O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 17

Quinta-feira, 24 de Setembro de 1992 II Série - Número 2-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

III REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.º 2

Reunião do dia 23 de Setembro de 1992

SUMÁRIO

O Sr. Presidente (Rui Machete) deu início à reunião as 15 horas e 15 minutos.

Procedeu-se à discussão de uma proposta de deliberação, apresentada pelo PCP, sobre a sequência dos trabalhos da Comissão, tendo sido rejeitada, com votos contra do PSD, do PS e do PSN, votos a favor do PCP e da Os Verdes e a abstenção do CDS.

Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Costa Andrade (PSD), Almeida Santos (PS), Narana Coissoró (CDS), Manuel Sérgio (PSN), António Filipe (PCP) e Guilherme Silva (PSD), tendo os Srs. Deputados Miguel Macedo (PSD) e João Amaral (PCP) proferido declaração de voto.

Foi também discutida uma proposta do PS com vista à realização de um colóquio, centrado na revisão constitucional, e de audições, pela Comissão, de especialistas e dos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu.

A proposta foi aprovada por unanimidade, tendo, no debate, usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Guilherme Silva (PSD), João Amaral (PCP), Manuel Sérgio (PSN), Narana Coissoró (CDS), José Vera Jardim (PS), André Martins (Os Verdes), Almeida Santos (PS) e Costa Andrade (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 40 minutos.

Página 18

18 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie (PSD), presidente.
António de Almeida Santos (PS), vice-presidente.
João António Gonçalves do Amaral (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Ana Paula Matos Burros (PSD).
Fernando Marques Andrade (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Ganido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Miguel Bento Martins da C. M. e Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP).
Narana Sinai Coissoró (CDS).
André Valente Martins (PEV).
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN).

Srs. Deputados, como já devem ter conhecimento, porque já foi objecto de distribuição, existe a propósito da agenda de hoje - que trata como primeiro ponto da metodologia a seguir - uma proposta de deliberação apresentada pelo PCP na sequência dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que passo a ler, visto que tem directa conexão com a matéria que iremos discutir:

A adopção de uma norma que permita o referendo sobre a matéria contida no Tratado de Maastricht deve, numa perspectiva lógica, ser debatida e votada previamente a qualquer outra alteração constitucional.

Com a realização do referendo, os cidadãos serão chamados a decidir com o seu voto sobre a aceitação ou não por Portugal das alterações aos Tratados das Comunidades constantes do Tratado de Maastricht. Só depois dessa decisão popular é que o processo deverá poder prosseguir (incluindo na componente de revisão constitucional). Não faria, efectivamente, qualquer sentido estar a introduzir alterações à Constituição por causa de um Tratado quando os cidadãos, a realizar-se o referendo, ainda não se tenham pronunciado sobre a aceitação ou não desse Tratado.

A decisão sobre a questão do referendo deve ser tomada neste primeiro momento dos trabalhos da Comissão de Revisão, por forma a permitir que o Plenário possa deliberar antes do prosseguimento do processo.

Anote-se que não há qualquer dificuldade de prazos para acolhimento desta proposta. A verdade é que, por um lado, o Tratado prevê expressamente a possibilidade de ratificação após 1 de Janeiro de 1993; por outro lado, continua a não ser possível a entrada em vigor deste concreto Tratado já que o não da Dinamarca não o permite.

Impõe-se pois que a Assembleia (e o País) debatam com urgência a questão do referendo, tal como já foi possibilitado aos Franceses, aos Dinamarqueses e aos Irlandeses, e que se pronuncie sobre as propostas tendentes à sua realização antes de qualquer outro acto do processo.

Assim, os Deputados do PCP apresentam a seguinte proposta de metodologia:

1) A Comissão analisará de imediato e exclusivamente as propostas de normas de caracter transitório destinadas a permitir o referendo sobre o Tratado da União Europeia (designadamente a proposta do PCP, constante do projecto de revisão constitucional n.° 4/VI);

2) A Comissão remeterá ao Presidente da Assembleia da República o relatório referente ás propostas referidas no ponto anterior, solicitando que o Plenário seja convocado para sua discussão e votação;

3) A Comissão suspenderá os seus trabalhos até às deliberações do Plenário relativas a essas propostas e ao prosseguimento do processo.

Srs. Deputados, pergunto a VV. Exas. se não se opõem a que a Radiotelevisão Portuguesa tire umas imagens antes de iniciarmos propriamente a discussão da matéria de hoje constante na ordem de trabalhos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, até pode ficar!

O Sr. Presidente: - Não foi isso que deliberámos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, mas temos essa proposta para apresentar já que o Regimento o permite.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Temos aqui uma outra proposta apresentada pelos Srs. Deputados do Partido Socialista relativa à realização de um colóquio e que passo a ler, já que também se insere na matéria que estamos a tratar nesta reunião:

O processo de revisão constitucional em curso visa tornar possível a ratificação do Tratado da União Europeia. Essa circunstância torna necessário que não apenas a ratificação do Tratado como também a revisão constitucional que a viabiliza sejam precedidas de um debate aprofundado que clarifique as implicações da construção europeia, nomeadamente em lermos de lei fundamental do País.

A natureza das matérias a versar torna, por outro lado, particularmente indicado que, no decurso dos trabalhos da Comissão, possam ser tomadas em consideração as informações e opiniões de especialistas de direito constitucional e direito comunitário. Tal ocorreu já, aliás, com evidente vantagem para as formulações encontradas, em processo de revisão constitucional de semelhante alcance.

O âmbito europeu da presente revisão torna cunhem especialmente justificado que a Comissão possa dialogar e aprofundar pontos de vista com os Deputados portugueses ao Parlamento Europeu.

Página 19

24 DE SETEMBRO DE 1992 19

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista abaixo assinados propõem que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional promova, com carácter de urgência:

1) A realização de um colóquio público sobre a problemática da revisão constitucional antecipada, nas instalações da Assembleia da República para o qual deverão ser convidadas personalidades representativas das diversas correntes de opinião e eminentes especialistas, a ser integralmente registado, paru eleitos de divulgação pública;

2) A efectivação de audições públicas, para as quais deverão ser convocados eminentes especialistas de direito constitucional e direito comunitário, com vista à ponderação das questões suscitadas no âmbito do processo de revisão constitucional:

3) A realização de um reunião conjunta dos Deputados da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e dos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu.

Srs. Deputados, como sabem, nesta reunião vamos debater a questão da metodologia a seguir e isso foi anunciado na segunda-feira.

Assim, a sugestão que linha para apresentar era no sentido de que fizéssemos uma leitura seguindo a ordem dos artigos da Constituição a serem alterados, ou seja, cotejando as propostas com os artigos a serem alterados por essa ordem, e, no final, depois de lermos feito a discussão de todos os projectos, procedermos à votação indicativa.

A apresentação destas duas propostas coloca questões prévias. No caso do Partido Comunista é evidente, mas no caso do Partido Socialista não terá sentido a realização do colóquio e a efectivação da audição dos eminentes especialistas de direito constitucional e direito comunitário, bem como a realização de uma reunião conjunta depois de feita a revisão. Portanto, pelo menos, isso tem de fazer-se antes das votações e, quanto à do PS. evidentemente, seria perder um pouco a sua utilidade se não as tomássemos em consideração na própria discussão. Assim, ambas se revestem de carácter prévio.

A primeira a chegar à mesa foi a proposta apresentada pelo Partido Comunista e vamos, portanto, passar à sua discussão. Mas antes de dar a palavra, gostaria de perguntar, porque não ficou claro no meu espírito ao ler a proposta, se a ideia do Partido Comunista ao apresentar esta proposta é de que haja uma deliberação em Plenário da Assembleia da República - positiva ou negativa - circunscrita ao problema do referendo e, portanto, envolvendo uma cisão do processo de revisão constitucional.

Tem a palavra. Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que a forma como a proposta está feita demonstra que a intenção é no sentido de que a análise de uma norma transitória que permita o referendo preceda a discussão da restante matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, percebo o problema quanto à discussão, mas quanto à votação?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, que a analise dessa matéria preceda a discussão e, naturalmente, que preceda também a decisão. Isto é, estamos perante uma realidade que se traduz na existência de um trabalho prévio de Comissão e um trabalho depois de Plenário. Face a esta situação, a proposta que formulamos à Comissão é de que esta faça, em primeiro lugar, a análise e um relatório da matéria dessas propostas relativas ao referendo e remeta para decisão no Plenário. Porque a lógica das propostas tal como estão formuladas implica, pelo menos, numa certa leitura, que havendo referendo envolverá lambem a possibilidade de existir ou não revisão constitucional.

Portanto, a lógica da proposta aponta a possibilidade de que a existir uma decisão no sentido de o referendo ser efectuado, evidentemente, este processo nesta fase terminaria assim. Isto é, haveria primeiro o referendo e depois face ao seu resultado teriam lugar as alterações à Constituição que os partidos pretendessem efectuar para esse efeito.

Claro que não vale a pena discutir questões de forma, se era necessário um outro processo extraordinário de revisão ou não, essa é uma questão diferente. Creio que essa é uma questão técnica para responder noutra fase.

Nesta fase o problema que se coloca é político e não faz sentido, não é útil, não tem eficácia, nem tem qualquer utilidade estar a proceder a alterações à Constituição com um pressuposto que seria submetido a referendo e não faz sentido - agora é a segunda parle da questão - esta Comissão prosseguir esse trabalho enquanto o Plenário não responder a essa pergunta. Se o Plenário responder dizendo que não há referendo, os trabalhos da Comissão prosseguirão de uma certa forma, ou seja, da forma como entender a maioria da Comissão e o Plenário, mas se responder no sentido de que há referendo, poderá também responder que, enquanto ele não for realizado, não haverá lugar a esta revisão constitucional com este âmbito material. Creio que essa pergunta que está colocada neste momento à Assembleia da República tem de ser respondida pelo Plenário. Só veríamos vantagens de economia processual e, nomeadamente, de lógica no sentido de que as coisas se processassem tal como propomos.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Estou esclarecido.

Srs. Deputados, está aberta a discussão sobre esta proposta.

Sr. Deputado Costa Andrade, tem a palavra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente! Por uma questão de lealdade processual devo antecipar que da nossa parte, do Partido Social-Democrata, não nos parece que esta proposta deva ser aprovada e pelas razões que vou passar a indicar.

De todo o modo, não nos opomos a que, se for do agrado do Partido Comunista, que comecemos por discutir aqui, em sede de revisão constitucional, a problemática relativa ao referendo. A ordem dos factores é relativamente arbitrária e, portanto, podemos começar por aí. Não penso que se ganhe muito com isso, mas da nossa parle não nos oporíamos a que começasse por aí.

Agora, o que não parece ter sentido, contra uma lógica aparente, é a proposta em si. Estamos aqui em sede de revisão constitucional: não estamos nem a ratificar Maastricht nem sequer a decidir se há referendo. Mesmo que admitamos a possibilidade do referendo, não estamos a decidir que vai haver referendo na hipótese de o viabilizarmos constitucionalmente. Estamos, apenas, a abrir em sede constitucional a possibilidade de tratados do

Página 20

20 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

género dos que instituem a União Europeia e a possibilidade de um hipotético referendo caso se vote nesse sentido. Mas depois saber se há referendo ou não, não é decisão nossa enquanto legisladores constituintes, mas do legislador e do poder político ordinário como sistema de poder político normal: Presidente da República. Assembleia da República, etc.

O que propõe o Partido Comunista é que seria misturar a lógica do poder constituinte com as lógicas do exercício do poder ordinário. Estávamos aqui numa espécie de jogos de espelhos ou de remissão para remissão. Não precisamos disso. Podemos tomar aqui todas as decisões a que somos chamados.

Sr. Deputado João Amaral, se por hipótese viermos a admitir o referendo ou se por hipótese ele se vier a lazer, nada disso prejudica que tomemos desde já todas as deliberações em sede de poder constituinte. Depois, pergunta como será sê por hipótese houver referendo e o voto for negativo. Sr. Deputado, não está nada prejudicado. Abrimos a Constituição às possibilidades do Tratado de Maastricht e de outros análogos. As ideias de Europa, com certeza, não morrerão ou, pelo menos, é sempre possível que ressuscitem e não devemos estar sempre a abrir um processo de revisão constitucional.

Uma vez que fomos estimulados por uma circunstância histórica concreta para abrir a nossa Constituição a essa possibilidade, é isso que vamos fazer. Não estamos aqui a ratificar Maastricht, mas a criar as condições para a sua eventual ratificação ou não. Não estamos aqui a decidir sobre a existência ou não do referendo, mas quando muito, e caso tal fosse aprovado, a criar as condições para a sua eventual realização.

Portanto, penso que o método mais lógico é enquanto legisladores constituintes exercermos os nossos poderes e podermos fazê-lo independentemente de quaisquer que sejam os resultados no exercício normal do poder legislativo, do poder executivo, etc.

Portanto, mesmo que cheguemos à conclusão de que há referendo, mesmo que venha a realizar-se e - admitamo-lo por hipótese -, mesmo que ele seja negativo, nada do nosso trabalho é em vão. Na Constituição ficarão abertas possibilidades constitucionais. Naturalmente já não seria paia esta, em concreto, mas para outras ideias de Europa que, eventualmente, venham a surgir. A Constituição abre-se a essas possibilidades, sem necessidade de um novo processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, este requerimento, a meu ver, não deve ser dirigido já a esta Comissão, mas ao Plenário, quando se votarem as várias propostas que foram apresentadas a esta mesma Comissão, invocando uma razão de prejudicialidade.

Esta Comissão não tem poderes para transformar um processo de revisão em dois. Nem uma lei de revisão em duas, contra a norma da Constituição que diz que haverá uma única lei de revisão. Haveria a possibilidade de duas se tudo se passasse como o Partido Comunista pretende.

Admitindo nós, ainda que só teoricamente, a possibilidade de haver uma primeira decisão favorável à abertura a um referendo, e que se efectivaria esse referendo, do qual sairia um "Maastricht sim", far-se-ia depois uma segunda revisão para alterar a Constituição.

Não foi esse o processo que nos foi cometido. Fomos incumbidos de um processo de revisão que conduza a uma lei de revisão. Acho que nada impede que se comece aqui a discutir a matéria do referendo. É perfeitamente irrelevante, do ponto de vista do PCP, desde que o PCP se disponha - como terá sempre de se dispor, a meu ver - a chegar ao Plenário e dizer: "Proponho que se vote em primeiro lugar a matéria relativa ao artigo 118.°, ou aos artigos propostos que contendem com o referendo e por uma razão de prejudicialidade, porque se o vosso voto for favorável, o resto fica inviabilizado, de momento, até à resposta popular." E aí sim, aí tem sentido, e cada um vota como entender. Antes, não. Não temos poderes para fazer isso. E por isso que devemos fazer a discussão normal. Acho, por tudo isto, que o requerimento não tem condições para ser deferido. Se o PCP quiser lazer a proposta de que se discuta em primeiro lugar e até que se vote em primeiro lugar, essa matéria no Plenário (o voto é indicativo, como se sabe, não é mais do que isso), se quiser que isso se faça, lerá de fazer outro requerimento a propor isso mesmo. Portanto, o nosso voto será, e espero que o PCP compreenda isso, justificadamente contra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, a nossa posição é a seguinte: esta revisão constitucional, que agora estamos a iniciar, foi trazida por causa da ratificação do Traindo de Maastricht. E porque se trata da ratificação do Tratado de Maastricht é que se põe o problema da chamada revisão mínima, média ou máxima, e não de qualquer outra.

Porque, ao contrário do que diz o Sr. Deputado Costa Andrade, se o intuito desta revisão fosse, independentemente da ratificação do Tratado de Maastricht, abrir a nossa Constituição para uma eventual integração de Portugal em qualquer tipo de união europeia, de organização europeia ou de complexo de Estados europeus, qualquer que seja a designação, naturalmente que a situação seria diferente.

Em primeiro lugar, não estiríamos aqui, hoje, com esta pressa com que estamos. Em segundo lugar, não haveria o problema da chamada revisão mínima, por causa de Maastricht, antes teríamos uma via tão ampla quanto possível para efeitos de abrir a Constituição para as eventualidades que enumerou. Finalmente, não havia o problema de discutir as normas transitórias do referendo porque, então, o problema pôr-se-ia em relação, não a uma norma excepcional e transitória, mas à norma principal do referendo, como faz o CDS.

No nosso projecto, o debate do referendo é feito em lermos normais da alteração da actual norma sobre o referendo e não em termos de uma norma transitória. A norma transitória aparece, exactamente, porque esta revisão constitucional, segundo as declarações de todos os partidos, o debate que houve para obter a maioria de quatro quintos e os argumentos que aí foram avançados paia derrotar resoluções de uns partidos e votar as dos outros, se deve à legitimação constitucional do Tratado de Maastricht, embora todas as resoluções apresentadas tivessem em vista abrir a Constituição para a união europeia ou outro qualquer tipo de organização europeia; quer isto dizer que não podemos realmente desconhecer a razão pela qual estamos aqui sentados.

Página 21

24 DE SETEMBRO DE 1992 21

Concordo com o Dr. Almeida Santos quando diz que o problema é de debate e votação e, por isso, é diferente da própria revisão constitucional necessária para a ratificação do Tratado de Maastricht estar dependente deste referendo. Mas, segundo a lógica de que a revisão constitucional só se deve votar ou ser debanda depois do referendo, se houver um voto afirmativo a lavor do referendo, é no Plenário que se debaterá isso e não nesta Comissão, porque esta Comissão não tem poderes para cindir o processo em dois, um da norma transitória e, depois, segundo a sorte desta, voltar outra vez aqui a esta Comissão. Julgo até que seria preciso uma nova resolução, uma nova deliberação de quatro quintos para aqui voltarmos. Julgo que é assim, não estou a ser muito formalista, já expus os meus argumentos substantivos dizendo que não concordo com o Deputado Costa Andrade e concordo com o PCP, cujo projecto acaba por se encontrar de acordo com a lógica do nosso próprio projecto, mas concordo formalmente com o PS e o Dr. Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr Presidente, queria acrescentar dois ou três pontos em relação aos fundamentos da nossa proposta. Creio que a primeira questão é a seguinte: esta revisão constitucional foi decidida em Junho deste ano, por causa da ratificação do Tratado de Maastricht, exclusivamente por causa disso. Não quero trazer para o debate coisas que para ele não têm interesse nenhum em concreto. Só não posso deixar de invocada a questão, recordar, por exemplo, que há outras matérias que andam em cima da mesa em torno de questões que têm a ver também com uma revisão constitucional e, no entanto, essas questões não foram trazidas em nenhum projecto de revisão constitucional.

Posso ser mais explícito, posso dizer que, por exemplo, o PSD tem por orientação suscitar a questão de uma revisão constitucional extraordinária para alterar certas normas relativas à legislação eleitoral e, no entanto, o PSD não apresentou nenhuma dessas propostas nesta revisão constitucional, portanto, o PSD entende esta revisão circunscrita à questão de Maastricht. E creio que é a questão de Maastricht e da ratificação deste Tratado. Não há uma questão abstracta. Se a questão fosse a da integração europeia, do desenvolvimento da unidade europeia e dos processos de construção da unidade europeia, então leria havido oportunidade na última revisão constitucional e, por isso, apareceu um novo número, o n.º 5 do artigo 7.°, e haveria oportunidade, na próxima revisão ordinária, de fazer o que fosse necessário. Fez-se ou foi votado este processo de revisão extraordinária, por quem o votou, numa conjuntura e para responder a uma conjuntura.

Não vale a pena estar a adiantar mais argumentos porque não é uma questão abstracta, não é uma ponderação abstracta do posicionamento da Constituição portuguesa face à construção europeia, é uma resposta concreta, é uma solução concreta, como houve em diferentes países da Europa. Creio que se terá de registar isto na acta desta reunião, mas quase que não valeria a pena porque isso é um facto público e notório.

Assim sendo, a nossa proposta de referendo também não é uma proposta abstracta, é uma proposta que se dirige a este Tratado, que motiva esta revisão constitucional, na opinião dos proponentes, e que está em debate.

A questão é esta: pode esta Comissão tomar a decisão que aqui propomos. Devo dizer que a decisão que propomos não é a que o Sr. Deputado Almeida Santos disse que propomos. Não propomos que a Comissão delibere a existência de dois processos de revisão constitucional, que delibere que agora só se trata da questão do referendo. Aquilo que propomos é uma coisa diferente. Propomos que a Comissão delibere suscitar prioritariamente ao Plenário a questão do referendo. E porquê? A diferença é muito importante, porque a Comissão não delibera não fazer o resto da revisão constitucional, não pode deliberar isso. o que pode e deve é, face aos projectos de revisão constitucional, tal como foram apresentados, suscitar ao Plenário uma pergunta: como é que prossegue este processo? O mandato que a Comissão tem referia-se a uma situação abstracta, essa sim, aos projectos de revisão constitucional tal como eles aparecessem. Na altura em que a Comissão foi constituída, no seu mandato, não se refere nada explicitamente a não ser que analise os projectos. Alguns projectos em concreto levantam uma questão e essa questão deve ser decidida. E a nossa proposta é que esta Comissão faça esta ponderação agora, no começo dos trabalhos. Essa é a situação que é proposta, e a Comissão pode fazê-lo, a Comissão deve fazê-lo, porque a questão está-lhe colocada. E deve fazê-lo e é importante que o faça independentemente de uma questão que é diferente, que é a de saber qual é que seria o resultado.

Evidentemente, não vale a pena fazer disso uma espécie de mistério, que se o Plenário decidisse que haveria referendo e que antes do referendo não haveria mais revisão constitucional, este processo encerrar-se-ia com uma lei de revisão constitucional que permitiria o referendo, e era depois preciso obter quatro quintos e reabrir o processo, é evidente.

Essa é a lógica que está proposta e, por isso. se assinala na fundamentação que não há nenhumas condicionantes preocupantes de prazo, aliás, um processo como este pode conduzir, no caso de haver intenção da ratificação e de acelerar o processo, a uma ratificação que pouco passa o dia 1 de Janeiro. De qualquer modo, basta condicionar os prazos depois do referendo de uma forma relativamente célere. O que é possível, como é óbvio.

Haja vontade política. Aqui o que está colocado nesta proposta é um problema de vontade política. Se há vontade política de tirar do que se passou, nomeadamente em França, conclusões que levem a ponderar a necessidade de suscitar aos Portugueses as perguntas sobre este Tratado, se houver essa vontade política, evidentemente que a resposta desta Comissão será positiva. É claro que se não há essa vontade política, a resposta será negativa, com mais argumentos ou menos argumentos. A questão de esta Comissão decidir perguntar ao Plenário se aceita aquelas normas ou não e de lhe entregar este problema para resolução definitiva é uma questão pertinente, oportuna e necessária. Creio que o que se tem passado em matéria de apreciação do Tratado reforça, do nosso ponto de vista, a ideia da necessidade de, sobre esta matéria, fazer um grande debate nacional consubstanciado num objectivo que é o referendo. Creio que, havendo nesta conjuntura esta proposta, este é o momento oportuno para tomar esta decisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr Presidente, não queria alongar esta discussão, pelo menos da minha parte.

Página 22

22 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

pelo que vou apenas dar uma pequena resposta ou esclarecimento ao Sr. Deputado João Amaral.

É óbvio - e para nós é claro, e isso é o enquadramento paradigmático da nossa intervenção nesta Comissão e no Plenário no que loca à revisão constitucional - que esta revisão constitucional é uma revisão constitucional, de certa maneira, de emergência para viabilizar em sede constitucional a ratificação do Tratado de Maastricht. De resto, nós ater-nos-emos a este paradigma metodológico e nomológico e manter-nos-emos fiéis a ele. Isso não impede que em sede de teoria geral do direito, das relações entre o direito ordinário e o direito constitucional, sejam pertinentes as considerações que fiz. E essas mantenho-as, mesmo para o âmbito circunscrito de uma revisão constitucional expressamente empreendida com o fim de viabilizar constitucionalmente a ratificação do Tratado de Maastricht, mesmo para este âmbito são pertinentes, pelo menos no meu modesto entendimento, as considerações que fiz das relações entre o direito constitucional e as actuações a nível do poder legislativo ou executivo ordinário. De resto, a posição do Partido Comunista só leria sentido se, de algum modo, a alteração que viabilizássemos em sede de revisão constitucional impusesse o referendo e não apenas o possibilitasse, porque depois nada estava resolvido. E então o Presidente da República ia convocado sob proposta do Governo e da Assembleia da República? E o Governo?... Ou devia estabelecer um prazo para isto não ficar parado?

Portanto, do ponto de vista de economia processual, lemos duas vias possíveis.

A primeira é abrir o referendo com o risco de ele não existir, porque não sabemos se o Presidente da República o vai convocar ou não, se se verificam ou não os pressupostos do poder ordinário. A segunda, que é a que propomos, é fazer a revisão constitucional normal, dentro dos limites dos nossos propósitos de viabilizar constitucionalmente o Tratado de Maastricht e deixar que as coisas corram. Isto porquê? Porque se no nosso processo se vier a aprovar a possibilidade do referendo e o viabilizarmos não está nada prejudicado. Verificar-se-á o referendo e depois, consoante o seu resultado, ratificar-se-á ou não.

O que é que ficaria na Constituição? Qual o trabalho que aí ficaria? Ficaria aberta a possibilidade de em condições de reciprocidade, dar poderes electivos, activos e passivos a cidadãos estrangeiros, Não se perderia nada por isto ficar na Constituição. Ficaria, portanto, a possibilidade de o Banco de Portugal ver alterado o seu estatuto constitucional. E não se perderia nada com isto!

Portanto, em síntese, entendemos que o processo proposto pelo Sr. Presidente é o mais correcto, o mais adequado e, em conformidade, votaremos contra esta proposta de deliberação do PCP, sem prejuízo de nos dispormos a começar por discutir a questão do referendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Eu não sou nem jurista nem constitucionalista e é-me difícil falar deste assunto em termos jurídicos. Mas, dentro daquilo que é a minha formação e o meu estudo, estou a lembrar-me agora de sistemas abertos e fechados.

Neste sentido, não sei até que ponto é que não há possibilidades de viabilizarmos tanto o Tratado de Maastricht como o referendo através de uma Constituição que saia desta Comissão e que permita uma coisa e outra. Quer dizer, trata-se de tornar a revisão constitucional aberta a tudo aquilo que venha de fora, porque ou somos de tacto qualquer coisa que não faz parte de todo - e estou a lembrar-me do Engels, que diz que "a verdade é o todo" -, ou há um todo a que pertencemos e, sendo assim, temos, na realidade, de nos integrar nele e de abrir esta parte desse todo a tudo aquilo que vier de fora. Portanto, temos de fazer uma revisão constitucional que permita incluir os estímulos que nos chegam de fora. Isto é o que eu vejo através de um conceito de sistema aberto e não de sistema fechado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo apenas salientar um aspecto.

Pela intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, fiquei com a ideia de que estávamos a apreciar duas propostas de natureza qualitativamente diferentes.

Isto é, de um lado, propostas de revisão constitucional e, do outro, uma proposta de realização do referendo, fora do uso de poderes de revisão constitucional, quando o que estamos a discutir são, obviamente, propostas de revisão constitucional, nas quais há uma que permite viabilizar o referendo. Creio que, neste quadro, as observações e as diferenças entre as várias propostas feitas pelo Sr. Deputado carecem de sentido.

Porém, como é evidente, neste âmbito, há propostas que têm um carácter prejudicial relativamente a outras e é precisamente a natureza da proposta de viabilização de um referendo, à qual se seguiria, naturalmente, a proposta concreta de realização desse mesmo referendo, que a Constituição passaria a permitir. E evidente que não é a aprovação de outras normas, em sede de revisão constitucional, que inviabilizaria, só por si, o referendo, pois o resultado do referendo, uma vez realizado, é que seria condicionante, na medida em que, se os Portugueses se pronunciassem em referendo contra a ratificação do Tratado de Maastricht, obviamente, não faria sentido estarmos a introduzir na Constituição alterações que o permitissem.

É, portanto, neste sentido que tem toda a lógica e toda a lógica política, digamos assim, que a proposta de viabilização de um referendo em sede de revisão constitucional lenha precedência sobre as restantes matérias que são propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de levantar aqui uma dúvida que, em minha opinião, parece por em causa a aparente lógica da proposta do PCP, que é, como acaba de ser sintetizada, apreciar primeiro a questão do referendo, submetê-la a Plenário e, em função da sua decisão ou deliberação de haver ou não referendo, aguardar, se for esse o caso, o resultado desse referendo e, consoante o resultado, prosseguir ou não numa segunda tomada de iniciativa de trabalhos e, naturalmente, numa segunda evolução - como muito bem chamou a atenção o Sr. Deputado Almeida Santos, não me parece que isto possa ser cindível em duas leis - para fazermos então, se o resultado for nesse sentido, a revisão da Constituição, de forma a podermos ratificar o Tratado

Página 23

24 DE SETEMBRO DE 1992 23

de Maastricht. Só que há aqui uma questão que me parece que a proposta de revisão do PCP não resolve.

A proposta do PCP resolve no sentido de, ao contrário do que hoje a Constituição estabelece, que a eventual ratificação do Tratado de Maastricht possa ser submetida a referendo. Em todo o caso, o próprio artigo 118.° da Constituição tem aqui uma disposição, o n.° 6, que diz o seguinte:

O Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da constititucionalidade e da legalidade as propostas de rei crendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.

Ora, todos sabemos que o Tratado de Maastricht tem disposições que são inconstitucionais e é exactamente por isso que estamos a rever a Constituição, para podermos ratificar o Tratado de Maastricht. Proposto o rei crendo, sem que haja qualquer alteração prévia da Constituição, pergunto se não se pode colocar a questão de uma eventual resposta a esse referendo conduzir a uma inconstitucionalidade e de o próprio Tribunal Constitucional entender que não pode, efectivamente, haver referendo no quadro constitucional actual, e se for assim, como admito que possa ser, a lógica da proposta do PCP está exactamente ao contrário daquela que é agora apresentada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dar mais uma pequena achega.

Sr. Deputado João Amaral, nós recebemos um mandato concreto e a proposta do PCP esquece-se do conteúdo desse mandato, que é apreciar as propostas de revisão constitucional no prazo de três meses. Até nos fixaram um prazo!

Porém, o que não podemos é fazer de conta que há um código do processo ou aplicar o que existe e dizer assim: vamos conhecer, em despacho saneador, da excepção dilatória relativa ao problema de Maastricht. Depois haveria um recurso de agravo para o Plenário que diria: tem toda a razão, existe a excepção dilatória que o PCP levantou e portanto pare-se tudo o mais e vamos conhecer dessa excepção dilatória. Não há nada disso! Há um mandato claro: têm três meses para se pronunciarem sobre os projectos de revisão constitucional apresentados. Esses projectos têm latitude suficiente para incluir, e muito bem, artigos de alteração ao artigo 118.° da Constituição e até artigos únicos no sentido de permitir uma regra excepcional para um referendo só sobre a matéria de Maastricht.

Pergunto: em que é que a posição desta Comissão prejudica o interesse do PCP? Vamos conhecer tudo. Vamos pronunciar-nos sobre tudo. O PCP no Plenário diz: há aqui uma questão que consideramos prejudicial - na altura sim, não aqui! - e achamos que deve começar-se pela votação da matéria dos artigos que tem a ver com o referendo.

Sendo assim, começa-se por essa votação e nós votaremos a favor, como é óbvio. Se a votação for favorável á alteração da Constituição para se realizar um referendo tem de haver uma lei constitucional só relativa a essa matéria - porque também não se compreende o argumento do Sr. Deputado Guilherme Silva, segundo o qual podemos meter tudo no mesmo saco - e, então, temos, primeiro, a lei constitucional a permitir um referendo, faz-se o referendo, aguarda-se o resultado e se o referendo for favorável altera-se a Constituição numa segunda lei da revisão. Se não for vejam a que trapalhadas e a que alterações de tudo o que está projectado conduziria o sim sobre o vosso requerimento. Alterava-se completamente o que está estabelecido, o mandato que recebemos, a temporalidade prevista, nunca mais chegávamos a uma resolução definitiva. Nem a meio do ano que vem teríamos a possibilidade de proceder à ratificação do Tratado de Maastricht. Ora, tudo isto coloca questões que, a meu ver, não valem a pena, sobretudo nesta sede, se vocês reconhecerem que o lugar próprio para levantar esta questão da prejudicialidade é no Plenário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Evidentemente que é o Plenário que tem de decidir esta questão. E o que propomos é, exactamente, que a Comissão delibere suscitar a questão a Plenário para decisão. Portanto, estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Almeida Santos. Propomos isso e que seja feito agora, isto é, que se decida já, que esta questão seja levantada no Plenário e até antes do prosseguimento dos trabalhos.

Logo, não há aqui qualquer subversão, porque o Plenário pode ser convocado em qualquer momento e esta questão é suficientemente relevante, em nossa opinião, para ter este tratamento específico. De qualquer maneira, mesmo que o Plenário não fosse convocado, o dia 15 de Outubro é daqui a 20 dias, portanto o tempo de que estamos a falar é muito curto, pelo que não há qualquer entorse temporal muito especial. Por outro lado, a questão material que se coloca tem, de facto, a ver com a decisão da Comissão a suscitar.

O Sr. Deputado Almeida Santos diz que a Comissão tem um mandato, mus não tem um mandato cego...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tem, tem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Ai tem um mandato cego?! Então, direi as coisas de outra maneira. O mandato pode ser cego, mas nós não somos, e portanto podemos resolver essa questão.

Quanto à questão levantada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que, em minha opinião, é interessantíssima, até dá para saber como é que vamos ficar sujeitos ao Tratado de Maastricht e como é que ele foi assinado. Portanto, espero que não leve essa questão longe de mais, porque, a certa altura....

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A questão que levantei tem a ver com o referendo!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sim, e com a assinatura do Tratado de Maastricht, o Governo está vinculado a Constituição, enfim... Talvez, seja melhor deixarmos essa questão para um momento mais oportuno, porque, creio, é uma discussão um pouco confusa.

E o referendo faz-se sob perguntas e as perguntas não são inconstitucionais, seguramente não seriam, teríamos o cuidado de fazê-las bem feitas.

Porém, se se diz que o Tratado é inconstitucional, pergunto duas coisas: como é que o Governo o assinou, em primeiro lugar, e como é que ele deu entrada na Assembleia, em segundo lugar? Portanto, talvez seja me-

Página 24

24 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

lhor pararmos com essa discussão que, a meu ver, é um pouco inútil.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, não é assim uma coisa ião surpreendente a minha afirmação, pois se o fosse também o seria estarmos aqui a rever a Constituição para esse eleito. Estamos a rever exactamente porque é necessário fazer que a Constituição permita a ratificação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço desculpa, mas não tinha concluído a questão que é objecto deste debate. Vamos ver, vamos analisar, vamos ver o que é ou não inconstitucional, o que puder ser ou não constitucionalizado, liste é que é o próprio conteúdo da discussão que poderíamos travar, então, se quiser, em torno da norma transitória.

Vamos entrar na lógica daquilo que proponho: discuta-se, em primeiro lugar a norma transitória, lendo em vista a remessa da norma, fixe-se um prazo e encontre-se uma formulação, desde já até indicativa, pois até podemos estudá-la para esse referendo, e os problemas estão resolvidos.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

Suponho que o debate foi feito. E, já agora, gostava de vos dar uma explicação. Não suscitei a questão da admissibilidade da proposta, o que poderia ter alguma justificação em função do mandato que foi atribuído a esta Comissão, porque penso que nestas matérias extremamente sensíveis e politicamente relevantes deveremos procurar um equilíbrio entre o que nos é sugerido pela leitura jurídica estrita e a nossa compreensão do fenómeno político.

Assim, pareceu-me mais útil que a questão fosse resolvida em termos da discussão política e não por uma análise estritamente jurídica do mandato da Comissão. A não ser assim, teria de concordar com o Sr. Deputado Almeida Santos, pois não cabe no âmbito do mandato que nos foi atribuído proceder nos lermos propostos pelo PCP. Ora, justamente, porque a questão tem uma relevância política transcendente, e julgo que a discussão nesse aspecto o revelou, parece preferível nestas circunstâncias - penso que a Comissão o compreenderá - proceder do modo como procedi.

Nestes termos, o que vos proponho agora é que, uma vez discutido o problema, passemos à votação da proposta de deliberação do PCP, que já foi lida.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do PS e do PSN, votos a favor do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, creio que para uma declaração de voto.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, votei contra esta proposta do PCP, mas queria dizer que no meu entendimento a mesa não a devia ter admitido. Com efeito, retomando os argumentos apresentados a esta Comissão, designadamente pelo Sr. Deputado Almeida Santos, e tendo em conta a redacção do n.º 1 da proposta do PCP que diz expressamente que a Comissão analisará de imediato e exclusivamente esta matéria do rei crendo, penso que esta proposta do PCP contende com a resolução da Assembleia da República que abriu este processo de revisão constitucional.

Nesse sentido e não estando em causa, em rigor, nenhuma questão substancial sobre se somos ou não a favor do referendo, pois o que está em causa é uma questão metodológica que, do meu ponto de vista, foi tardiamente introduzida no debate e ao arrepio do que foi decidido previamente pelo Plenário da Assembleia da República, penso que a proposta do PCP não devia ter sido admitida pela mesa. Mas este é o meu ponto de vista individual.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a esta declaração de voto, gostaria de esclarecer o seguinte: é preferível proceder a um debate político e resolver o problema, a equacionar juridiamente a questão, que seria objecto de uma análise regimental e de um recurso da decisão da mesa para o Plenário no caso de exclusão. Aliás, penso que, apesar do brilho da intervenção do Sr. Deputado, é preferível fazê-lo nos termos em que o fiz.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Para que não restem dúvidas sobre a matéria, acrescento que não tem nada a ver com a posição pessoal do presidente da Comissão, pois entendo-a como uma posição de abertura que todos respeitamos e que deve ser sublinhada. Mas, em termos estritamente formais e do meu ponto de vista, julgo que se quisesse actuar no rigor dos princípios - e ainda bem que não o fez - não era esta a posição que devia ter sido tomada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral também para uma declaração de voto.

O Sr. João Amaral (PCP): - Evidentemente que esta é uma questão que levantaremos no Plenário no início da discussão que aí será feita. Evidentemente que retomaremos a questão no Plenário nos exactos termos em que ela aí se colocar.

E devo dizer, Sr. Presidente, que lamento que no fim do debate lenha afirmado que achava que a proposta não devia ter sido admitida, pois se era esse o seu entendimento, não a admitia. Se em seu entender ela viola o Regimento, então não a admitia. Para mim a questão é só esta!

Na minha opinião, a proposta não só tinha pleno cabimento como até não há nenhuma razão regimental que impeça a sua admissão.

Por outro lado, também saliento o facto de um Sr. Deputado ter feito uma declaração de voto individual, o que. aliás, de acordo com o Regimento, não podia ter a forma oral, mas o Sr. Presidente é que sabe como conduz os trabalhos.

O Sr. Presidente: - Acho que não vale a pena estar-mos a prolongar a discussão sobre esta matéria.

O Sr. Almeida Santos (PS): - De onde é que reina a ideia de que não são possíveis as declarações de voto individuais orais?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eventualmente estou enganado.

O Sr. Presidente: - Penso que sim.

Vamos passar à segunda proposta, que foi apresentada pelo Partido Socialista, relativa à realização de um colóquio, à efectivação de audições públicas com especialistas de direito constitucional e direito comunitário e à realiza-

Página 25

24 DE SETEMBRO DE 1992 25

ção de uma reunião conjunta dos Deputados da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional com os Deputados portugueses ao Pai lamento Europeu.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma revisão europeia da Constituição, seja pela matéria a rever seja porque visa fundamentalmente, como já foi relendo, viabilizar a ratificação regular do Tratado de Maastricht. E, portanto, um momento - e um momento relevante - do empenhamento português na União Europeia.

O processo da construção europeia, hoje mais ainda do que no passado, é um processo que se apresenta particularmente carecido de publicidade, de debate aprofundado, de compenetração nacional das implicações dos compromissos europeus, de visibilidade e proximidade dos cidadãos. Parece-nos que esta revisão, que tem em vista um passo subsequente de participação portuguesa na União Europeia, não deve deixar de responder também a estes imperativos que estão hoje, mais do que nunca, inscritos na consciência democrática europeia.

Daí que, na linha do que já propusemos no passado, entendamos que os trabalhos desta Comissão não deveriam funcionar apenas em circuito fechado, como preparação dos trabalhos do Plenário, mas deveriam também organizar-se por forma que, por um lado, pudessem beneficiar do apport de pontos de vista diversificados, plurais, que entrassem em controvérsia e em choque, porque disso precisa também a construção da Europa, e por outro, que constituíssem uma ocasião, mais uma, para que a visibilidade e transparência da construção europeia perante os cidadãos se tornasse maior aqui em Portugal.

Neste sentido, parece-nos que, à semelhança do que aconteceu noutros países - e estou a pensar, particularmente, em França -, teria bastante interesse que se organizasse um colóquio sobre estas matérias e audições públicas com especialistas de direito constitucional e comunitário.

Algumas das matérias que vamos abordar têm uma elevada componente técnica e um alto grau de discutibilidade e, por isso, seria de grande interesse que pudéssemos contar com as opiniões e as alternativas colocadas - e algumas delas já o foram publicamente - por vários constitucionalistas portugueses. Na verdade, a realização de diligências semelhantes em França conduziu, como o comprova uma simples leitura das actas, a benefícios muito consideráveis para o processo de preparação da revisão constitucional.

Esse precedente é hoje mais um dado a favorecer que numa revisão de elevada componente técnica - como, aliás, o Sr. Presidente leve ocasião de mencionar numa intervenção que fez no Plenário sobre esta matéria - fosse possível beneficiarmos desse apport.

Por outro lado, dada a natureza europeia desta revisão, que já referi, e no momento em que tanto os parlamentos nacionais como o Parlamento Europeu são chamados a ler um novo papel no processo de decisão e na própria arquitectura da Europa fui ura, é particularmente importante que possamos estabelecer um diálogo com os nossos colegas portugueses, Deputados ao Parlamento Europeu, para podermos aprofundar a ponderação das implicações do Tratado de Maastricht no ordenamento constitucional português.

Em suma, esta nossa proposta radica na ideia de que, embora sendo este um momento particular num processo de revisão constitucional, ele não pode ser hoje conduzido como se a temática e a construção europeias não estivessem hoje submetidas a intensas expectativas e solicitações de natureza democrática, isto é, de publicidade, de controvérsia, de compenetração e proximidade dos cidadãos.

A nosso ver, seria negativo que trabalhássemos como se hoje não existisse o clima que, por toda a Europa, pede mais democracia e mais diálogo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, nós comungamos das preocupações do Partido Socialista e do Sr. Deputado Alberto Costa relativamente à necessidade e conveniência em haver debate aprofundado, alargado e público relativamente às questões da União Europeia e também às questões que conduzem a esta revisão constitucional. Portanto, estamos perfeitamente abertos a cooperar e até propomos que se crie no seio desta Comissão um grupo de trabalho com vista a dinamizar-se a realização de um colóquio no Parlamento aberto a outras participações. Assim, estamos inteiramente de acordo porque achamos que esse debate e esse aprofundamento serão úteis para nós e para o País.

Mas já no que diz respeito à audição pública pela Comissão de especialistas em direito constitucional penso que nós todos conhecemos já as posições que os constitucionalistas têm tomado, e que também são públicas, relativamente à questão da União Europeia e às implicações a nível constitucional, designadamente os pontos apontados como passíveis de revisão para se fazer a ratificação. Por esse motivo penso que a integração de todos esses constitucionalistas no âmbito desse colóquio permitiria a todos nós e a todos a quem fosse aberto ouvirmos e auscultarmos de novo as posições desses constitucionalistas.

No entanto, e por estarmos no âmbito de uma comissão especial e de uma revisão relativamente restrita e que é para ser levada a cabo em prazo relativamente curto, parece-me que esses dois pontos - o 1.° e o 2.º - deviam ser fundidos no sentido de se restringir essa realização a um colóquio parlamentar, com esse alargamento e com essa profundidade. Todavia, esse colóquio deverá ocorrer sem prejuízo da calendarização dos trabalhos da Comissão, embora reconheça, tal como o Sr Presidente disse, que era de toda a utilidade que ocorresse antes das votações e que, portanto, o apport que daí tirássemos e que pudesse ter algum efeito nos nossos trabalhos fosse devidamente aproveitado.

No que diz respeito ao terceiro ponto não vemos nenhum inconveniente e pensamos que há sempre iodo o interesse numa troca de impressões com colegas nossos que estão mais perto da Europa, que estão no Parlamento Europeu e que, portanto, vivem mais proximamente todas estas questões. Por conseguinte, não vemos nenhum inconveniente nessa reunião com os nossos colegas Deputados ao Parlamento Europeu. No entanto, também essa reunião se deverá realizar sem prejuízo da calendarização normal dos trabalhos da Comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quero exprimir a nossa concordância com a natureza das propos-

Página 26

26 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

tas apresentadas bem como a satisfação por ver que, na fundamentação da sua proposta, o Partido Socialista evoca o exemplo da França.

Suponho, mas talvez o Sr. Presidente me possa informar, que não foi editado qualquer suplemento ao Diário da Assembleia da República destinado a ser vendido ao público e contendo os seis projectos de revisão constitucional que foram apresentados, mas parece-me que esta iniciativa seria útil pois permitiria a estas pessoas e a muitas outras conhecerem, em concreto, os projectos existentes.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, esses projectos são publicados e apenas não estão reunidos num único documento.

O Sr. João Amaral (PCO): - Como tem sido habitual proceder a essa publicação, parece-me que seria útil solicitá-la.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sou da mesma opinião, mas parece-me que seria preferível formalizar esse pedido por escrito à mesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, uma das coisas que mais me tem entusiasmado na minha passagem pela Assembleia da República é precisamente o respeito pelos homens da ciência jurídica. Não sabia que se sabia tanto de direito!

Risos.

Até passei a admirar os primores da elaboração conceptual a propósito do direito, pois julgava que ele era bem mais linear.

Com certeza que o PSN aprova imediatamente a proposta do PS que prevê a realização de um colóquio integrando especialistas de direito constitucional e comunitário. Agora, não há dúvida que todas as ciências, inclusive a ciência jurídica, brotam de um radical fundante, ou seja, há no nosso tempo uma mudança de paradigma: o Tratado de Maastricht.

Tudo o que se está a passar no mundo não surge tão-só porque o direito evoluiu ou porque as ciências evoluíram, mas sim porque houve aquilo a que podemos chamar um corte epistemológico em relação ao passado.

Julgo que, para além de homens do direito, deveriam ser chamados homens pensadores, de grande capacidade aprofundante, que fossem capazes de nos apresentar aquilo que subjaz às próprias mutações que está a sofrer o direito constitucional. Não sei até que ponto é que não poderíamos também convidar outras pessoas que até nos dariam com meridiana clareza algum contributo, estou a pensar, pelo menos, num indivíduo como eu, com a minha formação.

Disse um colega que todos os oradores devem apresentar uma elevada componente técnica, mas veja-se bem o meu caso, que não percebo nada de direito, a ouvir um indivíduo com elevada componente técnica na ciência jurídica! Daí que me pareça que deveriam ser também convidadas pessoas da área da filosofia. Peço desculpa por estar a "puxar a brasa à minha sardinha", mas talvez um homem destes não estivesse a mais numa discussão deste tipo.

É isto o que deixo aqui como sugestão. Talvez seja despicienda, mas, a mim, parece-me oportuna.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, quem assistiu à última reunião da Comissão Permanente verificou que havia uma corrida entre os vários partidos para numerarem os seus projectos de resolução propondo a organização de um colóquio sobre a problemática de Maastricht, da União Europeia e das questões afins.

Uns queriam que se realizasse na Assembleia da República, outros, que fosse a nível nacional, outros, ainda, pretendiam que lhes fosse distribuído o texto do Tratado bem explicado e comparado, e discutido a nível das várias autarquias, escolas e universidades, etc.

Por essa razão, não sei se esta proposta se integra na realização deste debate geral sobre o qual o PS e o PCP apresentaram projectos de resolução, sendo certo que o PSD disse que também gostaria que houvesse um amplo debate nacional sobre estas matérias.

Gostaria de saber se este colóquio agora proposto pelo PS se destina a ser integrado no debate geral que vai ser organizado ou se será específico desta Comissão e do trabalho aqui desenvolvidp, porque no primeiro caso a audição terá um carácter mais geral, enquanto no segundo ela ocorrerá nesta Comissão.

De facto, para efeitos destes artigos e dos projectos de revisão que aqui iremos discutir, imporia analisar a própria necessidade de uma revisão antecipada - qual a sua natureza e relação com a revisão ordinária -; o que é que se entende sobre a inclusão de determinados assuntos, como, por exemplo, saber se o aumento dos poderes do Parlamento mexe ou não com os outros poderes dos órgãos de soberania; se, efectivamente, esta é uma boa altura para procedermos a esta revisão ou se este reforço de poderes pode ser deixado para uma revisão ordinária; se as sugestões ou propostas que aqui foram apresentadas são suficientes para pôr cobro a quaisquer problemas que possam surgir quanto à compatibilidade ou, mesmo, se a forma como estilo redigidos alguns preceitos da nossa Constituição pode servir para albergar os diversos aspectos do Tratado de Maastricht.

Naturalmente que se esta Comissão ouvisse, só ela, os especialistas de direito constitucional ou comunitário a situação seria completamente diferente.

Quando li esta proposta, depois de ler assistido a mencionada reunião da Comissão Permanente, julguei que o que o Partido Socialista pretendia era um debate específico organizado em sede desta Comissão - audições de constitucionalistas e peritos eminentes nestas matérias - ao que pudessem assistir os órgãos da comunicação social.

Assim, em primeiro lugar, gostava de perguntar ao Partido Socialista, em jeito de pedido de esclarecimento, se esta iniciativa é ou não autónoma do debate geral a que a Assembleia vai proceder. Uma vez obtida resposta a essa questão, prosseguirei a minha intervenção.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Deputado, esta iniciativa é autónoma e devo, aliás, dizer que, no projecto que apresentámos em tempos, seccionávamos as iniciativas e incluíamos um primeiro lote ligado ao processo de revisão antecipada da Constituição e onde o objectivo era lazer reverter para os trabalhos de revisão os apports que essas iniciativas permitissem e uma segunda secção com iniciativas de outra natureza ligadas já ao próprio Tratado.

Portanto, há autonomia e o que está aqui em causa é o horizonte e a iniciativa desta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Página 27

24 DE SETEMBRO DE 1992 27

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Se assim é, naturalmente que esta proposta prejudica a visão que o Partido Social-Democrata lhe quis imprimir, que seria no sentido de juntar as duas iniciativas já mencionadas para, então, se proceder a um colóquio com audições públicas, mas no âmbito do debate nacional sobre Maastricht.

Sabemos agora que não é isso que estamos a discutir nesta proposta e, por essa mesma razão, gostava que também o PSD me prestasse nesta fase um esclarecimento. Quando os Srs. Deputados falam em juntar as duas iniciativas de modo a fazer um debate comum, estão a pensar num tal debate nacional, independente daquele que a Assembleia vai fazer sobre Maastricht ou, na vossa concepção, esta proposta do PS integrar-se-ia nesse debate nacional?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Interpretámos a proposta apresentada pelo PS, tal como continuou agora o Sr. Deputado Alberto Cosia, no sentido de se proceder à realização de um colóquio autónomo do debate geral que a Assembleia vai promover de forma mais ampla. Porém, entendemos que esse debate deve absorver o segundo ponto da proposta do Partido Socialista, ou seja, é no âmbito do debate que se devem integrar os constitucionalistas e evitar de certo modo uma duplicação de abordagens que esta fórmula, no nosso entender, implica.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Parece-me que se trata agora de uma questão técnica. Como duas pessoas não podem ser ouvidas em simultâneo, naturalmente que, em primeiro lugar, se procederá à audição dos representantes das diferentes correntes de opinião e, depois, à dos constitucionalistas. Trata-se de proceder â hierarquização das personalidades, portanto, de saber quem falará em primeiro lugar.

Mas, dentro do princípio de que é um colóquio autónomo que irará benefícios a esta revisão constitucional e a esta Comissão, naturalmente que estamos de acordo com a sua realização, qualquer que seja uma boa formulação.

Penso que, agora, o problema que se levanta é meramente técnico, de organização, e não o da filosofia subjacente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, irei pronunciar-me também sobre este ponto e, em especial, porque a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva - assim como todas as outras - me suscita alguns comentários.

Parece-me relativamente claro que os n.ºs 1 e 2 da proposta que apresentámos - e digo apresentámos, porque eu não a subscrevi, mas subscrevo-a agora inteiramente - têm âmbito e objectivos bem diversos. Basta, aliás, ver as respectivas fundamentações.

No primeiro ponto prevê-se uma iniciativa que tem como objectivo proporcionar um debate o mais amplo possível e que se insere, no fundo, no debate que todos os grupos parlamentares e Deputados têm levado a cabo, quer no âmbito desta Comissão, quer fora dela, inclusive no próprio Plenário. Têm sido feitas declarações várias no sentido de que estas questões deverão ler um profundo e amplo debate, o que não implica, naturalmente, que para esse debate ou colóquio não possam ser convidados especialistas mas não estritamente de direito constitucional ou comunitário. Eles poderão estar presentes nesse colóquio, mas é evidente que o seu âmbito e o tipo de intervenções aí verificadas será muito diverso e dirigir-se-à à satisfação de interesses bem distintos daqueles que se pretende agora com o n.º 2.

No n.º 2 pretende-se a audição dessas pessoas como especialistas e no estrito âmbito das propostas de revisão constitucional apresentadas quanto à sua correcção jurídica, constitucional e comunitária, quanto â possibilidade de melhores alternativas, quanto às suas consequências no âmbito do direito constitucional, do direito interno não constitucional, do direito comunitário ele.

São coisas bem diversas! Naturalmente, todos sabemos que, num colóquio, um especialista de direito constitucional ou com uniu uno se pronunciará sobre as questões que estão a ser debatidas, mas, fundamentalmente, sobre as políticas que tem um sentido muito mais amplo não dará o seu contributo, como se pretende no n.º 2, na qualidade de especialista e no estrito âmbito dos projectos apresentados.

O colóquio tem um sentido muito mais amplo, naturalmente recolhe os contributos de personalidades das mais diversas correntes e situadas nos mais diversos sectores. E por que não também os filósofos, tão caros ao nosso colega Manuel Sérgio, obviamente!?

Ora, o n.° 2 tem um sentido muito específico, não se confunde com o primeiro, e a participação dos especialistas no colóquio não evita, antes pelo contrário, a sua participação em audições públicas dirigidas, em especial e estritamente, aos aspectos jurídico-constitucionais e jurídico-comunitários que, naturalmente, estão integrados nas várias propostas apresentadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, como já é do conhecimento dos Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apoia iodas as iniciativas que tenham por objectivo alargar o debate e aprofundar as questões que aqui estão em causa, ou seja, da ratificação e das consequências do Tratado de Maastricht. Assim sendo, lambem apoiamos esta iniciativa do Partido Socialista.

No entanto, queria aproveitar para dizer que, como referiu o Sr. Deputado Narana Coissoró, de facto, quando em Julho a Assembleia resolveu constituir esta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, as posições, designadamente do PSD e do PS, eram um pouco diferentes das de hoje relativamente ao Tratado de Maastricht.

O que se verifica é que, de facto - principalmente os dois partidos que referi -, têm apresentado sucessivas propostas e projectos que apontam para a necessidade de debates alargados e especializados, o que, no fundo, tem a ver com as reticências ou interrogações que estes dois partidos já têm relativamente ao fundamental que está aqui em causa. Ou seja, depois de todas as interrogações que se levantaram pela Europa relativamente à consequências da ratificação do Tratado de Maastricht, elas chegaram finalmente a Portugal.

Portanto, estes dois partidos que se têm manifestado contra a realização do referendo em Portugal começam.

Página 28

28 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

de facto, a dar conta de si, razão pela qual começam a aparecer reticências relativamente a esta questão.

Aproveito também para referir que - e porque há pouco não me pronunciei relativamente à proposta em discussão -, de lacto, antes de iniciar propriamente os trabalhos desta Comissão, parece-nos que, uma vez que há todas estas dúvidas, deveria sei aprovado o projecto que foi aqui apresentado, no sentido de, antes de mais, vermos da possibilidade de preparar um referendo, auscultando o povo português relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, tem a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, queria apenas dizer duas palavras, na sequência da intervenção do meu camarada José Vera Jardim.

Antes de mais, queria ser sensível ao elogio que o Sr. Deputado Manuel Sérgio fez aos juristas, é sempre muito simpático para connosco, mas queria dizer-lhe que pelo menos dois terços do direito são criados por não juristas, por quem não sabe direito. O costume ainda é a grande fonte de direito e, na sua base, não está nenhum conhecimento técnico ou jurídico, está um sentido de justiça mais importante do que o sentido que resulta do conhecimento técnico, pelos juristas, das normas que regem o direito.

Por isso mesmo é que, talvez, estes colóquios sejam importantes, pois trata-se de colóquios de não juristas, que atendem mais a um ponto de vista político e sociológico, dimensão essa que também existe nesta revisão constitucional. Daí a separação que fez, e muito bem, o meu camarada José Vera Jardim, entre o colóquio público e os debates ou audições com especialistas.

Perguntava, então, ao PSD se não poderia acompanhar-me - faço-vos este pedido que não é uma simples sugestão no sentido de separarmos as duas coisas. É que os juristas, os técnicos e os universitários no seio de um grande debate, com muita gente, perdem parte do seu significado. Primeiro, as pessoas que os ouvem não têm capacidade de audição técnica especializada suficiente. O tempo acabará por ser consumido em generalidades de carácter meio filosófico, meio sociológico, meio político e, no fim, o técnico consome-se em pouco.

Se retirássemos o qualificativo "público" às audições, pois penso que elas não ganham muito em sê-lo, e se ouvíssemos os constitucionalistas aqui, nesta Comissão, penso que só teríamos a ganhar com isso. Portanto, elimine-se a expressão "público" (e não teria necessariamente de ser só com constitucionalistas, mas também, numa óptica mais política e sociológica) e com toda a serenidade sujeitemos os nossos convidados às nossas perguntas.

Até, do ponto de vista formal, poderíamos enriquecer o texto. O que é que perderíamos? Duas tardes?

O colóquio, desculpem, é muito bonito para satisfazer a nossa exigência de que debatemos, ouvimos todos, pequenos referendos dentro de uma sala, mas a importância que tem o ouvirmos aqui dois ou três constitucionalistas não tem comparação. Colocá-los-emos perante as propostas e redacções concretas e poderemos mais tarde dizer, inclusivamente, "esta posição foi abonada pelo constitucionalista tal...", que é um argumento de autoridade a que não sou particularmente sensível, mas a verdade é que nunca deito fora nenhuma muleta de autoridade quando disponho dela. Caso contrário, não tinha a estima que tenho pelos Srs. Professores que aqui estão, e perante os quais lenho lodo o respeito.

Posto isto, penso que nos poderíamos entender nesta base: retiraremos o qualificativo de público aos debates e às audições com os constitucionalistas, pois só ganharíamos em tê-los aqui, na nossa intimidade, sujeitos às nossas perguntas e, por sua vez, abertos às suas sugestões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, tem a palavra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Confesso que a minha posição é ainda um pouco nebulosa, também em função do carácter um pouco nebuloso da proposta, pois não vejo bem quais as ideias concretas quanto ao modo como se vai articular isto no tempo, pelo que gostava de conhecer uma melhor concretização para mais facilmente me poder pronunciar e tomar uma posição mais definitiva.

Com toda a honestidade, devo dizer que, enquanto legislador constituinte, estou relativamente pouco preocupado com a minha ignorância em matéria de questões comunitárias. A nossa responsabilidade como constituintes é apenas a de viabilizar: fazemos normas de admissibilidade, ou seja, tornamos possível. No fundo, o que aqui vamos fazer é legitimar o poder normal para tomar opções "sim/não" em diferentes questões.

Antes, estou preocupado com a minha posição de Deputado, que também sou, quando tiver de decidir sobre o sim à ratificação. Aí, sim, é que as minhas angústias e perguntas sobre Maastricht virão ao de cima. Agora, enquanto legislador constituinte, digamos, as minhas preocupações - há sempre preocupações e dúvidas - não são de molde a impedir-me de elaborar e colaborar de um processo de revisão constitucional.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não está aqui ao nível do bónus pater familias!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, não...

O Sr. Almeida Santos (PS): - As angústias são sempre mais reduzidas do que a generalidade dos tristes...

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Deputado, estou aqui como legislador constituinte. Pura e simplesmente, a Assembleia da República e o Cioverno tomam as decisões que são suas! Não podemos, sob pena de violarmos o princípio da divisão dos poderes, assumir aqui as dores que são as do poder ordinário, e no qual, com outra veste, também estamos. Mas essa é uma dor de ou ira ali um.

Aqui, como legislador constituinte, sinto-me relativamente esclarecido para legitimar o poder ordinário a tomar as decisões que ele houver como boas. Mais difícil será determinar quais as boas, mas essas são dores que todos nós, felizmente, teremos noutra altura.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas a iguaria será sempre servida no Plenário com mais molho!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Aqui, ao tomarmos estas decisões, se virmos bem, elas são fundamentalmente redigidas em lermos de "pode", lauto as do PSD como as do PS e demais partidos. Quando o Governo ou a

Página 29

24 DE SETEMBRO DE 1992 29

Assembleia da República concretizarem esses juízos de admissibilidade, aí sim, é que terá de ser uma Assembleia e um Governo devidamente bem informados.

Portanto, tudo isto para dizer o seguinte: do nosso ponto de vista - como também já foi avançado -, também não nos opomos ao esclarecimento, mas um esclarecimento que não prejudique o cumprimento da nossa missão.

Penso que a ideia inicial do meu colega Guilherme Silva era a de salientar que há aqui coisas a mais, de que talvez, pudéssemos simplificar isto. Quando se falou em certa fusão das duas propostas, talvez, o Deputado Guilherme Silva, por comodidade de expressão, tenha posto a tónica no primeiro ponto. Eu estaria, talvez, inclinado a pô-la no n.º 2.

Mas o que nos interessa, como legisladores constituintes, é ouvir, eventualmente, alguns peritos de direito constitucional, porque é nessa sede que se situam as nossas angústias. Depois, noutra sede, teremos outras angústias.

Posto isto, penso que a proposta que o meu colega Guilherme Silva fez, se mantém, no sentido de estreitar estas iniciativas. Vamos, agora, reduzi-las ao mínimo, sem prejuízo da utilidade e sem prejudicarmos esta ideia: do que aqui se trata é apenas de, em sede de Constituição, tornar possível as grandes decisões que vão sei tomadas e que, essas sim. carecem de esclarecimentos e de debate, mas que são próprias de outra sede.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quando coloquei a questão, de certo modo, da fusão destas duas iniciativas, reduzindo-a ao colóquio, fi-lo com um duplo sentido: uma maior utilidade e economia de situações, porque se vamos convidar especialistas para um colóquio e se pedimos aos constitucionalistas que apreciem e se pronunciem sobre as iniciativas de revisão constitucional aqui presentes, na Comissão, naturalmente vamos ler oportunidade de pôr as questões que entendermos e, eventualmente, ainda beneficiaremos de outras questões que outros, que não participam nos nossos trabalhos, poderão colocar. Portanto, esse apport será ainda mais alargado do que a audição dessas individualidades, aqui, na Comissão.

Mas se colocarmos a questão nos termos em que o Sr. Deputado Almeida Santos o faz, não me parece que haja, efectivamente, qualquer obstáculo. Tratar-se-ia, então, de dar outra orientação e tónica ao colóquio público proposto, proporcionando que se ouça aqui, oportunamente e sem prejuízo - repito - da calendarização normal dos nossos trabalhos, alguns especialistas em direito constitucional.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Não percebi o sentido da sua conclusão!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não nos opomos á formulação final do Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Sr. deputado Narana Coissoró, tem a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, tanto nos faz que as audições sejam públicas ou "à porta fechada". O que é preciso é que daí retiremos os benefícios das audições.

O único problema agora é o melindre, porque se chamamos três ou quatro,... poderá perguntar-se: "Porquê este jurisconsulto e não aquele? Por que é que convidaram aquele e não a mim? Quem é que está por detrás disso? Este jurista é próximo de que partido?" Tal deve-se ao facto de, de certa forma, serem conhecidas as grandes, digamos, orientações dos nossos constitucionalistas sobre esta matéria e, por isso mesmo, para mim, sejam três, quatro ou cinco ou mais os ouvidos, tal não me traz qualquer problema.

fim lodo o caso, chamo a atenção para o facto de este nosso acto, que é um acto institucional da Comissão, poder levantar alguns melindres, pelo que devemos proceder com atenção e cautela para que isto não se verifique.

O Sr Presidente: - Sr Deputado Alberto Costa, tem a palavra.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Penso que as intervenções dos Srs. Deputados do PSD mostraram de alguma maneira o fundamento da nossa proposta tripartida.

Regozijo-me com o facto de haver receptividade em relação à ideia do colóquio e das audições, embora com ênfases diferentes. Tal, a meu ver, revela compreensão das duas finalidades diferentes que estas duas iniciativas tinham, e que aqui foram mencionadas pelo meu colega, Deputado José Vera Jardim.

Portanto, permito-me fazer alguns comentários em aditamento ao que já foi dito e insistir no sentido de se encontrar um entendimento útil sobre esta matéria, que é o que mais importa.

Se é certo que o ponto de vista de alguns constitucionalistas é conhecido, o de outros é-o menos. Por outro lado, os constitucionalistas - di-lo a experiência recente - tendem a abordar em intervenções públicas, determinadas matérias e, quando perguntados, acabam por pronunciar-se sobre outras, que geralmente não são aquelas que têm o lavor da publicidade nos grandes colóquios e que são provavelmente as mais relevantes para uma discussão como a nossa.

Portanto, se vamos promover uma realização onde o confronto e a pluralidade de pontos de vista estejam presentes, deveríamos também poder contar com o saber dos constitucionalistas, para o ver debruçar-se sobre matérias que nos preocupam em especial, e que nem sempre estão presentes nas suas intervenções públicas sobre esta matéria.

Diria, pois, que o colóquio é capaz de não nos trazer muito mais de novo para além da pluralidade, que em lodo o caso é importante e não está suficientemente adquirida publicamente, enquanto as audições nos podem trazer contributos qualificados sobre algumas matérias ainda não publicamente versadas - e estou a pensar em precedentes como, por exemplo, a discussão do mérito da introdução do princípio da subsidiariedade no texto constitucional, que é algo sobre o qual podemos decidir ignorantes, mas sobre o qual conviria que decidíssemos menos ignorantes do que aquilo que somos agora. Julgo que seria preferível um constituinte melhor informado de que um menos bem informado. E a contribuição que os constitucionalistas nos poderiam dar em pontos como este, e cito apenas um que pode ser objecto de controvérsia especial, era de particular relevo para os nossos trabalhos. Portanto, sublinho que os dois objectivos diferentes apontariam para a manutenção tias duas iniciativas.

Página 30

30 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

Uma outra dificuldade levantada tem a ver com a questão do prazo curto com que nos debateríamos.

Esta revisão não deve ser artificialmente prolongada, mas prestaríamos um mau serviço e, por outro lado, daríamos uma imagem inaceitável ao País se fizéssemos uma revisão europeia da Constituição à pressa.

Aqui, cabe-nos cunhem não só fazer uma revisão ponderada mas cunhem transmitir uma imagem de ponderação e de reflexão. Assim, creio que não perderíamos se organizássemos os nossos trabalhos por forma que o tempo não fosse um obstáculo para estas realizações, que, aliás, podem fazer-se em curtas semanas, sem, portanto, prolongar artificialmente esta revisão, o que não é nosso objectivo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não será tempo perdido!

O Sr. Alberto Costa (PS): - "Não será tempo perdido!": esse é outro aspecto. Julgo que era importante que estas iniciativas fossem concebidas e calendarizadas por forma que os seus resultados pudessem beneficiar directamente os nossos trabalhos, pois não faria sentido que se deixasse para perto da decisão final algumas destas audições ou colóquios, porque eles são, sobretudo, úteis numa fase anterior das nossas discussões.

Gostaria ainda de acrescentar duas notas finais.

Por um lado - e peço ao Sr. Deputado do PSN que não me leve a mal -, penso que o colóquio pode estar aberto a outras especialidades que não o direito e, pessoalmente, só lamento que Althusser tenha morrido e não veja sucessor para aplicar a teoria do cone epistemológico à revisão constitucional...

Por outro lado, Sr. Deputado de Os Verdes, gostaria de dizer-lhe que não tem razão relativamente ao PS, quando sugere ou afirma que a preocupação do debate tivesse nascido para nós com o referendo francês.

Na verdade, já em Maio, Junho e Julho eu próprio me debrucei sobre esta matéria no Plenário, voltando a referir-me, em nome do PS. a este assunto nas duas primeiras reuniões da Comissão Permanente e, que eu saiba, o referendo francês foi depois disso. Isto mostra bem que não procede o argumento de que nós só leríamos despertado para esta necessidade depois da contagem dos votos do referendo em França.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Srs. Deputados, as audições que estão propostas têm um conteúdo que está bem esclarecido. E evidente que não são supracomissão, não são orientações, mas têm um conteúdo que me parece interessante.

Quanto ao colóquio, creio que ele está bem explicado. Trata-se de um tipo de iniciativa diferente, pelo que creio que será útil. Em lodo caso, gostaria de acrescentar que, apesar de se tratar de uma iniciativa no âmbito desta Comissão, ela não deve prejudicar todo um conjunto de iniciativas que estão a ser ponderadas pelos diferentes partidos e que vão ser objecto de debate e de decisão na próxima reunião da Comissão Permanente, a ter lugar a 1 de Outubro próximo.

Portanto, penso que qualquer iniciativa tomada no âmbito desta Comissão não deverá prejudicial como é óbvio, esse conjunto de iniciativas que vão ser tomadas na Comissão Permanente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto à ideia da realização de um colóquio, acabei por não ficar com uma ideia perfeitamente clara de qual era a posição do PSD, porque, se bem percebi, deveria procurar fazer-se uma concentração processual, digamos assim, entre os n.ºs 1 e 2, mas não percebi exactamente em que termos é que isso poderia ser feito.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, essa foi exactamente a nossa posição inicial, mas ultrapassámo-la aceitando estas realizações fraccionadas, efectivando-se as audições, não públicas, dos constitucionalistas sem prejuízo da calendarização normal dos nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Então, já percebi.

A outra questão que era importante compreender é se a vossa ideia é a de que o colóquio possa ser realizado num período de tempo curto. Mas qual? Têm alguma ideia? É que isto. em termos práticos, tem muita importância.

De facto, julgo que se tomarmos essa resolução, isso é positivo, mas ela tem de ser exequível.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, a minha ideia era que fizéssemos a audição dos constitucionalistas depois de termos dado uma volta, nós próprios, aos textos, e termos tomado consciência das nossas próprias dificuldades, por forma a podermos estar em condições de colocar questões, que terão então muito mais utilidade.

Quanto ao colóquio, ele poderá ter lugar quando quiserem, mas a audição dos constitucionalistas, só depois de termos dado a primeira "passeata" sobre os textos. É mais importante.

O Sr. Presidente: - Mas é que o colóquio, apesar de tudo, vai levar algum tempo a preparar, pelo que teremos de ponderar os termos concretos em que ele vai ser feito.

Creio, então, que estamos em condições de votar esta proposta. Poderemos votá-la em conjunto ou preterem votar os três números separadamente?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Creio que poderíamos votar um resumo do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, concordamos com a ideia de uma audição a seguir à primeira leitura. Já trocámos aqui alguns pontos de vista, já levantámos poeira, há poeira no ar, e talvez a audição dos constitucionalistas nos ajude. Isso é concreto.

Relativamente ao colóquio, ou é um colóquio espectáculo, para tranquilizarmos a nossa boa consciência em relação ao exterior, ou então é efectivamente um colóquio a sério. E um colóquio a sério, neste período do ano, é muito difícil, demora tempo a organizar. Muitos dos professores estão, nesta época de Outubro, em exames, uns terão possibilidade, outros não...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Poderá ser depois do dia 5 de Outubro.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Com certeza, mas qual o papel desse colóquio no processo...

Página 31

24 DE SETEMBRO DE 1992 31

O Sr. Almeida Santos (PS): - Seria um colóquio organizado especificamente pela Comissão, que versará algumas questões concretas que ninguém mais submete nos demais colóquios genéricos (Maastricht, sim ou não, referendo, sim ou não), tudo genérico. Elaboraríamos um questionário concreto e, sobre esse questionário, faríamos o colóquio.

Julgo que poderá ser depois do 5 de Outubro, até porque há vários trabalhos entretanto já programados, e a Comissão deveria designar, sob a direcção do presidente....

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Um comité executivo!

O Sr. Almeida Santos (PS): - ... um comité executivo para organizar um debate, sobre um questionário de questões concretas, etc. As audições dos constitucionalistas é que deixariam de ser públicas.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas nós continuamos a ler algumas dúvidas. Quanto à audição, para nós as coisas são claras, vamos tentar que haja uma audição, tentemos um lugar processual e lemos uma certa função. Agora, qual a função no nosso processo de revisão constitucional neste colóquio: onde é que se insere?...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Iluminar a inteligência!

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - ... que carácter vai ter?...

O Sr. Almeida Santos (PS): - A única dúvida é se este colóquio deve ser por convite ou se deve ser um colóquio aberto a quem quiser aparecer. E que, se for aberto a quem quiser aparecer, estamos sujeitos a que apareçam pessoas a mais e, então, não será possível o colóquio.

Em meu entender, deveria ser um colóquio por convite, na linha do que disse o Deputado Manuel Sérgio, não só de juristas, mas sociólogos, filósofos, constitucionalistas, um pouco do todo que tem que ver com esta matéria: autarcas, por causa do comité das regiões, economistas, por causa do problema do sistema monetário europeu, etc.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se bem percebo, a ideia do PS era uma audição que tinha, de cena maneira. um carácter processual, era uma fase do nosso processo....

O Sr. Almeida Santos (PS): - Exacto!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - ... e um colóquio que não linha este carácter mas era um contributo desta Comissão para o debate nacional.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Nem mais. Ainda assim qualificado a partir de convites dirigidos a pessoas qualificadas.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, mas sem o caracter processual nos nossos trabalhos, a latere. Era o nosso contributo para o debate nacional.

Com este entendimento e com este esclarecimento não temos nada a opor. Portanto, haverá audições que deixarão de ser públicas, elimina-se o "público", serão integradas aqui nos trabalhos de revisão constitucional. Haverá audições a especialistas, no fim da primeira leitura, e depois esta Comissão empreenderá um colóquio, que valerá como o seu contributo para o debate nacional sobre Maastricht, no qual devem estar, na medida do possível, nem tanto juristas mas pessoas particularmente interessadas, historiadores, por exemplo. Julgo que não se pode discutir a Europa sem história, que é uma dimensão fundamental.

O Sr. Presidente: - Então, vamos tentar resumir do que ficou apurado da discussão, para depois votarmos.

Em primeiro lugar, e porque talvez seja o n.° 1, temos a realização de um colóquio, sob uma lista de convidados, que não se restringe apenas a juristas, mas, pelo contrário, destina-se a alargar o debate público, embora centrado na revisão constitucional, e será algo que não se insere no processo de revisão constitucional propriamente dito, mas que se realizará ao lado dele.

Em segundo lugar, inserindo-se no processo desta Comissão para a Revisão Constitucional, após o que habitualmente designamos por uma primeira leitura, isto é. a discussão dos diversos artigos dos vários projectos de revisão constitucional, proceder-se-á a audições, solicitando a presença de especialistas, em conjunto ou separadamente, depois veremos que dirão de sua justiça sobre as questões relativas à revisão constitucional, respondendo às perguntas que lhes quisermos formular.

O Sr. João Amaral (PCP): - Em reuniões da Comissão que serão gravadas? E essa a ideia?

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Penso que deveríamos manter o princípio de que todas as iniciativas da Comissão serão gravadas.

O Sr. João Amaral (PCP): - É que essas audições podiam não ser feitas numa reunião formal da Comissão mas sim numa reunião informal com os membros da Comissão. Isto porque o registo em acta de opiniões de constitucionalistas tem as suas vantagens mas também os seus inconvenientes.

O Sr. Presidente: - Do ponto de vista científico, tem sempre vantagens: do ponto de vista político, veremos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não me refiro ao ponto de vista político mas sim as decisões que hão-de tomar. Mas isso não me perturba muito.

O Sr. Presidente: - Um terceiro ponto diz respeito à realização de uma reunião conjunta dos Deputados da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e dos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu, também sobre estas matérias da revisão constitucional e inserida no processo de revisão constitucional.

Srs. Deputados, vamos então proceder à votação da proposta do PS. com a reformulação agora feita em sede de Comissão.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Colocam-se, agora, alguns pequenos problemas práticos, como, por exemplo: quem é que se convida e quem é que se encarrega de...

Página 32

32 II SÉRIE - NÚMERO 2-RC

O Sr. Almeida Santos (PS): - A mesa ouve os partidos...

O Sr. Presidente: - Não, não pode ser só a mesa. De resto, a proposta não foi da minha autoria.

Quanto à metodologia, já discutimos alguns aspectos, mas aquilo que vos proponho é o seguinte: procederíamos a uma primeira leitura das propostas, pela ordem por que foram apresentadas. Finda essa leitura e essa análise...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Presidente, mas talvez seja mais fácil fazer-se essa análise pela ordem dos artigos de cada proposta e não pela ordem da sua apresentação.

O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado.

Finda essa primeira leitura, poderíamos ajuizar sobre se seria necessário proceder a uma segunda leitura, ou não. Naturalmente que isso depende da profundidade com que fizermos a primeira leitura. No entanto, também não me parece que a complexidade da revisão no que respeita, não às matérias em si, mas ao número de artigos envolvidos e às diversas perpectivas justifique necessariamente uma segunda leitura. Nesse caso, depois da audição dos especialistas, passaríamos à votação - uma votação indicativa, eventualmente com propostas de síntese ou substitutivas -, e, depois, seguir-se-iam os trâmites habituais, tal como fizemos na revisão constitucional de 1989.

Suponho que esta é uma matéria clara para todos os Srs. Deputados, não sendo pois necessário explicitarmos muito mais. Assim sendo, quero perguntar-lhes se esta proposta suscita algum dissentimento ou objecção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr Presidente, aproveito a pergunta para dizer que essa proposta não me suscita objecção alguma e para voltar um pouco mais atrás à questão do colóquio e à forma como ele vai ser organizado. E que esse assunto não ficou bem esclarecido. Cria-se aqui um grupo de trabalho... Desculpe voltar atrás, mas gostava de ser esclarecido acerca disso.

O Sr. Presidente: - Julgo que valeria a pena, na sequência da resolução que foi tomada, que o PS apresentasse uma proposta de execução um pouco mais detalhada, para podermos ajuizá-la. F que um colóquio apresenta algumas dificuldades em termos da sua exequibilidade: algumas pessoas vão ter dificuldades relativamente aos dias em que estarão disponíveis paia apresentarem comunicações, outras vão ter mesmo dificuldades em fazê-lo e, além disso, tem de haver um critério de escolha dessas pessoas. Há, portanto, uma série de factores a ter em consideração e, por isso, a minha ideia é que uma subcomissão desta Comissão trate da matéria. Em todo o caso, talvez valesse a pena inventariar o tipo de problemas que se colocam para, depois, tomarmos aqui uma resolução sobre isso.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Estamos dispostos a elaborar uma proposta em borrão para, a partir dela, se raciocinar.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, sugeria que se começasse a pensar nos convites para as audições, sob pena de, à última hora, haver muita dificuldade em contactar as pessoas.

O Sr. Presidente: - Quanto a esse aspecto temos de ler várias cautelas, para, por um lado, evitar situações desagradáveis e, por outro, ouvirmos as diversas sensibilidades constitucionais que são susceptíveis de se manifestarem.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - De étimo ideológico e geográfico.

O Sr. Presidente: - Exacto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - De todos os azimutes!

O Sr. Presidente: - Não há de todos os azimutes e esse é um dos problemas. Ou, pelo menos, relativamente a alguns azimutes, não é cognoscível quem os representa.

Com isto, esgotámos a matéria que nos propusemos tratar hoje. Agora temos de ver como é que vamos prosseguir. Os Srs. Deputados do PS tinham dito que as vossas jornadas parlamentaras iriam ler lugar na sexta-feira. Portanto, podemos reunir amanhã às 15 horas, como previsto.

Amanhã, poderemos marcar o calendário das reuniões das duas próximas semanas. É que vai ter lugar a reunião do Conselho da Europa e existem ainda outros impedimentos.

Vozes.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, constatamos que há alguma dificuldade quanto à marcação dos dias. Por isso, julgo que deveríamos aproveitar os dias disponíveis, reunindo de manhã, de tarde e à noite.

O Sr Presidente: - Essa pode ser uma solução. Em todo o caso, amanhã manter-se-á o horário fixado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Amanhã, não até para não ferir as expectativas.

O Sr. Presidente: - Amanhã estabeleceremos o calendário, de modo a podermos acelerar este processo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Pessoalmente, tenho muita dificuldade na próxima semana, porque só chego, de Angola, na quinta-feira.

Depois, no dia 5 de Outubro, é feriado. Por isso, em rigor, poderíamos recomeçar em "marcha forçada" no dia 6 de Outubro. Esta é a minha proposta.

O Sr. Presidente: - Peço a VV. Exas. que pensem sobre este assunto para, amanhã, podermos fixar um calendário.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Faltaram os seguintes Srs. Deputados:

João Álvaro Poças Santos (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Alberto de Sousa Martins (PS).
Jorge Facão Costa (PS).
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego (PS).

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×