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Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 1989 II Série - Número 73-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 71

Reunião do dia 6 de Janeiro de 1989

SUMÁRIO

Deu-se continuação à nova discussão e à votação do artigo 38. ° e respectivas propostas de alteração e de substituição.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Jorge Lemos (PCP), Jorge Lacão (PS), Herculano Pombo (PEV), Almeida Santos (PS), Pedro Roseta (PSD), Guilherme da Silva (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).

Foram os seguintes os resultados das votações realizadas: n.° 6 do artigo 38.°, proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PCP e as abstenções do PSD e do PS; n.º 8 do artigo 38.°, proposto pelo PEV, e n.° 7 do artigo 38.°, proposto pelo PR D - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS e do PCP; n.° 6 do artigo 38.°, proposto pelo PRD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e a abstenção do PS.

Em anexo à presente acta é publicada uma proposta de substituição do artigo 38.° (PS).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, estávamos a discutir o n.° 3 do artigo 38.° da proposta de substituição do PS, que é equivalente ao n.° 5 da proposta originária do PS, mas, enquanto não temos a formulação resultante da discussão de ontem para a podermos votar em termos de maioria qualificada de dois terços, iríamos discutir os problemas relativos não ao n.° 4, que não tem sentido, visto que mesmo na proposta do PSD é recuperado a seguir, no artigo 39.°, nem ao n.° 5, nem ao n.° 6 - pois estes são englobados na proposta do PS, e a única questão que haveria poderia ser a de votar a proposta de supressão do n.° 5 feita pelo PSD, visto que o n.° 6 é recuperado adiante - e os n.ºs 6 e 7 da proposta originária do PS são retirados...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o PCP retomou o n.° 6, ao abrigo do artigo 133.° do Regimento. Importaria considerá-lo ainda em termos de votação.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, Sr. Deputado José Magalhães, nesta matéria, vamos sustar os n.ºs 5 e 6, porque são duas matérias que estão co-envolvidas na questão.

Assim sendo, passaríamos às matérias relativas ao n.° 7 do artigo 38.°, pois há uma proposta de substituição deste número que é uma proposta conjunta do PSD e do PS, havendo ainda uma proposta do PE V quanto a este mesmo número. Visto que o n.° 7 do PS é substituído e que nem o CDS nem o PCP nem o PSD têm propostas, começaríamos por votar a proposta apresentada pelo PE V relativa ao n.° 7 do artigo 38.°

Este n.° 7 do PE V é sobre o licenciamento?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sobre o licenciamento há várias propostas, havendo uma do CDS.

O Sr. Presidente: - O PRD tem um preceito relativo à questão da televisão poder ser objecto de propriedade do Estado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Que é o n.° 7?

O Sr. Presidente: - Não, é o n.° 6 do projecto do PRD. O n.° 7 do PRD já está também envolvido com o problema da licença.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que lhe faça uma pergunta precisamente sobre esta seriação. Diversos partidos propõem a supressão do actual n.° 7 de forma implícita. É o caso, precisamente, do PS, que o substitui por um preceito de conteúdo totalmente diferente do actualmente vigente. É também o caso do PSD.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, no caso do PS e do PSD há uma proposta de substituição e, como V. Exa. não retomou a proposta originária do PSD, mas apenas a proposta originária do PS, é apenas quanto a essa proposta que se pode pôr o problema. A não ser que V. Exa. retome também a proposta do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que não será necessária muita reflexão para responder negativamente. A questão que eu estava a colocar não era essa, mas a de saber como é que se vai encarar a questão da eliminação do n.° 7.

Provavelmente, uma das hipóteses mais acertadas seria a de colocar primeiro a questão da pura eliminação do n.° 7 e, depois, considerar as substituições do mesmo n.° 7. De facto o CDS propõe uma norma que diz: "As estações emissoras de radiodifusão e televisão só podem funcionar mediante licença, a conferir nos termos da lei." Porém, o acordo PS/PSD é neste ponto omisso, opta pela indefinição constitucional dos aspectos basilares do enquadramento do exercício das actividades de televisão no País, o mesmo acontecendo quanto à rádio. (A única excepção em relação a este geral silêncio é que, quanto à televisão, certos aspectos da atribuição de canais estão regulados no artigo que define algumas das competências da Alta Autoridade.) O PRD opta por uma outra solução e propõe um regime material respeitante à radiotelevisão, garantindo, por um lado, a apropriação pública da rede de distribuição e, por outro lado, uma certa definição material das características que devem reger o serviço de radiotelevisão, que qualifica, expressamente, como serviço público a prestar pelo Estado ou mediante concessão por outras entidades, definindo as condições dessa concessão temporária segundo critérios de preferência, direitos e obrigações, etc.

Penso que uma das melhores metodologias possíveis seria, precisamente, a de fazer uma opção entre a eliminação ou não - num primeiro momento - e, a seguir, escolher entre uma eliminação sem definição do regime material ou uma eliminação com definição de regime material do exercício das actividades televisivas.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, suponho que esse problema teria razão de ser - e poderíamos resolvê-lo em alternativa ou considerando que as propostas de substituição substituem mesmo e que, portanto, uma vez votadas, eliminam o artigo -, mas votaríamos em primeiro lugar uma proposta de eliminação do n.° 7 apresentada pelo CDS. Por consequência, aí os partidos terão de se definir e, desde já, pode não ser apenas uma revogação implícita, mas que poderá ter de ser explícita.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não creio, nem mesmo à luz do projecto do CDS, que haja lugar para a votação autónoma de uma proposta de eliminação do n.° 7 actual da Constituição, porque o que o CDS faz é propor um novo n.° 6 onde funde os actuais n.ºs 7 e 8, isto é, o objecto do n.° 6 do projecto do CDS é contemplar a questão da rádio e da televisão em igualdade de circunstâncias, substituindo, portanto, os n.ºs 7 e 8 do actual texto da Constituição pelo n.° 6.

O Sr. Presidente: - É verdade.

O Sr. António Vitorino (PS): - O acordo PS/PSD substitui o actual n.° 7 da Constituição por um n.° 7 que consta da proposta de substituição já apresentada na mesa. O PRD substitui, também, o actual n.° 7 da Constituição por dois novos números - os n.ºs 6 e 7

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do seu projecto - e o PEV também substitui o actual n.° 7 da Constituição por um novo n.° 8, que se refere à televisão pública e que, embora não seja totalmente explícito, dá ideia de que também se refere à televisão privada, na medida em que consagra o princípio do acesso de comunidades locais a televisões de âmbito regional e local, televisões essas que só podem ser, naturalmente, também elas privadas.

O Sr. Presidente: - "em condições previstas para as rádios locais". É o que o PRD acrescenta a seguir, não é?

O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto. Portanto, obviamente que são privadas, o que significa que ninguém propõe a frio a eliminação do n.° 7 da Constituição e que todos os partidos que abordam esta matéria num sentido liberalizador propõem substituições. Por consequência, o que creio ter lugar é a votação das várias propostas de substituição, porque cada uma delas aponta para modelos alternativos de liberalização do sector da televisão.

O Sr. Presidente: - Tenho a impressão de que V. Exa. tem razão porque, no que diz respeito à proposta do CDS, fui há pouco induzido em erro pela ideia da eliminação deste número. Mas, efectivamente, o n.° 6 é uma substituição.

Assim sendo, vamos começar por votar o n.° 6 da proposta do CDS. Aliás, vamos votar em conjunto a problemática relativa aos n.ºs 7 e 8. Não estou a dizer que não teremos de votar autonomamente esses números, que são os números que alguns dos projectos apresentam em conjunto. Isto é: se, ao iniciarmos a votação pela proposta do CDS, essa proposta obtiver vencimento, isso significa que ficaram prejudicados os n.ºs 7 e 8, como aliás se indica na própria proposta.

Srs. Deputados, suponho que a questão está clarificada e que aquilo que o não está, a inteligência de VV. Exas. facilmente suprirá.

Vamos então iniciar a votação pelo n.° 6 do artigo 38.°, proposto pelo CDS.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PCP e as abstenções do PSD e do PS.

É o seguinte:

6 - As estações emissoras de radiodifusão e de televisão só podem funcionar mediante licença, a conferir nos termos da lei.

Srs. Deputados, passaremos agora à votação da proposta do n.° 8 do artigo 38.°, apresentada pelo PEV, visto que a proposta do PS foi objecto de uma substituição e que o licenciamento, que é o n.° 7 do projecto do PEV, deve ser votado a seguir.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS e do PCP.

É a seguinte:

8 - O Estado assegura que a televisão pública cubra todo o território e tenha adequada qualidade, bem como o acesso das comunidades locais a televisões de âmbito regional e local, em condições idênticas às previstas para o licenciamento de rádios locais.

Srs. Deputados, passaremos agora à votação do n.° 6 do artigo 38.°, proposto pelo PRD.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e a abstenção do PS.

É o seguinte:

6 - A rede de distribuição da radiotelevisão é propriedade do Estado.

Srs. Deputados, vamos agora votar o n.° 7 do artigo 38.°, proposto pelo PRD.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS e do PCP.

É o seguinte:

1 - A radiotelevisão constitui um serviço público, que será prestado pelo Estado, podendo sê-lo ainda por outras entidades, mediante concessão temporária, a atribuir por concurso público e nos termos de lei que defina critérios de preferência e direitos e obrigações dos concessionários e que garanta o pluralismo, a independência e a qualidade da programação e informação.

Srs. Deputados, vamos votar agora o n.° 7 da proposta de substituição apresentada pelo PSD e pelo PS, que, por uma questão de facilidade - embora tenha sido apresentada e distribuída -, passarei a ler:

7 - O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público mínimo de rádio e televisão, o qual será utilizado de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, qual é o preceito?

O Sr. Presidente: - É o n.° 7 da proposta de substituição apresentada pelo PSD e pelo PS.

V. Exa. retomou a proposta do PS, mas apresentou-a, obviamente, posteriormente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não. É que o n.° 7 do PS e do PSD não foi objecto de qualquer discussão. Sucede que esse n.° 7 é apenas o "alfa e o ómega" do negócio nesta matéria, isto é, do acordo político de revisão constitucional celebrado em 14 de Outubro! É mesmo uma matéria em relação à qual, nesta óptica, seria impensável que os "pais fundadores" e subscritores de acordo não dissessem duas coisas, singelas que fossem, para explicitar as implicações do texto, que, aliás, foi considerado - e, quanto a nós, muito justamente -, por várias entidades e ainda recentemente pelo Sindicato dos Jornalistas, como susceptível de institucionalizar reais limitações à liberdade de informação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. desculpe-me, mas, antes de prosseguir, queria dizer-lhe que tinha partido do pressuposto de que, tendo feito uma amplíssima discussão na matéria, esta questão já estaria discutida. V. Exa. pede que os pro-

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ponentes dêem uma explicação breve - de acordo com as suas palavras - justificativa da proposta de substituição. É isso?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que sim Sr. Presidente. De resto, foi esse o pressuposto de todo o nosso debate em "segunda leitura": separar os números, mas distinguir, nesta separação, aquilo que é novo e aquilo que já foi discutido. Ora, sucede que isto é absolutamente novo, pelo menos, desde o dia 14 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, perguntaria: algum dos proponentes quer explicitar, sucintamente, algo que foque alguma evidência do texto apresentado?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, muito sucintamente, para dizer apenas que a proposta de substituição para o artigo 38.°, n.° 7, da Constituição coincide, no seu conteúdo, com a proposta formulada, no projecto do PSD, para o n.° 2 do artigo 39.° da Constituição e, em parte, com o n.° 6 do artigo 38.° do projecto do PS. A lógica da consagrarão, quer nos termos da proposta do n.º 6 do artigo 38.° do projecto do PS, quer nos termos da proposta do n.° 2 do artigo 39.° do projecto do PSD, é a de consagrar uma garantia constitucional da existência de um sector público de rádio e de um sector público de televisão. Naturalmente que a garantia constitucional, em si mesma, não prejudica que haja sector público de imprensa escrita; onde os dois partidos não chegaram a acordo foi em consagrar explicitamente na Constituição essa garantia da existência de um sector público na imprensa escrita. A ausência de garantia constitucional não impede que ele exista na prática; a garantia constitucional refere-se apenas a um sector público de rádio e a um sector público de televisão. A existência desse sector público e o seu funcionamento tem que garantir a independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos e ser estruturado de forma a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião que são, já hoje, os critérios constitucionais que dizem respeito à consagração do sector público da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Há mais algum pedido de intervenção? Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não surpreende que este texto, logo que conhecido, tenha despertado grande preocupação naqueles que se têm vindo a interessar pelo futuro do sistema dos áudio-visuais e, em geral, da comunicação social em Portugal. A proposta subscrita pelo PS e pelo PSD é a expressão sintética de um projecto de profunda inversão do quadro hoje existente e da sua substituição por um outro cujos contornos são fluidos e não estão precisamente definidos, mas que, nos termos do articulado emergente do acordo político de revisão constitucional, serão traçados, em larga medida, pelo legislador ordinário, pelo PSD, que para tal dispõe de maioria bastante na Assembleia da República. O PS aceitou, através deste texto, o desmantelamento de pontos relevantes e a alteração substancial do quadro jurídico-constitucional aplicável à comunicação social em Portugal, abdicando, desde logo, do sistema de reforço de garantias que, originariamente, em Novembro de 1987, tinha adiantado. O PS, de facto, tinha, no início do processo de revisão, proposto o reforço dos conselhos de redacção a estabilização da existência de um sector público de imprensa, rádio e TV, a garantia de que o futuro enquadramento legal da comunicação social fosse aprovado por lei paraconstitucional (sujeita, pois, a determinados requisitos de maioria qualificada para aprovação e outros aspectos tendentes a permitir um reforço do seu vigor político). Tudo isso o vento levou, na altura da assinatura do acordo e da sua respectiva negociação! O texto pactuado não define, em termos inequívocos, a garantia do sector público que pode decorrer da sua própria aplicação. Isto ocorre num quadro em que o Governo não esconde a ninguém - tem mesmo um programa que se encontra publicado e que é cognoscível! - que pretende privatizar toda a imprensa escrita, desde logo, e, em geral, reduzir drasticamente aquilo que é o sistema público de rádio e televisão. É bom de ver que do texto agora apresentado não resulta o travão ou, sequer, o enquadramento mitigador desta acção de demolição; resulta (receamos nós) o seu favorecimento. Por isso mesmo, provavelmente, o Sindicato dos Jornalistas, em texto a que há pouco fiz referência, manifestou a profunda apreensão pelas consequências possíveis e previsíveis do acordo de revisão da Constituição no que respeita à comunicação social. E, nesse texto, ontem mesmo divulgado...

O Sr. Presidente: - Ontem mesmo divulgado, disse V. Exa.?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Anteontem mesmo divulgado! Nesse texto, Sr. Presidente, sublinha-se que as propostas em questão procuram institucionalizar reais limitações à liberdade de informação apontando para a redução do sector público do audiovisual a um "serviço público mínimo". O mesmo Sindicato observa que, além de não ser transparente o entendimento a dar àquela expressão nem se tal "serviço mínimo" implica ou não a existência de um sector público em paralelo com o privado, "não fica claro como o serviço mínimo possa assegurar a possibilidade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião como diz o acordo". E outros são ainda os pontos de vista expressos pelo Sindicato dos Jornalistas portugueses, coisa que nos deveria, a todos, fazer aprofundar um pouco a reflexão sobre os contornos daquilo mesmo que o Sr. Deputado António Vitorino nos quis apresentar em termos - diga-se - razoavelmente sumários.

Parece-me que importaria ir um pouco mais além na delimitação dos contornos do texto que aqui nos é proposto. Por um lado, importa meditar sobre as consequências da inexistência de garantia constitucional de um sector público de imprensa. O Sr. Deputado António Vitorino disse, demasiado sumariamente, que não tinha sido possível obter acordo com o PSD para garantir um sector público da comunicação social na sua vertente escrita. É um facto! Esse facto traduz um drama de negociação. Drama maior, porém, são as suas consequências: é que a existência de uma imprensa pública, a existência de jornais do Estado, devidamente geridos, concebidos, escritos e divulgados por todo o País é extremamente importante para a garantia da liberdade de informação em Portugal e para combater

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esse fenómeno verdadeiramente espantoso que é a diminuição do número de leitores de jornais (há crescimento do número de jornais mas a diminuição do número de leitores), o abandono de múltiplas regiões do País devido a uma deficiente penetração da imprensa, o crescimento consequente das assimetrias no acesso à imprensa (isto em pleno final do século XX). Nós sabemos que, por exemplo, no dia 5 de Janeiro, em editorial a nova equipa do Diário de Notícias, reconduzida, escrevia: "Como se sabe, o Diário de Notícias não será excepção e, de acordo com o programa do Governo, deverá igualmente ser privatizado, faltando apenas conhecer o timing e o modelo a que obedecerá essa transferência da titularidade do capital. Esperamos, contudo e confiadamente, que a privatização não venha a servir de campo a manobras obscuras e que não prevaleçam critérios de simples leilão quando está em causa o perfil e a transparência deste projecto jornalístico. Temos este entendimento com o à-vontade de quem não sustenta que o Estado deva continuar proprietário de jornais, o que equivale a dizer que não perfilhamos a tese, por alguns cultivada, de que o Diário de Notícias poderia continuar por algum tempo solitário no sector público. Passada a crise, retomamos o trabalho com a mesma fé no futuro deste jornal. A caminho dos 125 anos, o Diário de Notícias é um símbolo e um valor de referência na sociedade portuguesa e, como tal, continuará." Acrescentamos nós: bom seria que o Diário de Notícias continuasse liberto da gula dos grupos de interesses que o cobiçam! Importante seria que, da revisão constitucional, resultasse que o Diário de Notícias fizesse o seu 126.°, 7.° e 8.° aniversário, e por aí adiante, como parte integrante de um sector público defendido, na sequência de uma contribuição positiva da própria revisão constitucional. Por este caminho, assim não será! O PS aqui nos confessou humildemente que não conseguiu. Digamos que é uma confissão de impotência, mas não é uma explicação de valor. Nesse sentido, devo dizer que não nos satisfaz. Se nos podemos penalizar com tal e considerar extremamente negativo o acordo nesse ponto e, obviamente, apontar aquela que é, na nossa óptica, a responsabilidade política dos que o celebraram e querem aplicar.

Quanto ao alcance desta cláusula "serviço público mínimo" verdadeiramente enigmática, temos esperanças de que os Srs. Deputados do PS ou do PSD ainda possam lançar alguma luz sobre as trevas. Verdadeiramente, o que é "um serviço público mínimo de rádio e televisão"? Um "serviço público mínimo" é o mínimo de serviço público? Um "serviço público mínimo" é um serviço que está ligeiramente acima do grau zero de serviço público? O modelo para que aponta este texto é o grau zero (constitucional) de sector público na imprensa escrita e o grau um de sector público na rádio e na televisão? O grau um de sector público significa que, por exemplo, a empresa pública de comunicação social televisiva pode ser amputada do seu segundo canal e, eventualmente, do seu futuro terceiro canal, e mesmo ser reduzida a um primeiro canal diminuído, um primeiro canal minúsculo, um mínimo de primeiro canal?! Depois de uma RTP única, uma "RTPzinha"?! Quais são as fronteiras do mínimo, qual é o mínimo do mínimo e qual é o máximo do mínimo? Importa que não aconteça que o PS pense no máximo do mínimo e o PSD pense no mínimo do mínimo, ao assinarem ambos um texto que alude à expressão "serviço público mínimo". Isso seria "o máximo"!

Creio que é extremamente grave que se tenha caminhado para uma solução tão ambígua. Um dos resultados indispensáveis deste debate terá de ser, sem dúvida, o de clarificar o que é que deva entender-se pela cláusula que acabei de citar.

Por outro lado, é evidente que a opção do PS, ao decair da sua proposta de artigo 38.°, n.° 7, significa a concessão ao PSD da possibilidade de definir, em aspectos chave, por lei ordinária, o regime da televisão em Portugal. Por mais que assevere o contrário o PS aponta para um sistema de privatização não só incontrolado, como feita pelo PSD. Isto significa viabilizar e deixar aplicar o modelo de áudio-visuais para que o PSD aponta. Esse modelo desconfiamos que seja inspirado em certas fúrias de cunho neoliberal que por aí grassam! Nesta matéria, o PS constitui-se, pois, em parte abdicante, parte que esgota o seu papel na revisão constitucional e que concede, à maioria do momento, o poder de definir a arquitectura do futuro. Que resultado isso propiciará ao País é coisa que nos deixa a maior inquietação. Poderemos apreciar mais detalhadamente essas consequências negativas quando analisarmos o regime de substituição do Conselho de Comunicação Social por uma alta autoridade para a comunicação social que tem, realmente, uma composição absurda, governamentalizável livremente e logo, mais uma vez, dominável pelo PSD. Eis, pois, que, neste acordo, com escassos contrapesos, se escrevem vitórias do PSD da primeira à última linha!

Que se diga, no final do preceito, que este "serviço público mínimo" será utilizado "de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião", parece-nos, francamente, um objectivo desmedido para meios rarefeitos. É como dar uma ordem de corrida àquele a quem se acabaram de pôr umas pernas reduzidas, encurtadas, deformadas!

Este é, sem dúvida, um dos piores modelos para se fazer aquilo que o PS entende que é necessário e indispensável no presente contexto da vida da comunicação social em Portugal. Nem regime material respeitante às redes de distribuição, nem definição das características do serviço público, nem garantias de concurso público para as eventuais atribuições, nem critérios de preferência, nem garantias específicas para conseguir os objectivos que são pretendidos, nem sequer a cláusula de salvaguarda consistente na remissão para um estatuto de informação aprovado por maioria de dois terços! Digamos que, face ao projecto originário do PS, o alcançado é verdadeiramente confrangedor, é redutor, é um fraco resultado. E isso parece-nos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, extremamente nefasto para o futuro do panorama dos áudio-visuais e, em geral, da comunicação social em Portugal.

Cremos também que, dada a importância dos áudio-visuais na própria conformação da opinião pública e na própria garantia da liberdade de formação de opiniões e de juízos sobre os governantes, é a própria alternância que, através disto, é atacada, comprometida e dificultada. A lógica dos factos consumados é trazida ao nível constitucional, pela mão daqueles que

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susbscreveram o acordo político de revisão constitucional, que, neste ponto também, nos merece a mais veemente rejeição. Nos merece a nós e, como se vê, não apenas a nós. Creio que seria subestimar a capacidade de actuação da opinião pública portuguesa julgar que a tomada de posição pública que citei, há pouco, é uma tomada de posição isolada. Pelo contrário! O acordo é ainda pouco conhecido, as votações estão apenas a começar e julgo que o seu impacte na sociedade portuguesa, à medida que for sendo divulgado, será, necessariamente, cada vez maior!

O Sr. Presidente: - Também estou convencido disso. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não vou alongar-me extensamente em considerações sobre o que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de dizer, na medida em que a intervenção que ele fez foi uma intervenção que amalgamou três ordens de considerações: questões de princípio, considerações atinentes a tácticas negociais do acordo político PS/PSD e questões que têm a ver com a interpretação constitucional. Em relação às questões de princípio, é praticamente desnecessário prosseguir qualquer fórmula de polémica com o PCP, na medida em que a primeira leitura evidenciou à exaustão que nos separavam concepções distintas sobre o significado da comunicação social numa sociedade moderna e aberta como é a sociedade portuguesa, sobre o significado da comunicação social num mundo em evolução tecnológica como é aquele em que nós vivemos. Na realidade, o que o PCP acha é que se deveria impedir a liberalização do sector da comunicação social; nós entendemos, desde há muito, que esse movimento liberalizador do sector da comunicação social é um movimento imparável e até, em muitos aspectos, desejável, por forma a contrabater aspectos naturalmente viciosos de controlo e de manipulação da comunicação social pública por parte do Governo (e até se possa mesmo dizer, de vários governos que se sucederam no tempo). São questões de princípio, elas estão suficientemente explicitadas...

Os Srs. José Magalhães e Jorge Lemos (PCP): - É por isso que o PS vota o acordo - para combater o Governo!

O Sr. António Vitorino (PS): - Srs. Deputados José Magalhães e Jorge Lemos, não nos afecta nada esse tipo de invectivas e de intervenções. Fazem-no com a finalidade de criar problemas morais, gerar complexos de culpa, dúvidas existenciais, angústias. Já sei que, a seguir, vão dizer que estão preocupados por o PS se estar a descaracterizar. Mas, Srs. Deputados, não adianta, não produz efeito, não causa mossa, não nos afecta em nada. Portanto, são questões de princípio, estão suficientemente explicitadas na primeira leitura, não são novas, são conhecidas, têm a ver com diferentes entendimentos do que é o fluir da vida e do que é a luta que deve ser travada no sentido de uma informação mais autêntica, luta essa que, segundo uma certa concepção maniqueísta, se reduzia à luta pelo domínio do sector público da comunicação social mas que, neste momento, e bem pelo contrario, temos que reconhecer que deve ser, sobretudo, afirmada, no plano cultural e no plano da luta por uma informação de qualidade, nos próprios órgãos de comunicação social privados. A selecção que deve ser feita pelo povo português não é entre público e privado; é entre o que tem qualidade e o que não tem. E nós sabemos que há diversas experiências de órgãos de comunicação social de imprensa escrita privados que estão tecnicamente falidos, exactamente porque não têm qualidade e por isso não têm procura.

A segunda consideração que pretendia fazer refere-se às questões negociais. O Sr. Deputado José Magalhães apenas acrescentou que o PCP nunca assinaria nenhum acordo de revisão constitucional que não garantisse um sector público de imprensa escrita. Registámos o que disse. Mas a verdade é que, nos termos da Constituição vigente, não há hoje nenhuma garantia constitucional da existência de um sector público de imprensa escrita.

Foi por isso que o PS propôs no seu projecto que se consagrasse uma garantia constitucional da existência de um sector público de imprensa escrita; sabendo sempre que. para que a Constituição acolhesse tal conceito novo, seria necessário contar com o voto favorável de dois terços dos deputados - desde logo e sempre com os votos do PSD. O PSD recusou dar os seus votos a essa solução - o PSD terá as suas razões, e terá de as explicar. Aliás, já aduziu algumas na primeira leitura; só que a nós essas razões não nos convenceram. Naturalmente que nós mantemos a ideia de que devia existir na Constituição uma garantia de um sector público de imprensa escrita e, dessa forma, votaremos sem dificuldade e até com gosto a nossa proposta originária, agora retomada pelo PCP.

Quanto à terceira questão, sobre a interpretação constitucional: é, verdadeiramente, a única questão importante levantada pelo PCP. As outras todas destinam-se a enquadrar politicamente a polémica que o PCP pretende criar à volta da revisão constitucional e a dar pano de fundo àquele apelo, algo patético, com que o Sr. Deputado José Magalhães encerrou a sua intervenção, dizendo: "Povo, do norte ao sul do País, incluindo as regiões autónomas, erguei-vos em luta contra o acordo de revisão constitucional!" É um apelo aos "amanhãs que cantam", à revolta popular, à patuleia, à jacquerie, à "Maria da Fonte" anti-revisão constitucional. Enfim! Nós sabemos o que é que esses apelos deram em 1982 e aguardaremos, também, desta vez a convocação da correspondente manifestação pública de repúdio pela revisão constitucional, que, decerto, terá a mesma escassa participação e o mesmo fugaz atendimento que teve a mesma manifestação convocada pelos mesmos protagonistas em 1982. A única questão que interessa, neste momento, é sobre a interpretação constitucional - e é, verdadeiramente, a única questão que levanto -, é a interpretação abstrusa...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse delírio discursivo só pode provocar o delírio do gozo do PSD, como se vê pelos rostos alegres dos seus divertidíssimos deputados...

O Sr. António Vitorino (PS): - As manifestações oníricas de cada um são uma manifestação da individualidade privada, da autonomia da vontade e da liberdade individual, que eu respeito imenso. E o Sr. Depu-

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tado José Magalhães também a nós nos dá muito gozo com certas argumentações - disso pode estar certo e garantido! Simplesmente, se calhar, somos mais discretos na manifestação desse nosso regozijo.

Quanto à interpretação abstrusa que é feita no comunicado do Sindicato dos Jornalistas que citou, sobre o que é o serviço público mínimo de rádio e de televisão: na realidade, este n.° 7 não é, obviamente, nesse aspecto, uma norma programática. Não é uma norma que diga: reduza-se ao mínimo o sector público de comunicação social, da rádio e da televisão; é uma verdadeira e própria norma de garantia institucional e para isso contribui a interpretação histórica das suas origens, o n.° 4 do artigo 39.° do projecto do PSD e o n.° 6 do artigo 38.° do projecto do PS. É, portanto, a consagração de uma regra que diz que, abaixo dessa garantia mínima, o poder político não pode vir; ou seja, o poder político tem de garantir um sector público de comunicação social que abranja a rádio e a televisão, que abranja meios de comunicação social públicos no sector da rádio e no sector da televisão. O que não se diz é que também tem de abranger o sector da imprensa escrita; e é essa a diferença entre a proposta originária do PS e a proposta originária do PSD.

Mas é evidente que, ao consagrar-se esta garantia constitucional mínima, não se impede que o poder político determine que haja sector público de comunicação social para além da rádio e da televisão. Isto é: jornais públicos, mais do que um canal de rádio pública e mais do que um canal de televisão pública. Seria absurdo dizer que esta norma se destinava não só a permitir a privatização da Rádio Comercial, mas, inclusivamente, obrigaria a RDP a extinguir o canal 2 - porque rádio pública só há uma e, mesmo assim, com um canal único. Isso é que era o mínimo dos mínimos. E até se poderia levar à exaustão uma tese tão absurda que diria: e só transmite entre as 2 e as 6 horas da manhã, que é quando toda a gente está a dormir, ou a maioria das pessoas, pelo menos! Isso é que é o mínimo dos mínimos. Interpretações terroristas, toda a gente as pode fazer. O bom senso costuma chegar para varrer a testada dessas interpretações; mas, se o bom senso não chega, acrescento a minha humilde argumentação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, permita-me que lhe pergunte o que é que significa "mínimo"? É que a sua argumentação, até agora, parece ser também mínima...

O Sr. António Vitorino (PS): - Significa garantia institucional mínima de sector público na rádio e na televisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Repare que a proposta do PSD não tinha o adjectivo mínimo e a proposta do PS também não. Que o adjectivo mínimo foi o máximo que o Sr. Deputado conseguiu na negociação com o PSD, já se percebeu. Mas qual é o significado desse inciso?

O Sr. António Vitorino (PS): - Fica dito já, per omnia secula seculorum, que tudo o que o Sr. Deputado José Magalhães disser, em matéria ad hominem, sobre as minhas virtudes ou defeitos negociais não merecerá nunca, da minha parte, resposta, apenas pela circunstância de o Sr. Dr. Fernando Nogueira não estar presente e não se poder defender pessoalmente daquilo que eu eventualmente dissesse.

Quanto ao sentido do inciso "mínimo", é óbvio e evidente que é uma garantia institucional mínima - foi o que eu disse! É este o significado de "mínimo", é garantia institucional de que menos do que um sector público de rádio e de um sector público de televisão não se pode ir, um sector público de cada meio inclusive com mais do que um canal de emissão em cada caso.

O Sr. Deputado José Magalhães quer dizer que com este inciso a Constituição passaria a dizer que só pode haver um canal de televisão e um canal de rádio públicos? É evidente que não!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu não quero, não! O PSD é que ameaça! Por favor!

O Sr. António Vitorino (PS): - Quer, quer! Quer dizer isso, porque, se não, não tinha trazido à colação a interpretação abstrusa que deste texto faz o Sindicato dos Jornalistas, no comunicado que V. Exa. referiu.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Trouxe-a à colação porque ela está nas ruas e, portanto, não pode ser ignorada. O PS pode ser surdo à rua, pode achar que estas coisas se decidem num gabinete entre as 2 e as 5 - nós, PCP, rejeitamos isso! Exigimos a clarificação!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é uma questão de ser surdo à rua; é uma questão de termos dado a interpretação que fazemos do sentido da nossa proposta, desde o início do debate. Não foi pelo facto de o Sindicato dos Jornalistas, pela voz do PCP e em assinalável convergência de argumentação, vir fazer uma interpretação abstrusa que nós deixaremos de continuar a defender a interpretação que consideramos correcta e que, aliás, desde o início fizemos, através da apresentação da nossa própria proposta. O PSD responde por si, não posso responder pelo PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! É isso o que nos inquieta!

O Sr. António Vitorino (PS): - Então, em vez de me invectivar a mim, invective o PSD! Já agora, tenha lá paciência!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É isso que faremos em tempo próprio, Sr. Deputado António Vitorino. Só que o PSD, face ao que obteve no acordo, está na posição muito cómoda de assistir, com um grande sorriso nos lábios, à argumentação produzida pelo PS - e mais - nada!

O Sr. Presidente: - Há mais algum pedido de intervenção? Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de fazer uma pergunta. Vejo que o Sr. Deputado Jorge Lacão pediu para usar da palavra, em todo o caso isso ape-

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nas me reforça o choque decorrente do silêncio radiofónico-televisivo pactual do PSD. Sei que não ternos entre nós o Sr. Ministro Fernando Nogueira, mas ele não será insubstituível - talvez o seja nalgumas secretas coisas, mas aqui, seguramente, não é - e a ausência de veiculação da posição do PSD, nesta matéria, seria, no mínimo, o aditar de um enigma, quase piramidal, àquilo que já é suficientemente enigmático. Sucede que o Sr. Deputado António Vitorino, por mais esforçado que se faça, não supre os dois partidos, não é porta-voz de ambos - nem sequer porta-voz do acordo, como tal (não é a voz do acordo). -

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. é particularmente hábil em suscitar respostas, em excitar os ânimos, mas nós já temos alguma experiência nessa matéria. Eu limitar-me-ia, para sua tranquilidade, a dizer o seguinte: subscrevo (nós subscrevemos) inteiramente aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino disse, quando referiu que, o que aqui está consignado, não é uma norma programática mas uma garantia institucional. O que significa que o mínimo não representa uma diminuição; significa, efectivamente, uma garantia institucional, com o sentido que tem no direito constitucional - e que V. Exa., certamente, conhece.

Portanto, primeiro ponto: é muito claro que se trata de uma garantia institucional, e o mínimo, ao contrário de se traduzir num estatuto menorizado, tem um significado de solidez. Em segundo lugar, como V. Exa. compreenderá e também foi referido pelo Sr. Deputado António Vitorino, limitar-me-ei a subscrever esse ponto, o preceito tem uma história, tem uma origem resultante de duas propostas: uma, do PSD, outra, do PS que foram amalgamadas; V. Exa. compreenderá que, quando se refere a que é necessário que exista a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião, isso tem um significado extremamente importante para caracterizar o que é esse serviço - um serviço público de rádio e de televisão. As interpretações que V. Exa. trouxe à colação são, efectivamente, abstrusas.

Já quanto ao problema da imprensa escrita, o facto de nós não a consignarmos na Constituição - não foi objecto de acordo, portanto não irá obter a maioria de dois terços a consignação de uma imprensa escrita; limitar-me-ei a remeter V. Exa. para aquilo que eu próprio tive oportunidade de dizer, aquando da primeira leitura nesta Comissão, quando discutimos essa matéria. Continuo a pensar exactamente como pensava e suponho que sou acompanhado por todo o meu partido nesta matéria, tanto mais que isso se traduziu, depois, em posições negociais muito claras.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Em primeiro lugar, para me prevalecer dos argumentos há pouco expendidos pelo meu camarada António Vitorino. Mas não só para isso, para acrescentar um pouco mais, que é o seguinte: dentro dessa lógica de pensamento, a meu ver, absolutamente certa, de que o que estamos a fazer é cuidar de garantias constitucionais mínimas para o serviço público, nesse sentido estamos a inovar relativamente ao actual texto constitucional. Isto porque, por muito que custe ao PCP, no actual texto constitucional não havia qualquer garantia de serviço público no domínio da radiodifusão e o PCP jamais poderia, com credibilidade, continuar a sustentar a impossibilidade dal iniciativa privada em matéria de televisão. Se o PS se tivesse limitado a permitir o licenciamento da televisão, nos exactos termos em que hoje a Constituição o configura para o licenciamento da rádio, e nada mais sei dissesse, porventura o PCP estaria a atacar menos o PS, só pelo facto de o PS ter pedido menos nesta revisão constitucional. Ora, o PS pediu e obteve, nesta revisão constitucional, mais do que hoje já se diz em 1 matéria de rádio e mais do que aquilo que seria previsível que se dissesse em matéria de televisão - justamente, a garantia de um serviço público.

Quanto ao significado da expressão "serviço público mínimo", ela é, a todas as luzes, uma cláusula aberta. É provável que, no futuro, em sede de soluções de direito ordinário, possa haver interpretações, não necessariamente coincidentes, quanto ao âmbito de um serviço público mínimo. Que não restem dúvidas que, nessa fase, o PS manterá uma opção que já é hoje conhecida: a de que entende que, em matéria de televisão, um serviço público mínimo passa pela complementaridade de dois canais, em regime de concorrência com outros, no sector privado; e a mesma coisa se diga no âmbito da actividade de radiodifusão. Essa posição é consistente com esta cláusula aberta; o que ela revela é uma garantia institucional nova, portanto, do ponto de vista da consagração constitucional, é algo que passamos a ganhar face ao vazio constitucional existente, até ao momento, neste domínio. O que conseguimos é mais garantias constitucionais. Lamentamos que o PCP não queira acompanhar-nos em garantias que ele próprio não se tinha lembrado de sugerir para a sua consagração na Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Apenas queria dizer que sou sensível a alguma da argumentação aqui expendida pelo Sr. Deputado António Vitorino, no que concerne à qualidade e quanto a uma alteração da situação poderá vir a contribuir para uma melhoria da qualidade da informação, a todos os níveis do áudio-visual. O que não consigo compreender, reforçada esta minha dificuldade de compreensão com as últimas palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão, é por que é que não se aproveitou o facto de se instituir uma nova garantia, uma garantia constitucional mínima para p sector público, para manter a garantia de que o cidadão, face ao serviço público, tenha direito à informação, à educação, à cultura, e tudo isto, obviamente, dentro de um espírito de pluralismo e isenção. O que aqui se garante - ou pretende garantir - no n.° 7 do artigo 38.°, nesta proposta de substituição, é apenas que esse serviço mínimo (que continuo, sinceramente, sem perceber o que é) será utilizado de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo; mas podemos levar até ao limite dos absurdos e dizer que, se for um serviço horário, ou de teletexto, ou qualquer outro deste tipo, está absolutamente independente das posições do Governo - a menos que o Governo determine alterar os calendários, ou coisa desse tipo. Depois, assegura a possibilidade de expressão: garante-se aqui que cabe a possibilidade de haver, nesse serviço público, uma expressão e um confronto de ideias; mas

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cabe apenas a possibilidade - não se garante que haja esse confronto, não se garante que esse serviço público contribua, de facto, para a informação plural, para a formação e para a cultura. Não se garante isso. Por que é que não se aproveita esta óptima oportunidade para se garantir tudo isso, já que estamos a falar de garantias constitucionais?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Queria apenas dizer uma coisa ao Sr. Deputado Herculano Pombo: nesse aspecto, com o devido respeito, não há nenhuma alteração em relação à Constituição actual; a referência que o Sr. Deputado Herculano Pombo faz, ao pluralismo do direito à informação, à educação e à cultura...

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Faço referência ao n.° 6 do vosso projecto.

O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto. Mas, se V. Exa. reparar, a solução que está adoptada na proposta conjunta para o n.° 7 do artigo 38.° é exactamente aquela que está hoje consagrada na Constituição quanto ao n.° 1 do artigo 39.°: "a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, e assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião." É o que está hoje na Constituição e nunca ninguém levantou a questão de, no n.° 1 do artigo 39.° actual, não estarem suficientemente salvaguardados princípios, como, por exemplo, o pluralismo do direito à informação, à educação e à cultura. Não há pois nenhuma recessão em relação àquilo que é hoje a norma constitucional. Pelo contrário: há a utilização ipsis verbis da expressão constitucional, constante do n.° 1 do artigo 39.°, só que transferida para o n.° 7 do artigo 38.°, onde se consagra agora a garantia institucional do serviço público de rádio e de televisão. Não há qualquer diminuição da garantia e do conteúdo da Constituição.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Não haverá recessão, mas não há avanço.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas eu entendo que, hoje, o n.° 1 do artigo 39.° já assegura o pluralismo de informação, educação e cultura. Quando diz que assegura a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, essa garantia diz respeito à informação, diz respeito, naturalmente, à educação, e diz respeito, igualmente, à cultura - porque a diversidade de opiniões é um acto cultural, o confronto livre de opiniões é uma forma de contribuir para a educação da comunidade e, naturalmente, também, é uma forma de garantir a informação e o exercício do direito à informação. Creio que o paralelismo é total e que a norma do artigo 39.°, n.° 1, da Constituição, que até aqui tem consumido toda esta panóplia de situações, continua a garantir a efectivação desses direitos.

Último apontamento: noutras partes da Constituição se faz referência à garantia de efectivação de certos direitos através dos meios de comunicação social, designadamente, por exemplo, no artigo referente à cultura - há uma referência expressa aos meios de comunicação - e no artigo sobre educação, também.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Queria dar uma resposta a esta intervenção, para terminar a discussão deste aspecto. Apenas quero dizer que a interpretação do Sr. Deputado António Vitorino é uma interpretação lato sensu, mas do mais lato que podemos encontrar. O Sr. Deputado refere o n.° 1, mas esquece-se de referir as alterações em perspectiva para o artigo 39.° - os mecanismos de garantia vão ser substancialmente alterados, portanto perdemos qualquer tipo de garantia, que exista, de pluralismo, não só na expressão e no confronto de ideias, mas muito menos que exista alguma garantia de que a educação e a cultura sejam feitas na base do pluralismo e da diferença de opiniões. Quanto a mim, não há qualquer dúvida de que houve, de facto, uma recessão - embora o Sr. Deputado não o queira admitir - mas o que é mais grave é que se perca esta oportunidade para fazer avanços. Tal como V. Exa. disse, e faço referência aqui às suas palavras, o PSD não vos convenceu mas, apesar disso, parece que venceu - é pena que não se admita isso, e que não se corrija.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não sei se o melhor estado de espírito para analisar estas questões é o de quem venceu, quem convenceu e de quem quer tirar dividendos da interpretação que faz das vitórias e dos convencimentos alheios.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Trata-se de palavras suas, Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - V. Exa. resolveu fazer essa referência, que, no meu entender, é relativamente deselegante, mas não esperará, naturalmente, que eu lhe dê resposta directa sobre isso.

Quanto ao que interessa, que é o problema da diminuição das garantias, se V. Exa. acha que o sistema hoje em vigor dá suficientes garantias, é porque está a fazer o maior elogio à realidade do sector público da comunicação social, que eu não supunha ouvir da sua boca.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - E que eu não fiz, obviamente!

O Sr. António Vitorino (PS): - É a sua opinião.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a meu ver, ressalta à evidência que estas preocupações do Sr. Deputado Herculano Pombo são consequência não de racionalidades de entendimento mas de preconceitos acerca das propostas feitas. Começou por dizer que ficaram diminuídas as garantias constitucionais na sequência da prova já feita de que a existência de um serviço público é uma garantia nova no actual ordenamento constitucional. Passou depois para o artigo 39.°,

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para dizer que aí se regista uma quebra de garantias. Nada de menos verdadeiro. No artigo 39.°, actual, a única garantia é a da existência de um órgão para preservar condições de isenção e independência do sector público da comunicação social.

Perante a questão agora mesmo posta pelo Sr. Deputado António Vitorino, o Sr. Deputado Herculano Pombo não respondeu nem poderia responder. É que, por muito boa vontade que haja - e têm-na seguramente os membros que actualmente compõem o Conselho de Comunicação Social -, o que se revelou é que esse órgão não tem podido assegurar, na prática, as desejáveis condições de isenção e independência. O que quer dizer que o desiderato que a Constituição se propunha não foi, na realidade, alcançado.

Mas, em face de um dado previsível, que é o da diminuição do sector público - não me cabe a mim anunciá-la, mas só não vê o fenómeno quem não quer ver -, o que teríamos se mantivéssemos o actual modelo seria um futuro órgão com atribuições de alcance cada vez mais limitado justamente porque só abrangem o sector público da comunicação social. Teríamos, portanto, constitucionalmente a descoberto toda a demais imprensa, que será cada vez mais uma imprensa no âmbito privatístico.

Ora, o que nós estamos agora a formular é uma garantia nova: a de um órgão com atribuições não circunscritas ao sector público da informação mas a toda a informação em geral, independentemente da titularidade da respectiva propriedade.

Se o Sr. Deputado Herculano Pombo quisesse argumentar não na base de preconceitos mas na base de uma evidência racional, verificaria que questões tão importantes como a do direito à informação, que se desdobra no direito a informar e a ser informado, e as da independência dos meios de comunicação social em face das várias ameaças possíveis nos planos político e económico são garantidas, independentemente de o órgão ser de titularidade pública ou privada. A pergunta que formulo é tão singela como esta: então esta não é uma garantia constitucional de âmbito muito mais vasto do que aquela que agora era reservada ao Conselho de Comunicação Social? Sr. Deputado Herculano Pombo, se me disser o contrário é porque manifestamente continua a lavrar no seu preconceito, mas não nas evidências deste novo modelo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tenho nada a acrescentar às opiniões dos meus camaradas sobre esta matéria, embora sejam conhecidas as minhas opiniões pessoais a este respeito.

No entanto, quero dizer o seguinte: ouvi muito claramente as críticas que foram feitas ao qualificativo mínimo e também as justificações que foram dadas a esse qualificativo, nomeadamente pela parte do Sr. Presidente. Não vejo que o não estar o qualificativo mínimo pudesse impedir que o serviço público fosse tão mínimo como estando lá esse qualificativo. Isso é óbvio. Se se dissesse no texto "um serviço público", nada garantia que esse serviço não fosse mínimo.

Assim, suponho que o qualificativo "mínimo" só pode ter sido redigido com a ideia de reforçar a garantia, ou seja, a ideia de minimamente suficiente, minimamente significativo, minimamente serviço. Deve ter sido isso, não pode ser outra coisa, porque se lá não estivesse esse qualificativo o serviço poderia igualmente ser mínimo. Só que não seria minimamente significativo como serviço público. De facto, um serviço público é um serviço público. Não se pode cumprir esta norma constitucional com uma televisão que abra às 2 da manhã e em que se diga: "O serviço público de televisão informa que são 2 da manhã." Ou com um serviço de rádio que chegando à meia-noite diz o seguinte: "O serviço público de rádio informa que são 24 horas. Boa noite, ouvintes. Até amanhã."

Evidentemente que isto é uma caricatura do fenómeno. Mas talvez valha a pena desfazerem-se os equívocos que podem levantar-se à volta do qualificativo mínimo. Se a intenção foi saudável, se o que se pretende é um serviço público minimanente significativo de rádio e televisão, garantia que só poderia existir na hipótese de um desacordo frontal entre o PS e o PSD, mantendo-se a actual proibição de uma televisão privada, o que provavelmente nem o PSD nem o PS estariam neste momento em condições de subscrever. Nesse caso é óbvio que este texto é uma conquista, porque, a alternativa é que seria conquista nenhuma.

Isto para pedir ao PSD que reflicta sobre se se justifica ou se é necessário mantermos o equívoco à volta do qualificativo mínimo quando ele só lá está por razões positivas e não negativas. Assim, solicitava aos Srs. Deputados do PSD que fizessem esse esforço. Não é necessário responderem-nos já hoje, mas pela nossa parte gostaríamos que esse equívoco fosse desfeito no sentido de uma interpretação positiva, dado que penso que essa é a interpretação que está na base do qualificativo. Ele surgiu, e surgiu não estando nas propostas originárias, talvez erradamente, como se vê agora pelas interpretações a que está a ser sujeito. Se assim é, tire-se o qualificativo "mínimo", fique apenas estabelecido um "serviço público", e cada governo dê ao serviço público a extensão que entender.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a última intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos reforça a perplexidade com que assistimos a este debate.

Que juízo merecem dois parceiros políticos que quando negoceiam um determinado conteúdo ainda não se puseram de acordo quanto ao significado exacto de uma determinada expressão, e que deixam por precisar uma coisa tão fundamental?!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas qual é o problema de em caminho se tentar esclarecer melhor o sentido das propostas apresentadas?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, Sr. Deputado. Repare que é o Sr. Deputado Jorge Lacão que vem trazer para esta discussão o seguinte raciocínio: "é óbvio que o que está escrito pode ter interpretações divergentes".

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É uma cláusula aberta!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Seria então um cheque em branco, e por isso é que significaria o contrá-

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rio do que o PS tem vindo aqui a tentar defender. Se isso fosse feito não significaria um reforço institucional da situação actual, antes pelo contrário. Passaríamos de uma situação, Sr s. Deputados António Vitorino é Jorge Lacão, em que temos um sector público de imprensa escrita, de radiodifusão, de televisão, de uma agência noticiosa com as características que tem, para quê? Uma garantia institucional que asseguraria um mínimo de televisão e de radiodifusão públicas?!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas com que garantia constitucional, Sr. Deputado Jorge Lemos?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado há pouco falava da questão dos princípios. O Partido Socialista tem vindo a defender que deve haver um modelo para o áudio-visual em Portugal. Apresentou a respectiva proposta e, do nosso ponto de vista, com algum mérito, em sede de revisão constitucional. Ora, o PS decai totalmente dessa proposta e do seu modelo para o áudio-visual!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Decai em quê? O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Em tudo!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Especifique, Sr. Deputado. Em tudo é igual a nada.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não fixa minimamente a existência de um concurso público para atribuição de espaço no espectro radioeléctrico, seja ele televisivo seja ele radiofónico. E decai completamente na exigência de os dois terços para a aprovação de uma lei sobre o estatuto da comunicação social, decai na exigência de garantia de que o sector público tenha jornais e os jornalistas mais poderes nos conselhos de redacção, etc....

Por outro lado, Srs. Deputados do Partido Socialista, não é fácil nem minimamente aceitável que VV. Exas. depois de terem apresentado um projecto de revisão constitucional com as características do vosso cheguem a um acordo com a menoridade, em termos de cláusulas de protecção que o actual projecto tem, e venham aqui defender isso. O PSD, que neste caso ganhou quase tudo, assiste pacificamente ao debate. E o PS que vem defender o que de facto constava do projecto de revisão constitucional do PSD, no essencial. A questão é esta, Srs. Deputados do Partido Socialista!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Não pode afirmar uma coisa dessas, Sr. Deputado!

Apesar de, como vê, estar quase sem voz, quero sublinhar que o Sr. Presidente já interveio, ao contrário do que está a dizer, em nome da bancada do PSD! Além disso, as razões da nossa posição são sobejamente conhecidas!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A verdade é que o acordo teve como grande vencedor nesta matéria o PSD. O que o Partido Socialista vem aqui defender é que haja uma privatização descontrolada da comunicação social, feita pelo PSD, que está no Governo.

O Partido Socialista defende, em sede de lei ordinária, princípios com os quais concordamos relativamente à utilização de parcelas do espectro radioeléctrico e decai, em sede de revisão, dessas posições (dizendo que "não foi possível" porque "o PSD disse que não"). Isso converte em votos pios as suas ardorosas posições de crítica à legislação ordinária contra a qual vota!

Obviamente que o Sr. Deputado Jorge Lacão vem depois aqui dizer-nos que as interpretações divergentes são possíveis. Por outras palavras, ele está a dizer-nos o seguinte: "Nós continuamos com o nosso modelo mas prevalece o do PSD, pois é ele que hegemoniza o poder político."

Srs. Deputados do PS, dizerem-nos neste quadro que o País ganhou e o PS ganhou com este acordo de revisão é, no mínimo, absurdo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não me vou alongar muito porque esta referência final do Sr. Deputado Jorge Lemos sobre o que ganhou e o que perdeu o Partido Socialista nesta matéria é uma referência que visa inquinar os debates na Comissão, inquinar até as relações entre os partidos que celebraram o acordo. Compreendemos perfeitamente que o Partido Comunista tenha que deitar mão de todos os instrumentos para combater este acordo. Em meu entender, há meios mais nobres de combater este acordo do que recorrer a essas invectivas, mas, enfim, as acções ficam com quem as pratica.

Há um argumento que' os senhores utilizarão sempre - é tão óbvio que não vale sequer a pena estar a discuti-lo -, e que é o seguinte: tudo o que signifique liberalização em termos de revisão constitucional beneficia o Governo que está neste momento no poder. Esse argumento é imbatível porque é óbvio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - De facto, é óbvio! Pena é que o PS não o perceba!

O Sr. António Vitorino (PS): - Exactamente! Ele é irrebatível. O que se deveria perguntar é se os senhores não chegaram já à conclusão de qual é o grau de (in)sucesso das concepções imobilistas e do fixismo, da ideia de que o que é preciso é "aguentar, aguentar o que está até que venham melhores tempos". Se não chegaram já à conclusão de que é essa se calhar uma das causas mais profundas das derrotas políticas da esquerda e designadamente do Partido Comunista Português.

Quanto à questão de que em que é que nós decaímos...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quem o enunciou foi o Partido Socialista.

O Sr. António Vitorino (PS): - Quanto ao posicionamento do PS e do PCP em termos de responsabilidades constitucionais e de responsabilidades perante o conteúdo da construção do Estado de direito democrático, não temos a menor dúvida de que o PS tem uma posição muito diferente da do Partido Comunista e uma responsabilidade também muito diferente da do Partido Comunista Português. Escusa o Sr. Deputado

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de nos lembrar isso porque nós sabemo-lo muito bem. E isso não é só de agora: é desde há catorze anos a esta parte com episódios históricos, vários e diferenciados.

Relativamente a outras acusações como, por exemplo, a que diz respeito às garantias constitucionais constantes do projecto do PS, devo dizer que esse é um argumento absurdo. O problema aqui é o de saber em que é que se decaiu de garantias constitucionais do texto actual da Constituição. Esse é que é o ónus da demonstração, e essa foi a demonstração que os senhores não fizeram. Onde é que está no texto actual a garantia constitucional de concurso público para a rádio? Não há hoje nenhuma garantia constitucional de que a rádio tenha que ser licenciada por concurso público. Nenhuma!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio. Quem é que disse isso?!

O Sr. António Vitorino (PS): - É que foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Lemos o seguinte: "decaíram da garantia constitucional de existência de concurso público".

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Decaíram dos vossos princípios...

O Sr. António Vitorino (PS): - Então não são garantias constitucionais. É óbvio e evidente que o que o Sr. Deputado está a querer dizer é que o PS deveria ter colocado como condição sine qua non da celebração de um acordo de revisão da Constituição que se consagrasse a regra do concurso para a rádio, por exemplo, coisa de que inclusivamente o legislador constituinte não se lembrou. Na revisão constitucional de 1982 tal solução não foi introduzida e o próprio PCP no seu projecto de revisão constitucional não o propõe! O PCP, no projecto de revisão, diz que é a Assembleia da República que tem competência para fazer os licenciamentos mas, por exemplo, também não refere que esses licenciamentos obedeçam a qualquer regra de concurso público. Nesse aspecto o Partido Comunista Português decaiu do princípio do concurso público antes do PS, porque nem sequer chegou a propô-lo no seu próprio projecto de lei originário!

Se é esse o nível de argumentação pelo qual os senhores querem debater isto connosco, então respondemos à letra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso não é à letra, é abaixo da falta dela!

O Sr. António Vitorino (PS): - Isto é apenas para não deixar sem resposta as acusações injustas formuladas nas intervenções que os senhores fizeram. O tem foi o que os Srs. Deputados do PCP escolheram, não se queixem de ter que ouvir agora as nossas respostas.

Quanto à questão de serviço público mínimo, devo dizer que para nós a interpretação válida é aquela que demos, é convergente com a interpretação do PSD, e pelos vistos a única entidade que não comunga desse entendimento é o Partido Comunista Português. Nós também gostaríamos de saber se os Srs. Deputados consideram que esta interpretação que nós demos e que o PSD deu é improcedente, isto é, se assumem o ónus de dizer que é improcedente. Gostaríamos de ouvir isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado António Vitorino já disse o essencial e o necessário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscrevi-me há pouco apenas para referir dois pontos.

O primeiro é que se VV. Exas. lerem aquilo que é a proposta do PSD no n.° 2 do artigo 39.° verificarão que se diz claramente o seguinte: "O Estado assegura a existência de um serviço público de rádio e de televisão." Não se fala num serviço mínimo. É óbvio que quando num acordo em que duas partes vão naturalmente fixar um entendimento se põe a ideia de um mínimo, e evidentemente o Partido Socialista não apresentou uma ideia menos forte em termos de garantia de serviço público daquela que apresentou o PSD, não tem qualquer justificação estar a apresentar a ideia de que se trata de uma norma programática para diminuir o serviço a um mínimo. Para mim isto é claríssimo.

De qualquer modo. tenho algumas dúvidas, mas naturalmente iremos ponderar o problema, sobre se na fase em que nos encontramos será a melhor solução estar a suprimir a palavra mínimo do articulado, que aliás corresponde àquilo que era o texto inicial do PSD. Mas, naturalmente, vamos ponderar sobre isto com o Partido Socialista, visto que esta foi uma matéria objecto de acordo, e certamente que chegaremos à solução que se entender mais conveniente para assegurar o conteúdo mínimo da garantia institucional. Porque é de uma garantia institucional que se trata, e penso que VV. Exas., provavelmente por vontade deliberada, querem esquecer qual é o significado de uma garantia institucional.

O segundo ponto que gostaria de mencionar diz respeito à questão da imprensa escrita. Já dissemos com suficiente clareza na altura do primeiro debate que não pensamos que deva haver uma garantia institucional constitucional de um serviço público relativo à imprensa, aos jornais, portanto aos meios de comunicação social escritos.

Pelo contrário, pensamos que ele não deve existir, e não partimos da ideia que nesta matéria o Estado assegure uma necessária imparcialidade. Creio que cheguei a dizer, e não é uma pura blague, que para nós é uma certa surpresa o facto de o Partido Comunista, que suponho que ainda perfilha as ideias marxistas acerca do Estado e acha que o Estado é um instrumento ao serviço da classe burguesa, vir defender a ideia de que a única maneira de garantir a imparcialidade é ter meios de comunicação social públicos, a menos que o PCP tenha o sonho de vir em breve a dominar o Estado, mas não me parece que as perspectivas em termos eleitorais venham dar grande solidez a esta tese. Mas, seja como for, pensamos que a exemplo do que acontece praticamente em todos os países de democracia pluralista em que não há casos de garantia da liberdade de imprensa através da necessidade de institucionalizar numa imprensa escrita de carácter público também, entre nós, uma pseudo garantia não tem razão de ser. Não é assim na Grã-Bretanha, nem em França, nem em Espanha, nem na Alemanha, nem nos Estados Unidos, e provavelmente iremos ver que a perestroika vai começar a dar alguma razão a esse pluralismo. Porque haveria de ser em Portugal?

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Tivemos um debate muito longo nesta Comissão que foi feito com a elevação e com a clareza suficiente para podermos expender as nossas posições, e não chegámos a acordo com o Partido Socialista sobre isso. Não louve nenhum equívoco e foi tudo extremamente claro. Portanto, essa garantia não existia na Constituição e não há um acordo maioritário qualificado para que ela exista. Essa é a comparação que deve ser feita entre aquilo que existe da Constituição actual e aquilo que não se conseguiu e não somente a comparação do que queríamos e do projecto do Partido Socialista... Se o Sr. Deputado quiser, decaímos em muitos aspectos do nosso projecto e nem por isso nos sentimos menorizados.

Em resumo, subscrevemos inteiramente aquilo que foi expendido a propósito da garantia institucional, acerca do conteúdo mínimo, o qual é o sentido de reforço que foi, aliás, há pouco referido pelo Sr. Deputado António Vitorino e depois reafirmado pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Estamos abertos a considerar a utilidade, que para nós neste momento não é clara (mas estamos abertos porque entendemos que isso é próprio da correcção negocial), de suprimir o adjectivo mínimo, se for caso disso, relembrando que a interpretação que é clara e resulta até da circunstância de no nosso próprio projecto esse qualificativo não existir. Para além disso, achamos que não vale a pena estarmos a expender mais considerações depois daquelas que já foram feitas oportunamente na primeira leitura.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas fazer um pequeno comentário à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lemos. Penso que em matéria de comunicação social tem sido um argumento que os deputados do PCP, por mais de uma vez, têm aqui utilizado de dizerem que, em resultado do que são pontos de convergência entre o PSD e o PS, nesta matéria, na revisão constitucional, permitir-se-á que este Governo "faça e aconteça" e que este Governo poderá aproveitar-se dessa circunstância para "isto, aquilo e aqueloutro". Realmente fico um pouco perplexo com esta argumentação, porque penso que estamos a fazer uma revisão constitucional para todos os governos que, por via eleitoral, sejam escolhidos para governar o País nos momentos próprios. Esta constante argumentação de que aquilo que está ou for acordado entre o PSD e o PS, nesta matéria, irá permitir que este Governo "faça e aconteça", parece-me uma argumentação limitativa e restritiva em matéria de revisão constitucional. A preocupação do PCP, nesta área, parece que é sempre em função do Governo, que nesta ocasião está, que é do PSD. Isto parece-me uma visão extremamente restritiva do que deve ser uma revisão constitucional e parece-me...

O Sr. Presidente: - E conformada.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): -... uma falta de argumentos de fundo, relativamente a esta matéria. E a pergunta era: estamos a fazer uma revisão constitucional em função de todo e qualquer governo, que venha a ser governo escolhido pelo sufrágio universal, conforme a Constituição prevê ou as preocupações do PCP, nesta matéria, restringem-se à circunstância acidental de ser este Governo, ou será uma preocupação já de antevisão que este Governo, mercê do bom senso do povo português, irá ser governo por muitos anos, quiçá até uma próxima revisão constitucional?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, uma curta resposta ao Sr. Deputado Guilherme da Silva. Trata-se de estabelecer uma garantia institucional, logo válida, não só para este Governo. Conhecido o referencial negativo, de que temos falado, devemos prevenir-nos para que outros não possam desenvolver o que este já iniciou.

O Sr. Presidente: - Penso que V. Exa. pediu uma interrupção ao Sr. Deputado Herculano Pombo, não foi?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Foi só um reparo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Com a máxima brevidade e apenas para referir aqui e, em relação à última intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, que afirmou que eu estava a produzir raciocínios eivados de preconceitos, declarar, para que conste e para que não restem dúvidas, que não tenho qualquer preconceito nesta matéria, como não tenho em muitas outras. Para mim está claro que é má a manutenção do monopólio estatal da comunicação social, como é mau que esse monopólio deixe de ser do Estado e passe a ser um monopólio absoluto de empresas privadas.

Penso que as situações extremas são sempre más. Mas depois desta declaração, e para que conste, gostaria de dizer apenas que a declaração do Sr. Deputado Jorge Lacão levantou uma questão extremamente interessante. O Sr. Deputado Jorge Lacão afirmou que o Conselho de Comunicação Social não cumpriu, não foi capaz de cumprir - não é que não se tenha esforçado -, porque a dura realidade da vida não o permitiu. E como a dura realidade da vida não o permitiu, nada mais há a fazer que substituir o Conselho de Comunicação Social pela dura realidade da vida, ou seja, cria-se uma alta autoridade, que é reflexo daquilo que é hoje a vida, para que ela controle essa própria vida. É um raciocínio extremamente interessante e eu que sou o mais ingénuo dos políticos, apesar disso, não consigo ingenuidade suficiente para perceber como é que a alta autoridade para o áudio-visual, que se pretende vir a consagrar, vai ser capaz, ela própria, de garantir o direito à informação, à liberdade de imprensa e independência perante não só o poder político, que é o poder político conjuntural que a nomeia, como perante o poder económico, a quem são dadas todas as facilidades no domínio do áudio-visual. Isto é, como é que as pessoas se vão defender delas próprias, ou como é que essas instituições se vão defender delas próprias ou dos seus patronos. A minha ingenuidade, sinceramente, não chega a tanto, Sr. Deputado Jorge Lacão. E quando considera que se melhorou bastante, porque, hoje em dia, já não se vai garantir só o serviço público, mas que o serviço público seja isento e que também o serviço privado o seja, isto é, que a partir de agora a isenção fica garantida

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em todo o lado, eu diria, no entanto, que a partir de agora não fica garantida isenção coisíssima nenhuma. O serviço público, o mínimo ou o máximo, não sei qual é a escala de referência, mas esse serviço público não fica é em condições mínimas de poder concorrer com o serviço privado, que acho legítimo e que pode de facto contribuir para a melhoria da qualidade de informação. Agora o serviço público, tal qual fica aqui garantido, não tem, passará a não ter, como hoje já tem pouca, qualquer possibilidade de concorrer e será a própria opinião pública a rejeitá-lo, porque à partida, à nascença, já é taxado de mínimo. Ninguém vai optar por uma coisa que é mínima. As pessoas optarão, livremente e muito bem, por quem lhes der o máximo ou por aquilo que elas pensem que é o máximo.

O Sr. Presidente: - As pessoas são maximalistas. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, considero perfeitamente compreensível que a temperatura suba, porque alguns dos argumentos produzidos são, no mínimo, escaldantes e a solução arrisca-se a ser ainda mais escaldante para o futuro do sector público de comunicação social. Nesse sentido, toda a apreensão e todos os argumentos que sejam carreados são, obviamente, positivos.

Desde logo acentuaria que conseguimos uma clarificação. Logo se verá até onde é que ela irá, mas é realmente espectacular que desde o dia 14 de Outubro, data da assinatura solene, pelos negociadores da altura, do acordo político da revisão constitucional, até à data, tenha pairado este enigma hoje decifrado - "o mistério do mínimo", que oscila entre o zero e o infinito. Ele foi hoje decifrado pelos Srs. Deputados do PS, com a saudável corroboração do Sr. Deputado Rui Machete. Haverá agora a possibilidade de evolução redactiva, que decorre das discussões que fizemos. Assim se prova como as reflexões são virtuosas, úteis e, no mínimo, deveria ser assinalado que a esse resultado hermenêutico hoje alcançado não foi alheio o esforço praticado pelo PCP. Seria saudável, normal, banal reconhecê-lo!

O Sr. António Vitorino (PS): - É o único caso em que de minima curai praetor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desses mínimos nós curamos, bem como dos outros.

Risos.

Em segundo lugar, o acordo político de revisão constitucional é realmente para discutir e não nos impressiona nada, como é óbvio, qualquer objurgatória no sentido de penalizar o facto de o trazermos a debate. O mérito não é grande: o acordo está à vista de todos, desperta a atenção, tem implicações gravíssimas, é materializado em propostas de alteração e - que eu saiba- não foi revisto.

Há aspectos obscuros no acordo, disposições de difícil interpretação, cláusulas que não conhecemos e desenvolvimentos que vamos conhecendo - ainda agora conhecemos um, ainda agora assistimos aqui a um, ao vivo, em directo, (refiro-me à supressão do famoso in ciso "mínimo"). Isso prova bem que o acordo está em movimento e que o diálogo também produz efeitos. É através da nossa actividade um tanto arqueológico-hermenêutica que é possível remexer no conteúdo chegar a resultados e a conclusões sobre o seu alcance.) Parece-me um importante aspecto a assinalar.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é mexer m conteúdo do acordo, é melhorar a forma do acordo,! porque, como viu, quanto ao conteúdo há acordo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lamentavelmente, Sr. Deputado António Vitorino, lamentavelmente, na nossa óptica. Queria assinalar, de resto, que o repúdio não é só nosso. O Sr. Deputado António Vitorino fez uma démarche muito típica, a qual consiste em procurar limitar o mal, aludindo apenas a parte dos críticos. Só que sucede que a fonte de críticas não se circunscreve ao PCP. Ainda que se circunscrevesse isso seria sempre respeitável, mas não é o caso porque vêm de diversos quadrantes as observações. E mais: repare que ainda não ouvimos o Conselho de Comunicação Social, que cá virá na próxima semana, nem o Conselho de Imprensa.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não tenho conhecimento de que tenham pedido audiências, não fui informado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pediram sim, Sr. Deputado. Pelo menos o Conselho de Comunicação Social pediu e está marcada para a próxima semana.

O Sr. António Vitorino (PS): - Pediu ao PCP ou pediu à Comissão?

O Sr. José Magalhães (PCP): - À Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, Sr. Deputado!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas no PS não temos conhecimento!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É facto que só pode ser imputado ao próprio PS, uma vez que foi transmitido a todos os grupos parlamentares, pela via própria.

Em todo o caso, não há nisso nenhuma anormalidade, nem qualquer factor de surpresa. Todos nós tínhamos lido as declarações públicas do presidente do Conselho de Comunicação Social sobre as incidências do acordo PS/PSD...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não é uma questão de surpresa. Como não temos conhecimento, quisemos perguntar se tinha sido feita uma démarche nesse sentido, porque não nos foi informado, mas, como V. Exa. nos comunicou e o Sr. Presidente corrobora, não fomos de facto informados. É só isso, não tem nada de mais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois claro! Dizia eu que o Sr. Presidente do Conselho de Comunicação Social se declarou "surpreendido e decepcionado com o PS" e considerou que o acordo reflectia "falta de lucidez, de visão e de capacidade de defesa dos interesses da sociedade democrática no domínio da comunicação social". Mais ainda, aditou que "o PS cometeu neste acordo e em relação à comunicação especial erros muito consideráveis". Procurar indistinguir, amalga-

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nar, associar à canga de uma visão "fossilizada", "retrógada", "completamente cega", todos os que digam não ao acordo, é um mau argumento! Suponho que ião impressionará ninguém e sobretudo não nos inibirá minimamente de reflectir acerca das consequências nefastas tanto do acordo como do texto, cuja aprovarão está indiciada, e até deste debate.

O Sr. António Vitorino (PS): - Também não era essa a intenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto às consequências gostaria, neste momento, de considerar unicamente três aspectos.

Primeiro o modelo e a realidade, coisa que poderia ser o título, parafraseando um bocadinho Huxley, "Sem olhos no Lumiar". Realmente, realmente fazendo o balanço da aplicação do modelo dos áudio-visuais em Portugal, é evidente que ela se deparou com fortes resistências. Desde logo daqueles que queriam apoderar-se desse precioso instrumento através daquelas famosas cadeias que iam directamente dos gabinetes dos ministros até lá dentro aos gabinetes dos chefes da RTP, depois aos subchefes, depois aos subsubchefes e depois aos serventuários dos diferentes graus até chegarem manipuladas aos olhos do espectador sob forma de mensagem áudio-visual. Isso não tem nada a ver com o modelo constitucional, nunca teve nada a ver com o modelo constitucional!

Por outro lado, em relação aos meios de garantia e de defesa desse modelo, tudo, a começar pelo próprio Conselho de Comunicação Social, sofreu limitações. Não por acaso o presidente do Conselho de Comunicação Social pôde sublinhar que, se o Conselho procurou fazer o máximo que lhe foi possível, do ponto de vista do Conselho a própria lei ordinária "é coxa", ou como disse o Dr. Artur Portela: "Há um ilogismo, evado ao absurdo, entre o que a Constituição manda fazer a este órgão e aquilo que a lei lhe permite efectivamente fazer. A Constituição vai até um certo ponto e a lei fica cinco ou seis passos atrás. A Assembleia da República não teve coragem, visão, vontade política, capacidade, possibilidade, maioria para fazer uma lei que correspondesse àquelas atribuições." Houve, de facto, um fosso entre os objectivos e os meios e houve também, como é óbvio, uma acção concertada tendente a esvaziar o modelo e impedir o cumprimento das regras sobre o pluralismo, isenção, imparcialidade e objectividade do produto televisivo (coisa que também ocorreu, aliás, na rádio). Houve e há, evidentemente, concepções distintas em relação aos modelos a adoptar no domínio dos áudio-visuais. Verdade se diga que há também responsabilidades na situação que se gerou (contrária aos princípios e concepções por alguns proclamadas), incluindo responsabilidades do PS. Em relação às questões de princípio, nós respondemos, durante a primeira leitura, às acusações formuladas pelo PS. A nossa preocupação tem a ver, precisamente, com a modernidade, tem a ver com a situação que possa decorrer de uma solução de privatização descontrolada como aquela para que aponta o texto, que agora está em debate. Se o PS assume que será o PSD a conduzir essa privatização, discordando o PS das soluções que no concreto vão ser adoptadas, defenderá apenas piamente o seu modelo abstracto, mas corroborando e viabilizando, à partida, a implementação do PSD. Todos nós temos que tirar daí as ilações políticas correspondentes! O PS será co-responsável por esse resultado. O modelo que viabiliza será, pois, afinal, verdadeiramente o seu, numa determinada quota-parte, ao menos na razão da responsabilidade da sua génese originária.

Creio que isto é da mais extrema gravidade, sobretudo porque essa privatização -não somos cegos ao futuro, não somos cegos à realidade - se faz no contexto em que Portugal está integrado nas Comunidades Europeias e em que há, em movimento, vários processos de internacionalização, de associação entre o capital nacional e o capital estrangeiro, vários processos de penetração do capital estrangeiro na economia nacional. Nesse quadro, o sector dos áudio-visuais é também disputado, apetecível e está sujeito à gula de grupos económicos nacionais e estrangeiros, que buscam uma profunda alteração e reestruturação das unidades empresariais existentes. Esse processo turbulento vai ter consequências, do ponto de vista da liberdade de informação, do ponto de vista da possibilidade de acesso dos cidadãos à informação. Obviamente, os grupos económicos não terão a caridade de fazer informação ou injectar no mercado outros produtos audiovisuais que não tenham o escopo de servir as suas finalidades.

Não podemos ser alheios a essa consequência ou a essa característica desta privatização que noutros países tem originado não maior qualidade mas falta de qualidade; não elevação dos níveis, mas debilitação dos mesmos; não reforço da vertente cultural, mas a veiculação de modelos estereotipados assentes no consumismo, na veiculação de todas as formas de bastardia cultural, de massificação de produtos de enésima qualidade. É o modelo berlusconiano da televisão do music-hall, da lantejoula sexual e dos detritos culturais.

Pergunta-me o Sr. Deputado Guilherme da Silva: "mas querem dizer que no futuro terá que ser sempre assim? Querem dizer que o governo do PSD é eterno?" Não, não queremos dizer isso, mas sim que aqueles que aceitem fazer esta viabilização não alargam, não facilitam, não ampliam as condições de resistência a essa eternização no poder sonhada pelo PSD, mas provavelmente facilitam-na! Obviamente isso não nos leva a sentarmo-nos calmamente, cachimbando desânimos. Isso leva-nos apenas a criticar quem tal faça e a encontrar novos meios de intervenção e acção, porque a nossa Estrela Polar é a mesma: garantir o pluralismo, a liberdade de informação, a democracia na comunicação social.

Em relação ao futuro gostaria de dizer ainda que é chocante, para nós, que se diga que "a selecção não é entre o público e o privado, mas sim entre a qualidade e a falta dela". Há aqui uma mistificação grave. É que a falta de qualidade de certos produtos oferecidos por certos órgãos de comunicação social do sector público não é desligável da forma como são geridos; não é desligável do famoso espírito PSD em relação à gestão dos meios de comunicação social; não é desligável da manipulação desenfreada; não é desligável da acção governativa ingerente; não é desligável dos homens de mão colocados; não é desligável de uma política que não só não decorre da Constituição como está completamente ao arrepio da Constituição. A falta de qualidade é, onde existe, o produto disto e não de um mal profundo e congénito que brote do público

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como a água inquinada brota dos pântanos. O que o Sr. Deputado António Vitorino aqui disse traduz uma profunda inversão de concepções do PS e um afastamento em relação a parâmetros constitucionais que outrora perfilhou. É lamentável!

Em relação às interpretações constitucionais e às posições do PS gostaria de fazer algumas observações, porque isso também tem a ver com o futuro. O PS vai ter doravante uma extrema dificuldade em fazer as duas demonstrações que hoje aqui tentou, de forma claudicante. A primeira é de que "não decai" das suas propostas originárias (porque, de facto, recua enormemente) e a segunda é de que a Constituição sai reforçada (porque bem se vê que ocorre o contrário!)

Seria extremamente difícil que o PS não tivesse dado aqui mostras da dificuldade que sente em explicar aos cidadãos que o acordo "não é" péssimo neste ponto. Quanto a demonstrar que o PS "não decai" das suas propostas, seria obviamente mais fácil que o tal camelo bíblico passasse pelo fundo da agulha do que o PS conseguisse fazer tal prova. Em primeiro lugar, o PS abandona, claramente, a sua proposta em relação ao n.° 7 - adeus estatuto ria informação! Isso explica-nos a dimensão da cedência praticada porque, como é Óbvio, entre uma privatizaçâo controlada, quanto mais não seja pela base de apoio necessária para a sua aprovação, e uma privatização monopolizada, monopartidarizada há uma diferença e não se espere que nós, em vez de sublinhar essa diferença, a esbatamos.

Em segundo lugar, o Partido Socialista decai da sua proposta atinente à existência de um sector público tripartido, texto que o PCP retomou para os devidos efeitos. Por outro lado, o PS decaiu em relação à sua proposta originária de reforço dos direitos dos jornalistas e por aí adiante. Isto é um facto! O Partido Socialista pode dizer "não conseguimos resultados, a negociação falhou!" Pode dizê-lo, mas só que isto não nos satisfaz, porque, sendo a negociação péssima, tem de ser formalmente aprovada pela Assembleia da República, tem de ser votada. É no Plenário que ela se decide. É aqui que ela se dirime. Ora, o Partido Socialista resolve assumir plenamente, beber até ao fundo essa taça. Por isso é, obviamente, responsável pelo resultado, que está ao seu alcance evitar.

Quanto à outra coisa que o Partido Socialista procura demonstrar (o "reforço" da Constituição) é verdadeiramente capaz de abrir as bocas em Portugal de lês a lês. Disso não duvido, porque o esforço de prestidigitação traduz-se em dizer isto: é "positivo" passar de um quadro em que há um sector público de comunicação social tripartido, fiscalizado por um Conselho de Comunicação Social eleito por dois terços, com as correspondentes ilações em relação ao âmbito do exercício do direito de antena, do direito de resposta e do direito de réplica política, para um sector público com um serviço público de radio e radiotelevisão - e já estou a admitir que se saque o "mínimo", que o PSD, dormindo, consultado o travesseiro, aceite isso - um sector público de comunicação social fiscalizado por uma alta autoridade governamentalizada e com um direito de resposta e com um direito de antena, em regra, circunscrito àquilo que seja a dimensão do sector público de comunicação social subjacente. Dizer que a primeira e a segunda coisa têm entre si a relação de que o segundo é mais do que o primeiro, de que a actual situação é "pior" do que a futura, francamente, Srs. Deputados do PS, é um esforço totalmente infrutífero. Não há ilusionismo político ou jurídico que consiga dizer que o menos é mais e que isto, que é um mutação e uma amputação, seria, afinal de contas, um "prótese". Não conseguem fazer uma tal coisa, por que é visível, entre outras coisas, que há processos d alienação de jornais públicos em curso e sabemos que o Governo pretende alienar a Rádio Comercial. O Srs. Deputados do Partido Socialista andam distraído em relação a isso? Sabem-no e como o sabem ainda pioram mais as coisas, porque isso quer dizer que viabilizam essa situação. De nada valerá que na altura da alienação digam "nós somos contra". Serão contra alienação, mas permitiram-na, são co-responsáveis políticos e morais pela alienação, são, portanto, co-autores dessa política.

Por todas estas razões, Sr. Presidente, Srs. Deputados, sublinhando a importância deste debate para clarificação de alguns dos aspectos obscuros do acordo celebrado entre o PS e o PSD e do articulado submetido, o PCP exprime de novo profunda preocupação pela mutação nestas condições e a nossa completa dissociação dos rumos que assim se pretendem imprimir ao modelo dos áudio-visuais em Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o propósito desta discussão do n.° 7 do artigo 38.° está a ser novamente versada a problemática mais geral do acordo PS/PSD sobre esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pudera!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Nós diremos o seguinte: na sequência do que dissemos ontem, reconhecemos que há elementos positivos no acordo alcançados sobre esta matéria - e também na forma como ele está a ser trazido aqui à Comissão -, qual seja a nova redacção do n.° 2 do artigo 38.°, que esclarece o sentido abrangente da expressão e do conceito de liberdade de imprensa, o que nos parece positivo, e eliminação do aberrante princípio constante do actual n.° 7 do artigo 38.° Isto é, sem dúvida, positivo, mas eu diria que é o mínimo porque, na realidade, o esclarecimento do conceito de liberdade de imprensa é como verificámos, o esclarecimento de algo que já estava na ideia de muitas pessoas.

Por outro lado, o aberrante princípio do n.° 7 é como todas as pessoas reconhecem hoje em dia, completamente incompatível com os progressos tecnológicos feitos neste domínio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Todas?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Todas, até ao PCP, suponho eu.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado anda completamente distraído. A questão não é essa.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E é completamente ridículo manter a reserva da propriedade da televisão, já que isso pode não ter o mínimo significado do ponto de vista da possibilidade de emissão para dentro do território português.

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Portanto, o que se alcançou é um mínimo porque, de resto, o acordo mantém a estrutura da Constituição na versão de 82, em relação aos meios de comunicação social. Elimina, com efeito, o monopólio da propriedade, sendo certo que ele já não implicava o monopólio da utilização - isso já se reconhecia -, mas, no entanto, tem o cuidado de manter um serviço mínimo. Um serviço mínimo pode ser, efectivamente, muita coisa. Nós preferíamos que não se falasse em serviço mínimo, mas, sim, em serviço público de televisão e que, porventura, se esclarecesse que esse serviço era restrito a determinadas matérias, a determinado tipo de emissão, como, aliás, acontece em quase todos os países livres do mundo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro, Sr. Deputado. Ao boletim meteorológico, à missa!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pois, porventura, ao boletim meteorológico, mas não ao noticiário... Talvez tenhamos dito, Sr. Deputado.

Vozes.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Espere, Sr. Deputado, que da missa vamos tratar nós de maneifa satisfatória e de tal maneira que mais ninguém ouvirá outra emissora. V. Exa. vai ver!

Risos.

Agora o que acontece, Sr. Deputado José Magalhães, é que é curioso que VV. Exas. estejam, na realidade, a considerar este serviço mínimo como uma garantia em si e, ao mesmo tempo, sintam necessidade de o rodear de "garantias". Isto é, o serviço público é o único serviço portador de grandes malefícios porque é o único serviço que VV. Exas. têm sempre que acompanhar de garantias para que tenha independência política, religiosa, etc.. É que, em princípio, VV. Exas. reconhecem que ele é o mais sujeito a perder essa independência. Portanto, é um serviço mau por natureza, que não trará nada de positivo. O que nós criticamos é que essa estrutura se mantenha. Não haverá monopólio da propriedade porque acharam isso um disparate. Era ridículo manter isso na nossa Constituição e por isso VV. Exas. cederam a tirá-lo, mas substituem-no pelo serviço mínimo, que pode, como é evidente, ser máximo.

Por outro lado, introduzem a ideia da alta autoridade dos áudio-visuais, que substitui o Conselho de Comunicação Social, com este aspecto negativo: é que pela forma como a respectiva norma está redigida alarga a sua competência aos meios privados. Dantes havia o Conselho de Comunicação Social, que era a tal garantia de que os serviços públicos funcionariam com independência e com objectividade, coisa de que os constituintes desconfiavam, razão por que lhe introduziam tal salvaguarda, tal condição, para que assim fosse. Agora passou a desconfiar-se, em geral, de tudo. Nós continuamos com a nossa posição. A garantia de que há independência e objectividade na informação é, efectivamente, a de alargar o princípio da liberdade à própria titularidade dos meios de comunicação sçcial. Este é o princípio que nós sempre defendemos. É evidente que em relação à radiotelevisão há condicionantes de ordem técnica que terão de ser respeitados. Por isso, há um regime de licenciamento. Aceitamo-lo e sempre, efectivamente, o dissemos. Mais nada do que isso.

Eu gostaria de dizer o seguinte: a par dos elementos positivos que o acordo nos traz sobre esta matéria, ele mantém fundamentalmente - e em alguns aspectos até o alarga - a estrutura de antigos dispositivos constitucionais, artigos 38.° e 39.°, sobre esta matéria da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se o Sr. Deputado Nogueira de Brito estiver cá na terça-feira não vejo necessidade de fazer agora a pergunta.

O Sr. Presidente: - Não há garantias institucionais mínimas que isso aconteça, Sr. Deputado.

Vozes.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - - Tenciono cá estar na terça-feira, Sr. Presidente.

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que não se justifica estar agora a travar em demasiado sumário aquilo que é um debate que, pela sua complexidade, exige algum vagar...

O Sr. Presidente: - Exigiu, Sr. Deputado!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... não pode vir dizer que o debate vai começar agora.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer fazer a pergunta agora ou aguarda por terça-feira?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aguardo, Sr. Presidente.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Mas se é uma pergunta é melhor arrumarmos já a questão, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Por que é que não faz já a pergunta, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era só um comentário, Sr. Presidente.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomamos os trabalhos na terça-feira e espero que, nessa altura, possamos fazer rapidamente as votações deste artigo e dos seguintes.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Marcaríamos as nossas reuniões para terça-feira às 15 horas, quarta-feira às 15 horas, quinta-feira às 15 horas e sexta-feira às 10 horas da manhã.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - E no sábado,Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - No sábado dependerá do comportamento do PCP, Sr. Deputado. Desejo a todos um bom fim-de-semana. Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 6 de Janeiro de 1989

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Jorge Santos Pereira (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Guilherme Henrique Rodrigues da Silva (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (PEV).

Artigo 38.°

Proposta de alteração

5 - Os titulares de órgãos de comunicação social divulgam, nos termos da lei, a propriedade e os meios de financiamento do respectivo órgão.

6 - O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas.

Os Deputados do PS: Jorge Lacão - Almeida Santos.

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