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Quarta-feira, 5 de Junho de 1996 II Série - Número 7 - RC
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 4 de Junho de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 10 horas e 55 minutos.
De seguida, assumiu a Presidência da Comissão, com o assentimento de todos os grupos parlamentares, o Sr. Deputado Vital Moreira.
Procedeu-se à apreciação e votação de uma proposta de alteração ao artigo 9.º do Regulamento da Comissão, apresentada pelo CDS-PP, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), Luís Sá (PCP) e Jorge Lacão (PS).
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) apresentou um texto de substituição do projecto de revisão constitucional subscrito pelo PSD, no sentido da alteração do artigo 256.º, o qual foi submetido à apreciação. Intervieram, a diverso título, além do orador e do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), Jorge Lacão e Alberto Martins (PS).
O Sr. Presidente (Vital Moreira) encerrou a reunião eram 12 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que estão presentes os quatro maiores grupos parlamentares, parece-me estarem reunidas as condições para o início dos trabalhos. Temos hoje dois pontos para debater: o primeiro é relativo a uma proposta de alteração ao regulamento da Comissão, apresentado pelo CDS-PP; e o segundo é a continuação da apreciação dos artigos da Constituição da República que são objecto de proposta de alteração relativos à matéria constitucional da regionalização. Na última reunião, tínhamos passado à apreciação do artigo 257.º e seguintes.
Srs. Deputados, é com muito gosto que anuncio que já se encontra presente o Sr. Deputado Vital Moreira, tão ansiosamente esperado desde o início dos nossos trabalhos e que, como tive ocasião de vos informar, da parte do grupo parlamentar do PS, temos o gosto de o indicar para Presidente desta Comissão. Como sabem, desempenhei tant bien que mal essa função na expectativa da chegada do Sr. Deputado Vital Moreira, o que hoje ocorre. Assim, gostaria de perguntar aos vários grupos parlamentares se vêem alguma objecção a que, a partir deste momento, formalizássemos a alteração de presidência da Comissão para a instituição nessas funções na pessoa do Sr. Deputado Vital Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, solicito que se aguarde mais algum tempo a chegada de outros membros do meu grupo parlamentar, dado que não pretendia assumir sozinho essa decisão.
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado Barbosa de Melo. Aguardaremos, então, para que se possa fazer, de modo adequado, a passagem de testemunho para o Sr. Deputado Vital Moreira.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Devido a problemas técnicos, não ficou gravada a intervenção do Orador)
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo poder interpretar as vossas posições no sentido de se dar por adquirido na Comissão que a eleição do Sr. Deputado Vital Moreira acaba de ser concretizada com o assentimento de todos os grupos parlamentares. Assim, a partir de agora, o Sr. Deputado Vital Moreira é o Presidente da Comissão Eventual de Revisão Constitucional. Peço ao Sr. Deputado o favor de vir assumir esta enorme responsabilidade de dar uma Constituição renovada ao povo português.
Neste momento, assume a Presidência o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me que comece por vos saudar, a todos. Tal como já foi dito, as indicações que tenho para a proposta de ordem de trabalhos da reunião de hoje incluem, primeiro, a proposta de alteração ao regulamento da Comissão, apresentada pelo CDS-PP, e depois a continuação da apreciação dos artigos da Constituição da República Portuguesa objecto de propostas de alteração relativas à matéria constitucional da regionalização.
Antes de entrarmos na ordem de trabalhos, permitam-me que vos dê conta de algo acerca do que já conversei com Deputados dos vários grupos parlamentares no sentido de propor que a sessão de hoje termine mais cedo, pelo meio-dia e meia, para efeitos de convocação de uma reunião da Mesa e, no caso de falta de membros da Mesa, com representantes dos grupos parlamentares, com o fim de estudar e fazer propostas aos grupos parlamentares quanto à logística das reuniões da Comissão e de calendarização dos trabalhos. Fica, assim, feita a convocação. Peço ao PSD e ao PS que, no final desta reunião, que será ao meio-dia e meia, se reunam comigo com este objecto de trabalho.
Posto isto, passamos então ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, a saber, proposta de alteração do regimento da Comissão, apresentada pelo CDS-PP. Para proceder à respectiva apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, a proposta foi apresentada já na anterior reunião. De qualquer forma, se o Sr. Presidente me permite, gostaria apenas de dizer o seguinte: obviamente que todos sabemos que qualquer Deputado pode levantar, em Plenário, qualquer proposta que não tenha sido contemplada no âmbito desta Comissão e que conste dos projectos de revisão que estão em discussão; mas eu recordaria que a nossa proposta visa adoptar um novo processo de decisão relativamente aos textos de substituição apresentados pela Comissão e que, obviamente, não preclude o direito de os Deputados levarem a Plenário qualquer proposta que não tenha sido contemplada no âmbito dos trabalhos da Comissão. Por isso, a finalidade da proposta que apresentámos, é apenas a de adoptar um novo método de decisão na Comissão para efeitos de aprovação de textos de substituição a serem, como tal, apresentados ao Plenário, sem prejuízo dos direitos constitucionais e regimentais dos Deputados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, em relação a esta proposta do CDS-PP, a posição do PSD é a seguinte: nós não entendemos esta proposta, julgamos que é inútil nos termos mas não é indiferente nas consequências políticas que gera. É inútil nos termos porque temos reafirmado insistentemente o entendimento de que o resultado efectivo da revisão constitucional passa por um acordo político, e esta proposta visa criar a aparência de que o acordo político em torno das questões constitucionais não é necessário e que se pode avançar de qualquer forma em relação a uma matéria tão importante e tão delicado quanto aquelas que estão em discussão nesta revisão constitucional. Acresce que esta proposta, do nosso ponto de vista, é um golpe regimental - permitam-me a expressão forte, mas é a expressão que, no fundo, traduz aquilo que representa esta proposta do CDS-PP. É um
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golpe regimental porque, é bom deixar esta evidência, quer-se mudar as regras a meio do jogo - regras que foram fixadas por esta Comissão, por deliberação desta Comissão, que, aliás, nem sequer são regras inéditas numa comissão de revisão constitucional. Sempre as comissões de revisão constitucional tiveram esta regra de exigência de dois terços, por razões que bem se entendem - desde logo, por razões de eficácia do trabalho constitucional. E tudo aquilo que, do nosso ponto de vista, contribua para melhorar a eficácia dos trabalhos parlamentares, designadamente em sede de revisão constitucional, é bom para o prestígio da Assembleia da República. Não entendemos, por isso, que um partido que, alegadamente, se preocupa tanto com o prestígio das instituições e, sobretudo, com o prestígio da Assembleia da República, se permite fazer uma proposta que tem, como consequência, justamente o contrário que tem propalado.
Sr. Presidente, como nota final, queria recordar à Comissão de Revisão Constitucional que a resolução da Assembleia da República n.º 9/89, que fixou o processo especial de apreciação e votação na revisão constitucional, e que corresponde àquilo que, desde há muito, nesta Casa se faz, neste tipo de processo, fixa as regras para a discussão em Plenário das matérias que foram objecto de debate, de propostas, de discussão e de votação nesta Comissão, e, designadamente no seu artigo 2.º, diz que "a discussão e votação das alterações à Constituição da República fazem-se com base no texto de sistematização elaborado pela Comissão de Revisão Constitucional, a qual inclui as propostas de alteração, os textos de substituição e as propostas de alteração a cada preceito constitucional que tenham sido apresentadas e não tenham sido retiradas" - são as três componentes deste documento que vai para o Plenário da Assembleia da República e que vai servir de guião em relação à discussão e votação que, então, aí terá lugar. Depois, ainda para reforçar a nota de que esta proposta é inútil, o artigo 3.º diz o seguinte: "podem ser apresentadas em Plenário novas propostas de alteração aos preceitos constitucionais abrangidos pelo texto de sistematização, desde que apresentadas até termo do debate do artigo a que se referem" - ou seja, nos termos da proposta que, em 1989, presidiu ao debate no Plenário da Assembleia da República, nenhum Deputado, nenhum grupo parlamentar, pelo facto de ter sido objecto de uma votação nesta Comissão determinado artigo, fica impedido de formular propostas de alteração em relação à matéria que estiver, nessa altura, a ser discutida no Plenário.
Por tudo isso, digo esta proposta é inútil, não resolve nada a não ser criar a aparência de que o processo de revisão constitucional segue em frente, num ritmo que não percebemos muito bem qual é que se quer que seja. No fundo, quer-se criar a aparência, junto da opinião pública, de que há uma revisão virtual da Constituição porque, em termos práticos, todos entendemos que, se não forem adoptados os mecanismos políticos que tenham por base um entendimento alargado em relação às matérias que aqui estão em discussão, não pode prosseguir, em termos eficazes, os trabalhos da revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta do CDS-PP tem um inconveniente que é, claramente, a possibilidade de virem a ser aprovadas, com carácter sistemático, não agora, neste artigo concreto, textos de substituição das actuais normas constitucionais, por maioria mas não por dois terços, criando uma situação que pode vir a ser bastante complicada nesta matéria, que é a de, sobre diversas disposições da Lei Fundamental, haver uma determinada maioria que não é maioria de revisão mas que não deixa de ser, apesar disso, uma maioria absoluta de Deputados. Por outro lado, não vemos vantagem na proposta na medida em que ela não dá mais visibilidade aos trabalhos da revisão constitucional. Eles têm vindo a ser cobertos pela comunicação social, são trabalhos públicos, e isto levaria, provavelmente, a uma situação de trabalho inútil e moroso que não sublinharia, como eventualmente é pretensão do CDS-PP, mais do que já foi, a eventual indisponibilidade do PSD para aprovar a revisão de tal ou tal disposição. Creio que este aspecto está devidamente sublinhado - pode também ser sublinhado hoje, ao longo do dia, no caso de não haver acordo, designadamente em relação ao artigo 256.º, não é preciso, com carácter formal, aprovar disposição atrás de disposição (agora o artigo 256.º e ulteriormente outras disposições), sendo essa maioria apenas uma maioria absoluta e não uma maioria indiciária que conduza, efectivamente, à revisão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, face às intervenções anteriores, vejo-me obrigado a dar alguns esclarecimentos adicionais sobre a nossa proposta. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Miguel Macedo referiu que esta proposta não visava o prestígio da Assembleia da República - tenho de rebater frontalmente essa afirmação porque a sensação que tenho, é que o prestígio das instituições só se alcança quando elas funcionam e aquilo a que temos assistido nesta Comissão Eventual de Revisão é a uma extrema dificuldade de funcionamento, de funcionamento útil, de debate consequente e de decisão sobre as matérias que estão em discussão; ora, isto é tanto mais estranho quanto tal se deve, sobretudo, ao comportamento do grupo parlamentar do PSD que, politicamente, tem proclamado a necessidade de uma revisão constitucional rápida e tem até tentado demonstrar, na opinião pública, a possibilidade de fazer uma revisão constitucional rápida (e, recordo) com o objectivo de poder vir a fazer um referendo nacional sobre a criação das regiões administrativas o mais tardar em Janeiro, para citar o líder do PSD. Por isso, esta proposta que apresentámos, visa exactamente dar o prestígio que foi entretanto perdido pela Comissão Eventual de Revisão com as várias telenovelas a que temos assistido, desde a não presença do grupo parlamentar do PSD na Comissão até a um prolongamento, em nossa opinião excessivo e intencional, de discussões com o suscitar sempre e permanentemente novos problemas quando se resolvem os anteriores. Esta proposta visa exactamente, em primeiro lugar, dar prestígio aos trabalhos da revisão constitucional e à instituição onde eles decorrem, que é a Assembleia da República.
Argumenta-se também que a proposta é inútil - parece-me que há aqui uma grande confusão: é evidente que esta proposta não prejudica nenhum direito nem nenhuma possibilidade prática de qualquer Deputado poder levar a Plenário ou discutir qualquer proposta, mesmo que ela seja derrotada no âmbito da elaboração de um texto de substituição pela Comissão, mas é uma proposta útil na medida
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em que permite aferir quais são os grupos parlamentares que estão na Comissão Eventual para fazer a revisão e os que estão na Comissão Eventual para atrasar, baralhar, empatar e complicar a revisão constitucional.
Terceira e última observação: em revisão virtual estamos nós a viver desde que esta Comissão Eventual começou a trabalhar. Estamos a viver em revisão virtual pura e simplesmente porque temos assistido a um jogo de espelhos em que, quando certos Srs. Deputados dizem que pretendem rapidez e eficácia nos trabalhos da revisão, na prática utilizam depois todos os expedientes para a atrasar e complicar. Por isso, de facto, em revisão virtual temos vivido nós. Esta nossa proposta, repito, tem o exclusivo objectivo de permitir a esta Comissão que tome algumas decisões que julgo ser isso o que o País espera dos trabalhos da Comissão Eventual, sem pôr em causa os direitos constitucionais e regimentais dos Deputados, repito, mas dando à Comissão possibilidade prática - coisa que neste momento não acontece, pela redacção do artigo 9.º do nosso regulamento - de dar conteúdo útil, se assim o entender dar, aos seus trabalhos, aos seus debates e às suas decisões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, muito sinteticamente, consideramos que esta proposta, apresentada pelo CDS-PP, é uma proposta que permite, em sede regimental, dar mais flexibilidade às votações indiciárias estabelecidas nesta Comissão e, como tal, favorecer e não prejudicar o normal andamento dos trabalhos da revisão constitucional. Neste sentido, porque é nossa opinião que esta Comissão já terá gasto demasiado tempo em discussões de natureza metodológica e que todo o tempo é mais útil se utilizado para as discussões sobre as matérias substantivas da Constituição, sem mais dissertação em torno do tema, manifestamos a nossa disponibilidade para apoio à proposta apresentada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, numa intervenção muito breve, quero dizer apenas o seguinte: lamento esta posição do PS - julgo que ela, em termos de revisão constitucional, corresponde a uma fuga para a frente que me surpreende porque vem de um partido que é essencial para a maioria de dois terços requerida constitucional para se fazer esta revisão; insistimos naquilo que dissemos anteriormente, esta é uma proposta que, inevitavelmente, vai conduzir a equívocos políticos a prazo e que é uma proposta que bloqueia, em termos de soluções, aquilo que é o desejável e necessário entendimento constitucional de dois terços dos Deputados para que a revisão constitucional se faça. Entendemos que o CDS-PP possa avançar com esta proposta, porque é um partido que não tem peso na Assembleia da República em número de Deputados para fazer a necessária maioria de dois terços mas não entendemos, de todo, a posição que agora foi assumida pelo grupo parlamentar do PS.
Quanto à questão do prestígio das instituições, temos plena consciência de que, neste processo, até agora, fizemos tudo aquilo que correspondia à vontade do povo no sentido de ver sufragadas posições que eram, maioritariamente, assumidas pela opinião pública. Portanto, não entendemos que este processo de revisão constitucional esteja atrasado - o que entendemos, é que este processo "entrou nos eixos" a partir do momento em que todas as forças políticas assumiram determinado tipo de compromisso, designadamente sobre as matérias que estão, neste momento, em discussão, aqui, na revisão constitucional, e entendemos que estamos em condições de avançar desde que haja vontade política para isso. A questão é saber se essa vontade existe, e se essa vontade existe em termos que possam ser consubstanciados aqui, na Comissão.
Para concluir, Sr. Presidente, eu diria, parafraseando livremente um conhecido poeta português, que, neste caso, quer queiram quer não queiram, a revisão constitucional só "pula e avança" quando há dois terços de Deputados - e não há nenhuma alteração regimental a esta Comissão que possa evitar esse imperativo constitucional.
O Sr. Presidente: - Não tenho mais inscrições. Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração regimental apresentada pelo CDS-PP, no sentido de que as propostas de alteração constantes dos projectos de revisão e os textos de substituição, bem como as restantes deliberações, sejam tomadas nos termos gerais do Regimento da Assembleia da República.
Submetida à votação, foi aprovada com os votos a favor do PS e do CDS-PP e os votos contra do PSD e do PCP.
Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da ordem de trabalhos: continuação da apreciação dos artigos da Constituição da República Portuguesa objecto de propostas de alteração e relativos à matéria constitucional da regionalização. Pelos dados que me foram fornecidos, tinha sido dada como esgotada a discussão do artigo 256.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que vamos entrar na segunda parte da ordem de trabalhos, queria entregar e pedir que fosse distribuída uma proposta do PSD relativa ao artigo 256.º .
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
A proposta que acaba de ser aceite e mandada distribuir relativa ao artigo 256.º, apresentada pelo PSD, é do seguinte teor:
"1.º - A instituição em concreto das regiões administrativas, que será feita por lei, depende da realização de referendo de âmbito nacional sobre a lei prevista no artigo anterior e do voto favorável maioritário, expresso em consultas directas aos cidadãos eleitores recenseados em cada uma das respectivas áreas regionais mediante referendo regional.
2.º - Os referendos regionais ficam condicionados ao apuramento de um voto favorável maioritário dos cidadãos eleitores consultados no referendo nacional e realizam-se depois deste nos prazos estabelecidos por lei".
Srs. Deputados, face à indicação que tinha de que a questão do artigo 256.º estava andada, gostaria de ouvir os partidos sobre esta nova proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, uma vez que já fez o anúncio formal e
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a distribuição do texto desta nossa proposta, tentarei, muito rapidamente, apresentar à Comissão esta iniciativa do PSD.
Na última reunião, discutiu-se um segundo texto alternativo ao artigo 256.º, apresentado pelo PS, alternativa essa que, como na altura o PSD penso ter deixado bem claro, do nosso ponto de vista, não consagra a esmagadora maioria das posições que constam do projecto de lei de revisão constitucional do PSD sobre esta matéria, dado que não consagra uma série de items que têm vindo a ser discutidos nesta Comissão no que concerne ao procedimento a adoptar, em termos de texto constitucional, quanto ao processo da regionalização e dos referendos que lhe estão associados. Na última reunião, tive oportunidade de manifestar a nossa discordância quanto ao segundo texto apresentado pelo PS, exactamente por me parecer que este não consagra a esmagadora maioria das questões substantivas que são colocadas pelo PSD sobre esta matéria, nomeadamente a questão do campo de cidadãos a consultar, de onde se inscreve a problemática já aqui referida na reunião passada do voto dos emigrantes, a questão do momento que o PSD entenderia ser o mais adequado para a realização do referendo nacional, depois da aprovação da lei na Assembleia mas antes da sua promulgação, bem como a forma de validação do referendo e a desejável retirada do problema da divisão territorial para um segundo momento na consulta aos portugueses. Independentemente da diferença de opiniões que separam a nossa posição da de outros partidos - o que é natural e eventualmente até saudável para a discussão -, fui informado na última reunião, em que o Sr. Presidente não esteve presente mas de que certamente terá já o relato, que havia algumas questões que, para nós, são fundamentais que geraram alguns equívocos na discussão, posto o que o PSD entendeu por bem, no início desta reunião, em que vamos analisar, espero que globalmente, todo o capítulo da regionalização, formular esta proposta, que mais não visa do que tentar encontrar os aspectos que, do ponto de vista do PSD, são fundamentais.
Depois da discussão das duas últimas reuniões, em que foram já identificadas diferentes opiniões quanto à série de aspectos que acabei de enunciar - não exaustivamente, uma vez que já o fiz na reunião passada -, entendemos que, para além dessas divergências, há um núcleo essencial sobre o qual não deve haver dúvidas sobre a posição do PSD: que seria desejável a possibilidade de encontrar um acordo generalizado, ou que, pelo menos, permitisse os dois terços necessários, sobre a consagração em definitivo desta matéria no texto da Constituição.
Assim, esta proposta mais não é do que uma tentativa séria da nossa parte de deixar de fora do texto constitucional o que constatámos na última reunião que, embora sendo desejável do ponto de vista do PSD, ficou patente não ter o aval do PS. E, sendo assim, o PS assumirá, por exemplo, a responsabilidade de entender que os emigrantes não devem votar e de discordar dos nossos pontos de vista noutras questões que foram discutidas nas últimas reuniões. Este parece-nos ser o mínimo denominador comum à volta do qual gostaríamos que, como disse, pudesse haver um acordo generalizado, para permitir, de uma forma séria, que o processo de regionalização tenha lugar e que esta parte da revisão constitucional possa ser arrumada, nesta fase, por parte da Comissão, para que, depois de serem analisados os artigos subsequentes a este capítulo, possamos passar para a análise da questão do referendo, onde algumas das matérias, como repararão, não constam desta proposta do PSD para o artigo 256.º, pois já percebemos que o PS gostaria que fossem dirimidas noutra sede que não na do artigo 256.º da Constituição.
Foi esse o esforço que tentámos fazer e é com essa intenção que apresentámos esta proposta.
O Sr. Presidente: - Se bem segui os trabalhos da Comissão, esta proposta significa a formalização de posições anteriormente defendidas pelo PSD na Comissão e gostaria de saber se isso reabre a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas pronunciar-me sobre esta questão. Creio que, apresentada uma proposta e independentemente de, eventualmente, ter sido melhor a sua apresentação na reunião anterior, é justo que a proposta seja discutida e que, portanto, seja reaberta a discussão.
O Sr. Presidente: - Pode prosseguir, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta proposta corresponde a uma alteração significativa de alguns aspectos da posição anterior do PSD, que era no sentido de transformar a regionalização numa mera faculdade e evoluiu no sentido de aceitar a manutenção do artigo 255.º, tal como está. Tomando esse aspecto como pressuposto, o PSD adianta agora uma proposta que corresponde a referendar a instituição em concreto e não já propriamente a questão de haver ou não regiões administrativas.
Independentemente deste aspecto, é conhecida a nossa posição: referendar normas constitucionais, ainda que a mera execução, é algo que não aceitamos. Isto corresponderia a criar uma situação em que, no caso do voto ser negativo, haveria uma obrigação de perguntar, regular e ciclicamente, aos eleitores se estavam de acordo com a instituição em concreto, com um determinado desenho de regiões, até haver um voto favorável. Não deixaria de ser interessante colocar o país perante a necessidade de, duas vezes por ano ou, quando muito, uma vez por ano, realizar um referendo sobre esta matéria.
Independentemente disto, há um aspecto que creio ser também de sublinhar: o PSD, na sua proposta anterior, adiantava a ideia de as abstenções contarem como "não", aspecto que não deixou de ser devidamente sublinhado por nós como algo de verdadeiramente inaceitável; o facto de se adiantar agora a ideia de uma mera exigência de um voto favorável maioritário é um outro aspecto que deve ser sublinhado. Também o facto de o PSD ter evoluído quanto à questão do voto dos emigrantes no referendo tem um significado. Quanto a proibir ou não a simultaneidade do referendo nacional e dos referendos regionais, o problema que se coloca é que a questão que o PSD quererá evitar, acima de tudo, é que exista, nalgumas das regiões desenhadas na Lei de Criação, um voto que venha a ser favorável e que haja um eventual voto nacional desfavorável. O voto no referendo regional, contrariando o sentido do voto do referendo nacional, poderia levar a que em regiões como o Algarve, Trás-os-Montes, Alentejo ou outras quaisquer, em que o voto fosse favorável, houvesse uma frustração e até uma contradição com o conjunto do eleitorado nacional, exactamente por a vontade de regionalizar existente nestas regiões ser contrariada pela expressão da "vontade nacional".
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Creio que este é um problema incontornável, a partir do momento em que o PS evoluiu dos referendos regionais para o referendo nacional nesta matéria e a partir do momento em que o referendo diz respeito à instituição em concreto. É que na proposta do PSD, no referendo nacional, haverá já também um voto regional implícito. A Lei de Criação das Regiões estará aprovada, estará definida uma região do Algarve, uma região de Trás-os-Montes, uma ou duas regiões do Alentejo, etc., estarão definidas todas as regiões do país, depois de feito o debate público e a consulta às assembleias municipais que está em curso, e colocar-se-ão, incontornavelmente estes problemas, pois todos vão querer saber o resultado do referendo nacional, mas vão também confrontar o eventual resultado do referendo nacional com o resultado em todas e cada uma das regiões. Isto é: aquilo que o PSD quer evitar, que é o problema político criado por uma contradição entre a vontade regional e a vontade nacional, existe igualmente no referendo nacional, que é, também ele, passível de uma leitura regionalizada dos respectivos resultados.
Daí que tenha interesse averiguar mais em pormenor o que justifica, da parte do PSD, uma posição de proibir, no fim de contas, a simultaneidade dos referendos. Não é apenas a de remeter para o legislador ordinário uma escolha nesta matéria; é a de proibir a simultaneidade dos referendos - é algo cujas intenções é difícil descortinar. Este problema é inerente a este esquema que foi acordado e verifica-se, quer haja um referendo nacional apenas, anterior ao referendo regional, quer haja uma simultaneidade dos referendos. É uma questão incontornável, é inerente a este esquema, é um problema político que está criado: se houver um "não" nacional, ele vai seguramente contrariar vontades regionais e vai criar-se aqui um problema, porque o referendo nacional tem exactamente a característica de ser marcadamente centralista, enquanto o referendo regional, os referendos orgânicos ou indirectos, remetem para a vontade regional a determinação ou não da decisão de regionalizar. A partir do momento em que é feito um referendo nacional, as partes têm de se submeter ao todo e, se houver contradição entre as partes e o todo, esta contradição é um problema político incontornánel por qualquer dos esquemas aqui propostos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, naturalmente, a proposta que o PSD nos traz hoje, um pouco a destempo relativamente ao ritmo do nosso debate, é uma proposta que configura, no essencial, os argumentos já expendidos pelo PSD na reunião anterior. Ela não consiste, portanto, em nada de inovador ou em nada que nos pudesse ter surpreendido por evolução das posições do PSD, que, de facto, não são traduzidas de maneira significativa nesta proposta que temos à nossa frente.
Gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que ela é, do ponto de vista da sua formulação como técnica constitucional, relativamente omissa e é-o se tivermos em linha de conta que estamos a tratar com um artigo da Constituição que sugere a especificidade de uma consulta popular directa e que, como tal, aconselharia - pelo menos o PS assim reteve dos debates anteriores - a uma formulação relativamente completa no texto constitucional das várias implicações do regime referendário específico no processo de regionalização. E, por isso, o PS cuidou de garantir regras de simultaneidade com o regime geral do referendo nacional em tudo aquilo que não for especificidade do referendo no processo de regionalização - matéria que se contém no n.º 3 da proposta apresentada pelo PS na reunião anterior -, bem como configurar, sem margem para ambiguidades, as características da natureza vinculativa que os referendos regionais devessem obter, matéria também constante do n.º 4 da proposta do PS e que são aspectos omissos na proposta que o PSD hoje nos apresenta.
Para além disso, que era certamente matéria contornável, as questões políticas nucleares subsistem relativamente às nossas reservas. O PSD, por um lado, entende que este tipo de referendo, que se reporta à criação de autarquias locais, deveria ser alargado a todo o universo eleitoral e não apenas ao recenseado no território nacional. Já expliquei a razão do nosso diferente ponto de vista neste ponto e não voltaria a repisar agora o argumento. Mas, por outro lado e sobretudo, o PSD entende, na sua proposta, duas coisas com as quais não concordamos, a primeira das quais é: que o referendo deve recair directamente sobre a lei de criação das regiões administrativas. Tal aspecto torna inevitável a possibilidade de uma rota de colisão na vontade expressa pelo soberano, por via representativa e por via directa, o que não é, do nosso ponto de vista, uma solução aconselhável do ponto de vista da salvaguarda do prestígio e da própria eficácia das deliberações democráticas. Nesse sentido, a proposta que o PS apresentou é bastante mais cautelosa, do ponto de vista da compatibilização entre a vontade do soberano, expressa por via representativa, e a vontade do soberano susceptível de se exprimir por via de consulta popular directa. Aliás, é curioso verificar que, no n.º 1 do artigo 256.º, tal como o PSD o apresenta, não está definido o efeito de um eventual referendo negativo sobre a lei de criação das regiões. Tudo leva a deduzir que esse efeito não poderia deixar de ser o de uma consequência de revogação integral, por efeito directo, de um referendo negativo. Seria um aspecto a regular necessariamente e também está omisso na proposta do PSD, o que evidencia como a rota de colisão na expressão da vontade do soberano é alguma coisa de latente nesta proposta e que não consideramos aceitável.
Por outro lado, quanto à controversa questão da simultaneidade, tivemos ocasião de dizer, por uma e outra vez, aos Srs. Deputados do PSD que entendíamos que a questão da simultaneidade não deveria ser dirimida pelo legislador constitucional e que não deveríamos exigir ao texto da Constituição uma regra de rigidez nessa matéria. Qualquer solução de rigidez excessiva é sempre condicionadora das opções democraticamente sufragadas pelos eleitores e, como não está em causa nenhum princípio essencial na defesa das concepções estruturantes do Estado de direito, garantir uma opção política rígida em sede de texto constitucional é alguma coisa que não favorece o próprio pacto de regime em termos constitucionais. Por isso, volto a sublinhar que não poderemos aceitar uma solução que configure uma rigidez quanto à obrigatoriedade da não simultaneidade dos referendos.
Ao contrário desta proposta do PSD, a proposta do PS acautela tanto a possibilidade de os referendos poderem ocorrer em simultaneidade como de poderem ocorrer em regime de não simultaneidade. E esta maior flexibilidade, que resulta da proposta do PS, é aquela que, a todas as luzes, nos continua a parecer a mais defensável, razão pela qual - todas as razões foram já expressas nos debates
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anteriores e o PS anota e regista a proposta do PSD - sugerimos que a proposta do PSD fique registada na Mesa e venha a ser, oportunamente, objecto de votação e certamente que o PSD estará de acordo com isto. Pela parte do PS, encontramos todas as razões para continuar a sustentar e a manter a proposta que fizemos na reunião anterior.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, começo por o cumprimentar nesta primeira reunião a que preside aos trabalhos e, na sequência do que foi dito pelo Sr. Deputado Luís Sá e agora pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de precisar o seguinte: o PSD, como todos os partidos aqui presentes, tem um projecto de revisão constitucional, que consubstancia as suas posições de partida - todos os partidos naturalmente as trouxeram a esta discussão.
No que respeita a todo este capítulo da regionalização, o PSD manifestou, ao longo destas reuniões, as suas posições sobre muitas destas problemáticas, mas não sem fazer o sublinhado, que aqui fez o Dr. Luís Marques Guedes no início desta discussão, de que não haveria acordo constitucional possível se não ficasse consagrado o referendo. O referendo é, portanto, a pedra de toque para o acordo constitucional nesta matéria da regionalização, o que significa que cada partido assumirá as suas responsabilidades relativamente àquilo que aceita ou não aceita constitucionalizar a este respeito. Portanto, o PSD não abdica, nas suas posições e convicções, de que, por exemplo, os emigrantes deveriam ser chamados a esta consulta nacional, como não deixa de entender, relativamente aos referendos, nacional e regionais, que eles não deveriam, em caso algum, realizar-se simultaneamente - isto, entre outras questões. O que interessa agora, portanto, é que cada partido possa, sem prejuízo das suas próprias posições, chegar a um acordo constitucional e esta proposta - que não surpreendeu o Sr. Deputado Jorge Lacão e ainda bem, porque não estamos a funcionar neste processo de revisão como uma espécie de caixinha de surpresas - veio na sequências das posições coerentes que o PSD aqui avançou.
No entanto, quero precisar que, do nosso ponto de vista, quer a questão, por exemplo, da votação dos emigrantes, quer a de todo o processo em que deve decorrer o referendo nacional, deverão ser objecto, em técnica constitucional, muito mais apropriadamente, do artigo 118.º do que exactamente a propósito do artigo 256.º. De resto, achamos preferível encontrar - e o Deputado Barbosa de Melo já aqui o havia dito numa reunião anterior -, a propósito da discussão do artigo 118.º, um conjunto de soluções que nos permitam realizar quer referendos sobre a regionalização quer referendos em matéria internacional do que estarmos a desenvolver separadamente na Constituição metodologias específicas e diferenciadas de referendo, consoante falemos de questões internacionais ou falemos de regionalização ou de outras matérias. Portanto, do nosso ponto de vista, não fica perdida a possibilidade de resolvermos estes problemas em sede da discussão do artigo 118.º e, naturalmente, se o PS entender que o artigo 118.º fica melhor como está, assumirá as suas responsabilidades. Nós entendemos que ele deveria ser alterado, para poder consagrar, quanto à regionalização e quanto a outras matérias, outras possibilidades, quer técnicas, quer quanto ao universo dos consultados.
Sobre a questão suscitada pelo Sr. Deputado Luís Sá quanto ao problema da conformação entre resultados regionais e resultados nacionais, devo dizer, Sr. Deputado, que nós sabemos que um referendo nacional sobre a regionalização, com as questões que estão em cima da Mesa, será influenciado com certeza pelas projecções que cada um fará das regiões que vão ser criadas ou instituídas, mas a verdade é que é muito diferente lançar uma questão específica, com objectividade e rigor, que tem um determinado significado, ou fazer uma pergunta sobre os limites regionais em concreto e tão só. Isto significa, portanto, que em todas as consultas nacionais há com certeza, como há hoje, várias leituras regionais e diferenciações regionais, o que não significa que o voto expresso em termos nacionais possa ter mais do que uma leitura. Se o referendo nacional sobre a regionalização for formulado de forma objectiva e clara e a resposta for "sim" ou "não", não interessa que, no Algarve, a maioria dos votos seja diferente dos de Bragança ou de Vila Real ou de qualquer outra circunscrição. O que interessa é o resultado nacional que é apurado sobre a questão que é formulada. Esse é o único significado válido para o referendo que é realizado. No nosso entender, o que deve preceder não a validação mas a realização dos referendos é, de facto, o referendo nacional sobre os referendos regionais, na medida em que o verdadeiro confronto, controvérsia ou até contradição entre resultados resultaria de haver uma consulta simultânea, com significados políticos distintos, e não o facto de condicionarmos as consultas regionais a um primeiro resultado com significado nacional. Nessa medida, portanto, não há qualquer incompatibilidade ou qualquer contradição com o facto, por exemplo, de, em termos nacionais - em termos abstractos -, o referendo nacional resultar maioritariamente num "não" e uma determinada circunscrição, como por exemplo a do Algarve, ter-se maioritariamente pronunciado com um "sim". Ninguém, no Algarve, como nas eleições legislativas, como nas eleições presidenciais, faria outras leituras, com outros significados que não apenas o que decorre, tão só, da pergunta que é formulada.
Quanto à questão da rigidez, respondendo também ao Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer que não se trata aqui de uma questão de rigidez. O que nos parece absurdo é que o texto constitucional consagre a controvérsia e a contradição política. Nós sabemos, ou, pelo menos, é essa a nossa opinião, que, mantendo a Constituição da República Portuguesa como está, seria inconstitucional fazer referendos nacional e regionais em simultâneo. Como o Partido Socialista apresenta uma proposta habilidosa que altera a Constituição da República Portuguesa e que o permite, a nossa leitura é que o PS pretende constitucionalizar a contradição política! Se do ponto de vista constitucional isso é lamentável, do ponto de vista político pode gerar situações de tensão e de controvérsia política que seriam evitáveis e hoje sê-lo-iam de certeza porque o texto constitucional não o permitiria. Ou seja, o Partido Socialista pretende que a Constituição da República Portuguesa venha a conformar a contradição de resultados sobre consultas feitas ao eleitorado.
Faça favor, com a permissão da Mesa.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, os meus agradecimentos pela interrupção, quero chamar-lhe a atenção para um aspecto que já tive ocasião de desenvolver aqui na reunião anterior.
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Independentemente das soluções que viermos a adoptar na revisão do artigo 118.º sobre o regime geral do referendo é já hoje um dado adquirido que o regime geral do referendo consente por cada matéria a possibilidade de mais do que uma pergunta, o que significa que não exclui de modo algum a possibilidade, em matéria geral que venha a ser objecto de referendo nacional, de uma pergunta ser prejudicada pelo alcance da outra. E isto é já o regime constitucional do referendo actualmente em vigor.
Ora, verdadeiramente, na articulação entre referendo nacional e referendos regionais no processo de regionalização, não estamos sequer nesse ponto a inovar mas estamos tão só a admitir que, tal como no referendo nacional é possível articular perguntas com efeitos de prevalência de umas sobre as outras, também isso possa ocorrer no processo de regionalização. O meu pedido de interrupção era para lhe chamar a atenção para isso...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Já compreendi, Sr. Deputado, mas penso que está equivocado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ... porque, se achar que a solução é constitucionalmente aberrante na regionalização, não poderia deixar de considerar que ela seria constitucionalmente aberrante no regime geral dos referendos.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Já o compreendi, Sr. Deputado, mas penso que está equivocado. Recordo que o artigo 118.º, no seu n.º 4, é muito específico quando diz que cada referendo e cada consulta só pode incidir relativamente a uma só matéria.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Com várias perguntas!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - São matérias bem distintas aquelas que querem ser misturadas e que, como sabe, podem ter resultados contraditórios.
Sr. Deputado, ainda que não fosse assim, não considera que seria um absurdo o legislador ter a percepção dessa contradição e não a corrigir? Das duas, uma, ou o Sr. Deputado entende que não quer responder a essa questão aqui e que nunca lhe vai responder, ou deixa subentendido que não quer responder aqui para depois dizer na lei ordinária que vai querer defender uma solução que é controversa e que é absurda!
Nós não vemos nenhuma vantagem, Sr. Presidente, em que a Constituição da República Portuguesa permita o absurdo político e é nessa medida que fazemos esta alteração.
Finalmente e para não me alongar, diria que, do nosso ponto de vista, a nossa proposta consagra o consenso mínimo, o mínimo de denominador comum que foi possível ou que seria desejável que se obtivesse no termo desta discussão. Um referendo nacional que possa ser conformado nos termos do artigo 118.º e uma garantia, que não é centralista, Sr. Deputado Luís Sá, de que há uma precedência nas consultas nacionais sobre as consultas regionais. E, de facto, não é centralista porque uma eleição nacional, como uma consulta directa em termos nacionais aos eleitores, nunca pode ser interpretada como um significado centralista da vontade do poder político mas, pelo contrário, é a única forma de poder apurar da vontade nacional dos eleitores.
Em suma, Sr. Presidente, o Partido Social Democrata não abdica das suas convicções mas fica claro que com esta proposta procura trazer também uma possibilidade de se chegar a um consenso nesta matéria que nos permita avançar no que respeita à regionalização, sabendo desde já que há várias questões que contendem com esta e que serão reabertas noutros artigos da Constituição da República Portuguesa quando lá chegarmos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma pergunta ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, quanto a este problema do conflito de legitimidades por acaso, esta manhã, ouvi uma reportagem sobre a regionalização do Algarve, que nas suas linhas gerais vai ser publicada num vespertino daqui a pouco, em que era afirmado que estaria a evoluir a opinião do país, tendo em conta uma sondagem, naturalmente discutível, que foi publicada, e em que no Algarve era praticamente unânime a vontade de regionalizar.
Num quadro deste tipo, num referendo nacional, no caso de se verificar, por exemplo, um resultado do Algarve de 90% e o resultado do país num sentido contrário, não há aqui uma contradição efectiva entre o voto do país no seu conjunto e o voto desta região concreta?
De resto, foi certamente por considerações deste tipo que o Sr. Deputado, no projecto que apresentou, previa exclusivamente os referendos regionais e "esqueceu-se" de propor o referendo nacional. E esse aspecto tem que ser sublinhado. Isto é, o pensamento de V. Ex.ª evoluiu mas certamente que num momento anterior era por problemas deste tipo e não propriamente por esquecimento, que não propunha o referendo nacional.
A segunda questão. O PSD, num momento anterior, propunha que o referendo fosse na fase de decreto da Assembleia da República e antes da promulgação. E propunha-o com o argumento de evitar um conflito, que entendia perigoso, entre a legitimidade da democracia representativa e a legitimidade da democracia directa.
Nós tivemos oportunidade de referir que, aprovado o decreto pela Assembleia da República mesmo antes da promulgação, o problema do conflito de legitimidades colocar-se-ia. Tratar-se-ia de submeter a referendo um diploma aprovado pela Assembleia da República e que poderia naturalmente ser objecto dum voto contrário por parte do eleitorado nacional. No entanto, a questão que lhe queria colocar é a seguinte. Neste momento, quando evolui para a proposta de um referendo sobre a lei prevista no artigo 255.º, a lei de criação das regiões, o PSD deixou de se preocupar com este conflito de legitimidades que no momento anterior lhe parecia tão preocupante? É um pouco estranha esta evolução à luz do pensamento que tinha sido manifestado anteriormente.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, quanto ao conflito de legitimidades, no nosso entender só haveria um conflito de legitimidades se se verificasse uma simultaneidade dos referendos na medida em que a leitura dos seus significados sendo contraditória poderia colocar uma contradição insanável na vontade do eleitorado, no caso de haver contradição nas respostas.
Quanto à questão da promulgação, não, Sr. Deputado. A nossa proposta é omissa nessa matéria e, como sabe,
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há ainda instâncias em que essa questão pode ser dirimida e não é por acaso que ela fica em aberto. Nós sabemos que o Partido Socialista não deu qualquer abertura para essa matéria e, portanto, o PS entende que o referendo deve ter lugar depois da promulgação da lei e não vale a pena estarmos a encalhar nessa matéria. Aliás, como não deixámos de pensar o que pensávamos, não valia a pena estar a avançar com essa matéria que é matéria que nos divide, sendo que da nossa parte não há contradição porque haverá sempre possibilidade, como sabe, de posteriormente o próprio texto legal consagrar mecanismos que permitam que a consulta possa ocorrer antes da promulgação da lei, embora posteriormente à sua aprovação na Assembleia da República. Nessa matéria o nosso pensamento não evoluiu mas não fechamos aqui a questão, nem fechamos nem deixamos de fechar, pois não é uma questão que possamos trazer à colação nesta altura.
Quanto à questão da evolução do meu pensamento nesta matéria, ele é patente e o Sr. Deputado já o tinha sublinhado numa reunião anterior, mas, em qualquer caso, não creio que uma consulta nacional deva, nesta matéria, criar conflitos particulares no país, antes pelo contrário, politicamente todas as indicações apontam justamente em sentido contrário. Mas, acima de tudo, como é que uma questão como a regionalização não haveria de ser dirimida através de uma vontade expressa em termos nacionais?
Daí não me preocupar que possa haver, no caso do Algarve, uma vontade regionalizadora expressa, embora em termos nacionais o país a possa vir a rejeitar. Se fôr assim, o significado nacional é claro e o Algarve e os seus eleitores não têm nenhuma razão para se demostrarem desconfortados com qualquer contradição pois ela existiria se em simultâneo se tivesse sido perguntado aos eleitores do Algarve se desejavam ou não a sua região. Nesse caso, sim, haveria um conflito de resultados na medida em que não saberíamos como questionar um segmento do eleitorado sobre uma vontade nacional e, por essa vontade nacional ser negativa, colocar em questão o resultado da vontade regional do Algarve de fazer a regionalização. Aí sim, eu se fosse eleitor do Algarve, sentir-me-ia revoltado por atirarem para o "caixote do lixo", por me negarem a vontade regional em função duma vontade nacional e responderia: sendo assim, não me ponham a questão. Isto é, não devemos brincar com as consultas, nem com os votos. É essa a contradição ou o absurdo político que nós aqui denunciámos na proposta do Partido Socialista. Brincar com os eleitores e com o voto dos eleitores e consagrá-lo constitucionalmente, é de facto um absurdo e é esse o sentido da nossa proposta e não qualquer outro.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo por me associar aos cumprimentos que lhe foram dirigidos na sua nova qualidade de colega e presidente desta comissão, desejando-lhe os maiores sucessos por parte da minha bancada porque os seus sucessos serão os de toda a comissão.
Aproveito esta minha intervenção para fazer duas pequenas precisões para não ficarem equívocos quanto às questões que o Deputado Luís Sá colocou face à proposta formal apresentada pelo PSD. Conforme já disse o Deputado Pedro Passos Coelho, é evidente que o PSD não quer significar com a apresentação desta proposta que tenha, por exemplo, mudado de opinião no que respeita ao voto dos emigrantes e o lapso talvez tenha sido meu na explicação inicial.
O PSD entende seriamente, e o processo negocial que se estabelece nos trabalhos desta comissão parlamentar a isso obriga, ou pelo menos é a maneira como nós os vemos, que, não havendo aceitação, para já, por parte do Partido Socialista quanto a essa matéria, então, não vale a pena continuar a insistir, quase que masoquistamente, com esta comissão e dizer "não, não, isto tem que cá ficar". Parece-nos evidente que, se o PS, para já, não está disponível para isso, acabará por estar quando discutirmos o problema do referendo globalmente no artigo 118.º e o problema em concreto que já aqui referi do referendo que se vai colocar ao Tratado de Maastricht e aí o Partido Socialista irá reconhecer que os emigrantes também têm que ser chamados a votar neste como em todos os referendos quando eles sejam referendos de âmbito nacional.
Portanto, a única tentativa que aqui fizemos foi retirar do artigo 256.º as matérias aonde claramente estamos numa posição de conflito latente, as quais, para se avançar, devemos deixar neste momento de parte. Quanto a nós, a questão é completamente diferente, o PSD não mudou a sua opinião sobre esta matéria, pensamos até que aí, como sabe, estamos bastante bem acompanhados porque a esmagadora maioria do povo português - numa sondagem publicada no fim de semana 71% dos portugueses acham que os emigrantes, em referendos nacionais, devem pronunciar-se e nomeadamente no caso da regionalização - nos acompanha e daí que, apesar de mantermos a nossa posição, queiramos afastar conflitos inúteis nesta sede. Essa matéria virá ao de cima e o Partido Socialista terá que reconhecer que tem de ser assim, mas se não quer, para já, aceitar esse princípio, tudo bem, andemos para a frente. Foi essa a nossa intenção.
A outra questão. O Sr. Deputado referiu mais uma vez a questão da leitura regional mas, de uma vez por todas, que nos entendamos porque já falámos várias vezes sobre esta matéria. O Partido Social Democrata não tem problema absolutamente nenhum que haja leituras regionais de sufrágios que são feitos no âmbito nacional, aliás, isso acontece inevitavelmente em todos os sufrágios de âmbito nacional. A comunicação social está cheia de páginas e páginas, que normalmente a seguir a qualquer acto eleitoral de âmbito nacional são publicadas durante semanas, a fazer leituras regionais se o partido "A", o partido "B", o candidato "A", o candidato"B" tem uma mancha de implantação mais forte no distrito "A", no distrito "B", no concelho "C" e às vezes até em freguesias, há a questão das freguesias tipo e por aí fora.
Portanto, leituras regionais, não há problema nenhum em termos políticos, onde há problema é na desconsideração do voto popular e da expressão desse voto popular. Por conseguinte, o que não aceitamos não é que se façam leituras regionais do voto dos portugueses, porque essa sempre se faz e está pacificamente admitida na sociedade portuguesa, mas que se leve os eleitores a pronunciarem-se, a formularem o seu voto, e depois esse voto não tenha uma expressão de soberania como deve ter. Isso é que é inaceitável para nós, não o problema das leituras, mas sim a expressão e validação dessa expressão soberana do voto.
Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto às questões que colocou, devo dizer-lhe com toda a franqueza o seguinte. V. Ex.ª veio justificar, por exemplo, o n.º 4 da proposta
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de substituição do artigo 256.º apresentada na última reunião pelo PS, mas o n.º 4 é perfeitamente inútil ao contrário do que o senhor disse porque não acrescenta rigorosamente nada relativamente aquilo que é, também no projecto de lei de revisão constitucional do PS, a proposta para o artigo 118.º. Enfim, tem aqui um lapso pois deverá ser eficácia vinculativa mas é rigorosamente o mesmo mecanismo que o Partido Socialista já colocava no artigo 118.º.
Portanto, ao contrário do que disse, e com todo o respeito, é perfeitamente inútil e foi também por isso que nós, na proposta que apresentámos, não pusemos nenhum n.º 3 ou n.º 4 com essa natureza porque nos parece que se é para fazer rigorosamente a mesma coisa que está no regime geral do referendo, então, não vale a pena estar aqui a criar nenhuma especialidade que só iria confundir e só obriga as pessoas a irem ler lá atrás a ver se há alguma diferença para depois chegarem à conclusão que não há e que está tudo na mesma e que a eficácia do referendo, em termos vinculativos, segue exactamente o regime idêntico à do regime geral.
No entanto, o Sr. Deputado disse uma coisa a respeito da qual tenho que recolocar a questão directamente e que é o facto de ter questionado, na nossa proposta, a sugestão de o referendo nacional recair sobre a lei prevista no artigo anterior, o tal 255.º, que, como já foi dito em reuniões, por não haver disponibilidade do Partido Socialista, se manterá inalterado na Constituição da República Portuguesa. Mas, Sr. Deputado, parece-nos evidente que o referendo tem que ser sobre a lei porque se não é sobre a lei, então, sobre o que é que é?
Aí, devo manifestar a minha total perplexidade pois pensava que ao longo de todo este processo político que tem decorrido no último mês e meio já ficou perfeitamente adquirido na cabeça das pessoas que o referendo tem que colocar os portugueses perante uma questão concreta que eles saibam o que é e, obviamente, essa questão concreta tem que ser o modelo de regionalização aprovado em lei. Se o Sr. Deputado refuta a proposta do PSD de que o referendo de âmbito nacional recaia sobre a lei aprovada nos termos do artigo 255.º, então, peço-lhe, com toda a franqueza, que nos explique o que é que pretendem referendar porque já começamos a duvidar que queiram de facto referendar o problema da regionalização. Se não querem referendar a lei que contém o modelo de regionalização, então, o que é que querem referendar?
Quanto à questão da simultaneidade, tenho ouvido muitas coisas da parte do Partido Socialista e inclusivé o seu secretário-geral, que é o Primeiro-Ministro, utilizou como grande argumento para defender a simultaneidade (pasme-se!) um argumento economicista dizendo que é mais barato fazer tudo ao mesmo tempo. Face às posições recentes na situação política portuguesa, vindo da parte do Partido Socialista, isto é de pasmar! Enfim, há uma falência muito grande de argumentos para justificar que não deva haver um desfasamento temporal, como o Partido Social Democrata tem vindo denodadamente a defender, nomeadamente, por razões de clarificação e de clareza nas perguntas. O Sr. Deputado invoca aí o texto do n.º 4 do artigo 118.º, mas com toda a franqueza tem que ler o artigo 118.º integralmente. E o que esse artigo diz com muita clareza é que o referendo tem que cair sobre uma mesma matéria e que devem as perguntas ser formuladas em termos de sim ou não.
Ora, se é em termos de sim ou não, quer dizer que elas não podem ser encadeadas, tipo multiple choice, como as sondagens, para as pessoas só responderem se tiverem dado o "sim" na anterior. Pelo contrário, o que o texto constitucional diz muito claramente é que pode haver mais do que uma pergunta mas elas devem ser formuladas em termos de "sim" ou "não".
Portanto, não pode estar a condicionar - é essa a minha leitura - minimamente porque isso não é permitido no texto constitucional e no regime do referendo, tipo multiple choice como nas perguntas das sondagens, uma pergunta à resposta à anterior porque isso não é a clareza exigida pelo texto constitucional para o mecanismo dos referendos.
Sobre essa questão termino propondo, em nome da bancada do PSD, à Comissão mas mais directamente ao Sr. Presidente e à Mesa, que, como há aparentemente dúvidas de interpretação técnica e de leitura sobre a possibilidade técnico-jurídica de um ou outro modelo - imperatividade do desfasamento temporal ou não - que diligenciasse a audição de constitucionalistas portugueses e permito-me desde já sugerir o Professor Joaquim Gomes Canotilho, o Professor Jorge Miranda, o Dr. André Gonçalves Pereira e o Professor José Carlos Vieira de Andrade. Se há dúvidas e o Partido Socialista tem vindo com umas construções de que isto pode ser tipo sondagem de perguntas encadeadas em multiple choice, então, devemos ouvir constitucionalistas para que nos digam claramente se entendem que é possível encadear as perguntas que, embora possam ser mais do que uma sobre a mesma matéria, têm que ser, nos termos da Constituição da República Portuguesa, perfeitamente claras e devendo ser formuladas em termos de sim ou não, de tal modo que a formulação das perguntas não dependa da resposta à pergunta anterior. Não havendo acordo e para segurança dos trabalhos desta comissão, proponho formalmente que houvesse uma audição a estes constitucionalistas no sentido de ajudarem a encontrar a formulação técnico-jurídica mais adequada para que os trabalhos possam prosseguir nesta matéria com a segurança devida e não com artifícios politicamente colocados e que depois não redundam em segurança jurídica para os cidadãos.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos um quarto de hora de tempo útil desta reunião. Pessoalmente acharia muito frustrante que mais uma reunião se passasse sem termos ultrapassado o artigo 256.º, pelo que peço que tenham isso em consideração.
A propósito de artifícios, há-os de vária natureza. Sr. Deputado Luís Marques Guedes, sinceramente, nós não estamos a interpretar mas a rever a Constituição da República Portuguesa e, em princípio, somos soberanos. Os Srs. Deputados do PSD propõem uma alteração à Constituição, os Srs. Deputados do PS propõem outra, suponho que não seria curial transformarmos uma questão de revisão constitucional numa questão de interpretação da Constituição. Em todo o caso, a comissão é soberana.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, relativamente à sugestão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que pode aproveitá-la utilmente e beneficiará sempre do bom conselho de eminentes constitucionalistas portugueses podendo dispensar a comissão de retardar o normal desenvolvimento dos seus trabalhos pois a todo o tempo se pode aconselhar com entender.
Da nossa parte entendemos que os trabalhos da comissão devem funcionar com a regularidade em que nos temos
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empenhado sem embargo de algumas discussões relevantes do ponto de vista da Constituição da República Portuguesa e das suas opções, em matéria de iniciativas de colóquio, que consensualmente esta comissão já adoptou e entendeu formular em tempo oportuno, apesar de nessa altura o PSD não ter podido concorrer para esse consenso porque estava ausente dos trabalhos da comissão na fase em que essa deliberação foi tomada.
Mas indo ao que interessa, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há de facto uma natureza distinta entre o referendo que o Partido Socialista propõe e o que o Partido Social Democrata propôs. O PSD propõe verdadeiramente um referendo revogatório que implica uma consequência quanto à validade da lei de criação das regiões, enquanto o Partido Socialista apresenta um referendo que se reporta ao momento de aplicação da lei de criação das regiões e do qual não resulta uma revogação obrigatória da respectiva lei. É essa de facto uma diferença de natureza entre o referendo apresentado pelo PS e o referendo apresentado pelo PSD e, por isso, o referendo apresentado pelo Partido Socialista articula-se coerentemente com a pergunta que já aqui anunciámos, o de saber se o eleitorado concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas. É dessa resposta negativa ou positiva que decorrerá a possibilidade de que uma lei produza ou não a eficácia que nas suas normas se estabelece.
Dito isto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostava de lhe fazer uma pergunta. Se está tão preocupado quanto à questão da possibilidade de simultaneidade dos referendos, e embora não concorde em absoluto com os argumentos que tem expendido nessa matéria, admitiria, na linha das questões que lhe têm sido colocadas pelo Sr. Deputado Luís Sá, a possibilidade de dar significado regional efectivo a uma pergunta de âmbito nacional como esta: concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas? E admitiria retirar regionalmente a consequência de um voto eventualmente negativo a esta pergunta de significado nacional?
Não sei se me fiz entender pelo que volto a perguntar-lhe de outra maneira. Para utilizar a imagem do Algarve, se os eleitores do Algarve na resposta à pergunta com a instituição em concreto das regiões administrativas tiverem dito sim e houver uma coincidência de sim ao nível nacional, admite que nessa altura se pode dispensar o segundo referendo regional? E, pelo contrário, quando uma determinada região, determinada na lei de criação das regiões, tenha dito "não", se o voto nacional fôr sim, então, nessa circunstância prevalece a necessidade de um segundo referendo de âmbito regional para poder obter o "sim" para a instituição em concreto da região que, consultada, tenha dito "não" à pergunta de significado nacional?
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se me disser sim a esta possibilidade que lhe acabei de colocar, não deixarei de admitir que temos alguma base de diálogo ainda a explorar entre os nossos dois partidos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como foi directamente interpelado, tem a palavra, para as considerações que entender convenientes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto aos considerandos iniciais, antes de responder à sua pergunta, devo dizer-lhe que fiquei espantado com o raciocínio que desenvolveu, porque citando uma fraseologia agora tão em voga, penso que mais uma vez continua a haver problemas de comunicação dentro do seu partido, porque aquilo que o Sr. Deputado disse é rigorosamente o contrário daquilo que o Engenheiro Guterres tem vindo a dizer. O Engenheiro Guterres chegou a dizer publicamente, a vários órgãos de comunicação social, que, no caso do referendo nacional dar "não", ele comprometer-se-ia a revogar a lei. Ele disse-o publicamente em vários sítios. E o Sr. Deputado vem agora aqui mistificar a questão e dizer que não, que o problema da legitimidade não pode ser, que não aceitamos esta lógica porque revogatória, porque isso coloca o compromisso de...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então, o Sr. Deputado não notou que eu lhe disse que, justamente, a diferença de natureza entre os nossos dois referendos é que o senhor propõe o referendo revogatório, que tem implicações imediatas na validade da lei, enquanto eu lhe falo no referendo que tem implicações na aplicação da lei e, justamente por isso, tem razão o Engenheiro Guterres quando diz que, a seguir, o que poderia estar em causa era uma consequência política de revogação da lei, na sequência de um eventual referendo nacional negativo? Ou seja, há uma coerência total entre o que foi dito pelo Engenheiro António Guterres e o que eu digo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há nenhuma!
O Sr. Jorge Lacão (PS): -..., quando lhe digo que o referendo não tem natureza revogatória, tem natureza de não permitir a aplicação de uma lei, o que implicaria...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi isso que o seu Secretário-Geral disse!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ..., no plano político, a eventual necessidade de a rever ou de a reajustar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, obrigado por ter clarificado os problemas de comunicação. Vamos lá por partes e com toda a clareza: a proposta do PSD não é, nunca foi, e como já aqui foi explicado hoje várias vezes pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e por mim, continua a não ser uma proposta revogatória. Ou seja, continuamos exactamente, ao contrário do que o Sr. Deputado acabou de dizer, a defender desde o princípio que, para evitar o efeito revogatório, o referendo deve ser feito antes da promulgação da lei. O Sr. Deputado é jurista, sabe perfeitamente que só há revogação se a lei estiver promulgada e em vigor.
Portanto, é exactamente isso que o PSD, desde o princípio, anda a querer dizer que não pode ser. Parece que, agora, o Sr. Deputado mudou de opinião...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não, não!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -..., embora ainda não se tenha apercebido. Parece que ainda não se apercebeu do que disse. E, ao contrário do que o Sr.
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Deputado disse, quem tem dito, claramente, desde o princípio, nomeadamente o Engenheiro Guterres, que admite a revogação da lei é o Partido Socialista. O Sr. Deputado, agora, está a tentar virar tudo ao contrário...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Essa agora!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -..., dizendo que nós é que apresentamos uma proposta com efeito revogatório e que os senhores é que não querem o efeito revogatório. Isto é extraordinário, mas, enfim, fico esclarecido sobre a questão!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não tem razão nenhuma! Confusão total!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à pergunta que o Sr. Deputado me colocou, com toda a frontalidade, não lhe posso deixar de responder também com toda a frontalidade.
Estamos abertos a encontrar - e a prova disso é a proposta de hoje, em que já deixamos de fora, como aqui estamos a ver, uma série de ítens que tínhamos proposto na nossa formulação inicial do texto de revisão constitucional - o acordo de 2/3 necessários para consagrar isso na Constituição. Portanto, temos toda a abertura sobre esta matéria. Agora, uma coisa o Sr. Deputado não nos pode pedir, com toda a franqueza, é que encontremos mecanismos para substituir o voto soberano do povo.
Risos do Deputado do PS, Jorge Lacão.
O Sr. Deputado não pode pedir ao PSD, porque o PSD não está - e com toda a franqueza lho digo - minimamente disponível para isso, para inventar mecanismos jurídicos...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não está a ver o filme!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -..., à volta desta sala e depois à volta do Plenário, na votação de 2/3, que se substitua à soberania do voto popular, dizendo que nos casos da pergunta nacional se faça uma leitura aritmética do resultado (nos distritos a, b ou c, ganhou o candidato a ou b) e que já não é preciso fazer uma consulta subsequente, já não é preciso fazer a pergunta da instituição em concreto da sua região, porque eles já disseram "sim". Para isso, não, Sr. Deputado!
Se encontrarmos uma forma qualquer - e continuo a vislumbrar, aparentemente, que o seu problema é o tal problema economicista, que o senhor acha muito caro fazer a pergunta em dois momentos. Portanto, se há aí um problema economicista, vamos tentar resolvê-lo, não o afaste. Agora, não coloque a possibilidade - e, com toda a franqueza, Sr. Deputado, para não iludir as questões, para isso não estaremos disponíveis, porque para nós é uma perversão do Estado de direito democrático que defendemos -, nem pode pedir-nos, de encontrar um mecanismo jurídico qualquer que crie a artificialidade de se substituir à expressão do voto popular, que, para nós, é soberana.
Não podemos aceitar, Sr. Deputado, essa lógica de transformar a leitura de um pronunciamento a uma pergunta concreta de âmbito nacional num voto soberano do povo de uma determinada região, relativamente à instituição em concreto da sua região. Penso que isso, com toda a clareza, não é o caminho adequado. Agora, se houver aí alguns outros aspectos a limar, estamos perfeitamente abertos para tentar encontrar uma solução, mas nunca a de substituir a soberania do voto popular.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, voltava ainda às questões políticas, que estão a ficar, em grande medida, clarificadas. No entanto, voltava ainda, à laia de pergunta à espera de resposta, à questão da coerência lógica da proposta apresentada pelo PSD. É uma coerência que suscita o seguinte pedido de clarificação: julgo que esta proposta, em grande medida, exportou para o artigo 256.º as dificuldades que o PSD não resolveu no artigo 255.º. Assim, no artigo 256.º, vem a consagrar dois tipos de referendos: um referendo revogatório nacional sobre a lei - e aqui chamava a atenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, muito embora diga que é sobre a promulgação da lei, se é sobre a promulgação da lei, o que está escrito não é isso, porque o que se diz é que "a instituição em concreto das regiões administrativas, que será feita por lei, depende da realização do referendo de âmbito nacional sobre a lei prevista no artigo anterior". Ora, uma lei antes de ser promulgada não é uma lei, digamos que é um decreto da Assembleia. Portanto, se é a lei antes de ser promulgada, não pode ser dito desta forma.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É verdade!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Há aqui uma questão em que o escrito não corresponde ao que nos foi, agora, dito. Este é, manifestamente, se for o que está escrito, um referendo revogatório.
Segunda questão, no próprio artigo 256.º há uma incoerência entre um referendo revogatório, que se admite, e um referendo sobre qualquer matéria, objecto de acto normativo, que são os referendos regionais. Em que ficamos? É vontade expressa do PSD admitir estes dois tipos de referendos?
Outra questão ainda é que este referendo nacional, que é admitido, é sobre a criação legal das regiões, sobre aquela matéria que nós dissemos, em termos de clarificação política, que achamos que era matéria insusceptível de ser referendada, que era um ponto fechado.
E chegados aqui, estamos chegados aos referendos de natureza regional e quanto à natureza simultânea ou não das questões que podem ser formuladas. Aqui, muito claramente, deixava uma questão - e, aliás, sempre dissemos que o princípio representativo não deve ser revogado pelo princípio referendário ou da democracia directa -, quaisquer involuções que possam ser tentadas para os dirigentes do PS dizerem o contrário desta afirmação de fundo, penso que não tem cabimento. Tem cabimento, sim, agora, de novo, perguntar ao PSD a questão da simultaneidade das perguntas. Já foi dito que admitíamos que, em lei ordinária, esta questão se pudesse colocar de modo distinto, sendo certo que a nossa posição é de que, havendo eventualmente simultaneidade das perguntas, há prioridade lógica e política da pergunta nacional sobre a pergunta regional. Pelo que, em nosso entender, perguntar-se aos cidadãos, depois de uma situação plena de esclarecimento, que a primeira questão decisiva, nuclear e condicionante
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é nacional e, depois, são as regionais, isso, se for claro, se eles perceberem, se forem esclarecidos, não põem em "banho-maria" as suas vontades, as suas opções, pelo contrário, a vontade é claramente dita e explicada que tem este sentido. A única diferença, aliás, é que o n.º 2 do PSD diz que os referendos nacionais ficam condicionados mas são feitos com décalage no tempo, e nós admitimos que ficam condicionados mas são feitos ao mesmo tempo. Se as pessoas conhecerem as regras do jogo, o jogo não tem qualquer vício.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem peço para ser breve.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, tentarei ser breve.
Sr. Deputado, agradeço-lhe as questões que colocou. Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que, quanto à formulação do n.º 1, dou-lhe inteira razão e desde já lhe digo que o PSD ficará muito satisfeito em regressar à sua proposta inicial, que consta do artigo 255.º, por nós proposto no projecto de lei de revisão constitucional, de, em vez de falar em lei, falar no decreto da Assembleia relativo à lei.
Formulámos assim, porque pensámos, face aos trabalhos desta comissão eventual nas últimas reuniões, que o PS se tinha mostrado claramente indisponível, ao longo de todo este debate - e toda a gente sabe que assim foi -, para referendar antes da publicação da lei. A questão da publicidade até chegou a ser discutida nesta sala, como o Sr. Deputado se recorda. Se o PS, agora, recua e acha que o referendo deve ser antes da promulgação da lei, Sr. Deputado, o PSD não só aplaude com as duas mãos, como, imediatamente, reformula isto, reconduzindo-o ao seu texto inicial do artigo 255.º. Ainda bem que os senhores reconhecem que é melhor esta solução, que, em vez de se referendar a lei, se referende o decreto da Assembleia relativo à lei.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto a isso, Sr. Deputado, não há qualquer tipo de desentendimento. Pelo contrário, agradeço-lhe até imenso a sua precisão.
Quanto à questão das duas consultas, foi o PSD que, desde o princípio - de resto, penso que é a única bancada, e não queria agora cometer a indelicadeza, já o fiz uma vez, de errar relativamente ao projecto do Partido Popular -, propôs, no seu projecto de lei de revisão constitucional, a realização de dois tipos de consultas: uma de âmbito nacional, seguida de outras de âmbito regional.
Penso que o Partido Popular propunha apenas o referendo de âmbito nacional, enquanto o Partido Socialista propunha apenas os referendos de âmbito regional. É claro para toda a gente que, desde o início, o PSD se tem batido pela diferenciação destas consultas. No entanto, essa posição - valha a verdade! - tem evoluído, face ao processo negocial em que estamos envolvidos, no sentido de o PSD aceitar todas as soluções, desde que fique preservado o princípio de desfasamento temporal entre a colocação da pergunta de âmbito nacional e as outras. Estamos abertos, como já disse aqui noutras reuniões, e penso que este articulado que formulámos não o impede, deliberadamente - e se assim for poderemos verificar a redacção, com muito gosto, com toda esta comissão para tentarmos encontrar formulação mais adequada -, de, eventualmente, se poder avançar, mas isso terá de ser tratado depois na lei do referendo, para referendos a duas voltas, para referendos com formulação de perguntas com um intervalo de uma, duas, três ou quatro semanas ou o que for. Isto é, essa questão pode ser, do nosso ponto de vista - e já o afirmámos várias vezes -, dirimida noutra sede. Agora, o que não é para nós, nunca foi desde o princípio e continuamos a pensar que não é aceitável, é tentar diluir a questão da pergunta de âmbito nacional, mantendo apenas a lógica dos referendos regionais que constava do projecto inicial do PS e tentando dizer "faz-se os referendos regionais, depois soma-se aquilo tudo e isso permite logo uma leitura nacional".
Sr. Deputado, como referi há pouco, em resposta ao Dr. Luís Sá, leituras políticas dos resultados eleitorais são uma coisa, expressão soberana do voto dos portugueses, quando questionados vinculativamente sobre questões em concreto, são outra. E essa diferenciação é, para o PSD, bem nítida e inegociável. O PSD não pode aceitar sugestões técnicas que ponham em crise, que ponham em causa o carácter perfeitamente soberano da pronúncia do voto popular em perguntas directas que lhe sejam colocadas.
Não podemos, pois, aceitar as multiple choices como não podemos aceitar o artifício aritmético de somar tudo e fazer uma leitura aritmética de um conjunto de pronúncias de âmbito local, com os quais não concordamos. Portanto, nem num sentido, nem noutro. Pensamos, com toda a franqueza, que ganhará todo este processo em clareza, em certeza e em segurança para os cidadãos se puder ser feito com a separação temporal necessária a tudo isso.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu estava inscrito, mas cedo-lhe a palavra, pedindo-lhe que seja breve.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, agradeço a sua compreensão, tentarei ser telegráfico.
Apenas quero sublinhar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes de que não há nenhuma contradição...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Olha, olha!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ..., desde o primeiro momento, nas posições do PS em torno da solução do referendo. Sempre dissemos, e volto a sublinhar, para que actualize a sua compreensão acerca das posições do PS, que não aceitávamos desconstitucionalizar, em matéria de regionalização, que não aceitávamos nenhum referendo de natureza plebiscitária sobre partes da Constituição, que aceitávamos a possibilidade das consultas populares directas após a aprovação de uma lei de criação das regiões e antes de se passar à instituição em concreto. O que quer dizer que não adoptamos a modalidade de um referendo revogatório...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O seu secretário-geral disse outra coisa!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ..., porque sempre dissemos - volto a sublinhá-lo, e encontra isso escrito em
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vários artigos meus, ao longo do tempo - que haveria que evitar os riscos, derrotas virtuais ou possíveis de colisão entre a vontade do soberano expresso por via representativa e a vontade do soberano expresso por via directa. E, por isso, a melhor forma de o evitar era não colocar a lei de criação das regiões submetida directamente à solução do referendo. É essa a solução adoptada na proposta apresentada pelo PS.
O referendo que o PS apresenta vale como condição de entrarmos ou não na fase de instituição em concreto das regiões; quanto ao destino da lei de criação das regiões essa terá que ser o legislador, em sede representativa, a definir o destino de uma lei de criação perante a eventual resposta negativa de referendo nacional. O que quer dizer que o referendo não produz a consequência jurídica necessária de ser um referendo revogatório, poderá ou não, daí, retirarem-se consequências políticas, no sentido da alteração ou não de uma lei de criação das regiões administrativas.
Peço ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que compreenda a nossa posição para não voltar, sobre ela, a fazer interpretações menos objectivas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PS): - Não são interpretações! Foi dito claramente pelo seu secretário-geral!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quanto ao ponto nuclear, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é mais uma vez o da questão da simultaneidade. Sr. Deputado, a partir do momento em que o seu partido admite, e hoje admitiu-o, a precedência da lei de criação das regiões com todo o conteúdo de definição de funções e de delimitação regional, o eleitor - e já admitiam assim no seu projecto de revisão constitucional, como sabe, independentemente da questão do momento operativo do referendo - estará em condições de conhecer o modelo regional na sua globalidade. E se assim é, aquilo que é a nossa exigência é que o eleitor se possa pronunciar, com eficácia, se aceita que, em geral, o processo da regionalização seja instituído - e é a pergunta de significado nacional - e se, simultaneamente, está de acordo com a região concreta da sua área de recenseamento eleitoral.
Ora, se pudermos - e foi isso que eu lhe disse, Sr. Deputado Luís Marques Guedes - admitir que uma pergunta, adequadamente formulada, como seja "concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?", tenha uma leitura regional, no sentido em que a expressão do voto popular possa ser lido, simultaneamente, como resposta à instituição geral e à instituição em concreto, o que é que ficaria por resolver, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, nessa possibilidade? Ficaria por resolver o problema de um voto negativo no espaço regional vir a exigir subsequentemente referendos regionais como condição de entrada de funcionamento em concreto de uma determinada região administrativa.
Por isso, eu lhe disse que a hipótese que coloquei à sua reflexão não tem a mínima menorização da leitura do voto popular, o que tem, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é a evidência de que não faz sentido que os senhores queiram, obstinadamente, colocar na Constituição a proibição da simultaneidade como uma possibilidade, porque a partir do momento em que a lei da criação das regiões pré-existe relativamente às consultas referendárias, isso significa que os eleitores estão perfeitamente habilitados a poder pronunciar-se sobre a instituição em geral das regiões e sobre a instituição em concreto de cada uma delas.
Para finalizar, aquilo que continua a ser o ponto de discórdia entre nós é a exigência fixista, em sede constitucional, de uma proibição de simultaneidade. É apenas isto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
O que eu não gostaria é que ficasse para a História que o PSD tivesse inviabilizado as soluções referendárias no processo de regionalização só por causa de querer exigir a proibição constitucional da simultaneidade. Porque nós, Sr. Deputado, não vos exigimos a vós a proibição constitucional da não simultaneidade.
Protestos do PSD.
Tal como nós não temos, relativamente às vossas opções, uma solução de rigidez constitucional, achamos muito adequado que os senhores não queiram impor a vossa rigidez a uma solução que, pela sua flexibilidade, pode permitir uma opção múltipla.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal como eu tinha anunciado, antes de interromper a reunião, eu estava inscrito para dizer o seguinte: não tendo estado na comissão até agora, devo dizer-vos que grande parte do que aqui foi dito foi matéria já ouvida, mesmo para quem está de fora da comissão. Penso que não é animador para os nossos trabalhos. Na verdade, o que esta proposta do PSD veio fazer foi demarcar mais uma vez as divergências entre a proposta que estava na mesa do Partido Socialista e a proposta do PSD, que é uma reformulação do n.º 3 da proposta originária do projecto de revisão do PSD.
A diferença essencial, se me permitem que procure traduzi-la, é de que o PSD mantém a ideia de referendo ratificatório da própria lei de instituição das regiões e, por isso, logicamente, seria incoerente admitir, simultaneamente, o referendo sobre cada uma das regiões; o PS, por sua vez, na proposta que veio a fazer e que já estava na mesa do antecedente, admite o referendo não sobre a lei mas apenas sobre a implementação concreta dela e sobre a oportunidade da concretização das regiões.
É evidente que esta divergência não pode ser escamoteada e não vale a pena insistirmos indefinidamente nela. Suponho que, hoje, nesta reunião, não se avançou um milímetro, nem por parte do PSD nem por parte do PS. A proposta do PSD é apenas uma reformulação do n.º 3 da sua anterior proposta, com uma pequena nuance: é que onde falava em "decreto" fala agora em "lei", o que deixa admitir que o referendo fosse ratificativo da "lei" (do artigo 255.º) e não um patamar de aprovação do decreto legislativo.
Posto isto, darei a palavra, porque já a tinha pedido, ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, solicitando-lhe que seja breve, a fim de podermos encerrar a reunião, não sem que antes seja dada a palavra a quem se inscreveu, pedindo apenas que não se faça nova intervenção, uma vez que temos de fazer uma reunião com os elementos da mesa, tal como eu tinha pedido.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, o que eu pedia é que pudesse considerar a minha inscrição para a próxima reunião.
O Sr. Presidente: - Assim se fará.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só pedi a palavra porque fui interpelado directamente pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
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Sr. Deputado Jorge Lacão, com toda a franqueza, a proposta que o Sr. Deputado coloca não faz sentido. E repare o contrário: dentro da lógica que formula essa sugestão de a resposta ser "sim" e isso poder valer para as regiões, pergunto-lhe: dentro da sua proposta, se a resposta à pergunta nacional for "não" em termos nacionais, também, nos distritos onde for "sim", avançar-se-á? Portanto, deste exemplo, verifica com absurdo a formulação dessa proposta, porque não se pode fazer uma formulação técnica na constituição de um regime jurídico que fica condicionado a uma resposta dos portugueses de "sim", porque o regime jurídico tem de ser geral e abstracto. E se é verdade a formulação que coloca, terá de ser também verdade na posição a contrario do voto popular, que é soberano. Se os portugueses responderem maioritariamente "não" à pergunta nacional, mas, em termos regionais, na região "a", "b" ou "c" tiver sido "sim", já fica consolidado nestas regiões - que, de resto, foi a proposta genericamente, se bem entendi, de onde VV. Ex.as partiram inicialmente -, o que é de facto um total absurdo, com toda a franqueza! Não me queria alongar sobre essa matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminados os trabalhos, peço aos grupos parlamentares do PS, do PSD e do CDS-PP que indiquem um representante para, comigo, brevemente, até cerca da 13 horas, debatermos as questões de logística e de calendarização dos trabalhos da comissão.
Está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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