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Sábado, 17 de Outubro de 1992 II Série - Número 9-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
III REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.º 9
Reunião do dia 16 de Outubro de 1992
SUMÁRIO
O Sr. Presidente (Rui Macheie) deu início à reunião às 12 horas e 15 minutos.
A Comissão ouviu, sobre a problemática jurídico-política da revisão constitucional em curso, o Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros, tendo ainda usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Alberto Costa (PS) e Luís Pais de Sousa (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 12 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
Ana Paula Matos Barros (PSD).
Fernando Marques Andrade (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
Encontra-se hoje presente o Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros, que teve a amabilidade de aceder ao nosso convite para participar numa sessão de trabalho desta Comissão sobre a revisão constitucional extraordinária; a exemplo do que já fizemos na reunião em que esteve presente o Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda, sugiro que faça uma curta exposição introdutória para em seguida conversarmos sobre os temas em relação aos quais nela se vier a debruçar.
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creiam que é com vivo prazer e grande alegria que me encontro aqui hoje. Aliás, fui convidado há alguns meses por dois partidos para participar em reuniões similares dos respectivos grupos parlamentares. Porém, tal não me foi possível, porque não estava nessas datas no País.
É com muita honra que aceito este convite: em primeiro lugar, por homenagem ao Parlamento e a esta Comissão, da qual muito se espera e que é fundamental para o regime democrático português, mas também pela amizade muito grande e sincera, já antiga mas sempre renovada, para com o Sr. Presidente da Comissão, Dr. Rui Machete.
Entendi que não fazia sentido pronunciar-me sobre todas as alterações previstas nos vários projectos de revisão constitucional, das quais sei ter-se ocupado aqui o Prof. Doutor Jorge Miranda. Pensei, por isso, que era mais útil para nós todos e até, porventura, mais consentâneo com as minhas mais recentes preocupações nesta matéria, debruçar-me de modo especial sobre a forma como os vários projectos de revisão constitucional encaram a questão das relações entre o poder político do Estado Português e o poder político comunitário, e também a forma como os projectos não resolvem - a meu ver, deveriam resolver e já o deviam ter feito antes - o problema da vigência do direito comunitário na ordem interna portuguesa.
A primeira, que é a questão imediata que se coloca a esta Comissão, porque é a que tem de se resolver para o Tratado de Maastricht entrar na ordem interna portuguesa, está relacionada com as condições da própria ratificação do Tratado. Mas a outra questão a que me referi não é menos importante, porque, depois de o direito comunitário penetrar, pelo filtro da Constituição, na ordem interna portuguesa, a Constituição deve preocupar-se também em garantir-lhe condições adequadas de vigência na ordem interna. Portanto, estas duas questões prendem-se no fundo com os artigos 7.° e 8.° da Constituição, sendo certo que, em relação a este último, os projectos não tomaram qualquer posição e, a meu ver, deveriam tê-lo feito.
Para entrar de chofre nesta matéria, porque, de facto, não vos quero ocupar aqui senão o tempo mínimo necessário, entendo que as alterações propostas para o artigo 7.°, salvo o devido respeito - e vão demonstrar-me depois que não tenho razão com certeza -, não resolvem o problema das relações entre a soberania do Estado Português e o poder político comunitário; não resolvem esse assunto autorizando o Estado Português, como fazem, a "compartilhar" ou a "exercer em comum" com a Comunidade poderes que, até então, estavam integrados na soberania portuguesa. Devo dizer que não subscrevo esta ideia da compartilha ou do exercício em comum, porque não é isso que está em causa, mas sim saber se o Estado Português delega ou transfere poderes soberanos para as Comunidades. As duas palavras são profundamente antagónicas no seu significado jurídico-comunitário e jurídico-constitucional e eu acompanho a doutrina dominante do direito comunitário e do direito constitucional que entende que há uma antinomia profunda entre delegação e transferência, embora nesta fase da integração ainda estejamos perante uma delegação, porque revogável, e não uma transferência, definitiva e irrevogável.
É isso que está em causa e não a compartilha ou o exercício em comum, que não existe. A Comunidade e os Estados não vão exercer em comum, de mãos dadas, determinados poderes. A questão que se põe é a de saber se o Estado pode ceder, em termos de delegação ou de transferência - agora não interessa distinguir -, parte dos seus poderes soberanos às Comunidades. Não emprego a palavra soberania, porque estou sempre a raciocinar aqui em termos de soberania quantitativa, somatório de poderes soberanos, e não em termos de soberania qualitativa, que é a raiz desses poderes soberanos, questão que não tem interesse para nós neste lugar.
Mas o que há que dizer é que o Estado Português delega - repito: nesta fase, não é necessário falar de transferência - poderes soberanos nas Comunidades, porque não há a ideia da compartilha ou do exercício em comum. Não estou a imaginar as Comunidades e os Estados a praticarem simultaneamente determinados actos ou a exercerem os mesmos poderes sobre as mesmas matérias. Nesse caso, haveria compartilha ou exercício em comum, mas não é isso que se passa.
Aqui, verifica-se a separação de alguns poderes, que vão ficar nos Estados, ou porque as matérias não estão ainda comunitarizadas ou pela via da subsidiariedade - já falarei deste assunto -, mas, tratando-se de outros poderes, eles poderão ser exercidos pelas Comunidades.
Isto é particularmente importante nas políticas comuns, nas sete políticas comunitárias: três, política comercial comum, política agrícola comum e política comum das pescas, já comunitarizadas há muito, e mais quatro, política regional, política de investigação científica, política tecnológica e política do ambiente, a criar como políticas comuns até 1 de Janeiro de 1993, como dispõe o Acto Único Europeu. Então, nessas matérias, o problema do exercício em comum não se põe de todo, porque as Comunidades absorveram os poderes soberanos dos Estados membros.
Entendo que esta terminologia é inadequada e a verdade é que não encontro esta ideia da compartilha ou do exercício em comum em nenhuma outra Constituição. Esse argumento, a meu ver, não é decisivo, porque os outros também podem errar, mas é sintomático.
Bem sei que hoje é vulgar em Portugal os políticos, para explicar a nossa presença nas Comunidades, dizerem que há uma "partilha de soberania". Mas não há uma partilha de soberania. É por isso que o que encontramos nos ma-
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nuais é a referência ao réaménagement des pouvoirs souverains, o reordenamento, que é aquilo que defendo; não encontramos nenhuma expressão equivalente a partage ou coexercice des pouvoirs souverains. Portanto, julgo que, aqui, embora se perceba o que se quer dizer, a Constituição devia primar por um maior rigor.
A Constituição tem de assumir, como julgo ser pacífico na doutrina do direito comunitário, que há aqui delegação ou transferência de poderes soberanos. Os Estados poderão aceitar ou não essa delegação ou transferência, mas, se pretenderem recusá-la, não podem optar pelo exercício em comum ou pela compartilha, que não sei o que seja, embora esteja certo de que os Srs. Deputados mo irão explicar e que eu irei aprender hoje uma coisa importante e nova.
Também devo dizer que não vejo aqui qualquer vantagem em falar de reciprocidade. "Portugal pode, em condições de reciprocidade" - dizem os projectos. Reciprocidade com quem? Julgo que os Srs. Deputados estão a pensar nos outros Estados, mas mais uma vez a direcção está mal calculada. A questão põe-se entre Portugal e as Comunidades e não entre Portugal e os outros Estados.
E reciprocidade como? A reciprocidade surge no século XVII no direito internacional público como uma forma sinalagmática nos tratados bilaterais: do ut des. "Extradito os teus cidadãos se tu extraditas os meus", "dou asilo aos teus cidadãos se tu dás asilo aos meus" - são exemplos de sinalagma.
Quer dizer-se aqui que reciprocidade significa que vai exigir-se da Comunidade que exerça um poder cada vez que o Estado Português o exerce? Isso é negativo, porque vai prejudicar a subsidiaríedade, princípio referido logo a seguir nos projectos, porque ela é exactamente o contrário da reciprocidade, uma vez que é favorável aos Estados.
Segundo o artigo 3.°-B do Tratado da União Europeia, desde que os Estados sejam capazes de exercer de modo suficiente uma dada acção, a Comunidade só poderá exercê-la se provar que é capaz, pela dimensão e pelos efeitos dessa acção, de a exercer melhor. O que significa que há uma presunção da suficiência do Estado e é a Comunidade que tem de demonstrar que essa suficiência se não verifica e que, pelos efeitos ou pela dimensão da acção, ela é realizada de melhor forma ao nível comunitário.
Aliás, é assim que a subsidiariedade funciona no Estado federal de onde ela é importada, embora Maastricht não tenha nada de federal. O sistema constitucional da Lei Fundamental de Bona ergue a um dos seus princípios básicos o Subsidiaritatsprinzip, ou seja, o princípio da subsidiariedade, que, aliás, remonta à Antiguidade, por exemplo, a Aristóteles. Mais tarde, Dante, na sua obra clássica, De Monarchia, seria o primeiro teorizador da subsidiariedade; depois, os doutores da Igreja deram-lhe um conteúdo dogmático profundo; pouco depois, Victoria e Suárez tentaram introduzi-lo, sem êxito, no direito internacional. Mais modernamente, a doutrina social da Igreja aprofundou este princípio nas encíclicas Rerum Novarum, Quadragésimo Anno e, sobretudo, na Centesimus Annus, onde, pela primeira vez, se fala na subsidiariedade como "princípio" da filosofia social. Entre nós, um renomado sociólogo, o Prof. Sedas Nunes, ergue-o a princípio básico da filosofia social. Ele surge também como princípio fundamental do direito constitucional, do direito administrativo e, agora, do direito comunitário.
Portanto, exigir-se a reciprocidade na relação poder português/poder comunitário é desfavorecer o Estado Português, porque a subsidiariedade significa que pode acontecer que o Estado Português realize sucessivas acções sem a contrapartida de uma acção comunitária, já que o Estado Português ou os outros Estados são capazes de o fazer, segundo o artigo 3.°-B, de modo suficiente. Ou seja, é a descentralização que a subsidiariedade traz nas relações Comunidade/Estados, e que me levam a dizer que a subsidiariedade pode mesmo implicar que, pelo Tratado de Maastricht, e este é um exercício analítico que já foi feito nas Comunidades, determinados poderes que a Comunidade já exerce hoje regressem aos Estados. É possível que isso aconteça e esse fenómeno vai contra a ideia de reciprocidade.
Portanto, eu não faria referência neste artigo à reciprocidade. Na Constituição, a reciprocidade coloca-se no campo do direito internacional público, porque aí, sim, interessa que as relações interestaduais se desenvolvam e sejam reguladas na base da reciprocidade, mas entendo que nas relações Estado/Comunidades, havendo, ainda por cima, subsidiariedade, este princípio é pernicioso para os próprios Estados.
Os projectos de revisão constitucional nada dispõem sobre o artigo 8.° nem sobre o sistema de vigência do direito comunitário na ordem interna, questão ligada à anterior, embora não se confunda com ela. O artigo 7.° diz como é que o Tratado de Maastricht vai entrar na ordem interna, ou seja, o artigo 7.° está a ser alterado para permitir que o Tratado de Maastricht entre na ordem interna portuguesa. Mas há um problema complementar, que é o de saber se ele entra para vigorar e em que condições vai vigorar, problema que já se põe hoje quanto aos Tratados de Paris e de Roma e ao Acto Único Europeu.
Devo dizer que sou profundamente crítico quanto à redacção actual do artigo 8.° nesta matéria e que entendo que ele é extremamente infeliz.
Como sabem, o artigo 8.° regula a vigência do direito internacional na ordem interna. São quatro os vícios do artigo 8.° no modo como disciplina a vigência do direito comunitário na ordem interna.
Em primeiro lugar, no seu n.° 3 regula-se a vigência do Direito Comunitário derivado na ordem interna, dizendo-se que ele "vigora directamente na ordem interna", mas os tratados comunitários estão equiparados aos outros tratados internacionais - artigo 8.°, n.° 2 - nesta vigência. Acontece que isto, interpretado a letra, significa que em Portugal o tratado comunitário, equiparado ao tratado internacional clássico, designadamente, nem efeito directo tem, quando lá fora qualquer tratado internacional tem hoje efeito self executing, na terminologia norte americana e britânica. Ou seja, pode ser invocado por um particular em tribunal nacional, nalguns Estados até para afastar norma nacional incompatível.
Nos Estados membros das Comunidades ninguém põe em dúvida que isto aconteça; designadamente, em Portugal temo-nos pronunciado nesse sentido, em vários estudos, o Prof. Mota Campos e eu próprio.
Pois bem, tal não está consagrado no artigo 8.° quanto aos tratados comunitários. Pior: dá-se mais fácil vigência na ordem interna ao direito comunitário derivado (n.° 3 do artigo 8.° da Constituição) do que se dá à primeira fonte do direito comunitário, que são os tratados (n.° 2 do mesmo artigo). Isto não tem lógica, pois não faz sentido que a fonte básica do direito comunitário - os tratados comunitários - vigorem mais dificilmente na ordem interna do que a fonte secundária, que é o direito derivado.
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Segunda crítica ao artigo 8.°, mais concretamente ao n ° 3: o que lhe competia regular não era se as normas vigoram directamente na ordem interna, mas sim uma questão anterior a essa, que é a de saber se primam ou não sobre a Constituição e, designadamente, qual é o grau hierárquico do direito comunitário na ordem interna. Hierarquia essa que, como daqui a pouco vou mostrar, é definida por algumas constituições.
Mas, mesmo vigorando directamente o direito comunitário na ordem interna, este n.° 3 do artigo 8.° é imperfeito - e esta é a terceira crítica que tenho de lhe dirigir. Ele fala só em normas, e normas de direito derivado são só os regulamentos, talvez também as directivas, mas nunca as decisões, que são actos administrativos individuais e concretos, actos faisant grief, como os actos administrativos definitivos e executórios do sistema francês e também do direito administrativo português. Estes não estão previstos.
Todavia, posso garantir-vos que de então para cá já foram aplicadas em Portugal muitas decisões comunitárias ao arrepio do n.° 3 do artigo 8.°, porque não podia deixar de ser. No fundo estamos todos a consentir, de braços cruzados, num costume contra a Constituição. Assumamos, pois, que as decisões vigoram directamente, pela sua própria definição, e deixemos de falar no artigo 8.°, n.° 3, em "normas" para falar em "normas e actos".
Além do mais, quando as decisões e as directivas se dirigem aos Estados não se põe o problema de vigorarem directamente na ordem interna, uma vez que nesse caso não têm aplicabilidade directa, mas têm o tal efeito directo, de que já vos falei. Também por esta razão o n.° 3 do artigo 8.° é imperfeito.
Contudo, mesmo mantendo o artigo 8.°, n.° 3, existem alguns outros preceitos constitucionais que o contrariam. Julgo que não estou a exagerar quando digo que as normas emanadas dos órgãos comunitários que vigoram directamente na ordem interna abrem uma brecha na soberania dos Estados. Se assim é, como compatibilizar este artigo com o artigo 3.° da Constituição, que diz que a soberania é "indivisível"? Por alguma razão outros Estados, quando constitucionalizaram a adesão às Comunidades, tiraram da Constituição a expressão "soberania indivisível". "Una", sim, pois a palavra "una" não tem nada a ver com esta questão, significa que o Estado Português exerce soberania sobre todo o território português - e é bom que se continue a dizer isso -, mas "indivisível", não.
Por outro lado, também bole com o n.° 3 do artigo 8.°, mesmo na sua versão actual, o n.° 1 do artigo 277.°, quando diz que todas as normas, para vigorarem em Portugal, estão sujeitas à fiscalização da constitucional idade. Como assim, se o artigo 8.°, n.° 3, diz que umas vigoram directamente na ordem interna?
Qual é a minha proposta nesta matéria, quanto ao problema da vigência do direito comunitário na ordem interna? Se me permitem, penso que esta questão devia ser contemplada nesta revisão constitucional. Já é mau o sistema que vem de 1989, pois todos sabemos que ele não está a ser respeitado pelos tribunais nem pela Administração Pública, e se é mau para uma Constituição ela não estar a ser cumprida, pior ainda é saber-se que ela não está a ser cumprida e nada se fazer.
A alternativa é a da ruptura com o direito comunitário, o incumprimento constante do direito comunitário e, em consequência, processos da Comunidade contra Portugal ao abrigo dos artigos 169.° a 171.° do Tratado de Roma, e, portanto, permanente turbulência nas relações entre o Estado Português e as Comunidades. Pode-se ir por esta via, mas julgo que não é isso que se deseja. Portanto, esta era a altura de enfrentar a questão, até porque é uma questão que logicamente se vai seguir à da entrada do Tratado de Maastricht na ordem interna portuguesa, se este for ratificado: então a questão que se vai colocar é a de saber como é que ele, e os anteriores tratados comunitários enquanto continuarem em vigor, vão vigorar na ordem interna.
A minha proposta nesse sentido assenta nos seguintes pontos.
Em primeiro lugar, há que retirar do artigo 3.° a referência à soberania "indivisível". Porquê estarmos a enganar-nos uns aos outros com a expressão "soberania indivisível", quando a simples adesão às Comunidades, mesmo sem o Tratado de Maastricht, já tornou a nossa soberania divisível? Se estamos a delegar poderes soberanos nas Comunidades (mesmo só delegar e não transferir), porquê falar em soberania indivisível?
Segundo ponto da minha proposta: em relação ao artigo 3.°, onde se fala da soberania, introduzir ou uma cláusula geral da limitação da soberania estadual ou, diferentemente, uma autorização geral ao Estado Português para a delegação de poderes soberanos nas Comunidades, mediante acto do Parlamento. É o sistema utilizado pela Bélgica, pela Dinamarca, pela Grécia, pela Itália, pelo Luxemburgo, pelos Países Baixos e pela Alemanha.
Exemplo protótipo do primeiro sistema - cláusula geral de limitação da soberania estadual - é o grego. Dispõe o artigo 28.°, n.° 3, da Constituição grega:
A Grécia procede livremente, através de uma lei votada pela maioria do número total dos deputados, a limitações ao exercício da soberania nacional desde que tal seja imposto por um interesse nacional importante, sem atentar contra os direitos do homem e os fundamentos do regime democrático, e desde que tal seja feito na base do princípio da igualdade e sob a condição da reciprocidade.
Modelo do segundo sistema - autorização geral ao Estado para a delegação de poderes soberanos por acto do Parlamento - é o artigo 24.°, n.° 1, da Lei Fundamental de Bona, que diz:
A Federação pode transferir por lei [entenda-se: lei do Parlamento] poderes soberanos para organizações internacionais.
Está aqui presente a ideia de que o que se transfere são poderes soberanos, nunca a soberania - pelas razões que há pouco expliquei.
Ora bem, pela minha proposta, o n.° 3 do artigo 8.° nem era preciso. Podia-se ficar por aqui: uma cláusula geral ou uma autorização geral que legitimasse a limitação necessária. Está-se sempre a dizer que a adesão é livre e que é o Parlamento que decide nesta matéria.
Contudo, poder-se-ia ir, se se quisesse, mais longe, ou seja, para a questão do primado, como na Irlanda. O artigo 29.° da Constituição irlandesa regula o primado e diz o seguinte:
Nenhuma disposição da presente Constituição se pode opor a leis, actos ou medidas aprovados pelo Estado, necessários ao cumprimento das obrigações resultantes da adesão às Comunidades, ou pode impedir a vigência na ordem interna de leis, actos ou medidas aprovados pelas Comunidades ou pelos seus órgãos.
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Ou seja, regula o primado, e consagra o primado supraconstitucional do direito comunitário.
Desculpem-me - não é uma opção política mas uma opção exclusivamente científica -, sou partidário do princípio do primado supraconstitucional do direito comunitário, em sintonia com a doutrina dominante e com a jurisprudência comunitária e da grande maioria dos Estados-membros. E sou-o por várias razões.
Primeiro, o artigo 27.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados diz que nenhum Estado pode invocar qualquer disposição do seu direito interno - não distingue - para se furtar à execução de um tratado.
Em segundo lugar, a Comunidade Europeia foi criada como uma construção fiel à dicotomia de Tonnies na sociologia: comunidade versus sociedade. A Comunidade Europeia corresponde à concepção comunitária na classificação de Tonnies, contra a comunidade internacional, do direito internacional clássico, que é expressão da concepção societária. Enquanto no direito internacional clássico, justamente porque ele resulta de uma construção societária, os factores de desagregação são superiores aos factores de agregação, exactamente devido ao predomínio da soberania estadual sobre os interesses comuns aos Estados. Isso explica que seja co-natural ao direito internacional público o facto de ele ter nos 179 Estados membros das Nações Unidas 179 maneiras diferentes da sua aplicação na ordem interna, porque 179 filtros diferentes nas respectivas Constituições regulam a vigência do direito internacional na ordem interna de cada um. É um direito, por definição, fragmentário.
Ao contrário, o direito comunitário, porque dá corpo à concepção comunitária, que exprime a superioridade da agregação sobre a desagregação, tem como característica intrínseca, para ser comunitário ou comum, a uniformidade da sua interpretação e da sua aplicação na ordem interna dos Estados membros.
Portanto, para ele ser uniformente aplicado na ordem interna e para tratar os cidadãos comunitários em pé de igualdade tem, para começar, de ter vigência igual na ordem interna de todos os Estados, o que só se consegue se o seu primado for absoluto e incondicional sobre todo o direito nacional; ou seja, como diz um grande nome da doutrina do direito comunitário, o Prof. Pierre Pescatore, que durante muitos anos marcou, de modo determinante, a jurisprudência do Tribunal das Comunidades, o primado supraconstitucional é uma "exigência existencial" do direito comunitário. Sem primado sobre a Constituição não há direito comunitário e não há Comunidade. Estamos então a aderir a outra coisa qualquer, mas não às Comunidades Europeias.
A meu ver, esta querela perdeu sentido no campo doutrinário, porque entendo que o primado, tal como o concebo, está hoje consagrado no Tratado de Maastricht. O Protocolo n.° 17, anexo ao Tratado, diz que o Tratado de Maastricht não impedirá que se cumpra o artigo 40.°, n.° 3, § 3, da Constituição irlandesa, quando reconhece o direito fundamental do feto à vida. Tal só se compreeende se o Tratado de Maastricht aceitar o seu primado supraconstitucional, porque, se o Protocolo n.° 17 vem dizer que se ressalva na aplicação do Tratado um preceito da Constituição da Irlanda, quer com isso afirmar que sem ele o Tratado prevaleceria sobre a Constituição irlandesa.
Por outro lado, a Declaração n.° 19, também anexa ao Tratado, e que não vou ler porque é muito extensa, dispõe que os Estados se comprometem a aplicar total e integralmente o direito comunitário na ordem interna "com eficácia e rigor equivalentes aos empregues na aplicação do seu direito nacional". Ora, isso só se consegue com o primado do direito comunitário sobre todo o direito nacional, inclusive de grau constitucional.
Devo dizer que sobre esta questão já há três estudos no prelo, de eminentes autores, que subscrevem a interpretação de que o primado já não é, como era até agora, uma construção do tribunal, um pouco à margem do Tratado: agora ele está expressamente consagrado nesses dois textos anexos ao Tratado de Maastricht, mas que dele fazem parte integrante. Passou, pois, a ser lex scripta para as Comunidades e os Estados membros.
Há, contudo, uma excepção a esse princípio, que já foi sublinhada pelo Tribunal das Comunidades em alguns acórdãos na década de 70, e depois foi retomada pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, nos casos "Solange I" e "Solange II", mas especialmente no primeiro, de 24 de Maio de 1974, e, em 1984, pelo Tribunal Constitucional Italiano, no caso "Granital": ou seja, esse primado supraconstitucional é travado por respeito pela "congruência democrática" do sistema. Por exemplo, e designadamente, o primado supraconstitucional fica paralisado se a supremacia de uma norma comunitária sobre a Constituição de um Estado levar à postergação de um direito fundamental reconhecido pela norma constitucional mas ignorado pelo direito comunitário.
Recordo o que diz a Constituição grega, que há pouco li: há primado supraconstitucional desde que dessa forma não se atente "contra os direitos do homem e os fundamentos do regime democrático".
Portanto, o primado supraconstitucional é travado porque a Comunidade, antes de ser Comunidade, é um sistema democrático. Isto é, se me permitem que me expresse assim, o primado da democracia é superior ao primado do direito comunitário.
Resumindo, pedindo-vos que me desculpem a ousadia perante tão ilustres constituintes, eu poderia apresentar propostas concretas sobre a redacção de alguns artigos da Constituição, de forma que eles acolhessem as ideias que defendi.
Assim, eu daria ao artigo 3.°, retirando a referência à soberania indivisível, uma redacção deste género:
O Estado Português consente em condições de reciprocidade com outros Estados nas limitações da soberania decorrentes da sua livre adesão a organizações internacionais.
Portanto, adoptaria o sistema grego para o artigo 3.º Ou então, poderia escolher o sistema alemão:
O Estado Português pode por acto do Parlamento delegar em organizações internacionais o exercício dos seus poderes soberanos em condições de reciprocidade com outros Estados.
Se se fosse para esse sistema, isso obrigaria a um ajustamento no artigo 167.°, ou seja, em matéria de reserva absoluta da competência legislativa do Parlamento.
Com isto, talvez nem sequer fosse necessário que o artigo 8.°, n.° 3, regulasse o primado, mas, já agora, era conveniente que o fizesse, como o faz, por exemplo a Irlanda. Nesse caso, o artigo 8.°, n.º 3, devo ia ter a seguinte redacção:
Os tratados institutivos das Comunidades Europeias, bem como as normas e os actos emanados dos
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seus órgãos competentes, prevalecem sobre o direito interno e vigoram na ordem interna nos termos definidos na respectiva ordem jurídica.
Não mais nem menos: esta redacção fornece resposta adequada a todas as minhas inquietações, que atrás expus.
Vai ser difícil para Portugal remar contra a jurisprudência fume do Tribunal de Justiça das Comunidades nesta matéria, contra a doutrina largamente dominante na matéria e, agora, contra também o texto do Tratado de Maastricht, sob pena de incorrer em conflitualidade permanente com a ordem jurídica comunitária e em sucessivos processos por incumprimento. Ou então, pior ainda seria não se pôr nada na Constituição porque temos vergonha de o fazer e depois à sua margem permitir-se que se criem vários costumes contraconstitucionais, que albergassem todas estas construções que a Comunidade há muito dá por assentes.
Sr. Presidente, peço desculpas pelo tempo que ocupei, mas mesmo assim ficaram algumas coisas por dizer. No entanto, não quero maçar-vos mais. Vou sair daqui com certeza convencido de que não tenho razão, mas, se isso acontecer, já terá valido, egoistamente, a minha vinda a esta Comissão.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado.
Como era de esperar, foi uma intervenção extremamente interessante, muito rica de sugestões, tratando-se de uma matéria bastante controversa do ponto de vista político e até do ponto de vista doutrinal. Penso, portanto, que foi extremamente enriquecedora para os nossos trabalhos.
Pergunto, agora, aos Srs. Deputados se têm algumas perguntas a colocar já que poderão beneficiar ainda da contribuição do Sr. Prof. Fausto Quadros nas respostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Em primeiro lugar, gostava de agradecer ao Sr. Prof. Fausto Quadros a sua presença e saudá-lo muito em particular, tal como a sua contribuição para os nosso trabalhos.
Sr. Professor Fausto Quadros, não sou especialista em direito constitucional e retiro a minha participação nesta Comissão de revisão uma interpretação restritiva em relação ao diálogo com o mundo científico, porque a reconduzo, no essencial, a uma função política de representação. Portanto, agradecendo todas as suas contribuições, queria aproveitar para explicar o sentido das nossas propostas no ponto em que divergem das preocupações que aqui manifestou e colocar-lhe uma outra questão associada.
Em primeiro lugar, da nossa visão da estabilidade constitucional, resultou que esta revisão era a ocasião para ajustar o ordenamento constitucional português ao imperativo político da aprovação e ratificação do Tratado de Maastricht e não para fazer outras alterações de natureza técnica que fossem para além das requeridas, ajustadas e proporcionadas a esse objectivo.
Daqui resultou que nos restringimos, por um lado, a remover alguns obstáculos constitucionais que pareciam existir e, por outro, a promover algumas soluções compensatórias para obviar a desequilíbrios que seriam gerados ou agravados pela entrada em vigor do Tratado.
Este último aspecto justifica o que propomos em relação à Assembleia da República e às Regiões Autónomas. Portanto, sem prejuízo de pessoalmente considerar pertinentes várias observações que V. Exa. faz, é de tal visão que resulta que não tivéssemos incluído melhoramentos de outra envergadura no texto constitucional. Daí que não tenhamos, nomeadamente, abordado o artigo 8.° a propósito de cláusulas de limitação, de transferência ou cláusulas de habilitação e que não tivéssemos ido para além daquelas que o fenómeno europeu e, em particular, este salto - maior ou menor - que agora se dá com o Tratado requeressem.
Assim, a cláusula geral que tanto nós como o PSD inserimos no artigo 7.°, porventura passível de alguma crítica, veicula esta visão, que é conforme ao curso dos acontecimentos, de a autorização vir ligada a este passo na construção europeia.
Isto explica também por que não aproveitamos esta ocasião para reformular a Constituição Portuguesa naquilo que ela tem de diferenciado do que outros textos europeus já contemplam nesta matéria e, porventura, de uma forma mais ajustada à realidade das relações intereuropeias no momento presente.
Sob este aspecto, diria que no projecto do Partido Socialista há uma particularidade em relação ao projecto do PSD, porque o do PSD diz que Portugal pode, em condições de reciprocidade e com respeito pelo princípio da subsidiariedade, compartilhar o exercício dos poderes necessários. Penso que em relação a esta formulação, procede mais a objecção do Sr. Professor em relação à inconveniência- ideia depois atenuada mas inicialmente avançada - da referência ao princípio da reciprocidade e, sobretudo, à inconveniência - nesse aspecto penso que a observação não foi atenuada a seguir - de consagrar aqui o princípio da subsidiariedade no momento em que se consagra que Portugal pode compartilhar o exercício de poderes. Se bem captei bem o pensamento do Sr. Professor nesse aspecto...
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Não, não! A subsidiariedade, se me permite a interrupção, é dos Estados para a Comunidade e não de cima para baixo. Portanto, talvez nem houvesse a necessidade de ficar na Constituição. Esse é um dos casos em que, claramente, quod abundai non nocet. A ficar a referência à subsidiariedade na Constituição, então a dúvida que suscitei foi a de saber se a referência à reciprocidade não funciona contrariamente à subsidiariedade.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Não tinha interpretado nesses exactos termos as suas anteriores palavras, mas, em todo caso, procurarei ajustar as minhas palavras a essa precisão.
A diferença na formulação proposta pelo Partido Socialista está em que sublinhamos que este fenómeno - e não vou escolher agora entre partilha, transferência, limitação ou delegação - deve operar-se por via convencional. É uma diferença do nosso projecto que traduz o modo como pensamos que o interesse nacional deve ser salvaguardado. Não deve criar-se uma autorização genérica para compartilhar, delegar ou transferir, mas deve consagrar-se uma autorização constitucional para o fazer convencionalmente.
Nesses termos, parece-me que a referência à reciprocidade é aceitável, tal como a referência ao princípio da subsidiariedade.
A ideia era fazer este princípio - e não numa lógica de pura importação - desempenhar um papel algo diferente daquele que lhe poderá estar assinalado no âmbito comunitário. Seria criar um tópico nacional próprio para
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abordar esta matéria, desempenhando uma função crítica e impeditiva, pelo menos, de excessivas e injustificadas - do ponto vista nacional - transferências para um nível superior de decisão. Isto parece possível tendo presente o largo enraizamento histórico do conceito. E uma vez que citou vários autores, gostaria de acrescentar, além de Aristóteles, o socialista Saint Simon que, na sua concepção federativa do socialismo, utiliza também esta ideia, como foi notado numa obra recente de filosofia política sobre o Estado subsidiário.
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Acontece que nunca consegui a obra! Se a tiver, agradeço que ma empreste!
O Sr. Alberto Costa (PS): - Com certeza! Penso que o conceito tem virtualidades para poder desempenhar um papel que já aqui foi mencionado como sendo no sentido ascendente, passando a integrar a filosofia com que o Estado Português deve abordar esta matéria. Isto é, trata-se de adiantar uma orientação constitucional no sentido de valorizar os tópicos da democracia e da eficácia, mas também o tópico clássico, ou tão clássico quanto ainda possível, da soberania na abordagem do fenómeno supranacional. É a legitimação de uma visão crítica, prudente, referida à democracia mas também à nossa soberania, no conceito clássico, no exercício das adjudicações por convenção que possam ocorrer posteriormente.
É neste espírito que avançávamos com o princípio, concordando embora com algumas das observações que o Sr. Prof. fez. Creio que fica justificado por que não foram elas acompanhadas no nosso projecto. Embora também compreenda intelectualmente as suas considerações, que o levam a olhar as relações entre o direito constitucional e o direito comunitário da forma como aqui as apresentou, penso que, do ponto de vista político, importa - e importa a Portugal, segundo a perspectiva do PS - manter o princípio do primado do direito constitucional. Seria desconforme ao interesse nacional que, nas sedes política e constitucional, se assumisse uma formulação que encorajasse ou reforçasse essa construção do Sr. Prof. (que evidentemente não é só sua mas também do Tribunal das Comunidades).
Gostaria também de ouvir o comentário do Sr. Prof. sobre algumas destas explicações e restrições em relação a críticas que formulou seja ao projecto do PS seja também, se me permitem dizê-lo, ao projecto do PSD nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que ganharíamos algum tempo se ouvíssemos, primeiro, a explicação do Sr. Deputado Luís Pais de Sousa acerca da redacção do projecto do PSD na parte cuja autoria e responsabilidade me cabe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, quero igualmente agradecer a presença do Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros nesta Comissão e a sua magnífica exposição, da qual tomámos a devida nota.
Algumas questões foram, de facto, suscitadas pela sua intervenção, mas, face ao decurso do tempo, não poderemos formulá-las todas. No entanto, talvez fosse adequado suscitar ao Sr. Prof. uma primeira questão, que é a seguinte: entende que as alterações a introduzir, eventualmente, nos artigos 3.° e 8.° deveriam ser feitas já nesta revisão ou admitiria que a revisão ordinária, a realizar em 1994, pudesse, com mais tempo, decantando estes problemas, mesmo do ponto de vista doutrinal, proceder, nessa altura e na sede própria, a tais alterações?
A segunda questão, face a abundantes e preciosas considerações que fez na área das relações entre o direito comunitário e o direito constitucional, é a seguinte: o Sr. Prof. sustenta ou não a autonomização de um artigo referente à Comunidade Europeia?
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Como faz o CDS, não é? É, aliás, o único que o faz.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - E, eventualmente, a primeira questão aplicava-se também aqui. Isto é: admitiria que tal autonomização, a ser conveniente e adequada, teria lugar também mais tarde ou sustentá-la-ia para já?
Finalmente, quanto ao problema, que registámos, sobre o princípio da subsidiariedade, por um lado, e o da reciprocidade e de eventuais nuances ou contradições que existem nos projectos de revisão quer do PSD quer também do PS - que também retoma as formulações em condições de reciprocidade e depois no respeito pelo princípio da subsidiariedade -, o Sr. Prof. entende que o princípio da subsidiariedade deveria liminarmente ser retirado da eventual redacção da norma? Poderia explicitar melhor o porquê...
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Subsidiariedade ou reciprocidade?
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - O princípio da subsidiariedade. Relativamente à reciprocidade, parece-me que o ponto de vista do Sr. Prof. é o de manter, porque tal chegaria.
O que pergunto é isto: será que a consagração do princípio da subsidiariedade não garante nada?
O Sr. Presidente: - Na qualidade de parte, quero também agradecer a exposição que o Prof. Fausto Quadros quis ter a amabilidade de aqui fazer, que foi extremamente interessante e enriquecedora e em alguns aspectos provocatória para o debate que aqui estamos a travar...
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Foi isso o que me pediu.
O Sr. Presidente: - É verdade e correspondeu inteiramente. Mas não vamos ter tempo para aprofundar os múltiplos aspectos que abordou e as pistas que suscitou.
Quero, de uma maneira muito simples, referir qual é a minha explicação para o texto do n.° 6 do artigo 7.° do projecto do PSD, que é da minha autoria material. Em primeiro lugar, como aliás sublinhou o Sr. Deputado Alberto Costa - e parece-me que isso é importante -, é preciso ter em atenção que a Constituição é fundamentalmente um texto onde as notas políticas predominam sobre eventuais perfeições dogmáticas. Penso que essa nota é extremamente importante, na medida em que, apesar de o estudo do direito constitucional ser uma dogmática constitucional, não pode esquecer os valores jurídico-políticos que estão co-envolvidos. O que significa - e não o digo em termos puramente defensivos - que lemos de atender mais a essa perspectiva do que a um eventual perfeccionismo jurídico.
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O segundo ponto que me parece importante mencionar é o seguinte: não parto do princípio que me pareceu enformar a exposição do Prof. Fausto Quadros - e ele tem toda a legitimidade para o fazer-, de enfocar este problema, basicamente numa relação dualista entre Portugal e as Comunidades. A relação é fundamentalmente tríade, isto é, desenvolve-se entre outros países que estão nas Comunidades e nós próprios, e, depois, só num segundo momento é que as Comunidades aparecem. Daí que - e, se a memória não me falha, o velho Von Trieppel tinha alguma razão quando estudava os problemas do mandato - a crítica que faz em matéria de soberania não me deixa convencido. Penso que é extremamente importante dizer que a soberania, a sua titularidade, os poderes soberanos, as faculdades que isso envolve, ou, seja como for, os poderes do Estado (não vamos agora estar a discutir isso em pormenor) permanecem nos Estados e que estes põem em comum o seu exercício, mediante os tratados e o direito que deles decorre. Essa não é uma figura virgem mas sim algo que está bem estudado, como sabe, nas doutrinas alemã e italiana a propósito dos problemas da cooperação. E, no fundo, o que se quer dizer é isto: não há uma transferência de soberania. Podemos discutir se isso é correcto, ou não, do ponto de vista último da dogmática, mas, sob o ângulo político, que é aquele que, neste momento, queremos considerar, a ideia é a de que nós não transferimos em definitivo a soberania, ela fica na titularidade dos Estados. Este é o primeiro aspecto, que é extremamente importante salientar.
O segundo aspecto que desejo sublinhar é este: a titularidade dos poderes soberanos permanece nos Estados e os Estados estão dispostos a cooperar e fazem-no acordando num tratado em exercer, por via delegada - mas é uma delegação comum -, um determinado número de faculdades. Esta é fundamentalmente a ideia que está por detrás da expressão compartilhar ou do convencionar o exercício de poderes - prefiro a fórmula usada pelo PSD, mas o problema, do ponto de vista do seu significado político, é igual.
Já agora, acrescentava o seguinte: como sabe, a fórmula da soberania una e indivisível tem uma tradição histórica que vem da época revolucionária francesa. No fundo, podemos perfeitamente interpretar essa soberania no sentido de a reconduzir apenas à competência da competência, e não de a considerar em todos os múltiplos aspectos em que se desenvolve. E, se o fizermos, nesta interpretação um pouco limitativa, digamos, livramo-nos das dificuldades que V. Exa. referiu. Se eu estivesse, como V. Exa., a escrever um manual, acompanhá-lo-ia em algumas das suas preocupações, mas, estando a fazer uma revisão da Constituição, penso que seria complicado enveredarmos pelo caminho sugerido, porque poderíamos transmitir uma mensagem diversa daquela que pretendemos, se quisermos tocar no problema da unidade e da indivisibilidade da soberania.
Assim sendo, nesse capítulo, diria que o nosso propósito é o de acentuar que há uma cooperação dos Estados sem perda da titularidade, uma cooperação em termos de exercício dos poderes, que se faz através de um título jurídico, que é o tratado. E daí o tratado e a Constituição numa instituição nova - aí posso atentar na sua ideia de Comunidade, seguindo a dicotomia de Tonnies, mas o fundo da questão é que nós não queremos consignar na Constituição uma alienação da soberania.
O problema da reciprocidade compreende-se a esta luz de uma maneira diferente, porque é evidente que significa igualdade das participações na tarefa comum. É por isso que o princípio da reciprocidade, nesse aspecto, a meu ver, ganha importância.
Quanto à questão da subsidianedade, a ideia foi esta: a subsidiariedade no projecto do Tratado de Maastricht tem um significado curioso, porque, no artigo 3.°, define-se quais são as competências exclusivas da Comunidade. Sabido como se tem feito aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, compreende-se não ser satisfatório limitarmo-nos a dizer que tudo o resto está submetido ao princípio da subsidiariedade. Ora, o que se pretendeu foi utilizar o princípio não no sentido do Tratado mas num sentido diverso. É ainda dentro da óptica de preservar ao máximo aquilo que é a competência dos Estados, portanto, uma óptica diversa da do primado das Comunidades, que se pretendeu dizer o seguinte: visto que a Comunidade, de qualquer modo, está mais distante dos indivíduos do que dos Estados e os Estados estão mais distantes do que as comunidades mais pequenas, como os municípios, vamos evitar ceder a esta tentação de resolver as coisas a um nível institucional superior - que já está de algum modo no Tratado de Maastricht, na medida em que as competências comunitárias exclusivas abrangem tantas coisas e é discutível que a competência ao nível comunitário tenha um título de legitimação superior ao dos Estados - e dar esta nota interpretativa que pretende conservar a competência da entidade mais próxima, através da consignação do princípio da subsidiariedade.
E aqui houve, nesta Comissão, uma discussão que reputo muito importante, porque precisamente se assinalou que esta subsidiariedade não tinha de ser interpretada nos mesmos termos em que está consignada no Tratado de Maastricht, embora a fonte ideológica e doutrinal seja a mesma.
Neste capítulo, foram estes os princípios que nos orientaram.
Devo dizer que quanto às suas considerações sobre o artigo 8.° acompanho-o no que se refere à ideia do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, mas permito-me ter algumas dúvidas sobre a interpretação da jurisprudência do Verfassungsgericht alemão, que é feita por vários autores e também por V. Exa., no sentido de salvar o primado comunitário. Em última análise, há, apenas, uma condescendência do Tribunal Constitucional alemão, na medida em que, pela aceitação pelo Tribunal das Comunidades dos direitos fundamentais e da Convenção dos Direitos do Homem, na prática, os conflitos são poucos, mas quer o Tribunal Constitucional alemão quer o italiano, apesar de tudo, não abriram completamente mão de serem eles os últimos juizes dessa coerência ou compatibilidade democrática. Tal significa uma afirmação de que a competência da competência na jurisdictio ainda é dos tribunais constitucionais dos Estados e não do Tribunal do Luxemburgo.
Mas, enfim, isso é problema mais teórico. Apreciei aquilo que disse, pois foi muito interessante. Em todo o caso, porque isso tem alguma conexão com aquilo que disse há pouco, gostaria de manifestar esta ressalva em relação à interpretação da jurisprudência que citou do Tribunal Federal alemão, apesar das oscilações registadas.
Por último, creio que a sua contribuição, na óptica da dogmática jurídica, é bastante valiosa, mas não posso deixar de sublinhar que, infeliz ou felizmente, quando estamos a rever a Constituição, há um aspecto político ao qual não podemos deixar de dar primazia.
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Refiro este aspecto para explicar que as nossas perspectivas também, nesse capítulo, têm de diferir, o que se compreende, mas a contribuição dos juristas qualificados, tomo V. Exa. é extremamente útil porque nos obriga a submeter a uma crítica cerrada as opções que tomamos, por forma a vermos se são consistentes até com os nossos próprios propósitos.
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Sem dúvida que todas estas observações são muito pertinentes. Estou de acordo com algumas, que não são propriamente divergentes do meu ponto de vista, e vou telegraficamente, se me e permitido, inalar-vos mais alguns minutos.
O Sr. Presidente: - Maçar-nos não, deliciar-nos!
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Muito obrigado. Sr. Presidente
Os Srs. Deputados Alberto Costa e Luís Pais de Sousa, de uma forma diferente, colocando-me a questão de saber se esta revisão devia ou não englobar o artigo 8.° - aliás, o Dr. Alberto Cosia foi mesmo mais longe e disse que desta vez só se quis nesta revisão extraordinária permitir as alterações da Constituição que viabilizassem a ratificação.
Sei que isso é assim, mas julgo que não se teria saído do quadro excepcional da revisão extraordinária se se pensasse da seguinte forma: não nos compele a nós, apenas, fazer o Tratado de Maastricht entrar pela porta da ordem interna portuguesa; interessa-nos também, e creio que isso é complementar do primeiro aspecto, criar condições para a sua plena vigência na ordem interna. Portanto, julgo que não seria extravasar do mandato constituinte da Assembleia ela aproveitar esta oportunidade para rever esta última questão.
Quero dizer que tive em conta este aspecto nas observações que fiz, porque não fui para as questões que estão conexas com esta, diria, em segundo grau, e dou como exemplo a subsidiariedade. Para mim, a subsidiariedade é tão importante num regime democrático que, se esta não fosse uma revisão extraordinária, eu teria proposto muito mais, ou seja, que ela ficasse como princípio fundamental do ordenamento constitucional português muito para além das relações do listado Português com as Comunidades.
Como sabem, toda a descentralização assenta na subsidariedade em direito administrativo. Portanto, a subsidariedade é um princípio básico de direito constitucional e de direito administrativo, porque é ela que vai legimitar, mais do que os artigos 238.º e 267.° da Constituição, a descentralização e a regionalização, da qual eu sou grande defensor - aliás, já trabalhámos, o Sr. Presidente e eu, numa comissão, conjuntamente com outros juristas, em que esta questão foi discutida e teríamos já feita a regionalização se, entretanto, um governo não tivesse dado lugar a outro...
O Sr. Presidente: - Velhos tempos!...
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Exacto, velhos tempos!
E, pois, a subsidiariedade que impõe a descentralização e a regionalização mais do que os preceitos constitucionais que dizem, nos artigos 266.º e seguintes, que ela é indispensável. Numa revisão ordinária, então diria que a subsidiariedade devia passar a figurar no elenco dos princípios fundamentais da Constituição, mas não vou tão longe, porque isso talvez fosse pedir demais, embora também isso se prendesse com a matéria da integração europeia.
Quanto ao artigo especial para as Comunidades, penso que ele não é necessário Além disso não há tradição nesse sentido reparem que há um preceito sobre a soberania, sobre as questões da vigência na ordem interna já existe o artigo 8.º e esta Constituição já é tão longa que se se puder reconduzir esta matéria aos artigos já existentes, isso seria, creio, metodologicamente melhor do que criar um artigo especial.
Quanto às propostas do PS e do PSD relativas à redacção do artigo 7.º, posso dizer que em matéria de reciprocidade eu cedo, embora subsista o problema de interpretação que referi. No entanto, não sufrago integralmente uma afirmação do Sr. Presidente, que disse tratar-se a Constituição de um texto sobretudo político. A Constituição é também, claro que sim, um texto político, mas nesta questão, que está dogmaticamente por elaborar e é doutrinai lamente controversa, é bom que o juiz português, para além de ler uma orientação política, tenha também, e sobretudo, critérios jurídicos.
Sejamos realistas: apesar de todos os cursos que há, nas Faculdades de Direito e noutras, de Direito Comunitário, a maior parte dos actuais juizes não estudou, na Universidade, Direito Comunitário, tal como nós não estudámos - e se o fizemos foi, depois, por autodidactismo. Portanto, para um juiz, nas questões políticas controversas, é conveniente, se não mesmo necessário, dar-lhe, não só as opções políticas, mas cunhem, e sobretudo, um critério jurídico de exercício dessas opções políticas. O juiz não vai fazer (e não pode fazer) política, ele vai ler de saber concretamente decidir isto: o Tratado de Maastricht está ou não em vigor na ordem interna?; se sim, de que maneira e com que grau hierárquico?
Quanto à partilha ou não da soberania, penso que estamos todos de acordo sem formalmente o estarmos, pois, no fundo, o que se passa é o seguinte: a soberania na sua raiz continua nos Estados, pelo menos enquanto o poder comunitário legiferante for exercido pelo Conselho, que é composto por delegados dos Estados. Aliás, os trabalhos preparatórios dos Tratados de 1051 e 1957 dizem que o Conselho de Ministros das Comunidades está estruturado pelo sistema do mandato imperativo do Bundesrat alemão, e não segundo o modelo do Senado norte-americano, que torna os senadores independentes dos Estados federados. Não, os membros do Conselho das Comunidades são delegados dos Estados, portanto estão sujeitos às ordens e instruções dos Estados e até à fiscalização parlamentar pelos respectivos parlamentos.
Por conseguinte, a soberania, na sua raiz, continua a pertencer aos Estados, mas os poderes soberanos, esses, são delegados. Bom, mas a minha tese é a da defesa dos interesses nacionais, e, nesse aspecto, ela vai mesmo para além dos projectos de revisão do PS e do PSD, porque neles não está, mesmo cm regime de "compartilha", a defesa da congruência democrática: aí não está que a compartilha pára perante a necessidade de assegurar maior protecção aos direitos fundamentais na ordem interna portuguesa.
Voz inaudível do Deputado do PS Alberto Costa.
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Não, uma coisa é a democracia, outra é o aspecto concreto dos direitos fundamentais, quando haja oposição entre o direito comunitário e a constituição de dado Estado membro.
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A minha tese da delegação, e peço desculpas por ser teimoso, não prejudica em nada a defesa dos direitos do Estado Português, porque reflecte a realidade jurídico-constitucional, e se a isso se acrescentar a tal concepção, próxima da Constituição grega, de que a limitação de soberania cede cm nome da defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos portugueses, ou, se quiserem, em nome da congruência do sistema democrático, então isso até defende mais os interesses portugueses.
O Sr. Deputado Alberto Costa referiu-se a um aspecto que, se bem interpretei, não posso subscrever, e que é o seguinte: o Sr. Deputado disse que só se pretendia constitucionalizar as limitações convencionais trazidas à soberania portuguesa. Bom, creio que não pode ser assim, porque deve pretender-se também aceitar as limitações unilaterais impostas por órgãos comunitários, que não são limitações convencionais.
Quando o Sr. Deputado fala em limitações convencionais, julgo que se refere às limitações provenientes dos tratados comunitários; mas há também as limitações provenientes de actos unilaterais das Comunidades, ou seja, actos dos seus órgãos, e aí o problema tem de ser posto, porque o artigo 8.°: n.° 3, já hoje as constitucionaliza, embora mal. Portanto, a ideia é a de que tem de se tomar posição quer perante as limitações convencionais quer perante as unilaterais, embora fundadas nos tratados.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sim, é isso, fundadas nos tratados!
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Portanto, creio que seria melhor usar a expressão delegação e não partilha - e aqui, por questões de rigor, peço licença para manter a minha proposta - porque, designadamente, em matéria de políticas comunitárias, há mesmo delegação. Dou um exemplo: Portugal não pode hoje celebrar qualquer acordo agrícola com os Estados Unidos porque a política agrícola portuguesa já foi comunicarízada - claro, nos domínios cobertos pelos tratados. Então, porquê falar em exercício "em comum", quando não ele não existe? Há exercício a solo, que é levado a cabo pelas Comunidades.
O Sr. Presidente: - Sr. Professor, mas a ideia é a seguinte: os Estados é que põem em comum no momento em que os delegantes comummente acordam em determinada matéria.
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Bom, a opressão presta-se a equívocos. Vejo que nau se perdia nada se se usasse a expressão "delega" ou uma expressão parecida.
Quanto à observação que foi feita em relação ao Tribunal Constitucional Federal alemão, creio que no caso "Solange I" ele não cede em matéria de primado, o que ele diz é o seguinte: o primado é absoluto, mas, em nome da congruência democrática, do sistema comunitário, mais importantes são os direitos fundamentais. Tu diria que relativiza o primado. E ainda bem que o faz neste contexto. Mas, enfim...
O Sr. Presidente: - Estou de acordo, ainda bem que o faz!
O Sr. Prof. Doutor Fausto Quadros: - Quanto à questão da soberania indivisível, se se quer dizer que a soberania na sua raiz continua nos Estados desde logo porque o poder legislativo ainda não é do Parlamento Europeu mas do Conselho, muito bem. Mas tenho a impressão de que a indivisibilidade para o juiz (mais uma vez penso no juiz) pode ser um conceito quantitativo. Ora, desse ponto de vista, a soberania dos Estados membros é divisível.
Se se quiser dizer que a soberania na sua raiz (a soberania qualitativa) continua no Estado Português, embora ele possa delegar poderes soberanos, fraccionados da sua soberania, ou se for possível uma fórmula que diga isto, muito bem. Agora, enquanto a indivisibilidade pode significar quantitativamente a reserva absoluta dos poderes soberanos portugueses para Portugal, isso é que não é, a meu ver, retratar a realidade e pode suscitar problemas, mais uma vez, na aplicação do Direito Comunitário em Portugal. Não podemos dizer quem é que porventura não se servirá dos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade para suscitar eventualmente esta questão. Portanto, concordo com a ideia da competénce des compétences, mas a indivisibilidade tem de resolver o problema quantitativo dos poderes soberanos.
Dir-me-ão se ficou alguma observação por responder, mas penso que não.
Mais uma vez, Sr. Presidente, confesso-lhe que tive muita honra em aqui estar e, como previa, aprendi muito. Vim aqui para, como me foi pedido, dar o meu modesto contributo para a revisão constitucional. Se ele tiver sido útil, ficarei muito feliz. De qualquer modo, foi para mim uma honra, sobretudo, ter estado nesta Casa e com esta Comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Prof. Fausto Quadros, somos nós que ficamos muito gratos pelo contributo que nos deu, quer na sua exposição inicial, quer agora na discussão. Penso que foi muito útil e apreciámos muito a sua disponibilidade e o interesse que demonstrou em colaborar connosco. Muito obrigado.
Srs. Deputados, concluída esta audição, dou por terminados os nossos trabalhos, que apenas serão retomados se a personalidade convidada para aqui estar presente às 15 horas efectivamente comparecer à hora marcada.
Dou por encerrada, ou suspensa, a reunião.
Eram 13 horas e 35 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
António de Almeida Santos (PS), vice-presidente.
João António Gonçalves do Amaral (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretario.
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João Álvaro Poças Santos (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Manuel da Cosia Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento M. da C. Marcelo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
Guilherme Waldemar P. de Oliveira Martins (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Alberto R. dos Reis Lamego (PS).
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.