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Quinta-feira, 13 de Junho de 1996 II Série - Número 8 - RC

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião do dia 12 de Junho de 1996

S U M Á R I O



O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à apreciação dos artigos 256.º a 261.º e 241.º.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Jorge Lacão (PS), Luís Sá (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP), Maria Eduarda Azevedo e Barbosa de Melo (PSD), Cláudio Monteiro (PS), João Amaral (PCP), Alberto Martins e José Magalhães (PS) e Paulo Portas (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, quero fazer o seguinte apelo: as reuniões estão marcadas para as 10 horas e gostaria que as pudéssemos iniciar às 10 horas e 15 minutos e não às 10 horas e 30 minutos, como está a acontecer.
Informo os Srs. Deputados que tenho na minha posse alguma correspondência dirigida ao Presidente da Comissão e suponho que o procedimento normal é fazer distribuir cópia destes documentos aos grupos parlamentares, pelo que gostaria que cada um deles me indicasse, até ao final da reunião, o Deputado que os representa para este efeito. Entretanto, vou despachar os documentos exactamente para esse fim.
Na última reunião aprovámos uma alteração ao regulamento da Comissão, mas falta dar-lhe a forma necessária para que a mesma seja introduzida no lugar próprio do regulamento. Concretamente, aprovámos que as deliberações desta Comissão serão tomadas nos termos gerais do Regimento da Assembleia da República, ou seja, com eliminação do n.º1 do artigo 9.º do regulamento. Se não houver objecções, fica registada a alteração do regulamento nestes precisos termos.
Vou despachar nesse sentido e promover nova publicação do regulamento desta Comissão com a alteração ao artigo 9.º, que passará a ter apenas um corpo e não dois números, como acontece actualmente. Assim, no citado preceito poderá ler-se, pura e simplesmente, o seguinte: "As deliberações da Comissão são tomadas nos termos gerais do Regimento".
Srs. Deputados, ficou ainda pendente a matéria do artigo 256.º da Constituição. Suponho que um Sr. Deputado do PSD havia pedido a palavra para intervir sobre esse tema.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma breve declaração, com o seguinte teor: na última reunião, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou uma proposta alternativa à redacção do artigo 256.º da Constituição. Ora, da discussão que então teve lugar, ficou claro para o PSD que não havia disponibilidade da parte do Partido Socialista para a aceitar.
Perante isso, e porque entendemos que a questão fundamental é, de facto, a realização do referendo - começamos a pensar que há alguns riscos de que o referendo possa ficar "emperrado" e não venha a ter lugar -, o PSD declara que aceita a segunda proposta de substituição apresentada pelo PS, datada de 27 de Maio, a fim de que se possamos encerrar, o mais breve possível, todo o capítulo referente à regionalização para que não haja mais razões para se adiar a marcação do referendo sobre esta matéria.
O Partido Social Democrata faria apenas uma pequena sugestão, caso o Partido Socialista esteja receptivo. Os Srs. Deputados do PS disseram, reiteradamente, aquando das explicações dadas relativamente à proposta de substituição, que ao remeter para lei ordinária a definição, em definitivo, sobre como se realizarão os referendos em matéria de regionalização "não fechavam a porta" - penso que foi esta a expressão utilizada pelo PS - à consagração, nessa sede, da necessidade de haver um desfasamento temporal na realização dos referendos.
Assim sendo, e em consonância com essa opção, na parte final do n.º 2 do artigo 256.º, onde se escreve "(...) quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes a referendo não se pronunciarem favoravelmente em relação à pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos", sugeríamos que se intercalasse o seguinte: "(...) as respostas a perguntas que, eventualmente, tenham tido lugar (...)", porque a não ser assim, e ao contrário do que foi afirmado oralmente pelo PS nesta Comissão, ficaria quase consagrado no texto constitucional que os referendos teriam de ter lugar em simultâneo. Com efeito, ao retirar-se a produção de efeitos às perguntas de âmbito regional, tal significaria que elas teriam, necessariamente, de realizar-se em simultâneo.
Portanto, se há, de facto, boa fé da parte do Partido Socialista, uma vez que afirmou, de forma reiterada, nesta Comissão, que o facto de remeter para a lei ordinária não fechava a porta a uma eventual consideração de uma necessidade de desfasamento temporal, pois então que esse ponto tenha também tradução no texto. Nesse sentido, a única sugestão que fazemos é que não se altere muito a redacção do n.º 2 e apenas se intercale a palavra "eventualmente".
É tudo, Sr. Presidente, nada mais tenho a acrescentar quanto ao artigo 256.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, ocorre-me aquela citação bíblica de que há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por 99 justos que se mantêm como tal. Este é, naturalmente, um dia feliz para o processo de revisão constitucional, na medida em que a posição hoje aqui sustentada pelo PSD contribui - quero acreditar nisso - para desbloquear e, portanto, tratar positivamente o normal desenvolvimento dos trabalhos da revisão. Cumprimento o PSD por esse facto.
Espero que agora estejam criadas as condições para que nestas matérias, como nas que se seguem, se faça um bom trabalho no quadro da revisão constitucional, trabalho esse que sempre mereceu da nossa parte todo o empenhamento. Congratulamo-nos com a posição agora assumida pelo PSD, pois ela permite fazer avançar, com regularidade, o processo da revisão constitucional.
O ponto que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes aqui suscitou, que é, efectivamente, uma questão semântica, poderá merecer da nossa parte - não vemos nisso qualquer objecção - uma precisão de linguagem, se for esse o caso, de acordo com a fórmula que sugeriu ou, eventualmente, com outra.
Sempre defendemos, como é patente, que o fundamental é não impor em sede constitucional uma opção pela simultaneidade ou não simultaneidade do referendo. Julgo que esta mensagem foi bem compreendida e é muito clara e, nesse sentido, não pode retirar-se outra leitura do n.º 2 do artigo 256.º, tal como ele está configurado, porque se pretendêssemos outro alcance para essa disposição, permito-me chamar a atenção de que a redacção seria outra!
Com efeito, se não quiséssemos admitir essa flexibilidade, provavelmente a redacção seria a seguinte: "(...) as respostas a perguntas relativas a cada região", sem utilizarmos

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a expressão "que tenham tido lugar". Ora, o inciso desta expressão visa, justamente, notar que essa possibilidade é uma eventualidade. Assim, para nós já não existe qualquer dúvida interpretativa quanto ao significado da expressão constante do n.º 2 do artigo 256.º.
Todavia, se este ponto carecer de melhor clarificação, do ponto de vista do PSD, não me parece que a inclusão da expressão "eventualmente" seja a mais feliz, mas poderemos encontrar outra qualquer e isso, sinceramente, já não seria motivo para perdermos tempo no desenvolvimento dos trabalhos.
Uma vez criado, em torno desta proposta, assentimento geral ou, pelo menos, assentimento suficiente para realizar a maioria de 2/3 dos votos necessários para a sua aprovação, e estando em causa apenas uma questão técnica de redacção, poderíamos deixar para um contacto informal a possibilidade de encontrarmos uma redacção satisfatória desse ponto. Estamos inteiramente abertos a essa possibilidade sem qualquer reserva.
Dito isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não queria prolongar em excesso as minhas considerações e, com isso, incorrer no vício de não contribuir para uma maior eficácia no desenvolvimento dos trabalhos.
Termino, cumprimentando mais uma vez o PSD pela posição que hoje entendeu assumir nos trabalhos de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, creio que não assistimos "a um pecador a converter-se mas, sim, a 99 justos a optarem pelo pecado"! Isto é, durante semanas a fio, o PS declarou que só admitiria referendos regionais e nunca o referendo nacional, mas acabou por adoptar outra posição. Nesse sentido, é bem justo sublinhar esta "conversão ao pecado", pecado que é tanto mais grave quanto o próprio PS, no tempo em que dizia ter uma posição de firmeza nesta matéria, fez críticas justas e definitivas ao referendo nacional.
A verdade é que, durante semanas a fio, o País arcou com um espectáculo, em que o PS acabou por dar ao PSD e ao PP uma vitória importante, e é inexplicável que, depois de obtida esta vitória, o PSD tenha arrastado a questão da simultaneidade dos referendos durante semanas a fio, colocando o País perante um outro espectáculo. De facto, foram dois espectáculos deploráveis, dos quais as regiões e, se calhar, a própria Constituição e a Assembleia da República sairão prejudicadas.
Neste momento, o que me parece importante sublinhar é que o referendo nacional que está desenhado tem por objecto a instituição em concreto das regiões, o que significa que um eventual voto negativo colocará os órgãos de soberania perante a obrigação de, num prazo curto, repetir o referendo, eventualmente através de uma nova lei de criação das regiões. Este é um aspecto que me parece particularmente importante, e que alguns classificarão como aberrante, mas é inerente à solução adoptada.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, face às declarações aqui proferidas, é dada por adquirida a proposta do Partido Socialista relativa ao artigo 256.º, na sua última formulação, com reserva de eventual precisão textual no ponto que foi mencionado acerca do n.º 2. Suponho que não haverá lugar a uma votação formal, a não ser que a mesma seja requerida.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas gostaria de fazer uma ligeira apreciação ao comentário do Sr. Deputado Luís Sá. Queria apenas sublinhar que também não deixo de congratular-me pelas últimas palavras da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, na medida em que é da praxe que o PCP resista a toda e qualquer inovação constitucional - foi o que sempre aconteceu. Tal atitude vem na linha conservadora a que já nos habituou o PCP relativamente às alterações à Constituição, daí que tivéssemos de assistir a algum tom crítico.
Todavia, ao mesmo tempo, não deixo de registar que o Sr. Deputado Luís Sá, ao pôr de lado o tonos político para fazer uma interpretação constitucional rigorosa, não deixou de indiciar uma boa compreensão do bom significado constitucional do regime de referendo que adoptámos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se bem entendi o procedimento que havia sido adoptado antes da minha chegada a esta Comissão, continuaremos a analisar o capítulo sobre as regiões administrativas. Se assim é, e não havendo contestação deste meu entendimento, passamos ao artigo 257.º
Relativamente a este artigo, existem propostas de eliminação do CDS-PP e do PSD, bem como propostas de alteração do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho, bem como dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros. Suponho não ser ousado pensar que a proposta de eliminação do PSD está prejudicada!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto aos artigos 257.º e seguintes, a posição do PSD...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me permite, em todo o caso, segundo a ordem normal, devemos começar por analisar as propostas de eliminação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estava apenas a contestar a conclusão que pretendeu tirar, mas se quiser deixar para um outro momento...

O Sr. Presidente: - Tirei a conclusão de que a proposta de eliminação do PSD estava prejudicada, mas se está a dizer que não é assim, faça favor de continuar no uso da palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta de eliminação apresentada pelo PSD não está prejudicada pelo seguinte: relativamente à globalidade deste capítulo, o Partido Social Democrata, no seu projecto de lei, apresentava uma alteração não para o artigo 256.º mas para o 255.º, artigo que pretendia concentrar em si toda a matéria referente a este capítulo, designadamente a intenção de desconstitucionalizar a imperatividade da regionalização, condicionando todo o processo à realização de um referendo prévio.
É evidente que esta posição do Partido Social Democrata pressupõe que toda a matéria dos artigos 257.º, 258.º, 259.º, 260.º, 261.º e 262.º também conste da lei do referendo, uma vez que, aceite que está, pelos vistos, o princípio da realização de um referendo prévio, toda a matéria

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deverá ser regulada na lei, até porque, como foi referido pelo Sr. Deputado Luís Sá, na eventualidade de o referendo poder dar uma solução negativa, haverá a necessidade - se se quiser voltar a colocar o problema aos portugueses num outro momento - de alterar a legislação sobre a regionalização. É que se a resposta dos portugueses à regionalização for negativa é porque não a querem! E podem não a querer por muitas razões, inclusive por algum dos pontos que venham, eventualmente, a ficar consagrados nos artigos citados.
Portanto, uma vez que se adopta, com toda a lógica, a solução de condicionar o processo de regionalização ao referendo, parece-nos vantajoso que a lei de criação das regiões goze de toda a flexibilidade possível para que o legislador possa, nessa sede, acondicionar o modelo, as atribuições, as competências e tudo o mais que deve enformar as regiões.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que o PSD entende que a proposta de eliminação não está prejudicada, antes vem na linha do que propomos, uma vez que fez vencimento a tese de que deve haver um referendo.
Com toda a franqueza, tal como constava do projecto inicial, a haver um referendo, não se deve condicionar constitucionalmente, desde já, parte do processo que se segue, sob pena de cairmos num eventual impasse. Com efeito, caso tivesse vencimento uma resposta negativa no referendo, o legislador ordinário teria de aguardar por uma revisão constitucional - se fosse essa a intenção política da maioria no momento - para recolocar à consideração dos portugueses um outro processo de regionalização ou, pelo menos, um processo com um modelo ligeiramente diferenciado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há outra proposta de desconstitucionalização das atribuições das regiões, apresentada pelo CDS-PP, pelo que perguntava se algum Sr. Deputado do CDS-PP a quer defender.
Entretanto, havia pedido a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a primeira questão a colocar nesta matéria traduz-se numa pequena rectificação. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes acaba de dizer que se os portugueses votarem contra a regionalização no referendo significa que não querem as regiões, mas eu acrescentaria que é porque não querem aquelas regiões concretas, naquele momento concreto. Ora, isto não significa que para rever, eventualmente, a lei de criação das regiões administrativas seja necessário eliminar o artigo 257.º!
Este preceito tem um duplo sentido: por um lado, afirmar que às regiões cabe a direcção de serviços públicos (creio que era completamente aberrante que pessoas colectivas públicas electivas, efectivamente criadas e eleitas, não tivessem a direcção de serviços públicos, que é o mínimo!) e, por outro lado, aspecto que é particularmente importante e, por isso, não deixa de ser estranho que apareça uma proposta de eliminação nesta matéria, clarificar que às regiões cabem tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios, no respeito pela autonomia destes e sem limitação dos respectivos poderes.
Este é o sentido útil do artigo 257.º, ou seja, nele pretende dizer-se que não pode haver criação e instituição em concreto de regiões administrativas à custa das atribuições e dos poderes dos municípios portugueses. E esta norma é tanto mais importante quanto há almas particularmente inquietas, porque receiam que as regiões venham a ferir os poderes, as atribuições, o papel dos municípios no sistema administrativo português. Ora, o artigo 257.º vem garantir que as regiões não possam ser instituídas "à custa dos municípios" e a sua eliminação corresponderia à eliminação de uma garantia que é fundamental para os municípios.
Além do mais, este artigo é particularmente importante para impedir que os adversários das regiões em Portugal, que é o que acontece no discurso público do PP e no de alguns elementos do PSD, afirmem que as regiões colocam em risco e são um perigo para os municípios e que seria melhor desenvolver o poder municipal, com muito mais tradições em Portugal.
De facto, não faz sentido que se afirme e manifeste este receio e, ao mesmo tempo, se proponha a eliminação da norma que constitui a garantia fundamental dos municípios e faz com que esse receio não tenha qualquer cabimento.
Em suma, creio que existem todas as razões para se manter o artigo 257.º, pois este preceito tem uma importância fundamental no ordenamento dos poderes dos vários níveis da Administração Pública. Se quiserem, ele funciona como garantia da aplicação do princípio da subsidariedade com uma interpretação descendente ao nível da Administração Pública interna. A supressão deste artigo corresponderia, repito, ao desaparecimento de tais garantias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, para quem, como nós, não concorda com a regionalização e entende que qualquer eventual processo de regionalização deve ser condicionado à expressão da vontade popular através de referendo, não faz sentido que, antes de efectuar essa consulta, a Constituição ou a lei regulem um processo sobre o qual pretendemos apurar a vontade do País.
Portanto, a interpretação que o Sr. Deputado Luís Sá tentou inteligentemente fazer para cativar os anti-regionalistas para a utilidade desta disposição constitucional é, obviamente, uma tentativa perversa de baralhar o raciocínio desta Comissão.
Com efeito, para quem não defende a regionalização, por maioria de razão não é necessária qualquer disposição constitucional para garantir os poderes dos municípios, uma vez que defendemos a não existência de nenhuma disposição constitucional sobre regionalização. Em suma, todos esses preceitos devem ser retirados da Constituição, que foi o que manifestámos logo no início do debate sobre este capítulo da Constituição.
De facto, essa disposição - o artigo 257.º - só faz sentido para a "família dos regionalizadores" que ainda tem o sonho e a utopia de que é possível regionalizar sem espezinhar os municípios; para quem é contra a regionalização, essa disposição, como qualquer outra sobre a regionalização, não faz sentido, pura e simplesmente, porque ela não deveria existir! E não existindo, não é necessário limitar o expansionismo das regiões sobre os municípios, porque não havendo regiões não há expansionismo sobre os municípios nem limitação dos poderes destes.
Talvez fosse mais positivo introduzir na Constituição uma disposição que previsse expressamente o desenvolvimento

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da forma de organização municipal, do associativismo municipal, ao invés de estarmos preocupados com disposições que pretendem limitar o expansionismo das regiões sobre os municípios.
Por uma questão de princípio e de fundo, retiramos da Constituição todas as matérias relativas à regionalização. De facto, para nós não faz sentido perguntar aos portugueses se querem ou não a regionalização e pré-determinar, caso a resposta seja positiva, o sentido em que se deve dirigir essa vontade. Por isso, à excepção do artigo em que se prevê a realização dos referendos nacional e regionais sobre a regionalização, o Partido Popular é contra a manutenção dos demais artigos sobre a regionalização na Constituição. O artigo agora em discussão não foge à regra e até é especialmente simbólico - se lermos a intervenção do Sr. Deputado Luís Sá ao contrário - da perversão que a regionalização pode, em si, conter, porque se assim não fosse não haveria necessidade de uma disposição para conter o expansionismo das regiões sobre os municípios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, o Partido Social Democrata gostaria de sublinhar que não está contra o conteúdo do artigo 257.º, como terá decorrido de uma interpretação precipitada do Sr. Deputado Luís Sá. O que foi dito pelo meu colega, Deputado Luís Marques Guedes, de forma muito clara, é que o conteúdo que hoje se encontra consubstanciado no artigo 257.º da Constituição ganharia se fosse remetido e vertido na lei ordinária, por uma questão de flexibilidade.
Quanto à questão de fundo, concordamos plenamente com o que se encontra consagrado hoje na Constituição, simplesmente essa mesma flexibilidade aconselharia a desconstitucionalização da matéria. Não está em causa, de maneira alguma, a autonomia dos municípios e o respeito pela mesma, até pelo reforço subsequente dessa mesma autonomia. Como já foi referido e devidamente enfatizado - não permitindo interpretações precipitadas ou levianas -, não se pode retirar daqui qualquer posição contrária, antes pelo contrário, ao preceito constitucional, mas apenas a vontade de operacionalizar o processo na prática.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, queria fazer uma primeira observação sobre o conteúdo e uma segunda observação sobre o método. Quanto à primeira, da nossa parte faz todo o sentido a inscrição constitucional deste artigo 257.º, na medida em que, entre outros aspectos, ele representa uma verdadeira garantia constitucional dos poderes e da autonomia dos municípios face às regiões administrativas. Havendo uma estrutura constitucional relativamente às autarquias locais - freguesia, município e região administrativa -, o que este artigo consagra, verdadeiramente, é um princípio de subsidariedade, com favorecimento do normal desenvolvimento dos poderes dos municípios e sem afectação desses poderes e da respectiva autonomia na estrutura do poder local constitucionalmente estabelecido.
Por essa razão, até para aqueles que têm uma profissão de fé no municipalismo, esta disposição funciona como uma regra constitucional de cautela, pelo que tudo aconselharia a que continuasse a ser preservada nessa mesma sede. É esse o nosso propósito, por isso entendemos que é de toda a utilidade a preservação constitucional do artigo 257.º
A segunda observação, a de método, consiste no seguinte: na medida em que boa parte desta nossa discussão foi travada a propósito do artigo 255.º - nessa altura trocámos pontos de vista sobre se se deveria ou não manter as referências constitucionais e o estatuto constitucional das regiões administrativas -, de alguma maneira quero crer que boa parte dos nossos argumentos reproduziria pontos de vista já trocados. Por isso, compreendendo embora a linha dos que preferiam uma desconstitucionalização integral destas matérias, sendo certo que, pela nossa parte, optamos por manter a inscrição constitucional das referências às regiões administrativas, talvez nos coibíssemos de desenvolver excessivamente argumentos já expendidos, a não ser naqueles pontos e para aqueles artigos em que há algumas alterações que se justificariam no próprio estatuto constitucional das regiões administrativas. Assim, guardaríamos os nossos argumentos para esses pontos de proposta de inovação, limitando-me agora a salientar a nossa concordância com a manutenção do artigo 257.º tal como está.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer duas pequenas observações sob a forma de intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que, estando claras as posições, as várias referências que foram feitas à minha intervenção justificam duas observações da minha parte.
Em primeiro lugar, pode o Partido Popular ou qualquer outro ter uma posição contrária à regionalização e à sua consagração na Constituição mas, a partir do momento em que está já debatida e assente a manutenção do artigo 255.º e a alteração do artigo 256.º, creio que deixa de fazer sentido que se pretenda também eliminar as garantias dos municípios nesta matéria.
Afirma-se que o facto de haver garantias significa que a regionalização é perigosa para os municípios, ao que respondo que poderia ser perigosa se não houvesse garantias. E aquilo que se passa no pensamento da maioria dos "regionalistas" portugueses é exactamente a ideia de que querem, simultaneamente, o fortalecimento dos municípios e a criação das regiões administrativas. É por isso mesmo que determinadas sondagens que colocam esta alternativa nas perguntas que dirigem aos entrevistados são, quanto a mim, perfeitamente aberrantes.
É possível, e a meu ver impõe-se, defender os municípios - temos propostas de fortalecimento do estatuto das associações de municípios que apresentaremos na altura própria e que a Comissão terá oportunidade de analisar - e, simultaneamente, pretender, tal como nós, municípios protegidos contra um eventual expansionismo do poder das regiões. É óbvio que existiria esse risco e é exactamente por isso que se impõe manter o artigo 257.º.
Quanto à argumentação do PSD, não farei nenhum processo de intenções nesta matéria nem vou afirmar que este partido quer atingir os poderes municipais ao propor

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a eliminação desta disposição. No entanto, o que parece evidente - e os Srs. Deputados concordarão - é que o desaparecimento das garantias constitucionais que neste momento existem e a remissão para a lei ordinária enfraquecem as garantias dos municípios face à regionalização. Ou seja, tornar-se-ia dependente do legislador ordinário aquilo que neste momento lhe está vedado. Isto é, passaria a ser possível ao legislador ordinário legislar no sentido de atingir os poderes municipais e a autonomia municipal por transferência para as regiões, o que, neste momento, é proibido. Ora, os Srs. Deputados certamente concordarão em que isto significa uma diminuição das garantias municipais que actualmente existem.
Pode defender-se a posição que se entender, mas creio que este entendimento é perfeitamente irrecusável: trata-se de degradar uma garantia, de retirá-la da Constituição, o que levaria qualquer maioria parlamentar de ocasião a poder atingir os poderes municipais. Certamente que os Srs. Deputados não contestarão este aspecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, é esta a primeira vez que uso da palavra numa reunião sob a sua presidência pelo que quero cumprimentá-lo pessoalmente pela sua tarefa nesta Comissão.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Gostaria de chamar a atenção para um único ponto.
A lógica do articulado que faz parte da proposta do PSD tem incluída a protecção das competências dos municípios e das suas atribuições tradicionais. É que, exactamente no artigo 255.º, começa por dizer-se que "A lei pode prever formas de regionalização administrativa no continente, a partir dos municípios e das respectivas associações ou federações (...)", portanto, a ideia é a de que a regionalização se faria de baixo para cima, isto é, a partir dos municípios. Claro que se o artigo ficou como estava, agora, a lógica tem de ser outra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que podemos dar por encerrada a discussão do artigo 257.º. Contrariamente ao que, por lapso, eu tinha indicado, não há nenhuma proposta de alteração. E não têm viabilidade as propostas de eliminação que foram apresentadas, dado não terem colhido o apoio do PS e do PCP.
Antes de passarmos ao artigo 258.º, tenho duas observações a fazer.
Deu entrada na Mesa um pedido no sentido de a reunião da manhã terminar às 12 horas e 45 minutos, o que defiro.
Por outro lado, tínhamos combinado que o início da reunião da tarde seria adiado de modo a permitir aos Srs. Deputados assistirem antes ao período de antes da ordem do dia da sessão plenária. Proponho, então, que nos reunamos pelas 16 horas e 15 minutos, supondo que, a essa hora, já terá terminado o período de antes da ordem do dia.
Pelo facto de amanhã ser dia feriado e de hoje ser véspera de dia de festa em Lisboa, recebi solicitações de vários Srs. Deputados no sentido de a nossa reunião da tarde terminar mais cedo. Assim, terminaremos hoje pelas 19 horas, pelo que peço a todos que tentem estar presentes às 16 horas e 15 minutos para que o nosso trabalho da tarde seja produtivo.
Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 258.º, relativamente ao qual foram apresentadas propostas de eliminação e de alteração.
As propostas de eliminação são congruentes com as propostas do PSD e do Partido Popular, pelo que pergunto se querem reiterar mais uma vez a lógica delas, que está explicada desde o princípio. Faço esta pergunta porque, por mim, suponho que não vale a pena, pois está adquirido que não têm viabilidade neste momento. Assim, proponho que passemos de imediato às propostas de alteração.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, está em desacordo com isto?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pelo contrário, Sr. Presidente.
Aliás, a lógica política é a de que procedamos à eliminação no nosso projecto de todos os artigos que têm a ver com a regionalização...

(Por não ter falado ao microfone, não é possível transcrever as restantes palavras do Orador).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos então à apreciação das propostas de alteração.
Se atendermos à ordem de entrada das propostas, interviriam em primeiro lugar os subscritores do projecto n.º 2/VII - Deputado Pedro Passos Coelho e outros. No entanto, como nenhum deles se encontra na sala, o Partido Social-Democrata vai ter dificuldade em desempenhar esse duplo papel de defender uma proposta de alteração e uma outra de eliminação...

Risos.

Assim, vou dar a palavra aos Deputados do Partido Socialista para apresentarem as propostas do projecto n.º 3/VII e, depois, dá-la-ei ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, primeiro subscritor do projecto n.º 8/VII.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, provavelmente, não haverá proposta contida no projecto de revisão constitucional do PS em que façamos menos empenhamento.
Como se vê nesta proposta, o seu conteúdo é pouco mais do que semântico porque visa apenas acrescentar uma referência qualificativa de "planos nacionais", onde apenas se fala de planos. Simplesmente, como tudo é por remissão para o artigo 92.º da Constituição, então, verdadeiramente, o alcance útil da estrutura de planeamento é a que ficar consagrada no referido artigo 92.º. Assim, a nossa proposta de inciso qualificativo dos planos vale o que vale e, se estiverem de acordo, poderá ficar para a verdadeira discussão em torno da estrutura do planeamento, quando falarmos do artigo 92.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputado, entendo bem se interpretar as suas palavras no sentido de que o PS retira a sua proposta de alteração?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quase, Sr. Presidente.

Risos.

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Tive um ligeiro pudor em dizê-lo, mas se o Sr. Presidente insistir...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta de alteração constante do projecto de revisão constitucional de que sou o primeiro subscritor tem como único objectivo deixar claro que as competências de planeamento das regiões não deveriam ser meras competências de planeamento económico e deveriam abarcar também competências de planeamento físico do território. Pensamos que isso deveria ficar desde logo fixado na Constituição, até para que nesta revisão constitucional se possa fazer algo que não está feito na Constituição em vigor e que é uma delimitação clara do âmbito das atribuições do Estado e das autarquias locais em matéria de ordenamento do território e de urbanismo.
Portanto, por esta via, deixar-se-ia claro um núcleo essencial de atribuições e competências das autarquias regionais, em matéria de planeamento físico do território e de ordenamento do território, como sendo algo de distinto das competências dos municípios em matéria urbanística. Julgo que seria útil que essa distinção fosse feita na Constituição, sendo certo que, nesta matéria, o essencial das nossas propostas consta do artigo 65.º e não propriamente do artigo 258.º, dado que é ao nível do primeiro que se propõe que essa distinção entre ordenamento do território e urbanismo fique clara, designadamente no que diz respeito à reserva das matérias urbanísticas para os municípios como matérias incluídas no conteúdo essencial da autonomia municipal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos perante uma proposta de aditamento de uma atribuição de elaboração de planos regionais de ordenamento do território às futuras regiões administrativas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Compreendo a intenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que é louvável, mas acho que se arrisca a alcançar um objectivo contrário àquele que proclama.
Digo isto porque, actualmente, a Constituição refere-se a planos regionais, sendo evidente, pelo menos para nós, que está a referir-se simultaneamente a planos de desenvolvimento económico e social e a planos de ordenamento do território. É relativamente pacífica entre quem defende a regionalização a ideia de que os planos regionais de ordenamento do território devem ser uma atribuição das regiões administrativas. Simplesmente, na situação actual, houve uma prática de multiplicar os planos de âmbito regional de ordenamento do território como, por exemplo, os planos de orla costeira, os planos de área protegida, etc. Isto é, actualmente, para além dos planos regionais de ordenamento do território, há uns tantos outros planos sectoriais, muito em particular na área do ambiente, com óbvia incidência em matéria de ordenamento do território e, portanto, a consagração desta alteração agora proposta levaria a restringir, quando o que se afirma é a necessidade de querer garantir.
Ou seja, as regiões ficariam com a garantia de participarem na elaboração dos planos regionais de ordenamento do território, de elaborá-los e aprová-los. Mas, por outro lado, perderiam a garantia, que também devem ter, de intervir numa série de outros planos que neste momento existem.
Naturalmente, podemos discutir - e eu discuto - que haja tantos planos. Diria mesmo que, actualmente, a lógica é a de cada Ministério e cada departamento ministerial fazer o seu próprio plano, particularmente no caso do Ministério do Ambiente. Mas a verdade é que ainda não há uma lei de bases de ordenamento do território que corrija esta situação, pelo que, de momento, é a que temos.
Portanto, repito que esta alteração agora proposta acabaria por levar a um efeito contrário ao que é pretendido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De facto, a discussão está a encaminhar-se para o que é o aspecto crucial desta disposição.
Perdoar-me-ão os Deputados que estão nesta sala e que foram Deputados constituintes - e corrigir-me-ão se disser algo errado - mas é meu entendimento que a redacção actual do artigo 258.º tem de ser vista no contexto histórico em que foi feita.
Ora, ao colocar-se aqui, simplisticamente - sem ofensa -, o termo "planos regionais"... (Digo "simplisticamente", nos termos que já aqui foram avançados, quer pelo Dr. Cláudio Monteiro quer pelo Dr. Luís Sá)... De facto, hoje em dia, está consagrada uma panóplia de instrumentos de planeamento de incidência regional que, aparentemente - e aqui está o ponto em que os Deputados constituintes me corrigirão se for caso disso -, seria insuspeita em 1975, aquando dos trabalhos de feitura da Constituição. E o legislador constituinte...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pedem-me para corrigi-lo.
O texto que refere não é o originário. Na redacção de origem as regiões não tinham competências para elaborar planos, apenas participavam na elaboração dos planos regionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agradeço a correcção, Sr. Presidente. Aliás, a "jurisprudência das cautelas" já me tinha aconselhado a solicitar correcção se fosse caso disso.
De qualquer maneira, quer o Dr. Cláudio Monteiro quer o Dr. Luís Sá, já expuseram a questão essencial, no caso de no texto constitucional ficar a expressão "planos regionais", sem mais. Como disse o Dr. Cláudio Monteiro, quanto a mim com toda a razão, a questão é a de saber se o texto não estará a incidir apenas sobre os planos de âmbito económico e a deixar de fora outros instrumentos de planeamento relativamente aos quais as regiões, uma vez criadas, têm de pronunciar-se necessariamente ou, como disse o Dr. Luís Sá, a questão será a de saber se não poderá cair-se no erro oposto, isto é, se se for identificar, caso a caso, onde intervirão os planos, poderemos correr o risco de estar também a deixar de fora algumas competências.
É por isto que penso que, até porque os instrumentos de planeamento podem evoluir, uma solução mais sensata seria talvez a de colocar neste artigo 258.º um inciso que remeta para a lei. Ou seja, para que a lei, ao consagrar

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instrumentos de planeamento, possa definir, em cada momento, se eles têm ou não de ter a participação decisiva de cada uma das regiões na sua aprovação ou na sua elaboração. É que se o texto constitucional não remeter para a lei, e uma vez que aquele não tem a mesma ligeireza de adaptação que tem a lei ordinária, à medida que forem sendo aprovados novos instrumentos de planeamento, corre-se sempre o risco de o preceito constitucional ficar eventualmente desactualizado.
Portanto, no âmbito das preocupações que foram colocadas, talvez fosse prudente colocar-se um inciso neste artigo 258.º que remeta para uma definição nos termos da lei a participação das regiões nos planos regionais. Desta forma penso que colmataríamos as preocupações suscitadas, quer pela proposta do Dr. Cláudio Monteiro quer pela do Dr. Luís Sá que chamou a atenção de que também não devemos cair no erro de, ao contrário, identificar quais são os planos e, depois, no futuro, aparecerem outros planos que ficam de fora.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, entretanto, inscreveu-se novamente. Para que efeito?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só para responder às interpelações, por assim dizer, dos Deputados Luís Sá e Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Então, vou seguir a primitiva ordem de inscrições e terá de aguardar a sua vez.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Também me permito notar que na última revisão constitucional ordinária, de 1989, fez-se um trabalho, que julgo positivo, no sentido de aligeirar de forma significativa uma distinção que então existia entre regiões administrativas e as respectivas funções e as chamadas "regiões-plano" que, de algum modo, tinham uma estrutura de sobreposição em relação às regiões administrativas.
A estrutura ficou muito mais aligeirada em sede constitucional e ficou claro que as regiões virão a ter competências próprias no domínio do planeamento regional e que virão a ter competências de participação nos trabalhos de preparação dos planos nacionais. É verdadeiramente isto que está consignado no artigo 258.º.
Acompanho algumas das preocupações do Sr. Deputado Cláudio Monteiro quanto ao alcance que esse esforço de planeamento deve ter. Tenho dúvidas partilhadas com as dos Srs. Deputados relativamente à utilidade da discrição constitucional dessas funções de planeamento. Por isso, talvez preferisse a manutenção do artigo 258.º, tal como está formulado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Obviamente, não insisto na proposta. Julgo até, pelo contrário, que a ideia de fazer esta proposta era também a de que o debate em sede de revisão constitucional permitisse de alguma maneira dar contributos importantes do ponto de vista da interpretação de algumas das normas constitucionais, não só estas que vamos rever mas algumas das vigentes.
Quanto à preocupação expressa pelo Deputado Luís Sá, devo dizer que, na minha perspectiva, o problema fundamental é o de que nem todo o planeamento físico do território se subsume à área de actividade administrativa normalmente designada por "ordenamento do território". O planeamento físico do território sectorial - o turismo, a habitação, o ambiente, a administração portuária, etc. - não se subsume ao que normalmente se designa por ordenamento do território, da mesma forma que aquilo que normalmente se designa por ordenamento do território não se confunde com urbanismo.
Ora, quanto a mim, esta proposta tem na origem uma deficiente interpretação daquilo que tem sido feito pelo legislador, designadamente nos últimos 10 anos, no que se refere às referências que a Constituição contém nos artigos 9.º e 65.º a propósito do ordenamento do território. É que, a pretexto da confusão entre conceitos como ordenamento do território, urbanismo e planeamento físico do território, tem-se permitido que, progressivamente, o Estado tenha vindo a invadir não só a área de competência das autarquias locais através das suas próprias atribuições e competências em matéria de ordenamento do território como se tem permitido, inclusive, distribuir essas competências em matéria de ordenamento do território por outros organismos da Administração Central que, prosseguindo atribuições sectoriais ou específicas, não teriam, em princípio, competências de planeamento com o alcance que porventura se dá a estas em matéria de ordenamento do território.
Portanto, esta proposta tinha como dupla função garantir a atribuição das regiões administrativas em matéria de ordenamento do território mas, simultaneamente, contribuir para a distinção entre as áreas de actividade da Administração em matéria de ordenamento do território e urbanismo e, por essa via, garantir também a autonomia municipal em matéria de atribuições urbanísticas.
Independentemente das minhas dúvidas, já manifestadas, repito que não insisto na proposta e que, seguramente, não haveria consenso para levá-la por diante.

O Sr. Presidente: - Isso significa que a proposta é retirada?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Retirada, sim.

O Sr. Presidente: - No entanto, ficou no ar uma sugestão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes no sentido de aditar o inciso "nos termos da lei" a seguir à expressão "planos regionais"...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, é a seguir a "elaboram".

O Sr. Presidente: - Então, o inciso será "elaboram nos termos da lei", a seguir a "planos regionais".
Srs. Deputados, esta sugestão é acolhida ou deixada cair?

(Por ter havido sobreposição de vozes, não é possível transcrever as palavras dos Oradores).

O Sr. Jorge Lacão (PS): - (...) mas nós também apresentámos alterações ao artigo 92.º. Quando lá chegássemos veríamos isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, Dr. Jorge Lacão, de qualquer maneira, essa parte do artigo 92.º é relativa à participação na elaboração dos planos, o que é diferente.

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É que a primeira parte do artigo 258.º estabelece que as regiões administrativas "elaboram planos regionais" e a segunda parte diz que "participam na elaboração" dos outros instrumentos previstos no artigo 92.º. Portanto, são coisas distintas.
Ou seja, a parte final do artigo 258.º está consignada ao artigo 92.º e diz respeito a uma participação, enquanto a primeira parte diz respeito à elaboração. Portanto, parece-nos que a República deve poder enquadrar através de legislação esta forma de elaboração dos planos regionais porque, no limite, de hoje para amanhã, as regiões constituídas podem elaborar planos de natureza regional como bem entenderem sobre as matérias que entenderem. É evidente que falo de uma situação limite...

O Sr. José Magalhães (PS): - No limite!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, no limite!
Portanto, não vejo que não seja prudente....

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sempre seria no limite dos "planos nacionais"...

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sabe-se lá, Sr. Presidente! Os actos separatistas não são originais em Portugal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Salvo melhor opinião, não fiquei convencido. Acho que a benfeitoria é inútil.
Apesar de tudo, como temos de trabalhar em conexão com a precisão de redacção do artigo 92.º, para o qual julgo que teremos ocasião de encontrar consensualmente uma nova redacção, se, por efeito dessa redacção que tem referência às funções de planeamento regional, viesse a revelar-se necessário o inciso agora proposto, não deixaríamos de poder admiti-lo. Para já, parece-nos prematuro e, por agora, até nos parece desnecessário. No entanto, se estiverem de acordo, deixaríamos a questão em aberto por agora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Creio que o entendimento do artigo 258.º que há até agora, e que sempre houve, é o de que os planos regionais que aqui estão referidos são os planos regionais que se articulam nos termos do artigo 92.º. Isto é, eram planos de desenvolvimento económico e social e não outros.
Ora, o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro tinha um certo sentido: aditava um tipo de plano e não outros tipos - e isto foi muito bem observado - pois, mais tarde, isso poderia levantar problemas. Mas a partir do momento em que com este registo passou a ficar subentendido que quando se fala em planos regionais se fala não só nos planos de desenvolvimento económico e social mas também noutros, creio que tem algum sentido acautelar que esses outros planos têm de ser geridos no quadro de uma lei. Pelo menos, seria prudente pensar que o limite da lei é um limite de funcionamento dos poderes discricionários da região em matéria de outros planos, como, por exemplo, os planos de ordenamento.
Se é dito que isso está aqui implícito, então que fique registado que está implícito. Se há dúvidas sobre se está implícito, penso que vale a pena fazer alguma reflexão sobre isto.
De facto, não estamos aqui a discutir o alfa e o omega dos problemas da revisão constitucional mas, como temos de ir conversando sobre algumas questões que vão surgindo, esta é uma das que valeria a pena cuidar um pouco antes que se progrida sem antes nos termos debruçado sobre as consequências da opção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - O Sr. Deputado João Amaral só tem razão parcialmente no sentido em que os tais outros planos a que se referia o Deputado Luís Sá serão planos com incidência no desenvolvimento socio-económico da região mas são, seguramente, planos da responsabilidade da Administração Central e, designadamente, de sectores específicos desta, os chamados planos sectoriais. É por essa razão que na minha proposta não se fazia referência a outros planos que não os de ordenamento do território.
É que, no próprio artigo, há a distinção, que se mantém na minha proposta, segundo a qual uma coisa é os planos que são da competência dos órgãos das regiões e que, portanto, se incluem nas atribuições destas e outra coisa é a participação no processo de planeamento central...

O Sr. João Amaral (PCP): - Deixe-me fazer-lhe uma pergunta muito concreta.
A posição que está a assumir é a de que, em matéria de ordenamento, há um planeamento nacional e um planeamento regional? Ou é a de que o planeamento regional esgota a actividade de planeamento?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em matéria de ordenamento do território, a definição das respectivas políticas é também de responsabilidade partilhada pela Administração Central o que não significa que o planeamento, em matéria de ordenamento do território, não seja transferido para as regiões. Aliás, é o que consta dos vários projectos de lei em matéria de regionalização.
O que digo é que os outros planos a que se referia não são planos de ordenamento do território. Os designados "planos especiais de ordenamento do território" são impropriamente designados como tal porque são planos com incidência territorial mas visam prosseguir atribuições específicas ou diferenciadas da Administração Central, designadamente na área do turismo, da habitação, do desenvolvimento portuário, do ambiente, etc. Relativamente a esses planos, no que se refere às regiões administrativas, quando muito, o que se pode prever é a sua participação no respectivo processo de elaboração sempre que estes lidem com interesses que possam interferir com os interesses próprios das regiões. Mas, relativamente a esses planos, não está obviamente em causa a transferência das atribuições do Estado para as regiões administrativas.
O mesmo não sucede no que se refere ao ordenamento do território, enquanto área de actividade administrativa como tal. Essa, sim, será doravante partilhada entre o Estado e as regiões administrativas. Aliás, tem sido matéria reservada ao Estado, pela circunstância de, em Portugal,

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não estar ainda concluído o processo de regionalização. Agora, o que também se deve dizer a esse propósito é que o ordenamento do território e o urbanismo não são conceitos que se confundam...

Uma voz não identificada: - Não estou a confundi-los!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas o legislador durante 10 anos confundiu-os, precisamente porque a Constituição, não se referindo expressamente ao urbanismo, refere-se às competências e atribuições do Estado em matéria de ordenamento do território, quer a propósito das tarefas fundamentais do artigo 9.º, quer a propósito das tarefas em matéria de ambiente do artigo 65.º. Foi só por essa razão que a precisão foi feita, tal como é feita noutros preceitos do nosso projecto, para que fique clara essa transferência de responsabilidades e essa distinção conceitual entre ordenamento do território, planeamento físico do território de carácter sectorial e planeamento urbanístico. São três áreas distintas de actividade administrativa e que não se podem confundir.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para fazerem perguntas, os Srs. Deputados Alberto Martins e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostava que me esclarecesse a pretensão que apresentou, no sentido de fazer acrescer à matéria das regiões administrativas a expressão "elaboram planos regionais, nos termos da lei".
Estou de acordo com o que já foi dito pelo meu colega Jorge Lacão, mas, de qualquer forma, gostaria que me precisasse a dúvida que suscita esse seu acrescento e que radica no seguinte: em que é que esse acrescento pode superar a dificuldade e resolver aquilo que já foi referido e que é óbvio, que é o facto de a elaboração dos planos regionais ter obediência ao princípio da legalidade, obviamente, e ao princípio da separação de poderes e de competências entre os órgãos autárquicos? Em que medida é que estes dois princípios, que são objectivamente consagrados, quer na Constituição, quer na lei ordinária, em termos de competência, ficarão acrescidamente salvaguardados por esse inciso? Ou, pelo contrário, como foi dito, isso é manifestamente supérfluo e está já garantido por estas "âncoras" que temos no nosso ordenamento normativo?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, do meu ponto de vista, juridicamente, a questão deve ser colocada nos seguintes termos: é evidente, para todos nós, que os planos regionais, sejam eles quais forem, até para terem eficácia externa, têm de ser aprovados por instrumentos legais. E, ao serem aprovados por instrumentos legais, só podem ser aprovados pelo Governo ou pela Assembleia da República. Não passa pela cabeça de nenhum de nós que isto que aqui está esteja a cometer competência legislativa às regiões. Portanto, as regiões podem elaborar os planos, mas esses planos, para terem eficácia vão ter de ser aprovados ou por um diploma do Conselho de Ministros ou por um diploma desta Assembleia, porque são os únicos órgãos com competência legislativa.
Ora, parece-me evidente que devemos evitar que, depois, possa haver atritos relativamente a uma competência que se está a conferir, na Constituição, às regiões para a elaboração dos planos - porque o processo das regiões é um processo sensível e delicado -, que têm de ser submetidos aos órgãos de soberania para a sua aprovação e entrada em vigor, porque estamos num Estado de direito e não está em causa um documento que seja aprovado pela junta regional e que tenha eficácia externa, pois só terá eficácia externa no momento em que entrar no ordenamento jurídico, ou seja, quando for aprovado por um diploma governamental ou da Assembleia da República. Se o procedimento vai ter de ser este, em termos de processo legislativo, passe a expressão, ou em termos de consagração jurídica dos planos, parece-me prudente que se refira, desde já, na Constituição, que esta elaboração deve ser feita nos termos do enquadramento legal que está definido pelas leis da República, ou que será definido, uma vez que ainda poderá vir a ser ajustado e poderá ser ajustado sucessivamente, conforme a natureza das coisas, que, naturalmente, vão evoluindo.
Portanto, não discordo daquilo que o Dr. Jorge Lacão ou o Dr. Alberto Martins referiram, quanto à evidência de o princípio da legalidade ser um princípio sempre existente, como também entendo que existirá sempre o princípio de que nada pode ser feito contra a Constituição. São as regras básicas do nosso Estado de direito! Agora, numa matéria sensível como esta, e uma vez suscitado pelo Dr. Cláudio Monteiro e pelo Dr. Luís Sá, e bem, que, depois, na aplicação desta norma, poderá haver algumas dúvidas sobre os planos que estarão em causa e sobre a definição em concreto que deve presidir à elaboração destes planos, então, mais vale deixar claro no texto constitucional - parece-nos ser a sede adequada - que terá de haver um enquadramento geral das leis da República e que esta competência, que é cometida às regiões para a elaboração dos planos, terá de ser exercida dentro desse enquadramento legal. Até porque se não for assim, depois, corremos o risco de, na prática, vermos planos elaborados por regiões que são submetidos ao Governo ou à Assembleia da República para serem aprovados e entrarem em vigor e surgirem impasses, isto é, a Assembleia ou o Governo batem o pé, dizendo que aquilo não está conforme, e as regiões dizem que não, que a competência para elaborar o plano é apenas delas, não está delimitada na Constituição e querem que o plano seja aquele.
Portanto, haveria vantagem...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado, permita-me uma interrupção.
Os planos regionais estão sujeitos à tutela do Governo e da Assembleia?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não se trata de estarem sujeitos à tutela, pelo menos não é essa a visão que o PSD tem estado a demonstrar sobre o assunto.
O entendimento que tenho é o de que as regiões vão ter poder legislativo. E é evidente que instrumentos de planeamento... Ó Sr. Doutor, para os instrumentos de planeamento terem eficácia externa num Estado de direito têm de estar regulados por um dos diplomas previstos no artigo 115.º. Portanto, se não cometemos competência legislativa às regiões para esta matéria, é evidente que vão ter de ser aprovados.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PS): - Srs. Deputados, permitam-me também uma intervenção para procurar pôr alguma disciplina na discussão.
Pessoalmente, parece-me seguro o seguinte: actualmente, a Constituição atribui directamente às regiões poder para elaborar planos regionais, seguramente planos de desenvolvimento económico e social e, eventualmente - aliás, essa interpretação fez aqui carreira -, planos de outra natureza, nomeadamente de ordenamento.
Por outro lado, também me parece seguro afirmar que essa competência planificatória das regiões surge sempre no quadro, primeiro de uma lei disciplinadora dessa atribuição, segundo, no quadro dos planos nacionais, quer económico-sociais, quer de ordenamento.
A Constituição é clara, logo no artigo 9.º, ao atribuir ao Estado a incumbência, e não é uma simples competência, de um correcto ordenamento do território. No artigo 66.º, a Constituição estabelece que incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por iniciativas populares, ordenar e promover o ordenamento do território. No artigo 92.º, apenas para os planos de desenvolvimento económico-social, refere que os planos estaduais contêm as orientações fundamentais dos planos sectoriais e regionais.
Portanto, o estado actual da Constituição, a meu ver, não deixa dúvidas sobre o necessário enquadramento dos poderes planificatórios regionais, seja numa versão restrita dos planos económico-sociais, seja numa versão plurifacetada de outras vertentes planificatórias, nomeadamente de ordenamento.
O que também me parece seguro é que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não tem razão quando diz que um plano regional careceria de aprovação legislativa estadual. Não consta que, na Constituição, os planos sejam matéria de reserva de lei, pelo que os planos regionais, tal como os municipais, são aprovados por deliberação regional, bastando para isso que esteja previsto na Constituição e que a lei-quadro das regiões o preveja. Não me parece que a dificuldade resida nisso.
O escopo ou o objectivo pretendido pela proposta de aditamento do Deputado Luís Marques Guedes, se se entender que, por cautela, deve haver um enquadramento legislativo da capacidade planificatória das regiões, não traz qualquer mal ao mundo. Aliás, talvez haja vantagem em acrescentar esse inciso, se se quiser exactamente clarificar esse ponto. Pela minha parte, penso que isso está implícito na Constituição, mas não será supérfluo acrescentá-lo, uma vez que tem um efeito de precisão e cautela, embora julgue que não é estritamente necessário.
O que me parece é que não vale a pena estarmos a discutir coisas que, a meu ver, não vêm ao caso. E, sinceramente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, julgo que não tem razão no último ponto que abordou. Acrescenta uma dificuldade inexistente e iria perturbar desnecessariamente o debate. Se as regiões têm já hoje poderes planificatórios, têm-nos como poderes próprios e, portanto, aprovam elas mesmas os respectivos planos.
Outra coisa é saber se os planos regionais se enquadram no plano nacional, quer económico, quer de ordenamento nacional do território, que é da competência constitucional do Estado. Isto também parece claro! O que pode não estar claro ou ser problemático é o seguinte: caso o Estado queira exarar um poder de tutela aprovatória, por exemplo, do plano regional, isso cabe ou não no actual contexto constitucional? Pessoalmente, penso que sim, mas, para quem tenha dúvidas e entenda clarificar esse ponto, seria conveniente acrescentar o inciso "nos termos da lei", na medida em que até deixaria margem para incluir nos poderes de tutela estadual sobre as regiões a possibilidade de aprovação do plano regional.

Neste momento, reassume a presidência o Sr. Presidente Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos os Srs. Deputados José Magalhães, Jorge Lacão, Luís Sá e Barbosa de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, no sentido de procurar destrinçar entre aquilo que suscita natural polémica e aquilo que tem sido objecto de hermenêuticas concordantes e, até agora, não polémicas e, portanto, "não-questões", gostaria de aditar alguns considerandos àquilo que V. Ex.ª acaba de deixar em acta.
Em primeiro lugar, suponho que devemos ter em atenção o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea m), da Constituição, que comete à Assembleia da República, como competência na área da reserva relativa, a definição do sistema de planeamento. Sobre esse aspecto não há qualquer dúvida razoável!
Portanto, quanto à capacidade enquadratória pela Assembleia da República de todo o sistema, não se suscitam quaisquer dúvidas e, por isso, não é necessário estarmos sempre a referir que a Assembleia da República tem de intervir sob forma de lei, porque é óbvio que tem de intervir sob forma de lei quanto aos travejamentos.
Quanto ao alcance deste artigo no que se refere à admissibilidade de outras formas e modalidades de intervenção racionalizadora, ordenadora e, num sentido lato, planeadora, também suponho que não se suscitam dúvidas relevantes. No entanto, gostaria de chamar à atenção para uma proposta de densificação do quadro constitucional, apresentada pelo PS numa outra sede. Não está a ser aqui referida, mas creio que é útil fazer-lhe menção. No artigo 92.º, propõe-se a incorporação de uma norma sobre aquilo a que se chama planos de desenvolvimento regional, por aditamento de um n.º 2, nos seguintes termos: "Os planos de desenvolvimento regional são elaborados pelas juntas regionais, traduzem as opções dos planos regionais e concretizam os contratos-programa estabelecidos entre a administração central e a administração regional".
É óbvio que esta densificação é filha da concepção que está subjacente ao projecto de revisão constitucional do Partido Socialista. A concepção que está subjacente ao projecto de revisão constitucional do PSD é de descarga constitucional e de supressão de comandos nesta área. Portanto, o PSD não só não tem nenhuma norma neste sentido como tem uma norma de descarga de alguns aspectos, o que, aliás, é contraditório com a tendência que o Sr. Deputado manifestou agora, no sentido de uma carga densificadora e precisadora, embora isso não seja criticável em absoluto.
Gostaria de lançar luz sobre este aspecto e de sublinhar que, excluídas duas teses, que são a tese da descarga absoluta e a tese da rescrita global, a proposta inicial do Partido Socialista mais relevante nesta matéria é a que consta do artigo 92.º, n.º 2, uma vez que a que está nesta sede é puramente semântica, é de uma clarificação inteiramente óbvia.

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Pergunto: os Srs. Deputados acham preferível regular esta matéria dos planos regionais em sede de título constitucional sobre as regiões - no fundo, parecia ser essa a tendência que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes agora demonstrava, ao mostrar-se preocupado com a clareza e com a riqueza do normativo constitucional nesta parte - ou será melhor reservarmos a questão para o artigo 92.º? Continuo a entender que talvez seja melhor reservarmos isto para o artigo 92.º, mas feita uma viagem clarificadora, na qual se explicite, em primeiro lugar, que o legislador ordinário não é totalmente livre mas tem um espaço de liberdade, ou seja, pode inventar planos de ordenamento do território, pode inventar planos ambientais, pode inventar toda a espécie de figuras racionalizadoras, dentro dos limites da Constituição e clarificadora, em segundo lugar, de que o espaço da nossa polémica, descontadas as teses extremas, está bem, bem, bem estabelecido e, se calhar, não há qualquer polémica, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a título de esclarecimento e porque me foi chamada a atenção pelo Sr. Deputado João Amaral, permito-me dizer algumas coisas.
Nos projectos de regionalização que estão em discussão na Assembleia refere-se o seguinte: no projecto do PCP, estabelece-se que "No plano do ordenamento do território, as regiões administrativas deverão: (...) Elaborar e executar o plano regional de ordenamento do território e submetê-lo à ratificação dos organismos competentes da administração central (...)"; no projecto do PS, o projecto n.º 136/VII, refere-se, no artigo 30.º, que "Os planos regionais de ordenamento do território são elaborados e aprovados pela região. (...) A elaboração dos planos regionais de ordenamento do território obedece às normas nacionais sobre ordenamento do território, respeita as condicionantes estabelecidas e carece de ratificação do Governo destinada a garantir a sua compatibilidade geral. (...)". Pergunto: estas normas seriam inconstitucionais, em face do actual texto da Constituição? Digo seguramente que não, sem necessidade de aditamento do inciso proposto pelo PSD.
Portanto, fico no estado em que me encontrava à pouco e proponho que nos limitemos à seguinte questão: há ou não vantagem forte ou necessidade deste aditamento?
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: "Bebo" nas boas considerações dos Srs. Deputados que acabaram de se referir ao tema, reporto-me às minhas considerações iniciais sobre esta questão e digo que continua a parecer-me inútil a proposta de inciso apresentada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. No entanto, gostaria que pudéssemos manter a proposta pendente, se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes nisso convier, até ao momento da precisão definitiva do alcance do artigo 92.º, porque, como já foi aqui sublinhado, nesse artigo há matéria que contende com as funções de planeamento regional. E de duas uma: ou fazemos agora uma abertura para a discussão integral do artigo 92.º, o que não me parece metodologicamente asado, ou deixamos pendente uma eventual precisão do artigo 258.º, depois da precisão definitiva do artigo 92.º.
Esta é a minha proposta de método e, neste sentido, se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes aceitar, a sua proposta ficará pendente para uma opção final.

O Sr. Presidente: - Em face desta proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão, isto é, de deixarmos de remissa esta questão, até à apreciação do artigo 92.º, propunha que encerrássemos esta discussão por aqui.
O Sr. Deputado Luís Sá estava inscrito para usar da palavra. Mantém a sua inscrição?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Talvez, Sr. Presidente, se me permitir...

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Não estava a fazer qualquer pressão para prescindir. Gostaria que tivesse prescindido, mas...

Risos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas, como estávamos a analisar vantagens, talvez tenha alguma utilidade para os trabalhos sublinhar também um risco, de modo a ficar devidamente arredado, no caso de a opção ser num determinado sentido.
Hoje, quando encaramos os sete tipos de planos especiais que existem, deparamo-nos com o seguinte quadro: há planos directores municipais, que são ratificados em Conselho de Ministros e que, para além disso, são acompanhados permanentemente por uma comissão nomeada pela administração central; há, eventualmente, planos regionais de ordenamento do território; há sete tipos de planos especiais, da mais variada natureza. Não são todos sectoriais - por exemplo, como é sabido, os planos ambientais, os planos de orla costeira e até os planos de portos não são estritamente sectoriais, pelo contrário -, e afirma-se que prevalecem sobre os planos directores municipais. Qual foi o comportamento da parte do legislador? Foi o de obrigar a fazer planos directores municipais, com todos os custos que isto implica, inclusive o do envolvimento de toda a população, e, ao mesmo tempo, subtrair partes do território, às vezes muito extensas, à administração municipal, isto é, aos próprios planos directores municipais ratificados em Conselho de Ministros.
Ora, o risco que pode haver nesta matéria é o de se entender uma remissão para a lei como uma permissão da exclusão pela lei de partes mais ou menos significativas do território, a título, ou pretexto, de planeamento sectorial ou ambiental. Este é um aspecto que, de todo em todo, deve ser arredado; isto é, se prevalecer a ideia de que convém haver remissão para a lei, creio que deve ficar inteiramente claro que esta remissão exclui completamente a possibilidade de multiplicação de planos especiais que acabem, no fim de contas, por subtrair tudo aquilo que é importante à actividade de ordenamento do território e de planeamento da região, da forma que já aconteceu em relação ao município.

O Sr. Presidente: - Fica feito o seu alerta, Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, em geral, a cautela foi suscitada e os espíritos ficaram atentos a esta questão. Julgo que estas cautelas se podem reportar não apenas ao artigo 92.º - o artigo 92.º tem uma concepção de planeamento muito restritiva -, pois a alínea m) do artigo 168.º também fala do sistema de planeamento. E talvez seja conveniente também aí, quando falarmos do sistema de planeamento, saber a que planeamento se refere este artigo.

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Portanto, todas estas cautelas se podem reportar a outras áreas constitucionais, mas o que é certo é que, em muitas situações, a Constituição introduz a expressão "nos termos da lei", e por razões que, às vezes, não têm muito a ver com a lógica jurídica geral mas com a prática pressionante da política.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica, então, acolhida a proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão para discutirmos esta questão juntamente com o artigo 92.º.
Estaremos, no entanto, certamente, todos de acordo que a sugestão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes teve a virtude de permitir a clarificação de uma série de questões que, de outro modo, porventura, iriam reaparecer recorrentemente.
Passamos, agora, à discussão do artigo 259.º. Há duas propostas de eliminação, uma do PSD e outra do PP, mas suponho que, mais uma vez, podemos passar sobre elas, visto que se devem dar como prejudicadas.
O mesmo se diga sobre o artigo 260.º.
Srs. Deputados, peço desculpa, mas reparo que o Sr. Deputado Paulo Portas se encontra sentado entre os Srs. Deputados do PS e os Srs. Deputados de Os Verdes, pelo que aproveito para lhe dizer que tem um lugar à minha esquerda, sendo certo que faz parte da Mesa.

Risos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Registe-se em acta que o Sr. Deputado Paulo Portas não protestou pelo lugar à esquerda!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao que isto chegou!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Continuando: em relação ao artigo 261.º, também podemos dizer a mesma coisa quanto às propostas de eliminação, mas não quanto às propostas de alteração.
Para apresentar as propostas do PS para o artigo 261.º, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Srs. Deputados, na presença de uma aparente simplicidade, gostava de chamar à atenção para uma matéria que é delicada e que tem implicações mais vastas no sistema de Governo do conjunto das autarquias.
O problema, se o consigo sintetizar bem, é o seguinte: temos hoje formulações constitucionais distintas para o processo de formação dos vários órgãos autárquicos, de tal forma que o processo de formação da câmara municipal é distinto do da freguesia e, por sua vez, ambos são distintos da previsão constitucional para a formação da junta regional. Trata-se de dar um contributo que seja consistente para a unificação do processo de formação dos executivos nos vários planos em que as autarquias locais se situam.
Suponho que o PSD também tem uma preocupação assinalável nesta matéria, com a diferença de que o PSD opta por uma solução que não é, na verdade, coincidente com a do Partido Socialista.
Antes de passarmos à questão de conteúdo e de mérito das soluções propostas, gostaria de vos propor a seguinte reflexão: a solução a adoptar para a junta regional deveria poder resultar de uma opção de fundo coincidente com as soluções que pudéssemos escolher quer para a freguesia, quer para a câmara municipal, de modo a dar uma coerência ao sistema de governo autárquico. Esta, a meu ver, é uma primeira chamada de atenção sobre a qual gostaria que nos pudéssemos pôr de acordo, ou seja, quanto à constatação de que o que faz sentido é que a Constituição trate de forma coerente e idêntica a formação de governo nos vários planos autárquicos, isto é, freguesia, município e região, e, já agora, também um pouco por decorrência, nas próprias regiões autónomas, no processo de formação da junta regional, embora admitindo aí alguma especificidade própria da autonomia regional.
Posto isto, qual é a opção para a qual o Partido Socialista aponta? A opção, que, democraticamente, nos parece ser a mais defensável, por um processo de formação indirecta dos executivos, com dependência política e de confiança relativamente aos respectivos órgãos colegiais. Hoje não sucede assim no caso das câmaras municipais, como todos sabemos, que resultam de um processo de eleição directa. Porventura, as minhas palavras não acolherão a unanimidade de pontos de vista à volta da Mesa, mas este processo, a meu ver, é um processo muito esgotado, hoje em dia, no nosso sistema de governo autárquico.
O sistema de governo do município, tal como se configura hoje, é, do meu ponto de vista, repito, um sistema com aspectos que deveriam ser muito considerados quanto à necessidade da sua revisão. Como sabemos, a câmara municipal resulta de uma eleição directa, o que leva à fixação, por período de mandato, de todos os membros do executivo recrutados de acordo com o princípio da proporcionalidade. Isto, na minha opinião, gera alguns defeitos: o excesso de peso partidário na formação dos executivos camarários, que resulta do facto de as listas, como sabemos, serem fruto de uma exclusiva configuração partidária; a proporcionalidade de fazer o recrutamento de acordo com a proporção expressa pelos eleitores na fixação dos executivos; a manutenção de uma regra fixista, sem dependência da confiança da assembleia municipal. A consequência, do meu ponto de vista, é que os executivos camarários muitas vezes não obedecem, nem à dependência de confiança política que era suposto obedecerem relativamente ao órgão colegial autárquico nem à possibilidade de o presidente da câmara em funções poder configurar um executivo de acordo com regras de eficácia e de solidariedade interna a esse mesmo executivo.
Por este conjunto de razões propendemos a alterar o sistema municipal para o processo da formação indirecta e por esse conjunto de razões achamos que em coerência assim deve processar-se na freguesia e na região administrativa.
Levanta-se-nos aqui um outro problema para o qual gostaria de chamar a vossa atenção. Sabemos que, quer a assembleia municipal quer a assembleia regional, têm um critério de dupla composição porque em parte resultam da eleição directa de membros, que são eleitos através das listas que foram sufragadas e, por outro lado, têm uma composição que resulta de um direito de participação por inerência, no caso de assembleias municipais, dos membros presidentes das juntas de freguesia e, no caso das assembleias regionais futuras, da parte de representantes das assembleias municipais da respectiva área regional.
Ora bem, o problema que se configura na formação indirecta dos executivos é saber se estamos ou não perante um problema de eventual distorção da vontade dos eleitores

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expressa de forma directa no momento da validação dos executivos e da determinação das regras de confiança para o normal funcionamento desses executivos.
É em vista deste conjunto de problemas que o Partido Socialista procura uma solução coerente para todos eles. A solução coerente, como vos disse, aponta para um processo de formação indirecta e introduz a aplicação da moção de censura construtiva como factor de estabilização no funcionamento dos executivos face à dependência política relativamente aos respectivos órgãos colegiais. Esta fórmula geral o Partido Socialista apresenta-a para todos os órgãos autárquicos no seu artigo 241.º, o que quer dizer que a boa compreensão daquilo que estamos a propor para o artigo 261.º, na junta regional, deve ser também apreciado à luz do que propomos no artigo 241.º para o sistema de governo autárquico.
Nesse sentido, o problema que vos coloco, Srs. Deputados, é saber se aceitariam, a propósito da configuração da solução para a junta regional, podermos inserir aqui uma apreciação geral da proposta do Partido Socialista e das vossas próprias propostas, no que diz respeito ao sistema de governo das autarquias locais, uma vez que a região administrativa, como sabemos, é também uma autarquia local.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção para a questão levantada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. A proposta do Partido Socialista relativa à junta regional ter a ver com a proposta geral do mesmo partido relativa ao executivo de todas as autarquias locais, ou seja, juntas de freguesia, câmaras municipais e juntas regionais, cujo sistema seria uniformizado. Portanto, o que o Partido Socialista propõe, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, é que esta questão seja discutida articuladamente com o artigo 241.º.
Pessoalmente chamo a vossa atenção para que, além das propostas dos partidos, existem propostas de cidadãos que estão pendentes, designadamente do Professor Jorge Miranda, e a minha sugestão é que, esgotadas as propostas partidárias, passemos em revista as que são feitas pelos cidadãos e vermos se algum partido as adopta para efeitos de discussão naqueles casos em que há propostas partidárias relativas aos artigos a respeito dos quais os cidadãos as propõem. Feito este pré-anúncio relativo às propostas dos cidadãos, está na Mesa a proposta do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Inscreveram-se os Srs. Deputados Paulo Portas, Luís Marques Guedes e Luís Sá.
Sr. Deputado Paulo Portas, quer começar por se referir a esta questão metodológica ou pretende fazer uma intervenção de fundo?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero fazer uma tentativa para chamar a atenção ao Sr. Deputado Jorge Lacão para um problema que acho que nasce no artigo 260.º e prossegue no artigo 261.º e que acho que o Partido Socialista não resolve ou resolve menos bem. Refiro-me à possibilidade de se estar a consagrar que o presidente da junta regional governe a região contra a sua vontade.

O Sr. Presidente: - Contra a sua, de quem?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Contra a sua própria vontade política no sentido de...
Como a legitimidade da assembleia regional é compósita e nasce, quer de uma legitimidade regional directa quer de uma legitimidade municipal, quem faça alguns cenários não de todo improváveis nas várias regiões previsíveis, chegará facilmente à conclusão de que o voto directo será, provavelmente, diferenciado do voto que resulta da legitimidade municipal...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é desejável?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estou apenas a salientar que as pessoas podem ir votar para a região, votam de determinada maneira, a maioria que se forma na assembleia regional é diferente do voto que foi dado directamente e a pessoa que tem que governar a região é obrigatoriamente aquela que resulta do voto directo. E este problema é um problema sério. E isto vai suceder em várias das regiões - não quero entrar nessa discussão porque não é aí que estamos, não estamos a discutir as regiões em concreto - e , portanto, os eleitores vão-se sentir parcialmente defraudados por um lado e os partidos políticos vão ser obrigados... Designadamente, creio, que em várias regiões o n.º 1 mais votado vai ser obrigado a governar com um partido que não é o dele porque a maioria da assembleia regional não é, provavelmente, a maioria do voto directo.
Quero apenas chamar a atenção de que este princípio que é obrigatório que o presidente da junta seja o primeiro da lista mais votada pode consagrar uma distorção obrigatória.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Paulo Portas tratou da questão de fundo, mantém-se aberta a questão metodológica. Penso que a proposta do Deputado Jorge Lacão é praticamente obrigatória e que temos que discutir em sede do artigo 261.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, sobre a questão metodológica só não concordo por uma razão muito clara que é a seguinte. Já há pouco estive para fazer esta intervenção a propósito do artigo 92.º mas como era, como o Sr. Presidente teve a bondade de clarificar, apenas uma questão de precisão e não uma questão fundamental, não me pareceu de insistir. Todavia, aqui sou obrigado a insistir porque começo a ficar com a ideia de que o Partido Socialista não quer acabar esta questão da regionalização, fechá-la, arrumá-la, quer começar a trazer à colação todo o capítulo das autarquias, ainda por cima capítulo no qual nós todos temos propostas muito divergentes, nomeadamente, relativamente ao artigo 241.º e em que, como sabe, o Partido Social Democrata tem uma proposta perfeitamente divergente da do Partido Socialista. Assim, parece-nos que isso só irá atrasar o debate e só irá levar a que o dossier da regionalização, para o qual tínhamos dado a abertura para acertar o artigo 256.º no início desta reunião no sentido de se fechar rapidamente, não se arrume nunca mais.
Portanto, não estamos de acordo com essa proposta metodológica porque nos parece que ela vai trazer à colação um dos capítulos fundamentais desta revisão constitucional que é o problema da homogeneidade dos executivos camarários e essa matéria, aonde há propostas divergentes de todos os partidos, só terá o condão, do

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nosso ponto de vista, e é essa a preocupação que nos leva a não aceitar esta proposta metodológica, de não se conseguir rapidamente, tão rapidamente como o PSD desejaria, encerrar o processo relativo à regionalização para que se possa fazer o referendo.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não sei bem, era para ter ocasião de me pronunciar sobre a questão metodológica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há uma inscrição anterior. Se é para uma intervenção, tenho de dar a palavra ao orador inscrito.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tencionava abordar o problema metodológico mas não quero prejudicar quem estiver inscrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão apenas a questão metodológica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que é obrigatório discutir o artigo 241.º se se partir do princípio que tem que haver uma identidade de regimes para os vários níveis de autarquias locais. Na minha óptica não tem.

O Sr. Presidente: - Claramente que não!

O Sr. Luís Sá (PCP): - E toda a argumentação, por exemplo, do Deputado Jorge Lacão, foi no sentido da defesa da identidade daquilo que chamou "sistemas de governo" das autarquias locais quando eu, pelo contrário, julgo que a diferente natureza aponta para diferentes "sistemas de governo". Se se juntar a isto, ainda por cima, as regiões autónomas mais complicada a questão ficaria.
Ora bem, esta lógica de discutir a moção de censura construtiva neste quadro apontaria eventualmente também para discutir a questão da moção de censura a propósito do sistema de governo do país, pois também aí há propostas nesse sentido. Portanto, onde é que paramos nesta matéria? Por mim consigo perfeitamente separar estas questões - naturalmente poderia intervir imediatamente sobre este problema da moção de censura construtiva...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, permita-me, para efeitos de esclarecimento, dizer o seguinte: a meu ver podem-se separar dois tipos de questões diferentes. Uma é saber se a presidência da junta regional pelo primeiro candidato da lista mais votada é separável do modo de composição da junta regional. É essa a questão que ponho, partindo do princípio e estando de acordo consigo, de que ela é separável da questão do governo das câmaras municipais ou das juntas de freguesia. Mas, quanto à primeira parte entende que é separável?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que não há objecções de fundo a que se discuta também essa questão desde que fique claro que é esta questão e não outra qualquer.

O Sr. Presidente: - Só a respeitante às regiões?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto.

O Sr. Presidente: - Só a respeitante à junta regional?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sim, sim.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, vamos a ver se a gente se entende sobre o que está em causa.

O Sr. Presidente: - É o que estou a tentar fazer, Sr. Deputado.

Risos

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a observação não era dirigida a si mas ao PSD.
O PSD, ao contrário do PCP, tem propostas de alteração para o sistema de governo autárquico e não deve omitir que tem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Omitir?! Pelo contrário!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ouça, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O que significa que talvez faça sentido, do ponto de vista do PSD, haver uma lógica de coerência na formação do sistema de governo das várias autarquias constitucionalmente previstas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está a tentar convencer o PSD?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Estou a tentar. Aliás, já o consegui uma vez porque não hei-de conseguir segunda? A questão é que os senhores possam ouvir com alguma ponderação os meus argumentos, reflectir sobre eles, e voltaremos à síntese possível.
A questão é a seguinte. Há propostas do seu e do meu partido relativamente ao sistema de governo das autarquias e não temos nisso uma visão de convalidação da solução constitucional actualmente existente. Dito isto, ouvimos da parte do Sr. Deputado Luís Sá uma reflexão própria de quem não quer mudar o sistema constitucional vigente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sobre?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sobre as regiões.
Também vai ver, na altura oportuna, que também não quer mudar quando chegarmos aos municípios. É por isso, não quer mudar o sistema constitucional vigente em matéria de formação do sistema de governo autárquico.
Os senhores querem. Como os senhores querem, vou fazer-lhe a pergunta que faz sentido neste momento. Se querem mudar o sistema de governo autárquico, querem mudá-lo de forma parcelar, ou seja, com uma solução distinta de autarquia para autarquia ou de forma coerente com um sistema de coerência para o conjunto das autarquias existentes?

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Distinta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Distinta. Sr. Deputado Luís Marques Guedes, essa resposta que me acaba de dar é importante sabê-la.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Claro. Mas eu estava querer dar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ou seja, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes assume aqui que quer uma solução diferente nas freguesias, uma diferente nos municípios e uma diferente na região administrativa. É isso que me está a dizer?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não. Assumo aqui...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas é isso que me está a dizer? É para perceber bem...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quer que responda?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quero.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, assumo que a situação de governo que o PSD preconiza para as câmaras municipais não pode ser igual à das regiões administrativas. Esta é a questão que está sobre a mesa, as outras situações serão discutidas quando acabarmos a matéria da regionalização e entrarmos no debate sobre as restantes autarquias locais. Ou seja, para já, o PSD não defende que a forma de governo das regiões possa ser idêntica à proposta pelo PS para as câmaras municipais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É decisivo saber isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, porque assim ficamos a saber que não haverá maioria qualificada para alterar o artigo 261.º, na sua configuração constitucional actual! Ficou, pois, claro que o PSD assumiu inequivocamente, de forma deliberada e não distraída, que quer sistemas de governo autárquico distintos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é importante, Sr. Deputado, porque o que constato é que o PSD não está disponível para reflectir sobre o melhor sistema de governo, que venha dar coerência ao conjunto das autarquias. Constato e passo adiante!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não passa adiante, porque ainda não discutimos a questão, Sr. Deputado!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, não posso deixar de passar adiante se não houver uma maioria qualificada para alterar o artigo 261.º!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda sobre a questão metodológica, isto é, se vamos discutir a questão do presidente da junta regional em conjunto com a da formação da junta regional, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, se a Constituição tratar diferenciadamente municípios, freguesias e regiões administrativas, há um aspecto que deve ficar claro: a região administrativa, tal como está configurada no texto constitucional e tal como vai resultar desta revisão, não deixará de ser uma autarquia local. Ora, isso significa que o capítulo relativo ao poder local na Constituição, com a epígrafe Princípios gerais, tem de conter, seguramente, normas jurídicas que se aplicam indistintamente a freguesias, municípios e regiões administrativas. Se esse capítulo deverá ou não conter as normas em questão, é outro problema!
De qualquer modo, do ponto de vista metodológico, não é possível fechar o dossier da regionalização sem discutir o capítulo relativo aos princípios gerais das autarquias locais, na medida em que nele se inserem normas que se aplicam indistintamente a todas as autarquias locais previstas na Constituição; temos de o fazer, nem que seja para retirar desse capítulo as normas que digam respeito ao processo de formação dos órgãos de governo das autarquias locais, porque só assim os poderemos tratar diferenciadamente! Nem que seja para isso, repito, é necessário tratar esse capítulo em simultâneo com este problema.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A própria Constituição já os diferencia!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, por exemplo, o PS...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores estão a partir do princípio de que nós estamos a querer diferenciá-los. Mas não, os senhores é que estão a querer homogeneizá-los, o que é diferente!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, só estou a dizer que, metodologicamente, nem que seja para diferenciar, é preciso tratar o capítulo relativo aos princípios gerais em simultâneo com o capítulo relativo à regionalização, porque não se pode regular, em especial, a região administrativa sem regular, em geral, as autarquias locais. O regime das regiões administrativas é o que resulta da conjugação do regime especial destas com o regime geral das autarquias locais consignado na Constituição.

O Sr. Presidente: - Permitam-me que chame a atenção de todos os Srs. Deputados para o facto de haver um ponto incontornável. O Partido Socialista propõe um regime geral para a formação dos executivos de todas as autarquias locais e isso reflecte-se sobre as regiões administrativas. Portanto, para arrumarmos o capítulo das regiões administrativas não podemos contornar a proposta do artigo 241.º, pelo menos na parte respeitante às regiões!
Pergunto aos Deputados do PS se estão disponíveis para discutir o artigo 241.º apenas na parte respeitante às regiões - não faço a mesma pergunta aos Deputados dos restantes partidos, porque o PS tem direito a obter a discussão deste ponto, pelo menos na parte respeitante às regiões.
Srs. Deputados, ultrapassada a questão metodológica vamos discutir a questão da presidência e da formação da junta regional, articulando os artigos 261.º e 214.º da Constituição, na parte relevante para as regiões administrativas.

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Para intervir quanto à questão de fundo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para já vou intervir quanto à questão de fundo do artigo 261.º, que era o artigo que estávamos a discutir antes de o Sr. Presidente chamar a atenção, e bem, para outras disposições anteriores com ele relacionadas, o que é diferente da proposta metodológica inicial do PS, que o queria discutir em conjunto com a formação dos órgãos de governo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se me permite a interrupção, gostaria de clarificar este ponto. O que está em causa é uma proposta de alteração do Partido Socialista, retirada dos artigos 261.º e 241.º, que se traduz no seguinte: a junta regional é formada pelo presidente - o cidadão que encabeça a lista mais votada para a assembleia regional - e pelos cidadãos que ele escolher, os quais só não fazem parte da junta se ela for "chumbada" por uma maioria de 2/3 dos membros da assembleia regional directamente eleitos. Esta é a proposta que estamos a discutir.
Concretamente, está em discussão o artigo 261.º e o artigo 241.º, este último na parte em que se aplica à formação da junta regional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, a proposta do Partido Socialista reconduz-se, tal como o Sr. Deputado Jorge Lacão clarificou, a uma intenção de transformar todos os órgãos colegiais executivos das autarquias locais numa mesma modalidade de formação. Ora, do ponto de vista do PSD, esse princípio de uniformização entre os vários graus de autarquias locais, a nível da formação dos executivos, não nos parece desejável nem sequer correcto, uma vez que a diferenciação que existe entre os vários graus das autarquias locais - a saber: freguesias, municípios e regiões administrativas - não é simplesmente de âmbito territorial. São diferenciações que têm a ver com a própria vocação, as competências e o tipo de actuação destas autarquias locais junto das populações que servem.
Nesse sentido, porque a tipologia das autarquias locais radica nas diferentes concepções e finalidades que cada uma tem junto das populações que serve, o PSD não concorda que haja uma necessidade ou, sequer, uma tentativa de uniformização, ao nível dos mecanismos constitucionais ou legais, quanto à formação dos órgãos executivos. Pelo contrário, atendendo à natureza e funções diversas que cada um destes órgãos preenche junto das populações, justifica-se plenamente que haja modelos distintos também ao nível dos mecanismos constitucionais para formação dos respectivos executivos.
Relembramos, de resto, que essa é já hoje a solução encontrada no texto constitucional em vigor. Por exemplo, quanto à questão concreta da nomeação dos presidentes dos órgãos executivos das respectivas autarquias, na actual Constituição não se adoptam mecanismos similares na freguesia, no município e na região administrativa. Assim, optou-se pela solução do cidadão que encabeça a lista mais votada para a assembleia de freguesia ou para a câmara municipal - embora também aí seja distinto o actual mecanismo constitucional de constituição do órgão executivo para cada um dos casos -, enquanto que para a região administrativa, pura e simplesmente, nem sequer existe essa "fulanização" ou, melhor dito, personalização da chefia do órgão executivo da região administrativa.
Do ponto de vista do PSD, essas diferenças de regime resultam da diferenciação de fins e de objectivos que devem presidir a cada um dos patamares dos órgãos autárquicos que estão previstos na Constituição. Entendemos que assim deve continuar, caso contrário significaria que a hierarquia de autarquias locais existentes na Constituição passaria a ter como traço de distinção apenas o âmbito territorial das mesmas, perspectiva com a qual o PSD não concorda em absoluto.
O PSD continua a defender que o núcleo central - o que está de acordo com a tradição portuguesa - é o município. Como veremos, quando passarmos ao capítulo referente às autarquias municipais, no projecto do PSD defende-se a alteração dos mecanismos constitucionais para constituição de executivos homogéneos, por razões que se prendem com a própria identidade e reforço da lógica e capacidade do mundo municipal em Portugal, visão que não estendemos à órbita das regiões administrativas.
Não estamos, por isso, de acordo com a alteração proposta pelo PS, alteração essa que, como o Sr. Presidente referiu, e bem, resulta de uma leitura conjunta dos artigos 261.º e, mais genericamente, 241.º da Constituição.
Desde já, quanto ao artigo 261.º, desejo manifestar o desacordo do PSD relativamente à alteração proposta, quer pelo Partido Socialista, quer pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, já que ambas vão no mesmo sentido e preconizam uma solução similar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a diversidade de soluções em matéria de formação de executivos autárquicos não só não apresenta qualquer inconveniente como, pelo contrário, impõe-se face à diversidade de situações que estão em causa.
O Sr. Deputado Jorge Lacão, na apresentação da proposta de alteração do PS, utilizou a expressão "formação de governo" para uma simples freguesia, uma das 4213 freguesias do País, bem como para os 305 municípios ou para as 8 ou 9 regiões administrativas. Ora, isso parece-me, de todo em todo, desadequado, porque estão em causa autarquias com uma dinâmica e características completamente diferentes. Creio, portanto, que o desejo de uniformidade nesta matéria é, em absoluto, descabido.
Uma questão que, desde há muito, preocupa o PS é a do "sistema de governo municipal", em virtude do excesso de peso partidário. Não vejo, contudo, como é que o "sistema de governo proposto", quer para as regiões administrativas, quer para as demais autarquias, iria contornar esse "excesso de peso partidário". De facto, se é verdade que ele existe através de eleição directa, muito mais existiria no caso, por exemplo, de câmaras municipais constituídas por um só partido, que era o que aconteceria em grande parte delas.
Também não me parece que proceda o argumento de que as assembleias autárquicas sairão valorizadas com o novo sistema de governo proposto, uma vez que as assembleias foram nitidamente prejudicadas noutras matérias. Por exemplo, em 1984 perderam os poderes orçamentais, designadamente o poder de alterar o orçamento que é proposto pela câmara, o poder de alterar o respectivo plano e viram enfraquecido, em geral, o elenco das respectivas competências.
De resto, quando o PS propõe a existência, na prática, de juntas regionais, câmaras municipais, juntas de freguesia

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constituídas por um terço dos membros da respectiva assembleia, isto é, que têm ou podem ter contra dois terços da assembleia regional, da assembleia municipal ou da assembleia de freguesia, creio que não é possível ir mais longe na desvalorização do papel da assembleia.
Neste caso estrito das assembleias regionais, criaria provavelmente uma situação em que abriria uma maioria política na assembleia regional permanentemente contra a junta regional. Não percebo que valorização resultaria para a assembleia de um quadro desse tipo...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, pode repetir? Não percebi muito bem o que acabou de dizer.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Disse que poderia haver a possibilidade de uma junta regional constituída contra praticamente dois terços da respectiva assembleia regional. E não vejo que vantagem poderia haver numa tal possibilidade para o prestígio da assembleia regional e para a própria funcionalidade do "sistema de governo" da região.
Há aqui outra norma que me parece particularmente agressiva em relação a princípios democráticos.
Havemos de discutir a moção de censura, os inconvenientes e as vantagens que pode ter neste quadro. Há situações particularmente degradadas em que o facto de haver ligação à moção de censura pode impedir a renovação política que se impõe. Mas chegar ao ponto de ligar a moção de censura construtiva à aprovação por três quartos de uma solução alternativa parece-me francamente excessivo e descabido! Também isto conduziria a uma situação de desautorização da respectiva assembleia regional.
Creio, pelo contrário, que há vantagens no pluralismo das câmaras municipais - e a prática mostrou que as há. Aliás, pergunto-me se essa eleição directa das câmaras não poderá talvez estar protegida pelo artigo 288.º, alínea h), que não faz distinção quando se refere a titulares electivos entre titulares de órgãos deliberativos e de órgãos executivos - é, portanto, uma interrogação que vos deixo, já que esta questão foi introduzida com carácter geral.
Do ponto de vista da funcionalidade das câmaras municipais, chamo a atenção para dois mecanismos, isto é, dois poderes dos presidentes de câmaras - o de distribuir pelouros, que cabe exclusivamente ao presidente, como é sabido, e o poder máximo de escolher os vereadores a tempo inteiro - e que, no fim de contas, são possibilidades que a prática demonstrou que, em geral, garantem completamente a funcionalidade das câmaras municipais.
Estamos a falar de regiões. Na prática, estamos a falar de uma proposta de eleição directa do presidente da junta regional, que é um patamar de poder distinto do municipal e da freguesia em que tende a haver, acima de tudo, o conhecimento directo das pessoas, a tendência para trabalhar e escolher as pessoas independentemente dos partidos. Isto prevaleceu, apesar de tudo, em muitas situações. No caso das juntas regionais, trata-se de outro tipo de questões em que há vantagens em haver uma equipa relativamente homogénea, seja na base de um partido seja na base de uma coligação de partidos. No que não me parece haver vantagem é em substituir o princípio da colegialidade e o da confiança da assembleia regional em relação ao executivo eleito pelo princípio do presidencialismo.
Sabemos que o presidencialismo é altamente fomentado pelas técnicas do marketing político, pelas próprias práticas dos meios de comunicação social, mas creio que não tem de ser "fabricado" artificialmente pelo próprio legislador constitucional ou pelo legislador em geral.
Em última instância, esta lógica uniformizadora levaria a eleger directamente o próprio Primeiro-Ministro e, às vezes, os media já têm práticas que parecem apontar um pouco nesse sentido. Mas, então, a proposta tem alguma coerência? É para aí que temos de caminhar? Creio que, bem pelo contrário, justifica-se este "sistema de governo" que está consagrado. É um sistema que aponta para a valorização da assembleia regional e para a criação de uma junta regional da confiança da assembleia regional, com articulação entre órgãos. É de um só partido? É de mais do que um partido? Isso depende, naturalmente, da correlação de forças que resultar do acto eleitoral e da conjugação da legitimidade dos municípios com o voto directo dos eleitores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, para ser sincero, posso ficar vencido neste ponto mas devo dizer que não fico convencido quanto às alegações feitas de que há uma distinta natureza relativamente aos níveis das autarquias locais de que estamos a tratar.
Tenho dificuldade em compreender que o processo de constituição do executivo ao nível da freguesia, do executivo ao nível do município e do executivo ao nível da região administrativa não pudesse ter um tratamento constitucional coerente e idêntico. Face aos argumentos que ouvi, tenho dificuldade em admitir que haja princípios que façam prevalecer uma distinta regra de formação por cada uma destas autarquias locais e não uma solução que pudesse ser consistente no sistema de governo do conjunto das autarquias locais e é essa, claramente, a preferência do Partido Socialista.
Não vou referir agora os defeitos que, em nosso entender, existem no sistema de governo dos municípios, tal como está configurado - lá chegará o momento para isso - mas gostava de apontar para os aspectos que resultam deste artigo 261.º na formação da junta regional.
Se mais nada for dito em sede de revisão constitucional, com que ficamos? Ficamos com uma solução em que a junta é eleita por escrutínio secreto pela assembleia regional constituída. Uma vez eleita por este processo, aparentemente eleita ficará por todo o período de mandato, o que torna incontornável o problema da rigidez no processo dos executivos. Penso que hoje já temos experiência bastante para compreender que, ao nível dos executivos, nenhuma rigidez é boa conselheira. É que há momentos em que se torna aconselhável fazer uma remodelação do executivo, uma recomposição do executivo, uma readaptação dos membros que integram o executivo, e isso não vai ser facilitado com a prevalência da solução constitucional que está prevista que é a da eleição directa sem nenhum outro mecanismo concebido para a possibilidade da reconfiguração, ou remodelação, ou recomposição do executivo da região administrativa.
Estamos, portanto - e, a meu ver, mal -, a optar por manter uma solução rígida onde, em nome da eficácia de funcionamento da junta regional, tudo poderia aconselhar a soluções de flexibilidade. Este é um ponto para o qual peço a atenção dos Srs. Deputados, em particular dos do PSD, porque penso que ganharíamos bastante se admitíssemos

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soluções que, em qualquer momento do mandato, permitissem uma readaptação da junta regional em função das necessidades decorrentes do funcionamento da região administrativa.
Se quisermos adoptar soluções de flexibilidade onde é que elas podem ser encontradas? A meu ver, num processo em que a relação de atribuição e retirada de confiança entre assembleia regional, órgão colegial e junta/órgão executivo se faça nos termos normais dos sistemas de governo, ou seja, pela introdução de moções de confiança e de moções de censura. Esta é a regra básica na determinação de relação de confiança política entre um órgão colegial constituído e um órgão executivo dependente politicamente desse órgão colegial.
Não estamos a propor nada que não seja a prática mais adquirida nos sistemas parlamentares de governo. E é esse que gostaríamos de poder adoptar para a junta regional.
Adoptamos - é verdade - uma possibilidade de acompanhar os sistemas de moção com a moção de censura construtiva por uma razão de cautela quanto à estabilidade do respectivo executivo.
É-nos feita uma crítica sobre uma exigência desproporcional de dois terços para a possibilidade de alteração de um executivo com a utilização da moção de censura construtiva. Quero dizer que não somos insensíveis a esta crítica e, se formos por aí, certamente poderíamos encontrar uma fórmula mais adequada e não tão exigente para validar os efeitos da moção de censura construtiva.
Outra crítica que nos foi feita é quanto ao eventual risco de um excesso de presidencialização na solução que apontamos. Não temos nenhum complexo quanto à personalização dos mandatos em democracia. A personalização dos mandatos em democracia é uma condição da relação de confiança entre eleitos e eleitores. Somos a favor da personalização dos mandatos porque esta ideia da diluição das responsabilidades em órgão colegial sem admitir a regra da identificação de quem é titular e de quem é responsável não nos parece um vício da democracia mas um benefício dela.
Todavia, se o problema for o de a nossa solução apontar para uma rigidez excessiva na presidencialização do "cabeça-de-lista" da lista mais votada também aqui encontraríamos uma fórmula flexível que é a seguinte: aonde a solução fosse rígida, ser a título de indigitação para o cargo e a alternância pela moção de censura poder facilmente mudar o conjunto, incluindo o presidente da junta regional.
Portanto, Srs. Deputados, vamos seriar as questões.
Primeira questão essencial: adoptamos ou não o método da formação indirecta da junta regional? Adoptamos com certeza porque essa já é a solução constitucional actualmente estabelecida.
Adoptado isto, queremos uma solução rígida, de eleição por período de mandato como a Constituição agora prescreve ou adoptamos uma solução flexível que permita recomposições intercalares da junta regional? É isso que propomos e é isso que nos parece sensato. É relativamente a isso que não conseguimos entender bem em nome de que princípio, ou de que valor, ou de que interesse o PSD não admite a possibilidade de reflectir sobre esta hipótese.
Admitindo esta hipótese a benefício da eficácia da junta regional em todo o tempo do mandato, qual é a regra da confiança que deve prevalecer? A das moções de confiança e a das moções de censura? Com ou sem introdução da moção de censura construtiva? Eis um terceiro momento da nossa reflexão.
Finalmente, com possibilidade de substituição ou não do presidente? Eis um quarto momento de reflexão.
Estamos abertos a todas estas reflexões e a todo este esforço de aproximação. Queiram os Srs. Deputados, pela vossa parte, dar um contributo positivo neste sentido para não nos enquistarmos em soluções que, consabidamente, porventura não são as melhores tal como neste momento se apresentam constitucionalmente configuradas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o horário que tínhamos estabelecido, estamos a menos de 10 minutos do fim desta nossa reunião.
Estão inscritos os Srs. Deputados Barbosa de Melo e João Amaral e não aceitarei mais inscrições. Peço a estes dois Srs. Deputados que sejam breves para nos atermos ao horário estabelecido.
Há uma questão que gostaria de colocar e de decidir rapidamente.
Tenho pedidos no sentido de não haver reunião na tarde de hoje. Obviamente, não posso decretar a não aceitação desta proposta, mas acho mal que comecemos por desmarcar uma reunião que já estava marcada. No entanto, se houver motivos razoáveis, não serei eu quem vai vetar essa decisão.
Solicito aos Srs. Deputados que se pronunciem quanto ao vosso acordo ou não na desmarcação da reunião da tarde de hoje.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pela parte do PSD, não há inconveniente nenhum em anular a marcação da reunião da tarde, como também não vemos inconveniente se quiserem mantê-la.
De facto, hoje à tarde, há sessão plenária e há dificuldades de alguns Deputados da bancada do PSD em comparecerem nesta reunião e no Plenário em simultâneo. Por esse motivo...

O Sr. Presidente: - Decidi devolver à Comissão a decisão de haver ou não reunião, embora já esteja marcada.
Uma vez que estão de acordo, a próxima reunião terá lugar na terça-feira, às 16 horas e 30 minutos, a pedido do PCP, por motivo das suas jornadas parlamentares.
Entretanto, estão inscritos os Srs. Deputados Barbosa de Melo e João Amaral, a quem, desde já, peço que sejam breves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar ser breve.
Nós estamos a discutir um tema que é grave, - o da organização do poder territorial dentro do Estado. É um tema onde se entrecruzam muitos vectores. E uma reflexão sobre ele, agora centrada sobre uma certa distensão, parece-me também aconselhável. Temos muitas questões aqui implicadas, mas, neste momento, estamos a apreciar só esta: no plano constitucional, até onde é que a Constituição deve ir na definição do presidente da junta regional?! É essa a questão.
Quem deve ser o presidente da junta regional? O PS propõe que seja o cabeça da lista mais votada para a assembleia regional, pretendendo estabelecer o critério da uniformidade para a designação dos presidentes dos executivos autárquicos e alterar a lógica presente na Constituição, que faz diferenciações entre a freguesia, o município e a região.

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A proposta deve levar-nos a reflectir sobre o aspecto prático das coisas. O modelo proposto será o modelo ideal para criar, no país, "barões" regionais, quem dominar o partido mais importante dominará a assembleia regional e também o executivo regional. A experiência que o Estado português, no tempo das províncias, tem, com todos os vícios e artifícios que fez para a desmontar, deve levar-nos a meditar sobre isto: queremos reeditar os barões das juntas provinciais do Douro Litoral, da Beira Litoral, etc.? Queremos isso ou queremos manter o sistema que aí está, um sistema diferente? Segundo o sistema constitucionalmente previsto, pode haver uma assembleia dominada por um partido e um presidente que saiu desse partido ou de dentro da assembleia, de outro partido... Há uma possibilidade imensa de combinações. E como pretende a proposta estaríamos a concentrar tudo, eventualmente, na mesma personalidade. Eu queria que meditássemos todos sobre isto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, concede-me a palavra para questionar o Sr. Deputado Barbosa de Melo?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Barbosa de Melo, não quero dizer que coincida com os termos em que colocou a questão, mas posso aceitar que haja aqui uma margem importante de reflexão sobre a possibilidade de encontrar uma fórmula que não torne rígido, no sistema, a escolha do presidente da junta regional, mas que permita, ao mesmo tempo, responder às outras observações que há pouco tive ocasião de fazer, no sentido de, a partir daquela aproximação que a Constituição já prescreve, que é a da formação directa da junta perante a assembleia regional, podermos encontrar fórmulas que permitam uma solução de flexibilidade na relação de dependência da junta face à assembleia regional, porque, do meu ponto de vista, a fórmula constitucional como está não defende a melhor maneira.
Se o PSD, após uma nova reflexão sobre o assunto, encarar ponderar esta hipótese, pela nossa parte também estamos disponíveis para ponderar soluções menos rígidas do que aquela fórmula inicial que apresentamos. Era isto que gostaria de dizer.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Porém, Sr. Deputado Jorge Lacão, há um ponto em que o PSD nunca vai deixar de meditar e ser muito fiel a essa ideia. A assembleia regional, tal como foi imaginada em 1975/76 é também ela participada, amplamente participada, pelos municípios, e esta estrutura tem de se manter. A solução de a eleição do presidente sair da eleição especificamente dirigida à assembleia regional - e estou a partir da vossa proposta -; atropelando o princípio hoje estabelecido na Constituição, suponho que não vai ter a nossa concordância.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, nessa matéria, também lhe digo que estamos abertos à cooperação de uma solução.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o que eu queria dizer tem a ver com a fundamentação que foi apresentada para a proposta e não tanto para intervir num debate, porque o meu camarada já disse o essencial acerca da proposta. A minha intervenção tem unicamente por objectivo clarificar os dados do problema tal como eles foram introduzidos para justificar a proposta.
Ora, há duas coisas que é preciso deixar muito claras. Em primeiro lugar, o sistema actual é menos rígido do que o sistema que propõe o PS. Em segundo lugar, o sistema actual garante melhor que não há juntas de mandato com duração de um mandato do que o sistema que propõe o PS, que tem precisamente por objectivo dar uma garantia suplementar de sobrevivência à junta no decurso do mandato.

Protestos do Deputado do PS, Jorge Lacão.

Sr. Deputado, desculpe, mas eu não interrompi, nunca, apesar de tudo o que disse. Portanto, agora...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas reflicta com os dados todos já conhecidos!

O Sr. João Amaral (PCP): - Quanto ao facto de a solução ser mais rígida e ao contrário do que foi dito..., em primeiro lugar, e antes de qualquer outra questão, não está em debate o processo de a designação ser em directo porque isso é o que está hoje na Constituição. Portanto, aí não há alteração nenhuma. A junta é eleita pela própria assembleia - só a assembleia é que é eleita directamente - através de um processo de eleição dupla, já que a junta é eleita pela assembleia regional. Ora, a junta, no sistema actual, pode ser demitida pela mesma assembleia que a elegeu. A mesma assembleia que a elege pode demiti-la pela aprovação de uma moção de censura, que consta do sistema que está aprovado na lei das autarquias, na lei das regiões, actualmente.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E que é constitucionalíssimo!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Onde?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, leu tanto a sua proposta de alteração que esqueceu que ela alterava alguma coisa. E ela alterava uma coisa que já está escrita, que foi uma lei aprovada aqui por todos os presentes em 1991, lei que diz que a junta é eleita pela assembleia regional e que pode ser demitida pela aprovação de uma moção de censura. É o que diz, está escrito! O que é que quer que eu faça? Está lá escrito isso!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Na lei-quadro!

O Sr. João Amaral (PCP): - Está na lei-quadro! Sr. Deputado Jorge Lacão, já agora digo-lhe mais uma coisa: nem era preciso estar na lei-quadro, porque o princípio é de que sendo a junta responsável perante a assembleia regional, evidentemente que a assembleia que a constitui a pode demitir. Não era preciso isso estar escrito. Aliás, o que está escrito sobre a assembleia é uma exigência adicional, porque uma moção de censura tem de ser aprovada por maioria absoluta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado João Amaral, conceda-me uma interrupção, sem estar de crispação psicológica, que não vem ao caso. Só para lhe dizer que tenho dúvidas sobre a constitucionalidade da solução da lei-quadro.

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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Essa é boa!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E vou dizer-lhe porquê. Mas se, de facto, tiver um pouco de disponibilidade mental talvez possa acompanhar pelo menos o meu raciocínio, mesmo que não concorde com ele.

Protestos do PCP.

Sr. Deputado João Amaral, consentiu-me a interrupção, posso continuar?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sim, mas com termos!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Obrigado. De parte a parte.
Sr. Deputado, esta previsão constitucional (a que está na Constituição) é para a eleição por escrutínio secreto. A fórmula da lei-quadro para a moção de censura é uma votação nos termos normais, suponho, de membros de uma assembleia regional, exercendo um direito de braço no ar, para a possibilidade da destituição da junta por esse instrumento e por essa via. Tenho dúvidas, posso estar enganado. Tenho dúvidas sobre a actuação constitucional dessa solução da lei-quadro se não adaptarmos, em sede constitucional, a solução na sua globalidade. É uma dúvida. Pelo menos, gostaria que me concedesse a legitimidade para a dúvida que coloco.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não tenho qualquer problema em que exponha a sua dúvida, embora deva dizer que é o mesmo princípio. Trata-se de lista única, portanto, a votação não é pelo método de representação, isto é, a junta não é constituída nos termos da lei-quadro através de um sistema de representação proporcional, mas é pelo sistema maioritário; não há nada que impeça que o processo de aprovação da moção de censura seja também pelo voto secreto. Não há absolutamente nada que impeça. Portanto, creio que esse problema, se existe, é sempre resolúvel nos termos da lei-quadro, porque como aprova a eleição por voto secreto pode aprovar a moção de censura igualmente por voto secreto. Portanto, aí não há nenhuma dificuldade!
Primeira questão, o sistema que propõe é mais rígido do que o sistema actual. Segunda questão, o sistema actual permite, a qualquer momento e por uma maioria absoluta, a destituição da junta, portanto, não garante, ao contrário do que diz, o período do mandato. O seu sistema, implicando uma votação de dois terços para......

O Sr. Jorge Lacão (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, se abdicar dos dois terços, o sistema, a partir daí e relativamente ao mandato, não tem nenhuma diferença. Onde existe diferença é no objectivo que visa o seu sistema, que é o de permitir a constituição de juntas sem apoio maioritário. Portanto, não vale a pena estar a disfarçar, porque o que está aqui em questão é o de saber se a junta tem ou não, para funcionar, um apoio maioritário. No sistema actual, ela tem de ter um apoio maioritário ou, pelo menos, tem de ter mais votos favoráveis do que votos contra. No sistema que propõe, ela pode ser formada praticamente sem apoio, porque implica que a junta seja aprovada desde que não haja dois terços contra ela.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É como o Governo da República, hoje em dia!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não me diga que o Governo é aprovado por dois terços?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, para que não fique essa dúvida, o sistema que é parecido com o sistema de funcionamento do Governo da República é o sistema hoje previsto na lei. O sistema que o PS propõe para o Governo da República é o sistema que é parecido actualmente com o que propõe para a junta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a reunião. Desejo-vos um bom Santo António. Até à próxima semana.

Eram 12 horas e 50 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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