Página 187
Quarta-feira, 26 de Junho de 1996 II Série - Número 11 - RC
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 25 de Junho de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Prosseguiu a apreciação do artigo 118.º dos projectos de revisão constitucional apresentados, tendo-se discutido a metodologia a seguir quanto à segunda leitura dos artigos já debatidos, sobre regionalização e referendo.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá e João Amaral (PCP), Cláudio Monteiro (PS), Barbosa de Melo, Pedro Passos Coelho, Calvão da Silva e Maria Eduarda Azevedo (PSD), Maria Carrilho e Alberto Martins (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas.
Página 188
O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, tínhamos ficado na questão de saber quem participa nos referendos. Não sei se ainda há intervenções a fazer ou se damos por encerrada a discussão. Concretamente, estávamos na proposta apresentada pelo PSD, acerca da participação dos não residentes.
Verifico que não há mais inscrições, pelo que passo ao tema seguinte, que é o objecto do referendo. Quanto a esta matéria, todos os projectos propõem uma ampliação do objecto do referendo: uns, pouco, como o PCP, que só propõe o alargamento aos tratados referentes à União Europeia; e outros, muito, como o Deputado Cláudio Monteiro e outros, que fazem um maior alargamento das propostas existentes. Por ordem da respectiva apresentação, sugiro que cada proponente apresente e justifique, se entender necessário, a sua proposta, a saber, começando pelo PS: objecto do referendo, alargamento do âmbito do referendo, n.º 3 do artigo 118.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a alteração que o grupo parlamentar do PS propõe nesta matéria flui daquilo que decorre do n.º 3 e do novo n.º 4-A. Aliás, há uma gralha no texto, no n.º 3 do nosso projecto, alínea c), alude-se, na parte final, "sem prejuízo do disposto no n.º 4" - trata-se, manifestamente, do n.º 4-A. O que é que flui desse n.º 4-A? A Constituição actual, como se sabe, já permite um significativo conjunto de referendos sobre matérias previstas em áreas de reserva da Assembleia da República mas da reserva relativa, no artigo 168.º - isso nunca foi testado mas há essa possibilidade constitucional, portanto, não é preciso alargar aquilo que aberto está.
O problema que se suscitou diz respeito ao artigo 164.º, na sua redacção actual, e quanto ao artigo 167.º é necessário fazer uma clarificação. É isso o que fazemos. No que diz respeito ao artigo 167.º, importa tornar possível que haja referendos sobre as questões educativas e, por outro lado, em relação ao artigo 164.º, importa que seja possível referendar tratados, certo tipo de tratados. O que é que se faz neste projecto? Delimita-se o tipo de tratados, que julgamos referendáveis desde que versem matérias atinentes a convenções e tratados delimitados nos termos do nosso n.º 4-A. Fazemos apenas uma excepção acerca das matérias que devam constar ou que sejam tratadas em convenções internacionais relativas à paz ou à reivindicação de fronteiras - em relação a essas propomos que se mantenha o regime actual, ou seja, de defeso ou de não submissão a consulta. Com isto pretende-se muito claramente - é preciso dizê-lo à partida - viabilizar, desde logo, um referendo que permita discutir questões europeias: faz-se essa abertura em termos que permitem ao legislador ordinário, e depois às entidades com competência para originar referendos, uma vasta margem de acção e também uma grande responsabilidade definitória em concreto; mas essa abertura parece-nos estar aqui claramente ensejada e permitida em termos que não deixam nenhuma dúvida sobre a nossa disponibilidade neste domínio.
Por isso, Sr. Presidente, gostaria de sublinhar como é negativo que se alimente, no plano público, a suspeição - como aconteceu no passado fim-de-semana, por parte de um dos partidos políticos com assento na Comissão - de que não haveria, da nossa parte, empenhamento genuíno em criar um quadro constitucional adequado para se viabilizar um referendo neste domínio. Há essa disponibilidade, inequivocamente, e também não vejo, Sr. Presidente, como é se possa acusar o PS de não pretender discutir nesse referendo todas as questões relevantes ou as questões que sejam determinantes para o povo português se pronunciar sobre a construção europeia - o que não vejo possibilidade é de sujeitar o Tratado de Roma a referendo, retroactivamente, como aparentemente estas declarações do PCP inculcariam. Mas, Sr. Presidente, não querendo introduzir excessiva polémica e na esperança de que seja possível fazer, consensualmente, esta abertura, sem "pedras no sapato" e sem processos de intenções, eram estas as considerações de deduzia em abono da nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Nesta primeira ronda, peço aos Srs. Deputados que se limitem a apresentar e justificar - se for caso disso - as propostas de alteração. Foi feita a apresentação da proposta do PS, que, recordo, tem duas alterações - uma, ao admitir referendos sobre matérias que hajam de constar de tratados previstos na alínea j) do artigo 164.º, excepto os relativos à paz e ratificação de fronteiras, e outra, no que respeita ao artigo 167.º, ao admitir referendos sobre o sistema de ensino. Antes de passar a palavra ao PCP, para apresentação da respectiva proposta, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes para pedir um esclarecimento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas pedir ao PS para explicar um pouco melhor a razão de ser da excepção da alínea i) no artigo 167.º - porquê essa alínea e não as outras. E, embora perceba um pouco melhor, mas, já agora, se fosse possível, gostaria que também explicasse um pouco melhor porque é que, no n.º 4-A, ao falar nas questões atinentes a matérias que devam ser objecto de convenção, entendeu isolar especificamente a ratificação de fronteiras e a paz. Enfim, são estes os meus pedidos de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, começando pela primeira das questões, a solução preconizada em relação ao artigo 167.º da Constituição parece-nos ter pleno fundamento porque o artigo 167.º inclui, entre as matérias da exclusiva competência da Assembleia da República, indelegáveis, legislar sobre as bases do sistema de ensino. Isso podia não acontecer - já tem havido propostas no sentido de esta matéria passar a ser inserida no artigo 168.º, reserva relativa, susceptível, portanto, de concessão de autorizações legislativas ao Governo se o Parlamento assim o entender. Haveria duas soluções para permitir referendos nesta matéria: uma era trasladar a questão das bases do sistema de ensino do artigo 167.º para o artigo 168.º, caso em que passaria a estar inserido na reserva relativa e sujeitável a referendo, sem mais; a outra solução estaria em deixar estar as questões relacionadas com as bases do sistema de ensino
Página 189
na área mais nobre da reserva de competência legislativa mas introduzir uma excepção ao princípio que diz que, sobre matérias do artigo 167.º, não há referendos. Foi o que fizemos, ou seja, não sacrificámos os adquiridos constitucionais nessa matéria, não sacrificámos a ideia de que as bases do sistema de ensino devem constar da reserva absoluta de competência legislativa - devem continuar a estar inseridas, protegidas, por esse regime especial, específico - e, simultaneamente, viabilizámos referendos sobre as próprias bases do sistema de ensino.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a pergunta que foi feita, se bem entendi, é porquê a excepção só em relação a isso.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nós, francamente, não vimos, nas outras áreas, matérias que justificassem um alargamento neste domínio. Se percorrermos, uma a uma, as alíneas do artigo 167.º, faz sentido sujeitar a referendo a matéria da alínea a)? Da alínea b)? O próprio regime do referendo, um referendo sobre o regime do referendo? Não faz! Sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional? Francamente, não faz! Sobre a orientação da defesa nacional? Sobre a organização da defesa nacional? Sobre o regime do estado de sítio? E por aí adiante! Sr. Presidente, eu poupo a enumeração, ponto por ponto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que, independentemente de estar colocada toda uma série de outros problemas em cima da mesa, é irrecusável que o problema n.º 1 que se coloca com a revisão do artigo 118.º é a questão da revisão do Tratado de União Europeia - foi isto o que, politicamente, suscitou a revisão do artigo 118.º, frustrada na 3.ª Revisão Constitucional, e creio que continua a ser esta a questão fundamental. Naturalmente que poderá haver outras alterações - estaremos disponíveis para examinar propostas, embora adiante que algumas justificações nos pareceram pouco consistentes - mas sem dúvida nenhuma que este é o problema dos problemas.
Nesta matéria, o PCP optou por uma proposta prudente, com uma formulação prudente - chamo a atenção por exemplo, para a remissão que é feita, por parte do PCP, para o n.º 6 do artigo 7.º que procura aludir a uma categoria de tratados muito especial, com cautelas muito particulares, que têm, designadamente, em conta condições como a reciprocidade, o respeito pelo princípio da subsidiariedade, a finalidade da realização da coesão económica e social; a fórmula que aqui é adoptada, no n.º 6 do artigo 7.º, "convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia", contrasta com a expressão que é utilizada pelo CDS-PP: "atribuição a organização internacionais de competências de órgãos de soberania do Estado português". Esta é, sem dúvida nenhuma, uma fórmula sem as cautelas que nos parecem imprescindíveis nesta matéria. Podem procurar-se fórmulas mais amplas mas creio que é irrecusável que o problema político n.º 1 que está colocado à Assembleia da República, nesta revisão e nesta sede, é a questão da revisão do Tratado de União Europeia. Este é o problema fundamental que temos de resolver e que deveríamos resolver bem.
Neste plano, há uma opção que julgo que é útil clarificar e que é a seguinte: creio que é irrecusavelmente diferente admitir referendar tratados - e não se trata de referendar o Tratado de Roma...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, exclui a revisão do Tratado de Roma porquê? Está abrangido na vossa proposta!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Por uma razão muito simples, Sr. Presidente: é que ele está ratificado, está em vigor, a questão não está suscitada - eu referi a questão política que se põe. Creio que, sem dúvida nenhuma, o problema que está colocado em cima da mesa é a revisão do Tratado da União Europeia. As Conferências Intergovernamentais que estão a decorrer não são para fazer um novo Tratado de Roma mas sim para rever o Tratado da União Europeia. Em relação a isto, o PS utiliza a fórmula "questões atinentes a matérias que devam ser objecto de tratado", o PSD utiliza a fórmula "questões determinantes dos tratados" - é diferente, naturalmente, do que admitir sujeitar o próprio Tratado a referendo. O entendimento que aqui houver será visto mas sem dúvida nenhuma que são opções políticas e jurídicas diferentes. A ideia que temos, nesta matéria, é que a possibilidade de chamar o povo português a pronunciar-se sobre o Tratado, globalmente considerado, é uma opção que deve ficar aberta, que o legislador de revisão constitucional não deverá fechar - é esse o sentido da proposta que apresentamos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, afigura-se-me claro que a proposta do PCP admite, jurídico-constitucionalmente, duas coisas: primeiro, referendo de tratados a que Portugal já esteja vinculado, incluindo, obviamente, o Tratado de Maastricht e o de Roma; em segundo lugar, o referendo de tratados eles mesmos, portanto, das centenas de artigos de tratados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, numa rápida apresentação da proposta do PSD, no plano das matérias a serem objecto de referendo, desde logo, retomamos a ideia de se poder referendar os decretos da Assembleia da República que se proponham a revisão da própria Constituição. À semelhança do que existe em outros países democráticos do mesmo espaço geopolítico em que Portugal se insere, nomeadamente a vizinha Espanha, haver a possibilidade de os decretos da Assembleia da República que pretendem rever a Constituição, antes de serem promulgados, possam ser objecto de uma consulta à população - consulta que, obviamente, será vinculativa - no sentido de se consolidar democraticamente essa alteração á Constituição antes de ela revestir a forma de lei.
Segundo aspecto relevante e, nesse aspecto, divergente da posição agora mesmo expressa pelo Sr. Deputado Luís Sá, referente ao projecto do PCP, no que se refere aos tratados internacionais: o PSD também perfilha da ideia de que não devem os próprios tratados, em si, até pela sua complexidade e vulnerabilidade a alguns elementos de confusão junto da opinião pública, mas sim as questões que neles sejam determinantes e politicamente relevantes - que, obviamente, terão de ser seleccionadas por uma
Página 190
das entidades proponentes do tratado - que devem ser objecto de consulta, exactamente dentro da ideia de se manter um primado da objectividade, da precisão e da clareza que deve sempre estar presente em qualquer referendo. Nesse sentido, parece-nos que sujeitar a referendo tratados que, em alguns casos, podem ter 600 ou 700 artigos, a objectividade e a precisão da consulta popular feita através de referendo é, manifestamente, impossível. Portanto, não nos parece que seja esse o caminho adequado para se referendar as questões políticas que, normalmente, são aquelas que relevam decisivamente das opções a tomar em termos de vinculação internacional do Estado português. Portanto, a razão de ser de o PSD optar por esta solução tem a ver com a lógica a que deve presidir, globalmente, o instituto do referendo que tem a ver com os tais atributos de objectividade, precisão e clareza que, do nosso ponto de vista, não são compagináveis com a possibilidade de submissão de tratados inteiros, em abstracto (é evidente que pode haver tratados com meia dúzia de artigos), parece-nos ser uma opção errada e, portanto, preferíamos que o texto constitucional se limitasse a delimitar as questões determinantes nos tratados, que, em alguns casos, podem ser a globalidade do tratado - depende do tratado em si - ou, noutros casos, poderá ser uma ínfima parte, partindo do princípio de que todo o resto do tratado são questões adjectivas de menor importância e sobre as quais não interessa lançar confusão junto da opinião pública.
O terceiro aspecto, em que o PSD alargava também, tem a ver com o seguinte: o n.º 2 já diz que o referendo tem por objecto todas as matérias que devam ser aprovadas através de convenção internacional ou de acto legislativo; nesse sentido, no n.º 4, ao precisarmos ou densificarmos essa ideia, apenas pretendemos excluir as matérias referidas no artigo 164.º. Fundamentalmente porque nos parece que o artigo 164.º não contém em si matérias que sejam susceptíveis verdadeiramente de referendos, a não ser, eventualmente, as questões que têm a ver com amnistias e perdões genéricos onde, obviamente, não concordamos que matérias desse tipo possam ser sujeitas a referendo - tudo o resto parece que, no fundo, são mais poderes que derivam da forma de relacionamento político do órgão de soberania Assembleia com outros órgãos de soberania; nesse sentido, não me parecem matérias que, em si, possam ser susceptíveis de ser referendadas. Chamo, no entanto, a atenção que, em última instância, elas sempre serão referendadas no projecto do PSD através do mecanismo de referendo aos decretos da Assembleia da República que aprovam as revisões da Constituição. Portanto, sempre que, nas regras constitucionais, estiverem em causa mecanismos de relacionamento entre órgãos de soberania e alteração de artigos que mexam com essa interligação dos órgãos de soberania, sempre os referendos podem, sobre eles, levar os portugueses a pronunciar-se através do mecanismo previsto pelo PSD no seu n.º 3 e que tem a ver com a possibilidade de submeter a referendo os decretos da Assembleia da República respeitantes às leis de revisão da Constituição.
Quanto ao artigo 167.º, por isso pedi há pouco aquele esclarecimento ao PS, parece-nos que, no respeitante a esse artigo, há matérias que são aquelas que, fundamentalmente, se prendem com a defesa e com a justiça militar - indirectamente relacionada com a defesa - que não podem nem devem ser objecto de referendo. Não descortinamos nos outros artigos razões para excluir a possibilidade de consulta popular sobre os mesmos. Para além da questão das bases do sistema de ensino da alínea i), que o PS também entende ser matéria passível de ser referendada ou de ser objecto de alguma consulta, a nós parece que há outras matérias, para dar um exemplo, a alínea n) e a alínea o) que podem perfeitamente...
O Sr. Presidente: - Matérias essas que continuam excluídas no vosso projecto - só seleccionaram quatro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, era isso o que eu estava a explicar.
O Sr. Presidente: - É uma adenda ao projecto do PSD?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, o projecto do PSD só exclui do referendo as matérias previstas no artigo 164.º e quatro alíneas do 167.º. O que eu estava a explicar é que isso assim acontece porque nos parece que no artigo 167.º há um conjunto de matérias, para além da alínea i), e tirando estas quatro alíneas, cuja lógica é a de serem matérias relacionadas com a defesa e a justiça militar, que não nos parece que sejam matérias a ser objecto de consultas directas. Quanto a todas as outras, não vemos, independentemente de poder ou não haver mais ou menos oportunidade de fazer um referendo sobre, por exemplo, o próprio regime de referendo, como o Sr. Deputado José Magalhães há pouco referia. Não estou a prever, necessariamente, que haja um referendo sobre o regime do referendo mas vamos pôr a hipótese (que o PSD, obviamente, não pretende) que ficava um regime de referendo nacional em que os emigrantes não votariam e, de hoje para amanhã, se pretendesse estender esse regime aos emigrantes também - mesmo que isso ficasse na tal lei orgânica do referendo a questão da extensão do universo eleitoral, não vejo que fosse uma matéria, em abstracto, que não pudesse ser objecto de consulta. Mas este é só um exemplo para dizer que, de facto, no caso da proposta do PS, fica apenas, no elenco do artigo 167.º, a alínea i) que poderia conter matérias passíveis de ser objecto de referendo - ao PSD parece-nos que praticamente a globalidade do 167.º contém matérias que, numa ou noutra circunstância, podem ser objecto de referendo, excluindo as alíneas d), e), m) e p), dentro da tal lógica de serem matérias atinentes fundamentalmente a questões de defesa e de justiça militar. É essa a razão de ser.
O Sr. Presidente: - O projecto mais ampliativo é, sem dúvida, o do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros, que admite como objecto de referendo todo o artigo 167.º e mesmo o 164.º, com algumas excepções. Para fazer a respectiva apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta vai mais longe no alargamento do âmbito do referendo, nos acompanha o sentido geral do alargamento. Por outro lado, se é verdade que não há propostas apresentadas por Deputados ou grupos parlamentares nesta Assembleia com o mesmo alcance que esta, também não é menos verdade que esta proposta não é inovadora - ela foi beber alguma da sua influência em alguns projectos exteriores à Assembleia, designadamente ao projecto do
Página 191
Prof. Jorge Miranda, que, não coincidindo nos seus precisos termos com a proposta que nós próprios fizemos, não deixa de ir tão longe como nós vamos.
No fundo, a justificação, julgo eu, é relativamente simples: em primeiro lugar, há uma justificação que, tendo relevância jurídica, é, no essencial, política e tem a ver com a circunstância de, ao fim destes anos, ser possível fazer um balanço segundo o qual as matérias de maior relevo ou de mais relevante interesse nacional são, provavelmente, aquelas que constam dos artigos 164.º e 167.º, e não é despiciendo considerar que as duas únicas vezes em que, seriamente, se suscitou a questão do referendo em Portugal, essa questão foi colocada a propósito de matérias que estavam excluídas do âmbito do referendo, tal como estava definido na Constituição em vigor. Isto, de alguma maneira, indicia a necessidade de proceder ao alargamento do referendo porque indicia igualmente que as matérias acerca das quais era possível fazer referendo são aquelas relativamente às quais não há interesse em fazê-lo e as matérias em que há interesse em fazê-lo são aquelas que a Constituição proibia. Portanto, se é preciso dar algum significado ou algum sentido útil ao referendo, é preciso proceder ao alargamento do seu âmbito.
Esse alargamento, do nosso ponto de vista, não pode ir tão longe que permita sujeitar a referendo as alterações à Constituição, designadamente porque isso introduziria um elemento de rigidez excessivo no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que não se pronuncie sobre as outras propostas - passaremos a essa discussão a seguir.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas eu estou, pela negativa, a pronunciar-me sobre a minha proposta na parte em que excluí do referendo as alterações à Constituição.
O Sr. Presidente: - Entendi isso! Louvo-lhe o expediente!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Queria apenas dizer que, no essencial, a abertura que fazemos relativamente ao artigo 167.º e 164.º, sem deixar de conceder que, nalguns casos, não faria sentido ou não teria, pelo menos, interesse sujeitar algumas destas matérias a referendo, de alguma forma é protegida pela circunstância de o essencial do regime jurídico destas matéria não deixa de ter sede constitucional, e a rigidez, por assim dizer, não deixa de se traduzir na circunstância de não permitir que sejam sujeitas a referendo matérias que impliquem alterações à Constituição. Portanto, esta abertura tem esta salvaguarda ou esta válvula de escape, que consiste em permitir que o referendo se faça sobre matérias que digam respeito a qualquer uma destas alíneas, sendo certo que, uma vez que se proíbe, simultaneamente, a realização de referendos sobre matéria que implique alterações à Constituição, isso também significa que o alcance dos referendos que se passam fazer sobre estas matérias não vai tão longe que possa pôr em causa aquilo que são os princípios essenciais e o regime jurídico de base que a própria Constituição salvaguarda neste âmbito.
Portanto, esta é a explicação jurídica para que se possa permitir o referendo sobre estas matérias sem que isso comporte um grave risco. Até por uma razão muito simples, que é a seguinte: se as matérias constantes do artigo 164.º e 167.º revelam o primado da Assembleia da República no exercício da função legislativa, designadamente sobre o Governo, também não é menos verdade que o referendo, de alguma maneira, revela o primado da soberania popular e, nessa medida, também não é de deixar de considerar que não faz sentido prever o referendo como forma de suprir algumas das deficiências da democracia representativa sem que isso implique a atribuição de poderes reais aos cidadãos para que eles possam pronunciar-se sobre matérias que são de efectivo interesse nacional, sob pena de o regime constitucional do referendo ser um elemento de instabilidade constitucional, como tem sido.
Isto é, o actual regime do referendo tem obrigado, sucessivamente, a que os partidos se entendam sobre as alterações a fazer à Lei Fundamental para permitir referendos que eles próprios desejam, mas que a Constituição não permite.
Ora, isto significa que o regime do referendo, tal como hoje está previsto na Constituição, é, porventura, um elemento de muito maior instabilidade constitucional do que seria, eventualmente, o alargamento do seu âmbito de aplicação. Para o demonstrar, basta termos presente o referendo sobre matérias atinentes à revisão do Tratado de Maastricht e sobre matérias conexas com o processo da regionalização.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como metodologia, proponho que a discussão, na especialidade, de cada projecto de revisão constitucional se faça pela seguinte ordem: primeiro, o referendo de revisão constitucional, proposto pelo PSD; segundo, o referendo sobre matérias constantes de convenções internacionais, que é comum a todos os projectos; terceiro, o alargamento em relação ao artigo 167.º, que é comum a quase todos os projectos e, por último, o alargamento a matérias do artigo 164.º, que é exclusivo do projecto do Deputado Cláudio Monteiro e outros.
Se todos estiverem de acordo com esta ordem de trabalhos, passamos à discussão, na especialidade, do referendo de revisão constitucional.
Para iniciar a discussão, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, nesta fase, não tenho nada a acrescentar ao que já disse. Penso que os Deputados de outros partidos é que se poderiam pronunciar sobre o projecto de lei do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aproveito para formular um pedido de esclarecimento, porque há um aspecto que me intriga na proposta do PSD sobre esta matéria. Nela pode ler-se: "Podem ser objecto de referendo os decretos da Assembleia da República respeitantes a leis de revisão constitucional, aprovadas com a observância dos artigos 284.º, 285.º e 286.º". Por que razão se faz a especificação desses artigos e a exclusão dos outros artigos do capítulo da revisão constitucional, nomeadamente o artigo sobre os limites materiais de revisão (artigo 288.º)?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É essa a razão de ser da proposta!
O Sr. Presidente: - A proposta é exactamente por causa disso!? Estou esclarecido.
Página 192
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a proposta do PSD, nos termos em que se encontra redigida, ilustra algumas das razões da boa filosofia que presidiu à instituição do referendo, na revisão de 1989, ou seja, o princípio da proscrição de plebiscitos usáveis para atingir o próprio corpo de princípios que definem a identidade constitucional, parece sensata, razoável e boa. A redacção da proposta do PSD, que é, de facto, tortuosa e, aparentemente, difícil de explicar, facilita, apesar de tudo, a discussão deste ponto.
Com efeito, de uma primeira leitura do texto retiro que podem ser objecto de referendo os decretos da Assembleia da República referentes a leis de revisão constitucional. Ora, as leis de revisão constitucional são aprovadas segundo todas as normas constitucionais processuais, da primeira à última! Contudo, a découpage feita nas normas elencadas permite, entre outras coisas, chamar a atenção para uma omissão gritante, e os Srs. Deputados acabaram de confirmar qual é essa omissão gritante: a dos artigos 288.º e 289.º da Constituição.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas isso não é "coisa encapotada"!
O Sr. José Magalhães (PS): - Pois, Sr. Deputado Barbosa de Melo, não será "encapotada", mas lá que grita enormemente, grita! Porque dizer-se que podem ser objecto de referendo leis de revisão constitucional aprovadas com a observância de três artigos, ou seja, revisões que tenham sido feitas decorridos cinco anos sobre a data de publicação da última lei de revisão ou, em sede de revisão extraordinária, que a iniciativa tenha sido tomada pelos Deputados, aprovada por 2/3 e promulgada pelo Presidente...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por isso é que diz respeito aos decretos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, se me permite a interrupção, o que se pretende é exactamente impedir o tal plebiscito! É preciso que o processo decorra dentro do prazo de revisão e sejam observadas todas as regras procedimentais que a Constituição prevê para o desenvolvimento do processo.
Fica excluído o problema dos limites materiais, isto é, só através do referendo é possível ao País dar a volta aos limites materiais. Penso que isto é claro!
O Sr. José Magalhães (PS): - É claríssimo, Sr. Deputado Barbosa de Melo, e é tão claro como o nosso "não" a qualquer tentativa de iludir ou quebrar limites materiais de revisão!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É uma opção!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mais, nesta matéria, há duas linhas possíveis. O PSD tem oscilado um pouco entre uma e outra, isto é, entre o referendo à Soares Carneiro, para mudar o regime e, no fundo, fazer um "constituicídio", e outras formas mais enviesadas e menos violentas para conseguir o mesmo resultado - a de 1996 é uma delas, mas talvez surjam ainda outras!
Todos os inconvenientes desse tipo de solução para a estabilidade e vitalidade constitucional parecem-nos evidentes e o PSD nada fez para nos levar a pensar o contrário; aliás, até está a fazer muito para nos firmar a convicção no sentido que expus.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Faça favor.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, por que é que, em Portugal, a realização de um referendo constitucional mete tanto medo?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, se é para esse efeito, dar-lhe-ei a palavra na altura própria!
Sr. Deputado José Magalhães, faça favor de continuar no uso da palavra.
O Sr. José Magalhães (PS): - Já terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas formular uma pergunta.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se todos os países democráticos, onde o referendo existe, admitem referendar alterações à Constituição, por que é que os portugueses não podem pronunciar-se directamente a esse respeito?
O Sr. Presidente: - Para referendar alterações inconstitucionais à Constituição?!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Inconstitucionais não...
O Sr. Presidente: - Se forem contra os limites materiais são inconstitucionais, logo a proposta do PSD é para fazer referendos inconstitucionais à Constituição!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, estou a colocar o problema do referendo constitucional. Poderá dizer-me que a proposta concreta também deveria incluir os limites materiais, mas essa é uma questão a discutir!
O Sr. José Magalhães (PS): - É outra proposta totalmente diferente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não é totalmente diferente, Sr. Deputado José Magalhães. Desde logo, por que é que, através de um decreto da Assembleia da República, exercendo esta os seus poderes normais de revisão, não pode o povo português pronunciar-se a este respeito? Por que é que o povo português há-de sofrer aqui uma capitis diminutio?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer responder à questão?
Página 193
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a matéria foi discutida longamente na Assembleia Constituinte e já depois disso, mas sempre à luz de más propostas, curiosamente. Esta é mais uma má proposta inserida nessa má tradição que conduziu, apesar de tudo, a um bom resultado. E esse bom resultado traduziu-se na não criação de nenhum factor que pudesse ser usado, em qualquer circunstância, de qualquer modo, para operar um "constituicídio", directo ou enviesado. Pela nossa parte, não gostaríamos de abrir qualquer porta nesse sentido, ainda que "de mansinho" - e no caso desta proposta nem seria "de mansinho"!
O argumento de direito comparado, em termos nebulosos e genéricos, não colhe, Sr. Deputado Barbosa de Melo, porque há situações muito diferentes nos diversos países. Na nossa experiência constitucional, ao contrário da espanhola, por exemplo, a Constituição nasceu como nasceu, afirmou-se e implantou-se no terreno, na vida social e no sistema político não de forma imperturbada, mas de forma sólida e não carece - parece-me! - de um suplemento de legitimação, nem está inquinada, à partida, por um défice de legitimidade democrática, uma vez que foram cumpridas as regras para a sua aprovação e entrada em vigor.
Não há, repito, qualquer défice de legitimidade democrática, nem nos parece benfeitoria esse suplemento proposto, sobretudo quando poderia funcionar como um vírus plebiscitário, no sentido verdadeiro e próprio, e violador dos limites materiais de revisão. Não é útil, necessário ou desejável, antes pelo contrário!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão agora colocada é, de algum modo, recorrente em todas as revisões constitucionais. Aliás, é do conhecimento geral que, segundo algumas propostas, a própria Constituição deveria ter sido referendada.
Já ouvimos o Sr. Deputado Barbosa de Melo perguntar porquê ter medo do plebiscito, se este, no fim de contas, é plebe em movimento, é plebe a votar, é plebe com direitos! Mas a questão que aqui se põe é a seguinte: existem duas linhas de protecção de princípios básicos, desde logo direitos, liberdades e garantias, normas procedimentais essenciais, normas e princípios democráticos fundamentais. Uma das linhas de protecção consiste, exactamente, na enumeração dos limites materiais da revisão constitucional, e a outra consiste na exigência de maiorias qualificadas de revisão constitucional.
Ora, esta proposta do PSD "varre", em primeiro lugar, o artigo 288.º, uma vez que não enumera os limites materiais como devendo ser respeitados pelas leis de revisão constitucional ou pelos decretos a submeter a referendo e, em segundo lugar, é evidente que não resolve, antes pelo contrário, a questão que o PSD pretende resolver, isto é, tornear o facto de não haver maiorias qualificadas de revisão, submetendo a referendo e substituindo, eventualmente...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se me permite, Sr. Deputado, a proposta do PSD pressupõe a aprovação do decreto da Assembleia da República, portanto, pressupõe uma maioria de 2/3!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, não desconheço esse facto nem os outros antecedentes que existem nesta matéria; desde logo, não desconheço que abrir caminho num determinado momento pode ser estabelecer sinais para, ulteriormente, ir por uma determinada via. Sobre esse ponto, tendo em conta todas as propostas que foram apresentadas pelo PSD, ao longo do tempo, facilmente poderemos concluir que o que se pretende nesta matéria não é apenas submeter a referendo os decretos aprovados por 2/3, mas apresentar, ulteriormente, uma nova proposta para alterar este princípio.
É claro que, nestes termos, a proposta do PSD pode vir a ser, tal como aconteceu no passado, não um instrumento de reforço da democracia directa e de complemento harmonioso da democracia representativa com a democracia directa mas, pelo contrário, um instrumento de rupturas constitucionais, totais ou parciais, mais ou menos profundas. Nesse sentido, há todas as razões para manter uma certa prudência e continuar a não admitir o referendo de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, embora não estejam aqui presentes Deputados de um partido - entendo que é sempre importante ter a totalidade da representação parlamentar na discussão de matérias tão importantes como esta -, não queria deixar de fazer uma ou duas apreciações.
Não pondo em causa o essencial das preocupações aqui manifestadas, quer pelo Sr. Deputado Luís Sá, quer pelo Sr. Deputado José Magalhães, sobre os potenciais perigos que, aqui ou acolá, nesta ou naquela circunstância, poderiam decorrer do abuso do sistema plebiscitário relativamente à Constituição, sempre chamo a atenção para o facto de que também não se pode cair no fundamentalismo de sinal contrário, ou seja, como dizia o Sr. Deputado Barbosa de Melo, numa situação que deixe totalmente de fora o povo português relativamente à Lei Fundamental que, por essência, é um texto onde o povo português se deve rever, unindo todos os portugueses em torno de um conjunto de regras que devem ser comuns à Nação. Não se percebe, por isso, que haja um fundamentalismo qualquer, um medo...
O Sr. José Magalhães (PS): - Permite-me que o interrompa?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, lembro apenas que, em 1989, aquando da aprovação deste artigo, por larguíssimo consenso - e não incluía nem sombra de autorização de referendos constitucionais -, ninguém da bancada do PSD considerou que essa concepção se filiava num fundamentalismo de qualquer natureza! A norma resultou, isso sim, de uma ponderação de interesses e de equilíbrios.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, penso que não é sério discutir-se uma revisão constitucional fixando as opiniões e as posições das pessoas naqueles que foram os actos anteriores de
Página 194
revisão. Aliás, se levarmos à exaustão esse argumento, tudo o que estamos aqui a fazer reveste-se de uma profunda e total inutilidade! Não haveria nada a fazer aqui, porque tudo já teria sido discutido em 1989! E, por sua vez, em 1989 já não se deveria ter feito nada, porque tinha havido uma revisão em 1982, onde se discutiu com seriedade e ponderação toda a argumentação possível. O mesmo vale para 1989 e, espero, para 1996!
De facto, se me permite, com toda a frontalidade, não acho sério que, sistematicamente, em sede dos trabalhos de revisão constitucional, se utilize, com um ar definitivo e decisivo, o argumento do que ficou decidido nos debates das revisões anteriores. Esse argumento é válido e deve ser trazido à colação sempre que sirva para explicitar ou para elucidar alguns eventuais equívocos relativamente a alguma posição, mas utilizá-lo como argumento definitivo e decisivo, dizendo que todas estas questões já foram ponderadas e discutidas, tendo ficado acordado uma solução diferente das agora propostas, não nos vai levar a lado nenhum, porque então não vale a pena estarmos aqui a debater!
Com toda a franqueza, Sr. Deputado José Magalhães, não aceito esse tipo de argumentos, uma vez que apenas teria como resultado uma fixação do texto constitucional tal qual resultou da revisão de 1989, pondo em causa toda a utilidade e, eventualmente, a seriedade das propostas que agora estão sobre a mesa. Portanto, repito, não concordo minimamente com esse seu argumento.
Para terminar, Sr. Presidente, gostava de dizer o seguinte: não deixando de concordar com as observações feitas, chamava a atenção para o seguinte: não podermos levar de tal maneira longe esses argumentos de forma a pôr em causa tudo aquilo que, no fundo, é enformador dos projectos de revisão constitucional que estão sobre a mesa, em 1996.
Com efeito, em grandes linhas, um dos aspectos fundamentais que está hoje em discussão tem a ver com o alargamento da participação dos cidadãos na própria construção e desenvolvimento do sistema, do processo e do regime democrático. Ora, se assim é - e reeditava a pergunta lançada pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo -, por que razão se há-de ter medo de, em algumas circunstâncias, e dentro de uma lógica gradualista, dar um passo no sentido de também envolver, ao nível da democracia participativa dos cidadãos, os próprios decretos de alteração da Constituição?
Se é certo que podem existir alguns receios de que se vá longe demais e que um instrumento deste tipo possa vir a ser perversamente utilizado, então tenhamos a previsão suficiente de acautelar os normativos a incluir na Constituição, de modo a evitar esse tipo de efeitos perniciosos. Mas por que é que havemos de fechar os olhos, pura e simplesmente, a essa realidade de aumento da participação dos cidadãos, de os fazer sentir cúmplices e co-autores de uma Constituição, de um texto fundamental que os deve reunir a todos? Por que razão não dar um passo nesse sentido?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro que ainda temos de discutir mais quatro temas nesta área.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quando o Sr. Deputado Luís Marques Guedes diz que é preciso dar um passo nesse sentido, deveria acrescentar que é preciso dar um passo e não um salto. Julgo que há aqui um justo equilíbrio que se prende com o seguinte: não se pode querer passar de 8 para 80, isto é, de uma situação em que o referendo, embora previsto na Constituição, não tem qualquer significado ou conteúdo útil, para a consagração de um mecanismo que permite, de certa forma, quase que o "governo referendário".
De facto, essa razão do justo equilíbrio consiste, precisamente, em alargar o âmbito das matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo, sem prejuízo de salvaguardar um mínimo "incomprimível". É que, se por um lado é necessário introduzir mecanismos de flexibilidade que permitam dar significado e conteúdo ao referendo, designadamente favorecer o princípio da participação política dos cidadãos, por outro é preciso não esquecer que isso deve fazer-se tendo em conta um mínimo de estabilidade constitucional que garanta o regular funcionamento das instituições e que não permita, apesar de tudo, que esse regular funcionamento das instituições esteja dependente de alguns repentes, mais ou menos úteis ou avisados, das forças políticas em geral, dos partidos políticos e, em última análise, dos cidadãos.
É apenas por essa razão que faço apelo a que o justo equilíbrio signifique, por um lado, ampliar o âmbito das matérias susceptíveis de serem submetidas a referendo e, por outro lado, fazê-lo com ponderação e medida, sem que isso implique um salto excessivo, de modo a assegurar a manutenção dos mecanismos de estabilidade constitucional com que temos vivido até hoje, e bem.
Aliás, já se demonstrou que - e mais uma vez faço apelo aos exemplos concretos -, em última análise, existem válvulas de escape, porque é sempre possível desconstitucionalizar uma matéria através de um mecanismo de revisão constitucional, submetendo a referendo essa mesma matéria para efeitos de introdução na ordem jurídica dessa legislação. De certa maneira, foi o que o PSD pretendeu fazer quando veio propor a desconstitucionalização da regionalização para permitir sujeitá-la a referendo.
Portanto, se o problema apontado é o da excessiva rigidez, julgo que a Constituição tem mecanismos e goza da flexibilidade suficiente para ultrapassar alguns impasses e obstáculos que possam ser colocados nessa matéria, sem que isso implique uma excessiva flexibilidade que, de certa forma, pode comportar riscos que não são, neste momento, fáceis de prever.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, vou apenas fazer uma curtíssima intervenção. Como é óbvio, não vou defender o que não tem viabilidade, e é manifesto que não há viabilidade para que passe uma proposta no sentido de consentir que o instituto do referendo se alargue a matérias constitucionais - com ou sem a ultrapassagem do artigo 288.º. Sabendo que esta proposta não irá ser aprovada, estaria a defender uma causa perdida.
Mas, lembro que o instituto do referendo, tal como está previsto, nunca funcionou e já houve necessidade dele: qual é o português atento ao pulsar da comunidade nacional que, aquando da aprovação do Tratado de Maastricht, não sentiu a necessidade do referendo?
Página 195
Todavia, não foi possível recorrer, normalmente, a ele. Na altura, disse-o, Sr. Deputado João Amaral!
O Sr. João Amaral (PCP): - Mas houve várias pessoas que não sentiram essa necessidade!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas eu senti e percebi que o mesmo se passava com o comum das pessoas.
De facto, o instituto do referendo foi consagrado em 1989, em Portugal, por quem o considerava uma coisa absolutamente reprovável - como era moda falar-se de referendo, falou-se! Mas amarrou-se de tal maneira o referendo que ele nunca funcionou, nem poderá funcionar!
Um dia, os autores da revisão hão-de dar ao referendo uma maleabilidade própria de um instituto desta natureza num regime democrático. Por exemplo, por que é que não há-de poder ser referendado - digo isto com todo o à-vontade, porque não sou monárquico - se o regime deve ser republicano ou monárquico em Portugal? A Constituição não permite que o povo português se pronuncie sobre esta questão; os brasileiros podem responder a esta pergunta, mas nós não.
Talvez esse tipo de respostas simplificasse muito a vida nacional, e mais não digo! Muito obrigado pela vossa atenção.
Risos do PS.
A Constituição de 1933 só foi referendada por quem mandava: mandou fazer aquela Constituição e impô-la! Mas esta Constituição foi feita de maneira diferente. O passado não se repete. Não podemos viver sob o peso dos fantasmas!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de intervir como membro da Comissão, na qualidade de Presidente tenho a anunciar a entrega de uma proposta de alteração do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, para corrigir a sua própria proposta relativamente à matéria que estamos a tratar, ou seja, o objecto do referendo. Esta proposta será distribuída na altura própria e dar-lhe-ei então a palavra para a apresentar.
Apesar da parcimónia com que conto manter-me nesta intervenção na discussão, há certas matérias importantes em que ficaria mal com a minha consciência se não transmitisse a minha posição.
Está visto que esta proposta do PSD não tem viabilidade, e parece-me bem que não tenha. Por princípio sou contra referendos sobre matéria constitucional.
Em primeiro lugar, por uma questão de tradição cultural, as nossas constituições, salvo a de 1933, de triste memória, foram elaboradas por assembleias constituintes e revistas por assembleias parlamentares, pelo que tal proposta, a ter vencimento, seria um enxerto sem precedente.
Em segundo lugar, continuo a não ver qualquer sentido democrático em, por exemplo, submeter a votação popular a próxima lei de revisão constitucional, com 100 ou 200 artigos! No fundo, qual é o sentido de submeter a 8 milhões de cidadãos 200 alterações completamente incompreensíveis para a generalidade deles?
Há pouco, o Sr. Deputado Luís Sá perguntou-me se eu admitia referendar os Tratados de Roma e de Maastricht. Devo dizer-lhe que a questão é-me tão estranha como submeter um projecto de revisão constitucional a referendo. Se, por hipótese, as revisões constitucionais de 1982 e de 1989 tivessem sido submetidas a referendo, pergunto a que responderia cada cidadão; responderia "sim" ou "não" a que alterações: ao conjunto delas, àquela que lhe diz mais directamente respeito, ao artigo 1.º ou ao artigo 299.º?
Continuo a não ver qualquer sentido democrático em fazer perguntas aos cidadãos sobre leis extensas, com 100, 200 ou 300 artigos, misturando questões essenciais e questões de lana caprina, em que cada um dos 4 ou 5 milhões de cidadãos que participassem no referendo responderia a uma pergunta, não ao conjunto da lei mas, porventura, ao artigo que mais dissesse respeito à conjuntura da sua vida quotidiana - ao artigo relativo ao aborto, ou ao ensino, ou às Forças Armadas, ou à competência legislativa da Assembleia da República, ou às regiões autónomas, ou aos municípios! Portanto, formular uma pergunta à qual cada cidadão responde de modo diferente, isto é, escolhe a sua própria pergunta para responder, não tem, a meu ver, sentido democrático.
Por princípio, sou contra estes referendos sobre decretos legislativos, sejam eles ordinários ou de revisão constitucional.
Em terceiro lugar, parece-me que devem ser totalmente postos de lado referendos para ultrapassar o artigo 288.º, pois seriam referendos inconstitucionais,... Aliás, noto que não está em causa apenas o artigo 288.º, porque como o PSD eliminou o controlo preventivo da constitucionalidade do referendo, o decreto de revisão constitucional poderia ser o mais inconstitucional possível, e até ser ratificado por uma maioria simples de cidadãos.
Tanto mais que, dizia, o nosso sistema de revisão constitucional exige que a Constituição, uma vez aprovada por uma assembleia constituinte, só pode ser revista por consenso entre os partidos maioritários, com uma maioria de 2/3. Ora, a meu ver, seria incongruente que, exigindo-se 2/3 dos parlamentares para aprovar alterações à Constituição, essas alterações pudessem ser "chumbadas" por uma maioria relativa de cidadãos chamados a decidir conjunturalmente sobre a revisão constitucional.
Creio que seria aqui agravado este princípio que tem estado a ser discutido, segundo o qual não deve haver referendos sobre decretos da Assembleia da República. Quer dizer, o PSD propõe que um decreto que é aprovado por maioria de dois terços seja chumbado por uma maioria conjuntural de cidadãos que se disponham a participar no referendo. Isto é, 2,5 milhões de cidadãos poderiam chumbar um decreto de revisão constitucional aprovado por uma maioria de dois terços da Assembleia da República por razões que poderiam não ter nada a ver com a própria revisão constitucional, que poderiam ter a ver com a má disposição da opinião pública em relação ao partido do Governo e ao partido que viabilizou a revisão constitucional. Ora, esta forma de misturar...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, posso interrompê-lo?
O Sr. Presidente: - Faça favor, mas devo dizer que neste momento não estou a falar como Presidente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Interrompo-o para acrescentar uma ideia.
Que acontece se o povo disser "Não queremos essa revisão"? Ficamos sem Constituição?
Página 196
Esta proposta é contrária à estabilidade da Constituição ou é-lhe favorável?
O Sr. Presidente: - A meu ver, esta proposta não é consentânea...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se não queremos essa revisão fica a Constituição como está.
O Sr. Presidente: - É óbvio, fica a Constituição como está. Não há essa revisão. O que acho é que, para quem, até agora, sempre defendeu a ideia de que, em princípio, a soberania parlamentar prevalece e não devem submeter-se a referendo decretos da Assembleia da República mas antes questões prévias à sua votação na Assembleia, não é congruente submeter a referendo ratificativo, a posteriori, as leis de revisão constitucional, uma vez que nem sequer se exige maioria qualificada para chumbar a proposta...
Portanto, por três razões fundamentais, penso que esta proposta não tem virtudes. Do meu ponto de vista e salvo o respeito por quem a fez, o mérito desta proposta não é nenhum e, portanto, ainda bem que ela não tem viabilidade.
O próximo inscrito é o Sr. Deputado Luís Sá mas, como não está presente, passo ao seguinte que é o Sr. Deputado José Magalhães.
Tem a palavra.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, os argumentos que expendeu são argumentos que, ao longo da experiência constitucional portuguesa, têm sido insistentemente esgrimidos, e com razão. Têm grande valia estabilizadora da vitalidade de princípios constitucionais basilares. Essa argumentação foi a que, ao longo dos anos, presidiu à rejeição desta solução agora adiantada pelo PSD.
Gostaria de dizer que não considero uma argumentação aceitável alegar que a invocação do consenso do passado seja uma forma não séria de discutir esta revisão constitucional, porquanto há ideias de revisão constitucional que os partidos têm sustentado persistentemente, coerentemente, doutras têm decaído, alterando a sua posição, o que é legítimo. Só que em relação a esta matéria, parece-me injusto alegar que haveria um qualquer fundamentalismo da nossa parte e que a posição seria oposta auto-evidente, necessária, totalmente justa, apenas porque o PSD aderiu a ela anteontem, nunca a tendo usado no passado ou tendo-a abandonado por boas razões.
A segunda observação, funcionando numa lógica de aditar conceitos, é a de que não creio que o referendo de Maastricht não tenha sido possível por razões constitucionais na altura em que historicamente a questão se colocou. Aí, o Sr. Deputado Barbosa de Melo tem uma versão própria da História, que é legítimo esgrimir e desenhar, mas, francamente, não creio que tenha sido por razões de carácter jurídico-formal que esse referendo não se realizou. Se o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva e o PSD tivessem um real empenhamento numa solução desse tipo seguramente teria havido uma revisão constitucional viabilizadora do referendo. Aliás, houve uma revisão constitucional extraordinária na qual teria sido possível incluir essa matéria, o que, como se sabe, não aconteceu - e todos sabemos porquê -, pelo que não vale a pena estar agora a prescrever uma história hipotética, logo ficcional e arbitrária.
Também creio que não vale a pena inventar argumentos "históricos", imputando à Constituição culpas que ela não tem. Nesta matéria de ter havido ou não referendo e porquê, creio que o último dos culpados foi a Constituição, se é que de culpa se trata, e, provavelmente, todos teremos leituras diferentes sobre isso.
Portanto, deixemos à Constituição o que é da Constituição e ao sistema político e partidário e seus protagonistas aquilo que é do sistema político e partidário e nele tem causa e também terá consequências. Quanto às razões constitucionais para o PS rejeitar esta solução, estão enunciadas, e têm raízes designadamente na sua péssima formulação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tortuosa! Há pouco, classificou-a como tortuosa!
O Sr. José Magalhães (PS): - Tortuosa e péssima!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições sobre esta matéria, passo ao tema seguinte que é o do alargamento do referendo em matéria de convenções internacionais.
A este respeito as propostas vão desde as do PCP, que, de entre os tratados internacionais constantes da alínea j) do artigo 164.º, só contempla os referentes à União Europeia, até às propostas mais gerais contidas no projecto apresentado pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros.
Está aberta a discussão sobre alargamento do referendo em matéria de convenções internacionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esse alargamento tem alguns pressupostos e é preciso lançar alguma luz sobre eles.
O pressuposto do alargamento que propomos é o de que os referendos sobre matérias que devam ser objecto de convenção e de tratado tem, de facto, um carácter prévio. O PCP preocupou-se em enunciar esta questão na redacção que deu ao n.º 3, alínea b), e foi, de facto, o único partido que fez a clarificação nesses termos mas isso também é o que flui da nossa própria proposta e creio que é o regime correcto. É que tal como não admitimos referendos ab-rogatórios de leis também achamos que o referendo sobre matérias que devam ser objecto de convenção ou tratado não deve ser ex post mas, sim, ter carácter prévio.
É esse o sistema que flui da própria lei orgânica do referendo, tal qual é desenhado pela Lei 45/91, de 3 de Agosto, que, relativamente a esta matéria, no artigo 4.º, n.º 1, estabelece que "as convenções internacionais e os actos legislativos em processo de aprovação mas ainda não definitivamente aprovados podem constituir objecto de referendo" e, depois, no n.º 2, estabelece que "se a Assembleia da República ou o Governo apresentarem propostas de referendo sobre convenção internacional submetida a aprovação ou sobre projecto ou proposta de lei o respectivo processo suspende-se até decisão do Presidente da República sobre a convocação do referendo e, em caso de convocação efectiva, até à realização do referendo". Devo dizer que é esta a mecânica, é este o pressuposto, a lógica de intervenção prévia que está subjacente à nossa proposta.
Em segundo lugar, a proposta é lata. No fundo, há dois figurinos em presença. Um é o figurino de referendo à medida da participação no tocante apenas às convenções
Página 197
futuras e não às passadas, a que se refere o n.º 6 do artigo 7.º - digamos que é aquilo a que eu chamaria a proposta para um caso -, aliás, tal como o Sr. Deputado Luís Sá já sublinhou. O outro é o modelo para que nós próprios apontamos que é o da possibilidade de referendo sobre todas as matérias do artigo respectivo da Constituição com as duas excepções que estão enumeradas no texto da nossa proposta.
Portanto, o modelo PS abrange muitas espécies de convenções e de tratados e não apenas a revisão do Tratado da União Europeia. Parece-nos um modelo bastante flexível, bastante generoso, e partiríamos para ele com grande confiança em que será possível nesta revisão alargar-se a margem de propositura da intervenção popular na tomada de decisões em domínios relevantes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Antes de mais, quero deixar inteiramente claro que uma coisa é a questão das possibilidades jurídicas abertas por um texto e outra é a das questões que estão politicamente colocadas. Ora, parece-me que a questão que está colocada do ponto de vista político é a da perspectiva de vir a referendar-se a revisão e aplicação do Tratado da União Europeia, o que não significa que seja essa a leitura de um texto.
Nós temos uma preocupação, que, aliás, creio que seria de manter relativamente a toda esta matéria, que é a de evitar a possibilidade de conflito entre a expressão da democracia directa e a democracia representativa, o que significa apontar para a ideia de o referendo ser prévio à expressão de vontade por parte dos órgãos de soberania. Este é, pois, um ponto que também quero deixar sublinhado.
O problema do referendo ab-rogatório coloca desde logo uma questão delicada que é a da exigência de 50% de votantes para a validade do referendo, a qual, aliás, já foi colocada a propósito das regiões administrativas e é-o de novo agora. A questão é tanto mais delicada - e gostaria de chamar a atenção para este ponto - quanto vivemos em Portugal uma situação que tudo leva a crer ser de elevada abstenção técnica, isto é, o número de inscritos nos cadernos eleitorais que morreram mas continuam inscritos, o número de pessoas que mudaram de morada e que estão duplamente inscritas, é extremamente elevado. Por exemplo, no último recenseamento da população foi bastante significativo o número de situações em que havia mais eleitores inscritos do que habitantes nalgumas freguesias do País. Portanto, quanto a mim, a situação é relativamente preocupante.
Assim, é questionável esta exigência proposta, segundo a qual, para que o referendo seja válido é necessário que nele participem metade dos eleitores inscritos. A nosso ver, isto reforça a ideia de não admitir a possibilidade de conflito entre estes dois tipos de expressão de vontade política.
Passo a um outro aspecto que gostaria de referir.
No caso de ser admitido o referendo de tratados com alguma complexidade e não apenas o de algumas "questões atinentes a matérias que sejam objecto de um tratado" - e, aqui, estou a utilizar a terminologia do PS - ou de "questões determinantes dos tratados" - neste caso, utilizo a terminologia do PSD -, não tenho qualquer dúvida de que há algumas questões que vão estar no centro do debate político e que vão levar o eleitorado a determinar a sua vontade. Por exemplo, se estivéssemos a discutir o Tratado da União Europeia as questões centrais seriam, naturalmente, as dos critérios de convergência e da moeda única acima de tudo e, ainda, o problema de "comunitarizar" os segundo e terceiro pilares - PESC, justiça, e, parcialmente, os assuntos internos; ou seja, há questões que vão ser, efectivamente, determinantes.
Mas isto não significa, de forma nenhuma, que não haja a possibilidade de admitir que a apreciação do eleitorado, predominantemente a respeito de algumas questões, com toda a sua complexidade, as questões importantes e as normas meramente técnicas, acabe por poder determinar uma vontade em relação ao Tratado, tomado no seu conjunto. É evidente que não é o cidadão comum que vai conhecer, formular uma vontade e determinar a sua opinião em torno de questões meramente técnicas, mas quando forem submetidas a referendo, quando houver sondagens, por exemplo, quando os líderes políticos, Deputados ou outros, intervierem, vão pronunciar-se contra ou a favor do Tratado, com base em algumas questões determinantes. Então, a questão concreta que se coloca é a seguinte: se aquilo que vai estar em debate, em última instância, são estas questões, por que não admitir a possibilidade de colocar a questão em termos de ser contra ou a favor do Tratado? Isto não significa que seja obrigatório colocá-la nestes termos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos de distinguir duas coisas: uma, a questão do alargamento do referendo a matérias de convenções internacionais, outra, a de saber sobre que objecto incide o referendo, porque isso é comum aos tratados e às leis. Peço que deixemos de lado esta segunda questão, sobre o modo concreto de fazer o referendo, e nos mantenhamos cingidos à primeira, ou seja, ao alargamento do âmbito do referendo, tendo em conta o que está actualmente disposto na Constituição, que exclui os tratados ou as matérias constantes de tratados referidos na alínea j) do artigo 164.º.
Volto a relembrar que as propostas são tão amplas que vão desde a proposta do PCP, que só menciona as matérias que tenham a ver com a União Europeia, até à do CDS-PP, que admite todos os tratados, sem excepção, passando por fórmulas intermédias, como a do PS, que admite todos os tratados, com excepção dos de rectificação de fronteiras e de feitura da paz. Neste momento, não tenho presente a proposta do PSD, mas suponho que também só tem em conta os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais e as suas alterações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, muito brevemente, quero apenas referir que o projecto de que sou subscritor não restringe a possibilidade de referendo de tratados ou da modificação de tratados de organizações internacionais de qualquer espécie, é absolutamente amplo, o que significa, portanto, que pode incidir sobre a modificação de quaisquer tratados que Portugal já possa ter ratificado, como, eventualmente, e menos provavelmente, do ponto de vista político, sobre novos tratados que, de raiz, se venham a desenhar.
Como deixamos para a segunda parte a questão da forma como devem ser feitos, deixarei também para depois a justificação deste carácter prévio e, quanto às questões determinantes sobre que deve incidir o referendo, diria
Página 198
apenas, para finalizar, e talvez com demasiada franqueza política, que o que está aqui em jogo, a preocupação política que aqui se joga incide, inequivocamente e sobretudo, na modificação do Tratado da União Europeia. E se, pela minha parte, ainda tenho dúvidas sobre se Portugal não fez bem em não ter produzido um referendo sobre o Tratado da União Europeia - admito que ainda tenho dúvidas de que não tivéssemos adoptado a melhor decisão -, a verdade é que não há qualquer razão para que, no futuro, estas possibilidades não sejam constitucionalmente abertas. É este o fundamento essencial da minha proposta.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito e, portanto, tenho de clarificar, passo a passo, o seguinte: em primeiro lugar, parece que há consenso no sentido de alargar o referendo a matérias atinentes aos tratados referentes à União Europeia. Isto está adquirido, porque faz parte de todos os projectos.
Para além disso, Srs. Deputados, em que é que ficamos?
A proposta do Deputado Cláudio Monteiro é a mais ampla e admite referendos sobre matérias de todas as convenções internacionais. A proposta do PS excepciona duas matérias e a proposta do PSD é a mais restrita.
Julgo que se exigia que o PSD tivesse aqui uma palavra a dizer, dado que é o menos ousado nesta matéria.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, de facto, o PSD não vê razão absolutamente nenhuma para o alargamento das matérias possíveis de serem referendadas a todas as que tenham a ver com tratados internacionais. Não entendemos que a firmação de tratados de relacionamento internacional do Estado seja uma matéria que, por excelência, deva ser objecto de permanentes consultas populares. Consideramos que haverá questões que se prendem com a participação em organizações internacionais, onde há partilhas de competências e até, às vezes, de poderes de soberania do próprio Estado português e aí, obviamente, entendemos que é necessária a possibilidade de pronunciamento por parte da população. Mas todo e qualquer tipo de matérias que constem de convenções ou tratados internacionais não nos parece que seja um campo especialmente fértil para a instituição de referendos e, portanto, não vemos, de facto, que haja necessidade de alargar o referendo a todo o tipo de matérias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, circunscrevendo a questão, para não estarmos, suponho, a laborar em equívocos: na minha interpretação, e gostaria de saber se concordam, o problema só se coloca em relação aos tratados mencionados na alínea j) do artigo 164.º, porque em relação aos demais tratados, hoje, já é possível o referendo. Portanto, vamos debruçar-nos sobre os mencionados na referida alínea, analisando um a um.
Quanto aos tratados que versem matéria da competência reservada, que consta dos artigos 167.º e 168.º, se admitimos referendos sobre as matérias do artigo 168.º propriamente ditas - matérias de competência relativamente reservada à Assembleia -, devemos excluí-los quando essas matérias sejam objecto de tratado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, de facto, não consigo acompanhar a sua metodologia, e digo acompanhar em termos de concordar com ela, pelo seguinte: o que está em causa não é apenas a substância das matérias. O Sr. Presidente disse - e, em termos substantivos, concordo consigo - que as matérias que não estejam na alínea j), em teoria, podem já, por outras vias, ser objecto de referendo...
O Sr. Presidente: - Por via do n.º 2 do artigo 118.º, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente! Mas não acompanho o seu raciocínio, na sua expressão final, pelo seguinte: uma coisa é a competência para convencionar internacionalmente determinado tipo de matérias, ou seja, a competência para firmar tratados e convenções, outra coisa são as matérias que o Sr. Presidente referiu. E o referendo das matérias que cabem nessa competência sempre resultaria expressamente de uma norma como a prevista em alguns dos projectos de revisão aqui presentes, que vem estabelecer sistematicamente que as convenções e tratados possam ser submetidos a referendo. Ora, a submissão a referendo dos actos de convencionar internacionalmente determinadas matérias parece-nos errada e castradora do normal desenvolvimento das competências de relacionamento internacional que cabem ao Estado e ao Governo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, apenas para efeitos de clarificação, imaginemos o seguinte: no âmbito da União Europeia é celebrada uma convenção em matéria de poder local. Essa matéria é, hoje, da competência reservada da Assembleia da República e, se for objecto de lei, pode ser objecto de referendo. Pergunto: essa convenção internacional ou a matéria dessa convenção internacional pode ou não ser objecto de referendo? Hoje, tal como a Constituição se encontra, não pode, porque está mencionada na alínea j) do artigo 164.º. O que pergunto é se tem lógica essa exclusão do referendo sobre tratados que contenham matérias que, se fossem objecto de lei, poderiam ser referendáveis?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a posição do Partido Social Democrata tem de ser vista em duas perspectivas: uma coisa são as matérias em si, como o Sr. Presidente acabou agora de referir. E, relativamente à matéria em si, temos uma visão o mais ampla possível e acompanhamos as visões mais alargadas que constam dos projectos em discussão.
O Sr. Presidente: - Estava a testar esse ponto e o meu teste não conclui nesse sentido!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Quanto às matérias em si, à substância das questões a submeter a referendo, temos uma visão ampla, mas quando essas matérias ou essas questões sobrelevem de actos de assinatura de tratados ou de convenções, sobrepomos uma perspectiva diferente e cumulamos restrições mais apertadas, porque nos parece que o facto de não o fazer reduz, de forma substancial, a capacidade negocial do Estado português no exterior.
Portanto, não posso acompanhar o raciocínio do Sr. Presidente, porque se reduzirmos a discussão à questão de saber quais são as matérias em si, em substância, provavelmente, estamos de acordo com uma lógica
Página 199
extraordinariamente ampla mas, quando elas venham a ser objecto de tratados, temos uma visão estreitada pelo facto de não querermos reduzir a capacidade negocial internacional do Estado português. Portanto, matérias que, noutra sede, poderiam ser, tranquilamente, objecto de referendo e de consulta popular, quando estejam em causa na negociação de tratados... Entendemos que o tratado só deve ser submetido a referendo quanto aos seus aspectos determinantes.
O Sr. Presidente: - Certo! Também estou de acordo! Nisso não divergimos!
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Marques Guedes não pode enunciar o princípio ao mesmo tempo que enuncia uma excepção claramente motivada por razões de oportunidade política. Ou seja, o seu princípio vale para a alteração ao Tratado da União Europeia, porque o princípio da diminuição da capacidade negocial do Estado português também é válido para esse efeito. Isto só revela uma certa intemporalidade da proposta, que admite a excepção que está na mesa neste momento mas não admite as excepções que possam vir a estar na mesa amanhã. Não se pode distinguir a discussão do princípio da discussão das matérias! É que, amanhã, poderemos vir a discutir o alargamento da NATO a países que, porventura, possam criar susceptibilidades, como os países da África do Norte ou os países do Médio Oriente, e, se calhar, a questão da alteração do Tratado da Organização do Atlântico Norte vai ter a mesma premência e o mesmo calor político...
O Sr. Presidente: - O PSD admite todas as organizações internacionais, incluindo, portanto, a NATO, a FAO ou qualquer outra!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pois! Mas é que há uma outra matéria respeitante a assuntos militares e de defesa...
O Sr. José Magalhães (PS): - Está visto que o PSD fará uma interpretação generosa!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo poder concluir o seguinte: em termos que haveremos de ver quanto ao objecto concreto, julgo que há consenso no sentido de admitir o alargamento do referendo aos tratados que tenham a ver com a União Europeia.
Pergunto, agora, o seguinte, começando pelo partido que avança menos, o mais avaro no alargamento, isto é, o PSD: estamos de acordo em alargar o referendo a todos os tratados que tenham a ver com a participação de Portugal em organizações internacionais ou às suas alterações? Parece-me ser um denominador comum, salvo a proposta do PCP.
O Sr. Luís Sá (PCP): - O PCP pode ter um acto de abertura!
O Sr. Presidente: - Pode ser dado como adquirido este ponto, Sr. Deputado Luís Sá?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sim, sim, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, nessa matéria, gostaria, todavia, de deixar de remissa uma questão: o alcance a dar a expressões do tipo "questões determinantes dos tratados". Trata-se de uma expressão que coloca problemas hermenêuticos e gostava que ficasse de remissa, porque...
O Sr. Presidente: - Esse ponto ainda não está adquirido. Quanto à formulação é que vamos... Ainda estamos na questão do objecto!
O Sr. Presidente: - Além dos tratados que tenham a ver com organizações internacionais, o PSD considera a hipótese de revisão da sua posição negativa?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, consideramos, se nos convencerem de situações em que haja bondade real...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, refiro-lhe todas as matérias, ou quase todas, do artigo 168.º que possam ser objecto de convenção internacional, e muitas delas, hoje, são objecto de convenção internacional, sobretudo no âmbito da União Europeia. Citei-lhe o caso do poder local, mas posso citar-lhe uma série de outros casos. Por exemplo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas os da União Europeia já estão...
O Sr. Presidente: - Não, não! Refiro-me não a tratados que tenham a ver com a União mas a tratados no âmbito da União, sobre matérias diferentes das da União! O artigo 168.º, hoje, está excluído, porque as matérias de reserva de competência da Assembleia estão mencionadas na alínea j) do artigo 164.º, logo, quando forem objecto de tratado, não podem ser referendadas. O que pergunto é se há lógica bastante no vosso raciocínio para dizer que, sendo matéria de tratado, está excluída do referendo?! Penso sinceramente que não, que VV. Ex.as deveriam pensar... Julgo que seguiram uma certa lógica cartesiana que, a meu ver, talvez mereça ser reconsiderada.
Srs. Deputados, podemos sobrestar nessa questão, mas, em todo o caso, quanto à matéria, parece-me que não podemos avançar mais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, atendendo à explicitação que acabou de fazer, o PSD não fecha a questão, deixa-a em aberto e irá ponderar essa possibilidade.
O Sr. Presidente: - Bom, então, passemos ao segundo subponto deste, que é a questão de saber o que é que se referenda.
Segundo o princípio geral, que é o do n.º 2 do artigo 118.º, o que se referenda são "questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República (...) através da aprovação de convenção internacional (...)". O PCP parece propor que possa ser objecto de referendo o próprio tratado ou convenção e o PSD exige que sejam as "questões determinantes", o que, como norma especial, prevaleceria sobre a norma geral das questões de relevante interesse nacional, ou seja, passariam a ser submetidas a referendo as questões de relevante interesse nacional que fossem
Página 200
determinantes do tratado. Pergunto: o PSD faz questão deste ponto?
Está em discussão o que é que se referenda em matéria de convenção internacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, julgo que é natural, que nos poupará trabalho e evitará equívocos, que sejam os proponentes a ilustrar as razões que os levaram a propor esta específica redacção, uma vez que usam um conceito relativamente indeterminado que coloca problemas operativos. Por isso, gostaria de não usar da palavra, sem conhecer melhor o ponto de vista dos proponentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me que este ponto é interessante, porque, na verdade, o PSD soma a um conceito já relativamente indeterminado, que é o princípio geral das "questões de relevante interesse nacional", um outro mais restrito, seguramente, mas ainda assim indeterminado, que é o das "questões determinantes dos tratados". Este conceito soma-se ao primeiro, como é óbvio, ou pelo menos consome-o, sendo mais restrito.
Gostaria, por exemplo, de aplicar esta ideia ao caso do Tratado de Maastricht e de perguntar aos Srs. Deputados do PSD que questões poderiam ter sido objecto de referendo, se tivesse havido ocasião de submeter o referido Tratado a referendo. Quais as questões que, no entendimento do PSD, poderiam ter sido elegíveis como questões determinantes do Tratado da União Europeia?
Uma voz não identificada: - E que...
O Sr. Presidente: - Não estariam já consumidas na expressão "questões de relevante interesse nacional", que é a norma geral do n.º 2 e que, seguramente, é também aplicável aos referendos que tenham a ver com matéria internacional.
Portanto, qual é a vantagem de somar esta exigência sobressalente?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, responderei, sem tomar muito tempo, chamando a atenção para o seguinte: a proposta do PSD para esta norma tem de ser lida de forma integrada com toda a proposta do PSD para o referendo e é uma das razões essenciais pelas quais o PSD entende, como já resultou de uma discussão em reunião anterior, que todas as propostas de referendo têm, necessariamente, de ser formuladas pela Assembleia da República. Tudo isto tem de ser lido integradamente.
O PSD entende que o referendo não pode pôr em causa a democracia representativa. Há uma sede da democracia representativa, que é a Assembleia da República. Por outro lado, as perguntas do referendo têm de ser formuladas sempre sem perder de vista a objectividade, a precisão e a clareza, e nós entendemos que tudo isso deve ser perfeitamente salvaguardado.
Respondendo agora directamente à pergunta que o Sr. Presidente me colocou, neste contexto, a densificação de quais são as questões determinantes reside no seguinte: para que não possa haver "cada cabeça, sua sentença" sobre quais são as questões determinantes, na economia de todo este articulado o PSD propõe que as propostas passem sempre pela Assembleia da República. E é à Assembleia da República, que é a sede da democracia representativa portuguesa, que é a sede do regime democrático, enquanto tal, que cabe realizar essa tarefa e verificar um determinado tratado de adesão a uma organização internacional ou de alteração do estatuto dessa própria organização internacional. É a Assembleia da República, enquanto sede da democracia representativa, que tem de fazer esse trabalho, ou seja, que tem de determinar quais são as questões fundamentais que se colocam em determinado momento, perante a alteração ou a assinatura de uma convenção ou de um tratado, e propor a realização de um referendo, determinando quais as perguntas a realizar, enfim, determinando qual a matéria a ser objecto de referendo.
Tudo isto tem de ser visto em conjunto, Sr. Presidente, porque, obviamente, não podem ser 100 000 ou 150 000 ou 25 000 eleitores...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, partamos daquilo que já está adquirido, ou seja, não vai haver iniciativa popular de revisão, uma vez que VV. Ex.as a tornaram inviável...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade, Sr. Presidente! Não é verdade que não vai haver iniciativa popular de revisão, pois não houve quaisquer votações sobre a matéria. Portanto, o PSD não dá, minimamente, como adquirida essa...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em princípio... Sr. Deputado, estou a tomar as posições até agora enunciadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não! Está a tentar torná-las definitivas, Sr. Presidente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Só boas notícias!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Nós é que esperamos tê-las!
O Sr. Presidente: - Em segundo lugar, aparentemente, o PS não concorda com a eliminação do Governo da iniciativa do referendo e, portanto, vai haver iniciativa governamental de referendo.
Em terceiro lugar, e faço questão de que o PS não admita discutir essa matéria, vai continuar a haver controle prévio da regularidade constitucional e legal dos referendos.
Portanto, para mim, a questão reduz-se ao seguinte: por que é que, em referendos que tenham a ver com matéria legislativa, isto é, que estejam a ser discutidos internamente, basta que sejam matéria de relevante interesse nacional e quanto a matérias que estejam a ser discutidas em sede de convenção internacional o PSD exige que sejam questões determinantes desses tratados?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, já apresentei razões sobre essa matéria, já argumentei no sentido de explicitar que o PSD entende que as matérias que estão a ser objecto de negociação internacional têm a ver exactamente com o fortalecimento da posição nacional e dos interesses nacionais, por parte de quem está a fazer essa negociação, e que, normalmente, será o Governo. A intenção do PSD neste domínio é, claramente, a de fortalecer e dar uma capacidade negocial acrescida ou permanente, continuada, ao Governo ou às
Página 201
entidades que, em cada momento, são determinadas pelo Governo para negociar internacionalmente um determinado tratado.
Por essas razões, que julgo ter expendido há pouco, é que o PSD entende que deve haver essa diferença de tratamento ou essa restrição, como o Sr. Presidente agora enunciou, ou essa dupla restrição, se assim quiser.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, considera esclarecidos os termos da questão?
O Sr. José Magalhães (PS): - Estão, Sr. Presidente, e isso motiva o seguinte sucinto comentário: creio que se a proposta do PSD deve ser entendida nos rigorosos termos que decorrem da intervenção do Sr. Deputado Marques Guedes, então, está pura e simplesmente mal expressa. É que, se se diz que questão determinante é toda aquela que o Parlamento defina como tal,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Cabe ao Parlamento definir qual é!
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Foi o que acabou de dizer, foi o que ouvi e acabei de reproduzir fielmente!
Como estava a dizer, se se entende que questão determinante é toda aquela que o Parlamento defina como tal, então, a proposta está mal expressa. É que não faz qualquer sentido utilizar a expressão "questões determinantes" com o alcance que sugere ou inculca, porque o seu valor operativo ou operatório, na hermenêutica do próprio PSD, não é nenhum ou é nulo. E creio que há aqui um equívoco sério que importa dilucidar: é que a Constituição, nesta matéria, define ou quis definir alguns critérios e, na nossa opinião, deve continuar a definir alguns critérios.
Ora, a decisão referendária é um acto complexo de formação sucessiva, ou seja, não é uma decisão do Presidente, sponte sua, é uma decisão na qual intervém o Tribunal Constitucional. É justo referir que o PSD não o exclui deste processo, uma vez que no n.º 7 do seu projecto prevê que a proposta de referendo seja submetida ao Tribunal Constitucional, para efeito de emissão de parecer sobre a respectiva constitucionalidade e legalidade, com possibilidade até de reformulação obrigatória, naturalmente, antes do envio da proposta - porque é sempre uma proposta que está em causa - ao Presidente da República...
O Sr. Presidente: - Já lá iremos, Sr. Deputado. No entanto, chamo a atenção do Sr. Deputado para a fórmula: é "para emissão de parecer".
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! É grave e suponho que isso merece consideração à parte, quando discutirmos a intervenção do Tribunal Constitucional. Mas não é isso que quero trazer agora à colação, o que quero trazer à colação é que o Tribunal Constitucional intervém. Ora, se dizemos ao Tribunal Constitucional, aliás, ao Presidente da República, enfim, aos intervenientes, "atenção, intervenientes, porque são só referendáveis as questões determinantes dos tratados de participação de Portugal em organizações internacionais" - admitindo que era esta a solução final, ou seja, uma solução muito menos generosa do que a do Partido Socialista -, este conceito operatório tem de ter um alcance. Sendo embora um conceito relativamente indeterminado, tem de ter um alcance precisável ou definível, o que significa que as "questões não determinantes" não podem ser sujeitas a referendo. É o que isto significa!
Portanto, se o Parlamento ou, na nossa óptica, os cidadãos propuserem um referendo sobre "questão não determinante", o Presidente da República não o pode convocar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E se o Presidente decidir não concordar, não convocará!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, mas isso é uma outra questão totalmente diferente: o Presidente pode sempre decidir não propor coisa nenhuma, mesmo uma questão determinantíssima.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso que está a dizer, espremido, não tem...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não! A proposta do PSD é que, espremida, não tem qualquer conteúdo! É exactamente isso, porque dissolve o carácter determinante na vontade política conjuntural do Parlamento, qualquer que ele seja e qualquer que ela seja, deixando sem nenhum alcance para a fiscalização pelo Tribunal Constitucional e para a decisão do Presidente da República a exclusão de referendos, não porque queira exclui-los mas porque não pode aceitá-los por não serem sobre questões determinantes!
Ou seja, de duas uma: ou este conceito tem um valor operatório e exclui determinados referendos ou não tem qualquer valor operatório e o Parlamento pode propor o que quiser e, naturalmente, o Presidente decide o que quiser, porque é inteiramente livre de decidir o que quiser sobre questões muito determinantes, pouco determinantes, assim, assim determinantes ou nada determinantes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, se faz gosto nisso, tire a palavra "determinantes" e escreva "relevantes", como faz no n.º 2. Se isso lhe faz muita confusão...
O Sr. José Magalhães (PS): - É um interessante desfecho para estas alegações!
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Parece-me que está a ser inútil esta discussão!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, a proposta é que é inútil, e ainda bem que concorda!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, tem em conta a declaração off do Sr. Deputado Marques Guedes?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente! De resto, queria justamente dizer que o Deputado José Magalhães entendeu...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não gastemos mais tempo com esta questão do que aquele que
Página 202
ela merece. E, sinceramente, penso que não merece grandes discussões. Não quero com isto desvalorizar o que vai dizer, Sr. Deputado Passos Coelho, que, certamente, é interessante, estava a referir-me a todos os membros da Comissão.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Mas não se importará que me pronuncie sobre isto, apenas para dizer o seguinte: o Sr. Deputado José Magalhães compreendeu, desde o início, aquilo que estava em causa. De resto, a diferença no texto entre a proposta que subscrevo e aquela que é subscrita pelo PSD é, de facto, muito ligeira, pois admito que possa fazer alguma confusão misturar os conceitos de "relevante interesse nacional", no n.º 2, e depois, neste número, de "determinante". Mas as situações são distintas!
Podemos, efectivamente, no n.º 2 e neste número, utilizar a mesma expressão "questão relevante", mas ficará claro que, num lado, se refere a relevância do ponto de vista do interesse nacional e, no outro, refere-se a relevância para a modificação ou para a estruturação do tratado. E essas são duas perspectivas distintas.
Não concordo com o ponto de vista do Sr. Deputado José Magalhães, de que haja interesse, quer de relevância nacional quer de relevância para os próprios tratados, que não seja submetido a referendo, mas que outras matérias que não tenham relevância, nem para o interesse nacional nem para os próprios tratados, sejam colocadas a referendo.
É, pois, nesse sentido, que aqui a expressão se aplica a circunstâncias diferentes, mas admito perfeitamente, como o Deputado Marques Guedes já o fez, que o termo, que é talvez difícil de definir ou, pelo menos, levantará algumas dificuldades, possa ser o mesmo, para não criar dificuldades adicionais. Mas o objecto sobre que incide é distinto. Era isso que gostava de sublinhar nesta intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que foi colocada e que é relativamente incontornável, excepto eventualmente em sede de fiscalização preventiva - e sabemos naturalmente que, também aí, pode não ficar tudo acautelado -, é a seguinte: com o referendo sobre questões determinantes, podemos ter um cenário que é indesmentível. Imaginemos um referendo acerca do Tratado de Maastricht, em que são colocadas aos eleitores questões determinantes, eventualmente, no futuro: se deve ser reforçada a política do ambiente; se devem ser reforçados os poderes do Parlamento Europeu; se a Comissão deve ter uma investidura parlamentar perante o Parlamento Europeu. Isto é, todo um conjunto de questões determinantes. Fica de lado a questão da União Económica e Monetária, da Moeda Única, da via para chegar à União Económica e Monetária e à Moeda Única.
O problema concreto que se coloca nesta matéria é o seguinte: formalmente, estará cumprido o texto que é proposto, mas, na realidade, é cumprido? É esta a questão. Sendo possíveis questões deste tipo, devem ser utilizadas formulações que possam apontar para este tipo de prática política?
Creio que não vou insistir na ideia de referendar o Tratado ou a Convenção. É evidente que não há uma maioria nesse sentido. O problema concreto que se coloca é que têm de ficar acauteladas fórmulas que não permitam práticas políticas que são obviamente perversas e que podem, por parte do poder político, servir, no fim de contas, para deixar o eleitor de fora daquilo que é verdadeiramente determinante e colocá-lo a pronunciar-se sobre matérias em que, alegremente, ele dirá "sim", exactamente, porque não são postas as questões fundamentais.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos os Srs. Deputados Calvão da Silva e Maria Eduarda Azevedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, acho que estamos a entendermo-nos sobre o conceito, embora estes conceitos indeterminados, obviamente, só caso a caso, em face das circunstâncias, poderão ser mesmo determinados. Portanto, em cada circunstância, isso, com certeza, permitirá ao julgador, neste caso, soberano, embora com a fiscalização do Tribunal Constitucional, a determinação em concreto da relevância.
Agora, o que julgo que estamos aqui a tentar fazer é não passar do oito para o oitenta. Se até aqui não havia nenhum tratado internacional que pudesse ser objecto, nem nenhuma questão, de referendo, também não...
Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar o aparte.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - No ponto de vista que aqui nos importa, é! Da ressalva da alínea j)!
O Sr. Presidente: - Não é verdade! Não é assim!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - O que está em causa é a matéria da alínea j) do artigo 164.º.
O Sr. Presidente: - Nesse sentido, tem razão!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - É só nesse aspecto que estamos aqui a discutir neste momento.
Portanto, se é só isso que queremos evitar, isto é, passar do oito para o oitenta, é por isso que está uma expressão indeterminada a tentar delimitar - o que é sempre difícil - o objecto do referendo. Logo, são determinantes as questões essenciais. Pode ser essencial, pode ser determinante, podem ser questões essenciais e controversas, geradoras de controversas na opinião pública portuguesa, que nós, Assembleia da República, temos o dever de trazer ao de cima, permitindo o seu referendo. É, pois, este conceito essencial e controverso que está aqui em causa e não outro. São as questões sensíveis que no momento da concretização para a opinião pública nós, Assembleia da República, em representação indirecta, temos que relevar. É este o sentido que o PSD lhe quer dar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, sob pena de repetir alguma coisa que já foi dita, gostaria só de sublinhar que se me afigura que no n.º 2, quando diz concretamente "relevante interesse nacional", se procura fazer uma triagem entre as questões que - e
Página 203
seja-me permitido o plebeísmo - serão de lana caprina e as questões efectivamente fundamentais.
Por outro lado, o Sr. Deputado Luís Sá explicitou, na sua intervenção, o fulcro da questão que nós procurámos contemplar na nossa proposta, uma vez que a dupla condição, que nós sugerimos que seja contemplada na Constituição, tem em vista resolver o problema de questões que podem ser importantes mas que não sejam decisivas. Portanto, as questões que apelidamos ou adjectivamos de "determinantes", que seriam as questões decisivas, é que seriam levadas a referendo, a partir do momento em que, previamente, cumprissem o objectivo do n.º 2 do artigo 118.º, ao serem questões "de relevante interesse nacional".
Nessa conformidade, questões como, por exemplo, aquelas que o Deputado Luís Sá suscitou, teriam um tratamento de algumas serem importantes e deverem ser consideradas, mas só as que fossem determinantes - e, aliás, foi também um conceito a que ele fez apelo - é que seriam levadas a referendo. Por isso mesmo, o duplo condicionalismo que aqui consagramos resolveria, substancialmente, o problema em termos de garantir operacionalidade o interesse e o alcance do referendo.
O Sr. Presidente: - Uma vez que não há ninguém inscrito, continuamos com esta diferença de consideração. Portanto, quanto à questão de saber se o objecto...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. É bem vinda uma clarificação ou uma tentativa de ponte...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que, num certo sentido, tudo o que é objecto de um tratado tem "relevante interesse nacional", pois envolve o Estado no seu conjunto. O Estado intervém enquanto representante da comunidade para a celebração de uma convenção internacional, e é evidente que, em princípio, têm relevância todas as cláusulas de uma convenção.
Quando agora se diz - e aqui foi importante a intervenção do Deputado Luís Sá -, disto, o que há-de ser submetido a referendo são as questões determinantes, é também uma garantia para os cidadãos. Não vão ser enganados, não podem ser enganados com uma questão secundária, com uma questão de lana caprina dentro do tratado, sendo certo que tudo se cumpre, sobretudo, o relevante, mas agora o cidadão tem de ser perguntado sobre aquilo que é determinante. E é esta a função, bem ou mal lograda, que este conceito indeterminado pretende aqui salvaguardar. É só isto!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado, no entanto, o que observo é que passamos a ter dois regimes de referendo em matéria de tratados. Quanto aos tratados fora da alínea j), do artigo 164.º, vale o regime geral, isto é, basta que seja uma questão "de relevante interesse nacional" para poder ser submetido a referendo; se se tratar de matéria mencionada na alínea j) do artigo 164.º, tem de ser, para além disso, uma questão determinante desse próprio tratado. É esta diferença de consideração que eu, até agora, não atingi. A racionalidade é que eu ainda não percebi.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não só não consigo perceber qual é a valia da criação de um regime geral e de um regime especial, portanto, da distinção que fundamentaria a validade dos regimes, como não consigo sequer perceber, francamente, o alcance virtuoso da proposta na decantação que foi feita pelo Deputado Luís Sá e agora abonada pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Por uma razão simples: é que uma coisa é ter virtuosas intenções, outra coisa é conseguir exprimi-las em português cristalino, com efeitos operatórios jurídicos, precisos, rigorosos e eficazes.
Provavelmente, a primeira questão existe na cabeça dos proponentes, não existiu na pena. Alguma coisa falhou aí no meio, porque se se distingue entre "questões irrelevantes", "questões relevantes mas não determinantes" e "questões determinantes" - e é o que acontece na vossa proposta -, a função disso é operar uma selecção, uma selecção com consequências jurídicas precisas. Mas a selecção que operam é que, a partir daí, os operadores jurídicos têm, desde logo, que laminar as questões não relevantes e as questões não determinantes. Primeiro comando: o Tribunal Constitucional não pode, em relação a uma questão que se seja de lana caprina, dizer "sim", porque isto violaria o novo preceito constitucional.
Mas a garantia de que o Sr. Deputado Barbosa de Melo falava, que seria uma garantia aparentemente virtuosa, (a garantia aos cidadãos de que não seriam submetidos a questão relativamente menor - e não digo de lana caprina, porque essa está excluída e estará sempre excluída constitucionalmente) a garantia de um núcleo de questões determinantes, sempre a submeter pelo Parlamento, carece de outra pena, que a escreva de forma cristalina, porque isso não está aqui garantido. E não está garantido porque, por um lado, o legislador perante este conceito indeterminado tem um grande poder de materializar normas, como o Sr. Deputado Calvão e Silva referia (e isso dispensa reforço, será sempre assim!). Mas por outro lado, se o proponente, excluída a possibilidade de o propor directamente, adiantar um determinado núcleo de questões muito relevantes - e vou agora deixar de lado a ganga da distinção - mas excluir outras que, no juízo do povo, de algum partido, de uma minoria ou de um cidadão seja igualmente relevante e determinante, o Tribunal Constitucional não tem meios para julgar ou emitir juízo sobre esta inconstitucionalidade, por omissão da questão determinante, que foi a questão mais interessante que o Sr. Deputado Barbosa de Melo aqui colocou - a questão da omissão da inconstitucionalidade. O Sr. Deputado colocou uma questão apaixonante.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Barbosa de Melo foi interpelado, tem todo o direito a responder.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não vamos fazer aqui uma discussão, porque nem o método nem o sítio é o adequado para saber qual é a função normativa dos conceitos indeterminados. Não vamos fazer isso, senão perderíamos, ou, se calhar, ganharíamos, com o brilho das nossas cabeças poderíamos ganhar e descobrir
Página 204
muitas coisas durante muito tempo. Mas não vale a pena estarmos aqui a discutir sobre isso.
Tudo aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse sobre a palavra "determinantes", que ele considera, não sei porquê...
O Sr. José Magalhães (PS): - Indeterminada!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, tem-lhe suscitado vários baptismos, desde ser uma palavra estranha à nossa língua, obscura, de não dizer o que pretende, enfim, se nós fizermos a relação a qualquer outra palavra que se use na Constituição, e usa-se por todo o lado, a Constituição é um conjunto de frases lapidares, de frases indeterminadas num certo sentido, podíamos repetir, ponto por ponto, tudo o que disse a respeito dos determinantes.
O que a nossa proposta pretende é só isto: no caso de tratados que têm a ver com organizações internacionais, que implicam uma vinculação permanente do Estado português, que eventualmente implicam transferência de poderes, cedência de poderes ou gestão em comum de poderes soberanos, o povo possa, nestas matérias, ser perguntado se quer ou não que o Estado assuma este vínculo.
E, mais, se a Assembleia da República ou, em geral, os órgãos representativos decidirem dar este passo, então que perguntem ao povo aquilo que é significativo dentro da estrutura interna daquele tratado. É isto o que aqui está dito.
Agora, as fórmulas podem sempre mudar-se muito - todos os conceitos indeterminados têm sempre essa fuga -, mas não poderemos resolver isso aqui, pois nem o lugar nem o tempo são os adequados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, de essencial, quero sublinhar o que aqui foi dito pelo Deputado Barbosa de Melo no final da sua intervenção. O problema é mesmo esse: é a natureza do tratado que está em causa, é a eventual implicação de transferência de soberania ou de poderes soberanos, e, nessa medida, o tratado não deve ser objecto de referendo, mas apenas determinadas questões. Quanto a saber quais, o termo é indeterminado e só naquelas circunstâncias se pode conjugar. É impossível agora tentar antever essas circunstâncias, a não ser que o Sr. Deputado queira que, no texto constitucional, se refira também: "...relevantes, em face das circunstâncias e segundo a controvérsia já de uma opinião pública". Quer se ponha isso? Penso que não valerá a pena, porque isso faz parte de um conceito indeterminado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Estes debates têm ao menos o mérito de clarificar as dimensões das preocupações que partilhamos e as imperfeições de soluções que, naturalmente, não partilhemos. Lá chegaremos a uma que não tenha os inconvenientes de dualizações e de selecções pseudo-garantísticas, que não confeririam na redacção presente garantia nenhuma, uma vez que, contra a omissão de uma questão determinante, a virtude adiantada pela proposta é nula e o meio de correcção e redacção concedido aos cidadãos e aos órgãos de soberania é também nulo. A preocupação é essa, obviamente, virtuosa e é aliás a nossa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que, desta discussão, fica pelo menos adquirido um consenso relativo ao alargamento do referendo a tratados que tenham a ver com a participação de Portugal em organizações internacionais, sempre que se trate de questões determinantes, de relevante significado. A fórmula adequada há-de ser encontrada, mas, para já, temos a referida na proposta do PSD - não abrindo mão desta fórmula o proponente, para já, é aquela que fica registada.
Vamos passar à discussão relativa ao alargamento do referendo às matérias do artigo 167.º. Começo por dar palavra ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que, como anunciei, apresentou uma proposta de alteração à sua própria proposta. As restantes propostas já tinham sido apresentadas.
Sr. Deputado, peço-lhe que seja sucinto e se restrinja à apresentação da proposta.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a proposta não necessita de uma extensa apresentação, pelo que direi apenas que ela pode parecer contraditória com uma outra proposta que, mais à frente, se faz a propósito da natureza do serviço militar. E é aparentemente contraditória, porque o projecto que subscrevo defende que se consagre constitucionalmente o serviço militar voluntário e neste processo de revisão constitucional não há nenhuma outra proposta nesse sentido. Há apenas um conjunto de propostas que visam a desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar, mas, além da que subscrevo, nenhuma delas constitucionaliza o seu carácter voluntário, pelo que pode perfeitamente suceder, ao longo desta revisão, que se chegue a um consenso constitucional para desconstitucionalizar a obrigatoriedade do serviço militar, caso em que estaria vedada a possibilidade de haver um referendo sobre a natureza do serviço militar. Ora, a proposta de alteração ao projecto inicial que agora subscrevo visa, sobretudo, possibilitar que, na sequência desta revisão constitucional, viesse a ocorrer um referendo sobre a natureza do serviço militar.
Admito que, em termos de redacção, a proposta que agora faço possa parecer demasiado ampla e que, portanto, ao abrigo dos termos em que está feita, pudessem ser sujeitas a referendo para além de a natureza do serviço militar, outras matérias que envolvessem alguma ou demasiada delicadeza constitucional. Portanto, pela minha parte, estarei aberto a encontrar uma fórmula mais restritiva, que, como é nossa intenção, permitisse um referendo sobre a natureza do serviço militar, embora, eventualmente, fechasse as portas a outro tipo de referendos, sendo que estaria sempre fechada a porta constitucionalmente a um referendo que questionasse os portugueses sobre o "sim" ou "não" à existência de forças armadas ou da defesa nacional, na medida em que ela está constitucionalmente prevista e, nesse sentido, sempre deverá existir.
Para terminar, quero apenas dizer que, sendo que acabámos de ver que pode ser sujeita a referendo nacional, por exemplo, a participação de Portugal na OTAN, mal seria que, em Portugal, não viesse a ser possível fazer um referendo sobre o carácter obrigatório ou não obrigatório
Página 205
do serviço militar. Portanto, a intenção da proposta é claramente esta, mas admito que, na sua letra, ela possa ser demasiado ampla e que, portanto, se possa encontrar, se houver disponibilidade dos outros grupos parlamentares, uma fórmula mais restritiva que contemple esta intenção constitucional, sem outros prejuízos que não estão na intenção da proposta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, há propostas mais amplas do que a sua, que não excluem a defesa nacional, portanto, não tema quanto à amplitude da sua proposta de alargamento do referendo.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, em meu entender, a proposta de, quanto às matérias previstas no artigo 167.º, excepcionar as referentes à organização da defesa nacional, contem um conceito demasiado amplo, pois essa excepção poderá ir desde uma reorganização dos ramos à introdução de novas tecnologias, etc. - uma séria de aspectos muito amplos - e não me parece possível imbuir os cidadãos de tamanha competência em relação a determinados aspectos muito específicos.
Do que disse, parece-me que talvez possamos deduzir que se refere concretamente à escolha do sistema de recrutamento para as forças armadas. É isso, não é?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, a Constituição, na fórmula actual, usa duas expressões: "organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas". E pergunto: a vossa fórmula pretende também excluir do referendo, por exemplo, o princípio do serviço militar obrigatório? É um dever decorrente da organização da defesa nacional?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, respondo a ambas as questões, recordando, em primeiro lugar, a manifestação de intenção que fiz quando apresentei a proposta e, portanto, recordo que a intenção fundamental é que, pela forma como está organizada a alínea d) do artigo 167.º, não viesse a ser impossível realizar em Portugal um referendo sobre a natureza do serviço militar e, portanto, sobre o seu carácter obrigatório ou não. Do meu ponto de vista, a actual alínea d) do artigo 167.º impediria um referendo desta natureza e, portanto, Sr. Deputado Barbosa de Melo, admito que, nessa alínea, a organização da defesa nacional não seja o preâmbulo da discriminação que vem a seguir, mas uma das suas secções, e que, portanto, todas as questões que vêm a seguir enumeradas não sejam uma dilucidação da organização geral da defesa nacional. Entendi assim e foi nesse sentido que optei por, na formulação, atender à organização da defesa nacional, porque todos os outros aspectos respeitam à organização da defesa nacional - digamos que são fórmulas mais materiais e partes da organização da defesa nacional.
Mas admito também, em resposta à Sr.ª Deputada Maria Carrilho, que esta formulação possa permitir sujeitar também a referendo algumas questões que, se calhar, seria previdente não colocar a referendo.
Assim, estaria aberto à proposta de uma outra fórmula para esta alínea, que poderia ser eventualmente: o que tem que ver mesmo com a natureza ou o carácter da prestação do serviço militar.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Em tempo de paz.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, porque, em tempo de guerra, constitucionalmente, já está previsto que possa ser de outra maneira e que haja um sistema de conscrição excepcional. Mas o sentido é este.
Não sei se respondi a ambos de forma satisfatória ou não, mas admito - volto a dizê-lo - que a fórmula esteja descrita de uma forma excessivamente abrangente. Confesso, também, que não fiz uma reflexão demasiado atinada quanto a outros aspectos da organização da defesa nacional que, eventualmente, pudessem também legitimamente ser sujeitos a referendo e que, através de uma fórmula mais restritiva, não viesse a ser possível serem sujeitos a referendo. Em qualquer caso, a intenção política era esta e, se houver vontade política para chegarmos a um consenso quanto a esta matéria, isso seria bastante bom.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permito-me colocar a questão em geral.
Actualmente, a solução constitucional não admite referendo sobre as matérias elencadas no artigo 167.º da Constituição, havendo propostas muito diversas sobre isto: há propostas que visam estabelecer excepções a essa vedação - é o caso do PS, que excepciona a alínea i), o caso do PP, que excepciona as alíneas n), s) e t) e do PSD, que também excepciona quatro matérias - e há a proposta do Deputado Cláudio Monteiro e outros, que, pura e simplesmente, admite referendo sobre todas as matérias do artigo 167.º.
Portanto, vamos optar pelo princípio de se fazerem excepções ao princípio da vedação actual do artigo 167.º ou, pura e simplesmente, admite-se, com ou sem excepções, o referendo sobre todas as matérias do artigo 167.º? Propunha que voltássemos a esta questão geral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a propósito da minha proposta ser a única que vai no sentido da eliminação das excepções às excepções - são-no sempre -, aproveitava para dizer que a proposta do Deputado Pedro Passos Coelho revela o vício que eu há pouco apontava, qual seja o da tentação de se criarem excepções para resolver problemas concretos que se colocam hoje à sociedade portuguesa, sem prever que os problemas concretos que se colocarão à sociedade portuguesa amanhã serão outros e que isso, se calhar, obrigará a voltar a rever o texto constitucional sempre que isso seja necessário para obter um determinado efeito útil.
Tendo em conta que, aparentemente, não houve consenso e que não irá por diante a proposta do PSD no sentido de permitir referendo sobre matéria que diga respeito a revisão constitucional, os riscos que poderia
Página 206
comportar a abertura do referendo às matérias do artigo 167.º parecem-me estar salvaguardados. E este é um caso exemplar. O Deputado Pedro Passos Coelho faz uma proposta que assenta num pressuposto, porventura verdadeiro - da minha parte será com certeza -, de que será desconstitucionalizada a matéria do artigo 276.º e só nessa perspectiva é que é necessário criar uma nova porta de abertura ao referendo por via da abertura do 167.º, o que revela bem que a protecção essencial ou o mínimo essencial que deve ser salvaguardado é aquele que diz respeito às matérias constitucionais e que a opção, quando muito, será no sentido de desconstitucionalizar certas matérias, para se permitir, por essa via, o referendo. De contrário, o problema nunca se colocaria. A questão só seria entendida de outro modo se fosse por diante a proposta do PSD e fosse possível também realizar referendos sobre matéria de revisão constitucional, mas, nesse caso, eu não compreenderia, aliás, o porquê da restrição dos referendos sobre matéria de outras alíneas do artigo 167.º, sendo certo que era possível sempre rever a própria alteração do artigo 167.º e, portanto, nesse sentido, de facto, havia aí um vício lógico qualquer que me escapava.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper a reunião, como tinha anunciado.
Peço aos partidos que, no seguimento dos trabalhos, considerem as alíneas do artigo 167.º uma a uma, porque vou questioná-los sobre cada uma delas, dado ser o único modo de resolvermos esta questão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, a Comissão funciona hoje de tarde?
O Sr. Presidente: - Funciona, sim, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas o Plenário também funciona!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados terão de optar.
Srs. Deputados, interrompemos aqui a nossa reunião, que terá o seu reinício às 15 horas e 30 minutos.
Eram 12 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 16 horas.
Srs. Deputados, como estão presentes representantes dos quatro partidos, vamos começar a nossa reunião com o que estava pendente, ou seja, abertura de referendo em relação às matérias elencadas no artigo 167.º da Constituição, que trata da reserva absoluta de competência legislativa, para as quais a actual redacção da Constituição não admite referendo.
Acerca desta matéria, há as mais variadas soluções, desde as que não mexem nesta proibição constitucional, como é o caso do PCP, passando pela do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que só o admite em relação à organização da defesa nacional, pelo PS, que o admite em relação à alínea i) - bases do sistema de ensino -, pelo PSD, que o admite em relação a todas as alíneas, salvo quatro, até à do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que o admite em relação a todas as alíneas.
Portanto, a melhor solução é analisar alínea a alínea e ver o que é que se apura, começando pela primeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se já houvesse uma fixação das inclinações dos diversos partidos sobre essa matéria nesta fase de primeira leitura, provavelmente essa metodologia seria frutuosa, mas, em todo o caso, permita-me, para encurtar razões e facilitar o trabalho, que diga que percebemos agora melhor outras posições de outros partidos e que não estamos em condições de decair da proposta que apresentámos.
No entanto, gostaria, tão-só, de registar que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho adiantou hoje duas coisas: uma reconfiguração por escrito e uma outra oral da proposta que tinha apresentado. E, na reconfiguração oral, foi preciso ao ponto de anunciar que aquilo que o preocupava era a possibilidade de realização, eventualmente, de um referendo sobre a questão do serviço militar obrigatório.
O Sr. Presidente: - Se ele for desconstitucionalizado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sendo ele desconstitucionalizado, como diversos partidos propõem.
Trata-se de uma questão que não tínhamos considerado nesses termos, mas à qual de maneira alguma gostaríamos de estar fechados.
E em relação ao alargamento do elenco das matérias que, além da alínea i), possam ser incluídas, estamos disponíveis para considerar caso a caso os méritos, sendo certo que a nossa proposta tinha uma determinada filosofia que nos pareceu razoável. Mas, como foi introduzida esta nova questão, prestar-lhe-emos a devida atenção e tomaremos boa nota dos argumentos deduzidos a favor de outras extensões que constam da acta. Talvez pudéssemos ser poupados ao questionário, a termos de repetir, que ponderaremos. Seria, de facto, essa a resposta que teríamos de dar: "vamos ponderar".
O Sr. Presidente: - Se bem entendi, o PS pede que fique de remissa a apreciação, caso a caso, das diversas alíneas do artigo 167.º.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Os restantes partido têm algo a dizer sobre esta matéria?
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, mesmo sem se fazer um pequeno debate sobre cada um dos tópicos, ficava tudo já em bloco devolvido para uma melhor...
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa tinha sido a ideia do Sr. Presidente, provavelmente!
Página 207
O Sr. Presidente: - A minha ideia era passarmos alínea a alínea e os partidos que se quisessem pronunciar fá-lo-iam.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A ideia com que fiquei há bocado foi a de que se ia fazendo um escrutínio ponto por ponto!
O Sr. Presidente: - Inicialmente, era um escrutínio, mas derivado...
O Sr. José Magalhães (PS): - Para encurtar razões, se alguém quiser alegar em defesa, parece-me bem!
O Sr. Presidente: - Vamos a isso. Não é obrigatório pronunciarem-se sobre todas, como é óbvio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma observação de carácter geral que serve para, ulteriormente, emitir opinião alínea a alínea ou, eventualmente, pode dispensá-la no caso de algumas, que é a seguinte: creio que há uma preocupação muito marcada no regime do referendo, na versão bastante restritiva que consta actualmente da Constituição e de outras, que é a de garantir que não haja uma instrumentalização demagógica e com propósitos manipulatórios do referendo. Isto exclui, naturalmente, que matérias com forte incidência orçamental directa, matérias que têm a ver com deveres, designadamente tributários dos cidadãos e matérias financeiras, estejam excluídas do referendo.
A interrogação que se coloca a respeito de alguns deveres dos cidadãos perante o Estado é se, de algum modo, não cabem neste tipo de preocupações o preservar o referendo de instrumentalizações de tipo demagógico e manipulatório.
De resto, o exemplo do serviço militar obrigatório, de algum modo, pode ser bastante útil neste plano, porque é daquelas matérias em que, sobretudo em tempo de paz, ninguém verá que haja um interesse muito particular em ele próprio, a respectiva família, etc., participarem no serviço militar obrigatório, mais ainda numa versão diminuída, destituída já de conteúdo efectivo, como aquela que actualmente existe.
Portanto, a reflexão, de algum modo, é esta: deve abrir-se caminho a formas de instrumentalização demagógica do referendo, que tenham a ver com deveres dos cidadãos e que sejam da mesma família daquelas que se procura inviabilizar quando se estabelece um determinado regime, designadamente no plano tributário e no plano financeiro, acerca deste instituto? Esta é a primeira questão.
A segunda questão que me parece ser também de sublinhar a respeito de algumas das alíneas é a seguinte: julgo que é de excluir, de todo em todo, a possibilidade de sujeitar a referendo princípios estruturadores fundamentais do Estado democrático, em última instância, fazendo depender determinadas questões, que, sem dúvida alguma, são tão importantes que justifica que sejam da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia, da contingência de uma vontade do eleitorado, que, como é sabido, pode ser de apenas uma parte do eleitorado.
Uma terceira consideração é esta: há determinadas matérias que são extraordinariamente importantes do ponto de vista da estruturação do Estado democrático, mas que podem não ter a mesma importância para o cidadão comum, e este pode ter dificuldades efectivas, inclusive, de compreender tudo aquilo que está em causa nesta matéria. Um exemplo possível é o que se encontra expresso na alínea c) - "Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional" -, sem qualquer dúvida uma matéria extraordinariamente importante. Mas justifica-se colocar esta questão a referendo? Fica a dúvida e creio que é uma dúvida pertinente.
Depois, há aqui matérias que conviria ver talvez com mais precisão. Uma delas, desde logo, porque o PS propõe que seja uma excepção futura, coloca-se a questão de saber o que é que exactamente se pretende. Por exemplo, "Bases do sistema de ensino"; poderia não ser, mas é, da reserva absoluta de competência legislativa. O que é que exactamente é referendável neste plano? É algo que, à partida, pode também não ser completamente claro.
Depois pronunciar-me-ei sobre as várias alíneas, se for o caso, mas ficam estas considerações de carácter geral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabámos de ouvir o Sr. Deputado Luís Sá estabelecer a sua posição em matéria de filosofia geral quanto ao elenco de matérias do artigo 167.º, que foi fundamentalmente uma posição restritiva em relação a abertura de referendo a essa matéria.
Os Srs. Deputados querem adiantar mais alguma coisa nesta questão?
O PSD, que propõe abrir a referendo todas as matérias, excepto as da alínea b), e), m) e p) - de resto, quanto à alínea b), com excepção do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que não sei em que medida colhe o apoio "oficial" do PSD -, quer explicar a filosofia da distinção que faz entre as matérias abertas e aquelas que mantém reservadas?
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, uma consideração, aliás, muito rápida: de qualquer maneira, o artigo 167.º vai precisar de uma obra na alínea n), visto que ela não pode ser excluída da matéria do referendo, porque aceitamos que deveria haver um referendo para a instituição das regiões, que são autarquias locais. Logo, nesta alínea, pelo menos, vamos ter de fazer uma obra qualquer para ficar a dizer uma coisa com a outra.
A lógica que está por detrás da proposta do PSD é esta, expressa de forma muito sintética: tenta-se retirar do referendo aquelas matérias que são susceptíveis de paixões fáceis, os pujadismos não só financeiros e tributários, mas todos em geral, que podem perturbar o funcionamento do Estado democrático.
Aqui no que diz respeito à alínea d), acho que a proposta do Deputado Pedro Passos Coelho é generosa, mas, do meu ponto de vista, não se pode sujeitar a referendo saber se deve haver ou não serviço militar obrigatório, porque penso que este é um daqueles temas em que a lei deve ter competência para fixar isso sem referendo. Tanto essa matéria como as outras que têm a ver com a organização militar, que são excluídas pelo PSD do âmbito possível do referendo. Quanto ao resto, não vejo nada de especial que obste a que as leis, onde houver questões relevantes...
É claro que aqui há sempre esta nota que é necessário ter em conta: a maioria parlamentar - ou o Governo, no caso de se manter essa ideia de que ele também tem iniciativa - que propuser um referendo tem de ter o cuidado, tem de perceber que, se não conseguir suscitar nos cidadãos o interesse para participar no referendo, de
Página 208
modo a que nele estejam a votar mais de 50% dos inscritos, corre o risco de o referendo não ter qualquer validade. Será uma derrota por inanição do sistema. Portanto, os responsáveis políticos só avançarão para o referendo quando houver uma questão relevante que, à partida, suscite a participação generalizada dos cidadãos.
Era apenas isto que queria dizer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, por um lado, gostaria de sublinhar que a referência que, ainda agora, o Sr. Deputado Barbosa de Melo acabou de fazer relativamente à alínea n) do artigo 167.º, e que já hoje de manhã o Grupo Parlamentar do PSD tinha suscitado numa análise da proposta do PS relativamente ao artigo 118.º, e precisamente em relação a essa mesma proposta, concretamente em relação ao n.º 3, sublinhava que não me parece curial, bem pelo contrário, que as excepções que venham a ser acolhidas constem do articulado numa base de "designadamente", como, aliás, está contemplado no projecto do PS.
O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas não me parece correcto!
O Sr. Presidente: - Está bem!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - É relativamente a esse aspecto que dava...
O Sr. Presidente: - Mas para corrigir isso é preciso alterar a Constituição!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Claro! Mas é isso que estamos a fazer!
O Sr. Presidente: - Portanto, não se trata do projecto do PS mas, sim, do texto da Constituição!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, permito-me dizer que, no projecto do PS, poderia ter sido eliminado o "designadamente", uma vez que é uma proposta e ela pode ser inovatória!
O Sr. Presidente: - Claro!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - É também nessa base!
O Sr. José Magalhães (PS): - Incluindo a base de decisão do legislador e não...
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - O "designadamente", se me permite, abre um campo tal que retira a segurança desejável, por isso o "designadamente" devia desaparecer.
O Sr. Presidente: - Posto isto, face à posição do PS de que, embora mantendo abertura para considerar a proposta do PSD, não está em condições de tomar posição concreta quanto a cada uma das alíneas em particular, penso que devemos sobrestar na questão.
Portanto, as propostas mantêm-se. Para já não são inviabilizadas no que respeita à abertura que elas propõem, mas ficamos com uma filosofia genérica exposta por cada um dos grupos parlamentares. Sobrestaremos quanto ao apuramento de conclusões.
Srs. Deputados, as matérias que tinham sido postas à cabeça, a saber, regionalização e referendo, estão andadas no que diz respeito à sua primeira leitura. Tendo nós de voltar a elas para fazer apuramentos de conclusões e votações, o que não é o caso neste momento, só nos resta avançar para o princípio.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, de facto, quando às questões que, em abstracto, é possível colocar...
O Sr. Presidente: - É verdade! Em relação ao artigo 118.º ainda há a questão procedimental!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... em relação ao regime, há várias outras, não é?!
O Sr. Presidente: - Tem razão! Tem razão!
O Sr. José Magalhães (PS): - Designadamente o procedimento de propositura referendária...
O Sr. Presidente: - Então, vamos, proposta a proposta, ver as que restam em matéria de regime de referendo que ainda não foram consideradas.
Creio que o CDS-PP não tem mais nenhuma; o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho propõe a eliminação do n.º 6, ou seja, o controlo prévio da fiscalização da constitucionalidade e legalidade do referendo. Podemos ir proposta e proposta, eliminando ou apurando o que for caso disso em relação a estas propostas.
Quanto a esta matéria, o PSD propõe uma reformulação deste número...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É o n.º 7!
O Sr. Presidente: - É o n.º 7, que diz "A Assembleia da República submete a proposta de referendo ao Tribunal Constitucional para efeito de emissão de parecer sobre a respectiva constitucionalidade e legalidade, devendo, ser caso disso, reformular a proposta antes de a enviar ao Presidente da República".
Portanto, quanto ao n.º 7, temos, pelo menos, duas propostas que estão colocadas à discussão em conjunto: uma de eliminação da fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do referendo e outra de reformulação, quer quanto à iniciativa, que deixa de ser do Presidente da República e passa para a Assembleia da República, quer quanto ao seu objecto, que deixa de ser de fiscalização propriamente dita para ser de emissão de parecer.
Está à discussão, portanto se os proponentes quiserem apresentá-la e justificá-la têm a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Porquê ficarmos no parecer do Tribunal Constitucional e não no acórdão? Não é uma questão de fundo, é uma questão, digamos, de
Página 209
legalização equilibrada da nossa própria proposta. Nós, como se recordam, propomos a abolição da fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis, dos diplomas a promulgar pelo Presidente da República. Esta competência do Presidente da República é excessiva do nosso ponto de vista, como justificaremos na altura própria. Mas, por outro lado, entendemos que um referendo, dadas as implicações naturais que ele tem no sistema de representação do poder político, não possa ser realizado sem que o Tribunal Constitucional intervenha previamente à sua realização, não através de uma de uma decisão, mas de um parecer, que, na prática, virá a ter a força idêntica.
Se o Presidente da República pensa submeter a referendo uma determinada questão, tem de recorrer, antes de decidir, ao Tribunal Constitucional para que ele lhe diga qual é o seu parecer sobre a constitucionalidade da proposta que tem entre mãos. É evidente que se o Tribunal Constitucional disser que é contrário a esse referendo, porque viola a Constituição, o Presidente da República já não tem mais margem de manobra política para proceder a esse referendo.
É esta a lógica de aqui se prever um parecer em vez de uma decisão: é para estar de acordo, no fundo, com o sistema geral do Projecto de revisão que apresentamos.
Quanto à questão da proposta da Assembleia, a nossa ideia é que o referendo devia ser sempre objecto de uma discussão institucional no Parlamento. Permitir um sistema em que um grupo de cidadãos, por mais numeroso que seja, ultrapasse o Governo e o Parlamento e vá directamente para o Presidente da República e possa submeter uma questão relevante a referendo é perigoso. É pouco sábio adoptar um regime destes. Tal é a explicação para a nossa ideia de que a proposta deve partir sempre da Assembleia. É a Assembleia que deve formular a proposta, devendo a iniciativa exercer-se, em primeira mão, perante a Assembleia.
O Sr. Presidente: - Estão à discussão as propostas respeitantes à fiscalização preventiva da regularidade constitucional e legal do referendo - uma proposta de eliminação e uma proposta de reformulação nos termos acabados de ver explicitados pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Quem quiser, pode pronunciar-se sobre esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa posição é meridianamente clara e flui do nosso projecto de revisão constitucional: nem eliminação nem reconfiguração degradadora do estatuto e do tipo de intervenção do Tribunal Constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente, defendemos a manutenção da fiscalização preventiva da constitucionalidade do referendo. Independentemente de podermos concordar que poderia ser politicamente difícil para o Presidente da República submeter a referendo uma matéria numa situação em que o Tribunal Constitucional se tivesse pronunciado contra, não deixa de ser constitucionalmente admissível que tal viesse acontecer, com os correspondentes conflitos. E tal não deixa de significar a perspectiva da degradação do estatuto da fiscalização preventiva da constitucionalidade em mera actividade consultiva, o que não vemos vantagem em estabelecer.
O Sr. Presidente: - Eu também não concordo com as propostas de eliminação da fiscalização preventiva nem da sua reformulação. Penso que a fiscalização preventiva com carácter preclusivo, no caso de decisão do Tribunal Constitucional contrária à regularidade do referendo proposto, é uma garantia essencial para evitar a perversão do referendo e para a sua utilização em termos constitucionais.
O referendo, como é sabido, tem capacidades autolegitimadoras. Admitir referendos sobre matérias inconstitucionais seria admitir, na verdade, enviesadamente, referendos para revisão constitucional, de facto, inconstitucionais. Portanto, do meu ponto de vista, não há qualquer virtude em admitir referendos sobre matérias acerca das quais não esteja seguro, através de decisão do órgão habilitado para tal, que é o Tribunal Constitucional, que elas não são nem inconstitucionais pela sua matéria, pela competência do órgão que o desencadeia e pelo forma em que é formulado, nem procedimentalmente incorrecto.
Posto isto, e como não há viabilidade para alterar o actual n.º 7 pelo estado actual da questão, e espero que não se altere o n.º 6 do artigo 118.º, vamos passar a outra questão, a não ser que haja...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de anotar só para ficar registado em acta, isto: é que a garantia da intervenção do Tribunal Constitucional, felizmente no nosso sistema, não é uma garantia absoluta. A decisão de recusa de promulgação com base na decisão do Tribunal Constitucional por inconstitucionalidade é ultrapassável pelo Parlamento.
O Sr. Presidente: - Em matéria de referendo não, felizmente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas...
O Sr. José Magalhães (PS): - Nunca o foi, nos termos do artigo...
O Sr. Presidente: - Mas em matéria de referendo não é assim, felizmente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas nunca o foi, mas pode vir a ser!
O Sr. Presidente: - Não! Não pode ser!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Numa lei?!
O Sr. Presidente: - Na lei pode!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Na lei pode!
O Sr. Presidente: - Mas no referendo não pode!
Página 210
O Sr. José Magalhães (PS): - No referendo não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Está bem! Mas eu digo: em geral, a intervenção do Tribunal Constitucional na fiscalização preventiva é ultrapassável pela decisão do Parlamento. Porque é que não há-de ser em matéria de referendo?!
O Sr. Presidente: - Não em matéria de referendo! Exactamente para não permitir...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - VV. Ex.as partem do princípio de que o referendo é inaceitável!
O Sr. Presidente: - Não, não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Transigem com a ideia do referendo e não com o instituto do referendo! É essa a diferença!
O Sr. Presidente: - Não, não! Não é isso, Sr. Deputado Barbosa de Melo! É que o referendo tem capacidades autolegitimadoras! E por isso mesmo é que se deve evitar que se chamem os cidadãos a pronunciar-se sobre temas inconstitucionais!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Também o Parlamento tem uma legitimação própria!
O Sr. Presidente: - Não tem a mesma capacidade de autolegitimação, e sabe isso tão bem como eu!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Tem uma legitimação própria! Tem uma legitimidade, é evidente!
É só para ficar registado que VV. Ex.as não gostam do referendo.
O Sr. Presidente: - Não, não! Não gostamos de referendos inconstitucionais! Gostamos apenas de referendos constitucionais e legais! Isto é: não gostamos que o referendo sirva...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas se uma lei for inconstitucional, vocês aceitam-na!
O Sr. Presidente: - Não, não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A maioria parlamentar...
O Sr. Presidente: - Não! O Tribunal Constitucional mantém plena liberdade para a declarar inconstitucional a posteriori!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Está feito o argumento!
O Sr. Presidente: - Não! Está feito! Exactamente! A diferença está estabelecida!
O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o argumento exposto, que é um argumento por paridade de razões, é limitado como todos eles. Mas até desse ponto de vista teremos de discutir essa matéria separadamente, uma vez que o projecto de revisão constitucional do PS propõe precisamente que se elimine esse regime, um pouco anómalo, que permite ultrapassar um juízo de inconstitucionalidade emitido pelo TC.
Agora, voltando à questão do referendo, da proposta de referendo e do procedimento de propositura do referendo, confesso que não me tinha apercebido de que a ideia do PSD fosse permitir que um qualquer referendo, independentemente de um juízo do Tribunal Constitucional, pudesse ser proposto por uma maioria parlamentar, apesar de um juízo contrário, negativo, de inconstitucionalidade, sendo certo que nesse cenário, ainda por cima, essa superação seria por maioria não especialmente qualificada, seria por pura repetição da propositura.
Ou, então, Sr. Deputado Barbosa de Melo, não percebi nada ou a proposta está mal formulada, porque é óbvio que, sendo a proposta apresentada, o Tribunal chumbava-a. A seguir era repetida e chumbava-a de novo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Em vez de concluir que não percebeu nada, conclua que percebeu tudo, eu é que me expliquei mal!
O Sr. José Magalhães (PS): - É gentil da parte do Sr. Deputado!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu é que me expliquei mal. Agora, não podemos passar a vida a repetir constantemente as mesmas coisas. Está feita a discussão desta parte.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permite-me?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - Eu, para além da simpatia, gostaria da clareza cristalina e o Sr. Deputado Barbosa de Melo acabou por substituir a clareza cristalina por uma simpatia, que me parece, francamente, tocante.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não exagere!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não! É que eu gostaria de perceber de facto!
No sistema proposto pelo PSD, uma proposta referendária era submetida ao Tribunal Constitucional, e reza o n.º 7 que a mesma deveria, sendo caso disso, ser reformulada antes de a enviar ao Presidente da República.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Exacto!
O Sr. José Magalhães (PS): - Significa, então, isto, se bem interpreto, que não haveria aqui possibilidade de superar o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quer-me parecer que isso significa que é uma norma dirigida... Isto não é uma escolástica! Isto é um processo político!
Página 211
O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, é vinculativo! E não se aplica o regime de superação previsto para as leis!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ninguém pode ser claro para quem está desatento! É óbvio!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu, portanto, pedia-lhe uma atençãozinha!
O Sr. José Magalhães (PS): - É difícil tê-la para quem se exprime mal!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quando eu, há pouco, disse que tínhamos um sistema em que a decisão legislativa negativa do Tribunal Constitucional é superada por uma maioria especial no Parlamento, quis dizer só isto: o sistema global admite soluções em que a decisão do Tribunal Constitucional é superada por uma maioria política. Isto foi apenas para responder ao argumento que o Sr. Presidente, no caso o Deputado Vital Moreira, formulou. É só este o sentido da minha intervenção!
Não estou aqui a advogar coisíssima nenhuma que haja referendos que submetam ao eleitorado matéria inconstitucional - não estou a advogar isso! Estou a dizer que esse é o novo sistema - os sistemas não são perfeitos e este não é um sistema perfeito...
Felizmente, senão o computador fazia o resto da História portuguesa!
O Sr. Presidente: - Está ultrapassada esta questão. Outra questão de importância que é proposta, em matéria de regime de referendo, é o aditamento da norma que prevê que o referendo só seja vinculativo se nele participarem mais de metade dos cidadãos recenseados. É uma proposta do PS e também do PSD. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, no preâmbulo do projecto de revisão constitucional, página 29 da edição oficial, n.º 3, insere-se uma explicação que, pelo seu carácter sumário mas rigoroso, gostaria de transpor. Aí se sublinha que a consagração da regra segundo a qual, no novo quadro, caracterizado pela possibilidade de iniciativa popular e âmbito alargado, o efeito vinculativo do referendo deve depender de nele haver participado, pelo menos, metade dos eleitores inscritos. Ou seja, na nossa proposta, esta nova regra está associada à natureza alargada da iniciativa e ao âmbito muito alargado do referendo que propomos. São estas as nossas duas razões, muito sucintamente.
O Sr. Presidente: - As propostas não são exactamente iguais mas, no fundo, são porque, enquanto o PS diz que ele tem efeito vinculativo quando nele tenham participado, pelo menos, metade, o PSD exige que nele tenham participado mais de metade - faz um voto de diferença! Não creio que será por aí que as propostas sejam diferentes!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que se coloca, é a seguinte: em primeiro lugar, analisando algumas práticas políticas (lembro, por exemplo, a Suíça, que é um caso célebre), é muito frequente haver referendos, como é sabido, válidos em que participam um quarto da população - naturalmente, parte-se do princípio que aqueles que não quiseram participar, prescindiram de um determinado direito que tinham e que aqueles cidadãos mais diligentes, que foram às urnas manifestar a sua vontade, não têm que ver o seu acto, a sua expressão de vontade, anulada por este facto.
A questão que mais me preocupa na matéria e para a qual gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados - e que, aliás, já é válida em relação ao artigo 256.º, onde também está indiciada a possibilidade de vir a ser consagrada uma regra similar - tem a ver com o problema a que já aludi hoje de manhã, que é os altos níveis de abstenção técnica que têm vindo a ser estabelecidos em Portugal e, de resto, noutros pontos do mundo. Se, em situações em que, eventualmente, o recenseamento eleitoral andará em melhor estado, como seja nos Estados Unidos da América, são feitos cálculos de níveis de abstenção técnica superiores a 10%; se, em relação à França, por exemplo, aparecem também indicações neste sentido; se os estudos que foram feitos em Portugal apontam também para valores que não se sabe exactamente quais são mas são, seguramente, elevados; se há situações, como a que já referi de manhã, de freguesias de cidades que têm, neste momento, mais eleitores do que habitantes recenseados, a pergunta que se coloca, no concreto, é: quando se está a consagrar uma regra deste género, o que é que, do ponto de vista prático, vai acontecer? Não vai, de certeza, ser a participação de metade ou metade mais um dos eleitores que vai ser condição de validade do referendo - vai ser um qualquer valor, que nenhum dos Srs. Deputados, à partida, pode determinar com precisão qual é. E sugiro, nesta matéria, que se experimente examinar o estado dos cadernos do recenseamento eleitoral de freguesias, por exemplo, de Lisboa ou de qualquer outro ponto do País.
De resto, como é sabido, um dos critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro aos municípios e às freguesias é, em grande medida, o número de eleitores, o que é um convite a não abater... Não vou dizer que os autarcas não abatem por causa disso! Com certeza que eles preferem prescindir do dinheiro e vão, muito diligentemente, abater! Mas, independentemente disso, há toda uma série de outros problemas burocráticos que faz com que esta situação esteja num estado que é, efectivamente, deplorável. Creio que valeria a pena a Comissão pedir, por exemplo, ao STAPE a indicação concreta do estado de abstenção técnica que o próprio STAPE imagina poder existir neste momento, porque, a certa altura, estamos a dizer que queremos consagrar metade ou metade mais um e, na realidade, estamos a consagrar 60% ou um outro qualquer nível de participação que não podemos dizer com rigor, à partida, qual é.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, falou, e bem, nesse tema, que é um tema delicado - eventualmente, teremos de fazer um reajustamento da fórmula, fazendo esse desconto. Mas queria fazer-lhe esta pergunta: é muito importante saber quem tem estudado isso entre nós; que consistência têm os estudos feitos nessa
Página 212
matéria - se há estudos e que consistência têm. É uma opinião pessoal que lhe peço.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que não há estudos profundos e rigorosos. Há estudos que têm em conta a abstenção técnica dos outros países e que apontam, creio que com rigor, para níveis de abstenção técnica nunca inferiores a 7% ou 8% e que são, frequentemente, bastante superiores a isto, designadamente no caso dos EUA, onde há estudos relativamente rigorosos. São feitos com base em amostragem mas apontam para níveis bastante elevados; por outro lado, o STAPE estudou o suficiente para dizer que há níveis bastante preocupantes. Este é um aspecto.
Outro aspecto: no último recenseamento da população levantou-se uma polémica que é, de todo em todo, incontornável - é que houve muitos eleitos autárquicos, um pouco por todo o País, que disseram que o recenseamento da população não foi correcto, que determinado concelho ou freguesia tem muito mais habitantes do que os que constam do respectivo recenseamento; e as entidades responsáveis pelo recenseamento disseram que os autarcas não tinham razão e que o recenseamento eleitoral é que está mal. Seja como for, eu diria que não há estudos científicos suficientemente rigorosos para responder definitivamente a esta questão, mas há indícios suficientemente profundos para serem bastante preocupantes e permitirem dizer, com segurança, que há altos níveis de abstenção técnica; pelo que consagrar uma regra deste tipo é um pouco estabelecer uma regra no escuro, porque não sabemos exactamente aquilo que estamos a estabelecer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas fazer duas observações: a primeira para dizer que, aparentemente, não há uma grande diferença entre estabelecer um critério de que tenham participado, pelo menos, metade dos eleitores ou que tenha de ser superior a metade, embora a regra seja para maiorias qualificadas que sejam estabelecidas fazer a aproximação por excesso e não por defeito, pelo que acho que não será difícil chegar a uma redacção consensual.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Luís Sá suscitou, elas são, de facto, muito pertinentes. Aliás, eu iria mesmo mais longe na constatação de que a abstenção técnica é elevada, sendo que a única coisa que é difícil de definir é o quantitativo exacto dessa abstenção técnica porque os dados do último censo que foi feito não deixam margem para dúvidas de que há uma abstenção técnica que é relativamente elevada. Saber se ela é de 8%, de 10% ou de 12%, embora haja indicadores, não há elementos objectivos, mas ninguém tem dúvidas de que essa é uma situação preocupante.
Em qualquer caso, indo até mais longe do que foi o Sr. Deputado Luís Sá, eu direi que, seja como for, essa não é uma discussão, embora extremamente relevante, que deva ser travada a propósito do regime constitucional que é estabelecido para o referendo, na medida em que, se há alguma coisa preocupante nesta matéria, isso tem a ver com a Lei do Recenseamento e com o recenseamento bem como com um conjunto, admito também, de situações legais que induzem ou favorecem esses dados falsos ou artificiais do recenseamento eleitoral. Portanto, julgo que a discussão é extremamente importante mas não é para ser travada em sede constitucional - é para ser travada noutras sedes. O que aqui somos chamados a discutir é sobre se, num referendo nacional, ele deve ter ou não um carácter vinculativo com que universo de participação; e, na situação teórica, ele deverá ser vinculativo se, pelo menos, metade mais um dos eleitores recenseados se pronunciarem. Se há dados objectivamente falseados nesse recenseamento, esse é um problema que já não compete só ao legislador mas também à administração, e a própria Assembleia da República pode ser chamada e poderá mesmo ter a iniciativa nesta matéria - mas isso já não é um problema ou uma discussão a ter em sede constitucional no sentido em que ela deva condicionar a nossa decisão constitucional.
É importante que o Sr. Deputado tenha feito aqui esse alerta, e que a acta o reporte, mas não penso que ele deva condicionar a decisão constitucional. Senão, qualquer dia, estamos a legislar em termos constitucionais porque há leis ordinárias que têm alguns entorses ou porque há situações práticas que são ou fraudulentas ou artificiais, que obrigam a que a Constituição dê guarida a situações ou a conformações que seriam inaceitáveis noutras circunstâncias. Nesse sentido, digo: concordo inteiramente e até vou mais longe relativamente à constatação, ainda bem que, a propósito desta discussão, fica na acta esta advertência, mas não é algo que deva condicionar a nossa decisão em termos constitucionais - é uma questão que deve, necessariamente, condicionar a nossa decisão noutras circunstâncias e noutros debates.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, a questão é altamente relevante do ponto de vista constitucional porque nós podemos julgar que estamos a estabelecer que a validade e o carácter vinculativo depende de participar metade ou metade mais um e estarmos, na prática, a consagrar que depende da participação de 58%, 59% ou 62% - este ponto é incontornável. Que se estabeleça, sim, mas com a consciência de que estamos a estabelecer uma grelha de exigência altamente penalizante para o cidadão que, interessado, for cumprir o seu dever de votar num referendo. Porque esse cidadão vai ter a consciência e, à medida que o referendo se for repetindo, se calhar, vai ter cada vez mais, de que é praticamente impossível, a certa altura, ir votar num referendo e ele ser vinculativo para o conjunto das entidades políticas. Ou seja, de que o seu voto valer a pena, no sentido de ser tido em conta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, acho que a questão é simples: se conseguirmos apurar qual é essa taxa de falsa abstenção, se são 10%, para manter o que aqui está, teria de ter a participação, no mínimo, de 40% dos eleitores. Agora, se nós conseguirmos fazer uma correcção profunda no recenseamento existente, também atenuamos isso. Se o recenseamento está assim, também está mal. Perante um dado errado, estatisticamente falso - temos de tentar fazer tudo para o corrigir. Mas se, por último, se verifica que há uma taxa assim, de falsa abstenção, inultrapassável então, temos de entrar em conta com ela para a formulação deste preceito constitucional.
Página 213
O Sr. Luís Sá (PCP): - Suponho que o STAPE tem cálculos de abstenção técnica que apontam para valores superiores a 10%, e talvez se pudesse apontar para seguinte ideia: os serviços fariam uma consulta sobre os estudos e os cálculos mais recentes do STAPE em matéria de abstenção técnica e, então, ver-se-ia se há consenso em torno de uma proposta que baixasse o nível de validade tendo em conta a abstenção técnica - se for essa a vontade política dos partidos. Adianto esta ideia porque me pareceu ser a do Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a questão enunciada é uma questão geral, ou seja, foi agora trazida à colação, não digo que mal, mas creio que seria pouco prudente agir num dos sentidos que vi sugerir e gostaria de explicar porquê. A questão da verdade do recenseamento eleitoral vai ter de ser enfrentada pela Assembleia da República, pelo Governo, por todos os órgãos competentes com base numa avaliação rigorosa da situação real. E sobre a situação real há que usar todos os instrumentos adequados de apuramento e de clarificação, sejam os de carácter público, sejamos de carácter académico público e privado ou outros quaisquer. O artigo 116.º, n.º 2, da Constituição tem decorrências bastante relevantes e talvez devamos ponderar, em sede de reflexão sobre o 116.º, n.º 2, as suas consequências porque o legislador ordinário não é livre de baldear os cadernos de recenseamento e de os expurgar de qualquer maneira - há regras a cumprir, desse ponto de vista, que teremos de ponderar. É essa talvez a sede adequada porque, quanto ao princípio que deve orientar a definição daquilo que estamos a debater agora em sede de artigo 118.º, o princípio parece-me salutar. Um referendo ganha-se quando houver a favor do sim ou do não a maioria da maioria dos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral. É preciso ter uma maioria dentro de uma maioria qualificada, especialmente qualificada para ganhar. Mau seria que o referendo fosse ganho fora dessas condições porque teria uma escassa legitimidade ou seira ele próprio susceptível de ser desfigurado, o que seria negativo para todos, para os ganhadores e para os derrotados. É esse o nosso princípio.
Três soluções aventadas. A primeira é não fixar patamar nenhum - é essa a proposta do PCP; a fundamentação é que não foi apresentada mas, se ela é só a fundamentação praticista daquilo que sabemos de experiência feita (o que, aliás, espero que não seja levado demasiado longe porque, senão, inquinaria os próprios resultados do sufrágio nas eleições todas que temos realizado), afigura-se-me ser bastante inconveniente. A segunda também é inconveniente, tanto quanto sou capaz de julgar: é que, na base de um desvio imaginado, calculado, julgado ou palpitado, o legislador constitucional fixaria uma baixa de patamar na proporção do seu receio de uma mentira dos cadernos, ou seja, construíamos uma ficção correctiva na base de uma determinada análise conjectural do grau de desvio imaginável. A terceira é corrigir o recenseamento, garantir a verdade do recenseamento e impor uma maioria qualificada para que, quem ganhar, ganhe com a maioria da maioria dos inscritos: é esta terceira solução que me parece mais razoável, francamente. Acho que devíamos ponderá-la, ouvidos todos os que devam ser ouvidos, designadamente ponderando o que é que devemos fazer em sede de artigo 116.º, n.º 2, para garantir que este desiderato - o da verdade - seja alcançado em tempo útil, naturalmente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Queria expressar a minha reacção contra a proposta de solução hipotética, de corrigir a maioria exigível de participação em função do erro ou do desvio conhecido relativamente à abstenção técnica, dizendo que isso me faz lembrar um pouco a técnica fiscal de calcular a taxa do imposto em função da estatística da evasão - pressupondo que a evasão é muito grande, aumenta-se a taxa para obter o mesmo volume de receita; corrigir aqui a maioria viva pareceria uma técnica um pouco semelhante a essa.
O Sr. Presidente: - Só que, ao contrário da evasão fiscal, esta é corrigível.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Esta é corrigível exactamente pela correcção das regras do recenseamento, até porque ele é relevante não só para este efeito como para efeitos do cálculo do número de vereadores das Câmaras Municipais, do número de Deputados por cada círculo eleitoral - aliás, salvo erro, há estudos de direito eleitoral muito recentemente publicados, alguns dos quais versam precisamente alguns dos bloqueios ou entraves da legislação eleitoral e, em particular, a do recenseamento. Portanto, talvez esta seja uma oportunidade para a Assembleia da República ponderar, simultaneamente com a revisão das leis eleitorais que, porventura, decorrerá da própria revisão constitucional, e aproveitar para proceder à correcção da legislação eleitoral na parte que diz respeito às regras do recenseamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, apenas quero fazer duas observações. Uma é a seguinte: independentemente da questão da correcção do recenseamento que, naturalmente, teria vantagens, há um problema que é relativamente incontornável e para o qual chamo a atenção - é que as observações que fiz, têm a ver com um aumento particularmente significativo da abstenção técnica no caso português e que levará, provavelmente, a que, daqui a uns anos, se isto não for corrigido, o País venha a ter mais eleitores do que habitantes, como já têm muitas terras (mas é o País, no seu conjunto, que vai a caminho dessa situação); mas, mesmo numa situação em que, por exemplo, se optar por realizar um recenseamento totalmente novo, de raiz (este é um problema que o STAPE tem vindo a discutir, ciclicamente, já ponderou várias alternativas - o governo anterior também o fez), mesmo nessa possibilidade, há um facto que é o de que um mínimo de abstenção técnica existe sempre. Isto é, há sempre uma diferença, por maior que seja a diligência da administração, no momento em que um cidadão muda de residência, entre o momento em que se inscreve no recenseamento eleitoral no sítio para onde foi morar e o momento em que a administração procede à eliminação da dupla inscrição, ou seja, há uns
Página 214
meses em que é inevitável que permaneça uma dupla inscrição; para além disto, é inevitável que, entre o momento da morte de um eleitor e o momento da eliminação nos cadernos eleitorais, possam também distar algumas semanas ou meses. Daí que podemos falar na abstenção técnica "patológica" - creio que estamos no campo da patologia nesta matéria - e podemos falar na abstenção técnica "natural", inevitável, que não se resolve estudando a questão e tomando medidas, que o governo anterior ponderou mas não chegou a tomar e que o Governo actual eventualmente ponderará. Portanto, há uma abstenção técnica incontornável - não vai para os 15%, estou a dizer valores meramente hipotéticos, mas vai para os 5% ou para 7% - que é algo que está razoavelmente estudado noutros países e que é inevitável.
Um segundo aspecto que coloco à reflexão é o seguinte: sendo este valor relativamente aleatório, será justo dar, no fim de contas, à abstenção o papel de um verdadeiro veto de uma determinada decisão? Em que situação é que, do ponto de vista político, fica o corpo eleitoral se, eventualmente, de uma forma até tangencial o voto deixar de ter validade pura e simplesmente porque houve um conjunto de cidadãos que não participou, mais um conjunto de cidadãos que não podia participar porque já morreu ou porque mudou de residência e que não podemos determinar exactamente quantos são? Em última instância e em coerência, deveríamos fazer depender a validade da eleição das Assembleias de Freguesia, de órgãos municipais, de quaisquer estruturas representativas, de um mínimo de participação dos eleitores - e porque não? Até não se trata de decidir uma questão concreta, mas sim de investir alguém em poderes para, durante um mandato, decidir permanentemente em nome do povo determinadas questões concretas - porque não colocar também aí o problema do índice mínimo de participação para efeitos de garantir validade à eleição? Em boa lógica, creio que são situações paralelas. Portanto, a justificação que encontrámos para não fazer depender a validade do referendo de uma participação mínima foi, pura e simplesmente, esta: tem de estar garantido que todo o cidadão tenha a possibilidade de participar, todo o cidadão tem de ser convencido de que constitui seu dever cívico participar - naturalmente que, se o cidadão não participar, aqueles que participaram não têm de ser penalizados pelos abstencionistas. Aqueles que optam por ir para a praia, aqueles que optam pelo recreio, naturalmente que não têm de condicionar o destino de uma determinada questão em relação à qual não foram diligentes, não se movimentaram, não se deram ao trabalho (para utilizar termos simples) de ir votar. Creio que a lógica é relativamente simples e creio que a lógica contrária coloca perigos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos duas questões: uma é a questão de fundo, isto é, saber se deve ou não ser estabelecido um quorum de participação na votação, proposta do PS e do PSD, contra a qual agora se dispôs o Sr. Deputado Luís Sá; e a outra é a questão da relevância a dar, se é que alguma há a dar, ao facto de haver uma décalage anómala entre o número formal de inscritos no recenseamento e o número real de eleitores.
Alguém se quer pronunciar sobre estas duas questões?
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, um comentário. Há pouco disse que havia aqui posições pouco amigas do referendo e agora verifico pela intervenção do Sr. Deputado Luís Sá que ele é excessivamente amigo do referendo. De qualquer modo, o referendo é uma decisão que vai para além da representação política, portanto, é natural que, para eleger não se fixem quotas de participação - a abstenção aí também é de certo modo um "sim", vale como um "sim" - numa eleição se os outros escolheram aqueles, são aqueles que vão governar. O referendo é um acto que se vai contrapor a competências normais dos órgãos instituídos e é natural que se exija um mínimo de participação dos cidadãos nesta decisão sob pena de sermos excessivamente amigos do referendo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, só uma nota. Creio que a discussão sobre esta matéria já vai longa e está precisa em grande medida, mas quanto à questão, digamos, adjectiva há uma questão de recenseamento eleitoral, como disse, e é essa exige medidas legislativas, institucionais, que não têm a ver com o mecanismo do referendo mas com toda a matéria respeitante às questões eleitorais, ao sufrágio eleitoral, ao seu controlo e ao recenseamento como um todo. Essa é uma questão que nos preocupa mas não é uma questão, digamos, central neste domínio do referendo.
Quanto à outra, a nossa ideia é simples, o referendo é o povo a pronunciar-se directamente em diálogo e em alguma medida em "oposição" à democracia representativa. E, para o povo se pronunciar directamente, deve fazê-lo em maioria e, portanto, a exigência de um quorum qualificado maioritário é, a nosso ver, a forma de o povo agir como tal em termos da democracia directa, porque se não é uma percentagem ainda que incluindo as soluções da abstenção técnica que não reproduz de forma rigorosa a maioria da vontade e da expressão popular.
Nesse sentido a exigência de uma maioria qualificada para ser a vontade do soberano tem que a ser como tal. O soberano, só é soberano quando exibe as suas competências e quando as cumpre munido de todos os seus poderes e não apenas numa parte dele. Nesse sentido, a ideia do voto vinculativo de acordo com a regra maioritária que aqui definimos. O que está em causa é rigorosamente o princípio maioritário como princípio da expressão da vontade do povo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, permita-me uma achega muito breve no sentido de reforçar esta ideia de que, sendo o referendo um mecanismo complementar da democracia representativa, é importante que se estabeleça um colégio eleitoral minimamente qualificado que não deixe dúvidas quanto à possível falta de legitimidade dos representantes soberanos se manifestarem sobre uma determinada matéria. Se fixarmos, que não por razões que têm que ver com a abstenção técnica mas por uma outra razão de princípio, que um referendo deve ter um carácter vinculativo e portanto deve constituir para valer com uma percentagem muito menor de cidadãos que se manifestem, então, teremos que pôr em dúvida a razão porque o próprio representante do soberano acha que tem falta de legitimidade ou veria necessidade
Página 215
de reforçar a sua legitimidade para decidir sobre uma determinada matéria. Assim, na questão de princípio, defendo que tenha de haver uma maioria qualificada elevada.
Relativamente à questão da abstenção técnica, o comentário era este. Certamente que a Constituição da República Portuguesa, quando fixa um colégio eleitoral minimamente qualificado, se reporta administrativamente a um universo que é conhecido e que é legal e, se porventura, houver irregularidade ou ilegalidade no universo que está detectado, é passível de corrigir pela própria lei ou pode a própria lei do recenseamento incorporar mecanismos de correcção que, de alguma maneira, tornem mais fácil apurar qual é o universo quantitativo que está em causa para verificar a legalidade da sua constituição.
Portanto, embora admita que existam opiniões muito mais válidas que as minhas, penso que a própria lei do recenseamento pode incorporar mecanismos correctores, desde que isso seja largamente consensual, daquilo que se pode considerar uma abstenção técnica mínima que sempre ocorrerá. Ora, isto não dispensará, em qualquer caso, uma actualização séria do recenseamento que não poderá deixar de ser feita eventualmente sem alguma inovação legal. Mas, seja como for, volto a dizer o que disse no início, não é possível fazer admitir o condicionamento que uma deficiente aplicação da lei ordinária deveria fazer incorrer o legislador constitucional porque, então, teríamos de admitir muitos outros entorses constitucionais em face de circunstâncias da vida prática que levariam a que a Constituição da República Portuguesa fosse de outra maneira.
Em qualquer caso, para o referendo, não espanta que haja este colégio tão qualificado porque mesmo o caso dos EUA, em que é possível detectar uma abstenção técnica elevada, sabemos que é difícil estabelecê-la ma medida em que os próprios EUA não têm uma obrigatoriedade do recenseamento como nós temos e, portanto, é muito mais simples ter elementos indiciadores de um certo nível de abstenção técnica do que, por exemplo, nos EUA. No entanto ninguém questiona a raiz profundamente democrática do funcionamento do Estado americano - certamente não há Estados perfeitos, nem democracias perfeitas - e na sua essência a democracia americana.
Aliás, julgo que não é pelo facto de não estabelecermos aqui quotas mínimas de participação para a eleição dos órgãos legislativos que Portugal passa a ter uma democracia mais elitista do que qualquer outro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, usando a palavra por direito de inscrição, duas considerações muito breves.
Primeiro, penso que a ideia de exigir um quorum de participação é justa e é virtuosa. Na verdade, o referendo impõe-se à Assembleia da República intervindo no processo de decisão política. Exige-se por isso que haja uma densidade suficientemente forte na decisão popular para justificar exactamente essa sobreposição.
Peguemos no caso do Tratado de Maastricht. Fui um daqueles que, publicamente, peticionei o referendo sobre esse tratado. Imaginando que ele se tivesse realizado, havendo, como havia, dois partidos que por si perfaziam mais de dois terços a favor do Tratado de Maastricht seria tolerável, em termos políticos, que 20% dos cidadãos num referendo, mesmo imaginando que por unanimidade, rejeitavam o Tratado de Maastricht, se impusessem a três quartos da vontade parlamentar? Penso que todo o referendo supõe um compromisso com a democracia representativa. Aliás, isso já aqui foi dito e sou estou a dizê-lo de outra maneira.
Portanto, penso que se exige, para que essa vontade referendária se imponha, vinculativamente, à vontade parlamentar, que ela tenha por detrás de si uma participação suficientemente densa dos cidadãos.
A questão do recenseamento e dos seus vícios é uma questão que não tem a ver apenas com o referendo e, portanto, não deve influir na escolha, na opção por um quorum de participação, pois penso que ele deve ser corrigido por outros motivos. Para já porque o princípio constitucional é o da verdade do recenseamento e, em segundo, porque a verdade do recenseamento tem a ver com uma série de outros efeitos jurídicos que já aqui foram elencados, por exemplo, com a composição das assembleias e câmaras municipais, com a distribuição do FEF, com a própria competência dos governos civis. Assim, o que penso é que o sistema de recenseamento deve ser corrigido.
Em terceiro lugar, entendo que o referendo, mesmo não tendo a participação necessária para ser vinculativo, não deixa de ter efeitos políticos, isto é, vale de acordo com a participação que tenha porque é diferente um referendo que tenha 10% ou que tenha 49%. Mesmo não sendo vinculativo, em qualquer caso, é verdade que o segundo tem muito mais força política que o primeiro e de acordo com a votação que tiver sido feita. Um referendo por unanimidade num certo sentido por 49% dos cidadãos, se calhar, tem mais força política de um referendo em que tenham participado 52% e que tenha sido ganho por um voto.
Portanto, o referendo não vinculativo não deixa de ter efeitos políticos relevantes, vale secundum quid e, portanto, o que estamos a tratar é dos requisitos para um referendo juridicamente vinculativo que se impõe à representação da Assembleia da República mesmo que esta, por unanimidade, fosse contrária presumivelmente à vontade retirada do referendo.
Ora, isto é suficientemente sério para exigirmos de facto um quorum de votação suficientemente denso para esse efeito.
Posto isto, alguém mais se quer pronunciar sobre a matéria.
Pausa.
Parece que fica apurado, primeiro, que nem o PS nem o PSD decaem das suas propostas; que há uma convergência no fundamental sobre elas; que ficam por apurar as exigências em matéria de recenseamento que hajam de ser retiradas no momento oportuno.
Quanto à redacção, ficará para momento ulterior.
Srs. Deputados, passando aos pontos remanescentes do regime do referendo, suponho que o único projecto que contém propostas de alteração sobre o procedimento referendário é o do PSD. Refiro-me às propostas contidas nos seus n.os 5 e 6 que se referem, respectivamente, ao n.º 4 e 5 do actual texto constitucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é pura reinserção sistemática porque mantiveram os conteúdos.
O Sr. Presidente: - De certeza?
Página 216
O Sr. José Magalhães (PS): - Sim.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Há uma coisa que saiu e acerca da qual tenho sido interpelado por professores de português, os quais, por causa do texto do artigo 118.º e da fórmula que aí ficou "em termos de sim ou não", me dizem que isto não tem nada a ver com a língua portuguesa. Assim, nós reformulámos isso para satisfazer os professores de português mas não sei se o conseguimos, ou não.
O Sr. Presidente: - Portanto, a proposta do PSD quanto aos n.os 5 e 6 não contém alterações de fundo?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, até porque o aludido "sim" ou "não" já consta do actual artigo 118.º n.º 4.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O que está errado, em língua portuguesa, é "em termos de...".
O Sr. Presidente: - Portanto, mantém-se "Cada referendo recai sobre uma só matéria, devendo as perguntas ... ser formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não".
Sendo assim, estas questões de pormenor de formulação ficarão para ulterior momento pois não há alterações de fundo.
Srs. Deputados, há alguma matéria que não tenha sido objecto de discussão?
Pausa.
Penso que não.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, já foram consideradas também duas questões que creio que resultaram bastante claras. A primeira, quanto ao procedimento de propositura referendária, é de que todos os partidos estabelecem uma conexão obrigatória entre a formulação de perguntas ao eleitorado e um processo em curso de aprovação de uma convenção ou acto legislativo.
O Sr. Presidente: - E não foi apurada nenhuma alteração para o actual n.º 2?
O Sr. José Magalhães (PS): - E esse é um ponto fundamental no sentido de, enfim, prevenção de qualquer deriva plebiscitária ou de qualquer desnaturação do sistema.
O Sr. Presidente: - As propostas diferentes disso não foram consideradas?
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas, como é que desta fórmula do n.º 2 que "devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo..." se retira essa conclusão? Tem que ser necessariamente não decididas ainda?
O Sr. Presidente: - Essa é a interpretação corrente da doutrina a partir da discussão de 89 ou pelo menos é aquela que consta da Constituição anotada de que sou subscritor.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ah, bem! Não é da doutrina.
Risos.
O Sr. Presidente: - É doutrina em geral. Não conheço nenhuma diferente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Na sequência daquilo que o Sr. Deputado Barbosa de Melo acabou de introduzir neste debate quero dizer que também foi nossa interpretação unânime quando elaborámos a Lei n.º 45/91 influenciados talvez por termos feito o artigo da Constituição da República Portuguesa e termos, portanto, desejado aquilo que os intérpretes, depois, sem grandes discrepâncias, vieram a admitir que tinha sido a nossa exacta vontade plasmada em norma.
É assim que o artigo 4.º da Lei n.º 45/91 clarifica que podem constituir objecto de referendo as convenções internacionais e os actos legislativos em processo de aprovação mas ainda não definitivamente aprovados. É que, de facto, foi considerado com algum cuidado todo o conjunto de opções que o legislador ordinário poderia tomar e foi matizada a liberdade de que ele podia gozar e de que os protagonistas de iniciativas referendárias deveriam gozar em termos práticos. E, designadamente, em sede de revisão constitucional clarificou-se que não se desejava intervir ex post facto, ou seja, desejava-se conceder aos eleitores a possibilidade de intervir antes de consumadas as opções.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas se for em relação ao decreto da Assembleia da República ainda não há lei. E isso é possível, de acordo...
O Sr. Presidente: - Mas já está definitivamente decidido pela Assembleia da República e, logo, não cabe no n.º 2.
O Sr. José Magalhães (PS): "Ainda não definitivamente aprovados", diz a Lei...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ah! Mas isso é outra coisa!
O Sr. Presidente: - A fórmula da Constituição da República Portuguesa é "que devam ser decididos pela Assembleia da República".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E como é que está no texto da lei?
O Sr. José Magalhães (PS): - E na lei ordinária está: "ainda não definitivamente aprovados...". E a epígrafe diz "Actos em processo de aprovação"
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dê-me uma razão para mostrar que o raciocinar assim é errado. A Assembleia da República adopta uma lei, a maioria entende que a solução legislativa deve ser aquela mas a mesma maioria diz assim: É melhor ouvir o que o povo pensa directamente. Nós pensamos assim, mas será que a nossa
Página 217
verdade é uma verdade que se sobrepõe ao parecer e ao querer do povo? Vamos suscitar sobre isto um referendo. Dê-me uma razão para que isto não haja de ser possível?
O Sr. Presidente: - O PSD propôs isso em relação à revisão constitucional e não foi considerado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Que razões levam a dizer "não pode estar ainda deliberado"? Porquê?
O Sr. Presidente: - Para já, porque, na minha interpretação, é isso que está na Constituição.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas nós estamos a rever a Constituição da República Portuguesa!
O Sr. Presidente: - Exacto. Mas ninguém propôs a revisão desse ponto.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas é uma interpretação um bocado restritiva.
O Sr. Presidente: - Não me parece.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se nos vários sistemas se admite o referendo ab-rogatório, está aqui a lei, vamos revogar a lei. Os cidadãos, por exemplo, muitas vezes reagem perante o que já está decidido e não pelo que vai ser decidido. Foi produzida uma lei, os cidadãos vão contra ela e vêm com um pedido para se submeter aquela lei a referendo: porque é que neste caso estes cidadãos não têm a possibilidade de desencadear o procedimento para que se ouçam directamente os outros cidadãos?
O Sr. Presidente: - Por acaso, até o ex-Deputado Jorge Miranda propõe um referendo ratificativo. Mas não é por acaso que só o PSD propôs essa questão na revisão constitucional.
Pessoalmente sou contra e bater-me-ei contra tal ideia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD) - Mas dê-me uma "razãozita" só para ficar tranquilo.
O Sr. José Magalhães (PSD): - E o PSD também é contra, o PSD não propôs nada nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Propôs sim, quanto à matéria de revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Só quanto à revisão constitucional, não quanto às leis ordinárias.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Está aí.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que está subjacente a este regime um princípio que é benéfico e que deve ser mantido e que, de resto, tem a ver com a questão anterior e à qual não volto: a ideia de evitar conflitos entre a manifestação da vontade de instituições representativas e a manifestação da vontade do colégio eleitoral, isto é, evitar no fim de contas que, de um modo formal, a Assembleia da República ou o legislador venham a ser desautorizados, através do voto, em referendo. Creio que é isto que está subjacente a este regime, é isto que está subjacente igualmente ao regime legal do referendo e não vejo razões para alterar esta matéria sob pena de se abrir caminho a um confronto e a um conflito de vontades sem vantagens políticas pertinentes.
Recordo, de resto, que o PSD era muito sensível ao que acabo de dizer quando discutimos a questão do regime do referendo em matéria de regionalização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, vou ser muito rápido no sentido de dar uma explicação do projecto que subscrevo, que não é o que o PS subscreve e que, de facto, era omisso e nem sequer fazia referência ao texto actualmente em vigor quanto às questões que devam ser decididas pela Assembleia da República. Mas isso é porque partia de um pressuposto que não se vai verificar, que é o de que havia iniciativa popular, e parecia-me difícil conciliar efectivamente a iniciativa do processo legislativo com a iniciativa popular, isto é, parecia-me difícil subordinar a iniciativa popular à iniciativa do processo legislativo por parte das assembleias. No fundo é a dúvida que sugere o Deputado Barbosa de Melo, embora a ponha na base da petição dos cidadãos à Assembleia da República e não na base da iniciativa por direito próprio dos cidadãos em matéria de referendo.
Por outro lado, também me parece difícil de delimitar a fronteira entre o referendo tal como está previsto e o dito referendo revogatório. Tendo o referendo, nos termos da Constituição da República Portuguesa, por objecto perguntas sobre matérias e não sobre actos, é evidente que algumas destas matérias podem implicar a revogação pelo menos implícita de actos legislativos anteriores sobre a mesma matéria, ainda que esteja em causa a adopção de um novo acto sobre a dita. Portanto, ainda que formalmente não haja referendos revogatórios, não tenho a menor dúvida de que alguns desses referendos terão efeito revogatório só no sentido de que as matérias não serão puras e originais porque já eram matérias objecto de actos legislativos anteriores.
De facto, sem que se verifique o pressuposto de que há iniciativa popular em matéria de referendo, não me custa aceitar manter o regime actual segundo o qual tem que haver um processo legislativo em curso porque esta abertura, na minha perspectiva, só faria sentido para evitar sujeitar a iniciativa popular à iniciativa legislativa e permitir que a iniciativa popular fosse autónoma em relação à iniciativa legislativa, embora, concedo, fosse necessário encontrar cautelas suficientes para evitar o tal desvio plebiscitário que muitas vezes está na base dos receios nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o meu pedido de intervenção foi suscitado pelas palavras que V. Ex.ª estava a proferir a-propósito dos textos que tínhamos em análise. O PSD levantou esta questão não só relativamente aos referendos que tenham que ver com decretos de eventual aprovação de alterações à Constituição
Página 218
da República Portuguesa, como também relativamente à questão da regionalização. E, relativamente a isto a questão que gostaria de colocar era saber até que ponto é que, depois de denodadamente durante sessões e sessões, o Partido Socialista defender, nesta mesma comissão, que não fazia sentido, a propósito da regionalização, referendar a eventual lei da regionalização antes de ela estar aprovada e em vigor e que só faria sentido e que o Partido Socialista só estaria disponível para colocar a referendo o diploma da regionalização depois de a lei estar aprovada, publicada e em vigor.
Portanto, agora, face à questão que o Sr. Presidente acabou de sintetizar, acho que é de toda a pertinência, para sabermos a situação em que nos encontramos, conhecermos exactamente em que ficamos. Se a posição do Partido Socialista é aquela que durante reuniões e reuniões expendeu sobre esta matéria a-propósito do referendo sobre a regionalização ou se o Partido Socialista agora entende que, porque a economia desta leitura do artigo 118.º que estamos a fazer prende-se necessariamente com o capítulo da regionalização, o referendo da regionalização deve ser feito durante o período de produção legislativa da Assembleia da República relativa à regionalização.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, posso responder eu, se calhar com a vantagem de não ter participado nesse dossier...-
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se não for na qualidade de presidente mas na de Deputado do Partido Socialista certamente.
O Sr. Presidente: - ... e poder dar conta menos apaixonadamente da questão.
Para já, a questão do referendo da regionalização creio que está "andada" e é um regime especial, desde logo, porque há um referendo obrigatório. Aplicando a regra de que o regime especial prevalece sobre o geral, mesmo que o sentido fosse aquele que lhe está a imputar, não haveria nada a observar quanto à matéria que estamos a tratar.
Independentemente disso, se bem li, a proposta do PS, que foi votada, não é para referendar a lei da regionalização mas para referendar a implementação da lei da regionalização.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não. Não.
O Sr. Presidente: - Portanto, não há nenhum referendo da lei da regionalização.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas aí o Sr. Presidente não tem razão. Não é uma interpretação...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há dois referendos na regionalização segundo a fórmula que o Partido Socialista propôs. Um é a implementação da regionalização e esse é posterior à lei e não tem nada a ver com ela; a lei é ou não implementada de acordo com o referendo mas não é confirmada nem revogada por ele. Outro é o referendo sobre cada região em concreto, que é prévio à lei concreta. Portanto, não há nenhuma violação das regras de que estamos a falar, pelo menos daquelas que defendi.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de tocar rapidissimamente nas três questões porque são totalmente diferentes. A primeira é a de saber se "sim" ou "não" se deve admitir uma possibilidade de referendo popular desligado de um processo legislativo ou de aprovação de instrumento com a natureza que o n.º 2 da Constituição da República Portuguesa prevê, ou seja, uma espécie de provocatio ao legislador para agir. E a nossa resposta, de acordo com o nosso projecto de revisão constitucional, é que não, desde logo, porque é muito difícil configurar uma provocatio, forçando o legislador a imaginar um diploma, que não está, pura e simplesmente, colocado no circuito de imaginação e vontade dos órgãos de soberania, pois seria uma provocatio um pouco gratuita.
E, por outro lado, porque a lógica do sistema actual nos parece melhor. Seria, de facto, pouco eficaz esse procedimento. E, mais ainda, a experiência internacional sobre essa matéria parece ir um pouco nesse sentido. A nossa ideia de que deve haver um processo em curso e abrir-se nesse processo um momento referendário, para antes dele fechado se acolherem os resultados, é alguma coisa que pode funcionar muito bem.
A outra alternativa é a do pedido, ou provocatio de uma acção legislativa. Sendo difícil coagir à prática de facto ainda não em curso, seria solução incerta que parece menos operativa do que a prevista na Lei actual.
A última questão é, presumivelmente, o resultado de um equívoco. De facto, o referendo de que agora estamos a tratar e o referendo de que falámos a propósito da regionalização, apesar de terem aspectos comuns, apresentam muitas especificidades distintivas. Mas, Sr. Deputado Luís Marques Guedes - digo isto para o tranquilizar -, não é nossa ideia reabrir o processo de debate que fizemos a propósito das disposições correspondentes da Constituição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não se trata de reabrir!
O Sr. José Magalhães (PS): - Esse regime do referendo regionalizador é, de facto, sui generis! E é sui generis a vários títulos: pela sua natureza e pelo momento em que se insere. Não se situa, precisamente, a meio do processo ou antes de consumada a decisão pelo legislador, ou seja, não é um instante referendário a meio de uma iniciativa legislativa sobre criação abstracta mas, pelo contrário, algo que se insere depois da publicação da lei, a meio de um processo complexo, antes da instituição em concreto.
Foi nesse sentido que discutimos abundantemente essa matéria e, pela nossa parte, não existe qualquer novidade em relação ao que já afirmámos e ao que consta das actas, para todos os efeitos. Por isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pedia-lhe que não se sobressaltasse agora, porque quieto estava e tinha aceite as nossas posições, e isso parecia-nos bom!
O Sr. Presidente: - Ultrapassada esta questão, e uma vez que não há mais oradores inscritos, pergunto aos Srs. Deputados se, esgotadas todas as questões gerais sobre o referendo nacional, devemos aproveitar a embalagem para tratar o referendo regional, que é proposto por quase todos os partidos, e, dessa forma, encerrarmos o regime geral do referendo.
Página 219
Com efeito, a propósito do artigo 118.º ou fora dele, quase todos os projectos propõem o referendo, em matérias respeitantes às regiões autónomas, a nível regional. Como sabem, hoje a Constituição não o prevê, portanto trata-se de uma inovação, que aliás é prevista em termos bastante diversos, quer quanto à densidade do regime previsto, quer quanto às soluções agenciadas nos vários projectos.
Nesse sentido, proponho que se aproveite a embalagem para discutir, desde já, a questão do referendo regional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não querendo colocar-me de fora, queria chamar a atenção...
O Sr. Presidente: - Se os Srs. Deputados não estiverem de acordo com esta proposta, adiamos essa matéria para outra altura, nomeadamente para quando estiverem presentes os Srs. Deputados eleitos pelas regiões autónomas!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como dizia, queria apenas chamar a atenção do Sr. Presidente para o seguinte: terminado o debate sobre o artigo 118.º, fica concluído o trabalho a que nos tínhamos proposto, por decisão da antiga presidência desta Comissão. Ou seja, tínhamos ficado de analisar, em primeiro lugar, todo o capítulo relacionado com o artigo 118.º e respectiva legislação, segundo o princípio de que o regime geral do referendo também era fundamental para se arrumar a questão da regionalização. É que, embora haja algumas especificidades, que foram dadas por aceites, quer pelo Partido Socialista, quer pelo Partido Social Democrata, quanto às consultas a realizar no processo da regionalização, também existem aspectos fundamentais que têm de ser observados, uma vez que haverá lugar a um referendo nacional. Foi por essa razão que o PSD sempre defendeu que a sua discussão fosse feita conjuntamente.
Uma vez terminada essa discussão, e antes de entrarmos em aspectos que, ainda que conexos com o referendo, manifestamente nada têm a ver com o processo de regionalização, solicitava ao Sr. Presidente, em nome do PSD, que orientasse os trabalhos desta Comissão de forma a considerar esta fase, que já foi concluída, como uma primeira leitura para, em seguida, se proceder a uma segunda leitura que consolidasse, em definitivo, os articulados relacionados com esta matéria, dando por encerrado, em sede de Comissão de Revisão Constitucional, o dossier relativo à regionalização, incluindo a matéria do referendo que lhe diz directamente respeito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que se pronunciem sobre esta proposta relativa ao andamento dos nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta proposta surpreende-nos um tanto, porquanto acabámos de fazer uma primeira apreciação dos pontos de consenso e dissenso em relação às matérias que foram referidas.
Em todo o caso, pelo que pudemos apurar, as separações e aproximações são relativamente fáceis de estabelecer... Por exemplo, não aceitaremos as alterações à Constituição por via referendária, e isso é difícil de ultrapassar. Mas essa posição é inequívoca e cristalina, não há qualquer dificuldade em estabelecê-la ou apurá-la, porque foi aqui exarada em acta, não uma vez mas uma multiplicidade de vezes. Poderia ainda dar-lhe outros exemplos.
Creio, contudo, que esse trabalho nessa fase ou nessa medida não é difícil de se realizar. A própria Mesa fez tudo o que era possível para tornar claros os quesitos. Como as nossas respostas constam das actas, extractar as actas é tarefa que qualquer um de nós ou os nossos staffs podem fazer com grande simplicidade, a não ser que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes queira alterar posições em relação a questões de orientação fundamental onde existem "sins" - é o caso da regionalização, em que tivemos, ao longo de muitas sessões, alguma dificuldade em atingir "sins", mas depois conseguimos fazê-lo. As zonas de "sim" são, elas próprias, muito claras, pelo que passá-las em revista não oferece qualquer dificuldade. Em todo o caso, podemos fazê-lo já, sem mais tardança, se for essa a vontade do PSD.
O que não gostaríamos, Sr. Presidente, é de interromper ou fasear a revisão constitucional em termos tais que nos levasse agora a passar algumas horas a rever o revisto, em vez de continuarmos a apreciar as matérias sobre as quais ainda não tivemos ocasião de trocar impressões.
Como deixámos claro, desde o primeiro momento, todas as elucubrações, um pouco bizantinas, sobre se é necessário fazer uma revisão extraordinária primeiro e a comum depois, ou uma ordinária limitada primeiro e a extraordinária sobre as matérias comuns depois, e todos aqueles emaranhados analítico-projectivos que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e, no exterior, o Presidente do PSD têm vindo a elucubrar, podem reduzir-se, basicamente, a uma perda de tempo.
Não vemos, pois, razão para alterar o rumo traçado no início deste processo. Devemos fazer o mais possível até Outubro e, em função da velocidade adquirida, que desejamos que seja muita, não deixar de realizar o maior número possível de reformas, em vez de afunilar o processo para uma ou duas, deixando as demais com destino incerto ou para a reabertura de um eventual processo de revisão constitucional extraordinário, com novos projectos, etc.
Em suma, gostaríamos de economizar tempo e não suscitar dúvidas sobre aquilo que julgávamos estabelecido e não sujeito a dúvidas, em especial o regime do referendo para a instituição em concreto das regiões administrativas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fez-se uma primeira leitura do capítulo sobre as regiões administrativas e do artigo sobre o referendo, e essa primeira leitura permitiu, por um lado, apurar alterações adquiridas, por haver consenso, mais ou menos preciso, inclusive quanto a formulações e, por outro, identificar propostas inviáveis por haver clara rejeição por parte de partidos necessários à obtenção da maioria de 2/3, tendo ainda ficado em aberto duas ou três questões, de remissa para a segunda leitura.
Ora, a proposta agora formulada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes vai no sentido de, uma vez feita esta primeira leitura, passarmos a uma segunda leitura, independentemente da primeira leitura do resto das alterações a introduzir na Constituição, isto é, se bem percebi, o Sr. Deputado pretende que formalizemos as propostas adquiridas, resolvamos a que ficaram de remissa
Página 220
e formalizemos a inviabilidade daquelas que não são viáveis.
Em suma, quer que demos por adquirido e "arrumado" definitivamente este capítulo antes de prosseguirmos na primeira leitura das restantes alterações à Constituição. Todavia, pareceu-me que o Sr. Deputado José Magalhães, em nome do PS, se opunha a esta proposta.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra, mas talvez seja útil ouvir uma terceira parte sobre esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que se coloca tem a ver, de algum modo, com o problema de discutir já o regime do referendo regional, ou não.
Temos duas questões que estão ligadas a grandes debates políticos que atravessam a sociedade portuguesa. Uma delas é o processo de regionalização, com as leis de criação e de revisão da lei-quadro, aprovadas na generalidade no dia 2 de Maio, de acordo com o calendário existente nesta matéria. Portanto, como o prosseguimento deste processo legislativo vai obrigar a realizar um referendo - o tal referendo obrigatório, que é aquele que mais me preocupa -, já é praticamente liquido que, neste momento, existe um texto alternativo para o artigo 256.º, acordado entre os dois partidos que farão a maioria de 2/3 nesta matéria. Para além disso, pouco mais há para ver.
Em relação ao artigo 262.º, a alternativa é eliminar ou não esta disposição, mas creio que a inclinação vai no sentido da sua eliminação. Em todo o caso, essa é uma questão que se resolve muito depressa. O mesmo vale para o artigo 118.º, que está ligado a um outro grande debate que atravessa a sociedade portuguesa e que tem o seu calendário próprio. Refiro-me à questão das conferências intergovernamentais de revisão do Tratado da União Europeia.
Posto isto, pergunto se o calendário destes dois processos nos obriga, neste momento, a passar à segunda leitura e a encerrar imediatamente esta questão. A meu ver, tal só faria sentido se, em primeiro lugar, o calendário nos obrigasse a fechar a questão rapidamente e, em segundo lugar, se houvesse uma vontade política, não apenas da parte do PSD mas também da parte do PS, de autonomizar os pontos relativos às regiões administrativas e ao artigo 118.º numa lei de revisão constitucional própria. Enquanto isto não se verificar, isto é, enquanto o PS não disser que está disponível para autonomizar aquilo que vier a resultar da segunda leitura numa lei de revisão constitucional, tenho algumas dúvidas de que se justifique passar imediatamente a uma segunda leitura, com o consequente encerramento deste capítulo.
Da forma como as coisas estão, designadamente tendo em conta as posições que o PS tem manifestado nesta matéria, pergunto se não seria melhor passarmos ao preâmbulo, aos artigo 1.º e seguintes da Constituição. A partir do momento em que verifiquemos que o calendário e a disponibilidade de autonomizar estas questões em lei de revisão constitucional própria o exige, poderemos passar a todo o momento à segunda leitura e fechar estas questões que, julgo, não oferecerão dificuldades. Em qualquer tarde de trabalho, isso poderá ser feito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, aparentemente, a proposta do PSD não colhe apoio. Quer insistir nela?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, se me permite, queria formular uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pergunto se na hipótese que apresentou há pouco, a de se passar imediatamente a uma segunda leitura, admite a possibilidade, ou se é sua intenção, de darmos já um voto indicativo sobre os artigos em debate.
O Sr. Presidente: - Nem teria sentido uma segunda leitura sem isso!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, acho que só estamos a analisar parte da questão, porque a verdade, como o Dr. Luís Sá disse - e bem, mas depois desviou-se e só falou na questão de haver ou não a dupla revisão -, é que há um processo, malfadado mas em curso, relacionado com uns projectos de lei aprovados nesta Assembleia pelo PS e pelo PCP, e que estão em curso. Ora, por exemplo, o projecto de lei do PS é, face ao texto da Constituição em vigor, inconstitucional, porque quanto à formação das juntas regionais aponta para soluções que têm a ver com o projecto de revisão constitucional do PS e não com a Constituição em vigor.
A questão da junta regional é, precisamente, uma das questões que, na primeira leitura, não ficou consolidada. Avançaram-se argumentos, como o Sr. Presidente bem sabe, pois já foi durante a sua presidência, traçaram-se várias soluções possíveis, mas não houve ainda um entendimento. Acho que é fundamental para que o processo, mesmo aquele malfadado que está a correr na 4.ª Comissão, possa ter alguma orientação que seja consolidado qual é, em termos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o texto que irá prevalecer em sede de regionalização.
Não fazer isto, claramente, é meter na gaveta tudo aquilo que se está, e que o PS disse que a todo o vapor, quando aprovou, inopinadamente, no dia 2 de Maio, na... Não tem a ver directamente com os trabalhos desta Comissão... Não percebo esta posição, porque, afinal, parece que tudo deixou de interessar relativamente à regionalização e tudo agora pode, tranquilamente, embora não tenha havido... Aquilo que se acordou aqui em relação ao artigo 256.º foi a cedência, por parte do PSD, à obstinação do PS em deixar no texto constitucional a possibilidade de os referendos ocorrerem em simultâneo, e o PSD disse "sim" em nome de podermos ter, verdadeira e rapidamente, o referendo nacional...
O Sr. Presidente: - Mas o PS disse "sim" ao referendo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza!
O Sr. Presidente: - Então, não vamos fazer a contabilidade de quem ganhou e de quem perdeu!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu disse que o PSD cedeu. Se quiser fazer contabilidade,
Página 221
diga que o PSD perdeu, porque, nessas coisas, o PSD achava que o fundamental...
O Sr. Presidente: - Eu tinha uma opinião diversa, mas, já agora,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente. Pelos vistos, a nossa opinião é coincidente com a do Sr. Presidente.
Para o PSD o fundamental era que houvesse referendo. Em nome da possibilidade de realização do referendo, o PSD cedeu na questão da simultaneidade. Agora, há outras questões, no capítulo da regionalização, a respeito das quais, numa primeira leitura, foram traçados argumentos mas não ficaram definitivamente consolidadas. Por isso, penso que havia toda a vantagem, a menos que se tenha desistido de avançar com o processo da regionalização,... Mas, então, que fique claro e em acta que o PSD lamenta e opõe-se terminantemente a esta lógica de ter andado durante dois ou três meses, nesta Comissão, com argumentos pró e contra, a agarrar-se a problemas como o da simultaneidade, para tentar, bloqueando, no fundo, que se consolidasse a questão do referendo nacional, de modo a permitir que o processo de regionalização andasse para a frente, e, uma vez adquirido o consenso sobre a questão fundamental para o PSD, mas ainda residindo alguns problemas, como os da junta regional e os votos dos emigrantes, agora, pura e simplesmente, se passe para a frente, para outras matérias, como se tudo tivesse ficado arrumado. Não ficou, de facto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, compreendo, e creio que é o exercício de um direito que não merece sequer qualquer controvérsia, que o PSD deseje ir pensando e repensando constantemente naquilo que faz e no que tem acontecido. No entanto, não creio se verifique a circunstância de emergência que levaria a um tal grau de desconfiança que todos nós duvidássemos de tudo o que discutimos, inclusive da nossa própria sombra e daquilo que assumimos já como compromisso tendencial. Pela nossa parte, o calendário da regionalização está definido, gizado e em curso. Há neste momento uma consulta pública, que está a ser feita nos termos deliberados...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sobre um texto inconstitucional!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... pelos órgãos legítimos da Assembleia da República. Como é óbvio, não sairá da Assembleia da República, para ser promulgado pelo Sr. Presidente da República, qualquer texto que não esteja em conformidade com o texto constitucional em vigor à data da aprovação final do diploma pela Assembleia da República. Isto parece inteiramente claro.
A votação na generalidade tem como alcance - toda a gente o sabe, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes também, e muito bem - uma decisão sobre o sistema e princípios do diploma submetido a escrutínio. Foi o que aconteceu e, neste momento, o diploma aprovado está a ser amplamente apreciado. Nada há a alterar aqui, a não ser que o PSD tenha decidido - o que não aconteceu, nada revela que tenha acontecido - decair da sua aceitação de que o momento referendário deva ter lugar quando tínhamos estabelecido que tal devia ocorrer. Lembro que discutimos isso durante horas, está na Acta, não tenho necessidade alguma de fazer a autópsia da Acta para me lembrar rigorosamente do que ficou acertado nessa matéria...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ninguém vai pôr em causa a simultaneidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Também já dissemos que remeteremos para lei ordinária a definição do momento e da feitura das perguntas...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos rediscutir o que está discutido, pois os partidos comprometeram-se com as posições e não vão decair delas.
Portanto, proponho que nos limitemos à questão procedimental, que é a de saber se "sim" ou "não", se se vai fazer a segunda leitura daquilo de que já se fez a primeira ou se vamos prosseguir a primeira leitura, a partir do princípio.
O Sr. José Magalhães (PS): - Se me permite concluir, Sr. Presidente, estava a evidenciar como seria verdadeiramente redundante o exercício proposto pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. É que aquilo que acordámos está tão fresco na nossa memória que até repugna um pouco reabrir essa questão, por estar tão clara e tão fresca.
Em relação àquilo em que não se atingiu consenso é preciso, então, deixar sedimentar um pouco. Algumas dessas questões serão ponderadas em conjunto com outras e o resultado será objecto de uma avaliação global. As satisfações globais, em revisão constitucional, são um resultado complexivo e recíproco de um conjunto de satisfações parcelares e insatisfações concretas e nem sempre as satisfações são sinalagmáticas. Por vezes, satisfações globais obtêm-se por conjugações de coisas situadas em pontos distantes da toponímia diversificada da revisão.
Portanto, proponho, Sr. Presidente, que continuemos. Aliás, como sublinhou o Sr. Deputado Luís Sá, nenhum facto concreto e nenhum calendário nos intimam a autonomizar já os processos. Logo, propomos que continuemos. Não há consenso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para abortar a revisão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, houve uma proposta no sentido de se fazer imediatamente a segunda leitura e, portanto, o apuramento de posições definitivas em relação a todos os pontos do capítulo das regiões administrativas e do referendo. Essa proposta não colheu apoio suficiente para ser aprovada.
Gostaria, agora, de saber o seguinte: prosseguindo a primeira leitura, vamos começar pelo preâmbulo e o artigo 1.º da Constituição ou aproveitamos a embalagem para discutir, ao menos, o referendo regional, colando-o ao artigo 118.º, onde, na verdade, já está colado? Ponho isto à vossa consideração.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Logicamente, então, discutimos também as consultas populares locais.
O Sr. Presidente: - Porque não?
Página 222
O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, sim. De embalagem em embalagem...
O Sr. Presidente: - Fiz uma proposta, mas não faço questão nela. Peço apenas a vossa posição a este respeito.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não tenho qualquer objecção.
O Sr. José Magalhães (PS): - Também não temos qualquer objecção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Mas eu não me satisfaço com o nihil obstat. Só prosseguirei nisso se tiver o voto positivo. Caso contrário, começaremos pelo preâmbulo da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso não significa a nossa indisponibilidade para começarmos de imediato a discutir e fundamentar o nosso artigo 235.º-A, Sr. Presidente. Não é uma atitude passiva, é activa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não obstante ter sido feita já a constatação, por intermédio da intervenção dos Srs. Deputados José Magalhães e Luís Sá, de que não há consenso para nesta altura abordarmos uma questão que, mais do que metodológica, é política, gostaria de voltar à carga nesta matéria, esperando que não se trate de uma questão fechada quanto à argumentação política, pois esta é uma decisão estritamente política, que não tem a ver com a metodologia, stricto sensu, dos trabalhos da Comissão.
Quando o processo de revisão constitucional se iniciou havia pelo menos um amplo consenso sobre dois pontos: o PS achava que se deveria dar prioridade política de apreciação às matérias relacionadas com a regionalização e o referendo, o PSD entendia estarem preenchidos os pressupostos de regresso à Comissão ou de assunção do seu lugar na Comissão para viabilizar justamente o referendo em matéria de regionalização. Eram estes os pressupostos de base, no início desta revisão constitucional.
Em nossa opinião, nesta altura, a Comissão, em sede de primeira leitura, fez já o acerto de agulhas que deveria ter feito ou que poderia fazer - nem sempre terá sido aquele que desejávamos - e que nos permite tomar uma decisão política para a qual o PSD, em tempo oportuno, alertou, que é a possibilidade de, ou iniciando a partir de agora, para a restante matéria da revisão constitucional, um processo extraordinário, ou transformando este acquis de discussão que já aqui se travou num processo extraordinário de revisão, continuando a restante como um processo ordinário, em qualquer das circunstâncias, seja qual for o modo por que se opte, estarmos nesta altura em condições de fazermos o balanço político e de tomar uma decisão. E ela é lógica. Faz sentido lógico que seja ponderado agora e não daqui a um ou dois meses. E vou tentar explicar, no meu entendimento, o porquê.
Se estes eram os pressupostos de prioridade política da revisão constitucional - estão cumpridos e nenhum outro foi estabelecido -, que sentido faz, senão o de uma interpretação mais do que subjectiva, que, pela análise do preâmbulo da Constituição ou de qualquer outra matéria subjacente a esta revisão constitucional, se decida, de forma intempestiva, que vale a pena isolar uma matéria que já foi discutida em primeira leitura, sobre a qual já nos entendemos há 15 dias, um mês ou dois meses e meio, para a isolar, porque obtivemos uma dificuldade de análise num artigo determinado da Constituição, daqui a um mês ou mês e meio? Qual é o sentido político, de oportunidade, nessa altura, de dizer: então, vamos, de facto, dar prioridade? Quanto muito, daqui a mês e meio, se se tomar uma atitude desta natureza, estaremos a fugir à nossa responsabilidade de, oportunamente, dar a prioridade que afirmámos querer dar à matéria relacionada com o referendo e a regionalização.
Portanto, estaríamos à procura de desculpas para disfarçar a falta de prioridade que estamos a dar à matéria, de facto, e não a consubstanciá-la num processo, seja ele revisto da forma que for, mais urgente e expedito para tomar uma decisão.
Por parte do PSD, não há qualquer jogo escondido, tratou-se de um jogo claro. Na nossa interpretação, não faria sentido que, depois de todo este esforço, que teve um eco importante na opinião pública, esta matéria não viesse a ser colocada à consideração do eleitorado senão daqui a um ano ou a um ano e meio. E possivelmente é o que acontecerá, se não aproveitarmos este momento, serenamente, para tomarmos uma decisão política, que é, do nosso ponto de vista, a que está ao nosso alcance depois da discussão que foi realizada. Fazê-lo em qualquer outra altura não tem sentido. O único momento oportuno para o fazer é no termo do período fixado pela Resolução da Assembleia da República que criou esta Comissão, ou seja, no termo dos 180 dias. Mas, então, o PS e, neste caso, o PCP, também, têm de assumir, nesta altura, que é a adequada para fazer esse balanço, que aguardarão que fique concluído o prazo que o Plenário concedeu a esta Comissão para proceder à revisão constitucional, para constatarem, então, que não foi possível concluir o seu trabalho.
No entanto, em nossa opinião, essa será uma altura tardia para tomarmos uma iniciativa prioritária quanto ao processo referendário e à regionalização. E isto já para não discorrer, porque acho que já não seria tão pertinente, sobre o próprio processo de regionalização, que o PS se vinculou, em termos de compromisso, a realizar de forma expedita, mesmo em sede de Assembleia da República, porque, como sabemos, dificilmente este processo poderá, em termos legislativos, ser acelerado se, dentro do consenso que já está instituído na Comissão e que passa pela realização de um referendo, ele não puder ter lugar.
Portanto, para concluir, não penso que se possa, do ponto de vista político, de forma superficial, passar pela questão metodológica dos trabalhos da Comissão para dizer: aguardemos pelas férias e depois ponderaremos, faremos isto ou aquilo. Porque a razão pela qual o faremos depois das férias não tem a mesma pertinência política nem a mesma clareza que existe agora.
É este apelo que gostaria de reiterar perante o PS, em particular, alargando-o também ao PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer um ponto a respeito da posição que manifestei.
O PCP tem toda a disponibilidade quanto a passar imediatamente à segunda leitura e concluir a apreciação
Página 223
da parte relativa à regionalização e ao referendo. Simplesmente, coloca uma questão que julgo ser de elementar bom senso: isso só tem sentido na assunção da perspectiva de se separar as matérias em duas leis de revisão constitucional.
Como o PS ainda não tomou uma posição definitiva sobre esta matéria, o melhor será continuarmos a trabalhar até isso acontecer, porque quando o PS tomar e anunciar esta posição poderemos fazer a segunda leitura deste ponto e as votações com bastante rapidez. Estão poucas matérias, muito poucas matérias...
O Sr. Presidente: - Em meia hora, Sr. Deputado Luís Sá, fazermos a segunda leitura. A matéria foi vista até agora.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso parece-me evidente.
O Sr. Presidente: - Portanto, não é aí que reside a dificuldade. O problema está justamente na questão que colocou.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quis chamar a atenção para o problema político que a proposta do PSD coloca, pois ela só faz sentido na perspectiva desta autonomização. Quanto o PS manifestar vontade no sentido de autonomizar, teremos disponibilidade imediata, até lá, creio não valer a pena.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Mas concorda em que este é o momento para se tomar essa decisão.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu já disse isso na última reunião. Mas é o PS que a toma.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - De resto, só fez sentido prolongar os trabalhos da Comissão até dia 19 justamente para sabermos se, em primeira e segunda leitura, conseguiríamos ou não, consensualmente, autonomizar esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tem razão. Eu proporia o mesmo regime de trabalhos qualquer que tivesse sido o tratamento especial da questão...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sim, Sr. Presidente, o que não quer dizer que o PSD tivesse aquiescido por qualquer razão. Estava apenas a clarificar...
O Sr. Presidente: - A questão do calendário e do ritmo da revisão constitucional, para mim, é totalmente indiferente ao dossier da regionalização. Faria a mesma proposta...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - E fica-lhe bem, como Presidente, que assim seja, mas não aos partidos.
O Sr. Presidente: - ... e mantenho-a, mesmo que os senhores acordem em extractar este problema. Quero que isto fique claro. Tenho todo o interesse em que a revisão constitucional seja feita de acordo com um ritmo próprio e não esteja a apodrecer por aí, à espera de qualquer...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - O nosso interesse ainda é maior.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que o PS propõe é que fique a regionalização agora a apodrecer.
O Sr. Presidente: - Não.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Que tudo vá ficando gradualmente a apodrecer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - A menos que o PS não esteja em condições, nesta precisa reunião, de dar uma resposta, e, então, até poderemos esperar pela de quinta-feira.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, neste momento, gostaríamos de tudo menos de fazer estes debates sob o signo do que quer que seja que inspire palavras como "apodrecer", "apodrecimento" e coisas desse tipo. Até porque acabámos de evitar...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não são termos que o escandalizem, certamente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Pois não! Mas utilizados em sede própria. Em relação à perdiz, por exemplo. Agora, em matéria de revisão constitucional, foi nosso empenhamento, como se viu, discutir soluções concretas.
No entanto, gostaríamos de perceber exactamente o que o PSD propõe, porque quando acordámos no calendário de trabalhos - que acaba de ser lembrado pelo Sr. Presidente - o PSD não enunciou o que agora acaba de dizer. Marcámos agenda de férias e agenda de trabalho para Setembro libertos destas informações.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes deseja interromper?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, deseja interromper?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, quero apenas inscrever-me para usar da palavra.
O Sr. José Magalhães (PS): - Interrompo de imediato a intervenção, porque tenho interesse em clarificar o mais possível a intenção do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agradeço ao Sr. Presidente e ao Dr. José Magalhães.
Sr. Presidente, gostaria que isto ficasse claro: o PSD considera não termos arrumado em definitivo, porque o Sr. Presidente e todos os Deputados membros da Comissão bem o sabem, que há algumas questões que ficaram em aberto...
O Sr. José Magalhães (PS): - Algumas ficaram em aberto há três minutos.
Página 224
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Porventura, arrumou-se, por cedência do PSD à questão da simultaneidade, a questão fundamental em nome da possibilidade efectiva de realização do referendo. Não venham agora tentar mistificar as coisas dizendo que o PSD, que cedeu nessa questão em nome da realização do referendo, se desinteressa do facto de esse referendo ter lugar. Não venham dizer que estão surpreendidos com a posição do PSD de querer, de facto,... Foi só por isso que o PSD cedeu na questão da simultaneidade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, suponho que a questão do referendo não está em causa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, está em causa enquanto a Constituição não estiver arrumada nesta matéria, porque uma coisa são as primeiras leituras que se fazem aqui, que são necessariamente políticas e não têm força jurídica. Nem sequer houve ainda um arrumar em definitivo de todos os artigos que dizem respeito a este assunto. Houve várias questões que ainda ficaram em aberto. Algumas, o essencial...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, responda-me sinceramente a esta questão: acha que o PS estaria em condições de ultimar o processo da regionalização à face do actual texto da Constituição?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, deixe-me apenas terminar a minha ideia, pois foi essa a razão pela qual o Dr. José Magalhães interrompeu a sua exposição.
Gostaria que ficasse claro que o PSD não deseja - não é essa a nossa intenção - que assim que esteja feita a segunda leitura e que se possa em definitivo encontrar a redacção para o capítulo da regionalização e o referendo naquilo que lhe diz respeito, interromper os trabalhos da Comissão. Nada disso. Continuaremos imediatamente, pelo artigo 1.º ou pelo 100.º, por aquele que, metodologicamente, o Sr. Presidente decidir...
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah! Mas não tinha dito isso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por amor de Deus! Este é um pressuposto evidente. Desde o início que foi dito - na altura o Presidente não era o Sr. Deputado Vital Moreira mas, sim, o Sr. Deputado Jorge Lacão - pelo próprio Partido Socialista: vamos arrumar a questão da regionalização e quando ela estiver arrumada o PS ponderará a necessidade ou não de partir a revisão em duas (o Dr. Vital Moreira está a ouvir isto pela primeira vez, porque não esteve presente nessas reuniões, mas o Dr. Luís Sá sabe que assim foi, e não refiro o PS porque é causa nessa exposição), assim permitindo a consolidação, desde logo, da matéria da regionalização.
Foi assim que nos foi colocada a questão.
Tão-só, a única coisa que o PSD está a pedir neste momento é: consolidemos ou arrumemos a questão da regionalização; continuemos depois, de imediato, em sede desta Comissão Eventual, os nossos trabalhos, ou pelo artigo 1.º, ou pelo 100.º, por aquele que, metodologicamente, o Sr. Presidente entender ser o melhor. No entanto, politicamente, fica claro para o resto do País que a questão da regionalização já tem pés para andar e que se fará ou não o referendo, consoante o PS - pois desde já o PSD diz que, como desde o início apresentou uma proposta para partir a revisão em duas, se dispensa de dizer que, pela sua parte, marca-se imediatamente o referendo, com alguma dose de certeza, porque é possível consolidar a revisão constitucional nesta matéria - disser se quer ou não marcar o referendo. Mas isso só pode ficar claro em termos políticos fora desta Comissão se ela preencher aquele trabalho a que se propôs há cerca de mês e meio, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, congratulo-me com o facto de ter sido possível desarrumar um pouco a discussão, para depois a arrumar nos termos que agora resultam desta última intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, porque o que nos ocorreu - trocámos impressões sobre isso, informalmente, enquanto o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho perorava - foi que o PSD desejava rever o calendário da revisão no sentido de interromper o processo e caminhar para Plenário, até ao fim do mês de Julho, com uma espécie de revisão constitucional, ad hoc que seria a convolação da ordinária...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é perversidade!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso não ficou claro da intervenção do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
Colocada a questão nesses termos, como temos uma reunião na próxima quinta-feira à noite, há precisamente o compasso de espera que - dir-se-ia feito de propósito - permitirá sedimentar serenamente tudo o que está colocado em cima da mesa e obter uma excelente resposta para as questões colocadas.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Deputado, até sugeri que pudesse ser na próxima reunião.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, , a próxima reunião é na quinta-feira à noite, e então decidir-se-á se vai haver segunda leitura da matéria até agora vista ou se se prosseguirá na primeira leitura, a partir do preâmbulo da Constituição.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
Página 225
Página 226