuais seja transmitido fora do processo penal. Diz o Sr. Deputado que este preceito é necessário. Digo eu que não é necessário para nada porque já temos o Código Penal. Qualquer juiz que transmitir, fora de um processo, informações relativas à vida privada das pessoas captadas através de escutas telefónicas é responsável pelos crimes previstos no Código Penal relativos à reserva da vida privada - e isto quer na fase de segredo quer na fase posterior. Sou ainda mais exigente do que o Sr. Deputado no que toca à protecção da vida privada, que deve ser assegurada não só na fase de segredo como também depois dela. Não concordo com o Sr. Deputado quando diz que terminada a fase de segredo se pode facultar todos os elementos obtidos a qualquer espião. Para mim, a reserva da vida privada continua a ser reserva da vida privada, tutelada, inclusivamente, pelo Código Penal. O interesse que o Sr. Deputado quer assegurar, que extravasa de segredo de justiça, é já assegurado por meios mais eficazes.
Em síntese, esta norma parece-nos inútil na medida em que se sobrepõe à parte normativa do segredo de justiça prevista no Código de Processo Penal. Na parte em que quer atingir outros efeitos, não o consegue; há meios eficazes ao dispor da ordem jurídica, como é o caso do Código Penal. O juiz que tenha a conduta que o Sr. Deputado referiu pode ser condenado pela
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prática de crime contra a reserva da vida privada. É isso que consta dos artigos 178.° e seguintes do referido diploma legal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu também acho que sim, Sr. Deputado, mas, como sabe, certas autoridades pronunciam-se em termos reticentes e agem sem reticências...
O Sr. Costa Andrade: - Digo-lhe mais, Sr. Deputado: acabei de publicar um artigo recente dizendo que o juiz que fizer isso comete crime.
O Sr. José Magalhães: - Sr. Deputado, tenho uma grande estima científica por esse artigo, mas desejaria que aprovássemos uma norma. Seria certamente, menos extensa e douta que esse estudo seu, mas teria, sem dúvida, enorme utilidade. Devo dizer, aliás, que a minha preocupação não são os seus estudos, mas, sim, certos estudos dos serviços de informações.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo dizer que não tenho nenhuma razão que me leve a votar contra esta proposta. No entanto, sempre que se trata de uma proibição redonda é muito difícil ter a certeza de que não estou a fechar a porta a hipóteses que deveriam ser excepcionadas. Há pouco o Sr. Deputado Costa Andrade falou nas estatísticas. O Instituto de Política Criminal só pode fazer os seus estudos a partir dos casos julgados. Antes de julgados não pode toma-los com conta. Não sei se amanhã não se justificaria qualquer outra excepção. Os "sós" metem medo, sobretudo na Constituição. Bem sei que em matéria de defesa de direitos o "só" pode ser a palavra ideal, a mais dourada. Mas, de qualquer modo, não nos sentimos em condições de votar contra ou a favor desta proposta. Iremo-nos abster por esta razão e devido às considerações que fiz.
Não há mais inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há mais inscrições, vamos proceder a votação do n.° 9 do artigo 32.° proposto pelo PCP.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PS e do PEV.
É o seguinte:
Artigo 32.°
9 - As informações constantes de processo criminal não podem, fora do respectivo âmbito, ser transmitidas a quaisquer autoridades ou usadas para outros fins que não os do processo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à proposta de aditamento apresentada pela ID de um novo n.° 8, que refere o seguinte:
Artigo 32.°
8 - O julgamento da causa não pode caber a juiz que tenha intervindo no processo na fase de instrução ou na de pronúncia ou equivalente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, não queria reabrir esta discussão, mas, tendo presente os termos em que ocorreu o debate na primeira leitura, desejaria apenas acrescentar o seguinte: com este número pretende-se constitucionalizar uma disposição, não obstante ela já constar do Código de Processo Penal. É um princípio que tem uma cena importância e que não fica esgotado por constar do Código de Processo Penal, já que a Constituição fica mas os Códigos de Processo Penal passam. Portanto, esta alteração tem em vista dar dignidade constitucional a esta disposição.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não pensa que a expressão "pronúncia ou equivalente" carece de actualização? Hoje já não é assim que se dizem as coisas. Não é assim, Sr. Deputado Costa Andrade?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Isso é verdade, mas não tem importância.
Pelas razões que já referimos anteriormente, vamos votar contra este preceito. Repito: isto seria redundante, e o que digo agora vale também para todo um conjunto de artigos. Não podemos estar sempre a repetir o mesmo. Votámos contra muitas propostas hão propriamente por não concordarmos com elas, não porque a matéria em si nos levasse a votar contra. O que interessa saber é que estas normas devem ou não ser elevadas à categoria de normas constitucionais. Nestes casos, o nosso voto contra ou a abstenção têm, em termos práticos, o mesmo sentido. Umas vezes levámos o rigor a fazer algumas distinções, outras não.
Votaremos contra este n.° 8 porque, como já referimos, diz o que já consta do n.° 5 do mesmo artigo. Quando se diz que "o processo criminal tem estrutura acusatória" quer-se significar que o juiz de instrução não pode ser o juiz da causa.
O Sr. Presidente: - Como não podemos discordar do que está expresso neste n.° 8, não vamos votar contra. Não estamos a "chumbar" o que consta da lei ordinária, mas entendemos que isso talvez seja desnecessário. Em todo o caso, só discordamos rigorosamente da redacção, porque pensamos que em vez de se dizer "na pronúncia ou equivalente" deveria referir-se "na fase da instrução ou da acusação". Isso seria uma correcção meramente formal. Por outro lado, deveria dizer-se "no respectivo processo de saneamento". É uma clarificação, não é mais do que isso.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, para estar de acordo com a actual situação, o número deveria terminar com a palavra "instrução".
O Sr. Presidente: - "Na fase de instrução", Sr. Deputado?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nós abstemo-nos porque não queremos inconstitucionalizar o que consta da lei ordinária, mas entendemos que, neste caso também não se deve constitucionalizar o que lá está.
Não há mais inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
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Como não há mais inscrições, vamos então proceder à votação do n.° 8 do artigo 32.° proposto pela ID, a cuja leitura se procedeu há pouco.
Submetido a votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP, da ID e do PEV e a abstenção do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora analisar o artigo 32.°-A proposto pelo PCP, que é do seguinte teor:
Artigo 32.°
Garantias dos processos sancionatórios
Nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios são assegurados ao arguido todas as garantias adoptáveis do processo criminal, designadamente as de audiência, defesa e produção de prova.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o debate que travámos sobre esta matéria é bastante elucidativo quanto à impossibilidade de afirmação de que nos diversos tipos de processos sancionatórios não deva haver um núcleo de garantias basilares para aqueles que neles ocupem uma posição que exija defesa.
Houve sugestões ou observações tendentes a restringir este normativo proposto pelo PCP e a sugerir, até, a sua inserção noutra área constitucional, mais concretamente em sede de Administração Pública. Isso parece-nos redutor, uma vez que há processos sancionatórios que não dizem respeito a entidades situadas na esfera da Administração Pública.
Houve também sugestões, mas não concretizadas, no sentido de restringir o número de garantias, de elencar só o núcleo de garantias básicas. Devo dizer que não temos nenhum problemas em aderir a essa ideia, com o que exprimo, Sr. Presidente, a nossa disponibilidade para se criar uma norma reformulada.
É evidente que é possível buscar arrimo na Constituição para algumas ou mesmo para todas as ideias que estão expressas no nosso texto. Não se concebe que nos processos sancionatórios não sejam asseguradas as garantias de audiência prévia, de defesa de produção da prova. Eis o que há de mais básico. Sem isso não se pode conceber que um processo sancionatório seja coisa diferente do puro arbítrio por parte de quem o comande.
Feitas todas as reflexões e ponderações, se a questão é a de se uma fórmula que proclame os direitos de audiência, de defesa e de produção de prova como direitos basilares dos processos sancionatórios, tomando como base a matriz do processo criminal, que é porventura, de todas as que são imagináveis, a mais preenche de garantias, então muito bem. Creio, Sr. Presidente, que poderíamos fazer algum trabalho útil preenchendo aquilo que é um espaço menos elaborado no tecido constitucional.
O Sr. Presidente: - Perguntava ao PCP se está disposto a reformular a sua proposta, no sentido de dizer qualquer coisa como isto: em vez de se referir "no
processo disciplinar e demais processos sancionatórios" dir-se-ía "e, em geral, no processo sancionatório".
Por outro lado, onde se diz "são asseguradas ao arguido todas..." poderíamos eliminar a palavra "todas". Depois a seguir a "as garantias aplicáveis do processo criminal" pôr-se-ía "nos termos da lei". Isto é fundamental para nós e poderia atenuar um pouco as resistências do PSD.
Quanto ao direitos nós temos tendência para pôr a presunção de inocência, a audiência prévia, a defesa e a produção de prova.
Nestes termos nós votaríamos a favor. No fundo, são precisões, mas o importante é introduzir aqui "nos termos da lei" e eliminar esta referência a "todas" as garantias e demais processos. Poder-se-ía dizer qualquer coisa como isto: "no processo sancionatório são asseguradas ao arguido as garantias aplicáveis ao processo criminal nos termos da lei "ou" aplicáveis ao arguido nos termos da lei as garantias, designadamente as de presunção de inocência, audição prévia, de defesa e produção de prova".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devo dizer que a solução seria compromissória. A remissão para a lei reveste-se de um significado de que todos estamos cientes. No entanto, seria uma contribuição útil e que corresponderia a uma das preocupações que tivemos neste processo. Creio que valeria a pena trabalhar essa formulação.
O Sr. Presidente: - Se o PSD quiser pensar nisso, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, já nos referimos a esta questão na primeira leitura. Temos que ter em conta as implicações de uma norma como esta, que por exemplo, inconstitucionalizaria o processo das contra-ordenações. Como é evidente, não a podemos aceitar. Neste artigo 32.° - A proposto pelo PCP diz-se "os processos disciplinares e demais processos sancionatórios, são asseguradas ao arguido todas as garantias adoptáveis do processo criminal...". Ora uma das garantias do processo criminal é a de o arguido ser julgado em primeira instância por um juiz, sendo certo que não há nada que diga que tal garantia não é adaptável ao processo das contra-ordenações.
Penso que o Sr. Deputado José Magalhães ficou convencido do bem fundado de algumas das razões que nos levam a votar contra esta disposição.
Por outro lado, temos consciência de que é preciso deixar um sinal da Constituição no sentido de reforçar as garantias dos arguidos, maxime em processo disciplinar. De qualquer modo, estamos tranquilos, uma vez que a actual lei do estatuto disciplinar dos funcionários públicos, aprovada na vigência do governo PS/PSD, já estabelece como direito subsidiário do processo disciplinar o processo criminal. Tenho alguma experiência - e com êxito - de processos disciplinares em que invoquei sempre as normas do processo criminal, aplicáveis como direito subsidiário. Não devemos exagerar a lacuna no campo da ordem jurídica. Tudo está em saber em que medida se deve deixar um sinal na Constituição nesse sentido.
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Votaremos, pois contra esta proposta. O artigo 269.° dá já algum sinal nesse sentido ao dizer que os processos disciplinares assegurarão as garantias dê audiência e defesa. Peço apenas que nos seja entregue uma proposta escrita, para podermos estudar o assunto.
O Sr. Presidente: - Agradecia que o Sr. Deputado tomasse nota dos termos...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se pudesse ser adiado para amanhã...
O Sr. Presidente: - Nós adiamos, Sr. Deputado. Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas a proposta do PCP fica prejudicada, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. O PCP reformula a sua proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não há problema nenhum. Vamos reformulá-la, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Presidente: Pedro Roseta.
Tem a palavra o Sr. Deputado
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, gostaria quê tentássemos não fazer um novo artigo. No caso de vir a ser aprovado, seria um número novo de outro artigo. No entanto, este é reconheço um problema de ordem meramente sistemática.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Pedro Roseta, provavelmente vai ser vantajoso que se faça um artigo novo por causa das eliminações. No entanto, isso é secundário.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Penso que uma Constituição tão generosa na defesa de direitos deve ter uma palavra em matéria de processo disciplinar. Já a tem no artigo 269.°
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas não lhe repugna que fique apenas como um número novo dentro de outro artigo?
O Sr. Presidente: - Não, absolutamente nada. Srs. Deputados, ficaria então adiada esta discussão e votação e passaríamos ao artigo 33.° Em relação
a este artigo há apenas uma proposta de alteração do PSD, quanto ao n.° 4 do artigo. No seu novo texto, o PSD propõe que: 4 - A extradição e a expulsão, depois de autorizada definitivamente a residência no território nacional, só podem ser decididos por autoridade judicial".
Houve uma longa discussão sobre esta matéria, mas suponho que as expectativas ainda não findaram, pêlo que gostaria de saber qual é a interpretação actualizante dos vários partidos relativamente a esta proposta.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta, aliás, foi corrigida, Sr. Presidente. A proposta foi corrigida pelo Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Presidente: - Não. Peço desculpa. Há uma proposta conjunta, o que significa que foi objecto de acordo PS/PSD.
Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Em relação à nossa proposta relativa ao n.° 4?
O Sr. Presidente: -r Vamos proceder à votação do n.° 3.
Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sim, sim. Há uma proposta do PS em relação ao n.° 3 distribuída oportunamente. Adita, a seguir a "pena de morte", "ou pena de prisão perpétua".
Vozes.
O Sr. Presidente: - Quanto ao n.° 3 não há grande perplexidade, estava-me a referir mentalmente ao n.° 4. A perplexidade não é nenhuma contra o n.° 3. Ou se é a favor ou contra a consagração da proposta. Nós somos a favor, não sei se há mais alguém...
O Sr. José Magalhães: (PCP) - O PS é a favor de quê, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Da sua própria proposta, como é natural.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me só que insista numa interrogação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para tal, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei se o PSD mantém a sua proposta originariamente apresentada. Porque o saldo da discussão era-lhe largamente desfavorável...
O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, o n.° 3 está antes do n.° 4, vamos votar a proposta do PS e depois analisaremos o n.° 4 em relação ao qual, aí sim, se coloca o problema da perplexidade. Já lá iremos.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!*Em relação ao n.° 3, Sr. Presidente. Em relação ao n.° 3 a perplexidade decorre doutros factores. É que a proposta obedece a uma preocupação humanitária, mas suscita um problema muito melindroso, susceptível de originar um precedente. Creio que se percebe a que coisa aludo...
Risos.
O Sr. Presidente: - Eu sei. Qual é?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sempre que por uma boa causa se penetra numa determinada porta, que devia estar fechada, legitima-se que por má causa se faça outro tanto. Disso nós não gostaríamos.
O Sr. Presidente: - O problema não é esse. Creio que estamos entendidos sobre que, desde que se tenha mexido num artigo é possível mexer noutro que com ele tenha conexão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Não?!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é esse o entendimento porque isso significaria que se mexesse num artigo que toca dez temas, mexendo-se no décimo tema e ficando os nove anteriores fechados, a interpretação que o Sr. Presidente agora aventa conduziria à possibilidade de tocar no décimo e nos nove temas anteriores. O que é uma coisa que não tinha sido figurada por ninguém até agora.
O Sr. Presidente: - Peço desculpa... esta proposta foi objecto de discussão quando passamos pela parte geral e o PS anunciou que ia fazer esta proposta. Não é uma coisa que apareça aqui do céu, de novo, foi objecto de discussão. Nós defendemos que devia haver uma referência à prisão perpétua por analogia. Uma vez que a nossa legislação ordinária proíbe a pena de morte e também a prisão perpétua, entendemos que a referência à prisão perpétua tinha a mesma justificação da pena de morte. Damo-vos, é claro, o direito de pensarem outra coisa mas se acham que isto está fora do regimento, que não é uma alteração de facto exigida por outra alteração... Nessa altura retiramos, não há problema. Mas também podem votar contra a proposta por razões processuais!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas nós votamos por razões que não são processuais.
O Sr. Presidente: - Então se votam por razões que não são processuais, mantemos a proposta ainda que a título excepcional.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, a proposta é prejudicada por razões processuais.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - A Mesa é que tem competência para decidir.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A questão é idêntica à que se colocou a propósito de uma proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Presidente: - Não, reconheço que têm razão, porque o que está admitido é que só se toca nos números que não tenham sido mexidos em consequência de outras alterações conexas. Portanto, alterações que forem exigidas por outras que foram introduzidas. De modo que se quiserem não é votada por razões processuais.
Pausa.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Se me dá licença, Sr. Presidente, acrescento que, se não me engano, a constitucionalização da referência à pena de morte, segundo a explicação do meu colega e deputado constituinte Costa Andrade, foi feita não porque a pena de morte não consta da legislação portuguesa, mas sim porque a pena de morte é uma pena horrorosa, uma pena que é anti-personalista.
Esse foi o motivo que nos levou a integrar este número no texto constitucional e não o facto de não constar da legislação portuguesa. É uma pena que é inaceitável, absolutamente inaceitável, em qualquer ponto do mundo.
O Sr. Presidente: - Para nós a nossa lógica é esta. Se uma pena é para nós inaceitável pelo nosso sistema jurídico-penal, tanto é inaceitável aplicada em Portugal como aplicada noutro país.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não, mas é que a analogia não existe.
O Sr. Presidente: - Desculpem, mas... a razão ética...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não é a mesma...
O Sr. Presidente: - Se não há extradição por pena de morte por inaplicável no nosso sistema jurídico, por identidade de razão não deve haver para outra pena que, não sendo tão grave, é quase. Para mim não sei o que é que preferia, se ser morto ao primeiro dia de uma pena de 50 anos, se jazer na cadeia durante 50 anos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Penso que seria preferível a seguinte formulação: "Não há extradição por pena de morte ou por pena de prisão superior à admitida no nosso país".
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Nesse caso ainda se iria muito mais longe. No caso de se tratar de um país com uma pena de prisão de 32 anos, já não...
O Sr. Presidente: - Admito que tem de haver uma fronteira! Penso que as duas penas mais graves são a de morte e a prisão perpétua.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Agora, está a dar-me razão; então já não é a analogia com as penas admitidas em Portugal que serve de critério...
O Sr. Presidente: - A analogia não tem de ser sempre evidente.
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25 DE JANEIRO DE 1989 2081
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já está a estabelecer uma fronteira, só que a nossa fronteira é outra.
O Sr. Presidente: - A nós parece-nos que há analogia. As razões são semelhantes, é uma questão de grau. Mas admitimos que vocês não queiram votar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não queremos, pois isso punha problemas terríveis. Conhece certamente o direito francês, onde hoje as penas de prisão perpétua são por vezes acopladas, digamos assim, a uma pena de prisão incompreensível de 18 anos. Portanto, na prática por vezes a pena de prisão perpétua equivale a... A pena é de prisão perpétua, mas na prática sabe-se, desde o momento da condenação, que é uma pena de prisão de 18 anos. Quid júris num caso destes?!
O Sr. Presidente: - Tínhamos que deixar alguma coisa para a doutrina e para a lei ordinária...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Pois, está bem. Mas no caso de condenação a prisão perpétua neste termos e ainda por cima num Estado amigo...
O Sr. Presidente: - A pena é necessariamente a que corria o risco de ser perpétua, não é aquela que correria o risco de o não ser.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não, não, a condenação naqueles casos é a pena de prisão perpétua, mas tem acoplada uma definição que diz: "esta pena é incompressível no futuro a menos de 18 anos de prisão". Nos outros casos, sem prisão incompressível, o tempo efectivo de prisão ainda seria menor. Por isso a vossa proposta levava-nos a um problema enorme.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Está processualmente prejudicada. Não vamos discutir o indiscutível, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, vale a pena fazê-lo.
O Sr. Presidente: - Sim!? Porquê?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pela mesmíssima e honesta razão pela qual valeu a pena que os Srs. Deputados que se pronunciaram sobre a matéria tivessem "discutido o indiscutível". Só por essa razão. Não mais do que por essa, mas também não menos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Discordo obviamente de toda a filosofia securitária que está subjacente às considerações do Sr. Deputado Pedro Roseta. A ideia das prisões longas, musculadas, da filosofia penal repressiva que está subjacente a tudo aquilo que disse não tem o mínimo acolhimento nesta bancada. A utilidade das minhas observações seria, porém, a de sublinhar que o facto de esta clausula ficar, eventualmente, com a redacção que está não impede que a lei ordinária seja mais generosa. E a lei ordinária já hoje é mais generosa ao prever no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 437/75, de 16 Agosto, que a extradição pode ser
negada quando o crime foi punível no Estado requerente com a pena de morte ou com prisão perpétua e não houver garantia da sua substituição, etc., etc....
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não percebeu! Na Constituição é diferente...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como é que é diferente?! Sr. Deputado, é uma questão de ler: "quando o crime for punível no Estado requerente com a pena de morte ou com prisão perpétua e não houver garantia da sua substituição." À diferença está nisto que acabei de ler e não noutra coisa! O que quer dizer que o legislador ordinário não está tolhido de continuar a ser generoso. Evidentemente que se o legislador ordinário tiver a filosofia que presidiu à intervenção do Sr. Deputado Pedro Roseta acaba com esta solução legal. Coisa que espero não suceda. Talvez fosse isto que o PS queria acautelar. Só a fim, corridos todos os articulados e feitas todas as votações, é que poderíamos talvez considerar em termos diferentes esta benfeitoria tardia. Aguardemos, pois.
O Sr. Presidente: - Muito bem. Vamos passar à proposta do PSD, relativa ao n.° 4 do artigo 33.° Esta é que na verdade foi motivo de grandes perplexidades, e não fomos capazes de encontrar uma formulação, embora o PS tenha mostrado alguma preocupação quanto à situação de facto que parece estar na base desta proposta. Discutimos longamente, mas acabamos por não chegar a uma formulação. Esta formulação que nos apresentam não a podemos votar a menos que vocês a queiram reformular. Adiaríamos a votação para poderem reformular esta proposta.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Poderíamos fazer isso e adiantar uma proposta que tomasse na devida conta as objecções apresentadas.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Qual é a vossa formulação? Têm alguma?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Para o n.° 4, e uma vez que para a extradição mantínhamos o regime ordinário, formularíamos mais ou menos o seguinte: "A expulsão de estrangeiro, autorizado a residir em território nacional, e a extradição só podem ser decididas por autoridade judicial."
O Sr. Presidente: - Isso melhora um pouco. Hoje ainda não podemos dar aval a isso, precisamos de pensar um pouco.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em primeira leitura parece-me ser exactamente a mesma coisa que o texto actual. A noção de autorização a que se alude, para ter utilidade desjurisdicionalizadora, só pode ser a de autorização definitiva viabilizando-se a expulsão administrativa.
O Sr. Presidente: - Não é bem. Retira o definitivamente, melhora...
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2082 II SÉRIE - NÚMERO 68-RC
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Retira-se o "definitivamente" que é um obstáculo. Admito que ainda não seja suficiente para o Sr. Deputado...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O Sr. Deputado está hoje muito desatento, há pouco já não percebia o que eu disse.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou então será o contrário? A intenção está tão mal disfarçada e é tão obvia...
Risos.
O Sr. Presidente: - Fica então adiada a votação da proposta de substituição do n.° 4 do PSD.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, devemos já formular a proposta?
O Sr. Presidente: - Sim, devem entregar na Mesa o texto da proposta de substituição. Se bem que não o votemos já, como disse.
Pausa.
Relativamente ao artigo 34.° não há propostas de alterações. Prosseguimos para o artigo 35.° - Utilização da Informática.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostava de colocar uma questão em relação à metodologia dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Coloque, por favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ainda não nos foi possível concretizar a anunciada diligência de apuramento, junto da Associação Portuguesa de Informática, de algumas das questões que estavam em aberto na sequência da primeira leitura. Propunha, Sr. Presidente, que não se formalizasse o debate e a votação deste artigo e gostava de perguntar qual é a vossa ideia quanto à marcha dos trabalhos, dados os eventos.
O Sr. Presidente: - Pensa que na terça-feira já dispõe dos dados de que necessita?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que nessa altura já será possível.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, na terça-feira recomeçaremos com o artigo 35.° e depois passaremos à matéria da comunicação social.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Comissão eventual para a revisão constitucional
Reunião do dia 13 de Dezembro de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
Narana Sinai Coissoró (CDS).
Herculano da Silva Pombo Sequeira (PEV).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).
Anexo
Artigo 26.°
1 - Proponho o aditamento do número 1... "familiar e à diferença".
O deputado do PSD Pedro Roseta
Proposta de aditamento ao n.° 3 do artigo 28.°
3 - ... indicamos, a menos que ele declare, por escrito, não desejar usar este direito.
Assembleia da República, 13 de Dezembro de 1988
O deputado da ID
Raul Castro
Proposta para o n.° 5 do artigo 30.°
5 - A execução das penas e medidas de segurança será orientada para a reinserção social dos reclusos.
Os deputados do PS e do PCP
Almeida Santos - Alberto Martins
José Magalhães
Texto reformulado do artigo 32.°-A
Garantias dos processos sancionatórios
Nos processos disciplinares e, em geral nos processos sancionatórios são asseguradas ao arguido as garantias do processo criminal, designadamente a presunção de inocência e os direitos de audiência, defesa e produção de prova.
Os deputados do PCP e do PS,
José Magalhães - Almeida Santos
Artigo 33.° Proposta de alteração
4 - A expulsão de estrangeiro autorizado a residir em território nacional, e a extradição, só podem ser decididas por autoridade judicial.
Assembleia da República, 13 de Dezembro de 1988
Os deputados do PSD, Costa Andrade - Pedro Roseta