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Sexta-feira, 25 de Setembro de 1992 II Série - Número 3-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

III REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.º 3

Reunião do dia 24 de Setembro de 1992

SUMÁRIO

O Sr. Presidente (Rui Machete) deu início à reunião às 15 horas e 30 minutos.

Foi estabelecida a calendarização dos trabalhos da Comissão para as próximas duas semanas.

Procedeu-se à discussão das propostas de um novo artigo (artigo 5.°-A), apresentada pelo CDS, e de alteração do artigo 7.°, apresentadas pelo PS, pelo PSD e pelo CDS.

Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), Almeida Santos (PS), Narana Coissoró (CDS), Jorge Latão, José Magalhães e Alberto Costa (PS), Guilherme Silva (PSD), António Filipe (PCP) e Nogueira de Brito (CDS).

O Sr. Vice-Presidente (Almeida Santos) em errou a reunião eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, de acordo com o que tínhamos combinado, vamos começar por determinar o nosso programa de actividades para as duas próximas semanas.

Se todos estivessem de acordo, teríamos apenas uma reunião na próxima semana, no dia 29 de Setembro, pelas 15 horas, uma vez que existem impedimentos de vários dos Srs. Deputados e, ainda, porque não estamos excessivamente pressionados em termos de tempo.

Recomeçaríamos, então, no dia 7 de Outubro, às 15 horas, continuaríamos no dia 8, às 10 e às 15 horas, e, eventualmente, teríamos uma reunião na sexta-feira, dia 9 de Outubro, às 10 horas, se não tivéssemos ainda concluída a primeira leitura dos diversos artigos dos projectos.

Suponho que esta proposta merece o vosso acordo, na medida em que já foi objecto de troca de impressões. Portanto, assentaríamos neste plano de actividades, que, depois, em Outubro, desenvolveríamos.

Assim sendo, em princípio, teríamos as audições dos especialistas na semana seguinte, muito embora tenhamos nos dias 12 e 13 as jornadas parlamentares do PCP, como temos amanhã e depois as jornadas parlamentares do PS.

O segundo ponto que gostaria de abordar respeita às actas. Como sabem, já foram distribuídas as actas da primeira e segunda reuniões, pelo que vos solicito o favor de as reverem rapidamente na parte que a cada um de vós respeita. Aliás, eu próprio terei tudo, na medida em que convinha que pudéssemos disponibilizar as actas, para efeitos de impressão, o mais rapidamente possível, de modo a cumprirmos o prazo previsto no nosso regimento, que é de uma semana, como certamente se recordarão.

Srs. Deputados, se estiverem de acordo, vamos iniciar os nossos trabalhos substantivos e o primeiro artigo que vamos abordar - e vamos proceder de acordo com o combinado, isto é, em função da ordem pela qual se distribuem os projectos e em função dos artigos da Constituição - é a proposta de artigo 5.°-A (artigo novo), constante do projecto do CDS, que é do seguinte teor:

Artigo 5.°-A

Língua oficial

A língua oficial da República é o português.

Pergunto ao Sr. Deputado Narana Coissoró se pretende fazer uma curta apresentação desta proposta ou se considera que, pela sua evidência, é dispensável fazê-lo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS pretende fazer uma curta apresentação desta proposta, mas como o Sr. Deputado Nogueira de Brito ainda não chegou à Comissão, e é ele que fará essa apresentação, penso que podemos continuar os nossos trabalhos até ele chegar, se o Sr. Presidente estiver de acordo.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, vamos então passar ao artigo 7.°, relativamente ao qual há duas propostas: uma de alteração de redacção ao n.º 5 deste artigo, apresentada pelo PS, e outra de aditamento de um n.° 6, apresentada pelo PSD, sendo, em todo o caso, o seu significado praticamente idêntico.

O CDS apresentou também uma proposta de supressão do n.° 5 deste artigo 7.°, acrescentando um artigo novo, o 7.°-A, que, no fundo, visa uma matéria idêntica.

Srs. Deputados, vamos, pois, discutir, em conjunto, as propostas que acabei de referir.

Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, penso que o teor da nossa proposta é claro. De resto, participa do mesmo conjunto de sentidos e de intenções que a generalidade das propostas feitas para este mesmo artigo. designadamente pelo PS e também, no essencial, pelo CDS.

Trata-se de viabilizar, numa primeira aproximação geral, a participação de Portugal na construção da unidade europeia, predispondo-se Portugal a compartilha, nos termos que forem acordados no contexto dessa construção, os seus poderes de soberania e a aceitar as restrições ou as compressões daí decorrentes. Isto no sentido da soberania tradicionalmente entendida.

Portanto, penso que quanto ao sentido geral não se afiguram necessárias grandes fundamentações nem apresentações. Reservamos para a especialidade uma discussão mais pormenorizada quanto às formulações.

O Sr. Presidente: - Para fundamentar a proposta apresentada pelo PS, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, a título de apresentação da nossa proposta, eu penso, sem particular vaidade, que ela é talvez a mais completa das três que foram apresentadas. Por isso farei uma breve comparação entre elas.

Cm primeiro lugar, a nossa proposta aproveita um artigo que já existe na Constituição e que, em nosso entender, continua a ter conteúdo, que é o n.º 5 do artigo 7.º, segundo o qual "Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos". Na verdade, não me parece que deixemos cair este empenhamento e estes valores.

Portanto, a nossa proposta, na medida em que se insere numa nova redacção do n.º 5 do artigo 7.º, salvaguarda a continuação deste empenhamento e destes valores.

Em segundo lugar, referimos claramente que o que vier a acontecer em matéria de exercício em comum de competências terá de ser convencionado, o que também é importante, porque os outros artigos não dizem como é que se "salta" para essa partilha.

Fazemos, como aliás, noutras propostas, referência aos princípios da subsidiariedade e da reciprocidade. Quanto ao primeiro, é um conceito que transplantamos - se for esse o caso - para a Constituição da República por indução do que consta nu próprio Tratado, ou seja, estamos a apropriar, no fundo, o conceito de subsidiariedade que está no Tratado. Sujeitando-o, por isso, às contingências que venha a sofrer a título interpretativo, nomeadamente em sede do Tribunal de Justiça.

Ora bem, o que é que diz o artigo 3.°-A, salvo erro? Diz que as Comunidades Europeias, em matéria da sua competência, mandam; fora da matéria da sua competência, aplica-se o princípio segundo o qual aquilo que os Estados membros possam fazer melhor do que a Comunidade fá-lo-ão de preferência.

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Acho que vale a pena referir aqui este princípio. Mas não sei se o devemos definir ou não; é um problema que coloco à vossa consideração. Em todo o caso, o princípio, tem este melindre: é que não se sabe bem em que se traduz o princípio da subsidiariedade, uma vez que normalmente ele é interpretado como aplicável às próprias competências das Comunidades, o que não é verdade.

As competências definidas no Tratado não estão sujeitas a este princípio, aplicando-se apenas ao que está para lá dessas competências, ou seja, às competências não exclusivas dos órgãos comunitários. Ora não é bem este o entendimento comum do princípio da subsidiariedade.

Há ainda o problema de saber se devemos referir competências ou poderes. Se consultarmos a nossa Constituição, verificamos que o grosso das competências são da Assembleia da República - definidas como tais na própria Constituição -, pelo que o conceito de competências é preferível ao de poderes, embora este último seja mais adequado, por referência ao Estado.

Por outro lado, enquanto que algumas propostas referem as "Comunidades Europeias" nós preferimos que se refira a "construção da União Europeia", porque aquilo que pode, de facto, exigir transferência significativa de competência ou poderes é a construção da União Europeia.

Também a proposta do PSD refere, e bem, a condição de reciprocidade, além da de subsidiariedade, e fala em "[...] compartilhar o exercício dos poderes necessários à construção da unidade europeia". Portanto, está bastante próxima da proposta do PS, salvo na parte em que deixa cair, digamos assim, o conteúdo útil do actual n.° 5 do artigo 7.° da Constituição.

Vozes do PSD: - Não deixa!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Fala em "compartilhar" o exercício dos poderes, enquanto que nós falamos em convencionar "o exercício em comum" de competências. Ora, também neste caso me parece a nossa expressão mais rica. A expressão "exercer em comum os poderes ou competências" é melhor do que a expressão "compartilhar", pois não se sabe com quem... Bem, também não se diz exercer em comum com quem, mas... enfim! A ideia de compartilhar cheira demasiado a "inventário de maiores".

Quanto à proposta do CDS, parece-me que ela é um pouco redundante ao dizer que "Portugal participa nas Comunidades Europeias com base nos tratados que as regem e que assinou com outros Estados soberanos que escolheram livremente exercer em comum algumas das suas competências em condições de reciprocidade e com respeito pelo princípio da subsidiariedade".

Ora, isto é quase nada, é dizer uma coisa que já se intui da assinatura e da ratificação do próprio Tratado. É óbvio que dizer que participamos com base no Tratado é até menos do que dizer que é nos termos do Tratado... etc.

Por outro lado, a proposta apresentada pelo CDS parece que só rege para o passado, pois nela apenas se referem os tratados que "regem" e que Portugal já "assinou" com outros Estados.

Ora, como esta alteração da Constituição vai preceder-se à aprovação e ratificação do Tratado, parece que, a proposta do CDS só rege para o passado. Mas se vier a entender-se que o assinou, como eu entendo, que não é a melhor maneira de referir a aprovação do próprio Tratado, uma coisa é certa: não irá abranger nada do que se passar no futuro. Enquanto que as formulações apresentadas pelo PSD e pelo PS, cada uma com as suas diferenças, já cobre a possibilidade de, sem novas revisões constitucionais, novas transferências ou o exercício em comum de outras competências que sejam necessárias à construção da União Europeia.

Por todas estas razões, e sem desprimor para as restantes propostas, penso que a do PS é talvez a mais completa e a que, sem prejuízo de poder e dever ser melhorada, se for esse o caso, merece as nossas preferências no cotejo das três propostas apresentadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, a nossa proposta também está na linha das preocupações avançadas pelas propostas do PSD e do PS. Simplesmente, entendemos que nesta matéria, de União Europeia, ou qualquer outro nome que se dê para a organização europeia em que Portugal se integra ou vai integrar, não devemos ter já como adquiridos os dados avançados neste momento, uma vez que amanhã pode haver designações diferentes, direcções diferentes, velocidades diferentes para a construção da Europa em que Portugal participa. Pelo que a nossa Constituição deve ser minimalista neste sentido, comedida e não fazer grandes declarações de futuro, como por exemplo a que dela constava em 75 e 76 de que "o Estado Português caminha para o socialismo, os direitos das classes trabalhadoras, etc.", porque depois pode verificar-se, como dizem os ingleses, que "what starts with cheers may end with tears". Portanto, poderão amanhã existir outras formulações para a nossa participação na Europa, que todos desejamos, configuradas numa organização de que naturalmente Portugal fará parte.

Entendemos também que devemos desde já marcar a nossa posição de que não admitimos qualquer forma de Estado centralizado europeu. E o que é quero dizer com isto? Na nossa proposta não está explícito, mas quaisquer directivas que venham de fora, qualquer legislação que venha de fora, deve ser apenas resultante dos tratados que livremente assinamos ou derivada desses tratados. Tudo aquilo que Portugal directamente não assinou, aquilo que directamente Portugal não viu através dos seus órgãos próprios, não deve entrar em Portugal como legislação fora dos tratados ou derivada dos tratados. Só aquela legislação que é dos tratados ou derivada dos tratados ou consequente dos tratados é que deve entrar em Portugal. É essa a nossa ideia quando dizemos que Portugal participa nas Comunidades Europeias com base nos tratados que as regem. E que assinou!

E porque é que colocamos a expressão no passado? Porque geralmente as ratificações são feitas depois da assinatura. E este artigo, relativamente aos tratados, diz respeito à entrada na ordem jurídica portuguesa da legislação internacional de que Portugal foi parte e que assinou. A nossa Constituição não prevê a delegação de poderes ao Governo da nossa parte, do Parlamento, para assinar os tratados. A palavra "assinou" refere-se a que quando estes tratados chegam a Portugal já vêm assinados, e por isso mesmo trata-se de problemas em relação a diplomas que para a Assembleia da República representam o passado, como é o caso de Maastricht. Maastricht é um tratado que Portugal assinou, mas que não assina, nem assinará! E o que sucede com Maastricht sucederá com todos os outros tratados. É aqui, na Assembleia da República, que serão analisados e discutidos, para só depois se proceder à sua ratificação, entrando então em vigor.

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Por outro lado, queremos que se verifique uma igualdade bem demonstrativa da nossa singularidade de Estado. Queremos dizer com isso que admitimos, em pé de igualdade com outros Estados, fazer parte de qualquer organização das Comunidades Europeias. Não queremos uma Europa com directórios, não queremos Portugal com um estatuto de subordinado, numa Europa onde haja grandes, médios e pequenos; apenas admitimos que Portugal, em qualquer organização das Comunidades Europeias em que participe, esteja sempre em pé de igualdade com os outros. Por isso mesmo escolhe livremente exercer em comum algumas das suas competências. Isto é, dependerá de nós sabermos o que é que queremos deixar para nós e que é que compartilhamos com os outros no exercício destas competências.

E, finalmente, a nossa proposta prevê o princípio da reciprocidade, que é mais que evidente, e o respeito da subsidiariedade. O respeito da subsidiariedade, para nós, é hoje um conceito da própria construção da Europa, que mais tarde ou mais cedo terá de fazer parte da nossa Constituição. Simplesmente, é preciso saber se esta subsidiariedade vem de cima para baixo, como pretendem alguns "bruxelistas", ou se deve ir de baixo para cima, como pretendem os impropriamente chamados "nacionalistas". Para aqueles que são pelo reforço da Comissão, do reforço da organização do aparelho das Comunidades, a subsidiariedade pode vir de cima para baixo. Isto é, aquilo que a Comissão ou o Conselho não fazem vem para os Estados, aquilo que o Governo não faz vai para as regiões e aquilo que as regiões não fazem vai para as autarquias. E há uma subsidiariedade ao contrário, isto é, aquilo que a autarquia não pode fazer, pode lazer a região; aquilo que a região não pode fazer, pode fazer o governo central, aquilo que ò governo central não pode fazer, pode fazer a Comissão ou qualquer outro órgão de natureza europeia.

E exactamente para evitar este tipo de discussão, que se encontra hoje na mesa, sobre que espécie de subsidiariedade se trata, entendemos que esta deve ser relacionada com a opção livre e em comum do exercício de algumas competências. Por isso mesmo nós fazemos estas ressalvas. Esta é, portanto, a razão de ser da nossa proposta.

Não vejo que ela seja redundante, não é redundante explanar o nosso conceito de como vamos partilhar as competências com outros Estados, não é redundante dizer que só admitimos tratados ou legislação directamente derivada dos tratados e não qualquer outra, não é redundante dizer que só aceitamos o princípio da reciprocidade, não é redundante dizer que só aceitamos este princípio de baixo para cima, não é redundante dizer que os tratados que nos regem só entrarão em vigor quando os Portugueses quiserem; e, principalmente, quanto à distribuição das competências, só aquelas que livremente Portugal, pelos seus órgãos de soberania própria, entender compartilhar com os outros. Por isso mesmo, salvo o devido respeito, não me pareceram rigorosas as críticas feitas a esta exposição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não vou propriamente fazer uma intervenção, mas formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Narana Coissoró.

Sr. Deputado, depreendi que o seu entendimento quando diz "assinou" é o de "tiver assinado".

Mas, e o "regem"? "Os tratados que regem, que as regem", não que vierem a reger? Não há dúvida que a vossa proposta só rege o presente e o passado, nunca o futuro, enquanto que as propostas do PS e do PSD dizem "podem transferir". É por isso que digo que ela é redundante. Não é só o problema do "assinou", porque aí podemos dizer "tiver assinado". É uma expressão que pode equivaler-se. Mas a expressão "tratados que a regem" não pode significar "que as regerem"! Daí a minha objecção à vossa proposta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é isso. Estamos aqui a falar apenas dos tratados respeitantes à Comunidade Europeia, isto não é uma norma referente a todos os tratados internacionais.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu sei! Só que relativamente às Comunidades, só se referem os tratados que as regem e que Portugal assinou.

O Sr. Presidente: - Há várias inscrições, eu mesmo não resisto a produzir a minha própria intervenção, como parte interessada e de algum modo até porque me cabe a redacção do n.° 6 do projecto do PSD.

Gostava de começar por explicar, em perfeita consonância com aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Costa Andrade, que procurámos resolver aqui (aliás, como o PS e o CDS) o problema mais importante, que é o de explicar o exercício em comum de poderes soberanos por parle dos Estados e que isso não significa necessariamente uma diminuição da personalidade internacional dos mesmos Estados e da sua independência. Foi, aliás, uma matéria que ocupou muito os autores e depois a Assembleia Nacional Francesa aquando da revisão da Constituição da V República, justamente a propósito da eventual ratificação do Tratado de Maastricht.

A ideia foi de encontrar uma fórmula e essa foi a primeira preocupação que, simultaneamente, servisse estes dois objectivos: o de legitimar o exercício em comum de poderes ou de competências - já lá vamos quanto à melhor forma - e o de afirmar que isso não minimiza a independência do Estado. E por isso mesmo, foi escolhida a fórmula "compartilhar" porque é de uma partilha, de um pôr em comum o exercício de poderes, que se trata, os quais são, necessariamente, poderes de soberania. E fazê-lo com uma finalidade que é a construção da unidade europeia.

Simultaneamente introduziu-se uma cautela que é habitual nestas matérias. A de que haja condições de reciprocidade, para que essa partilha não seja desigual. Acrescentou-se também o princípio da subsidiariedade. E quanto ao princípio da subsidiariedade gostava de referir que não penso (e é uma matéria sobre a qual nos devemos debruçar atentamente) que seja absolutamente necessário e indiscutível que essa subsidiariedade tenha de ser interpretada nos termos do Tratado de Maastricht. Embora, como é óbvio, reconheça - como foi observado pelo Sr. Deputado Almeida Santos - que a interpretação que for dada a nível comunitário pode influenciar. Mas, designadamente, hoje a expressão do Tratado nessa matéria, que é o artigo 3.°-B, traduz uma subsidiariedade desigual porque, primeiro, diz quais são as competências da Comunidade e, depois, é que abre, na zona que não está abrangida por aquelas, o campo a subsidiariedade. É evidente que se as

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competências comunitárias forem definidas de uma maneira nominal, específica, de acordo com o princípio de enunciação, porventura este artigo 3.°-B do Tratado de Maastricht poderá ser aceite como doutrina. Mas se, como tem acontecido frequentemente, aparece uma ideia de poderes implícitos e desenvolvimentos jurisprudenciais, que têm sido frequentes, e a meu ver muito felizes, essa tendência pretoriana do Tribunal Europeu leva a pensar que não poderemos sem mais aceitar qualquer interpretação que venha a ser dada a este princípio da subsidiariedade a um nível comunitário.

E daí que me pareça importante explicitar, em termos de revisão constitucional, que não somos necessariamente tributários daquilo que venha a ser a interpretação do Tratado. Subsidiariedade, de acordo com uma orientação que foi, digamos, consubstanciada de uma maneira particularmente nítida na doutrina social da Igreja, mas de que há afloramentos noutras correntes doutrinais (portanto, não é um exclusivo ou monopólio da doutrina social da Igreja), significa no fundo que se aceita que quem tem maior proximidade e maior capacidade seja aquele com a competência para realizar os actos ou exercer os poderes que essa proximidade justifica e as necessidades exigem e que, portanto, as competências se exerçam sem sacrifícios justamente daqueles que estão mais apropriados para o realizar.

Ora, dito isto, penso que não se justifica nem a supressão do n.° 5 do actual artigo 7.º, como faz o CDS, nem o entrosamento no mesmo preceito destes aspectos do problema, como faz o Partido Socialista. Porquê? Porque a actual redacção do n.º 5 do artigo 7.º fala na identidade europeia num sentido que não tem de se circunscrever necessariamente - e é essa a razão pela qual não gostaríamos de fazer um preceito amalgamado - à Comunidade Económica Europeia, nem ao que é geograficamente entendido como a União Europeia. A nossa ideia, hoje fortalecida pelo desaparecimento dos totalitarismos de Leste, é a de que existe uma identidade cultural e política, até europeia, que, naturalmente, é muito menos forte da que existe hoje nas Comunidades Económicas Europeias e existirá depois na futura União Europeia, mas que já está suficientemente delineada pela história para permitir afirmar uma separação entre nós, os Europeus, e os outros que não são europeus e para justificar a autonomia deste n.° 5.

Daí que, sem ter quaisquer dissensões substanciais em relação aquilo que propõe o Partido Socialista ou o CDS quanto aos aspectos positivos, eu preferisse, de uma maneira muito clara, um aditamento ao artigo 7." e não a supressão ou o amalgamar do n.° 5 do artigo 7.° com estes novos aspectos do problema.

Quanto à questão dos poderes e da competência, gostaria apenas de observar que a competência, como VV. Exas. sabem, é o equivalente à capacidade de direito privado no direito público. Quando se fala no Estado, e não se está a fazer uma distribuição pelos diversos órgãos do Estado, é, porventura, mais curial, embora não seja uma observação decisiva, usar a expressão "poderes", em vez da expressão "competência", embora não seja uma questão fundamental nem possa dizer-se que seja correcto usar-se a expressão "competência".

Ainda uma observação no que respeita à redacção proposta pelo Partido do Centro Democrático Social.

Tenho dúvidas, do ponto de vista técnico, quanto à vantagem de utilizar a expressão "os tratados que assinaram". E isto porque noutro dia foi aqui colocado o problema, até com um certo intuito crítico, suponho eu, dos governos assinarem tratados que podem ser contrários às normas constitucionais. Bem, a verdade é que, do ponto de vista quer do direito constitucional quer do direito internacional, isso não é um fenómeno virgem e não tem de ser necessariamente censurado, na medida em que sempre se pode entender que esses tratados são assinados sob condição. Mas a verdade é que aqui parece dar-se um passo mais em frente e pressupor necessariamente a constitucionalidade da assinatura dos tratados, o que, em minha opinião, não é, porventura, a solução mais conveniente. Numa coisa, porém, penso que convimos todos, é que no que respeita à integração europeia não há - e qualquer dos partidos que apresentam propostas de aditamento ou de alteração ao artigo 7.° estão de acordo - qualquer cedência quanto à questão fundamental da competência da competência - para usar uma expressão própria da doutrina alemã -, isto é, de que o Estado Português, como quaisquer outros Estados que subscreveram o Tratado de Roma e os tratados subsequentes, tem o direito de secessão, ou seja, o direito de, no caso de assim o entender, poder sair livremente. Ora, esse aspecto é a pedra-de-toque, a diferença específica entre a federação de Estados e aquilo que é uma comunidade de Estados independentes, mesmo que possa, aqui ou além, revestir em alguns dos aspectos sectoriais de natureza confederai, digamos assim.

Portanto, prefiro claramente a formulação do PSD, pelo menos, no que diz respeito à autonomização em relação ao n.° 5 do artigo 7.°, porque penso que a interpretação que resultará de se amalgamar é diferente da que, neste momento, vigora e que ditou a razão profunda deste n.° 5. Manifesto também, natural e compreensivelmente, a minha preferência pela redacção ática apresentada pelo PSD.

Há ainda um ponto que, suponho, o Sr. Deputado Almeida Santos não referiu, mas que, em meu entender, valeria a pena ponderar. Trata-se da referência ao princípio da coesão económica e social que é feita na proposta do Partido Socialista. Gostaria de ver a Comissão pronunciar-se com algum detalhe sobre este aspecto, que não aparece na proposta do PSD nem, suponho, na do CDS.

Evidentemente, entendemos que a questão da coesão económica e social é importante para nós, em particular, Estado que pode vir a beneficiar muito com isso, mas a dúvida que tenho, e é uma dúvida realmente, é sobre a oportunidade de a mencionar no texto constitucional, visto que estas expressões são mutáveis e podem aparecer noutros termos e de outras formas, uma vez que são um pouco contingentes. Todavia, pela sua relevância pode contrapor-se que se justifica incluí-la, daí o meu interesse em que os Srs. Deputados, se quisessem ter essa benevolência, se pronunciassem sobre esta problemática.

Tem agora a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui citado para uma primeira apresentação da nossa proposta e foi isso que fiz sem entrar numa análise mais pormenorizada e, portanto, sem entrar num certo confronto de vantagens relativas entre a nossa proposta e as outras que estão em causa. O que foi já ensaiado, designadamente pelo Sr. Deputado Almeida Santos e pelo Sr. Presidente que, enquanto Deputado do PSD e co-autor reconhecido da proposta que formulámos, avançou já algumas respostas com as quais estou inteiramente de acordo.

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Deste modo, a minha intervenção está um pouco prejudicada pela intervenção do Sr. Presidente. Vou, por isso, limitar-me a dizer o que, do meu ponto de vista, talvez ajude a clarificar melhor as coisas. Penso que não devemos insistir naquilo em que todos estamos de acordo. E, no essencial, se virmos bem as propostas, o grande horizonte é comum, pelo que não vale a pena insistir.

Por outro lado, também penso que não devemos acentuar as divergências a nível do princípio da subsidiariedade, pois ele consta de todos os projectos e também o Partido Socialista apela para ele.

Também me parece que não devemos discutir muito a questão da distinção entre poderes e competências, pois é uma questão técnica. Devíamos deixar esse aspecto para ser ajuizado pelos técnicos constitucionalistas e de direito internacional público. Na minha modesta opinião, quando se trata de relações entre Estados, seria mais correcto usar a expressão "poderes", em vez de competências, embora "não ponha as mãos no fogo" pela bondade técnica. Louvo-me em qualquer caso da intervenção do Sr. Presidente.

Quanto à questão de fundo que aqui está em causa, que resulta do confronto entre a proposta do Partido Socialista e a nossa, penso que o que disse o Sr. Presidente é profundamente correcto e, mais, haveria aqui, de certa maneira, um empobrecimento da riqueza constitucional se seguíssemos a proposta do Partido Socialista. Independentemente de ser ou não pertinente continuarmos com a tarefa da União Europeia e independentemente do tempo que a mantivermos, Portugal, num horizonte mais largo, empenha-se já no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos, mesmo que amanhã, em nome do exercício do direito de secessão, abandonemos a União Europeia. Independentemente disso, o nosso empenhamento continua a ser válido, pois é um outro horizonte mais amplo, independentemente deste horizonte específico da União Europeia. A identidade europeia de que aqui se fala é, de certa maneira, num outro sentido, e onde estão instituições ou entidades de carácter europeu para além das Comunidades Europeias. Estou a pensar privilegiadamente no Conselho da Europa. Também dentro desses espaços Portugal luta a favor da paz, do progresso económico, da justiça social e das relações entre os povos.

Assim, penso que seria empobrecer o nosso compromisso constitucional e o nosso empenhamento por estes valores se apenas os vinculássemos ou os relacionássemos com a nossa pertinência e a nossa participação na construção da União Europeia.

O Sr. Almeida Santos (PS): - A nossa proposta é a de estes objectivos serem atingidos não apenas através do reforço da identidade mas também no quadro da construção da Europa, pois são valores que valem para as duas coisas e não nos parece que devam valer só para uma!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Independentemente da União Europeia, mas também obviamente para ela, empenhamo-nos na luta pela paz, pelo progresso económico e pela justiça das relações entre os povos, pelo que, em meu entender, está mais correcto, pois não empobrecemos e aceitamos o horizonte já definido pela Constituição, introduzindo-lhe agora o que de específico traz a União Europeia. Mas também penso que não será por isto que não nos vamos deixar de entender, uma vez que a ideia, no fundo, é substancialmente idêntica.

A proposta do CDS, a ser aprovada, comportaria alguns riscos, designadamente o de possibilitar um certo entendimento literal. E embora não tenha compreendido bem o que disse o Sr. Presidente nesta matéria, penso que também se estaria a referir a esta ideia, ou seja, a ideia de que dela resulta um certo imperativo constitucional de pertinência às Comunidades Europeias. Portugal participa nas Comunidades Europeias nos termos dos tratados assinados e, uma vez estes assinados, podia, num certo entendimento das coisas, criar-se aqui um certo imperativo constitucional de permanência, isto é, uma ideia de irreversibilidade constitucional. Enquanto, quer o Partido Socialista, quer o PSD, em termos constitucionais, dizem que Portugal pode, e depois o legislador que o diga. Porém, a proposta do CDS, e não digo que seja uma interpretação única dessa proposta, comporta o perigo de uma obrigação constitucional de pertinência às Comunidades Europeias.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É pelo menos engraçado!

Risos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É engraçado e pírrico em função daquilo que se conhece. Portanto, também por isso, a meu ver, o CDS não deveria apresentar uma proposta como esta. Repito: não é - e para jurista e para constitucionalista há sempre várias interpretações possíveis - talvez a única interpretação que decorre, com alguma plausibilidade do texto da lei, mas é perigosa, pelo que, penso, não seria uma proposta correcta paia ser apreciada aqui, em termos da revisão da Constituição.

De facto, do nosso ponto de vista, em termos da revisão da Constituição, são melhores as propostas como as do PS e do PSD, pois quem nos diz que amanhã o CDS do "não" é maioritário em Portugal e talvez, enfim, se sinta legitimado para exercer uma certa actuação política que a Constituição impediria se consagrássemos uma fórmula como esta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que diz respeito a algumas observações sobre a formulação apresentada pelo CDS, não serei original, mas gostaria também de partilhar as observações já aqui feitas sobre a redacção que o CDS nos apresentou.

Na verdade e numa primeira leitura, ela parece, digamos, incorrer em dois vícios: um, parece-me ser o apontamento nos termos do qual a condição de entrada em vigor dos tratados é a assinatura e não o acto de ratificação, o que, desde logo, nos permitiria talvez alguns comentários irónicos à conjuntura actual, na medida em que, a ser assim, dado o facto de Portugal já ter assinado o Tratado de Maastricht, isso seria, numa interpretação literal da proposta apresentada pelo CDS, uma condição sine qua non para ter de se aplicar o Tratado de Maastricht. pois ele já está assinado, e nesta visão da proposta do CDS essa parece ser a condição do respeito pelos tratados. De qualquer modo, este conceito é conflituante com o conceito constitucional de que os tratados entram em vigor na ordem jurídica tendo como condição necessária o acto de ratificação e não o acto de aprovação.

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Uma segunda observação é quanto à estática do próprio artigo, ou seja, se, por um lado, se consagra a figura da Comunidade Europeia como instituição permanente na ordem constitucional portuguesa, por outro lado, o artigo está dirigido ao passado e não ao presente e ao futuro, pelo que não é capaz de assimilar as realidades dinâmicas da própria construção europeia.

Seria interessante que o CDS reflectisse sobre isto e nos dissesse o que pensa destas observações críticas.

Gostaria agora de me referir aos textos apresentados pelo PSD e pelo PS. Parece-me ser claro para todos nós que o escopo essencial das duas propostas é comum e, portanto, trata-se apenas de procurar encontrar a redacção que melhor precise, do ponto de vista conceptual, o objectivo que é comum aos dois textos.

Neste âmbito, talvez seja interessante assinalar o seguinte: na teoria geral das organizações internacionais encontramos organizações internacionais, digamos, na sua simetria tradicional, de uma dupla natureza. Por um lado, organizações internacionais por cooperação em que os Estados se encontram para decidir em comum, mas sem perda de competências ou poderes, por outro lado, organizações internacionais por integração em que os Estados se encontram para decidir, no âmbito de competência da organização internacional.

Ora, até hoje, a realidade da Comunidade Europeia é um pouco mista. Por um lado, há um conjunto de decisões que resultam de um processo por integração, isto é, decisões que são tomadas na base das competências próprias das instituições comunitárias. Por outro lado, há tomadas de posição assumidas em comum na base de um princípio de cooperação e, portanto, numa instância em que os Estados procuram dar coerência a linhas de orientação de política europeia, mesmo para além da competência formal dos órgãos comunitários.

Assim, se a realidade "União Europeia" é, de facto, uma realidade viva, esta tendência dinâmica tenderá a acentuar-se no futuro, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Maastricht, o que quer, porventura, dizer que a União Europeia no futuro poderá ser a expressão destas duas realidades, ou seja, a expressão de uma organização internacional por integração e, também, por cooperação. Desta forma, talvez aquilo que esteja em causa, do ponto de vista do ordenamento constitucional, seja a procura de uma fórmula que permita estabelecer um princípio de partilha em comum de competências, sejam as que se partilham por terem sido previamente transferidas para as instituições da Comunidade Europeia, sejam as que livremente se condenam, sem prejuízo de a competência própria dos Estados não ter sido transferida, isto é, na base do tal princípio da cooperação político-institucional no seio da Comunidade Europeia.

À luz desta problemática, parece-me que o princípio da partilha em comum de poderes, avançado na proposta do PS, assume mais esta dupla perspectiva, ou seja, a perspectiva de uma igualdade de tratamento entre os Estados que integram a União Europeia, pelo que tenderia, pelo menos nesta primeira leitura, a considerar feliz a solução redactorial apresentada no projecto do PS.

Uma última observação que gostaria ainda de fazer reporta-se à consagração do princípio da coesão económica e social. Na verdade, penso que este princípio tenderá a ter cada vez mais relevância política na dinâmica da unidade europeia.

Por razões que são óbvias e que decorrem, para a Europa, da nova realidade política, na sequência da queda do "muro de Berlim", há hoje problemas de coesão económica e social que não são apenas ínsitos à fronteira tradicional da Comunidade Económica Europeia, sendo bem mais vastos do que isso, uma vez que implicam responsabilidades novas para toda a Europa, independentemente das fronteiras comunitárias. Por outro lado, também é verdade que no interior da União Europeia se vai ganhando consciência de que não basta apenas construir um mercado de livre troca e de que é necessário, para além disso, ter em conta a condição concreta de vida dos cidadãos que integram a Comunidade Europeia. E para ter devidamente em conta a condição concreta de vida dos cidadãos é preciso olhar não apenas para a dimensão do mercado mas, sobretudo, para a condição de vida e justamente paia os problemas da coesão económica e social.

Esse princípio deveria ser para nós um sinal de compromisso permanente de Portugal na realização da União Europeia, ou seja, seria a incorporação na ordem constitucional portuguesa de que a motivação que conduz Portugal a comprometer-se neste processo de unidade europeia passa necessariamente pela construção da coesão económica e social. Esta é a razão pela qual me parece pertinente que esse princípio também fique consagrado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria só de chamar a atenção para dois aspectos.

O primeiro tem a ver com a função habilitante das normas que estão propostas. A razão primária que está na origem das propostas dos vários partidos neste domínio é a de que o Estado Português carece de uma habilitação para o processo de vinculação internacional que tem por diante, quaisquer que sejam os contornos ou a leitura que dele façamos.

Essa norma de habilitação tem de ser cuidadosamente desenhada por forma a ter em conta, por um lado, os contornos possíveis, qualquer que seja o seu grau de definição, desse compromisso e, por outro lado, o acervo constitucional em vigor e a nossa concepção de Estado como Estado soberano. Não se trata de uma operação simples de redigir.

As razões pelas quais o Grupo Parlamentar do PS apresentou a sua proposta foram expostas pelo Sr. Deputado Almeida Santos. A minha reflexão consiste em procurar que aprofundemos um pouco o sentido e os limites da norma habilitante que está proposta.

Os textos propostos, tanto pelo Partido Socialista como pelo PSD - e já irei mais tarde à questão do CDS -, têm um cuidado comum (e esse é um aspecto que me parece muito importante): ao mesmo tempo que admitem e habilitam o Estado Português a vinculações que envolvem o exercício em comum de competências, operam uma reafirmação dos poderes do Estado Português enquanto Estado soberano. Assim, ao falarem em "partilha de poderes" ou em "exercício em comum de competências", as propostas implicitamente sublinham que a titularidade se mantém no plano estadual, ou seja, que há uma reserva de titularidade a favor do Estado Português, não sendo admissível qualquer espécie de alienação ou qualquer outro tipo de restrição que envolva uma afectação letal do princípio da independência nacional. Ora, a limitação desta habilitação, que simultaneamente habilita e reafirma a

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soberania, parece-me ser um ponto importante. Mais ainda, é importante que haja um largo consenso sobre esse aspecto.

A segunda questão que, a este nível, se coloca é, evidentemente, a de saber quais são os limites dessa habilitação. Se uma norma deste tipo for aprovada, o Estado Português pode assumir compromissos internacionais que envolvam o compartilhar de poderes que até agora não se verifica, mas essa cláusula de habilitação não é ilimitada. Gostaria, sobretudo, de chamar a atenção para este aspecto, pois em caso algum pode ser afectado aquilo a que a doutrina e a jurisprudência normalmente chamam "condições essenciais para o exercício da soberania", conceito mosaico que pretende evidentemente aludir a que há um núcleo central indisponível que não pode ser atingido, sob pena de a soberania, ela própria, por desprovida das competências essenciais, ficar desguarnecida dos elementos que, precisamente, lhe dão corpo e lhe permitem afirmação nos diversos planos.

A segunda componente das normas que estão propostas não é menos importante mas é, porventura, menos desenhada e carece, ela própria, de definições adicionais. Trata-se da função programática, a definição das condições em que Portugal pode fazer um processo que envolve uma restrição ao exercício de competências que desafectadamente desenvolvia.

Propõe-se agora a fixação de um limite que decorre, por um lado, da condição da reciprocidade, que é fácil de identificar e estabelecer e não exige grandes esforços de descodificação, e, por outro lado, do princípio da subsidiariedade. Quanto a este, gostaria só de fazer uma observação.

Mil contornos e mil leituras tem o princípio da subsidiariedade. Primeiro, trata-se de um conceito com muitas faces. Não tem só uma raiz de carácter filosófico e político, mas múltiplas raízes, e vem sendo adoptado por múltiplas maiorias políticas com sentidos e alcances diferentes.

Em segundo lugar, é um conceito com grande plasticidade, insusceptível de interpretações redutoras. Designadamente, não é susceptível de uma interpretação que o monodimensionalize e o transforme ou em agente de uma construção europeia do alto para baixo, ou de baixo para cima, como o Sr. Deputado Narana Coissoró referiu há pouco, algo caricaturalmente.

Trata-se de um conceito aberto que pode implicar o exercício pelo centro de determinadas competências e o exercício pelas estruturas intermédias de outras, segundo uma distribuição que variará e dependerá sempre das opções que sejam tomadas, caso a caso, pelos Estados, através da forma constitucionalmente adequada. As distribuições de competências far-se-ão segundo a lei comunitária e os direitos constitucionais de cada Estado e entrarão em vigor segundo as regras comunitárias e os direitos constitucionais.

Em terceiro lugar, o princípio da subsidiariedade será um princípio com uma carga programática, seguramente, mas uma carga programática cuja densificação será tendencialmente baixa. Este é um aspecto que importa, sem dúvida, aprofundar, e que, sobretudo na leitura que dele faço, não acarreta uma limitação à evolução futura da Comunidade ou não acarreta, por si, uma limitação ao processo de construção europeia.

Em quarto lugar, a consagração deste princípio não acarreta a morte definitiva de certos poderes tradicionalmente exercidos pelos Estados, uma vez que pode haver movimentos de reajustamento. Um determinado conspecto de distribuições não é definitivo. A Comissão Europeia pode amanhã exercer menos competências em determinadas áreas do que aquelas que exerce hoje. O Estado nacional pode exercer outras, as regiões podem exercer novos poderes e pode haver fenómenos de interpenetração e de mudança de escalão, ao abrigo do princípio da subsidiariedade. Este, repito, não indica um rumo único, não dá um sinal para cima ou um sinal para baixo definitivo, impostergável, intangível e insusceptível, portanto, de adaptações.

É este, porventura, o grande defeito mas é também o grande mérito de plasticidade do princípio da subsidiariedade, que, na minha opinião, não acarreta um debilitamento nem um fim da ordem constitucional portuguesa, mas, antes, um processo de acomodação paulatina faseada, não linear, de forma própria para tutelar interesses fundamentais nacionais.

Eis alguns desafios, Sr. Presidente, para que gostaria de chamar a atenção. Urge um aprofundamento de reflexão, clarificador e útil em termos de hermenêutica constitucional.

Quanto à proposta do CDS, o Dr. Nogueira de Brito não explicou por que é que suprime o n.° 5 do artigo 7.º em todas as suas componentes, que foram introduzidas na última revisão constitucional e significam importantes normas de definição e vinculação do Estado Português em matéria de filosofia europeia e de construção europeia numa óptica alargada. Ainda por cima, essas normas não tocam em nada daquilo que parecem ser as preocupações de peito do CDS.

O CDS propõe estranhamente a supressão de um adquirido constitucional com um conteúdo programático bastante relevante, que significou um aperfeiçoamento considerável introduzido, consensualmente, na última revisão constitucional. Trata-se de uma janela aberta sobre uma Europa cujo conceito não se define monoliticamente mas ao qual se abriu o texto constitucional.

Ora, o CDS suprime a norma e, por acréscimo, usa terminologia que não se caracteriza por precisão, como sublinhou o Sr. Deputado Jorge Lacão em relação ao uso da expressão "assinatura", que tem um significado muito preciso na linguagem jurídico-constitucional portuguesa e é aqui utilizada numa acepção invulgar, um pouco bizarra e, em qualquer caso, irrigorosa. Opera, simultaneamente, uma cristalização revivificadora, terrível na óptica da própria acomodação normal de Portugal às necessidades de decisão no quadro da construção europeia.

Não se percebe, tanto do ponto de vista dos objectivos proclamados como dos objectivos do direito constitucional vigente, o sentido desta démarche, a não ser no sentido do empobrecimento do quadro constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na linha das duas intervenções anteriores, quero começar por sublinhar que, de facto, há um terreno razoável de encontro entre as propostas do PS e do PSD nesta matéria. Registo, desde já, esse facto, pois, a seguir, irei fazer alguns comentários que vão no sentido do que me parece ser a superioridade da nossa proposta, o que não exclui esse constate inicial.

Primeiro ponto: a autonomia, que subjaz à proposta do PSD, em relação aos n.°s 5 e 6 e a consumpção que faze-

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mos do conteúdo útil do actual n.° 5, na formulação para que, neste momento, apontamos. Quer queiramos quer não, neste n.° 5 está a actual avaliação constitucional do fenómeno comunitário. É certo que identidade europeia é mais do que isso, mas na Constituição Portuguesa não encontramos qualquer outro lugar onde sediar o valor que o Estado Português atribui à construção da Europa comunitária.

Sendo assim, pelo menos a proposta interpretativa que o Sr. Deputado Costa Andrade faz no sentido de expulsar o fenómeno comunitário, e agora o fenómeno da união, deste n.° 5, para o passar para um outro número, mantendo no n.° 5 apenas o que de residual da ideia europeia continuasse a ser útil, parece-me relativamente artificial e infiel ao conteúdo histórico deste preceito, que não é de renegar.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Alberto Casta (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, não se trata de expulsar, mas, sim, de dizer que o n.° 5 é um preceito de carácter mais geral, onde cabe a construção europeia e aquilo que, em termos de Europa e de valores comuns ao seu património, está para além da construção europeia. Porque, independentemente da União Europeia, Portugal já se empenhou. Antes da União Europeia, Portugal já tinha assumido este compromisso.

Entendemos que este compromisso pelos valores da paz devia valer para a União Europeia, que está ali também enquanto formulação geral, mas a autonomização é uma especificação imposta pelos ulteriores envolvimentos. Não me parece que se deva correr o risco de estes valores aparecerem ligados exclusivamente à União Europeia.

O Sr. Deputado Almeida Santos - e permita-me que o cite para facilitar a minha argumentação - diz "o nomeadamente vale para tudo, vale para as duas coisas, para o geral Europa e para o específico dentro da Europa", onde também está, obviamente, a União Europeia. Vale, portanto, para ambos os níveis. Só que me parece que a coesão económica e social impede um pouco essa interpretação, porque os programas de coesão económica e social valem, pelo menos privilegiadamente ou exclusivamente, para o âmbito comunitário.

Penso, portanto, que não é correcta a sua interpretação quando diz que eu excluí... Eu não excluo a União Europeia do n.° 5, só que entendo que esse número é mais rico e vai para além dela, pois ele não fica sem objecto normativo mesmo que a União Europeia falhe.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Retomando as considerações anteriores, penso ir ao encontro das objecções formuladas.

Parece-me que a actual formulação do n.° 5 corresponde a um determinado nível de aposta constitucional no empenhamento europeu, que traduziu o espírito de revisão de 1989 nesta matéria.

É da história que a União Europeia, neste momento, nos leva, do ponto de vista constitucional, a elevar a parada desta aposta portuguesa no empenhamento europeu e, portanto, parecia-me que não devia haver aqui um seccionamento, antes que se deveria intensificar o empenhamento anteriormente adquirido, conservando-lhe um miolo que continua a ser o miolo comunitário.

Por outro lado, ao fazermos esta ligação num único número, associamos a cláusula habilitante ao fenómeno europeu, porque é também da história que resulta que esta norma habilitante entre na Constituição Portuguesa por via do fenómeno europeu.

Enquanto em várias constituições europeias as normas habilitantes ou as normas de autorização de transferência de competências ou de exercício de soberania, como se queira, para organizações internacionais estiveram desligadas do fenómeno europeu, uma significativa particularidade do caso português é que nós vamos dar entrada a uma norma habilitante desta natureza por via do fenómeno europeu e não por qualquer outra via, como, aliás, chegou a ser proposto sem sucesso em revisões anteriores.

Portanto, parece-me que era justo que enxertássemos a própria norma de habilitação na sede constitucional histórica de avaliação positiva do fenómeno europeu.

Segundo ponto. As normas habilitantes desta natureza são, em muitos casos, acompanhadas de objectivos, de referências, que, de alguma maneira, permitem limitar o alcance das próprias normas. Ora se diz que se autorizam transferências para salvaguardar a paz, ora para realizar a cooperação, ora para construir uma ordem jurídica internacional melhor, etc. Isso quer dizer que, ao inserirem-se normas desta natureza, se tem, muitas vezes, entendido como positivo que se apresentem também critérios para o exercício dos poderes atribuídos pela própria norma.

Nesta linha, parece-nos que seria bom que, ao mesmo tempo que se introduz a norma, se fixassem os valores e as finalidades em vista com a sua introdução. E, a nosso ver, o que está em vista é a Europa e a União Europeia - e não levantamos qualquer dificuldade intransponível à opção entre União Europeia e unidade europeia, que é questão que pode ser vista a seguir. É esse fenómeno que está na origem da norma de habilitação.

Em segundo lugar, é positivo que na Constituição Portuguesa apareçam determinados valores a balizar o exercício desta habilitação, como acontece em outras constituições, e, por isso, entendemos que esses valores, em virtude da própria génese europeia da norma habilitante, devem representar uma leitura nacional actualizada dos valores que estão no actual n.° 5 e dos próprios valores da construção europeia.

Daí que tenhamos estabelecido como valores de referência para o uso desta norma de habilitação, que tem também, como já foi referido, um valor programático importante, a promoção da democracia, que não está no texto inicial, mas que é um aspecto importante do projecto europeu, seja na sua dimensão intra-europeia, como bem sabemos, seja na da projecção internacional, o valor da paz e da justiça nas relações entre os povos, que já lá estava e a coesão económica e social.

A coesão económica e social é um dos aspectos decisivos pelos quais a Europa é valiosa para Portugal. É verdade que não é o único nem o primeiro, como a história demonstra, mas, por isso mesmo, ele não aparece à cabeça. À cabeça aparecem, não por acaso, a democracia e a paz, mas reduziríamos uma perspectiva nacional do valor constitucional Europa, se não colocássemos, hoje, depois do Acto Único e do curso recente da construção europeia, este valor no texto constitucional, porque ele é, seguramente, um dos que justifica uma credencial desta natureza na Constituição.

A meu ver, não há um empobrecimento do compromisso com estes valores no quadro deste número, como foi argumentado em relação à nossa proposta de fazer evoluir

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o actual n.° 5 para esta nova versão. É que a maior parte destes valores já está nos números anteriores deste artigo, como "nortes" para a actuação de Portugal nas relações internacionais. Eles já estão adquiridos, e Portugal, certamente, na sua aposta no reforço da entidade europeia, não poderia afastar-se dos valores a que já está vinculado pelos números anteriores deste artigo.

O que parece importante é fazer uma espécie de actualização axiológica da construção europeia, acrescentando o que falta no artigo, que é a coesão económica e social e a democracia, pois a paz já lá está. Por outro lado, a justiça nas relações entre os povos é importante ser aqui acentuada, num momento em que uma parte da credibilidade internacional da Europa passa pelo refazer de um conjunto de relações - não apenas comerciais - com outros continentes.

Há, portanto, aqui um objectivo de actualização de valores e de perspectivas pelas quais Portugal deve constitucionalmente estimar a Europa e pelas quais se deve nortear a tal credencial de habilitação.

Finalmente, queria introduzir algumas considerações sobre um ponto que me parece dos mais difíceis desta revisão constitucional que têm a ver com a inclusão do princípio da subsidiariedade.

É certo que tanto a proposta do PS como a proposta do PSD convergem, e a meu ver, tudo somado, bem, na "importação" ou na consagração deste princípio no texto constitucional. Tudo pesado, acho que é positivo, mas seria da maior importância que, ao dar-se este passo, houvesse uma consciência nítida dos problemas e das implicações que ele pode trazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, e talvez não usar o termo "importação"!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Vou já voltar a este ponto, porque ele está exactamente no cerne das minhas preocupações!

A primeira declaração que gostaria de fazer, e que vai no sentido da intervenção do Sr. Presidente, era a de que não nos podemos contentar a este respeito com um processo que se limite a constituir uma importação. Deveremos, antes, fazer um esforço - e os trabalhos desta Comissão, as diligências que programámos e tudo o mais que pudermos fazer é importante - no sentido de criar uma sustentação constitucional própria para esta inovação, porque, com certeza, seria altamente preverso se, pela simples consagração deste princípio, estivéssemos a remeter para o direito comunitário a interpretação e a delimitação futura das suas implicações no próprio direito interno português. Estaríamos a obter o contrário daquilo que visávamos.

Sabemos que o princípio da subsidiariedade tem, por detrás de si, uma elaboração já extensa no direito comunitário e no direito de outros países, mas não no direito português. E, portanto, há aí uma dificuldade que devemos enfrentar.

É evidente que isto será matéria para futuras discussões, que não podem ser apressadas, no entanto queria dizer que há uma inspiração histórica do princípio que vai muito para além da sempre invocada doutrina social da Igreja, que passa inclusivamente pelo socialista Proudhon - que em teses universitárias é valorizado como um defensor do conceito - que vai não só à Idade Média como a Aristóteles.

Nesta perspectiva, gostaria apenas de deixar aqui uma referência que me parece muito inspiradora, que se pode colher em Aristóteles a propósito desta matéria e que tem a ver com a ideia da insuficiência em política.

Porque, no fundo, os problemas actuais dos Estados nacionais que tantas vezes aparecem tematizados sob as ideias da crise e da obsolescência do Estado nacional, tem muito a ver com a constatação da insuficiência desses Estados para enfrentar um conjunto de tarefas que hoje se colocam, tanto na cena interna como na internacional.

Numa perspectiva ascendente - e retomo a expressão aqui usada -, que não pode deixar de ser a nossa, nacional, a ideia da insuficiência tem interesse para justificar a inserção do princípio. Mas também o conhecimento de que as organizações complexas tendem a concentrar funções excessivas no centro nos leva a considerar importante introduzir uma norma de defesa, uma espécie de norma crítica, contra o funcionamento desse efeito que leva competências demais para o centro das grandes organizações.

Daí que partilhe a ideia de que deveríamos aprofundar os fundamentos para uma "leitura ascendente", que tenha em conta os vários ângulos e interesses que o conceito oferece para que a sua consagração não possa ser interpretada, por quem quer que seja, no futuro, como uma mera operação de importação do conceito comunitário. Isso seria perverso, fosse como devolução do poder de interpretar e decidir nesta matéria para outrem fora do quadro nacional, fosse até como cláusula indevidamente limitativa dos poderes negociais do Estado Português no futuro.

Por último, gostaria de fazer um pequeno comentário em relação à formulação proposta pelo CDS, não para me referir aos pontos já focados mas, sim, paia dizer que não me parece adequado que um Estado, numa sua Constituição, qualifique as escolhas que outros Estados fazem quando se reúnem a ele para o efeito do exercício em comum das suas competências. Parece-me que a redacção proposta para o artigo 7.°-A envolve, de alguma maneira, uma qualificação constitucional não só da actuação do Estado Português como Estado soberano mas também de outros Estados. Nessa redacção, são os vários Estados que escolhem livremente exercer em comum algumas das suas competências em condições de reciprocidade e com respeito pelo princípio da subsidiariedade. A Constituição Portuguesa pode dizer isto em relação ao Estado Português, mas exorbita quando pretende qualificar também a conduta - e até limitá-la - dos demais Estados, invocando determinados princípios que podem estar ou não - e nalguns casos não estão - nas respectivas ordens constitucionais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Costa, verifico, com regozijo, que V. Exa. converge com São Tomás na interpretação de Aristóteles.

Risos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, retomando algumas das observações já feitas, queria voltar a frisar o seguinte: o Sr. Deputado José Magalhães fez uma crítica pertinente ao projecto de revisão constitucional do CDS quando elimina o n.° 5 do artigo 7.º da Constituição, na medida em que isso constitui uma perda de valores constitucionalmente adquiridos. Mas a verdade é que não faz igual crítica à formulação apresentada pelo PS,

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que, no entanto, não é tão radical como a do CDS no sentido de eliminar, pura e simplesmente, o n.º 5 e retirar da lei fundamental esses valores constitucionalmente adquiridos, mas não deixa de os restringir. E creio que as considerações que aqui foram adiantadas, designadamente pelo Sr. Presidente e pelo Sr. Deputado Costa Andrade, não foram abaladas, apesar do esforço agora feito pelo Sr. Deputado Alberto Costa...

No meu entender, o artigo 7.º da Constituição tem uma determinada lógica e as revisões constitucionais devem procurar, tanto quanto possível, respeitar estes elementos de lógica e de sistemática da própria Constituição. E essa lógica do artigo 7.° é a de partir-se de um título "Relações internacionais", de uma linha mais universal do que o próprio n.º 1 consagra e que se vai restringindo até ao actual n.° 5, que tem um sentido já aqui definido e que é um sentido europeu, não no de Comunidade Europeia, mas num sentido bem mais amplo do que isso.

Ora, creio que essa lógica seria integralmente respeitada se adoptássemos a solução proposta pelo PSD, na medida em que nesse caminhar do mais amplo para o mais restrito se consagrar-se-ia aqui um n.º 6, a tal norma "habilitante" especificamente para esta questão da União Europeia que agora se coloca e sem a qual não podemos fazer a ratificação do Tratado de Maastricht.

É pena que o Sr. Deputado José Magalhães também não tenha alargado as suas considerações a uma outra questão. O Sr. Deputado apenas alertou para as consequências que poderiam advir dessa eliminação proposta pelo CDS, mas a verdade é que na solução proposta pelo PS também há, em alguma medida, o restringir destes valores, que estão adquiridos pelo actual n.° 5.

Ainda no que respeita ao texto apresentado pelo CDS, e confirmando algumas criticas que já foram feitas, creio que a redacção proposta - e é muito natural que não seja esse o seu intuito, porque toda a posição conhecida do CDS aponta em sentido contrário - pode perfeitamente legitimar a interpretação que há pouco o Sr. Deputado Costa Andrade referiu no sentido de tomar imperativa a participação de Portugal nas Comunidades Europeias.

Penso que isso se deveu à inspiração que o CDS teve da recente proposta de revisão constitucional para o artigo 88.° da Constituição Francesa. A verdade é que se amalgamaram outros vectores que esse artigo não tem e daí o resultado que foi referido.

Por último, quanto ao problema do princípio da subsidiariedade sobre o qual se pronunciaram largamente os Srs. Deputados Narana Coissoró, José Magalhães e Alberto Costa, diria o seguinte: se bem entendi, o Sr. Deputado Narana Coissoró fez uma critica à forma como está referido o princípio da subsidiariedade nos projectos de revisão constitucional do PS e do PSD. Não fez igual crítica em relação ao seu próprio projecto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Fazia em relação ao Tratado de Maastricht.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Creio que não há qualquer diferença entre os diversos projectos! Se algum vício tem ou se alguns perigos tem, o projecto do CDS, está em pé de igualdade com os demais.

É evidente que este princípio da subsidiariedade é um princípio que "dá muito pano para mangas". Aliás, doutrinariamente ele tem várias abordagens.

Mas a questão que queria colocar, e que não ficou clara das intervenções dos Srs. Deputados a este respeito, é o de saber se entendem que a Comissão deve debater mais aprofundadamente esta questão, no sentido de, em termos de trabalhos preparatórios, definir uma linha clara sobre o alcance que aqui se dá a este princípio, ou se, pelo contrário, querem ir mais longe nessa preocupação e verter na própria Constituição um conceito, uma definição de qual o entendimento que se deve dar a este princípio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Srs. Deputados, compreendemos perfeitamente o fundo comum subjacente às três propostas apresentadas, que é, obviamente, o de habilitar, como os Srs. Deputados têm dito, o Estado Português à ratificação do chamado "Tratado da União Europeia".

Escusado será aqui referir a discordância pública que temos manifestado relativamente à ratificação por Portugal desse Tratado. Não é necessário, não é pertinente voltar ao ponto zero desta discussão.

É também conhecida a nossa posição quanto à intempestividade desta discussão, na medida em que não sabemos se o Tratado será ratificado por Portugal e ainda persistem todas as dúvidas quanto à possibilidade de ratificação ou de entrada em vigor desse mesmo Tratado. Basta ter ouvido as notícias de hoje acerca da cimeira do dia 16 de Outubro para verificar que ainda muito pouco está assente quanto à entrada em vigor do Tratado assinado em Maastricht e que algo continua indefinido quanto à configuração ou à composição da Comunidade Europeia que sairá da próxima cimeira. Ainda não se sabe bem qual será, no futuro, a sua configuração. Portanto, esta discussão é como que "um salto no escuro".

De qualquer forma, não nos é indiferente a formulação que se possa encontrar paia as normas propostas. Aliás, para nós este debate é interessante porque permitirá clarificar o entendimento dos vários partidos políticos relativamente às diversas formulações.

Em nossa opinião, é importante manter o n.º 5 deste artigo por razões que, de alguma forma, já foram aqui explicitadas pelos partidos proponentes. De facto, compartilhamos o entendimento de que o n.º 5 vai muito paia além da norma habilitante que se pretende propor paia o n.º 6. Efectivamente, pensamos que o n.º 5, que se refere à acção dos Estados europeus, vai muito para além dos Estados que venham eventualmente a ser signatários de um qualquer tratado da União Europeia, pelo que entendemos que, sendo introduzido um novo n.º 6 para habilitar à ratificação de um tratado, é pertinente manter o n.º 5 com a sua actual redacção.

Por outro lado, parece-nos menos conveniente a cristalização em terminologias do tipo de União Europeia, como é proposto pelo PS, que aponta claramente para a ratificação de um determinado tratado em concreto. Parece-nos que esse foi um erro cometido na revisão constitucional francesa, que recebe no seu próprio direito constitucional o Tratado assinado no dia 7 de Fevereiro de 1992. Portanto, não creio que essa seja a melhor solução paia a revisão constitucional portuguesa.

Uma outra consideração refere-se à interpretação a dar à partilha de soberania ou ao exercício em comum de poderes soberanos ou de competências soberanas. A interpretação que aqui fez o Sr. Deputado Jorge Lacão coloca-me algumas dúvidas. Da noção que o Sr Deputado defendeu de dupla partilha entendi que se iria muito além da mera partilha e que estaria ao nível de uma pura e sim-

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pies alienação de alguns poderes soberanos. Se se entender que as competências próprias dos órgãos comunitários já estão automaticamente transferidas pela assinatura do Tratado e que outras competências soberanas próprias dos Estados, e que não façam parte das competências já atribuídas a órgãos comunitários, podem ser transferidas, creio que, nesse caso, já não estaremos apenas no campo da partilha de soberania ou do exercício em comum. Relativamente às competências próprias dos órgãos comunitários, estaríamos face a uma pura e simples alienação de competências, que vai para além das próprias formulações que são apresentadas nos projectos do PS, do PSD e do CDS. É uma questão que deixo ao Sr. Deputado, e que, caso o meu entendimento das suas palavras tenha sido defeituoso, poderá eventualmente esclarecer-me.

A última questão que coloco refere-se ao carácter restrito ou irrestrito da partilha de poderes soberanos. O PS avança com alguns valores de referência. A questão que coloco é se não se encara a possibilidade de estabelecer também parâmetros de referência, à semelhança do que se fez na revisão constitucional francesa, em que a partilha de poderes soberanos é restrita aos poderes necessários para a construção da união económica e monetária, parecendo haver aqui uma reserva clara da parte dos constituintes franceses à transferência constitucional de poderes a nível da construção da união política. A questão que coloco é a de saber se não é de ponderar, a nível também da revisão constitucional portuguesa, a fixação de parâmetros limitadores da partilha de poderes soberanos.

Relativamente ao princípio da subsidiariedade, creio que ele, com as declarações já produzidas nesta reunião, ainda não perdeu o seu estatuto importado. Penso que, para que dos trabalhos preparatórios desta revisão constitucional resulte uma interpretação do princípio da subsidiariedade pelo direito constitucional português que possa retirar a este princípio o carácter de uma figura jurídica de importação, ainda será necessário clarificar melhor o entendimento desta Comissão quanto a este princípio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que retoma a titularidade da representação do CDS na Comissão.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciando a minha intervenção, na sequência da que foi feita em nome do partido - que conta com um só representante, já o sabemos - pelo meu colega Narana Coissoró, gostaria de saudar, em primeiro lugar, V. Exa. e todos os membros da Comissão, recordando alguns momentos aqui passados aquando da última revisão constitucional. Os intérpretes são praticamente os mesmos e, de facto, suponho que fizemos aqui, nessa altura, bom trabalho - fizeram principalmente VV. Exas., um bom trabalho - e espero que agora o possamos reeditar.

Em primeiro lugar, quero dizer que a ideia do CDS, ao propor este artigo, esta norma habilitante, como VV. Exas. lhe chamam e que, no fundo, foi apresentada por todos os partidos, em obediência a um princípio de jurisprudência das cautelas. Na verdade, existia já uma outra, que nos habilitou a assinar, a voltar a assinar e, até, de certo modo, a partilhar soberanias, na sequência do Acto Único, mas que habilitava de mais e que talvez habilitasse de menos. E, à cautela, todos os partidos entenderam por bem, agora, introduzir-lhe algumas limitações ou restrições, ao mesmo tempo que falam também de novas possibilidades e horizontes.

Mas a nossa ideia foi que convinha retirar esta norma habilitante, que, em nosso entender, é uma só para essa realidade que são as Comunidades, a Comunidade ou a União, mas que para já são as Comunidades, pois esta é a realidade que existe e conhecemos neste momento. As outras são evoluções que vêm consagradas no Tratado que constitui a razão de ser da nossa revisão, mas que só existem lá porque tal Tratado ainda não está aprovado, nem ratificado, como bem recordaram alguns dos Srs. Deputados.

Por isso, nós entendemos que essa norma habilitante deve ser uma norma habilitante única, porventura com mais de um preceito, razão pela qual a autonomizamos num artigo próprio, porque entendemos que ela merece ser considerada com autonomia.

As Comunidades extravasam um pouco do fluir normal das relações internacionais do País, entendemos nós, muito embora, e ao contrário, porventura, da preocupação que esteve presente em alguns dos Srs. Deputados, entendamos que elas devem, fundamentalmente, ser uma realidade decorrente de tratados internacionais, de um tratado internacional e das suas alterações. E por isso a preocupação que está patente na nossa formulação. Com o passado, ou seja, com o "assinou", o que queremos é sublinhar a natureza convencional, pactícia, no passado, presente e futuro, é esse o sentido que queremos imprimir à nossa proposta nessa parte.

Entendemos que o PS não deixa de militar nesta linha de pensamento ao dizer: "pode convencionar o exercício". O que já não se passa com o PSD, quando diz que: "pode, em condições de reciprocidade e com respeito pelo princípio da subsidiariedade, compartilhar o exercício". O que nos parece ser mais perigoso do que a fixidez que VV. Exas. nos atribuem e à nossa norma.

Parece-nos que tal formulação pode, no fundo, habilitar a uma evolução autónoma das Comunidades, o que de certo modo resulta e constitui um desenvolvimento possível do Tratado de Maastricht. Ou seja, a construção da unidade feita à custa de sucessivas maiorias e decisões maioritárias no seio dos órgãos da própria Comunidade, abandonando a sua origem ou a sua matriz convencional. É isso precisamente o que queremos evitar, queremos desenvolvimentos nas Comunidades, mas sempre na base convencional do Tratado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pretendo apenas perceber inteinimente o seu pensamento. VV. Exas. não tencionam introduzir uma restrição ao artigo 8.º, n.° 3, da actual redacção da Constituição, que diz: "As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos", pois não?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - É só para precisar o que pretendem.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pretendemos que a alteração da natureza das instituições resultantes do Tratado resulte sempre da celebração de novos tratados, isto é o que nós entendemos. De resto, a própria ideia da celebração dos tratados evita a fixidez que VV. Exas. querem apontar como defeito à nossa formulação, na medida

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em que os pactos e tratados internacionais livremente celebrados são livremente denunciados e, portanto, esse princípio está ínsito na nossa formulação.

Supomos que esse perigo não existe ou não existirá. O que já nos parece mais perigoso é referir expressamente a União Europeia, como salientou o senhor representante do Partido Comunista Português, e pior ainda como o faz o PS, que a refere com maiúsculas, individualizando-a como resultado, querido já e já consagrado nos textos assinados em Maastricht. Isto é que representa alguma fixidez e deveria, porventura à cautela, evitar-se.

Por outro lado, é-nos feita a crítica de eliminarmos o n.° 5 do artigo 7.° quando não o devíamos fazer, porque com isso se iria perder boa parte da caracterização da realidade europeia, tal como nós a quisemos ou pretendemos, assim se eliminando algumas das condicionantes da nossa adesão a essa mesma realidade.

Reconheço que, porventura, há deficiências no nosso texto, e que o mesmo ganharia se acrescentássemos mais qualquer coisa, de modo a não perder algumas das referências que constavam do n.° 5 do artigo 7.º Mas quero salientar que o facto de dividir a norma em dois números, tal como faz o PSD, nos parece extremamente perigoso. Se não vejamos. Se a realidade, tal como está desenhada, conduzir à não ratificação por vários países ou, independentemente disso, a uma revisão descaracterizadora do Tratado de Maastricht - e se nos ficarmos pela realidade que foi consequência do Acto Único Europeu -, diríamos que muito do que ganharíamos com a formulação que agora se adopta para este artigo 7.°-A, por parte do CDS, ou para o n.° 5 do artigo 7.°, por parte do PS, se perderia nitidamente com a redacção proposta pelo PSD.

Ou seja, o PSD desistiria de aplicar os princípios da subsidiariedade e da reciprocidade, em relação à realidade preexistente a Maastricht. Isto é, não pensaria isso quando subscreveu a redacção do n.° 5 do artigo 7.º, mas agora fica claro que parece que subscreve, pois esses princípios foram avançados por alguns dos partidos como propostas para uma formulação autónoma e não apenas ligada ao devir comunitário esboçado no Tratado de Maastricht. O PSD quer mantê-los como fórmulas separadas e, portanto, a contrario, poderá concluir-se que o PSD admite que o mercado único e todas as suas realidades - o sistema monetário europeu, etc, etc. - se não devam subordinar a estes princípios, que tarde são formulados, mas que o são, sem dúvida, no momento em que sentimos que nos estão a entrar em casa.

Faria um apelo ao PSD para que ponderasse o contrário daquilo que parece ter pretendido até aqui, para que ponderasse a conveniência em reduzir à unidade a norma habilitante, porque não podemos, com a evolução da Comunidade tal como está programada, pensar numa norma habilitante para a realidade comunitária tal como existiu até hoje, e noutra para a futura realidade. Seria bom que os princípios agora propostos, e que são para nós de natureza imutável, valessem para a realidade comunitária tal como ela vai ficar, e não sabemos como ficará.

Por outro lado, há uma consideração feita pelo Sr. Deputado Alberto Costa e que me parece que devíamos insistir nela. Devíamos reflectir um pouco no aprofundamento e no esclarecimento do princípio da subsidiariedade.

Sabemos que estão a ser feitas leituras diversas desse princípio, sabemos que o Sr. Jacques Delors, que fazia uma leitura que não nos agrada, chegou a ameaçar com tal leitura. Fala-se muito nisso, mas o princípio da subsidiariedade pode valer para chamar competências ao centro e não para as reter na periferia. Não é essa a concepção aristotélico-tomista deste princípio, que é aquela que partilhamos, é a concepção federalista do princípio da subsidiariedade, sendo certo que as suas mais recentes formulações andam ligadas á construção política do Estado federal.

Devemos defender-nos dessas definições, desses entendimentos da subsidiariedade, para sufragarmos, como parece ser - e diria graças a Deus - o entendimento de todos os membros da Comissão, que é o entendimento subsidiário, digamos, da definição da subsidiariedade aristotélico-tomista.

Diria que não seria descabido que no nosso artigo 7.°-A se acrescentasse, porventura, um n.° 2 a esclarecer o que é que entendemos com o princípio da subsidiariedade de modo a não nos ficarmos apenas pelas intervenções e pelas actas da Comissão. No fundo, vamos ao encontro daquilo que foi a reunião de Lisboa do Conselho Europeu e do entendimento que dela resultou. Esse entendimento foi, realmente, colocar as coisas um pouco no seu lugar, porque elas estavam fora do seu lugar e a formulação do artigo 3.º-B do Tratado é uma formulação perigosa e conduz a um entendimento perigoso, isto é, a um entendimento, como dizia o meu colega Narana Coissoró, ascendente do princípio da subsidiariedade.

Há uma outra observação que fizeram que se relaciona com a expressão "escolheram livremente". Diz o Sr. Deputado Alberto Costa que não devíamos classificar as escolhas.

Voz inaudível.

Não devíamos qualificar as escolhas dos outros, dos nossos parceiros nas convenções, diz o Sr. Deputado Alberto Costa.

Ora com tal formulação queríamos sublinhar vivamente a natureza convencional das Comunidades ou das realidades delas resultantes, da sua evolução. Manter a matriz convencional, é isso que nós queremos.

Tratados livremente celebrados, da nossa parte, quer dizer isso mesmo e não há evidentemente nada em qualquer Tratado que permita concluir que não é livremente celebrado pelos Estados que o outorgam. Portanto, parece-nos que não é nenhum abuso da nossa parte dizer que foram livremente celebrados por Estados soberanos.

Quanto ao mais, aceitamos as observações que nos fizeram e acolhemos. As referências aos princípios da coesão, da construção da paz, suponho que enriquecerão a nossa formulação e reconhecemos que a formulação que aqui apresentamos ganhará com isso.

O Sr. Presidente: - Agradecemos as saudações iniciais que fez e também nos congratulamos muito por o ter entre nós, apenas não convimos em matéria hermenêutica, mas isso é natural.

Vou dar agora a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos e, simultaneamente, pedia-lhe o obséquio de me substituir, porque tenho de me ausentar a partir de agora.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente, muito, obrigado. Passo a presidir em substituição do Sr. Presidente, Rui Machete, e como lhe tinha solicitado a palavra, vou usar

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dela para fazer uma espécie de resumo do acquis em matéria de consensualidade - já que estamos em matéria europeia habituemo-nos à linguagem europeia.

O que é que houve de conclusivo, se é que alguma conclusão se pode tirar nesta sede? Pareceu-me que as propostas do PS e do PSD se aproximam nas preocupações e nos valores que defendem, havendo, no entanto, uma divergência que, no fundo, não é tão importante como isso, pois ninguém vai imaginar que, para nós, é um fetiche o facto de ser um número só em vez de dois. Nem admito que o PSD considere um fetiche o facto de serem dois e não apenas um. E por que é que nós fundimos num só os dois números do PSD? Pela razão simples de que, em nossa opinião, o novo n.° 6, sem referência a valores, ficava coxo. Se o n.° 5 vem referenciado a parâmetros valorativos, como é que aparecia o n.° 6 sem referência a esses parâmetros? Sendo assim, pareceu-nos que o melhor seria fundir. Não fazemos questão da fusão. O facto de ser um ou de serem dois os números é irrelevante. Mas o problema é que não se pode deixar a construção da Europa despida de quaisquer referências a parâmetros, quando o actual n.º 5 do artigo 7.° está cheio deles.

Primeiro ponto: creio que estamos todos de acordo em que faz lá falta uma referência à democracia. De alguma forma estamos todos de acordo sobre este ponto, pois é um dos primeiros elementos do acquis em matéria de consensualidade.

Segundo ponto: também estamos de acordo em que mal parecia que não aderíssemos - e creio que os meus camaradas me permitem que conclua isto - a menção de uma referência à coesão económica e social, cujo conceito está ligado à construção da Europa. Portanto, parece-me que o que era preciso era, por um lado, dar conteúdo valorativo e referencial à construção da Europa, introduzindo a referência à democracia no actual n.° 5 do artigo 7.°, eventualmente desdobrado em dois números - vê-se isso depois - e, por outro, que a referência à construção da Europa absorva as referências do n.° 5 e contenha um plus, que é exactamente a referência à coesão económica e social.

Como é que se há-de fazer isto? É um problema de redacção. No entanto, pensando melhor na nossa redacção, devo dizer que tenho de reconhecer que não é muito claro que este "e", que vem a seguir a "identidade europeia", não crie uma cisão, de tal modo que possa ser interpretado no sentido de que, tal como as condições de reciprocidade e o respeito pelo princípio da subsidiariedade, também a referência à promoção da democracia, da paz, da justiça e da coesão económica e social se aplique só à segunda parte e não à primeira. Talvez por isso possamos, desde já, afirmar abertura no sentido de se manterem os dois números, desde que no primeiro se introduza a referência à construção da democracia ou á defesa da democracia e no segundo se faça uma referência genérica aos valores do número anterior, mais ao valor da coesão económica e social, o que, a meu ver, nos levaria a ter aqui um ponto de encontro bastante positivo. Isto para começar.

Em segundo lugar, sinto-me muito feliz por ter colocado o problema da subsidiariedade e por a vossa resposta, toda ela, ter sido no sentido daquilo que convém a um conceito aberto e não a um conceito espartilhado. Portanto, este conceito não fica referido ao conceito de subsidiariedade do próprio Tratado de Maastricht, na medida em que ele tem um entendimento literal muito esquisito, uma vez que em matéria de competências próprias não há subsidiariedade alguma, valendo apenas para além delas. Melhor fora que não valesse!

Sendo assim, e parece-me que isto deve ser enfaticamente dito no Plenário, na altura própria, fica entendido, por um lado, que este princípio de subsidiariedade não coincide, necessariamente, com a sua conceptualização no Tratado de Maastricht e, por outro, que nos arrogamos o direito de ter a nossa própria interpretação doutrinal e jurisprudencial do princípio de subsidiariedade.

Parece que sobre este ponto estamos entendidos. Para lá disto, continuo a preferir o conceito de exercício em comum de competências ao de compartilha de poderes. Porquê o exercício em comum de competências em vez do compartilhar de poderes? Porque o compartilhar de poder me cheira a inventário de maiores. Vamos dividir o quê? Vamos partilhar o quê? Nós não estamos a partilhar nada mas, sim, a pôr algo em comum e a exercer algo em comum. Não partilhei coisa alguma, não dividi competências. O que fiz foi colocá-las num basket. E temos a nossa voz igual à dos outros, na gestão desse basket. Parece-me, portanto, que o exercício em comum de competências é melhor do que o exercício compartilhado de poderes.

Quanto a competências e poderes, sinceramente, o meu espírito hesita, uma vez que, tratando-se de competências de um Estado melhor, cabia o conceito de poderes. Mas a verdade é que a expressão "competências" tem menos carga política para os que revelam preocupações no seu relacionamento com o conceito de soberania. Quer dizer, a ideia de soberania está mais ligada ao conceito de poder do que ao conceito de competência. Talvez por isso, tal como fizeram os Franceses, e sabiamente o fizeram, devemos falar em competências e não em poderes.

O PCP é da opinião de que o n.° 5 deve permanecer, o que, quanto a nós, está muito bem. Em todo o caso, devo dizer que aqueles que fizeram parte da última Comissão da Revisão Constitucional, e fomos quase todos, hão-de lembrar-se de que este n.º 5 foi a primeira porta aberta para a constitucionalização da adesão à Comunidade Europeia. Foi a forma que encontrámos, embora não muito clara, por isso. No fundo, já era uma porta aberta para a constitucionalização das Comunidades, onde entrámos sem autorização constitucional, e esta foi a forma, um pouco soft, que encontramos para nos referirmos a isso. Mas a verdade é que reconheço que o Sr. Deputado Costa Andrade tem alguma razão, ou até toda, quando diz que este reforço de entidade europeia e da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico e da justiça entre os povos tem validade, mesmo em relação aos países europeus que não fazem, ou que não venham a fazer, parte da Comunidade.

É de facto um "mais", pelo que vale a pena deixar ficar o n.° 5 com referência, como disse, à construção da democracia, ou à defesa da democracia, e introduzir um n.° 6 que, com referência a estes valores mais os da coesão, fique também balizado por referências valorativas ou programáticas.

O Sr. Deputado António Filipe lembra-nos de que há, quer no projecto do PS, quer no do PCP, a referência às competências necessárias, mas só as necessárias e não mais do que essas. Essa referência é feita.

É de agradecer ao CDS o facto de ter corroborado o nosso entendimento de que a referência ao termo "convencionar" é fundamental, pois não é uma transferência qualquer. É a transferência resultante de uma convenção aprovada nos termos normais. Portanto, "conven-

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cionar" é importante. E quanto à referência a "aprofundar o conceito de", parece-me que aí, sim, se diverge, pelo que convém não o aprofundar, antes deixá-lo flutuar, como se faz às moedas em certas circunstâncias, para que o conceito ganhe um contorno nacional, chegado à casa lusitana e não, necessariamente, encostado à definição, infeliz, a meu ver, do Tratado de Maastricht. Parece-me que este é o resumo que, desde já, se pode fazer, e veremos depois como dar-lhe execução.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Laca" (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada mais teria a dizer, pelo PS e por mim próprio, naturalmente, se não fosse o Sr. Deputado António Filipe ter-me, há pouco, interpelado para uma clarificação, que faço com todo o gosto, embora sem prescindir de fazer uma observação prévia sobre o que me parece ser a incomodidade do Partido Comunista neste debate e que resulta de uma omissão política, que, politicamente, rotularia de grave. E isto porque o PCP parte para este processo apenas com uma ideia instrumental, a de rever uma determinada disposição da Constituição para poder, por via referendaria, alcançar uma modalidade diferente de aprovação do Tratado de Maastricht. Sendo assim, parti do princípio de que se tivesse conseguido esse desiderato a resposta seria negativa, logo o Tratado de Maastricht não seria aprovado.

Ora bem, o PCP ao partir desse princípio demitiu-se de apresentar conteúdos úteis para integrar no ordenamento constitucional português, com vista à adaptação da nossa ordem constitucional a um processo de unidade europeia. O processo de unidade europeia é algo mais, relativamente ao próprio processo do Tratado de Maastricht, o que quer dizer que com esta atitude o Partido Comunista está demitido de contribuir para aperfeiçoar a ordem constitucional portuguesa segundo uma dinâmica de unidade europeia, à qual virou costas. Esse é, naturalmente, um problema de intranquilidade política do PCP, mas tem de ter em consideração que do outro lado estão outros partidos, que têm uma adesão sincera ao processo da unidade europeia, a qual também passa pelo processo de construção da união política europeia. E é nessa perspectiva que, claramente, me situo.

Ora bem, é com o pressuposto que acabei de referir que quero agora responder à dúvida que o Sr. Deputado me formulou.

Há pouco, pretendi sublinhar o seguinte: tendo em vista que nas organizações internacionais há, por um lado, competências por integração, ou seja, competências que resultam de uma transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos da organização internacional em causa, e, por outro, um outro tipo de competências, a que chamei de competências por cooperação, que implicam um processo de formação de vontade, em que o Estado não se retrai da sua competência originária, apenas decide partilhar o processo de cisão, chamei a atenção para o facto de na Comunidade Europeia e na futura União Europeia existirem estas duas modalidades de formação de vontade. Ou seja, há formação de vontade que, relativamente a determinadas matérias, resulta de um processo de integração de competências e que, relativamente a outras matérias, resulta de um desejo de cooperação para acerto de posições comuns.

De facto, esta é a realidade da dinâmica de aprofundamento da União Europeia, e o problema aqui em causa, em minha opinião, é saber se, do ponto de vista conceptual, estas duas realidades complementares, mas conceptualmente distintas, são melhor assimiláveis a uma noção de partilha do exercício do poder ou de exercício em comum de competências. Logo, o que eu quis dizer é que prefiro a fórmula do PS, do exercício em comum de competências, porque, desde logo, se possibilita a solução da decisão por cooperação na perspectiva de que o Estado membro não perde, necessariamente, competências em certos domínios só pelo facto de as partilhar. Ou seja, a solução do PS, até do ponto de vista de uma subsidiariedade dinâmica, que salvaguarda a posição dos Estados, é, a meu ver, mais adequada ao conceito de exercício em comum de competências do que ao conceito de compartilha do exercício de poder. Foi isto o que eu quis sublinhar e o apelo que lhe faço, Sr. Deputado, é que não procure ver outros fantasmas a coberto da intervenção que há pouco fiz.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao artigo 7.°, devo dizer que também nos parece mais correcto, independentemente de quaisquer outras considerações, que, em termos lógicos, o melhor é manter a separação entre o n.° 5 e o novo n.° 6. Felizmente que nos encaminhamos para aí!

Por outro lado, também nos parece que se pode enriquecer o n.° 5 com a exigência da democracia, como valor autónomo, em relação a esse quadro de compromissos e que, por enquanto, devemos manter a suspensão de algum juízo definitivo sobre a ideia da coesão económica e social por força de exigências mais técnicas do que de princípios, tais como saber em que medida o Estado e a Constituição de um Estado, enfim, pode assumir como seu, como um imperativo seu, o princípio de organização e de gestão das Comunidades Europeias. Mas, enfim, para já deixemos isso.

Indo ao encontro do entendimento comum desta Comissão, também me parece que o princípio da subsidiariedade tem aqui um sentido autónomo - e só pode ser! -, pois resulta de todos os princípios hermenêuticos, uma vez que o princípio da subsidiariedade inscrito na Constituição da República Portuguesa é completamente diferente do inscrito no Código Penal, onde é, talvez, mais vezes referido como o princípio da última ratio, etc., logo, por maioria de razão, é diferente do princípio de subsidiariedade inscrito no Tratado de Maastricht. São diplomas diferentes, com intencionalidades diferentes, com universos hermenêuticos diferentes e, portanto, com sentidos diferentes.

Inscrito na Constituição, é do ponto de vista de um Estado soberano que faz, de certa maneira, defensivo da soberania. Coisa diferente é a lógica própria do Tratado de Maastricht, de algum modo burocracias que falam em nome das organizações dele decorrente, que podem ter sentidos diferentes. O sentido é o que emana da Constituição da República, do universo de valores para que a Constituição da República Portuguesa presta homenagem, pelo que também estamos de acordo em que haja aqui um sentido jurídico-constitucional português de subsidiariedade.

Com isto, nada mais tenho a acrescentar, e por questões, enfim, de estética, de menor relevo, deixemos para uma outra altura o compartilhar, o convencionar e o exercício comum, pois, a meu ver, não será por aí que deixaremos de estabelecer consensos. Pela nossa parte, nada mais de especial há a acrescentar quanto a este número.

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Mas antes de terminar gostaria de dizer que, como é óbvio, do nosso ponto de vista, os valores proclamados no n.° 5 do artigo 7.° valem para o novo n.° 6, tal como os valores proclamados no n.° 1 desse mesmo artigo valem para os n.ºs 5 e 6, por lógica própria. Isto é, por lógica própria, os valores, uma vez proclamados por Portugal, valem para a Europa...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - O Sr. Deputado não se opõe a que haja uma referência global aos valores do número anterior?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, Sr. Presidente! Em termos político-partidários não há qualquer objecção.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Muito bem!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em termos lógicos, é que se pode, enfim, ter alguma reserva por, talvez, poder criar, noutras sedes, efeitos perversos numa correcta interpretação constitucional, quando se enunciam princípios gerais, valendo depois para universos mais circunscritos um argumento a contrario.

Mas não, porque no artigo 7.°, quando se quis dizer que os do n.° 5 valiam para o n.° 6, o legislador constituinte explicitou expressamente - "pode" - e, só por esta razão, para nós é claro, é inequívoco que valem, têm que valer, só podem valer. Quanto a dizê-lo...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Como não há depois a especificação de mais um e aparecer referência aos anteriores poderia haver dúvidas.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, os do n.° 1 valem inteiramente para o n.° 5 - "Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem [...]" - apesar de cá não estar dito. E valem porque é uma norma constitucional com carácter geral. O que se disser no n.° 6 "apanha" com tudo o que está no n.° 5.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - O que não impediu que, no n.° 5, se fizesse uma referência à paz que já está implícita no n.° 1.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é só pelo perigo. Aliás, porque noutros contextos onde há princípios gerais e depois concretizações e o legislador constituinte por inércia não especificou se criou esse perigo, também aqui poderíamos criar um precedente perigoso. É só por isso e não por qualquer outra razão.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, pretendo apenas agradecer a clarificação feita pelo Sr. Deputado Jorge Lacão a propósito da solicitação que fiz. No entanto, e porque o Sr. Deputado teceu outras considerações acerca de uma suposta intranquilidade política do PCP nesta revisão, acrescento que não vejo, nem quero ver, fantasmas nas vossas intervenções e que procuro simplesmente compreender claramente o espírito daquilo que propõem.

Aliás, estamos nesta revisão seguramente mais tranquilos que o Partido Socialista, na medida em que VV. Exas. querem amarrar os Portugueses a um tratado sem quererem saber se os Portugueses querem ser amarrados, apesar de este tratado dividir claramente os vários povos europeus. Nós estamos perfeitamente tranquilos, mas queríamos que os Portugueses tivessem oportunidade, e tudo faremos para que isso ainda seja possível, de se pronunciarem sobre se pretendem ou não ser amarrados a este tratado.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado, não estamos aqui a aprovar o tratado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas estamos, e VV. Exas. não o negam e todos os partidos o afirmaram, a procurar a aprovação de uma norma habilitante para a ratificação do Tratado da União Europeia - e isso não é segredo.

No entanto, nós pretendemos que, antes dessa habilitação, possam ser os Portugueses a habilitar-nos, ou não, a fazê-lo, e por isso - repito-o - estamos perfeitamente tranquilos nesta matéria.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, dividirei a minha intervenção em duas partes. A primeira servirá para partilhar as preocupações de V. Exa. quanto à correcta interpretação do artigo 7.° e da existência nele de dois números. Suponho que, se é defensável o que diz o Sr. Deputado Costa Andrade sobre a aplicação do pórtico deste artigo, que será o n.º 1, à generalidade dos preceitos, mas o mesmo não acontecerá em relação aos vários números em que se desdobra. E querendo eles referir-se a uma mesma realidade, embora de extensão diferente - e eu verifico que quando VV. Exas. falam em identidade europeia e fortalecimento da acção dos Estados europeus estão a pensar numa realidade porventura mais vasta do que a que poderá coincidir com a da União Europeia - estamos, parece-me, perante um factor de dificuldade e um factor indutor de uma interpretação que efectivamente separa completamente estes números.

Portanto, a referência aos princípios do n.º 5 parece-me preferível, mas parecia-me de qualquer modo preferível reduzir isto a uma norma única e, atenta a importância da norma habilitante - derivada da própria natureza do acto a que pretende habilitar-nos - eu defenderia que deveria constituir objecto de um artigo separado, um artigo diferente. Há até constituições que têm um capítulo que junta vários destes preceitos, o que me parece preferível.

Por outro lado, Sr. Presidente, a flutuação do princípio da subsidiariedade não me parece muito aconselhável. Prefereria que nós, traduzindo o que dissemos até agora, concretizássemos o que entendemos pelo princípio da subsidiariedade precisamente em sede constitucional.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Se fizermos o exercício concreto da definição, desistimos ao fim de meia hora.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Talvez não. Talvez haja contributos positivos, designadamente o que foi aqui trazido pelo Sr. Deputado Alberto Costa.

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Por outro lado, e em relação à última intervenção do Sr. Deputado António Filipe, quero dizer o seguinte. É evidente, e resulta daquilo que temos dito até agora, que o CDS também preferia que a primeira habilitação para a ratificação do Tratado resultasse da votação do povo português. E, por isso, nós incluímos na nossa proposta de revisão constitucional uma norma respeitante à alteração do regime do referendo, que se destina, no nosso entender, a evitar contradições que existem hoje em dia nessa norma e que em boa parte resultam dá intervenção do PCP na última revisão constitucional.

No entanto, devemos dizer que não quisemos ficar fora da discussão e apresentámos propostas - contrariamente ao Sr. Deputado António Filipe, que, aproveitando-se de uma interpretação literal do termo norma habilitante, diz que o que todos querem é habilitar-nos a ratificar. Nós, CDS, introduzimos na nossa proposto de revisão, para além da revisão do regime do referendo, normas cautelares na perspectiva da ratificação, que não ignoramos como realidade, porque não vale a pena meter a cabeça na areia e fazer apenas uma proposta respeitante ao referendo, mas vale, isso sim, acautelar as consequências de uma ratificação pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Talvez pudéssemos dar por finda a discussão deste artigo e dar por válidas as conclusões que foram tiradas pelos Deputados que falaram em último lugar.

Passamos agora ao artigo 15.°, que é o que está na sequência dos actuais artigos da Constituição, ou vamos entrar nos artigos novos? Podemos passar ao artigo 5.°, que trata do problema da língua?

Pausa.

Passamos então ao artigo 5.º

Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra para fazer uma introdução, se assim o desejar.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é dentro dessa jurisprudência das cautelas que apresentamos esta proposta do artigo 5.° Ao fazê-lo recordamos que já na Assembleia Constituinte houve - sem que estivessem no horizonte perigos em relação à identidade cultural nacional que hoje porventura estarão -, das bandas do PSD, a proposta e a tentativa redobrada, pela voz do Sr. Deputado Jorge Miranda, de introduzir neste contexto da Constituição esta norma que se destina a consagrar o princípio de que a língua oficial da República era o português.

É evidente que, no novo contexto de integração numa comunidade em que corremos o risco de ver afastar o português como língua oficial da Comunidade - basta pensar nas consequências financeiras que, do ponto de vista da tradução simultânea, podem resultar da introdução de novas línguas - como consequência do alargamento a existência já de algumas propostas no sentido de reduzir as línguas oficiais da Comunidade a um número mais restrito ou até a uma única língua, que seria o inglês; a circunstância de estar hoje muito alargada a possibilidade de decisões maioritárias no seio da Comunidade faz-nos antever que há um perigo da possibilidade de, mesmo dentro das fronteiras portuguesas, a língua oficial da República deixar de ser o português, que é, simultaneamente, o elemento definidor da nossa identidade cultural no momento.

Portanto, é nesse sentido que fazemos a proposto, que, aliás, não nos parece descabida. Aliás, os Franceses, em idênticas circunstâncias, consagraram este mesmo normativo na sua constituição. Por outro lado, nós não temos essa tradição no direito constitucional português mas temos uma tentativa de introdução do princípio na Constituição actual por ocasião da reunião da Assembleia Constituinte. Foi nessa linha de pensamento que fizemos esta proposta.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do CDS reflecte bastante bem a experiência do debate constitucional em França. A questão é saber se reflecte suficientemente bem - e era isso que deixava à consideração de VV. Exas. - a experiência do debate constitucional em Portugal.

Faço esta chamada de atenção porque o Sr. Deputado Nogueira de Britei citou em abono da sua proposta um momento da criação constituinte, o momento originário. Mas há um outro momento a citar, que é o decorrente dos trabalhos da 2.ª revisão constitucional.

Estes introduziram uma norma que não tem paralelo na Constituição da República Francesa e que obriga o Estado Português a garantir a defesa e a valorização permanente da língua portuguesa, que, de resto, tem outros afloramentos de tutela no texto constitucional, designadamente em matéria das obrigações do Estado quanto ao ensino e à cooperação com outras entidades incluindo os Estados de língua oficial portuguesa.

Em Portugal não há, pois, um problema de vazio constitucional quanto à tutela da língua portuguesa. Pelo contrário, há deveres constitucionais bastante precisos e aprofundados na última revisão.

Por outro lado, nenhuma dúvida subsiste de que a língua portuguesa é a língua oficial do Estado Português. Foi e continuará a ser, a tal ponto que uma norma que expressa e explicitamente (e em certo sentido redundantemente o consagrar, foi até agora considerada dispensável.

Portanto, a minha pergunto é a seguinte: face a este património reflexivo e a esta interpretação, que suponho escorreita, do legado constitucional e do texto vigente, V. Exa. considera a norma que propõe imprescindível ou uma benfeitoria altamente voluptuária?

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Apesar dos normativos consagrados na 2.ª revisão constitucional, e que resultaram de uma discussão que recordo - aliás, recordo as intervenções do Sr. Deputado José Magalhães nessa mesma discussão -, suponho que esta norma será como que o coroar desses normativos consagrados na 2.ª revisão constitucional. E é realmente no contexto da revisão a que estamos a proceder neste momento e da motivação que a justifica que consideramos a proposta em causa como indispensável e imprescindível. Esta norma constitui realmente, na nossa opinião, o coroar de uma afirmação de identidade cultural que eu considero indispensável neste momento, como também suponho que muitos portugueses consideram indispensável que se reafirme, neste momento, a nossa identidade cultural. É esse o sentido da nossa proposta.

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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Como não há mais pedidos de intervenção, tomo eu a palavra.

Esta é, evidentemente, uma proposta séria, respeitável e ditada por boas preocupações mas que, creio, são levadas para lá do contexto português. A língua portuguesa está constitucionalizada em pelo menos três artigos da Constituição - num deles é tarefa fundamental a defesa da língua e em dois outros é uma incumbência do Estado. Portanto, para além de uma incumbência do Estado, é uma tarefa fundamental do Estado e, por isso, creio que não se podia ser mais enfático na constitucionalização da língua portuguesa. Por outro lado, o qualitativo "oficial" parece que pode dar a entender a possibilidade de haver outras que não sejam oficiais. Há países que têm várias línguas, uma das quais é a oficial. E o caso dos PALOP, onde o português é a língua oficial, coexistindo com outras, mas parece-me que não nos deveríamos colocar na posição das nossas ex-colónias no sentido de prevermos normas parecidas às da Constituição desses países.

Em última instância, embora eu reconheça que também é próprio dizer-se "o português é a língua [...]", a verdade é que mais frequentemente se diz que a língua é a portuguesa. Creio que foi o historiador Castanheda, a propósito da História da índia, o primeiro a falar na "língua português", tendo depois começado a dizer-se "o português é a língua [...]". Mas não há qualquer dúvida de que a língua oficial da República é a portuguesa, quando a cidadania é portuguesa e a nacionalidade também portuguesa.

Compreendemos as razões que estão na base desta proposta do CDS, mas parece-me que, se, de facto, temos de defender os valores da soberania, esta proposta não vem ao encontro de nenhuma preocupação nacional, de nenhuma ansiedade nacional e nem sei mesmo se chega a valorizar a língua portuguesa.

Chamar-lhe "oficial" quando não há outra há 800 anos - nem pode haver -, parece-me que é um mau serviço que prestamos à língua portuguesa. Mas este é o meu ponto de vista pessoal.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, mas a questão que se levanta é esta: se realmente caminharmos para a definição de línguas oficiais da Comunidade, não estando o português nelas incluído e, por exemplo, todas as matérias relativas à política económica e financeira portuguesa forem discutidas e decididas em inglês pelo conselho de administração do banco central europeu, podemos vir a ser confrontados com efeitos perversos em termos internos. Ora, não queremos correr o risco de, a certa altura, ao sintonizarmos a rádio ou ao ligarmos a televisão, ouvirmos o governador do Banco de Portugal a falar-nos em inglês sobre a nossa política monetária ou cambial.

É que, num determinado momento da nossa integração, pode suceder que os funcionários portugueses ou os representantes de Portugal façam a discussão de políticas fundamentais para Portugal noutra língua que não o português, acabando por usar, também entre nós, o inglês ou, porventura, o alemão, situação que queríamos evitar.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, por um lado, é para nós uma evidencia que a língua portuguesa é a língua oficial. Diremos mesmo que é a única língua que se fala em Portugal; portanto, é a única língua que deve ser adoptada.

Por outro lado, parece-nos também que a Constituição já tutela suficientemente a língua portuguesa por força dos três normativos citados, os artigos 9.º, 74.º e 78.º Não nos parece haver aqui uma necessidade premente, sem prejuízo de, noutra revisão, onde as coisas venham a discutir-se a outro nível, ponderarmos esta matéria também a outro nível. Mas, neste momento, não nos parece, no contexto desta revisão - que, do nosso ponto de vista, deve circunscrever-se, como revisão de emergência que é destinada a habilitar o Estado Português a ratificar o Tratado de Maastricht -, que isto seja uma necessidade.

Pensamos que a discussão desta proposta pode ser prejudicial, porque é uma evidência para nós que a língua oficial da República é a língua portuguesa; portanto, não nos parece que valha a pena, que seja necessário, constitucionalizar este imperativo.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe ÇPCP): - Sr. Presidente, gostaria de abordar três aspectos relacionados com esta discussão.

Em primeiro lugar, já me tinha interrogado sobre o aspecto gramatical desta proposta. É igual à que foi aprovada em França, que tinha a seguinte redacção: "La langue de la Republique est le trançais" e eu questionei-me a mim próprio se a língua oficial é a língua portuguesa ou se se poderá dizer, como é proposto, que "a língua oficial é o português", pois também reconheço aqui a minha ignorância quanto à correcção da expressão e, apesar de ser secundária neste momento, obviamente que esta questão se resolverá.

Em segundo lugar, também compartilho a ideia de que a língua portuguesa está constitucionalizada. Não tive a oportunidade de participar nos debates que se realizaram por ocasião da 2.a revisão constitucional, mas lenho presente através do estudo dos trabalhos preparatórios e reconheço as benfeitorias que, por proposta do PCP, na altura foram introduzidas por unanimidade no texto constitucional a nível das tarefas fundamentais do Estado e, portanto, quanto a esse aspecto, parece-nos que a língua portuguesa tem, efectivamente, alguma tutela constitucional com bastante dignidade.

Em terceiro lugar, penso que não é descabido que nesta revisão constitucional se coloque a questão da língua portuguesa, sobretudo na medida em que se vêm sentindo algumas tendências a nível da Comunidade Europeia paia a limitação das línguas de trabalho. Tenho presente um relatório ainda recente do Parlamento Europeu no qual se recomenda à Comunidade que as línguas de trabalho sejam restringidas a três - inglês, francês e alemão -, não se contemplando a língua portuguesa. Portanto, creio que essa tendência deve merecer alguma preocupação da nossa parte.

É evidente que não é por se dizer que a língua portuguesa é a língua oficial que este problema se resolveria, pois são questões que se poderão colocar a níveis diferentes, sobretudo ao nível do cumprimento constitucional da tarefa do Estado de defender internacionalmente a língua portuguesa, mas creio que esta tendência e a necessidade de, de facto, defender a língua portuguesa, quer no plano interno, quer a nível internacional, faz com que não seja despiciendo ponderar o reforço da constitucionalização da defesa da língua.

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Portanto, parece-nos que é uma questão que, de facto, merece uma ponderação atenta, embora não se resolva necessariamente com a proposta apresentada pelo CDS. Também não nos parece feliz a inclusão da palavra "oficial" por razões que já foram explicadas, nomeadamente pelo Sr. Deputado Almeida Santos, e que devem ser, de lacto, ponderadas.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, brevissimamente, analisar uma das questões suscitadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e, agora, pelo Sr. Deputado António Filipe, que podem introduzir, suponho eu, um equívoco.

Qual a mais valia introduzida pela norma? Percebendo-se obviamente a intenção, as razões subjacentes e a teleologia para a aprovação de uma proposta deste teor, para além do seu conteúdo simbólico, como é evidente, é preciso que haja fundamentos.

Mas, sobretudo, haverá argumentos como os sublinhados pelo Sr. Deputado Almeida Santos, em particular, que me parecem difíceis de ultrapassar, designadamente a confusão introduzida pelo facto de em Portugal não haver nenhuma dúvida sobre a língua oficial. Porventura, o único momento em que isso se terá colocado agudamente foi durante o período da ocupação espanhola e, portanto, quanto ao uso do espanhol, questão que, francamente, me parece afastada, hoje.

O único argumento que me parece ser inteiramente inútil e, pelo menos, introdutor de confusão é a questão da utilização do português como língua de trabalho das Comunidades, entenda-se, e de outras organizações correlacionadas, para já não dizer das organizações internacionais em geral. Uma norma deste teor, se aprovada, não introduzia nenhum argumento suplementador da força da nossa argumentação e do nosso esforço para a utilização universal da língua portuguesa. Nenhuma! O facto de a Constituição da República ter uma norma deste teor não reforçaria o nosso mandato junto das Comunidades no sentido de evitar que o português seja eliminado como língua de trabalho.

Como, aliás, os Srs. Deputados reconheceram. Só o digo pelo esforço de sublinhá-lo. Não haveria nenhum elemento decorrente especificamente desta norma como apport e contribuição para essa causa em relação à qual também não tenho nenhuma dúvida em considerar que é uma boa causa e que é uma causa nacional. E é esta a questão que tem de ser técnica e politicamente ponderada na altura em que se está a discutir um aditamento à Constituição.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é evidente que a carga desta proposta e deste artigo é, em boa parte, simbólica, e temos a consciência disso. Também sabemos que, para obter essa carga simbólica, só nos restava legislar em matéria de língua oficial, ou seja, estabelecer um princípio em termos de língua oficial portuguesa.

É claro que esta questão não tem nada a ver, ao menos directamente, com as línguas de trabalho nas Comunidades, obviamente. Não deixamos, no entanto, de temer as consequências que, para a língua oficial portuguesa, isto é, para a língua utilizada pelos órgãos de soberania e pela Administração Pública em Portugal, possam vir a resultar da adopção de línguas de trabalho nas Comunidades, que não o português.

É evidente que, quanto ao português como língua comum falada pelos Portugueses, os benefícios e as mais-valias introduzidas na 2.a revisão constitucional são suficientes. Porém, falta-lhes o coroar simbólico, que é esta norma. É ela que nos defenderá numa altura em que, porventura, a recordatória que fez o Sr. Deputado José Magalhães não seja tão pertencente ao imaginário como se possa pensar. Isto é, o que nos aconteceu no tempo dos Filipes pode, por uma via muito diferente, vir a acontecer-nos agora com o inglês, com o alemão ou até com o espanhol.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Em síntese, penso que pode considerar-se este artigo discutido. Creio que não vale a pena tirar uma conclusão: dois Deputados pronunciaram-se contra, um dos proponentes pronunciou-se, com brilhantismo, em defesa da proposta, como é natural, e o PCP, se bem entendi, tem também uma posição crítica, embora agora admita, de certa forma, a consagração constitucional da língua portuguesa como língua oficial.

Diz-me o Sr. Deputado Costa Andrade que o artigo 15.° é de uma extrema simplicidade e que poderíamos, desde já, tratá-lo, tendo tido a amabilidade de reconhecer que a nossa proposta é talvez preferível à formulação do próprio PSD. Se assim é, vamos passar rapidamente à sua discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta afasta-se em dois pontos da do Partido Socialista. Em primeiro lugar, diferentemente do texto vigente, falamos em "órgãos das autarquias locais" quando actualmente se fala dos "órgãos de autarquias locais". A mudança não é, de todo em todo, neutra, embora, na prática, legitime a lei a atribuir competência aos órgãos das autarquias locais, pois a lei pode apenas limitar-se a órgãos de certas autarquias locais. Mas, enfim, pensamos que, por princípio, não haverá grande resistência da nossa parte em deixar ficar o que está.

Em segundo lugar, penso que a especificação, no que toca aos Deputados ao Parlamento Europeu, limitada aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia é, por princípio, correcta e, do nosso ponto de vista, reforça a ideia de que nesta revisão constitucional se devem apenas introduzir as mudanças necessárias para viabilizar a ratificação do Tratado de Maastricht, Tratado este que apenas nos exige que alarguemos este direito aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia.

Portanto, independentemente de outras considerações que noutras revisões se podem ter, declinamos a nossa abertura para, por princípio, aceitarmos uma proposta como a do Partido Socialista.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, creio que o Sr. Deputado Costa Andrade justificou a nossa proposta em termos bastante claros; porém, vou um pouco mais longe, pois penso que não só a nossa formulação é mais correcta como seria proibida pelo próprio Tratado de Maastrivht a extensão a todos os estrangeiros do direito de voto para o Parlamento Europeu.

Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas esclarecer uma dúvida: se não deverá haver aqui, também, a cautela de referir as condições de reciprocidade em relação à eleição para o Parlamento Europeu.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Essa cautela já está prevista no ponto anterior, creio. Está a palavra "ainda". É sempre a tal história: se vale ou não a pena repetir!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Penso que aqui se deve fazê-lo, uma vez que a União Europeia...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Se vale a pena repetir as mesmas condições...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se vale a pena fazer uma referência expressa no n.° 5 às condições de reciprocidade que já constam do n.° 4, relativamente às autarquias...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Talvez...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ..., mas que não existe no n.° 5, apesar da expressão "pode ainda atribuir [...]", pois não fica expresso...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - O "ainda" traz implícita a identidade de condições, como é óbvio!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não sei, não sei...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado Jorge Lacão, que é o nosso oráculo em maioria de poder local, quer dizer alguma coisa?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas aqui não se trata de um problema de poder local, é já a questão do Parlamento Europeu. A parte relativa ao poder local está perfeita!

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sim, está em causa o Parlamento Europeu.

Sr. Deputado Jorge Lacão, tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, se me é consentido, gostaria de fazer uma pequena observação, para reflexão posterior de todos nós, em relação, justamente, a este distinguo feito na proposta apresentada pelo PSD, quanto à atribuição do direito de voto ser reportado à eleição dos titulares "dos" órgãos das autarquias locais e não, como se diz na versão actual da Constituição e, também, na proposta do PS, para a eleição dos titulares "de" órgãos de autarquias locais. A questão...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já falei desse aspecto!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Certo, eu anotei...

Mas a observação que quero fazer é a seguinte: não deveremos deixar de ter em conta que na estrutura constitucional portuguesa as regiões administrativas, que estão constitucionalizadas ainda que não criadas, são autarquias locais, e na expressão utilizada pelo PSD isso significa que se abrange todo o universo de autarquias locais.

Há, pois, que ponderar se esse é o desiderato europeu, ou seja, se o desiderato europeu consiste em abranger todas as autarquias, independentemente do seu grau, ou se é apenas as autarquias de primeiro grau de representação territorial.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Na prática vai dar ao mesmo!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Claro que há aqui a questão do princípio da reciprocidade. Em todo o caso, por uma razão de cautela, vale a pena ponderar se a redacção tal como está apresentada pelo PS e como está, actualmente, plasmada no texto constitucional não é - lendo em atenção este aspecto que acabei de referir - a mais cautelosa.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria apenas dizer o seguinte: tenho algumas dúvidas que uma interpretação menos restritiva do texto actual não permitisse obter este mesmo resultado.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Mas, Sr. Deputado, fala em estrangeiros! E nem todos os estrangeiros votam para o Parlamento Europeu...

O Sr. Nogueira de Britei (CDS): - Sr. Presidente, se fala em estrangeiros podem ser os estrangeiros residentes! A lei depois o diria.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Parece-me que estamos a permitir mais do que aquilo que o Tratado de Maastricht quer!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas é que, efectivamente, não nos faria mal! Pois, se temos uma disposição que permite abranger também as normas do Tratado de Maastricht, suponho que, realmente, não era necessário fazer esta alteração.

E poderá ter um significado negativo, no momento em que alguns países fazem alterações com um sentido restritivo, como é o caso da França, que elimina a capacidade passiva em relação a certo tipo de eleições porque considera que elas podem conduzir à participação em órgãos de soberania. Portanto, a nossa alteração poderá ser considerada como traduzindo um excesso de zelo curopeísta.

Realmente, não sei se será correcto fazermos, neste momento, qualquer alteração para as autarquias locais. Neste ponto, afirmo-me partidário do princípio de flutuação, que o Sr. Deputado Almeida Santos defendeu há pouco para a subsidiariedade: deixávamos a flutuar a nossa norma - que é uma norma avançada em relação a muitas constituições europeias, a algumas pelo menos - na expectativa de que ela possa cobrir tudo aquilo que vier a ser consagrado e permita, simultaneamente, realizai1 o interesse nacional.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Reparei que não propuseram nada sobre isso, o que tem defesa. Em todo o caso, penso que poderia ser estranho que, no momento em que só está em causa ou só é permitida pelo Tratado de Maastricht a votação de cidadãos dos Estados membros para o Parlamento Europeu, consagrássemos uma norma que permitia que votassem não apenas esses mas também outros.

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Parece-me que o que é importante é que as condições de reciprocidade fiquem expressas no texto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em relação ao problema que o Sr. Deputado Jorge Lacão levantou, o de as autarquias, no entendimento nacional, abranger também as futuras regiões e de isso ultrapassar, eventualmente, a própria exigência de Maastricht, dou-lhe toda a razão, na medida em que o Tratado da União Europeia, no artigo 8.º-B, refere-se às eleições municipais.

Portanto, talvez devêssemos aqui tomar alguma cautela de forma que, usando a expressão que tem este sentido mais amplo - para além das autarquias municipais também as regiões como autarquias -, possamos estar a consignar um direito com uma amplitude maior do que aquela que decorre da exigência de Maastricht.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Em relação às autarquias municipais?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A expressão do Tratado é "nas eleições municipais".

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não tenho dúvidas que a norma actual permite tudo! Assim vejamos: "A lei pode atribuir a estrangeiros residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos [...]" É a melhor! Para que vamos agora, num excesso de zelo, alargar este sentido, quando há países que estão a restringir?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não seria alargar, seria restringir!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - De facto, não estamos a dar direitos ou a atribuir qualquer capacidade eleitoral activa ou passiva. Será o legislador ordinário que, enfim, ponderará essas questões. Estamos apenas, na medida do que pareça - no sentido do mais amplo possível - dentro do razoável, a abrir essa possibilidade. Daqui não resulta capacidade eleitoral para ninguém!

Portanto, penso que uma fórmula como a do Partido Socialista, que é mais prudente que a do PSD, pois quando referimos "das" autarquias locais, o Partido Socialista refere antes "de" autarquias locais.

Além do mais, em consonância com o que está, o legislador constituinte, de certa maneira, aponta já para uma certa restrição, não necessariamente todas, embora com o "das" se fosse ter ao mesmo resultado! Portanto, não exageremos o que não deve ser exagerado. Por isso, é que começámos por manifestar a nossa predisposição paia votar uma proposta como a do Partido Socialista, repensando a exigência da reciprocidade para o n.° 5.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, paia uma intervenção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria apenas deixar lavrada uma congratulação pelo facto de não haver entre nós qualquer reedição de debates como aquele que assolou, tão recentemente, a sociedade francesa e que se projectou, designadamente, em alegações de putativa inconstitucionalidade de disposições tendentes a conceder direito de voto a estrangeiros residentes.

Entre nós, o princípio consagrado neste artigo está tão consolidado que o Sr. Deputado Nogueira de Brito surgiu agora a defendê-lo de pleno, considerando-o bastante, o que significa, evidentemente, a erradicação de qualquer concepção xenófoba mesmo por parte daqueles que se situam num quadrante político-ideológico que, noutras sedes - que não em Portugal -, foi terreno fértil para o germinar de concepções restritivas em relação a direitos como este.

A segunda observação, Sr. Presidente, é também no sentido de dizer que a norma proposta pelo Partido Socialista é, de facto, prudente, sobretudo porque tem em atenção a margem de manobra que é preciso dar ao legislador ordinário. Além do mais, o legislador ordinário estará confrontado com a necessidade de hermenêutica do conteúdo do artigo 8.°-B do Tratado, que alude ao direito de voto nas eleições municipais no Estado membro onde residem, nas mesmas condições que os cidadãos desse Estado, o que coloca problemas de interpretação bastante melindrosos. O que se deve entender por eleições municipais no concreto? Nos Estados que têm conselheiros municipais, adjuntos e presidente, a que tipo de cargos é que esta norma dá acesso? O que se deve entender por "nas mesmas condições que os cidadãos de Estados membros"? Por outro lado, é preciso ter em conta a diferença de competências dos órgãos de poder local nos diversos países, uma vez que, por exemplo, entre nós não se gera uma situação semelhante à francesa, em que há uma intervenção de conselheiros municipais na formação do próprio Senado. A questão coloca-se em termos radicalmente diferentes, não há nenhuma prerrogativa de soberania co-envolvida nesta possibilidade de acesso. Por isso, a prudência que marcou a redacção do artigo proposto pelo PS parece inteiramente justificada.

Quanto à observação de uma eventual falta de alusão as condições de reciprocidade, provavelmente é uma cautela fazer uma menção expressa, embora, naturalmente, fosse esse o princípio que se desgarra da redacção proposta.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a dúvida que queria colocar relativamente à proposta do Partido Socialista, de alguma forma, creio que está esclarecida, dado que se referia à existência ou não de reciprocidade no n." 5, face às eleições para o Parlamento Europeu.

Creio, portanto, que está clara a intenção do PS, bem como a do PSD, de manter a reciprocidade também no que se refere às eleições paia o Parlamento Europeu, pois é sabido que o Tratado permite que alguns países possam invocar uma situação especial para enviabilizar o direito de voto de cidadãos estrangeiros nesses Estados. Deste modo, é inquestionavelmente útil e faz lodo o sentido que a reciprocidade também seja exigida a nível destas eleições.

Relativamente à consagração - mais uma vez - da expressão "União Europeia" com letra grande, remeto paia o que foi dito a propósito do artigo 7.º, pois penso que o que foi dito na altura é também válido para este artigo.

Gostaria ainda de referir uma outra questão: a da separação dos dois números do artigo - os n.ºs 4 e 5. Ora, sendo o universo eleitoral para o Parlamento Europeu restrito aos cidadãos dos Estados membros da Comunidade Europeia, a questão que coloco é se a exigência da reciprocidade não limita, desde logo, esse universo, isto é, se será necessário dividir o artigo, num número, para as autarquias e, em outro, para o Parlamento Europeu.

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A questão que coloco, no fundo, é se a consagração da regra da reciprocidade não resolve desde logo o problema do universo eleitoral paia o Parlamento Europeu, na medida em que, obviamente, só a nível dos Estados membros da Comunidade é que se pode colocar um problema de reciprocidade.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Não resolve, porque a Checoslováquia, por exemplo, podia aceitar o princípio da reciprocidade e nós não podemos pô-los a votar no Parlamento Europeu!

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas não se colocaria um problema de reciprocidade relativamente à Checoslováquia porque eles não têm lá eleições para o Parlamento Europeu, não é?

Embora esta não seja uma objecção de fundo, como se compreende...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, damos também este artigo por discutido, pois há um consenso formado relativamente a uma redacção bastante simples.

Posto isto, dava por encerrada a reunião. A próxima reunião realiza-se no dia 29, às 15 horas, e serão discutidos os artigos 105.°, 108.° e, se houver tempo, 118.° da Constituição.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Estiveram presentes os seguintes Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
António de Almeida Santos (PS), vice-presidente.
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Ana Paula Matos Bairros (PSD).
Fernando Marques Andrade (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João Álvaro Poças Santos (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Adérito Manuel Soares Campos (PSD).
Miguel Bento M. da C. Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Alberto R. dos Reis Lamego (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
Maria Odete Santos (PCP).
André Valente Martins (PEV).
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN).

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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