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Quarta-feira, 29 de Maio de 1996 II Série - Número 6 - RC

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião do dia 28 de Maio de 1996

S U M Á R I O



O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 11 horas.
Continuou a fazer-se a apreciação das propostas de substituição em debate na anterior reunião (artigos 255.º a 262.º), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Alberto Martins (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Maria Eduarda Azevedo, Calvão da Silva e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) apresentou uma proposta de alteração ao artigo 9.º do Regulamento da Comissão.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas.

Continuamos em sede de apreciação dos artigos 256.º e seguintes da Constituição e estou ciente de que os dias de reflexão do fim-de-semana foram produtivos para o lastro indispensável ao consenso desejável, pelo que pergunto aos Srs. Deputados das várias bancadas se alguém deseja pedir a palavra para retomar a apreciação do artigo 256.º da Constituição no ponto em que a deixámos na reunião anterior.
Como estão recordados, houve uma proposta, apresentada pelo PS, comentada pelos Srs. Deputados dos vários grupos parlamentares, e foi isso o que ocorreu na última reunião.
Relativamente ao artigo 256.º, começo por perguntar se alguém tem algum contributo novo, em termos de articulado, a oferecer aos trabalhos de hoje.

Pausa.

Perante o silêncio geral, constato que eu próprio tenho de responder à pergunta que acabei de fazer...

Risos.

Aliás, devo dizer aos Srs. Deputados que esta situação não se manterá por muito mais tempo, na medida em que, segundo espero, este presidente será, de hoje a uma semana, substituído por outro, nos termos em que, oportunamente, foi dada informação aos Srs. Deputados.
Bom, se ninguém se inscreve, passo a intervir.
Srs. Deputados, creio que, nos termos em que deixámos a apreciação do conteúdo do artigo 256.º na última semana, é possível tentar alguma síntese relativamente ao estado desse debate para enunciar, de forma sistemática, algumas observações.
Em primeiro lugar, julgo que se constatou uma diferença de pontos de vista entre os vários Deputados, em particular das bancadas do PS e do PSD, relativamente ao momento em que a utilização das consultas populares directas deveria ocorrer no processo da regionalização. O PS tem entendido, desde o início, que o momento dessa consulta deve ocorrer na sequência da aprovação de uma lei das regiões administrativas, a qual, nos termos do artigo 255.ª da Constituição, que já se viu que não será alterado, implica a prévia aprovação da lei de criação das regiões.
Julgo poder afirmar com verdade que o PSD, a este propósito, tem sustentado um ponto de vista diferente, no sentido de considerar que o referendo nacional deveria ocorrer antes da delimitação geográfica das regiões. Nesse ponto, constatámos uma diferença de posição da parte do PSD relativamente ao seu próprio projecto de revisão constitucional, uma vez que o projecto de revisão constitucional do PSD admitia que o modelo regional devia ser globalmente definido e só depois deveria ocorrer o momento referendário.
Neste sentido, enquanto o PS parece ter-se aproximado de uma solução que era coincidente com o projecto de revisão constitucional do PSD, permitam-me que sublinhe que o PSD se afastou do seu próprio projecto neste ponto.
Assim, em lugar de termos dado passos no sentido de aproximação, poderemos ter dado passos no sentido de uma maior diferença de posição.
Quero sublinhar aos Srs. Deputados do PSD, em particular, que neste ponto o PS entende manter o mesmo ponto de vista, ou seja, o ponto de vista de que deveremos proceder, por respeito ao artigo 255.º, de resto, à prévia aprovação da lei de criação e, na fase de instituição em concreto das regiões, dar lugar à existência de referendos.
Aqui surgiu a segunda diferença de pontos de vista. Enquanto o PS tem sustentado - particularmente, tenho-o feito em reuniões anteriores - que o legislador constitucional não deve dirimir a questão da simultaneidade ou não entre referendo nacional e referendos regionais (deve prever os efeitos da possibilidade da simultaneidade mas deixar a opção ao legislador ordinário nesse domínio), julgo que o PSD tem insistido no ponto de vista segundo o qual a simultaneidade deveria ficar como prescrição constitucional obrigatória.
Julgo que é assim mas, naturalmente, nesta reunião, teremos oportunidade de clarificar esse ponto.
Quero sublinhar aos Srs. Deputados do PSD que também nesta matéria o PS entende sustentar a sua posição, ou seja, a de que não deveremos impor aos que não concordam com o princípio da simultaneidade a sua obrigatoriedade, nem àqueles que concordam com a simultaneidade a obrigatoriedade da não simultaneidade. Na nossa concepção, isso seria rigidificar o texto constitucional sem que nenhuma razão de interesse público o justifique.
Por isso, consideramos que a opção flexível do texto constitucional é aquela que mais se compagina com a opção do legislador ordinário na base de uma legitimidade democrática maioritária.
A terceira questão que ficou em aberto da última reunião para a de hoje é a da correlação de efeitos entre referendo nacional e referendos regionais. Na proposta que o PS tinha apresentado na reunião anterior, admite-se a possibilidade de subsistirem os efeitos dos referendos regionais, ainda que sem produção de eficácia imediata, aguardando a eventualidade de um referendo nacional subsequente ser positivo, no caso de o primeiro ter sido negativo, naturalmente.
Esta opção foi muito criticada pelos Srs. Deputados do PSD, alegando que a vontade nacionalmente expressa deveria ser prevalecente e que os efeitos dos referendos regionais não deveriam subsistir ou sobreviver no caso de uma resposta negativa em referendo nacional.
A opção que o PS apresentou foi, de resto, muito criticada, com o argumento de que um voto popular só poderia ou deveria ser alterado por efeito de outro voto popular.
No entanto, quero recordar que a solução que o PS propunha, com o alcance que propunha, decorria de outras soluções institucionais já hoje vigentes na nossa ordem jurídica, embora a outro nível que não ao dos efeitos referendários, ou seja, ao nível de deliberações legítimas tomadas na democracia representativa, designadamente quanto aos processos de nomeação dos juizes do Tribunal Constitucional.
Recordo aos Srs. Deputados que o regime que hoje praticamos para a eleição dos juizes do tribunal Constitucional é muito singular, na medida em que, por um lado, se exige que cada candidato ao Tribunal Constitucional só seja validado no caso de individualmente ter obtido uma maioria qualificada de 2/3 dos Deputados eleitos, mas, por outro lado, exige-se que a validação de conjunto das eleições individuais dos candidatos a juizes só ocorra depois

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de estar garantida a possibilidade de eleição de nove juizes candidatos ao Tribunal Constitucional. Esta solução faz com que maiorias qualificadas positivas, dadas como válidas, só venham, todavia, a produzir efeitos se se verificar um facto maior, ou seja, a eleição do conjunto, para poder conferir eficácia à eleição das partes.
Na verdade, esta solução que é hoje praticada e que decorre de uma lei em vigor, era, com as naturais distinções de ocorrência e de circunstância, algo que similarmente propúnhamos na relação entre referendo nacional e referendos regionais.
Todavia, logo na última reunião, o PS manifestou disponibilidade para rever este ponto, com a disponibilidade intelectual e política de procurar, naqueles aspectos que nos parecessem não decorrer da afirmação de princípios relevantes, um consenso mais facilitado.
Por isso, apresentaremos hoje uma nova formulação da proposta da reunião anterior, em que se assume de forma inequívoca que a existência possível de uma resposta negativa a um referendo nacional fará cessar de imediato quaisquer efeitos relativamente a respostas de referendos regionais, se tiverem tido lugar. Assim clarificamos em definitivo este aspecto que foi muito controvertido na reunião anterior.
Damos, portanto, um novo passo no sentido de que se procure alcançar um consenso efectivo em matéria de solução referendária no processo de regionalização.
Com toda a franqueza, direi aos Srs. Deputados que, tendo feito este conjunto de passos no sentido de um compromisso efectivo em sede constitucional para aquilo que era o essencial a clarificar em matéria de consulta referendária no processo de regionalização, parece-nos muito difícil que, eventualmente, outros partidos possam continuar a resistir em dar o seu contributo de concordância depois deste esforço que, da nossa parte - suponho poder dizê-lo com inteira razão -, foi um esforço efectivo e muito construtivo na procura do consenso.
Se esse consenso puder hoje, finalmente, manifestar-se nesta Comissão, todos teremos razões para nos congratularmos com isso. Se - e não quero acreditar na segunda hipótese que formularei - esse consenso não se revelar possível, não deixaremos de propor aos Srs. Deputados que avancemos para outros artigos do texto constitucional, uma vez que nos parece impossível que, depois de tanto contributo efectivo em busca do consenso, se ele ainda não se revelasse possível, nada justificaria continuarmos limitados por uma divergência em torno de um artigo e, nesta circunstância, deveríamos passar adiante na avaliação das outras disposições constitucionais que também nos cumpre analisar nesta Comissão.
Passo, portanto, a distribuir aos Srs. Deputados a nova fórmula do texto que referi e, naturalmente, se assim o entenderem, aguardo os comentários que possam considerar pertinentes.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ouvi com atenção as explicações que, na qualidade de Deputado do PS, deu quanto à nova proposta e permitia-me desde já, com toda a clareza, fazer algumas observações.
Tentando dar resposta às questões que, de uma forma ordenada, colocou, direi, quanto àquela que frisou em primeiro lugar, relativamente à inclusão ou não na pergunta nacional de um modelo de regionalização que comportasse já a opção de divisão real do País em regiões, que, de facto, é como o Sr. Deputado disse, ou seja, ambos os partidos, aparentemente, terão evoluído nas suas posições.
O PSD, de um projecto inicial no âmbito da apresentação da lei de revisão constitucional onde falava na inclusão necessária do âmbito territorial na lei que define o modelo, o quadro das regiões, evolui, pelas razões que são conhecidas e que não vale a pena estar a repetir, para a opinião de que será mais lógico que a pergunta nacional não coloque desde logo o cidadão eleitor perante a opção de um determinado modelo de divisão territorial mas apenas perante um determinado modelo de competências, de atribuições, poderes e modos de funcionamento das regiões.
Houve, de facto, essa evolução da parte do PSD, é verdade, como, aparentemente, também a houve da parte do PS, que no seu projecto de lei de revisão constitucional nada diz sobre esta matéria, mantendo intocáveis os actuais artigos da Constituição, e a prova disso é a aprovação da lei-quadro das regiões, em 1990, sem nenhuma questão sobre o mapa de divisão do País em regiões. Portanto, o PS não terá sentido, no momento inicial, a necessidade de incluir também a obrigatoriedade constitucional de a lei-modelo, que, eventualmente, seria sujeita à consulta popular, integrar necessariamente a divisão do País em regiões.
Assim, concordo com o Sr. Deputado no sentido de que aqui há uma evolução politicamente assinalável, ao longo dos tempos, nomeadamente nos últimos dois meses, da posição inicial dos dois partidos, aparentemente.
Quanto à questão da simultaneidade, gostava de colocar ao Sr. Deputado a seguinte questão: é evidente que o texto que o Sr. Deputado nos apresenta evolui relativamente ao texto da semana passada. De facto, como chamámos a atenção na semana passada - aliás, o Sr. Deputado também o reconheceu -, havia aqui um problema inultrapassável em termos da própria concepção do Estado de direito democrático, que era o do eventual não reconhecimento da soberania do voto popular. Ou seja, havia algum problema no texto anterior, do nosso ponto de vista, quanto aos efeitos que se pretendia deixar de dar ao voto popular e, para nós, na concepção que temos do Estado de direito democrático, de facto, a soberania nacional reside no voto popular.
Nesse sentido, o voto popular não pode ser menorizado nem temporizado, ainda que apenas nos seus efeitos, tendo sempre que prevalecer a lógica de que quando o povo se pronuncia fá-lo para tomar decisões, que têm de ser executadas, porque é essa a lógica da soberania do voto popular.
Se é certo que nesta proposta que hoje o Sr. Deputado nos entrega há uma clara evolução no sentido de que se reconhece exactamente isso, não sendo possível criarem-se artifícios na lei para temporizar ou retirar eficácia e validade ao voto popular, inclusive com mecanismos de caducidade eventual, o que é certo também é que, aparentemente, o PS coincide com o PSD na análise negativa das consequências do tal mecanismo e em vez de atacar as causas que levam a essas consequências, opta, aparentemente, nesta solução, por tentar apenas diluir ou diferir a resolução dessas consequências, o que nos parece claramente errado.
Sr. Deputado, se estamos de acordo - e esta vossa proposta é uma avanço claro nesse sentido - na consequência

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negativa, então, ataquemos a causa e tenhamos o à vontade e a sensatez de dizer que essas consequências negativas e esses problemas só se colocam se tentarmos pôr as duas perguntas ao mesmo tempo. Basta que haja um desfasamento temporal qualquer, por mínimo que seja, para que imediatamente todos esses problemas, relativamente aos quais, pelo menos já coincidimos, se diluam. Então, tenhamos a frontalidade de atacar as suas causas!
Não aceitamos, nem os senhores, pelos vistos, com o que nos congratulamos, as causas dessas consequências negativas; então, ataquemos a raiz do problema, que é a necessidade de criar aqui algum desfasamento temporal, que, depois, pode ser discutido, e aí o PSD está perfeitamente aberto a que isso possa ser depois definido na lei ordinária.
Se o legislador ordinário, depois, pretende, por razões quaisquer que elas sejam, um desfasamento de três semanas, três meses, de seis meses ou de um ano, aí o PSD não entende que esteja em causa uma questão fundamental da concepção que temos do Estado de direito democrático e isso poderá, de facto, ficar para legislação ordinária.
Agora, ainda vem nesta proposta, no seu n.º 3, que as consultas aos cidadão terão lugar nas condições estabelecidas em lei-orgânica. Sr. Deputado, o PSD estará de acordo, obviamente, desde que fique adquirido no n.º 2 ou no n.º 1, que tem de haver algum desfasamento. Depois, a lei, que nem é necessário que seja orgânica, decidirá qual é...
Como sabem, estamos em revisão constitucional e, portanto, aqui as opções são decisivas para nós, porque chamar-se lei orgânica, com toda a franqueza, não vale a pena tentarmos camuflar a questão politicamente...
Se o PSD levanta uma questão que é politicamente relevante para si em sede de revisão constitucional, onde todos temos de fazer um esforço para encontrarmos maiorias mínimas de 2/3, para consagrarmos soluções, e depois se diz que há aqui um problema mas que ele não é resolvido aqui mas em lei orgânica, onde, obviamente, esses 2/3 não funcionam, isso é uma habilidade para que o PSD não tenha voto na decisão definitiva, na solução, o que não nos parece sério. Pelo menos, e sem querer acusar ninguém, é evidente, como compreenderão, que o PSD só por ingenuidade é que aceitaria uma solução destas.
No entanto, é evidente que me congratulo muito em que haja, por parte do PS, o reconhecimento - aliás, nem outra coisa seria de esperar - de que a soberania do voto popular não pode ser posta em causa e não pode haver condicionamentos, suspensões de eficácia, caducidades ou temporizações de eficácia ao voto popular. Agora, tenhamos a facilidade de olhar para o problema e dizer: "coincidimos na consequência e, então, vamos atacar a causa, que é o problema da coincidência de momentos na consulta".
Desde que haja algum desfasamento temporal, que a lei ordinária, depois, seja orgânica ou outra, poderá resolver dizendo qual o desfasamento, porque não o referendo fazer-se a duas voltas? Toda a gente sabe que a lógica das duas voltas nos sufrágios eleitorais é a de que a segunda volta fique condicionada a determinado resultado na primeira.
Todas estas soluções são possíveis e o que para nós, fundamentalmente, é uma questão complicada é aceitarmos a lógica de que os portugueses possam ser chamados a votar, a pronunciar-se sobre uma qualquer matéria aceitando o legislador constituinte, à partida, que podem ser chamados a votar "para o boneco", ou seja, que esse voto pode nem interessar para nada.
Isto é que nos parece ser uma coisa em relação à qual todos nós devíamos estar de acordo, porque é uma questão que, de facto, mexe com a essência do próprio Estado de direito democrático e com a concepção da soberania no voto popular. Portanto, penso que com toda a facilidade podemos estar de acordo, pois se concordamos com as consequências nefastas, então, ataquemos as causas.
Esta é para nós a questão fundamental. Quanto às outras questões, como o Sr. Deputado disse e com razão, poderá haver pontos de partida diferenciados nos partidos e a evolução da situação política levou um partido a chegar-se mais a determinados argumentos e outro partido a chegar-se mais a outros e neste momento, quiçá, estamos com alguns pontos de separação mas não me parece que haja alguma questão tão essencial, em termos de concepção do regime, como houve para o PSD desde o princípio, ou seja, a do referendo, que já está adquirida e não temos que continuar a terçar argumentos sobre ela, e a da necessidade de desfasamento, pela razão de respeitar a soberania do voto popular.
Como disse, não é aceitável, para nós, que os portugueses sejam chamados a votar sabendo-se à partida que, eventualmente, esse voto pode não servir para nada! Como disse, isto parece-nos um desprestígio para a democracia que afecta e corrói a própria essência do Estado de direito democrático e é apenas nesse sentido que apelamos claramente, embora reconheçamos que há aqui uma aproximação entre as partes, no sentido, pelo menos, de coincidirmos na análise negativa das consequências de determinadas opções. Então, tenhamos a clareza e a frontalidade de, em conjunto, atacarmos a causa do problema, que creio que está à vista de todos.
Para já, era apenas isto que queria dizer.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Ferreira e, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Magalhães e eu próprio.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, na última reunião desta Comissão, o Sr. Deputado Barbosa de Melo teve ocasião de utilizar uma expressão que não desprovida de significado e que a ser tomada em todas as suas consequências é um alerta para todos nós, que é a do risco do tal "círculo infernal inextricável". Aliás, em latim isto teria um sabor mais assustador!
O Sr. Professor Rebelo de Sousa teve ocasião, este fim-de-semana, de dizer, de forma sistematizada, alguma das coisas que o Sr. Deputado aqui trouxe. Felizmente, V. Ex.ª não trouxe outras, não reeditou, em termos de ultimato, a ideia de uma revisão constitucional seguida de outra revisão constitucional, de uma partição de revisões constitucionais para atingir objectivos e calendários explicados, aliás, de forma razoavelmente confusa.
Portanto, admitimos que essa questão seja deixada em segundo plano e que continuemos a progredir no caminho que tínhamos admitido que era mais operativo. Trabalhemos o mais depressa possível, com resultados o mais estabelecidos que seja imaginável e veremos, na altura própria, se devemos mudar de estatuto ou não. Congratulo-me

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pelo facto de V. Ex.ª não colocar essa questão aqui, em termos operativos, embora ela esteja publicamente equacionada.
Em segundo lugar, sublinho com apreço que reconhece o que há de diferente nesta proposta que agora foi apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão relativamente às que têm estado em cima da mesa. Há uma diferença e ela procura, de forma dialogante, ter em conta observações, reivindicações e contribuições que da vossa bancada têm vindo a ser feitas.
Agora, Sr. Deputado, não nos peça para, em relação a alguns princípios fundamentais, trocarmos uma solução que consideramos vantajosa por outra que V. Ex.ª oferece, mas que tem sérios inconvenientes. E mais ainda: V. Ex.ª acabou de propor uma modalidade que é original em relação à teorizada, no passado fim de semana, pelo líder do seu partido, no que não vejo qualquer pecado, pelo contrário, mas gostaria de saber qual é a substância dessa inovação.
Aquilo em que V. Ex.ª, no passado fim de semana, pela voz do líder do seu partido, veio a insistir foi na ideia de que seria necessário distinguir dois referendos, separando-os pelo espaço de x semanas. Seria necessário organizar e consagrar tudo isso no texto constitucional - sempre no texto constitucional - e obrigar a esse deferimento, portanto à não simultaneidade, no texto constitucional, o que implicaria um fechamento para a solução que propomos.
Não nos obriguem a consagrar o deferimento! Nós propomos que se coloque na Constituição aquilo que permite a simultaneidade mas também a não simultaneidade, a decidir por lei ordinária. Demos à Constituição aquilo que ela deve ter - um espaço que permita ao legislador ordinário várias soluções - e não precipitemos na Constituição aquilo que pode ser obra da lei ordinária. É uma posição razoável!
Mas V. Ex.ª não só enjeita, aparentemente, essa posição, regredindo para dentro do círculo infernal inextricável, como diz: "Não! Mas, então, queremos dois referendos! Não! Queremos um referendo em duas voltas! Estamos disponíveis para ir até aí!".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por exemplo!

O Sr. José Magalhães (PS): - E, ao dizer isso, o Sr. Deputado alerta para o problema principal da vossa posição, para uma coisa que traduz um problema que nos pareça facilmente resolúvel. O problema, para nós, sempre foi qual é a riqueza da consulta feita aos cidadãos, ao soberano. A atitude que está subjacente à nossa Constituição, no artigo 118.º, designadamente, é a de rejeição das experiências de outros países em que os eleitorados foram historicamente, em muitos momentos, confrontados com grandes perguntas, perguntas inespecíficas, perguntas vagas, perguntas nas quais há um risco de deriva plebiscitária.
A nossa proposta traduz a rejeição do plebiscito, tanto o constitucional como mesmo o que não infringe esse limite. Fazemo-lo com vantagem ao dizer: a consulta é uma consulta que incide sobre uma opção legislativa clara, completamente clara, e com contornos totalmente definidos. Tudo está definido. Está definida a mancha das atribuições; está definida a mancha das competências; e estão definidas todas as questões relacionadas com a delimitação geográfica das regiões. E o eleitorado, ao ser chamado, é sobre isso que se pronuncia. Mais ainda: cada qual não tem cartas escondidas debaixo da mesa, quando se apresenta ao eleitorado; cada qual exibe o seu mapa; cada qual, nesta matéria, torna clara a sua adesão ou não a uma certa delimitação ou a uma certa filosofia. E o eleitorado julga.
Quem ganhar ou quem perder nessa matéria ganha ou perde como se perde num acto eleitoral. Não se trata de um insulto ao soberano nem de um insulto a parte do povo por outra parte do povo - é o funcionamento normal da democracia.
A vossa proposta de referendo a duas voltas tem problemas sérios, os mesmos da anterior e ainda mais. É que um referendo a duas voltas, Sr. Deputado, teria de ser com objectos diferentes na vossa lógica. Não é?! Na primeira volta, VV. Ex.as voltariam a perguntar sobre atribuições e competências e, na segunda, perguntariam sobre quê? Sobre delimitação regional.
É isto, Sr. Presidente, que me parece que motivaria a necessidade de uma clarificação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes deseja responder já ou responde no fim a todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desejo responder já, pois penso que é mais fácil.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que, se dialogarmos um bocado, acaba por ser mais rápido.
Sr. Deputado José Magalhães, em primeiro lugar, queria esclarecer uma questão: não tome estas coisas com formalismos que elas não têm. O que eu disse não foi rigorosamente que apostava ou deixava de apostar numa lógica de referendo a duas voltas, o que eu disse foi que, para nós, o essencial é que o texto constitucional condicione a colocação da segunda pergunta a um resultado favorável prévio à primeira. É apenas essa questão! Agora, não é o que cá está, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o que está na proposta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, desculpe, mas não é! Sr. Deputado, não só não é o que cá está, como, antes de o lermos, o Partido Socialista teve o cuidado de o explicar oralmente, para não lermos mal. Sr. Deputado, o PS só nos entregou a proposta depois de a explicar oralmente, e, na explicação oral que aqui nos foi dada - enfim, penso que fará justiça de não achar que nós ouvimos mal -, todos nós ouvimos claramente o Partido Socialista dizer que, para já, não quer ver o problema da simultaneidade resolvido aqui. Isto foi dito claramente, portanto não venha dizer que é o que cá está, porque não é!

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem resolvido nem impedido!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
E foi por isso que eu também disse, como o Sr. Deputado ouviu e reconheceu na parte inicial da sua pergunta, que, de facto, há aqui claramente uma evolução. Estamos todos de acordo com isso.

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Agora, a questão essencial para nós, Sr. Deputado, é que o texto constitucional tem de dizer claramente que a segunda pergunta fica condicionada a uma resposta favorável à primeira, o que quer dizer que não se pode fazer a segunda pergunta sem se saber o resultado do voto popular à primeira, sob pena de estarmos a pedir aos portugueses que se pronunciem sobre uma coisa, sabendo-se, à partida, que, eventualmente, aquela é uma resposta que não serve ou que pode não servir para nada, como é evidente.
Temos de aceitar democraticamente que, ao fazer-se um referendo, qualquer dos resultados matemáticos é possível, porque essa é que é a riqueza do voto popular e da consulta em democracia.
Portanto, a única coisa que achamos que deve ficar consagrada aqui... O resto pode claramente ficar na lei, dizendo depois - e aí é que entrou a minha questão das duas voltas ou o que quer que seja - se a forma de condicionar a segunda pergunta à primeira deve obrigar a que haja um espaço temporal de duas, de três, de quatro ou de seis semanas, de dois, de três ou de seis meses. Para nós, isso é uma matéria que pode perfeitamente ser resolvida na lei ordinária.
E o modelo jurídico-administrativo do referendo em si, se são dois referendos... No fundo, costumamos falar em dois, mas não são dois, porque, como sabemos, nas propostas iniciais, eram muito mais do que dois, porque era um referendo de âmbito nacional e, depois, uma série de referendos regionais, tão grande quanto o número das regiões que se pretendesse instituir.
Portanto, saber se é assim ou se, em termos técnico-jurídicos, a lei do referendo deve dizer que é feito em dois momentos distintos... Todas essas questões podem, de facto, do nosso ponto de vista, ser resolvidas em sede de lei do referendo. Aí o PSD dá abertura total.
Agora, o que nos parece fundamental - e era apenas esta precisão que queria fazer, por isso respondi logo à sua pergunta - é que a segunda questão a ser colocada aos portugueses... E o Sr. Deputado também não venha dizer que, depois, não se sabe o que é que se pergunta na segunda vez, porque tanto não se sabe se for num momento diferente como se for no mesmo momento, pois a pergunta tem de ser sempre formulada. Portanto, o problema não existe.
A única coisa que peço é que agarre nessa pergunta, que é a pergunta da instituição em concreto das regiões, como toda a gente sabe, porque é essa que está em causa, pois a sua formulação gramatical é uma questão técnica que pode ser aprimorada... A segunda pergunta, que é a da instituição em concreto das regiões, se concorda com a instituição em concreto das regiões, tem de ser condicionada ao prévio resultado favorável da primeira. É apenas essa questão que o PSD defende!
Não vale a pena fingir-se que, depois, não se sabe o que é que se pergunta da segunda vez. Sr. Deputado, eventualmente, pergunta-se exactamente a mesma coisa que se inscreveria no primeiro boletim. A única coisa que o PSD diz é que não faz sentido obrigar as pessoas a votar no mesmo boletim, sabendo que a segunda pergunta, eventualmente, é um voto para o boneco. É apenas essa questão!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, temos de fazer um esforço recíproco para não darmos testemunho de masoquismo intelectual, ou seja, não repisarmos excessivamente os argumentos que já toda a gente compreendeu e, sobretudo, não levarmos essa argumentação até à náusea.
Mas o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não perca de vista o seguinte: eu, na semana passada, divergi de uma sugestão dada aqui pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo para que suspendêssemos esta temática do artigo 256.º e fossemos ao regime geral do referendo. E só divergi desse ponto de vista por uma razão que, na altura, tive ocasião de sublinhar, que é a seguinte: é que o artigo 256.º já tem um conteúdo concreto na Constituição e já define uma modalidade de referendo orgânico.
Ora, do nosso ponto de vista, é essencial saber se há ou não condições de substituição de uma modalidade de consulta por outra na fase do processo regionalizador e, por isso, insistimos em debater o artigo 256.º. Mas, assumida esta divergência de método, houve algumas lembranças sobre aspectos substantivos do regime geral do referendo a que o Sr. Deputado Barbosa de Melo aludiu e as quais valia a pena não perdermos de vista.
Repare: o regime geral do referendo - e oportunamente lá iremos - admite a possibilidade de qualquer referendo ser elaborado na base de mais do que uma pergunta sobre o tema que estiver em causa, da articulação possível entre perguntas de acordo com a lei que regule o regime de formulação e de efectivação dos referendos.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, imagine - e agora, Sr. Deputado Jorge Ferreira, não fique muito excitado com a fórmula que vou aqui colocar, porque é meramente especulativa - um referendo que dissesse qualquer coisa deste género: "é a favor da moeda única? Se for a favor da moeda única, é a favor de um só banco europeu regulador do sistema financeiro? Se for contra a moeda única, admite a existência de um sistema monetário europeu?". Imagine estas três perguntas num referendo geral. É óbvio que algumas destas respostas de segunda e terceira pergunta iriam ficar prejudicadas pelo alcance da primeira.
Quer o Sr. Deputado Luís Marques Guedes convencer alguém aqui que este não é um sistema praticável em qualquer referendo de âmbito nacional que possamos vir, um dia, a promover, ou seja, da inevitabilidade de, havendo mais do que uma pergunta, haver sempre alguma delas que acabe por ficar prejudicada em função da resposta dada a outra?! Claro que sim! É da natureza do referendo e da articulação de respostas que isso possa naturalmente acontecer!
Ora, é isso que já está previsto em sede de regime geral do referendo e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes quer, à viva força, não poder admitir em sede de regulação específica do regime do referendo no processo da regionalização. De onde os argumentos que nos tem estado agora a esgrimir não têm sobrevivência possível do ponto de vista da coerência constitucional.
O que é que estará, afinal de contas, em causa? Se já não é a questão da coerência constitucional, e não é manifestamente! Acabemos com isto de vez! Acabemos com o nosso masoquismo em torno desta questão! A questão é outra! E digo-lhe com franqueza que se trata de uma questão de táctica política. É a questão da incapacidade política do seu partido de se confrontar com a clarificação das opções regionais que deseja fazer aos portugueses e admitir aos portugueses que se possam exprimir sobre elas de forma clarividente, no conhecimento prévio das opções que cada partido sustentou e sustenta no momento da consulta popular sobre o conjunto dos temas da regionalização. Este é o problema!
Por isso - e para encurtar razões -, quero colocar-lhe a seguinte questão: encontra alguma razão de princípio constitucional para discordar daquilo que eu disse sobre

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a possibilidade do alcance de perguntas a celebrar em sede de regime geral de referendo, de acordo com o regime geral que o referendo já tem na Constituição? É que, de duas uma, ou diz que aquelas hipóteses que coloquei há pouco não podem ser aplicáveis em sede de regime geral de referendo, e tem razão nas suas críticas à solução específica para o referendo regional que estamos a propor, ou não encontra razões para contrapor àquilo que eu disse sobre as possibilidades do regime geral do referendo, e tem de mudar definitivamente de argumentação para dizer que não está de acordo com as opções do PS, ou seja, para dizer que não está de acordo não por causa de soluções constitucionais mas por causa de soluções que têm a ver apenas com a conduta concreta dos partidos políticos no problema regional.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, penso que artifício foi o que V. Ex.ª agora fez, porque, com toda a franqueza,... Para já os referendos não são organizados como as sondagens de opinião, em que se pergunta uma série de coisas encadeadas.
A legitimidade que o Sr. Deputado tem para dizer isso é exactamente a mesma que eu tenho para dizer que os referendos não servem para isso. O Sr. Deputado não pode sequer... Enfim, nem um nem outro nos podemos fundamentar em doutrina já existente do Tribunal Constitucional, que é quem, nos termos da lei do referendo, tem de se pronunciar sempre sobre a constitucionalidade da forma como as questões são colocadas ao eleitorado, porque nunca houve qualquer referendo. É apenas por essa razão! Portanto, ainda não existe doutrina consolidada sobre essa matéria.
Mas, com toda a franqueza, não me parece, nem essa é a opinião política do PSD, que os referendos sejam utilizados para perguntas tipo sondagens, em que se pergunta uma série de coisas: "concorda com isto? E, se concordar com isto, concorda com aquilo? E, se concordar com aqueloutro, acha bem que se faça mais não sei o quê?". De facto, não é essa a leitura que o PSD faz.

O Sr. José Magalhães (PS): - Qual é a que faz?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em qualquer circunstância, isso serve apenas para iludir a questão de fundo. E a questão de fundo, que o Sr. Deputado bem conhece, é que o PSD, nesta matéria da regionalização, desde o princípio tem defendido - e é com pena que tenho de voltar a esta questão - que haja um momento de pergunta nacional e os senhores, aparentemente, querem misturar esse momento em que os cidadãos da Alfama se pronunciam ao lado dos cidadãos de Bragança, ao lado dos cidadãos de Vila Real de Santo António e ao lado dos cidadãos de Braga a dizer se querem ou não uma determinada... E os Açores, os emigrantes, do nosso ponto de vista,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O Funchal!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - ... o Funchal... Em que todos os cidadãos portugueses...
Politicamente, todos sabemos que esta é que é a questão de fundo sobre o problema da regionalização, desde o princípio exigida, se assim quiser, pelo Partido Social Democrata.
Pensamos nós que esta questão está adquirida. É bom que ela, por estar adquirida politicamente, esteja também correctamente vertida no texto constitucional. E, portanto, é bom que, sem artifícios de qualquer espécie, a Constituição delimite esse momento de consulta nacional, sem misturar esse problema.
Com toda a franqueza, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga o seguinte: parece que o Partido Socialista, de facto, embora tenha chegado à conclusão de que concorda com a necessidade de realizar um referendo nacional, penso que num braço de ferro quase sem sentido, quer guardar aqui alguma pergunta de âmbito regional que consiga diluir a lógica nacional deste momento. Com toda a franqueza, gostaríamos que, com clareza, a Constituição - e essa é que é a questão política relevante, e não vale a pena argumentar aqui com outras questões de âmbito jurídico... A questão política relevante é que o PSD entende que tem de haver um momento de pronúncia e de decisão soberana nacional, sem misturas de outras espécies e sem áreas regionais metidas ao mesmo tempo no problema, um momento em que o povo português, em que todos os cidadãos nacionais são chamados a dizer se querem ou não a regionalização.
E aí, como já vimos, embora tenhamos evoluído, a partir de determinado momento, de situações separadas, é evidente que, no fundo, concordamos que essa pergunta tem de mostrar com a maior clareza possível aos portugueses qual é o modelo que se propõe implementar no País, para que eles possam, em consciência, pronunciar-se sim ou não.
Sobre isso o PSD já disse várias vezes...
E não se espante, Sr. Deputado, porque eu já o disse na última reunião! Para quem quis ouvir, eu já o disse na última reunião! O PSD entende - e já chamou a atenção para isso - que acha que, se se incluir, além do modelo das competências, atribuições e modo de funcionamento dos órgãos, também o mapa de divisão, se está a obter um efeito que, potencialmente, é perverso ao "sim" dos portugueses, porque está, eventualmente, a congregar-se à volta do "não" tanto as pessoas não regionalistas como as pessoas que, sendo regionalistas, quiçá por razões de territorialidade, não se revejam exactamente naquele modelo de divisão.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Qual é o mal?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é uma opção!
O PSD já esgrimiu aqui os seus argumentos e tem a consciência de que a solução final resultará do máximo denominador comum e da maioria que democraticamente se constituir nesta Assembleia e também, nomeadamente, na Comissão de Revisão Constitucional. Isso para nós é evidente! Isso para nós não é uma questão que toque a essência do problema.
O que toca a essência do problema, Sr. Deputado - e não vale a pena iludir isso com questões técnico-jurídicas da lei do referendo, das leis orgânicas ou do que quer que seja -, é que tem de haver um momento de pronúncia nacional, em que todos os cidadãos portugueses se vão pronunciar a dizer se querem ou não um determinado modelo de regionalização. E, passado esse momento, haverá um segundo momento, com a dilação que for entendida na lei ordinária, em que os portugueses decidirão a instituição em concreto - utilizando o termo constitucional - da região que lhe diz territorialmente respeito.

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Esta é a questão política colocada desde o princípio e o Sr. Deputado, desculpar-me-á, mas não vale a pena tentar iludi-la. Esta questão está colocada desde o início e é apenas ela que é essencial. Em relação a tudo o resto, obviamente, temos diferenças de opinião.
Sr. Deputado, quanto à questão do conteúdo da lei que estará subjacente à pergunta de âmbito nacional, temos opiniões ligeiramente diferentes sobre o universo de cidadãos que participarão na consulta nacional. Já houve uma aproximação muito grande, mas continua a haver pequenas diferenças. Também podemos ter, eventualmente, diferenças quando, em sede de lei ordinária, se discutir qual o prazo que deve mediar entre a primeira e a segunda pergunta.
Podemos ter uma série de opiniões diferenciadas, e aí é que está a riqueza do pluralismo democrático, agora nada disso tem a ver, fundamentalmente, com a questão essencial que é a existência de um momento de âmbito nacional em que todos os cidadãos são chamados a pronunciar-se. Esta é a questão que está colocada desde o princípio e não vale a pena iludi-la, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ouvi com muita atenção a sua intervenção e as ulteriores respostas que deu, mas há um aspecto, desde logo, que gostaria de sublinhar, é que V. Ex.ª passou ao ponto 9 e 10 do artigo do seu líder e esqueceu o ponto 8. A questão que se coloca é se foi efectivamente um esquecimento, um acto de indisciplina, ou se foi uma evolução da posição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Qual é o ponto 8?

O Sr. Luís Sá (PCP): - O ponto 8, obviamente, é a questão das duas revisões e da sua defesa!
Mas a questão de mais substância que lhe quero colocar é a seguinte: nós inaugurámos uma prática bastante interessante em matéria de revisão constitucional, que foi ver o líder de um partido escrever num semanário de grande audiência um artigo a proclamar vitórias. Mas, mais do que a proclamar vitórias, a definir, bastante no concreto, a estratégia, a táctica futura e a grelha negocial do respectivo partido, isto é, as questões que V. Ex.ª acaba de colocar, como a simultaneidade ou não dos referendos, o momento do referendo nacional, o que perguntar no referendo, enfim, toda uma série de matérias estão aí claramente colocadas.
E o problema que, neste momento, se levanta a esta Comissão Eventual de Revisão Constitucional é o seguinte: ou o PSD evolui nas posições que estão tomadas, e, naturalmente, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa vai escrever um artigo a dizer que foi derrotado nas questões que colocou, ou, então, estamos no tal círculo infernal e não vamos a parte alguma, ou há ainda uma terceira alternativa, que é irmos de reunião em reunião, em cada reunião o PS aparecer com uma nova proposta e com uma nova cedência e V. Ex.as proclamarem que já conseguiram mais qualquer coisa, mas que não abdicam de mais nada e, portanto, está tudo congelado e continuamos exactamente na mesma.
Perante isto, a alternativa que está colocada a esta Comissão é, efectivamente, esta: ou o PS vai de cedência em cedência, reunião após reunião, ou VV. Ex.as abrem caminho para derrotar o vosso líder, e, portanto, ele, futuramente, tem de escrever um artigo a analisar as pesadas derrotas que sofreu nos trabalhos desta Comissão, ou, então, decidimos, eventualmente, passar ao artigo 1.º, deixando o regime constitucional da regionalização como está, e, naturalmente, no âmbito próprio, noutra comissão parlamentar, futuramente no Plenário e no País, avançamos com a regionalização noutros termos.
Na situação actual, creio que está aqui colocado um braço de ferro, em que o PS aparece hoje com um avanço numa questão concreta, mas é evidente que os problemas fundamentais estão por resolver, estão em aberto. Até onde é que esta situação se vai arrastar parece o problema evidente que está aqui colocado.
Um outro problema que não é completamente claro para mim e em que talvez V. Ex.ª possa fazer luz no meu espírito é o seguinte: sem qualquer dúvida que o referendo, após a aprovação e promulgação da lei de criação, coloca o problema de se poderem juntar os votos dos adversários das regiões com os votos dos adversários de determinadas áreas concretas. É um inconveniente que, segundo creio, sempre esteve no espírito do PS quando fez esta proposta.
Entretanto, também é verdade que fazer o referendo nacional após a lei de criação é coerente com a ideia de não deixar de manter a regionalização como constitucionalmente obrigatória, e isto significa que não é a regionalização que vai ser referendada mas, sim, a instituição em concreto das regiões administrativas, com os inconvenientes que foram referidos, mas, em todo o caso, em coerência com a ideia de manter intocado o artigo 255.º.
Quando o PSD coloca a questão de referendar o modelo de regionalização, põe-se o problema de saber exactamente o que é que quer referendar. Tendo já ficado assente que as regiões mantêm-se na Constituição, que não vão desaparecer da Constituição, como quer o PP, ou que não vão tornar-se facultativas, como quer o PSD, referendar a regionalização é exactamente o quê?
Eu não compreenderia, por exemplo, que se referendasse as atribuições e competências, porque, da mesma forma que posso ser a favor das regiões administrativas e estar em desacordo com as áreas de tal ou tal região, também posso perfeitamente estar em desacordo com as atribuições e competências que vierem a ser definidas. Mais, e dou um exemplo: em Dezembro de 1976, foram realizadas as eleições para os municípios numa altura em que não estavam definidas as atribuições e competências. Demorou praticamente um ano a aprovar a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, que definiu as atribuições e competências. Também o regime financeiro não estava definido na altura e é um elemento importante para defender o modelo de municipalismo, tal como definir as finanças regionais é uma questão importante para defender o modelo de regionalização. Mas o que, provavelmente, é normal nesta matéria é ser a favor das regiões e não ser, eventualmente, a favor das atribuições e competências ou pelo menos de parte delas. Qual é o sentido de voto? Não há aí exactamente os mesmos inconvenientes? Isto é: o que é que se pretende exactamente referendar, a partir do momento em que se mantém a ideia de que as regiões devem continuar a ser constitucionalmente obrigatórias, que parece que é a ideia que prevaleceu nesta Comissão?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Pedia-lhe que fosse breve, porque ainda tem mais um pedido de esclarecimento.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só não junto as respostas por uma questão de delicadeza, porque não o fiz anteriormente.
Sr. Deputado Luís Sá, registo, embora me parece, enfim, que isso não ajuda muito à evolução dos trabalhos, essas suas acusações de que o PS anda de cedência em cedência, porque isso só serve para condicionar negativamente o Partido Socialista na aproximação necessária de todos nós. Depois também acusa o PSD, tal como o PS o faz, de dar o dito por não dito. Penso que todos nós podíamos dispensar esse tipo de apartes, porque estamos a falar para a comunicação social e não entre nós e só servem para condicionar negativamente o bom espírito de cooperação que deve presidir à realização destes trabalhos.
O Sr. Deputado também falou do problema da celeridade das duas revisões. No enunciado que fiz há pouco ao Sr. Deputado Jorge Lacão, provavelmente esqueci-me de enunciar esse como também uma das questões onde eventualmente temos uma opinião diferente da que o PS tem, e agradeço por ma ter recordado, mas reconduzo-o exactamente àquilo que eu tinha acabado de dizer. Não é obviamente uma questão essencial. O PSD já chamou à atenção de que, para não se frustar as expectativas das pessoas, dos portugueses, para quem todos estamos a trabalhar, se devia ser célere. Deveríamos encontrar mecanismos de celeridade que permitam, por um lado, fazer-se a revisão constitucional com a profundidade exigível na matéria e, por outro, acelerar estes aspectos que têm a ver com a regionalização e o referendo, porque há uma expectativa criada na sociedade. É um problema de resultado, para nós, e não um problema essencial. Quem não quiser essa celeridade, quem não quiser ir ao encontro dessa expectativa dos portugueses assumirá, como é óbvio, politicamente as suas responsabilidades. Agora, é evidente para mim, Sr. Deputado, que o PSD não faz condicionar o processo de revisão constitucional desse resultado, que é um resultado político. Cada um assume as suas responsabilidades perante essa matéria.
Quanto à questão final do Sr. Deputado, que foi a que me pareceu ser de substância mais significativa, é evidente que o PSD entende, sempre o entendeu, desde o princípio de todo este processo, que a pergunta nacional deverá ser feita com base numa lei que defina, com os contornos perfeitamente claros, o modelo de regionalização que se pretende implantar no país. E já o dissemos claramente. E, porque é esse o funcionamento normal da democracia, terá de ser esta Assembleia a aprovar atempadamente uma legislação, por maioria, pela maioria que normalmente tem de expressar-se para aprovar legislação, uma lei que será submetida a referendo, e essa maioria, como em todas as matérias, assume a responsabilidade pelos contornos exactos desse modelo. E foi, de resto, nesse quadro, e com todo o à-vontade também lho recordo, no quadro das perguntas da comunicação social sobre "se o modelo for mais para a direita ou mais para a esquerda, for mais o modelo apresentado pelo PS no dia 2 de Maio ou for mais o modelo das regiões-plano existente anteriormente no país", que o Presidente do PSD afirmou "de facto, essa questão não é menor, porque, porventura, pode levar um regionalista, como eu, se tiver dúvidas quanto ao modelo em concreto que acaba por ser aprovado maioritariamente na Assembleia, a ver-se obrigado a ir embora, por, apesar de ser regionalista, não concordar com aquele tipo de regionalização em concreto". Concordo com o Sr. Deputado de que esta questão é muito importante, mas aí, obviamente, o PSD não se quer imiscuir nos trabalhos que terão de decorrer nesta Assembleia e na maioria que democraticamente terá de formar-se. Isso para nós é perfeitamente claro. Só há aí uma questão que, desde o princípio, para nós é um ponto de honra, que é: primeiro, façamos a revisão e, depois, participamos com as nossas opiniões e com a formulação que o PSD entende ser a mais correcta. Daremos o nosso contributo e esperamos que ele faça vencimento, maioritário ou não.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Faça favor.

O Sr. Presidente: - Ó Srs. Deputados Luís Sá e Luís Marques Guedes, peço-vos o favor de serem telegráficos nas vossas interpelações recíprocas, para não prejudicarmos demasiado os outros Deputados que desejam participar no debate.
Sr. Deputado Luís Sá, faça favor.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Obrigado por me ter deixado fazer esta interrupção, Sr. Deputado.
Creio que seria útil clarificar a seguinte questão: o Sr. Deputado pensa que é coerente opor-se à eleição dos municípios e defender que continuem, por exemplo, a ser nomeados os presidentes de câmaras pelo Governo pelo facto de entender que os municípios têm mais ou menos atribuições do que deveriam ter, por exemplo?

O Sr. Presidente: - Peço-lhe, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para não fazer uma teoria geral sobre esta pergunta enigmática.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Penso que o contexto desta sua precisão tem a ver com a questão que colocou há pouco, ao dar o exemplo de 1976.
Sr. Deputado, quanto a isso a minha opinião, com toda a franqueza, é a de que o paralelismo não se pode estabelecer,…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … desde logo, porque em 1976, quando se colocou esse problema da eleição, ainda não estava revista a lei do financiamento das autarquias. As competências e atribuições não estavam todas repensadas, havia de facto o substrato fundamental, que era a existência das câmaras municipais, com um acervo determinado de competências e condições de trabalho. Existia o substrato fundamental, pelo que as pessoas, quando foram chamadas a votar em 1976, embora houvesse uma evolução legislativa democrática a ser feita, que ainda o não estava na altura, sabiam para o que iam votar, ao passo que, na regionalização, parte-se do zero. Agora, as pessoas não sabem, não lhes foi explicado, e, se não for aprovada uma lei, as pessoas não sabem o que é que lhes está a ser perguntado. Logo, não sabem se querem ou não. Portanto, sinceramente, não me parece que o paralelismo seja possível.

O Sr. Presidente: - Obrigado pela sua compreensão, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, para formular a última pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, eu estaria tentado a deslocar parte do debate das propostas, nomeadamente da que está na Mesa, com algum incidência jurídica, para duas ou três perguntas.
Que opção política seriam clarificadoras no debate, uma vez que este está, muitas vezes, em circuito fechado, pois vai-se à frente, vem-se atrás? O tal círculo infernal inextricável está aí à vista.
A questão é a seguinte: o patamar da discussão política das opções que estão delineadas aponta, digamos, neste sentido: a regionalização em abstracto não é sujeita a referendo, da mesma forma que entendemos não se dever referendar - não se discute - a democracia representativa. Está na Constituição. O seu núcleo essencial é intocável, pelo que não se vai referendar isso. Também já se disse que a descentralização regional, tal como está na Constituição, não será referendada. Assim, que referendos concretos, possíveis, se admitem? Penso que a fase actual da discussão é a rejeição dos referendos em abstracto e que a fase em que estaríamos é a pergunta do "sim" ou "não" à regionalização em concreto, "sim" ou "não" aos mapas da divisão regional. Estas são as questões concretas que podem ser feitas, porque as outras, as abstractas, estão consumidas no texto constitucional e são, do nosso ponto de vista, não referendáveis.
Portanto, nesta fase do debate, a questão que se coloca, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é a de saber, visto o PS ter já admitido a ideia de haver um referendo nacional sobre a institucionalização, em concreto, se os referendos serão em simultâneo ou não, sobre o mapa e a institucionalização em concreto. É assim ou não?

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Se a questão é só a simultaneidade ou não simultaneidade dos referendos, creio que aqui a divisão ficaria clarificada. É de facto este o problema que existe? O problema é o PSD querer que haja um referendo sobre "sim" ou "não" à institucionalização em concreto e, depois, num segundo momento, um outro sobre "sim" ou "não" aos mapas ou à divisão regional e o PS entender que estes dois momentos devem ser consumidos num? Creio que a clarificação desta discussão política seria decisiva, porque, se a questão for só a simultaneidade, há aqui um traço de identificação do problema, que é um traço muito preciso. E é muito preciso porquê? Porque o Partido Socialista já disse que não quer que na Constituição se consagre a simultaneidade nem a não simultaneidade. Já abriu mão dessa possibilidade. O Sr. Deputado, afinal, quer que seja consagrada a não simultaneidade na Constituição? É uma posição fechada que não faz sentido, porque admitimos que na lei ordinária essa questão fique em aberto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, com toda a franqueza, penso que estamos a repetirmo-nos um pouco.
É evidente para mim, e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente, pelo que não vale a pena andarmos a tentar iludir-nos, que só é meia verdade dizer-se que o PS está aberto a rever a questão, tanto que remete para lei ordinária. Ó Sr. Deputado, a lei ordinária… Não sejamos ingénuos! A posição negocial que o PSD tem em matéria de revisão constitucional não existe, pura e simplesmente. Não existe! E, portanto, essa é uma proposta, sem desconsideração, permita-me que lho diga, em linguagem corrente, desonesta, porque o que o PSD quer é ver resolvido o assunto quando tem capacidade negocial para fazer algum vencimento de algumas das ideias que entende essenciais. Se os senhores fazem uma proposta, onde dizem: "Está bem, as vossas ideias até são engraçadas, até podem ter alguma razão de ser, mas nós resolvemos isso depois, ali, no recato do nosso gabinete. Depois resolvemos o problema. E falaremos convosco ou não conforme entendermos ser necessário ou não". É evidente que isto não é uma proposta que possamos considerar aceitável, com toda a franqueza. E, assim, não vale a pena iludir a questão. Esta é a questão essencial.
Só mais um pormenor quanto ao que o Sr. Deputado disse há pouco. O Sr. Deputado levantou a questão de saber o que é que, ainda que, quiçá, admitindo-se que haja dois momentos, se pergunta no primeiro e no segundo momento. Ó Sr. Deputado, o PSD já deu a sua opinião, já explicámos isto uns aos outros, penso que vezes suficientes para todos entendermos. O que é que o PSD entende que desejavelmente deveria ser guardado para a segunda pergunta, e, portanto, não deveria ser logo colocado na primeira? Aparentemente, aí não temos opiniões coincidentes. Se não temos opiniões coincidentes, é evidente que vai ter de fazer vencimento a lógica da maioria, e cada um assume as responsabilidades daí decorrentes. Exactamente como eu dizia ao Dr. Luís Sá, se, por exemplo - no plano de hipóteses do que pode acontecer a seguir -, a lei consagrar que logo na pergunta de âmbito nacional se coloca o problema da divisão territorial do país, isso, desde logo, pode condicionar politicamente determinados eleitores a votar num determinado sentido, quando, eventualmente, se a pergunta fosse feita de outra maneira, poderiam votar noutro sentido. Esta não é obviamente uma questão essencial para nós, não é uma questão que "mexa" com a essência do problema, com toda a franqueza. Não é uma questão de política essencial. O PSD já o disse claramente. Tanto que não é que até evoluiu face ao seu texto inicialmente apresentado, e evoluiu por tomar consciência do problema.
Temos a nossa opinião, já a expressámos. Se o PS tem uma opinião diferente, se o PCP tem uma opinião diferente, se o PP, quiçá, tem uma outra opinião diferente, pois a democracia serve para isso, para nos entendermos e encontrarmos denominadores comuns, para aprovarmos o modelo em definitivo. A questão essencial, para nós, obviamente, não está aí, e isso foi dito muito claramente por nós.
Para terminar, quero dizer que, em meu entender, as questões já estão suficientemente clarificadas, e como há, como o Sr. Deputado Luís Sá disse, e bem, outras questões importantes neste capítulo, se o Sr. Presidente assim o entender, também sugeria vivamente que começássemos a analisá-las, porque já todos percebemos o que é que está e o que é que não está aqui em causa.
Há outras questões que deveríamos analisar nesta sede, nomeadamente o próprio artigo 256.º, porque, como dizia o Deputado Alberto Martins na última reunião, e bem, além de discutirmos as propostas de alteração, temos de tomar consciência daquilo que isso irá alterar e do que sairá da Constituição actualmente em vigor. É, por exemplo, uma discussão que, em meu entender, ainda não tivemos.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na última reunião da Comissão, o meu partido formulou algumas reservas à proposta apresentada pelo PS relativamente à redacção do texto de substituição do artigo 256.º, através do Deputado Paulo Portas. Essas reservas, vejo agora, foram eliminadas desta nova formulação que o PS decidiu dar à sua proposta de substituição do artigo 256.º e, tendo em conta o objectivo essencial, politicamente falando, que temos tido desde o início, em matéria de regionalização, que é o da realização de um referendo nacional sobre se os portugueses querem ou não que as regiões sejam instituídas, o meu grupo parlamentar dá o seu acordo a esta proposta de substituição. Por outro lado, tendo em conta aquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de dizer, que as questões que têm sido levantadas hoje aqui são, apesar de tudo, acessórias, relativamente às questões principais em discussão, penso que a primeira pergunta que se impõe muito taxativamente é esta: o Grupo Parlamentar do PSD vota ou não favoravelmente esta proposta, independentemente de, em relação a algumas vírgulas, a alguns pontos finais, a algumas palavras, se fosse o Grupo Parlamentar do PSD a escrevê-la, poder escrever de outra maneira? Isto é que interessa saber, porque, do nosso ponto de vista, convém, para não desprestigiar politicamente o próprio processo de revisão constitucional, começar a dar sinais de decisões nesta Comissão, porque há várias maneiras de abandonar os trabalhos de revisão: uma, é sair; outra, e esta houve antes, foi a de não entrar; e há agora uma terceira, que é empatar.
Com sinceridade, e perdõem-me, Srs. Deputados do PSD, que vos diga isto, estou convencido de que VV. Ex.as querem empatar o processo de revisão constitucional, mas espero sinceramente que, ainda hoje, me desmintam categoricamente, tendo em conta aquilo que acabaram de dizer, votando este texto, que permite que haja uma consulta aos portugueses sobre a regionalização.
Eu já vos respeitava, mas agora admiro-vos, e perdõem os Deputados restantes que me dirija especialmente aos Srs. Deputados do PSD. Admiro-vos porque, de facto, verifico que têm uma imaginação prodigiosa para continuar a sustentar juridicamente as várias mudanças de posição da direcção do vosso partido. Só que chegamos a um ponto em que a sensação que está criada no país é a de que cada vez que esta Comissão resolver um problema, no sentido de avançar na revisão constitucional, VV. Ex.as lembram-se de outra exigência, lembram-se de outro problema, lembram-se de outro obstáculo, lembram-se de outra reunião para uma nova exigência, e, sinceramente, Srs. Deputados do PSD, se é isso que pretendem, digam já. Os grupos parlamentares dos outros partidos tirarão daí as conclusões necessárias.
Não vou entrar aqui em discussões esotéricas sobre o conteúdo das perguntas, a simultaneidade ou não das perguntas. Todos sabem que o texto que hoje estamos aqui a discutir não é o texto ideal, nem do PS, nem do PP, nem do PSD. Todos sabemos isto. Não vale a pena, semana após semana, reunião após reunião, estarmo-nos a massacrar, a lembrar as diferenças que nos separam. Vale a pena, isso sim, saber se há ou não condições políticas para chegarmos a uma solução que funcione, e, neste caso, a solução que funciona é a que permite decidir nesta Comissão uma fórmula de realização de um referendo nacional sobre a instituição em concreto das regiões.
Por isso, a minha pergunta muito simples ao Grupo Parlamentar do PSD: estão em condições de votar favoravelmente, agora, este texto, onde, segundo as palavras do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a única coisa que o separa são questões acessórias? Se é verdade o que V. Ex.ª acabou de dizer, e creio que é, penso que não terão dificuldade em votar favoravelmente esta proposta, sabendo todos que não é a vossa proposta, nem a nossa, nem a proposta do PS. É uma proposta que resulta de um debate político que ocorreu desde não o dia 2 de Maio, não do congresso último do seu partido, mas desde o último processo de revisão constitucional, em que a questão foi introduzida precisamente pelo PP. Porque da resposta a esta pergunta simples, Sr. Deputado, depende uma outra, que o meu Grupo Parlamentar está na disposição de fazer, para operacionalizar os trabalhos da revisão constitucional, pois penso que todos temos a perder com a eternização deste debate. Há coisas mais importantes para discutir, mesmo no contexto do processo de revisão constitucional, e quero acreditar que o PSD não quer dar argumentos a outros partidos, para que não cheguemos à discussão de outras matérias muito importantes de alteração da Constituição. Quero acreditar que, pelo menos, esta última tentativa de fazer com que seja aprovado um texto para o artigo 256.º, que permita satisfazer as aspirações essenciais do PS, do PSD e do PP relativamente a esta matéria, seja hoje fácil de atingir, se aquilo que vos separa deste texto é de facto acessório.
Se V. Ex.ª me vier agora dizer que, afinal, não é acessório o que separa o Grupo Parlamentar do PSD deste texto, ficarei definitivamente convencido de que VV. Ex.as quererão inventar um problema cada vez que resolvermos outro. Ficarei tão convencido disso que proporei, e desde já o assumo publicamente, uma alteração ao artigo 9.º do Regulamento da Comissão, por forma a permitir que a Comissão decida, que a Comissão funcione e que possa levar a Plenário um projecto de alterações à Constituição, para confrontar cada grupo parlamentar com as responsabilidades do seu voto, se o não quiserem fazer aqui. E, por isso, antes de tomar qualquer decisão nesta matéria, gostaria de saber se de facto o Grupo Parlamentar do PSD, hoje, está interessado em contribuir para uma decisão ou se está na segunda versão do abandono do processo de revisão,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Disfarçada!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - … que é a de inventar um problema cada vez que esta Comissão resolve um outro. Não quero acreditar que esta seja a versão verdadeira, mas preciso de ser convencido, Srs. Deputados do PSD, e acreditem que o que desejo profundamente é que não seja necessário procedermos à alteração do Regulamento para que a Comissão possa funcionar. Acredito, Srs. Deputados do PSD, que hoje seja possível tomarmos uma decisão sobre o artigo 256.º.

O Sr. Presidente: - Encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria Eduarda Azevedo e Luís Marques Guedes.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Ferreira, levando em conta o simulacro de contestação que fez num tom francamente leviano, recordar-lhe-ia que ouvi, com bastante surpresa, dizer que a proposta de substituição hoje apresentada vai perfeitamente ao encontro das…

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ouviu mal! Não foi isso o que eu disse!

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Ainda não me deixou acabar.
O Sr. Deputado disse que, ainda que não possa concordar plenamente com esta proposta, ela vai ao encontro de exigências feitas pelo seu partido. Recordo-lhe que na última reunião, na qual o Sr. Deputado não esteve e certamente não teve oportunidade de trocar impressões com o seu colega Deputado Paulo Portas, um ponto que não foi propriamente um ponto de honra mas que foi bastante enfatizado foi o relativo à questão dos emigrantes, que, uma vez mais, não está acolhida nesta proposta de substituição.
Por outro lado, eu gostaria de referir-lhe que as objecções que a bancada do PSD fez à primeira proposta, que agora mantém em relação a esta, de substituição do artigo 256.º, não são de modo algum esotéricas, nem de modo algum levianas, dentro da mesma lógica de adjectivação que usei para qualificar as suas objecções e a sua intervenção. São questões absolutamente essenciais, que já foram afirmadas e reafirmadas. E agora permito-me eu dizer-lhe que só não ouve quem não quer, só não entende quem não quer. Enfim, cego é o que não vê ou, melhor, o que não quer ver e surdo será certamente aquele que também não quer ouvir.
Por outro lado, e dentro de uma lógica que me pareceu altamente pseudomoralista, que o Sr. Deputado procurou imprimir à sua intervenção, e foi sobretudo o tom que, a meu ver, merece uma resposta imediata de qualquer bancada, a começar pela nossa, uma vez que fomos directamente visados, permito-me dizer-lhe que as discussões não se estão propriamente a eternizar, as discussões existem para limar as arestas, porque o que nos interessa não é propriamente uma qualquer solução que funcione mas a melhor solução possível. Por isso mesmo o debate de ideias é saudável, do ponto de vista técnico e político, e certamente prescindimos, todos nós, de alguma ameaças veladas, que o Sr. Deputado não resistiu a fazer, não sei se para nós, se para terem acolhimento junto da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, em primeiro lugar, não fiz uma ameaça, disse apenas que, se o meu partido entendesse que esta reunião seria, mais uma vez, infrutífera, faria uma proposta. Não é uma ameaça, é uma proposta. Não sei se VV. Ex.as já estão num tal ponto que já não conseguem descortinar o significado semântico das palavras que usamos. Eu disse que faria uma proposta. Não é uma ameaça, é uma proposta, e farei.
Em segundo lugar, V. Ex.ª pode ficar tranquila e descansada, porque tive ocasião de falar com o meu colega Paulo Portas e de saber que - aliás, o que não é novo, o meu partido sempre defendeu, como sabe, que os emigrantes devem votar em todas as eleições que se realizem para órgãos de soberania e para referendos, sempre entendemos assim…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Está no vosso projecto!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Está no nosso projecto.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador.)

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ó Sr. Deputado, V. Ex.ª não assistiu à minha intervenção, admiro-lhe a capacidade posterior de descortinar o que eu disse nessa intervenção, mas não tem problema algum. Não tenha qualquer problema.
Porque a questão dos emigrantes é muito simples, Sr.ª Deputada. De facto, somos a favor de que os emigrantes votem, mas também somos a favor de que votem nas eleições presidenciais. Não é por essa razão, não é por o PS sempre se ter oposto a que os emigrantes votem nas eleições presidenciais que deixámos de votar nas eleições presidenciais. Quero acreditar que V. Ex.ª não deixou de votar no Professor Cavaco Silva por ter essa discordância profunda com o PS, que é a de que os emigrantes deviam eleger o Presidente da República. Será verdade que essa discordância a impediu de votar no Professor Cavaco Silva nas últimas eleições? Se assim foi, é notícia, Sr.ª Deputada. Se assim foi é notícia! Isto é para lhe dizer que não há qualquer abdicação da nossa parte relativamente ao princípio de que os emigrantes devem votar, simplesmente essa é uma matéria que deverá ser discutida, debatida e votada como todas as matérias.
Quem continuar a querer impedir que os emigrantes votem no referendo assumirá as suas responsabilidades políticas, como têm assumido nos últimos anos ao impedir os emigrantes de votar para as eleições presidenciais. Até aí nada de novo, não é uma alteração de posição, pelo contrário, é a manutenção dessa posição.
Agora, o que não fazemos são tentativas de paralizar soluções políticas para outros problemas com este tipo de pretextos, e é isto que os senhores estão a querer fazer, porque o verdadeiro problema, como disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes na sua primeira intervenção, é político. É esse o verdadeiro problema. Essa é a raiz do problema, como ele próprio disse, só que essa raiz não compete a ninguém nesta Comissão resolver, porque a raiz desse problema é uma contradição de fundo da estratégia partidária que a sua direcção escolheu. Mas esse é um problema que não é nosso. É assim: o líder do seu partido ganhou um congresso; chegou ao país e pensou "vou ser a favor da regionalização para cobrir o PS, vou pedir um referendo para cobrir o PP". Meteu-se num colete de forças, e os senhores têm de fazer nesta Comissão os papéis que têm feito. É isto que eu penso que é pena, para o processo de revisão constitucional, que subsista.
Sr.ª Deputada, lembro-lhe mais uma vez que comecei precisamente por dizer que a proposta que estamos a discutir, apresentada pelo Partido Socialista, não é a nossa proposta ideal. A nossa proposta ideal seria não haver regionalização. Eu votei contra. No entanto, não vi V. Ex.ª na bancada, quando esse problema se pôs. Estou à vontade nesta matéria, porque a minha proposta ideal era votar contra e foi o que fiz. V. Ex.ª saiu. Eu não!
Portanto, não confunda as coisas, Sr.ª Deputada, porque não estamos a discutir propostas ideais mas, sim, propostas possíveis.
Reafirmo: esta é uma proposta que, do nosso ponto de vista, que sempre quisemos o referendo, o permite, e permite-o

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de tal forma que, se a maioria das respostas à primeira pergunta - seja em simultâneo, em diferido ou como a lei ordinária vier a estabelecer - for "não", não haverá regionalização. Isto é que, para nós, é o essencial. Mas não o é para vós. Para vós, o essencial é continuar a baralhar e a empatar este processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, não estamos em Plenário mas, sim, numa comissão onde é suposto trabalharmos em vez de fazermos política para o exterior. No entanto, tenho de apresentar um protesto, porque o Sr. Deputado questionou as posições do PSD como derivando, nas suas palavras, de uma opção estratégica decorrente do congresso. Sr. Deputado, com toda a franqueza, as opções políticas de cada um dos partidos que representamos...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Tanto assim é que mudaram a posição em relação ao projecto inicial!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As opções políticas tomadas por cada um dos partidos que representamos são opiniões políticas e, como tal, devem ser respeitadas. Não vale a pena o Sr. Deputado tentar menorizar essas opções, pelo simples facto de elas serem políticas. É evidente que elas são políticas e com muita honra o são.
Gostaria de chamar a atenção ao Sr. Deputado Jorge Ferreira - e é a razão essencial deste meu pedido de esclarecimento - para o facto de, ao contrário do que se poderia inferir da sua declaração, esta proposta do PS, embora, como eu tinha dito, claramente registe um avanço em relação à proposta apresentada na passada semana, não estar, nem de perto nem de longe, ao contrário do que poderia ser entendido, e mal, das suas palavras, muito próximo das posições defendidas pelo PSD, pois foi a partir dessa leitura que o Sr. Deputado concluiu que estávamos a querer, pura e simplesmente, empatar.
Sr. Deputado, vou demonstrar-lhe que esta proposta não está, nem de perto nem de longe, próxima das nossas posições e vou usar como exemplos posições que resultam, desde logo, do projecto de revisão constitucional do PSD.
Esta proposta não consagra a submissão da lei a referendo antes da sua promulgação, conforme o PSD tinha proposto. Esta proposta não consagra o voto dos emigrantes, conforme consta do projecto do PSD. Esta proposta não consagra a forma de validação do referendo em termos de resultado aritmético, conforme consta do projecto do PSD. Esta proposta não consagra a separação entre o referendo nacional e a consulta popular para a instituição, em concreto, das regiões, conforme consta, desde o princípio, do projecto do PSD. Por último, esta proposta também não concorda com a nossa opinião, já aqui expressamente formulada várias vezes, de deixar a divisão territorial para o segundo momento.
Portanto, se o Sr. Deputado entende que esta proposta vem ao encontro daquilo que o PSD defende sobre esta matéria e que estamos a inventar novas questões, acabei de lhe enunciar um conjunto bastante significativo de questões que, desde o início, consta do projecto de revisão constitucional do PSD, à exclusão da última, que tem a ver, conforme já foi visto em reuniões anteriores, com a evolução do processo político e com a opinião que o PSD hoje defende, e da qual, também já lho disse, não faz "cavalo de batalha" - mas cada um assumirá as suas responsabilidades nessa matéria -, de que a divisão territorial não devia constar do referendo. Agora, todas as outras posições constam do projecto de revisão do PSD desde o início. Não há a mínima aproximação do PS a qualquer destas posições, das quais, hoje já aqui o disse claramente, há uma que é inegociável. Enunciei-lhe seis posições e a proposta do PS não vai ao encontro de nenhuma delas.
Assim, não vale a pena tentar criar-se aqui a ilusão, para fora, de que o PS está a vir totalmente - peço desculpa ao Dr. Luís Sá por lhe roubar a expressão -, de cedência em cedência, ao encontro do PSD, para este, depois, nada querer. Isso não é verdade, trata-se apenas de uma manobra para se falar para fora e não de se falar sinceramente entre nós. Acabei de lhe enunciar todas estas questões, que constam do texto do nosso projecto de revisão e em relação a nenhuma delas, como o Sr. Deputado com certeza aceitará, existe, nesta proposta de alteração do artigo 256.º apresentada pelo PS, uma consagração ou uma aproximação que possa ser considerada pelo PSD como aceitável.
Por fim, quanto à última parte da sua intervenção, ela merece-me o seguinte comentário, Sr. Deputado: de facto, eu desejaria que o PP não reincidisse em propostas que muitas vezes são feitas nesta Câmara por parte da sua bancada e que são tidas generalizadamente por todas as outras bancadas como desprestigiantes para os trabalhos parlamentares e a Assembleia da República enquanto tal.
Claramente, essa proposta de se tentar uma alteração ao Regulamento, para passarmos para um mundo de revisão virtual, em que as votações, nesta Comissão, seriam feitas por maioria simples e não por maioria de dois terços, que é aquela que desde 1976, quando a Constituição foi aprovada, preside e funciona inapelavelmente para todas as revisões constitucionais, do meu ponto de vista, com toda a franqueza, Sr. Deputado, é uma proposta que só serve para desprestigiar esta Assembleia e os trabalhos do Parlamento, quando está num dos seus momentos mais nobres, que são os trabalhos constituintes.

O Sr. Alberto Martins (PS): - É o chamado limite material do Regulamento!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, comecemos pelo fim.
O Sr. Deputado acha desprestigiante uma deliberação legítima, lícita, embora possa discordar dela, da Comissão de Revisão Constitucional. Julgo que é mais um problema de V. Ex.ª do que de desprestígio do Parlamento. Para mim, o que é desprestigiante para o Parlamento é andar em círculo, a discutir eternamente as mesmas questões, sem ser capaz de tomar uma decisão.
Nós não queremos, nem pretendemos, subverter o processo...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É por isso que a Constituição consagra maiorias qualificadas para a sua revisão.

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Exactamente. A Constituição prevê essas maiorias qualificadas e V. Ex.ª terá toda a oportunidade de, em Plenário, contribuir ou não para essa maioria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não tem direito de veto!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Convém, entretanto, que V. Ex.ª, a coberto dessa disposição sobre as maiorias qualificadas, não tente obstruir - que é aquilo que, em minha opinião, tem feito - a decisão da Comissão. E não me refiro à decisão da revisão, pois ninguém pretende subverter as regras de aprovação da revisão constitucional, como V. Ex.ª imagina.
Portanto, desprestigiante para o Parlamento - e estou a devolver-lhe precisamente o adjectivo que utilizou - tem sido o que VV. Ex.as têm feito neste processo. Em primeiro lugar, não comparecem nos lugares para os quais foram eleitos pelo povo português, e isso é claramente desprestigiante, antes de mais, para VV. Ex.as e, depois, para a instituição. Em segundo lugar, não tomam posição nas votações que se impõem, independentemente da licitude de todas as formas de protesto que entendam dever assumir e que o meu próprio partido assumiu, pois convém que digam ao País qual é a vossa decisão sobre as matérias que são discutidas no Parlamento, e isso também não fazem, como não o fizeram no caso da regionalização. Por último, desprestigiante para o Parlamento é impedir, seja pela ausência, seja pela obstrução sistemática, a tomada de decisões pela Comissão.
Isso é que é desprestigiante para o Parlamento, Sr. Deputado. Julgo que será pela ausência de preocupação sua em falar para fora - para utilizar mais uma vez o seu adjectivo -, isto é, para os portugueses, que ainda não se deu conta de que quem está mal visto no País, neste momento, como factor desprestigiante da instituição parlamentar, são VV. Ex.as e não, seguramente, nós.
Infelizmente, não posso responder a qualquer pedido de esclarecimento, porque nenhum foi formulado, desta vez, por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar ao Sr. Deputado Jorge Ferreira se, por acaso, a redacção do vosso artigo sobre o referendo foi feita por um extraterrestre, uma vez que não coincide consigo, não coincide com a opinião do seu líder nem coincide com a opinião do Dr. Paulo Portas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sem querer desprestigiar o Parlamento, não sei se deva tomar este pedido de esclarecimento extemporâneo a sério, mas vou fazê-lo, porque gosto de dar sempre o benefício da dúvida.
V. Ex.ª talvez seja a última pessoa, sentando-se na bancada em que se senta, que poderá pôr uma questão de fidelidade das opiniões expressas nesta Comissão relativamente às propostas iniciais do Partido Popular. Se V. Ex.ª ainda não entendeu que ninguém está aqui a discutir a proposta ideal sobre o referendo para a regionalização mas, sim, a proposta possível e operacional, definitivamente, ainda não entendeu o que estamos a fazer nesta Comissão. Mas isso é um problema seu e não nosso.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, tratou-se apenas de uma reacção de indignação - parece que esse direito ainda existe ou, pelo menos, passou a existir a partir de certo momento - à sua intervenção.
A hipocrisia tem limites, Sr. Deputado. Os senhores dizem - e bem - que defendem o voto dos emigrantes, que estes deveriam ter direito de voto. Ora, esse direito não consta do vosso projecto de revisão constitucional, pois ele foi redigido antes de iniciarmos a discussão nesta Comissão. Portanto, o problema não surgiu agora, em sede de revisão constitucional. A questão é, antes, a de saber o que levou o vosso partido a não consagrar o voto dos emigrantes. Que agora tem de haver cedências mútuas, já o sabemos. O problema que pus foi, antes, o de saber por que razão o vosso projecto não consagrou o voto dos emigrantes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira, para contraprotestar.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Para contraprotestar e para defender a honra, porque, de facto, posições hipócritas...

O Sr. Presidente: - Mas a figura, agora, é a da resposta ao protesto.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Julgo que quando as pessoas nada mais têm para dizer, e querem continuar a empatar, têm de enveredar por este tipo de caminhos.
Não vou responder-lhe à letra, porque não ofende quem quer, Sr. Deputado. Vou apenas dizer-lhe o seguinte: em matéria de voto dos emigrantes, não aceitamos lições, sempre o defendemos para tudo. Se V. Ex.ª quer uma discriminação para cada tipo de eleição, estou perfeitamente disponível para o satisfazer, desse ponto de vista. Tenho o maior prazer em apresentar uma proposta de alteração ao nosso próprio projecto, na qual se discrimine todas as eleições possíveis de se realizarem, incluindo referendos, para as quais defendemos o voto dos emigrantes. Se isso o satisfaz pessoalmente, nada me custa, tenho imenso prazer em apresentar essa proposta de alteração ao nosso próprio projecto. Julgo que a economia de tempo, de que VV. Ex.as não têm procurado dar o exemplo nesta Comissão, me dispensa disso, mas, se isso o satisfaz, fá-lo-ei.
Agora, há algo que lhe quero dizer, Sr. Deputado: convicções hipócritas são as daquelas pessoas que participam em processos políticos com reserva mental. Essas pessoas é que têm convicções hipócritas. Não é, certamente, o meu caso.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - É o artigo que está mal!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agora estou eu próprio inscrito para uma intervenção.
Srs. Deputados, é dia 28 de Maio e é caso para dizer, tal como a canção popular: o que nós andámos para aqui chegar.

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Em determinado momento, permitam-me que o recorde, o Partido Socialista anunciou a intenção de agendar a apreciação e votação na generalidade de projectos de lei para a criação das regiões administrativas. Solenemente, o PS convidou outros grupos parlamentares a apresentarem iniciativas legislativas, para o caso de quererem concorrer, de modo positivo, para o processo de regionalização.
Declarámos, nessa altura, que poderíamos rever o nosso agendamento previsto para 2 de Maio, no caso de algum partido político invocar a necessidade de tempo para a elaboração das suas iniciativas legislativas.
Dos partidos que se declararam contrários à regionalização, por óbvias razões, não seria de esperar que apresentassem iniciativas próprias.
Um partido, o principal partido da oposição, declarou-se favorável à regionalização. Tivemos a expectativa de que pudesse apresentar alguma iniciativa. Não o fez, e, por isso, o agendamento concretizou-se.
Nessa ocasião, o PSD veio invocar a necessidade de uma prévia clarificação, em sede de revisão constitucional, da tramitação constitucional da regionalização. E o PS assumiu a disponibilidade de adiar a apreciação e a votação, na generalidade, dos projectos de lei para a criação das regiões administrativas, admitindo que, nos trabalhos de revisão constitucional, a clarificação sobre a processualidade da regionalização poderia ter lugar num período prévio de 30 dias à própria votação na generalidade dessa lei. Como se sabe, o PSD recusou esta possibilidade de trabalho.
Em consequência, o PS manifestou-se disposto a sustentar o seu projecto de lei e a votá-lo na data indicada. Mais uma vez, interpelámos o PSD, no sentido de o tornar ciente da nossa disponibilidade em adiar de novo a votação prevista para esse mesmo dia e, mais do que isso, a votar a favor dos projectos de lei que o PSD apresentasse para a criação das regiões, mesmo se substantivamente discordássemos deles. O PSD, que se diz favorável à regionalização, recusou esta disponibilidade total do PS para votar soluções materiais, mesmo se virtualmente delas discordasse.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Os diplomas foram votados com a ausência do PSD da Câmara, como estamos recordados, numa tentativa de bloquear a normalidade desse processo de votação.
Posteriormente, o PSD passou a invocar a necessidade de um sinal prévio ao seu regresso à Comissão Eventual de Revisão Constitucional, em matéria de disponibilidade do PS para um referendo nacional no processo de regionalização.
O PS teve ocasião de dizer ao PSD que considerava que qualquer sinal nessa matéria deveria ser dado em sede própria, no decurso dos trabalhos de revisão constitucional, e foi dado. O PS assumiu e cumpriu a sua intenção de dar significado nacional aos referendos de âmbito regional que originariamente constavam do seu projecto de revisão constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - E voltou!

O Sr. Presidente: - O PSD recebeu o sinal, o PSD voltou e, até hoje, no essencial, o PSD não deu, quanto à tentativa de aproximação para a consolidação de uma solução nesta matéria, os passos que considerávamos necessário serem dados.
Recordo, para que não restem ambiguidades: o PS disse, desde a primeira hora, que, de um partido que ganha eleições, tendo inscrito no seu Programa eleitoral e de Governo o objectivo da regionalização, de acordo com a Constituição, não se esperaria que viesse a desconstitucionalizá-la e, como tal, não o faríamos.
Essa posição, sempre dita, foi reafirmada formalmente nos trabalhos desta Comissão, ao declararmos que não retiraríamos o conteúdo do artigo 255.º da Constituição.
Clarificado este ponto, dele decorrem consequências necessárias e incontornáveis.
Uma delas é a de que a lei de criação das regiões administrativas tem de preexistir ao momento da instituição, em concreto, das ditas regiões. Quer isto dizer que a Assembleia da República tem de cumprir uma prescrição constitucional de prévia definição de um modelo regional, que não é um semimodelo mas, sim, a composição de dois vectores constitucionalmente previstos: o da definição de atribuições e competências das regiões e o da delimitação geográfica dessas mesmas regiões.
Assim sendo, a referida lei de criação, em curso de processo legislativo, não pode deixar de alcançar este desiderato constitucional.
A partir de agora - eu diria, a partir de há mais tempo, mas os momentos solenes devem ter a solenidade que deles se exige -, o PSD não pode invocar mais nenhuma ambiguidade, em termos de clarificação em sede de revisão constitucional acerca do destino constitucional da regionalização.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O PSD sabe, inequivocamente, que não houve desconstitucionalização da regionalização e que, não tendo havido, tal implica que haja uma lei de criação das regiões administrativas com atribuições e competências e com delimitação geográfica.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O PSD, a partir deste momento, terá de dizer ao País uma de duas coisas: ou, sendo a favor da regionalização, concorre para a definição do modelo regional que vier a ser apurado, em nome dessa sua posição política; ou, então, diga o que disser, se o PSD tal não fizer, coloca-se ao lado dos adversários políticos da regionalização.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Essa é uma inevitabilidade política que não compete ao PS escolher em nome do PSD mas, sim, que este terá de escolher para si próprio, e na relação que com os eleitores quiser tomar.
Fica inteiramente clarificada a situação constitucional da regionalização. O artigo 255.º subsiste e, como tal, o processo ordinário, em matéria de criação das regiões, avançará nos termos constitucionalmente previstos e as consultas populares terão ou não lugar em função de se saber se registaremos ou não uma maioria qualificada de dois terços para a possibilidade de uma solução referendária na fase da instituição em concreto das regiões administrativas.

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Peço que me corrijam se o que vou dizer for menos objectivo. Julguei ver, pelas intervenções feitas até hoje por parte do PCP, uma atitude relativamente crítica à introdução da possibilidade do referendo nacional na fase de instituição em concreto das regiões, mas não qualquer atitude de obstrução à continuação do processo legislativo ordinário para a criação das regiões administrativas.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso é verdade!

O Sr. Presidente: - Julguei ver, da parte do PP, uma atitude de reafirmação de princípio contrária à regionalização e, por isso mesmo, um desinteresse em concorrer positivamente para o processo ordinário de criação das regiões administrativas. No entanto, porque o PP deseja que o País se pronuncie sobre a possibilidade de instituição ou não das regiões administrativas em Portugal, julguei ver também uma disponibilidade formalmente declarada para apoiar a solução referendária que o PS apresentou nos trabalhos da revisão constitucional.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Resta, em consequência, conhecer de forma relevante a posição final do PSD.
Corrijam-me igualmente se for menos objectivo no que vou dizer. O PSD já manifestou a sua conformação à manutenção constitucional do artigo 255.º, no sentido de denotar compreender que dele decorrem consequências necessárias, nomeadamente a de que a lei da criação das regiões, com o conteúdo já referido, tem de prevalecer por imperativo constitucional.
Assim sendo, o PSD terá admitido que o momento para a ocorrência dos referendos é o da instituição em concreto das regiões administrativas.
Assim sendo também, a divergência final que o PSD aqui voltou a sustentar, nos trabalhos de hoje, é a da questão da simultaneidade da ocorrência de um referendo nacional e de referendos regionais.
Se é assim, Srs. Deputados do PSD, não deixa de ser curioso que, se nos mantivéssemos arreigados à ideia da proibição constitucional da possibilidade da simultaneidade, estaríamos, como há pouco tive ocasião de demonstrar, inclusive a contrariar as soluções constitucionalmente já adquiridas para o regime geral dos referendos, porque mesmo no domínio do regime geral dos referendos, ao admitir-se a possibilidade de mais do que uma pergunta, é inevitável que se admita que uma pergunta, por efeito da resposta que nela se consagra, venha a prejudicar os efeitos de outra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. Presidente: - Quando o PSD recusa uma solução em sede de referendo para a regionalização, teria, em consequência, de recusar a actual fórmula constitucional para o regime geral dos referendos a aplicar no País.

O Sr. José Magalhães (PS): - É lógico!

O Sr. Presidente: - Não foi isso que até hoje o PSD disse, quanto ao regime geral dos referendos. Não faz qualquer sentido que seja especificamente para o regime da regionalização que o PSD recusa o seu consenso, para que finalmente possamos sair do impasse em que estamos colocados.
Por isso, Srs. Deputados do PSD, digo-vos, com franqueza: a partir deste momento não há, manifestamente, qualquer questão relevante, de princípio constitucional, de Estado de Direito ou de aprofundamento da participação democrática, que possa ser factor de divergência essencial para a obtenção de uma maioria qualificada de dois terços.
Pela nossa parte, demos construtivamente todos os passos no sentido da criação dos pressupostos constitucionais e políticos para que o consenso possa ser obtido. Aguardamos, da vossa parte, uma atitude idêntica. E, ao fazê-lo, esperamos que os Srs. Deputados do PSD possam compreender em definitivo que não faz sentido querer impor em sede constitucional o princípio da simultaneidade dos referendos, como não faz sentido querer impor o contrário. Ou seja, a própria Constituição, para ser um traço de entendimento, não deve ser tão rígida que procure incluir nela as opções tácticas dos partidos em vez de admitir que as opções democraticamente legítimas possam subsistir no enquadramento constitucional unificador de maiorias qualificadas que na Constituição se possam rever.
Assim, Srs. Deputados do PSD, digo-vos, em nome do PS, que a proposta que hoje apresentamos será a que, em sede de revisão constitucional, levaremos ao Plenário da Assembleia da República, para que seja votada pelo conjunto dos Deputados.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não sei dizer-vos qual o momento exacto em que isso vai ocorrer, mas posso garantir-vos que ele há-de verificar-se. Ocorrerá, desejavelmente, com os vossos votos favoráveis, para darmos aos portugueses a possibilidade de participarem numa consulta nacional e em consultas regionais em matéria de processo de regionalização.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se os senhores vierem a recusar, com os vossos votos, a possibilidade de estas consultas populares directas terem tradução constitucional, estarão a impedir que os portugueses possam dizer se são a favor ou contra o processo de regionalização em Portugal.

Aplausos do PS.

Os senhores estarão a tornar impossível que aqueles partidos que se declaram, por razões de opção política, contrários à regionalização tenham ocasião de convidar os portugueses a, como tal, pronunciarem-se a esse respeito.
Em conclusão, Srs. Deputados do PSD, é esperável, é mesmo democraticamente exigível, que todos façamos politicamente o esforço que o bom senso recomenda para o entendimento. Mas não é esperável que nos deixemos enredar numa lógica de tacticismo partidário que impeça o normal desenvolvimento das iniciativas em curso.
Pela nossa parte, e com isto concluo, o PS continuará a dar toda a sua melhor atenção ao normal desenvolvimento dos trabalhos da revisão constitucional, e passaremos adiante, tal como continuará a dar a melhor atenção aos trabalhos em sede ordinária de criação das regiões administrativas, e também passaremos adiante. Como até hoje se viu, de cada vez que nos propusemos passar adiante, convidando o PSD a que nos acompanhe, o PSD pretendeu dar um passo atrás, refugiar-se em argumentos vários, mas não tomar iniciativa positiva.

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O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Se continuarem a não querer tomar iniciativa positiva, uns e outros, os senhores e nós, responderemos pelas nossas posições perante os eleitores, que são, em definitivo, os nossos máximos julgadores no processo democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, aqui nesta Comissão, como noutras instâncias, o Partido Socialista parece-me mais preocupado na projecção de imagens mediáticas para a comunicação social do que no encontrar concreto de soluções para darmos os passos necessários à concretização da revisão constitucional e à criação de condições para efectivarmos a regionalização, feitos que sejam os respectivos referendos.
V. Ex.ª e o Partido Socialista vêm enfatizando, desde há muito, a necessidade de mantermos na Constituição a regionalização. Esse é um dado adquirido, que o PSD não põe em causa.
Mas o que é interessante na posição do PS é que quer a constitucionalização da regionalização e da matéria referendária à sua medida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Olha quem fala!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Quando lhe convém e na exacta medida em que lhe convém, bate-se por essa constitucionalização. Quando quer fazer vingar determinado tipo de solução, para a qual não queira cooperar, acatar e procurar aproximar-se das posições do PSD, remete para a lei, que não necessita de uma votação de dois terços, tal qual as alterações da Constituição o exige, para "levar a água ao seu moinho". Isto não é intelectualmente honesto, isto não é sério. É necessário que o País perceba este expediente, contido na vossa proposta, de retalhar à medida a questão da regionalização e do referendo, em função de criar aqui fugas para maiorias menores do que aquela que a revisão constitucional impõe, para levar avante os vossos intentos.
Com esta posição não colaboramos. Em relação a isto, não pactuamos.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vou dá-la ao Sr. Deputado José Magalhães, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª não se pronunciou sobre aquilo que está em cima da mesa, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, a qual tem um significado político bastante inequívoco. Significa, da nossa parte, a indisponibilidade para tolerar expedientes, o que implica que também não os usamos.
Agora, o Sr. Deputado, curiosamente, não se pronunciou sobre a proposta do seu partido. Talvez porque o Sr. Deputado conhece a proposta da Assembleia Regional da Madeira, provavelmente identifica-se mais com ela e tem a sua concepção própria - percebo o seu embaraço.
Compreenda, Sr. Deputado, que, da nossa parte, não podemos reconhecer ao PSD duas coisas. A primeira é o direito a uma espécie de "corte de estrada" parlamentar. O voto no Plenário é livre e obviamente o PSD tem todo o direito de contribuir, ou não, com o seu voto no Plenário para uma determinada solução, que ninguém lhe pode impor, mas não tem o direito de impedir a chegada da revisão constitucional ao Plenário nem o de usar expedientes, que são, digamos, ultimatos reivindicadores e inaceitáveis em relação a um partido que demonstrou capacidade de discussão e de aproximação. Rumo a quê? A uma consulta popular genuína, bem organizada, clara e inequívoca, que permita aos cidadãos pronunciar-se.
O que é que há de estranho na posição do PSD? É que ficou, agora, inteiramente claro que o PSD decai e aceita recuar em relação a várias coisas e já inventa, neste momento, uma coisa que não é capaz de explicar ao povo português que seja fundamento para um "não". Qual é o fundamento do "não" do PSD? É que quer impor na Constituição uma solução que exclua uma das posições possíveis para a realização concreta da consulta popular e quer impor, letra a letra, na sua redacção específica e sectária, uma determinada solução. E por que é que quer? O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que, ao que dizem, fala demais, escreve demais e talvez escreva mais depressa do que pensa, deu a chave disso no ponto 11 do interessante artigo do semanário Expresso do dia 25 de Maio, quando, num parágrafo, diz que se o PS não escrever, letra a letra, aquilo que o PSD propõe "então, só em 1997, chegará a altura de discutir as leis-quadro de divisão regional e de conhecer a posição do PSD".
O que é que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa quer- e pergunto-lho a si, porque, presumo, V. Ex.ª não o quererá - com isto? Quer diferir o mais possível a revelação da posição material do PSD sobre a divisão regional, o mapa regional e o modelo de regionalização. O PSD, com o medo infinito de discutir materialmente a regionalização, quer "partir cabelos em sete" em torno da questão do referendo, para bloquear a revisão e a discussão concreta das soluções sobre a regionalização e adiar o momento em que tem de chegar, perante o povo, e dizer: "Queremos regiões de tipo A, B e C". É isso o que quer adiar. E até tem aqui a data: adiar para 1997. Passar mais uma série de meses a "cortar cabelos em vinte e sete", para impedir três coisas: a chegada da revisão constitucional ao Plenário, a revelação do modelo referendário, a apresentação do modelo referendário, não revelar o modelo concreto de regionalização.
Sr. Deputado Guilherme Silva, quer maior expediente do que esse?
Em segundo lugar, julga que podemos aceitar isso passivamente?
Não creia, nem por um minuto, que aceitaremos isso passivamente. E congratulamo-nos com o facto de haver mais partidos capazes de discutir e de chegar a soluções, que nunca são a solução para que cada um se inclinaria se estivesse a decidir sozinho. É claro que não! Mas VV. Ex.as alheiam-se desse processo com este expediente, que, ainda por cima, está no artigo citado grossamente furado e revelado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, a síntese da sua intervenção é

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a de que as posições radicais e inalteradas do PS são posições de cooperação. As posições de não abandonar determinados princípios e regras por parte do PSD são bloqueios. Já estamos habituados a este juízo. "Nós somos os bons e, do outro lado, estão os maus" - está é a síntese da sua intervenção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está aqui no artigo do Expresso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª leu o artigo do Professor Rebelo de Sousa e não tirou dele o que é mais importante e exactamente o inverso daquilo que V. Ex.ª aqui disse. É que está aí exactamente plasmada - e é aquilo de que nós aqui fazemos eco - a nossa preocupação de fazermos inclusivamente uma revisão específica para a questão da regionalização e do referendo, de forma a assegurarmos os calendários, que, a tempo, permitam a consulta dos portugueses e o desencadeamento do processo de regionalização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Esta é que é a questão! Nós temos essa preocupação. E o Sr. Deputado compreenderá as preocupações que temos nesta matéria quando pomos o problema do desfasamento temporal entre os referendos, entre as consultas. Está dito e redito que, dos pontos de vista quer constitucional quer jurídico quer político, não devemos misturar as questões dos dois referendos. Há um prejuízo recíproco para os dois referendos, para a sua clareza e para a sua transparência, quando misturamos questões essenciais, como seja, e designadamente, a divisão. Esta é uma questão para nós essencial. Penso que é fácil o povo português perceber isto.

O Sr. José Magalhães (PS): -Não é fácil!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas também é fácil perceber as vossas intenções. Nós viemos para esta Comissão com a promessa, da vossa parte, de que este era o sítio da aproximação, do diálogo e da construção, mas, sinceramente, não é isso que esta proposta do PS concretiza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero também, um pouco à laia de súmula, fazer um pequeno balanço, porque, enfim, esta coisa de se falar para fora deturpa, depois, aqui um pouco as posições e, estando nós num processo de revisão constitucional, corremos o risco de sair daqui e não sabermos exactamente em que ponto é que saímos desta reunião, em termos do processo de revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sabemos, sabemos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por essa razão, gostava de sintetizar duas ou três coisas.

O Sr. José Magalhães (PS): -Até 1997, o PSD quer o baú fechado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Quer maior transparência?

Vozes do PS: - Confessem!

O Sr. Presidente: - Faça o favor de continuar, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Parece que a grande alegria da reunião de hoje é o Expresso do fim-de-semana. Pode ser que, na próxima reunião, seja outro jornal qualquer. Não vejo onde está o interesse de uma Comissão de Revisão Constitucional discutir artigos de jornal. Mas, enfim...

O Sr. José Magalhães (PS): -Ah, não vê?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não vejo. Repito, não vejo qualquer interesse em passarmos as reuniões da Comissão de Revisão Constitucional a discutir artigos de jornal. Se os senhores vêem, eu não vejo.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - É pior discutir em artigos do jornal a revisão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como referi, queria fazer um pequeno balanço e recolocar as coisas com alguma seriedade, para que isto não se fique pelas declarações de espectáculo.
Sr. Presidente, na última reunião, assistimos a uma coisa, relativamente à qual apresentei o meu simples protesto. Mas, enfim, aceitei, porque sei que estas coisas fazem parte de um processo democrático de revisão constitucional, em que, constitucionalmente, estamos cingidos à formação de determinado tipo de maiorias para se avançarem determinadas opções diferentes daquelas que estão no texto constitucional.
Como dizia, na última reunião, fomos confrontados com a seguinte posição do Partido Socialista: embora em todo este capítulo da regionalização, no projecto de lei de revisão constitucional, que são as matérias que estamos a abordar, o PSD apresentasse apenas uma sugestão, que era para o artigo 255.º, o PS declarou solenemente que estava totalmente indisponível para mexer no artigo 255.º e, como tal, como estava indisponível e a maioria para se mexer nas coisas, para se evoluir, é, em termos do texto constitucional, de dois terços, não valia a pena falar-se mais do artigo 255.º, porque o Partido Socialista não queria.
Eu, na altura, disse que achava um precedente errado, até porque não fazíamos, como se faz sempre nas revisões constitucionais, uma leitura integrada das questões para, depois, tentarmos aproximações, e, só depois, entrarmos na formulação em concreto dos artigos. E, depois, essa posição do PS parecia-me errada, porque, à partida, tinha o condão de pretender atirar pela janela fora a única, aquela que era a verdadeira, posição política do PSD sobre a matéria da regionalização, visto que no projecto de lei de revisão constitucional do PSD nós propunhamos eliminar todos os artigos, à excepção precisamente do artigo 255.º, onde propunhamos uma redacção alternativa, redacção essa que continha os aspectos que, do nosso ponto de vista, politicamente, deviam ser essenciais e presidir constitucionalmente a este instituto da regionalização.
Ora, o que acontece é que nesse artigo 255.º, o PSD propunha uma série de questões que deveriam ser consagradas na Constituição para presidir ao instituto da regionalização. Desde logo, propunha que se aprovasse uma lei na Assembleia da República e que, antes de ela ser promulgada,

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fosse referendada nacionalmente. O PS começa, logo, por dizer que não concorda que essa lei seja referendada antes da sua promulgação, não dando satisfação à proposta do PSD, e põe um ponto final no assunto. Diz que não está disponível para fazer o referendo num momento diferente.
O segundo aspecto na nossa proposta de revisão constitucional para esta matéria é o seguinte: nós propunhamos que o referendo de âmbito nacional abarcasse todos os cidadãos eleitores nacionais e, portanto, que os emigrantes, à semelhança dos cidadãos portugueses que residem nos Açores e na Madeira também se pudessem pronunciar no referendo sobre esta matéria. O PS diz que não concorda com esta solução e põe um ponto final no assunto, porque não está disponível para alterar ou rever esta sua posição.
O terceiro aspecto é este: o PSD, na sua proposta de revisão constitucional, propõe que haja uma determinada fórmula matemática para a validação dos referendos. O referendo da regionalização, neste caso concreto, na nossa proposta para o artigo 255.º, seria validado quando se pronunciasse um determinado número de portugueses. O PS disse, na reunião da semana passada, que não concordava com essa fórmula, que não estava disponível para aceitá-la e, como tal, ela não se devia discutir - ponto final -, indo a proposta do PSD pela janela fora.
O PSD propunha ainda nesse artigo 255.º - e insisto nisto, porque é o único artigo onde o PSD concentrou toda a formulação que tinha, desde Fevereiro, quando apresentou o projecto de revisão constitucional, para esta matéria - que houvesse duas modalidades de consulta aos portugueses: um primeiro momento, que era o de consulta nacional, em que se pronunciavam todos os cidadãos portugueses, e um segundo momento, que era o da instituição em concreto de cada uma das regiões - e que só ocorreria, obviamente, caso houvesse uma resposta favorável no primeiro momento, porque, se os portugueses no processo referendário disserem que não querem a regionalização, evidentemente esse voto é soberano e tem de ser respeitado como tal - e em que haveria uma segunda ronda de consultas, onde se perguntaria a cada um dos portugueses nas suas regiões se concordava em concreto com a região delimitada na lei para ser criada na sua área. O PS, na sua proposta, embora registemos algumas aproximações significativas, continua aparentemente a não querer aceitar, desde já, a necessidade de separar estes dois momentos, conforme o PSD, desde o princípio, vem propondo, e de haver um primeiro momento, em que há uma consulta nacional soberana para todos os portugueses dizerem se querem ou não a regionalização, e só num segundo momento se passar à sua instituição em concreto, perguntando aos portugueses se concordam com a instituição em concreto e a entrada em funcionamento das regiões. O PS, não se colocando totalmente de fora, continua aparentemente a dizer: "Sim, tudo bem; isso pode ser que venha a ser assim, mas isso será resolvido na lei de referendo" - leia-se, numa legislação onde o voto de dois terços não é exigível e onde, enquanto tal, as posições do PSD sobre a matéria podem eventualmente não vir a ser consagradas, porque o PSD não é necessário para a sua aprovação.
Por último, o PSD tem vindo também a dizer, ao longo deste processo político, que entende que, na pergunta de âmbito nacional, não se deveria, desde logo, situar o problema do mapa de divisão territorial do País pelos efeitos perversos que, conforme já argumentámos muitas vezes e penso que todos já compreenderam, nos parece que poderia trazer. Em qualquer circunstância, também sobre essa matéria, o PS diz que não concorda com a opinião do PSD, não estando nesse sentido disponível para fazer outra coisa que não seja incluir na pergunta de âmbito nacional, desde logo, a par das competências, dos órgãos e da formatação das regiões, em termos técnico-jurídicos também a sua formatação geográfica, portanto, o seu âmbito territorial.
Chegados aqui, Sr. Presidente, o PSD - e era isso que gostava ficasse claro nesta reunião - diz que de todo este conjunto de questões, que, desde o início, tem vindo a ser equacionado pelo PSD, à excepção desta questão do mapa regional, no qual também, como vimos na última reunião e reafirmei nesta, o PSD, pelas razões explicitadas, já evoluiu alguma coisa, assim como o PS, como o Sr. Deputado já disse hoje, também evoluiu, face à sua situação de partida no projecto de revisão constitucional...
Mas, chegados aqui, repito, o PSD diz: "há uma questão que para nós é essencial, sobre a qual o PSD não pode dar o seu voto para perfazer os dois terços necessários para se fazer a revisão, que é a de consagrar inequivocamente na Constituição a existência de um momento em que os portugueses, em termos nacionais, são chamados a decidir se a regionalização vai ou não para a frente.
Sr. Deputado, não é por uma questão de birra; é por uma questão que tem a ver com a coerência da proposta política do PSD. É que o PSD, desde o princípio, no seu projecto de lei de revisão constitucional, propunha que a regionalização apenas tivesse lugar no nosso país se os portugueses assim o decidissem inicialmente. Portanto, não podemos aceitar qualquer construção jurídica que deturpe a clareza desse momento em que os portugueses são chamados a um referendo nacional para decidir se querem ou não que o País seja regionalizado. Já vimos que, eventualmente, o PS não concorda com o PSD que nesse referendo deveria haver uma lei aprovada mas não promulgada; deveria haver uma lei que contivesse competências, órgãos, modos de funcionamento, mas não, desde logo, o mapa regional. O PS tem opiniões diferentes das do PSD sobre essa matéria.
Já vimos também que o PS entende que essa pergunta deve ser feita só aos portugueses recenseados no território nacional e que o PSD entende que deve ser a todos os cidadãos portugueses sem excepção. Há ainda muitas matérias que nos separam sobre estas questões, mas há uma à qual o PSD dá uma importância decisiva. Quanto às outras, cada um assumirá as suas responsabilidades políticas, porque é assim que, em democracia, as coisas têm de ser.
Com clareza, nós demos a nossa opinião. Achamos que a pergunta não devia conter o mapa, que ela devia ser feita a todos os portugueses e que ela devia ser feita no momento em que a lei, embora discutida e aprovada na Assembleia da República, não estivesse inscrita na ordem jurídica para não correr o risco de se transformar em letra morta, o que julgamos ser um desprestígio para o nosso ordenamento jurídico.
Se os senhores não entendem assim, se o Partido Popular eventualmente entende em parte e não entende noutra parte assim, se o PCP também tem legitimidade para entender ou deixar de entender assim, é obviamente algo cuja responsabilidade se inscreve, no plano político, em cada um dos nossos partidos e em cada uma das opções que representamos e defendemos.
Agora, há uma questão, que, desde o início, vem sendo colocada pelo PSD, que é a da existência de um momento da pergunta nacional, sem misturas de outras matérias, à qual aparentemente o PS, além de não dar - e

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que isto fique claro - acordo a mais nenhuma das outras questões, também a esta continua a dizer que talvez se veja, mas em sede de lei ordinária. E a isso, Sr. Deputado, com toda a franqueza, o PSD não pode dar o seu aval, porque estamos, em sede de revisão constitucional, a defender uma matéria em que nós como vós, como todos os representantes do povo nesta Câmara, temos um voto que tem de se reunir em dois terços para se dar aval e sabemos perfeitamente que, se remetermos isto para a lei ordinária, o nosso voto deixa de ter a capacidade decisória que tem nesta sede. Portanto, não podemos dela abdicar.
Quanto às outras matérias, os senhores, mais do que não concordar connosco, continuam a dizer peremptoriamente que não estão disponíveis para as discutir. Enfim, quanto a isso, cada um assume as suas responsabilidades - nós temos as nossas, os senhores terão as vossas.
Quanto a esta questão, a que o PSD coloca em termos centrais, não vale a pena iludir: ou existe a aproximação e há um acordo entre todos e isso transforma-se num denominador comum, embora em todas as outras questões que nos possam separar terá obviamente de prevalecer a maioria - e os senhores ou nós levaremos avante, consoante consigamos obter uma maioria necessária para isso -, mas, quanto a esta questão central, vamos ter de nos pôr de acordo.
É este o ponto da situação, que, no final desta reunião, gostava de deixar aqui feito com clareza.

O Sr. José Magalhães (PS): - Regressou ao princípio, ao ponto zero!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Comissão, através de V. Ex.ª, que, nos termos do que referi na minha intervenção inicial, vou entregar na Mesa uma proposta de alteração ao Regulamento da Comissão, que, com a sua licença, passaria a ler: "A sugestão ao Plenário de quaisquer propostas de alteração constantes de projectos de revisão e de textos de substituição bem como as restantes deliberações (...)" - da Comissão, entenda-se - "(...) são tomadas nos termos gerais do Regimento da Assembleia da República".
Esta proposta, que vou entregar na Mesa, é acompanhada de um pedido a V. Ex.ª, no uso do seus poderes regulamentares, de introdução na próxima ordem de trabalhos da Comissão de um ponto referente à alteração do Regulamento, visa apenas facilitar e operacionalizar os trabalhos da Comissão e não põe em causa, de modo algum, o processo constitucional de tomada de decisão de alterações à Constituição da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais pedidos de palavra.
Do ponto de vista da síntese dos nossos trabalhos, registou-se, relativamente ao artigo 256.º, uma não concordância entre as posições do PS e as do PSD, em relação a saber se deveria ou não ficar consagrado constitucionalmente o imperativo quanto a uma regra de não simultaneidade dos referendos no processo de regionalização.
O PSD entende que a regra da não simultaneidade deve resultar de uma prescrição constitucional obrigatória; o PS sustentou que não deve haver qualquer cominação constitucional quanto a uma regra de simultaneidade ou de não simultaneidade, em matéria de consultas populares no processo de regionalização.
Esta é a base objectiva da divergência manifestada, hoje, nesta reunião de trabalho.
A Mesa regista a proposta agora feita pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira e inscrevê-la-á como primeiro ponto da ordem de trabalhos da próxima reunião, uma vez que, tratando sobre matéria do Regulamento da Comissão, é factor da definição do processo de trabalho da própria Comissão.
Em todo o caso, não registando mais nenhum pedido de palavra, a Mesa declara que, quando entrarmos nos artigos da Constituição, começaremos a apreciar os artigos 257.º e seguintes do texto constitucional.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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