Página 37
Quarta-feira, 22 de Maio de 1996 II Série - Número 4 - RC
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 21 de Maio de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 11 horas.
Foram apreciadas propostas de alteração aos artigos 255.º e 256.º.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Alberto Martins (PS), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Miguel Macedo, Guilherme Silva e Pedro Passos Coelho (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 35 minutos.
Página 38
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas.
Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos consta, como sabem, a apreciação da matéria constitucional relativa à regionalização e, dentro dela, os aspectos relacionados com a problemática das consultas populares, mais precisamente, a apreciação dos artigos 255.º até ao 262.º. Penso que, por razões de método, deveríamos...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (PS): - Sr. Presidente, apesar da hora tardia, talvez fosse melhor aguardar um pouco mais, dada a matéria desta natureza, porque é possível que os grupos parlamentares do CDS-PP e do PCP tenham sido induzidos em erro com outras convocatórias que houve. Creio que todos estarão interessados em participar.
O Sr. Presidente: - Obrigado pela sugestão, Sr. Deputado, mas a verdade é esta: esperámos o tempo que esperámos para poder iniciar os trabalhos e, neste momento, constato que apenas um grupo parlamentar não está presente. Mas ao fim da espera que fizemos, penso que é razoável, para a normalidade do funcionamento da comissão, que possamos mesmo iniciar os trabalhos.
Efectivamente, apenas um grupo parlamentar não pôde ainda apresentar-se na reunião. Penso que isso já não seja razão bastante para que não se inicie desde já os trabalhos.
Alguma discordância deste ponto de vista da Mesa?
Pausa.
Assim sendo, voltava a lembrar que estava em apreciação o artigo 255.º da Constituição, com o método que me parece que é indispensável introduzir nos trabalhos da revisão constitucional, ou seja, a apreciação de cada artigo de per si, sem embargo de, depois, se apreciarem as conexões que eles envolvem.
Permito-me ainda lembrar que o artigo 255.º foi objecto de apresentação de propostas de alteração por parte do CDS-PP, do PSD e do Sr. Deputado independente Cláudio Monteiro e outros.
Nestes termos, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a proposta do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelo PSD sugere uma alteração ao artigo 255.º. Como é sabido, o PSD propõe, em matéria de criação de regiões administrativas no continente, um processo que só vá para a frente se houver um assentimento, em referendo, da população portuguesa. Em consequência disso, em todo este capítulo, a opção do projecto de lei do PSD foi a de, por um lado, retirar toda a previsão normativa do Capítulo IV, que hoje estamos aqui a analisar, que começa exactamente no artigo 255.º e vai até ao 262.º, deixando na Constituição apenas o artigo 255.º, com uma formulação, que, no fundo, mantém o instituto das regiões administrativas na previsão constitucional. Ou seja, a Constituição continua a falar na possibilidade da regionalização administrativa do continente, só que, uma vez que entendemos dever condicionar esse processo de regionalização a um assentimento, em referendo nacional, da população, pareceu-nos adequado, quer em termos técnico-jurídicos quer em termos políticos, haver todo um capítulo especificado na Constituição da República sobre um processo que estando condicionado ao voto popular pudesse acabar por não ir para a frente, aceitando como legítima a possibilidade democrática de esse referendo dar um dos dois resultados possíveis, ou seja, dar o "não", uma vez que ao partir-se para um referendo é preciso aceitar a hipótese de a resposta ser "sim" ou "não". No entanto, no caso de ser "não", parece-nos que faria pouco sentido.
Nesse sentido, e antecipando-me um pouco à discussão dos artigos seguintes, quero deixar aqui, desde já, clara em termos lógicos a posição do projecto de lei do PSD. O PSD defende a manutenção da previsão constitucional das regiões administrativas no artigo 255.º mas com a supressão do desenvolvimento do modelo de regionalização, dos órgãos e das competências que a regionalização se poderá revestir. Toda essa matéria, do ponto de vista do projecto de lei do PSD, deveria ser remetida para legislação.
Quanto ao conteúdo em concreto do artigo 255.º, no fundo, o que o projecto do PSD faz é remeter para lei ordinária o modelo de regionalização administrativa, aí contemplando as competências, os órgãos, a composição, o funcionamento desses órgãos. Mas o PSD entende que a lei que definir todo esse modelo deverá, antes de ser promulgada, ser submetida a referendo nacional, e, no caso de esse referendo nacional dar um resultado positivo, então, sim, a lei ser promulgada e o processo da regionalização avançar.
Haverá depois um segundo momento, também previsto no projecto de lei do PSD para o artigo 255.º, em que, passada esta primeira fase e havendo um resultado positivo no referendo nacional, haverá a instituição em concreto de cada uma das regiões administrativas que ficarem definidas para o continente, sendo que essa instituição em concreto deverá ser objecto de decretos parciais da Assembleia da República, sendo cada um deles também, antes da sua promulgação, submetidos a referendos das populações abrangidas por cada uma das regiões (os tais referendos regionais - utilize-se essa expressão). E à medida que esses referendos regionais possam obter o "sim" das populações respectivas, haverá a promulgação dos respectivos decretos da Assembleia da República e a instituição em concreto de cada uma das regiões.
Em termos genéricos, numa primeira apresentação, eram estas as notas que queria deixar referentes ao projecto de lei do PSD, quer na matéria do artigo 255.º quer de todo o capítulo que estamos hoje aqui a analisar, uma vez que estão, como expliquei, ligadas por uma questão de racionalidade lógica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer um comentário - e poderíamos ganhar algum tempo - à apresentação que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de fazer.
Página 39
A apresentação foi feita, tão-só com uma apresentação linear do artigo 255.º na forma inicial em que foi apresentado, como se, eventualmente, desde a data da sua apresentação até hoje não tivesse transcorrido um conjunto de circunstâncias, acontecimentos políticos, precisões e alterações políticas, e como se esse artigo e essa proposta do PSD não devesse incorporar os compromissos públicos e políticos, entretanto assumidos pelo próprio PSD.
Portanto, a minha dúvida é no sentido de saber se o PSD mantém a proposta. E se a mantém, como é que concilia a proposta que está aqui no projecto de revisão, e aquilo que publicamente já foi afirmado, com o compromisso público já assumido? Como são conciliáveis estas duas situações? O PSD não está a pensar propor uma alteração ao próprio projecto, à própria iniciativa legislativa que apresentou neste domínio e neste artigo? Como concilia a vontade política, que sabemos ser a de hoje e que é diversa desta, com este preceito que aqui está? O que é que estamos a discutir? É apenas uma letra da lei em termos de projecto legislativo, que já morreu em parte na própria vontade do PSD?
São estas as questões que deixo à consideração dos Srs. Deputados e de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para além da inscrição do Sr. Deputado Luís Sá, eu próprio gostava de lhe colocar algumas questões. Pergunto se deseja responder já ao primeiro pedido de esclarecimento ou no final.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber se essa inscrição se destina a uma exposição sobre o mesmo tema ou a pedidos de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Sá está inscrito para pedir esclarecimentos ou para uma intervenção autónoma?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Para uma intervenção autónoma, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, aproveitaria, se estiver de acordo, para lhe colocar algumas dúvidas, antes de lhe dar a palavra para responder.
Sr. Deputado, há um motivo essencial de divergência que se constata entre a posição assumida pelo PSD e a do PS, que é conhecida, segundo a qual o PS entende que a formulação da matriz regional, tal como está expressa na Constituição, nela deve subsistir, designadamente a disposição relativa ao artigo 255.º, que prescreve a necessária existência de uma lei de criação das regiões administrativas com a definição dos respectivos poderes, composição e competências.
A partir do momento em que da parte do PS é feita esta opção, gostaria de recordar que ela é, todavia, feita não só em nome de uma adesão ao espírito e à letra da Constituição nesta matéria mas também invocando a coerência de uma memória histórica. Efectivamente, na última revisão constitucional ordinária - e gostaria de o lembrar ao PSD - , os artigos sobre regionalização foram actualizados por vontade expressa dos Deputados do PS e do PSD, indispensáveis à formação da maioria qualificada de 2/3. Ocorreu que, nessa altura, em torno das disposições sobre a regionalização, se estabeleceu aquilo que eu poderia dizer um "pacto de regime constitucional".
Gostaria de recordar ao Sr. Deputado, por exemplo, que essa foi a ocasião, na revisão constitucional de 1989, em que foi eliminada, na Constituição, a figura da chamada "região plano", bem como também foi eliminada a obrigatoriedade constitucional da existência de um conselho regional e, ainda, foi adaptado na Constituição alguns aspectos relativos ao processo de formação das assembleias regionais, designadamente quanto ao processo eleitoral, através do qual se faz a escolha dos representantes das assembleias municipais das áreas regionais respectivas.
Tudo isto foi feito na revisão constitucional ordinária de 1989. Tudo isto foi feito pelos Deputados do PS e do PSD em nome de um pacto constitucional sobre a matéria da regionalização e com o objectivo política de criar todos os pressupostos institucionais para que a regionalização pudesse avançar. Digo isto justamente para chamar a atenção do PSD para a circunstância de a posição do PS ser hoje pertinente, ou seja, aderir ao essencial de uma matriz para a qual já tinha havido um manifesto esforço de consenso muito amplo em sede constitucional. Dito isto, não deixo, todavia, de reparar no seguinte: o projecto do PSD, na medida em que, por opção política, pretendia agora a desconstitucionalização do imperativo constitucional da regionalização, é juridicamente consistente na parte em que admite que a regionalização a fazer-se seria feita por uma lei, obviamente e novamente, de criação das regiões, a qual careceria de ser submetida, na fase de decreto, a referendo nacional. Esta a minha primeira questão, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Para além da divergência que atrás invoquei e cuja explicação dei para a sua razão de ser, a grande questão é esta: é verdade que o projecto do PSD aponta inequivocamente para que a possibilidade da realização de um referendo nacional só viesse a ocorrer após definição em matriz legal da lei de criação das regiões. É evidente que, de acordo com a vossa lógica da desconstitucionalização, estaríamos na fase do decreto nessa matéria, mas não deixaria previamente de se estabelecer o modelo regional acerca do qual haveria posterior consulta popular directa. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não desconhece que esta tem sido uma das razões de alguma divergência política entre o PSD e o PS, ou seja, sempre sustentámos que o momento das consultas populares directas teria razão de ser na fase de institucionalização em concreto do processo da regionalização; curiosamente, este ponto de vista do PS tem também cobertura e coerência no projecto de revisão constitucional do PSD, na medida em que o projecto do PSD apenas admite o momento de um referendo nacional sobre regionalização após o estabelecimento em decreto da lei de criação das regiões administrativas. Faz, portanto, sentido que o PSD possa rever o seu ponto de vista acerca do momento em que o referendo nacional no processo de regionalização deva ocorrer. Revê-lo em função das últimas declarações políticas sobre a matéria, mas revê-lo em coerência com o significado essencial do seu próprio projecto de revisão constitucional. Esta é a minha primeira dúvida.
A minha segunda dúvida é esta: o alcance que o PSD pretende dar à sua fórmula referendária não deixa de ser muito curioso porque os efeitos do referendo que o PSD prescreve, são os de que só seria possível vir a validar o decreto aprovado na Assembleia da República se, no
Página 40
referendo, tal fosse votado favoravelmente por mais de metade dos eleitores recenseados. Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a aplicação desta formulação significaria que todas as abstenções, quer abstenções em sentido próprio na consulta referendária, quer abstenções por ausência técnica ao referendo, seriam validadas como votos contra a regionalização; ou seja, embora com efeito contrário, o PSD prescreve aqui a mesma técnica no processo de aprovação da Constituição de 1933. Como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes está recordado, nessa ocasião, os votos de abstenção foram contados como sendo a favor da Constituição de 1933; na vossa fórmula actual, os votos de abstenção seriam contados como sendo contra o processo de regionalização. Num caso como noutro, parece-me que há aqui uma evidente distorção da vontade efectiva dos eleitores que, expressamente, em referendo, manifestem o seu ponto de vista.
São, portanto, duas dúvidas que me parecem significativas e que gostaria de poder ver aclaradas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ao qual, com todo o gosto, dou a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Sr. Presidente, é evidente para nós todos, penso eu, ou pelo menos para mim é evidente (se não é essa a intenção da condução dos trabalhos, gostaria que isso fosse explicitado ou que tivesse sido explicitado inicialmente) que estamos aqui, hoje, a fazer a primeira leitura e isso implica, necessariamente, até por aquilo que se passou na última reunião, na sexta-feira passada, em que vários Srs. Deputados levantaram a questão, ser necessário começarmos a trabalhar para sabermos exactamente o que é que cada partido propõe. Aliás, até houve, e o Sr. Presidente recorda-se, um equívoco em que, pela minha parte, fui protagonista em relação ao projecto do CDS-PP (não está cá hoje o Sr. Deputado Paulo Portas mas, com certeza, o Sr. Presidente recordar-se-á) mas a minha intenção é corresponder ao pedido do Sr. Presidente de que os grupos que tivessem propostas sobre este artigo 255.º, as explicitassem, caso quisessem. Eu fiz essa primeira leitura.
É evidente também para mim que todas as posições são pertinentes sobre esta matéria, ou seja, eu parto do princípio de que todos os projectos que estão sobre a mesa e que estamos a analisar são projectos que têm um estudo feito por trás, da parte das bancadas ou dos Deputados que os assinaram. Não ignoro que houve uma evolução política desde o momento - algures no mês de Janeiro ou de Fevereiro - em que cada um de nós participou, de maneira mais ou menos activa, na elaboração dos projectos de lei da revisão constitucional que começamos hoje, aqui, a analisar na especialidade. Houve uma evolução política, com a qual, de resto, eu e a minha bancada muito nos congratulamos, neste pormenor que tem a ver com a regionalização. Aí, devolvo desde já a questão: também da parte do PS houve uma evolução muito clara sobre esta matéria pelo que, eventualmente, utilizando a questão colocada pelo Sr. Deputado Alberto Martins, eu perguntaria, da mesma maneira - porque é que o PS não apresentou uma proposta de substituição ao seu texto no sentido de prever o referendo nacional? Não conheço! Isto só para dizer, Sr. Presidente, que, de facto, se todos os textos que estão sobre a mesa são pertinentes, não percebo muito bem essa aparente crítica ao facto de eu me ter limitado a fazer uma primeira leitura do projecto do PSD sobre esta matéria e a expressar o que estava por trás e qual a lógica que tinha presidido à formulação, nos termos que temos sobre a mesa, deste projecto.
É evidente que, graças a Deus, a posição política sobre esta matéria evoluiu na generalidade das bancadas ou, pelo menos, nos partidos mais importantes e hoje em dia, tanto quanto sei, já são pelo menos três os partidos (se não mesmo quatro - não sei exactamente, e não quero cometer nenhuma injustiça, qual a posição do PCP sobre esta matéria), o PSD, o CDS-PP e o PS, que defendem sobre esta matéria a necessidade de haver um referendo nacional antes de se concretizar o processo de regionalização. Posto este ponto prévio, que me parece fundamental, Sr. Presidente, porque não vale a pena andarmos aqui com processos de intenções, a dizer que "se o senhor não altera a sua proposta...". É evidente que o PSD evoluiu nesta matéria e, porventura com mais significado ainda, o PS também evoluiu - e nada disso, do nosso ponto de vista, é posto em causa ou deve ser posto em causa.
Quanto às questões que, em concreto, o Sr. Presidente me formula: quanto ao momento do referendo, eu pensava que essa era uma das discussões que deveríamos ter hoje aqui; ou seja, faz parte dos trabalhos desta reunião e, genericamente, desta Comissão, analisarmos exactamente se, na parte respeitante à regionalização, o texto constitucional deve ou não obrigar a que o referendo seja sobre um decreto da Assembleia ainda não promulgado ou já promulgado. Sobre isso, tentei, na minha intervenção inicial, explicar o porquê de o PSD entender à partida que o referendo deve ser anterior à promulgação da lei - e deve ser anterior porque temos de aceitar democraticamente que o referendo possa ter um dos resultados possíveis, ou seja, possa ter o não. Portanto, nesse sentido, parece-nos mais lógico, em termos de equilíbrio e de estabilidade do ordenamento jurídico, num primeiro ponto, e de respeito pela vontade popular, num segundo ponto, que o referendo seja antes da promulgação. Todo o trabalho de elaboração da lei, todo o trabalho da parte da Assembleia da República, que é o órgão competente para tal, de preparação, de discussão e de votação interna da lei teria sempre de ser feito, em qualquer circunstância - tratava-se apenas do acto de promulgação e, como o Sr. Presidente bem sabe, tal como a generalidade das pessoas que aqui estão, da sua inscrição definitiva na ordem jurídica.
Se aceitamos como bom, constitucionalmente (e é a tal evolução política a que já se chegou, penso que genericamente, na sociedade portuguesa), que haja uma consulta popular, um referendo antes do procedimento, em concreto, da regionalização, parece-nos que não faz sentido a inscrição prévia, na ordem jurídica portuguesa, da lei das regiões para depois o povo, que é soberano nestas matérias, ir ser consultado e ficar, eventualmente, algo condicionado na sua liberdade de votar desta ou daquela outra maneira - parece-nos apenas uma questão de lisura, em termos de processo político e também em termos de processo jurídico pelas razões que acrescentei. Portanto, sobre esta matéria do momento do referendo, tentei explicar isto, na minha primeira intervenção genérica sobre a razão de ser da forma de apresentação do artigo 255.º por parte do PSD, mas, com muito gosto, explicito ao Sr. Presidente (não na qualidade de Presidente, porque penso que falou na qualidade de Deputado do PS) que a posição do PSD é esta. Mas esta é a matéria que temos para discutir hoje aqui, e gostava de ouvir, da parte do PS, as razões por que esta nossa proposta não serve - pedia apenas que
Página 41
exprimissem mais argumentos do que o mero argumento de que deve ser assim porque assim está na Constituição.
Quanto a isso, Sr. Presidente, gostava de, muito rapidamente, explicar o seguinte: é evidente que conheço também (provavelmente não tão bem como o Sr. Presidente porque não participei pessoalmente nos trabalhos da revisão constitucional de 1989 porque não era Deputado na altura) as posições e aquilo que resultou do processo de revisão constitucional de 1989; mas, Sr. Presidente, com toda a franqueza, não são esses argumentos que, minimamente, vão tolher a liberdade total do trabalho desta Comissão Eventual de Revisão Constitucional - por isso mesmo é que se abriu um novo processo de revisão constitucional, porque, se achássemos que o que foi feito em 1989, estava perfeito e não havia mais nada a mexer-lhe, então, nem valia a pena termos apresentado, nenhum de nós, projectos sobre esta matéria. E recordo ao Sr. Presidente que, pese embora ter havido o tal acordo genérico em 1989, a que o Sr. Presidente chamou de regime, sobre a matéria da regionalização, também o PS, e muito bem, no exercício natural das suas competências de revisão constitucional, no seu projecto, apresenta a sugestão de alteração a vários dos artigos deste mesmo capítulo, por acaso não ao 255.º mas a artigos subsequentes, como rapidamente veremos, o 258.º, o 261.º, enfim, vários artigos para os quais o PS apresenta alterações que são, de facto, qualitativas como, por exemplo, a introdução dos referendos regionais. Quanto a estes, independentemente do processo político que todos nós conhecemos e que evoluiu nos últimos tempos, o PS, no seu projecto de lei de revisão constitucional, desde logo, evoluiu relativamente àquele que tinha sido o acordo em 1989, por exemplo, em relação ao problema da escolha e da nomeação dos presidentes de junta, onde também se regista uma clara alteração de posição do PS face àquilo que foram os trabalhos de 1989 e o texto final que resultou da revisão realizada nessa altura.
Portanto, que isso fique claro, Sr. Presidente, não se trata aqui de estar a condicionar minimamente a posição dos partidos porque todos temos presente que evoluímos relativamente a 1989 e por isso é que apresentámos projectos de revisão, e todos temos presente também que, graças a Deus, o processo político em Portugal evoluiu bastante em alguns detalhes, nomeadamente em matéria de regionalização, desde o momento da feitura e de apresentação dos projectos de lei até ao momento em que aqui nos encontramos e tudo isso, pela parte do PSD pelo menos, é perfeitamente honrado e com muita satisfação, de resto.
Quanto à primeira questão que o Sr. Presidente me colocou, o momento do referendo, penso que já explicitei a minha questão e gostava de a devolver para ouvir a posição do PS a rebater a lógica jurídica e política, que o PSD defende, de o momento do referendo ser depois dos trabalhos da Assembleia mas antes da inscrição definitiva na ordem jurídica que, como se sabe, se faz através do acto de promulgação. Quanto à segunda questão, da validação do referendo, Sr. Presidente, é evidente que este texto que aqui está, é o texto formulado pelo PSD no seu projecto de lei porque pareceu ao PSD que a importância de uma matéria como a regionalização, e tudo o que tem sido o discurso que o PSD tem defendido sobre esta matéria, não poderia nunca ser feita sem um empenhamento muito significativo por parte da população portuguesa. É evidente, no entanto, que não desconhecemos o processo político que se desenvolveu entretanto - sabemos que tem havido uma tentativa forçada de aproximação entre as principais forças políticas sobre esta matéria para chegarmos a um denominador comum que possa consolidar e dar uma credibilidade grande ao processo de regionalização quando ele se iniciar; nesse sentido, obviamente, esta será uma das matérias que teremos de discutir aqui, sendo certo que, para nós, o que é o essencial, de onde não recuaremos, é a consulta, o referendo. Quanto à forma de validação, penso que é sua pergunta, exactamente, que maioria é que serve para validar ou não o referendo, aí, o PSD não tem minimamente uma posição fechada - esta proposta tem um contexto em que foi apresentada e uma lógica de apresentação que já expliquei, o processo político evoluiu entretanto e, para nós, o essencial, de facto, é a consulta e a retirada política de todos os efeitos a essa consulta, a esse referendo. Portanto, se a posição dos portugueses for não no referendo, terá de daí se retirar todas as decorrências políticas e jurídicas quanto ao processo de regionalização; quanto à forma de validação do referendo, estamos perfeitamente abertos à discussão, as coisas evoluíram, de facto, o Sr. Presidente tem toda a razão, e é por isso que aqui estamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria interpelar a mesa no seguinte sentido: creio que seria muito útil aos nossos trabalhos que a mesa fizesse distribuir e, talvez, lesse a proposta que o grupo parlamentar do PS apresentou, atinente ao regime referendário que propomos. Sei que ela, numericamente, está inserida como artigo 256.º, ou seja, o artigo seguinte; mas, uma vez que o PSD nos diz duas coisas contraditórias, por um lado, que aceita que o essencial, de onde não pode recuar, é a questão da consulta, e, por outro lado, como 99% do tempo fala da proposta de que recuou, esta conversa é muito pouco útil (pareceu-nos, nesta bancada) se não tivermos em cima da mesa a proposta em relação à qual o PSD exprimiu disponibilidade para dizer um sim - não vale a pena estar a discutir o passado, obsessivamente, vale a pena discutir o futuro, ou seja, a proposta que o PS apresentou. Assim, proponho ao Sr. Presidente que a leia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a sugestão fica feita e procurarei incumbir-me dela daqui a pouco, se estiverem de acordo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria explicar que o meu atraso se deve ao facto de não ter recebido a convocatória para a reunião desta manhã - questão que, de futuro, verei com os serviços.
Quanto a esta questão, queria acentuar, em primeiro lugar, que há uma determinada disposição - já que o Sr. Presidente referiu a revisão constitucional de 1989 - que foi proposta, na altura, mas não foi aceite (aliás, creio que foi proposta pelo PS e pelo PCP) e que era no sentido de a criação das regiões deixar de ser simultânea e passar a haver a possibilidade das chamadas regiões-piloto. Esta era uma proposta que, na época, era apresentada partindo de um princípio: é que a criação das regiões estava bloqueada e, portanto, a criação de uma região-piloto poderia ser um
Página 42
factor no sentido de desbloquear a criação das regiões administrativas. A questão que se coloca é se o conjunto de propostas que aqui estão não correspondem a uma nova perspectiva de bloqueio. Naturalmente que, quando, da nossa parte, não apresentámos qualquer proposta de alteração do regime jurídico nesta matéria, foi partindo do princípio de que haveria uma vontade política, da mesma forma que há um compromisso eleitoral, de instituir rapidamente as regiões administrativas.
A questão, infelizmente, começa a colocar-se noutros termos. Não estou a referir a proposta do PSD de transformar as abstenções em votos contra, porque, sem dúvida nenhuma, constitui um grito de alma que, eventualmente, algumas pessoas do PSD não perfilharão. É evidente que, quando o regime fascista queria a aprovação da Constituição de 1933, tomava as abstenções como voto favorável; agora, quando o PSD quer a não consagração das regiões, toma as abstenções como votos contra. Não me refiro a isso, refiro-me a um complexo processo que tem vindo a ser estabelecido em toda esta questão e que coloca perspectivas complicadas ao cumprimento desta norma constitucional.
Dizendo isto, a primeira questão que queria referir, explicitamente, é o problema de o referendo ser feito na fase do decreto ou na fase da lei já publicada. Creio que, de qualquer modo, há um problema que está irrecusavelmente colocado do ponto de vista prático; pode não estar colocado do ponto de vista formal, na medida em que se afirma que o referendo é apenas na fase da instituição em concreto, mas está colocado do ponto de vista prático: é um problema de conflitos de legitimidade. Isto é, a Assembleia da República vai aprovar uma lei e esta lei, depois de promulgada e publicada, vai ficar dependente de um voto que pode ser altamente favorável nalgumas regiões, que pode ser tangencialmente desfavorável no conjunto do País, incluindo os Açores e a Madeira, e do qual pode resultar um voto popular contrário a uma lei da Assembleia da República, promulgada pelo Presidente da República. Sobre este aspecto, eu tenderia a dizer que referendar na fase de decreto corresponderia, pelo menos, a poupar o Presidente da República a promulgar uma lei que, eventualmente, não teria aplicação tão cedo.
Há aqui um factor que tem de ser ponderado que é a questão de, apesar de tudo, ser diferente referendar uma lei de criação, sendo mau, ou referendar um decreto da Assembleia da República. Apesar de tudo, a lei de criação terá entrado na ordem jurídica, embora ficando a planar nas alturas, à espera de, qualquer dia, poder descer à terra, enquanto que, naturalmente, o decreto não chega a ser promulgado pelo Presidente da República. Qualquer destas situações levanta um problema que é o facto de matéria que está inscrita na Constituição, matéria que o PS já afirmou claramente que se recusa a retirar da Constituição e a transformar numa mera faculdade, ficar dependente de referendo. Este aspecto levanta, naturalmente, a questão que, para nós, é preocupante por constituir um precedente referendar matéria constitucional.
Naturalmente que se poderá dizer que o mesmo se passava com os referendos orgânicos; de facto, assim é - isto é parcialmente verdadeiro. Simplesmente, nos referendos orgânicos, havia sete, oito, nove referendos, consoante as regiões previstas na lei de criação, pelo que daqui poderia resultar que, numa ou outra região, a instituição não era imediata. Nos termos da Lei n.º 56/91, da lei-quadro, havia uma consulta um ano depois. Neste caso, o que é que há, exactamente? Há também uma consulta um ano depois, há uma espera apenas de um ano depois? Recordo que o Prof. Gomes Canotilho, em 1984, já apontava a inconstitucionalidade por omissão de não haver regiões administrativas. Vai prolongar-se uma situação deste tipo, que não é em duas ou três regiões, a título de regionalização parcial do País, portanto, de espera para poder amadurecer as condições em que vão ser regiões. É a própria regionalização que não é, efectivamente, garantida, que fica adiada e fica adiada com mecanismos que não são, de todo em todo, conhecidos. No caso dos referendos orgânicos ou indirectos, era claramente conhecido o mecanismo: havia, na altura, uma consulta às Assembleias Municipais prevista, consulta esta que seria procedente e favorável para muitas delas e, para as que não fosse, haveria nova consulta um ano depois. No fundamental, as questões estavam garantidas. Agora, aquilo que sabemos é que, por exemplo, se houver uma situação em que o litoral impeça o interior e o Algarve de ser região, ou outra coisa qualquer, ninguém terá a sua região no País.
Ligado com esta questão está um problema - um problema que, na minha óptica, não é igualmente um problema menor e que é o seguinte: é que o mecanismo dos referendos orgânicos permitia algo que é bastante importante num país como Portugal, que é levar a que, por exemplo, a Assembleia Municipal não apenas pudesse dizer "eu estou de acordo com a área de partida, com a área que a Assembleia da República propõe", mas pudesse dizer igualmente "eu quero outra região diferente da que foi aprovada", ou então dizer "eu quero mudar para uma região diferente da área de partida em que me inseriram". Todos sabem que as áreas dos distritos, actualmente, são arbitrárias; todos sabem que os municípios da Beira Douro podem querer mudar de região, que os municípios do norte do distrito de Leiria podem querer igualmente mudar de região, que os municípios de parte do distrito de Santarém podem igualmente ter as suas opções nesta matéria, etc. Esta oportunidade deve ser dada. Os próprios contornos da Área Metropolitana de Lisboa, supondo que vai haver uma Área Metropolitana de Lisboa, podem igualmente alterar-se se for dada a municípios como Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço, Arruda, Alenquer, a possibilidade de dizerem o que é que pretendem nesta matéria. O problema que está colocado em cima da mesa é, dentro deste mecanismo de referendo directo, qual é o papel exacto das Assembleias Municipais. Naturalmente que se pode dizer que, nesta fase de consulta, podem pronunciar-se mas, em todo o caso, é uma forma menos importante de se pronunciarem e é uma forma que, neste momento, não está clara e expressamente garantida. Daí que se coloque esta questão: quer nos referendos nacionais, quer nos referendos regionais, é importante prevenir (tendo nós a opinião que temos, designadamente acerca do referendo nacional) formas de intervenção das assembleias municipais de modo a acautelar este tipo de situação.
Nesta matéria, queria sublinhar o facto de, quer a proposta inicial do PS, quer do Deputado Pedro Passos Coelho, adiantarem propostas de referendos regionais, de substituição dos referendos orgânicos por referendos regionais; curiosamente, o somatório dos referendos regionais no mesmo dia daria leituras nacionais.
Parece-me evidente que a realização desse conjunto de referendos regionais não impediria zonas menos povoadas
Página 43
- as do interior do país e do Algarve em particular - de serem regiões no caso de terem vontade nesse sentido. E o referendo regional tinha uma característica: havendo naturalmente observações que lhe podem ser feitas, tem um conteúdo descentralizador. Ou seja, perguntar à comunidade algarvia, à comunidade transmontana, ou a qualquer outra comunidade definida pela Assembleia da República, se queriam ou não imediatamente constituir-se em região administrativa. E, no caso dessa comunidade querer, não é impedida de se constituir em região administrativa por outras áreas do país mais povoadas. Portanto, o sentido é claramente descentralizador.
Pelo contrário, podemos dizer que o referendo nacional, quer seja simultâneo ou não, tem um sentido centralizador, ou seja, é o país no seu conjunto, incluindo Açores e Madeira, que diz a determinadas comunidades que eventualmente podem ter uma vontade regionalizadora muito forte: "Vocês não são região administrativa ainda que queiram". Este aspecto, creio eu, é irrecusável e daí que possa compreender o referendo nacional na óptica de quem não quer regiões administrativas. Tenho muita dificuldade em compreender, na sequência da gritaria do PP e do PSD, que o PS tenha abandonado a proposta de, primeiro, fazer a regionalização sem rever a Constituição da República Portuguesa, em segundo lugar, tenha passado para a proposta de referendos regionais e, em terceiro, tenha adoptado a proposta do referendo nacional.
Este aspecto é irrecusável, da mesma forma que é irrecusável um outro conflito que se pode potencialmente verificar quer haja um referendo nacional e referendos regionais separados, no caso da votação no referendo nacional ser favorável, quer a votação seja simultânea: é a potencialidade dum conflito entre a votação nacional desfavorável e votações regionais favoráveis e até altamente favoráveis. É um pouco como se houvesse um referendo nacional a perguntar se os Açores e a Madeira devem ser autónomos político-administrativamente. E se o referendo nacional, por hipótese, dissesse "não"? Que problema político é que criaríamos? Naturalmente, que era um problema político muito grave, nem quero pensar nele!
Creio que, de algum modo, estamos alegremente a caminhar para uma possibilidade que pode não vir a ser substancialmente diferente dessa que referi.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se estiverem de acordo, procurarei regular as intervenções para um período máximo de 10 minutos no sentido de dinamizarmos os nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, duas questões. O Sr. Deputado teve oportunidade, na sua intervenção, de fazer alusão ao facto de haver constitucionalistas que têm considerado e já consideram de algum tempo a esta parte, como passível de ser considerado como inconstitucionalidade por omissão o facto de até hoje se não ter concretizado a regionalização do país. Mas o Sr. Deputado sabe também que o Partido Social Democrata tem nesta revisão constitucional uma proposta em relação à inconstitucionalidade por omissão, e justamente nós acabamos com as inconstitucionalidades por omissão.
Assim, mesmo que não adira, como parece não aderir, a esta nossa posição em relação à inconstitucionalidade por omissão e sabendo também que o Partido Social Democrata defende o referendo, ou melhor, defende o duplo referendo em relação à matéria da regionalização (um referendo nacional e um referendo regional), entende que continua a haver lugar à argumentação no sentido da eventual inconstitucionalidade por omissão numa matéria destas quando há lugar a referendo e quando a instituição em concreto das regiões só pode ser possível nos termos daquilo que propomos através do mecanismo do referendo?
A segunda questão é a seguinte. V. Ex.ª falou sobre a questão da proposta que o PSD faz sobre o referendo nacional para esta matéria da regionalização e argumentou novamente com a questão da Constituição de 1933 e de considerarmos nesta nossa proposta que os votos da abstenção seriam considerados como votos negativos e eu queria clarificar a questão.
Pode, de facto, a leitura e a redacção desta parte do artigo não estar suficientemente esclarecida nem ser suficientemente esclarecedora, mas quero aqui dizer-lhe que a intenção do PSD, aliás, várias vezes proclamada em outras tantas ocasiões, sempre foi a de que a natureza vinculativa do referendo só operava quando mais de metade dos eleitores votassem nesse referendo nacional, que é uma coisa ligeiramente diferente, substancialmente diferente daquela que eventualmente pode ser lida neste projecto de lei do PSD. Por isso, sendo embora possível fazer a interpretação que o Sr. Deputado agora fez e o Sr. Deputado Jorge Lacão também anteriormente havia feito, relativamente à redacção deste artigo, de facto, a intenção do PSD, como na altura da discussão e apresentação do projecto de lei ficou bem claro, era essa. Ou seja, que a natureza vinculativa só operava quando, e se, a maioria dos cidadãos recenseados votassem nesse referendo nacional em relação a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Também se inscreveram para perguntas ao Sr. Deputado Luís Sá os Srs. Deputados José Magalhães e Alberto Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, acompanhei muito cuidadosamente a sua intervenção mas não creio que tenha primado pela clareza. Tanto quanto percebi, no seu entender, o mecanismo velho era o melhor e, portanto, não se devia mexer em nada, não se devia alterar a Constituição da República Portuguesa em nada, quanto ao processo de instituição em concreto das regiões. Todavia, os argumentos que aduziu nesse sentido não são, na leitura que sou capaz de fazer deles, suficientemente bons para demonstrar a sua tese, ou seja, de que o sistema anterior era ou é o melhor porque há vantagens consideráveis num novo sistema que é o sistema que está agora em gestação e em discussão e que evita as principais coisas que o Sr. Deputado disse prezar e que conquista algumas das coisas que, seguramente, o Sr. Deputado não desprezará.
O facto de se fazer regionalização precedida de revisão constitucional que viabilize consultas populares dá um significado e uma legitimidade constitucional redobrada ou triplicada ao processo. O facto de isso ser feito num contexto de maioria alargada, como tem que ser, com o voto de V. Ex.ª, com o voto do PSD, com o voto do PP, com o voto do PS naturalmente, é alguma coisa de muito importante e que formalizaria um verdadeiro consenso alargado numa questão em que importa que ele exista. E suponho que não é pouco importante para V. Ex.ª porque
Página 44
para nós é muito importante, ou seja, esse suplemento é interessante, não é uma coisa que se possa desprezar.
Em segundo lugar, consultas nacionais e regionais, chuva de consultas. Bom, mas qual é o que resulta de negativo de os cidadãos serem chamados multiplamente e de forma polimórfica a dizerem sim. É essa atitude de confiança à criação das regiões autónomas que nós temos. Porquê ter medo, ou exibir, como pode decorrer de uma certa leitura do que disse, de coisas terríveis e tenebrosas acerca das quais V. Ex.ª disse que nem queria pensar? Não, nós queremos pensar e foi por termos pensado cuidadosamente que temos uma proposta que, aliás, será dentro em breve apresentada. Essa nossa proposta evita tudo o que V.Ex.ª suspeitou como perigos horríveis e apocalípticos; a proposta do PS concilia democracia representativa e participativa, permite evitar um conflito que usurpe legitimidades mas dá ao povo a última palavra, como sempre acontecerá cada vez que o povo falar, em Portugal ou noutra democracia qualquer.
Em terceiro lugar, gostava de o alertar para o mal fundado do argumento que utilizou quanto à inconstitucionalidade por omissão. A matéria inscrita na Constituição da República Portuguesa, disse V.Ex.ª, ficava sujeita a voto o mesmo se passava com o referendo orgânico no texto vigente. E diz ainda "mas numa ou outra região podia haver um "não", nas outras haveria um "sim" e, portanto, a chuva de "sim" anularia o "não" eventualmente discrepante". Mas quem é que lhe disse que seria assim no cenário apocalíptico em que se colocou? Portanto, a questão do ponto de vista jurídico-formal está mal colocada.
Em quarto lugar, quando alude à inconstitucionalidade por omissão, a Constituição da República Portuguesa, na solução actual, determina a cessação da inconstitucionalidade por omissão mal é aprovada a lei de instituição abstracta. E, como sabe, o Tribunal Constitucional até tem uma tese distinta, mal seja apresentada uma iniciativa legislativa e encetado um processo de elaboração de uma lei não há inconstitucionalidade por omissão; o tribunal é pouco exigente nessa matéria. Todavia, não há inconstitucionalidade por omissão de certeza quando feita a criação abstracta das regiões alguma região diga que não quer ser região. Nesse caso há recusa, já havia no sistema actual, e haverá no sistema futuro.
A última observação, Sr. Presidente, é a que não é legítimo dizer que o referendo orgânico permitia uma contribuição positiva das assembleias municipais e o actual sistema de referendo directo não permite. Porque é possível inventário o legislador deve fazê-lo no terreno da lei ordinária e através de sistemas segundo os quais as assembleias municipais sejam chamadas a consultar e a contribuir positivamente para qualquer crítica que tenham à delimitação ou a qualquer outro aspecto.
Quanto ao facto de o povo ser soberano, Sr. Deputado, é de facto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, apenas duas ou três considerações e um pedido de esclarecimento.
A primeira é uma ideia em que V. Ex.ª sempre insiste, mas que considero desajustada e que é a de que a estrutura constitucional das regiões na Constituição da República Portuguesa seja subvertida com as iniciativas legislativas, designadamente, apresentadas pelo Partido Socialista. Porém, a estrutura constitucional da regionalização na Constituição da República Portuguesa é intocada nos nossos projectos e nas nossas propostas.
A segunda questão e retomava a colocada pelo meu colega José Magalhães, é a seguinte. A sua proposta e a sua ideia sobre esta matéria parece-me ser excessivamente fixista, isto é, está tudo bem. E a questão que se coloca é: referendo nacional, sim ou não? O Sr. Deputado é contra o referendo nacional? Deve deixar isso claro. Referendo regional, sim ou não à consulta popular de todos os cidadãos da área da circunscrição regional ou prefere, a esse referendo de participação de todos os portugueses, um referendo simplesmente orgânico? Sim ou não a esta solução?
Quanto ao aspecto, a que aludiu, da condição suspensiva para a entrada em vigor da lei, essa ideia de a lei ficar "em banho Maria" na decorrência de uma certa forma de expressão da vontade popular já acontecia na solução do seu referendo orgânico pelo que não há nada de novo neste domínio.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Srs. Deputados: Agradeço as vossas perguntas. Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, resolver os problemas de inconstitucionalidade por omissão acabando com elas é uma grande inovação teórica, é uma grande inovação em direito constitucional, mas também é liquidar qualquer sentido dirigente e qualquer sentido verdadeiramente constitutivo duma Constituição.
É evidente que posso ouvir, por exemplo, o Sr. Deputado Pacheco Pereira e outros Srs. Deputados, dizer que uma Constituição deve ser meramente procedimental, mas não penso isso. Julgo que as Constituições não são do século XIX e, como tal, devem registar os direitos políticos, económicos, sociais e culturais dos povos, devem registar os objectivos de uma sociedade, tendo em conta a pluralidade de ocupantes do poder político, mas tendo em conta também balizas fundamentais que permitam que neste plano não haja uma regressão na História e que grandes conquistas democráticas possam voltar para trás. Nesse sentido creio que é um pouco como curar o bebé matando-o para que não fique doente.
Quanto ao problema das abstenções serem contadas como votos negativos, naturalmente conheço essa orientação por parte do PSD, mas creio que isto era um pouco como se nós, em relação aos Deputados, contássemos com os votos abstencionistas e impuséssemos que um determinado governo tivesse uma situação em que as abstenções fossem avaliadas para efeitos de se verificar se tinha ou não a maioria. Os cidadãos têm que ter a liberdade de voto, se não vão votar é com eles e não se arranja este conflito de legitimidades, que, aliás, seria politicamente complicado: por exemplo, haver uma maioria, ela ficar à beira de metade mais um dos cidadãos eleitores e não ser contada por faltar um "bocadinho" de pessoas que se abstiveram, pessoas que estão longe da política e querem estar. Creio que é de todo em todo descabido.
Página 45
Portanto, a proposta do PSD não faz efectivamente sentido, nem faz a proposta relativa à inconstitucionalidade por omissão nem faz a proposta relativa a contar as abstenções, na prática, como voto contra.
Sr. Deputado José Magalhães, o mecanismo velho que referiu é um mecanismo com poucos anos, como aliás o Sr. Presidente referiu em pormenor, foi revisto extensamente em 1989, todos os Deputados então apresentaram as suas propostas. Creio até que houve uma proposta relevante, a de pôr termo à simultaneidade, que não foi tida em conta. Era do meu partido e também do seu. Baseava-se na ideia de que o PSD tinha bloqueado este processo e que esta era a melhor forma de instituir regiões num sítio e, portanto, desbloquear o processo, designadamente, naquele ou naqueles sítios onde o problema das áreas estivesse claramente definido, onde a vontade fosse claramente determinada e inequívoca.
Fora esta questão, todas as outras e é curioso que a questão da simultaneidade não é agora colocada em causa por nenhum partido...
O Sr. José Magalhães (PS): - É colocada pelo projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu disse, nenhum partido. E o Sr. Deputado Cláudio Monteiro não é nenhum partido, o seu projecto tem o mesmo valor do de um partido, mas, com todo o respeito, o Sr. Deputado não é um partido. E, designadamente, os partidos que colocaram esta questão em 1989 não a colocam agora. E não a colocam agora porquê? Porque partiram do princípio de que havia condições políticas para avançar rapidamente com o processo de regionalização. Naturalmente que até poderiam rever a posição em face de eventuais desenvolvimentos de toda esta questão, mas não colocaram esta questão. Aliás, tenho participado num conjunto de debates em que me têm perguntado: Mas porquê abandonar a ideia da região piloto? E a resposta, naturalmente, é: Bom, porque isto agora parece que vai andar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Vai.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Veremos!
Portanto, o problema colocado nesta matéria é o de saber se no caso de haver um "não" existe ou não inconstitucionalidade por omissão. Diz-me o Sr. Deputado que o Tribunal Constitucional é muito pouco exigente nessa matéria, não tenho que ser tão pouco exigente como esse tribunal (de resto duvido muito da doutrina que triunfa no Tribunal Constitucional nesta matéria), mas em todo o caso parece-me evidente que o efeito prático de não aplicar uma lei promulgada e publicada é o mesmo duma inconstitucionalidade por omissão em situações em que não há lei. Isto é, o facto de ter sido aprovada por unanimidade na Assembleia da República a Lei n.º 56/91, a Lei Quadro das Regiões Administrativas, não significa, na minha óptica, que tenha deixado de haver inconstitucionalidade por omissão nesta parte.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não era exactamente isso que acontecia no cenário actual de referendo orgânico? Pode dar-se uma situação de haver uma lei...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu ia chegar aí.
O Sr. José Magalhães (PS): - ...e haver uma região que diz: "não, nós discordamos da delimitação geográfica". Nesse caso, V. Ex.ª consideraria que nessas circunstâncias haveria uma inconstitucionalidade por omissão?! Por favor, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, não disse que aí havia inconstitucionalidade por omissão, eu digo o contrário. Se me tivesse deixado completar, provavelmente ficava claro. É que nesta situação que está prevista há um conjunto de assembleias municipais que dizem imediatamente "sim, queremos esta região" e há outras que dizem que não, mas há mecanismos previstos na lei para uma nova consulta um ano depois e até havia propostas no sentido de tornar esta consulta ainda mais próxima. Portanto, este facto estava garantido...
O Sr. José Magalhães (PS): - Vai estar.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Acho extremamente interessante o Sr. Deputado dizer que vai estar. Vai haver um referendo de seis em seis meses até o povo português dizer sim? É esta a ideia, é haver um referendo de seis em seis meses até o povo português dizer finalmente sim? Sr. Deputado, creio que este é um problema delicado.
Sr. Deputado Alberto Martins, o problema da ideia ser desajustada como referiu e portanto da estrutura constitucional da regionalização estar a ser subvertida com iniciativa do PS nunca foi colocado por mim nesses termos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!
O Sr. Luís Sá (PCP): - No entanto, há uma coisa que digo e que é irrecusável em todo este processo. O primeiro aspecto é que, e o Sr. Deputado concordará comigo, a ideia de proceder à regionalização independentemente da revisão constitucional está inteiramente preterida. Segundo aspecto, a proposta inicial do Partido Socialista de fazer apenas referendos regionais na própria revisão constitucional está inteiramente abandonada pois prevaleceu a ideia da Direita, como é sabido. Este é outro aspecto que é perfeitamente irrecusável. O terceiro aspecto que também é irrecusável, é que o Primeiro-Ministro e o Partido Socialista se comprometeram com calendários perante o país e esta Casa e, provavelmente, esses calendários estão prejudicados.
Estes três aspectos são perfeitamente irrecusáveis e creio que não terá dificuldade em concordar comigo.
Quanto ao referendo nacional, nesta matéria, tenho dito que este referendo do ponto de vista prático coloca o problema de poder não ser aplicada a Constituição da República Portuguesa, logo, do ponto de vista material, é um referendo de substância constitucional. Naturalmente, numa situação deste tipo, como compreenderá, não podemos estar de acordo.
Segundo, coloca os problemas políticos que referi e, designadamente, o problema de um conflito de legitimidades, entre a legitimidade representativa e a popular. Isto não preocupa o Sr. Deputado mas preocupa-me a mim e não é por acaso que no regime do artigo 118.º estava previsto que não houvesse referendos de leis da Assembleia da República, o que tinha uma finalidade que
Página 46
era não desautorizar, com voto contraditório, a Assembleia da República perante a respectiva população.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Permitam-me, Sr. Presidente e Sr. Deputado.
V. Ex.ª vai participar num referendo nacional da Direita e num referendo sobre matéria constitucional?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, terrorismo não vale. O Sr. Deputado sabe perfeitamente e é irrecusável, que o referendo nacional não estava no projecto de revisão do Partido Socialista, não esteve no discurso político do PS que disse, semanas a fio, que nunca cederia a isto, afirmou inclusivamente no Plenário da Assembleia da República que se a Direita não alterasse a sua posição nesta matéria avançaria para as regiões sem a revisão constitucional, com o Partido Comunista Português. Pelos vistos, mudou de posição! Creio que é irrecusável que mudou e, portanto, este referendo nacional resulta efectivamente do facto de o PS ter acabado por convergir com a Direita depois de ter dito que lhe ia fazer face e que ia divergir das posições da Direita. Este facto é absolutamente irrecusável.
Segundo aspecto: trata-se efectivamente de referendo de matéria constitucional no sentido que vai fazer depender desse referendo a aplicação de aspectos da Lei Fundamental do país mas a partir do momento em que a lei de revisão esteja aprovada, em que a lei do referendo eventualmente esteja revista, etc., naturalmente que veremos. Todavia, vamos continuar o combate que sempre travámos, esteja tranquilo sobre este aspecto.
Também me perguntou a posição do Partido Comunista Português sobre os referendos regionais. A resposta é simples e já tive oportunidade de a dar. A questão é garantir que os referendos regionais não prejudiquem o papel das assembleias municipais e a sua intervenção. Há mecanismos de garantia que assim seja, há mecanismos para garantir a convergência das duas legitimidades e tratava-se efectivamente de garantir.
Levantámos também o problema de não prejudicar o calendário e também um outro problema, já aqui discutido, de não utilizar tudo isto como pretexto para uma revisão constitucional feita de um momento para o outro e sem a necessária ponderação.
Resolvidas estas três questões a nossa posição fica clara e creio que já estava suficientemente clara.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins pede a palavra para que efeito?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, defesa da consideração da bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, para recusar em absoluto a ideia que o referendo nacional possa, nalgum momento, ser atribuível a qualquer grupo político ou ser visto como instrumento da Direita. O referendo nacional está inscrito na Constituição da República Portuguesa, é um referendo constitucional de todo o povo português e acho inaceitável que se possa dar à Direita o privilégio dessa leitura que o Sr. Deputado Luís Sá está a dar. É um referendo de todos os portugueses.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: -.Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá, para explicações.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, obviamente, que o referendo, em abstracto, não é da Direita! Nós até vimos os partidos do centro parlamentar a bramar contra o referendo do Tratado da União Europeia. Como é sabido, nessa e noutras ocasiões, o referendo foi claramente de esquerda mas estamos perante uma situação bastante particular pois não é um referendo qualquer. Queremos rever o artigo 118.º para alargar a possibilidade de referendo. No entanto, não estamos a referir um referendo qualquer, não é um referendo regional, não é um referendo sobre outra matéria qualquer, é referendo de matéria constitucional que corresponde a um objectivo estratégico da Direita repetidas vezes proclamado, como o Sr. Deputado muito bem sabe.
Portanto, o referendo nunca vai ser um instrumento de direita até porque daqui a pouco tempo os Srs. Deputados vão criar dificuldades ao âmbito do referendo do Tratado da União Europeia e somos nós que vamos defender um verdadeiro referendo e não um "referendozinho" sobre questões secundárias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, nesta minha primeira intervenção na CERC quero cumprimentar V. Ex.ª e saudar todos os Deputados de todas as bancadas que participam nestes trabalhos.
A questão que pretendo colocar, na sequência, aliás, da abordagem que vem sendo feita a esta matéria do artigo 255.º, tem uma parte prévia que é a seguinte. não nos podemos esquecer que há efectivamente neste nosso trabalho e sem prejuízo da profundidade do debate, algumas razões de celeridade que, inclusivamente, nos levaram aqui a debater na última reunião a eventualidade de termos de fazer duas revisões constitucionais, separando a matéria da regionalização e do referendo das demais. E quero recordar esta preocupação, porque tenho sentido, ao longo desta sessão, haver aqui a tentativa - talvez esta Sala se preste mais a isso do que outras salas de reunião das comissões - de transformar tudo isto num "mini-plenário", com alguma preocupação mediática, por forma a passar determinadas posições para a comunicação social, o que conduz (e registei um ponto ou outro nesse sentido) a abordagens eventualmente menos sérias de certas questões.
Uma delas tem a ver com uma matéria neste momento já ultrapassada pela abertura que o meu companheiro, Deputado Luís Marques Guedes, revelou haver por parte do PSD: a questão da exigência de uma expressão mínima relativamente ao referendo nacional para o seu carácter vinculativo, que foi também referida pelo Deputado Miguel Macedo. É óbvio que, comparar esta solução, que é profunda e preocupadamente democrática, com a da Constituição de 1933 - com a solução plebiscitária do Estado Novo -, que fez das abstenções votos favoráveis, é, efectivamente, demagogia pura e uma distorção desta situação que não podemos aceitar. Por isso, Srs. Deputados, imputar ao PSD uma atitude política nesta matéria, que
Página 47
não é a que resulta deste texto, só pode ser explicado com a tal preocupação mediática.
Ainda dentro da preocupação de clareza sobre esta questão, gostaria de dizer que foi feita pelo Sr. Presidente uma observação que me pareceu imputar ao PSD alguma incoerência de posições quanto aos referendos regionais e referendo nacional, que não estaria de acordo com o seu próprio projecto de revisão. Sinceramente, não vejo essa incoerência, bem pelo contrário, e aproveito, exactamente, para deixar claro que o projecto aponta - essa é a posição que mantemos desde sempre - para a necessidade de haver um desfasamento temporal entre o referendo nacional e os referendos regionais. Aliás, o Sr. Deputado Luís Sá acabou por arrolar alguns inconvenientes da simultaneidade desses referendos, pois é facilmente perceptível que a sua realização simultânea acarreterá prejuízo recíproco para os referendos entre si.
Fazer uma discussão em termos de um referendo nacional, em que o que está em causa é a opção da regionalização ou da não regionalização, e misturá-la com debates regionais sobre questões que têm a ver com aspectos concretos dos contornos das regiões, do facto de uma determinada população estar inserida nesta ou naquela região, é prejudicar um e outro, é introduzir no âmbito do referendo nacional questões que têm apenas um carácter regional, mas que vão, necessariamente, inquinar a forma de avaliação do referendo nacional. A questão geral da regionalização ou da não regionalização, própria do referendo nacional, colocada em simultaneidade com os referendos regionais e com as situações concretas desta ou daquela região, é também uma penetração de matérias e áreas, que nos parece politicamente desaconselhável. O esforço que se tem feito aqui no sentido da clareza, transparência e rigor de que esta matéria deve ser objecto é já bastante e seria errado que se persistisse numa ideia de simultaneidade. Esta é uma questão para nós clara.
De qualquer forma, quero saudar o entusiasmo "referendário" que aqui se notou por parte do PS. Valeu a pena este combate, que acabou por ser, em bom rigor, "um parto sem dor", o que se verifica pela forma como, com toda espontaneidade e entusiasmo, o PS, agora, se revela adepto do referendo nacional. Portanto, valeu a pena.
A minha última questão tem a ver com uma alusão, já aqui feita pelos Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães, relativa às regiões autónomas e a hipótese de se referendar agora o problema da regionalização política dos Açores e da Madeira.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não coloquei essa questão!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não colocou essa questão no sentido formal, mas trouxe à liça esse problema.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se bem percebi, ouvi o Sr. Deputado Luís Sá falar do "grande problema que seria referendar agora a questão da regionalização...".
O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, Sr. Deputado, eu não disse isso. O que eu disse foi que isso não faria qualquer sentido, mas fi-lo para demonstrar outra coisa.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que não quer dizer que não tenha falado na questão, embora revelando-se contra ela.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de deixar na acta, claramente, que nem sequer aflorei tal questão. Não aludi a ela, nem directa nem indirectamente - vazio absoluto de alusão! O Sr. Deputado Guilherme Silva traz da Madeira um conceito qualquer que não tem nada a ver com a realidade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só me congratulo com isso, Sr. Deputado, e mais uma vez se revela que vale a pena trazer aqui estas questões. Fico satisfeito em verificar que, efectivamente, parece haver um consenso generalizado no sentido de não se poderem misturar as questões da regionalização administrativa do continente com as da regionalização política já adquirida e constitucionalmente consolidada e sufragada dos Açores e da Madeira, que têm, aliás, contextos históricos completamente diferentes. Nós estamos num processo de regionalização que atravessa a sociedade portuguesa e os partidos políticos de uma forma dividida e, portanto, o referendo tem todo o sentido.
E eram estas as questões que queria colocar, chamando a atenção para a necessidade de pensarmos, efectivamente, em não frustrar a expectativa dos portugueses, que dificilmente compreenderão que, depois de todo este debate à volta do referendo nacional sobre a regionalização, não se criem as condições para que este aconteça em tempo útil e não excessivamente desfasado do próprio momento em que se conseguiu obter na Assembleia da República o consenso para que esse referendo se faça.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de reforçar aquilo que o Deputado Guilherme Silva disse no início desta sua intervenção e que o meu companheiro, Luís Marques Guedes, justamente defendeu na reunião da semana passada. É preciso, desde já e enquanto é tempo, fazer contas ao tempo que vamos demorar neste processo de revisão constitucional, por forma a que qualquer referendo - e esperemos que sejam dois referendos intervalados - relativo ao processo de regionalização venha a ter lugar dentro de um tempo politicamente útil e não a destempo daquele que era o propósito da maior parte dos partidos no que toca à regionalização.
Sabemos que o Presidente da Comissão mostrou abertura para que esta questão viesse ainda a ser ponderada e, em qualquer caso, ficou nítido já do debate aqui travado esta manhã que nós não só não podemos dispensar a leitura de intenções contidas na primeira versão dos projectos como não dispensaremos seguramente uma segunda leitura e ainda as propostas de alteração aos projectos inicialmente apresentados, o que, em trabalho de Comissão, significa que não nos chegarão algumas semanas para concluir este processo, que tem a ver com as alterações constitucionais no que respeita à regionalização, se, entretanto, tivermos
Página 48
de enfrentar alguma intervalo de veraneio nos trabalhos da Assembleia e da Comissão. Se esgotarmos os prazos que estão previstos, isso significa que não estaremos em condições de aprovar estas alterações senão no fim deste ano, princípio do próximo ano, o que remeterá sempre para o verão do próximo ano a realização de qualquer acto referendário nesta matéria.
Assim sendo, faço aqui, novamente, este sublinhado, porque entendo que há um tempo útil para nos apercebermos das consequências de arrastar um tanto mais os trabalhos da Comissão de forma a que isso venha a redundar num atraso politicamente incompreensível para a maior parte da população, como seria o atraso de apenas vir a permitir fazer o referendo sobre a regionalização daqui a um ano. Portanto, começo por lançar este apelo a todos os grupos parlamentares e ao Sr. Presidente da Comissão, no sentido de considerarem as consequências de não se tomar uma decisão sobre este processo em tempo útil.
E aproveito para acrescentar que, embora formalmente possa ser a mesma coisa, não é indiferente abrir um processo extraordinário de revisão constitucional apenas para a questão da regionalização e do referendo, deixando correr este processo ordinário de revisão constitucional ou, a contrario, terminar este processo de revisão constitucional ordinário daqui a um mês ou um mês e meio, tratando apenas da matéria da regionalização e do referendo e, só depois, fazer uma revisão extraordinária da Constituição para tudo o resto, na medida em que isso significaria, muito possivelmente, quer com a realização, em primeiro lugar, dos referendos a propósito da regionalização, quer, em segundo lugar, com os fenómenos electivos, nomeadamente das eleições autárquicas no final do próximo ano - já para não falar do referendo sobre a reforma do Tratado de Maastricht -, que o processo de revisão constitucional, agora com um carácter extraordinário, sobre tudo o resto, que é bem importante e vasto, poderia, politicamente, nunca ter condições de se concretizar nesta Legislatura, o que seria, a todos os títulos, de evitar.
Em segundo lugar, sou subscritor de um projecto que previa justamente a realização de referendos regionais no que toca à instituição em concreto das regiões. Como é sabido, o meu partido vai mais longe no seu projecto de revisão constitucional, mas não vai tão longe quanto muitas vezes se afirmou e escreveu.
Aproveito ainda esta oportunidade para convidar à leitura do projecto em causa e para dizer e reforçar que só há um partido na Assembleia da República que propôs a desconstitucionalização da regionalização, o PP, na medida em que o respectivo projecto de revisão constitucional, esse sim, propõe, pura e simplesmente, a eliminação de toda a matéria respeitante à regionalização. O PSD, justamente no artigo 255.º, mantém a referência constitucional da regionalização, sendo que, depois, mais adiante, desconstitucionaliza algumas matérias relacionadas com a regionalização, nomeadamente o que tem que ver com a composição dos órgãos, a sua forma de eleição, as suas atribuições e competências, etc., o que significa, portanto, que o PSD nunca se colocou na posição de defender a desconstitucionalização da regionalização. Esta é uma primeira conclusão que se deve extrair do que era, desde o início, a intenção do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é outra leitura!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não desconstitucionalizando a regionalização, o PSD pretendia, sobretudo, duas coisas, que parece estarmos à beira de conseguir: que todo o processo de regionalização deveria ser colocado à consulta dos portugueses em momentos diferentes, um no que respeita ao modelo, com carácter nacional, e outro no que respeita à divisão regional, com carácter regional, sendo o segundo objectivo o de remeter para a lei uma série de matérias que agora estão constitucionalizadas e que se vê redundarem em demasiada rigidez. Essa é a razão porque outros partidos, nomeadamente o PS, se propõe, em função de um certo modelo de regionalização, alterar justamente estas matérias que agora estão constitucionalizadas, o que significa, do nosso ponto de vista, que uma parte daquela que é a proposta original do PSD se pode manter, com vantagem, no sentido em que se mantém constitucionalmente a regionalização.
Veremos agora se há uma leitura mais ou menos favorável quanto ao imperativo de regionalizar - julgo que, da parte do PSD, há abertura para fazer essa discussão -, mas penso que não deveremos, pura e simplesmente, escamotear que a proposta original do PSD encerra, para discussão, boa parte daquilo que hoje temos aqui para decidir e sobre o que gostaríamos de ouvir o PS, o que tem que ver com o facto de haver ou não momentos distintos para fazer a auscultação sobre a forma referendária e, em segundo lugar, o que está no pressuposto dessa auscultação.
Assim, o PSD propõe, com toda a clareza, que a consulta nacional deve incidir sobre o modelo de regionalização administrativa, que, portanto, se desconstitucionaliza, porque se remete para a lei o que tem que ver com as atribuições, competências, financiamento e composição dos órgãos; tudo isso é remetido para a lei, quer lhe chamem "lei-quadro da regionalização" ou "lei da criação das regiões" ou qualquer outro nome - não vamos agora perder-nos com semântica, pois o que nos interessa é a substância da matéria. Esse modelo de regionalização deverá ser submetido a consulta nacional e é importante saber se, na questão que se vai colocar aos portugueses em termos nacionais, está ou não subjacente um modelo de regionalização administrativa ou um modelo de divisão regional. Portanto, é importante que, nestas reuniões, o PS, nomeadamente, vá esclarecendo o seu entendimento sobre esta matéria.
Em segundo lugar, a divisão regional a propor por lei própria da Assembleia da República deverá ser também objecto de uma consulta regional. Parece-nos que esta nossa formulação, de certo modo, vai até ao encontro das preocupações do líder do PS, do seu Secretário-Geral, que, por várias vezes, em termos públicos, afirmou que seria incompreensível, por exemplo, serem os cidadãos de Lisboa ou do Porto a dizer se deveria existir a região do Algarve, a região norte, a região de Trás-os-Montes ou a região do Minho, e, portanto, a formulação que o PSD adoptava na sua intenção original até resolve este problema, na medida em que não colocaremos um referendo nacional perguntando aos portugueses se concordam com um modelo de divisão regional e, portanto, com um conjunto de regiões, mas sim com um modelo de regionalização, o que significa que as consultas regionais seriam, em consequência, mais lógicas e levantariam, depois, menos problemas de conformidade legal, na medida em que os portugueses seriam chamados,
Página 49
numa segunda ocasião, a pronunciar-se cada qual a propósito da sua região e não todos sobre as regiões terceiras.
Em terceiro lugar e para finalizar, gostaria de colocar algumas questões avulsas. E a primeira é a seguinte: deve-se ou não substituir, com prejuízo da auscultação indirecta das assembleias municipais, este designado referendo orgânico pelo referendo regional? Nós entendemos que sim, desde o início, mas isso não significa, Deputado Luís Sá, que a Assembleia da República, durante o processo legislativo, não encontre forma, como, pelos vistos, está em vias de encontrar, de facultar-se a si própria a auscultação das assembleias municipais, por forma a que, nos projectos de divisão territorial, não possam ser incorporadas benfeitorias que respeitem não apenas à decisão sobre se aquela região está conforme ou não ao desejo das assembleias municipais, mas também à de, eventualmente, se virem a constituir regiões diferentes. Assim, durante todo o processo legislativo na Assembleia da República, esta deve procurar esse consenso alargado, que já não respeita aos partidos políticos, mas aos representantes eleitos do povo em termos locais.
Quanto à questão da região-piloto, em primeiro lugar, não é líquido que o actual texto constitucional não permita a criação de regiões-piloto, porque, distinguindo a criação legal em simultâneo da instituição em concreto, em tempo diferente e até diferenciado, é sempre possível existir uma região-piloto. Agora, se se entende por região-piloto uma região à experiência, para saber se se deve ou não fazer a regionalização, vindo de um partido que, como o PCP, faz gala em não mexer na questão da regionalização, o mínimo que se pode concluir é que há pouca convicção na pretensão regionalista. É que, então, não é preciso pôr à experiência; o que é preciso é encarar a regionalização como um processo dinâmico, gradativo e evolutivo, mas não à experiência, no sentido de se fazer uma região-piloto por duvidar que o modelo possa funcionar.
Finalmente, sobre as condições do referendo, o meu companheiro Miguel Macedo já falou e quanto a saber se o referendo deve ou não transformar-se num referendo vinculativo, é evidente que a intenção do PSD aqui era a de acautelar a maior legitimidade possível a um referendo sobre esta matéria. Julgo que esse esclarecimento já foi aqui prestado e que, agora, seria útil podermos ter conhecimento da posição do PS - e volto a sublinhar -, na medida em que julgamos que a intenção inicial do PSD, no seu projecto de revisão, contemplava já, não sei se consciente se inconscientemente, vários dos problemas subsequentes que entretanto foram aparecendo e que podem representar um benefício maior para o futuro texto constitucional do que aquele que está consagrado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, faria duas perguntas e duas observações.
Quanto à questão de desconstitucionalizar a obrigatoriedade ou não, aquilo que se pode entender por esta expressão é deixar de ser obrigatório o que o é e pergunto ao Sr. Deputado o que é que entende pela expressão do n.º 1 do artigo 251.º do projecto do PSD, que estabelece que "a lei pode prever formas de regionalização". É que, se diz que pode, também se quer dizer que não pode e o que qualquer cidadão comum depreende é que isto significa deixar de ser obrigatório e passar a ser facultativo, pelo que, creio, esta questão é relativamente incontornável - mas o Sr. Deputado iluminará certamente o meu espírito.
A outra questão que gostaria de lhe colocar era a seguinte: neste mesmo n.º 1 do artigo 251.º, o PSD propõe "formas de regionalização administrativa no continente, a partir dos municípios e das respectivas associações ou federações". Assim, gostaria de saber se isto significa ou não apontar para que, em vez de ser realizada uma eleição directa pelas respectivas populações, se realize uma eleição por colégio constituído pelos representantes dos municípios e associações dos municípios. Se não for assim, naturalmente que ficarei satisfeito, mas a expressão que aqui aparece aponta claramente no sentido de que não haveria eleições directas, envolvendo a população no seu conjunto, mas apenas um colégio eleitoral para eleição indirecta, o que não deixaria de ser muito significativo, vindo da parte de quem tantos apelos faz à participação popular por via referendária e parece que esquece outras formas de participação. Como o Sr. Deputado não tem isto no seu projecto, se calhar, está contra - espero bem que sim -, da mesma forma que, se calhar, prefere os referendos regionais ao nacional, também espero que sim, mas aí, certamente, iluminará também o meu espírito.
Quanto ao problema da consulta às assembleias municipais, entendo que, aprovados na generalidade os projectos de lei de criação das regiões administrativas e no quadro que está criado, as assembleias municipais se deveriam pronunciar desde já sobre a região em que pretendem ficar, até porque, quanto a isso, os três projectos aprovados têm semelhanças bastante significativas e, portanto, era possível fazê-lo.
Agora, há algo que é incontornável, a não ser que sejam estabelecidos três referendos: anteriormente, o referendo indirecto era vinculativo e agora em princípio não é. Este facto é incontornável, a não ser que, como disse, haja um referendo indirecto, um referendo nacional directo e um referendo regional directo.
Sobre a região-piloto, gostaria de dizer apenas o seguinte: é óbvio para toda a gente que, em concreto, a Constituição Portuguesa sempre permitiu uma regionalização parcial do continente - isto não merece qualquer dúvida -, agora, uma coisa é a lei de criação das regiões ter de aprovar todas as regiões ao mesmo tempo e outra coisa diferente é permitir, perante um processo bloqueado, que seja criada, por exemplo, a região do Algarve ou a região da Beira Litoral, com capital em Viseu - que o Sr. Deputado José Junqueiro gostaria muito se houvesse maioria para isso -, etc. É uma situação que é incontornavelmente diferente e que está ligada ao último problema que quero referir: por que é que nós adiantámos a proposta de não alterar a Constituição neste quadro? Ela já tinha sido revista em 1989, aparentemente tinha havido já um consenso bastante grande em torno do seu conteúdo e do seu articulado que se projectou na aprovação da lei-quadro n.º 56/91, o PS tinha declarado que iria rever a Constituição com os outros partidos e que iria regionalizar, procurando o maior consenso possível, mas aberto ao entendimento...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, está na fase das perguntas.
Página 50
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estou a dar um esclarecimento sobre uma coisa que foi dita.
Ora, como estava a dizer, numa situação deste tipo, entende-se perfeitamente que não quiséssemos criar dificuldades adicionais a um calendário que, como é sabido, já demorou 20 anos. Ou seja: há 20 anos que as regiões estão previstas e há 20 anos que não são instituídas. Isto não significa que seja tudo perfeito, mas que achámos prioritário, neste momento, criar as regiões administrativas. Houve outros partidos que tiveram outro entendimento, mas naturalmente que ficarão com ele e nós ficamos com o nosso.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, quanto à questão da obrigatoriedade constitucional para a regionalização, julgo que, na minha intervenção, fiz referência à abertura que, na minha susceptibilidade subjectiva, o PSD demonstrou para se encontrar no texto constitucional uma forma mais feliz de, referindo a regionalização, esta ficar com um carácter mais vinculativo. Isso dependerá naturalmente da forma como todo este processo se encaminhar e de que como se concluir, mas, dado que manifestámos abertura para ele, não ficaria bem, nem seria compreensível, que o PSD estivesse aqui a fechar esta questão. Mas, em qualquer caso, a verdade é que a Constituição não deixa de prever fórmulas que depois a lei deverá consubstanciar e o que leio hoje no actual artigo 255.º não é um artigo imperativo e a Constituição prevê essa regionalização.
Julgo que estamos já dentro dessa discussão, admitindo que a regionalização se vai fazer, simplesmente, há aqui um elemento novo importante: é que a forma como ela se deve fazer depende da vontade do povo português, após a consulta referendária. Creio que já isto não é questionado, nomeadamente pelo PS. Portanto, sobre essa matéria, entendo que não adiantava muito, em termos construtivos, estarmos agora a perder tempo com a letra exacta do que está na Constituição e daquilo que são os projectos de alteração, mas com a forma como haveremos de prever a sua execução.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, é que, se um referendo nacional for negativo, no projecto do PS, isso significa que o Estado português está obrigado, num prazo à vista, a fazer um segundo referendo; no vosso, não está obrigado a fazê-lo nunca mais e depende da discricionariedade de qualquer governo ou de qualquer maioria colocar ou não esta questão a referendo. Está a perceber que há uma diferença profunda?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Deputado, eu compreendo o seu ponto de vista, mas, desde 1976, que a Constituição aponta para este objectivo de regionalizar o continente e, no entanto, essa regionalização ainda não foi feita, não obstante praticamente todos os partidos terem já assumido responsabilidades de governo. E para este efeito não só não se fez nenhum referendo nacional, como também não foi feita qualquer consulta indirecta às assembleias municipais.
Relativamente ao carácter vinculativo ou não vinculativo da consulta indirecta, com certeza que, havendo uma consulta directa, que pode ter carácter vinculativo, tem com certeza menos importância a consulta indirecta que vai ser efectuada, o que não quer dizer que se deva dispensar. Acho que é necessária e importante, mas com certeza que não pode querer sobrepor o carácter vinculativo de uma consulta indirecta ao carácter vinculativo de uma consulta directa. Portanto, a questão não faz sentido.
Quanto ao que está na intenção do PSD para as formas de eleição dos órgãos, presumo que a sua leitura foi, de facto, abusiva, pois não creio que exista no PSD qualquer intenção de criar, depois sob a forma de lei, uma fórmula completamente indirecta de eleição de todos os novos titulares de órgãos regionais. Com certeza que isso não está na intenção do PSD.
Para finalizar, sou de facto subscritor de um projecto que, como disse no início, defende as consultas regionais, mas o meu partido vai mais longe do que a minha proposta nesse projecto. No entanto, não me coloco fora do objectivo que o PSD estabeleceu e que hoje representa um grande consenso na Assembleia da República.
Sr. Deputado, quem sou eu para dizer que me coloco de fora desse amplo consenso que está a estabelecer-se em volta dessa matéria. Merece-me mais concordância a sua preocupação quanto à possibilidade de se referendarem leis relativas a órgãos de soberania - aí, sim, tenho a mesma preocupação que o Sr. Deputado. Em meu entender, a Assembleia da República deveria encontrar, quer na lei do referendo quer constitucionalmente, uma fórmula que não deixasse dúvidas quanto àquilo que se está a referendar e, de certa maneira, fica mal a um órgão de soberania colocar a referendo decisões que tomou. Por isso é que, nomeadamente em matéria internacional, por exemplo, eu propunha justamente que o referendo a realizar fosse prévio a qualquer decisão de órgãos de soberania ou, naturalmente, sobre as questões essenciais que estão à mão dos órgãos de soberania decidir ou não.
Ora, a propósito da regionalização, julgo que deveria haver também esse cuidado e, até por isso, aproveito para reforçar a intenção de que o referendo nacional a realizar sobre a regionalização não permita um coibir constitucionalmente justamente a esse propósito. Se houver uma recusa de um certo modelo, a Assembleia da República pode propor aos portugueses a decisão sobre um modelo distinto, mas, se, eventualmente, se tratarem simplesmente de modelos regionais, aí já não estamos a falar de um certo modelo de regionalização, mas de uma certa divisão regional e, nesse caso, temos o mesmo problema que teríamos com as assembleias municipais. Eventualmente, a Assembleia da República é que não terá as mesmas formas de "pressão" - passo a expressão infeliz -, de condicionamento, sobre o eleitorado em geral que poderia ter sobre as assembleias municipais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é a minha altura de intervir e faço-o obviamente não como Presidente, mas como membro do Grupo Parlamentar do PS.
Assim, gostaria de estabelecer duas partes na minha intervenção: a primeira é relativa à apreciação substantiva daquele que é o significado essencial da proposta do PSD relativamente ao artigo 255.º e a segunda para apresentar o ponto de vista e a proposta do PS para superar, em sede de artigo 256.º, toda a matéria relativamente à qual temos estamos centrados neste debate.
Sobre a proposta do PSD, tive ocasião de lembrar que, aquando da revisão constitucional ordinária de 1989, houve de facto um esforço significativo de convergência entre os
Página 51
partidos que conferiram maioria a esse processo de revisão constitucional, não, obviamente, para retirar qualquer legitimidade aos pontos de vista a sustentar nesta revisão constitucional, mas para exprimir a circunstância de que aqueles que possam manter no essencial uma posição de adesão à formulação encontrada na revisão constitucional de 1989 não podem, quanto a isso, ser assacados de incoerência, uma vez que estão a defender, em convicção, uma opção constitucional para a qual, construtivamente, cooperaram e em nome da qual se apresentaram aos eleitores, tendo ganho as eleições legislativas recentes. Agora, obviamente que isto não é impeditivo de que se possam introduzir melhorias no instituto da regionalização, designadamente quanto à possibilidade da sua concretização com fórmulas de participação democrática alargada.
Dito isto, quero sublinhar que, em meu entendimento, há de facto um aspecto incontornável na proposta do PSD, que optou, inequivocamente, por desconstitucionalizar a obrigatoriedade da regionalização. E se subsistisse alguma dúvida, nós retira-la-íamos na proposta que o PSD fez para o artigo 238.º da Constituição. Ainda não abordámos esse artigo, porque está em fase antecedente àqueles que, neste momento, estamos a apreciar, mas importa recordar o seu conteúdo. O artigo 238.º da Constituição actual prescreve que, no continente, as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Todavia, o PSD, no seu projecto de revisão constitucional, propõe que as autarquias são - e apenas: as freguesias e os municípios. Ou seja, manifestamente, o PSD, na estrutura das autarquias locais, retira a região administrativa em sede constitucional. E, naturalmente, isto tem um nome: desconstitucionalizar a obrigatoriedade ou significado da região administrativa na estrutura do poder local, tal como a Constituição o concebe.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A partir deste pressuposto, naturalmente que se compreende que o PSD tivesse de reformular o alcance do artigo 255.º, por forma a permitir que, por opção voluntária do legislador ordinário, houvesse ou não uma estrutura de administração regional na estrutura administrativa portuguesa.
Clarificado este ponto, importa todavia sublinhar o seguinte: na verdade, quando o PSD visa desconstitucionalizar a obrigatoriedade da região administrativa, fá-lo no momento em que anunciou ao país que passava a ser politicamente contra as regiões administrativas. Não percamos de vista esta coincidência no tempo entre uma declaração política e a apresentação de um projecto de revisão constitucional, que teve lugar na legislatura passada, mas que, nesta matéria, como todos sabemos, se manteve intacto. É por isso que tem sentido a fórmula que o PSD apresentou para o referendo nacional à possibilidade de uma lei de regiões. E tem sentido, porque, para um partido que se tinha declarado contrário à regionalização e que retirava a região administrativa da estrutura do poder local em Portugal, tinha toda a lógica que a participação nos referendos tivesse a consequência inevitável de só ser validada no caso de uma maioria absoluta positiva de votos dos eleitores recenseados. Não é, portanto, razoável que se diga que representa um acto de demagogia chamar a atenção para este aspecto, porque, se demagogia terá havido, ela inscreve-se no texto inicialmente apresentado pelo PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - No entanto, congratulo-me pela circunstância de o PSD, hoje, ter declarado abandonar a sua inicial formulação demagógica. Esse é com certeza um ponto relativamente ao qual todos nos poderemos congratular.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O segundo aspecto da questão que tinha suscitado é o seguinte: há, por parte do PSD - e faço-lhe essa homenagem -, uma coerência de posição na formulação que fez para o artigo 255.º, a partir do pressuposto da desconstitucionalização, entre a existência de um decreto em sede da Assembleia da República e a formulação subsequente de um referendo nacional. E o que é que isto significa, no essencial? Que o PSD admite que primeiro tem de estruturar-se o modelo concreto de regionalização, designadamente com as atribuições e competências das regiões e com a sua delimitação geográfica, e só depois terá sentido passar à fase do referendo.
Ora, congratulo-me pela circunstância de o PSD revelar este entendimento no seu projecto de revisão constitucional, porque, como todos sabemos, não era este o entendimento que o PSD tinha defendido em sede de opção por um referendo nacional. E porquê? Porque, politicamente, nos tinha dito, até há muito pouco tempo, que só admitia um referendo nacional prévio à existência de uma lei de criação das regiões administrativas. Como quem diz: primeiro queria uma consulta em abstracto sobre sim ou não à regionalização e só depois o empenhamento para definição do seu modelo em concreto. E foi este ponto de vista que separou significativamente as opções do PS relativamente às opções do PSD.
Encontramo-nos agora, felizmente, na possibilidade de um consenso, em vir reconhecer que, afinal, o que faz sentido é estabelecer previamente o modelo de regionalização, para, depois, os eleitores se poderem pronunciar acerca dele. Esta é a questão consensual em torno da qual deveremos fazer a nossa matriz, estabelecendo este marco, porque ele é naturalmente positivo.
E estando ele estabelecido, permito-me suscitar os pontos de vista do PS sobre a matéria das consultas populares. Em primeiro lugar, para sublinhar, mais uma vez, aquilo que julgamos ser a coerência da posição que até hoje sustentámos na matéria, pois sempre dissemos que não aceitávamos desconstitucionalizar a regionalização e que, em consequência, não faria sentido adoptarmos um qualquer modelo de referendo que tivesse uma natureza plebiscitária a uma parte da Constituição. Por outro lado, também sublinhámos que víamos com muita reserva que se viesse a adoptar um qualquer modelo de referendo, que pudesse implicar uma rota de colisão de vontades entre a vontade do soberano, expressa por via representativa, e a vontade do soberano, expressa por via de consulta directa. Nesse sentido, entendemos que há que evitar essa rota de colisão.
Diz-nos a este propósito o Sr. Deputado Luís Sá que a solução que o PS sugere de que as consultas populares
Página 52
ocorram aquando do início da instituição em concreto das regiões não evitaria este problema. Não posso concordar com o argumento do Sr. Deputado Luís Sá, porque, como o Sr. Deputado José Magalhães lembrava, a consequência constitucional já estabelecida para o efeito de referendos orgânicos que viessem a dar um resultado negativo não deixava de ser a da impossibilidade de instituição em concreto de cada uma ou até de todas as regiões administrativas criadas na lei. Ou seja, se o PCP e o Sr. Deputado Luís Sá admitem como bom que a fase de consulta ocorra, como a Constituição já prescreve, no momento da instituição em concreto das regiões, o problema já não é esse, mas tão só o de saber que dimensão poderemos dar a essa consulta: se apenas a dimensão de uma consulta orgânica, portanto, de auscultação indirecta da vontade das populações, ou se lhe podemos dar a modalidade de uma consulta directa, com a possibilidade de participação directa da vontade dos eleitores.
Colocadas as coisas assim, é esta a opção que se faz na proposta do PS. Já tive ocasião de exprimir a esta Comissão qual o conteúdo das perguntas que o PS entende deverem ser feitas na fase da instituição em concreto das regiões: uma pergunta cujo significado nacional é iniludível quanto ao momento da entrada em aplicação da fase de instituição em concreto das regiões e uma segunda pergunta, de alcance regional, quanto à possibilidade de concordância dos eleitores relativamente à respectiva região.
Para que a possibilidade de um referendo com este alcance tenha, no texto da Constituição, um acolhimento coerente, propomos apresentar uma fórmula adequada para o artigo 256.º. Neste sentido, o texto que passo a referir visa substituir o projecto inicial do PS sobre este artigo.
Gostaria, no entanto, de chamar a atenção dos Srs. Deputados de que o alcance essencial que, no nosso projecto inicial, já propúnhamos para o artigo 256.º subsiste. Ou seja: o que estava em causa no projecto inicial do PS para o artigo 256.º era permitir a existência de consultas populares directas na fase da instituição em concreto das regionalização e o que volta a estar em causa nesta nova redacção é a possibilidade de consultas populares directas na fase da instituição em concreto da regionalização, adaptada, naturalmente, a uma posição que resultou do afloramento de todas as possibilidades de alcance acerca dessas consultas populares directas.
Por isso, conto com a benevolência dos Srs. Deputados para vos ler o seguinte texto de alteração ao artigo 256.º da Constituição:
"1. A instituição em concreto das regiões administrativas, com a aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que tenham participado em consulta directa, recenseados no território nacional e em cada área regional.
2. Quando a maioria dos cidadãos eleitores que tenham participado em referendo não se pronunciar favoravelmente à pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas criadas na lei, as respostas favoráveis à pergunta de alcance regional só poderão produzir efeitos após a realização de novo referendo.
3. As consultas aos cidadãos eleitores previstas nos números anteriores terão lugar nas condições e nos termos estabelecidos em lei orgânica, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime decorrente do artigo 118.º.
4. Os referendos têm natureza vinculativa quando neles tenham participado, pelo menos, metade dos eleitores inscritos, sem prejuízo de, no caso de não instituição em concreto das regiões administrativas, a produção dos efeitos das respostas favoráveis a perguntas de alcance regional poder ser sujeita, na lei, a prazo de caducidade".
Permito-me, porque este texto não era do conhecimento dos Srs. Deputados e só agora, suponho, vos será distribuído, chamar a atenção para os seguintes aspectos: em primeiro lugar, visamos acolher, no artigo que prevê a fase de instituição em concreto das regiões, a possibilidade de perguntas com significado nacional e com significado regional que não envolvam qualquer colisão com a Constituição nem qualquer conflito com a lei de criação das regiões entretanto aprovada; em segundo lugar, visamos admitir que os referendos possam, efectivamente, ter ocorrência simultânea.
Quero chamar a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte: aceito o ponto de vista daqueles - e, quando digo aceito, não quero dizer que o aceite por estar de acordo, mas por ser legítimo - que entendem que os referendos não tenham execução simultânea, mas penso que os Srs. Deputados também devem aceitar o ponto de vista dos outros que entendem que não há objecção efectiva à possibilidade da simultaneidade, o que quer dizer que não fará mal, nem àqueles que, como nós, se inclinam para a simultaneidade, nem àqueles que, como os senhores, julgam que essa não é a melhor opção, em traduzir na Constituição uma solução que não colida com qualquer das duas possibilidades. Por isso, a Constituição deve, isso sim, prever quais as consequências que derivarão da ocorrência em simultâneo de um referendo nacional com significado nacional e significado regional.
Essas consequências são, do nosso ponto de vista, inequívocas com o que acabamos de propor. Ou seja: a resposta à pergunta de significado nacional tem precedência no seu alcance sobre a resposta às perguntas de significado regional e isso determina completamente o alcance positivo e útil quer do efeito do referendo nacional quer dos efeitos que se produzam nos referendo regionais.
Por outro lado, na medida em que estamos verdadeiramente na necessidade de regular em geral o regime destas consultas populares directas, importa que em tudo o que não lhes seja estritamente específico se aplique as regras gerais do referendo estabelecidas no artigo 118.º da Constituição, daí essa remissão, na parte respectiva, para esse artigo 118.º, sem embargo, naturalmente, de, tratando-se de matéria obviamente tão sensível como aquela que leva à pronúncia do soberano, todos os aspectos de regulamentação em concreto do regime referendário deverem ser objecto de uma lei orgânica que venha a ser aprovada, de acordo com os aspectos do artigo 118.º e com os aspectos específicos do artigo 256.º que propomos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, porque foi nessa qualidade que falou, relativamente à primeira parte da sua intervenção - peço desculpa de me repetir, mas, se calhar, a culpa é minha, pois parece-me que não me faço entender quando falo -, é evidente a posição do PSD quanto à chamada
Página 53
desconstitucionalização da regionalização... Não vale a pena iludirmos a questão, porque comecei por dizer isso já na semana passada e também hoje de manhã na minha explanação inicial sobre o artigo 255.º. É evidente que se o PSD defende, como defendeu no seu projecto desde o início, a necessidade de haver um referendo não pode iludir a hipótese de esse referendo dar "não".É um pressuposto lógico e necessário do facto de se pretender introduzir no processo o referendo que se acabe com a imperatividade, como o Sr. Deputado também referiu. Ou seja: não faz qualquer sentido acharmos que há uma reforma qualquer que deve ser feita, condicionada à vontade dos portugueses, e, depois, dizer que ela é imperativa em qualquer circunstância, porque quem manda no País são os portugueses. Se pretendemos que haja uma consulta, temos de aceitar que as pessoas, no referendo e não na Constituição, digam se a reforma é ou não para ir para a frente.
Daí que o que o PSD faz, desde o início, no projecto de lei que apresentou de reforma constitucional, ao apostar na necessidade do referendo para a reforma da regionalização do País, por coerência e por respeito pela vontade das pessoas que vão votar no referendo, é dizer que a regionalização não é um imperativo constitucional, tão-só neste sentido e nesta medida, ou seja, remete a decisão sobre essa imperatividade para os portugueses.
Não é sério estar a dizer que o PSD faz coisa diversa desta. Que fique claro para toda a gente! Penso que isto é perfeitamente linear: não se pode defender que sejam os portugueses a decidir uma coisa e, depois, cristalizar no texto constitucional algo que impende sobre os portugueses como a "espada de Dâmocles". Isso é que não seria sério!
Por outro lado, queria fazer aqui uma precisão em relação à sua afirmação de que o PSD começou por defender que só se deveria perguntar aos portugueses se queriam ou não a regionalização e que agora evoluiu no sentido de defender a referenda de um modelo de regionalização. Permita-me que o corrija, Sr. Deputado. Isso não é verdade, porque o PSD sempre defendeu - de resto, o texto está aqui à frente de toda a gente para o demonstrar - que se deveria referendar o modelo, deveria explicar-se aos portugueses o que é que quer dizer...
Todos nós sabemos que há diversíssimas opiniões sobre o que é ou o que deve ser a regionalização em Portugal e há posições controvertidas sobre esta matéria. Portanto, para que haja linearidade na consulta referendária a fazer aos portugueses sobre esta questão, é preciso que eles saibam o que é que se lhes está a perguntar e, nesse sentido, o PSD sempre defendeu que o que deve ser sujeito a referendo ou o que deve ser perguntado aos portugueses é se eles querem a regionalização, apresentando-lhes o modelo.
O que podemos discutir - e aí o Sr. Deputado tem razão - é qual o conteúdo exacto e o âmbito global dessa lei, seja ela lei-quadro ou lei de criação, não é a denominação que está aqui em causa, como, há pouco, dizia o meu colega Pedro Passos Coelho, mas, a nosso ver, tem de ser uma lei suficientemente esclarecedora sobre que modelo, que tipo de regiões, é que a Assembleia da República preconiza que seja instaurado no País e, depois, os portugueses terão a última palavra, através do referendo, para dizerem: "Sim, senhor! Concordamos que o País seja dividido em regiões conforme nos é proposto"...
Portanto, temos de lhes propor um modelo, temos é que discutir rapidamente e tentar pormo-nos de acordo, através das regras normais de formação de maiorias democráticas, sobre qual o modelo de regionalização que preconizamos para o País e, depois, os portugueses dirão no referendo nacional se concordam ou não com esse modelo.
Mas que fique claro - e o texto do projecto de lei de revisão da Constituição aqui está para o provar - que o PSD, desde o início deste processo, sempre defendeu que se deveria referendar uma lei que definisse o modelo de regionalização, embora tenha havido evoluções noutros aspectos pontuais.
Quanto à questão da nova proposta que o Sr. Deputado fez o favor de nos ler, peço, desde já, porque a cópia do texto chegou agora aqui, a compreensão do Sr. Deputado para que ele possa ser analisado com profundidade e, portanto, que a sua discussão em definitivo passe para a próxima reunião. Penso que é uma questão de bom senso.
De qualquer modo, face à explanação que o Sr. Deputado fez, não queria deixar de lhe levantar uma questão, que é a seguinte: numa primeira audição, devo confessar-lhe que não vale a pena, do meu ponto de vista, estarmos a fazer construções jurídicas muito complicadas e muito elaboradas, iludindo a questão de fundo, que é o efeito político que terá para os portugueses o problema da simultaneidade ou do desfasamento temporal.
Por mais construções jurídicas que possamos, eventualmente, aqui arquitectar sempre elas terão de ser - pelo menos o PSD continuará sempre a defender isso - previamente avalizadas pelo Tribunal Constitucional, para assegurar, por um lado, a constitucionalidade e, por outro, a clareza da fórmula encontrada, porque o PSD tem aí fundadíssimas dúvidas em termos técnico-constitucionais quanto à admissibilidade sequer de uma qualquer simultaneidade.
Mas, em qualquer circunstância, queria chamar a atenção do Sr. Deputado de que podemos até fazer um esforço muito profícuo e encontrar o "ovo de Colombo" em termos técnico-jurídicos, mas continua a haver uma questão política fundamental, que é a seguinte: como é que o Sr. Deputado pode aceitar colocar os portugueses perante o facto consumado de, tendo-se pronunciado favoravelmente, quiçá por maiorias de 70 ou 80%, em algumas regiões, quanto à instituição em concreto da região que lhes diz respeito...? Vamos imaginar que, por exemplo, na região do Algarve ou na região do Porto, havia 70% dos eleitores que, à segunda pergunta de alcance estritamente regional, respondia claramente "sim". Como é que se pode iludir a expectativa política desses cidadãos que se pronunciaram nesse sentido e, depois, por um mecanismo jurídico qualquer que estava numa lei orgânica ou numa outra lei qualquer, a sua deliberação era metida na gaveta, quando devia ser entendida como soberana, pensamos nós, no respeito pelo Estado de direito democrático?
Sr. Deputado, para além das extraordinárias dúvidas técnico-constitucionais que mantemos sobre a possibilidade de, em abstracto, encontrar uma fórmula que seja aceitável em termos jurídicos, há também esta questão política, e não gostaríamos que ela fosse iludida de alguma forma.
Não se trata apenas de cozinhar aqui uma saída técnico-jurídica, temos também de encontrar uma solução que, politicamente, seja compreensível e aceitável como boa e digna por todos os cidadãos a quem vamos colocar as perguntas no referendo.
Página 54
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tenho todo o gosto em responder-lhe, mas o Sr. Deputado Luís Sá também pediu a palavra e, por isso, dar-lha-ei também.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, quero fazer uma observação prévia: compreendo as questões que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes levantou agora em último lugar - e, naturalmente, vêm na linha de preocupações que já manifestei -, mas chamo a atenção apenas para o facto de a primeira pergunta também colocar problemas, porque vai ser feita num momento em que está aprovada pela Assembleia da República uma lei de criação das regiões e, portanto, a respeito da pergunta nacional vão ser publicados resultados dizendo qual é a percentagem no Algarve, no Alentejo e em Trás-os-Montes. Ora, ainda que haja um "não" a nível nacional e seja apenas uma pergunta, naturalmente que as pessoas vão concluir daqui que o País no conjunto pode não querer a regionalização ou aquelas regiões em concreto, mas o Algarve, Trás-os-Montes, etc. querem. O problema, portanto, é incontornável O Sr. Deputado vai ter sempre esse problema com...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Faça favor!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu não me alongarei muito.
Sr. Deputado Luís Sá, isso é sempre assim nas consultas nacionais. Quando elegemos um Presidente da República, e há dois candidatos, também, obviamente, se sabe que há distritos que votam mais no candidato A e distritos que votam mais no candidato B, mas eu falei foi nas expectativas políticas.
Penso que todos os cidadãos portugueses aceitam a lógica da maioria numa pergunta que é nacional, mas o que será muito complicado e ilude politicamente os cidadãos é numa pergunta que tem efeitos estritamente regionais as pessoas dizerem: nós pronunciámo-nos maioritariamente e a pergunta era só para nós, só tinha impacto regional, e agora não a cumprem por outras razões. Isso é que é diferente, porque a aceitação democrática da vontade maioritária numa consulta nacional... Penso que o povo português já ganhou essa maturidade há muito tempo, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É incontestável quando estamos a eleger o Presidente da República, quando estamos a eleger Deputados, não é contestável quando, simultaneamente ou não, é colocada a questão de uma determinada comunidade ter direito a eleger os seus representantes e, mais ainda, ter o direito de os eleger, havendo já poderes regionais instalados. Ao contrário do que, eventualmente, o PSD tanto pretende dizer, há mesmo poderes regionais instalados - as CCR gerem 43 milhões de contos, os governos civis gerem muito dinheiro, a administração periférica gere muito dinheiro - que estão no terreno e não têm legitimidade democrática directa vinda das populações.
Portanto, o problema continua a ser incontornável, porque não estamos a discutir um órgão unipessoal, como o Presidente da República, que foi o seu exemplo, estamos a discutir...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, peço desculpa por o interromper, mas quero apenas recordá-lo de que está a fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Tem toda a razão, Sr. Deputado Jorge Lacão. Mas, como também diz respeito a uma matéria que o Sr. Deputado Jorge Lacão colocou, que vamos ter de discutir, vale a pena abordá-la.
Creio que , de qualquer modo, o problema político está colocado, ou seja, o problema de uma comunidade ter ou não o direito de eleger os seus representantes. Por acaso, esta questão tem a ver directamente com um problema que o Sr. Deputado Jorge Lacão nomeou, referindo-a expressamente, que era a ideia de que não haveria nada de substancialmente diferente do que já era trazido com os referendos indirectos. Ora, eu penso que não é verdade pelo seguinte: é que os referendos indirectos conferiam a cada comunidade definida pela lei de criação da Assembleia da República o direito de dizer se queriam ou não aquela região.
Este aspecto poderia levar à tal diferença de votos, uns a favor e outros contra? Naturalmente que sim. Mas não havia algo que é o que vai passar a haver, que é, no fim de contas, um referendo nacional que se sobrepõe às comunidades regionais.
Se o problema fosse substituir o referendo indirecto pela conjugação de uma consulta às assembleias municipais e de um referendo regional, este problema naturalmente que não se poria, pois cada comunidade regional diria se queria ou não aquela região.
Neste momento, está levantado o problema que quer a simultaneidade quer uma diferença de 15 dias colocam, que é o problema de determinadas comunidades definidas como regionais em lei de criação da Assembleia da República poderem votar a favor e o voto nacional poder prevalecer. Isto é, por exemplo, o voto do interior do País ser preterido pelo voto das áreas metropolitanas ou o voto do norte do País ser preterido pelo do sul, criando aqui clivagens que são irrecusáveis e que deveriam ser ponderadas.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, sem, naturalmente, estar a entrar já na discussão da proposta, porque ela tem de ser estudada com algum tempo, há, no entanto e desde logo, uma questão que gostaria de lhe colocar ou, de certa forma, recolocar, na medida em que, na minha primeira intervenção, fiz alusão a ela e não vi ainda qualquer esclarecimento.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes já recordou que o PSD, no seu projecto de revisão constitucional, separava não apenas os momentos de auscultação referendária como também as matérias que iam ser submetidas a consulta. A minha dúvida, numa primeira leitura ou numa primeira impressão, daquilo que o Partido Socialista agora aqui propõe, por intermédio de V. Ex.ª, é que, estando as questões misturadas no mesmo tempo, acabam também por poderem ser misturadas na substância e, por isso, pedia-lhe o seguinte esclarecimento: o Sr. Deputado entende que o referendo nacional deve incidir sobre o modelo de divisão regional ou sobre o modelo de
Página 55
regionalização? Isto para podermos avaliar, pelo menos no plano das intenções, se esta proposta representa um progresso ou mais um tanto trabalho para discussão simplesmente na Comissão? Fazia, desde já, esta observação, para além daquelas que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já fez.
Se existe uma vontade genérica de obter uma aprovação ou um consenso político e, portanto, também dos portugueses, para a regionalização, o Sr. Deputado individualmente considera ou não que o momento menos propício para colocar uma questão nacional aos portugueses quanto ao modelo de regionalização é o tempo em que se define a divisão regional?
Sabemos que os referendos são absorvidos muitas vezes por questões laterais e muitas vezes, quando são realizados, acabam por dar expressão também a questões que não foram formuladas. Sabemos que é assim com todos os referendos, apesar de tudo é evidente que eles têm uma valia inestimável.
Mas está também na mão da Assembleia da República melhorar as condições políticas em que os referendos são realizados, por isso pergunto: tem ou não a Assembleia da República e neste caso o Sr. Deputado Jorge Lacão consciência de que a pior oportunidade para quem defende a regionalização é perguntar aos eleitores se um certo modelo de regionalização deve ou não avançar e escolher fazê-lo quando apresenta um sempre - e será sempre - polémico modelo de divisão regional?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, procurarei contribuir para esclarecer as dúvidas que foram suscitadas e não deixar de chamar a atenção para a circunstância de continuar a haver uma contradição manifesta nos pontos de vista sustentados pelo PSD, contradição que é tão evidente que está patente no alcance diferente colocado pela pergunta que me dirigiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e por esta que me acaba de ser colocada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
Repare que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em defesa da coerência do projecto de revisão constitucional do PSD, assumiu que faria sentido que previamente se estabelecesse o modelo próprio da regionalização e, na sua sequência, se fizesse o referendo e o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho pergunta-me se não acho que a pior oportunidade para fazer o referendo é na sequência de se ter de definir o modelo de divisão regional que, eventualmente, tenha suscitado descontentamento nos eleitores.
Este é um problema relativamente ao qual o PSD tem de se entender. Não é um problema nosso, é um problema vosso.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Presidente: - Faça favor!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Deputado, é para ver se, de facto, há aqui algum esclarecimento. Penso que a sua interpretação não rigorosa e é até bastante distorcida, na medida em que, na pergunta que lhe formulei, indiciei, desde logo, que defendo que a questão de âmbito nacional ou o referendo nacional deva ser colocado aos portugueses com base no modelo de regionalização, no modelo de regiões, e não no modelo de divisão regional.
De resto, Sr. Deputado, se verificar pela proposta original que o PSD defende, nos seus diversos números, ao distinguir a consulta regional, que deve incidir sobre a divisão regional, da consulta que deve ser feita em termos nacionais sobre a lei de criação das regiões, que é como quem diz sobre o modelo de regionalização, definimos que órgãos, que competências, que atribuições, que financiamento, que tipo de região é que estamos a defender. Não se trata de um tipo de região no sentido da sua limitação geográfica mas, sim, no sentido da sua natureza.
Procurei ser claro, mas não sei se, finalmente, se conseguiu alguma clareza nisto.
O Sr. Presidente: - Peço desculpa ao Sr. Deputado Calvão da Silva que, legitimamente, está com vontade de intervir, mas o problema é que tenho de me desdobrar - e peço vénia pela circunstância de ter de o fazer -, porque os membros da Mesa não estão presentes e, portanto, tenho de fazer este duplo trabalho.
Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, lamento, mas quem assume que o modelo de regionalização, inclusivamente, deve definir previamente o âmbito territorial de cada região é o projecto de revisão constitucional do PSD. Portanto, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, ao reforçar a sua posição, veio dizer que a lei não deveria estabelecer a delimitação geográfica das regiões, mas o projecto de revisão que o PSD apresenta diz que a lei que cria as regiões, inclusivamente, deve nela estabelecer a sua delimitação geográfica. Assim sendo, a contradição não só subsiste como fica reforçada entre o ponto de vista, que eu respeito, do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e o ponto de vista que o PSD, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, aqui sustentou.
Mas a contradição do PSD deixa-nos sempre numa nebulosa, porque quero admitir como boa a posição do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ou seja, admitir como boa que, de facto, aquilo que hoje - e sublinho hoje - o PSD defende é que haja, previamente, o modelo de regionalização, com todo o seu alcance, isto é, com a definição das atribuições e competências das regiões e com o respectivo modelo de delimitação geográfica.
Vozes do PSD: - Não, não!
O Sr. Presidente: - É o que está no vosso projecto! Peço muita desculpa, mas convido-vos a lerem o n.º 2.
Folgo que o PSD, hoje, exprima um ponto de vista que tenha coincidência como que está no projecto de revisão constitucional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Deputado! Já vimos vários aspectos...
O Sr. Presidente: - Quer interromper-me? Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desculpe! Não quero é que ponha palavras na minha boca que não proferi! É apenas isso!
Já vimos hoje, relativamente ao projecto inicial... Penso que a reunião já leva 2 horas e 30 minutos e nós temos evoluído!
Página 56
Risos do PS.
Exactamente, temos evoluído na discussão!
Inicialmente foram feitas as apresentações dos projectos iniciais... Até já temos um novo texto apresentado pelo Partido Socialista e o PSD ainda não apresentou o seu! Peço desculpa, mas, com certeza, apresentá-lo-emos na próxima reunião, até porque é isso mesmo que se pretende na revisão constitucional.
Mas já hoje vimos aqui, relativamente ao projecto de lei do Partido Social Democrata, elaborado em Janeiro/Fevereiro, aquela questão da validação do referendo e já foi referido pelo Sr. Deputado na sua intervenção inicial que há uma evolução política de que toda a gente tem de ter consciência.
O que agora reafirmo - e também já o fiz à pouco - e quero precisar é que, hoje, como diz o Sr. Deputado, a posição do PSD, fruto do processo político dos últimos dois meses, é que o referendo deve ser esclarecedor para os portugueses e, nesse sentido, deve ser colocado a referendo o modelo de regionalização. Já no que diz respeito à divisão territorial - o PSD já o reafirmou em diversas ocasiões nos últimos dois meses -, do nosso ponto de vista, consideramos que seria negativa, neste momento, porque somaria às pessoas que votariam "não", por serem contra a regionalização tout court, as pessoas que, eventualmente, sendo a favor de um processo regionalizador, pudessem não se rever no âmbito territorial que vier a ser aprovado maioritariamente na Assembleia da República.
Portanto, temos uma posição política neste momento que, face a todo o processo que tem decorrido, aponta claramente no sentido de a Assembleia da República se pôr de acordo sobre o modelo, que tenha competências, órgãos, mecanismos de funcionamento, mas permitir-se, por nos parecer politicamente mais adequado - e queria que ficasse claro ao Sr. Deputado Jorge Lacão que é essa a posição do PSD -, que a divisão em concreto ou que as áreas regionais em concreto passassem apenas na pergunta de efeito regional, porque nos parece que seria perverso para o referendo de âmbito nacional. Como já foi dito várias vezes por dirigentes nacionais do PSD, há o tal efeito, potencialmente perverso, de somar os não regionalistas convictos aos regionalistas que não concordassem...
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Peço a complacência dos Srs. Deputados para estas interrupções, que me pareceu útil que ocorressem para nos esclarecermos reciprocamente.
Vou tentar agora fazer as considerações às perguntas, sem interrupção, e chamo a vossa atenção para o seguinte: então, a posição do PSD é ainda mais curiosa, porque há uma posição em que o PSD hoje decaiu por inteiro dos aspectos mais significativos da proposta que fazia para alteração do artigo 255.º. Já decaiu porque diz que o alcance da participação dos eleitores em referendo não é a que estava aqui consignada, no sentido de que as abstenções contassem necessariamente como votos contra. Excelente! Mas, agora, insiste em dizer que é necessário que haja um modelo de regionalização prévio ao referendo, só que agora o dito modelo de regionalização já não contém a delimitação geográfica das regiões. Curiosamente aqui também a decair - é preciso notar este aspecto - do projecto de revisão constitucional do PSD, porque o seu projecto de revisão constitucional fala da necessidade prévia de se definir o âmbito territorial da cada região.
Portanto, o PSD, hoje, na Comissão de Revisão Constitucional, diz-nos que retira, no essencial, as formulações que tinha apresentado para o artigo 255.º ,e, ao assumir essa consequência evidente, peço desculpa, mas já não pode continuar a dizer que quer o modelo prévio de regionalização, porque, então, já não é o modelo, quando muito é um semi-modelo amputado de uma das suas características essenciais.
E porque é que sublinho, Srs. Deputados do PSD, que isso é uma das suas características essenciais? Porque recordo-me de, há muitos poucos dias, ter ouvido o líder do vosso partido dizer que admitia votar contra a regionalização no referendo, depois de ponderar a articulação, que não poderia deixar de ser feita, entre as atribuições e competências e o modelo geográfico das regiões, o que quer dizer que para ele admitir passar de um voto "sim" para um voto "não" em matéria de regionalização lhe era essencial conhecer previamente duas coisas ao mesmo tempo: as atribuições e competências das regiões e o respectivo âmbito geográfico. Bem!. Volto a insistir neste ponto: por amor de Deus, Srs. Deputados do PSD, entendam-se! E entendam-se de vez sobre aquilo que querem ou não querem verdadeiramente, porque a ideia que tenho é que, às segundas, quartas e sextas, querem uma coisa e, às terças, quintas e sábados, querem outra, que é o contrário daquilo que disseram antes.
Neste sentido, Srs. Deputados, tenho todo o gosto em que possa haver uma suspensão técnica desta reunião, para que os senhores Deputados possam meditar no alcance da proposta que o PS fez, para que, na próxima reunião, possamos dar-lhe curso de reflexão.
A última observação tem a ver com o ponto de vista do Sr. Deputado Luís Sá. Ele disse uma coisa em que vale a pena meditar. O Sr. Deputado Luís Sá não é contrário, pelo menos não o manifestou, à possibilidade de uma pergunta nacional e de uma pergunta regional ocorrerem em simultâneo. Ele tem uma objecção prévia, se bem o percebi, quanto ao significado de um referendo nacional no processo de instituição em concreto das regiões e, do ponto de vista dele, chamou bem a atenção dos Srs. Deputados do PSD para o facto de uma determinada resposta ao referendo nacional numa circunscrição regional já ter os melindres que os Srs. Deputados do PSD admitiam existir apenas na resposta à pergunta de âmbito regional.
Assim sendo, as coisas são, de facto, mais inequívocas do ponto de vista do Sr. Deputado Luís Sá, porque ele opõe-se, por uma razão de princípio respeitável, à possibilidade de introduzir o referendo nacional no processo de instituição em concreto das regiões e já considera - a meu ver, bem - que é uma questão secundária a temática da simultaneidade nos termos em que o PSD a colocou. Dito de outra maneira e para concluir: o problema da simultaneidade ou não é um problema que, em definitivo, deve ser opção do legislador ordinário e não do legislador constitucional
Portanto, nesta matéria, o que sugiro aos Srs. Deputados do PSD é que encarem que, seja qual for a opção final, ela não é incompatível com a fixação de um bom articulado em sede do artigo 256.º, nos termos em que o PS propôs.
Página 57
Srs. Deputados, deixo agora à vossa consideração o seguinte: estão ainda inscritos para intervir os Srs. Deputados Cláudio Monteiro, José Magalhães, Alberto Martins e Calvão da Silva, por isso pergunto-vos, dado o adiantado da hora, se preferem que suspendamos os trabalhos até à próxima reunião ou que eu continue a dar a palavra aos Deputados que a pedirem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não quero interferir na opção que V. Ex.ª e a própria Comissão entendam tomar. Parece-me que já é muito tarde para continuarmos a discussão, mas houve um ponto da intervenção de V. Ex.ª que foi um tanto ofensivo e, por isso, queria defender a honra da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem todo o direito, Sr. Deputado! Faça favor!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, entendemos que debate e discussão é evolução, no bom sentido de aproximação de posições e V. Ex.ª já aqui hoje demonstrou que o seu partido pensa da mesma forma, na medida em que traz uma proposta que eu não vou dizer que é das segundas, quartas e sextas e que o texto inicial é das terças, quintas e sábados, porque não é sério nem correcto fazer este tipo de intervenção.
Estamos numa discussão, estamos a aproximar-nos, estamos todos a fazer um esforço e V. Ex.ª não pode tomar aqui nenhum dos textos que estão presentes à discussão como algo de petrificado e insusceptível de discussão e aprofundamento, porque, então, seria a negação do nosso trabalho. O nosso trabalho é exactamente isso! É debate, aprofundamento, melhoria, alteração e VV. Ex.as deram aqui o exemplo disso ao apresentarem hoje uma proposta.
Portanto, não tenham esse processo de intenção de rotular uma evolução de posição ou uma apresentação de novas propostas como incoerência, pois não o fizemos em relação a VV. Ex.as pelo facto de hoje terem apresentado aqui uma proposta, porque estamos neste processo de revisão identificados com os princípios regimentais e constitucionais que o regem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, isso permite-me esclarecer o seguinte: naturalmente que nos congratulamos com a possibilidade de o debate permitir fazer luz sobre as questões. E a circunstância de essa luz poder ocorrer torna naturalmente mais evidente quando certas posições têm menos sustentação intelectual ou são até contraditórias quanto a objectivos que não são compatíveis entre si. O que procuramos é uma evolução positiva que permita um consenso de posições, mas a partir de posições que sejam intrinsecamente coerentes e não a partir de posições que o não sejam.
Dada esta explicação, naturalmente o Sr. Deputado contará que o ardor que cada um põe nas suas intervenções é aquele que, naturalmente, decorre da sua própria idiossincrasia pessoal.
Srs. Deputados penso ter havido concordância para que possamos terminar aqui a nossa reunião. Se estiverem de acordo, voltamos a reunir-nos na próxima sexta-feira, às 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 13 horas e 35 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
Página 58