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Quarta-feira, 30 de Setembro de 1992 II Série - Número 4-RC
DIÁRIO DA Assembleia da República
VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
III REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.º 4
Reunião do dia 29 de Setembro de 1992
SUMÁRIO
O Sr. Presidente (Rui Machete) deu início à reunião pelas 15 horas e 30 minutos.
Foram apreciadas as propostas, apresentadas pelo PSD e pelo PS, de alteração ao artigo 105.º
Intervieram no debate, a diverso título, alem do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Alberto Costa, José Magalhães e Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP) e Guilherme Oliveira Martins (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
Guilherme Valdemar P. de Oliveira Martins (PS), vice-presidente.
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Ana Paula Matos Barros (PSD).
Fernando Marques Andrade (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João Álvaro Poças Santos (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Vamos começar os nossos trabalhos, analisando o artigo 105.° da Constituição, que, como sabem, se refere ao Banco de Portugal.
Relativamente a este artigo existem duas propostas de alteração, uma do PSD e outra do PS.
Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa primeira abordagem, a nossa proposta parece-nos óbvia: destina-se a viabilizar a ratificação do Tratado de Maastricht na parte em que ele implique a constituição de um banco central europeu e a existência de uma moeda única. Por isso, introduzimos na Constituição um preceito com o carácter que um preceito constitucional deve ter, isto é, fizemos as "obras" no actual preceito, eliminando a referência ao exclusivo da emissão de moeda.
Trata-se, pois, de um preceito que, em rigor, poderíamos perfeitamente eliminar. Há muitas constituições que não têm qualquer preceito correspondente a este.
Entre este e o projecto homólogo, proposto pelo PS, parece-nos, apesar de tudo, que o nosso tem a vantagem de ser mais aberto, uma vez que o do PS preserva ainda um certo imperativo constitucional de o Banco de Portugal emitir moeda. Isto é, segundo o preceito proposto pelo PS, haveria ainda a obrigação de o Banco de Portugal emitir moeda, obrigação essa que, no desenvolvimento da construção europeia, pode revelar-se inconveniente.
Julgo, contudo, que, no essencial, as duas propostas apontam para o mesmo objectivo, não se adivinhando por isso uma via de convergência.
O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta ao Sr. Deputado Costa Andrade. Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - De facto, registo que o PSD elimina a possibilidade de emissão de moeda, o que não é uma implicação do Tratado nem do seu anexo sobre o Estatuto do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. Porventura, numa previsão do que virá a acontecer, esta proposta de redacção talvez possa ser correcta. No entanto, o PSD elimina a emissão de moeda, mas mantém o Banco de Portugal a colaborar na definição das políticas monetária e financeira.
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Costa Andrade, se considera que isto é compatível. Aliás, o Sr. Deputado já disse que se trata de uma alteração da Constituição destinada a permitir, sem oposição com a dita Constituição, a aprovação para a ratificação do Tratado. Não entende, Sr. Deputado Costa Andrade, que há aqui um possível conflito?
Tanto quanto me parece, o Banco de Portugal não colaborará na definição da política monetária. O governador do Banco de Portugal terá assento num órgão que definirá a política monetária, à qual o Banco de Portugal estará sujeito. Agora, dizer que o Banco de Portugal colabora...; talvez executando alguns trabalhos menores, nas para mais do que isso; não sei se terá qualquer competência.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, isso é fácil.
Independentemente das relações entre o Banco de Portugal e o Banco Europeu, há-de subsistir o estatuto do Banco de Portugal no contexto da ordem jurídica constitucional portuguesa e nas relações com o Governo Português.
Portanto, há-de haver sempre a possibilidade de colaborar na definição e execução das políticas monetária e financeira, de acordo com a lei. Em função das obrigações decorrentes dos tratados internacionais, há-de sobrar sempre alguma possibilidade de colaborar.
De resto, esta é uma matéria onde o nosso projecto mantém o texto vigente na Constituição. Limitamo-nos apenas a eliminar a referência ao exclusivo da emissão da moeda.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justificação da nossa proposta tem também bastante de óbvio. Limitar-me-ei, pois, a referir os aspectos que nos diferenciam da proposta do PSD e a tentar fundamentá-los.
A formulação que escolhemos radica na preocupação de pôr termo a alguns exclusivos ou a algumas soluções fechadas da Constituição, que poderiam colidir com as soluções do Tratado a ratificar, sem, no entanto, ir além do necessário na remoção desses obstáculos, como já ficou patente, nomeadamente na formulação que propusemos em relação à capacidade eleitoral para o Parlamento Europeu.
Assim, se é verdade que os termos do Tratado colidiriam com a consagração do exclusivo da emissão de moeda, atribuído constitucionalmente ao Banco de Portugal, é também certo que esses termos não impõem que o Banco de Portugal seja excluído de toda e qualquer função emissora, prevendo-se nomeadamente que continue a ter
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funções nessa área e desde logo, e a título de exemplo, nunca prejudicadas em matéria de emissão de moeda metálica.
Portanto, dentro dessa filosofia de remover obstáculos, mas não mais do que o necessário, eliminamos o exclusivo, mas continuamos a dar consagração constitucional à função emissora de moeda que continua consentida pelo Tratado, não nos parecendo que se tome hoje necessário consagrar uma autorização constitucional, ou uma mais extensa remoção de obstáculos, que tenha já em vista passos ulteriores àqueles que estão previstos até ao final do século na actual formulação do Tratado de Maastricht.
A segunda preocupação, que esteve por detrás desta formulação e do conjunto do nosso projecto, tem a ver com o ajustamento as soluções do Tratado. Parece-nos que tal ajustamento vai no sentido de se pôr a enfâse na execução das políticas monetária e financeira e não na definição dela, tendo em conta as formulações do Tratado nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permiti-me inscrever para, muito rapidamente, tecer algumas considerações a propósito deste artigo, basicamente ao ponto em que a proposta do PSD diverge da do PS, isto é, na supressão da referência à emissão de moeda.
A justificação é relativamente simples e assenta nesta ideia. Nós não estamos a fazer o estatuto do Banco de Portugal, estamos a debruçar-nos sobre um artigo da Constituição, que quer garantir ao banco central português determinadas características institucionais mínimas, determinadas competências mínimas. Daí, a redacção que foi aprovada para o artigo 105.° da Constituição, que definia o essencial mas não definia todas as funções que o banco central hoje tem - e lá vinha mencionada a emissão da moeda.
Quando lemos o artigo 105.°-A do Tratado de Maastricht, verificamos que o Banco Central Europeu tem o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade, que o Banco Central Europeu e os bancos centrais nacionais podem emitir essas notas - que é a parte material e de execução - e que as notas de banco emitidas pelo Banco Central Europeu e pelos bancos centrais nacionais são as únicas com curso legal na Comunidade. Ora, isto está a referir-se à parte nobre e verdadeiramente importante da emissão de moeda.
A emissão da moeda metálica é uma coisa que, normalmente, não pertence à competência dos bancos centrais. Em Portugal, ainda que com autorização do banco central, é a Imprensa Nacional-Casa da Moeda que o faz, é o Mint em Inglaterra, etc. Normalmente, são funções separadas e, relativamente ao nível que estamos a considerar, secundárias em relação ao banco central.
De modo que, e salvo o devido respeito, consignar a garantia constitucional de o banco central português emitir moeda metálica é algo que não se justifica num texto constitucional. O sentido da supressão foi o de considerar que de minimis não cura a Constituição. Na verdade, não se pode deixar de pensar que esta autorização secundaríssima para emitir moeda metálica, sempre obviamente no contexto global daquilo que é a política monetária e da emissão de notas, que essa é reservada ao Banco Central Europeu em colaboração com os bancos centrais nacionais, é um aspecto menor, que não justifica a sua consignação constitucional.
Este foi, pois, o intuito claro da supressão e, salvo o devido respeito pelas considerações que até agora foram feitas, não me convenceram que se justifique dar essa garantia constitucional a uma questão secundária, operacional, digamos assim.
Um segundo aspecto, porventura mais importante, respeita às observações que o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez, no que se refere à ideia de colaborar na definição e execução das políticas monetária e financeira.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito, baseando-se numa leitura do texto do Tratado de Maastricht, consentânea com a sua visão global do problema, refere que não lhe parece que possa dizer-se que os bancos centrais nacionais cooperem com o Banco Central Europeu. Quanto muito, poderá dizer-se isso do papel do governador do banco central que faz parte do órgão do Banco Central Europeu.
Não considero esta matéria de uma importância transcendental, mas a interpretação que faço do sistema da união monetária é no sentido claro de o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) - é assim que se chama e do qual faz parte o Banco Central Europeu (BCE), porque justamente é o centro coordenador e nele participam todos os bancos centrais nacionais - ser um sistema de cooperação, em que o papel mais importante e de coordenação pertence ao Banco Central Europeu, mas os bancos centrais nacionais têm um papel que não é despiciendo e que não é o de simples executores atentos, veneradores e obrigados. De modo que não me parece incorrecto - pelo contrário, acho que traduz melhor a ideia do Sistema Europeu de Bancos Centrais - dizer que o banco central português, o Banco de Portugal, colabora na definição da política, colabora com os outros bancos centrais e, naturalmente, com o Banco Central Europeu, que, de algum modo, é uma emanação dos bancos centrais nacionais. E, repito, isso parece-me mais de acordo com o teor dos artigos sobre política monetária que constam do Tratado de Maastricht, e depois no desenvolvimento feito a propósito do estatuto do Banco Central Europeu, do que consignar a ideia de que não existe essa participação cooperativa e de colaboração dos bancos centrais nacionais no Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Estas são, em síntese, as considerações que me levaram a formular o projecto do PSD no sentido da não consignação da emissão da moeda É que, reparem VV. Exas., esta emissão da moeda, quando estava aqui consignada na Constituição da República, era a emissão da moeda no sentido da política de emissão monetária, e não de moeda metálica. Ora, a recondução disto apenas ao aspecto menor da moeda metálica parece-me que não justifica a sua consignação constitucional. E, mais importante do que isso, no projecto traduz-se a ideia de que o Banco de Portugal, como um dos bancos centrais do SEBC, colabora na definição da política, colaboração essa que naturalmente envolve, nos termos do Tratado, a subordinação às directrizes do Banco Central Europeu naquilo em que essa subordinação tem de existir.
Um último aspecto que quero referir tem a ver com o facto de a política monetária e financeira ter aspectos que fogem ao próprio BCE. Quer dizer, quando se analisa espectralmente as atribuições do banco central português, como as de qualquer outro banco central nacional dos Estados que integram a Comunidade Económica Europeia, há vários aspectos dessa política que não são, nem parece que venham a ser - pelo menos, neste momento, não estão -, atribuídos à competência do BCE e alguns deles escapam mesmo às atribuições do SEBC, sendo apenas,
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porventura como uma aplicação do princípio da subsidiariedade, da competência dos bancos centrais nacionais.
Antes de dar à palavra ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, para pedir esclarecimentos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, os pressupostos em que V. Exa. assenta o seu raciocínio excludente da persistência de uma alusão às funções do Banco de Portugal em matéria de emissão de moeda suscitam-me alguma perplexidade no confronto directo com o texto do Tratado, tal como ele se encontra desenhado neste momento, e, por outro lado, em confronto com o calendário desta revisão constitucional e, logo, da entrada em vigor destas disposições, a consumar-se o processo segundo a ordem natural das coisas.
Explicito os termos exactos da minha dúvida: o que está aqui em causa, neste momento, é uma correcção do texto constitucional, a supressão de um exclusivo. Basicamente, é esse o problema que há que equacionar e em relação ao qual é preciso encontrar uma resposta.
Sendo a óptica minimalista, como já foi abundantemente sublinhado pelo Sr. Deputado Alberto Costa no que diz respeito à posição do PS, é preciso ter ainda em conta que esta revisão constitucional entrará em vigor no momento em que o calendário da união económica e monetária estará numa fase incipiente de execução. Sendo certo que a união económica e monetária tem como alvo a entrada em vigor do ecu como moeda única, essa entrada em vigor do ecu como moeda única não é um fenómeno inopinado e súbito, mas, sim um fenómeno para ler lugar num determinado momento - de resto, situado num ponto distante em relação ao momento que vivemos -, havendo, portanto, obrigatoriamente um período transitório.
Sendo assim, depois da entrada em vigor da lei da revisão constitucional, a República Portuguesa, e mais, concretamente o Banco de Portugal, enquanto banco central, continua a ter as prerrogativas que tem, precisamente face à ordem jurídica constitucional e à ordem jurídica vigente relativamente aos nossos compromissos internacionais. O Banco de Portugal continuará a ter de exercer essas funções durante o período transitório, de duração lata, um período bastante considerável. Suponho que nenhum de nós, parafraseando o Sr. Presidente do Banco de Portugal, saberá quando é que essa data precisa ocorrerá.
Com isto, gostaria de contrabater o argumento de V. Exa., de que não encontra razão para a fórmula que o projecto do PS contém. Aqui está uma razão para manter uma formulação alusiva à emissão de moeda. A emissão de moeda será, em exclusivo, até ao termo do período em que esse exclusivo se mantém e, depois disso, a emissão de moeda continuará a ter lugar.
E isso leva-me à segunda pergunta relacionada directamente com as considerações que fez e que, evidentemente, tem a ver com a interpretação do Tratado. Aquilo que o Tratado, na sua redacção presente, admitindo que não sofre qualquer alteração, prevê é que o BCE tem o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade e que o BCE e os bancos centrais nacionais podem emitir essas notas. Continua a haver uma função emissora, ainda que transmutada ou subordinada, se quisermos. A função emissora obedece a parâmetros totalmente distintos, mas subsiste.
Assim sendo, não é justo reduzir o conspecto dos poderes do Banco de Portugal, face ao artigo 105.°-A do Tratado, tal qual se encontra redigido neste momento, ao n.° 2 do mesmo artigo 105.°-A, que é aquele que alude à competência para a emissão de moeda metálica, dentro de determinados condicionalismos - evidentemente, supõe mecanismos de intercoordenação e de superintendência por parte do BCE. O Banco de Portugal conserva uma função emissora no que respeita às próprias notas de banco em condições que o Tratado precisamente delimita.
Por isso mesmo é que não vale a pena, provavelmente, nesta óptica de conservação do máximo compatível com o período transitório, e com as prerrogativas reais do banco central, suprimir tanto como o PSD suprime. Evidentemente, em tese, a Constituição poderia não ter nenhuma norma sobre o banco central, como muitas constituições não têm. Mas a nossa tem, e tem-na de acordo com uma determinada tradição e com conteúdos sedimentados e adquiridos. Não vale a pena fazer uma espécie de efeito rasoir, a pretexto de uma alteração necessária, levando-a além daquilo que é estritamente necessário.
Gostaria, Sr. Presidente, que estas considerações pudessem ser objecto de alguma ponderação.
O Sr. Presidente: - Supunha que já tinham sido, mas vou tentar explicar as razões pelas quais, na minha perspectiva, não se justifica essa manutenção, embora não venha mal ao mundo se isso acontecer.
Em primeiro lugar, julgo que é importante ter a noção clara de que esta norma representa uma garantia institucional. Mas a supressão, no texto da Constituição, de algumas das atribuições do banco central não significa que o estatuto do banco central deixe, por essa circunstância, de continuar em vigor. Quer dizer, se nós suprimíssemos o artigo 105.° da Constituição, porventura totalmente, isso não significava que o Banco de Portugal não continuasse a ser o banco central e o banco emissor. Portanto, a função da Constituição é apenas a de ser uma norma de garantiu, uma garantia institucional. Não significa, por consequência, que, imediatamente, no direito ordinário, tenha de haver qualquer supressão ou anquilosamento, mas apenas que desaparece, nos termos em que desaparecer, a garantia constitucional. Este é o primeiro aspecto que é bastante importante e indiscutível, suponho.
Em segundo lugar, é evidente que todos sabemos que o estabelecimento definitivo do SEBC é algo que se vai protelar no tempo e, mais do que isso, nem sequer funciona o BCE, porque é ainda, apenas, um instituto monetário que vai funcionar na chamada "segunda fase". Por aí, porventura, em termos rigorosos, até podíamos não tocar neste artigo durante um determinado período. De facto, uma vez que os preceitos de Maastricht só entrarão em vigor mais tarde, não haveria nenhum conflito, no actual momento; só haveria um conflito potencial, a tornar-se efectivo mais tarde, quando a terceira fase viesse a acontecer. Portanto, a sua lógica levaria, eventualmente, a nem sequer tocar no artigo 105.° da Constituição.
A terceira observação é a seguinte: todavia, uma vez que estamos a fazer uma revisão minimalista da Constituição para permitir excluir qualquer conflitualidade com o Tratado de Maastricht, tal como o conhecemos na sua versão actual, quando o Tratado vier a ter a plenitude da sua eficácia jurídica, então, tanto o PS como o PSD sentiram a necessidade de alterar o texto do artigo 105.°
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da Constituição nos seus aspectos de garantia, porque esses conflituavam com a alteração que viria a ser introduzida no estatuto do Banco de Portugal quando essas normas do Tratado de Maastricht entrassem em vigor. Por isso, o que, no actual artigo 105.°, se diz a propósito da emissão de moeda tem um significado completamente diferente daquele que se lhe pretende atribuir na redacção do PS, ao manter a referência a emissão de moeda. É que o conceito de emissão de moeda tem, como sabe, pelo menos dois aspectos distintos. O primeiro respeita ao aumento dos meios de pagamento existentes num determinado país, o segundo reporta-se à ideia da emissão física de notas. Quem a faz efectivamente? Pode ser o Banco de Portugal ou até uma outra entidade por conta do Banco de Portugal, como, no futuro, será por conta do BCE. Portanto, o que se diz no artigo 105.° da Constituição, na redacção actual em vigor, é que a entidade autorizada a emitir moeda, a definir os meios de pagamento e, inclusivamente - indo um pouco mais longe do que a pura e simples moeda - , a definir a política monetária de crédito é o Banco de Portugal. Quando, agora, olhando para o artigo 105.°-A, n.° 1 - e não n.° 2 -, do Tratado de Maastricht, verificamos que quem tem o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de bancos na Comunidade é o BCE, isto significa que esta emissão de moeda que aqui está já não é o aspecto nobre e importante da definição dos meios de pagamento, mas sim a execução daquilo que é autorizado. E até, curiosamente, diz depois o n.° 2 que isso vai ser através da simples moeda metálica, que é muitas vezes uma moeda divisionária.
É por isso que digo: não me parece que, dentro desta óptica, que não considera os aspectos transitórios, mas já considera os aspectos filiais quando o Tratado estiver plenamente a funcionar, tenha grande justificação estar a manter uma garantia institucional na Constituição a algo que é relativamente menor.
Suponho que fui claro naquilo que pretendia dizer. Outra coisa é se VV. Exas. convêm comigo ou não.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é sabido que há pouco coloquei uma pergunta ao Sr. Deputado Costa Andrade, que me deu a resposta que agora está a ser desenvolvida pelo Sr. Presidente - aliás, segundo indicação do Sr. Deputado Costa Andrade.
Reservo-me, pois, o direito de fazer agora uma intervenção para dizer que o CDS não propôs qualquer alteração ao artigo 105.°, de acordo com a filosofia da nossa proposta.
Isso não vem agora ao esclarecimento deste caso, mas serve para dizer que o que propusemos em relação à revisão da Constituição foi uma alteração da norma respeitante ao referendo - o artigo 118.° - e normas destinadas a preservar a identidade nacional e a competência dos órgãos de soberania portugueses, preservando a participação democrática dos cidadãos portugueses fase ao processo de integração europeia.
Não propusemos nada destinado a facilitar a entrada em vigor do Tratado porque tínhamos a ideia do referendo, obviamente. No entanto, quanto a esta questão, suponho que os argumentos do Sr. Deputado José Magalhães - que eu, em parte, tinha avançado na minha pergunta - são de ponderar, não só porque haverá um período transitório mas também porque há uma norma na Constituição da República Portuguesa que garante - como V. Exa. disse, e bem - o exclusivo da emissão de moeda ao Banco de Portugal, e é precisamente essa norma que VV. Exas. tiveram necessidade de alterar.
Seria significativo que desaparecesse da Constituição qualquer referência à garantia de emissão, no momento em que se vai manter no Banco de Portugal mesmo a emissão de notas, porque uma coisa é autorizar ou programar, como acontecerá para a moeda metálica, autorizar para as notas, outra coisa é ter o poder de emitir, o poder liberatório das moedas emitidas pelo Banco, que, se não estiver consagrado, não existe.
Ora, o Tratado não prevê tanto como V. Exa. deu a entender; prevê um pouco menos, embora já preveja muito, o que é, porventura, um dos aspectos mais chocantes da união económica e monetária. Mas, apesar disso, o Tratado prevê que a autorização é do Banco Central Europeu, mantendo-se a capacidade de emissão plural pelo Banco Central Europeu e pelos bancos centrais. E, como sabem, a emissão é um acto muito concreto, que é pôr em circulação notas, embora autorizadas pelo Banco Central Europeu, que tem poder liberatório, e isso é fundamental.
Na verdade, isto está na Constituição e convirá que, daqui para a frente, não deixe de estar porque senão diríamos que o Banco Central Europeu vai emitir notas ao abrigo do Tratado de Maastricht, o que era bastante desagradável, em meu entender. Isto é, deixava de emiti-las ao abrigo da Constituição e da Lei Orgânica do Banco e passava a emiti-las ao abrigo do Tratado de Maastricht.
O Sr. Presidente: - Mas porquê?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Porque há essa tradição na nossa ordem jurídica, que, ainda por cima, é continuada pelo Tratado, porque este prevê expressamente esta matéria.
Não passaríamos da Constituição para a Lei Orgânica mas, sim, da Constituição para o Tratado. Assim, estas notas têm poder liberatório por força do Tratado, o que seria um pouco demais em meu entender, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, posso interrompê-lo?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, compreendo o sentido da sua argumentação. Em lodo o caso, uma análise fria, digamos assim, leva-me a pensar o seguinte: o curso legal da moeda e o poder liberatório das notas anteriormente à Constituição de 1976 não estavam consagrados na Constituição de 1933, que eu saiba!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pois não!
O Sr. Presidente: - Nem na Constituição de 1911!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pois até resultou de uma aprovação de um estatuto privado.
O Sr. Presidente: - Não, resultou de uma lei.
É bom não perdermos isso de vista!...
De facto, embora possa admitir a conveniência política que eventualmente exista nesta argumentação - e creio que não está em jogo uma questão de princípio -, devo
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dizer que, então, talvez valesse a pena retocar a redacção deste artigo para não dar a noção de que se trata de algo muito parecido com a emissão da moeda metal, referindo essa indicação do curso legal e do poder liberatório.
Deixando de parte este problema, o que quero significar é que do ponto de vista estritamente jurídico a argumentação de V. Exa. não é procedente; ela pode é ser conveniente do ponto de vista político, pelo que admito ponderá-la.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, creio que tem razão, mas o que acontece é que esta matéria está, entre nós, constitucionalizada a partir da Constituição de 1976 e, como VV. Exas. propugnam, ainda por cima, uma revisão minimalista da Constituição, não faz sentido que nesta matéria entreguemos completamente toda a fundamentação do curso legal das notas ao Tratado e depois, em sequência, à Lei Orgânica do Banco, que, aliás, vai ter de sofrer uma alteração importante, mesmo em relação à moeda metálica, porque este Banco até aqui, de acordo com a sua Lei Orgânica, só punha em circulação a moeda metálica e agora vai ter de emiti-la de acordo com programas aprovados pelo Banco Central Europeu.
Há várias alterações a fazer na Lei Orgânica, mas o que é certo é que elas tinham uma matriz constitucional e será desagradável, do ponto de vista das relações entre a nossa soberania e a União Europeia, se ela vier a ser assim, acrescentar-lhe mais este quid. É que o fundamento último do poder de emitir passa a residir no Tratado, e não na nossa Constituição.
Portanto, peço a V. Exa. e aos representantes do PSD que ponderem a possibilidade de manter a garantia constitucional da emissão de notas, que, ainda por cima, não é contrariada pelo Tratado.
Por outro lado, VV. Exas. quiseram manter a possibilidade de colaborar na definição da política monetária, mas aí é que me parece que foram longe demais, porque eu também gostaria que assim fosse, pelo menos colaborar ou até definir como agora se mostrou tão necessário com esta Lio recente desvalorização, etc.
Aí é que o Tratado e o Sistema Europeu de Bancos Centrais me parece radical, e a norma do seu Estatuto respeitante a esta matéria, ou seja, o artigo 14.° diz: "[...] devendo actuar em conformidade com as actuações, orientações e instruções do Banco Central Europeu." Portanto, é só o Banco Central Europeu que tem capacidade para definir a política monetária e financeira: isto é que é um exclusivo!
E mais: tanto o Tratado como o Estatuto introduzem várias normas cautelares para impedirem que os bancos centrais nacionais aceitem, nesta matéria, quaisquer orientações, tanto de órgãos políticos da Comunidade, como de órgãos políticos dos vários países.
Penso que é nesta matéria que o estatuto do Banco necessita de uma grande alteração e aquilo que VV. Exas. fazem, ao manter a redacção, é dar indicação no sentido contrário, porque colaborar na definição e executar a política monetária e cambial é já o que consta do actual estatuto do banco central, para que simplesmente tratasse de colaborar na definição em relação ao Governo Português e, neste momento, o que vai acontecer é que o Banco de Portugal não vai colaborar em definição alguma, vai executar uma política monetária definida, apenas, pelo Banco Central Europeu.
Ora bem, manter esta redacção, tendo em conta a redacção actual do artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da Lei Orgânica do Banco de Portugal, parece-me inconveniente.
Portanto, para quem tenha o objectivo de facilitar a entrada em vigor e a ratificação do Tratado de Maastricht parece-me que deve coibir-se de falar em definição da política monetária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer algumas considerações, que me Unham sido suscitadas logo no início pela primeira intervenção desta reunião, sobre o projecto apresentado pelo PSD.
Trata-se de superar aquela que parece ser a questão primordial do artigo 105.°, que é a da definição constitucional do princípio da exclusividade do Banco de Portugal em matéria da sua competência.
Na medida em que essa competência vai ser partilhada, a questão constitucional que se nos pôs foi a da superação do princípio de exclusividade, ficando, a partir daqui, em aberto a questão de saber até onde se justifica ir mais longe numa desconstitucionalização das atribuições conferidas ao Banco de Portugal.
Parece evidente que a criação, através do Tratado de Maastricht, do Sistema Europeu de Bancos Centrais implica que o Banco de Portugal, como banco central, deva partilhar, sob a forma de cooperação, a definição da política monetária. Aliás, quanto a este ponto, até considero o texto do projecto apresentado pelo PSD mais preciso do que o apresentado pelo PS, pelo que valerá a pena, num esforço de síntese, não perder de vista essa atribuição que se mantém ao Banco de Portugal, qual seja a de na estrutura do Sistema Europeu de Bancos Centrais haver uma cooperação para a definição e não apenas para e execução das políticas monetárias e financeiras.
Ressalvado este aspecto, aquilo que tem sido mais central na controvérsia actual reporta-se à questão de saber se se deve ou não manter a afirmação de uma competência constitucionalizada, por parte do Banco de Portugal, para a emissão de moeda.
Na verdade, a disposição do Tratado de Maastricht - o artigo 105.°-A - se, por um lado, atribui ao Banco Central Europeu o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade, por outro não deixa de, no mesmo artigo, explicitar que o Banco Central Europeu e os bancos centrais nacionais podem emitir essas notas num sistema em que a partilha do acto de emissão pode, também na lógica do princípio da cooperação, ser distribuída pelo conjunto de bancos que integram o Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Parece, pois, ter alguma razão de ser a última alegação do Sr. Deputado Nogueira de Brito quando afirma que se a questão não estivesse constitucionalizada o problema, proventura, não se poria, mas tendo em vista que está constitucionalizada a competência para a emissão de moeda, por parte do Banco de Portugal, e que essa competência partilhada não deixa de continuar explícita através do Tratado de Maastricht, seria menos adequado que nós desconstitucionalizássemos este dispositivo, remetendo-o apenas para o estatuto de lei ordinária.
Sucede que este estatuto não é, na ordem constitucional portuguesa, matéria jurídica do âmbito de competência
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exclusiva da Assembleia da República. Tem, na hierarquia das leis, uma posição que não favorece um grau de reserva de competência com uma especial dignidade no processso legislativo.
Assim sendo, se desconstitucionalizássemos este dispositivo, passaríamos de uma norma estabelecida no primeiro grau de hierarquia na nossa pirâmide normativa para uma grau no limite das leis ordinárias, ultrapassando as disposições de processo reforçado das leis orgânicas, dado que, como sabemos, também o estatuto do Banco de Portugal não tem a característica de lei orgânica.
Acresce ainda uma outra observação que gostaria de fazer, que é a seguinte: estamos a adaptar a Constituição às disposições jurídicas do Tratado de Maastricht. Em todo o caso, diria que, numa perspectiva de futuro, será sempre de acolher a ideia de que a soberania portuguesa é mais perene e que as disposições jurídicas do Tratado serão sempre susceptíveis de eventuais vicissitudes. Ou seja, é natural que o núcleo essencial das funções de soberania possa continuar sempre estabelecido na Constituição, na medida em que se alterações supervenientes vierem a existir elas serão sempre mais ao nível do conteúdo dos tratados de que Portugal seja parte do que sobre as funções tradicionais da soberania, que não estão em causa, já que aquilo que se discute é a partilha dessas funções ao nível de uma partilha comum de competências.
Este conjunto de razões leva-nos a pensar que, ponderado um texto e outro, é aconselhável que se dêm passos no sentido de uma síntese que, designadamente, acolha da parte do texto do PSD uma formulação mais precisa quanto ao objectivo da cooperação na definição da política monetária e financeira. Mas somos levados a admitir que não se justifica suprimir o requisito constitucional, atribuído ao Banco de Portugal, de competência para a emissão de moeda, já que, isso sim, do que se trata é de superar o princípio da exclusividade nessa emissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: no seguimento da intervenção anterior, quero começar por recordar que a propósito desta revisão constitucional foi suscitado o problema da alternativa maximalismo/minimalismo. Alternativa um pouco incorrecta, a meu ver, e desde logo porque a própria tradição histórica que está por trás destas noções não parece ser a mais adequada para enquadrar os problemas de uma revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - É óptima!
Risos.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Como o Sr. Presidente se recorda, essas duas expressões nasceram historicamente com a cisão entre mencheviques e bolcheviques!
O Sr. Presidente: - Sim, sim. Penso é que devíamos aplicá-la à revisão constitucional.
O Sr. Alberto Costa (PS): - E, portanto, digamos que trazer hoje essa clivagem para esta revisão constitucional não deixa de envolver alguma ironia histórica!
O Sr. Presidente: - Sobretudo se ganharem os bolcheviques!
Risos.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Mas queria dizer, a respeito disso, que algumas vezes se aplicou a mais redutora das interpretações dessa alternativa, fazendo uso de uma espécie de "concepção articular" da revisão constitucional, ao reduzir a questão maximalismo/minimalismo a quantidade de artigos a rever: seria maximalista quem mais artigos quisesse rever e minimalista quem menos artigos quisesse rever. Essa visão é tão inadequada que nem vale a pena insistir aqui acerca dela. O Sr. Presidente, aliás, numa intervenção pública referiu que lhe parecia incorrecta essa maneira de ver e, justamente, sublinhou que o que importaria era orientarmo-nos pelas matérias e não pelos artigos.
Ora bem, temos aqui, porventura, uma diferença na aproximação a um problema que ilustra como uma "concepção articular" de uma revisão constitucional minimalista (não me refiro à perspectiva do Sr. Presidente) se pode ligar a uma concepção maximalista no plano material. O meu ponto é este: demonstra-se no caso presente que quem preconiza a revisão do menor número de artigos pode, não obstante, preconizar uma revisão da matéria que vá para lá - e este sentido será maximalista - daquilo que é necessário e justificado rever.
Ao fundamentar inicialmente a formulação proposta para o artigo, cometi, porventura, a imprudência de exemplificar com o caso da moeda metálica e de não dar ênfase ao que o Tratado continua a admitir no n.° 1 do artigo 105.°-A, que vem ser a emissão por parte dos bancos centrais autorizados pelo Banco Central Europeu, isto na fase a que se aplica plenamente este preceito. Ora, este conjunto de funções emissoras, não restritas às moedas metálicas, representa, a meu ver, um segmento não despiciendo que pode reentrar na garantia constante do actual artigo 105.° Isto é, a garantia que se considerou justificado introduzir na Constituição Portuguesa não pode ser lida apenas como garantia de um exclusivo. O artigo 105.° deve ser lido como garantia de um exclusivo, mas também deve ser lido como garantia de uma função emissora do Banco de Portugal não reduzida a ideia de exclusivo.
Suponho que a leitura do Sr. Presidente vai no sentido de considerar que o que foi constitucionalizado foi apenas o exclusivo...
O Sr. Presidente: - Não, eu disse que uma garantia institucional só se justifica...
O Sr. Alberto Costa (PS): - ... sendo constitucionalmente indiferente que vá além do exclusivo. Ora, penso que essa será uma leitura algo redutora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Penso que temos de discutir isto com toda a serenidade e tentando encontrar a solução melhor. O artigo 105.°-A do Tratado de Maastricht vem dizer, para além daquilo que já há pouco foi lido, que as notas emitidas pelo Banco Central Europeu e pelos bancos centrais nacionais são as únicas com curso legal na Comunidade.
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Quando tivermos um sistema de paridades cambiais, praticamente já temos uma moeda única, ou ainda de uma maneira mais visível se houver um ECU, como é assim denominada a futura moeda das Comunidades Europeias, é evidente que os bancos centrais não podem, a seu bel-prazer e só pela sua autoridade própria, nem emitir quantidades de moeda que não estejam autorizadas na programação do BCE - é óbvio, porque isso permitiria que no Luxemburgo ou em Portugal, ou em Espanha, se emitissem moedas que depois iriam ser utilizadas noutros espaços comunitários e, portanto, isso não é aceitável -, nem o próprio curso legal fora das fronteiras do Estado resulta das normas constitucionais desse Estado. Portanto, é bom termos isso em consideração.
Pelo que o que eu releria é que a garantia institucional (no sentido que Carl Schmidt deu a expressão) tinha sentido e tinha importância para os outros aspectos, para este não me parecia que tivesse o mesmo grau de relevância. Outra coisa, é o problema mais simbólico que foi referido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito e depois pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, no sentido de se dizer "bem, mas agora vamos desconstitucionalizar". Então, já não é uma questão de garantia, é uma questão do significado do ponto de vista político-constitucional de algo que lá está consignado e que não tem necessariamente de ser suprimido. E de a supressão poder ter uma leitura que não tem já nada a ver com a garantia institucional, mas um significado diferente. E a esse argumento confesso que sou sensível, no sentido de considerar que deve ser ponderado e ver que caminho vale a pena escolher. Portanto, não estou aqui a defender a minha dama apaixonadamente, nada disso. Penso que vale a pena ponderar e se esse argumento, na realidade, tem peso. O argumento do curso legal a mim não me impressiona. Nem a garantia institucional.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Esclareceria melhor o meu ponto de vista introduzindo a seguinte ideia: vamos admitir que o Tratado, em vez de conter a solução do actual artigo 105.°-A, continha uma solução em que só o Banco Central Europeu poderia emitir notas, excluindo completamente os bancos centrais nacionais de qualquer função nessa matéria. Se assim fosse, era por um lado proporcionado e por outro necessário que, ao rever a actual formulação do artigo 105.°, se retirasse toda a menção à emissão de moeda e não apenas ao exclusivo. Sucede que a variante escolhida pelos negociadores do Tratado não foi ao ponto de suprimir toda a intervenção, por dependente que ela se tenha tomado, dos bancos centrais nacionais. E esta opção concreta que deve, a meu ver, funcionar como o negativo do positivo que será a futura formulação da norma constitucional. E o argumento do Sr. Presidente é o de que o que sobra (se bem o interpreto), perdida a garantia do exclusivo da emissão de moeda, é tão-pouco e tão despiciendo que não vale a pena conservá-lo na norma constitucional.
O Sr. Presidente: - Em termos de garantia institucional!
O Sr. Alberto Costa (PS): - Mas, como não estamos aqui a tratar sobretudo, de "tecnicalidades", mas a procurar a formulação constitucional politicamente mais adequada, diria que resulta do seu raciocínio, Sr. Presidente, que não teria interesse a consagração constitucional do que sobrasse. E o meu ponto de vista é que continua a ter interesse, porque no domínio das soluções a que Portugal fica vinculado não está - nem pelo menos neste momento é positivo que esteja - consagrada uma orientação que evacue completamente qualquer função do banco central nacional na emissão de moeda. Ora, não é irrelevante do ponto de vista constitucional que as funções que o Banco de Portugal conserva e conservará em matéria de emissão de moeda estejam protegidas, até como limite a uma solução no plano europeu que retirasse toda a intervenção (como política e intelectualmente é possível conceber) do banco central nacional neste domínio. E a ideia final seria só esta: é que de qualquer maneira o seu raciocínio, Sr. Presidente, admite que vai para lá do estritamente necessário, embora desvalorize o que abandona, considerando que é um elemento menor. A minha ideia é que mesmo os elementos menores que não seja estritamente necessário abandonar devem ser conservados no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão. O que acontece, fora a questão simbólica, é que o outro aspecto é relativamente menor, porque se desenvolvermos o raciocínio que V. Exa. estava a expor, e face ao artigo 105.°-A, é possível o Banco Central Europeu definir quais são as notas que vão ser emitidas com curso legal, qual é o quantitativo e até dizer que as notas têm todas de ter a mesma característica. E isso é dito explicitamente no Tratado no que se refere às moedas metálicas: "[...] pode adoptar medidas para harmonizar as denominações e especificações técnicas de todas as moedas metálicas destinadas à circulação [...]" Portanto, o que resta nessa matéria, se isto for desenvolvido, é realmente uma coisa ao nível da Casa da Moeda - sem desprimor para as Casas da Moeda ou para os Mint, é evidente!
E, repilo, admito que isso tenha importância, pelo que gostava de ponderar esse aspecto. Mas o problema técnico é fundamental. É que não estamos a discutir os estatutos do Banco de Portugal, estamos a discutir ao nível constitucional.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, permite-me que o interrompa?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Convém que ao adoptar-se; uma redacção para este preceito não se confunda mais aquilo que resulta do Tratado. O Tratado aqui tem três conceitos e havia apenas dois entre nós: havia a programação monetária, que era uma coisa ligeiramente vaga, quantitativa, que era aprovada quando aprovávamos o Orçamento e havia uma emissão. E agora há três conceitos: há autorização para emissão, há emissão e há programação relativa as moedas metálicas. Isto vai ter de ser afinado, não vamos nós agora precipitar com...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - E há mesmo uma correcção formal e material das moedas!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Claro! E há, como lembrava agora o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, o exemplo dos Ingleses, que querem que as notas de ecu com curso na Inglaterra sejam bifrontes, isto é, com uma face que mantém a face das notas inglesas, da libra, e outra que mantém a face do ecu. Há, portanto, muitas hipóteses e não vamos, agora, com uma redacção um
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pouco mais precipitada, eliminar o desenvolvimento e a articulação de todas estas possibilidades. Aliás, suponho que isto vai ao encontro da intervenção de V. Exa. e está na linha da tradição constitucional portuguesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por posicionar-me relativamente a um aspecto que (em algo a ver com este que está agora em discussão e que, segundo creio, já foi, de alguma maneira, abordado pelo Sr. Deputado José Magalhães, e que tem a ver com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht.
Com efeito, mesmo considerando as previsões mais optimistas sobre a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, ou de algo semelhante, penso que não será nos anos mais próximos que esta disposição, tal como se pretende configurar, terá eficácia. Isto é, nos anos mais próximos, o Banco de Portugal terá de manter, no plano interno, o seu estatuto de banco central com todos os efeitos. E a eliminação, mesmo que só na letra da Constituição, do exclusivo da emissão de moeda não poderá, obviamente, deixar de ter efeitos imediatos no plano interno, pois desconslitucionaliza-se o exclusivo da emissão da moeda pelo Banco de Portugal.
Compreendo que os signatários desta proposta, o PSD, em concreto, ao proporem o abandono deste exclusivo e ao retirarem a referência à emissão da moeda pelo Banco de Portugal, têm como intenção obviar á insconstitucionalidade do Tratado tal como foi assinado e como se pretende que seja ratificado. Agora, creio que esta supressão poderá não se lúnitar nas suas consequências aos aspectos decorrentes do Tratado e, obviamente, que teria como efeito, pelo menos, no plano constitucional, reduzir ou minimizar o papel do Banco de Portugal, como banco central, no direito interno.
Há pouco, retive a ideia, que me pareceu estar subjacente á intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, de que a formulação proposta pelo Partido Socialista teria em mente salvaguardar precisamente esse estatuto do Banco de Portugal até à entrada cm vigor do Tratado. Não sei se estou a entender bem, mas, de qualquer maneira, creio que seria útil ter presente a forma de salvaguardar, no plano interno, o estatuto do Banco de Portugal como banco central, independentemente das circunstâncias que decorram da adaptação do texto constitucional à ratificação do Tratado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tomando este tema abordado agora pelo Sr. Deputado António Filipe, e se, de algum modo, interessa saber as razões subjectivas pelas quais foi introduzida essa referência no nosso projecto de revisão constitucional, cabe-me esclarecer que, de facto, ele tem em vista assegurar o regime para o período que vai entre a aprovação da revisão constitucional e o ano de 1997 ou de 1999. Mas não apenas! Não se trata de uma fórmula para cobrir um período transitório. Tem a ver, antes de mais, com a própria técnica usada no Tratado.
Como sabem, a técnica usada foi a de prever já a solução final - e é isso que o artigo 105.°-A consagra - e prever, numa norma transitória, aquilo que vai ser o regime até 1997 ou 1999, altura da entrada em funcionamento do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Ora, esta técnica obriga, em bom rigor, a que olhemos a lei fundamental, tendo em consideração justamente aquilo que vamos, desde já, aprovar e que é a solução definitiva, que vai corresponder ao sistema a consagrar em 1997 ou 1999, consoante os casos.
Nesse sentido, entendemos que o texto do artigo 105.° da Constituição deve ser, extraordinariamente, cauteloso e rigoroso. E evidente que percebemos a argumentação aduzida, designadamente, pelo Sr. Presidente para justificar a retirada ou a desconstitucionalização da referência à emissão monetária. No entanto, permito-me invocar o argumento de alguns iminentes juristas que, ao discutir-se a questão de haver ou não necessidade de proceder à revisão constitucional, chegaram a dizer que, em bom rigor, o artigo 105.° podia continuar em vigor, uma vez que se trata do exclusivo interno da emissão monetária, que pertence ao Banco de Portugal. Mas, repito, só se houvesse exclusivo interno da emissão monetária.
Não concordo e nunca concordei com esse argumento, mas invoco-o, aqui, justamente para salientar que a questão da emissão monetária tem de ser vista com especial cautela e tendo em consideração o que o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de dizer a propósito da formulação do artigo 105.°-A, o qual consagra que "O BCE tem o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas". Ora, tem o exclusivo da autorização. Neste sentido, quem é que vai deter o direito de emissão? Os bancos centrais dos países, ao participarem neste Sistema Europeu de Bancos Centrais. Eles vão participar também, no âmbito europeu, desse direito.
Portanto, penso que esta formulação não é apenas para cobrir o período que vai até 1997, mas também para salvaguardar uma posição do próprio banco central no contexto do Sistema Europeu de Bancos Centrais. É evidente que - e aqui temos de ver sempre um lado e o outro das coisas, temos sempre de fazer o papel de advogados do diabo relativamente às diversas questões -, quando se fala em constitucionalização e em não constitucionalização, a verdade é que até 1976 a Constituição não consagrava esta matéria, que era não só matéria de lei ordinária, mas também de contrato, porque o Banco de Portugal tem o privilégio exclusivo de emissão monetária, no actual regime, por virtude do contrato de 1891. Ou seja, o contrato pelo qual o Banco de Portugal passou a ser o único a emitir moeda. Como sabemos, até aí havia dois bancos: o Banco do Porto e o Banco de Portugal para a Regiões de Lisboa e Sul.
O Sr. Presidente: - No espaço continental, não é?
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Exactamente! Além disso, havia o Banco Nacional Ultramarino para as colónias. Mas, refiro-me ao espaço continental, porque o contrato de 1891 se reporta a esse espaço.
Nesse sentido, e em conclusão, deixaria apenas duas notas a terminar a minha intervenção: a necessidade de cautelas especiais na formulação do artigo 105.° da Constituição. Deve prever-se não apenas este estatuto do Banco de Portugal até 1997 ou 1999, mas também salvaguardar a posição do Banco no contexto do sistema europeu de bancos centrais, pois ele vai ter, na prática, o privilégio da emissão, não em termos únicos, não em termos isolados, mas no contexto de um sistema.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não posso deixar de dizer que, em meu entender, se olharmos na perspectiva das garantias institucionais e das relações entre o ordenamento jurídico português e o comunitário, preteriria, claramente, a redacção proposta pelo Partido Social-Democrata, porque evita algumas dificuldades interpretativas que se podem colocar no futuro, dando maleabilidade suficiente, através da legislação ordinária, que estrutura o estatuto do Banco de Portugal e que hoje está consubstanciado na sua Lei Orgânica, para lhe dar as atribuições que, em matéria de política monetária, deve ter. E, por outro lado, a expressão "colaborar na definição e execução das políticas monetária e financeira" adequasse perfeitamente à estrutura do SEBC e a todo o dispositivo normativo que, sob a epígrafe "Política monetária", vem consignado no Tratado de Maastricht.
Todavia, se, após ponderação, viermos a considerar que tem um valor simbólico muito importante o não desconstitucionalizar o problema da emissão de moeda, ou seja, o de dizer quem emite moeda metálica, não vejo que seja um obstáculo inultrapassável, em termos de eficácia, no estádio final, do Tratado de Maastricht, compatibilizar os dois ordenamentos jurídicos. Tenho dúvidas de que se lhe atribua essa importância, esse peso, como lhe está a ser atribuído, mas suponho que não se justificará terçar longamente lanças, pois é uma questão que teremos de equacionar no conspecto global da revisão constitucional. Só que gostaria, realmente, de chamar a atenção de VV. Exas. para o facto de não se dever pensar que a supressão de uma garantia institucional, ao nível da Constituição, significa uma alteração da lei ordinária.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos.
O primeiro não tem sido aqui discutido e é, porventura, o decisivo, o mais relevante, aquele para o qual, evidentemente, a solução constitucional não reside na alteração deste artigo.
Com efeito, por força da entrada em vigor e da aplicação plena da última das fases de desenvolvimento do corpo de normas respeitante à união económica e monetária, o que acontece ao estatuto do Banco de Portugal é uma transmutação radical. Passa a ter uma outra forma, um outro modelo de funcionamento situado, praticamente, nos antípodas daquele que tem sido característico, pelo menos, na sua história retratável, desde que a Constituição está em vigor.
Vamos mesmo suprimir a norma introduzida em 1989 que referia que o Banco de Portugal tudo faria de acordo com a Lei do Orçamento, os objectivos definidos nos planos e as directivas do Governo. A supressão dessa última parte do normativo traduz, provavelmente, a percepção e, em certo sentido, a antecipação dessa mudança radical do estatuto.
A Constituição não vai ter, presumo eu, e provavelmente nem seria excessivamente saudável que tivesse, uma decantação ou uma expressão normativa muito precisa da norma que é causadora dessa grande mudança, que é o artigo 107.° do Tratado da União Europeia, na sua actual redacção, que prevê que "no exercício dos poderes e no cumprimento das atribuições e deveres, que lhes são conferidos pelo presente Tratado e pelo Estatuto do SEBC, o BCE, os bancos centrais nacionais ou qualquer membro dos respectivos órgãos de decisão não podem solicitar ou receber instruções das instituições ou organismos comunitários, dos governos dos Estados membros ou de qualquer outra entidade" e, por outro lado, "a instituições e organismos comunitários, bem como os Governos dos Estados membros, comprometem-se a respeitar este princípio e a não procura influenciar os membros dos órgãos de decisão do BCE ou dos bancos centrais nacionais no exercício das suas funções." Esta é uma norma que altera directamente, muito mais do que o estatuto do Banco de Portugal, como banco centrai, as próprias competências do Governo Português, dos órgãos de soberania portugueses no que diz respeito ao relacionamento com o Banco de Portugal, submetendo-os a uma espécie de injunção de não ingerência, a um dever de abstenção de actividades de "influenciação".
Trata-se de uma coisa inteiramente nova e que significa, precisamente, uma ruptura com o princípio básico que, provavelmente, presidiu e ainda preside ao texto constitucional e era a alma, a base, o princípio fundador nesta matéria ou até a razão da existência desta redacção constitucional tal qual está e não de uma outra que proclamasse e definisse os contornos da independência do Banco de Portugal.
Como se sabe, foi proposta uma norma desse tipo em vários momentos da revisão constitucional em Portugal e nunca foi acolhida, sendo agora consagrada implicitamente ou por outra via, mas num contexto em que o Banco de Portugal assume um estatuto de membro de um sistema europeu de bancos centrais, ou seja, um estatuto em que o seu grau de autonomia é, ele próprio, condicionado pela inserção no sistema.
Sr. Presidente, por outro lado, gostaria de assinalar, e nisto não há nenhuma ironia, que esta inserção acarreta também uma subordinação que flui, por exemplo, do disposto no artigo 108.°-A. E um artigo extremamente interessante, cuja exegese estamos dispensados de fazer nesta sede, mas será certamente feita noutra.
Sublinharia ainda, entre outras coisas, que a entrada em vigor dessa norma, com todas as suas consequências, implica a possibilidade não só de formulação de decisões, recomendações e pareceres, mas também de verdadeiros e próprios regulamentos de carácter geral, obrigatórios para todos os elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados membros, o que implicará, evidentemente, que o funcionamento do Banco de Portugal, disciplinado pelo artigo 105.° do texto constitucional, seja profundamente condicionado pela aplicação desta panóplia de novos meios de direcção e orientação de carácter normativo ou paranormativo, que não encontram acolhimento neste artigo.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o essencial do futuro estatuto do Banco de Portugal decorre da entrada em vigor de outras normas do Tratado de Maastricht, por força do disposto no artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa e através dos mecanismos nele previstos, designadamente dos que permitem a entrada em vigor e a aplicação de instrumentos inteiramente novos, como estes que, sob formas que parecem familiares, são completamente novos. Estamos a falar de regulamentos que não têm nada a ver com as formas regulamentares que conhecemos e de decisões e recomendações que não têm nada a ver com o sentido que nós, no direito administrativo português, por exemplo, damos a estes conceitos. Trata-se de figuras totalmente diferentes. Ninguém colocou essa questão, nenhum partido de nenhum quadrante colocou a questão de o artigo 105.° conter qualquer alusão a esta problemática. Gostava, ainda assim, de registar este aspecto, porque isso clarifica pontos de vista.
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O CDS, ele próprio, por exemplo, não propõe nada nesta matéria e quanto a este tipo de questões, que, provavelmente, são o cerne das suas objecções publicamente expressas, não introduz nenhuma proposta, facto com o qual eu me posso, também e em parle, congratular. Suponho que não foi mera desprevenção, distracção ou falta de articulação normativa. Aliás, eu nunca faria ao CDS e, em particular, ao Sr. Deputado Nogueira de Brito a ofensa de admitir que ele não faz uma leitura integral e, porventura, ud turrarem das normas do Tratado de Maastricht, em todas as parles e fases.
Sr. Presidente, em relação à questão que está directamente colocada pelo artigo 105.°, creio que o debate foi extremamente frutuoso, porque V. Ex.1 leve de reconhecer, o que fez meridianamente, que é preciso ter em consideração o desenvolvimento e não apenas a Finalidade, o fim e a máxima realização possível dos objectivos do Tratado no último dos momentos em que, na plenitude, os efeitos se poderão verificar, se...! E deixo agora, de barato, com os três pontinhos, todos os "ses" do Mundo.
É preciso não ter em conta apenas esse momento último e é preciso não ter uma concepção "finalista" ou "terminalista" que se abstenha de cuidar dos espaços intermédios ou intermediários. É preciso tê-los em consideração.
No entanto, gostaria de discordar daquilo que V. Exa. afirmou, na medida em que não se trata apenas de uma questão simbólica.
O Sr. Deputado Alberto Costa sublinhou bastante agudamente a importância do minimalismo e do maximalismo e, de facto, o resultado um pouco irónico que se atinge, nesta parte, em certos concursos de maximalismo e minimalismo.
Não questionarei a coerência reivindicativa do PSD no que diz respeito à redução dos conteúdos constitucionais, porque a filosofia constitucional do PSD, tal qual podemos reconstituí-la e defini-la com uma linha de continuidade, aponta, por um lado, para uma redução dos conteúdos constitucionais e, por outro lado, para uma redução da densidade das normas constitucionais subsistentes.
Em todo o caso, nesta matéria, o bem fundado dessa tese está por demonstrar em relação ao período transitório e ao exclusivo da emissão de moeda pelo Banco de Portugal, durante o período em que ele vai continuar a manter-se. Desconstitucionalizar neste ponto, como o PSD propõe, abriria campo no terreno da lei ordinária à adopção de outra solução. Isto é um facto e suponho que o PSD, mesmo no contexto das suas profundas reflexões e renovações prognunáticas, não quer seguramente alterar a norma ou regressar ao passado, alterando em qualquer sentido o privilégio ou o exclusivo da emissão de moeda. E, se não o quer no terreno da intenção política, não é lógico que o queira no plano da reivindicação constitucional, a não ser por um imperativo genérico e abstracto de redução de conteúdos constitucionais.
Creio que esse ponto de vista ficou razoavelmente demonstrado, tal como suponho que ficou demonstrado que é preciso ter em conta o estatuto real dos bancos centrais no período transitório e até no período de realização da união económica e monetária. Neste âmbito, Sr. Presidente, eu não desvalorizaria o papel dos bancos centrais nacionais face ao Tratado de Maastricht, e não estou a falar por meras condicionantes tacticistas, inseridas numa campanha contra os defensores do "não". Estou, isso sim, a situar-me no terreno estritamente jurídico-constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe a interrupção, mas embora as suas considerações me lembrem os bons velhos tempos da anterior revisão constitucional, prefiro-o, em todo o caso, mais ático.
O que queria referir é que não perfilho nada a ideia de que a nossa proposta tenha uma preocupação de desvalorização do banco central e, por isso mesmo, é, porventura, muito mais rico dizer-se que "colabora na definição", do que a manter-se essa expressão quanto à emissão de moeda. Isso é muito mais rico e muito mais importante,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Estou absolutamente de acordo!
O Sr. Presidente: - ... pelo que contraria frontal e totalmente as considerações que V. Exa. longamente expendeu a propósito da política do PSD de redução dos conteúdos constitucionais. O que não precisamos é de manter coisas que são relativamente menores.
Gostava, pois, de sublinhar este ponto, porque me parece que é justo fazê-lo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, muito agradeço a observação que fez, porque a não supressão proposta pelo PSD em relação à intervenção, à colaboração ou á coadjuvação na definição das políticas monetárias e financeiras só pode merecer encómios. Mas só pode merecer encómios, desde que, ao mesmo tempo, não se desvalorize o significado dessa participação na definição. É que, repare, se fazemos uma interpretação redutora dos poderes dos bancos centrais nacionais, como aquela que fiz, provavelmente mal, ao ouvir as palavras que V. Exa. proferiu e que ficaram registadas, depois, adianta pouco dizer, porque é semântico e nominal, que o banco central intervém na definição ou colabora na definição, pois colabora na definição de um quase nada, de algo cujo grau de relevância é escasso ou nulo.
Assim, trata-se de uma compensação semântica pouca para uma coisa que resulta desvalorizada pela interpretação que se faz dos poderes a exercer. Era isso que gostaria que não acontecesse e suponho que não acontecerá em recta interpretação, provavelmente largamente consensual.
Em conclusão, Sr.. Presidente, o que eu não faria era desvalorizar aquilo que V. Exa. chamou, reiteradamente, "coisas relativamente menores". Em primeiro lugar, porque o carácter menor ou não dessas coisas depende de juízos históricos para os quais as circunstâncias ainda não estão materializadas no nosso devir europeu. É cedo para tratar como menores aquilo que são prerrogativas sobejantes. Em segundo lugar, a gestão das "prerrogativas sobejantes" pode, evidentemente, ser muito importante para muitos Estados, incluindo o nosso, durante esse período e pode preparar decisivamente o período seguinte.
Por outro lado, imporia referir que não estamos sozinhos, porque outros estão, neste momento, a fazer interpretações que relevam e valorizam essas prerrogativas ditas sobejantes. No entanto, não temos nem que os imitar, nem que os odiar, em atitudes, digamos, de sedução ou horror extremizadas.
Em suma, Sr. Presidente, creio que é possível caminhar para uma solução razoável, complementando devidamente a proposta que, em boa hora, foi aplaudida por V. Exa., no que diz respeito ao acervo inicial do Partido Socialista, com uma alusão a esse papel de coadjuvação na definição das políticas e tendo em conta que todos sabemos a
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alteração radical de contexto em que tudo isto se passa. Faço votos de que essa solução seja encontrada sem acolhimentos e interpretações redutoras.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, tenho estado a ouvir e a participar, na medida do possível, no debate, mas, já agora, gostava de saber qual a interpretação que o Partido Socialista faz da sua proposta, no que loca ao inciso "nos termos da lei". Este inciso, por força da sua localização no fim do preceito, vale para a expressão "emite moeda e colabora na execução das políticas monetária e financeira" ou vale apenas para a expressão "colabora na execução das políticas monetária e financeira"?
Vozes do PS: - Vale para tudo!
O Sr. José Magalhães (PS): - O "e" é uma copulativa!...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ainda bem! Sendo assim, gostava de perguntar se o Partido Socialista estaria disposto a aceitar a seguinte redacção: "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei."
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas porquê colocar a expressão "emite moeda" no termo da asserção? Entende que as coisas que estão no Hm são as que caem? Não há critério razoável!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há algum, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso inverte a ordem de disposição constitucional.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Há duas interpretações possíveis, Sr. Deputado. Há uma interpretação, segundo a qual, o Banco de Portugal emite moeda como uma competência reservada e como algo que tem de ter um sentido e um conteúdo. Pela minha parte, questiono-me sobre qual o conteúdo desse preceito, designadamente na última fase, quando estiver em plena vigência o artigo 105.°-A do Tratado de Maastricht, que estabelece que é o Banco Europeu que autoriza a emissão e pode ser o Conselho a determinar as designações, especificações, etc.
Ora, parece-me que se entendermos que esta emissão de moeda também será feita nos termos da lei, como parece que deve entender-se - e acabo de ouvir a confirmação -, não entraremos em conflito com o que está previsto ou com as soluções legais abertas pelo artigo 105.°-A. Se não, ou seja, se mantivermos um núcleo ou uma competência fixa cristalizada, com algum conteúdo, podemos estar aqui a criar uma estrutura de conflito normativo entre o artigo 105.° da Constituição e os desenvolvimentos ulteriores a nível europeu, designadamente a plena vigência do artigo 105.°-A.
Por isso mesmo é que fiz, há pouco, aquela pergunta, mas, por enquanto, sem qualquer compromisso.
Se é óbvio que, de acordo com o Partido Socialista, a expressão "nos termos da lei" vale também para a emissão de moeda, aqui se vai a grande garantia constitucional que, afinal, se quer garantir um qualquer legislador. Portanto, mesmo o célebre valor simbólico é um valor simbólico confiado depois ao legislador.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, permita-me só a clarificação de uma coisa evidente e que V. Ex.a sabe melhor do que ninguém: o legislador não tem a faculdade de suprimir e, sim, de regular.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não tem a faculdade de suprimir, mas tem a faculdade de conformar.
O Sr. José Magalhães (PS): - E "conformar" não significa niilificar, suprimir, destruir ou neutralizar.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Por isso usei a palavra conformar e não niilificar, destruir, etc.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! É que vocês tem referido que ele era tão livre, tão livre, tão livre, que era livre de fazer ou não!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Parece-me que se pode estar a criar aqui uma estrutura de conflito entre o preceito normativo e o artigo 105.°-A do Tratado de Maastricht, sobretudo quando este atingir o pleno desenvolvimento, do qual resulta que as próprias notas e moedas que o Banco de Portugal pode teoricamente emitir serão iguais, obedecerão a determinados requisitos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Pode! Exacto! Podem vir a ser!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Podem vir a ser e por isso mantenho a minha pergunta.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Primeiro gostaria que me esclarecesse, porque não estou a configurar exactamente essa hipótese de conflito que menciona entre uma formulação como a nossa e...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O conflito que menciono é o seguinte: pode dar-se a circunstância de as moedas a emitir e a circularem em Portugal terem de obedecer, na sua especificação e denominação, a modelos, inclusivamente a um modelo único, estabelecidos pelo Conselho.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, mas, quer na letra da formulação inicial, quer do espírito com que estivemos no debate, resulta que o Partido Socialista está aberto a uma formulação, nos termos da qual todas as atribuições que fiquem constitucionalmente consagradas ao Banco de Portugal fiquem, por sua vez, subordinadas a uma cláusula de reserva de lei.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto!
O Sr. Jorge Lacão (PS): -Portanto, todo o problema ficará resolvido.
O Sr. Costa Andrade (PSD): -Era nesse sentido que perguntava. Apesar de tudo, penso que, em técnica legislativa, não é, de todo em todo, tão indiferente a ordem das expressões verbais.
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O Sr. Alberto Costa (PS): - Não estamos totalmente fechados a essa solução, embora continuemos a preferir uma formulação que fosse mais próxima da actual e, portanto, não entrasse em ruptura desnecessária com a que hoje temos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a propósito de algumas considerações que teceu, e que me pareceram menos fundadas, quanto às intenções e à política constitucional do Partido Social-Democrata, referiu, todavia, um ponto, que, em minha opinião, é óbvio e todos sabemos, mas que fez bem em realçar. Há que registar que, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht e, sobretudo, com a terceira fase do sistema da união económica e monetária, se verifica uma alteração radical do estatuto do banco central português.
Portanto, apesar de eu ter verificado que, curiosamente, se aplaude, por vezes, medidas que foram tomadas e que significam uma subordinação dos bancos centrais a outras políticas dos governos, como recentemente assistimos, a verdade é que esse novo estatuto do banco central é alguma coisa pela qual os partidos, ou pelo menos várias pessoas, dentro dos diversos partidos, se têm vindo a bater e que é assim conseguida, por uma forma que é diferente da consignação, como garantia institucional na Constituição.
Penso que, praticamente, já vimos as diversas implicações deste artigo, pelo que talvez já estejamos em condições de passar à analise do artigo subsequente, na medida em que é um pouco cedo para se proceder a redacções finais.
Em minha opinião, as questões foram colocadas com clareza, percebendo-se, assim, quais são as alternativas possíveis, as vantagens e os inconvenientes.
Para completar esta minha intervenção, feita a título de parte, digamos assim, queria sublinhar, que, na minha perspectiva, a emissão de moeda é uma das alíneas das políticas monetárias, pois elas incluem os aspectos ligados à emissão de moeda, e, em segundo lugar, que, de um ponto de vista tecnicista - as tais technicalities, de que há pouco, de forma um pouco desdenhosa, um dos Srs. Deputados falou -, a emissão de moeda não está necessária e indissoluvelmente ligada ao curso legal, embora a evolução histórica tenha sido no sentido de vir a associar cada vez mais...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não está?
O Sr. Presidente: - Não, não está! Tanto não está que existem preceitos autónomos a propósito do curso legal e de emissão.
Concordo que é importante haver, no ordenamento jurídico, uma indicação acerca do curso legal e do poder liberatório, mas o exclusivo desse curso legal não resulta da Constituição nem, neste momento, está coberto constitucionalmente.
Isso são pormenores, mas, em todo o caso, é assim. Não há, digamos, uma ligação indissolúvel entre a emissão de moeda e o curso legal, pois, não havendo o exclusivo de emissão de moeda, pode haver várias hipóteses de curso legal.
Encontram-se ainda inscritos os Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins e Nogueira de Brito, a quem irei dar a palavra, mas, depois, se estiverem de acordo, daríamos por concluída esta discussão, porque penso já terem sido expendidos, com abundância, os diferentes pontos de vista. Teremos, a partir de agora, algum tempo de reflexão para ponderar qual a solução mais conveniente para ser consignada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, penso que, de facto, as questões fundamentais já foram postas, no entanto queria ainda referir dois pontos.
Relativamente às competências do Parlamento - e isso não foi referido-, há ainda a ter em consideração, na zona da sua reserva relativa de competências, tudo o que respeita ao sistema monetário. Por exemplo, em relação à alínea o) do artigo 168.°, relativa ao sistema monetário, a Assembleia vai ter, mais tarde, de se pronunciar, designadamente em relação à definição exacta dos termos em que a moeda única vai ser posta em prática.
Há pouco, em conversa com o Sr. Deputado Nogueira de Brito falava da sugestão inglesa. Os Alemães, neste momento, também já estão a propor qualquer coisa quanto a isso, isto é, quanto à introdução na moeda de um elemento nacional, e sobre este ponto penso que a Assembleia vai ter ainda uma palavra importante.
No que se refere à questão do curso legal, que o Sr. Presidente há pouco invocou, quero dizer que ela, em termos estritamente técnicos, é rigorosa, sendo certo que temos de ligar o dispositivo constitucional e a definição legal quanto ao banco central não só ao curso legal, mas também ao poder liberatório pleno, porque, justamente, o poder liberatório pleno tem a ver com as competências soberanas do Estado e com as garantias que este dá relativamente à moeda nesse aspecto. E aqui é sempre difícil, no plano técnico, distinguir, como bem sabemos, as duas zonas: o curso legal e o poder liberatório pleno.
O Sr. Presidente: - É verdade!
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Mas é justamente no plano estritamente técnico que o poder liberatório pleno não pode ser esquecido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, depois destas considerações, diria que tanto o curso legal como o poder liberatório pleno estão ligados ao próprio Estado e resultam, efectivamente, de um poder exercido até pela forma de lei. Portanto, não terão de ter guarida na Constituição, mas, sim, num acto normativo do Estado.
O Sr. Presidente: - Com certeza!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quanto à observação que o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins fez, talvez VV. Exas., apesar de abertos a uma revisão mínima, não deixem de querer ponderar esta questão da alínea o) do artigo 168.° da Constituição, porque, de facto, a Assembleia da República vai deixar de se pronunciar sobre o sistema monetário, mas não sobre o padrão de pesos e medidas. Isso não!
Mas sobre o sistema monetário vai deixar de se pronunciar porque uma das regras de ouro da União Europeia, que já aqui foi citada, aliás, pelo Sr. Deputado José Magalhães, é que o sistema monetário resultará do Tratado e do Estatuto do Sistema Europeu de Bancos Centrais e não será fixado pela Assembleia da República.
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70 II SÉRIE - NÚMERO 4-RC
Finalmente, registo com satisfação um certo clima de saudade que se verifica nestas intervenções - saudade da soberania nacional - por parte de todos vós. E registo isto com satisfação, porque VV. Exas., em última análise, teriam uma solução muito simples.
Na linha do que foi proposto pelo Sr. Deputado Costa Andrade...
O Sr. Jorge Latão (PS): - Em última análise, são patriotas!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente! Com o que me congratulo!
Mas, em relação à proposta de revisão da Constituição, em última análise, VV. Exas. teriam uma solução muito simples, que era a de substituírem a referência à lei, por uma referência ao próprio Tratado das Comunidades, porque isso, realmente, lhes resolvia todos os problemas e os livrava de todas estas discussões, porventura incómodas.
Não sei como é que ainda não surgiu aqui essa ideia!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando chegarmos a ponderar alguns aspectos relacionados com as atribuições da Assembleia da República, veremos essa sua observação.
Se estiverem de acordo, iríamos, então, passar ao artigo 108.°, mas antes queria perguntar à Comissão se vê inconveniente em que sejam tomadas umas vistas, por parte de uma das televisões que agora consubstanciam o pluralismo informativo de Portugal. Em matéria televisiva, é claro! Suponho que se trata da SIC.
Se não vêem inconveniente, poderão, então, tomar essas vistas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, ainda em relação ao artigo que estávamos a debater - suponho que V. Exa. fechou provisoriamente o debate -, não gostaria de deixar de fazer uma apostilha...
O Sr. Presidente: - Se é sobre o artigo 168.° da Constituição, eu disse que o iríamos discutir a propósito das atribuições da Assembleia, mas se V. Exa. quer, desde já, alertar e fazer um aviso premonitório quanto à sua posição, não o impeço.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente.
Como não me tinha apercebido rigorosamente que V. Exa. tivesse feito essa salvaguarda, a minha apostilha ou pro memorium fica reservada para essa altura, apenas com a síntese de que estou em absoluta discordância com a tese aqui expendida pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que, de resto, é, aliás, contraditória com a filosofia geral que preside ao pensamento do autor, em relação às preocupações de salvaguarda da soberania. É um argumento as terrorem, redutor do alcance de normas constitucionais e, portanto, ao arrepio da intenção proclamada de defesa da soberania.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu pus essa intenção em VV. Exas.!
O Sr. José Magalhães (PS): - Como apostilha não está mal!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em VV. Exas., não em mim! É preciso não esquecer isso!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas pôs mal!
O Sr. Presidente: - Como apostilha? Talvez seja só uma aposta!
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma apostilha contra uma má aposta, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - No que se refere ao artigo 108.° da Constituição, há uma proposta do PSN. Como o Sr. Deputado Manuel Sérgio não se encontra presente, vamos passar adiante e depois retomaremos este artigo. É claro que se numa segunda oportunidade não pudemos contar com a contribuição do partido que está ausente, nessa altura teremos fazer uma gestão de negócios, mas, enquanto isso não acontece, devemos dar-lhe uma oportunidade de justificar a sua proposta, pois não estamos assim tão apressados como isso.
Se estiverem de acordo, vamos passar ao artigo 118.°, que trata de uma matéria de grande importância na economia deste processo de revisão constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, creio que toda esta matéria deveria ser analisada num só dia.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Compreendo a sua sugestão, Sr. Deputado. Suponho, aliás, que o mesmo tipo de observações se aplica às questões relativas à reserva absoluta de competência da Assembleia da República e às alíneas sobre a competência do Governo e das Regiões Autónomas, embora a matéria seja de índole diversa.
No entanto, se os Srs. Deputados estivessem de acordo, poderíamos discutir ainda hoje um outro artigo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esse é um esforço inteiramente aplaudível, mas difícil de atingir.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a não prosseguirmos pela ordem que foi estabelecida, creio que poderíamos ficar por aqui.
O Sr. Presidente: - A verdade é que também temos o mesmo problema quanto aos limites de matéria de revisão, pois o PSN não se encontra presente.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito defende que a competência e tempo de revisão são matérias que não podem ser autonomizadas?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, creio é que deveríamos manter a ordem de discussão previamente estabelecida.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Portanto, não há consenso para discutir ainda hoje um outro artigo.
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Em relação à próxima reunião, creio que se Tal lar um proponente temos de prosseguir com os trabalhos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Creio que a ideia, Sr. Presidente, era a de começar o debate da questão referendaria. Ora, iniciar a discussão da questão referendaria com uma apresentação seguida de uma interrupção seria mau.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na próxima semana vamos, então, concluir a primeira leitura para, em seguida, podermos fazer a audição dos especialistas em matéria constitucional.
Creio que se a Comissão concluir os seus trabalhos até aos dias 15, 20 de Outubro cumpre razoavelmente o seu calendário. Seria útil que, nessa altura, estivéssemos em condições de abrir o debate sobre a ratificação do Tratado de Maastricht, que não será circunscrito à Assembleia. Será um debate nacional, que terá lugar durante os dois meses subsequentes.
Depois de dar por encerrados os trabalhos, vamos trocar algumas impressões sobre as audições de especialistas a realizar brevemente.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 17 horas e 20 minutos.
Faltaram os seguintes Srs. Deputados:
Miguel Bento M. da E. Macedo e Silva (PSD).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
André Valente Martins (PEV).
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN):
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.