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Sábado, 25 de Maio de 1996 II Série - Número 5 - RC

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião do dia 24 de Maio de 1996

S U M Á R I O



O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 11 horas.
Prosseguiu a apreciação das propostas de alteração aos artigos 255.º a 262.º.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Paulo Portas (CDS-PP), Alberto Martins (PS), Luís Sá (PCP), Calvão da Silva (PSD), e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 14 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas.

Srs. Deputados, continua em apreciação a matéria constitucional dos artigos 255.º a 262.º. Fazendo rapidamente o ponto da situação da nossa reunião anterior direi que, após a apresentação, por parte do Partido Socialista, de uma proposta e alguma clarificação em torno dela, essa proposta ficou de ser ponderada pelos vários Srs. Deputados e, portanto, é com essa ponderação que estamos em condição de retomar os nossos trabalhos.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como acabou de referir, e assim é, no final da última reunião houve a apresentação de uma proposta de substituição para o artigo 256.º, para a qual, dado o adiantado da reunião, solicitámos algum tempo no sentido de podermos expressar a nossa opinião. E é isso que vou fazer desde já.
A primeira observação é que nos parece que esta proposta tem, desde logo, um grande mérito que para nós representa um avanço muito importante. Refiro-me à concretização, em textos já de revisão constitucional, por parte do Partido Socialista, da realização do referendo nacional que é um aspecto que não constava do projecto inicial do Partido Socialista e com o qual nos congratulamos e reputamos de muito importante.
Quanto a outros aspectos do texto, que passo rapidamente a analisar, devo confessar ao Partido Socialista que algumas questões que resultam destes quatro pontos da proposta de substituição do artigo 256.º oferecem-nos algumas dúvidas, umas do nosso ponto de vista politicamente muito relevantes e outras que, enfim, até podem ser entendidas como dificuldades de interpretação da nossa parte e para a qual me permitiria pedir ao Partido Socialista alguma explicitação afim de que fique perfeitamente perceptível o alcance exacto do texto.
Tentando fazer uma análise mais ou menos sistemática do articulado devo dizer que, relativamente ao n.º 1, se nos colocam duas dúvidas de interpretação. Primeiro, ao falar-se logo na segunda linha "...depende da lei prevista no artigo anterior...". Ora bem, podemos verificar que o artigo anterior é o artigo 255.º no projecto de lei do Partido Socialista, que não altera em nada o artigo 255.º da Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido penso que se deve ler que a lei prevista no artigo anterior é a que consta do artigo 255.º do texto em vigor da actual Constituição da República Portuguesa, mas há aqui uma dúvida de interpretação que queria deixar. Quando se fala que a instituição "depende da lei prevista no artigo anterior...", querem com isso dizer que a lei tem que estar aprovada pela Assembleia da República, tem que estar promulgada, tem que estar publicada, tem que estar em vigor?
Como sabem, cotejando este aspecto com o de outros projectos de lei de revisão constitucional, nomeadamente o do PSD, importa clarificar a questão do momento - de resto, numa primeira reunião o próprio Deputado Jorge Lacão tinha colocado essa questão ao Partido Social Democrata a propósito da nossa interpretação para o artigo 255.º - em que o referendo se deve realizar. O momento, em termos de cotejamento com a lei de criação das regiões.
O segundo aspecto, na parte final deste n.º 1 fala-se em ..."recenseados no território nacional e em cada área regional." o que, desde logo, nos coloca uma dúvida. Há ou não dois recenseamentos e, logo, dois referendos? Se falam em "recenseados no território nacional e em cada área regional", querem dizer, e é um pedido de esclarecimento que faço, que haverá dois recenseamentos possíveis, um nacional e outro em cada área regional? Ora, a ser assim e de acordo com o funcionamento da lei de recenseamento eleitoral portuguesa, só fará sentido se houver dois momentos diferentes em que o universo de cidadãos recenseados possa divergir ou então não percebemos o porquê de se colocar "recenseados no território e em cada área regional". Ou são momentos diferentes ou então o recenseamento é só um.
A terceira questão não é uma dúvida é uma objecção política de fundo e tem a ver com o conjunto de cidadãos que, por esta redacção, serão chamados a participar no referendo. Parece-nos que fica claro desta redacção, de resto à semelhança daquilo que o Partido Socialista faz no seu projecto de lei na revisão do artigo 118.º, que o PS entende que neste referendo, como em todos, devem participar apenas os cidadãos recenseados no território nacional. Todavia, nomeadamente, em matérias como a regionalização, não vemos razão absolutamente nenhuma para que os emigrantes não possam também participar nesse referendo e formularem a sua opinião sobre a divisão do país em regiões. Os emigrantes não podem ser considerados cidadãos de segunda, são cidadãos de corpo inteiro, o próprio Partido Socialista o reconhece no seu projecto de lei e por declarações de membros do Governo que têm esta área, a quem terá que se reconhecer uma participação na vida política nacional a todos os níveis.
Sendo assim, chamava a atenção que o problema, que se estende ao artigo do projecto de lei socialista a propósito da revisão do artigo 118.º, também se irá colocar no referendo que é preconizado para as alterações que resultarem da revisão do Tratado da União Europeia - e nesse sentido a nossa perplexidade ainda aumenta mais. Ou seja, quer o Partido Socialista dizer com isto que entende que, quer para a regionalização quer para as revisões do Tratado da União Europeia, os portugueses que residem em França, na Alemanha, na Espanha, etc., não vão poder pronunciar-se, não vão poder formular a sua opinião e participar nessa decisão que tem de ser nacional?!
Esta é para nós uma questão que coloco como política. É evidente que o Partido Socialista poderá esclarecer e dizer que não é esse o sentido e o alcance politicamente desejados para esta matéria mas, nesse caso, o projecto tem que ser revisto rapidamente nesta parte e também no artigo 118.º, aliás, como nós desde o princípio temos vindo a afirmar. Como se pode constatar, começamos a tropeçar desde já em problemas que dão razão ao nosso ponto de vista de que as coisas têm necessariamente que ser vistas em conjunto. Portanto, esta questão do conjunto de cidadãos que serão ou não chamados a pronunciar-se no referendo da regionalização com ligações necessárias ao problema do referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia é evidente para nós que se trata - obviamente que começamos por pedir os esclarecimentos ao Partido Socialista de qual o alcance pretendido - duma questão política essencial.

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Quanto ao n.º 2 do texto em análise temos também uma questão para a qual pedíamos alguns esclarecimentos do Partido Socialista e que tem que ver com o seguinte. É feita uma referência às "... regiões administrativas criadas na lei...", ou seja, quando se fala "... em referendo não se pronunciar favoravelmente à pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas criadas na lei..." isso reconduz-nos de certa maneira a algum equívoco que fica, como referi, no n.º 1 do articulado. Isto é, "... criadas na lei..." quer dizer lei já publicada e já em vigor? Será que a intenção do Partido Socialista nesta matéria é que se faz um referendo e se, porventura, a resposta soberana do povo português for "não" a lei fica letra morta? É essa a intenção do Partido Socialista?
No entanto, como foi afirmado por mim numa das anteriores reuniões, não parecerá mais sensato que não se inscreva necessária e definitivamente na ordem jurídica uma lei à qual vamos pedir o voto soberano do povo para se pronunciar sobre ela? Não seria mais sensato limitarmo-nos a aprová-la aqui na Assembleia da República para a colocar a referendo e condicionar a sua inscrição definitiva na ordem jurídica à pronúncia favorável por parte do povo português?
Permitam-me que complete com uma outra questão. Parece-me evidente que ter-se-à sempre que retirar conclusões políticas do resultado do referendo e essas conclusões necessariamente que obrigarão, do nosso ponto de vista, caso o resultado do referendo porventura seja "não", que a Assembleia da República não volte a formular um proposta de referendo sem alterar a lei. É que, quanto a nós, isto não pode ser por insistência, não podemos pensar que o povo português acaba por aceitar a regionalização por cansaço porque isso não nos parece politicamente sério.
Portanto, se houver um "não", parece-nos evidente que terá sempre, no mínimo, que haver uma reformulação da lei se a Assembleia da República, em algum momento, voltar a pretender confrontar os portugueses com a necessidade de um referendo para voltarem a pronunciar-se sobre a regionalização. O que não nos parece correcto é que se volte, passados alguns meses ou alguns anos, a fazer um referendo aos portugueses exactamente com a mesma lei porque ela ficou cristalizada no ordenamento jurídico. Isto não nos parece fazer sentido absolutamente nenhum, pelo menos politicamente, porque isso é não retirar a leitura política, que, necessariamente, se tem que retirar para além da jurídica, do facto do voto soberano do povo poder ser neste ou naquele sentido. Terá sempre que haver uma leitura política a fazer e, do nosso ponto de vista, essa leitura deve aprioristicamente estar pelo menos prevista no sentido de não criar situações de letra morta ou de cristalização sem sentido no ordenamento jurídico de regras que, depois, terão necessariamente que ser, no mínimo, revistas ou alteradas em alguns aspectos para voltarem a ser colocadas em referendo ao povo português, se for essa a intenção maioritária da Assembleia da República e com o aval do Sr. Presidente da República, como todos nós, penso eu, propomos no texto para o artigo 118.º.
Por último, ainda neste n.º 2, aparece a questão, que nos parece politicamente inultrapassável e que também se coloca no n.º 4, como adiante terei oportunidade de dizer, que tem a ver com a sua parte final quando se diz "... as respostas favoráveis à pergunta de alcance regional só poderão produzir efeitos após a realização de novo referendo". Srs. Deputados, com franqueza, o Partido Social Democrata não pode estar de acordo com esta lógica de pôr votos favoráveis em "banho-maria". A pronúncia soberana do povo num sufrágio como é o referendo nunca pode ser objecto de "banho-maria", quer dizer, não se pode agarrar nos votos das pessoas e dizer: "bom, os senhores votaram mas isto agora fica aqui em "banho-maria" a aguardar melhor oportunidade porque neste momento não se pode aplicar". Parece-me evidente que isto é apenas uma consequência porque certamente não é essa a intenção do Partido Socialista, mas, em todo o caso, chamo a atenção do PS que aqui tropeçamos com uma consequência perversa do facto de se continuar a querer fazer as coisas ao mesmo tempo. Percebo que, se teimarem em fazer as coisas ao mesmo tempo, esta seria a única saída possível mas será que o Partido Socialista não pode, a partir do resultado perverso a que nitidamente isto nos conduz, fazer a reflexão ao contrário e verificar que este caminho da simultaneidade coloca problemas de perversidade na legitimidade do voto popular que são inultrapassáveis? E que isso nos pode levar sensatamente a ponderar soluções que, obviando ao problema da simultaneidade, necessariamente afastem este problema de pôr votos favoráveis em "banho-maria", o que nos parece de facto democraticamente insustentável.
Quanto ao n.º 3 do texto da proposta de substituição, tenho apenas aqui uma dúvida e gostaria de perguntar ao PS por que é refere aqui a expressão "estabelecido em lei orgânica". Como todos sabemos, lei orgânica é, no fundo, uma precisão em termos aritméticos (passe a expressão) ao princípio da maioria normal para aprovação das leis - uma lei orgânica tem de ser votada por metade mais um dos Deputados em efectividade de funções. Portanto, em qualquer circunstância, seria um resultado que, numa votação normal, com todos os Deputados, sempre se alcançaria. Sinceramente, não percebemos exactamente o porquê de ser aqui referido "estabelecido por lei orgânica", não que estejamos em desacordo, mas apenas porque nos parece que isso quebra alguma unidade relativamente ao artigo genérico que o próprio PS propõe no artigo 118.º para a lei do referendo. Será que o referendo sobre a regionalização é um referendo reforçado? É essa a ideia? Não percebemos muito bem o alcance disto e, sinceramente, estabelecermos referendos mais ou menos fortes parece-nos incorrecto. Nesse caso, teremos de considerar que todos os referendos são estabelecidos por lei orgânica, pois criar aqui uma lógica de um referendo diferente daquele que está genericamente previsto no artigo 118.º não me parece correcto.
O Sr. Deputado José Magalhães está a dizer que não com a cabeça, mas é este esclarecimento que peço ao PS, porque, ao ler o artigo 118.º proposto por vós, não encontro lá que a decisão da Assembleia da República para propor ao Presidente da República a realização de um referendo tenha de ser estabelecida por lei orgânica. Penso que será por maioria...

O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Deputado.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, só para economizar o seu tempo, dir-lhe-ia ser óbvio que não é a propositura que é regulada por lei orgânica, mas o regime de enquadramento do referendo. Aliás, como sabe, a lei orgânica do referendo foi uma das primeiras que aprovámos na Assembleia da República, ao abrigo do novo regime previsto na revisão constitucional de 1989. O que se pretende é que estas consultas sejam enquadradas por uma lei que tenha exactamente o mesmo valor da lei que define o regime geral do referendo previsto no artigo 118.º - a não homologia seria uma pura aberração. O Sr. Deputado economize a sua argúcia analítica, pois esse é um equívoco.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Obrigado, Sr. Deputado, mas então, permita-me que sugira que também os senhores economizem a redacção do n.º 3, pois os senhores, na primeira parte, aparentemente, repetem a questão, uma vez que começam por dizer que as consultas terão lugar nas condições estabelecidas em lei orgânica e depois, na parte final do mesmo n.º 3, dizem que se aplica, com as devidas adaptações, o regime decorrente do artigo 118.º. Se é para economizar, então - e era essa a minha dúvida -, economizem os senhores, porque, de facto, ao ler isto, verificamos que começam por dizer uma coisa e, segundo a sua explicação, Sr. Deputado, querem dizer exactamente a mesma coisa no final. Digam-no, então, só uma vez.
De qualquer forma, Sr. Deputado José Magalhães, agradeço a sua precisão.
Quanto ao n.º 4, na sua parte final, coloca-se uma questão, que já abordei a propósito do n.º 2 e que para nós é totalmente inaceitável, quando se diz que as perguntas de alcance regional podem ser sujeitas, na lei, a prazo de caducidade. Com toda a franqueza, Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, o voto popular só pode ser substituído por novo voto popular e nunca por uma decisão tomada nesta Sala ou no Plenário da Assembleia da República, dizendo que há um determinado voto popular que pode caducar porque, por alguma razão, passa o tempo e não se pode aplicar. Para nós, no Estado de direito que somos, o voto popular só pode ser alterado por novo voto popular e, portanto, esta é uma questão totalmente inultrapassável e, do nosso ponto de vista, é mais uma demonstração de que temos razão quando, com toda a boa fé e com todo o espírito de concertação, sugerimos que, tecnicamente, por estas e outras razões, nos parece claramente evidente não ser possível forçar a sobreposição temporal da questão nacional e da questão regional, sob pena de chegarmos a "paredes" destas, que são totalmente inultrapassáveis do ponto de vista de um Estado de direito democrático. Não é possível que o voto popular caduque, tal como não é possível que o voto popular, em sufrágio directo e livre dos cidadãos, possa ser anulado por uma decisão tomada pela Assembleia da República, em lei. Não nos parece aceitável e, portanto, para nós, esta é uma questão inultrapassável.
Terminaria referindo que, no contexto global, esta proposta de substituição tem desde logo um grande mérito e representa um grande avanço que reconhecemos e com o qual nos congratulamos, no sentido de consagrar em definitivo o princípio do referendo nacional.
No entanto, depois, na concretização exacta, há alguns aspectos, que tentei explicitar de uma forma minimamente clara - se não o consegui, a culpa é minha com certeza -, sobre as quais o PSD gostaria de ouvir alguns esclarecimentos por parte do PS, para que possamos tentar debater aqui formas mais conseguidas no sentido de ultrapassar efeitos que nos parecem perniciosos relativamente a alguns pontos desta proposta, sendo certo que, para nós, a questão do desfasamento temporal mostra claramente que temos razão quando suscitamos a questão, porque, de facto, pese embora o trabalho que se nota que o PS terá tido na apresentação desta proposta, no sentido de encontrar soluções, há "paredes" inultrapassáveis, que resultam exactamente do mal de raíz de não se apontar, desde logo, para um desfasamento temporal das duas questões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo nenhum pedido de palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, registo que estão inscritos para intervenções eu próprio e o Sr. Deputado Paulo Portas.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, na sequência do conjunto de observações que fez, é na verdade oportuno que também possamos, por parte do PS, exprimir alguns dos nossos pontos de vista. Pareceu-me poder deduzir das palavras que ouvimos a circunstância de o PSD ter abandonado a ideia da desconstitucionalização da regionalização e, portanto, admitir - não o fez de forma explícita, mas pareceu-me que essa admissibilidade estava implicitamente colocada na formulação das suas questões ou das suas dúvidas - dar por adquirido a manutenção do artigo 255.º da Constituição na sua redacção actual. Se assim for, muito prezamos que esse alcance tenha sido obtido, na medida em que, de facto, é sabido - e aqui o dissemos de forma clara na última reunião - que, para o PS, não havia razão para introduzir modificações no artigo 255.º - aí está, de facto, um elemento significativamente emblemático da inserção regional na texto constitucional, que nos parece de continuar a preservar.
Depois, também registo com satisfação a circunstância de o PSD ter reconhecido que a proposta apresentada pelo PS envolvia, de forma inequívoca, uma dimensão às consultas populares directas no processo de regionalização, por forma a que torne possível quer a realização de referendo nacional quer de referendos regionais. E é neste contexto que procurarei contribuir para clarificar os pontos de vista do PS expressos na proposta em análise.
A primeira dúvida que foi suscitada era a de saber se, justamente, se pretendia que a consulta popular só viesse a ter lugar após um prévia aprovação da lei de criação das regiões. Na verdade assim é, primeiro, por uma consequência constitucional, pois, na medida em que entendemos não alterar o conteúdo do artigo 255.º, consideramos que tem toda a razão de ser a manutenção da lei de criação das regiões como um facto jurídico prévio ao referendo, mas também por considerarmos que o momento do referendo, o momento da instituição em concreto das regiões, como se sabe, deve ocorrer em circunstâncias que permitam ao eleitorado o máximo esclarecimento possível acerca do modelo regional sobre o qual são chamados a pronunciar-se e que, por isso, se justificarão no processo os vários actos institucionais que possam concorrer, de forma explícita, para valorizar e dar a máxima publicidade à existência desse modelo jurídico. De onde que as questões institucionalmente relevantes, como sejam as da promulgação de uma lei e as da sua publicação, nos parecem momentos importantes para

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densificar o princípio da publicidade em torno do qual se faz, depois, um referendo que se deseja ser esclarecido, no pressuposto que os factos anteriores tenham sido claramente esclarecedores acerca do modelo relativamente ao qual os eleitores são chamados a pronunciar-se. Por isso, tenho o gosto de dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que - é verdade - a nossa orientação é aquela que pressupõe a existência de uma lei, promulgada e publicada, de criação das regiões administrativas.
Finalmente, não me pareceu deduzir das palavras do Sr. Deputado Luís Marques Guedes uma oposição à necessidade da existência prévia do modelo regional, ou seja, de uma solução jurídica que possa ter tudo aclarado em matéria da definição dos poderes, atribuições e modos de funcionamento dos órgãos das regiões administrativas, bem como a sua delimitação geográfica. E se assim é - e pareceu-me que sim -, estará no plano político ultrapassado, e gostaria que em definitivo, um dos grandes factores de dessintonia entre o PS e o PSD nesta matéria. Teríamos finalmente concluído que se justificaria a prévia existência do modelo regional completo e não apenas do semi-modelo, como aqui referimos na nossa reunião anterior. Este seria um segundo passo extremamente positivo na evolução, do ponto de vista do PSD, nesta matéria que gostaríamos de sublinhar.
Quanto à outra dúvida que foi suscitada sobre o alcance, em termos de participação eleitoral, relativo ao referendo que é proposto, de facto, falámos aqui de uma participação eleitoral por parte dos eleitores recenseados no território. É verdade - os Srs. Deputados do PSD reconhecerão que assim é - que esta foi a solução adoptada pelos dois partidos aquando da aprovação do regime geral do referendo. A lei actualmente em vigor que regula o regime geral do referendo e que, se não erro, foi votada positivamente tanto pelo PS como pelo PSD, inscreve, justamente, esta solução: os eleitores que participam em referendos nacionais são os eleitores recenseados no território nacional. Isto significaria, portanto, que, mantendo-se a forma, o PS está em coerência com o que aprovou aquando da aprovação da lei do regime geral do referendo; não se mantendo a forma, haveria aqui hoje um ponto de vista diferente por parte do PSD quanto a este ponto.
Todavia, para além de entendermos que o princípio tem sustentação por si, e a prova é que já pudemos coincidir no passado quanto a uma aprovação positiva, consideramos estar no domínio de uma matéria que tem implicações no território nacional, no sentido da definição de autarquias locais - não deveremos perder de vista que a região administrativa é uma autarquia local, ou seja, uma pessoa colectiva territorial. Como tal, a matéria que é colocada em apreciação tem, pela sua natureza, uma pertinência relativamente aos eleitores residentes no território, terá menos relativamente a outros que não tenham nem a residência, nem o local de trabalho, nem a sua condição de vida ligada a um território em concreto, para o qual se visa celebrar um conjunto de autarquias locais de âmbito regional.
Por isso, parece-nos que, quer por razões de bom precedente no qual já pudemos ter convergência, quer pela natureza específica deste referendo, a solução que propomos é a mais ajustada.
Também foi colocada uma dúvida sobre o que poderia significar uma referência a recenseamento no território e em cada área regional, e a pergunta, em concreto - julgo tê-la compreendido -, era saber se um ou mais do que um momento diferente para a realização do referendo.
Penso que a dúvida é pertinente e ela poderá ser esclarecida no sentido de dizer que se admitem as duas possibilidades. É, de facto, possível configurar uma solução de simultaneidade em resposta referendária, tal como é possível configurar uma solução de não simultaneidade. E até, desde logo, isso é inevitável, a partir de uma circunstância em que algumas respostas a alguns referendos regionais possam dar resultado negativo. Será sempre necessário repetir o referendo regional naquelas zonas do País onde o resultado não fosse positivo. E assim sendo, quem é que participaria nesse referendo? Naturalmente, apenas os eleitores recenseados na respectiva área regional que estivesse a ser objecto de consulta popular.
É esta a razão técnica da distinção entre recenseados no território e em cada área regional, para permitir esta dualidade de aplicação possível de referendo com dimensão nacional ou apenas de referendo dos referendos com dimensão e significado regional.
Numa outra ordem de questões suscitada, levantou-se também uma dúvida no sentido de saber se o alcance da expressão no n.º 2, acerca das regiões previamente criadas na lei, de facto, não reforçaria a ideia de que, previamente às consultas populares, deveria haver a publicação e a entrada em vigor da lei de criação. Reforça, com certeza! É essa a intenção manifesta do texto.
Foi levantada uma crítica, que não deixarei de considerar, relativamente aos efeitos previstos para a circunstância de poder haver votos favoráveis em referendos regionais que tenham coincidido com um voto desfavorável em referendo nacional, na possibilidade política da aplicação em simultâneo dos referendos.
O problema, tal como já aqui o configurei na sessão anterior, é este: entendemos que o legislador constitucional não deve prescrever, por si próprio, a obrigatoriedade da simultaneidade. Essa deve ser uma opção política tomada em sede de legislação infraconstitucional. Mas aquilo que, do nosso ponto de vista, o legislador constitucional deve fazer é prever, na Constituição, as várias possibilidades, designadamente se a opção maioritária da Assembleia - e se essa opção maioritária se vier a registar, ela é legitimamente democrática, tem de ser admitida como tal! - se vier a verificar tem de se prever na Constituição os efeitos dessa opção.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes, várias vezes e de forma muito enfática, na reunião anterior- e não o desconheço -, sublinhou dúvidas de constitucionalidade sobre o que poderia ocorrer com uma eventual não coincidência de respostas na simultaneidade de referendo nacional e de referendo regionais. Pois bem, das duas, uma: ou regulamos, na Constituição, a produção dos efeitos para tornear e superar qualquer dúvida possível de constitucionalidade; ou não o fazemos, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes dirá sempre que subsistem dúvidas de constitucionalidade. Ora, queremos que as suas dúvidas de constitucionalidade fiquem superadas de vez. E como é que poderão ficar superadas de vez? Com uma regulação, em sede constitucional, de todos os efeitos possíveis das consultas populares, designadamente no caso em que, por opção política legítima, esses referendos possam vir a ter ocorrência simultânea, se for o caso. Esta é, portanto, a razão de ser.
Diz-me que há um muro, aparentemente, incontornável, pela circunstância de as respostas positivas a um referendo

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regional não poderem prevalecer em face de uma resposta negativa de referendo nacional. Julgou apontar aí uma das debilidades maiores desta solução.
Eu socorro-me aqui - e o Sr. Deputado Luís Sá não me levará a mal que o faça - de um argumento suscitado pelo Sr. Deputado Luís Sá, na última reunião, quando lembrava que a razão de ser, ou melhor, o significado de objecção que o PSD suscitava à possibilidade de, em certas zonas do território, haver respostas positivas, apesar de haver uma resposta negativa geral, era um problema politicamente incontornável, quer houvesse pergunta de âmbito regional quer não houvesse, porque bastaria haver uma pergunta de âmbito nacional para se fazer a leitura de quem, no território, estava ou não a desejar a existência de regionalizações em concreto no seu respectivo espaço territorial. Ou seja, se o cidadão do Algarve apenas for confrontado com uma pergunta de âmbito regional e responder, inequivocamente, "sim" e, todavia, a resposta nacional for "não", ninguém ficará com qualquer espécie de dúvidas de que passou a haver uma contradição entre uma vontade nacional negativa e uma vontade regional positiva no processo de institucionalização em concreto das regiões.
Isto leva-nos a ter de compreender que, de facto, a utilização de uma pergunta referendária com significado nacional tem um efeito incontornável, quer haja apenas uma ou venha a haver duas perguntas. E esse efeito incontornável é o de não permitir a criação em concreto de qualquer região administrativa, enquanto o País, em geral, não manifestar uma vontade positiva para a reforma no seu conjunto.
Este é o problema do qual politicamente não saímos, seja sob a modalidade de uma, seja sob a modalidade de duas perguntas.
A dúvida final, que é suscitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é a seguinte: pois bem, mas se tiver havido uma manifestação positiva de vontade é legítimo ou não que ela possa ser alterada, que não seja por efeito de um outro voto popular?
Eu diria, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que estamos no domínio de um entendimento possível. Estamos claramente no domínio de um entendimento possível, dada a nossa observação sobre esta matéria - e vamos falar com toda a franqueza, para nos compreendermos bem. Se um referendo nacional der resposta negativa, e porque nós não desconstitucionalizamos a regionalização, é sempre possível, num futuro, renovar um novo referendo nacional se se alterarem as circunstâncias políticas, se vier a haver uma alteração prévia da lei de criação de regiões, ou seja, se se quiser, em sede parlamentar, tomar um novo impulso para o novo referendo. Porém, se essa solução de segundo referendo for relativamente curta no tempo - e quando digo curta posso estar a pensar num ou em dois anos -, parece-nos muito razoável fazer subsistir a eficácia das respostas positivas dadas em referendos regionais, porque não fará, então, sentido voltar a perguntar aos eleitores, no ciclo político relativamente curto, que renovem a sua manifestação de vontade. E, nesse ponto, inteiramente de acordo com a observação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
Se, porventura, ocorrer um desfasamento temporal muito mais significativo, no sentido de que um segundo referendo nacional venha a ocorrer em período temporal muito mais desfasado, por exemplo, entre uma e outra legislatura, pergunto se, nesta circunstância, fará ainda sentido apenas querer alterar um voto popular por outro voto popular, repetindo o referendo; ou se não deveríamos repetir por considerar que a resposta já estava validada quatro ou cinco anos antes; ou se deveríamos, nessa altura, renovar em geral as consultas a fazer.
Portanto, a resposta a esta dupla possibilidade reside em prevermos ou não, em sede constitucional, a possibilidade da caducidade, coisa que a lei orgânica do referendo poderá ou não prever.
Se para o PSD lhes parecer que não deveríamos prever este efeito de caducidade, estaremos disponível para não o introduzir em sede constitucional e, nessa altura, dar como adquirido que um referendo nacional de resultado positivo subsistirá, independentemente da dimensão temporal que venha a ser dada entre um e o segundo referendo nacional que possa ocorrer.
É, pois, uma questão de reflexão, que nos parece pertinente em termos de opção constitucional e para a qual nos disponibilizamos para uma reflexão em conjunto.
Todavia, há uma coisa - e compreenderão -, que não estamos disponíveis para fazer: é a de impedir, em sede constitucional, a possibilidade de opção política pela simultaneidade dos referendos. E gostaria que compreendessem este ponto, porque é decisivo. Não queremos, em sede constitucional, impor nem uma nem outra das soluções, ou seja, o legislador constitucional não tem que, de forma rígida, estabelecer a obrigatoriedade da simultaneidade, mas não tem também que a impedir. Por isso, na medida em que não a queira impedir, tem de prever os seus efeitos possíveis e, depois, em sede de opção política e de legislação ordinária, tomar-se a opção que vier a ser considerada a mais adequada para o efeito.
Neste sentido, penso que o conjunto das dúvidas que foram suscitadas poderão ter ficado aclaradas, designadamente aquela que se reportava à previsão de uma lei orgânica que, tendo a natureza que tem, podíamos dizer "lei orgânica" ou talvez "lei de valor reforçado". É uma questão semântica de alcance idêntico, que significa que, estando a tratar de um referendo que tem natureza específica, apesar de tudo, não deveremos descurar a exigência constitucional de que as normas sobre a natureza específica deste referendo tenham também a natureza de lei reforçada, para que não haja, de facto, nenhuma assimetria entre o tratamento legislativo dos referendos nacionais e o tratamento legislativo dos referendos relativos ao processo de regionalização.
Em síntese, quero dizer que julguei poder descortinar motivos de entendimento e de sintonia de posição: em primeiro lugar, à constatação de que o artigo 255.º deve poder subsistir, tal como se encontra na Constituição, também com assentimento do PSD; em segundo lugar, que a definição de um modelo integral de regionalização deve ser prévio ao momento das consultas populares directas, ao momento, portanto, da instituição em concreto da regionalização, e, por último, que as diversas dúvidas que foram suscitadas, podendo ser esclarecidas quanto ao seu alcance, não têm já motivo político suficiente para justificar uma distinção de posições entre partidos que não pudessem, por causa delas, concorrer para o consenso desejado em matéria de revisão constitucional, nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a primeira questão que queria deixar clara é sobre essa

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súmula final que o Sr. Deputado fez, relativamente a tirar conclusões sobre a posição do PSD. Parece-me evidente, Sr. Deputado, que não vale a pena mistificarmos as coisas - o PSD ainda não propôs nada, pelo que estamos a analisar uma proposta do PS. Nesse sentido, parece-me evidente que o Sr. Deputado não pode concluir que o PSD propôs o que quer que seja porque o PSD está a discutir, a debater abertamente, a proposta que o PS apresentou na Mesa - é essa a sequência normal dos trabalhos. A seu tempo, o PSD apresentará ou não as propostas que bem entender, mas não queria que se gerasse aqui a confusão de que, quando estamos a discutir propostas de outro partido, estamos a apresentar posições definitivas da nossa parte.
Estamos, abertamente, tal como faz parte do trabalho da Comissão, a tentar esclarecer o exacto alcance das vossas propostas e a discuti-las politicamente, a opinarmos politicamente - não se pode nem se deve, minimamente, retirar daí conclusões de que haja propostas novas ou contrapropostas do PSD. Se as houver, obviamente que as formalizaremos, com toda a seriedade, como penso que também presidiu à apresentação desta vossa proposta. Quando o PSD decidir apresentar alguma proposta de substituição ao seu texto, fá-lo-á de uma forma clara e sem subentendidos, também como VV. Ex.as o fizeram. Gostaria, Sr. Deputado, que não se tentasse "cavalgar" o debate quando eles não existem.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mais um adiamento?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em qualquer circunstância, peço este esclarecimento devido a algumas questões que, na sua intervenção, o Sr. Deputado referiu. Quanto à questão da desconstitucionalização, penso que esse assunto já foi debatido na última reunião na sua presença - portanto, acho até um bocado deselegante que continue a tentar interpretar a posição do PSD de uma forma diferente daquela que o PSD aqui expôs. O PSD já claramente deixou aqui dito que a nossa posição, o entendimento que fazemos do projecto de lei de revisão constitucional do PSD não é a desconstitucionalização desta matéria mas apenas, como o PSD entendeu condicionar o processo de regionalização à realização prévia de um referendo, por respeito por todos os resultados possíveis desse referendo, é evidente que mantemos constitucionalmente as regiões administrativas no nosso projecto de lei, mas entendemos que, se previamente vai ter de haver um referendo, não fará muito sentido cristalizarmos logo na Constituição toda a decorrência do processo de regionalização porque ele pode, à partida, ser travado pelo voto dos portugueses. É apenas por isso que surge esse "palavrão" da desconstitucionalização, que penso ser uma meia verdade e que, acima de tudo, pode ser equívoco relativamente à verdadeira posição do PSD.
Quanto à questão que o Sr. Deputado precisou, do máximo conteúdo possível, na vossa perspectiva, que deve conter a lei de criação das regiões a aprovar previamente, o Sr. Deputado utilizou aí um argumento que é o da publicitação necessária para uma maior clareza aquando do referendo. Sr. Deputado, estamos totalmente de acordo: o PSD está totalmente de acordo em que, quando se perguntar aos portugueses, em referendo, esta como qualquer outra matéria, essa pergunta tem sempre de ter uma extraordinária clareza e a maior dose de informação possível para que as pessoas se possam pronunciar conscientemente e sem ambiguidades ou equívocos de qualquer espécie. Se o problema é a publicitação, Sr. Deputado, essa publicitação pode ser decidida na própria lei, ou no acto de aprovação da proposta de lei para o referendo que é feita ao Presidente da República, e a Assembleia da República pode logo decidir que isso é publicado no Diário da República.
Portanto, sendo um problema de publicitação - e aí estamos de acordo em que deve haver a máxima publicitação possível daquilo que, verdadeiramente, se quer pôr a referendo - isso não quer dizer que a lei tenha de ser promulgada.
Com toda a franqueza, Sr. Deputado! Se é essa a razão - e estamos de acordo que essa seja uma razão necessária de ser ponderada - não é necessário o mecanismo da promulgação prévia para obter esse resultado. Logo que seja feita a aprovação da lei por parte da Assembleia da República, maioritariamente, e que seja sugerida ao Sr. Presidente da República a realização de um referendo sobre a mesma, pode-se deliberar que essa lei seja publicitada e publicada adequadamente no Diário da República, e não é pelo facto de ela ser previamente promulgada que essa publicitação se atinge em maior ou menor grau. Portanto, mantemos aí a nossa posição - não me pareceu descortinar da sua argumentação razões suficientemente ponderosas para justificar que a lei tenha mesmo de ser promulgada antes. Porque, para ser publicitada, certamente concordará comigo que isso é perfeitamente alcançável sem que ela seja promulgada.
Quanto à questão que também referiu, do problema de o PSD ter aprovado por acordo convosco, a Lei-Quadro do Referendo, que está actualmente em vigor. Sr. Deputado, exactamente, mas também tem de referir, tal como eu o fiz quando comentei a vossa proposta de substituição ao artigo 256.º, que o PSD entretanto apresentou um projecto de lei de revisão constitucional onde propõe também a alteração do artigo 118.º. alteração essa que retira a restrição da participação dos cidadãos eleitores do território nacional ao pôr apenas os cidadãos eleitores recenseados. E porque é que o PSD fez isso, Sr. Deputado? Mais uma vez, recordo-lhe a razão pela qual entendemos que esta matéria tem de ser discutida em conjunto com o artigo 118.º: o PSD fez isso porque, como o Sr. Deputado sabe, neste projecto de revisão constitucional nós, como o PS, nessa matéria, avançámos com a constitucionalização necessária de alguns actos referendários novos, nomeadamente regionalização e aspectos que resultem da revisão do Tratado da União Europeia.
Nesse sentido, exactamente por essa razão, entendeu o PSD, no seu projecto de revisão constitucional, que os referendos, até porque vão ter que ser feitos, necessariamente, sobre estas matérias, teriam de ter a participação de todos os cidadãos. Para o PSD não faz sentido que os emigrantes, que estão a trabalhar lá fora e têm as suas casas no nosso país, que voltarão ao nosso país, não se pronunciem sobre uma matéria (aí, penso que estamos todos de acordo) que é uma reforma fundamental da organização do Estado e do território em Portugal. Que eles possam pronunciar-se porque eles vão voltar e, na sua esmagadora maioria, querem voltar para o território nacional; por isso é que continuam a mandar dinheiro para Portugal, por isso é que continuam a investir em Portugal, por isso é que constróem casas em Portugal - é para, um dia, voltarem e habitar nelas.

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Portanto, mantemos a opinião de que referendos, nomeadamente sobre regionalização e sobre aspectos que têm a ver com o Tratado da União Europeia, quando forem realizados, têm de ser realizados com a participação de todos os portugueses. Independentemente de, na Lei-Quadro do Referendo aprovada, onde os nosso votos se juntaram, na altura, aos votos do PS e a outros, depois disso, apresentámos um projecto de lei de revisão constitucional que não pode deixar de ser referido - quando o Sr. Deputado invoca a Lei-Quadro do Referendo, não pode deixar de invocar também, até porque é bastante mais recente, o projecto de lei do PSD sobre a revisão da lei do referendo.
Entrando agora em questões que, para mim, são as mais complicadas das que o Sr. Deputado abordou. O Sr. Deputado referiu, nomeadamente, na hipótese de haver uma pergunta de âmbito nacional e uma pergunta de âmbito regional, que, no caso da pergunta de âmbito nacional ter uma resposta negativa, ficaria a aguardar nova oportunidade e, depois, era uma questão de tempo - se bem percebi; ou seja, se o referendo nacional fosse repetido em tempo útil, poderia, eventualmente, ainda manter-se o resultado do voto favorável à pergunta regional mas, se fosse já uma dilação muito grande, eventualmente, teria de se repetir.
Sr. Deputado, não concordo com isso e chamo-lhe a atenção para dois aspectos fundamentais pelos quais isso não faz sentido: repare, como eu aqui referi, se houver um não à pergunta nacional, evidentemente - e o Sr. Deputado também me pareceu concordar com isso na sua intervenção - que terá de se tirar daí conclusões políticas; ou seja, o novo referendo, se a Assembleia da República decidir voltar a fazê-lo, será um referendo a uma lei revista relativamente à primeira.
Ora, se a lei for revista relativamente à primeira, como é que podem perdurar os votos favoráveis numa consulta que se dirigia à lei anterior? Se, depois, se faz um referendo nacional com uma lei com algumas alterações, é evidente que os votos que foram feitos com base na lei anterior, não se podem manter porque eles, por si, já estão desactualizados, pelo simples facto de a Assembleia ter revisto a lei.
O segundo absurdo dessa situação seria o seguinte: Sr. Deputado, naturalmente que, por exemplo, se o voto à pergunta nacional foi "não" e, depois, regiões como o Algarve ou o Alentejo, maioritariamente, numa contabilização em termos regionais, disseram "sim" mas já regiões como a de Lisboa ou a Beira Baixa disseram "não", como é que pode alterar a lei, mudando porventura a delimitação das áreas, e continuar a considerar só repetir o voto regional nas regiões que disseram "não"? É que, provavelmente, as regiões que disseram "não", fizeram-no porque, por exemplo, Leiria não queria ficar junto com Coimbra e preferia ficar junto com Lisboa. E, se assim fosse, se só vai repetir na região que disse "não", na região que disse "sim" vai acoplar alguma das partes que estava na lógica do "não", provavelmente as pessoas que antes disseram "sim" já não concordam com o novo reajustamento.
Essa lógica de pensar que é possível manter em "banho-maria" determinados votos, alterar as coisas para perguntar de novo mas, a quem já disse "sim", não se fala mais no assunto e só se volta a perguntar a quem disse "não", isso causa problemas completamente absurdos e inultrapassáveis, Sr. Deputado. Com toda a franqueza! Chamo-lhe a atenção para isso porque não é possível essa concepção - isso é virar as costas ao problema.
O Sr. Deputado conclui esta parte dizendo que a simultaneidade, do seu ponto de vista, não deve ser afastada logo na Constituição mas, porventura, poderá ser equacionada em termos da lei - da Lei-Quadro do Referendo, enfim, da lei orgânica que enquadre toda a matéria do referendo. Sr. Deputado, em termos procedimentais, em princípio, de facto, isso não suscitaria problema mas, em termos políticos, desde logo, coloca. O PSD gostava de ouvir aqui, com sensatez, em termos políticos, a aceitação de que, face aos problemas colocados, potencialmente resultantes da simultaneidade, isso também não será aceitável por parte do PS e, nesse sentido, se o PS não conseguir encontrar a solução mágica que ultrapasse esses problemas, obviamente que não os aceitará e afastará a simultaneidade; ou então, politicamente, não há nenhuma evolução - é o "deixar para amanhã aquilo que se pode fazer hoje"! Se, procedimentalmente, isso pode não ter razão, politicamente tem toda a relevância porque, se estamos de acordo em que os problemas existem, então tentemos resolvê-los já e não finjamos que eles não existem deixando-os para a lei orgânica, a Lei-Quadro do Referendo.
Acho que devemos resolver os problemas todos e rapidamente, em vez de estarmos a tentar deixá-los para um segundo momento como se, agora, eles fossem grandes demais e depois logo se vê - para já, andamos um bocadinho e depois logo se vê! Sinceramente, isso procedimentalmente pode fazer algum sentido mas politicamente, como o Sr. Deputado concordará, não faz sentido nenhum.
Por último, Sr. Deputado, deixava-lhe, com toda a clareza, uma questão que é inaceitável...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou a lembrar-me, com alguma razão, que V. Ex.ª pretendia fazer uma pergunta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, entenda isto como uma pergunta - V. Ex.ª fez algumas considerações e eu, no meu esclarecimento, tenho de comentar. Não estamos, propriamente, em Plenário mas, sim, numa Comissão e, nesta sede, para se avançar, temos de ir debatendo as questões que são lançadas para a mesa por cada um dos Deputados. Esta não é, pois, a lógica de Plenário.
Todavia, quero que fique claro que o PSD nunca aceitará a possibilidade de se consagrar constitucionalmente que o voto popular, em sufrágio livre, ao povo português possa não ter uma tradução e um efeito, só alterável pelo voto dos próprios portugueses, ou seja, nunca aceitaremos votos "para o boneco" ou votos "em banho-maria".
Uma vez que estamos em sede de revisão constitucional, o Sr. Deputado Jorge Lacão deixou em aberto a hipótese de ser a própria Constituição, para evitar os problemas de constitucionalidade, a consagrar qual o destino que teriam os votos em sede regional. Ora, para que não haja qualquer equívoco, devo dizer que o PSD nunca aceitará constitucionalizar o que quer que seja que não respeite totalmente o valor soberano e absoluto do voto popular. Portanto, não aceitamos nem caducidades, nem votos "em banho-maria", nem votos "para o boneco", que depois se aplicam ou deixam de aplicar!

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Esta é, para nós, uma questão de princípio e jamais haverá adesão do PSD à introdução de qualquer mecanismo na Constituição que retire o valor absoluto e soberano ao voto popular. Nesta matéria, com toda a franqueza, Sr. Deputado Jorge Lacão, temos uma posição totalmente fechada, porque é a própria concepção do Estado de direito democrático que não nos permite aceitar qualquer tipo de tergiversação.
Por último, o Sr. Deputado invocou a tese defendida pelo Sr. Deputado Luís Sá, na passada reunião, sobre as dificuldades de a partir de uma pergunta nacional também se poderem retirar leituras políticas de âmbito regional. Com certeza que, assim como ouviu as declarações do Deputado Luís Sá, também ouviu as que proferi nessa mesma reunião, porque já expressei a opinião do PSD sobre essa matéria.
Todavia, permito-me repetir essas declarações, uma vez que também repetiu as do Deputado Luís Sá. A verdade é que as eleições presidenciais, bem como todos os sufrágios nacionais, também podem fornecer leituras regionais, ou seja, quando se elege o Presidente da República é possível verificar que no distrito A ganhou o candidato B e no distrito B o candidato A. Isso é pacífico e, hoje em dia, a maturidade cívica e democrática do povo português já não coloca qualquer óbice a esse facto.
Assim, os portugueses de Braga, do Porto, de Leiria, do Algarve ou do Alentejo têm consciência de que, num sufrágio nacional, podem dar maioritariamente a vitória ao candidato ou partido A, mas que o mesmo pode não obter uma vitória global no contexto nacional. Há, de facto, uma aceitação madura e cívica dos portugueses do resultado quando se trata de sufrágios nacionais.
Sinceramente, o PSD vê isso como uma falsa questão, porque a maturidade da nossa democracia já a ultrapassou há muito.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Repare, Sr. Deputado, é suposto todos estarmos...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Sr. Deputado Paulo Portas?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Portas está inscrito para fazer uma intervenção autónoma!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Façam uma comissão ao estilo do Bloco Central!

Risos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques está aqui a "atropelar-me"...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço-lhe que ceda neste ponto, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Os senhores enviaram para esta Comissão um factor de pressão adicional!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mais pressão do que um Presidente interventor... É uma espécie de "sidonista" na revisão constitucional!

O Sr. Presidente: - Se me permitem, vou responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
De facto, é suposto todos estarmos a fazer um esforço no sentido de delimitar, claramente, as zonas de consenso em torno das quais é possível chegar a um acordo. Mas se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, nesta altura, ainda não nos esclareceu se é a favor ou contra a formulação do artigo 255.º, que é uma disposição nuclear na estrutura constitucional sobre a regionalização, como é possível fazê-lo?!
Lembro que o PSD ainda nada disse sobre a sua opção neste ponto e, portanto, todo o debate parece andar à volta de hipóteses sobre hipóteses, sem que haja tomadas de posição politicamente claras da parte de alguns partidos. Da parte do PS, as opções não podem ser mais claras, mas da parte do PSD torna-se mais uma vez evidente que este continua a formular hipóteses sobre hipóteses, sem partir de uma base que torne compreensível as suas opções de natureza política.
Em segundo lugar, é importante que o PSD clarifique, de uma vez por todas, se entende ou não que o referendo nacional deve ocorrer em momento posterior à definição do modelo regional, envolvendo atribuições, competências e delimitação geográfica.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quando é que os senhores respondem a esta pergunta simples? Quando?! Será que não teremos o privilégio de saber o que o PSD pensa, em definitivo, sobre esta matéria? Era interessante que isso pudesse ocorrer, porque clarificaria, no plano político, qual é a vossa opção neste domínio, em termos de Constituição.
Relativamente às dúvidas que levantou, mais uma vez questionou se se justificaria ou não a prévia existência da lei de criação das regiões. A esse propósito, Sr. Deputado, já falei do princípio da publicidade, mas posso acrescentar outros aspectos que, do meu ponto de vista, são igualmente muito relevantes. Optamos, como está inequívoco, pela manutenção...

Protestos do Deputado do PSD Silva Marques.

O Sr. Deputado Silva Marques é Vice-Presidente da Comissão, por isso peço-lhe o favor de se comportar nessa qualidade, caso contrário teremos de entrar em diálogo. Além de o mais, como o Sr. Deputado esteve calado durante todo o tempo em que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes usou da palavra, naturalmente tenho a possibilidade de esperar de si um benefício semelhante!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não se zangue!

O Sr. Presidente: - Não estou zangado, Sr. Deputado. É na qualidade de Presidente da Comissão que agora lhe peço que deixe os trabalhos decorrerem com normalidade.
Retomo então a minha intervenção.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para além da questão da publicidade, que é algo de relevante para o protagonismo formal que os órgãos do Estado tenham na matéria, há outros aspectos a considerar. Desde logo, a matriz regional ficará presente na Constituição, o que significa que a lei de criação das regiões tem de demonstrar, inequivocamente, que respeita a matriz regional da Constituição. E esse aspecto poderá ser assegurado através da possibilidade dada ao Presidente da República de suscitar, no acto de promulgação - se o entender e se alguma dúvida lhe ocorrer -, a fiscalização preventiva do texto antes da promulgação.

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Dessa forma, os portugueses sabem que, no momento da sua pronúncia acerca de uma lei que tem clara incidência constitucional, não haverá qualquer risco de inconstitucionalidade material nessa lei. E qual é o mecanismo que o pode assegurar? O acto institucional da promulgação presidencial como condição da possibilidade de fiscalização preventiva em sede de Tribunal Constitucional da lei de criação das regiões administrativas.
Todos estes factores militam a favor da máxima cautela institucional que deveremos ter com uma lei deste tipo, por isso mantemo-nos fieis à ideia de que a lei deve ser previamente aprovada e publicada e só num segundo momento terá lugar a fase de instituição em concreto das regiões, com a consulta popular.
O Sr. Deputado também se referiu a um outro aspecto, o do alcance dos cidadãos eleitores chamados a participar neste referendo. Os seus argumentos sobre que eleitores deveriam participar num referendo sobre o processo europeu tiveram algum interesse, mas a verdade é que pouco disse sobre o referendo regional.
Sr. Deputado, repare que é no referendo regional, pela sua própria natureza, que faz sentido falar do princípio da territorialidade. Aliás, no Tratado de Maastricht, que os senhores, tal como nós, aprovaram, fixa-se um direito de cidadania europeia para a possibilidade de participação política, em sede autárquica, de cidadãos "residentes no território" e não localizados no território! Os senhores aprovaram esse princípio e consideraram-no positivo.
Assim, o sentido ou o princípio que se retira desta formulação para o referendo regional, insisto, é o da territorialidade, que é o mesmo que os senhores adoptaram em matéria de cidadania europeia, Fará, por isso, pouco sentido que não o queiram fazer prevalecer em matéria de aplicação ao exercício democrático no País.
Mantemos, portanto, como válidas e coerentes as nossas opções nesse domínio. É natural que existam divergências neste ponto com outros partidos, em particular com o Sr. Deputado Paulo Portas, mas compreende-se a coerência do Sr. Deputado Paulo Portas nessa matéria, a vossa é que não!
Quanto à problemática dos efeitos da simultaneidade ou não simultaneidade dos referendos, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o problema é o seguinte: entendemos que uma das observações que fez tem sentido - refiro-me à possibilidade de, em certas circunstâncias políticas, referendos regionais virem a revelar-se desactualizados por efeito de uma nova solução -, mas se assim é, pergunto então qual é o efeito do sentido que referiu! É, com certeza, admitir a possibilidade de renovação da consulta regional em função da renovação da consulta nacional. Esse é o sentido que pode ter!
A única dúvida com que ficamos é se a renovação da consulta regional fará sentido no caso de o ciclo político das consultas ser relativamente próximo no tempo. Admitimos que não faça sentido reproduzir sempre a consulta nacional e regional se esta última tiver sido expressa no momento em que a sua actualidade política for manifesta. Por isso mesmo, admitimos a solução que admitimos.
Agora, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não tem razão quando diz que este é um ponto de entendimento incontornável, porque esta matéria não versa uma questão de princípio nem fundamental para determinar o processo de consulta aos cidadãos. Trata-se apenas de um ponto de definição de efeitos de uma consulta articulada com outras e isso, Sr. Deputado, é matéria de opção do legislador ordinário. Não será por causa dela que os senhores deixarão de dar ou não o vosso assentimento a uma solução em sede de revisão constitucional.
Insistindo neste ponto, digo-vos que o problema fundamental que aqui se coloca é o de saber se o princípio da simultaneidade deve estar proibido na Constituição. Defendo que não pode estar proibido na Constituição e, se assim é, o Sr. Deputado não pode contra-alegar que qualquer efeito das perguntas poderia ter consequências pérfidas, de inconstitucionalidade. Para que não possa ter essas consequências de inconstitucionalidade, então a Constituição tem de prever a hipótese da simultaneidade. Não quer dizer que a aplique necessariamente - independentemente do meu ponto de visto político -, mas tem de prever as consequências disso.
Como há pouco lembrava, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não pode alegar, ao mesmo tempo...

(Por deficiência técnica foi impossível registar as últimas palavras do Sr. Presidente e o início da intervenção do Sr. Deputado do CDS-PP Paulo Portas).

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - ...política tome consciência de que o País não quer a regionalização. Se a classe política tomar consciência disso, procede à revisão constitucional que se tornar necessária para a desconstitucionalizar. Esta é para nós a consequência de um "não". A consequência de o País dizer não à regionalização é uma revisão constitucional em que ela saia da Constituição. É isto que é lógico, linear e compreensível. Para vocês parece que é mudar a lei e para o Partido Socialista parece que é ir de referendo em referendo até ver se as pessoas dizem que sim. Não! É muito simples! Se o País não quiser, os políticos devem tirar daí as suas ilações e devem reproduzi-las em sede constitucional. Para nós é claríssimo: se o País disser não, deve haver uma nova revisão constitucional em que se elimine a regionalização da Constituição, como já se devia eliminar agora, mas isso, enfim, é a nossa posição, que parece não ser partilhada.
Portanto, julgo que há algumas dificuldades na redacção da proposta para o n.º 2 do artigo 255.º, pese embora o facto de eu considerar que a proposta é globalmente positiva, na medida em que permite, pela primeira vez, a existência de um referendo nacional, o que é histórico em 20 anos de democracia constitucional, em que prevalece claramente o princípio do Estado/Nação, no sentido de que, de facto, a resposta à pergunta de âmbito nacional prevalece sobre as perguntas regionais, e em que está afastada uma hipótese absurda, que chegou a ser aventada, de que os portugueses das ilhas não seriam chamados a votar.
Mas com estas críticas, uma relativamente à questão dos emigrantes e outra relativamente à simplificação dos efeitos da vossa proposta para o n.º 2, considero que é preciso dar um ritmo de trabalho mais eficiente a esta discussão e, portanto, nessa matéria queria propor ao Sr. Presidente que se passe, muito simplesmente, à votação do artigo 255.º.
Queremos saber, porque isso para nós é prévio, quem é que quer que a regionalização fique na Constituição. Nós queremos que a regionalização não fique na Constituição e só posso ter uma opinião definitiva sobre o artigo 256.º depois de saber se esta Câmara quer ou não manter a

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regionalização na Constituição. Portanto, penso que é preciso começar a trabalhar a sério, a avançar e a desbravar caminho e, nessa matéria, não se vai começar pelo referendo sobre a regionalização, começa-se, naturalmente, pelo artigo que prevê a criação das regiões, falsamente administrativas do nosso ponto de vista.

O Sr. Presidente: - Encontram-se inscritos, para intervir, os Srs. Deputados Calvão da Silva e Luís Sá e, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Paulo Portas, os Srs. Deputados Alberto Martins, Luís Sá e Jorge Lacão.
Peço aos Srs. Deputados que procurem utilizar a figura regimental dos pedidos de esclarecimento pelo seu "valor matricial".
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, creio que a Comissão de Revisão não deve votar os artigos mas, sim, ir avançando na sua discussão.
Deixava de lado as considerações finais que fez na sua intervenção e que já se reportam ao artigo 256.º e à proposta que foi apresentada pelo meu grupo parlamentar e regressava à questão que deixou no final, que é, de facto, nuclear, que é a questão do artigo 255.º.
O artigo 255.º é considerado por nós, como já foi dito, o núcleo essencial do processo de regionalização; é, digamos, em grande medida, o pórtico ou a bússola da regionalização. Nesse sentido - e a questão que lhe coloco é essa -, o que está em debate hoje aqui não é propriamente quem é ou quem não é favorável a esse artigo, porque ele está na Constituição e só é alterado se houver uma maioria que conduza a essa alteração, sendo certo que a posição do Partido Socialista é muito clara: o artigo 255.º é intocável.
Penso que já foi adquirido que esse artigo define a ideia de uma autarquia supramunicipal chamada região e define a institucionalização em lei-quadro, geral e simultânea, das regiões, que são dois adquiridos do próprio debate político, e, como bússola na fase subsequente do processo, admite a diversidade de estatutos, remetendo para a instituição em concreto.
Julgo que, nesta fase da discussão, uma vez que, manifestamente, já não há a possibilidade de alteração por dois terços indiciários para alterar este artigo, ele está assumido, por isso creio que deveríamos passar a uma fase seguinte. Está assumido, por compromisso político e por indisponibilidade do processo de revisão constitucional, que as regiões não vão ser tiradas da Constituição, pois não é possível nem há maioria política para isso; que a lei-quadro vai existir, aliás já existe e está em vigor; que há uma lei em concreto das regiões, e aqui mantenho uma dúvida, mas pareceu-me que o Partido Social Democrata aceitava a ideia de haver uma lei em concreto das regiões, mas, se for um dado adquirido, será positivo, e, depois, levantam-se as questões subsequentes: o referendo nacional e o referendo regional são adquiridos, estando em aberto a questão da simultaneidade e o horizonte do universo eleitoral.
Assim, a pergunta que lhe coloco é esta: qual é a posição do CDS-PP neste momento sobre o artigo 255.º? E, sabendo que a sua solução é obviamente perdedora, como é que se coloca a seguir - já o disse em alguma medida - face aos compromissos constitucionais que estão estabelecidos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, quer responder de imediato?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É uma coisa muito rápida, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, quero dizer a V. Ex.ª que existe aqui uma petição de princípio e uma questão de consequência. Para nós, em democracia, só é intocável a liberdade, sendo a questão da regionalização de opção política, que não torna mais democrata nem menos democrata quem a defende ou quem a critica.

O Sr. Alberto Martins (PS): - A sua opção também é!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Com certeza! Mas isso também é anterior à própria ideia de democracia, Sr. Deputado Alberto Martins!
Agora, o que eu gostava de lhe dizer, com toda a clareza, é que lamento essa posição dogmática do Partido Socialista em considerar a criação de regiões praticamente um dogma de fé. Julgo que vai ser a Nação que, democraticamente, vos vai obrigar a mudar de opinião e que vão ser os portugueses que, democraticamente, em referendo, vão convencer o Partido Socialista de que não só a regionalização não é um dogma como não têm razão em considerá-la dessa forma, quase como se fosse uma questão de fé.
É por isso, Sr. Deputado, que lamento que o Partido Socialista não dê o seu contributo para desconstitucionalizar o artigo 255.º, mas, em todo o caso, porque acho que isto deve ficar claro perante os portugueses, peço ao PSD e ao Partido Comunista que digam com clareza se são a favor ou contra a desconstitucionalização da regionalização, para que o debate comece claro perante os portugueses. E faço este apelo em particular ao PSD, cuja posição não se percebe. Se os senhores querem manter a regionalização na Constituição, então, de facto, é porque são a favor da regionalização. Se, porventura, evoluíram, como estão evoluindo em tanta coisa, e já aceitam desconstitucionalizá-la, então poder ser que vão a caminho de compreender o vosso eleitorado e vão a caminho de ser contra a regionalização, caso em que os acolheremos de bom grado.
Mas é evidente que, se, como aqui ficou claro, não há maioria para desconstitucionalizar a regionalização, então a nossa luta seguinte e imediata é para que os portugueses tenham o direito de dizer não à regionalização e de, nesse sentido, dar uma lição de democracia e de humildade aos partidos políticos e aos seus representantes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para perguntas e com considerações, tal como o Sr. Deputado Jorge Lacão, na altura não repreendido pelo Sr. Presidente, teve oportunidade de fazer!

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª toda a razão e todo o direito.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Com certeza.
Antes de mais, em relação ao artigo 255.º e ao problema de o votar, o PS, primeiro, e agora, um pouco nessa linha, o Sr. Deputado Paulo Portas estão muito preocupados em criar um consenso em torno do artigo 255.º. Parece que era preciso haver aqui uma maioria de dois terços para manter o artigo 255.º, mas é precisamente o contrário, o que é preciso é haver uma maioria de dois terços para o alterar. Como é evidente, os artigos que estão na Constituição não têm de ser votados, as alterações é que têm de ser votadas.
Parece aqui cristalino o facto de haver uma maioria no sentido de manter o artigo 255.º, e eu, nesta matéria, até diria, salvo politicamente, como é evidente, e a curiosidade que, naturalmente, todos nós temos sempre, que a posição do PSD seria relativamente irrelevante. No entanto, o PSD já teve a oportunidade de apresentar um projecto de revisão constitucional que desconstitucionaliza a regionalização.
Ao Sr. Deputado Paulo Portas pode convir, naturalmente, a bandeira exclusiva desta matéria, mas é um problema que os dois partidos têm de resolver. Agora, estamos aqui a trabalhar no sentido de fazer avançar este processo. Compreendo que há outro tipo de preocupações ali à minha direita, mas, independentemente desse aspecto, do ponto de vista do andamento dos nossos trabalhos, há determinados golpes de teatro que creio que são de todo descabidos neste contexto.
As posições são cristalinas, não há maioria para alterar o artigo 255.º e, portanto, não faz qualquer sentido votar o artigo 255.º. Aquilo que estamos a discutir é numa perspectiva de manter as regiões administrativas na Constituição e examinar, naturalmente, os termos de uma proposta de referendo acerca desta matéria.
Entretanto, o Sr. Deputado Paulo Portas colocou uma questão, que, aliás, eu já tinha tido o gosto de a ler na sua qualidade de articulista, que foi a questão das regiões administrativas serem políticas. Naturalmente que tudo é político num determinado sentido, incluindo a eleição para um clube de futebol ou para uma colectividade. É evidente que a disputa de influência social pode ser política quando envolve determinadas conjunturas.
Agora, em Direito Constitucional, em Direito Administrativo e até em Ciência Política, a distinção entre política e administração, que não é simples em situações de fronteira, tem, em todo o caso, uma ampla literatura. Os critérios naturalmente que são discutidos, havendo várias correntes e vários autores, mas quase nenhum renuncia a estabelecer a distinção entre política e administração.
Há, no entanto, um aspecto que é perfeitamente irrecusável: é que as regiões administrativas, tal como estão configuradas na Constituição da República Portuguesa, são autarquias locais; estão tratadas como tal; não têm a ver com regiões, por exemplo, como as da vizinha Espanha; e são realidades que estarão muito mais próximas das regiões da Dinamarca ou da Holanda do que de regiões de Estados regionais, em que, designadamente, subjacente à região, há nacionalidades e estão a resolver-se problemas éticos, étnicos e nacionais. Os modelos de regionalização estão também amplamente identificados na literatura como distintos. Todos sabemos, por exemplo, que as regiões administrativas que estão propostas para o continente não têm poderes legislativos, ao contrário do que acontece com toda uma série de outras regiões que existem por esses países fora. E o Sr. Deputado Paulo Portas concordará que é diferente fazer as opções em matéria de investimento, por exemplo, quanto é que se vai investir em educação, saúde, defesa, etc., e ter como atribuição construir uma escola C+S. É diferente quanto é que se vai investir no conjunto do País em vias de comunicação e administrar uma rede viária regional, de acordo com uma determinada esfera de competências.
Creio que é irrecusável, olhando para as atribuições e competências propostas pelos partidos políticos adeptos da criação das regiões em Portugal, que nós estamos no domínio do administrativo.
É evidente que uma eleição para uma freguesia, a eleição de um presidente da junta, tem uma dimensão política num certo sentido. Mas, com certeza, não se pretenderá que as eleições do Presidente da República e para a Assembleia da República ou para as regiões autónomas, sejam a mesma coisa que a eleição de uma freguesia.
A literatura de direito público ou de Ciência Política estabelece claramente a distinção. Creio haver que estabelecê-la também aqui.
O outro aspecto, focado pela sua intervenção e pelas anteriores, Sr. Deputado - de resto, já tivemos o privilégio, antes de entrar nesta sala, de saber, através da imprensa, o que iria aqui passar-se, isto é, qual era o grande tema que iria seguir-se - é a questão do voto dos emigrantes no referendo.
Tivemos dois meses de campanha em torno do referendo nacional. Naturalmente, a evolução - e, designadamente, a cedência do PS - da questão do referendo nacional é conhecida. E, agora, vamos ter a próxima campanha - eventualmente, dois meses - em torno do voto dos emigrantes.
E independentemente da questão, já aqui aflorada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, acerca do carácter territorial, há um aspecto perfeitamente irrecusável, sob pena de entrarmos por um caminho de manifesta demagogia: é que o problema da igualdade de oportunidades, numa eleição que envolve o mundo inteiro, é uma questão que irrecusavelmente se põe.
O Sr. Deputado Paulo Portas não terá qualquer dificuldade em fazer campanha nos Estados Unidos da América, por exemplo; eu terei dificuldade e não me será permitido. Este aspecto é irrecusável.
Isto, para além de outras questões, também evidentes. É que o Partido Popular propôs que esta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional reunisse em todas as capitais de distrito, mas não propôs que reunisse em todas as comunidades de emigrantes. Certamente, vai também apresentar, de acordo com este novo tema de campanha em torno do direito de voto dos emigrantes, uma proposta no sentido de a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional se deslocar à comunidade de emigrantes do Canadá, dos Estados Unidos e de outros pontos do mundo para poder igualmente reunir.
É evidente que ninguém gosta, nesta matéria, de limitar direitos de voto neste plano, mas são questões perfeitamente incontornáveis e que não podem deixar de ter uma resposta.
A última questão, Sr. Presidente - e peço-lhe para mim a mesma benevolência que demonstrou para si próprio e para o Sr. Deputado Luís Marques Guedes -, é a seguinte: foi colocado aqui o problema da dimensão regional do referendo nacional e, designadamente, isso foi referido por alguns Srs. Deputados a propósito da minha

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afirmação de que o referendo nacional não pode deixar de ter leituras regionais. A resposta que me foi dada foi a de que as eleições presidenciais naturalmente também têm essa dimensão regional e todos o aceitam. Há, no entanto, uma diferença que creio ser extremamente profunda: é que quando estamos a eleger o presidente da República estamos a eleger um órgão unipessoal. Não há, naturalmente, problemas pelo facto de a votação para a eleição do Presidente da República variar consoante as regiões. Aqui estamos a lidar com algo de profundamente diferente, que é o direito de comunidades regionais se constituirem em região, tendo uma pessoa colectiva de direito público, com órgãos democraticamente eleitos e com a capacidade de auto-administrar uma determinada esfera de interesses. Isto é, os problemas políticos que não estão envolvidos num caso estão-no noutro, quando, por exemplo, há um sentido de voto a nível nacional, mas, por exemplo, a comunidade algarvia, de Trás-os-Montes, ou qualquer outra comunidade vota a favor de se constituir em região e o conjunto do País nega esse direito. Este problema é incontornável e é-o quer o referendo nacional seja simultâneo com a pergunta regional ou com o referendo regional quer haja uma separação. Não vale a pena esconder uma questão que efectivamente existe. Podem o PS e o PSD decidir afrontar este problema político e responder por ele perante no País, de acordo com a situação em que se meteram, mas é bom terem consciência de que esta questão existe mesmo.
E naturalmente vai colocar-se um outro problema: é que, estando aprovada a lei de criação das regiões administrativas, uma lei pela qual a Assembleia da República diz "as regiões são estas com uma determinada área", as expectativas criadas, depois da aprovação desta lei, são evidentemente ainda maiores e a frustração sentida por um referendo nacional dizer eventualmente que não tem este direito, será igualmente ainda maior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou tentar ser telegráfico.
Sr. Deputado Luís Sá, como sabe, tenho uma enorme consideração pela sua inteligência e pela sua cultura quer política quer jurídica. É por isso que gostava que me mostrasse qualquer manual de Direito Constitucional, Direito Administrativo ou Ciência Política onde conste que é administração a criação de um grau novo na hierarquia política do Estado dotado de um governo regional - V. Ex.ª pode chamar-lhe junta, mas é um governo regional - e de um parlamento regional, a que V. Ex.ª pode chamar assembleia regional. Isto não existe na Administração Pública, considerada do ponto de vista administrativo. Isto é política, criação de órgãos políticos e reformulação do modelo de Estado político, que temos em Portugal.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Faça favor.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, gostaria de clarificar o seguinte: é evidente que criar autarquias locais e regiões administrativas é um acto eminentemente político, integrado na função política e legislativa. Agora, a questão não é essa! A questão é saber se as atribuições e competências futuras se situam no plano do Direito Administrativo ou do direito político. E, nesse aspecto, posso indicar-lhe uma extensa literatura que diz que isto é administração e o Sr. Deputado não me mostrará qualquer literatura que diga o contrário.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado, volto, apesar da consideração que tenho por si, a dizer que não tem razão. É preciso situar o debate... Aliás, há aqui uma contradição de fundo: VV. Ex.as, às 2.as, 4.as e 6.as, pretendem dizer que esta é a reforma do século; às 3.as, 5.as e sábados, dizem que é uma reforma meramente administrativa, que o País não tem de preocupar-se, porque isto é mera administração.
Ó Sr. Deputado, não há reforma meramente administrativa, com esse teor minimalista que os senhores, às 3.as, 5.as e sábados, lhe dão, que seja a reforma do século. O que os senhores querem é mudar o modelo de organização político-administrativo do Estado e é isso o que está em causa.
De resto, é de tal forma isso que está em causa que as futuras competências e atribuições, embora aqui já excedamos o artigo 255.º em particular... E é evidente, Sr. Deputado, que o que estava em causa - apesar de o senhor ter usado uma técnica de baralhação - era votar as alterações ao artigo 255.º, designadamente as propostas pelo meu partido, que pretende a desconstitucionalização do que aí está previsto e fez essa proposta em devido tempo.
Agora, os problemas que, em vossa opinião, as regiões vão resolver são políticos e não administrativos, Sr. Deputado! Então, dar às regiões atribuições e competências em matéria de educação, saúde, desenvolvimento, actividades produtivas, economia, turismo, cultura e património, é administração?! Isto é política! São opções políticas!
Quanto ao segundo ponto, aos meios de que os senhores dotarão as regiões, sejam os meios do Orçamento do Estado, seja o lançamento de taxas e tarifas pelas regiões, eles atingem o núcleo essencial do que carece de representação democrática e, portanto, isso é política, uma vez mais, e não administração.
Por fim, Sr. Deputado, repito: não conheço qualquer órgão administrativo que tenha um governo regional e um parlamento regional eleitos directamente, com legitimidade democrática directa.
Assim, uma vez mais, refiro: chamarem esta regionalização de administrativa é uma contradição não só com a vossa promessa de que isto é a reforma do século mas também com a própria essência dos problemas que pretendem resolver com a regionalização, dos meios que pretendem atribuir às regiões e dos órgãos políticos com que pretendem formatar as regiões.
Portanto, nesta matéria, queria especificar com clareza o seguinte: não contribuam para uma confusão que, se as regiões forem criadas, nos custará a todos caro.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra a mim próprio para colocar algumas questões ao Sr. Deputado Paulo Portas, a primeira das quais sob a forma de observação.
Sr. Deputado Paulo Portas, em política, os pontos de vista são todos legítimos, quando estão certos ou errados. Interessa é demonstrar a racionalidade das razões que sustenta. Se o Deputado Paulo Portas não estivesse aqui

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na qualidade de político mas de examinando, em sede de um exame de Ciência Política e Direito Constitucional, já teria manifestamente "chumbado", porque exprime certos pontos de vista conceptualmente errados.
O Sr. Deputado Luís Sá tem razão, ao dizer que é preciso fazer uma distinção entre descentralização em sentido político e exercício de competências políticas. E a sua confusão, Sr. Deputado Paulo Portas, advém precisamente do facto de não fazer essa distinção.
Permita-me, pois, que o esclareça: descentralização em sentido político, com a regionalização, vai haver. E vai haver, porque a regionalização dará lugar à existência de órgãos democraticamente legitimados, que, por isso, dão origem a uma descentralização em sentido político.
Porém, as regiões não terão competências políticas, no sentido em que não terão competência para introduzir inovações na ordem jurídica geral. Nesse sentido, não terão competências políticas, mas apenas competências administrativas.
Quando o Sr. Deputado Paulo Portas passar a fazer esta distinção, poderá dizer, de forma mais correcta, que a reforma para a regionalização é política, no sentido de um processo de descentralização; não é política, no sentido em que não dará lugar a alterações na ordem jurídica do Estado por efeito do exercício de competências meramente administrativas.
Vamos ao que importa. E o que importa é sermos inteiramente claros para ver se podemos avançar. O Sr. Deputado Paulo Portas disse o seguinte: "Nós, PP, somos a favor da desconstitucionalização da regionalização e da eliminação do artigo 255.º". É claro! É um mérito de posição, que reconheço. A posição do PS é politicamente antagónica à vossa e é inteiramente clara: não somos pela desconstitucionalização do artigo 255.º. A consequência inevitável, também referida pelo Sr. Deputado Luís Sá, é esta: diga o PSD o que disser nesta matéria, não há maioria de dois terços para alterar o artigo 255.º e, consequentemente, para desconstitucionalizar a regionalização. Portanto, que fique, hoje, nesta reunião, claríssimo e sem qualquer margem para ambiguidades que não voltaremos a perder tempo a discutir o destino do artigo 255.º. Gastemos ainda construtivamente o tempo que se revelar adequado para a melhor formulação do artigo 256.º.
E, neste ponto, o Sr. Deputado Paulo Portas, reconheço, deu o seu contributo, porque, primeiro - e gostaria que pudesse confirmar ou infirmar as posições que vou sustentar -, admitiu que, ainda que por razões que politicamente considero erradas, o facto de manter-se o artigo 255.º tem uma consequência inevitável: a possibilidade de os referendos só ocorrerá em momento da fase de instituição em concreto das regiões administrativas. E, se assim é, o que faz sentido é discutir uma adequação constitucional a esse momento do processo de institucionalização regional. Estamos de acordo com isto? Parece-me que sim, mas gostaria que confirmasse. Estando de acordo, significa que a lei de criação das regiões terá de clarificar, inequivocamente, que atribuições as regiões deverão ter e que delimitação geográfica deverá presidir ao processo de regionalização, porque também é importante que este ponto se torne politicamente inequívoco para podermos avançar.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Paulo Portas colocou algumas dúvidas sobre o grau e os efeitos da precedência da resposta ao referendo nacional sobre as respostas aos referendos regionais, e fê-lo pertinentemente, do meu ponto de vista, porque, enquanto o PS, na sua proposta, admite poder construir uma opção em torno da qual não precludissem as respostas aos referendos regionais que fossem positivas, o Sr. Deputado Paulo Portas admite a possibilidade de precludirem em nome do valor mais universal da resposta dada no referendo nacional. E neste ponto deu indirectamente, a meu ver, um contributo para a dúvida do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quando aqui salientava que um voto popular só poderia ter efeito diferente através de outro voto popular. Então, a questão estaria em dar uma precedência absoluta ao voto do referendo nacional e, com isso, determinar que não possa haver produção de efeitos por parte dos referendos regionais, se ocorressem em simultâneo.
Sr. Deputado Paulo Portas, até aqui a reflexão faz sentido, o que justifica, do meu ponto de vista, a alusão que fiz ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que foi a de dizer que, se o problema verdadeiro do PSD for só esse, então, esse também se resolve num esforço de aproximação. A questão está em saber se o Sr. Deputado Paulo Portas, e quero que me dê o seu ponto de vista, pensa que a opção pelo "sim" ou "não" ao princípio da simultaneidade deveria ser feita em sede constitucional ou se não admite, como nós sustentamos, que a opção política pela simultaneidade dos referendos deva ser tomada em sede infraconstitucional e não por decorrência de uma imposição rígida na Constituição nessa matéria.
Gostaria de conhecer essa vossa posição, porque a nossa, como sabe, é a de que não deve haver um imperativo constitucional quanto à simultaneidade ou não dos referendos.
Finalmente, a questão do universo eleitoral. É muito claro, Sr. Deputado Paulo Portas, que, se para certos efeitos e certos referendos o universo dos cidadãos eleitores pode justificar-se legitimamente para enquadrar a participação dos emigrantes portugueses, em matéria que tem a ver com a definição de circunscrições territoriais, o princípio da territorialidade, do nosso ponto de vista, deve permanecer como o princípio que confere um maior direito de cidadania a quem tenha essa participação democrática. E aqui quero sublinhar uma divergência essencial entre nós: o Sr. Deputado Paulo Portas é um militante activo contra o estatuto da cidadania europeia, o PS milita activamente a favor desse estatuto; o Sr. Deputado Paulo Portas será coerente com o seu ponto de vista mas há-de reconhecer também a coerência da posição do PS em função da opção política que sustenta.
Tem a palavra, Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, pela minha parte e no que na sua intervenção se refere ao Partido Popular, começo, aliás, pelo fim.
É evidente que o que nós - e neste ponto corrijo-o - não queremos é que a cidadania europeia se transforme numa fonte de equívocos políticos, porque consideramos que a noção de cidadania tem um nexo lógico com a ideia de nação. E como para nós não há nação europeia, é duvidoso que se deva estender o conceito de cidadania europeia. Para nós, há um nexo lógico entre cidadania e nação. Não havendo nação europeia, é duvidoso que se crie confusões na noção de cidadania europeia. Mas reconheço, como é evidente, que o PS, tal como nós, nesta matéria é coerente, só que adversamente. VV. Ex.as, do meu ponto de vista, têm uma coerência errática, mas não deixam de ter coerência no erro.

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Por outro lado, a regionalização e o referendo foram objecto, nos últimos dois meses, de um combate dialéctico sobre os problemas jurídico-institucionais destas questões, a que o país assistiu, muitas vezes, é evidente, com duvidosa, prudente e, às vezes, saudável capacidade de acompanhar os divertissements intelectuais das pessoas que nele participaram, mas foi feito um esforço de aproximação política, como toda a gente sabe, que permitiu que se conseguisse o facto essencial, independentemente de dúvidas acessórias ou adjacentes, que foi conseguir um referendo nacional. Para nós, é esse o resultado profundo desse esforço político feito entre partidos, para que realmente os portugueses pudessem, ao fim de 20 anos de o referendo estar na Constituição e a regionalização também, fazer um primeiro referendo, que é um instrumento de participação democrática, do qual nós não temos medo e sobre o qual não temos fantasmas, exactamente sobre a regionalização, que, como sabe, é profundamente polémica. E nesse esforço de aproximação, que, aliás, creio que motivou o regresso do PSD a esta Comissão, entendo realmente que se o PS, o PSD e, presumo, também o PCP, que abertamente diz continuar à espera do pronunciamento do PSD nesta matéria, insistem em não desconstitucionalizarem o artigo 255.º, em não desconstitucionalizar a regionalização, o combate seguinte, que considero absolutamente essencial, é conseguir no artigo 256.º a melhor solução possível, não a ideal naturalmente, para que os portugueses se possam pronunciar, em referendo, sobre a matéria. E estou disposto a fazer as concessões adjacentes necessárias para conseguir o objectivo central, que é o referendo nacional.
A proposta ou a sugestão que fiz ao PS e ao PSD é no sentido de encontrarem uma fórmula de simplificação do n.º 2 da proposta para o artigo 256.º quanto à caducidade ou perdurabilidade dos efeitos eventualmente contraditórios das respostas dadas nos referendos nacional e regional, porque tirei uma consequência para mim. Quer dizer, para mim, se o país disser "sim", democraticamente aceito e passarei a lutar para que as regiões sejam bem governadas, designadamente à direita, com menos impostos e menos despesa; se o país disser "não", penso que todas as pessoas devem tirar daí também as suas consequências democráticas e deve, finalmente, esclarecer-se aquilo que os portugueses consideram ser um equívoco constitucional e proceder-se a uma revisão constitucional onde se descontitucionalize, aí, sim, presumo eu, com uma maioria que neste momento não existe, a regionalização.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervenções os Srs. Deputados Calvão da Silva, Luís Sá e Barbosa de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que o modo como os trabalhos têm decorrido, quer pelas últimas, quer pelas primeiras reuniões, leva a concluir que desde já se pode antever que não é possível fazer uma revisão constitucional nos tempos previstos. A proposta do PSD de fazer a revisão constitucional em dois tempos mantém-se de pé e penso que todas as bancadas, se querem fazer um referendo nacional sobre a regionalização, como objectivo central, têm de reponderar seriamente esta proposta.
Em segundo lugar, o facto de fazer perguntas e mais perguntas leva a que, não havendo limites de tempo, os que estão inscritos, sem subterfúgios de perguntas, nunca mais falem e tenham, porventura, de passar para outras reuniões, como aconteceu comigo na última, tendo passado para hoje, e, se calhar, hoje vai haver outros que passam para a próxima semana. Por isso, tambem é bom que as perguntas tenham tempos.
Em terceiro lugar, e vamos ao que interessa, há duas propostas que são antagónicas: a da desconstitucionalização, do PP, e a de não se tocar, do PS e do PCP. São radicalismos, são extremismos que nós, PSD, não sufragamos. A nossa proposta é razoável, não desconstitucionaliza, mas também não impõe imperativamente a solução. O que queremos é uma lei programática que mantém a constitucionalização da regionalização. É um ponto de equilíbrio intermédio entre os dois radicalismos, entre os dois extremos, a que o PS se está a associar, e associa-se muito mal, em nome daquilo que então se chamava a "ditadura da maioria" e que agora está aqui a querer funcionar. A ditadura da maioria não pode impor nos termos em que hoje aqui o está a fazer, porque, se radicalizarmos o debate, então chegamos ao ponto extremo de não haver referendo algum, porque também não há possibilidade de fazer referendos regionais. Basta que o PSD tome uma posição igual à que está a tomar o PS. É porque o PS não quer mesmo o referendo nacional? É a dúvida que se instala de novo aqui, nesta sala.
Em quarto lugar, depois de percebermos que mantemos a norma programática da regionalização, e caso o referendo a queira mantém-se sempre na Constituição, vamos ao que interessa.
Primeiro, o Sr. Deputado Paulo Portas veio aqui defender o voto dos emigrantes nesta matéria, o que significa que está em desacordo com o seu projecto de revisão constitucional, como esteve na semana passada claramente desautorizado, logo no dia seguinte, quando Manuel Monteiro defendeu que se devia dar prioridade imediata à revisão da Constituição na parte do referendo e da regionalização. O Sr. Deputado está contra a proposta do PSD, enquanto o seu líder, lá fora, disse exactamente o contrário. Registamos, de novo, que a proposta do CDS-PP para o artigo 118.º diz: "Os cidadãos eleitores recenseados no território podem ser chamados a pronunciar-se (…)". Nós, PSD, dizemos de outra maneira: "Os cidadãos eleitores podem ser chamados (…)". Não dizemos "recenseados no território". O vosso projecto diz. O senhor está, também aqui, em desacordo com o seu partido. Registamos.
Quanto ao objecto do referendo, há problemas processuais de fundo. Em primeiro lugar, não somos pela ideia de que a Câmara deve fazer uma lei ultimada, promulgada e, ao mesmo tempo que promulgada, publicitada no Diário da República. O nosso processo legislativo é um pouco diferente. Entendemos que a lei deve ser aprovada aqui e que é o decreto-lei que, antes de ser referendado pelo Sr. Presidente da República e publicado no Diário da República, deve ser referendado. Com isto afasta-se toda a argumentação que o Sr. Deputado Jorge Lacão aqui expendiu. Disse que não há possibilidades da publicidade suficiente. Há todas as formas possíveis, porque, a partir do momento, e é este segundo momento que temos de discutir, em que definirmos qual o objecto dessa lei, do decreto que vai a

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referendo, o que está em causa é um processo de auscultação, tal como nós aqui abrimos debates, sobretudo em relação a leis laborais, ao longo de, porventura, 90 dias.
Neste caso, o que está em causa é que essa auscultação é feita através de referendo nacional e nada mais. As leis aqui aprovadas na generalidade descem à comissão respectiva e, em sede de especialidade, é aberto um debate que se prolonga, muitas vezes, por dois, três ou quatro meses. No presente caso, é feita uma auscultação dos portugueses de âmbito nacional, através de um referendo. Só depois, quando a Câmara receber a resposta em referendo nacional, é que, sendo positiva, o decreto será referendado pelo Sr. Presidente da República e publicado.
Isto é que é democrático. É até uma maneira de não desautorizar a democracia representativa. Nós entendemos que devemos devolver a palavra a quem manda, que é o povo que nos mandatou, e que não estamos aqui mandatados por tal, sendo o povo que nos diz se está em consonância com esse modelo de competências e de delimitação territorial, de modo a sabermos se o Sr. Presidente da República deve promulgar e, então, sair como lei no Diário da República. Como vê, isto é muito claro. O resto é falar demais.
Por último, resta a questão de fundo: o que é que vai a referendo? Vai também a delimitação territorial ou não? É simultâneo o referendo ou não? São as únicas duas questões que poderão ficar de pé, se houver bom senso e, sobretudo, vontade de encontrar soluções que viabilizem o essencial, que é o referendo nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, vou usar da palavra para lhe fazer algumas perguntas. Peço desculpa pela circunstância, mas parece-me que é útil, para que possamos tentar esclarecer-nos reciprocamente.
Primeira questão: o Sr. Deputado disse que manter uma adesão ao artigo 255.º da Constituição era, da parte daqueles que o fazem, um sinal de radicalismo que poderia comprometer um esforço de consenso. Sr. Deputado, entende que o seu partido, nas revisões constitucionais anteriores, quando manteve as disposições constitucionais que manteve em matéria de regionalização, se comportou como um partido irresponsável ou radicalista?
Sinceramente, não lhe faria essa acusação. Portanto, não faça o Sr. Deputado a acusação, aos que nestas matérias se mantêm fiéis ao pactos de regime constitucional que celebraram no passado mas continuam a considerar que têm actualidade no presente, de que são radicais por causa disso. Não! É por causa disso que essas pessoas estão a explorar o máximo consenso possível. Aqui, repare o Sr. Deputado, há uma maioria absoluta de vontade parlamentar para manter o artigo 255.º na Constituição, e isso é coerente com a expressão de vontade dos portugueses nas últimas eleições legislativas.
Assim, não chame a isto manifestação de radicalismo, mas reconheça ao menos que é manifestação de pura coerência política. Se o reconhecer, não faça nisso qualquer esforço, porque também contribui para fazermos o nosso caminho de entendimento necessário.
O segundo aspecto que quero focar tem a ver com o facto de ter dito que o referendo teria mais significado na fase do decreto do que na da lei devidamente publicada. Evocou os meus argumentos quanto à publicidade, que mantenho, mas não evocou os outros. Não evocou a circunstância de não podermos perder de vista o facto de este ser um processo próprio que a Constituição estabelece na sua complexidade: na primeira fase, a lei de criação das regiões, e não mudando o artigo 255.º, é o que é, é a lei de criação das regiões; na segunda fase, a instituição em concreto; finalmente, na terceira fase, a aprovação de lei por cada uma das regiões constituídas.
Sr. Deputado Calvão da Silva, como nós queremos que o referendo ocorra no momento constitucional possível, que é o da instituição em concreto, queremos que o diploma sobre o qual a Assembleia se tenha comprometido não tenha qualquer eventual vício, designadamente o da inconstitucionalidade. Por isso, como sabe, o momento de aprovação do decreto não daria lugar à possibilidade da fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma, e, como esse diploma tem interacção óbvia com as disposições constitucionais sobre regionalização, queremos que ele possa, pelas mãos do Sr. Presidente da República, que nisso é juiz soberano, ser submetido, se o entender, ao mecanismo da constitucionalidade preventiva. Para nós, isto é algo de muito importante na verdade integral de todo este processo.
Sr. Deputado, estas são razões substantivas pelas quais entendemos que previamente deve haver a lei de criação das regiões.
Pergunto ainda: essa lei terá ou não o modelo regional? Sr. Deputado Calvão da Silva, por amor de Deus, resolva definitivamente essa dificuldade no seu espírito: vai ter de ter. Se não alterarmos o artigo 255.º, este prevê, de forma incontornável, que a lei estabeleça o modelo de regionalização, designadamente com a sua delimitação geográfica. Adapte, portanto, o discurso do seu partido a esta inevitabilidade constitucional: a lei é prévia ao referendo e define um modelo e não um semimodelo, portanto, tem de ter a delimitação.
O Sr. Deputado fez a pergunta, e eu devolvo-lha, sob forma de resposta: a partir desta clarificação, já se tornou definitivamente claro, na sua perspectiva, que este é o caminho em torno do qual temos de obter o consenso?
Finalmente, as implicações dos referendos. Sr. Deputado Calvão da Silva, manifestei-o ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, manifestei-o ao Sr. Deputado Paulo Portas, manifesto-lho a si e mantenho-o: se a questão é apenas a da definição dos efeitos relacionais entre referendo nacional e referendos regionais, estamos disponíveis para acertar a melhor opção. O Sr. Deputado Paulo Portas suscitou uma solução diferente da nossa, mas não impôs qualquer uma que tornasse impossível o princípio da simultaneidade. É outro caminho, mas é compatível com a não obrigatoriedade constitucional da simultaneidade ou da não simultaneidade. Pergunto-lhe, Sr. Deputado Calvão da Silva: está disponível também para aplanar caminho no enquadramento destes princípios que referi?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado, quando entrei para a revisão constitucional e para esta Comissão, vim com um espírito constituinte, e não estou, senão nos limites que a própria Constituição prevê, amarrado a mais nenhuns. Nessa medida, ou há vontade política para encontrar consensos, ou não há revisão constitucional. Se o senhor quer fazer funcionar as ditaduras da maioria, agarrado ao passado, e se entender que os novos constituintes, refrescados pela legitimidade eleitoral, não podem ter ideias novas, ideias diferentes, ideias inovadoras, então, não é esse o espírito com que aqui estou. E esse é o problema que o Sr. Deputado tem.

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O Sr. Presidente: - Permite-me que o interrompa?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Faça favor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, gostaria de lhe lembrar este aspecto: estamos dotados de um poder constituinte derivado e não a título originário, o que quer dizer que não estamos a fazer uma nova Constituição para o País mas, sim, a actualizar a Constituição existente. O nosso primeiro esforço de consenso é em torno das disposições constitucionais que há e não das que não existem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado, foi exactamente o que eu disse, ao afirmar: "dentro dos limites que a actual Constituição prevê". Se não me entendeu, passou a entender-me agora. Eu disse-o claramente de propósito e não por qualquer lapso.
Em minha opinião, o que é preciso é ver se é ou não possível salvar o essencial, encontrar soluções que nos permitam fazer o referendo nacional e, a partir do momento em que encontremos as soluções possíveis, estaremos de acordo.
Agora, Sr. Deputado, não entende que é radicalismo a mais manter a ideia da intocabilidade deste ou daquele artigo numa das primeiras reuniões? Não pensa que é querer dizer que está aqui para impor e não para dialogar? Os senhores, que tanto querem dialogar, a respeito de tantos temas secundários, aqui, à partida, numa das primeiras reuniões, já referem algo que é intocável. Se nós fizéssemos o mesmo, com outro tipo de linguagem, mas com o mesmo resultado, a nível de revisão constitucional, o resultado seria zero. É por isso que apelo ao seu sentido de Estado e ao da sua bancada, para que não inviabilizem logo, nas primeiras reuniões, algo que é o essencial.
Em segundo lugar, quando toca em problemas que dizem respeito a outras partes da revisão constitucional, só prova, claramente, de novo, que a estratégia do PSD é que está correcta: a revisão constitucional deve ser dividida em dois tempos, para que o útil se possa salvaguardar. Nós também temos em vista, em outros assuntos, o problema da fiscalização preventiva, cuja eliminação propomos. Logo, também aqui teremos de ir buscar certos pontos que, agora em confluência, dizem respeito directamente a este tema do referendo e da regionalização.
Sr. Deputado, de tudo isto, pode concluir: vamos ver se é possível encontrar soluções rápidas, para discutirmos o tema - vai ser esse o grande tema da revisão constitucional - da regionalização e do referendo, tocando ou trazendo à colação outros aspectos, como o da fiscalização preventiva.
Quanto ao resto, e como há ainda outras pessoas inscritas, e têm o direito de falar, não vou no engodo de, por perguntas, prolongar no tempo aquilo que é uma manobra dilatória.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado Calvão da Silva, muito brevemente e com a amizade que conhece, quero dizer o seguinte: acho estranho, porque entendo sempre que o PSD, nesta Comissão Eventual de Revisão Constitucional, está dividido entre a escola de Lisboa e a escola de Coimbra.

Risos do PSD.

Aliás, aguardo com muita esperança a intervenção do Prof. Barbosa de Melo, para ver se vos dá, como já aconteceu numa reunião anterior, uma saída para este comportamento circular, em que andam à volta, andam à volta, querem fazer uma revisão constitucional "a gasóleo", lentamente, e depois queixam-se da lentidão que vocês próprios criaram. Por isso, aguardo a intervenção do mais lídimo representante da escola de Coimbra, no caso, o Prof. Barbosa de Melo, para ver se avançamos um pouco.
V. Ex.ª tentou inventar - e é bom que isto fique claro - que havia alguma divergência entre mim e a proposta de revisão constitucional do meu partido e até entre mim e a estratégia enunciada pelo Presidente do meu partido em matéria desta Comissão. Tal não é verdade e não vou perder tempo com isso. Nós, aqui, defendemos que se deve dar prioridade claríssima à regionalização e, dentro da regionalização, ao referendo e entendemos que é possível fazer uma revisão constitucional, se os senhores ajudarem, boa, completa, global, em 180 dias. Não há qualquer divergência. Tomara que VV. Ex.as não tornem isto inviável!...
Quero, igualmente, dizer o seguinte: eu também vim para aqui com o mesmo espírito - não vou discutir se sou constituinte ou revisionista, isso é uma discussão que deixo para os limites do revisionismo e para os limites da Constituição, a ser feita entre V. Ex.ª e o Dr. José Magalhães - de abertura, e é por isso que sou capaz de fazer transigências no acessório, para conseguir o fundamental, que é o referendo nacional, e de ir mais além do que a nossa própria proposta prevê, designadamente na questão dos emigrantes. Mas o que me apontou, a mim, poderia ter apontado ao seu colega Pedro Passos Coelho,...

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - É verdade!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - ... cuja proposta de revisão constitucional também não prevê, e, mais do que isso, quase proíbe expressamente, o voto dos emigrantes no referendo regional.
Portanto, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho também vai ter de evoluir...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Já evoluí!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - ... e não lhe negará, com certeza, a escola de Coimbra o direito de evoluir para melhores posições.
Queria apenas deixar esta rectificação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - É para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, proteste, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de exercer o direito de protesto, porquanto o Sr. Deputado Calvão e Silva está a fazer algo

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que, parece-me, em nada contribui para o êxito dos nossos trabalhos.
Como o Sr. Deputado Paulo Portas acabou de sublinhar, a técnica consistente no procedimento circular, ou seja, o eterno recomeço, que não permite adquirir patamares de consenso ou, pelo menos, patamares de consenso negativo ("quanto a isto, não podemos concordar de maneira alguma, quanto àquilo, talvez"), é uma metodologia verdadeiramente infernalizante. Além do mais, contraria o compromisso que o PSD aceitou, ao regressar aos trabalhos da revisão constitucional.
O que precisamos de saber é se o PSD decai dos princípios que aceitou no dia em que regressou aos trabalhos de revisão constitucional. Quando isso aconteceu, o PSD fê-lo por o Partido Socialista - na sequência, aliás, de uma cooperação institucional com outros partidos, nomeadamente com o PP - ter desbravado o caminho para um referendo nacional, que era original e distinto do proposto pelo PSD, materializando até as duas perguntas essenciais que desejamos fazer ao eleitorado. Muito claramente, através da declaração de 13 de Maio de 1996, feita pelo Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, dissemos que "o PS propõe (...) perguntas a integrar em referendo, aplicável após a aprovação e entrada em vigor da lei de criação das regiões (...)", sublinhando ao mesmo tempo: "Srs. Deputados, não nos peçam para alterar o artigo 255.º da Constituição da República Portuguesa, não nos peçam para fazer um plebiscito inconstitucional, não nos peçam para violar a articulação harmoniosa entre a vontade directa do eleitorado e a democracia representativa, peçam-nos para encontrar boas perguntas, estamos abertos, estas são as que nós propomos como contribuição positiva para a discussão. Mas não nos peçam as três coisas que enunciei e que não repito".
E os senhores regressaram à comissão depois do presidente do vosso partido ter dito que isso, sim, era alguma coisa que permitia uma discussão. Essa discussão, Srs. Deputados, não é o regresso infernalisante ao momento "um" anterior a este patamar de consenso. Se os Srs. Deputados, como na teia de Penélope, todas as noites desfazem aquilo que de manhã construíram, esta comissão não pode, pura e simplesmente, trabalhar; pode fazer jogos florais recreativos e gastar dinheiro aos cidadãos portugueses mas os Srs. Deputados do PSD assumem uma função grave de obstrução a um consenso positivo, obtido passo a passo.
Por acréscimo, neste debate, Sr. Deputado, foram adquiridas algumas coisas que nos pareceram muito interessantes. O Sr. Deputado Alberto Martins repetiu pela enésima vez - teve que o fazer e fê-lo bem - a nossa total indisponibilidade (vide a declaração de 13 de Maio) para o plebiscito inconstitucional e o nosso apego à intangibilidade do artigo 255.º. V. Ex.as tinham dito que aceitavam isso ao regressarem à comissão! Desdizem?
Há um segundo aspecto. O Sr. Deputado Jorge Lacão teve ocasião de sublinhar que o PS não pretendia impor nem a obrigatoriedade da não simultaneidade, nem a simultaneidade neste articulado. Querem posição mais flexível do que esta? Ou são os Srs. Deputados ainda escravos do estigma cavaquista que mesmo quando alguém diz "bom-dia", V. Ex.as têm que vir a seguir dizer "perdão, V. Ex.ª disse mal, bom-dia é que se deve dizer", dizendo exactamente a mesma coisa?!
Este protesto é tanto mais justificado quanto o Sr. Deputado, além de confundir decreto com decreto-lei, fez uma baralhada jurídico-constitucional perfeitamente lamentável. V.Ex.ª é civilista e saberá ou deveria sabe que o decreto de que falamos não tem nada a ver com decreto-lei. No melhor pano cai nódoa e isso é um lapso, é um estatelamento ad hoc. Só que em relação à questão precisa e concreta, política, V. Ex.ª não pode passar a manhã a dizer o contrário do que disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e o Deputado Luís Marques Guedes o contrário do que diz o Sr. Deputado Marcelo Rebelo de Sousa...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Deputado constituinte.

O Sr. José Magalhães (PS): - ... e o Dr. Rebelo de Sousa a dizer sabe-se lá o quê.
Sr. Presidente, eis o protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, de arrependimento o senhor tem muito, de conversão tem pouco, mas perdoo-lhe porque ainda vai a tempo de se converter.
Em segundo lugar, nós nunca aceitámos expressamente nada do que o Sr. Deputado está a dizer. Se o Sr. Deputado o pensa nós nunca o pensámos nem nunca o dissemos.

Protestos do Sr. Deputado José Magalhães.

Remeto-o para os comunicados que o PSD divulgou ao tempo porque são muito claros.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, enganaram a opinião pública.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Em terceiro lugar, se o senhor quiser assumir claramente aqui de que na Constituição da República Portuguesa ficam as duas hipóteses em aberto e que a lei do referendo orgânico vai ser aprovada por dois terços, está já adquirido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o grupo parlamentar disse o que disse sobre isso. Está dito e na acta, não precisa de ser repetido.

O Sr. Presidente: - Notável, Sr. Deputado Calvão da Silva, não sabemos se os senhores estão enganados ou se andam a procurar enganar alguém, mas o tempo talvez nos ajude a esclarecer.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, dado o adiantado da hora, uma pequena nota apenas para dizer que a figura do referendo, tal como actualmente está configurada no artigo 118.º, diz respeito a questões que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação da convenção ou acto legislativo. Convém ter em conta que, quer a proposta da PSD, quer a do PS, configuram uma alteração importante. É que não se trata de sujeitar a referendo uma questão que deva ser decidida mas de sujeitar uma questão que já foi decidida pela Assembleia da República. A única divergência que está em cima da mesa é saber se é na

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fase de decreto da Assembleia da República e antes da promulgação que o referendo é feito ou depois da promulgação e publicação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Naturalmente que neste plano não é o argumento da maior ou menor publicidade que pode ser relevante. Creio que a publicidade de qualquer modo pode ser garantida, é sabido também que o Diário da República não é propriamente um best seller e daí que não me pareça que seja essa a questão fundamental. O problema da fiscalização preventiva de constitucionalidade é uma questão que se pode resolver noutra sede, o próprio referendo tem que ser sujeito a fiscalização preventiva de constitucionalidade, se bem que o problema que está aqui colocado seja outro. É que, quer a posição do PS, quer a do PSD, configuram um conflito potencial de legitimidades.
A posição do PSD implica a possibilidade dum conflito de legitimidade entre o que foi votado pela Assembleia da República e o que pode eventualmente vir a ser votado pelo eleitorado e é um conflito que a Constituição da República Portuguesa, tal como está configurada neste momento, quis evitar ao não prever o referendo de actos legislativos ou de decretos da Assembleia da República mas de questões que devam ser objecto de actos legislativos, o que, como é sabido, é claramente distinto.
A proposta do PS envolve este conflito envolvendo adicionalmente o Presidente da República que terá promulgado a lei e é um elemento adicional nesta matéria.
Em todo o caso há uma questão que gostaria de colocar à reflexão. É que são propostas que têm duas lógicas apesar de tudo distintas. A proposta do PS tem em conta o facto de apontar para a manutenção do artigo 255.º e, portanto, o legislador ordinário ter a obrigação de aprovar a lei que está prevista no artigo 255.º. E a lei entra naturalmente na ordem jurídica, simplesmente, a eficácia da lei fica dependente de um referendo favorável. Por conseguinte, tem uma determinada lógica.
A proposta do PSD tem uma lógica de outro tipo. A lei é sujeita ao eleitorado na fase de decreto, o que significa naturalmente que se houver um voto desfavorável não há lei, não chegou a entrar na ordem jurídica.
A primeira, naturalmente que aponta para a ideia de que, passado um prazo depois do primeiro referendo eventualmente desfavorável, há a possibilidade e em princípio haverá a obrigação jurídica nesta lógica, de um novo referendo porque haverá obrigação de cumprir o artigo 255.º e as restantes normas que prevêem as regiões administrativas.
Esta parece-me ser a verdadeira questão dentro do imbróglio em que V. Ex.as se envolveram e ao qual o meu partido é alheio. Esta é que é verdadeira questão que se coloca nesta matéria e este é que é o elemento que, creio, deve ser fundamentalmente tido em conta na reflexão sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordo com 99% do que disse o Sr. Deputado Luís Sá e só lembrava que a sua conclusão final não é totalmente verdadeira porque também o projecto de lei do PSD mantém um artigo 255.º na Constituição da República Portuguesa que ficará a prever a todo o tempo a nova aprovação de leis potencialmente para novos referendos. Portanto, só nisso é que não é verdadeiro o seu raciocínio mas concordo em absoluto com tudo o resto. Aliás, não se pode esquecer que o Partido Popular propõe a eliminação do artigo 255.º mas esse não é o nosso caso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peço desculpa pelo facto de não prescindir da palavra mas há coisas que julgo conveniente dizer nesta hora.
Ao longo deste longo debate, em vários momentos, julguei ter recuado ao século XV, a uma discussão de baixa escolástica, mas sem a vantagem que os escolásticos tinham - um método na condução dos debates - que nós não tivemos. Aliás, a discussão "escolasticizou-se" a um ponto tal que até se procurou saber quais eram os melhores conceitos, onde é que se distinguiam umas coisas das outras, se havia uma distinção ontológica, se era só metodológica, entre política e administração. Enfim, uma confusão que gostaria que nós, Deputados, pobre gente que não entra nos discursos dessa ordem, pudéssemos acompanhar. É que assim ganhávamos tempo e discutiríamos mais aquilo que nos cumpre discutir.
Há um ponto que gostaria de lembrar em primeiro lugar. Parte-se sempre do princípio que a proposta do PSD para o artigo 255.º desconstitucionaliza a regionalização. Mas isso não é verdade. Ela desconstitucionaliza tanto como o n.º 3 do artigo 239.º desconstitucionaliza as áreas metropolitanas, dado que também aí se diz que nas grandes áreas urbanas a lei poderá estabelecer formas próprias de organização territorial autárquica. Foi o que aconteceu e o que, se calhar, deveria ter acontecido melhor do que aconteceu até agora. A proposta do PSD, para o artigo 255.º, mantém (não era assim a nossa proposta em 1994, passou a ser assim a proposta que apresentámos em 4 de Março deste ano) a ideia da regionalização.
Porém, gostava de chamar a atenção, sobretudo, para o seguinte. Acho que o Deputado Alberto Martins fez uma síntese correcta das coisas e que o Deputado Luís Sá, agora deixou tudo muito claro. O PS diz que não altera o artigo 255.º. O PSD tinha uma proposta para a sua alteração, e foi dito, e bem, pelo Deputado Alberto Martins que um artigo em vigor só por modificação é que deixará de estar em vigor... Ora, para isso é que o PSD fez uma proposta de modificação. Contudo, o importante é que foi admitido aqui hoje um referendo nacional e um referendo regional. O que é, mesmo, importantíssimo. No fundo, a batalha política é esta: os cidadãos que aqui representam o povo não se consideram legitimados in re ipsa pelo acto que aqui os trouxe para procederem sozinhos à regionalização. Antes, entendem, cada um pelas suas razões, nacionais e objectivas, que este passo na organização territorial do Estado português tem de passar, de novo, pelo voto dos cidadãos. É isto o que se adquiriu neste debate.
E agora gostaria de lembrar que o que se refere no artigo 256.º da Constituição vigente já prevê vários tempos; nomeadamente duas leis: lei geral prevista no artigo 255.º, e, depois, sucessivas leis para cada uma das regiões administrativas que vierem a ser instituídas. Os Constituintes tiveram a percepção plena de que "Roma e

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Pavia não se fizeram num dia" e de que este devia ser um processo muito longo. Como, aliás, se vê do direito comparado.
Por último, sustentámos aqui - eu particularmente - que deveríamos começar pelo artigo 118.º, relativo ao referendo. De contrário, cairemos em circularidades. Se dermos as voltas necessárias a este artigo, ficará muita coisa já aqui esclarecida. Em meu entender, deverá manter-se parte deste artigo 118.º e ela nos governará para sabermos como fazer as perguntas. Diz este artigo 118.º - e com isto termino - : "Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão". Estas são palavras que traduzem a ideia de que é preciso que, ao inquirirmos o povo português, lhe façamos uma pergunta que não seja manipuladora, ou seja, que lhe façamos uma pergunta clara, objectiva e precisa. A pressa de embrulhar muitas perguntas num só referendo pode dar "um molho de bróculos", e não levar a sítio nenhum.
Para terminar, quero fazer um apelo no sentido de adoptarmos a metodologia própria, para tratar a matéria pois, de contrário, caímos numa circularidade infernal - e agora volto aos escolásticos num circulus inextrincabilis.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Barbosa de Melo, em homenagem à sua disponibilidade e paciência para poder suportar o debate até esta hora, o Sr. Deputado José Magalhães e eu próprio gostaríamos de lhe fazer alguma perguntas, que, suponho, serão rápidas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Serei rapidíssimo, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, creio que o espírito é de saudar, mas importa que haja obra. V. Ex.ª criticou uma coisa que acho também abominável, mas, quanto a abrirmos agora uma discussão sobre se o PSD desconstitucionaliza ou não as regiões por fazer o que faz, proponho que não entremos em tal cousa. O Sr. Deputado procurou sustentar que não o faz unicamente porque suprime imperatividade, mas não cria um "vazio" legal, o que significa que V. Ex.ª assumiu um determinado conceito de desconstitucionalização. Entrarmos agora numa discussão desse tipo é, diria eu, totalmente inútil, porque a nossa resposta a isso é não. E é não, seja "desconstitucionalização", "semi-constitucionalização", "abrandamento de normatividade" ou o que V. Ex.ª entender.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Chame-lhe o que quiser. O conceito não importa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Chamando nós a isso o que V. Ex.ª entender, "porque o conceito não importa", a nossa resposta é: por uma questão de princípio, não podemos alterar o artigo 255.º da Constituição.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Já parti desse princípio, porque o Sr. Deputado Alberto Martins foi muito claro. Não estou "a chorar sobre leite derramado"! Este ponto estava presente; vamos construir o resto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Perfeitamente.
Quanto à metodologia, Sr. Deputado - e sublinho que esse é um espírito que nos parece que poderá permitir uma base de trabalho -, se aquilo que estamos a discutir é como concretizar o princípio comummente aceite de haver uma intervenção popular no processo de modulação e activação do processo, foi anunciado, em nosso nome, um segundo princípio, do qual não podemos decair e que julgávamos que VV. Ex.as tinham admitido e tinha presidido à vossa reentrada nesta Comissão. É este: não podemos aceitar que essa consulta ocorra antes da definição - clara, concreta e medida, promulgada pelo Sr. Presidente da República e vigente na ordem jurídica - de um modelo concreto de regionalização, precisamente para evitar que haja perguntas no ar sobre conceitos obscuros e mal definidos. Tem de haver, sim, atribuições regionais, tem de haver um mapa, tem de haver a clareza do legislador, para que o povo possa claramente dizer sim ou não.
Por consequência, não se anda muito, enunciando que há uma aceitação comum do princípio da consulta popular. Nós admitimos que VV. Ex.as tinham admitido isso - e achavam que era positivo - quando leram a nossa declaração de 13 de Maio.
Passando à segunda questão: vamos agora começar outra vez o debate pelo artigo 118.º, Sr. Deputado, só porque a Constituição exige - como tem que exigir sempre - que as perguntas sejam rigorosas, claras e concisas sobre determinada forma?! Quer V. Ex.ª perguntas mais claras e mais concisas do que aquelas que nós, honesta e lealmente, no dia 13 de Maio, anunciámos aos portugueses?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Eram elas: "Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?"; "Concorda com a região criada na sua área de recenseamento eleitoral?".
Porquê, Sr. Deputado Barbosa de Melo, fazer teoria geral das perguntas em abstracto - coisa que contraria a sua ideia de evitar círculos "diabólicos" -, em vez de fazer perguntas concretas comummente aceites, num bom momento a definir em sede constitucional? Depois, ainda haverá algum legislador ordinário, por lei orgânica, e ainda haverá um legislador em concreto, fazendo um projecto de resolução a submeter ao Sr. Presidente da República. Temos pela frente três momentos, Sr. Deputado Barbosa de Melo! Neste momento, não temos de nos entender quanto à teoria geral, mas temos de nos entender quanto a uma solução constitucional, flexível, que dê à Assembleia da República condições para andar. Sem isso andaremos, contra o seu espírito, às voltas, às voltas e às voltas, contrariando o que foi dito de uma maneira muito elegante por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, estando inscritos, para além de mim, os Srs. Deputados Paulo Portas e Alberto Martins, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, quero aproveitar para fazer uma homenagem a algo que me parece extremamente relevante da sua intervenção. O Sr. Deputado reconheceu, apesar de tudo, uma evidência,

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mas é sempre bom que ela possa politicamente ficar consciencializada por todos nós. Sendo uma constatação objectiva que não há uma maioria qualificada para alterar o conteúdo do artigo 255.º, temos de procurar a solução possível no contexto de outros artigos da Constituição que o permitam. Portanto, damos, inequivocamente, um passo em frente e não fará sentido, em próximas sessões de trabalho, virmos a discutir como se este dado político não estivesse já claro para todos nós: não há maioria para desconstitucionalizar o artigo 255.º e a sua formulação concreta. O Sr. Deputado Barbosa de Melo bem o constatou e, por isso, naturalmente, quero congratular-me com essa circunstância.
O segundo aspecto que quero referir, sob a forma de questão, é o seguinte: apesar de tudo, o Sr. Deputado Barbosa de Melo dizia "Bem, mas o PSD também não desconstitucionalizava, no artigo 255.º, a referência à Constituição". É que a questão não é propriamente essa, Sr. Deputado. Era só o que faltava que admitíssemos alguma hipótese em que o PSD visasse inconstitucionalizar a possibilidade da regionalização! Até esse ponto, o PSD obviamente não foi! Mas a questão é outra: é que o PSD, no artigo 236.º, propõe expressamente que a região administrativa deixe de estar na estrutura das autarquias em Portugal. Enquanto, nos termos da Constituição vigente, se diz que autarquias locais são freguesias, municípios e regiões administrativas, o PSD propõe, expressamente, que se retire a região administrativa da estrutura constitucional das autarquias locais. Ora, isto é desconstitucionalizar. E é por isso que, no artigo 255.º, o PSD faz referências à regionalização, não como um imperativo constitucional, mas, sim, como uma faculdade constitucional a poder ser celebrada em lei ordinária. Este é que é o ponto da diferença: o PSD quer a possibilidade de a lei ordinária optar "sim ou não" pela regionalização e o PS entende que não se deve retirar nem a matriz autárquica nem o imperativo constitucional da regionalização. É este o ponto.
Ora, Sr. Deputado Barbosa de Melo, reconhecendo que, para nós, este é o ponto, quando o Sr. Deputado, por alusão ao artigo 118.º, diz que esse artigo, sobre a matéria do referendo em geral, talvez nos pudesse eliminar o nosso debate, o Sr. Deputado não esquece que a formulação desse artigo 118.º para as consultas se reporta a matérias que devam ser decididas por lei ou por tratado, ou seja, que devam ser incluídas em instrumento legislativo de lei ordinária ou de tratado internacional, com o valor similar na ordem jurídica interna.
Do que se trata na singularidade deste referendo que estamos a discutir é que ele não é para se debruçar sobre matéria que, singelamente, deva ser incluída na lei e sim sobre matéria que a lei deve reflectir, mas que já está estabelecida e estatuída na própria Constituição. E é esta a razão pela qual queremos que a solução do referendo venha depois de uma lei que demonstre a sua adequação integral às disposições constitucionais sobre a regionalização.
O que pergunto ao Sr. Deputado Barbosa de Melo é se, na verdade, independentemente de pontos de vista politicamente diferentes que possamos ter, não reconhece que há uma coerência na posição que o PS tem sustentado na matéria.
Finalmente, voltaria a sublinhar ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que considere que, sejam quais forem os pontos de vista que entretanto sustentemos, há uma coisa adquirida: na próxima reunião, já não fará sentido virmos aqui discutir o destino do artigo 155.º, porque, inequivocamente, essa posição política ficou hoje aqui clarificada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Professor Barbosa de Melo, queria fazer-lhe um elogio pela confissão séria que fez de que o PSD mantém a constitucionalização da regionalização, o que é importante para a clarificação do debate, mas depois, se mo permite, tenho de fazer-lhe um reparo: o PSD também não seguiu o caminho do artigo 118.º para chegar ao referendo sobre a regionalização. No projecto de lei n.º 5/VII, de revisão constitucional, do PSD, o referendo sobre a regionalização é previsto no vosso artigo 255.º; portanto, não foi necessário ir ao artigo 118.º. Ora, seguindo a mesma lógica e fazendo apelo à vossa própria lógica em termos metodológicos, é perfeitamente possível resolver a questão do referendo sobre a regionalização em sede do artigo agora 256.º, incluindo as sugestões do vosso ponto de vista que se encontram no vosso artigo 255.º e apelando à vossa própria metologia, sem ser necessário abrirmos agora aqui um outro debate - lá chegaremos mais tarde - sobre o artigo 118.º.
Por outro lado, faria uma sugestão ao Sr. Professor Barbosa de Melo e a todos os colegas da Comissão, que é a seguinte: pareceu-me infeliz a constatação - e é uma constatação - de que não há maioria para alterar o artigo 255.º; mas, avançando para o artigo 256.º, pareceu-me que o PS não estava aberto à alterar a questão dos imigrantes, o que lamento, mas que poderia estar aberto a alterar o problema do que fazer aos eventuais "sim" regionais em caso de um "não" nacional à regionalização. É aliás curioso que o cenário implícito em que muitas vezes esta Comissão trabalha é o de haver um "não" na pergunta nacional e, depois, haver uns "sim" dispersos em perguntas regionais - é curioso, como interpretação do cenário de trabalho desta Comissão!

Risos.

No entanto, pareceu-me haver uma certa abertura do PS - e esta é uma consideração lateral - para a simplificação do que, na actual redacção proposta pelo PS no n.º 2 do artigo 256.º, é complicado e equívoco de interpretar. Pareceu-me que o PS parte de um princípio, que é o de irmos de referendo em referendo até se fazer a regionalização, que o PSD tem um princípio, que é o de irmos de lei em lei até se fazer a regionalização e nós temos um princípio, que é o de que se tirem as consequências de um eventual "não" e se faça, então, uma revisão constitucional que retire o equívoco da Constituição, visto que os portugueses o esclareceram antes através de um referendo.
Eu, pela parte do PP, gostaria de dizer que, na próxima reunião, se se confirmar que há alguma abertura do PS e do PSD nesta matéria, traremos uma proposta, uma ideia, de simplificação e reformulação do n.º 2 do artigo 256.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

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Creio que o Sr. Deputado Barbosa de Melo deu um contributo importante no plano metodológico sobre a condução dos trabalhos. E deu como adquirido aquilo que, para nós, pareceu absolutamente adquirido em termos da discussão que estava a ser delineada.
A questão que coloco é relativa ao artigo 256.º. Julgo que estamos perante uma dificuldade e não podemos voltar atrás, ao artigo 118.º, onde estão contidas as regras gerais do referendo. Mas do que se trata no artigo 256.º da Constituição - e esta é a questão que lhe coloco - é que ele é, nalguma medida, uma disposição institucional transitória específica porque se esgota com a realização dos referendos que aí estão previstos, bem como com a institucionalização das regiões. Portanto, pela própria natureza de artigo que dá nascimento à ossatura do Estado constitucional, democrático, definido na Constituição, tem de merecer soluções especiais. Daí admitirmos - donde a nossa proposta - como soluções extraordinárias, excepcionais e específicas aquilo que não tem de espantar que seja específico.
E aproveito, desde já, para dar a seguinte resposta ao Sr. Deputado Luís Sá: nós admitimos um referendo sobre a vigência de actos legislativos, o que não admitimos na disposição genérica que se reporta ao artigo 118.º.
Creio que voltar agora atrás seria, nalguma medida, não querermos enfrentar de imediato aquilo que é específico, que não se resolve pela teoria geral do artigo 118.º e que constitui, nesta fase, o nó górdio do processo da regionalização. Fazê-lo significaria, em grande medida, perdermos algum tempo.
As dificuldades estão aqui, centram-se aqui, são específicas, têm um carácter institucional, transitório e muito particular. Voltarmos atrás, como o Sr. Deputado admite, creio que equivaleria a deixarmos em aberto uma dificuldade que, mais adiante, iríamos ter da mesma forma e que não é resolvida pela teoria geral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, quero apresentar o meu agradecimento aos Srs. Deputados José Magalhães, Jorge Lacão, Paulo Portas e Alberto Martins pelas questões que me colocaram, e perdoar-me-ão que não responda a todas as questões em particular.
Começo por dizer que se nós pudéssemos apagar três ou quatro meses da nossa vida política e, partindo de 4 de Março, altura em que foram apresentados os vários projectos de revisão constitucional, "mergulhássemos" agora nesta sala, ficaríamos profundamente surpreendidos. O que determinou as forças políticas a avançarem insistentemente com um processo de revisão constitucional foram matérias como a aproximação dos eleitores aos seus eleitos, a eficiência do sistema democrático e muitas outras coisas. Ou seja, a questão que nos tem preocupado até agora não era a única que estaria no horizonte imediato, todavia é sobre ela que insistimos permanentemente. Manifesto, portanto, a minha surpresa.
Nós não estamos aqui a fazer a lei da regionalização, estamos é a definir princípios constitucionais sobre a regionalização.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É essa a questão! Não estamos a fazer a lei da regionalização. Quando apelo para a fixação do padrão de partida em matéria de referendo, matéria que tem de ser profundamente emendada, também apelo para o estabelecimento de critérios próprios para a realização de referendos. Este referendo é especial. Não sei, porém, se não deveríamos, eventualmente, admitir em termos gerais, o referendo sobre leis já feitas, como é admitido noutros países. Por que é que não avançamos para aí, isto é, para a definição de um instituto que amanhã possa ser utilizado para outros fins? Vamos andar a fazer especificidades de cada referendo?
Além do mais, Sr. Deputado Jorge Lacão, pode não haver nenhuma singularidade neste referendo se criarmos um modelo diferente do que está na Constituição. Aliás esse não é modelo nenhum de referendo nacional mas, sim, uma pretensa "maquilhagem" de referendo. De resto, nunca funcionou! Se o alterássemos, talvez conseguíssemos encontrar ponto e critério para tratarmos este problema e, dessa forma, passarmos adiante.
Por outro lado, também temos uma proposta, como verá, para o artigo 118.º. Uma vez encarada, talvez ela resolva muitas questões e seja um bom leading case.
Quanto à matéria da desconstitucionalização, deixo de lado essa parte porque, mais uma vez, voltaríamos a discutir conceitos. Tal como já referi, e repito, dei como adquirido nesta discussão que o Partido Socialista não quer alterar o artigo 255.º. Disse-o, preto no branco!
Portanto, se não é alterado, concluo que ele fica na mesma; não se trata de uma cedência, mas de uma conclusão lógica, não política, porque são necessários 2/3 para o alterar. Mas isso não significa que, politicamente, não diga que o deveriam fazer! Só que, logicamente, não posso concluir o contrário.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bom senso!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não é bom senso, é uma lógica elementar, Sr. Deputado. Três anos de idade mental dá para fazer esse raciocínio!

Risos.

Esta é, portanto, uma questão lógica.
Em suma, quando concluo que não se altera o artigo 255.º não estou a tirar uma conclusão política, mas uma conclusão elementar a partir da discussão que aqui teve lugar.
Por último, apelo para que façamos a revisão constitucional da forma mais económica possível sem nunca perder as boas razões que cada um tem para sustentar as suas posições. Agora, estar sempre a ver quem tem melhor moradia em casa d'el rei, quem tem precedências ou prevalências, não faz qualquer sentido!
Temos um País e uma Constituição. Devemos começar a trabalhar partindo da ideia de que a Constituição precisa de ser adaptada às condições de entrada no próximo milénio que já estamos a viver. Cabe a cada qual dizer onde devem ter lugar essas alterações, daí que existam tantos artigos com tantas propostas de emenda.
Queremos resolver este problema ou, pelo contrário, vamos elaborar leis de regionalização, leis especiais, referendos especialíssimos...? Se assim for, nunca mais saímos daqui! Esta é a observação final que deixo.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero lavrar um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo. Penso que não é justo que o Sr. Deputado acuse os outros partidos, as outras forças políticas de estarem a criar uma surpresa perante a opinião pública, por estarmos circularmente a discutir a questão da regionalização e do referendo, quando as pessoas e as motivações, como bem disse, dos projectos de revisão constitucional eram outras - tinham a ver com o sistema político e económico em geral. De facto, quem realmente "enquistou", desde há dois meses a esta parte, o debate da revisão constitucional em torno deste assunto foi o líder do PSD!
O processo de revisão constitucional foi aberto por iniciativa do Partido Popular e tinha muito mais a ver com outros assuntos, incluindo este. Mas quem criou um "enquistamento" dos trabalhos da revisão constitucional, repito, foi o líder do PSD. Portanto, Sr. Deputado Barbosa de Melo, não se surpreenda com a surpresa que o próprio PSD criou. De facto, deixe que lhe diga, com toda a amizade, que se a revisão constitucional não avança para outros temas é porque estamos presos, quer política, quer tecnicamente, a esta questão.
Faço, por isso, um apelo muito sincero para que sejamos práticos, porque se são necessários 2/3 para aprovar qualquer alteração, PS e PSD terão de dar acordo às propostas. O que acontece é que estamos a chegar a um bloqueio, a um impasse tolo, que se traduz no seguinte: se não se faz o referendo alterando o artigo 118.º, o PSD não dá o seu voto; se se faz o referendo através do 118.º, o PS não dá o seu acordo! Sr. Deputado, com esta discussão, daqui a pouco não há referendo.
Devemos fazer um esforço porque, apesar de tudo, há pontos nas propostas sobre o artigo 256.º susceptíveis de serem trabalhados, aceitáveis e outros que são reformuláveis. Se queremos, realmente, um referendo façamos um esforço para, com brevidade, trabalhar sobre o artigo 256.º

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, em forma de contraprotesto nada tenho a dizer porque não acusei ninguém.
Em todo o caso, permito-me dizer o seguinte: quando sugeri que voltássemos ao artigo 118.º, queria que esquecessem os artigos e pensassem no referendo como instrumento geral da Constituição para, mais adiante, o aplicarmos aqui. Fiz um apelo metodológico e não uma proposta. Se é caso para isso, então que se continue o caminho que até agora se seguiu.
Há, contudo, um ponto que gostaria que ficasse claro. Srs. Deputados, deixemos de lado as questões que temos uns com os outros, aqui, acolá ou além, porque assim não vamos a sítio algum! Temos uma função a desempenhar para a qual fomos investidos pelo povo que nos elegeu, e é essa função que temos de assumir plenamente. Os amores e desamores que temos, uns com os outros, não contam e são irrelevantes para a história que aqui estamos a fazer.
Insisto para que, na próxima reunião, haja um programa bem delineado para que seja possível avançar nestas matérias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é na qualidade de Presidente da Comissão que queria lembrar-vos o seguinte: a ordem dos trabalhos da revisão constitucional foi estabelecida - é certo que tal aconteceu em momento anterior à chegada do PSD aos trabalhos desta Comissão - a partir de uma deliberação tomada legitimamente pela Comissão. Ficou assim determinado que a prioridade dos trabalhos seria conferida ao conjunto de artigos que incidissem sobre a matéria constitucional da regionalização. É o que temos feito.
Foi igualmente suscitada a questão da apreciação da temática referendária no processo de regionalização, e foi dito que não deveríamos perder de vista que este pode ter conexões com a temática geral do referendo. Houve, portanto, uma segunda deliberação nesse sentido, já com a presença do PSD. Ficou assim definido que, a propósito do tema referendário para a regionalização, não se excluiriam, bem pelo contrário, as ponderações que, oportunamente, também fossem feitas em sede de regime geral do referendo.
Finalmente, por razões metodológicas não se pode abandonar a apreciação do destino do artigo 256.º, pela circunstância de esta disposição estabelecer uma modalidade de referendo orgânico que será ou não abandonada em função de se saber se houve ou não um consenso maioritário qualificado para o substituir por uma outra solução de consulta popular directa.
Nesse sentido, não posso deixar de propor que os trabalhos da próxima reunião incluam a apreciação de uma solução para o artigo 256.º, sem prejuízo da apreciação complementar que se entenda fazer ao regime geral do referendo, constante do artigo 118.º. Em consequência, e feito o apuramento dessa matéria, seguir-se-á a análise dos demais artigos relativos à temática da regionalização.
Em conclusão, Srs. Deputados, retiro desta reunião que, do conjunto dos artigos em apreciação, um deles ficou por tratar Refiro-me ao artigo 255.º da Constituição. Aguardaremos melhores clarificações no início da próxima reunião.
Está encerrada a reunião.

Eram 14 horas e 5 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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