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Sexta-feira, 30 de Outubro de 1992 II Série - Número 12-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
III REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.º 12
Reunião do dia 29 de Outubro de 1992
SUMÁRIO
O Sr. Presidente (Rui Machete) abriu a reunião pelas 17 horas e 55 minutos.
Prosseguiu a votação indiciaria das propostas constantes dos projectos de lei de revisão constitucional, tendo-se pronunciado, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD) e José Magalhães (PS).
Foram os seguintes os resultados:
Proposta de aditamento de um n.° 6 ao artigo 7.º (PSD e PS) - obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PSD e do PS, votos contra do PCP e a abstenção do CDS -, ficando prejudicada a proposta de aditamento de um artigo 7°-A (CDS);
Proposta de aditamento de uma nova alínea m) ao artigo 167.° (PS) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, votos a favor do PS e do PCP e a abstenção do CDS, ficando prejudicada a proposta do CDS no mesmo sentido;
Proposta de alteração da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.° (CDS) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, do PS e do PCP e votos a favor do CDS.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 17 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos com a continuação das votações.
Em relação ao artigo 7.°, n.° 6, chegámos a uma redacção que tinha obtido o consenso do PSD e do PS - não me recordo se de mais algum dos partidos - e que é do seguinte teor:
Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários á construção da União Europeia.
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação da proposta de aditamento de um n.° 6 ao artigo 7.°, subscrita pelo PSD e pelo PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PSD e do PS, votos contra do PCP e a abstenção do CDS.
A proposta de um novo artigo - 7.°-A -, da autoria do CDS, encontra-se consequentemente prejudicada.
Vamos passar ao artigo 164.°, relativamente ao qual existem duas propostas, uma do PS e outra do CDS, de aditamento de uma nova alínea o). Mas esta matéria tem de ser vista em conjugação com a proposta que é "arrumada", do ponto de vista sistemático, no artigo 165°, como proposta alternativa apresentada pelo PSD na última reunião. E suponho que não estamos ainda em condições de proceder á votação nem de uma nem de outra.
Segue-se o artigo 167.°, relativamente ao qual existem duas propostas, uma do PS e outra do CDS, de aditamento de uma nova alínea m), de teor praticamente idêntico, relativo ao regime de designação dos membros dos órgãos institucionais da União Europeia, passando a actual alínea m) a n), e assim sucessivamente.
Vamos, então, passar á votação da proposta, da autoria do PS, de aditamento de uma nova alínea m) ao artigo 167.°
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, votos a favor do PS a do PCP e a abstenção do CDS.
Era a seguinte:
m) Regime de designação dos membros dos órgãos institucionais da União Europeia a indicar pelo Estado Português, quando ou na parte em que tal regime não decorra directamente do direito comunitário.
A proposta do CDS para o artigo 167.°, de teor idêntico, fica prejudicada.
Quanto ao artigo 168.°, existe uma proposta de alteração da alínea i) do n.° 1, da autoria do CDS.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação desta proposta.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, do PS e do PCP e votos a favor do CDS.
Era a seguinte:
i) Criação de impostos e sistema fiscal, incluindo os que constituem recursos próprios das Comunidades Europeias.
Em relação ao artigo 200.°, existem duas propostas, uma do PS e outra do CDS, de aditamento de uma nova alínea i). Contudo, como esta matéria está em estreita correlação com as propostas existentes para as alíneas dos artigos 164.° e 165.°, existem os mesmos motivos, atrás apontados, para adiar a sua votação.
Passamos agora ao artigo 229.°, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração à alínea u), da autoria do PS, sobre os poderes das Regiões Autónomas e que é do seguinte teor:
Pronunciar-se por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes bem como sobre propostas de actos comunitários que lhes digam respeito.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, antes de subscrever esta proposta a votação, gostaria de dizer algo acerca desta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não me foi possível participar na anterior discussão sobre esta proposta, por razões de saúde e por ter estado na Região Autónoma da Madeira, aquando das eleições regionais.
Penso que esta proposta envolve alguns perigos, na medida em que, parece-me, pretende consagrar na Constituição algo que já lá consta. E, quando se apresentam propostas com este alcance, e óbvio que elas têm o perigo de pôr em causa a certeza quanto a saber se já está, ou não, consagrada na Constituição a conferência destes poderes às Regiões Autónomas.
Mas é curioso que o Sr. Deputado Almeida Santos, aquando da discussão desta disposição, foi o primeiro a referir que isto seria apenas uma especificação daquilo que, em seu entender, já decorria do que estava consagrado na Constituição. E adiantou mesmo que isto era uma flor para as Regiões Autónomas. Mas, enfim, vinda de onde vem, penso que essa flor será uma rosa e, apesar de ser de estufa, é uma rosa com espinhos. E são esses espinhos que me preocupam, os espinhos de se pôr em causa, através dela, a certeza da já existência na Constituição destas competências.
E, por aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos então explicitou - e que o Sr. Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, Sr. Deputado Rui Machete, também adiantou -, parece-me perfeitamente claro que o artigo 231.° da Constituição, no seu actual n.° 2, já contém aquilo que se queria consagrar agora nesta alteração proposta pelo PS. É que diz-se claramente, no n.° 2 do artigo 231.°, que "os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às Regiões Autónomas, os órgãos de governo regional".
Aliás, o artigo 229.°, na alínea u), é de um teor semelhante, só que permite que essa iniciativa parta dos próprios órgãos de governo próprio. Ou seja, os órgãos de governo próprio podem "pronunciar-se por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito".
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Curiosamente, o Prof. Jorge Miranda, quando aqui esteve, também fez considerações a este propósito, aceitando que a prática e eventualmente o que está implícito quer no artigo 231.°, n.° 2, quer no artigo 229.°, n.° 1, alínea u), já bastam para permitir que os órgãos de governo próprio se pronunciem sobre questões de âmbito comunitário que digam respeito às Regiões Autónomas.
A introdução específica desta matéria, eventualmente bem intencionada, tem o perigo de pôr em causa esta amplitude, podendo até criar graus de incerteza noutras áreas. E era bom que esta incerteza não se introduzisse. Daí que não possamos votar favoravelmente esta disposição. Mas, atenta a minha posição em relação às Regiões Autónomas e aceitando que há aqui uma boa intenção de explicitar também esse poder e não propriamente o de o trazer como inovação à Constituição, vou, pessoalmente, abster-me na votação desta proposta. Contudo, o PSD votará contra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, na primeira leitura desta norma, não pude travar com V. Ex.a o diálogo que gostaria. Provavelmente, não é esta a altura de o fazer, mas gostaria de colocar-lhe uma pergunta. Se bem entendo, V. Ex.a considera que esta proposta terá tido pelo menos o mérito de introduzir uma clarificação. De facto aquilo que acaba de verter para a acta é uma leitura que diria de interpretação actualista - isto é no mínimo e não estou a dizer-lhe que essa leitura mereça qualquer espécie de discordância pela minha parte - de uma norma constitucional que oferece dificuldades de interpretação - o artigo 229.°, n.° 1, alínea u). E porquê? Porque a norma do artigo 229.° que citei estabelece precisamente que as Regiões Autónomas têm o poder de se pronunciar "por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes", órgãos de soberania, "que lhes digam respeito".
Ora, o que está - e estará cada vez mais - em causa no panorama europeu é que, além das decisões dos órgãos de soberania, há outras, oriundas dos órgãos próprios das Comunidades Europeias e da futura União Europeia. Algumas dessas decisões, designadamente as que assumem carácter legislativo ou paralegislativo, são o resultado da actuação da entidade com poderes legislativos no concerto comunitário, o Conselho, em que o Governo Português tem a sua representação e em que pode intervir, outras não.
Por outro lado, além das questões de cunho tipicamente legislativo ou paralegislativo, há todas as outras questões, das mais diversas naturezas, da competência dos órgãos da União Europeia, algumas das quais podem até originar actos com aplicação directa no território das Regiões Autónomas, e, portanto, exercer um efeito de penetração nas respectivas ordens jurídicas através dos meios de sedimentação jurídica normais.
Foi isto que nos levou não a rejeitar a leitura que o Sr. Deputado acaba de fazer da norma constitucional, mas a adoptar uma cautela, que V. Ex.a pode, porventura, considerar sobreabundante, mas não estou a censurar isso. Repare que a fórmula proposta pelo PS visa conferir às Regiões Autónomas o poder de se pronunciarem sobre propostas de actos comunitários, o que é uma decorrência da vontade de não colocar as Regiões Autónomas, também neste domínio, perante factos consumados.
Há, perante esta proposta, duas atitudes e, seguramente, a nossa nunca seria catastrofista. V. Exa. pode ter 10 redacções melhores do que esta - a formulação não é fácil neste domínio. Mas há que optar.
A sua posição de abstenção pessoal, enquanto Deputado eleito por uma Região Autónoma, será sensibilizadora do ponto de vista político-pessoal mas não resolve a questão política constitucional que está equacionada.
Portanto, de qualquer das formas, o saldo deste debate só pode ser um de dois bons saldos: o primeiro, é uma ligeira correcção de uma palavra, conducente à supressão de qualquer dúvida; o outro, será uma interpretação clarificadora, actualista, que, evidentemente, tem o valor que tem para os trabalhos preparatórios de um processo de revisão constitucional. Devo dizer que não posso esconder qual é a minha inclinação...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães com o à-vontade, o conhecimento e a habilidade, que lhe são conhecidos, defendeu os méritos, e apenas estes, da proposta.
Assim, dir-lhe-ei que a clarificação se deve mais ao debate do que à proposta em si, embora sem deixar de reconhecer que foi a proposta que gerou o debate. Em todo o caso, a proposta considerada isoladamente teria, se o debate não fosse calrificador, os perigos que lhe apontei mas, sem dúvida alguma, que há um saldo positivo - e nisso concordo consigo - na clarificação introduzida.
No rigor jurídico-formal e institucional com que o Sr. Deputado coloca a questão da distinção - e ela existe - entre as competências dos órgãos de soberania portugueses e das instituições comunitárias, é óbvio que, nesse rigor, esta proposta poderia traduzir-se num mais positivo, só que, penso, na realidade, a questão tem de ser vista com a tal interpretação actualista que referi e, neste sentido, Portugal, pelo facto de estar na Comunidade Europeia e de reconhecer - agora até em grau mais avançado, eventualmente - competências alargadas aos órgãos comunitários distintas das dos órgãos de soberania internos do Estado Português, isso não significa que não tenha e que a própria estrutura comunitária não assegure a participação portuguesa nessa co-decisão que os órgãos comunitários vão formulando.
Assim, essa participação tem de ser vista de baixo para cima em todo o processo decisório interno português, designadamente com a presença veiculada da opinião dos órgãos próprios das Regiões Autónomas quando se trate de questões que entrem nessa esfera, mais externa do que interna, mas sempre com ligação às responsabilidades dos órgãos de soberania internos responsáveis pela Administração Portuguesa e pela participação no âmbito comunitário.
Penso que esta clarificação basta, sem haver necessidade de consagrar mais qualquer normativo, e que é consensual esse sentido interpretativo. Portanto, ficamos com a acta da reunião como elemento bastante para se chegar àquilo que, eventualmente, o PS pretendia através de uma expressão mais concreta no normativo que propôs.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva suscitou-nos, numa rápida troca de impressões, uma dúvida: será que o Sr. Deputado teria o mesmo tipo de reacção a uma fórmula que se limitasse a fazer o expurgo de três palavras constantes desta alínea u) do artigo 229.°?
Para dar provimento total à sua observação, para não prejudicar em nada aquilo que ficou vertido para a acta e também para não prejudicar aquilo que decorre do n.° 2
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do artigo 231.°, bastaria, pura e simplesmente, suprimir as palavras "da competência destes", para clarificar totalmente o que se quer abranger, as da competência destes e a da competência de outros por que estes se interessem ou a que estes estejam ou não ligados, consoante for o caso, porque como V. Ex.a sabe os casos podem ser de quatro tipos.
Assim, o n.° 2 do artigo 231.° ficaria a assegurar a intervenção das Regiões Autónomas em relação às coisas nacionais e a alínea u) do artigo 229.° a prover em relação às nacionais e às outras.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, pessoalmente vejo com muito agrado essa solução, só que quero dizer-lhe, muito sinceramente, que estou aqui numa posição de mandato partidário e que não tenho, neste momento, orientação suficiente para aceitar essa sugestão.
Assim, a única coisa que poderia admitir, e porque surgiu agora esta proposta de eliminação da expressão "da competência destes" constante da alínea u) do artigo 229.°, era a suspensão da votação, considerando este assunto em momento posterior, uma vez que vamos fazer reunião na próxima semana, para votações.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que já suspendemos uma votação, creio que não há qualquer razão para que não possamos suspender esta.
Assim sendo, isto significa que o Sr. Deputado Guilherme Silva considera também útil, por razões óbvias, que o artigo 231.° também fique adiado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, esgotámos a matéria que não está, neste momento, suspensa.
Srs. Deputados, gostaria que reuníssemos, para encerrarmos esta parte da revisão constitucional, em princípio, na próxima terça-feira, pelas 15 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Estiveram presentes os seguintes Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
João António Gonçalves do Amaral (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Ana Paula Matos Barros (PSD).
Fernando Marques Andrade (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Miguel Bento M. da C. Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PS).
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.