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Segunda-feira, 15 de Maio de 1989 II Série - Número 103-RC
DIÁRIO da Assebleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 101
Reunião do dia 7 de Março de 1989
SUMÁRIO
Procedeu-se a nova discussão e à votação dos artigos 11.° e 89.° e respectivas propostas de alteração e de substituição e das propostas de artigos novos - 81.°-A e 90.°-A -, apresentadas, respectivamente, pelo PS e pelo PCP, e respectivas propostas de substituição.
Concluiu-se a discussão e a votação dos artigos 80.°, 137.°, 160.°, 170.º e 199.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Procedeu-se a nova discussão e à votação das propostas de artigos novos - 112.°-A (PS), 138.°-A (PSD), 140.° (CDS) e 276.°-A a 276.°-D (PRD) - e respectivas propostas de substituição, todas relativas ao referendo.
Deu-se continuação à nova discussão e à votação do artigo 115.º e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Procedeu-se ainda à votação das propostas de eliminação da epígrafe do título II da parte II da Constituição, apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PCP), Maria da Assunção Es tevês (PSD), Pedro Roseta (PSD), António Vitorino (PS), Guilherme da Silva (PSD) e José Luís Ramos (PSD).
Foram os seguintes os resultados das votações realizadas: proposta de substituição do n.° 1 do artigo 11.º apresentada pelo PCP, artigo 81.°-A proposto pelo PS, proposta de substituição (aditamento da expressão "sem prejuízo do disposto no número seguinte") do n.º 3 do artigo 81.°-A apresentada pelo PS, alíneas b) e c) do artigo 80.° proposto pelo PS, proposta de substituição do artigo 90.°-A apresentada pelo PCP, pelo PS e pelo PSD e propostas de substituição dos n.ºs 2 a 8 do artigo 112.°-A, dos n.ºs 3 a 7 do artigo 170.º e do n.° 2 do artigo 115.° apresentadas pelo PS e pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP; n.° 1 do artigo 89.º proposto pelo PSD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e a abstenção do PS; n.º 2 do artigo 89.° proposto pelo PSD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP; proposta de eliminação da epígrafe do título II da parte II da Constituição apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD, proposta de substituição do n.º 1 do artigo 112.°-A apresentada pelo PS e pelo PSD e propostas de substituição do n.° 2 do artigo 160.° e do artigo 199.° apresentadas pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP; proposta de substituição do n.º 1 do artigo 170.° apresentada pelo PS e pelo PSD - obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS, os votos contra dos deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino e Guilherme da Silva (PSD) e a abstenção do PCP; proposta de alínea c) do artigo 137.° apresentada pelo PS e pelo PSD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e a abstenção do PCP.
Em anexo à presente acta, são publicadas propostas de substituição dos artigos 11.° (PCP), 81.°-A (PS), 90.°-A (PCP-PS-PSD), 112.°-A (PS-PSD), 160.° (PSD), 199.° (PSD) e 170.° (PS-PSD).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Sugiro que façamos mais uma ronda pelos artigos atrasados. Vamos eliminando e resolvendo os que pudermos resolver, e deixar para a última ronda aqueles que não puderem ser resolvidos desde já.
O primeiro artigo atrasado é o artigo 7.°
Vozes.
O Sr. Presidente: - O PSD está em condições de votar ou não?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Alguns números talvez.
O Sr. Presidente: - Então, não vale a pena votar. Vamos adiá-lo.
Vozes.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O artigo 11.°, com certeza que estarão em condições de votar. Estão?
Pausa. Vozes.
O Sr. Presidente: - Para o n.° 3 do artigo 11.° havia uma proposta do PCP, no sentido de se dizer: "A Bandeira Nacional é símbolo da soberania da República e da independência, unidade e integridade de Portugal". Nós preferiríamos, e púnhamos à consideração do PCP (pareceu-me que também era essa a tendência do PSD), que se incluísse o n.° 3 no actual n.° 1, do qual constaria: "A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, adoptada pela revolução..."
Penso que o Sr. Deputado José Magalhães já mostrou abertura em relação a esta redacção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tal qual anunciei, e na sequência de uma sugestão do Sr. Deputado Pedro Roseta, não temos objecções a que se faça assim.
O Sr. Presidente: - Concluindo, subsumia-se o n.° 3 do artigo 11.° da proposta do PCP no n.° 1 e o n.° 2 continuava a ser como está.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O estatuto desta proposta é de substituição?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai então proceder-se à votação da proposta de substituição do n.° 1 (n.° 3 da anterior proposta) do artigo 11.° apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, obteve a maioria de, dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
1 - A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República e da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela revolução de 5 de Outubro de 1910.
O Sr. Presidente: - Significa isto que fica prejudicada a proposta de substituição do n.° 3 do artigo 11.°, anteriormente apresentada pelo PCP. i
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em bom rigor, a proposta ficou consumida plenamente, de forma mais económica.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Segue-se o artigo 33.° que nós requeremos que continue adiado; temos o artigo 39.° que também propomos que continue adiado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 80.°, propomos que seja votado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 81.°-A, proposto pelo PS, que deve substituir o actual artigo 89.°
Estamos em condições de votar?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez o melhor, Sr. Presidente, seja discutir a questão que se suscitou e fazer depois as votações concatenadamente.
O Sr. Presidente: - Mas nós já discutimos isto e cada um disse o que sabia e o que não sabia! O que é que ficou por discutir?
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ficou por discutir aquilo que levou à suspensão da votação, na altura em que esta questão foi suscitada em segunda leitura.
O Sr. Presidente: - Não, não foi isso. Pausa.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Por ter havido a reclamação de alguns sectores cooperativos nós ponderámos esta questão e, apesar disso, confirmámos a nossa proposta originária. Portanto, é uma confirmação assumida, reflectida, depois das objecções que foram produzidas em sentido contrário.
Digamos que as vantagens superam as desvantagens.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quando se suscitou a questão da votação das alíneas que agora estão em debate do artigo 80.°, tive ocasião de alertar para o facto de que considerava imprescindível que a matéria fosse objecto de uma consideração mais aprofundada, com vista a ter em conta as observações que entretanto nos foram transmitidas por entidades que ouvimos, de acordo com o nosso Regimento.
Na verdade, em diversos pedidos de audiência e depois, através de memorandos e ofícios, designadamente o apresentado, oportunamente, pela Confederação Cooperativa Portuguesa, fomos alertados para que, no entendimento destes representantes do movimento cooperativo, seria e, muito importante, que, por um lado, "fosse mantida na Constituição a existência de três sectores de propriedade dos meios de produção dos solos e dos recursos naturais"; por outro lado, "a obrigatoriedade de o Estado, tendo em conta a especificidade do sector cooperativo, estimular e apoiar a criação e actividade das cooperativas e definir benefícios fiscais e financeiros e condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico pelas cooperativas". E, por outro lado, ainda "uma vez que se verifica a abertura de certos sectores da actividade à iniciativa privada", (que se encontram vedados às cooperativas) entendem estes cidadãos que, "deveria ser incluída na Constituição uma norma impedindo que os sectores de actividade, não exclusivos do sector público, possam ser vedados ao sector cooperativo".
São estas, entre outras reclamações, aquelas que nos foram transmitidas por entidades do sector cooperativo.
Sucede também, Sr. Presidente, que o debate da primeira leitura sobre as propostas apresentadas atinentes a este problema, não equacionou nem deu resposta, na medida que nos parece desejável, a algumas das interrogações que nos são trazidas, não só pelos membros do movimento cooperativo, como por alguns especialistas na análise do sector cooperativo e compartes dos baldios.
Por exemplo, o Doutor Rui Namorado, em artigo publicado não há excessivo tempo, no Boletim do Centro de Estudos Cooperativos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, sob o título "O Sector Cooperativo e a Revisão Constitucional", além de muitas outras considerações, sublinha a dada altura, que lhe parece "um retrocesso simbólico, gravoso, para o lugar do cooperativismo na ordem jurídica portuguesa, deixar cair a expressão - sector cooperativo - para, em seu lugar, colocar a de sector social". Retrocesso tanto mais injustificável, quando a mudança terminológica tinha como causa um acrescento ao actual sector cooperativo, de dois subsectores do sector público, não só "globalmente pouco relevantes no presente" (expressão do autor), "como, não envolvidos em qualquer novo impulso jurídico-constitucional nos projectos de revisão existentes".
"Seria (diz o Dr. Rui Namorado) como retirar uma parte dos alicerces a um edifício ainda inacabado, sem a afectar a qualquer outra construção." E concluía, "pode ser uma estratégia fecunda criar pontes entre o sector cooperativo e outras práticas sociais institucionalizadas, animadas por lógicas e objectivos afins, porventura dando ao sector cooperativo a função de eixo, numa constelação aberta a novas formas de intervenção social. Mas, diluir a realidade do que é cooperativo nas virtualidades de uma nebulosa do que se queira
designar como social, é não só perturbar o que existe, como obstar ao que se vislumbra como possível. Nada, fora do movimento cooperativo, ficaria em melhor posição do que está; contudo, o sector cooperativo seria gravemente atingido".
"É claro que há uma outra diferença estrutural relevante entre os projectos do PSD e do PS (acrescenta o mesmo autor), já que para aquele, o subsector comunitário pertence ao sector público, enquanto o PS o inclui no sector social. Se esta designação não for adoptada e se se continuar a fazer referência ao sector cooperativo, não será essa circunstância que torna mais defensável a proposta dos socialistas. Num caso, como noutro, não me parece a mais convincente."
O autor analisa, seguidamente, as diferenças entre as cooperativas e as empresas em autogestão, fazendo o mesmo em relação ao subsector público comunitário.
Sr. Presidente, o que quer que se pense sobre a consequência da alteração, que está indiciada, do artigo 90.°, cujos n.ºs 1 e 2 serão, como tudo indica, suprimidos, sem prejuízo de se considerar esse aspecto, seria importante que o PS pudesse precisar os fundamentos e as consequências do texto que agora apresenta e, designadamente, explicitar as razões que levam a incluir no sector social aquilo que são actualmente subsectores do sector público (incluindo também o subsector comunitário).
Sabendo nós do debate que há neste momento, designadamente face às perspectivas do Mercado Único Europeu, mas que já se desenrola desde há muitos anos, sobre o conceito, o sentido e os limites da noção de economia social, como expressão de um projecto congregado de movimentos sociais bastante diferenciados, seria igualmente útil que o PS fundamentasse as razões da sua proposta de adopção constitucional desse conceito, que parece dar um relevo central à noção da economia social e do sector social em prejuízo da centralidade da ideia cooperativa.
Sabemos que, tanto o movimento cooperativo, como o movimento mutualista, como os movimentos de gestão pelos trabalhadores de patrimónios de natureza muito diversa, são, sem dúvida, uma constelação muito complexa de fenómenos, reflectindo uma grande diversidade de experiências, dotadas de sentido muito diferente consoante as visões sociais do mundo e da economia que cada força política tem.
Não se deve ignorar que a adopção jurídica do conceito de economia social, se não for acompanhado de um adequado enraizamento social e de uma inclusão num projecto coerente de desenvolvimento alternativo, não tem o mínimo significado e nesse caso a introdução desse conceito, com a alteração do actual, seria susceptível de prejudicar o movimento cooperativo que é, sem dúvida, o movimento social mais relevante nesta área. Isso, nós não gostaríamos que acontecesse!
Propúnhamos, em qualquer dos casos, Sr. Presidente, que o sector fosse baptizado de forma diferente. Deve continuar a mencionar-se com centralidade a noção de cooperativismo, dando-lhe ênfase, que de resto corresponde à nossa realidade, mesmo no contexto comunitário como provam as reflexões que nesse âmbito nos foram transmitidas por diversas cooperativas que vêm acentuando, que é absurdo, que o movimento cooperativo - mesmo na óptica da resposta do embate do Mercado Único - não tenha um papel mais relevante que aquele que lhe vem sendo atribuído. É um pouco ridículo - permita-me, Sr. Presidente, que in-
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voque isto a terminar -, que tenha sido em Estrasburgo que se tenha feito um remoque ao Governo português sobre a gestão do Fundo Social Europeu neste período. Num relatório submetido recentemente ao Plenário do Parlamento Europeu considerou-se essencial privilegiar as pequenas e médias empresas e as cooperativas no acesso ao Fundo Social Europeu, acentuando-se que a legislação aprovada aqui em Lisboa coloca as cooperativas em situação de desigualdade manifesta em relação a entidades, quer do sector público, quer do sector privado. É absolutamente absurdo este regime, mas no fundo é ele que está em vigor e é esta a óptica que vem presidindo à acção governamentativa. Nós não gostaríamos de facilitar, por alguma forma, a nível constitucional, um agravamento ou, sequer, legitimação desse quadro, que já é suficientemente negativo.
O Sr. Presidente: - Desculpará que lhe diga que V. Exa. não trouxe nada de novo, relativamente à discussão da l.a fase. Trouxe apenas a opinião do Dr. Rui Namorado, que nós respeitamos, mas não respeitamos menos a nossa.
Trata-se de uma questão de nomenclatura, não é uma questão substantiva. A protecção das cooperativas é rigorosamente a mesma. Não nos parece que possa ser defensável que os bens comunitários e a propriedade autogestionária possam estar incluídas no sector público. Isso é que está profundamente errado do nosso ponto de vista. E se temos de emparelhá-los com algum sector, uma vez que não se justificava que se inventassem quatro ou cinco ou "w> sectores de propriedade, só podia, obviamente, ser com o sector cooperativo. Não nos parece que o sector cooperativo perca seja o que for. Com a nossa responsabilidade não terá sido retirada às cooperativas qualquer ênfase, nem nenhuma espécie de protecção. Sabe-se, aliás, que a solução cooperativa é a solução alinhada pelos ideais socialistas e o PS, mais do que pelos de qualquer outro partido, incluindo o de V. Exa., que penderá mais para a propriedade autogestionária, se bem ajuízo.
O PS não pode é manter a propriedade social com o destaque que hoje tem na Constituição. O PS disse-o, disse porquê, parecendo-nos que este enquadramento das três propriedades, a cooperativa, a comunitária e a autogestionária, num sector social enriquece e torna lógica a arrumação dos sectores de propriedade. O PS assume isso, sabe o que está a fazer, não nos impressionam as opiniões em contrário que, como é óbvio, respeitamos, pedindo o mesmo respeito pelas nossas.
Tomámos em conta as considerações e as objecções que vieram do ângulo dos nossos próprios camaradas. Pudemos convencê-los de que se trata de uma questão de nomenclatura e não de regime, e que o sector social, tal como está definido na nossa proposta, tem mais lógica e faz mais sentido do que a propriedade social, que ninguém define nem ninguém sabe o que é. É um novo arranjo pelo qual nos responsabilizamos, bater-nos-emos por ele e votá-lo-emos com toda a lógica e significado que tem.
Está discutido. Darei a palavra a quem a desejar, pedindo que sejam o mais sucintos possível. Não vamos reeditar a discussão da primeira volta, pois não há nada de novo para discutir.
Tem a palavra a Sra. Deputada Maria de Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, não me demorarei a fazer mais considerações sobre a proposta do PS, mas queria apenas para efeitos ad hoc de votação fazer algumas reflexões sobre as propostas que aí se contêm.
O PSD entende que a proposta do PS, relativamente ao texto actual, tem momentos de clarificação, tem momentos de contributo para uma leitura do preceito constitucional em causa, que não baralham, quer o legislador originário, quer o próprio aplicador - caso do n.° 1 que o PSD se declara, desde já, disposto a votar - mas parece-nos que - para não ter de me colar de novo à argumentação do Sr. Deputado José Magalhães sobre a questão da diluição que aqui, mesmo que não pretendida, parece configurar-se pela eliminação da expressão "sector cooperativo" no n.° 4 - há uma outra desvantagem que resulta se o PS mantiver a proposta de alteração que tem desde o início. Isto é, se mantiver, sobretudo no n.° 4, a expressão "sector social". Sabemos e temos uma experiência relativamente recente aqui na Assembleia da República que os grandes problemas de interpretação constitucional que neste artigo se levantaram, sempre se puseram no âmbito do n." 2. Veja-se o caso da Lei dos Baldios! Essa clarificação o PS não faz, mas continua a ser difícil separar o chamado sector social dos outros sectores e sobretudo a sua delimitação constitucional face ao sector público.
O PS parece, num certo subconsciente jurídico-político, confundir este sector social com o sector público, quando no artigo 90.°, na sua proposta de substituição, se refere às unidades de produção do sector público em substituição de um artigo que tem por epígrafe "desenvolvimento da propriedade social", mas mantém esta dissociação que cria por si problemas de interpretação e problemas a nível da legislação e da sua constitucionalidade no que se refere à definição dos três sectores, lado a lado, e sobretudo à relação que deve pôr-se entre o sector público e o sector social.
Não vou referir aqui também, por desnecessário, que o PSD preconiza uma clarificação, ainda que repetida, da defesa do cooperativismo e que a substituição da expressão "sector cooperativo" coenvolve alguma secundarização do sector cooperativo. É, sobretudo, para efeitos de clarificação da nossa posição que convidamos o PS, mais uma vez, a reflectir sobre se deve manter no n.° 4 a expressão "sector social", com as implicações que referi e que me parecem evitáveis. No caso de assim não ser, pedia desde já a alteração da votação, isto é, que o projecto do PSD seja votado antes do do PS.
O Sr. Presidente: - A Sr." Deputada podia dizer-nos qual é a solução que propõe, em concreto, porque se eliminamos o sector social teremos que pôr em seu lugar qualquer outra coisa.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, sei que o PS demorou a decidir-se sobre esta expressão, porque ela envolve problemas de interpretação constitucional evidentes e convidava o PS a reflectir mais uma vez.
O Sr. Presidente: - Já reflectimos. Já o fizemos.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Então o PSD vai votar e pede a inversão das votações.
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O Sr. Presidente: - Muito bem. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, V. Exa. foi extremamente sucinto na sua resposta, mas como evidencia o conjunto de interrogações feitas pela Sra. Deputada Assunção Esteves não é pequeno o melindre das opções coenvolvidas. A clarificação que a Sra. Deputada entendeu introduzir não é, ela própria, inútil. Pelo contrário, é extremamente útil. No entanto, ela apenas sublinha esse melindre a que comecei por aludir e que V. Exa., pelos vistos, não estima particularmente.
O Sr. Deputado Almeida Santos deixou sem resposta algumas das principais interrogações que suscitei...
O Sr. Presidente: - Já lha tinha dado na altura própria, só que não quis reeditar um diálogo que ocupou horas e horas de discussão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. não teve ocasião de reeditar coisa nenhuma.
O Sr. Presidente: - Todos nós já reflectimos sobre isto. Tivemos tempo de reflexão pedido pelo PS. Discutimos isso internamente no PS e temos a certeza de que é isto que continuamos a querer. Cada partido vota e assume as suas responsabilidades.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me que atalhe a tanta pressa. É que o Sr. Presidente deixou sem resposta várias questões que, se mal resolvidas, podem acarretar problemas gravíssimos...
O Sr. Presidente: - Já lhes tinha dado respostas, mas não vou dar-lhe mais vezes a mesma resposta. Esta fase não é para discutir, é para votar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Aliás, se nem as respostas são obrigatórias, muito menos o são as repetições de respostas! V. Exa. tem razão, Sr. Presidente, esta fase é destinada às votações.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente pode V. Exa. oferecer o mérito das actas, só que as actas são omissas de qualquer resposta aos problemas que evoquei!
O Sr. Presidente: - Ofereço o mérito da primeira discussão. Já dissemos porque adoptamos esta solução, o que ela significa, o que queremos alterar e porquê. Se o PSD puder acompanhar-nos que o faça, não me sinto frustrado por o PSD não estar exultante com esta solução, pois tal só significa que talvez ela não tenha todos os defeitos que o Sr. Deputado José Magalhães lhe atribui - do seu ponto de vista, é claro. O PS entende que esta é uma solução equilibrada; que não desprotege o sector cooperativo, antes pelo contrário; achamos que o que é ilógico é estarem os bens comunitários no sector público; que é impensável, como faz o PSD, eliminar, pura e simplesmente, o sector auto-gestionário. É o nosso ponto de vista e, mais uma vez, estamos entre radicalismos de sinal contrário.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, as principais questões em aberto e que suscitam espécie
são as que pude enunciar. O PS entende não responder, não posso, obviamente, forçar uma resposta.
Gostaria, no entanto, de não deixar de insistir numa pergunta ao Sr. Presidente. Sobre este terceiro sector existe - como sabe - uma ampla discussão e respostas diversas, vindas de muitos quadrantes. Não sei se isso é hoje o "alfa" e o "ómega" e o nec plus ultra do debate em curso entre os prosélitos do socialismo democrático - creio bem que não -, mas em todo o caso, o que é relevante agora é saber qual é o alcance da proposta constitutional do PS. Não é do programa de um partido que estamos a tratar, é sim da Constituição da República Portuguesa. É importantíssimo que fique muito claro o critério que leva o legislador a fazer esta alteração. Por outro lado, é de notar que neste artigo se estabelece a garantia institucional da existência de três sectores, requisito essencial para uma verdadeira economia mista. Porém, se não formos claros e garantirmos tão-só a existência de um "sector social" (composto por três subsectores e ainda outros que o legislador ordinário adite), poderia abrir-se caminho à debilitação da garantia institucional de cada um dos subsectores de per si. Se a Constituição só garantisse um (qualquer) sector social poderia o legislador reduzi-lo de qualquer das suas subcomponehtes sem ferir a existência mínima do sector. Teríamos então um "sector social" amputado de cooperativas (ainda restariam para satisfazer a Constituição os baldios e empresas au-togeridas!) ou esbulhado de baldios (haveria cooperativas!), com debilitamento de um dos esteios basilares da economia mista. Creio que é absolutamente de excluir isso, que os proponentes também enjeitam, obviamente. Mas por agora o melhor é estabelecer uma norma que além da existência de um sector social (a ir-se por aí) garanta especificamente a existência dos subsectores que o componham (à cabeça o sector cooperativo!), atribuindo-lhes, assim, a adequada garantia institucional e protegendo-os contra o esvaziamento pelo legislador ordinário!
A Sra. Deputada Assunção Esteves chamou a atenção para o seguinte: esta proposta não toca nos principais problemas hermenêuticos suscitados até agora pelo artigo 89.°
Pela nossa parte, só nos podemos congratular por não se dar provimento às ânsias hermenêuticas dos prosélitos das privatizações, por exemplo, ou dos algozes da autogestão e dos baldios...
O Sr. Presidente: - A Sra. Deputada porventura vai votar e gostaria de ver na nossa proposta a eliminação do sector autogestionário - é só isso. Porventura prefere que os bens comunitários estejam no sector público e eu entendo que é aí que eles não devem estar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E não só. Porventura desejaria a reformulação da definição do sector privado.
O Sr. Presidente: - Porventura, mas também não altera, a definição do sector privado é igual.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E esses são os aspectos que nos levam a considerar, sem nenhum espírito negativo, as alterações; não ignoramos é os outros.
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O Sr. Presidente: - O n.° 3 - estava agora a relê-lo - é rigorosamente igual, Sr. Deputado José Magalhães. E o n.° 4 também é igual.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Altera o n.° 2 no sentido de eliminar a referência ao sector autogestionário e o n.° 1 elimina a referência ao modo social de gestão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem razão. A parte em que o PSD diverge do PS é na ruptura com o conceito de modo social de gestão e na definição do sector público, bem como quanto à qualificação dos bens das comunidades locais.
O Sr. António Vitorino (PS): - O que a proposta do PS faz, ao constituir um novo sector social, é definir esse sector social sobretudo na óptica do modo social de gestão, isto é, privilegia a óptica do modo social de gestão. Mas a diferença é exactamente essa: é que enquanto que o ponto comum entre o subsector comunitário e o subsector autogestionário com os bens do sector público é o da titularidade - titularidade de raiz pública, portanto diferente modo social de gestão- agora passa-se a incluir no mesmo sector social, quer as cooperativas, quer os bens e unidades com posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores, quer os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais, pelo que a óptica prevalente não é a que decorre do critério da titularidade, já que a titularidade aqui pode ser muito diversa, mas o que constitui o verdadeiro traço de união deste novo sector é precisamente o modo social de gestão. É óbvio que este modo social de gestão a que aqui se faz referência para definir o sector social é, também ele, diversificado entre si, na medida em que comporta diversas estruturas organizatórias, comporta inclusivamente diversas formas empresariais de estruturação das unidades de produção que virão a ser integradas neste sector social - aquelas a que se faz referência na Constituição e outras que, eventualmente, o legislador ordinário possa vir ainda a definir como susceptíveis de serem integradas no sector social. O Sr. Deputado José Magalhães referiu o caso do mutualismo; mas há outros. Todos sabemos que a dinâmica das Comunidades Europeias vai no sentido de privilegiar uma economia social onde são incentivadas as formas associadas de produção (a designação técnica comunitária é esta: formas associadas de produção). Ora, parece-me que um sector como o sector social tem a riqueza de comportar a flexibilidade suficiente para abranger essas novas formas associadas de produção que a dinâmica de integração de Portugal nas Comunidades Europeias e o próprio desenvolvimento da sociedade portuguesa poderão vir a gerar no futuro. É um desafio à imaginação do legislador o novo sector e não uma forma de sufocamento do sector cooperativo actual, pelo qual temos o maior respeito, que continua a ter a mesma dignidade constitucional e que, em meu entender, até recebe um incentivo adicional decorrente de ser integrado num sector vivo, jovem e redinamizado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, muito lhe agradeço a clarificação, por que isso deixa-me apenas uma pergunta: o que fazem os baldios nesse sector? É que, sendo as comunidades locais definidas para esse efeito por critérios puramente territoriais e não por qualquer vis associativa ou por qualquer um desses fenómenos que traduzem a evolução para essas formas associadas de produção, havendo uma propriedade comunitária...
O Sr. Presidente: - Mas é uma associação natural: é a exploração comunitária, a exploração colectiva.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... e devendo os bens a ela sujeitos estar fora do comércio jurídico, caracterizando-se, designadamente, pela inalienabilidade, imprescritibilidade e outras pecularidades que traduzem uma especial protecção - e o que acontecerá, decerto, com outros bens que estão incluídos no sector social - o que é que lá fazem os baldios?
O Sr. Presidente: - Mas têm a comunhão de uso! Há alguma coisa de mais social do que a comunhão de uso?!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não vejo problema nenhum nessa óptica. Como deve calcular, não se está a defender a alteração do estatuto dos baldios por esta via.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah, bom! É que isso não ficou claro da primeira leitura.
O Sr. António Vitorino (PS): - O ónus da demonstração é de que a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a imprescritibilidade dos baldios só pode ser garantida com a sua inclusão no sector público - esse é que é o ónus. Não é assim; não há nada que defina o sector público de que decorra esta definição. Talvez se estivéssemos a falar do domínio público, outros critérios relevariam. Mas não estamos a falar do domínio público; estamos a falar da integração no sector público da propriedade. Nada, da sua integração no sector público, constitui garantia desses valores; pelo menos, nada mais do que a garantia que subsiste da sua integração no sector social e aí não vejo diferença rigorosamente nenhuma.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas VV. Exas. não atribuem à integração num terceiro sector desse tipo de bens qualquer efeito propulsor da alteração do seu estatuto no sentido da quebra das características principais desse tipo de bens?
O Sr. António Vitorino (PS): - Nem poderia ter porque isso é uma opção do legislador ordinário. O estatuto dos baldios hoje é um estatuto definido pela lei ordinária. Os limites constitucionais constantes da alínea c) do n.° 2 subsistem na redacção que nós damos ao n.° 4 do artigo 81.°-A do nosso projecto, na parte aplicável aos baldios.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A última questão é de mera nomenclatura. Gostaria de vos perguntar se não estariam disponíveis para baptizar esse sector não como o terceiro sector (os nomes poderiam ser muito variados - há quem utilize expressões como a economia colectiva, economia operária, economia comunal,
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economia comunitária, economia do terceiro sector, economia das actividades de objecto não lucrativo, economia de interesse geral, economia participada, etc.) mas como "sector cooperativo e social".
Todas as componentes do sector deveriam ter garantia institucional específica. É a nossa proposta!
O Sr. Presidente: - Nós meditámos nisso; também meditámos em social e cooperativo; mas preferimos, apesar de tudo, o qualificativo "social". Portanto, Sr. Deputado José Magalhães, não foi coisa em que nós não pensássemos
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vou, em todo o caso, formalizar a proposta.
O Sr. Presidente: - Não tinha a menor dúvida de que ia formalizar a proposta - até já tinha anunciado isso. Mas, de qualquer modo, não podemos mudar a nossa proposta.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de saber se há consenso para fazer votar primeiro essa proposta, como vem sendo uso, ou se não existe, caso em que ela obviamente será prejudicada pela aprovação da do PS.
O Sr. Presidente: - Tem que se votar pela ordem de entrada, Sr. Deputado José Magalhães.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do n.° 1 do artigo 89.° apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e a abstenção do PS.
É a seguinte:
1 - É garantida a existência de três sectores de propriedade dos meios de produção, dos solos e dos recursos naturais, definidos em função da sua titularidade e do modo de gestão.
Vamos agora votar o n.° 2 do artigo 89.° proposto pelo PSD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP.
É o seguinte:
2 - O sector público é constituído pelos bens e unidades de produção pertencentes a entidades públicas ou a comunidades locais e por elas geridos.
A proposta de alteração apresentada pelo PSD para os n.ºs 3 e 4 não se vota por os respectivos textos serem rigorosamente iguais aos actuais.
Vamos agora votar o n.° 1 do artigo 81.°-A proposto pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
1 - É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.
Vamos votar o n. ° 2 do artigo 81.°-A proposto pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
2 - O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertençam ao Estado ou a outras entidades públicas.
Vamos votar o n. ° 3 do artigo 81.°-A proposto pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
3 - O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas.
Vamos, por último, votar o n.° 4 do artigo 81.°-A proposto pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
4 - O sector social é constituído pelos meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, por comunidades locais e ainda por outras formas de exploração colectiva por trabalhadores.
Esta última proposta do PCP ficou, obviamente, prejudicada.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães lembra que continua a ter utilidade (o que, suponho, talvez tenha justificação) o segmento que se encontra hoje no final do n.° 3 do artigo 89.°, isto é: "sem prejuízo do disposto no número seguinte".
Ainda que se possa reivindicar como tendo natureza privada em certos termos, pensamos, contudo, não ser o sector cooperativo um sector privado sui generis, pelo que continua a justificar-se esse segmento. Se não vissem objecção acrescentava-se esse segmento. Concordam com isto?
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tanto mais que o PSD também tinha isso na sua proposta.
Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sr." Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado no microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Presidente: - Podemos votar o artigo?
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) (...) fica tudo como estava, o n.° 3. Trata-se de não votar o artigo do PS, não é?
O Sr. Presidente: - Não, não. É porque nós falamos em meios de produção. Resumindo: a nossa proposta é aditar, a "o sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas", a expressão "sem prejuízo do disposto no número seguinte".
Está em votação apenas o aditamento final.
Vamos então votar a aludida proposta de aditamento ao n.° 3 do artigo 81.°-A, apresentada pelo PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
No artigo 80.° falta votar a alínea b) e a alínea...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que é extremamente positivo que se faça essa clarificação, porque, como é óbvio, não deveriam nunca considerar-se integradas no sector privado as cooperativas que funcionem com base em bens cuja titularidade seja privada. Não faria sentido! Por isso insisti junto da bancada do PS para que esta correcção fosse feita. Congratulo-me com consenso atingido.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Estão por votar no artigo 80.° as propostas de alteração às alíneas b) e e) do projecto n.° 3/V (PS).
Vamos votar a alínea b) do artigo 80.° proposta pelo PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
b) Coexistência dos sectores público, privado e social de propriedade dos meios de produção;
Vamos votar a alínea e) do artigo 80.° proposta pelo PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
e) Protecção do sector social de propriedade dos meios de produção.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto à alínea c) votámos contra.
A questão, se me permite Sr. Presidente, é esta: é óbvio que o facto desta votação se fazer neste momento, concluídas que foram as votações do artigo 90.°, designadamente traduzidas no reforço do seu n.° 3 e de eliminação dos seus n.ºs 1 e 2 (recuperados, todavia, no artigo 89.°, n.° 4, embora reformulados e reconformados), tornam explicável esta nossa opção.
Obviamente, preferiríamos que fosse dado impulso devido à propriedade social, com o conceito inovador que caracteriza o seu actual desenho constitucional. Em todo o caso, colocada a questão neste momento, e feitas as opções que discutimos e esta progressão no terreno, a nossa posição só pode ser de defesa do princípio da protecção do sector social, como princípio basilar da organização económica, apto a impulsionar um terceiro sector como elemento característico de uma organização económica diferenciada das organizações económicas arquetipicamente considerados como expressão do capitalismo pleno, de que alguns dos que votaram este texto são amantes! A contradição é, pois, deles, não nossa! Praticamos, mais uma vez, a defesa activa da Constituição!
O Sr. Presidente: - Muito bem! Penso que o artigo 83.°, embora esteja mencionado nesta lista de artigos por votar, está votado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O que não está votado é o artigo 83.°, sem número, a incluir nas normas transitórias. Esse continua adiado. O artigo 89.° também está votado.
Passemos ao artigo 90.°-A. O PSD está em condições de votar uma formulação final? Nós estamos em condições de votar. Se quiserem, dar-vos-emos a nossa formulação final.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O artigo 90.°-A refere-se ao "Domínio público" e o texto da proposta de substituição apresentada pelo PS, pelo PSD e pelo PCP é do seguinte teor:
Artigo 90.°-A Domínio público
1 - Pertencem ao domínio público do Estado:
a) As águas territoriais e seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;
b) As camadas aéreas superiores ao território, acima do limite reconhecido ao proprietário - e acrescenta-se - ou ao superficiário;
c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais - e acrescenta-se - e mineroindustriais, os recursos geotérmicos (e também se acrescenta) e outras riquezas naturais, com excepção das massas minerais habitualmente utilizadas na construção;
d) As estradas e linhas f éreas nacionais. (É igual.);
e) Outros bens como tal classificados por lei.
2 - A lei estabelece a extensão e os limites do domínio público do Estado referido no número anterior, bem como o elenco e a extensão dos bens do domínio público das regiões autónomas e das autarquias locais. (É igual.)
3 - A lei define também o regime dos bens do domínio público do Estado, das regiões autóno-
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mas e das autarquias locais, fixando os termos da sua gestão por entidades públicas e da sua utilização por entidades privadas.
Uma voz: - A vossa formulação da alínea c) é muito diferente.
O Sr. Presidente: - É diferente, mas penso que o PSD deve dar a sua concordância a esta proposta.
Vozes.
O Sr. Presidente: - A proposta de substituição do PSD para este artigo 90.°-A é retirada, pois fica prejudicada, não é?
Devíamos votar primeiro esta agora apresentada e dar a vossa anterior por prejudicada, embora se saiba que tem origem na vossa, como é óbvio. E esta sai reforçada, uma vez que recolhe a assinatura de todos os partidos presentes, ficando assim igualmente prejudicada a proposta do PCP.
Penso que podemos votar a proposta no seu conjunto!
Vamos votar a proposta de substituição do artigo aditado - 90.°-A - da autoria do PSD, do PS e do PCP, a cuja leitura acabei de proceder.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de sublinhar o seguinte: pela nossa parte desencadeámos o processo tendente a colmatar uma lacuna constitucional que fazia com que o domínio público tivesse existência jurídica, sem, porém, dispor de expressa consagração e definição constitucional. Devo dizer que nos congratulamos com o resultado global.
Preferiríamos, quanto à alínea a) do n.° 1, a redacção do PCP. O regime jurídico das margens que será definido por lei (e que o deve ser tendo em atenção a sua própria natureza e a necessidade de ponderação de melindrosos interesses que devem ser equilibrados) ganharia com o facto de constar da própria Constituição. Foi esse o nosso entendimento e não vemos razão para fazer outra opção.
Consideramos que é positivo que se faça o aditamento deste novo artigo à Constituição. Aprovamo-lo sem discutir a natureza do direito de propriedade sobre os bens do domínio público, sem discutir a natureza do regime de uso privativo por particulares e outros aspectos de grande importância correlacionados com esta matéria. Nenhum de nós evocou aqui a polémica em que se destacaram nomes como os de Santi Romano, Otto Meyer, Hauriou, ou, mesmo em Portugal, Marcelo Caetano, em torno da definição de uma noção de propriedade pública. É compreensível que assim tenha ocorrido: hoje em dia essa noção tem de ser relida e refeita, face a modernos conceitos que nós pretendemos ver transplantados para a Constituição.
Será necessário dilucidar adiante, designadamente, as relações entre o domínio público e a tripartidação de sectores de propriedade de meios de produção (matéria sobre a qual acabámos de aprovar alterações há poucos minutos). Haverá que dar resposta a uma panóplia de questões. Por exemplo, como qualificar os bens. de propriedade pública geridos por colectivos de trabalhadores ou comunidades locais, que ficam hoje no sector público, e ficam no sector social aparentemente, .face, ao futuro texto aprovado? E os bens do domínio público geridos por cooperativas ou particulares através de licenças de uso privativo? Aparentemente estarão no sector privado ou social.
As terras expropriadas, da reforma agrária, que a Lei n.° 77/77 considera hoje integradas num domínio intermédio, "domínio privado indisponível" (como se lhe chama) passarão, face às normas aprovadas em matéria de eliminação de latifúndios (artigos 96.° e seguintes), a ser parcialmente e condicionalmente disponíveis.
Por outro lado, o regime dos baldios, integrados no sector social, mas insusceptíveis de apropriação privada, insusceptíveis de aquisição por usucapião, impenhoráveis e inalienáveis, não sofrerão alteração com esta norma. Eles são propriedade comunitária e continuarão a sê-lo, inconfundíveis com o domínio público.
Inovadoramente consagram-se as noções de domínio público regional e domínio público local. Confere-se, pois, dignidade constitucional a duas categorias estreitamente associadas ao novo conceito de Estado emergente do 25 de Abril, Estado descentralizado, não centralista. O que se dispõe no n.° 1 deverá ser lido tendo em conta esta componente, pelo que a lei (a começar pelos estatutos das regiões autónomas) deverá adoptar as providências adequadas para incluir no domínio público regional os bens que, pelo seu valor e importância como riquezas das regiões, mereçam essa qualificação.
Por último, gostaria de sublinhar que não cultivamos nós, pela nossa parte, algumas das muitas mitologias relacionadas com a questão do domínio público mas entendemos que a sua consagração nestes termos e com estes contornos, é um contributo positivo para a defesa do interesse público. Por isso mesmo, propusemos soluções e votámos este texto.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de deixar claro que votei este artigo 90.°-A apenas por solidariedade com os meus companheiros de bancada. A sua redacção actual, se não for alterada profundamente antes da votação final no Plenário, vai ser, em minha opinião, fonte de inúmeras dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência, e de problemas de ordem política, como aliás resulta da declaração que acabamos de ouvir. Reitero, pois, as minhas maiores reservas sobre este preceito e temo as consequências que da sua eventual aprovação poderão resultar.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a reunião vai ser suspensa a pedido do Sr. Deputado José Magalhães. Está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 18 horas.
Vamos entrar na matéria do referendo - artigo 112.°-A - ficando o artigo 108.° adiado.
Vozes.
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O Sr. Presidente: - Para o artigo 112.°-A há a proposta de substituição que vai ser distribuída, apresentada pelo PS e pelo PSD. Apenas tem alterações de carácter técnico, porque nas anteriores misturava-se o Governo e a Assembleia da República quanto ao termo da sessão legislativa.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Trata-se da proposta que foi objecto do acordo PS/PSD alterada por razões meramente técnicas.
Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - No que respeita ao artigo 112.°, o PSD pretende assinalar que tem uma proposta de alteração sistemática. É evidente que deverá ser tida em conta no fim, quando forem discutidas as questões sistemáticas no seu conjunto
Vozes.
O Sr. Presidente: - Anies, porém, da matéria do referendo, vamos passar à questão da eliminação ou não eliminação do título n da parte n da Constituição "Estruturas da propriedade dos meios de produção", apresentada pelo PS.
Na medida em que aprovámos o artigo 81.°-A, que substitui o artigo 89.°, este título fica sem justificação, porque hoje, ele é só constituído pelo artigo 89.° e pelo artigo 90.°, que foi eliminado. Depois se verá a colocação do artigo 81.°-A, mas, provavelmente, será depois do artigo 81.°
Vai proceder-se à votação das propostas de eliminação do título n da parte n da Constituição, apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD.
Submetidas à votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP.
Pausa. Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A seguir, há que votar a reinserção.
O Sr. Presidente: - Isso ficará para as reinserções sistemáticas em geral.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Nós entendemos que não se justifica a manutenção deste título, sem, no entanto, nos vincularmos quanto à futura colocação do artigo 81.°-A, que provavelmente será a seguir ao artigo 81.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fica para efeitos da deliberação em que sede, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Em comissão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A reinserção sistemática possível termos?
do artigo 89.° seria feita em que
O Sr. Presidente: - A comissão vai fazer uma proposta de reformulação sistemática da Constituição, depois da aprovação ou rejeição dos vários artigos.
Vozes.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Já estão identificados com as mudanças de redacção do artigo 112.°-A?
Vozes.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O n.° 1 é igual. Consagra-se a solução vinculativa, como se sabe. O n.° 2 refere que "o referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo". Portanto, não há referendo sobre actos materiais; só há referendo sobre acto legislativo ou convenção internacional.
"São excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição" (não há, portanto, referendo constitucional), "as matérias incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro" (n.° 3).
"Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos" (n.° 4).
"São excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, do governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu" (n.° 5). Quando se refere "eleições gerais", é para evitar que haja uma eleição avulsa, que poderia impedir que se fizesse um referendo nessa altura.
"O Presidente da República submete obrigatoriamente a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo" (n.° 6).
"São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 116.°" (n.° 7). Trata-se dos princípios eleitorais que regem, as campanhas.
"As propostas de referendo rejeitadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República ou até à demissão do Governo" (n.° 7).
Penso que isto é muito claro, muito lógico, mas se quiserem qualquer esclarecimento, façam favor...
Pausa. Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria que V. Exa. pudesse contribuir para que, aquilo que qualifica como claro, seja ainda mais claro.
Vozes.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria que V. Exa. pudesse precisar como é que os proponentes concebem a questão do objecto, da natureza e da eficácia do referendo, tal qual o configuram.
Sabe-se que é possível conceber referendos deliberativos, de carácter suspensivo, com o carácter de veto sobre leis, ou referendos puramente políticos, ou referendos abrogativos. É inteiramente claro que o referendo político - disse-o agora mesmo o Sr. Deputado Almeida Santos - que incide sobre uma questão material, mas não sobre um acto com eficácia normativa (seja uma convenção internacional ou um acto legislativo), esse estará excluído pelo n.° 2, tal qual é proposto pelo PS.
O Sr. Presidente: - Ao contrário. Não incide sobre actos materiais, sobre actos políticos; incide só sobre actos normativos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É isso que eu estou a dizer.
O Sr. Presidente: - Certo, certo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, está excluída a hipótese de uma pergunta dirigida aos eleitores, como por exemplo, se estão de acordo com a acção do Governo no domínio da Saúde; ou se estão de acordo coma actuação do Primeiro-Ministro em relação à política de algum dos seus Ministros, seja por exemplo, o inefável Ministro das Finanças actual, ou outro qualquer (mais provavelmente o seu sucessor, aliás!).
Risos.
Uma voz: - Os homens não são eternos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é um primeiro aspecto a clarificar. Mas pergunto ainda se concebem que o referendo, podendo ter por objecto "relevantes questões de interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo", tenha um carácter abrogativo dessas leis...
O Sr. Presidente: - Não, "que devam ser decididas"...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem então sempre um carácter prévio? Vincula-se os órgãos de soberania a agir num determinado sentido num momento anterior à acção.
O Sr. Presidente: - Do texto consta que tenham sido decididas. Portanto, não tem um carácter abrogativo de lei, não corrige leis. Ajuda a fazer leis; clarifica as condicionantes da feitura de uma lei... "que devam ser decididas pela Assembleia ou pelo Governo".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso quer dizer, Sr. Deputado Almeida Santos, que todo o referendo terá de ser prévio. O referendo não é, em si mesmo, fonte normativa. Vincula os órgãos de soberania a agir num determinado sentido. O Governo e a Assembleia não poderão ir contra as directrizes emergentes de referendo, deverão executá-las, agindo ou abstendo-se de agir. Também o Presidente da República não poderá promulgar um diploma aprovado contra o sentido da vontade popular, se desrespeitada pelos poderes legislativos. Aí estará, aliás, mais uma cláusula conducente ao veto obrigatório e inultrapassável por dois terços. Sendo o referendo vinculativo para todos, não pode o Parlamento pronunciar-se eficazmente contra a vontade popular, mesmo que por dois terços. O Presidente, que mesmo nesses casos de dois terços tem poderes de decisão autónoma, desconstrangida, nestes casos de referendo, tem o dever de respeitar a vontade popular e fazê-la acatar por um parlamento ou governo rebeldes. É essa a vantagem de o referendo ser prévio...
O Sr. Presidente: - Todo o referendo terá de ser prévio. "Que devam ser decididos pela Assembleia da República através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo...", é prévio, é clarificador da feitura de leis ou convenções, não o contrário. O referendo que está aqui consignado é um referendo obviamente muito apertado, de balizas muito estreitas. Não será fácil meter golos agraves do referendo. Basta dizer-lhe que estão excluídas as matérias da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas essa é uma outra questão, que, creio, haverá vantagem em que seja examinada em separado.
O segundo aspecto, Sr. Presidente, é que a decisão tendente a que seja convocado um referendo cabe ao Presidente da República - em exclusivo a ele - não sendo a revisão ultrapassável.
O Sr. Presidente: - Não é confirmável.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... através de um mecanismo semelhante ao previsto no actual artigo 139.° A recusa do Presidente é inultrapassável.
O Sr. Presidente: - É que não há veto, há uma resolução do Presidente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Portanto a recusa é inultrapassável.
Esse aspecto não estava contemplado no projecto do PSD. Esse projecto permitia impor ao Presidente a realização de um referendo.
O terceiro aspecto diz respeito às condições da deliberação da Assembleia da República. O PS no seu projecto de revisão constitucional propunha que a Assembleia da República deliberasse por maioria qualificada. Era uma maioria especialmente exigente, que desaparece neste texto.
O Sr. Presidente: - Desaparece na medida em que se trata agora de uma simples proposta ao Presidente e não de um decreto que o Presidente tenha de promulgar ou vetar. Na nossa proposta era diferente.
Era como se estivéssemos a legislar e justificava-se que houvesse uma maioria qualificada. Neste caso é uma simples proposta. O Presidente tem de se pronunciar em última instância sobre essa proposta, não se justificando uma maioria qualificada. Ou melhor, não se justifica tanto.
Pausa.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Um outro aspecto, Sr. Presidente, diz respeito aos requisitos de eficácia. Sublinha-se no n.° 1 - inequivocamente - que o referendo tem carácter vinculativo. O resultado do referendo, mais exactamente, é vinculativo, mas não se estabelece qualquer quorum de participação popular para que o resultado seja vinculativo. Recordo que, por exemplo, no regime jurídico vigente na Itália, por força de disposições constitucionais e de legislação ordinária, um referendo com mais de 507o de abstenção não produz efeito e as deliberações têm de ser tomadas por maioria simples desde que superior à maioria absoluta dos eleitores, valendo como votos contra as abstenções e não se contando os nulos e os brancos. VV. Exas. não adoptam, nesta matéria, nenhuma providência. Isto leva-me a colocar a seguinte interrogação: qual é o regime que pressupõem? É o regime de maioria simples, qualquer que seja o número de participantes?
O Sr. Presidente: - Está consagrada aqui, na aplicação ao referendo das normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 116.°, isto é, o regime eleitoral geral para o qual também não há nenhuma espécie de quorum. Supondo, por aberração, que um dia numa eleição geral havia 60% de abstenções, o resultado não deixava de ser válido por isso. Também não nos parece que deva ser outro o regime para o referendo,
Pausa.
Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O n.° 3 diz:
[... ] são designadamente excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, de matérias incluídas na reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República, as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro, de amnistia ou de perdão.
Quando há uma referência às alterações à Constituição seguida da necessidade de explicitar "de matérias incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República", pergunto-me se essa é a fórmula mais correcta.
O Sr. Presidente: - O que se quer dizer é que não se pode modificar a Constituição por via do referendo, mas também não se pode fazer nenhuma lei com a ajuda de um referendo sobre matéria de reserva absoluta da Assembleia.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas isso é o que exprime a noção de "reserva absoluta da Assembleia".
O Sr. Presidente: - O que se quer dizer é que não se pode alterar a Constituição por via do referendo.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas, porque é que se explicita a seguir...
O Sr. Presidente: - Explica-se a seguir o seguinte: sobre as matérias da reserva absoluta da competência da Assembleia da República não pode haver referendo,
porque aí a soberania da Assembleia prevalece. No entanto, quando se trata da reserva relativa, já é possível. Aliás essa é também a vossa proposta.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, na nossa não.
O Sr. Presidente: - Sim, sim.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O artigo 138.°-A, recurso ao referendo não tem.
O Sr. Presidente: - Sim, sim.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se não é o PSD quem é que propõe? É o CDS? De qualquer modo é o resultado - salvo erro - de uma proposta vossa ao nível das negociações. Assim é que está correcto.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Dado o carácter do referendo...
O Sr. Presidente: - Tínhamos isso na nossa proposta?
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Tinham...
O Sr. Presidente: - Aonde?
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Falavam no artigo 167.°, n.° 4.
O Sr. Presidente: - Exacto.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A explicitação seguinte será mesmo necessária? Isto é o que eu pergunto.
O Sr. Presidente: - Agora já me recordo do que queria dizer há pouco. Quando os negociadores do acordo andaram à volta disto o PSD queria que ficasse também a reserva relativa. Assim é que é exacto.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - É que dado o carácter do referendo, tal como V. Exa...
O Sr. Presidente: - O que não estou a ver é a ligação que estabelece entre a reserva absoluta e a alteração à Constituição, porque alterar a Constituição é alterar o texto constitucional...
A Sr.' Maria da Assunção Esteves (PSD): - Exacto.
É que se o referendo fizesse alteração de matérias incluídas na reserva absoluta, fazia uma alteração à Constituição.
O Sr. Presidente: - Não, porque diz matérias incluídas materialmente na reserva absoluta. Não é alteração dos dispositivos constitucionais sobre o artigo 167.° Não é alterar este artigo, é fazer uma lei sobre essa matéria.
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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Dá a mesma coisa...
O Sr. Presidente: - Não dá.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - ... a não ser que se faca uma interpretação muito formal do artigo 167.°
O Sr. Presidente: - Não dá, não. Quer ver? Vamos ao artigo 167.°, alínea a): "Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa". Sem alterar a alínea a) da Constituição podia-se legislar, por referendo, sobre quem é português e quem não é. E de facto não pode. Ó referendo não pode alterar a lei sobre cidadania. Não podemos fazer a seguinte pergunta: Quem é que deve ser português? Critério de jus sanguinis? Do jus solt? A alínea a) mantém-se. Nem com o referendo, nem sem referendo se pode alterar. Só por via da revisão constitucional.
É contudo diferente o caso do artigo 168.° Não se pode alterar o artigo 168.°, não pode haver referendo constitucional sobre isso, mas já se pode, por exemplo, alterar a matéria dos direitos, liberdades e garantias por referendo. Pode perfeitamente, embora não seja normal. "Definição de crimes..." também pode. Acham que deve ser crime o tráfico ou o consumo de drogas leves? Ou devem ser despenalizadas? É uma pergunta possível. No entanto não se alterava a Constituição. É sobre a matéria da reserva, não é sobre a redacção constitucional da reserva. Não tem ligação uma coisa com* a outra.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Está bem, Sr. Presidente. Continuo com dificuldade em perceber, mas, enfim, quod abundt non nocet, neste caso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães tem todas as explicações que pretendia?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. A Sra. Deputada Assunção Esteves desviou um pouco o nosso exame metódico do modelo referendário a consagrar, quando teve a gentileza de ser possuída por esta intensa dúvida em relação a uma das questões f u ler ais. O vosso diálogo traduziu de resto, como a matéria é relevante e como a hermenêutica do acordo e do articulado PS/PSD não é fácil de fazer, mesmo por parte daqueles que são subscritores.
O Sr. Presidente: - Significa que o acordo não foi negociado entre todos os responsáveis e todas as inteligências de cada partido, mas só algumas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, isso é um facto óbvio. Basta ouvir o vosso debate para o comprovar!
Há, no entanto, outros aspectos relevantes. É que a Sra. Deputada Assunção Esteves abordou, ainda que de forma um pouco avulsa, o problema dos casos em que pode haver referendo. Esta questão é das mais relevantes e não é das mais fáceis de perceber, face ao articulado que VV. Exas. adiantaram, agora em terceira formulação, que melhora o texto - devo dizê-lo - pese embora as reservas que temos vindo a exprimir.
O Sr. Presidente: - Claro.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A norma que agora é adiantada - o n.° 1 - e que é, de resto, ligeiramente diferente, se bem se comparar, do texto que foi apresentado em segundas núpcias refere: "pode haver referendo nos casos e nos termos previstos na Constituição e da lei".
O Sr. Presidente: - "Na lei". "Na Constituição e na lei", como é óbvio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esta disposição, "haverá referendo nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei", tem o significado..
O Sr. Presidente: - Quer dizer que ainda pode a lei fechar alguns além dos...
O Sr. José Magalhães (PCP): -... de remeter para a lei a delimitação exacta do campo em que pode haver lugar a referendos dentro das grandes balizas constitucionalmente fixadas.
O Sr. Presidente: - Não. Quer dizer que além das restrições constitucionais pode ainda haver restrições legais. É só isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente! O legislador ordinário estará colocado, para traçar o quadro legal aplicável ao referendo, perante aquilo que é uma bitola máxima constitucional, integrada por um longo conjunto de restrições e de exclusões. A lei poderá aditar a essas exclusões e restrições, outras, para delimitar assim, rigorosamente, o número de casos em que pode haver lugar o referendo.
V. Exa. teve já ocasião de dizer que nunca haverá referendos abrogativos e que os referendos terão sempre um carácter prévio à aprovação das leis...
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... ou das convenções internacionais. Isto coloca problemas que o legislador ordinário terá de resolver, para saber precisamente o que submete a sufrágio e como é que se formula ao cidadão eleitor a pergunta sobre se está em acordo ou em desacordo com uma determinada opção que não está fixada, legalmente que não está cristalizada na altura do debate.
O Sr. Presidente: - Ou pode alguém que queira, isoladamente, resolver um problema, ter de apresentar previamente uma proposta de lei, como é óbvio. Ou pode alguém que pretenda resolver um problema que ele próprio não considera enquadrado num projecto legislativo ou numa proposta de lei, ter de fazer essa proposta ou esse projecto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Previamente sempre.
O Sr. Presidente: - Claro.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão que me ocupava, em bom rigor, não era esta que surgiu por
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apenso, mas a questão de saber, no fundo, qual é o quadro constitucional aplicável aos casos em que pode haver referendo. Mas em que casos isso poderá ocorrer? A norma que vem proposta faz um conjunto de exclusões que têm, no entanto, como implicação outras exclusões que o legislador ordinário inevitavelmente terá de fazer. Visa-se assegurar inequivocamente o monopólio parlamentar de normação sobre certos interesses fundamentais do Estado e, além dos enumerados no artigo 167.° - o que inclui só por si matérias como os regimes eleitorais, o regime do próprio referendo, organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, os aspectos relacionados com a defesa nacional, com o regime do estado de sítio e do estado de emergência, as eleições dos titulares dos órgãos das regiões autónomas e do poder local e outros órgãos constitucionais, os aspectos relacionados com as associações e partidos políticos, as bases do sistema de ensino, a criação e extinção de autarquias locais, a aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa e outros aspectos relacionados com a delimitação das águas territoriais -, o legislador não poderá senão excluir, pela sua directa conexão com a reserva absoluta outras matérias. Nessas matérias, estarão evidentemente incluídos os próprios estatutos das regiões autónomas.
O Sr. António Vitorino (PS): - Os estatutos das regiões autónomas são matéria da reserva política (artigo 164.°) e, portanto,...
O Sr. Presidente: - Da reserva absoluta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E, portanto, estão abrangidas pela proibição de submissão a referendo todas as matérias do artigo 164.°, por uma razão ou por outras, excepto aquelas que estão expressamente contempladas no n.° 2 do artigo 112.°-A. Isto inclui, obviamente, também o estatuto do território de Macau.
O Sr. Presidente: - Claro.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sim, esse é o entendimento. Pode ser explicitado com maior rigor mas esse é, obviamente, o entendimento. Se se exclui a reserva absoluta, também se exclui a competência política que é traduzida em actos legislativos prevista no artigo 164.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Também tenho esse entendimento fazendo a exegese do vosso texto, mas creio que, já agora, seria preferível explicitar isso. É desejável e lógico.
O Sr. Presidente: - Não sei se será necessário, porque sempre se entendeu que a competência, simultaneamente política e legislativa, não era delegável.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que VV. Exa. 85 utilizam a noção de "reserva absoluta de competência legislativa", o que pode remeter alguns, menos curialmente, para o artigo 167.°, apenas. Ora, sabe-se que na reserva dos interesses fundamentais do Estado que se pretende abranger estão incluídas outras matérias desde logo as do artigo 164.°
O Sr. Presidente: - Se quiserem, põe-se "excluídos os artigos 164.° e 167.°".
O Sr. José Magalhães (PCP): - A utilização da remissão para os artigos não me parece curial, Sr. Deputado Almeida Santos, por uma razão simples: é que algumas das matérias constantes do artigo 164.° são objecto de expressa menção no vosso n.° 3.
O Sr. Presidente: - Podemos, então, pôr "as matérias previstas no artigo 164.° da Constituição ou incluídas na reserva absoluta" - acho que, com isto, ninguém estará em desacordo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, Sr. Presidente, permita-me que o sublinhe, a lista de exclusões é imperativa e taxativa, devendo o legislador ordinário mover-se no âmbito assim traçado. Recordo que a depuração e a sedimentação jurisprudencial feita em torno do artigo 75.° da Constituição italiana vieram a conduzir a que se entendesse que a proibição de submeter a referendo determinadas matérias inclui não só as referidas no artigo constitucional} que taxativamente as enuncia, como também afecta - coisa que, é rigorosamente aplicável no caso português - aquilo a que se possa chamar leis constitucionais. Se uma determinada lei tem um conteúdo que recobre, no fundo, o conteúdo constitucional, então, nos termos do n.° 3 deste texto, essa lei não pode ser objecto de consulta referendaria nos termos do n.° 1.
O Sr. António Vitorino (PS): - Qual lei?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a referir-me, Sr. Deputado António Vitorino, aos casos das leis ordinárias cujo conteúdo se submeta e coincida com o conteúdo constitucional. Por exemplo, se V. Exa. quisesse propor - a não conseguir-se nesta Revisão Constitucional a abolição do serviço militar obrigatório a dos tribunais militares, como tudo indica - um referendo sobre a abolição (não a reforma) dos tribunais militares ou do serviço militar obrigatório não o poderia fazer.
O Sr. António Vitorino (PS): - É evidente que não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, leis ordinárias de conteúdo constitucionalmente vinculado, também não podem ser submetidas a referendo. Por exemplo, uma lei que pretendesse a abolição ou a restrição, fora dos limites constitucionais, do direito à greve, seria inconstitucional. Não seria comportável, não é possível submeter a referendo uma lei que visasse suprimir o direito à greve ou, a pretexto da imposição de serviços mínimos, violasse o direito dos trabalhadores de determinação do conteúdo essencial do direito à greve.
O Sr. Presidente: - Tudo isso seriam alterações à Constituição...
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que estou a sublinhar é que, quando se diz aqui "alterações à Constituição" tanto se contempla as alterações feitas mediante lei formal de revisão constitucional como as alterações ordinárias feitas por lei ordinária de con-
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teúdo divergente ou coincidente com o da Constituição ou tendentes à sua supressão ou alteração fora dos limites constitucionais.
O Sr. Presidente: - Estamos de acordo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso dar ainda um outro exemplo: uma lei que visasse atribuir ao ensino privado um estatuto diferente daquele que a Constituição prevê, não poderia ser submetida a referendo.
O Sr. Presidente: - Tudo o que estiver na Constituição não pode ser mudado nem por referendo nem por lei.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma lei ordinária contrária à Constituição e inversora do estatuto constitucional do ensino privado não poderia, mesmo sendo lei ordinária, ser submetida a referendo.
O Sr. António Vitoríno (PS): - Claro. É para isso que está agora proposto um aditamento do controlo prévio da constitucionalidade e da legalidade do referendo: é exactamente para impedir actos referendários inúteis e permitir que só se realizem os referendos que forem conformes à Constituição e à lei orgânica do referendo.
Os exemplos que o Sr. Deputado José Magalhães está a dar podiam multiplicar-se tanto quanto a sua imeginação lhe desse (e como ela é fértil, daria, de certo, muito), mas é para isso que existe esse aditamento da garantia da fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do referendo (de todos os referendos).
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Deputado. Aliás, como V. Exa. sabe, nós PCP insistimos particularmente em que uma fiscalização desse tipo fosse introduzida para evitar perversões plebiscitarias que, como se sabe, são o objectivo a evitar nesta matéria.
O Sr. António Vitorino (PS): - E insistiram bem, na senda, aliás, do que propunha o projecto do PS que, em normas atributivas de competência do Tribunal Constitucional, o previa. O que se entendeu era que ficava mais explícito agora, no próprio artigo do referendo, consagrar a fiscalização obrigatória da constitucionalidade e da legalidade em termos preventivos dos referendos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa parece-nos, de resto, a única solução inequívoca. A vossa solução primitiva poderia dar margem a equívocos que são, a todo o preço, de evitar. Congratulamo-nos com o facto. Em terceiro lugar, há exclusões que decorrem de uma outra regra que aqui está contida: no n. ° 4. É uma regra de grande importância porque estabelece o princípio da homogeneidade. Cada referendo só pode recair sobre uma matéria, "devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não". O que quer dizer que há uma necessidade de homogeneidade temática que permita respostas de sim ou não que respeitem plenamente a liberdade de escolha do eleitor. A amálgama indébita, a colocação de questões relativas a uma pluralidade de expressões legislativas heterogéneas, que impossibilitem a resposta por sim ou não, seria inconstitucional e logo o referendo não poderia ser desencadeado ainda que fosse proposto nesses termos. É um importante condicionamento que, por vezes, aparece obliterado em determinadas análises apressadas.
Gostaria, por outro lado, Srs. Deputados, que nos fornecessem resposta à seguinte pergunta: como é que articulam esta norma que exclui do objecto possível do referendo as questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro com aquilo a que se chama vulgarmente a "lei travão"? É que esse é um quarto limite ao desencadeamento do referendo!...
O Sr. António Vitorino (PS): - A lei travão vem também aí prevista expressamente. É uma lei que abrange a iniciativa do referendo, quando de origem parlamentar nos termos da proposta que apresentámos, reescrita, para o artigo 170.° que diz exactamente no seu n.° 3 que:
Os deputados e os grupos parlamentares não podem apresentar projectos de lei ou de referendo que envolvam diminuição da receita ou aumento das despesas no ano económico em curso.
O Sr. Presidente: - E que, também e com toda a lógica, não abrange o Governo; ou abrange?
O Sr. António Vitorino (PS): - Não. O Governo pode apresentar à Assembleia da República propostas de referendo que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita no ano económico em curso, uma vez que o pode fazer também quanto à iniciativa legislativa comum. A limitação da lei travão só diz respeito à iniciativa legislativa dos deputados. Mas aqui, neste artigo 112.°-A, o conteúdo é diferente do da lei travão. A lei travão diz respeito à origem da iniciativa do referendo; aqui já é uma limitação quanto ao conteúdo do próprio referendo - não pode ter por conteúdo actos ou questões orçamentais ou tributárias. Não se poderá fazer um referendo que diga: "Considera o povo português que o IRS é excessivamente oneroso e que a carga fiscal devia ser diminuída?"; "Consideram os Portugueses que a verba (inscrita no Orçamento do Estado) para a saúde é insuficiente e que devia ser aumentada?"; "Consideram os Portugueses que as transferências para as regiões autónomas são suficientes para cobrir os custos da insularidade?". Este tipo de referendo não pode ser realizado. O que é diferente da lei travão, porque o Governo não poderá sequer apresentar, nem ao Presidente da República, nem à Assembleia da República propostas de referendo com conteúdo orçamental ou tributário do estão: "Concordam que o Governo aumente a dotação do Fundo de Desemprego" por exemplo, ou "aumento o subsídio de desemprego", generosamente - este tipo de referendo também não poderá ser realizado.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio, Sr. Deputado António Vitorino, que é extremamente importante fazer-se essa distinção, porque é evidente que o regime jurídico que é proposto só adquire a plenitude do seu sentido, articulando-se as disposições do artigo que baptizaram como 112.°-A e as disposições do artigo 170.°; e, outros que pela Constituição irão delimitando, nas diversas sedes, as diversas partes integrantes do regime globalmente aplicável ao novo instituto.
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Aquilo que eu quis sublinhar, ao chamar a atenção para este aspecto, é que há outros limites, além do limite geral decorrente de não poder ser objecto do referendo o conjunto de matérias constantes do artigo 112.°-A, designadamente o seu n.° 3. Há limites à propositura, limites à iniciativa parlamentar, neste caso concreto. Alerto, aliás, para que a vossa proposta é ambígua quanto ao elenco dos titulares de direito de iniciativa referendaria. É que suponho que as assembleias regionais das regiões autónomas não terão poderes novos nesta matéria. Mas a redacção proposta inculca o contrário. Creio que é lapso...
O Sr. António Vitorino (PS): - Em que sentido?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Direito de iniciativa referendaria atribuído às regiões.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Seria bom clarificar este aspecto, porque a vossa proposta é equívoca.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não é nada equívoca, salvo o devido respeito. Onde é que a encontra equívoca?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, VV. Exas. exprimem-se como podem e, como no n.° 1 do artigo 170.° se diz:
A iniciativa da lei compete aos deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, bem como, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias regionais,
para bom entendedor trata-se da iniciativa da lei. Mas a seguir diz-se no n.° 2:
Os deputados, os grupos parlamentares e as assembleias regionais não podem violar a lei travão. Pode julgar-se que isso também abrange a iniciativa referendaria regional [...]
O Sr. António Vitorino (PS): - V. Exa. está é a trabalhar num artigo que foi substituído.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Terá sido substituído?!
O Sr. António Vitorino (PS): - Sim, sim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que esta proposta que analisei tem o n.° 91 e data de 3 de Fevereiro de 1989. VV. Exas. nessa matéria, têm sido prolíficos, mas eu tinha a esperança de ter todas as propostas e foi sobre estas que me pronunciei, depois de algum estudo.
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, se vamos a exemplos de passos de mágica de substituição de propostas, nós também teremos qualquer coisa a dizer, claro!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Façam VV. Exas os exercícios que quiserem! Eu pela minha pane apenas não dispenso o conhecimento das propostas, quaisquer que sejam!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não sei se admiro mais a sua coragem, se a sua desfaçatez, devo confessar.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, como a palavra -desfaçatez- é des-primorosa, eu prefiro que V. Exa. aprecie a eventual coragem.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não é desprimorosa. Eu diria "lata", mas...
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Lata", ainda é pior!
Risos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu retiro a desfaçatez!
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se o Sr. Deputado retira a "desfaçatez" e a proposta que eu criticava Sr. Presidente, cesso o meu raciocínio porque o pressuposto alterou-se. Mas sublinho que a versão constante do texto que acabei de citar permitia a ilação perversa que, por essas razões, extraí.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Os deputados, os grupos parlamentares e as assembleias regionais podem apresentar projectos de lei, propostas de lei ou propostas da alteração...
Pausa. Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que a questão é a seguinte: não haveria nunca lugar a confusão mesmo à luz do n.° 1 do artigo 112.°-A da proposta de substituição, que diz que os cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, ou do Governo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso não é líquido, Sr. Deputado António Vitorino, porque é evidente que seria sempre a Assembleia da República, no cenário que eu estava a desenhar, a fazer a proposta; mas fá-lo-ia por estímulo, por iniciativa de qualquer agente parlamentar com direito de iniciativa. E os agentes parlamentares com direito de iniciativa, são os deputados, (singularmente tomados), os grupos parlamentares e as assembleias regionais. A vossa proposta estava mal escrita. Consentia mais do que é vosso desejo!
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas é que há um âmbito completamente diferente...
Vozes.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vamos votar, depois de o meu amigo ter constatado as excelências da nossa proposta; só descobriu nela virtudes.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - As constatações. Sr. Presidente, estavam em processamento, não estavam em conclusão.
O Sr. António Vitorino (PS): - O que é que lhe falta constatar?
Vozes.
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Verifico a proposta de substituição do PS/PSD, apresentada com o n.° 146 e com a data de hoje, respeitante aos limites à iniciativa da lei e do referendo, (designação exacta da respectiva epígrafe), vem responder negativamente à interrogação que há pouco suscitava, face a um outro texto e vem clarificar, designadamente, que a iniciativa de referendo é um exclusivo dos deputados, dos grupos parlamentares e do Governo, não sendo atribuída pois, às assembleias legislativas regionais, cuja iniciativa se circunscreve as leis.
Este é um aspecto relevante para a clarificação do regime aplicável, neste caso concreto, à iniciativa referendaria e creio que é positivo que essa clarificação se faça. É essa mesmo, uma das utilidades do debate que estamos a travar.
Um outro aspecto, diz respeito às decorrências quanto ao vigor das iniciativas, de certos preceitos gerais aplicáveis às iniciativas legislativas que devem ser transpostas também para a questão referendaria. Refiro-me à norma constante do n.° 4 da proposta com o n.° 146 - que diz respeito à rejeição definitiva de propostas referendarias -, à norma contida no n.° 5 - a dispensabilidade de renovação de uma proposta referendaria não votada -, à norma contida no n.° 6
- a regra da caducidade de propostas com a demissão do Governo ou com o termo da legislatura.
O Sr. Presidente: - É confuso. Mas de qualquer modo, está dependente do que diz em cima.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, não sei se faz grande sentido a vossa proposta atinente ao n.° 7...
O Sr. Presidente: - Afinal o n.° 6 está certo: "As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo, caducando com o termo da respectiva legislatura as propostas de lei da iniciativa de uma assembleia regional." Penso que está certo; não é preciso mais nada. Nem vejo mesmo como pudesse estar mais claro! Está certo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - De facto, está certo.
É que a matéria com que estava a preocupar-me, que era a da caducidade dos projectos de lei, está tratada no n.° 5, autonomamente e portanto, não origina confusão.
Referia Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a norma do n.° 7 me suscita algumas dúvidas. Fazem a transposição para as propostas referendarias da norma que prevê a possibilidade de apresentação de textos de substituição. Porquê?
Pausa.
O Sr. Presidente: - Penso que isto também se deve aplicar ao referendo.
O Sr. António Vitorino (PS): - É que sobre a questão do referendo, o problema aí coloca-se em termos de formulação da questão que é colocada ao eleitorado. A Assembleia da República deve aprovar a formulação da questão a colocar ao eleitorado que pode não ser aquela que foi originariamente apresentada pelos proponentes de iniciativa referendaria. Isso inculca a ideia de que a matéria deve ser discutida por uma comissão parlamentar, a qual pode propor uma outra formulação para a questão que seja objecto de apreciação e de votação pelo Plenário. Há paralelismo e identidade de razões com as propostas e projectos de lei; a única diferença é que não se trata de um texto de substituição articulado mas é um texto de substituição sobre a pergunta que vai ser colocada ao eleitorado.
O Sr. Presidente: - De qualquer modo, a redacção do n.° 7 é "dos projectos e das propostas de lei e do referendo".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Compreendo, Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. Presidente: - Está esclarecido Sr. Deputado José Magalhães? Vamos votar?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto a este aspecto sim, Sr. Presidente.
Permita-me agora, que vos pergunte qual é a inserção sistemática que projectam para o artigo em gestação...
O Sr. Presidente: - Neste momento, só temos o artigo 112.°-A; não é a título definitivo. Depois sistematicamente veremos onde o havemos de pôr.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Penso que no fim teremos de chegar a um acordo global sobre todos os problemas sistemáticos, que, aliás, são, por natureza, interdependentes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me então, Sr. Presidente que faça um curto comentário face aos esclarecimentos que foram produzidos, e face ao desenho que agora é possível traçar do modelo referendado, para cuja consagração agora se aponta.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Depois do longo comentário, que já fez.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Limitei-me a fazer perguntas. As perguntas terão sido perfeitamente banais, mas as respostas são muito interessantes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, as perguntas é que foram muito judiciosas. As respostas tentaram apenas acompanhar o nível das perguntas.
Vozes.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que o que se salienta neste debate e nos articulados que agora vão ser submetidos a votação é, desde logo, a rejeição do fundamental das propostas do PSD nesta matéria.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi rejeitada a proposta básica do PSD, tendente a permitir o recurso ao referendo sobre questões de relevante interesse nacional, de transcendente importância política, a solicitação do Governo ou da Assembleia da República, apenas excluindo as questões relativas a matéria orçamental ou tributária, ou que tivessem por finalidade o aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado. O PSD pretendia abrir claramente a hipótese da realização de referendos de revisão constitucional e instituía, mesmo, a possibilidade de forçar o Presidente da República à convocação de um referendo, mediante confirmação de uma decisão presidencial negativa, por uma maioria parlamentar absoluta.
Essa componente plebiscitaria basilar do projecto de revisão constitucional do PSD, foi rejeitada. E o PSD decaiu claramente, logo durante o debate da primeira leitura, dos aspectos mais agressivos do seu projecto, que era claramente perverso, neste ponto. Decaiu e, mais do que isso, assumiu como suas, propostas que se filiam em concepções que sendo, como sempre que se cria um instituto deste tipo, susceptíveis de perversão prática, não têm semelhança, na sua configuração jurídica, com o modelo referendado que aqui nos foi adiantado pelo PSD em Novembro de 1987.
Se, como dizia um republicano insuspeito de qualquer conotação com as ideias políticas que perfilho - "um plebiscito não se discute, combate-se" -, pode-se dizer que essa expressão da sensibilidade republicana foi aqui acolhida, porque nesta segunda revisão constitucional o plebiscito foi combatido e não consagrado!
Essa rejeição é a forma mais concludente de não discutir e combater as operações plebiscitarias, a que a Constituição não dará acolhimento. Bem pelo contrário!
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em segundo lugar, é de sublinhar que foi rejeitada qualquer hipótese de referendo por iniciativa popular. O modelo que aqui está desenhado, só contempla uma iniciativa partindo de órgãos de soberania, isolada ou, porventura, conjugadamente (a norma não é clara sobre esse aspecto); em todo o caso, cabendo a palavra decisiva sempre e só ao Presidente da República. Não há forma de forçar a alteração dessa decisão. Mais ainda, e pelo contrário, são estabelecidos limites - os constantes do n.° 8 deste texto -, limites adicionais e de economia processual, que sublinham esse poder, dando-lhe a natureza de única (e não apenas última) instância.
Por outro lado, são adoptadas cautelas como as constantes do n.° 5 e, sobretudo a constante do n.° 6, quanto à fiscalização preventiva obrigatória da legalidade e constitucionalidade, tendentes a garantir ou contribuir para a não perversão de finalidades e para a defesa da Constituição, impedindo que o instituto exorbite as fronteiras que lhe são traçadas agora, em sede constitucional, mas também em sede de legislação ordinária, à qual é deferida uma larguíssima margem de opção, que torna o trabalho legislativo ordinário extremamente complexo.
Recordo que em Itália o referendo foi constitucionalmente consagrado no pós-guerra, na altura da aprovação da Constituição, só foi regulamentado em 1970 e aplicado, pela primeira vez, em 1974. Não sei se em Portugal será necessário esperar 22 anos pela regulamentação. Em todo o caso, a experiência de regulamentação das consultas populares locais constitucionalmente instituídas em 1982 que ainda agora está por fazer, ecoa no nosso espírito quando analisamos o regime agora traçado.
Em terceiro lugar a filosofia do regime consagrado não opera uma espécie de dualismo entre a soberania dos órgãos de soberania e a soberania do povo. O referendo é concebido (como demonstra o debate da primeira leitura, agora confirmado) como um elemento correctivo (e não substitutivo nem alternativo) da democracia representativa, tendo um papel puramente complementar ou auxiliar não substitutivo do papel, do estatuto dos partidos políticos e dos órgãos de soberania dentro da sua esfera de competência própria. Mais ainda: estabelece-se uma regra de intangibilidade do quadro constitucional e da reserva parlamentar, definida por expressa remissão para o artigo 164.° e para o domínio de reserva parlamentar absoluta em matéria legislativa, que tem implicações directas e indirectas que aqui situei, conduzindo a outras exclusões por razões de conexão ou por razões de lógica inescapável e de protecção indirecta do quadro constitucional. Alguns dos casos que aqui pude trazer, exemplificam este princípio, mas é evidente que seriam multiplicáveis indefinidamente os exemplos porque são tantos quantos as áreas em que a Constituição é imperativa e, como se sabe, ela é dirigente (e continuará a sê-lo!).
Em quarto lugar, prevê-se a subordinação do regime de intervenção mediante referendo a lei emanada das instituições representativas. É à Assembleia da República que cabe definir o regime do referendo e inclui-se essa matéria na sua área de reserva absoluta. Mais do que isso: nos termos do artigo 167.° (na redacção já indiciada pela aprovação feita no dia 24 de Fevereiro) o regime referendário terá de constar de lei orgânica. Com as específicas implicações que disto decorre no sistema desenhado nesta revisão constitucional é a uma lei orgânica quê cabe regular o referendo dentro dos parâmetros que a própria Constituição fixa, dentro dos limites, dentro das exclusões, dentro das regras formais, dentro das regras processuais, dentro das regras procedimentais que aqui são estabelecidas.
Gostaria de fazer algumas observações adicionais: primeira, este processo tal qual está aqui desenhado, não podendo ter origem nos cidadãos e nas minorias, não deve ser encarado como em outros ordenamentos jurídicos que prevêem a iniciativa popular; segunda observação: é um mecanismo demasiado caro para poder funcionar como uma sondagem ao natural; terceira: o referendo não é seguramente, tal qual está aqui traçado, a forma corrente de tomar decisões políticas, mesmo nas áreas em que elas são possíveis através deste
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mecanismo, nem será, sem dúvida, o eixo básico, ao qual o regime democrático constitucionalmente configurado deverá subordinar-se.
O referendo, neste modelo agora desenhado, não é configurado como um elixir contra a degeneração elitista e burocrática do parlamentarismo, nem é concebida como um instrumento para usar na governação do dia-a-dia, nem pode servir de instrumento básico para realizar um programa político, nem será sucedâneo de uma moção de censura, embora possa permitir a censura popular de certas opções que os órgãos de soberania desejem praticar.
Creio que a análise das normas prova, também, que este instituto não surge como uma arma prima para a defesa da oposição e das minorias. Não é seguramente a alavanca de Arquimedes da alternância. Só pode ser desencadeado por uma maioria parlamentar ou por um governo e só prevalece se reunir no País uma maioria social e política. Num quadro de coincidência Governo-maioria-Presidente-TC pode ser (como tudo!) usado perversamente.
Serve, em condições normais de pluralismo, Sr. Presidente, tanto quanto sou capaz de me aperceber neste momento, para verificar a sintonia entre uma maioria parlamentar e a vontade popular em questões pontuais ou a desintonia da maioria parlamentar em relação ao País - coisa que, no seu entusiasmo abstracto, os Srs. Deputados do PSD, neste momento, terão apenas relativamente conscientizado (e ainda bem!).
Por outro lado, não substitui o papel dos partidos nas campanhas referendarias como se sublinha ao fazer aplicar as normas do artigo 116.° Cria-lhes, pelo contrário, um novo campo de protagonização, limitado, todavia, pelas normas maioritárias necessárias para o accioniar e pelo papel decisivo do Presidente da República. Num quadro maioritário este mecanismo novo não surge apto a funcionar (senão limitadamente) como uma tribuna propagandística ou como um contrapoder de cidadãos organizados, embora possa permitir, propiciar e impulsionar formas de relacionamento confli-tual entre os titulares de órgãos de soberania. O que é, nesta óptica, o referendo? Respondo: é talvez a possibilidade conferida ao Presidente da República de dissolver uma política sem dissolver o Parlamento!
Recordo ainda que a experiência de direito comparado, Sr. Presidente, não tem revelado que o referendo seja uma panaceia para resolver crises políticas nem um instrumento mágico capaz de mudar, do dia para a noite, o juízo social sobre questões-chave, como descobriu, por exemplo, o bloco católico conservador ao ser derrotado em Itália nos referendos sobre o divórcio e o aborto. Por outro lado, não garante, só por si, como a experiência também prova, mobilizações de massas. Alerta para isso o aumento das abstenções em diversos países, à medida que se vão multiplicando as experiências referendarias.
Última interrogação: que consequências poderá ter a introdução deste mecanismo num sistema político como o nosso, fundado na representação proporcional? O referendo é um mecanismo que dá vitórias absolutas e absolutas derrotas. É, tipicamente, segundo os mecanismos decisionais estudados pela teoria dos jogos, um mecanismo de tipo soma zero, sem matizes, puramente bipolarizador, reorganizador de sentidos de voto sem estrita dependência de opções partidárias e coligando oponentes divididos por outras questões. Não
sei, Sr. Presidente, se o Sr. Prof. Aníbal Cavaco Silva percebe a diferença entre a sua proposta de máquina referendaria (que há pouco descrevi como plebiscitaria) preparada para dar ao Governo o poder de impor (e ganhar sempre) jogo e esta espécie de roleta russa para o qual o Governo pode ser convidado por um presidente hábil que lhe diga: "há um litígio? Experimente pôr o povo à cabeça e carregar no gatilho! Conversamos depois, se ainda tiver cabeça!"
Devo dizer que não podemos prever qual será o resultado. Alguém dizia que "o referendo é um instrumento imprevisível." Os efeitos que produz num certo quadro não se produzem noutro. Por outro lado, os efeitos produzidos num país não são transponíveis. Aquilo que vai ser concebido e concretizado agora é, sem dúvida, uma incógnita. Pela nossa parte não vimos até agora razão fundamental para alterar o juízo que tinha conduzido a que em 1976 e 1982 juntamente com outros partidos não aprovássemos a introdução do instituto. Votaremos agora favoravelmente as cautelas que caracterizam a sua introdução.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, prometo ser breve. Contrariamente ao que fez o Sr. Deputado José Magalhães, espero mesmo cumprir essa promessa.
A minha intervenção respeita ao n.° 1 da proposta de alteração do artigo 170.° que foi apresentada na sequência da proposta do artigo 112.°-A respeitante ao referendo. É que por força da apresentação da proposta do artigo 112.°-A os autores de ambas as propostas sentiram a necessidade de alterar o n. ° 1 do actual artigo 170.° no sentido de excluir a possibilidade das assembleias regionais apresentarem à Assembleia da República qualquer proposta no sentido da efectivação do referendo. Tal qual está redigida a proposta do artigo 112.°-A é claro que o referendo terá apenas por objecto questões de relevante interesse nacional...
Vozes.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É certo que a iniciativa de propostas de lei à Assembleia da República por parte das assembleias legislativas regionais respeita questões de interesse das regiões autónomas, mas a forma como nós entendemos a autonomia e, contrariamente ao que por vezes parece ser o entendimento geral sobre isso, não é apenas no sentido de auto-decisão das questões que nos dizem directamente respeito ou que dizem directamente respeito às regiões autónomas. É também no sentido de uma maior participação nas questões de interesse nacional. É nessa perspectiva e nessa óptica que eu vejo com mágoa que numa questão de relevante interesse nacional se venha coibir através da proposta de alteração do n.° 1 do artigo 170.° a possibilidade de as assembleias legislativas tomarem a iniciativa de referendo veiculando essa proposta e essa pretensão à Assembleia da República ou mesmo até directamente ao Presidente da República. Parece-me que as assembleias regionais estão em situação de ajuizar questões de interesse nacional e even-
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tualmente de entenderem que elas devem ser alvo de referendo e veiculá-las para o órgão próprio para desencadear esse processo tal qual decorre da proposta do artigo 112.°-A - se for aprovada. Vejo com mágoa que se tenha excluído esta possibilidade de as assembleias regionais tomarem esta iniciativa. Penso que é uma forma restritiva de ver a autonomia regional, que queremos aprofundada, inclusivamente no sentido de uma maior participação a nível nacional nas questões nacionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É com enorme surpresa que ouço esta sua intervenção porque em nenhum momento do processo legislativo de revisão constitucional qualquer entidade ligada ou não às regiões autónomas reivindicou como pretensão útil das regiões autónomas no processo de revisão constitucional a consagração desse poder. É inteiramente inusitado! Eu admito que tivesse sido muito interessante nós discutirmos com uma delegação da Assembleia Regional e com o Presidente do Governo Regional da Madeira questões interessantes como esta. Em vez disso preferiam a estulta guerra das audiências!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado faz perguntas e não comentários!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não posso ser inibido de fazer o comentário que entender e neste caso é este que me ocorre.
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado pediu a palavra para fazer uma pergunta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma pergunta?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra para fazer uma pergunta e não para uma intervenção. A pretexto de uma pergunta não pode estar a fazer outro discurso. Agradecia, pois, que a fizesse.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já a fiz, Sr. Presidente.
A pergunta ao Sr. Deputado Guilherme Silva é a seguinte: por que é que aparece com este "desarrincanço" súbito às 8 horas da noite, que resulta de um equívoco, uma pura coincidência fortuita?
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, parece que é a primeira vez que no decurso dos trabalhos da Comissão de Revisão Constitucional aparece uma tomada de posição relativamente a uma questão que não tenha sido alvo de uma iniciativa anterior por parte de determinado deputado ou partido. Parece que é a primeira vez que isso acontece. É natural que tendo surgido agora e aqui esta iniciativa da proposta do referendo, e secundada por esta iniciativa da alteração do n.° 1 do artigo 178.° nos termos em que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, também lhe peço o favor de ter em conta que a alteração do n.° 1 é uma pura clarificação. O n.° 3, que falava em referendo, só fala em deputados e grupos parlamentares.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Certo, Sr. Presidente. O que eu pretendia é que essa clarificação fosse em sentido diferente, ou seja, no sentido de as assembleias regionais poderem ter a iniciativa do referendo.
O Sr. Presidente: - Compreendo que gostasse disso, Sr. Deputado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, julgo que seria mais claro formular o n.° 3 por alíneas. Ficaria "são, designadamente, excluídas do âmbito do referendo" e depois dividíamos por alíneas. Julgo que essa sistemática existe já Constituição, mesmo quando os artigos são já divididos em números. Veja-se o caso do artigo 163.°, que tem os n.ºs 1 e 2, mas que o seu n.° 1 é dividido em alíneas. Com isso não perde o seu carácter exemplificativo.
O Sr. Presidente: - É um problema de redacção, Sr. Deputado. Só que me parece que o n.° 3 é tão conciso e tão claro que não há necessidade de o separar por alíneas. Depois na redacção vemos isso.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 1 da proposta conjunta do PS e do PSD para o artigo 112.°-A.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP.
É o seguinte:
1 - Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
Vamos votar a proposta conjunta PSD/PS para o n.° 2 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
2 - O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
Vamos votar a proposta conjunta PS/PSD para o n.° 3 do referido artigo 112.°-A.
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Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
3 - São designadamente excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as matérias previstas no artigo 164.° ou incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as questões e os actos de conteúdo orçamental tributário ou financeiro, de amnistia ou de perdão.
Vamos votar a proposta conjunta PS/PSD para o n.° 4 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
4 - Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as de-
' mais condições da formulação e efectivação de referendos.
Vamos votar a proposta do PS e do PSD para o n.° 5 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
5 - São excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu.
Vamos votar a proposta conjunta do PS/PSD para o n.° 6 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
6 - O Presidente da República submete obrigatoriamente a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.
Vamos votar a proposta conjunta PS/PSD para o n.° 7 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
7 - São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 116.°
Vamos votar a proposta do PS e do PSD para o n.° 8 do artigo 112.°-A.
Submetida à votação, obteve d maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
8 - As propostas de referendo rejeitadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo.
Vamos votar a proposta conjunta PSD/PS para o n.° 1 do artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS, os votos contra dos deputados Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Carlos Lélis (PSD) e a abstenção do PCP.
É a seguinte:
1 - A iniciativa da lei e do referendo compete aos deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias legislativas regionais.
Vamos votar a proposta conjunta PSD/PS para o. n.° 3 do artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
3 - Os deputados e os grupos parlamentares não podem apresentar projectos de referendo que envolvam, no ano económico em curso, aumentos das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento.
Vamos votar o n.° 4 da referida proposta PS/PSD para o artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
4 - Os projectos e as propostas de lei e de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República.
Vamos votar a proposta conjunta PS/PSD para o n.° 5 do artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
5 - Os projectos e as propostas de lei e de referendo não votadas na sessão legislativa em que tiverem sido apresentados não carecem de ser renovados nas sessões legislativas seguintes, salvo termo da legislatura.
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Vamos votar a proposta conjunta PSD/PS para o n.° 6 do artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
6 - As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo, caducando com o termo da respectiva legislatura as propostas de lei de iniciativa de uma assembleia regional.
Vamos votar a proposta apresentada conjuntamente pelo-PSD e pelo PS para o n.° 7 do artigo 170.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
1 - As comissões parlamentares podem apresentar textos de substituição, sem prejuízo dos projectos e das propostas de lei e do referendo a que se referem, quando não retirados.
Vamos passar ao artigo 115.°, em relação ao qual há uma proposta do PCP para o n.° 5, que vamos adiar por ter conexão com outras adiadas.
Vamos votar o n.° 2 do artigo 115.° da proposta conjunta PSD/PS.
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta matéria...
O Sr. Presidente: - Foi discutida e reservada a votação a pedido do PCP, porque estava suspenso o n.° 5.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Verificar-se-á facilmente, compulsando algum dia a acta respectiva, que quando a proposta foi apresentada, em Janeiro, o PCP introduziu a seguinte questão: a CERC não deveria apreciar avulsamente as diversas peças integrantes do regime das chamadas leis orgânicas, mas deveria fazer uma avaliação global...
O Sr. Presidente: - Isso era em Fevereiro, mas estamos nas últimas votações, sobre as últimas matérias e esse tipo de argumentos não colhe. Não há nenhuma razão para se não votar o n.° 2.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, quem é que sugeriu, insinuou ou tirou da gaveta o fantasma do adiamento?! A única questão que ia colocar e V. Exa. não pôde ouvir é que, na altura em que suscitei esta questão, a exigência de apreciação integrada visava permitir aos proponentes definirem, clara e inteiramente, o regime que ideavam. O PCP pretendia evitar, entre outras coisas, alguns episódios desagradáveis, que, aliás vieram a acontecer, como seja o de o PS/PSD não serem capazes de explicar, por razões fortuitas, que determinadas leis não eram orgânicas (ao contrario do que alguns julgavam lendo o acordo) e que outras eram orgânicas e que além do mais não haveria uma definição geral do que fosse lei orgânica, etc.. Sucede que em nenhum momento qualquer dos Srs. Deputados subscritores do acordo tomou a pala-
vra para explicar o alcance da norma que agora o Sr. Presidente pretende submeter a votação. Pedia que isso fosse feito, porque esta norma não foi discutida, isso posso asseverar a V. Exa.
O Sr. Presidente: - Foi discutido, mas vamos voltar a fazê-lo, se V. Exa. acha que não está esclarecido. Ponha as questões que entender, nós daremos os esclarecimentos de que precisar. No entanto não há razão nenhuma para não se encarar hoje este problema.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, como a questão que estou a colocar é a que estou a colocar e aquela que preocupa V. Exa. é outra totalmente diferente. Talvez se consiga quebrar esta dissintonia com mais um esforço...
O Sr. Presidente: - É que V. Exa. fala agora como falou em Fevereiro, como se não estivéssemos nas últimas votações para arrumar definitivamente este assunto. Já se sabe, já está distribuída a proposta das leis que são orgânicas...
G Sr. José Magalhães (FCF); - Gostaria que algum dos Srs. Deputados tivesse a gentileza de reflectir publicamente sobre o que se entende pelo valor das leis orgânicas. Teria sido extremamente interessante que o PS em vez de fazer uma apresentação desta matéria em prestações e por fragmentos e com uma pressa que não é compatível com a gravidade da matéria, tivesse feito uma apresentação integrada das alterações e designadamente tivesse dilucidado como é que entende a questão da fiscalização da descoincidência entre uma lei ordinária e uma lei orgânica.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, isso foi tão discutido!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - É claro que nenhuma explicação o satisfaz, nem em quantidade, nem em duração! Mas, que isto foi feito, discutido a ponto de ser iluci-dativa para pessoas menos inteligentes, quanto mais para si. V. Exa. já entendeu tudo!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - A única coisa que não posso aceitar passivamente é que se diga que foi feito um debate, que não foi feito. Como V. Exa. sabe, melhor do que eu, o PS ainda não adiantou qual é o regime que pretende imaginar para assegurar que o valor superior ou reforçado das leis orgânicas seja efectivo. Isto é um facto!
O Sr. Presidente: - V. Exa. tem a resposta precisamente neste n.° 2...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por acaso tenho imprecisamente.
O Sr. Presidente: -... não quer é acolhê-la, porque não lhe faz jeito!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Acho mesmo que estamos a perder tempo e o ganharíamos se VV. Exas. tomassem a palavra para explicarem decentemente este regime que propõem, como é vosso direito.
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O Sr. Presidente: - Se V. Exa., de repente, se empenhar em ganhar tempo ficarei espantado como não fiquei em toda a minha vida. Vamos continuar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro que sim, ganhar tempo em esclarecimento!
O Sr. António Vitorino (PS): - Srs. Deputados, direi, muito sucintamente, que o estatuto das leis orgânicas está construído em homologia ao estatuto das leis paraconstitucionais propostas pelo projecto do PS. Na altura tive ocasião - foi uma noite longa, de explicitar quais eram as vertentes da construção da figura das leis paraconstitucionais. Explicitei que a vertente da maioria reforçada era apenas uma das vertentes a considerar na construção da figura e que havia outros aspectos a levar em conta como seja o seu valor de natureza estruturante do sistema político, o qual subsiste. As leis paraconstitucionais para nós eram leis estruturantes do sistema político, um conjunto de leis que tinham um valor de acto-parâmetro, em certa medida interpostas entre a Constituição e a restante legislação ordinária e constituiam por isso instrumentos legislativos em relação aos quais cumpria aferir a conformidade dos demais actos legislativos e até naturalmente dos actos regulamentares.
Todos estes aspectos estão ressalvados na caracterização da figura das leis orgânicas excepto o da maioria de aprovação, que deixou de ser a maioria qualificada de dois terços e passou a ser maioria absoluta dos deputados. Portanto, nós configuramos as leis orgânicas como leis parâmetro, como leis com valor interposto entre a Constituição e a demais legislação ordinária, que versem sobre matérias estruturantes do sistema político e que por isso devem ser a base de um juízo de fiscalização da adequação das demais leis com as leis orgânicas (juízo esse a cargo do Tribunal Constitucional) em que a desconformidade, tal como constava do nosso projecto de revisão constitucional deve dar origem a um juízo de ilegalidade, em sentido amplo, por parte do Tribunal Constitucional. Sabemos que as leis orgânicas não esgotam as categorias de leis com valor paramétrico, não esgotam as categorias de leis que podem usufruir deste tal valor reforçado, mas pareceu foi que sendo uma categoria nova no nosso sistema jurídico-constitucional se tornava importante que em relação a estas, em concreto, se sublinhasse o seu valor reforçado. Este facto terá a correspondente consagração em sede de competências do Tribunal Constitucional de fiscalização da legalidade em sentido amplo. Creio que, tão sucintamente quanto possível, reeditei um discurso de quarenta e cinco minutos que fiz na primeira leitura e para o qual remeto e respondi e espero que tranquilizadoramente às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito agradeço aquilo que é, de resto, o cumprimento de um dever, mas é positivo que seja feito. Apelei, de resto, a que isso fosse feito, porque seria absolutamente indesculpável que a CERC passasse a galope sobre esta matéria e não parasse sequer para definir com um recorte rigoroso aquilo que irá ser aprovado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não respondi por dever, mas por vontade própria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pensei que era um dever cívico.
O Sr. António Vitorino (PS): - Nem isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - No caso concreto o que nos preocupa é, evidentemente, assinalar o que fica em aberto e logo remetido para o legislador ordinário. Por um lado, há uma grande diferença entre a longa noite a que se referiu o Sr. Deputado António Vitorino na sua evocação do discurso de apresentação das nado-mortas leis paraconstitucionais e este debate: é que, no meio, houve o dia 14 de Outubro de 1988 em que as leis paraconstitucionais encontraram o seu acaso, no preciso momento em que os dois principais responsáveis pelo PS e pelo PSD subscreveram um pacto político de revisão constitucional!
O Sr. António Vitorino (PS): - E isso com o aplauso do PCP que sempre foi contra as leis paraconstitucionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PS deixou de colocar a sua primitiva exigência de maioria especialmente qualificada...
O Sr. António Vitorino (PS): - ... qualificada de dois terços.
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... que, à cautela, tinha vindo a desvalorizar, como se pode verificar o discurso a que fez alusão o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não aceito que o Sr. Deputado José Magalhães se permita fazer interpretações desse género.
O discurso que fiz aqui, ou a intervenção mais modestamente, nessa noite, foi a intervenção de justificação da proposta, onde valorámos o que entendíamos que devíamos valorar e no ponto em que entendíamos que devíamos valorar. Foi o discurso de apresentação; é a ele que se tem de reportar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o que farei, naturalmente, mas lendo com os meus olhos e, segundo a visão que tenho e que naturalmente é distinta, bastante, das dos dois subscritores do pacto de revisão constitucional!
O Sr. António Vitorino (PS): - Felizmente!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Neste caso concreto, singularmente, a negativamente foi assumida pela pena do Prof. Aníbal Cavaco Silva, quando rejeitou, liminarmente, a ideia das paraconstitucionais! Não fomos nós que as rejeitámos!
O aspecto que me pareceu em aberto, em qualquer caso, foi o da exacta qualificação das leis orgânicas. Teve o Sr. Deputado Rui Machete, ocasião de sublinhar aqui, que os dois subscritores do acordo não consagrariam qualquer definição constitucional material de leis orgânicas.
A delimitação há-de fazer-se, pois, por recurso às normas que as elencam e que estabelecem as regras para a sua aprovação, e para a sua promulgação e veto;
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mas também, e esse é o aspecto relevante, para a fiscalização da eventual desconformidade entre outros actos legislativos ou normativos e as leis orgânicas.
A pergunta que me resta, nesta sede, é esta: a formulação por que se opta aqui, neste n.° 2, é relativamente tautológica. Afirma-se que "as leis e os decretos-leis têm igual valor, (disposição exactamente igual à actualmente constante do texto constitucional), sem prejuízo, (adita-se, é a única parte inovadora) do valor das leis orgânicas".
O Sr. António Vitorino (PS): - Do valor reforçado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, isso não consta do texto distribuído. É isso mesmo que estou a salientar!
O Sr. António Vitorino (PS): - Então, é lapso. O texto é "do valor reforçado".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Agradecia, Sr. Deputado António Vitorino que pudesse corrigir o
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu tinha corrigido junto do Sr. Presidente, logo no próprio dia em que foi apresentada a proposta. A Mesa, provavelmente, não deu indicação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que, o texto que figura sob o n.° 72, não tem nenhum qualificativo para o valor. Portanto deve aditar-se "valor reforçado".
O Sr. António Vitorino (PS): - Isso é lapso; do texto deve constar: "valor reforçado das leis orgânicas". Aliás, a não ser assim, o meu discurso teria parecido completamente tonto.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora aí está! Era precisamente para acautelar esse aspecto, Sr. Deputado António Vitorino, que procurei clarificar o lapso.
O Sr. Presidente: - Isso foi clarificado da primeira vez.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se o Sr. Presidente tiver o cuidado de verificar, a proposta continua a ter essa redacção e seria bom tomar as providências adequadas para corrigir a omissãozinha.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que deixa em aberto, corrigido que está o lapso, uma questão. Nós ainda não apreciámos o regime da fiscalização da legalidade; suponho que isso acontecerá quando debatermos a matéria respeitante às competências do Tribunal Constitucional. Em todo o caso, creio que será útil, para conforto nosso, que o Sr. Deputado António Vitorino nos pudesse especificar, se é vossa intenção, resolver todas as questões de desconformidade entre diplomas de valor reforçado, diplomas com valor paramétrico, interpostos entre a Constituição e a lei ordinária, cometendo ao Tribunal Constitucional o poder de julgar e declarar essa desconformidade; ou se
a vossa ideia é circunscrever essa intervenção do Tribunal Constitucional ao caso das leis orgânicas. Creio que nesse cenário, a solução seria muito incompleta.
O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que in médio virtus est - nem se tratará de resolver tudo ex legis...
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que, nem se trata, como vai ver pela formulação que vamos apresentar em momento oportuno, de resolver todas as situações, porque, a sua resolução, em termos de letra de lei, geraria algumas dificuldades como aquelas que foram assinaladas quando se discutiu a proposta do PCP sobre esta matéria; nem se trata só de contemplar a questão das leis orgânicas.
Mas quando lá chegarmos, teremos ocasião de discutir mais em detalhe a solução em concreto que foi encontrada e que vai ser proposta à comissão.
O Sr. Presidente: - Está satisfeito, Sr. Deputado José Magalhães?
Vozes.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação da proposta de substituição para o n.° 2 do artigo 115.° apresentada conjuntamente pelo PS e pelo PSD.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PCP.
É a seguinte:
2 - As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo do valor reforçado das leis orgânicas e da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.
Uma vez que há pouco foram distribuídas duas propostas do nosso colega Costa Andrade, relativas aos artigos 160.° e 199.°, que têm relação uma com a outra, íamos agora passar a esta questão.
Quanto ao artigo 160.°, trata-se daquela matéria que ficou em suspenso a pedido do Sr. Deputado José Magalhães, para se reflectir sobre se se devia ou não, aplicar a definição genérica de pena maior aos deputados e aos membros do Governo, o que de algum modo vinha beneficiar ligeiramente os deputados e também os membros do Governo.
Mas penso que se saímos da definição de pena maior, tal como ela foi genericamente dada, nunca mais nos entendemos. O especialista na matéria, em quem nós delegámos essa incumbência acabou por redigir, quer o artigo 160.°, quer o artigo 199.°, nos termos que constam das propostas que foram distribuídas. Trata-se de aplicar a mesma "receita" da definição da pena maior; portanto, também aqui, para efeitos de imunidades, é a pena superior a três anos que conta. Corrigiu-se a linguagem, em termos de se falar em "acusação definitiva" e não em "indiciado definitivamente".
Podemos votar, Sr. Deputado José Magalhães?
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o que esta proposta significa é que será diminuída significativamente a garantia dos deputados contra a prisão.
O Sr. Presidente: - "Significativamente", não tanto. Era por remissão à pena maior; foi dada uma nova definição da pena maior.
Se vamos diferenciar em relação aos demais casos a que se refere a pena maior, criamos problemas técnicos complicados. Penso que, apesar de tudo, esta ainda é a linha de menor resistência...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, mas o que significa isto, Sr. Presidente, é que, provavelmente, o que deveria ser feito era uma reavaliação da tradução constitucional de pena maior, constante do artigo 27.°, tal qual está indiciariamente aprovado.
Se isto é grave do ponto de vista da protecção do cidadão comum contra a prisão preventiva fora de flagrante delito, a margem de manobra acrescida ampliativa em relação à prisão preventiva de deputados, tem consequências institucionais que não são subestimáveis.
O Sr. Presidente: - É um ano!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como? É um ano?
O Sr. Presidente: - E haverá a tendência criminal para fazer equivaler a pena superior a três anos à antiga pena maior. Isso vai acontecer em todos os domínios. Também não é assim tão grave como isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nada garante isso, Sr. Deputado Almeida Santos, pelo contrário. E aquilo que sabemos da revisão do Código Penal não nos conforta minimamente.
O Sr. Presidente: - Creio que é o que vai acontecer, porque é já o que está na lei neste momento. Nós estamos a pôr a Constituição de acordo com a lei, não é o contrário.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois, e isso como se sabe, nem sempre é virtuoso!
O Sr. Presidente: - Eu sei! Pausa.
O caso é este: hoje, nenhum deputado pode ser punido, sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena de prisão de dois a oito anos, portanto, pena de prisão superior a dois anos.
Passa a ser superior a três anos. Não é assim tão grave como isso!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É, é! A combinação entre o Código Penal e o Código de Processo Penal dá o índice do resultado.
O Sr. Presidente: - O meu amigo devia antes chamar a atenção para o facto de a seguir dizer "e em flagrante delito". Alguma vez se apanha um deputado em flagrante delito, a cometer um crime de pena maior?
Não me venham convencer disso; esta segunda parte "mata" completamente essa possibilidade, pelo que, subirmos a medida da pena de dois para três anos, quando mantemos o flagrante delito, não tem significado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Quanto à proposta do Sr. Deputado Costa Andrade, penso que em vez de se dizer "cujo limite máximo seja", basta dizer "pena de prisão superior a três anos", que é a formulação mais directa.
Vamos votar primeiro o n.° 2 e depois o n.° 3 do artigo 160.°
Uma voz: - O n.° 3 do artigo 160.° não está já votado?
Vozes.
O Sr. Presidente: - O n.° 3 do artigo 160.° já está votado, mas com reserva quanto à linguagem a utilizar. No fundo, remete para a pena referida no número anterior. Portanto, não há problema - só se vota o n.°2.
Vai então proceder-se à votação da proposta de substituição do n. ° 2 do artigo 160.° apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP.
É a seguinte:
2 - Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena de prisão (cujo limite máximo seja) superior a três anos e em flagrante delito.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o voto do PCP em relação ao número seguinte tem de ser convolado em abstenção face a isto.
Uma voz: - Era a favor, de facto.
O Sr. Presidente: - Creio que o n.° 3 é uma questão de linguagem. Pensa que é preciso votar?
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É, é! Foi votado no dia 2 de Fevereiro, mas foi votado num pressuposto que não se verificou, que foi alterado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Abstenção do PCP em relação ao n.° 3 do artigo 160.°
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É só uma correcção, não tem problema nenhum.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma alteração consequente da votação feita.
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2938 II SÉRIE - NÚMERO 103-RC
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação da proposta de substituição do artigo 199.º, apresentada pelo PSD, na redacção dada pelo Sr. Deputado Costa Andrade e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP.
É a seguinte:
Artigo 199.º
Movido procedimento criminal contra um membro do Governo e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com pena de prisão superior a três anos, a Assembleia da República decide se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo.
Tínhamos ficado no artigo 115.°, não é verdade? Vamos ver o que é que se segue pela ordem natural das coisas.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O artigo 135.°-A talvez tenha de ficar adiado. Querem votar? Já têm orientação de voto sobre ele?
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois temos uma proposta conjunta do PS e PSD para a alínea c) do artigo 137.°, que refere: "submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 112.°-A" - esta numeração é obviamente provisória. O artigo 112.°-A foi o que votámos há pouco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães está em condições de votar? Não tem dúvidas? Penso que não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. É uma mera decorrência. A única coisa que é preciso clarificar é que esta norma não substitui a actual alínea c).
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esta alínea que se pretende aditar não substitui a actual alínea c).
O Sr. Presidente: - Eu sei, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, qual é a ordem exacta? Qual é a vossa proposta sequencial, uma vez que estes pontos que vêm ininterruptamente na alínea a seguir são pouco específicos?
O Sr. Presidente: - Está tudo previsto, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Salvo aquilo que se verifica não estar, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a alínea d) passa a alínea c), a alínea e) passa a alínea d) e assim sucessivamente. A alínea h)...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Parece-me que essa alínea ainda não foi votada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Foi votada com o sentido genérico de remissão para as normas transitórias de todas as normas relativas a Macau. A alínea h) desaparece.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Então votamos agora a alínea c), Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da alínea c) do artigo 137.° da proposta conjunta apresentada pelo PSD e pelo PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e a abstenção do PCP.
É a seguinte:
c) Submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 112.°-A.
Srs. Deputados, o n.° 2 do artigo 138.° do PRD ainda continua adiado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Fica para quando discutirmos a alínea h) do artigo 164.°, que refere "Autorizar o Governo a contrair e a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante [...]"
O Sr. António Vitorino (PS): - Não deve ser isso, Sr. Presidente. Deve ser a alínea h) apresentada pelo PS relativa aos tratados. "Aprovar as convenções internacionais [...]"
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Penso que deveríamos votar a alínea h) do artigo 164.° e daí tirar as ilações para este artigo 138.°
Vozes.
O Sr. Presidente: - Então, vamos votar a alínea h) do artigo 164.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se for votada a proposta do PS, isso ficará prejudicado.
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Há uma alteração no sentido de tentar considerar os dois terços. Isso foi
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aqui referenciado na última vez que discutimos esta matéria e em que o PSD se mostrou indisponível para aceitar a proposta do Partido Socialista.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, não estamos em condições de votar hoje o artigo 164.°
O Sr. Presidente: - Fica, então, adiado, o que significa que também não votamos o artigo 138.°
Vozes.
O Sr. Presidente: - A alínea a) do artigo 143.° também continua adiada. Quanto ao artigo 151.°...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pedia que fizéssemos isso na quinta-feira.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado, concordo evidentemente com o seu pedido de adiamento da votação, desde que não se reabra a discussão, que já foi exaustivamente debatida.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Depois temos o artigo 152.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é a mesma coisa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não é, Sr. Deputado. Vozes.
O Sr. Presidente: - O artigo 164.° ficou adiado. Para o artigo 165.° há uma proposta do PCP e uma do PS para a alínea d).
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Essa proposta do PCP não foi já votada, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Ainda não foi votada, Sr. Deputado. O PCP está em condições de votar o artigo 165.°?
Vozes.
O Sr. Presidente: - Depois temos a alínea e) do PS.
Vozes.
O Sr. Presidente: - O artigo 165.° também fica adiado. Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 7 de Março de 1989
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Carlos Manuel Pereira Batista (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Cecília Pita Catarino (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves (PSD).
Carlos Manuel Pereira Batista (PSD).
João da Costa Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
ANEXO
2.° texto reformulado da proposta do PCP atinente ao artigo 11.°, n.° 3
Face ao debate realizado e por (economicamente) esgotar/condensar o sentido da norma proposta pelo PCP, reformula-se o texto, renumerando-se, por aditamento ao n.° l, a proposta numerada originariamente como artigo 11.°, n.° 3;
1 - A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República e da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
O Deputado do PCP, José Magalhães.
Proposta de aditamento ao artigo 81.°-A, n.° 3, do PS
3 - [...] sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Os Deputados do PS: António Vitorino - Almeida Santos.
Artigo 90.°-A Domínio público
1 - Pertencem ao domínio público do Estado:
a) As águas territoriais e seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;
b) As camadas aéreas superiores ao território, acima do limite reconhecido ao proprietário ou ao superficiário;
c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais e mineroindustriais, os recursos geotérmicos e outras riquezas naturais, com excepção das massas minerais habitualmente utilizadas na construção;
d) As estradas e linhas férreas nacionais;
e) Outros bens como tal classificados por lei.
2 - A lei estabelece a extensão e os limites do domínio público do Estado referido no número anterior, bem como o elenco e a extensão dos bens do domínio público das regiões autónomas e das autarquias locais.
3 - A lei define também o regime dos bens do domínio público do Estado, das regiões autónomas e das
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autarquias locais, fixando os termos da sua gestão por entidades públicas e da sua utilização por entidades privadas.
Os Deputados do PS, do PSD e do PCP: António Vitorino - Almeida Santos - Costa Andrade - Maria da Assunção Esteves - Ferreira de Campos - José Magalhães.
Artigo 112.°-A
Referendo
1 - Os cidadãos eleitores recenseados ao território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
2 - O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
3 - São designadamente excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as matérias incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, as questões e os actos de conteúdo orçamental tributário ou financeiro, de amnistia ou de perdão.
4 - Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos.
5 - São excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu.
6 - O Presidente da República submete obrigatoriamente a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.
7 - São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 116.°
8 - As propostas de referendo rejeitadas pelo Presidente da República ou objecto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo.
Os Deputados do PS e do PSD: Almeida Santos - Costa Andrade.
Artigo 160.º
1 - ............................................................................
2 - Nenhum deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena de prisão (cujo limite máximo seja) superior a três anos e em flagrante delito.
3 - Movido procedimento criminal contra algum deputado e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena referida no número anterior, a Assembleia decidirá se o deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.
Os Deputados do PSD: Costa Andrade - Maria da Assunção Esteves - Ferreira de Campos - José Luís Ramos - Pais de Sousa.
Artigo 199.°
Movido procedimento criminal contra um membro do Governo e acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com pena de prisão superior a três anos, a Assembleia da República decide se o membro do Governo deve ou não ser suspenso para efeito do seguimento do processo.
Os Deputados do PSD: Costa Andrade - Maria da Assunção Esteves - Ferreira de Campos.
Artigo 170.°
Iniciativa da lei e do referendo
1 - A iniciativa da lei e do referendo compete aos deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias legislativas regionais.
2 - ............................................................................
3 - Os deputados e os grupos parlamentares não podem apresentar projectos de referendo que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento.
4 - Os projectos e as propostas de lei e de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República.
5 - Os projectos e as propostas de lei e de referendo não votadas na sessão legislativa em que tiverem sido apresentadas não carecem de ser renovados nas sessões legislativas seguintes, salvo termo da legislatura.
6 - As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo, caducando com o termo da respectiva legislatura as propostas de lei da iniciativa de uma assembleia regional.
7 - As comissões parlamentares podem apresentar textos de substituição, sem prejuízo dos projectos e das propostas de lei e do referendo a que se referem, quando não retirados.
Os Deputados do PS e do PSD: António Vitorino - Almeida Santos - Pedro Roseta - José Luís Ramos - Maria da Assunção Esteves.