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Quarta-feira, 19 de Junho de 1996 II Série - Número 9 - RC
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 18 de Junho de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 16 horas e 40 minutos.
Foi eleita secretária da Mesa a Sr.ª Deputada Maria Carrilho (PS).
Prosseguiu a apreciação dos artigos 241.º, 261.º, 262.º e 118.º.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Silva Marques e Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá (PCP), Miguel Macedo, Guilherme Silva e Calvão da Silva (PSD), José Magalhães (PS) e Pedro Passos Coelho (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 19 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, o Sr. Deputado João Amaral transmitiu-me, na semana passada, o seu interesse em que houvesse outro Secretário na Mesa para se encarregar das tarefas de secretariado sempre que ele estiver interessado em intervir directamente na discussão e propôs que se fizesse uso da faculdade que o regimento dá, de o partido principal indicar um Secretário para esse efeito. Transmiti essa preocupação ao PS, que está de acordo e que tem uma proposta no sentido de, caso seja aprovado, nomear alguém para a Mesa para essas funções. Assim sendo, ponho à consideração da Comissão a proposta baseada na sugestão do Sr. Deputado João Amaral, no sentido de ser nomeado um novo membro para a Mesa para secretariar quando for caso disso.
Quero dizer que o CDS-PP me fez chegar a indicação de que não poderia estar presente nesta reunião com a justificação de que, tendo contado com as jornadas parlamentares do PCP, tinha tomado compromissos que entretanto o impedem de estar presente. Fica feita a comunicação. A reunião prosseguirá com a ausência do CDS-PP.
Tendo verificado entretanto a concordância da Comissão com a ideia de um novo Secretário, peço ao PS que faça a respectiva indicação. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o PS indica, com a concordância da própria, a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, a Sr.ª Deputada é considerada eleita para a Mesa. Peço-lhe que ocupe o seu lugar.
Uma outra questão ainda, antes da entrada na ordem de trabalhos de hoje: neste fim-de-semana, o presidente do PSD fez uma declaração que tem a ver com esta Comissão, nomeadamente com o andamento dos trabalhos da revisão constitucional, e, com umas contas elementares, chegou à conclusão de que, a este ritmo, muito tempo será necessário para produzir trabalho relevante na revisão constitucional. Compartilho deste ponto de vista - de resto, é sabido que a primeira iniciativa que tomei foi a de fazer propostas para acelerar os trabalhos da revisão; concretamente, fiz propostas no sentido de reunião às quartas e à quintas-feiras e, em alternativa, reuniões à noite. Reitero estas propostas e, nesse sentido, convoco uma reunião da Mesa com representantes de todos os partidos (o Sr. Deputado Silva Marques está expressamente convocado para esse efeito, como Vice-Presidente da Comissão) para as 10 horas da próxima sexta-feira, a anteceder a reunião da Comissão, e peço que os membros dos partidos venham mandatados com poderes necessários para considerar estas propostas que agora reitero, ou seja, aumentar o número de reuniões semanais, concretamente reuniões às quartas ou às quintas-feiras, de manhã ou de tarde, conforme for visto, ou à noite, conforme eventualmente se achar viável. Ficam feitas as propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, para esse efeito, talvez fosse apropriado, para além da Mesa, onde não há, num sentido estrito, representantes de partidos, que a reunião fosse com a Mesa e com os coordenadores de cada grupo parlamentar, porque, em rigor, a Mesa não tem propriamente porta-vozes dos grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha ideia era a de que a Mesa funcionaria, para este efeito, como uma reunião de coordenadores.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Parece-me um pouco excessivo, Sr. Presidente. E talvez colida com a verdadeira natureza da Mesa.
O Sr. Presidente: - Se os grupos parlamentares quiserem, façam-se representar por coordenadores que indicarão ad hoc. Sr. Deputado Silva Marques, penso que seria bastante mau discutirmos uma questão de procedimento e de trabalhos da Comissão em reunião da Comissão.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, então acha que eu devo funcionar na Mesa como porta-voz do PSD?
O Sr. Presidente: - Não! Se o PSD resolver escolhê-lo, muito bem, ficarei encantado - se escolher outro, Sr. Deputado Silva Marques, é-me indiferente!
Reformulo a proposta: a reunião das 10 horas da próxima sexta-feira será feita com representantes ad hoc indicados pelos partidos. O tema dessa reunião será discutir as propostas que fiz oportunamente e que agora reitero.
Srs. Deputados, vamos entrar na ordem de trabalhos de hoje. Tínhamos ficado, suponho, no artigo 261.º, na proposta do PS relativa à junta regional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, se a minha memória me não trai, tínhamos acabado a nossa última reunião em torno do sistema de governo para as regiões administrativas e o PS tinha defendido o modelo equivalente àquele que propõe para o sistema de governo autárquico em geral. Tínhamos, no entanto, sublinhado que não estávamos necessariamente apegados à fórmula que, inicialmente, tínhamos apresentado, que nos preocupava a possibilidade de procurarmos encontrar um regime cuja flexibilidade e estabilidade pudessem ser conciliáveis, e manifestei interesse em poder apresentar, no início da reunião de hoje, uma proposta específica para o artigo 261.º. É essa proposta que entrego na Mesa para distribuição aos Srs. Deputados - ela é de formulação relativamente simples, pelo que, se o Sr. Presidente me consentir, passo a lê-la para conhecimento geral.
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - "Artigo 261.º, n.º 1: a Junta Regional é o órgão colegial executivo da região, composto por um presidente e por membros em número estabelecido na lei; n.º 2: os membros da Junta são proposto pelo seu presidente e este é inicialmente designado como o cabeça da lista mais votada para a Assembleia Regional; n.º 3: a Junta é responsável perante a Assembleia Regional, e o seu funcionamento depende da não aprovação por maioria absoluta dos membros da Assembleia Regional de moção de rejeição ou de censura que indique, em simultâneo, o presidente e igual número de membros."
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quer explicitar a proposta?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, os fundamentos dela já estão previamente enunciados no debate que travámos na reunião anterior, pelo que, em nome do bom andamento dos trabalhos, dou esses argumentos por já aduzidos.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está feita a distribuição da proposta. Antes de iniciarmos a discussão, anuncio a apresentação de uma proposta pelo PS para o artigo 262.º, que vou igualmente fazer distribuir.
Sr. Deputado Silva Marques, contesta esta proposta?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, teria boa razão! "Os membros da Junta são propostos pelo seu presidente e este é inicialmente designado como o cabeça de lista"!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, é convidado a esclarecer o sentido da sua proposta.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado Silva Marques já percebeu! Aliás, nós estamos abertos às melhores correcções do texto.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Percebi porque sou uma pessoa de boa vontade e já o conheço há muito tempo!
Risos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para as boas correcções de forma, estamos obviamente disponíveis. Aliás, esse é um excelente contributo!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, independentemente do português menos próprio que está aqui, penso que é perfeitamente compreensível - de resto, já tinha sido explicado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão na última reunião, mais ou menos, a intenção do PS. Agora, com franqueza, nem sequer me parece que isto seja uma evolução significativa face à proposta anterior. E não o é porque, como o Sr. Presidente sabe, na reunião anterior, ficámos no artigo 261.º, que estávamos a discutir em simultâneo, em conjugação com o artigo 241.º. Este artigo 261.º, relativamente ao 241.º, não é diferente na questão substancial, embora o seja em alguns aspectos que me parecem mais adjectivos e que têm a ver, nomeadamente, com o número de proponentes possível para esta moção de censura, que vem no artigo 241.º e aqui não vem, e a fórmula de aprovação que, no 241.º, era de dois terços exigida e aqui é de maioria absoluta apenas.
Em qualquer circunstância, desde já, há uma questão que gostava que o PS esclarecesse e que não tem a ver com a redacção mas sim com questões substantivas, que é a seguinte: se este proposta do artigo 261.º elimina ou altera aquilo que está proposto para o artigo 241.º, uma vez que estamos a analisar estes dois artigos em simultâneo, como o Sr. Presidente deixou claro na última reunião.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a questão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes é pertinente: nós tínhamos intenção metodológica de poder regular o conjunto do sistema do governo autárquico (volto a recordar, freguesia, município e região) no quadro do mesmo artigo, ou seja, o artigo 241.º. Se a solução que agora propomos, modelada semanticamente conforme depois se achar formalmente mais correcto, vier a poder ser adoptada, e se ela vier a ser adoptada para efeitos da formação da Junta Regional, nós, tal como ela está concebida, podemos estendê-la à formulação do artigo 241.º; ou seja, a harmonia geral que pretendemos, também é conseguida, do nosso ponto de vista, pela fórmula que agora apresentamos para a região administrativa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão deu por reproduzidos os argumentos da reunião anterior e eu creio que a proposta é, substancialmente, tão semelhante à anterior, excepto em pormenores que são importantes mas, apesar de tudo, não são a questão fulcral, que eu quase tenderia a dizer que também dava por reproduzidos os argumentos da reunião anterior. Contudo, há um aspecto que preocupa muito em particular o PS, ainda agora foi referido a propósito do artigo 241.º, que é a harmonia dos vários sistemas de governo das autarquias locais - para utilizar a expressão do Sr. Deputado Jorge Lacão. Eu creio que não tem de haver um esforço de harmonia entre aquilo que é obviamente diferente. Estamos perante autarquias locais, quer quando se trata de regiões administrativas, quer de municípios, quer de freguesias, que têm uma dinâmica claramente diferenciada e, por isso mesmo, é perfeitamente justificável que existam também soluções diferenciadas.
Independentemente de questões formais mais ou menos felizes, creio que a única evolução que aqui sublinharia é o facto de ter sido abandonada a ideia, que me permitiria qualificar de peregrina, que constava da anterior proposta, de permitir que houvesse uma Junta Regional com a possibilidade de dois em cada três membros da Junta estarem contra; neste momento, porém, mantém-se a possibilidade de a Assembleia Regional estar substancialmente contra a Junta Regional, não dois em três mas a maioria dos membros da Assembleia Regional.
Podem não ter a capacidade de gerar uma solução alternativa - como é sabido, esta proposta da moção de censura construtiva é uma proposta que o PS defende há muito tempo -, mas podem estar substancialmente contra; e, estando contra, pelo facto de não gerarem a solução alternativa, são obrigados a suportar uma Junta Regional não só num momento posterior, após um período de gestão, mas no próprio momento original em que é gerada a solução para a Junta Regional. Se, num momento ulterior, a questão é discutível, no momento da própria génese da Junta Regional, é mais discutível ainda. Nesse sentido, creio que não há razões para mudar a posição já aqui oportunamente manifestada.
Quero também sublinhar um aspecto que não deixa de ter significado nesta proposta: é que é usual, quando se defende a moção de censura construtiva, obrigar a indicar
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um presidente, ou um primeiro-ministro, noutras soluções. Aqui, curiosamente, exige-se não apenas a indicação do presidente mas também de igual número de membros. Este aspecto não deixa de ser significativo de uma preocupação, que eu diria quase obsessiva, de dificultar qualquer solução obrigando, na prática, a aceitar um presidente da Junta Regional e uma Junta Regional sem a confiança da maioria da Assembleia Regional.
Continuo a pensar que, em situações em que não exista uma maioria absoluta de um partido, a solução é a negociação entre partidos no sentido de gerar, através dessa negociação, uma solução consensual estável e que possa ter o apoio maioritário, consistente, de uma Assembleia Regional. Não é fabricar uma maioria ad hoc, artificial, que desvaloriza, na sua própria génese, a função da Assembleia Regional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há pouco limitei-me a fazer um pedido de esclarecimento - não me pronunciei sobre a proposta, em termos substantivos. Não me parece que esta proposta seja suficientemente diferenciada do texto conjugado que analisámos na semana passada, dos artigos 261.º e 241.º do projecto de revisão constitucional inicial apresentado pelo PS, como referi, nem me parece que haja aqui uma evolução substantiva ainda.
De qualquer maneira, há aqui um aspecto que me parece de relevar, que não foi citado pelo Sr. Deputado Luís Sá e que me causa preocupação, pelo que penso que era importante que o PS, ainda em sede desta proposta, também esclarecesse este aspecto. Como sabemos todos, tanto no que se refere às câmaras municipais como no que se refere às juntas de freguesia e, também no texto constitucional actual, às regiões administrativas, os membros do Executivo são sempre - tirando o caso dos municípios, porque são eleitos em lista autónoma actualmente - eleitos de entre os membros da Assembleia de Freguesia ou da Assembleia Regional.
A proposta do PS, ao não recolocar esta questão nos termos em que actualmente está na Constituição, vem indiciar que os membros da Junta Regional podem ser pessoas perfeitamente estranhas, inclusive estranhas ao próprio acto eleitoral. A aplicação do n.º 3 que o Sr. Deputado Luís Sá há pouco referia, também tem esta condição sui generis, que é a de que, aparentemente, no caso de apresentação de uma moção de censura, poder-se-ia indicar um presidente e um conjunto de pessoas que nem sequer se teriam submetido ao sufrágio universal - o presidente e igual número de membros - porque em nenhuma parte se diz aqui que eles terão de ser membros, ao contrário do que se diz, por exemplo, no actual artigo 261.º da Constituição, onde consta que eles serão escolhidos pela Assembleia de entre os seus membros.
Portanto, a omissão, nesta alternativa ao artigo 261.º, parece-nos uma alteração com a qual não podemos concordar minimamente, desde logo, muito menos se ela pudesse ser, porventura, extensível, como disse o Sr. Deputado Jorge Lacão em resposta ao meu pedido de esclarecimento, a todos os órgãos autárquicos. Seria, penso eu, uma perversão total da lógica de sufrágio universal dos cidadãos no poder local poder-se admitir situações em que os executivos dos órgãos autárquicos, todos eles, pudessem ser pessoas que nem sequer tinham sido submetidas à apreciação por parte das populações.
O Sr. Carlos Olavo (PS): - Não é isso o que está na proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é isso que resulta do que aqui está! O Sr. Deputado Jorge Lacão, ao meu pedido de esclarecimento, em que perguntei exactamente se isto colidia ou não, ou deixava cair ou não, o artigo 241.º, respondeu-me (e foi ouvido por todas as pessoas nesta sala, penso eu) que o PS ponderava, caso isto tivesse o assentimento das pessoas, que pudesse passar a ser o mecanismo para todos os órgãos autárquicos. Perguntei previamente, não estou a fazer esta especulação sem ter feito uma pergunta prévia - fiz a pergunta e foi-me respondido como foi; e, face à resposta que obtive, não posso deixar de manifestar a preocupação da parte do PSD pelo sequer equacionamento de uma solução que passe por uma questão como esta. A hipótese de haver executivos em todas as autarquias que, por obra e graça de jogo político de maiorias criadas dentro das Assembleias respectivas, possam ser constituídos por pessoas que não foram submetidas a sufrágio.
Em conclusão, da parte do PSD, desde logo, não me parece, de facto, que este artigo 261.º, tal qual esta alternativa nos é apresentada, constitua uma alteração substantiva nos elementos essenciais àquilo que já tinha sido a discussão na semana passada, conjugar o artigo 261.º com o 241.º da Constituição, e, nesse termos, da nossa parte, não nos parece que esta versão possa merecer o nosso assentimento. Em qualquer circunstância, chamava a atenção para este aspecto que agora referi, que quero acreditar que não está na intenção dos seus proponentes que este efeito, claramente perverso, pudesse resultar. Portanto, deixo esta chamada de atenção para, em qualquer circunstância, ainda que a versão possa vir a ter mais evoluções da parte do PS, pelo menos neste aspecto, terá necessariamente de ter, sob pena de nem sequer poder ser considerada, do nosso ponto de vista e da parte da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em resposta a dois pontos que me parecem os mais cruciais, uma primeira observação à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá: com esta fórmula que apresentamos, correr-se-ia o risco, na formação inicial da Junta Regional, de o presidente e respectivos membros do executivo não terem uma maioria absoluta de apoio no órgão Assembleia Regional; o Sr. Deputado Luís Sá vê nisso um motivo forte de crítica e de oposição à proposta. Veremos certamente o Sr. Deputado Luís Sá defender o actual sistema de Governo (o actual, o que a Constituição prescreve, o que existe efectivamente) ao nível do sistema de governo municipal - aí, o Sr. Deputado Luís Sá não ignora que essa realidade é inteiramente possível; ou seja, o cabeça de lista da lista mais votada para a Câmara Municipal é, por efeito da lei, designado como presidente da Câmara e basta que ele não tenha obtido uma maioria absoluta para que ele seja um presidente com grandes possibilidades de ter uma Assembleia Municipal não digo contra si porque não utilizo o mesmo raciocínio mas sem maioria absoluta de apoio nesse órgão. Há múltiplos exemplos desses, decorrentes
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da prática de governo municipal tal como ele actualmente está constituído. Portanto, uma de duas: ou o argumento é válido, e, se é válido na perspectiva do Sr. Deputado Luís Sá, o PCP tem de se opor ao actual sistema de governo municipal tal como ele está configurado, ou o PCP continua a aderir ao actual sistema de governo municipal e, então, o argumento, não é válido do ponto de vista das preocupações do PCP. Por isso, convido o Sr. Deputado Luís Sá a escolher: ou a optar, o que é um direito seu, obviamente, por achar que o sistema de governo municipal, tal como existe, é melhor, mas então deveria retirar o argumento do risco insustentável de um presidente e de um executivo poder estar em funções sem uma maioria absoluta de apoio parlamentar; ou, a manter a preocupação deste argumento, nessa altura, não deveria admitir permanecer em apoio ao sistema de formação dos executivos municipais.
O outro ponto, suscitado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é um ponto relevante mas não é motivo de discordância de fundo: faço-me explicar - aquilo que é a questão fundamental que o PS aqui coloca, é a da adesão a um sistema parlamentar de governo ao nível das autarquias locais. É nisso que acreditamos e é nesse sentido que apresentamos as propostas que estamos a apresentar: optamos claramente por um sistema parlamentar de governo em que o princípio geral seja o da dependência de confiança dos executivos relativamente aos órgãos representativos, com formação indirecta dos respectivos órgãos executivos. Como disse aqui na última reunião, queremos contribuir para poder harmonizar o sistema uma vez que a solução que mantemos agora, uma solução distinta para a Região Administrativa, outra distinta para o Município, uma outra ainda para a Freguesia e, finalmente, uma outra diferente para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, estamos a criar uma panóplia de soluções de sistema de governo, não unificadas por um mesmo princípio orientador quando, do nosso ponto de vista, nada, na boa prática constitucional, justifica a diferença.
Dito isto, a outra questão que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes levanta - e chamou até a atenção, relativamente à diferença de tratamento da proposta do 241.º apresentada pelo PS e da proposta que há pouco apresentámos - é a de saber se sim ou não os executivos devem ser, necessariamente, recrutados de entre os eleitos para as respectivas Assembleias Regionais. Este é o ponto, não é, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É, exactamente.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bom, digo-lhe com franqueza: se este fosse o ponto de divergência entre os nossos dois partidos, eu cedia de imediato e admitiria restabelecer a cláusula da obrigatoriedade do recrutamento entre os eleitos nas Assembleias Regionais - embora lhe diga, também com toda a franqueza, que eu, a título pessoal, acho que não seria a melhor solução porque a solução aberta é aquela que pode favorecer os melhores critérios de composição dos órgãos. Mas, enfim, concederíamos, certamente, sem nenhuma resistência, a definição de um princípio de obrigatoriedade de recrutamento dos membros dos executivos a partir dos eleitos na respectivas Assembleias Regionais. Portanto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que quero que retire daqui, é que esse não será o ponto de discórdia entre o PSD e o PS - faça o senhor, ou farei eu, uma proposta de aditamento à proposta existente, no sentido de exigir a obrigatoriedade de recrutamento entre os já eleitos, e não teremos divergência nisto, independentemente da abordagem pessoal que cada um pudesse fazer sobre a matéria.
Suponho que a verdadeira razão de fundo o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não a enunciou, e a verdadeira, eventual, divergência de fundo entre nós, pode consistir na mecânica do sistema de governo que estamos a prever. Enquanto, inequivocamente, e isso o Sr. Deputado Luís Sá bem o salientou, o PS aposta na introdução de um mecanismo típico da moção de censura construtiva, até ao momento julgo haver uma resistência da parte do PSD a essa solução. Aí sim, parece-me haver motivo para a diferença a existir entre o PSD e o PS nesta matéria. Se for esta a verdadeira diferença, porventura ela deverá subsistir como um ponto de não coincidência entre os dois partidos. Quanto à primeira observação que fez, não quero que ela fique a dividir-nos porque rapidamente superaríamos esse motivo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de esclarecer uma questão que é importante nesta matéria: é que o PS tem uma preocupação muito grande, que é a de uniformizar desde o governo até à freguesia a relação entre as assembleias e os respectivos executivos - prefiro chamar-lhe assim em vez de sistema de governo, porque me parece mais rigoroso. Julgo que, nesta matéria, tem havido razões efectivas para soluções diferenciadas a nível do País, a nível das Regiões Autónomas e a nível de cada autarquia local. Por exemplo, a propósito de cada município, o Sr. Deputado Jorge Lacão utilizou a expressão maioria de apoio parlamentar - creio que não é esta a dinâmica (felizmente, não é) do funcionamento da generalidade dos municípios, mas sim uma dinâmica que assenta, muito frequentemente, mais no conhecimento pessoal, nas relações pessoais, do que propriamente numa organização em grupos parlamentares e no funcionamento com base na disciplina partidária. Eu diria que, em grande medida, excepto talvez nos grandes municípios que também geraram soluções diferenciadas, como é o caso do município de Lisboa, há outra dinâmica que justifica que estas soluções, no fundamental, tenham funcionado.
De resto, a própria lei encarregou-se, talvez para tornar, em determinadas situações, designadamente de maioria relativa, mais governável o próprio sistema municipal, de reforçar os poderes do presidente da Câmara a um ponto em que ele, na prática, é um órgão de administração municipal mesmo se a Constituição não o consagra como tal, dando lugar, eventualmente, até algumas interrogações nessa matéria. Este é um aspecto perfeitamente inequívoco, como se verifica pela análise do conjunto de poderes do presidente da Câmara Municipal: - o poder de distribuir os pelouros, de designar os vereadores a tempo inteiro, de criar um executivo dentro do executivo (que, na prática, frequentemente, funciona assim) e de conduzir uma negociação com um ou mais partidos minoritários no sentido de estabilizar o apoio ao executivo municipal na Assembleia Municipal. Esses poderes têm assegurado que o sistema funcione; e que funcione num aspecto que considero importante, que é o do pluralismo no próprio executivo, assegurando, no fim de contas, que, em vez de hiper-partidarização, haja a possibilidade de conjugação do
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esforço de pessoas de partidos diferentes numa base essencialmente humana, de conhecimento recíproco, e não propriamente de arrumações partidárias.
É nesse sentido que julgo que se justifica manter esta solução a nível municipal e creio que não estou vinculado, de forma nenhuma, a transpor para regiões com 2,5 milhões de habitantes as soluções adequadas para municípios de poucos milhares de habitantes, muitos deles, em que há um conhecimento recíproco bastante profundo entre as pessoas. Sublinho este aspecto: só tem de ser harmonizado aquilo que é igual - quando as coisas são diferentes, há vantagem em manter a diferença. E, já agora, corrijo um aspecto: o Sr. Deputado Jorge Lacão, a determinado momento, disse que "estamos a criar diferenças"; não estamos a criar diferenças - estaremos, quando muito, a manter diferenças que já existem e que o legislador constituinte e o legislador de revisão constitucional ulteriormente quiseram manter, exactamente com a ideia de que aquilo que é diferente deve ser tratado de forma diferente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, sobre esta matéria, queria aditar duas ou três questões que me parecem relevantes. A primeira é uma anotação de algum espanto porque, de facto, nos termos daquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão acabou de dizer, há uma falta de sincronia entre a aposta no reforço da vertente parlamentar dos órgãos autárquicos e aquilo que vem aqui proposto, ou que vem admitido no projecto do PS, para o preenchimento, designadamente, do órgão executivo da autarquia Junta Regional. Se esse reforço da componente parlamentar fosse efectivo, seguindo de perto aquilo que é a tradição dos países onde a componente parlamentar tem muita força, então não faria sentido de todo que se admitisse - ao menos que se admitisse - que os membros da Junta Regional pudessem ser de fora, não eleitos na Assembleia Regional. Não estou com isto a dizer que defendo a solução contrária - estou a dizer que não há uma sincronia entre aquilo que se pretender ser um objectivo fundamental neste domínio e aquilo que, depois, acaba por se admitir vir a fazer no campo eleitoral e no campo da indicação dos membros para a Junta Regional. Mas esta é uma primeira matéria.
A segunda matéria que quero abordar aqui tem muito a ver com aquilo que, quer o meu colega Luís Marques Guedes falou, quer com aquilo que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de referir: julgo que o efeito quase inevitável desta proposta do PS, na prática, vai ser introduzir um factor de grande dificuldade política nos órgãos executivos e nas Juntas Regionais em relação a matérias que, do meu ponto de vista, nada tem a ver com aquilo que estamos aqui a discutir. De facto, as grandes opções que é preciso colocar aqui, neste domínio, são as seguintes: temos o sistema que temos em relação, por exemplo, aos municípios, aos presidentes de Câmara, à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal; e todos nós sabemos que, ao longo dos últimos anos, se foi acentuando a vertente presidencialista, se quiserem, do órgão autárquico Câmara Municipal, não só porque o presidente tem poderes próprios que são relevantes em termos políticos e administrativos, como também, sobretudo nos casos em que há maioria absoluta (e não são tão poucas as Câmaras em que tal acontece), porque as Câmaras Municipais delegam grande parte dos seus poderes no seu próprio presidente - assim, esta vertente presidencialista do governo autárquico tem-se acentuado de forma indiscutível, julgo eu. E até me atrevo a dizer mais: tem-se acentuado de forma indiscutível sem que a população, pelo menos de uma forma de que possamos aperceber-nos, tenha reagido fortemente contra isto, porque a lógica da eficácia que é necessário garantir, é alegadamente mais salvaguardada com um regime destes do que noutro regime, ou, se quiserem, na pureza do regime que está previsto em termos legais e em termos constitucionais. O que é verdade é que tem sido assim, independentemente também de nós considerarmos que está bem ou que está mal - tem sido assim.
Portanto, do meu ponto de vista, aquilo que, de relevante, politicamente, o PS abre com esta discussão, é o seguinte: era importante que o PS clarificasse o que é que entende que devem ser os poderes de uma Junta Regional, neste caso, para não falarmos de uma Câmara Municipal, aqueles que devem ser poderes próprios do presidente da Câmara, aqueles que podem ou não ser delegados no presidente da Junta Regional; e, mais do que isso, quais os poderes que, na Assembleia Municipal (porque alguns deles até são delegados na Câmara Municipal e na Assembleia Regional), tem de ser exercidos iniludivelmente pelo órgão deliberativo - não podem ser delegados no órgão executivo - e quais os poderes da Assembleia Regional cujo exercício aconselha, porventura, a atribuição de capacidade fiscalizadora mais intensa em relação ao órgão executivo a que dizem respeito. Estas é que são matérias relevantes, do meu ponto de vista, e não tanto a questão que é aqui colocada pelo PS. Parece-me que, no fundo, o PS pretende aqui fazer um "bolo" onde julgo que "os ovos" não jogam bem uns com os outros - há aqui coisas que não vão funcionar bem, porque não estão discutidas nem esclarecidas matérias que são fundamentais, essas sim, e que hoje constatamos no dia-a-dia das autarquias locais, sem as quais estamos a discutir no ar e estamos, porventura, a introduzir factores de complicação, roídos, no sistema que hoje existe, bom ou mau, mas com alguma coerência. E não sei se este irá ter, no futuro, se for esta a consagração final da revisão que estamos a fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostava de começar por me ater às considerações do Sr. Deputado Luís Sá mas também a algumas que o Sr. Deputado Miguel Macedo acaba de fazer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, recordo que estamos a discutir o sistema de governo das regiões e não das autarquias locais, em geral, pelo que proponho que nos limitemos a essa questão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Agora é que o Sr. Presidente me criou uma inibição - quer dizer, não sei se agora estou em condições de poder responder aos argumentos dos meus interlocutores anteriores. Sr. Presidente, não me leve a mal, mas não resisto, apesar disso, a dizer duas palavras sobre o assunto. Quero dizer, com toda a franqueza, que acho que podemos perder uma oportunidade - costuma dizer-se, uma oportunidade histórica mas eu chamar-lhe-ei apenas significativa - de reflectir sobre os defeitos do sistema de governo autárquico em sede
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municipal tal como ele se nos apresenta e a experiência nos tem demonstrado. Ao contrário do Sr. Deputado Miguel Macedo, não acho que a evolução do sistema de governo municipal tenha sido positiva: em primeiro lugar, não tem favorecido a chamada democracia local (estou eu a dizer) que devia ser reforçada, do meu ponto de vista, em condições efectivas de maior participação e responsabilidade, e isso passará pela valorização do órgão colegial, que é o órgão de representação plural por excelência.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa. Gostaria de dizer que eu disse que uma das características dos últimos anos foi o acentuar do presidencialismo, independentemente de concordarmos ou não com ele. Não manifestei a minha posição de acordo com essa situação, quero deixar isso claro.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Segundo aspecto da questão. A formação rígida do executivo camarário, tal como ele hoje se nos apresenta, leva a que, por recrutamento na base do princípio da proporcionalidade, os partidos acabem por juntar no mesmo órgão executivo maiorias de governo e minorias de oposição criando executivos contraditórios entre si que conduzem a que o Sr. Deputado Luís Sá tenha que justificar esse aspecto em nome da maior proximidade e da melhor relação humana entre todos.
Sem prejuízo das boas relações humanas, penso que os critérios de eficiência de um órgão de gestão devem ser apurados ao nível da sua racionalidade e tenho dúvidas em admitir uma solução que leve à entronização por um período de mandato de todos os titulares de um poder executivo sem dependência de confiança, para a sua perpetuação, do órgão colegial assembleia municipal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, isso não é verdade!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, então não é verdade que a câmara municipal é eleita autonomamente e que o mandato do presidente e do respectivo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estava a falar em relação às assembleias.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas eu estava a dar o exemplo ainda à luz do sistema de governo municipal.
Sr. Presidente, estava ainda a aludir aos argumentos anteriores do Sr. Deputado Luís Sá relativamente ao sistema de governo municipal e o que estava aí a sublinhar é que esse tipo de formação não me parece positivo e, por isso, justifica que o Partido Socialista faça este esforço de dar coerência a um sistema de governo autárquico que possa ter a linha de coerência aos vários níveis das autarquias locais.
Agora, especificamente e para corresponder ao apelo do Sr. Presidente, sobre a formação da junta regional o que é que está aqui de inovador relativamente à previsão constitucional vigente? São, a meu ver, duas coisas. Primeira, a não exigência, à cabeça, de que a junta regional, para funcionar, tenha que ser objecto necessariamente de uma eleição por escrutínio secreto. Será que esta questão é, política e institucionalmente, muito relevante? Gostaria que reflectíssemos sobre isso.
É que a exigência de uma eleição da junta regional por voto secreto e à cabeça, obrigará a que mecanismos subsequentes de censura política à dita junta regional só venham a ser executados também pelo mesmo método, pelo método escrutínio secreto, o que não me parece, à luz das relações de dependência política (e é o meu ponto de vista) entre órgãos colegiais e executivos, que essa seja a prática de sistema onde quer que a encontremos e onde quer que possamos encontrar soluções comparativas, pois a prática de sistema é a aprovação de moções de rejeição, de censura, que são politicamente votadas nos órgãos colegiais de acordo com o normal funcionamento das regras políticas de deliberação. É assim que acontece no plenário da Assembleia da República, é assim que acontece nos sistemas de governo comparados, sejam autárquicos ou não, em qualquer país da União Europeia. Aliás, basta folhearmos as soluções de governo comparadas e não encontraremos esta metodologia da eleição secreta dos órgãos executivos.
Ora, tendo isto em linha de conta, acho que esta nossa originalidade é pelo menos de duvidosa coerência para aqueles que queiram apontar para dar mais consistência a um princípio de governo fundado numa matriz orientadora.
Pela nossa parte já dissemos que a nossa matriz orientadora é o sistema parlamentar de governo para a composição dos órgãos das autarquias locais. Insistimos em que acharemos bem ou mal, não interessa, que outros possam ter outros pontos de vista mas gostaríamos de os conhecer à luz de um princípio orientador coerente. É esse princípio orientador coerente que, relativamente àqueles que se nos opõem, ainda não vimos suficientemente explicitado a não ser no facto de dizerem que cada autarquia tem uma natureza própria e, como tem uma natureza própria, pode ter um sistema de governo diferente.
Srs. Deputados, falemos com franqueza, os senhores não explicam qual é a natureza própria diferente! Aliás, todas elas são de base democrática electiva fundadas nos mesmos princípios democráticos, todas elas têm exclusivamente funções de natureza administrativa e não política e, portanto, tirando a dimensão territorial diferente e, naturalmente, uma diferente graduação de competências, a natureza intrínseca destes órgãos autárquicos é igual da freguesia à região administrativa. Por isso, e para encurtar razões, digo que, sendo a natureza constitucional das autarquias a mesma na matriz constitucional portuguesa, o mesmo justificaria que o sistema de governo fosse compatível entre eles. Não quero fazer-vos perder mais tempo, a proposta ficará certamente pendente para uma reflexão entre todos os Srs. Deputados e os vários grupos parlamentares. Se houver possibilidades, designadamente a propósito da discussão que ainda teremos que fazer sobre o sistema de governo municipal, de criarmos algumas linhas de aproximação fá-lo-emos com todo o gosto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que estou espantado com a insistência do Sr. Deputado Jorge Lacão numa ideia dita de uniformidade e de coerência pois penso que na ideia de regionalização está exactamente a diferença! E vejo da parte do Partido Socialista e do Deputado Jorge Lacão uma preocupação uniformizadora que vai ao ponto de vir às instituições nacionais - Assembleia da República e Governo - buscar inspiração para o funcionamento das autarquias locais, desde a freguesia à região!
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - É isso que a Constituição da República Portuguesa diz.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Acho que isto é do mais errado que há na análise desta questão!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas, já viu o que diz a Constituição da República Portuguesa?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado insiste em que tudo deve funcionar à imagem e semelhança de pequenos governos e pequenas assembleias da república e nem se consegue, digamos, afastar ou despir de uma ideia, ainda ela centralizadora, na visão regional, que é um transplantar da visão nacional desta estrutura "Governo/Assembleia da República". V. Ex.ª insiste e critica quem não acompanha esta ideia que a vossa proposta veicula afirmando ser uma posição incoerente e de não harmonia. Mas, Sr. Deputado Jorge Lacão, insisto, há que respeitar exactamente a ideia de diferença que a regionalização comporta e, mais do que isso, a ideia de diferença que é fundamental que se mantenha nas autarquias entre si. É evidente que aquilo que é exigido a uma freguesia não é o mesmo que se exige a um município e o que se exige a uma região não é o mesmo que se exige a uma autarquia municipal e, portanto, parece-me de todo errada esta vossa insistência no sentido de parlamentarizar, digamos assim, a solução a nível das futuras regiões administrativas.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já que diz que há aqui uma diferença, é capaz de me explicar qual é ela?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Há aqui uma questão que me faz lembrar a nossa posição inicial, a de deixar toda esta matéria para a lei comum, que talvez fosse uma solução mais avisada do que estarmos a arrastar em sede constitucional esta nossa persistência de constitucionalizar em larga medida tudo e todas as matérias, designadamente, esta que é veiculada nesta proposta do Partido Socialista.
Todavia, ainda me surpreende mais que V. Ex.ª tenha trazido à discussão as regiões autónomas esquecendo que, no que diz respeito às regiões autónomas, estamos perante uma regionalização política que não está em causa naquilo que está a criar em termos de continente que são autarquias locais.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sempre são autarquias locais?!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - São, pelo menos no entendimento constitucional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nessa parte já estamos entendidos, é que há bocadinho as regiões administrativas não eram autarquias locais, mas agora já são! Óptimo
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª não volte a insistir no facto de eu entender que face àquilo que está hoje na Constituição da República Portuguesa são autarquias locais pois é evidente que o são dado ser assim que a Constituição da República Portuguesa as define. Mas não se apegue de novo a isso.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É que há bocadinho não eram!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª não me viu intervir dizendo que não eram, nem o poderia dizer. Face pelo menos àquilo que está hoje na Constituição da República Portuguesa não tenho dúvidas absolutamente nenhumas de que são autarquias locais.
Mas V. Ex.ª volta a apegar-se a esse argumento para dizer que, como são autarquias locais, temos que as tratar numa solução igual do princípio ao fim.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Pelo menos podemos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso não me parece adequado e muito menos acho minimamente razoável a comparação com a solução das regiões autónomas que, essas sim, não são autarquias locais e têm autonomia política a não apenas administrativa.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão já se tinha debruçado sobre o sistema de governo, para usar o conceito que referiu, das autarquias locais no seu conjunto, numa intervenção recente mas voltou a fazê-lo. No entanto, vou tentar referir-me apenas às regiões administrativas não sem antes fazer uma observação.
É que o Sr. Deputado Jorge Lacão, referindo a proposta de uniformização nesta matéria, utilizou a expressão "nós propomos a consagração do sistema parlamentar de governo" mas creio que é evidente para todos que o sistema parlamentar de governo em situações de estado de partidos, de domínio dos sistemas eleitorais pelos partidos, e dos sistemas de governo pelos partidos, é sempre actualmente ou sistema de monarquia electiva de primeiro-ministro ou sistema de presidencialismo de primeiro-ministo. A única forma de atenuar um pouco este facto é tentar, por todas as formas, reforçar os poderes das assembleias.
Ora, a proposta do Partido Socialista, designadamente, a proposta de eleição directa do presidente da junta regional, vai exactamente no sentido contrário, ou seja, vai no sentido de reforçar ainda mais do que aquilo que o próprio sistema parlamentar de governo (para utilizar de novo a expressão do Sr. Deputado Jorge Lacão) gera e vai ainda mais no sentido de conduzir a um extremo reforço dos poderes e do protagonismo do presidente da junta regional. Isto já é verdade mesmo sem eleição directa, gerando inclusivamente comportamentos como a apresentação pelos partidos de candidatos a primeiros-ministros. No futuro, mesmo mantendo o actual sistema que está na Constituição da República Portuguesa, os partidos apresentarão candidatos a presidentes da junta regional. O que fariam se este reforço de poderes e protagonismo fosse estimulado pela própria Constituição da República Portuguesa e pela lei ao consagrar a eleição directa do presidente da junta regional? Obviamente que este facto não poderia deixar de empobrecer fortemente o papel dos restantes membros do executivo regional e, por outro, acima de tudo, o papel dos membros da assembleia regional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Concorda com isso para 305 autarquias de base municipal mas não concorda com isso para nove regiões administrativas?!
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, já tentei expor o ponto de vista de que entendo que uma coisa são regiões de 1,5 ou de 2,5 milhões e outra são pequenos municípios em que as pessoas se conhecem, se encontram no dia-a-dia no café e em que não tem que ser dominante a dinâmica partidária, e em muitos deles não é. Eventualmente poderia estudar-se um dia uma possibilidade de sistemas diferentes consoante a dimensão dos municípios mas creio, em todo o caso, que a experiência é prematura e não a preconizo porque acho que o sistema tem funcionado e pode funcionar. No entanto, gostaria que não me arrastasse de novo para um campo em que não corresponderia ao apelo que legitimamente o Sr. Presidente nos fez.
Por outro lado, creio que esta proposta tem um aspecto que não deixa de ser também importante no sentido de sublinhar o papel e o protagonismo do presidente. É que enquanto na versão actual do texto da Constituição da República Portuguesa os membros da junta regional são eleitos pela assembleia regional, de acordo com a proposta do PS teriam que ser propostos pelo presidente. E com mais um aspecto, que é de sublinhar, que é a preferência do Partido Socialista por uma solução em que não tenham sequer que ter sido sujeitos ao sufrágio e que, portanto, possam ser pessoas da confiança pessoal do presidente, do seu partido, mas que não se tenham submetido ao sufrágio oportunamente. Creio que esta solução conduz, por um lado, a uma falta de legitimação suficiente dos membros da junta regional em relação àquilo que está actualmente consagrado e, por outro lado, também por esta via, sublinho-o, há o reforço do presidente e há o apagamento da assembleia regional no sistema.
Há também um outro aspecto, que é de sublinhar - e aqui não vou invocar outras soluções, como a proposta para o artigo 197.º, que é a moção de censura construtiva.
Já há mecanismos actualmente na Constituição que procuram, designadamente a nível do País, salvaguardar e proteger situações de minorias ou, se quisermos, de maiorias relativas, de executivos minoritários. E aquilo para que se aponta, e mais ainda na versão anterior, é para o que se poderia chamar "a governabilidade por meios burocráticos", designadamente a governabilidade contra as assembleias regionais, no momento em que a própria solução de governo regional é gerada, para além do aspecto de que os partidos menores são claramente discriminados ou vêem o seu papel apagado. É evidente que, segundo as regiões, os partidos minoritários são diferentes; no norte pode ser um, no Alentejo pode ser outro. Portanto, os partidos minoritários, os partidos que não têm a maioria relativa vêem o seu papel fortemente apagado no funcionamento do sistema administrativo municipal. E este propósito, como é evidente, foi querido, não é um resultado não intencional, e não merece também por aí o nosso acordo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, para concluir, quero dizer, com toda a franqueza, que os argumentos que ouvi aduzir aos Srs. Deputados sobre a diferente natureza entre as autarquias locais, não tem ponta por onde se lhe pegue. São completamente inconsistentes. E o que é curioso é que os Srs. Deputados disseram "são diferentes", "são diferentes", mas nenhum sustentou a razão substantiva da diferença.
Por isso, pergunto: são ou não fundado em dois órgãos, um executivo e uma assembleia representativa? São!
Têm ou não meramente funções administrativas e não políticas? Sim!
Depende ou não, em princípio geral deveria ou não depender o executivo do órgão colegial? Devia!
Está afectada, porventura, a regra do pluralismo político-partidário? Não está!
Faz ou não sentido que a dependência da confiança dos órgãos executivos face aos órgãos representativos deva ser um princípio prevalecente? Faz todo o sentido!
Tudo isto dito, faz ou não sentido que haja uma coerência sistémica no processo de formação do sistema do Governo do conjunto das nossas autarquias locais? Pela nossa parte, dizemos: faz inteiro sentido!
Verdadeiramente, percebo as razões do PCP em não querer abrir este sistema. O PCP não quer abrir este sistema porque está muito agarrado a ele, ao nível da formação do governo autárquico municipal, por razões que têm que ver com as expectativas de um partido minoritário ter participação no órgão executivo camarário.
Devo dizer-vos que esta questão teve tudo a ver com as preocupações iniciais de formação dos partidos e de influência dos partidos sobre a sociedade, mas que não deve ser hoje a lógica partidária a comandar os melhores critérios de eficiência democrática. Não deve ser! E se mantivermos a forma constitucionalmente existente, significa que há uma lógica de interesse partidário a prevalecer sobre a melhor lógica do interesse público. É isto que nós vos dizemos!
E mais, por causa disto não compreendemos a posição do PSD, porque é de tal maneira inconsistente e contraditória neste ponto que leva a uma solução de distorção objectiva da vontade dos eleitores, com quebra da regra da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos, para fundar um executivo artificial com bónus de mandatos que não correspondem aos votos expressos. Ora, esta solução - que ainda não discutimos mas teremos oportunidade de o fazer -, que é inconsistente do ponto de vista da harmonia do sistema eleitoral, era muito mais resolúvel do nosso ponto de vista com uma solução que, sendo toda ela coerente, assentava num bom princípio democrático, do respeito integral pela vontade dos eleitores, e num bom princípio constitucional, da harmonização de sistemas de governo nos vários escalões das autarquias locais, constitucionalmente previstas.
Verdadeiramente, Srs. Deputados - e com isto quero encurtar razões -, suponho que a cortina de fundo que o PSD faz sobre este assunto não tem que ver com vários dos argumentos laterais que os Srs. Deputados penderam. Do meu ponto de vista tem a ver apenas com um receio de dar, a propósito do sistema de governo autárquico, introdução ao instrumento da moção de censura construtiva, que os senhores não querem fazer aplicar no sistema de governo nacional. E como não querem fazer aplicar no sistema de governo nacional, não querem abrir o precedente de o deixar introduzir no sistema de governo autárquico. Veremos se tenho ou não razão naquilo que acabei de afirmar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, antes de lhe dar a palavra, permita-me que faça um pedido. Penso que chegámos a uma situação em que os argumentos estão dados, peço-vos que não os repisemos e que demos como encerrada esta questão.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, também acho que tem razão, só quero concluir.
Sr. Deputado Jorge Lacão, não vale a pena pôr esse ar teatral ao dizer que está a prever, quando toda a gente sabe, eu próprio já o disse na última reunião e reafirmei hoje, que o PSD é contra a moção de censura construtiva. Não é preciso prever nada, não há aqui bruxedos, não há "cortinas de fumo". O PSD é contra a moção de censura construtiva. Ponto final!
Portanto, não vale a pena dar aqui a ilusão de que é uma antecipação que se está a ter...
O Sr. José Magalhães (PS): - Um oitavo da revisão constitucional está feito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, isso já foi dito aqui por nós várias vezes, não vale a pena lançar a ideia de que há "cortinas de fumo" ou o quer que seja. O PSD tem sido claro sobre essa matéria. Se terá ou não que evoluir nessa posição é uma questão completamente diferente. Agora, Srs. Deputados, o que não é sério é o que ouvimos dizer de que o PSD anda com meias palavras, quando não é assim.
Quanto à questão das regiões, estava aqui a tentar não intervir, mas não posso deixar de o fazer quando o Sr. Deputado Jorge Lacão inicia a sua última intervenção, espezinhando - e é o único termo que consigo encontrar - oito séculos de tradição municipalista em Portugal.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Democrática! Democrática!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei se democrática, se não! Sabe perfeitamente que não se pode transportar modelos políticos para épocas perfeitamente distintas. Isso não é assim!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Esta agora veio em defesa da honra!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado espezinha aqui 800 anos de tradição municipalista em Portugal, com a qual o PSD não pode estar minimamente de acordo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Explique lá isso!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado veio dizer que para si é totalmente igual, que nenhum de nós é capaz de ver diferenças entre as freguesias, os municípios, as regiões, que não há diferenças nenhumas. Foi assim que o Sr. Deputado começou a sua intervenção, face à qual não me posso calar. De resto, já suspeitávamos que era essa a sua posição e a do PS, basta olhar para o projecto de revisão constitucional do PS para se verificar que o PS termina ou pretende terminar - espero que não seja possível chegarmos ao fim da revisão constitucional com uma solução desse tipo - com a eleição dos presidentes de câmara. O PS acha que não é importante, não percebe que as populações, por esse país fora, na esmagadora maioria das vilas deste país, votam no seu presidente de câmara muito mais do que na assembleia municipal. Toda a gente sabe, quem conhece o mundo autárquico, que as pessoas, nos concelhos, nas aldeias, nas vilas deste país, sabem quem é o seu presidente de câmara e não sabem quem é o presidente da assembleia municipal, nem ligam. Esta é a verdade que tem que ver com sentimentos muito próprios, com um enraizamento de oito séculos de tradição municipalista em Portugal.
Pensamos que é contra isso que iria a proposta de uniformização como a que o PS apresentou, com a qual não estamos minimamente de acordo. Para nós, o centro do poder local terá sempre de continuar a ser o município à volta do qual poderá haver uma autarquia de menor dimensão, como é a freguesia.
Uma vez que o PS não está disponível, conforme o PSD propunha, para deixar as regiões condicionadas ao referendo nacional, à vontade dos portugueses; uma vez que o PS quer que as regiões continuem perfeitamente constitucionalizadas de uma forma imperativa no texto fundamental, haverá uma outra autarquia de grau maior que são as regiões, mas para nós o centro continuará sempre, sempre, a ser o município. E não aceito essa teoria dos círculos concêntricos, a começar no mais pequenino, a freguesia, depois o município e depois a região. As coisas não são assim, as diferenças qualitativas são evidentes. Se o Sr. Deputado não as consegue entender à volta desta Mesa pode ler um qualquer livro de História de Portugal e vai, de certeza, encontrar aí a razão de ser da diferença entre os municípios e os outros níveis autárquicos, criados pela Constituição de 1976.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, peço-lhe que...
O Sr. Luís Sá (PCP): - É só para corresponder ao apelo do Sr. Presidente. Na verdade, os argumentos, como aliás já os referiu o Sr. Presidente, estão expostos.
No entanto, gostaria de, neste quadro, não deixar de fazer um apelo, uma vez que o Sr. Deputado Jorge Lacão, para argumentar, resolveu dizer que o PCP, designadamente a nível dos municípios, queria proteger interesses partidários.
Creio que não devemos entrar por aí. Estive aqui a defender pontos de vista que têm a ver com as minhas convicções e com as do meu partido sobre aquilo que é melhor para o sistema de administração local, não estive a defender interesses partidários. Se entramos por este caminho, direi que o PS está extremamente interessado na governabilidade por meios burocráticos porque tem muitas maiorias relativas no País, porque conta ter mais nas regiões. Não vamos a parte nenhuma por essa via! Portanto, faço um apelo, para agora e para futuro, no sentido de que não façamos processos de intenções.
Todavia, eu até poderia dizer que, se fizermos as contas, o PCP ficaria com mais eleitos com o sistema que o PS propõe; que, se calhar, se tiver a maioria nalguma região administrativa, se houver regiões administrativas, é uma maioria relativa; que o sistema que o PS propunha; protege essa maioria de eventuais acordos do PS com o PSD, etc... Mas não vamos entrar por aí, eu não fiz conjecturas sobre interesses partidários, fiz conjecturas de Estado e com preocupações de outro tipo. Portanto, este tipo de afirmações não leva a nada e prejudica o andamento dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é tempo de encerrarmos esta discussão, no entanto, não poderei fazê-lo enquanto tiver inscrições.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, uma breve palavra ao que o meu colega Luís Marques Guedes adiantou, que julgo que toca o âmago da questão.
De facto, o que está aqui em causa é saber qual é a pedra angular do sistema. O PSD privilegia o município dentro de uma longa tradição no País e o PS, pelos vistos, quer agora privilegiar outro tipo de orientação, em que a região para ele será também e, sobretudo, até o órgão principal ou, pelo menos, quer colocá-lo em igualdade com os municípios.
Nessa medida, tendo em atenção a composição da assembleia regional, que tem uma composição mista, e tendo em conta que a igualdade de tratamento do órgão da assembleia regional deve merecer ao PSD o mesmo tratamento, significa que tanto pode vir a ser eleito presidente uma pessoa eleita para a assembleia regional como pode ser obviamente uma pessoa que faz parte da assembleia regional pela eleição indirecta, vindo do poder local, do poder municipal.
Nessa medida, em nome da tradição municipalista e em nome da pedra angular do sistema, que mantemos e queremos manter, entendemos que devemos manter a redacção do artigo 261.º, só por isso. E a filosofia de fundo que está na mesa é diferente da vossa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, aceitarei sempre com fair play as críticas que me forem dirigidas, mas elas também têm de ter o mínimo de sustentação.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, só por absurdo é que pode invocar os 800 anos de história para discutir uma matéria que se coloca, em termos de organização democrática do País, na perspectiva de uma Constituição que tem 20 anos de vida, ou menos. É exclusivamente disso que se trata. Deixe lá os 800 anos de história e não invoque razões de natureza essencialista, portanto, ideologicamente fundamentalista, para discutirmos, com racionalidade crítica, que é disso que se trata, os melhores processos constitucionais de validar a democracia local.
Colocados os pontos nos iis, permita-me então que passe à substância. E a substância a não perder de vista é aquilo que os Srs. Deputados, mais uma vez por razões que me parecem derivar mais do preconceito do que da boa interpretação da Constituição vigente, não querem admitir que, quando falo de situações homólogas, estou a falar de uma realidade chamada autarquia local, que a Constituição trata de forma simétrica. Permitam-me que vos leia o artigo 241.º da Constituição, relativamente aos órgãos das autarquias locais: "1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão colegial executivo perante ela responsável.
2. A assembleia será eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos residentes, segundo o sistema da representação proporcional.".
Srs. Deputados, é na base destes dois princípios orientadores que se enquadra e circunscreve a proposta ou as propostas apresentadas pelo PS. E não é pela viciação destes princípios constitucionais ordenadores, é dentro...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já leu o artigo 260.º?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado? Estou a falar dos princípios ordenadores e é dentro destes dois princípios que se enquadra a proposta do PS!
Os Srs. Deputados dizem: "Bem... Nós damos maior prevalência ao municipalismo e, por isso, não queremos uma solução simétrica para as regiões administrativas". Qual o valor deste argumento? O valor do argumento poderá ser aquele que foi afirmado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quando admitiu que a solução do PS poria em causa ou enfraqueceria a função do presidente da câmara municipal? É que não põe, nem enfraquece, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Acaba com a função do presidente!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não, Sr. Deputado! Ao continuarmos a admitir e a prever que o presidente deve ser o cabeça-de-lista da lista mais votada, sem embargo da aplicação da possibilidade de alternância, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estamos a colocar um problema sobre o qual o Sr. Deputado deveria reflectir: trata-se de saber se, à luz de um sistema democrático genuíno, o órgão executivo deve ter um princípio de fixação por mandato ou, pelo contrário, deve, em princípio, poder estar dependente de uma relação de confiança política relativamente a um órgão de representação parlamentar. Tudo depende da resposta que der a uma pergunta deste tipo, Sr. Deputado Luís Marques Guedes. E o que lhe digo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, se me permite...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, nem sequer relativamente às assembleias existe a simetria que tão pomposamente invoca, porque, para além do artigo 241.º, também existe o artigo 260.º, onde claramente se refere um sistema de eleição da assembleia regional que é distinto do previsto no artigo 241.º ou, pelo menos, tem especialidades que não existem nem nas assembleias de freguesia, nem nas assembleias municipais. Isso, quanto às assembleias! Quanto aos órgãos executivos, se o Dr. Jorge Lacão se der a esse trabalho, pode verificar que, na Constituição, os três níveis de autarquias actualmente existentes, a saber, freguesia, câmara municipal e região administrativa, têm, cada um deles, um tratamento diverso quanto à formação do órgão executivo. Portanto, essa sua lógica da simetria cai por base e é preciso que seja corrigida, pois o Dr. Jorge Lacão fundamenta toda a sua argumentação a partir de um pressuposto que é errado, que é falso!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Qual é o pressuposto errado, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É o de que há uma simetria no tratamento constitucional, o que não é verdade!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vamos ver se nos entendemos de vez. Quando me interrompeu, estava...
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, veja a Constituição!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vou fazer um esforço para ver se o Sr. Deputado me compreende. Pode ser que desta vez eu consiga.
O Sr. Deputado tinha feito uma acusação, que considerei insustentada, relativamente ao facto de a proposta do PS para o artigo 241.º ter como consequência um enfraquecimento do estatuto do presidente da câmara municipal. Recorda-se de, há pouco, ter feito essa acusação?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não fiz! Fiz a afirmação de que estava a subalternizar o municipalismo! Foi essa a acusação que fiz e que mantenho!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Fez, fez! E como fez essa acusação, neste momento estava a responder-lhe relativamente à incidência da nossa proposta sobre o sistema de governo municipal. E estava a colocar-lhe uma questão, não em termos de interpretação do direito constitucional actual nesse ponto mas em termos da possibilidade de o corrigir.
O Sr. Deputado conhece algum sistema de governo autárquico, nos países da União Europeia, que tenha uma regra de formação dos executivos camarários, tal como nós a adoptámos para Portugal? Pessoalmente, não conheço, mas pode ser por deficiência de informação.
O Sr. Deputado quer convir comigo em que a razão fundamental pela qual os partidos, na Assembleia Constituinte, adoptaram originariamente esta solução, foi porque todos estavam preocupados com o processo da sua própria implantação na sociedade portuguesa e, por isso, criaram um mecanismo de participação autárquica, de modo a todos poderem ter uma participação no executivo camarário e, portanto, alguma palavra a dizer na influência autárquica do respectivo município?!
Ora, O Sr. Deputado e eu poderíamos admitir que esta preocupação dos partidos na fase genética da democracia teve todo o sentido histórico mas que, hoje, à luz da experiência volvida, talvez fosse de abandonar a prevalência do interesse partidário na formação dos executivos camarários, para adoptarmos outros princípios de interesse público, designadamente o da coerência intrínseca do executivo e o da dependência política efectiva do executivo camarário relativamente à assembleia municipal.
Dito isto, Sr. Deputado, voltemos, então, ao órgão regional. No caso da região, é verdade que a Constituição já prevê essa hipótese, ou seja, já prevê a solução de a junta regional depender de um processo de confiança política da assembleia regional. Sendo assim, o que é que está em causa na proposta do PS? Do nosso ponto de vista, o que está em causa é a melhoria do sistema, na medida em que permitimos que, tal como a Constituição já admite, a junta regional seja de formação indirecta, em face da assembleia regional, e sendo de formação indirecta, possa, nas regras de validação e na dependência de confiança, fazer actuar o instrumento da moção de censura construtiva. Como vê, Sr. Deputado, a grande diferença de argumentação entre nós, neste ponto, volta sempre ao mesmo sítio, ou seja, andamos à roda e à roda, para depois concluirmos que aquilo que nos separa, de essencial, talvez seja a introdução ou não da moção de censura construtiva no processo da confiança política da junta regional e na dependência da junta relativamente à assembleia regional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É de certeza!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, respeito essa diferença - não concordo, mas respeito -, entendo é que não está habilitado a invocar 800 anos de história, por causa da história da moção de censura construtiva.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão. Creio ser óbvio que esta proposta do Partido Socialista não tem viabilidade, pelo menos na fase actual da discussão, pelo que vamos passar ao artigo 262.º.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas fica pendente na Mesa, não é verdade, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Fica, Sr. Deputado. Até agora não temos feito votações, portanto, quando as fizermos, ver-se-á.
Em relação ao artigo 262.º, há duas propostas de eliminação, uma do PS e outra do CDS-PP, e supervenientemente surgiu uma outra proposta do Partido Socialista, a qual foi apresentada hoje e já foi distribuída.
Peço aos Srs. Deputados proponentes de cada uma das propostas que as explicitem, se assim o desejarem.
A proposta de eliminação do PSD...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já está explicada!
O Sr. Presidente: - ... integra-se na proposta geral de desconstitucionalização da matéria da regionalização e, como não se encontra presente nenhum representante do CDS-PP, pergunto aos Srs. Deputados do Partido Socialista se alguém quer explicitar a proposta...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Relativamente ao artigo 262.º, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Exacto!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, ofereço-me para o fazer e informo que se trata de uma explicação muito singela.
Julgo, com toda a franqueza, que poderíamos evoluir num de dois sentidos: ou no sentido da proposta do PSD, que é a de eliminação do artigo, ou...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Registamos isso com muito agrado, pois é capaz de se contagiar a outras normas!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, não se excite tanto, porque não é caso para isso!
Como estava a dizer, podemos evoluir para um de dois sentidos: ou no sentido da eliminação do artigo, de acordo com a proposta do PSD, ou em transformar o que, neste momento, é um imperativo constitucional numa faculdade constitucional. Aliás, por isso mesmo, apresentámos uma proposta que vai no sentido de a regra imperativa passar a ser, como já disse, uma faculdade constitucional. Trata-se de uma formulação que torna o sistema mais flexível e, tornando o sistema mais flexível, demonstra melhor, talvez, que não seria inoportuna a eliminação do artigo 262.º.
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Portanto, convido os Srs. Deputados do PSD a estabelecerem consenso com o PS em relação a uma de duas opções: ou a adoptarmos a proposta que o PS hoje apresenta ou a admitirmos, nós, a eliminação do artigo 262.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão. Quem pretende pronunciar-se sobre as propostas que estão em cima da Mesa?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, julgo que não faz sentido esta fórmula proposta para o artigo 262.º, penso que se trata apenas de uma redacção preparatória da posição de facto que me parece assumida pelo Partido Socialista, que é, efectivamente, a da eliminação do artigo 262.º.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista tiveram necessidade de preparar, politicamente, uma posição mais radical e fizeram circular esta proposta, quase anunciando, à partida, o seu abandono.
Da minha parte e do PSD, registo a aproximação que o Partido Socialista faz à nossa própria posição, já assumida no texto do projecto de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que pode ter um sentido e uma lógica manter o representante do Governo e também pode ter um sentido e uma lógica a sua eliminação. Julgo que terá menos lógica, ou, pelo menos, gostaria de entender melhor, a remissão para o legislador ordinário de algo que tem a ver com a articulação entre o Governo do País e as regiões administrativas.
O problema que se coloca, nesta matéria, em minha opinião, é fundamentalmente o seguinte: importa perguntar se, por detrás da opção relativa ao artigo 262.º, não há uma opção em matéria do que devem ser as regiões administrativas. Olhamos, por exemplo, para a Europa comunitária e vemos que existe uma grande multiplicidade de modelos nesta matéria. Naturalmente, há distinção entre regiões políticas e regiões administrativas, mas, mesmo dentro das regiões administrativas, há uma situação bastante diferenciada, por exemplo, entre as regiões de estatuto ordinário italianas e as regiões francesas, que, como é sabido, têm substancialmente menos poderes.
Actualmente, temos uma experiência nesta matéria, que é a obrigação, por via do artigo 291.º, como norma transitória, da existência de um Governador Civil com poderes de tutela em relação às autarquias. E, neste momento, temos uma situação extremamente curiosa: é que estamos a discutir na Assembleia da República a revisão da lei da tutela, quanto a esta matéria,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Sr. Luís Sá (PCP): - ... e olhamos para o quadro que já existe no País, inclusive para o consenso possível entre os partidos, e perguntamos para que é que serve o Governador Civil. Eventualmente, todos diremos que não serve para nada, a não ser para cumprir o artigo 291.º, porque os poderes de tutela cabem ao Governo, com a Inspecção-Geral do Equipamento e Administração do Território e a Inspecção-Geral de Finanças a desempenharem todo o papel no terreno. O Governador Civil, quando muito, serve de elo de transmissão entre o Governo e as autarquias locais, mas tem poderes extremamente diminutos ou praticamente apagados nesta matéria.
Neste momento, temos uma situação de prático desaparecimento do distrito, de fortíssimo apagamento da figura do Governador Civil, a não ser como figura partidária e, acima de tudo, para o interior do respectivo partido, pelo que a questão que se coloca é a seguinte: se vamos ter regiões como meras comissões técnicas electivas, com um papel extremamente apagado, como parecem apontar algumas formulações de dirigentes do Partido Socialista, então, entendo que deve assumir-se claramente a eliminação do artigo 262.º; se, pelo contrário, vamos ter regiões administrativas com um papel importante, particularmente no planeamento e gestão de fundos comunitários, assumindo as competências que, actualmente, cabem às comissões de coordenação regional, com funções meramente administrativas, claramente administrativas, mas, em todo o caso, significativas, então, há que ponderar se não é de manter a figura do representante do Governo.
Na minha opinião, em todo o caso, quer se opte por manter ou não manter, julgo que esta matéria não deveria caber ao legislador ordinário. Com base numa ideia que resulta, aliás, do projecto do PCP, em matéria de atribuições das regiões administrativas, estas devem ter poderes importantes e bastante significativos e, portanto, poderá haver lugar para uma figura coordenadora dos serviços periféricos da administração central e de articulação com a administração regional. Agora, se se quer uma administração electiva, mas extremamente apagada, então é melhor assumir, pura e simplesmente, a sua eliminação.
Em todo o caso, creio que era de reflectir melhor sobre o que está por detrás desta proposta, designadamente se há ou não modelos de regionalização com base naquilo que se propõe.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma pequena precisão. É evidente que a proposta do PSD, de eliminação do artigo 262.º, tal como o Sr. Presidente já afirmou - apenas quero reiterar o que já aqui foi dito -, insere-se no objectivo genérico de retirar da Constituição a imperatividade da regionalização e, como tal, essa é uma questão que, em momento posterior, não pode ser analisada caso a caso.
Pareceu-me, pelo que aqui foi dito, que o Sr. Deputado Jorge Lacão aderia à nossa tese de eliminação do artigo 262.º, mas aderir à nossa tese significa eliminar o artigo 262.º e, também, os artigos 261.º, 260.º, 259.º... Portanto, não pode haver aqui interpretações parcelares da proposta do PSD! Que fique registado que a proposta do PSD não é de eliminação singular do artigo 262.º, porque isso poderia trazer uma leitura totalmente diferente.
De qualquer forma, com toda a franqueza, não consigo entender bem o alcance da proposta do Partido Socialista. De facto, o Sr. Deputado Luís Sá já chamou a atenção para o problema da tutela administrativa, em relação ao qual, de resto, existe uma proposta de lei do Governo
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socialista, muito recente, que está em discussão nesta Assembleia, em sede de especialidade, onde se faz referência clara a uma tutela que, embora diminuta, não é inexistente. Aliás, até há, salvo erro, na própria proposta de lei, referências claras, dentro do instituto da tutela, à solução do governador civil ou do representante do Governo nas regiões no momento da sua implementação.
Portanto, o próprio Partido Socialista, através da proposta de lei do seu Governo, mantém a lógica da intervenção de um representante governamental junto das autarquias dentro do funcionamento da tutela administrativa. Ora, como parto do princípio de que estas propostas, pese embora os erros semânticos do artigo 261.º, não foram feitas "sobre o joelho", mas são produto de uma maturação interna, pergunto ao Partido Socialista o seguinte: se, de facto, a vossa intenção não é - porque tal seria incoerente com o vosso projecto de alteração da Lei de Tutela Administrativa - a de fazer retirar a autarquia região do controlo levado a cabo no âmbito da tutela por parte dos representantes do Governo, então qual é?
Será que a expressão "poderá" quer dizer que nalgumas regiões o Governo nomeia um governador civil e noutras já não, adoptando uma solução do tipo: "algumas embaixadas têm sede em Madrid e o embaixador estende a sua intervenção diplomática a Portugal"? Será que algumas regiões serão contempladas com um representante governamental e outras não? No fundo, o que é que se pretende?
Com efeito, da leitura conjugada desta disposição com o problema da tutela e as demais propostas do Partido Socialista, reitero que não se infere, minimamente, que se queira fazer "escapar" a autarquia região dessa mesma tutela administrativa. Portanto, se não é esse o objectivo, então qual é?
O Sr. Presidente: - Para esclarecer este ponto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é manifesto que a nossa crença relativamente àquilo que tem sido, tradicionalmente, o papel do governador civil é diminuta. Entendemos que, hoje em dia, a função do governador civil está em claro declínio administrativo e, para falar com inteira franqueza, a experiência recente tem demonstrado que o governador civil tem exercido mais funções clientelares a favor do partido do Governo do que, verdadeiramente, funções administrativas a favor do serviço público.
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, deixem-se de picardias e assumam também uma posse de Estado!
Nesta matéria, Srs. Deputados, não gostaríamos que a opção pela existência de um delegado do Governo na região tivesse de resultar, apenas e só, da rigidez de um imperativo constitucional. Seria melhor que criássemos uma possibilidade de flexibilidade para que a opção pudesse ser tomada em sede de legislação ordinária, de acordo com um critério político do exercício territorial das funções do Governo e do modo deste se representar e articular com as regiões administrativas.
Do nosso ponto de vista, esta questão é resolúvel em sede de direito ordinário e, como tal, em matéria de técnica constitucional, teremos de optar por uma de duas soluções: ou pela eliminação do artigo 262.º, ou então por uma faculdade constitucional que não torne imperativa a figura constitucionalmente prevista.
Não acompanhamos o Sr. Deputado Luís Sá naquela interpretação um pouco "tremendista" acerca das concepções maximalistas ou minimalistas das atribuições e competências das regiões administrativas. Não vamos por esse caminho e não é isso que nos preocupa.
Portanto, com toda a franqueza e sem qualquer reserva mental, convidamos os Srs. Deputados a ponderar uma de duas soluções possíveis: ou uma previsão constitucional com faculdade legal de criação, ou a eliminação da disposição constitucional, o que não tornará, no futuro, inconstitucional a hipótese de haver um delegado governamental junto das regiões.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não está ninguém inscrito, mas a questão mantém-se em aberto: optamos pela eliminação ou pela substituição?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Fica em aberto, Sr. Presidente, não há crise!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, era altura de ir "fechando" alguma coisa!...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, esta primeira leitura também serve para aplanarmos pontos de vista...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, então fica em aberto a possibilidade de eliminar ou de substituir o artigo 262.º.
Em matéria de regiões administrativas, ainda há a considerar as iniciativas cívicas, as propostas dos cidadãos que apresentaram petições à Assembleia da República. Como não as poderemos discutir uma a uma, farei a seguinte proposta procedimental: em relação a cada artigo em que haja propostas de alteração apresentadas por cidadãos, e caso não estejam prejudicados, darei uns breves segundos aos Srs. Deputados para fazerem a respectiva leitura e se inteirarem das propostas que estão em causa, para o caso de quererem perfilhar ou adoptar alguma delas para discussão. Ficam ressalvados, como é óbvio, os casos prejudicados, isto é, aqueles que já foram objecto de decisões.
Posto isto, creio que podemos passar ao artigo 255.º da Constituição. Existem propostas apresentadas pelos cidadãos Jorge Miranda, Isaías Araújo de Sousa, José Inácio Rosa Tatá e pela Associação Cívica Política XXI.
Srs. Deputados, estão em apreciação.
Pausa.
Não havendo ninguém que perfilhe estas propostas, e uma vez que as relativas ao artigo 256.º estão prejudicadas, porque já houve uma decisão nesse sentido, passamos às propostas relativas ao artigo 257.º (atribuições das regiões). Informo os Srs. Deputados que existem propostas dos cidadãos Jorge Miranda, Victor Manuel da Silva Garcia e da Associação Cívica Política XXI.
Algum dos Srs. Deputados perfilha ou adopta para discussão estas propostas?
Pausa.
Não havendo a adopção de nenhuma proposta para discussão, passamos ao artigo 258.º. Existem propostas do cidadão Victor Manuel da Silva Garcia e da Associação Cívica Política XXI. Este artigo também já foi discutido
Pausa.
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Não havendo qualquer sugestão de adopção destas propostas, passamos ao artigo 260.º, sobre a composição da assembleia regional, designadamente às propostas dos cidadãos Jorge Miranda, Isaías Araújo de Sousa, Victor Manuel da Silva Garcia e da Associação Cívica Política XXI. Estas propostas vão desde a eleição indirecta da assembleia regional até à hipótese deste órgão ser composto pelos presidentes das câmaras municipais da região.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer o seguinte: para além do que já resulta do debate anteriormente feito e que, da nossa parte, significa a impossibilidade de fazer cair propostas que apresentámos sobre a composição dos órgãos, gostaria de sublinhar que alguns dos proponentes incluem aqui uma menção a uma questão que inserimos noutra sede e que merece todo o nosso apoio...
O Sr. Presidente: - Refere-se às candidaturas?
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto, Sr. Presidente, refiro-me à questão das candidaturas apresentadas por cidadãos independentes, que será discutida noutra sede e merece, como é óbvio, toda a simpatia.
O Sr. Presidente: - Os artigos não ficam prejudicados nessa matéria.
Passando ao artigo 261.º, relativo à composição da junta regional, temos propostas dos cidadãos Isaías Araújo de Sousa e Victor Manuel da Silva Garcia. Esta é uma matéria já muito discutida, quer na reunião presente, quer na anterior.
Desde logo, uma das propostas coincide com a do Partido Socialista. Refiro-me àquela onde se propõe que o presidente da junta seja o cidadão que encabeça a lista mais votada na eleição à assembleia regional. Estas propostas são, pois, de algum modo, convergentes com as do Partido Socialista que já foram discutidas, pelo que não há que reeditar a discussão.
Assim, passamos ao artigo 262.º, relativo ao representante do Governo na região, para o qual não foram apresentadas propostas de alteração. No entanto, existe uma proposta de aditamento... Ora, se bem entendo, não podemos discutir propostas em relação a artigos para os quais os Deputados não propuseram alterações.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é que é precisamente esse o caso da proposta de aditamento de um artigo novo - 262.º-A -, de criação daquilo a que se chamou um provedor regional e do poder local ou, em alternativa, provedor autárquico. Ora, sem sequer me pronunciar sobre a substância da ideia, que, aliás, poderia eventualmente ter virtualidades, devo dizer que não há qualquer possibilidade de introduzir esse aspecto em juízo nas presentes circunstâncias...
O Sr. Presidente: - Pois não.
O Sr. José Magalhães (PS): - Os serviços não seguiram esse critério e, aliás, não seria suposto que, por sua própria iniciativa, eliminassem propostas. Portanto, suponho que a Mesa e a Comissão é que terão de fazer a distinção entre as propostas que têm cabimento e as que não podem tê-lo por razões de carácter constitucional como é o caso desta.
O Sr. Presidente: - Os serviços fizeram o que lhes competia que foi reunir as propostas dos cidadãos para cada artigo, no local próprio. Só que havendo propostas em relação a matérias sobre as quais os Deputados não propuseram alterações as mesmas não podem ser discutidas.
Posto isto, Srs. Deputados, damos por terminada a primeira leitura do capítulo sobre regionalização.
Gostaria de saber o que fazemos agora. Partimos para onde, Srs. Deputados?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, dada a conexão de parte das matérias que foram discutidas com o regime geral do referendo, dado o facto de, simultaneamente, estarem em desenvolvimento as conferências intergovernamentais para revisão do Tratado da União Europeia e dado, ainda, o facto de haver pendente uma proposta de eventual separação das duas revisões no caso de a revisão no seu conjunto não permitir cumprir o calendário de referendar as regiões e o Tratado da União Europeia, creio que haveria toda a vantagem em debater de seguida o regime do artigo 118.º. No entanto, ficaria para um momento posterior a questão de separar ou não as revisões, consoante o andamento dos trabalhos de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Está entendido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu sou mais directo do que o Dr. Luís Sá. Temos de discutir o artigo 118.º porque é isso que ficou combinado ainda antes de o Sr. Presidente ser membro desta Comissão.
De resto, o PSD pediu que o artigo 118.º fosse discutido em conjunto e, na altura, o Presidente em exercício disse que já se tinha acertado começar pelo capítulo da regionalização e que, uma vez terminado, passar-se-ia ao referendo, tendo o PSD saído vencido quanto àquela lógica da discussão conjunta.
No entanto, já estava previamente acertado com a Comissão que se seguiria imediatamente a discussão do artigo 118.º, matéria em relação à qual há questões em aberto quanto ao referendo que têm de ser resolvidas para dar por terminado este bloco que envolve o tratamento prioritário da regionalização e do referendo antes de se entrar na discussão das restantes matérias constitucionais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não quero perder esta oportunidade para manifestar a minha inteira concordância com as palavras do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: - O combinado é combinado, portanto, está assente que passamos ao artigo 118.º.
Dada a variedade de propostas apresentadas relativamente ao artigo 118,º proponho a separação dos seus temas consoante se relacionem com um determinado ponto.
Assim, proponho que comecemos pelas propostas relativas à iniciativa do referendo, passando às que são relativas a quem decide o referendo e, depois, às que se relacionam com a procedimentalização do referendo.
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Gostaria de saber se os Srs. Deputados estão de acordo com esta metodologia.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a ideia de discutir separadamente as várias questões, mais do que correcta parece-me a única que pode permitir uma discussão séria. Todavia, sugiro que comecemos por uma opção preliminar uma vez que há propostas, tanto apresentadas por Deputados como por cidadãos, que implicariam o tratamento homogéneo no mesmo artigo de todas as modalidades de consulta popular que a Constituição prevê e algumas que se considera que deve passar a prever.
De facto, a primeira grande opção - e talvez seja fácil de dirimir - é a de saber se devemos concentrar num mesmo artigo o tratamento de todas as modalidades de consulta popular a incluir constitucionalmente ou se deve manter-se o tratamento separado tal qual actualmente é típico da Constituição.
Se dirimíssemos essa questão poderíamos entrar a seguir no tratamento do referendo nacional, que é aquele a que se referiam as observações do Sr. Presidente, em relação ao qual se colocam muitas questões das quais a primeira pode ser sem dúvida a da iniciativa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, perante esta proposta do Sr. Deputado José Magalhães, pergunto se começamos por dirimir a questão de saber se o referendo nacional, o referendo local - já previsto na Constituição a título de consulta popular - e o referendo regional, que várias propostas aditam agora à Constituição, devem ser todos tratados conjuntamente na discussão deste artigo - e, portanto, a questão das consultas populares locais seria deslocada para esta sede - ou se deveremos manter o tratamento localmente diferenciado destes três tipos de referendo, os dois que já estão previstos na Constituição - o nacional e o local - e o referendo regional que, como disse, é previsto em várias propostas. Se não houver objecções, esta questão entrará imediatamente em discussão prévia.
Verifico que há silêncio pelo que parece-me que significa acordo no sentido de dirimirmos já esta questão. Assim, vamos discutir a questão de saber se mantemos o tratamento localmente distinto dos dois, eventualmente três, tipos de referendo ou se mantemos a actual separação "topograficamente" distinta dos vários tipos de referendo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a opção que subjaz ao projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Socialista é a do tratamento diferenciado, aliás, segundo regimes que são eles próprios diferentes, das diversas modalidades de consulta. Essa opção parece razoavelmente justificada e resulta muito reforçada da leitura das sugestões de revisão apresentadas por outras entidades, designadamente as subscritas pelo Professor Jorge Miranda e pela Associação Cívica Política XXI.
A conglobação teria inconvenientes. Um dos inconvenientes que me parecem inteiramente evidentes é o de que passaria a submeter as consultas locais a um regime mais exigente e provavelmente inapropriado. As consultas locais, que foram introduzidas há muitos anos na Constituição na primeira revisão constitucional e que deveriam caracterizar-se por uma iniciativa local, passariam a ficar dependentes de convocação pelo Presidente da República segundo um regime que seria o do artigo 118.º adaptado. Isso não se afigura curial e, portanto, o tratamento diferenciado e separado afigura-se o mais adequado.
Se, por acréscimo, tivermos o cuidado de ter imaginação em relação ao que podem vir a ser as consultas populares locais e a dinâmica própria que pode caracterizá-las ainda mais inapropriado se verificaria serem as mesmas convocadas obrigatoriamente pelo Presidente da República, o que, provavelmente, implicaria também uma alteração do perfil do Presidente da República, coisa que não subjaz ao nosso projecto de revisão constitucional e não parece adequada dada a natureza das matérias que estariam em discussão nestas consultas populares locais.
Somos, portanto, prima facie e por estas razões, favoráveis à ideia de manter um tratamento diferenciado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordamos em absoluto com a opção de discussão diferenciada, não só por todas as razões que o Dr. José Magalhães agora expôs como, fundamentalmente, porque nos parece que, actualmente, as consultas locais já são tratadas em sede constitucional, remetendo para lei ordinária e, do nosso ponto de vista, sem problemas de maior.
No caso dos referendos regionais, já ficou politicamente acertado nos trabalhos desta Comissão que a sua previsão, que constará do futuro artigo 256.º da Constituição, remete para lei ordinária potenciais regulamentações onde haja divergências relativamente ao regime geral do artigo 118.º, o que, do nosso ponto de vista, deve ser feito no que respeita ao referendo de âmbito nacional que é, digamos, o referendo "nobre", aquele que deve merecer um tratamento específico por parte da Constituição.
No que respeita tanto aos referendos regionais como às consultas locais - chamemos-lhes assim, uma vez que na Constituição não é utilizado o termo "referendo local" - parece-nos, e bem, que, quer na actual Constituição quer na proposta do novo artigo 256.º, deverão ser regulamentados em lei ordinária.
É esta, pois, a posição do Partido Social-Democrata.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Concordamos em que seja mantida a separação.
De resto, julgo que o que está indiciado neste momento em relação ao artigo 256.º contém já suficientes diferenciações do regime geral do referendo para justificar inteiramente a separação, independentemente do que vier a ser estabelecido em matéria de consultas locais em que não faria sentido, por exemplo, que as entidades que viessem a decidir fossem as mesmas que as do referendo nacional.
E passo a dar alguns exemplos.
Está estabelecido que não há referendos não vinculativos. A proposta que foi apresentada para o artigo 256.º aponta, no seu n.º 4, para a possibilidade de o referendo não ser vinculativo quando nele não participem metade dos eleitores inscritos. Independentemente de podermos discutir esta proposta, face aos altos níveis de abstenção técnica que existem neste momento, a verdade é que está aqui e, portanto, é uma diferenciação de regime.
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Está também previsto, em termos gerais, que não haja a possibilidade de repetir iniciativas rejeitadas. Creio que, pelo contrário, o regime para que aponta o artigo 256.º é o da obrigatoriedade de repetir iniciativas rejeitadas no caso de haver um "não" e de este "não" ter sido aprovado por pelo menos metade dos eleitores inscritos.
Da mesma forma, o regime geral aponta para não poder haver ofensa do regime representativo, isto é, não poderem ser referendadas leis. Aquilo para que aponta o artigo 256.º é para a instituição em concreto ser referendada na sequência, naturalmente, de aprovação de leis.
Estes foram, pois, alguns exemplos que creio que mostram diferenciações bastante significativas e que me levam a apoiar a ideia de não aceitar a junção do regime de referendo que é adiantada, designadamente pelo Professor Jorge Miranda.
O Sr. Presidente: - Assumida esta posição, vamos passar ao artigo 118.º e vamos discriminar as várias áreas das múltiplas propostas que foram apresentadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesse sentido, talvez valha a pena - e ponho isto como uma dúvida que rapidamente se dissolve - considerar uma outra questão que nos ocorreu agora, em breve troca de impressões.
Uma das propostas fundamentais - e que é uma preocupação comum a muitos partidos políticos - é a de "inventar" uma cláusula constitucional que permita a realização de um referendo nacional sobre a questão da União Europeia. Esta ideia pesou muito no nosso projecto, e, seguramente, também noutros, na redacção e na alteração do conteúdo originário do artigo 118.º. Mas só tardiamente nos ocorreu - no entanto, ainda vamos a tempo - que talvez haja uma solução metodologicamente útil para podermos destrinçar e facilitar dois tipos de opções.
Talvez valesse a pena - deixo isto no ar - ponderarmos a inserção de uma norma sobre o referendo relativo à União Europeia em sede de disposições finais e transitórias e fazermos a discussão sobre as alterações ao regime do referendo nacional contido no artigo 118.º libertos dessa preocupação. Talvez devêssemos mesmo começar pela "invenção" do regime transitório para o referendo europeu.
Se trocássemos rapidamente impressões desde já sobre esta questão metodológica talvez chegássemos a uma solução mais operativa para as decisões que temos pela frente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que todos os partidos, nos seus projectos, têm uma proposta sobre a matéria de admissão de referendo, directa ou indirectamente, na revisão do Tratado da União Europeia, mas a proposta que está sobre a mesa é saber se é de destacar essa matéria para uma norma transitória ou, em qualquer caso, de a destacar e de a discutir separadamente, independentemente das outras propostas gerais sobre o artigo 118.º.
Assim sendo, coloco à vossa consideração se devemos destacá-la e discuti-la imediatamente, independentemente de, depois, se saber onde é que fica colocada, ou se devemos seguir a ordem normal das questões do artigo 118.º, começando pela iniciativa referendária. Pedia-lhes que se pronunciassem rapidamente sobre esta questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, não é para fazer uma intervenção nem para tomar posição em nome do PSD mas, sim, para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães.
Sendo certo que essa questão está colocada no âmbito do artigo 118.º, que agora estamos a discutir, confesso que não percebi, mas gostava de perceber, as razões que levariam a que promovêssemos o desaforamento dessa matéria para uma norma transitória.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, a razão é simples! É que talvez seja possível considerar, em relação a este referendo europeu, um regime específico e próprio, quiçá, por exemplo, em relação ao colégio eleitoral ou a outras questões.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Eu já suspeitava disso!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas, a não se atingir ou a não se indiciar qualquer disponibilidade nesse sentido, Sr. Presidente, passemos à iniciativa, sem mais tardança, e, assim, iremos dirimindo as questões uma a uma.
O Sr. Presidente: - Fica, então, registado que vamos seguir a ordem normal das questões, e esse assunto surgirá quando fora sua vez.
Vamos passar, pois, à iniciativa do referendo. O regime actual da Constituição é o seguinte: o referendo realiza-se por decisão do Presidente da República, mediante proposta do Governo ou da Assembleia da República.
As propostas de alteração deste regime são várias, a saber: há propostas no sentido de alargar a iniciativa da revisão, além da Assembleia da República e do Governo, directamente a um certo número de cidadãos; há propostas no sentido de restringir a iniciativa à Assembleia da República, embora sob proposta do Governo, dos Deputados ou de cidadãos; e há propostas no sentido de exigir para esta decisão uma maioria qualificada da Assembleia da República.
Proponho que também aqui vamos por partes. Começaríamos pelas soluções ampliativas, ou seja, aquelas que ampliam a iniciativa da revisão, concretamente aquelas que admitem para o referendo a iniciativa directa dos cidadãos perante o Presidente da República. Suponho que é o caso do projecto do Partido Socialista.
Não havendo objecções quanto a esta metodologia de destacamento de propostas, daria a palavra aos proponentes para apresentarem as suas proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença!
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, apenas por uma questão metodológica, devíamos seguir a ordem das propostas. O CDS-PP não está.
O Sr. Presidente: - Não, não está!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a seguir vem a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros.
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O Sr. Presidente: - Está bem! Não tenho qualquer objecção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É apenas porque é mais fácil acompanharmos...
O Sr. Presidente: - Mas, então, iremos discutir as propostas pela ordem de apresentação, tema a tema, e começamos pelo tema da iniciativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - A proposta tem um sentido político objectivo: há um entendimento de que o referendo é um mecanismo complementar da democracia representativa e há uma constatação objectiva de que a democracia representativa necessita, nos dias que correm, de ser tão aprofundada e complementada quanto possível.
E, sem querem trazer o debate estritamente político para esta discussão, julgamos que, em sentido lato, haverá alguma tendência para considerar como benéficas todas as melhorias que possam ser introduzidas em termos referendários, no sentido de alargar aos cidadãos eleitores - em número a determinar, com certeza, porque não há aqui uma posição fechada sobre essa matéria, nem quanto ao modus faciendi - a possibilidade de também eles suscitarem a decisão referendária.
Na proposta que subscrevo, há também uma restrição. Deixaremos isso para a segunda parte desta metodologia, mas, de qualquer modo, fica, desde já, explicitado que, do ponto de vista da proposta que subscrevo, a decisão não deixa de se manter ao nível do Sr. Presidente da República, mas a propositura referendária ficaria concentrada nos poderes da Assembleia da República, pelo que o alargamento a cidadãos eleitores é feito nas mesmas condições em que é restringida ao Governo a possibilidade de propor a realização de referendos. Ou seja: todos estes eleitores, tal como o Governo e como os Srs. Deputados, passam a ter a iniciativa de despoletar essa discussão na Assembleia da República, para que esta, enquanto maior e único forum da representação nacional, a possa propor ao Sr. Presidente da República.
Portanto, não em sentido restrito, mas em sentido lato, é minha opinião que existe alguma benfeitoria neste tipo de propostas que vêm alargar, neste caso ao referendo, a possibilidade de os cidadãos eleitores assumirem uma quota directa de maior participação complementar à da democracia representativa. É este o sentido da proposta.
O Sr. Presidente: - Se bem percebo, a proposta do Sr. Deputado e dos seus colegas de partido é no sentido de restringir à Assembleia da República a proposta de referendo, retirando-a ao Governo, mas a iniciativa junto da Assembleia da República cabe aos Deputados, ao Governo ou a cidadãos eleitores. É este o exacto sentido da proposta?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Exacto!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para apresentar a proposta do Partido Socialista, limitada à questão da iniciativa do referendo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Certamente, Sr. Presidente! E talvez um comentário rápido ao panorama que se nos depara, para encurtar razões.
Sr. Presidente, conquistou novos aderentes a tendência para admitir a iniciativa popular, que é uma tendência pela qual o PS se tem batido - e constava, de resto, do projecto de revisão constitucional apresentado na legislatura anterior, na altura fundamentado exactamente pelas mesmas razões. Tem como razão a vontade de criação de um novo espaço de intervenção cívica e de novos mecanismos de articulação entre a democracia representativa e os seus eleitos e os cidadãos com a sua dinâmica própria.
Algumas das formações que, no passado, não manifestavam disponibilidade para admitir esta nova via de intervenção apresentam, agora, propostas que estamos disponíveis para considerar.
No nosso caso, e creio para efeitos de boa discussão, seria, de facto, importante, delimitar três subaspectos.
Em primeiro lugar, mantemos rigorosamente o esquema típico do artigo 118.º, no que diz respeito a um princípio fundamental, que é o da separação de poderes. Não vemos o referendo como um mecanismo de conflito entre poderes e, por isso mesmo, ao darmos iniciativa aos cidadãos, não perturbamos a repartição de competências entre os órgãos de soberania.
Em segundo lugar, a nossa iniciativa popular referendária dirige-se ao Presidente da República. Portanto, é uma iniciativa com eficácia directa. Há quem proponha que seja uma iniciativa-petição no sentido estrito e puro.
Em terceiro lugar, o número de cidadãos eleitores que consideramos mínimo e nos parece razoável é o de 100 000, mas há, como sabe, propostas que fixam 25 000, 50 000 ou 150 000, como é o caso dos diversos tipos de Deputados do PSD. Ora, importa que nos fixemos num número razoável. A ratio da nossa proposta parece-nos óbvia: nem um número tão pequeno que incentive e legitime a iniciativa referendária, com todas as suas consequências (porque ela, na modalidade que propomos, tem consequências, pois obriga o órgão de soberania Presidente da República a debruçar-se sobre ela, embora seja, naturalmente, livre de a valorar como a entender), nem um número tão grande que torne praticamente impossível fazer accionar a engrenagem e desencadear esse tipo de mecanismos que obrigam a uma actividade do órgãos de soberania. Deve exigir-se um número consistente e sólido de cidadãos, talvez não tantos como aqueles que o PSD aqui adiantou, mas um número seguramente mais perto do nosso. Esta é uma questão que está, naturalmente, em aberto.
A outra questão que importava talvez considerar, que no princípio já anunciei, é a da natureza desta iniciativa. Há, de facto, dois tipos de propostas pendentes na mesa: as propostas em que a iniciativa popular tem eficácia directa e aquelas em que essa iniciativa tem eficácia de uma mera petição à Assembleia da República ou ao Governo para intervenção propositiva a ser apresentada ao Presidente da República, presume-se que obrigatoriamente, mas não se sabe em que termos.
Eram estas as considerações introdutórias que queríamos fazer, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sublinhe-se já a diferença: no caso do Partido Socialista, a iniciativa dos cidadãos é feita directamente perante o Presidente da República, podendo, portanto, haver referendos decididos pelo Presidente da República na base da petição dos cidadãos.
Para apresentar a proposta do PCP nesta matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que da parte do PCP há igualmente um propósito de alargar a iniciativa do referendo a grupos de cidadãos, mas há também a preocupação de manter a separação e a interdependência entre órgãos de soberania e, designadamente, de ter em conta que o Presidente da República pode ser chamado a decidir em matéria de referendo, mas que isso não deve preterir particularmente os poderes de outros órgãos de soberania que têm, em termos constitucionais e legais, uma capacidade de intervenção nas áreas que, eventualmente, vão ser sujeitas a referendo.
Por isso mesmo, como, de resto, o Sr. Deputado José Magalhães sublinhou, sem nomear, enquanto o PS dirige a petição directamente ao Presidente da República, o PCP propõe que a iniciativa se dirija à Assembleia da República, que terá um prazo de 60 dias para apresentar a proposta ao Presidente da República.
Naturalmente que se compreende também que, se a iniciativa é dirigida à Assembleia da República, se justifique um número de 25 000 eleitores ou menos. Mas, se a iniciativa é dirigida directamente ao Presidente da República, é natural que o número suba substancialmente, como, aliás, propõe o PS.
A interrogação que nos fica é se, nesta matéria, uma petição dirigida directamente ao Presidente da República e não à Assembleia da República não vai colidir com a repartição normal de poderes entre órgãos de soberania e designadamente com a função que, em termos gerais, está atribuída ao Presidente da República na nossa Constituição.
O Sr. Presidente: - O PSD também apresentou uma proposta nesta matéria, mas creio que é substancialmente coincidente com a do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho já apresentou a proposta e por isso não vou repetir, nas apenas quero destacar que, para nós, o referendo tem carácter vinculativo, deve ser decidido pelo Sr. Presidente da República, sob proposta da Assembleia da República, por iniciativa dos Deputados, do Governo ou de 150 000 cidadãos eleitores recenseados.
Queria apenas deixar aqui uma nota, que é destacar uma incoerência, se quiserem, em relação a um debate recente que houve aqui na Comissão de Revisão Constitucional.
Percebo que o Sr. Deputado José Magalhães tenha tentado passar, de uma forma meramente descritiva, sobre esta matéria, porque um dos argumentos aqui esgrimido pelo Partido Socialista, quando se discutiu a questão do sim ou do não ao referendo sobre a matéria da regionalização, foi justamente o de que esse referendo fragilizaria o sistema de democracia representativa em que vivemos.
E, nesse sentido, não quero deixar de anotar aqui que a proposta do Partido Socialista é totalmente incoerente com esse tipo de argumentação, porque, quando o Partido Socialista permite, por exemplo, que o Governo ou os cidadãos suscitem directamente junto do Presidente da República a realização de um referendo sobre matérias da sua competência, está, obviamente, a fragilizar, aqui sim, de uma forma que me parece evidente, os mecanismos da democracia representativa, como, aliás, foi destacado pelo Sr. Deputado Luís Sá agora mesmo.
Não queria deixar de salientar este ponto que me parece importante, sobretudo tendo em conta a polémica política anterior.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão sobre esta questão da iniciativa, que se compõe de dois subtemas: um é saber se os cidadãos podem dirigir directamente ao Presidente da República uma proposta de referendo ou se apenas a podem dirigir à Assembleia da República; outra é saber se o Governo deve manter ou não a iniciativa de referendo que, neste momento, tem, segundo a redacção actual do artigo.
Proponho que separemos as duas questões e passemos à discussão da primeira. Foi por essa, aliás, que começou o Sr. Deputado Miguel Macedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para esta questão estrita, ou seja, o estatuto da iniciativa dos cidadãos em matéria referendária.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nós extraímos conclusões e reflexões do debate que fizemos no processo preparatório da anterior revisão constitucional e do debate que tem ocorrido no País, que, no contexto dos estados gerais para uma nova maioria, nos levaram a aprofundamentos e desenvolvimentos, que me parecem bastante saudáveis e positivos. Por um lado, o PS não altera aquilo que foi aprovado por unanimidade, ou por larguíssimo consenso, na revisão constitucional de 1989, quando se instituiu e se deu redacção a este artigo 118.º - refiro-me à questão das competências propositivas do Governo e dos Deputados...
Não se altera isso, até porque tal significaria uma alteração do próprio estatuto e da esfera de actuação política do Governo. Não foi isso que se quis, não se quis abrir um conflito ou uma alteração da correlação de forças entre os Deputados e o Governo, enquanto órgão de soberania, em matéria de colocação ao povo de questões, de perguntas, dentro das suas competências respectivas, que é um aspecto crucial e faz parte da matriz do artigo 118.º. Apenas se quis permitir a intervenção popular. E, quanto a isso, adoptámos uma modalidade de intervenção forte da iniciativa popular, que, todavia, tem de ser compaginada com tudo o mais que propomos quanto ao regime referendário. Talvez seja esta a utilidade da nótula que gostaria aqui de fazer.
Aquilo que se propõe neste caso é a iniciativa popular referendária, mas estamos aqui com ouvidos para ouvir argumentos contra esta solução. Propomos uma iniciativa que permita aos cidadãos dirigirem-se directamente ao Sr. Presidente da República para pedirem que uma determinada questão seja objecto de consulta popular, de referendo, mas não esquecemos nem alteramos as normas constitucionais que dizem que o referendo só pode ter por objecto questões relevantes de interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo antes da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo. O referendo que propomos possa ser de iniciativa popular não é um plebiscito oriundo dos cidadãos sobre um qualquer tema, sobre uma qualquer questão, independentemente da sua natureza jurídica, e não é, seguramente, um referendo sobre matérias que entendemos excluídas da própria possibilidade de qualquer referendo, seja ele proposto por Deputados, pelo Governo ou por quem quer que seja.
Uma voz não identificada: - O nosso n.º 3 também salvaguarda isso!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sou obrigado a trazer isto à colação, porque não prevemos uma iniciativa irrestrita
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e absoluta... A iniciativa, por um lado, está limitada pelo elenco das matérias sujeitas a referendo e, por outro, está limitada pelo facto de que não concebemos referendos desligados de actos legislativos ou de convenções internacionais.
Portanto, quando o Presidente da República é receptor de uma proposta de referendo oriunda de cidadãos, é preciso também cumprir o disposto no artigo 118.º, n.º 2, cuja redacção não propomos que seja alterada. Isto talvez dê resposta às dúvidas dos Srs. Deputados.
As modalidades propostas por outros partidos são modalidades de petição, são formas qualificadas de petição. Como cidadão, posso chegar à Assembleia da República e propor a realização de um referendo, sem qualquer garantia de que a Assembleia da República, porventura, se pronuncie no Plenário sobre essa matéria - tipicamente, aliás, não se pronunciará quanto a um referendo proposto por um cidadão isolado -, mas, se eu tiver 20 000 assinaturas numa petição colectiva, sei que ela tem de ser objecto necessariamente de apreciação pelo Plenário da Assembleia da República, exactamente nos mesmos termos propostos pelo PCP, que no artigo 118.º, n.º 2, do seu projecto de revisão constitucional, menciona que a Assembleia da República nesses casos deliberará num prazo de 60 dias sobre a proposta a apresentar ao Presidente da República. Aí há apenas uma variação de prazo em relação ao regime geral das petições colectivas, que teriam, pois, up grade constitucional, na medida em que teriam aqui um prazo constitucionalmente fixado. No outro caso, há um prazo fixado pela lei.. É uma questão de opção.
No nosso caso, a proposta é equilibrada, directa, mas com limites, e no vosso caso trata-se de uma petição qualificada!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão. No entanto, peço que nos cinjamos à questão posta à discussão, que é tão-só esta: saber se deve haver uma iniciativa popular de referendo directamente ao Presidente da República ou uma petição popular de referendo na Assembleia da República. É esta a questão, são estes os termos, por isso peço que nos cinjamos a esta questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, de facto, acho que as questões são politicamente indissociáveis e não é possível discutir esta questão da iniciativa do referendo com princípio, meio e fim centrando-nos apenas naquilo que são aspectos parcelares da mesma.
Ouvi com todo o cuidado esta segunda intervenção do Sr. Deputado José Magalhães e, com toda a franqueza, acho que toda a gente já percebeu que o Partido Socialista, nesta matéria específica da questão do referendo, e a propósito do seu combate frustado, do seu combate contra o referendo nacional na regionalização, em que se enredou num conjunto de argumentação contra a democracia referendária e contra a falência da democracia representativa, dizendo que devia ser intocável e que, se se pusesse em causa, daí poderiam advir perigos para a democracia, tenha agora algum desconforto face ao projecto de revisão constitucional, que tinha apresentado algum tempo antes da querela sobre o problema da regionalização e do referendo nacional à sua volta da regionalização sem cuidar dessas preocupações.
Agora, acho que ficaria...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, salvo o devido respeito, devemos distinguir a questão da iniciativa da questão do objecto do referendo. Estamos a discutir a questão da iniciativa...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu já lá ia! Acho é que não posso discutir politicamente a questão tipo teste americano: se sim ou não a esta pergunta! Sr. Presidente, peço desculpa! De facto, não é desrespeitar a sua orientação, mas eu não consigo fazer de outra maneira, numa matéria com esta!
Portanto, acho que ficaria bem ao Partido Socialista, face a toda a doutrina - e estou a olhar para uma das pessoas que, até com mais brilhantismo, defendeu ao transe o primado da democracia representativa -, reconhecer, agora também nesta sede do artigo 118.º, que faz muito mais sentido, em termos de iniciativa do referendo, que a sua propositura ao Presidente da República tenha de passar necessariamente pela Assembleia da República, ora não fosse esta a sede dessa mesma democracia representativa.
E se queremos que o referendo seja, tão-só, um aspecto complementar da democracia representativa e nunca uma via paralela ou um aspecto substitutivo dela parece-nos evidente que é mais lógico alterarmos o texto do artigo 118.º. E não vale a pena discutirmos porque é que em 1989 ficou assim como começou!
O Sr. José Magalhães (PS): - Vale, vale!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tudo bem! Já sabemos que ficou assim. Já sabemos a batalha que o PSD teve de travar, em 1989, com o PS, para que o referendo ficasse na Constituição, que era uma matéria relativamente à qual, historicamente, em termos políticos, o Partido Socialista não era muito propenso à lógica referendária. Toda a gente o sabe! O Partido Socialista, de resto, tem uma história a demonstrar isso mesmo, mas o Partido Social Democrata tem outra. Na última revisão foi possível fazer-se o que se pôde.
Penso que, se estamos a discutir, de novo, o mecanismo do referendo, ficaria bem, em nome exactamente da defesa do primado da democracia representativa, pormo-nos todos de acordo de que a iniciativa do referendo, embora possa partir individualmente quer de Deputados quer do Governo quer de cidadãos eleitores... E quanto ao número em termos estritamente aritméticos é evidente que podemos depois aqui rapidamente encontrar um denominador comum, para vermos o que é que é ou não é aceitável. Mas parece-nos que, em nome dessa mesma defesa da democracia representativa, ficaria bem que todos nós reconhecessemos que faz mais sentido...
Atrever-me-ia até a dizer que, no seu projecto de lei, o Partido Comunista Português optou por acrescentar a possibilidade de os cidadãos também terem iniciativa nesta matéria, não mexendo, pura e simplesmente, naquilo que estava no n.º 1, não sei se por comodidade, mas talvez porque não lhe pareceu que seria estritamente necessário.
Agora, uma vez colocada sobre a mesa a questão, apelava a que toda a gente reflectisse, de facto, se estamos ou não de acordo em que o referendo nunca pode ser substitutivo da democracia representativa e deve ser apenas um seu instrumento complementar. E, se assim é, faz todo o sentido que a Assembleia da República, que é a
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sede da democracia representativa, seja sempre chamada a pronunciar-se sobre os projectos de referendo, venham eles de onde vierem.
Portanto, penso que há aqui algum consenso para se alargar a iniciativa dos Deputados e do Governo aos cidadãos eleitores, mas ponhamos sempre a Assembleia da República, enquanto sede da democracia representativa, a pronunciar-se sobre esta matéria. Penso que isto é que seria sensato.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria repisar esta questão, que não é de somemos: do meu ponto de vista, dar possibilidade a cidadãos eleitores de se dirigirem directamente à Assembleia da República para suscitar a iniciativa referendária não uma menoridade política.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, permita-me a pergunta: é necessário alterar a Constituição para isso?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - O Sr. Presidente da Comissão sabe bem que, se juridicamente há hoje mecanismos que o permitem, politicamente é também bem distinta a dignidade constitucional que se lhe dá. E isso já é uma diferença de monta.
Em segundo lugar, porque, relativamente às questões que são abertas e alargadas a referendo, faz sentido que a iniciativa dos cidadãos possa ser quantificada não de uma forma concorrencial à dos poderes da Assembleia da República, e, portanto, do poder representativo, mas de uma forma complementar. E era esta a questão que eu queria aqui sublinhar novamente.
Se, eventualmente, outros partidos, nomeadamente o Partido Socialista, alarga também aos cidadãos, por exemplo, a possibilidade de se dirigirem ao Tribunal Constitucional ou até a de constitucionalizar a possibilidade de cidadãos se dirigirem à Assembleia da República com iniciativas legislativas, não estamos a ver, e eu, em particular, não estou a ver, que o Partido Socialista entenda que os cidadãos, num número mínimo a fixar, constitucionalmente se possam dirigir directamente ao Sr. Presidente da República para que este promulgue leis.
De igual modo, julgo que faz todo o sentido que a Assembleia da República possa propor ao Presidente da República a realização de um referendo, e que seja instada pelos cidadãos a fazê-lo, mas não vejo que os cidadãos o devam fazer directamente ao Presidente da República.
Em segundo lugar, se isso viesse a acontecer, julgo que começaríamos aqui a desfigurar ligeiramente o equilíbrio de poderes constitucionais que está alcançado e garantido desde há bastantes anos, na medida em que atribuir aos cidadãos eleitores esta faculdade corresponde também a atribuir ao Presidente da República a faculdade de decidir sobre referendos que incidem sobre matérias da competência da Assembleia da República ou do Governo, sem que estes sejam chamados a intervir nesta matéria. E isto, do meu ponto de vista, poderia corresponder a um desequilíbrio de poderes e a uma presidencialização do actual regime, o que, a meu ver, seria de evitar, e seria de evitar até que o PS tivesse ponderado esta questão previamente, e, pelos vistos, não ponderou.
Para finalizar, e só para fazer um breve comentário àquilo que o Sr. Deputado José Magalhães aqui disse inicialmente sobre a origem das propostas, gostaria de relembrar o Deputado José Magalhães de que já fui subscritor desta mesma proposta, em 1993, numa revisão constitucional que não chegou a bom termo. Portanto, não há novidade neste tipo de alargamento aos cidadãos da iniciativa referendária junto da Assembleia da República.
Para finalizar, Sr. Presidente, quero dizer que não só não é um tratamento menor aquele que é escolhido para os cidadãos eleitores como também, no meu entendimento, eles não devem estar nem acima nem abaixo daquilo que o Governo, ele próprio, deveria ter em termos de iniciativa referendária. E portanto se se mantivesse na proposta que subscrevo um tratamento diferenciado entre o Governo e a Assembleia da República talvez se pudesse considerar menor a iniciativa que se concederia aos cidadãos, de apenas se poderem dirigir à Assembleia da República. Mas não é assim. Os cidadãos poderão fazê-lo junto da Assembleia da República, como o próprio Governo será, ou seria, em função desta proposta, obrigado a fazê-lo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que a questão que está aqui em debate é pouco relevante em situações como a actual: um Presidente da República oriundo do mesmo partido que está no Governo e que tem a maioria parlamentar…
Uma voz não identificada: - É muito relevante até!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Em princípio, até é menos relevante. A situação pode ser particularmente relevante em situações de coabitação política, em que o Presidente da República, aliado à iniciativa popular, provoque, promova ou venha a decidir referendos em matérias que devam ser decididas pela Assembleia da República e pelo Governo, como, aliás, bem sublinhou o Deputado José Magalhães. Trata-se de referendos sobre matérias que devem ser decididas pela Assembleia da República e pelo Governo e que, é evidente, a partir do momento em que os cidadãos se dirijam directamente ao Presidente da República, deixam de ser decididas pela Assembleia da República e pelo Governo e passam a ser decididas pelo Presidente da República em aliança com o voto em referendo decidido pelo próprio Presidente da República. É evidente que isto dá, quer pelos referendos que são efectivamente promovidos, quer pelos referendos que são ameaçados, um papel ao Presidente da República, num sistema político substancialmente diferente daquele que existe hoje.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!
O Sr. Luís Sá (PCP): - E portanto, se formos por aí, é bom que tenhamos consciência de que é isso que estamos efectivamente a decidir. Vou dar dois exemplos.
Referendo sobre a forma de administrar a televisão. É evidente que uma coisa é um Presidente da República que decide, sob proposta de 100 000 eleitores, promover um referendo eventualmente contra o partido que tem a maioria naquele momento e contra a forma de administrar a
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televisão pelo partido que tem a maioria naquele momento, e outra é a proposta passar pela Assembleia da República, garantindo naturalmente o direito a um conjunto de cidadãos de que a sua proposta seja discutida, de que o problema é discutido, de que a maioria assume a responsabilidade inteira de eventualmente não promover o referendo sobre aquela matéria ou ter as políticas que tem naquele domínio.
Em todo o caso, não pondo em crise o equilíbrio de poderes.
Referendar o Tratado da União Europeia. A Assembleia da República tem poderes para aprovar a ratificação do Tratado da União Europeia. Se 150 000 ou 100 000 eleitores, ou qualquer outro número, se dirigem directamente ao Presidente da República e este decide promover o referendo, seja qual for o resultado, é claro que isto tem um determinado resultado ou incentivo. Não sei se tudo nesta matéria foi devidamente avaliado pelos proponentes, mas creio que é inegável que, por esta via, sublinho, com os referendos que se promovem e os referendos que eventualmente se ameaçam, que são colocados no dia-a-dia político, que são colocados na agenda política embora sem eventual concretização, há uma alteração do equilíbrio de poderes particularmente relevante em situações de conflito actual ou potencial entre o Presidente da República, o Governo e uma maioria partidária.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo à colação, para discussão, as propostas apresentadas pelos cidadãos nesta matéria, que são várias, a começar pela do Professor Jorge Miranda, mas, em geral, convergentes com a do PS, quanto à iniciativa popular directa do referendo.
No caso da do Professor Jorge Miranda, admite-se mesmo a iniciativa directa sem passar pelo Presidente da República, isto é, um referendo revogativo de leis ou decretos-leis por iniciativa directa e exclusiva dos cidadãos.
Peço que tenham em conta directamente estas propostas apresentadas pelos cidadãos à Assembleia da República.
Está em aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Gostaria de não comentar, e devo dizer que o faço sem qualquer esforço, a miscigenação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes entre o processo de reflexão pública, que teve lugar durante estes meses, semanas, sobre a questão de um referendo nacional relativo à instituição em concreto das regiões administrativas e a matéria que agora nos preocupa, porque as preocupações que verdadeiramente tínhamos estão nas propostas que agora apresentamos neste domínio, e a filosofia que lhes está subjacente foi solidamente objecto de reflexão antes desta revisão constitucional, bem antes, foi na revisão constitucional anterior. Logo, essa filosofia de ontem é exactamente a que hoje está subjacente e é inteiramente imune às eripiselas e às corridas de liderança do PSD e aos seus problemas de micose constitucional recente.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães ainda não está convencido!
O Sr. José Magalhães (PS): - E, portanto, nessa matéria, gostaria de assinalar um aspecto que foi pouco analisado e que está a ser tratado, aliás, de forma excessivamente rápida.
O Sr. Presidente teve ocasião de nos chamar a atenção para a iniciativa popular, mas verdadeiramente temos estado a discutir, em meu entender demasiado rapidamente, uma característica do projecto de revisão constitucional do PSD e, aliás, também do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, a título pessoal, que distorce sensivelmente uma solução constante da Constituição, pela qual de facto também não podemos passar demasiado fugazmente. Ou seja, suprimir a competência do Governo para propor ao Presidente da República referendos sobre matéria da sua competência…
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães já tinha proposto que separássemos a questão. Mas, se não estiverem de acordo com essa separação, vamos juntá-las.
O Sr. José Magalhães (PS): - Talvez seja preferível, Sr. Presidente, porque elas já foram aludidas e misturadas como se fosse a coisa mais banal do mundo. De facto, suponho que não há vantagem em adiarmos mais o tratamento dessa matéria.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, prossiga, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - A proposta do PSD levaria a uma parlamentarização total da propositura, por um lado, porque o próprio Governo, desejando, mesmo em matéria da sua competência,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ó Sr. Deputado, o Sr. Primeiro-Ministro é dos que tem poderes a mais! O Sr. Primeiro-Ministro quer largar os poderes. Não se preocupe com isso!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado, eu gostaria de discutir esta matéria…
Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.
… na base das propostas pendentes e das suas consequências e não na base, digamos, do dichote de coluna de mexericos ou de uma ideia de um qualquer striptease constitucional, que é um pouco extemporâneo e impróprio para esta sede.
A proposta do PSD, nesta matéria, tem uma consequência, que é a parlamentarização total do processo, mesmo em relação a matérias da competência própria do Governo. Isso nunca foi proposto pelo PS, nunca foi sugerido pelo Primeiro-Ministro. Está nos antípodas da proposta do PS, cuja filosofia básica é a de não perturbar os melindrosos equilíbrios constitucionais que existem em relações entre órgãos de soberania e não alterar, deste ponto de vista, as correlações razoáveis de forças entre órgãos do poder. Desse ponto de vista, não há qualquer vantagem em dizer que só ao Parlamento cabe a iniciativa junto do Presidente da República sobre referendos, inclusivamente iniciativas sobre matéria da competência do Governo, tal como não faz qualquer sentido governamentalizar nesta matéria. Este é o primeiro aspecto.
Em segundo lugar, não vemos vantagem, Sr. Presidente. Neste momento, ficaram claras duas coisas: há quem proponha uma petição popular - mas ninguém perceberia, em bom rigor, por que é que alguém haveria de reunir 150 000 assinaturas quando pode conseguir o mesmo efeito
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com 4000, ou seja, um debate em Plenário culminando num "sim" ou "não" do Parlamento, e há quem proponha, e neste caso está à cabeça o PS, uma iniciativa popular referendária, cujos contornos podem ser diferentes daqueles que propomos mas cuja filosofia é basicamente a que expus. É essa decisão que temos de tomar, Sr. Presidente. Pela nossa parte, teremos ouvidos, mas ainda não ouvimos grandes razões. Teremos tempo para ponderar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 19 horas e 17 minutos, pelo que proponho encerrar a reunião dentro de três minutos. Assim, suponho que não vale a pena dar a palavra a mais ninguém, de resto não havia mais inscrições.
Srs. Deputados, a Comissão retomará os trabalhos na próxima sexta-feira, às 10 horas e 30 minutos, mas lembro que antes, às 10 horas, há uma pequena reunião com o grupo coordenador que me encarreguei de convocar. Assim, para não prejudicar o início dos trabalhos da Comissão, peço que o grupo coordenador esteja efectivamente presente às 10 horas, e lembro que os partidos têm a faculdade de indicar o seu representante ad hoc ou o seu representante na Mesa da Comissão.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 20 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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