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Quarta-feira, 17 de Julho de 1996 II Série - Número 14 - RC
VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 16 de Julho de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 11 horas e 15 minutos.
Procedeu-se à segunda leitura e votação das propostas de alteração aos artigos 262.º e 118.º.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo e Miguel Macedo (PSD), Jorge Ferreira e Paulo Portas (CDS-PP), José Gama (PSD), Cláudio Monteiro e Alberto Martins (PS) e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, a reunião da manhã terminará às 12 horas e 45 minutos e recomeçaremos à tarde, às 15 horas.
Votámos o artigo 261.º, não tendo sido aprovada nenhuma alteração. Passamos ao artigo 262.º, para o qual há propostas de eliminação do PP e do PSD, no âmbito geral das propostas de eliminação deste capítulo por parte de ambos os partidos, pelo que se consideram prejudicadas pelas votações anteriores. Subsiste uma proposta de alteração do PS, no sentido de tornar facultativa constitucionalmente a existência do representante do Governo junto das regiões, representante que, hoje, no texto da Constituição da República Portuguesa, é obrigatório.
Suponho que a matéria está discutida, mas tenho aqui uma nota que o Partido Socialista admite convolar a sua proposta em proposta de eliminação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, só para dizer que feito o rescaldo da discussão na reunião anterior em que tratámos da matéria e tendo em vista algumas observações, porventura excessivamente cáusticas, da parte do representante do Partido Comunista Português quando às intenções do Partido Socialista, entendemos que a solução talvez mais aconselhável é manter a proposta que o Partido Socialista originariamente tinha feito no sentido de admitir que o artigo 262.º possa passar a ter uma redacção que torne facultativa e não totalmente imperativa, a representação do Governo junto das regiões.
O Sr. Presidente: - Era essa proposta que ia ser apresentada e que reza assim: "Junto da região poderá haver um representante do Governo, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exercerá igualmente junto das autarquias existentes na área respectiva". É o texto actual da Constituição da República Portuguesa mas tornando facultativo aquilo que hoje é obrigatório.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só um pedido de esclarecimento suscitado pela intervenção do Deputado Jorge Lacão. Só conhecia esta proposta de alteração que acabou de referir e fiquei na dúvida se terá havido outra. Qual é a outra?
O Sr. Presidente: - Não, não há outra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a outra é a eventual eliminação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Do artigo?
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sim.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Partido Socialista nunca teve duas propostas, só teve uma.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu tinha uma nota que o PS admitia ponderar...
O Sr. Jorge Lacão (PS) - O Partido Socialista colocou a hipótese de ponderar a eliminação, de acordo com a vossa proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah!
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a-propósito da vossa proposta, o Sr. Deputado Luís Sá fez uma dissertação que nos mereceu alguma reflexão. Em função da reflexão do Sr. Deputado Luís Sá entendemos manter a nossa proposta
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estou esclarecido.
Sendo assim e se a intenção é apenas colocar a expressão "poderá haver..", penso que a segunda alteração - a de "exerce" por "exercerá" - não é necessária e pode manter-se como actualmente.
O Sr. Presidente: - Senhor Deputado Jorge Lacão, acolhe esta observação?
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Com certeza.
O Sr. Presidente: - A proposta passa a ser a seguinte: "... cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias existentes na área respectiva.".
Srs. Deputados, supus prejudicadas as propostas do PP e do PSD no sentido da eliminação, tal como temos feito em relação às outras.
Pausa.
Vamos votar a proposta com as alterações acordadas.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD , votos contra do CDS-PP e a abstenção do PCP.
Srs. Deputados, com esta votação terminamos o capítulo sobre as regiões e passamos ao artigo 118.º. Dada a multiplicidade de propostas, seguirei a ordem de discussão de cada uma delas. Haverá apenas discussão dos pontos que ficaram em aberto.
O Partido Socialista acaba de fazer entrar uma proposta sobre um tema que tinha ficado em aberto e que será apresentada na altura própria.
Srs. Deputados, vamos votar as propostas relativas à iniciativa do referendo. Começamos por uma proposta do PP, tal como foi explicitada aqui em discussão pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro, no sentido de poder haver referendo por decisão autónoma do Presidente da República, portanto, sem qualquer iniciativa estranha.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.
Era a seguinte:
1 - Os cidadãos eleitores recenseados no território podem ser chamados a pronunciar-se directamente a título vinculativo, através do referendo, por iniciativa do Presidente da República, nos casos e nos termos previstos na lei.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta do PP no sentido de o Presidente da República convocar obrigatoriamente
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o referendo quando tal lhe seja proposto pelo Governo ou pela Assembleia da República. E o n.º 4 da proposta do CDS-PP para o artigo 118.º, tal como foi interpretado autenticamente pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro durante a discussão, ou seja, no caso de ser aprovada, o Presidente da República convocaria obrigatoriamente o referendo caso ele lhe fosse proposto pela Assembleia da República por maioria absoluta dos Deputados ou pelo Governo.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.
Era a seguinte:
4 - O Presidente da República submeterá ainda a referendo nacional a decisão sobre questões de relevante interesse nacional sempre que tal lhe seja solicitado pelo Governo ou pela Assembleia da República em deliberação aprovada pela maioria absoluta dos Deputados e em efectividade de funções.
Srs. Deputados, deixarei de lado a proposta do PP relativamente ao referendo sobre tratados que será votada mais tarde. Vamos votar a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros no sentido de restringir a iniciativa de propositura do referendo à Assembleia da República, isto é, retirar ao Governo a iniciativa do referendo perante o Presidente da República. Existe também uma proposta do PSD no mesmo sentido, pelo que votaremos simultaneamente as duas.
Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS, do PCP e do CDS-PP e votos a favor do PSD.
Eram as seguintes:
1 - Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República mediante proposta da Assembleia da República, por iniciativa desta, do Governo ou a solicitação de 150 000 cidadãos eleitores recenseados no território nacional, nos casos e nos termos previstos na Constituição e da lei.
1 - Os cidadãos eleitores podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República e mediante proposta da Assembleia da República, por iniciativa dos Deputados, do Governo ou de 150 000 cidadãos eleitores recenseados, nos termos previstos na Constituição e na lei.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta do Partido Socialista no sentido de admitir o referendo por decisão do Presidente da República, por iniciativa directa de 100 000 eleitores, acrescentando esta iniciativa à do Governo e da Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se bem entendo, iríamos passar, o que ainda não tinha feito separadamente, quer ao projecto do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros quer ao do Partido Social Democrata, à questão da iniciativa por petição de eleitores.
O Sr. Presidente: - Já lá iremos, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas era isso que estava agora a pôr à votação?
O Sr. Presidente: - Não, não. Vou do mais ao menos. O projecto do Partido Socialista é no sentido de dar iniciativa a 100 000 eleitores de proporem directamente ao Presidente da República a realização do referendo. O projecto do PSD é no sentido de dar a 150 000 eleitores o direito de peticionarem à Assembleia da República que proponha ao Presidente da República o referendo. Estas propostas são completamente distintas. Submeterei à votação, primeiro a do Partido Socialista e depois a do Partido Social Democrata.
Assim, para que não haja dúvidas, em matéria de iniciativa dos cidadãos, há duas propostas bem distintas. A saber, primeiro, a proposta do Partido Socialista que dá a 150 000 cidadãos o poder de propor directamente ao Presidente da República a realização do referendo, segundo, a proposta do PSD que dá aos mesmos 150 000 cidadãos o poder de propor à Assembleia da República que proponha ao Presidente da República a realização do referendo. Submeterei a votação a proposta do Partido Socialista.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do PCP.
Srs. Deputados, de acordo com as regras gerais do Regimento basta o voto de um Deputado, com a abstenção de todos, para aprovar uma proposta.
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, talvez seja ignorante do Regimento, mas é assim?
O Sr. Presidente: - É.
O Sr. Jorge Lacão (PS) - Mas não é a maioria absoluta!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as regras que os senhores votaram, de acordo com uma proposta do PP, é de que as deliberações da Comissão se regem pelo Regimento da Assembleia da República. Segundo o Regimento da Assembleia da República, as deliberações são tomadas por mais votos a favor do que contra, o que quer dizer que se todos os Srs. Deputados se abstiverem e um votar a favor, qualquer proposta será aprovada.
Portanto, esta proposta é considerada aprovada, com votos a favor do Partido Socialista, abstenções do PSD e do PCP e votos contra do CDS-PP e de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero deixar em acta o seguinte.
O Partido Social Democrata absteve-se nesta proposta do Partido Socialista porque entende que há aqui um valor fundamental que é a inscrição no processo do referendo da possibilidade de iniciativa da parte dum conjunto de cidadãos eleitores. Poder-se-á discutir se o número desses cidadãos eleitores será de 100 000, 50 000, 20 000
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ou outro mas essa discussão, embora importante, coloca-se num plano diferente. No entanto, o valor essencial para nós é abrir também o instituto do referendo à iniciativa dos eleitores.
Porém, pelo processo que a discussão tomou dentro desta comissão e não pomos minimamente em causa a metodologia que o Sr. Presidente adoptou, acabamos por nos ver obrigados a fazer uma primeira votação em comissão referente às iniciativas do PSD, do PS e dos outros partidos em separado sem que tenha sido possível na discussão prévia, que nesta matéria houve na comissão, um qualquer entendimento político, nomeadamente, entre os dois maiores partidos sobre os valores essenciais a preservar em cada uma das redacções que constam dos projectos de lei dum partido e de outro.
Nesse sentido, embora não concordando que esta iniciativa, que defendemos, dos cidadãos eleitores se possa fazer directamente junto do Presidente da República, assim alterando não só os poderes do Presidente da República como o próprio equilíbrio de poderes que deve existir na democracia representativa que nós somos e no sistema político que temos entre o órgão Presidente da República e o órgão Assembleia da República, o Partido Social Democrata absteve-se por não querer que desta primeira ronda de votações desta matéria na comissão possa sair prejudicada uma reforma que em termos constitucionais entendemos muito importante. Nesse sentido abstivémo-nos esperando que o Partido Socialista possa fazer de igual forma quanto à proposta do PSD para que, numa eventual retoma da discussão política sobre este assunto na sequência normal da revisão dos artigos por ordem de inserção, quando voltarmos ao artigo 118.º ou então na discussão em Plenário, que é a discussão decisiva e definitiva sobre a revisão constitucional, possa haver a tal reponderação política entre os dois maiores partidos no sentido de se obter os dois terços necessários à institucionalização definitiva, em termos constitucionais, da iniciativa, no sentido de se caminhar para um denominador comum, de eleitores para o instituto do referendo.
Por essa razão nos abstivemos no projecto do Partido Socialista embora lhe continuemos a notar e a registar os defeitos políticos que acabei de mencionar e que têm que ver fundamentalmente com o próprio equilíbrio de poderes entre órgãos de soberania no nosso sistema político. No entanto, não queremos, de qualquer forma, inviabilizar uma reforma que nos parece fundamental que é esta iniciativa dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada de Os Verdes, posso corrigir oficiosamente a vossa votação nesta proposta. É que a vossa proposta era coincidente com a do PS, se não me engano.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - (Por não ter falado ao microfone não foi possível registar as palavras iniciais da oradora) (...) queria ressalvar uma questão. A nossa proposta tem algumas melhorias em relação à do Partido Socialista porque a do PS faz depender dum elevado número de eleitores a iniciativa do referendo e isso limita o direito de iniciativa dos cidadãos que para nós é muito importante. Ou seja, simultaneamente exigir um número tão elevado de eleitores, é, na nossa perspectiva, negar automaticamente esse direito.
Assim, mantemos a nossa posição porque entendemos que a proposta do PS inviabiliza automaticamente o direito de iniciativa dos cidadãos. Nesse sentido, queria deixar bem claro que todas as propostas, incluindo a do PS, que atribuem o direito de iniciativa aos cidadãos são muito positivas e que esse direito é para nós uma questão fundamental.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a proposta do seu grupo parlamentar é que haverá referendo sobre proposta de "...grupos de cidadãos, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei". Mantém esta proposta, quer que seja votada ou considera-a prejudicada pela votação que foi feita do projecto do Partido Socialista?
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de a manter.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, será votada a proposta do Partido Ecologista Os Verdes, que prevê a iniciativa popular do referendo sem especificar o número de cidadãos.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do CDS-PP, votos a favor de Os Verdes e do Deputado Vital Moreira e abstenções do PS, do PSD e do PCP.
Era a seguinte:
1 - Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República, do Governo ou de grupos de cidadãos, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estou a contabilizar as votações tendo em conta a representatividade dos partidos, excepto... Suponho que é a norma aqui ou não?
O Sr. José Magalhães (PS): - É.
O Sr. Presidente: - Portanto, conto os votos do PP como o número integral dos seus representantes aqui, que sobrelevam obviamente os dois votos a favor.
Srs. Deputados, passamos às propostas do PCP e do PSD relativas à petição popular de referendo junto da Assembleia da República para a iniciativa do referendo. As propostas são diferentes em dois pontos. A do PSD e do Deputado Pedro Passos Coelho exige 150 000 cidadãos para essa petição. No caso do PCP, essa petição exige 25 000 eleitores. Além disso, e segundo ponto diferente, a Assembleia da República deverá deliberar no prazo de sessenta dias sobre a petição apresentada pelos cidadãos.
Srs. Deputados, para facilitar a questão, proponho que a votação seja feita em três patamares. Primeiro, admitir a petição popular de referendo; segundo, votar, por ordem de apresentação, o número de peticionários (Iniciaremos com a votação da proposta do Deputado Pedro Passos Coelho que exige 150 000 cidadãos eleitores e, no caso de não ser aprovada, votaremos a do PCP, que exige 25 000 eleitores); em terceiro lugar votar-se-á a proposta do PCP que exige uma deliberação da Assembleia da República sobre essa petição no prazo de sessenta dias sobre a proposta a apresentar ao Presidente da República.
Não havendo objecções a esta metodologia...
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, podemos considerar os cenários alternativos na hipótese de não se consumar a chamada melhor solução. O que nos coloca um problema: tendo nós propostas que vão no sentido de uma verdadeira e própria iniciativa popular referendária e não havendo manifestamente consenso para formular uma solução que assente nessa ideia básica, provavelmente, teremos realisticamente que considerar cenários de outro tipo assentes num mero direito de petição de referendos a conferir aos cidadãos.
Dentro dos cenários "direito de petição" há uma proposta maximalista que o Sr. Presidente teve ocasião de referenciar, mas poderiam ser consideradas outras propostas que nós não apresentámos pela razão simples de que nos inclinávamos e inclinamos para um cenário mais generoso. No entanto, se se trata de equacionar requisitos e, logo, colocar fasquias de exigência a níveis que podem ser variáveis, provavelmente, teremos outras hipóteses que não aquelas que estão consideradas na mesa.
Todavia, falta inventar o meio próprio para se exprimir isto. Nós, por exemplo, em determinado momento, chegámos a propor que 50 000 cidadãos conseguissem o desiderato que agora é submetido a um requisito de 150 000 ou de 100 000 assinaturas.
Sr. Presidente, talvez tenhamos de encontrar uma fórmula para deixar em aberto a possibilidade de descer o patamar e deixar, talvez, em vago o número de assinaturas. Isso tem sido feito noutras circunstâncias. No fundo, trata se de inscrever a variável n e deixar em aberto o número concreto, o que não nos permite uma decisão certa mas permite nos manifestar um sentido favorável a uma certa ideia, tendencialmente declinante ou ascendente. No nosso caso, declinante, ou seja, queremos reduzir o número de assinaturas, porque, para um direito de petição qualificado não vale a pena, francamente, estar a colocar uma fasquia a um nível mais alto do que aquele que pode ser obtido pelos meios ordinários de direito constitucional e comum.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta questão, levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães, põe se se houver abertura para a petição popular; se entendo bem o clima, parece que vai abertura nesse sentido. Depois disso, colocar se á a questão do número de peticionários. Neste momento, há duas propostas: de 50 000 cidadãos, por parte do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do PSD, e 25 000, por parte do PCP. Na altura se verá se há alguma proposta diferente ou se sobrestamos quanto ao número e avançamos, deixando isso de remissa.
Srs. Deputados, de acordo com a metodologia que propus e que não foi impugnada, começaremos por votar a questão de saber se se admite uma petição qualificada de referendo junto da Assembleia da República para que esta proponha ao Presidente da República a realização de referendos. Vamos proceder à votação desta proposta.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos contra do CDS-PP.
O Sr. Deputado José Magalhães fez uma proposta de sobrestarmos quanto ao número. Talvez seja melhor fazermos uma pequena discussão, para tentarmos encontrar uma proposta negociada entre as duas que estão na mesa, ou os proponentes pretendem a votação imediata? Sr. Deputado Marques Guedes, como um dos proponentes, qual é a sua posição?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estou de acordo em que se sobresteja, e penso que não vale a pena votarmos nesta fase, dado o denominador comum que foi possível quanto ao fundo da questão - creio que não vale a pena entrarmos em discussão quanto ao número.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, qual é a vossa posição?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estou de acordo em que se sobrefique, com esta observação: aquilo que nos moveu e que nos preocupou em relação à proposta apresentada anteriormente, e que foi aprovada por maioria simples, era simplesmente o problema do equilíbrio de poderes, isto é, do direito de iniciativa popular poder ser em matéria não da competência do Presidente da República mas do Governo e da Assembleia da República, e a utilização que disto poderia ser feita.
Entretanto, em relação à questão da iniciativa popular, há um grande empenho da nossa parte, portanto, a ideia de sobrestar quanto ao número, representa, da nossa parte, uma disponibilidade para, eventualmente, baixar o número que indicámos e não propriamente de nos aproximarmos de valores que têm sido propostos por outros Deputados. Como é sabido e já foi lembrado, neste momento, a petição de 4000 cidadãos implica direito de discussão por parte da Assembleia da República. A nossa proposta tem um conteúdo útil, que foi a grande preocupação dela, que é garantir um prazo curto, que não permita retirar a questão da agenda política através de uma dilação no tempo. Toda a nossa ideia seria de baixar o número que apresentámos e não propriamente no sentido de nos aproximarmos de outros números, que nos parecem francamente exagerados - mais ainda tratando se de uma petição.
O Sr. Presidente: - Deixando de remissa a questão do número de peticionários, temos o terceiro ponto à votação, que é o de saber se essa petição deve ser, realmente, qualificada e se essa qualificação deve ficar expressa no texto constitucional. O PCP propõe isso, isto é, que, no caso de petição popular de referendo à Assembleia da República, esta deverá deliberar, no prazo de 60 dias, sobre a proposta. O Sr. Deputado Luís Sá acaba de justificar a ratio da proposta, pelo que vamos proceder à respectiva votação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permita-me que interrompa, mas quanto à votação em separado desta questão, penso que nunca chegou a ser discutida, em separado, a questão de saber se se fixava ou não fixava um prazo. Tenho a ideia de que tal nunca chegou a ser discutido substantivamente. É um pormenor em cuja discussão, em separado, creio que não entrámos. Nesse sentido, o PSD tem alguma dificuldade em proceder à votação sem ter discutido, porque há alguma argumentação, da nossa parte, contra a lógica de se fixar um prazo.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado, abre-se a discussão. Para esse efeito, tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, a questão da fixação de um
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prazo é algo que não deve ter dignidade constitucional. No fundo, a questão é a seguinte: a inclusão da iniciativa de referendo por parte de cidadãos eleitores, disse o Sr. Deputado Luís Sá que o grande objectivo ou o conteúdo útil da proposta do PCP, nesta parte, seria tentar criar um prazo próprio para a discussão disto; o PSD não entende assim.
De resto, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo bem expendeu quando se discutiu genericamente esta questão da inclusão no texto constitucional da iniciativa de referendo por parte de um conjunto de cidadãos eleitores, pensamos que há outras valências em termos políticos e jurídico constitucionais que aconselham a que esta alteração seja inscrita na Constituição, que vão para além da mera questão adjectiva da fixação ou não de um prazo. Pelo contrário, entendemos que a fixação, em si, do prazo de, 60 ou de 30, ou de 40 dias, ou o que quer que seja, é uma matéria que, eventualmente, não nos parece que deva ter uma grande dignidade constitucional, ou seja, é mais questão que tem a ver com o próprio Regimento da Assembleia da República.
Colocando de outra maneira: uma vez adquirida, no texto constitucional, a capacidade de iniciativa de referendo por parte de um conjunto de cidadãos eleitores, parece nos inevitável que o Regimento da Assembleia da República, rapidamente, evolua no sentido de criar um capítulo próprio, como tem para outras matérias, para análise deste tipo de iniciativas.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas, Sr. Deputado, a questão concreta é esta: se este tipo de petição não é ligado à fixação de um prazo, então tem um regime mais desfavorável do que o conjunto das outras petições que já estão reguladas por lei. Porquê? Porque as outras petições já se sabe que, se têm 4000 assinaturas, têm de ser discutidas no Plenário da Assembleia da República. Então, vamos, eventualmente, fixar um número de eleitores maior para, ainda por cima, não lhe dar sequer a garantia do prazo, que me parece suficientemente relevante porque se trata de garantir aos cidadãos que há uma discussão pronta antes da questão que eles colocam desaparecer da agenda política.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, retomando a minha intervenção, quero dizer que não discordo em nada daquilo que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de dizer, mas reafirmo que o PSD entende que isso não é matéria que deva ter, do nosso ponto de vista, dignidade constitucional. É evidente que concordamos totalmente com o objectivo final que preside a esta iniciativa, ou seja, parece nos evidente que, na sequência de uma eventual inscrição na Constituição - como esperamos que venha a acontecer e parece que, rapidamente, se está a gerar um consenso até superior a dois terços para que isso aconteça - da capacidade de iniciativa de referendo por parte de um grupo de cidadãos eleitores, imediatamente, o Regimento da Assembleia da República terá de acolher tal situação. Mas a sede própria é o Regimento da Assembleia da República, do nosso ponto de vista, porque pôr se no texto constitucional um prazo deste tipo, é quase que uma minimização da própria Assembleia sobre esta matéria.
Não estamos, minimamente, a pôr em causa o objectivo - pelo contrário, que fique em acta que o PSD entende que o Regimento da Assembleia deve, imediatamente, acolher, e acolher com a dignidade correspondente, a necessidade de um processo urgentíssimo em termos regimentais da Assembleia, que até pode ser inferior aos tais 60 dias que aqui estão propostos. Esta é uma questão a ver, mas que tem de se ver, do nosso ponto de vista, na lei, no Regimento da Assembleia - e não no texto constitucional. Tem de se ver depois, de acordo com as outras figuras regimentais, de debates e discussões e de aprovações parlamentares, quais os parâmetros exactos que deve revestir este tipo de iniciativa, que passará a beneficiar de dignidade constitucional e encaixá lo com a dignidade que ele merece. O que nos parece ser, de alguma forma, matéria que não cabe bem no texto constitucional. No fundo, é esta a questão - não sei se o Sr. Deputado Luís Sá me está a entender.
O Sr. Presidente: - Sr. Luís Marques Guedes, também tenho uma dúvida: é que o direito de petição existe para qualquer cidadão - qualquer cidadão, já hoje, pode dirigir se à Assembleia da República e dizer "quero, desejo, peticiono, reclamo, represento, que a Assembleia da República delibere no sentido de pedir um referendo sobre isto". Portanto, ao estabelecermos aqui este referendo, seja com 25 000 eleitores seja com 150 000, como os senhores propõem, temos de lhe dar uma qualquer qualificação; não lhe parece que essa qualificação deva estar sinalizada no texto da própria Constituição? Sob pena de, aparentemente, estarmos a criar um referendo a subscrever por milhares de pessoas que não valha mais nada do que o referendo de qualquer cidadão isolado! Um quidam qualquer! É esta a dúvida que lhe coloco.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a essa dúvida, não sei se é muito próprio, mas eu diria que respondo afirmativamente, ou seja, compartilho daquilo que me parece ser o pensamento do Sr. Presidente. É evidente, para o PSD, que o facto de se incluir na Constituição esta nova possibilidade para a iniciativa do referendo, tem de ter uma tradução...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para ser nova, tem de ser nova em alguma coisa - não pode ser nova só por exigir 25 000 ou 150 000, porque isso não é novo. Isso só é novo na medida em que hoje, qualquer cidadão, eu ou o Sr. Manuel dos Anzóis das Caldas de Baixo, pode fazer já essa petição, pode peticionar isso! O que é que nós fazemos de novo? Exigimos que sejam milhares de cidadãos - mas, para acrescentar essa novidade, temos de a justificar dando a essa petição algo de qualificado. Por isso é que eu falava há pouco em petição qualificada. Qual é a qualificação que o PSD entende dever ficar na Constituição?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado Barbosa de Melo com mais brilhantismo responderá, de certeza.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Penso que não se trata de brilhantismo! Do que se trata, é apenas disto: acho que o que está aqui a mais é a palavra petição. Do que se trata aqui, é da iniciativa para o referendo. Já uma vez aqui falámos disto: é o acto propulsivo do processo de referendo! Não é preciso chamar a isto petição. A questão que se põe, aqui, fundamentalmente, é esta: os cidadãos tomaram a iniciativa de pedir à Assembleia da República uma proposta de referendo, ou ao Presidente
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da República - ao tomar esta iniciativa, desencadearam um processo de referendo; agora, vamos marcar prazos para o desenvolvimento deste processo? Vamos dizer à Assembleia da República, quando um Deputado apresentar um projecto de referendo, que haja um prazo para que a Assembleia se pronuncie sobre a iniciativa do Deputado? Acho que as considerações estão correctas, quanto ao facto de isto estar regulado, mas não propriamente na Constituição, senão tínhamos de dizer "quando dez Deputados apresentarem um projecto para que a Assembleia delibere propor ao Presidente da República um referendo, tem de haver um prazo determinado".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, até têm o direito potestativo de marcação!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nós já tínhamos aflorado esta matéria mas a discussão que agora travámos, permite realçar alguns aspectos que ficaram vagos na discussão anterior. Em primeiro lugar, quanto à natureza desta iniciativa, poderemos procurar qualificá la de várias maneiras - verdadeiramente iniciativa popular referendária só um partido a propôs e não houve consenso no sentido da consagração.
O Sr. Presidente: - Dois, Sr. Deputado: o PS e Os Verdes. E ainda o Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros, portanto, três propostas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, passe a nota de excessivo apreço em relação à nossa proposta, talvez por ser a mais acabada desse ponto de vista. É elogio em boca própria, o que fica para os leitores das actas!
Mas, enjeitadas essas soluções, estamos, verdadeiramente, a tratar de modalidades de direito de petição. Podemos chamar lhe "acto propulsivo do processo de referendo", sem dúvida nenhuma, mas isso não ocultará o facto de este acto propulsivo ter um motor limitado, com capacidade propulsiva limitada. Capacidade esta que se traduz em impulsionar para o Plenário da Assembleia da República um pedido, pedido esse que será apreciado. A questão que agora se coloca, é saber qual a mais valia trazida pela introdução deste mecanismo constitucional. Será talvez o facto de a Assembleia da República, ao contrário do que acontece em relação às petições comuns, ficar, neste caso, vinculada a duas coisas, tanto quanto nos parece: em primeiro lugar, não pode apresentar um relatório que conduza a um non liquet, como é tão frequente nas respostas a petições - é preciso aqui culminar com um sim ou com um não; e, no cenário do sim, a votação favorável do Parlamento, aparentemente, deveria transformar a iniciativa ou a petição popular numa verdadeira e própria proposta referendária dirigida ao órgão de soberania competente, ou seja, ao Presidente da República. Estas duas mais valias não são de subestimar - são bastante importantes.
Isto permite, talvez, ler a outra luz a proposta que o PCP apresentou - e que procura, naturalmente, valorizar, o que é compreensível. Creio que não valeria a pena despender excessivo tempo a procurar centrar aí a mais valia do mecanismo que vamos introduzir, por uma razão simples: é que é sempre arriscado formular prazos constitucionalmente, devido à rigidez que isso induz para a actividade do legislador ordinário. Por outro lado, porque a própria lógica do prazo pode ficar prejudicada e revelar se demasiado constrangedora perante a evolução do real, que não somos capazes de prever com todo o rigor: 60 dias, porquê? Porque não mais? Porque não menos? Não se percebe! Lançando o olhar sobre o calendário, o legislador entendeu que 60 é o dobro de 30, logo pode ser; por outro lado, é metade de 120, portanto, também pode ser!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Proponha 90, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, porque aquilo que quero demonstrar não é a virtude de propor mais ou propor menos - é talvez a virtude de fazer o que a Constituição fez em lugares paralelos. Só excepcionalmente é que a Constituição fixou prazos, constrangendo o Regimento. Fê lo no que diz respeito ao debate do programa do Governo, por razões que são compreensíveis; no que diz respeito ao debate das moções de censura, o que também é compreensível - mas não o fez, em regra, noutras circunstâncias. Quando regulámos o direito de petição, no artigo 52.º, não o fizemos; quando regulámos a apreciação das petições pelas Comissões Parlamentares, no artigo 181.º, não o fizemos; no artigo 118.º, quanto ao regime do referendo, não o fizemos. E não foi por acaso que não o fizemos - isso faculta ao legislador ordinário alguma margem de manobra e permite temporizar nessa sede, de forma adequada, aquilo que é muito difícil, à partida e em sede constitucional, rigidificar.
Portanto, Sr. Presidente, fica talvez um consenso indiciário quanto à necessidade ou quanto à indesejabilidade de o Parlamento colocar na gaveta uma petição apresentada. E não esqueçamos que as circunstâncias e os factos políticos podem muito. Ai do Parlamento que pusesse na gaveta uma petição subscrita por milhares e milhares de cidadãos requerendo um referendo! Não esqueçamos nunca isso! Não esqueçamos a força dos cidadãos e da cidadania e o facto de as instituições não deverem ser, em Estado de direito democrático, autistas, abúlicas e contrárias ao sentir do cidadão! Não presumamos, também, a maior maldade possível dos Parlamentos numa matéria deste tipo. E sejamos prudentes, é o que nos parece. Busquemos a mais valia alhures!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, complementarmente à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo, queria dizer duas coisas mais. A primeira é que, obviamente, concordo com o entendimento que foi aqui expresso pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo no sentido de dizer que, se é verdade e rigoroso que, em termos substantivos, aquilo que estamos aqui a discutir, se pode reconduzir à figura da petição, porque é assim, em termos técnicos, digamos, não deixa de ser verdade que o significado, aliás, como bem assinalou o Sr. Deputado José Magalhães, de uma iniciativa destas, de cidadãos, tendo em vista a existência de um referendo, tem um significado político bem diferente daquele que está previsto no artigo 52.º da Constituição.
Queria, a este propósito, recordar o seguinte: se fixarmos um prazo neste artigo 118.º em relação à petição (vamos chamar-lhe assim por comodidade de linguagem) dos cidadãos à Assembleia da República para efeitos de referendo, estamos, se quisermos, a constituir uma excepção
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ao regime do n.º 2 do artigo 52.º, que não prevê esses prazos - remete para a lei a fixação do prazo para a apreciação na Assembleia da República da respectiva petição.
Com esta situação, que, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães acabou de assinalar, que é a seguinte (e aqui é que acho que há uma diferença que vale a pena avaliar): o tal acto propulsivo de que fala o Sr. Deputado Barbosa de Melo, tem a ver com o facto de que, não sendo pensável, como há pouco se dizia, que, em relação a uma petição destas, a Assembleia da República diga coisa nenhuma, ou seja, não diga claramente sim nem não, no fundo, esta iniciativa dos cidadãos praticamente se esgota na apreciação no sentido positivo ou negativo da Assembleia da República; o que pode não acontecer no regime, como bem o sabemos, que está fixado no artigo 52.º para o comum das petições, designadamente porque a necessidade de serem apreciadas em Plenário as petições subscritas por mais de 4000 cidadãos, pode não dar origem a nenhum acto subsequente e, mesmo que dê, esse acto subsequente não tem prazo.
Portanto, a consequência prática desta petição dos cidadãos é, infelizmente, em muitos casos, coisa nenhuma - não na apreciação concreta da petição em si, mas nos actos subsequentes que, eventualmente, a Assembleia ou outras entidades, devam desenvolver para serem consequentes com a petição que foi formulada.
Estas são as diferenças substantivas que existem entre as duas questões e não me parece bem que, nesta matéria, até pela tal questão de dignidade, se vá excepcionar na Constituição da República portuguesa em relação à questão do prazo, quando essa questão do prazo pode ficar muito bem, para além do que vamos ter de fazer em relação a esta matéria e, obviamente também, para a regulamentação em termos de Regimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que se criou um quadro um pouco estranho porque, num determinado momento anterior, estavam em cima da mesa propostas que implicavam a iniciativa popular do referendo, inclusive a possibilidade de, à margem da Assembleia da República e do Governo, serem apresentadas ao Presidente da República propostas de referendo sobre matéria da competência da Assembleia da República e do Governo.
Neste momento, passou se para uma situação em que não se admite sequer uma petição qualificada - qualificada designadamente pelo objecto e eventualmente pelo número de peticionantes - que implique a obrigação de a discutir num determinado prazo. Não é prazo de 60 dias, é prazo de 90 dias - não é por aí a questão; mas coloca se, efectivamente, o problema do sentido útil da petição porque, então, a pergunta que se coloca, é esta: porquê a consagração de iniciativa popular de referendo com o objectivo propulsivo ou de petição no artigo 118.º, se o cidadão pode fazê lo ao abrigo do artigo 52.º, n.º 2?
O Sr. Deputado Miguel Macedo colocava a questão: mas porquê um regime diferente do artigo 52.º, n.º 2? A resposta é esta: é exactamente por se pretender, em matéria de referendo, garantir uma iniciativa popular de sentido maior e de dignidade mais significativa do que as que estão previstas no artigo 52.º, n.º 2, e na Lei de Petição.
Se passamos da proposta de criação da iniciativa popular de referendo para uma situação em que nem sequer uma petição qualificada é admitida, então, a pergunta que naturalmente ficará é se o artigo 52.º, n.º 2, não é suficiente nesta matéria. O que é que vamos acrescentar no artigo 118.º de verdadeiramente substantivo?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, pretende submeter à votação a proposta, tal como está, ou prefere deixá la de remissa, ou reformulá la de acordo com a discussão que houve? Diga me o que devo fazer.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a situação que está desenhada nesta matéria, se bem compreendi a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, é no sentido de não admitir a fixação de prazo dentro da Constituição - nem este nem qualquer. Sendo assim, creio que não há razão nenhuma para apresentar uma proposta alternativa que, de qualquer modo, mesmo substituindo 60 por 90 dias, ou por 120, teria um voto contrário.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, porque é que não diz "a qual deliberará no prazo estabelecido na lei"?
O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está! Essa é uma proposta construtiva. É sempre possível uma medida inteligente!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu preferia um prazo concreto - mas, se for essa a única forma de obter uma maioria, acho que será preferível.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu submeto à votação aquilo que quiser. Parece que é fácil ver que a proposta, tal como está, não obterá aprovação. Talvez uma proposta ligeiramente diferente a obtenha.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso parece me evidente. Não havendo um prazo concreto fixado na lei, que era aquilo que eu preferiria, creio que a proposta que o Sr. Presidente apresentou...
O Sr. Presidente: - Eu não fiz uma proposta - a proposta será sua!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, a sugestão que o Sr. Presidente apresentou é que é perfilhável pelo grupo parlamentar do PCP, em linha de recuo, embora, como disse, preferisse a que estava estabelecida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Luís Sá reformulou a sua proposta, que passa a dizer assim: "a qual deliberará, no prazo fixado na lei, sobre a proposta a apresentar ao Presidente da República". Vamos proceder à respectiva votação.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.
Srs. Deputados, ainda em matéria de iniciativa, há uma proposta do PS, suponho que coincidente com o PCP, em termos tais que as propostas da Assembleia da República e do Governo devam ater se à matéria da respectiva competência. É um esclarecimento de um ponto que, aliás, já consta do actual estatuto legal do referendo. É a constitucionalização
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dessa explicitação, ou seja, segundo a qual as iniciativas de referendo por parte da Assembleia da República e do Governo junto do Presidente da República devam ater se, correspondentemente, às respectivas competências.
Hoje, a Constituição diz, simplesmente, que a Assembleia da República e o Governo podem propor a realização de referendo ao Presidente da República; a lei acrescentou que é no âmbito da respectiva competência, ou seja, a Assembleia da República pode fazer propostas de referendo no âmbito da sua competência e o Governo a mesma coisa. Obviamente que isto só tem interesse para as propostas do Governo, restringe, portanto, a iniciativa governamental, e bem! Em princípio!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E para os cidadãos? Não ficou aprovado que eles deveriam dirigir se directamente ao Presidente?
O Sr. Presidente: - Ficou, também ficou.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ficou, mas ficou coxa!
O Sr. Presidente: - Aí, não se disse nada.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas essa ficou assim - os cidadãos podem dirigir se directamente ao Presidente e podem incluir lá matéria da reserva da Assembleia.
O Sr. Presidente: - Exactamente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Foi a razão pela qual nós nos abstivemos. É a subversão do sistema democrático!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação esta proposta coincidente do PCP e do PS, no sentido de esclarecer que as iniciativas de referendo da Assembleia da República e do Governo serão no âmbito da correspondente competência.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, reconhecendo se a iniciativa de referendo aos cidadãos eleitores, e sendo que essa iniciativa se dirigirá apenas à Assembleia da República, quid juris se a iniciativa reverter sobre matéria da competência do Governo?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só se for a organização interna do Governo - é a única que é da competência exclusiva do Governo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A Assembleia da República tem competência para todas as matérias, para legislar sobre todas as matérias - excepto, de facto, a organização interna do Governo.
O Sr. Presidente: - A única excepção à competência da Assembleia da República é a auto organização do Governo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Portanto, a questão não se levantará.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não creio que se levante - de qualquer modo, se se levantasse, a minha resposta imediata seria a de que as questões não podem reverter sobre matéria do âmbito do Governo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É matéria excluída do âmbito do referendo - não há problema. Consideramo nos esclarecidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em matéria da iniciativa do referendo, creio que toda a questão está esclarecida. Vamos passar à parte que se refere aos intervenientes no referendo. A proposta do PSD, segundo a qual todos os cidadãos, recenseados ou não no território nacional, participam no referendo, foi a mais discutida das propostas; sobre esse tema, tenho presente uma proposta dos Deputados do PS que admite a intervenção de não residentes - passo a ler: "os cidadãos portugueses residentes em Estados membros da União Europeia podem ser chamados a participar em referendos que tenham por objecto matérias a regular nos tratados a que se refere o artigo 7.º, n.º 6".
Pausa.
Srs. Deputados, está aberta a discussão. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta que apresentámos exprime aquilo que tínhamos deixado antever durante o debate. Se, em relação à participação irrestrita e indiscriminada e independente de tema, de residentes no estrangeiro, se colocam as objecções e perplexidades que deixámos enunciadas e se, quanto a estes, a igualdade de condições dificilmente ocorre, bem como a igualdade de circunstâncias e de exposição perante consequências de actos referendários, nos termos que, aliás, aqui, abundantemente, analisámos, em relação aos residentes em Estados membros da União Europeia há que ou pode justificar se que se acautelem possibilidades de intervenção que, no fundo, são também expressões do facto de serem cidadãos europeus.
Se se trata de regular as questões a que se refere o artigo 7.º, n.º 6, da Constituição e de intervir na modulação dos próprios termos em que Portugal partilha poderes no quadro da União Europeia, então, a intervenção referendária nessas circunstâncias parece ter justificação adequada.
Da nossa parte, esta posição é uma tentativa de ir ao encontro de preocupações e de objectivos que outros partidos aqui anunciaram durante o debate travado, e é também uma tentativa de equilibrar valores e conseguir uma justa ponderação entre a necessidade de participação e circunstâncias e situações em que a igualdade verdadeiramente existe. Deixamo la, pois, submetida à vossa consideração e, inerentemente, apelamos ao vosso consenso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta do PS, devo confessar, deixa nos espantados num certo sentido porque, nesta matéria, julgo que já não temos grande margem para espantos. Nós já sabíamos que
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o PS tinha uma estranha concepção de referendo nacional quando discutimos esta matéria a propósito das questões de regionalização.
Para o PS, o referendo nacional é o referendo dos residentes em território nacional - nós temos uma posição diversa, como é sabido, e, em relação a esse ponto, há uma divergência profunda entre os dois partidos e os dois projectos. Mas agora, com esta proposta que foi distribuída, ficamos a saber que o PS acolhe também uma outra espécie de referendo que já não é só o referendo, impropriamente designado por referendo nacional, dos residentes em território nacional, mas é também o referendo que abrange os portugueses radicados em qualquer um dos países membros da União Europeia - excluindo, em consequência, todos os outros portugueses, sobre matérias tão importantes quanto aquelas que se colocam nesta questão.
Portanto, a nossa posição é, obviamente, contrária à proposta que foi agora distribuída pelo PS e, em relação a esta matéria, direi ainda que o PSD continua firme na proposta que fez em relação a esta questão. Apelamos ao PS, não na lógica do apelo que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer mas no sentido de que reveja as suas posições em relação a esta matéria e que assuma por inteiro o conceito de referendo nacional sobre todas as matérias e, portanto, também sobre esta matéria. Porque, se é verdade que o Tratado da União Europeia impõe ao Estado português algumas obrigações neste sentido, há uma que não impõe de certeza: é que nós excluamos cidadãos portugueses de expressarem a sua vontade em matérias tão importantes como esta que estamos aqui a tratar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, esta proposta do PS preocupa nos muito porque parece que descobriram um terceiro tipo de portugueses: já sabíamos que, por princípio e em tese, havia os portugueses residentes no território nacional e os outros; agora, passa a haver os portugueses residentes no território nacional, os portugueses residentes em territórios de países membros da União Europeia e não sabemos quantos mais géneros, segundo as organizações internacionais que existem, é que o PS vai descobrir.
Gostaria de declarar a nossa oposição a esta proposta, gostaria de manter e aproveitar para reafirmar a nossa posição de princípio de que todos os portugueses recenseados devem votar em todas as eleições, e continuaremos a lutar por isso. Pensamos que esta proposta não ajuda - antes pelo contrário - a alcançar esse objectivo.
Evidentemente que não boicotamos os actos eleitorais em que não seja possível que todos os portugueses, mesmo os emigrantes, de todos os países, possam participar. É por isso, aliás, que, nas eleições presidenciais, o partido Popular e os seus militantes, votam; independentemente de entenderem que, nessas eleições, há uma parte importante dos portugueses que está impedida de votar, e mal - devia votar! O mesmo se diga de outras eleições. Mas continuaremos a lutar para que isso não seja assim e pensamos que esta proposta é, diria eu, do ponto de vista político, algo aberrante tendo em conta a nova categoria de portugueses que parece querer criar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordo fundamentalmente com aquilo que o Deputado Miguel Macedo e também o Sr. Deputado Jorge Ferreira disseram, acrescentava só um pormenor, para não repetir argumentos. Há, em meu entender, um pormenor que tem de ser mais enfatizado, que é esta coisa espantosa: de facto, para aquelas que são eventualmente ou reconhecidamente as duas mais importantes reformas, ou de maior impacto, para o país e para os portugueses, que têm a ver com o futuro da nação portuguesa - a saber, internamente, a eventual regionalização do país, e, externamente, a integração ou aprofundamento da integração de Portugal na União Europeia - o PS propõe que se retalhe a nação portuguesa em partes, que haja portugueses que não são tidos nem achados para uma reforma, para a regionalização (já aqui a discutimos, não vale a pena estar a repisar, porque não é isso que estamos agora a discutir), mas também se vê que, para o próprio caminho que Portugal tem de percorrer dentro da União Europeia, no aprofundamento dessa União e na partilha de soberania que isso exige do país, como todos sabemos, o PS também entende que isso não é mister para toda a nação portuguesa, que é uma coisa para alguns dos portugueses, já que os outros não têm de se pronunciar, pois não são tidos nem achados, eventualmente, a opinião deles não contará muito para a decisão a tomar.
É evidente que isto é uma concepção com a qual o PSD não pode minimamente estar de acordo. O PSD já disse, a propósito do referendo para a regionalização, que se bate pelo referendo nacional, com tudo o que isso implica. O referendo nacional é o referendo em que todos os cidadãos portugueses, em que toda a nação portuguesa é chamada em total plano de igualdade a pronunciar-se, tanto no que respeita à regionalização como no que respeita a uma matéria tão importante será de certeza as alterações que possam decorrer do Tratado da União Europeia e as matérias que ele encerra. É evidente que o PSD entende que isso deve ser objecto de um referendo nacional e não de um referendo de qualquer outro tipo, muito menos de um referendo que faça essa coisa espantosa, que é retalhar a nação portuguesa ao sabor das conveniências de momento. Ou seja, hoje, retalha-se por aqui, porque é para a regionalização; amanhã, retalha-se por ali, porque é para a União Europeia; e, numa terceira hipótese, logo se verá por onde o PS pretende retalhar a nação portuguesa!
Não podemos, portanto, concordar com uma proposta deste tipo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, são conhecidos os problemas e uma discussão, que é muito antiga nesta matéria, que decorrem do facto de haver 4 milhões de portugueses espalhados pelo mundo, não se sabe bem quantos. Os problemas que esta questão envolve em matéria de igualdade de oportunidades dos vários candidatos e, no caso de um referendo, dos adeptos das várias respostas ao referendo são conhecidos: a questão dos direitos, liberdades e garantias em muitos países do mundo que igualmente esta questão envolve; os problemas da ligação ao país que decorrem designadamente da lei da nacionalidade, que, como é sabido, assenta no jus sanguinis com tudo que daqui decorre; a questão de haver uma fiscalização
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eleitoral, que, eu diria, é praticamente nula, e que as últimas eleições para a Assembleia da República voltaram a prová-lo, em relação ao voto dos emigrantes. Podemos dizer que esta não é uma questão nova, que as posições dos vários partidos também não são novas nesta matéria.
Há aqui, entretanto, um aspecto que me parece ser de sublinhar. Há, sem dúvida alguma, uma evolução da posição do PS, mas que é dupla. Isto é, hoje aparece esta proposta a propósito do referendo em matérias que tenham a ver com o artigo 7.º, n.º 6, mas há também uma evolução das posições no que toca à votação para a eleição do Presidente da República. E a questão que eu gostaria de colocar é a seguinte: os cidadãos residentes na União Europeia votam quando se tratar de tratados que estejam relacionados com o artigo 7.º, n.º 6, mas, então, por que é que não é feita, por exemplo, a mesma restrição proposta para a eleição do Presidente da República, onde se exige que os eventuais eleitores tenham tido residência habitual no território nacional durante, pelo menos, cinco dos últimos 15 anos? O que é que justifica uma diferença de tratamento nesta matéria? Isto é, caminha-se para uma "nacionalidade europeia" que se sobreponha à nacionalidade propriamente dita, à única que está consagrada na lei? Já sabemos que a consagração do Tratado da União Europeia, no que toca à cidadania europeia, implica uma reconsideração do próprio conceito de cidadania, que para os constitucionalistas coincide com a nacionalidade. Esta questão tem de ser naturalmente reconsiderada no sentido de atribuir outro sentido ao termo cidadania. Mas o que é que justifica, na verdade, esta diferença de tratamento? O que é que justifica que, em vez do vínculo resultante da nacionalidade, passe a haver e a prevalecer um vínculo resultante da residência que naturalmente tem de ser acrescentado ao vínculo da nacionalidade, mas que, inclusive, tem um tratamento diferente daquele que é proposto para a eleição do Presidente da República? Creio que não há um sentido que possa ser verdadeiramente tido como coerente nesta proposta, a não ser que se pretenda caminhar para a ideia de que residir na União Europeia implica um acréscimo de direitos não já face à própria União Europeia mas face ao Estado português em relação a outros cidadãos portugueses. Creio que pode haver uma lógica onde, por razões claramente pragmáticas, procuramos fazer prevalecer a veracidade da vontade que é expressa, e que referi, e que leva, naturalmente - lamentando muito - a excluir uma categoria de cidadãos. Agora creio que não há lógica em caminhar no sentido de excluir cidadãos por residirem ou não na Comunidade Europeia. É, portanto, uma lógica que pode relevar de outro tipo de considerações, mas que, creio, não pode relevar, nem tem sentido, face aos dados que neste momento temos em cima da mesa. De resto, gostaria de ouvir o próprio PS explicar-nos aquilo que pode ter levado a esta exigência de residência durante cinco dos últimos 15 anos quando se trata da proposta relativa à eleição do Presidente da República e a não colocar idêntica exigência na proposta de alteração ao artigo 118.º, que é o que estamos agora a analisar.
O Sr. Presidente: - Vistos os Srs. Deputados do PS terem sido directamente interpelados, têm a palavra, para responderem, se quiserem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, uma primeira observação sobre matéria, cuja posição do PS é, aliás, conhecida, pois há muito a sustenta.
O PS sempre entendeu e continua a entender que o exercício do direito de voto deve estar ligado à garantia de princípios fundamentais em qualquer democracia, princípios que exigem a verdade da expressão democrática, verdade essa que deve ser efectivamente assegurada no contexto da organização democrática das sociedades. E não é por acaso que este nosso ponto de vista tem consagração na Constituição. Basta recordar aos Srs. Deputados o conjunto de princípios expressos no artigo 116.º da Constituição, relativamente às exigências que qualquer processo eleitoral deve conter, em matéria da assunção da liberdade de propaganda, da igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas diversas, da imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas, e da fiscalização das contas eleitorais. Este conjunto de requisitos constitucionais, que se interligam de forma absolutamente pertinente aos procedimentos eleitorais quaisquer que eles sejam, é matéria que muitas vezes foi por nós - e não apenas por nós, foi-o também por muita gente - observada como não sendo susceptível de garantia por parte do Estado português fora do Estado português. E este é um problema que tem naturalmente a ver com as condições de exercício de voto por parte de cidadãos emigrantes. Matéria que, portanto, se reporta a uma condicionante óbvia, que é a da efectividade da ordem jurídica de um Estado perante a ordem jurídica de qualquer Estado-terceiro. Nesta medida, a verdade da organização democrática impõe cautelas que não são invocadas pelo PS mas é a Constituição, ela própria - e bem! - que as estabelece.
Por outro lado, por várias vezes temos reflectido e aflorado o problema da pertinência da relação e da ligação entre um cidadão e a respectiva comunidade estadual, porque a comunidade de destino, que implica o exercício partilhado do direito de voto, é fundamental na assunção desse mesmo direito. E por isso o PS, que sempre se manifestou aberto - e a prova disso está no projecto de revisão constitucional que apresentámos, ainda agora invocado pelo Sr. Deputado Luís Sá - a considerar as possibilidades de alargamento do direito de voto aos cidadãos emigrantes, o faz tendo em vista a necessidade de nas possibilidades de alargamento se garantir uma relação de pertinência efectiva à matéria objecto de uma opção eleitoral. É esta linha de orientação que faz com que em geral - o caso da eleição do Presidente da República - o PS tenha apresentado uma norma que faz pressupor para o exercício de direito de voto uma relação com pertinência assegurada ao território nacional, e portanto uma ligação efectiva à comunidade nacional, enquanto que na matéria que agora estamos a observar o que se trata é de saber se, estando em causa uma opção sobre matéria que diz respeito às instituições europeias, ela pode ou não ser partilhável no processo de decisão pelo conjunto dos cidadãos portugueses residindo com regularidade no território dos Estados da União. A mesma exigência de verdade democrática está aqui presente e é óbvio que, sendo os Estados da União Europeia Estados democráticos que exercem formas de opção relativamente à reforma de tratados que lhes são comuns com garantia integral de democraticidade, as razões de cautela que pomos, em geral, à luz do artigo 116.º, não têm aqui razão para serem invocadas.
Ainda no que diz respeito à demonstração da pertinência da ligação com o objecto de decisão a tomar por via democrática, por maioria de razão, se se trata de matéria que diz respeito ao destino da União
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Europeia, ela há-de envolver necessariamente todos os cidadãos da União Europeia, e aqui, sim, faria pouco sentido restringir a possibilidade do direito de voto a um cidadão da União Europeia pela circunstância de ele não residir no território do Estado de origem mas no território de outro Estado da União, estando, portanto, submetido às mesmas regras da União.
Tudo isto, Srs. Deputados, são razões que, do nosso ponto de vista, justificam estas opção pelo alargamento do exercício do direito de voto aos cidadãos emigrantes residentes no território da União.
Quero colocar-vos uma questão que me parece óbvia. Alguns Srs. Deputados podem discordar do ponto de vista de fundo do PS, fá-lo-ão, do nosso ponto de vista, por razões menos defensáveis, mas do ponto de vista daqueles que discordam há um ponto que me parece incontornável: quem concorda com o mais, faz todo o sentido que concorde com o menos. E o que seria estranho é que os Srs. Deputados do PSD, que têm uma concepção, que, do nosso ponto de vista, sobre vários aspectos é insustentável, de alargamento do exercício do direito de voto a cidadãos não residentes no território, porque não alcançam uma perspectiva integral para o seu ponto de vista, recusassem a perspectiva que o PS agora abre. Ou seja, seria estranho que, por razão de uma premissa maior, o PSD, na premissa menor, viesse a impossibilitar os cidadãos emigrantes residentes no território da União de exercerem o direito de voto quando estiver em causa matéria relativa aos respectivos tratados de revisão de matéria da União. Não acreditaremos que o PSD faça uma tal opção política, essa, sim, totalmente insustentável, do ponto de vista da coerência das posições que o PSD gosta de invocar para si próprio.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atingimos a hora prevista para encerrar a reunião.
Encontram-se inscritos, para usar da palavra, os Srs. Deputados Jorge Ferreira, Vital Moreira e Nuno Gama.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, para um breve pedido de esclarecimento, se não exigir uma grande resposta.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, a resposta depende do perguntado.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, Srs. Deputados, adiaremos para depois do almoço os pedidos de esclarecimentos e as intervenções.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recomeçaremos os nossos trabalhos às 15 horas.
Está suspensa a reunião.
Eram 12 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, ouvi o Sr. Deputado com a maior atenção possível e vi a distinções e discriminações que fez no grupo dos portugueses emigrados. Aliás, essa parte foi muito bem posta em destaque, com muita sagacidade, pelo Deputado Luís Sá.
Residentes no território nacional, residentes no território da União da Europeia, residentes no resto do mundo, estas distinções, começam, enfim, a ter alguma dificuldade na minha razão. Mas a pergunta maior que faço é esta: numa visão racional do Direito sempre se perguntará qual é a razão de ser - para usar a palavra latina, tão querida dos juristas -, qual é a ratio legis da formação destes três grupos de portugueses emigrados. Assim, pus-me a fazer um exercício enquanto o ouvia e estou sem saber que responder. As Constituições anotadas têm de ter esta nota. Qual é a ratio legis desta distinção?
Esta distorção de reconhecer em emigrados na Europa uma vantagem de votarem em referendos sobre tratados atinentes, e só nesses, à União Europeia, é porque esses europeus são mais amigos da Europa do que os outros? Se é esta a razão, isto põe em causa a objectividade e a imparcialidade da manifestação da vontade do cidadão. Não pode ser por aqui! Será que esta discriminação se justifica pelo melhor conhecimento da matéria referendada? Mas a que título é que viver em Paris é melhor garantia de conhecer os problemas, inclusive, europeus do que viver noutro sítio qualquer, como na Hungria ou na Noruega? E, como sabe, há muitos portugueses que vivem na Noruega. Por que é que esses não poderão falar, pronunciar-se a este respeito?
Também fiquei sem perceber se seria esta a ratio legis. E agora desculpe-me a picardia, mas, ocorreu-me esta pergunta. Será que com esta discriminação o PS está a prestar antecipadamente, de um dia, uma homenagem aos países de língua portuguesa, que amanhã concluem o seu texto, sendo certo que exclui do referendo todos aqueles que vivam em Cabo Verde, na Guiné, em Angola, em Moçambique, no Brasil? Será esta a razão?
Eis as perguntas que queria fazer-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Barbosa de Melo, vou responder-lhe com todo o gosto e sem picardias, começando por reconhecer aquilo que seguramente tanto o Sr. Deputado Barbosa de Melo como eu reconhecemos como um problema importante. O problema da determinação do universo eleitoral na organização do Estado democrático é uma matéria fundamental, e é como tal que a queremos encarar. Só peço desculpa ao Sr. Deputado Barbosa de Melo se na resposta que vou dar tiver de reproduzir alguns dos argumentos de há pouco, que nos pressupostos da pergunta não me pareceu relevarem para as suas preocupações democráticas.
Há pouco chamei a atenção para, por exemplo, aquilo que são os princípios constitucionais do artigo 116.º relativamente às garantias de democraticidade de qualquer processo eleitoral. Garantias essas que o Estado português não está obviamente em condições de assegurar em muitas partes do mundo por razões que têm a ver com limitações à soberania de cada um dos Estados.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Com certeza.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Vai retirar a possibilidade de haver Deputados eleitos pelo resto do mundo?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como o Sr. Deputado Barbosa de Melo sabe, também esse aspecto está reflectido na natureza da eleição de Deputados, pelos nossos emigrantes, para a Assembleia da República. Não é por acaso que também aí a Constituição, para os emigrantes, encontrou uma solução que excepciona o princípio da proporcionalidade no que diz respeito à determinação do número de mandatos para a eleição dos nossos representantes no estrangeiro. Como o Sr. Deputado sabe, independentemente do universo recenseado e do universo eleitoral concreto, os emigrantes apenas elegem dois Deputados pelo círculo eleitoral da Europa e dois pelo círculo eleitoral fora da Europa. E é assim por uma razão que teve justamente a ver com a necessidade de acautelar aspectos que não são sindicáveis do ponto de vista da democracia relativamente às condições do exercício desse voto. Não é por acaso, portanto, que a Constituição encontrou aí uma solução singular para o exercício do direito de voto nas eleições legislativas por parte dos cidadãos emigrantes.
Voltando, por isso, ao tema, torno a sublinhar que, do nosso ponto de vista, é importante equacionar qualquer solução que seja, por um lado, procurar na medida do possível encarar os problemas que se reportem às garantias de democraticidade de qualquer processo eleitoral e, por outro, ter em consideração um aspecto que nos parece muito relevante: a pertinência que o cidadão eleitor tem com a comunidade que é destino da decisão que é tomada por via do sufrágio. E, nesse sentido, salta à vista, pelo menos à minha salta, que os aspectos que se reportam ao destino da União Europeia dizem sobremaneira respeito aos cidadãos com estatuto de cidadania europeia residentes e originários, enquanto nacionais, dos Estados membros da União Europeia.
Quanto à questão de saber se um cidadão português emigrante, com residência fixa há 30 anos, por exemplo, nos Estados Unidos da América tem uma relação de pertinência com o destino da União Europeia tal como o cidadão residente há 30 anos em Paris, para utilizar o seu exemplo, para mim, a resposta só pode ser uma: é evidente que para o cidadão português residente há 30 anos em Paris o destino da União Europeia diz muito mais respeito à sua vida, à comunidade de destino em que há inserido, do que ao outro emigrante residente há 30 anos no território dos Estados Unidos da América.
Por isso esta ligação à comunidade de destino, em que uma opção política ou o efeito de uma opção política se reflecte, é para nós suficientemente relevante para considerarmos que faz sentido procurar alargar aos emigrantes residentes no território dos Estados europeus a possibilidade de participação num sufrágio que, por via referendária, tenha a ver com o próprio destino das instituições europeias.
Quero voltar a sublinhar a outra perplexidade de que eu próprio fiz eco há pouco. Custar-me-á admitir que, do ponto de vista da coerência das posições do PSD, tendo em vista as suas posições que, como se sabe, não são coincidentes com as do PS, se o PSD quer o mais, necessariamente há-de querer o menos. Se o PSD, do ponto de vista que tem sustentado, quer um direito de voto alargado a todos os emigrantes, necessariamente há-de querê-lo para os emigrantes europeus em matéria de referendo para a União Europeia. O que significa que pode acontecer que não nos possamos entender em todo o universo de entendimento que o PSD pretendia pelas razões que já expliquei, mas haveremos certamente de nos entender aonde é possível compatibilizar argumentos. Se é possível compatibilizar argumentos para o exercício do direito de voto dos cidadãos europeus, no espaço europeu, para os referendos que tenham em causa ou em atenção a reforma da União Europeia, naturalmente haveremos certamente de encontrar condições para nos entendermos acerca disso.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Por mim, com certeza. Não sei se o Sr. Presidente tolera o nosso diálogo…
O Sr. Presidente: - Dou-lhe a palavra, mas peço que não transformem em diálogo e exclusivo aquilo que a todos interessa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A pergunta é muito simples. Era, portanto,… Deixe a racionalidade de cada partido consigo próprio, nós deixamo-la convosco, obviamente.
No entanto, há aqui uma questão, que é a exclusão… O problema é que isto não é quem quer o mais, quer o menos! E os excluídos?! O problema aqui é saber qual é o universo excluído da vossa solução. Não é o que é incluído, é o que é excluído. É aí que está o problema. É a discriminação.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é, não, Sr. Deputado. É preciso ter em atenção a natureza das coisas, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Se não faria grande sentido que estivéssemos aqui a discutir a razão pela qual os cidadãos eleitores do continente não votam nas eleições regionais dos Açores e da Madeira, seria absurdo, seguramente, que algum de nós, invocando o direito universal ao exercício do direito de voto, viesse pretender justificar a razão pela qual todos os cidadãos nacionais deveriam votar numas eleições regionais, e toda a gente diria, e com toda a razão, que era isso que estava em causa. É o destino de uma comunidade, organizada numa pessoa colectiva, com um âmbito e significado territorial.
Pois bem, estamos a falar no caso das regiões autónomas, de uma organização infra-estadual no território do Estado, estamos a falar na União Europeia de uma organização supra-estadual num domínio territorial que integra o conjunto dos Estados membros. O paralelo para a infra-estadualidade também serve para a supra-estadualidade, por esta ligação pertinente ao território.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, este é um voto europeu, não é um voto nacional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ó Sr. Deputado Barbosa de Melo, não é um voto nacional, foi o Sr. Deputado que o disse, não eu.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É um voto europeu!
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que eu lhe disse é que é para uma organização de natureza supra-estadual. Ou será que o Sr. Deputado Barbosa de Melo não reconhece que a União Europeia é uma organização internacional de natureza supra-estadual?! É evidente que é!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Deu razão a todas as argumentações feitas pelo Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E, portanto, se é, é disso que estamos a cuidar, de saber o valor de referência para o exercício de um direito político que tem o território no conjunto dos Estados membros da União Europeia. E penso que isto é totalmente claro. E se, de facto, pode haver ambiguidade em qualquer matéria, nesta não há com certeza!
Volto a sublinhar o meu ponto que é politicamente o que considero mais relevante: se não acompanhamos os Srs. Deputados do PSD na pretensão de conceder de forma universal e indiscriminada e, portanto, sem garantias de democraticidade o exercício de direito de voto a todos os emigrantes, hei-de acreditar, e acredito sinceramente, que o PSD acompanhará o PS na possibilidade de conferir o alargamento do exercício de direito de voto…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode acreditar, Sr. Deputado!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - … aos emigrantes europeus quando se trate de matéria que têm a ver com o destino da comunidade a que eles estão ligados por efeito do destino da União Europeia, que é hoje alguma coisa que diz respeito a todos os Estados membros de forma inequívoca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tinha até agora feito prevalecer na minha ideia não intervir neste debate, mas a insistência do PSD num tipo de argumentação que não me convence e que penso ser pouco pertinente nesta matéria leva-me a não me manter alheio à discussão.
O PSD procurou neste debate fazer crer que esta é uma questão natural, evidente, óbvia. Ou seja: referendo nacional, logo todos os cidadãos nacionais devem participar. Só que esta evidência é uma descoberta recentíssima do PSD, como uma espécie de descoberta na estrada de Damasco, pois, em 1989, quando, por unanimidade, se restringiu o referendo aos residentes do território nacional, esta ideia não ocorreu ao PSD. Em 1994, nos projectos de revisão constitucional, ninguém, inclusive o PSD, propôs o alargamento do referendo a residentes fora do território nacional. Mais, dos três projectos de revisão constitucional oriundos do PSD, só um, o da direcção do PSD, contém a extensão do referendo a residentes fora do território nacional. Quanto aos outros dois projectos de revisão oriundos do PSD, ninguém foi ferido por essa luminosidade da estrada de Damasco, que era tornar evidente, óbvio, absolutamente indesculpável que não houvesse referendo para os residentes fora do território nacional.
Portanto, a primeira ideia é a de que não é nada evidente, não é nada absoluto, não é nada auto-imposto. Tanto assim que, até agora, ninguém se tinha lembrado disso, inclusive o PSD, e mesmo em Janeiro e Fevereiro deste ano, quando foram apresentados os projectos de revisão constitucional, nem a todos os Deputados do PSD ocorreu essa evidência de que os referendos ditos nacionais deveriam ter a participação de todos os residentes fora do território nacional.
A razão por que isso não é evidente é que, de facto, não é nada evidente. Foi aqui utilizado este argumento: referendo nacional, logo todos os cidadãos devem participar. Mas o que é o referendo nacional? Para já, a Constituição não fala em referendos nacionais, e ninguém fala neles, só o PS é que tem falado, e por gozo, em referendos nacionais. A Constituição fala em referendo e em cidadãos residentes no território nacional. Até agora, antes da iluminação do PSD, ninguém tinha questionado este ponto. Por que é que isto é assim? Porque o referendo, como a Constituição propriamente diz, não tem a ver com as questões-chave da República, pois essas estão vedadas ao referendo. Não havendo referendo sobre revisão constitucional ou matérias constitucionais, os referendos versam sobre as questões de legislação ordinária da Assembleia da República, isto é, sobre questões que nós votamos diariamente. Por exemplo, sobre o que votámos a propósito do destino das verbas do totobola, do regime do aborto, do regime do divórcio, do regime do arrendamento, ou de qualquer outro tema.
E pergunto: isso são questões de destino nacional, a que se referiu o Sr. Deputado Miguel Macedo, dizendo que tinham de ter necessariamente a participação de todos os cidadãos nacionais? É óbvio que não! Por essa mesma ordem de ideias, todo o nosso regime eleitoral é o cúmulo da injustiça. É espantoso que o PSD não tenha proposto, juntamente com a extensão da participação dos residentes no estrangeiro, que os círculos eleitorais fora do território nacional elejam um número de Deputados proporcional aos residentes no estrangeiro, e, assim, em vez de termos 4 Deputados eleitos pelos cidadãos residentes no estrangeiro, teríamos 20, 30, 40, 50 ou metade do número total de Deputados eleitos.
Mas o PSD não foi a esse ponto. Porquê? Porque, inconfessadamente, tem de reconhecer que a situação dos residentes fora do território nacional, a sua relação de atinência, de afectação e de interesse pelas questões da República não são as mesmas, não têm a mesma medida, intensidade, qualidade ou quantidade que existe quando se trata dos cidadãos residentes no território nacional.
Peguemos nos casos de referendo que citei. Em que medida afecta os residentes fora do território nacional que as verbas do totobola sejam distribuídas aos clubes ou o sejam como agora? Em que os afecta, por exemplo, o serviço militar obrigatório, se a maior parte dos seus filhos até já tem outra nacionalidade, não contam vir para cá e, na verdade, são regidos pelas leis do território onde residem? Em que os afecta o regime do aborto existente em Portugal, se as cidadãs portuguesas que residem lá fora são regidas pelas leis desses Estados e não pelas do território nacional?
A verdade é que é indesmentível que a relação dos cidadãos residentes fora do território nacional com as questões da República é radicalmente diversa.
A democracia começou como a autogestão, isto é, como o autogoverno, começou modernamente nas repúblicas americanas pela ideia de os impostos serem votados pelos interessados neles. Ora esta ideia de cada um, colectivamente, reger as questões que lhe dizem respeito é o essencial da democracia. A maior parte das coisas que dizem respeito aos cidadãos residentes no território nacional não dizem, de modo algum, respeito aos residentes fora do território, em nada os afectando, ou dizem-lhes respeito
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apenas marginalmente. Pôr as coisas em termos de igualdade é, salvo o devido respeito, tratar igualmente aquilo que é desigual.
Portanto, a questão posta em termos dogmáticos - referendo nacional, logo participam todos os cidadãos nacionais - não só não é pertinente como, sobretudo, não é justa. Isto é que é o essencial: não é justo! Ou seja, as questões que se decidem a nível nacional afectam sobretudo quem paga impostos em Portugal, quem sofre os efeitos das leis e das decisões que são tomadas em Portugal. E isso só em pequena medida e muito marginalmente é que pode ser dito em relação à generalidade dos cidadãos que vivem fora do território nacional. Admito que, nas questões que têm a ver directamente com quem reside lá fora, seja pertinente colocar o problema do referendo. Imaginemos as questões decididas recentemente sobre os comités de representação dos emigrantes portugueses no estrangeiro. Imaginem que isso tinha ido a referendo. Admito perfeitamente a pertinência levantar a questão, porque isso afecta-os, diz-lhes directamente respeito.
Aliás, basta pegar em qualquer manual do referendo para ver as questões que têm sido objecto de referendo nos países europeus, nos últimos anos. E pergunto se, nessas matérias, os cidadãos que residem no estrangeiro, que muitas vezes têm outra nacionalidade, não pagam impostos nem são afectados pela decisão que venha a ser tomada, estão no mesmo pé de igualdade que os cidadãos que residem na República e, portanto, são afectados em termos financeiros, de qualidade de vida e de destino vital por essas decisões.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Quero inscrever-me, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Portas usará da palavra na ordem devida.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Depois desta intervenção, temos de nos inscrever todos!
O Sr. Presidente: - Antes do Sr. Deputado Paulo Portas, estão inscritos mais dois Deputados.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas.
O Sr. Presidente: - Ainda não acabei, Sr. Deputado.
Esta questão, perdoem-me a insistência, não tem a ver com a justiça da participação dos cidadãos nas questões da República. Os cidadãos que vivem lá fora não são afectados, não são stake-holders, nos mesmos termos em que o são os cidadãos residentes na República.
Portanto, pôr as questões no mesmo pé seria levá-las às últimas consequências, e o PSD não o fez, sobretudo em matéria de círculos eleitorais e de número de Deputados eleitos pelos residentes no estrangeiro. Apesar de o ter proposto, não o levou às últimas consequências exactamente por ter consciência de que isso seria uma injustiça flagrante e que o peso que os eleitos pelos cidadãos residentes no estrangeiro têm na Assembleia da República, ou seja, 4 Deputados em 230, não é o mesmo que teriam no referendo, pois estes, pura e simplesmente, podem ganhar-se por um voto.
Se assim fosse, qualquer assunto que dissesse respeito sobretudo aos residentes da República e não aos residentes fora da República poderia ser decidido justamente por quem reside fora da República, porque não têm de suportar as consequências da decisão em que têm participação. A democracia significa, sobretudo, assumir as consequências das decisões que se tomam.
Não estando os cidadãos na mesma posição, na generalidade dos casos e dos referendos - é fácil verificá-lo, posso dar-vos uma lista dos referendos realizados nos últimos 20 anos na Europa -, perguntaria se não há diferenças substanciais quanto à dimensão e à intensidade em que são afectados os cidadãos residentes no País e os residentes fora do País, quanto aos referendos que têm tido lugar por esses países da Europa, onde existe uma cultura referendária.
Salvo o devido respeito, ousaria dizer que esta súbita descoberta, algures em Janeiro de 1996, de uma parte dos Deputados do PSD, quanto à evidência, à absoluta necessidade, à injustiça flagrante e ao escândalo de os cidadãos residentes no estrangeiro não participarem nos referendos, deve muito mais a uma razão de oportunidade política - eu ia dizer demagogia política, mas retirei a expressão - do que de justiça política e constitucional.
Portanto, isto não tem a ver com pertinência constitucional nem com justiça eleitoral. Mais, as razões de oportunidade política, que creio serem plenamente louváveis, não podem ser adiantadas com o ar de evidência e de escândalo com que o PSD até agora as tem apresentado.
Façamos descer a discussão ao nível que ela tem, que é o de saber em que medida os residentes no estrangeiro podem ter uma reivindicação de participação nas questões que os possam afectar.
Isto leva-me ao projecto do PS. A proposta do PS, ao contrário do que foi dito, a meu ver, tem toda a pertinência. Trata-se da aplicação do princípio, que entendo ser justo, de que os cidadãos residentes no estrangeiros, quando sejam particularmente interessados numa questão decidida por referendo, devem participar. E se há algo em que os cidadãos portugueses residentes nos países da União Europeia têm um interesse especial, directo, concreto, uma afectação muito particular, é exactamente nas decisões que tenham a ver com a evolução da União Europeia.
Em minha opinião, a proposta do PS não só é pertinente como é justa e não sofre de qualquer dos defeitos gravíssimos que a proposta do PSD, com sentido geral que tinha, induziria.
Posto isto, e antes de dar a palavra aos que estão inscritos para intervir, a saber, os Deputados José Gama, Luís Sá e Paulo Portas, darei a palavra aos que se inscreveram ou vierem a inscrever para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Antes de fazer o meu pedido de esclarecimento, gostaria de deixar uma pequena nota.
Saúdo o Sr. Presidente por...
O Sr. Presidente: - Não usei da palavra na qualidade de Presidente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Saúdo o Sr. Presidente por ter tirado a veste de Presidente e vindo ao terreno falar como Vital Moreira. Vamos, então, conversar assim.
Tive algumas surpresas. A primeira foi o facto de V. Ex.ª partir do princípio de que a democracia é repetitividade,
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nunca havendo lugar... Amedrontou-se com as estradas de Damasco, com a mudança, com a invenção...
O Sr. Presidente: - Não, não é verdade!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Olhe que a democracia também é a ars inveniendi,...
O Sr. Presidente: - O que me surpreendeu foi o PSD ser iluminado em Janeiro e que retroactivamente considerasse ter sido iluminado desde ab initio.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quem arbitrará este diferendo? A ars inveniendi também faz parte da democracia e o facto de se ter feito sempre assim não significa que haja sempre razão. Esse é o argumento mais conservador possível, como V. Ex.ª sabe.
O Sr. Presidente: - O que é preciso é demonstrar o contrário!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Essa legitimidade tradicional é a mais conservadora possível.
Mas o problema não é esse. Ninguém falou aqui em evidências. Não há evidências, há, sim, uma argumentação. E não é exacto que as decisões de referendo sejam todas menores, como V. Ex.ª quis dizer.
O Sr. Presidente: - Eu não disse isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Até deu exemplos. Referiu o serviço militar. É uma questão tão simples, mesmo para quem vive fora do País...
O Sr. Presidente: - Eu não disse que era simples ou complexa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - ... e quer estar de acordo com as leis fundamentais do País? É uma questão tão simples? O problema do aborto dependerá das concepções múltiplas que são importantes na vida das pessoas. É uma questão tão simples? A regionalização é uma questão tão simples?
Por outro lado, Sr. Deputado Vital Moreira, o PSD tem sido ao longo do tempo, de muito tempo - tanto quanto ele tem -, um estrénuo defensor do referendo, incluindo para matérias constitucionais. Não há qualquer contradição na história deste grupo político. Sempre fomos referendistas. Em excesso, dirá V. Ex.ª. Mas fomo-lo sempre, mesmo para matérias constitucionais.
Repito, não há aqui qualquer questão de evidência mas, sim, de argumentação. Do nosso ponto de vista, as matérias hoje abertas a referendo justificam que seja estendida a todos, por razões de justiça, a participação no referendo. Não lhe disse o como nem o quanto da participação de cada qual. Digo-lhe, isso sim, que é, por princípio, um direito dos portugueses que emigraram, que para aqui mandam as suas reservas, que continuam a pensar neste país. Faz sentido que nós, que aqui vivemos e porventura administramos o que para cá mandam, lhes demos o direito de se pronunciarem sobre questões que sejam consideradas de relevante interesse nacional, que é assim que diz a Constituição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nacional!
O Sr. Presidente: - É o que está na Constituição.
Sr. Deputado, eu não disse que o referendo é apenas sobre questões simples ou de lana caprina mas, sim, que é sobre questões infraconstitucionais...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Quase!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quase que disse!
O Sr. Presidente: - ... e que não têm a ver com o destino da República, como já foi dito várias vezes pelos Deputados do PSD.
Por outro lado, insisto no seguinte: se essa ideia de que não pode haver referendo nacional sem participação dos residentes no estrangeiro fosse tão evidente, como se justifica que em duas oportunidades o PSD não se tenha lembrado dela e que, mesmo em Janeiro deste ano, só um dos três projectos de revisão oriundos do PSD a tenha referido? As evidências são evidências, Srs. Deputados, aquilo que se apresenta com carácter natural, absoluto e auto-imposto impõe-se pelo menos ao mesmo sector. E isto para já não falar no PP, a quem também não ocorreu a ideia.
Portanto, essa ideia não é evidente. A questão fundamental é esta: os senhores teriam de provar que, em relação à generalidade das questões que são objecto de referendo - e basta pegar num cardápio dos referendos que tem havido na Europa -, os cidadãos residentes no estrangeiro têm o mesmo grau de afectação, de interesse, são do mesmo modo afectados pela decisão do referendo. Enquanto não o provarem, e penso que isso é impossível provar, os senhores não têm razão...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É possível provar, Sr. Presidente! E com os seus próprios exemplos!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, tem a palavra.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Parece que está o Dr. Luís Sá se inscreveu primeiro.
No entanto, repito, é possível prová-lo com os seus próprios exemplos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos não está mais ninguém inscrito.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para lhe pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, na sua intervenção há um conjunto de questões que entendo serem pertinentes,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, não falei como Presidente da Comissão mas, sim, como Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - ... quer sobre a questão do referendo, quer considerações acerca do direito de voto em referendo.
Há uma matéria em que a sua intervenção coloca as maiores dúvidas, pelo seguinte: creio que se há referendo
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em matéria comunitária, designadamente quanto ao Tratado da União Europeia, em que se vão colocar questões relacionadas com cidadãos de Portugal residentes fora da União Europeia é, previsivelmente, a próxima revisão do Tratado.
Peguemos, por exemplo, na questão do chamado 3.º Pilar, na sua eventual "comunitarização". Questões como o direito de asilo, a política de imigração ou a política de vistos interessam ou não profundamente a cidadãos de Portugal que vivem fora do território da Comunidade Europeia? Quanto à política externa...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Países candidatos!
O Sr. Luís Sá (PCP): - ... e de segurança comum, os poderes da Comunidade Europeia nesta matéria interessam ou não profundamente a quem vive fora da Comunidade Europeia? O mesmo se pode perguntar quanto ao futuro da UEO e da relação com a NATO e também a medida em que isto pode afectar a própria NATO.
O Sr. José Magalhães (PS): - E as chuvas ácidas?!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Parece-me evidente que há aqui um conjunto de matérias que lhes interessa profundamente, para além de me parecer óbvio que, por exemplo, os portugueses que residem na Suíça podem estar bastante interessados no futuro da União Europeia.
Posso compreender o argumento do Sr. Deputado Jorge Lacão quando referiu as garantias da democraticidade para colocar este problema do direito de voto. No entanto, tenho dificuldade em acompanhar uma lógica de fraccionamento de interesses que leve a dar direito de voto a quem reside na Comunidade Europeia e não o dar a outros cidadãos quaisquer. Se assim fosse, no futuro, poderíamos perguntar: se vier a ser referendado o tratado do GATT, o futuro da Organização Mundial do Comércio, votariam todos os cidadãos?
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É óbvio!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se viermos a referendar a NATO, votam os que residem no território dos países da NATO?
Isto é, há aqui uma lógica de fraccionamento corporativo, quase diria assim,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Geográfico, digamos assim!
O Sr. Luís Sá (PCP): - ... de fraccionamento consoante os interesses, que, creio, não pode ser justificativo da concessão ou limitação do direito de voto.
A questão que coloquei inicialmente, esta manhã, sobre a fiscalização do direito de voto, da igualdade de oportunidades, dos direitos, liberdades e garantias, da própria rede de consulados e de tudo a que aquela conduz nesta matéria, e que é uma garantia praticamente nula da igualdade e da seriedade do voto, é algo que posso compreender e que leva a excluir o direito de voto para a eleição do Presidente da República e a ponderá-lo para a Assembleia da República. Mas este tipo de proposta que aqui é colocada levanta outras interrogações. Inclusive, pode perguntar-se: há uma lógica decorrente da previsão, no Tratado de Maastricht, no Tratado da União Europeia, da cidadania europeia, mas, mesmo aí, a lógica prevista no artigo 8.º decorre não da residência num Estado membro mas da nacionalidade de um Estado membro. Isto é, o conjunto de direitos previsto no Tratado da União Europeia implica uma lógica que resulta de uma relação de pertença a cada um dos Estados membros decorrente da nacionalidade. Mais, há direitos que são previstos, como, por exemplo, o direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais,...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!
O Sr. Luís Sá (PCP): - ... que têm de ser exercidos no território onde se reside. Pode acontecer, no futuro, que o Tratado da União Europeia venha a ser revisto no sentido de dizer que - e é perfeitamente compreensível na sua lógica -, de cada vez que houver um referendo sobre esta matéria, os cidadãos nacionais de um Estado membro residentes noutro Estado devem ter direito de voto, mas é no território onde residem e não pelo facto de serem nacionais de um Estado...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Posso?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, o Sr. Deputado Luís Sá está a fazer-me um pedido de esclarecimento.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Estou a fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Presidente: - Não se nota muito, mas era a esse título que o Sr. Deputado Luís Sá usava da palavra.
Sr. Deputado Luís Sá, falemos sério. É óbvio que a matéria da União Europeia tem a ver com os interesses específicos dos cidadãos portugueses que residam nos restantes países da União Europeia. Se vier dizer - e não o espero - que o interesse de um cidadão português residente em França, em matéria da futura revisão do Tratado da União Europeia, é o mesmo que o de um residente na Austrália, não acreditarei que esteja a falar a sério.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não disse isso!
O Sr. Presidente: - O problema que se coloca é de haver um interesse específico e de como é que é afectado. Para mim e para os proponentes - estou de acordo com esta proposta -, as questões têm a ver com o interesse específico dos cidadãos portugueses residentes nos restantes países da União Europeia. É por isso que achamos que esta distinção é correcta.
Não se trata de excluir, como aqui dito pelo Deputado Barbosa de Melo, mas, sim, de incluir. É que, actualmente, segundo o texto da Constituição, aprovado por unanimidade, inclusive pelo PSD, ninguém participa. O que o PS propõe é um alargamento, uma inclusão, e não uma exclusão. E veremos quem vota a inclusão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Depois de excluir a do PSD?!
O Sr. Presidente: - Depois veremos quem é que vota a inclusão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Agora conversando com o Sr. Deputado e Professor Vital Moreira, não posso deixar de dizer que me parece que esta proposta do Partido Socialista é um verdadeiro tiro no pé, nos seus próprios argumentos. A primeira coisa que quero dizer é que estou verdadeiramente assombrado com a concepção, que não sei se lhe chame extremo-liberal individualista ou extremo-corporativa, que o Deputado Vital Moreira apresenta da cidadania.
O Sr. Presidente: - Explique-me.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O Sr. Deputado faz depender o exercício e o interesse da cidadania de um interesse gregário de ligação a um determinado assunto ou de um interesse pessoal - e, então, aí, estaremos numa concepção extremo-liberal - que só os residentes em território nacional teriam sobre determinadas questões susceptíveis de serem referendadas. Ora, eu, como tenho uma visão comunitarista da política, o que implica uma noção unitária da Nação, não posso aceitar essa visão de que as pessoas têm, atropeladamente, interesses de grupo ou individuais, os quais são predeterminados pelo constituintes. Ou seja, está excluído que um emigrante português nos Estados Unidos possa interessar-se por questões submetidas a referendo, o que é absolutamente extraordinária, pois o Sr. Professor Vital Moreira, como Deputado e constituinte, veda a um emigrante nos Estados Unidos que possa interessar-se pelo futuro de Portugal na União Europeia só porque ele não vive cá. Para mim, quanto ao conceito-base, partimos de premissas completamente diferentes.
Mas, pelos seus próprios argumentos, não vejo que o Sr. Deputado tenha razão. Referiu o exemplo do totobola, do "totonegócio". E diz: em que interessa o "totonegócio" a um emigrante em Toronto? Ora, pergunto-lhe: e em que interessa o "totonegócio" a quem não joga no totobola, no continente ou nas ilhas adjacentes? Qual é o interesse que um português que não joga no totobola - e há milhões - tem no "totonegócio"? É igual ao suposto desinteresse em relação ao "totonegócio" que tem um português que vive em Toronto. Sem tirar nem pôr!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não posso tomá-lo a sério!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Leva-me completamente a sério. E já vai ver. O Sr. Deputado diz: há um desinteresse absoluto pelo "totonegócio" por parte de um emigrante que viva no Canadá. Então, por que razão a "lei do totonegócio" não foi aprovada exactamente porque, dos quatro Deputados eleitos pelos círculos da emigração, três votaram contra? Segundo esse mesmo critério, a "lei do totonegócio" foi chumbada pelos votos Deputados eleitos pelos círculos das ilhas e da emigração.
O Sr. José Magalhães (PS): - Têm mandato imperativo!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, Dr. José Magalhães. Se o referendo versa...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Portas está a pedir-me um esclarecimento e não ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O Deputado José Magalhães é que estava com uma intervenção cibernética sobre o assunto.
Na legitimidade da Assembleia da República estão quatro Deputados eleitos pelos círculos da emigração, que votaram tal como os outros, tal como qualquer um de nós nesta Sala, a "lei do totonegócio". Fizeram-no porque estavam desinteressados? Ou porque tinham um interesse particular no assunto? Então, como é que os constituintes deles não têm esse interesse?
Com isto quero chegar a outro ponto de fundo: se o referendo versa sobre matérias que normalmente seriam decididas pelo Governo ou pela Assembleia da República, se na legitimidade desses órgãos está o voto dos emigrantes, se para a formação do Governo conta o voto dos emigrantes, então, por que razão sobre assuntos, que seriam decididos pelo Governo ou pela Assembleia da República, já não deve contar o voto dos emigrantes?
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado, dou-lhe um último exemplo, referente à proposta concreta de alargamento aos emigrantes na União Europeia do direito de voto em matéria referendária.
Quanto à moeda única, ao eixo central da construção europeia neste momento, dirá o Sr. Presidente: ora aí está um assunto em que um português que vive em Bordéus deve ter o direito de se pronunciar. Sr. Presidente, essa é uma visão inteiramente restritiva. Um português que viva em New Jersey tem tanto interesse na moeda única como um que viva em Bordéus, e explico-lhe porquê: se houver moeda única, não há, provavelmente, remessas dos emigrantes. A ninguém ocorreu, por exemplo, até hoje, que, para além do factor afectivo, nas remessas dos emigrantes, há factores financeiros da maior importância: o ganho que se tem em colocar aqui o dinheiro. Esse ganho desaparecerá, provavelmente, com a identidade de câmbios e de taxas de juro na Europa inteira, tornando-se indiferente colocar o dinheiro seja em que sítio for.
Portanto, essa questão não é indiferente à comunidade emigrante portuguesa.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Estou impressionado!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Dr. Jorge Lacão, não lhe faz mal ouvir...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados José Magalhães e Paulo Portas, peço que evitem diálogos, sobretudo quando sou eu o interessado na pergunta do Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Já agora, agradeço que o pedido também seja transmitido ao ruído, ao exercício do direito ao ruído.
O que eu estou a dizer é que a questão da moeda única, por exemplo, interessa a toda a comunidade de emigrantes portuguesa, exactamente pela questão das remessas dos emigrantes.
Último ponto: gostava de saber - e aqui perguntava aos proponentes - com que lógica é que se diz "aspectos concretos da revisão do Tratado da União Europeia podem ser submetidos a referendo também aos emigrantes residentes nestes países da União Europeia". Por exemplo,
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a reforma do Tratado do Atlântico Norte seria votada por que emigrantes? Os que vivem em todos os países da NATO? Ou não têm esse direito? Ou, por exemplo, a reforma da Organização Mundial do Comércio, em que VV. Ex.as e nós temos posições muito similares, por exemplo, quanto à defesa do modelo social europeu, hoje em dia. Se houver uma revisão dos tratados do comércio internacional, quais são os emigrantes portugueses que têm interesse gregário específico nessa reforma?
Admito uma concepção individualista, de que só vota em democracia quem está ligado especificamente a um assunto, mas, então é preciso assumi-la - eu, devo dizê-lo, não tenho essa concepção. Agora, nenhum dos outros argumentos é relevante.
É este o meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, devo dizer-lhe que me desapontou.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - A sua proposta também!
O Sr. Presidente: - É que, primeiro, vejo que o PP tem uma notável "pedra no sapato" por não se ter lembrado deste deslumbramento do PSD na estrada de Damasco, em Janeiro deste ano, e não ter proposto este verdadeiro golpe mediático, que foi esta ideia do PSD. Concordo perfeitamente. No caso do Sr. Deputado Paulo Portas, eu estaria na mesma situação, ou seja, estaria ciumento por esta ideia não me ter ocorrido, e, portanto, gostaria também de cooptar, com o brilho com que o Sr. Deputado Paulo Portas o procurou, esta proposta, que não me ocorreu. Diabo, por que é que não me ocorreu?! Por que é que deixei que os meus adversários à ilharga, com quem compito no terreno eleitoral, se lembrassem disso e eu tenha sido ultrapassado?!
Compreendo-o perfeitamente, Sr. Deputado Paulo Portas. Só que isso não o autoriza às piores falácias. Pegando no caso do "totonegócio", tem de concordar comigo que o cidadão residente em Portugal, que paga os impostos e a quem o Orçamento iria sub-rogar na parte que o totobola hoje paga à Misericórdia, é muito mais directamente interessado do que um cidadão residente no estrangeiro, a quem essa decisão "não aquenta nem arrefenta". Esta é que é a questão essencial, a de afectar, a de ter interesse específico! A generalidade dos cidadãos têm interesse específico nesta decisão; a generalidade dos cidadãos residentes no estrangeiro não têm!
Segunda falácia, Sr. Deputado Paulo Portas - e podia citar uma série delas; de resto, creio que o Sr. Deputado foi "apanhado" por esta proposta do PSD e não consegue compreender como é que ela não lhe ocorreu: em relação à questão dos emigrantes, é por terem apenas maior remuneração que eles cá lançam o dinheiro?! É por razões afectivas, penso.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É por ambas!
O Sr. Presidente: - Mas é também porque, até agora, a taxa de inflação em Portugal tem sido maior e a taxa de juro correspondentemente maior. Se as taxas de inflação e de juro, até agora, tivessem sido tão grandes em relação a outros países da União Europeia, provavelmente, os depósitos já não seriam tão grandes como são.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): -Tem toda a razão!
O Sr. Presidente: - Mas isso não tem a ver com a moeda única; tem a ver com as taxas de inflação. Se, mesmo sem moeda única, as taxas de inflação descerem para os níveis da União Europeia, os cidadãos portugueses, para quem o argumento afectivo não contar, deixarão de remeter. Portanto, não tem a ver com o problema que está a colocar.
Em terceiro lugar, penso que a questão da União Europeia é, neste momento, uma questão que afecta individualmente todos os cidadãos de todos os países da União Europeia. Mas isso não tem a ver com um comum tratado internacional que afecte directamente os Estados, não tem a ver com os direitos e com as posições juridicamente protegidas dos cidadãos, como é o caso do próprio Tratado do Atlântico Norte ou do GATT. Façamos os distinguo necessários, Sr. Deputado Paulo Portas, sobretudo quando eles têm a ver exactamente com os interesses concretos de cada cidadão.
Finalmente, Sr. Deputado Paulo Portas, o senhor, como jornalista, e eu, como cidadão - comum - porque, nessa altura, como sabe, eu não era Deputado - defendemos o referendo do Tratado de Maastricht. Mas quem, agora, propõe que todos os referendos tenham a participação de todos os cidadãos, inclusive os residentes do estrangeiro, nem sequer autorizou que os residentes no território nacional participassem nessa enorme alteração da nossa vida institucional, que foi o Tratado de Maastricht. Portanto, nisso estou à vontade;...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Estamos ambos à vontade!
O Sr. Presidente: - ... estamos os dois coerentemente à vontade nisso. Quem não está à vontade é quem, agora, à outrance e com a descoberta da "última maravilha" institucional descobriu o referendo nacional para todos os cidadãos nacionais, independentemente da sua relação directa com as questões que são decididas no referendo.
A questão essencial é esta...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Há uma questão a que ainda não respondeu e que gostaria de ver respondida, que é a de saber, então, como é que compatibiliza a possibilidade de os emigrantes votarem para a Assembleia da República e sobre aspectos...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, não respondi a essa pergunta, porque me pareceu que era evidente...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é nada evidente!
O Sr. Presidente: - Mas é demasiado simples. Primeiro, não há Deputados dos emigrantes. Os Deputados todos representam...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é essa a questão!
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O Sr. Presidente: - Segundo, não há um mandato imperativo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é essa a questão!
O Sr. Presidente: - Os quatro Deputados eleitos pelo círculo da emigração tinham um mandato imperativo para votar contra o "totonegócio".
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Peço desculpa, mas não estou a falar sobre isso!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, responda!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado Vital Moreira, não é essa a questão que estou a colocar.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Tinham um mandato imperativo?
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, desculpe, mas não é essa a questão que estou a colocar.
O Sr. Presidente: - É que o referendo é para decidir uma questão concreta. Os Deputados não recebem mandato imperativo para decidir nenhuma questão!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, se quiser escutar a pergunta que estou a fazer...
O Sr. Presidente: - Os Deputados, ao serem eleitos não recebem o voto para decidir nenhuma questão, Sr. Deputado Miguel Macedo! E, sobretudo, não representam nenhuma comunidade parcelar.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Eu sei.
O Sr. Presidente: - O senhor tem uma visão puramente sectária, sectorial e corporativa do que são os Deputados. Eu não sou Deputado dos eleitores da distrital de Coimbra, nem o Sr. Deputado Paulo Portas é mandatário dos eleitores do distrito de Aveiro. Somos Deputados...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente: - Já fui Deputado pelo círculo de Aveiro, Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, quer escutar-me?
O Sr. Presidente: - Quero, obviamente.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, vai ver que esta sua reacção não tinha qualquer razão de ser, porque a questão que coloquei não foi essa. Essa foi a questão que colocou o Sr. Deputado Paulo Portas. A questão que coloquei foi outra, porque sei, desde os tempos da faculdade, que isso é assim. A questão que coloquei foi outra, muito diferente, que tem a ver com o seguinte: os emigrantes votam para a Assembleia da República - já votámos isso hoje de manhã; os referendos...
O Sr. Presidente: - Mas votam em pé de igualdade? Votam com igual eficácia? Essa foi a questão que coloquei. Não são os senhores que vão perguntar; eu é que pergunto.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Os emigrantes votam como, qualquer cidadão, para a Assembleia da República. As matérias que são objecto de referendo são matérias da competência da Assembleia da República. Porquê introduzir uma distinção entre o voto dos emigrantes para a Assembleia da República e a possibilidade de eles serem ou não parte de um referendo nacional de matérias que são da competência da Assembleia da República? Essa foi a questão que coloquei, que é diferente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Miguel Macedo vai propor que o número de Deputados eleitos pelos círculos do exterior seja proporcional ao número de eleitores?
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, sabe muito bem que essa é uma questão completamente diferente, que tinha a ver com a resposta...
O Sr. Presidente: - (Por motivo de sobreposição de vozes, não foi possível transcrever as palavras do orador.)
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é, não! Não é, porque o Sr. Presidente sabe muito bem que essa questão é completamente diferente e tinha a ver com a resposta que estava a dar anteriormente e não com a resposta a esta matéria. O senhor sabe isso.
O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra, pela ordem em que estavam inscritos, aos Deputados José Gama, Luís Sá e Paulo Portas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
O Sr. José Gama (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Quero invocar aqui a minha qualidade de ex-Deputado pela emigração durante oito anos. E se posso reforçar esta legitimidade com o facto de ter sido emigrante, de ter tido sete irmãos emigrantes e de ser filho de emigrantes, então, gostava de fazê-lo desta forma: sempre ouvi dizer que os emigrantes eram os embaixadores da língua, da cultura, das tradições portuguesas - e, alguém rematava, embaixadores a quem não pagam embaixadas nem salários -, que foram, durante muito tempo, o oxigénio da nossa balança de pagamentos, com quem se gastaram quase os adjectivos todos, salientando a importância e o significado dos vínculos a Portugal - e, hoje, temos um Secretário de Estado que traduz muito bem esse tipo de discurso. E é preciso que se diga que deste universo de quatro milhões - para referir o número citado pelo Sr. Deputado da CDU - menos de 5% estão recenseados, o que quer dizer que alguns, uma minoria esmagadora desses quatro milhões, entendem que querem ser ouvidos, que querem pronunciar-se, que querem acompanhar o futuro de Portugal. Menos de 5%, Srs. Deputados!
E os que se recenseiam, porque o recenseamento é obrigatório, fazem-no porque querem estar actualizados - a TVI chega às comunidades, os jornais diários chegam a Nova Iorque mais cedo do que ao distrito de Bragança e os programas de rádio não têm fronteiras -, são pessoas que sabem aquilo que querem e aquilo que fazem.
E a classe política portuguesa entende que, para uns efeitos, para efeitos de escolher os seus Deputados pela emigração, sabem o que fazem - sabem ler, sabem escrever e sabem contar -, mas, para escolher o Presidente da República, aí, já são suspeitos, analfabetos, ignorantes, incultos, já são um perigo e, portanto, aí não devem pronunciar-se.
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Nas eleições legislativas - e isso aconteceu comigo -, eram 10 os partidos a concorrer no círculo fora da Europa; nas eleições presidenciais, não me recorda de serem confrontados com 10 candidatos. E, agora também, no referendo, há um grande clima de suspeição em relação à participação dos emigrantes.
O Sr. Dr. Almeida Santos - e isto para responder a uma afirmação do Sr. Dr. Vital Moreira, que a fez na qualidade de Deputado -, há dias, talvez num acto de arrependimento público, de expiação de pecados recentes, dizia que não estranhava que se elegessem vários Deputados pela emigração, posição sempre assumida pelo PSD, que sempre entendeu que havia uma desigualdade na representação na Assembleia da República. Desde sempre, recordo-me de haver um grito de rejeição, de protesto e de inconformismo em relação a esta posição que foi sempre tomada - estamos de consciência tranquila. E, se não o fizemos na altura - e refiro-me aqui a uma observação do Sr. Deputado Vital Moreira -, devemos ter em conta que a política é um processo dinâmico, evolutivo; houve estradas de Damasco, mas houve também aqueles que se converteram, como Santo Agostinho, depois dos 30 anos. Obviamente, o PS, hoje, em relação às privatizações, não tem a mesma posição que tinha há alguns anos. A CDU, em relação à regionalização, até há poucos meses,...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E o PSD, sobre as privatizações?!
O Sr. José Gama (PSD): - Desculpe, mas quem falou aqui no escândalo de haver uma estrada de Damasco?
O Sr. Presidente: - Não foi escândalo nenhum! Foi só para relativizar a vossa...
O Sr. José Gama (PSD): - E quem estranhou isso tudo, como diz o nosso colega Deputado Barbosa de Melo, é uma pessoa conservadora, ao dizer que os outros têm de pensar como pensaram sempre. Isto é uma posição profundamente retrógrada. E é por isso que saúdo o Sr. Dr. Almeida Santos, porque, felizmente, em relação à representação dos emigrantes, já tem uma ideia mais moderna, mais actual, em suma, evoluiu com o tempo.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Está a falar da história do CDS ou do PSD?
O Sr. José Gama (PSD): - Qual é o problema sobre isso? O que é que tem agora aqui o CDS a ver com o PSD? Diga lá, Sr. Deputado. O que é que uma coisa tem a ver com a outra?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Estou a perguntar-lhe...
O Sr. José Gama (PSD): - E eu quero responder-lhe. Não fujo às perguntas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Gama, responderá às perguntas depois...
O Sr. José Gama (PSD): - Sr. Presidente, gostava de satisfazer a curiosidade do Sr. Deputado. Mas o problema é este: o que os senhores têm é medo do voto dos emigrantes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Sr. José Gama (PSD): - O problema é só esse! E os senhores podem branquear as palavras, maquilhá-las, ou qualquer outra coisa. Os senhores entendem que eles sabem escolher os Deputados à Assembleia da República, mas não podem nem sabem escolher o Presidente da República e têm uma capitis deminutio também em relação ao referendo. Esse é que é o problema e têm de assumi-lo. Além disso, têm de fazer uma reunião com o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e perguntar-lhe se aquilo que ele diz tem algo a ver com aquilo que foi dito aqui dentro. Esse é que é o grande problema. É que os emigrantes querem votar - podem ter o corpo longe, mas têm a alma perto, em relação a Portugal. Enquanto que muitos têm o corpo perto e a alma longe...
Portanto, o senhores têm de assumir isto. Não tenham medo, digam-no! É que isto é tratar os emigrantes como portugueses de 2.ª - a palavra é velha e repetida, mas, infelizmente, não encontro qualquer outra tão significativa para julgar o vosso raciocínio.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, direi muito pouco agora, porque os argumentos fundamentais já estão em cima da mesa. Creio que se cada um de nós invocar o coração, o amor aos emigrantes, etc., naturalmente iremos num sentido, e se invocarmos personalidades políticas, como o Dr. Almeida Santos, podemos ir no sentido em que acaba de ir o Sr. Deputado José Gama, mas eu, por mim, tenho uma boa colecção de referências do Dr. Almeida Santos, como, por exemplo, ao facto de um comunista não poder entrar nos Estados Unidos da América para fazer campanha eleitoral e, por isso, não dever haver direito de voto dos emigrantes, a não ser ponderado e para a Assembleia da República. De resto, o ex-Presidente da República, Dr. Mário Soares, tem igualmente uma boa colecção de referências nessa matéria, que o Sr. Deputado podia referir.
Creio que as posições estão claras. Por mim, a não ser que apareçam argumentos novos, declaro-me em condições de votar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, esta minha intervenção serve para explicar por que votamos contra a proposta do PS, também subscrita pelo Sr. Presidente. Em nossa opinião, não estão esclarecidas dúvidas essenciais, colocadas por esta proposta. Uma delas, quanto à consequência que há-de ter, em sede dos princípios constitucionais, a capacidade eleitoral da nação portuguesa, enquanto conceito político, o que, aliás, esta proposta vem tornar ainda mais equívoco, porque cria uma espécie de portugueses não só de 1.ª e de 2.ª mas de 1.ª, de 2.ª e de 3.ª, que são os que residem no continente e ilhas adjacentes, os que, por acaso, podem estar interessados na reforma dos tratados da União Europeia e, por acaso, vivem nos países da União Europeia e os que não podem interessar-se por mais nada, porque não residem no continente e ilhas adjacentes nem no território da União Europeia. Parece-nos uma visão cindida do conceito de nação,
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que não é a nossa, e, portanto, hão-de compreender que, por coerência programática, não podemos dar assentimento a esta proposta.
Mas também não está esclarecido - e, apesar de ter colocado essa questão, a resposta não me pareceu tão evidente, pelo menos para mim não o foi - por que é que as matérias susceptíveis de serem referendadas seriam, em princípio, decididas pela Assembleia ou pelo Governo, em cuja legitimidade está a representação da emigração, e as matérias que venham a ser susceptíveis de referendo, uma vez decididas pela Assembleia e pelo Governo, já não podem contar na sua legitimidade com a emigração. Esta questão para mim não ficou esclarecida e não se resolve com a visão, a meu ver, restritiva do mandato eleitoral, que o Sr. Presidente enunciou. Porque se é certo que nós somos Deputados de toda a nação, é também certo que somos Deputados do círculo que nos elegeu. Cada um o interpreta à maneira que entende, mas é evidente que, se no seu partido, compreensivelmente, há Deputados que se recusam a votar, por exemplo, determinados projectos de regionalização em concreto, porque afectam as regiões a que se sentem mais ligados de uma forma que consideram errada - é o caso do Sr. Deputado Eurico Figueiredo, em relação ao Douro -, é porque têm com certeza uma interpretação do mandato eleitoral que não é tão restritiva como a do Sr. Presidente, ou seja, a de que há uma composição necessária entre a representação do interesse nacional, a representação de toda a nação, e a representação do círculo eleitoral, que, ab initio, nos mandatou. Portanto, não foi um mero pro forma ter sido candidato por aquele círculo ou por aqueloutro; implica, de forma diferenciada - e não vou valorá-la -, um conjunto de compromissos que devem ser respeitados. Não vejo, pois, que esta visão possa resolver a minha dúvida e, portanto, mantenho-a.
Em último lugar, em relação às suas referências sobre a autoria desta proposta, quero dizer o seguinte: a mim não me faz confusão alguma corrigir as imperfeições e, desde que a questão foi suscitada - fosse-o pelo PSD, pela CDU ou pelo PS - e nos pareceu com mérito a dúvida sobre a votação dos emigrantes nos referendos -, nós dissemos imediatamente estar disponíveis para considerar essa alteração e ser favoráveis a ela. Não nos importa nada, como disse, corrigir as insuficiências, até porque temos muita coerência para apresentar em matéria referendária. É que, numa única coisa, estou obviamente de acordo consigo, Dr. Vital Moreira: se é certo que o PPD foi um partido referendário, não é verdade que o PSD, enquanto partido do Governo, tenha sido um partido referendário. Ora, a verdade é que nós sempre fomos um partido referendário, pelo que temos toda a legitimidade para corrigir esta imperfeição. Até porque, na questão essencial, o PSD é que veio ter com o PP, em matéria de referendos, designadamente europeus.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, verifico que alguns dos argumentos que tinham sido esgrimidos anteriormente não obtiveram qualquer consideração ou resposta na sua intervenção, o que me deixa um pouco surpreendido.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado parece sustentar aquilo a que chamaria uma visão da "incidível"capacidade eleitoral da nação portuguesa, expressão usada pelo Sr. Deputado, que julgo muito interessante. "Capacidade eleitoral da nação portuguesa" - que conceito é este e qual é o albergue dele no quadro constitucional português? Respondo-lhe: absolutamente nenhum!
Capacidade eleitoral é aquela que flui das normas constitucionais apropriadas, em função de critérios que são aqueles que a Constituição, ela própria, estrutura - Constituição essa que, como sabe, não utiliza sequer o conceito de nação no sentido utilizado pelo Sr. Deputado...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Faz-lhe confusão?!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... e por razões específicas, próprias nada confusas e bem adequadas. E menos ainda no sentido orgânico da capacidade eleitoral da nação portuguesa - visão tal que suponho, só faltaria V. Ex.ª culminar em alguma câmara de carácter um pouco mais nacional e corporativo.
Por outro lado, é incoerente na sua concepção. É que, se V. Ex.ª sustentasse uma visão "incindida" do voto da nação portuguesa, teria - aliás, como o Sr. Deputado Vital Moreira, há pouco, salientou - de sustentar que esse voto se projectasse em tudo o que é deliberação relevante e em todas as instâncias, a saber, no sufrágio presidencial, no sufrágio autárquico, no sufrágio legislativo parlamentar, etc., e com o mesmo peso, a mesma estrutura e a mesma ponderação - ponto, parágrafo. A nação seria una e indivisível e votaria em bloco e nas mesmas condições, o que seria, obviamente, um absurdo a vários títulos.
Em segundo lugar, inculca que haveria uma espécie de défice de legitimidade nas decisões nacionais tomadas, sem a participação de residentes no estrangeiro, tese um pouco bizarra. É que, desde logo - e não por acaso -, a Constituição sempre teve algum cuidado na definição do estatuto jurídico dos portugueses residentes no estrangeiro, designadamente ao, no seu artigo 14.º, sublinhar que a ausência do país há-de ter consequências e, ao, depois, em outras normas, enquadrar os termos da participação em função de diferenças. Algumas destas diferenças ficaram já abundantemente documentadas e não volto a elas. Mas a sua tese, de que haveria um défice de legitimidade de decisões tomadas fora de um quadro de "plena participação e de capacidade eleitoral da nação portuguesa", é uma tese abstrusa, que conduziria à ilegitimidade originária das instituições portuguesas ou a um défice brutal de legitimidade, tese que obviamente é descabida.
Em terceiro lugar, fico um pouco boquiaberto com as questões a que não respondeu.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - A saber?
O Sr. José Magalhães (PS): - Todas as que dizem respeito às diferenças. Então, Sr. Deputado, as condições diferentes de expressão e de sufrágio? As condições diferentes de vivência e de percepção? As condições diferentes de exercício dos direitos dos participantes? Etc., etc., etc. O que é que o Sr. Deputado diz a isso, em relação a decisões... - diz o Sr. Deputado Miguel Macedo excitadíssimo:"E então a Assembleia da República?"
Protestos do PSD.
Ó Sr. Deputado, na Assembleia da República, que eu saiba, está em causa um número limitado de mandatos...
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O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E não contribuem para a composição da Assembleia da República?!
O Sr. José Magalhães (PS): - E, que eu saiba também, nessa matéria, ao contrário do que acontece nos referendos, não se ganha nem se perde por um voto. Portanto, a necessidade de cautela, creio, é acrescida quando as decisões podem ser tomadas pela diferença de um só voto.
Protestos do PSD.
Vozes do PSD: - E o "totonegócio"?!
O Sr. José Magalhães (PS): - O "totonegócio" é péssimo para exemplo, de tema de referendo desde logo porque é o chamado referendo impossível. Não seria possível, por razões de carácter fiscal, monetário e financeiro, qualquer referendo sobre o "totonegócio".
Mas os Srs. Deputados levaram ao extremo a questão do "totonegócio". E não vale a pena estar ainda a fazer "pentapiloctomia", como diria Umberto Eco, "cortar cabelos em cinco", em torno de um exemplo impossível.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, supunha que, ao fim de 20 anos, a palavra nação já não tinha peste. Mas, por vezes, o Sr. Deputado José Magalhães tem uns intervalos revolucionários...
O Sr. José Magalhães (PS): - São os constitucionais, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado, que eu saiba, a ideia de nação não é proibida pela Constituição. Pois não?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não. Mas leia a Constituição, Sr. Deputado!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Esteja descansado, já li muitas vezes.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não encontrou essa palavra.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Em relação à ideia de nação, se o Sr. Deputado José Magalhães vai lá para fora dizer aos portugueses que a palavra nação não está na Constituição por alguma razão de suspeição, por ser uma palavra doente, olhe que ninguém o entende. É que ninguém tem o problema com a palavra nação que, pelos vistos, o Sr. Deputado José Magalhães ainda tem. Mas esta é uma mera questão...
O Sr. José Magalhães (PS): - E em que é que isso responde ao meu argumento da visão "incindida"?
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - É que são duas visões inteiramente diferenciadas, Sr. Deputado. E admito que o senhor não concorde. Porém, já é menos aceitável que o senhor tente menosprezar quem da ideia de nação tira consequências políticas, jurídicas e constitucionais, que não são as suas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não tira, precisamente!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - A primeira de todas é que a Constituição, tal qual está, já retirou alguma consequência da ideia de nação, a ideia de capacidade incindível do voto nacional, da nação, ao instituir...
O Sr. Alberto Martins (PS): - É o do povo!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado Alberto Martins, podemos ter um interessantíssimo debate sobre as diferenças entre povo e nação, se V. Ex.ª quiser,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Podemos e devemos!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - ... e vai ver que tenho muito menos objecções à noção de povo do que V. Ex.ª à noção de nação.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda bem!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas isso fica para esse debate.
Agora, voltando à questão, como dizia, a Constituição, tal qual está, já, ao instituir os círculos de emigração, contou, jurídica e politicamente, com uma consequência da existência de uma diáspora portuguesa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Contou, naqueles termos precisos.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Portanto, não é possível para nós, em sede de referendo, ignorar essa razoável consequência que a Constituição já retirou da existência de uma diáspora portuguesa e, portanto, de Portugal não ser apenas uma nação residente no território estadual que conhecemos.
Quanto ao segundo ponto,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não respondeu ao primeiro ponto!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Espere, Sr. Deputado!
Quanto ao segundo ponto, disse-me que, então, eu tinha de tirar daí consequências para o Presidente da República. Tiro inteiramente: entendo que os emigrantes devem votar para a eleição do Presidente da República. Em tudo o que esteja em causa a ideia essencial...
O Sr. José Magalhães (PS): - Em qualquer circunstância. Todos e em tudo!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Deputado José Magalhães, não faça caricaturas, porque eu também não estou a caricaturar. Estou a dizer-lhe que sou favorável à capacidade eleitoral dos emigrantes para a Assembleia da República, para o Presidente da República e para a organização dos referendos, nomeadamente para aqueles referendos, que, como V. Ex.ª coloca na sua proposta, têm a ver com a tal organização supra-estadual chamada União Europeia. Mas não me fico por aqui - é a diferença entre a nossa posição e a vossa.
Quanto às condições diferentes do exercício do sufrágio, julgo que o PS, aí, está a fazer uma confusão. Ninguém
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está a tornar o voto dos emigrantes obrigatório nos referendos. O voto não é obrigatório, Sr. Deputado José Magalhães! Os senhores é que estão a obrigar os emigrantes a serem excluídos, ab initio, das matérias referendárias! É o contrário! O interesse que um emigrante tenha numa questão é decidido pela sua consciência, Sr. Deputado. Esteja descansado que os emigrantes que não têm qualquer ligação cívica, individual, gregária ou comunitária não votarão e abstêm-se, como há muitos portugueses que residem no território nacional que também se abstêm. Ninguém os obriga! É-lhes dada uma liberdade de participação!
Portanto, nesse sentido, a nossa posição é muito mais aberta do que a vossa, porque a vossa é que exclui, necessária e dogmaticamente, o interesse de um emigrante, de uma família emigrante, na definição de determinadas matérias a serem susceptíveis de referendo.
Desculpe, mas também não vejo como bom o argumento de que, nos referendos, por um voto se ganha e por um voto se perde, Sr. Deputado José Magalhães. Repito o exemplo que VV. Ex.as deram, ou seja, o totonegócio - depois os Srs. Deputados Vital Moreira e José Magalhães hão-de ter uma discussão fiscalista sobre a possibilidade de ser feito um referendo sobre o totonegócio... Mas, com esse mesmo exemplo, lhe digo que por um voto se ganhava e por um voto se perdia o totonegócio e que por três votos da emigração se perdeu, felizmente, do meu ponto de vista, a vossa proposta do totonegócio. Portanto, isso não conta! Também na Assembleia da República se pode ganhar e perder por um voto, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Paulo Portas, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, não queria insistir em alguns argumentos que já foram aduzidos e rebatidos insistentemente, mas há uma questão que me faz alguma confusão - e eu estou à vontade para falar nela, porque o projecto de revisão constitucional que subscrevo até vai muito mais longe nessa matéria do que o do Partido Socialista -, que tem a ver com a incompatibilidade aparente que existe entre essa vontade, tão eficientemente demonstrada, de alargar o universo de eleitores em matéria de referendo e a sua falta no que diz respeito ao alargamento do âmbito material do próprio referendo em si, isto é, das matérias que podem ser sujeitas a referendo.
É que a questão fundamental é esta: ao mesmo tempo que pretendem alargar o universo dos cidadãos eleitores que podem participar no referendo - e essa crítica é mais relevante ou mais pertinente em relação ao Partido Popular do que, porventura, em relação ao PSD, que nessa matéria vai mais longe, permitindo, inclusive, referendos sobre matéria de revisão constitucional - o Partido Social Democrata e o Partido Popular, nos seus projectos, excluem da matéria do referendo, para além das matérias constitucionais, a generalidade das matérias previstas no artigo 164.º e 167.º da Constituição, precisamente aquelas que são de maior relevância, não só para aqueles que, eventualmente, residam fora do território nacional, mas também para aqueles que residam dentro dele.
Portanto, a questão fundamental é que, ao mesmo tempo que, a pretexto da relevância das matérias e da relevância que vai para além do âmbito territorial ou da respectiva residência, vêm pedir a possibilidade de participação no referendo dos emigrantes, excluem do referendo matérias que, porventura, são ainda mais relevantes, excluindo, assim, do referendo não apenas os emigrantes como, inclusive, os cidadãos portugueses que residem em território nacional, com as únicas excepções resultantes de razões meramente conjunturais que levam a que, a pretexto da vontade de referendar a revisão do Tratado da União Europeia ou a matéria da regionalização, se venham a propor excepções, como se vieram a propor nesta revisão constitucional, que resultam, única e exclusivamente, da circunstância de, cada vez que há a verdadeira vontade de fazer um referendo, se descobrir que, afinal, ele não é possível constitucionalmente, porque previamente não se alargou o âmbito das matérias relativamente às quais o mesmo se podia realizar.
E se é verdade que o totonegócio não poderia, porventura, ser sujeito a referendo, pelo menos na perspectiva de quem o combateu, com o argumento de que se trataria de matéria de natureza orçamental, tributária ou fiscal, também é verdade que, provavelmente, se a revisão constitucional se tivesse iniciado posteriormente ao problema do totonegócio, se calhar alguns dos projectos de revisão constitucional, designadamente o do Partido Popular e o do PSD, já deveriam de incluir mais uma excepçãozinha, dizendo "com excepção da matéria da alínea x)", porque essa matéria se tornou politicamente relevante entretanto e já passou a fazer sentido fazer um referendo.
Portanto, pelas mesmas razões que antes não se permitiram referendos sobre a União Europeia e sobre a regionalização, e só se lembraram deles quando a matéria se tornou politicamente relevante, o suficiente para abrir o referendo a essas matérias, hoje vêm exigir o direito de voto a outros cidadãos, para além daqueles que residam no território nacional, esquecendo-se que, em contrapartida, não fazem o mesmo em relação ao âmbito material do referendo, e amanhã vão descobrir que o problema não está em aqueles que não residem em território nacional não poderem votar mas, sim, não poderem votar não só aqueles que residem fora do território nacional como aquelas que residem dentro, porque o âmbito material do referendo continua a ser estreitíssimo.
Portanto, nesse sentido, vejo alguma incompatibilidade na força que fazem para alargar o universo dos eleitores em matéria de referendo, uma vez que não tem correspondência real no alargamento do âmbito material do referendo, porque aí, sim, a justificação seria muito maior, porque não estaria em causa apenas o problema da ligação efectiva a Portugal ou não, estaria em causa a própria relevância das matérias que são ou não objecto de referendo. E aí, sim, estamos a discutir, em última análise, a relevância da sobreposição da vontade popular por via directa sobre a vontade popular por via representativa, que, no fundo, é a argumentação que está a ser aduzida, embora sob uma designação ligeiramente diferente, porque a propósito do conceito nação, cuja discussão não vale a pena fazer agora neste contexto.
O Sr. Presidente: - Informo que estão inscritos para intervenções os Srs. Deputados Jorge Lacão, Alberto Martins, Miguel Macedo e Guilherme Silva.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não vou cometer a injustiça
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de também lhe lembrar que é Deputado de uma bancada que inviabilizou o referendo em 1992 sobre o Tratado da União Europeia. Não lhe vou cometer essa injustiça, mas vou cometer-lhe a justiça de dizer que não esteja tão certo de que o Partido Socialista não venha a descobrir razões, as mais estapafúrdias, para não fazer qualquer referendo sobre a revisão do Tratado da União Europeia.
Ainda estamos para ver que aspectos concretos da revisão é que o Partido Socialista considera relevantes para referendar numa revisão do Tratado em que o Partido Socialista já vai dizendo que não há qualquer aspecto relevante a considerar como revisível. Vamos ver o que é que a seguir...
Quem utilizou argumentos interessantes, mas adjacentes e laterais, que iriam de acordo à sua preocupação não fui eu. Portanto, regressando à proposta do Partido Socialista, devo dizer que, para nós, é evidente que, estando em causa - para bem ou para mal, agora não interessa - o conceito de Estado-nação no processo de construção europeia, não há para nós qualquer dúvida de que, na revisão do Tratado da União Europeia, devem poder votar os emigrantes que residem na União Europeia, mas não só esses.
Quem descobriu a "polvorazinha" foi o Partido Socialista, porque, há 15 dias, ele não pensava isto!
O Sr. José Magalhães (PS): - É para o que servem os debates!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ah! Bom! Vamos lá a ver: o Partido Socialista, há 15 dias, achava que esses mesmos emigrantes não podiam votar nesses referendos, portanto, veremos, Sr. Deputado Cláudio Monteiro...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença? É apenas para dar um esclarecimento muito breve.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De facto, não cometa a injustiça, porque, por um lado, como sabe, a minha memória histórica, embora seja muito curta, fruto da minha idade, não está no Partido Socialista, e por outro, não cometa também essa injustiça, porque, se olhar para os projectos de revisão constitucional que estão em cima da mesa, há-de concluir que aquele que vai mais longe no que diz respeito ao alargamento do âmbito do referendo é precisamente aquele que eu subscrevo.
O Sr. Presidente: - Sem dúvida!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Por isso mesmo é que acho que o Sr. Deputado se vai desiludir!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estou fascinado com este debate, sobretudo pela ênfase colocada na questão do significado da nação e da chamada concepção unitária acerca da nação. A verdade é que já aqui foi dito, um pouco em tom de ameaça, que não valeria a pena perder-se muito tempo a fazer a distinção entre nação e povo, mas, se calhar, vale, porque justamente estamos a perder alguma objectividade relativamente a considerar a sede da soberania no povo, como elemento humano que tem de ser juridicamente identificável, face à nação que, pela sua natureza meta-histórica, não tem, no plano jurídico-constitucional, um significado necessariamente equivalente.
E é importante ter isto em linha de consideração justamente porque aqueles que têm uma noção positiva de nação não hão-de querer - e é designadamente o meu caso - ver essa noção positiva de nação afectada por outras concepções que, de alguma maneira, criam uma espécie de cortina de fumo para avaliar as condições de exercício correcto por parte do soberano do exercício do direito de sufrágio.
Dito isto, não se trata de cindir a capacidade eleitoral da nação, trata-se de determinar as condições em que o exercício legítimo do direito de voto pode ser assegurado em condições de verdade e de democraticidade. É por isso que, postas as coisas nestes termos, continuamos a achar que é preciso ter em consideração a natureza e o significado constitucional da entidade relativamente à qual, para a qual e no âmbito da qual se exerce direito de sufrágio.
Já há pouco aqui chamei a atenção para o facto de organismos de natureza infra-estadual apenas recrutarem no momento eleitoral os eleitores residentes no território da respectiva pessoa colectiva. É assim nas autarquias locais; é assim nas regiões autónomas; será assim, futuramente, nas regiões administrativas; e faz algum sentido que seja assim numa organização supra-estadual, como é a União Europeia. Foi aqui chamado a atenção para o facto de que, se o argumento fosse pertinente, então, deveria ser alargado a outras organizações supra-estaduais, e, por exemplo, invocou-se a NATO.
Do meu ponto de vista, é preciso também distinguir a natureza das coisas. É que, enquanto na União Europeia, com consagração constitucional, se permite o exercício em comum de poderes do Estado, noutro tipo de organizações internacionais as suas funções exercem-se não por integração de competências, mas por cooperação, sem perda de competências do próprio Estado. Há, portanto, uma natureza jurídico-constitucional diferente no estatuto de organizações internacionais e não basta invocar qualquer uma delas para achar que são todas iguais, porque, na verdade, não o são.
Visto o problema de outro ângulo: se não houvesse qualquer distinção a fazer por parte daqueles que acham que nenhuma distinção pode ser feita, então eles estavam, designadamente, a entrar na maior e na mais inconsequente das contradições. Então, não é verdade que ninguém ainda - que eu saiba - contestou o princípio segundo o qual o recenseamento é obrigatório para os cidadãos residentes no território nacional e é facultativo para os cidadãos residentes fora do território nacional?! Para aqueles que acham que não há qualquer razão de distinção,...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem lembrado!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ... então têm de tornar o recenseamento dos cidadãos residentes fora do território nacional obrigatório, sob pena da invocação do seu princípio não ter qualquer sentido, porque não se trata verdadeiramente de um princípio, trata-se, sim, de uma abordagem, ponderando a diferente natureza das coisas.
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Ora, o que acho, justamente, é que se trata de fazer uma ponderação acerca da diferente natureza das coisas. E é exactamente em função da diferente natureza das coisas que a Constituição trata cada matéria com valorações e equilíbrios próprios. É por isso que, no caso das eleições para a Assembleia da República, o universo de quatro Deputados, independentemente do universo do recenseamento eleitoral, que é um número pré-fixado e pré-estabelecido, distorce em si mesmo a proporcionalidade no quadro dos emigrantes, mas assume a referência de um laço que Portugal quer manter, justamente em nome da diáspora, com os residentes fora do território nacional. Mas trata duas realidades que são distintas de maneira efectivamente distinta.
Posto isto assim, o Sr. Deputado Luís Sá, numa observação que fazia à bocadinho dizia estar de acordo comigo, não na parte em que se ponderava a relação de pertinência relativamente aos cidadãos residentes do território dos Estados da União Europeia, mas na parte em que chamava a atenção para as exigências prévias da democraticidade do processo legislativo. Do meu ponto de vista, o Sr. Deputado Luís Sá com isto significará, se vier a querer significar, uma razão de discordância da proposta do PS que está do seu ponto de vista com receio de que não haja democraticidade suficiente na organização democrática dos Estados que integram a União Europeia. Penso que se é esse o ponto de vista do Sr. Deputado Luís Sá, naturalmente deveria contribuir para o aclarar, porque teríamos aí matéria certamente interessante de elucidar entre nós.
Mas, para além dessa questão, queria sublinhar o seguinte: se se trata de ponderar a diferente natureza das coisas, alguns partidos - permita-me que vos chame a atenção para isso - estão colocados numa posição singular.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Singularíssima!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Por exemplo: como todos constatámos, no seu projecto de revisão constitucional, o PP começou por não assumir o princípio, que do seu ponto de vista parece um princípio absolutamente irretratável. E não só não o assumiu por omissão como, expressamente, assumiu o princípio contrário. Ou seja, expressamente, assumiu o princípio da inscrição no território para o exercício do direito de voto no referendo.
Pois bem, o PP, que todavia alterou legitimamente a sua posição, conformou-se ainda há pouco tempo, nos trabalhos de revisão constitucional, com a solução apresentada pelo PS relativamente ao referendo no processo de regionalização. E vale a pena ponderar - sobretudo o Sr. Deputado Paulo Portas, que invocou esse argumento, deve ponderá-la - a razão do PP. Disse o PP: "Nós gostaríamos que esse referendo alcançasse um universo eleitoral maior, mas o risco seria não haver referendo no processo de regionalização e, como tal, salve-se o que puder ser salvo e, portanto admitamos a proposta do PS".
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ainda não se sabe o que é que está salvo!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ora, há pouco, o Sr. Deputado Paulo Portas dizia que iria votar negativamente a proposta agora apresentada pelo PS, o que significa que, nesta matéria, o PP não quer salvar a possibilidade de os emigrantes, residentes no território da União Europeia, poderem participar em referendos atinentes às reformas da mesma União Europeia.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Não, não estou a ceder é mais do que os outros!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Utilizando uma expressão há pouco colocada sobre aqueles que têm a alma longe e o corpo perto, verdadeiramente, neste momento, do que se trata é de saber quem quer ou não quer abrir a porta à possibilidade de os emigrantes no território dos Estados da União Europeia exercerem a possibilidade de votar no caso de referendos sobre a mesma União Europeia. E fica aqui claramente dito: o PS quer abrir a possibilidade para que esse voto se exerça; veremos na prática - porque isto tem uma consequência prática independentemente de todas as dissertações doutrinárias sobre a matéria -, quem viabiliza ou quem não viabiliza a possibilidade do direito de voto dos emigrantes em referendos europeus.
A minha última observação é para o Sr. Deputado Luís Sá, que tem alguma razão - reconheço - quando chama a atenção para o facto de a própria reforma das instituições da União poder, no quadro do aprofundamento do Estatuto da Cidadania Europeia, vir amanhã a habilitar os cidadãos residentes no território, independentemente da respectiva nacionalidade, a poderem exercer o direito de voto no local de residência.
Sr. Depurado Luís Sá, não deixámos de ponderar isso, nos exactos termos em que formulámos a proposta que formulámos. Ela diz que os cidadãos portugueses residentes num Estado membro da União Europeia podem ser chamados a participar, o que quer dizer que, se a União, ela própria, no aprofundamento da cidadania europeia, vier a reconhecer o direito de voto em função da residência, este "podem" revela-se supletivo e, nessa altura, seria desnecessário, porque se teria encontrado, na escala da União, um outro reconhecimento do exercício do direito de voto no quadro da cidadania europeia.
O que nós queremos desde já é ir à frente das possibilidades que a União Europeia vier a reconhecer no quadro da cidadania europeia e o Sr. Deputado Luís Sá há-de reconhecer que isto não é nenhuma contradição, nem prejudica as possibilidades futuras que a União vier a recrutar neste domínio.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, eu tentei fazer uma intervenção curtíssima, na perspectiva de ela constituir um apelo para acelerar o debate e passar à votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que não infrinja essa sábio princípio.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Como o Sr. Presidente compreenderá, fui directamente interpelado, o que me coloca o dever democrático de responder às questões que me foram colocadas.
Mas queria apenas dizer, em primeiro lugar, que a questão das garantias de democraticidade, como condição do voto, é uma questão que tem de ser colocada naturalmente em termos globais. Isto é: em última instância, não vale o argumento de que garantir ou não o direito de voto nas eleições presidenciais ou num referendo em tal ou tal país dependeria de um exame prévio das condições de democraticidade desse voto. E dou um exemplo: em relação
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à Assembleia da República, há uma ponderação global do valor do voto do emigrante e não a negação do direito de voto em tal ou tal país, por exemplo, nos EUA ou noutro sítio, em função de o voto ser mais ou menos democrático, a igualdade democrática ser mais ou menos garantida, a rede consular ser mais ou menos extensa, etc. Portanto, esta questão tem de ser de encarada globalmente e é nesse sentido que creio ter um alcance bastante limitado o argumento de que não pode haver direito de voto para outras finalidades, mas pode haver direito de voto na Comunidade Europeia, porque aí o voto é democrático, porque a rede consular é mais extensa, porque há liberdade de circulação de todos os cidadãos, etc.
Creio, portanto, que, neste plano, a questão que tem de ser colocada em termos globais é o problema de a rede consular não ser adequada, de a própria questão do direito de nacionalidade decorrer do critério jus sanguinis e, portanto, haver muitas situações em que o sentimento de pertença à nacionalidade portuguesa, designadamente na segunda e terceira gerações, ser relativamente atenuado, o que justifica também, entre outros argumentos, a questão aqui colocada de não haver a obrigatoriedade do recenseamento eleitoral, de a própria fiscalização do recenseamento e do voto ser reconhecidamente altamente deficitária.
Como disse e repito, a questão tem de ser vista em termos globais e a questão que se coloca é que, se não é este argumento que vale, na medida em que, como disse, ele tem de ser globalmente examinado e não país a país, resta a questão de haver um interesse muito particular do grupo de emigrantes residentes na União Europeia pelos problemas da mesma União Europeia. Independentemente dos argumentos que há pouco referi, de matérias que interessam provavelmente até mais a quem reside no estrangeiro - o problema da política de vistos, do direito de asilo, de emigração, da política externa e de segurança comum -, há aqui uma matéria que creio ser irrecusável, se formos para a questão do interesse, que é a questão de perguntar se é indiferente haver o "exercício em comum" da soberania de Portugal por outros países, em vez de ela ser apenas exercida pelo Governo português ou a "transferência de soberania" ou a "delegação de soberania" de Portugal na Comunidade Europeia. Creio que esta questão não é indiferente a muitos não residentes na Comunidade Europeia e, portanto, resta a tal consideração global para chegar a uma conclusão nesta matéria.
O Sr. Deputado Jorge Lacão colocou-me a questão relativa ao problema da participação futura poder depender do exercício do direito de voto no referendo do país de residência. Foi o argumento que coloquei, porque o artigo 8.º do Tratado da União Europeia aponta claramente nessa direcção em matéria de cidadania europeia e, portanto, a lógica do argumento apontaria claramente nesse sentido. Mas isto não significa, de forma nenhuma, que, enquanto não é eventualmente concedido um tal direito, se crie uma distorção nesta matéria, qual seja a da separação dos cidadão em vários patamares, com a ideia de que há um patamar que tem um interesse particular pela Comunidade Europeia e que, por isso, teria um direito de voto que é recusado a outros cidadãos.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que esta é uma ideia que nos é de todo em todo estranha e entendo que, designadamente, estando nós a discutir o que está previsto no n.º 6 do artigo 7.º, a "transferência de soberania" do Estado português para a Comunidade Europeia, esta é uma questão que interessa à generalidade dos cidadãos e é, por considerações de ordem pragmática, ou seja, pelas condições de liberdade e democraticidade do voto tomadas em termos globais que esta questão tem de ser equacionada e não propriamente pelo grau de interesse por esta matéria, pois, em meu entender, por aí não iríamos longe.
De resto, se fosse apenas tomado em conta o grau de interesse, então, seria legítimo perguntar ao PS por que é que não quer também o direito de voto em referendos que digam respeito à comunidade de emigrantes. Por exemplo, quando a Assembleia da República discutir como será a representação da comunidade de emigrantes junto do Governo português, poder-se-ia criar a possibilidade de haver uma capacidade eleitoral específica para decidir políticas de emigração? É a questão lógica que decorre deste tipo de argumento, da mesma forma que, eventualmente, poderia levar-nos a escolher, para outras matérias, diferentes capacidades eleitorais consoante os assuntos em discussão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
A decorrência daquilo que nos disse o Sr. Deputado Luís Sá é uma espécie de palavra de ordem: "Votem todos, dado que todos têm interesse nas políticas de vistos, de asilo e de emigração". É caso para perguntar, face a este tipo de problemáticas a decidir no quadro da União Europeia, por que é que não hão-de votar os povos do Magreb, que são provavelmente dos que têm mais interesse nesse tipo de políticas a decidir no quadro da União Europeia.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, estamos a falar de cidadãos recenseados em Portugal.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas o que é curioso é que, depois, o Sr. Deputado Luís Sá retira a conclusão contrária. Depois de querer estabelecer as contradições do PS para nos explicar que deveriam votar todos, politicamente, vai tirar a conclusão de que não deve votar ninguém - é este o paradoxo da posição do PCP; depois, vem dizer "Então, se não votam todos, hão-de todos apanhar na cabeça e ninguém vota. Estamos vingados"! É esta a posição final do Sr. Deputado Luís Sá, o que demonstra a falta de sentido político de tal posição e a falta de pertinência dos argumentos - custa-me dizê-lo, mas é a verdade.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, utilizando o argumento do Sr. Deputado Vital Moreira, foi a posição do PS até há poucas horas, pelo que não me parece tão aberrante como isso. Até há pouco tempo, era aquilo que o PS defendia, por razões que têm a ver com a reconhecida falta de democraticidade em grande parte dos países do mundo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Sá, eu compreendo as dificuldades em que está colocado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não tenho dificuldade nenhuma! A dificuldade é do PS!
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O Sr. Jorge Lacão (PS): - É uma dificuldade óbvia da qual só posso retirar uma consequência política: lamentarei profundamente que o PCP não se associe ao esforço do PS para garantir aos emigrantes portugueses que se encontram nos territórios da União Europeia a possibilidade do direito de voto em referendos que tenham a ver com as reformas da mesma União Europeia. É esse o lamento político que sublinho, por que é esse aquele que é politicamente relevante. Tudo o resto, Sr. Deputado Luís Sá, é um "cortina de fumo".
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito na sequência da intervenção do Sr. Deputado José Gama, que, entretanto, se ausentou.
De qualquer forma, penso que valerá a pena lembrar o seguinte: creio que esta discussão, em grande medida, a partir de certa altura do debate, começou a ser um relativo jogo de sombras, do qual não saímos com facilidade. Creio que o que está aqui em jogo, basicamente, é a tentativa de conciliação de dois princípios: o princípio do exercício da cidadania electiva pelos portugueses e o princípio democrático.
E aqui valeria a pena regressar, mais uma vez, à ideia da república. O artigo 150.º da Constituição diz: "A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses" e não é por acaso que o, então, Sr. Deputado do PPD-PSD, Mota Pinto, sugeriu a ideia de "Assembleia da República" e não de "assembleia do Estado" ou "assembleia da Nação". E sugeriu-a como representativa de todos os cidadãos portugueses, no sentido em que os cidadãos vão exercer o seu poder e o seu mandato por sufrágio universal e nas demais formas previstas na Constituição. Depois, o artigo 14.º limita que essas demais formas previstas na Constituição têm particularidades específicas para os portugueses que residam no estrangeiro.
Depois, como todos sabemos, mas vale a pena lembrá-lo, segundo o texto da Constituição, nem todos os portugueses votam. O sufrágio universal é um quadro de participação electiva que tem limites, para os residentes, para quem vive em Portugal. Há 2,5 milhões de portugueses que não votam porque não têm idade para votar. Só votam os que estão em condições de o fazer. Aliás, esse "votar" é arbitrário, porque o limite de idade já foi aos 21 anos, agora é aos 18, poderá ser aos 16 anos... Isto significa que o sufrágio tem limites de votação em função da condição de voto. Neste caso, a condição posta é de entendimento, naturalmente. Para o caso dos que estão fora de Portugal e para os residentes, não é uma questão de entendimento mas, sim, de pertinência, especificidade, conexão, possibilidades de participação. Portanto, são também condições de entendimento na deliberação democrática.
Mas não nos podemos espantar demasiado, pois o sufrágio universal e o universo electivo é um universo democrático em que o princípio democrático não é absoluto. O argumento de absurdo que os senhores apresentaram, contra o qual estou usar também um argumento de absurdo, de dizer que todos os emigrantes votam, levaria a dizer que todos os portugueses votam. Ora, nem todos votam, por razões óbvias, nem todos os emigrantes nem todos os que têm a nacionalidade portuguesa estão em condições de votar.
Pelo que o voto deve ter razões, e isso já aqui foi dito, de pertinência, de conexão, de aproximação aos problemas, de especificidade no voto, porque, sem isso, o voto não é verdadeiramente democrático, e todos o sabemos.
Portanto, quando tanto se advoga, sobretudo hoje, o princípio da subsidariedade, não nos devemos esquecer que este princípio também é aplicável neste caso. Digamos que quem está próximo dos problemas e das situações tem o direito de votar e participar, e muito mais, naturalmente, quando os poderes necessários que se invocam são os da construção europeia, pois as pessoas estão no âmago dessa construção.
A solução do Partido Socialista passa por uma redefinição do sufrágio, que, apesar de ser universal, não é absoluto. Trata-se de uma aproximação sobretudo no sentido da pertinência, de um alargamento, e quem está contra este alargamento votará contra, porque quer atrofiar os diversos universos da votação.
Aliás, regresso aos argumentos já avançados pelos meus colegas, no sentido de que há vários sufrágios eleitorais. Há o sufrágio para os residentes em Portugal, que tem a limitação dos 18 anos, e já teve a dos 21,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E outros!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Há outros, inclusive devido às reservas que constam da adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Há outros, aos quais o Sr. Deputado nunca se opôs. E fez bem.
Depois, há a limitação dos emigrantes em relação a tipo de eleições, nomeadamente para o Presidente da República.
Portanto, admitimos que haja sufrágios diversos dentro do princípio geral de representação de todos os portugueses.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou alongar-me muito, pois penso que os argumentos já começam a entrar na fase repetitiva. Vou apenas fazer uma intervenção em jeito de balanço.
Em primeiro lugar, não me dirijo ao Sr. Presidente mas, sim, ao Deputado Vital Moreira. Não me leve a mal, mas, de facto, não esperava um manifesto "anti-igualdade" dos cidadãos emigrantes, de cidadania dos emigrantes portugueses...
O Sr. Presidente: - "Anti-injustiça". Só propus a "anti-utilização" dos emigrantes como "carne para canhão" de um projecto demagógico de oportunismo político!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não esperava esse manifesto de "anti-igualdade" da cidadania dos emigrantes portugueses,...
O Sr. Presidente: - "Anti-injustiça" e "anti-oportunismo" político!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - ... de resto, timidamente corroborado depois, com algumas pinceladas, para tentar ir um pouco mais longe e utilizar outro tipo de argumentos, por alguns outros Deputados do Partido Socialista.
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No entanto, registamos esse manifesto e lamentamos que essa visão possa prevalecer ainda no PS.
Quanto aos argumentos expendidos sobre a proximidade às decisões, quero recordar que não vale a pena ocultar esse facto. Os cidadãos portugueses, pelo simples facto de o serem, residam eles onde residirem, são cidadãos europeus. E, como cidadãos europeus que são, têm toda a proximidade possível e imaginária aos problemas relacionados com o futuro da Europa. A cidadania europeia resulta do facto de eles serem cidadãos europeus e não do facto de residirem em França, na Venezuela ou na Tailândia. Pelo contrário, essa cidadania europeia, quiçá, é mais relevante e significativa ainda em muitos dos interesses pessoais desses cidadãos pelo facto de eles residirem fora do espaço europeu.
Ainda agora se verificou, de resto, como já foi aqui referido hoje de manhã, quando acontecem perturbações como as que se verificaram no Uganda e na República Centro-Africana, a importância que tem o acquis que resulta do facto de esses cidadãos, por serem portugueses, também serem cidadão europeus para as respectivas vidas, bens e famílias.
Ora, do nosso ponto de vista, é tudo isso que está a ser desbaratado e mal equacionado pelo Partido Socialista, quando pretende restringir a capacidade eleitoral em matérias deste tipo ao aspecto da residência, da vivência num determinado espaço territorial.
Acrescento ainda que, mau grado o esforço que o Dr. Jorge Lacão aqui fez, ao tentar, primeiro, "namorar" o Partido Popular, no sentido de ver se este dava alguma "mãozinha" para conseguir aprovar a sua proposta; depois de verificar que estava perfeitamente isolado nessa sua proposta, tentar "namorar" o PP para que este ajudasse a que a sua proposta não caísse; e, finalmente, vituperar o Partido Comunista Português, quando a verdade é que o PCP é que tem sido - verdade seja dita - perfeitamente coerente na sua posição,...
Risos do PS.
A verdade é esta: o PCP tem dito desde o início que não concorda que se estenda a capacidade eleitoral neste tipo de sufrágios. O Partido Socialista é que, muito incomodado pela necessidade de ter de excluir determinado tipo de cidadãos portugueses, veio atacar o PSD e o PP e, depois, em desespero de causa, vituperar as posições do PCP, porque o que está aqui em causa é a exclusão que o PS pretende fazer de alguns cidadãos portugueses e não - nunca! - a inclusão de outra parte, que, ainda por cima, é pequena, que é a dos que residem em Estados membros da União.
Na realidade, o PCP tem dito sempre que não quer que se estenda o direito de voto. Agora, os senhores é que estão muito incomodados, porque se viram obrigados, por força da evolução das circunstâncias e das coisas, a estender este tipo de referendo, de consulta, a alguns cidadãos que, no passado, o vosso partido, tal como o PCP, não concordava minimamente que pudessem também participar...
O Sr. Presidente: - E o PSD!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD regista que o Sr. Deputado Vital Moreira ficou muito impressionado há pouco com o facto de nos termos sentido iluminados na estrada de Damasco. Ora, nós ficámos a saber que VV. Ex.as ficaram em Jerusalém, nem de lá saíram. Nós, ao menos, ainda nos metemos na estrada de Damasco, VV. Ex.as nem de lá saíram. O conservadorismo do PS, aí, é total. Ficaram lá, não saíram, não puderam beneficiar da iluminação divina, pura e simplesmente, cristalizaram-se na posição assumida.
Termino, apenas dizendo que, de facto, constata-se que o PS, embora sentindo a necessidade de vir um pouco ao encontro das teses defendidas pelo PSD no seu projecto de revisão constitucional, ao qual já houve politicamente a adesão, neste pormenor, do PP, envergonhadamente continua a querer excluir, com uma falência total de argumentos, alguma parte significativa dos cidadãos portugueses. Neste caso, optou pelo argumento da residência no território dos Estados membros da União Europeia, em total contradição com a lógica da própria cidadania europeia, que nada tem a ver, como todos sabemos, com a territorialidade da residência e tudo com a cidadania nacional que cada uma dessas pessoas, individualmente, transporta.
Para nós, a questão relaciona-se com o facto de saber se o que está aqui em causa é o problema da integração europeia, da cidadania europeia, que diz respeito a cada um de nós, relaciona-se com a existência ou não dessa cidadania e não com a residência neste ou naquele território. Deveria ser esse o critério a adoptar pelo PS, com o critério da proximidade dos cidadãos à decisão em causa. O problema relaciona-se com a cidadania europeia e não com a territorialidade da sua residência.
Assim, não podemos concordar com este argumento apresentado pelo PS.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Por isso é que o Deputado José Magalhães propôs que isto fosse para as disposições transitórias!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma pergunta.
O pressuposto é este: não é de agora mas de há muito que o PS não aceita a proposta que o PSD sustenta para um alargamento indiscriminado do direito de voto, por a considerar demagógico, sem ponderação democrática suficiente e, como tal, impossível de ser partilhada nos termos em que é apresentada.
Por causa dessa proposta, que é mais uma bandeira demagógica do que verdadeiramente algo com sentido construtivo,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há 20 anos que tem esse discurso!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ... o PSD, na Legislatura passada, bloqueou uma revisão constitucional, impediu a reforma das leis eleitorais,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já deviam ter aprendido!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - ... e, com essa lógica imobilista, não se concretizou a revisão constitucional, nem a reforma das leis eleitorais, nem regionalização, conforme todos estamos recordados.
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Nesta matéria, mais uma vez e neste momento, será que o PSD, em nome de uma lógica maximalista, vai continuar na lógica imobilista?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Na lógica democrática!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ou seja, como o PSD continuará a não encontrar condições para fazer passar uma proposta que consideramos que não pode passar, dada a carga demagógica e inconsequente que revela, a pergunta é: com isto, o PSD, para além de ter, no passado e até hoje, bloqueado tudo o que bloqueou, em matéria de reformas possíveis, vai continuar agora a impedir que os emigrantes residentes no território dos Estados da União Europeia possam vir a...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais divisões entre emigrantes, não!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, não está a falar das vezes em que prescindimos dessa...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Miguel Macedo não está inscrito.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Posso fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Lacão?
O Sr. Presidente: - Não pode!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para responder.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou ser muito breve, para não alongar o debate.
Sr. Deputado Jorge Lacão, respondo apenas com o seguinte: o que o PS está a pedir ao PSD é que alinhe em mais uma divisão entre os emigrantes. Isso é completamente inadmissível.
Devolvo-lhe o que foi perguntado há pouco e não mereceu qualquer resposta por parte dos Deputados do PS: é este o contributo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pretende dar para assinalar aquele relevante acto que vai ter lugar amanhã, em Lisboa, de constituição da CPLP? O PS entende também que os emigrantes portugueses que vivem em Cabo Verde, em São Tomé, em Angola, no Brasil, nada têm a ver com a integração europeia, com o aprofundamento da União Europeia? É esse, de facto, o entendimento que o PS tem?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, a técnica da "sopa de pedra" pratica-se em Almeirim, não aqui!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vou fazer uma pergunta muito breve.
Na tradição da argumentação por absurdo que o Deputado Alberto Martins aqui iniciou, em defesa do argumento da conexão e da proximidade, quero perguntar-lhe, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se o PSD também vai propor que, no referendo sobre a instituição em concreto de cada região, votem os naturais dessa região, independentemente da localização da sua residência.
Aliás, esta pergunta poderia ser extensiva, em última análise, a outras eleições, designadamente às eleições regionais na Madeira. O Sr. Deputado Guilherme Silva, que propõe o alargamento do voto aos emigrantes madeirenses no estrangeiro, já pensou em propor o alargamento do voto aos "emigrantes" madeirenses no continente?
O Sr. Presidente: - Já pensou! Aliás, já propuseram isso!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É uma pergunta simples, mas, se calhar, pertinente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Cláudio Monteiro - e isto não tem qualquer desconsideração pessoal -, de facto, penso que não se tratou de uma pergunta feita com seriedade para o andamento dos trabalhos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é!?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é! Não é uma pergunta séria!
Sr. Deputado, estar a fazer uma pergunta dessas é apenas para nos fazer perder tempo à volta desta mesa! Com toda a franqueza!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É para saber até que ponto é que vai a rejeição do argumento da proximidade aferida em função da residência do cidadão eleitor! É uma pergunta legítima!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É para criar confusões no andamento do processo de revisão!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A visão comunitarista aplicada, inclusive, às regiões administrativas também não levaria a permitir que os beirões residentes em Lisboa votassem na instituição de uma região na Beira? Essa lógica levada ao absurdo leva a isso!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O argumento da proximidade era vosso!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, infelizmente não pude acompanhar toda esta discussão que começou de manhã, mas o bocadinho a que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, corre o risco de dizer o que já foi dito 10 vezes!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vale a pena! Vale a pena!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Corro o risco, mas acho que a importância da matéria justifica que o repita.
O Sr. Presidente: - O argumento ad nauseam costuma ser pouco justificativo!
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Confesso que este bocadinho do debate que acompanhei me traz algum incómodo. Penso que estamos, com alguma ligeireza, a abordar uma questão que, 22 anos passados sobre a instauração da democracia,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas se não participou no debate!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já disse que ajuizava o bocadinho a que assisti, portanto...
O Sr. Presidente: - Prossiga, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães está distraído!
Passados 20 anos sobre a aprovação da Constituição e 22 sobre a instauração da democracia em Portugal, acho que é doloroso estarmos aqui com defesa de juízos e de soluções restritivas ao exercício do direito de voto a parte de cidadãos portugueses que se têm alguma coisa que os diferencie de nós é em favor deles, no sentido de terem sido obrigados a deixar o País para poderem sobreviver.
Não me parece que os argumentos que o Sr. Deputado Alberto Martins invocou como restritivos ao exercício do direito de voto o sejam rigorosamente, excepto as situações de consequências criminais que levam à suspensão ou à inibição do exercício de determinados direitos cívicos, designadamente o direito de voto.
O problema dos 18 anos tem a ver, naturalmente, com uma capacidade que todas as legislações - e bem! - estabelecem relativamente ao exercício de um direito que não pode ser ajuizado senão quando já há uma determinada maturidade para o efeito.
Custa-me ouvir esses argumentos, porque é tratar os emigrantes como menores e parece-me, efectivamente, que o respeito que devemos aos cidadãos portugueses emigrados não se compadece com esse tipo de juízo.
Por outro lado, acusar o PSD de obstrução nesta matéria é o que há de mais infundado e é a acusação menos razoável que se pode fazer, porque, em 1982, o PSD apresentou uma proposta no sentido de alargar o direito de voto aos emigrantes e, em 1989, voltou a apresentá-la...,
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o PS recusou!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... mas, por imposição do PS, não pôde fazer vingar essa solução. Portanto, Srs. Deputados, se tem havido obstrução nesta matéria, ela tem sido do Partido Socialista. E é tempo de não haver.
Aquilo que pedimos ao Sr. Deputado Jorge Lacão não é, tal qual adiantou, que construamos a possibilidade de os emigrantes residentes na Europa votarem mas, sim, que VV. Ex.as não obstem a possibilidade de todos os emigrantes, independentemente de residirem ou não na Europa, votarem, que é uma situação de obstrução, que é bem mais grave.
Mas há outra questão, que tenho visto sempre trazida à liça nestas matérias - e é um argumento constante do Partido Socialista -, que são os argumentos processuais.
Há aqui umas situações em que o voto dos emigrantes será transparente, será democrático, que é o caso dos emigrantes na Europa, mas haverá outras em que o voto dos emigrantes, por questões processuais, não será democrático nem transparente, que é o caso dos emigrantes de fora da Europa. Que diabo! O que é que distingue essas outras sociedades onde estão os nossos emigrantes, hoje com processos informáticos...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Professor Jorge Miranda já dizia isso há muitos anos!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... e com processos de comunicação tão aperfeiçoados?! Não haverá realmente uma forma de encontrar as soluções adequadas para garantir a transparência e a democraticidade desses votos?!
Srs. Deputados, por amor de Deus, não neguem a questão substantiva por razões processuais, que são, efectivamente, inexistentes e que são apenas inventadas...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador) ... estrada de Damasco.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... para negar um direito fundamental aos cidadãos emigrantes, independentemente do País onde residem.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes ficou fascinado pela minha imagem da estrada de Damasco!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Srs. Deputados, penso que o juízo que tem de fazer-se relativamente ao exercício do direito de voto... E isto é tanto mais chocante quanto estamos a tratar de um instituto de aprofundamento e aperfeiçoamento da democracia, como é o referendo, com entorses antidemocráticas desta natureza! Alguma coisa não bate certo nestas soluções restritivas!
Se vamos aprofundar e aperfeiçoar o instituto do referendo, então que o façamos num elemento fundamental que é quem pode, efectivamente, beneficiar e exercer os direitos decorrentes do referendo na escolha e pronunciando-se através da participação e da votação que esse instituto proporciona e permite!
O argumento do interesse. Penso que o interesse relativamente ao exercício e à participação cívica na votação, seja em referendo seja em outros actos eleitorais, tem de se ver de uma forma global, de uma forma que tenha presente o interesse nacional, que é a ligação que esses portugueses mantêm a Portugal, ao Estado português, à República Portuguesa. E, obviamente, escolher soluções no seio da União Europeia e alterar o Tratado da União Europeia são questões que têm a ver com o nosso destino colectivo, independentemente daquelas questões pontuais, já aqui referidas, da cidadania europeia, que garante protecções aos cidadãos portugueses residentes noutros países, que não nos países da União Europeia, que é uma questão de uma conexão mais directa - e outras alterações haverá que lhes dizem directamente respeito -, das quais não se deve alhear os cidadãos portugueses residentes noutros países.
E quero dizer-vos uma coisa: acho que esta solução do PS de introduzir o direito de voto exclusivamente para os emigrantes residentes na Europa é pior,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ao menos que haja duas categorias e não três ou quatro!
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... pelo que tem de punição e exclusão dos demais cidadãos portugueses emigrados noutros lados e de discriminação de todo inqualificável, do que manter a solução que está. Então, que se reconheça isso! Não se faça aqui uma subdivisão de portugueses outra vez. Já há a que há! Que não se faça uma segunda!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, na medida em que a posição do PP foi interpelada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, queria deixar claro o seguinte: estamos no momento em que se vai definir ou formatar a intervenção dos emigrantes em matéria referendária e, portanto, batemo-nos por aquilo em que acreditamos. Batemo-nos por aquilo que consideramos justo e bater-nos-emos até ao limite da discussão. Nada disso tem a ver, Sr. Deputado Jorge Lacão, e, portanto não confunda as duas questões, com o considerarmos que o não termos vencimento nesta questão, permitirá ou deverá permitir bloquear outras questões.
Nós, ao contrário da sua posição - e desculpe que lhe diga isto -, que foi um bocadinho birrenta, porque veio dizer "vocês são contra isto, então, não vamos deixar os emigrantes da União Europeia participarem no referendo".
Sr. Deputado Jorge Lacão, essa ideia luminosa vem de há muito pouco tempo. E, portanto, VV. Ex.as, agora, inventam umas ideias, depois, põem-se com um ar birrento a dizer: "ou votam ou a gente não deixa...". Portanto, fazem uma chantagem instantânea um bocadinho birrenta, que não faz qualquer sentido.
E, portanto, também não conte connosco para o seguinte: batemo-nos por aquilo em que, confessadamente, acreditamos, pela capacidade de participação dos emigrantes nesta matéria, mas, se não obtivermos vencimento, paciência, democraticamente aceitamos o resultado.
Agora, não nos peça para estarmos a criar, de facto, eleitores de 1.ª, eleitores de 2.ª e eleitores de 3.ª, porque já temos na Constituição alguma...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já existem!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Lamentavelmente, em relação a uma eleição!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Foi um apelo ao seu pragmatismo, Sr. Deputado Paulo Portas! Não percebeu!?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, terá direito a interpelar o Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Objectivamente! A Constituição já trata de forma, a nosso ver, imperfeita a questão dos emigrantes na votação para o Presidente da República. Ora, se aceitássemos esta proposta do Partido Socialista, passávamos a ter os cidadãos de 1.ª, que são os que residem no território nacional e nas ilhas; os cidadãos de 2.ª, que são os que residem , apesar de tudo, no território da União Europeia; e os cidadãos de 3.ª, que são os das sobras, só porque são vivem no território da União Europeia. Isso é que não podem pedir que aceitemos!
Convém que nenhum partido nesta sala comece a fazer birra, por causa de, de repente, reparar que não há consenso para fazer vencer uma determinada proposta.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador) ... descoberto a pólvora!
O Sr. Presidente: - A questão tinha ficado remissa desde a discussão, Sr. Deputado Miguel Macedo!
Como não há ninguém inscrito, vamos proceder à votação...
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP) - Sr. Presidente, esqueci-me de dizer uma coisa ao Sr. Deputado Jorge Lacão: quanto à discussão sobre povo e nação, convinha trazer alguns elementos históricos republicanos do Partido Socialista, porque, como sabe, a República tem, na história dos regimes políticos em Portugal, talvez a mais alta consideração sobre o valor da nação.
Na vossa ideologia está o valor da nação!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, o problema é que há conceitos de nação no plural! Esse é que é o problema!
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Por isso é que é meta-histórico e não de uma conjuntura histórica!
O Sr. Presidente: - Não, não! O vosso conceito é que é meta-histórico, o nosso não!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E o vosso é metafísico!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabada a discussão, vamos proceder à votação, começando pela proposta do PSD de alargar a participação em todos os referendos aos cidadãos residentes fora do território nacional.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.
Era a seguinte:
Os cidadãos eleitores podem ser chamados a pronunciar-se (...).
O Sr. Presidente: - Vamos, agora, proceder à votação da proposta do PS, tal como foi formulada e distribuída, de alargamento do direito de participação em referendo aos cidadãos residentes nos Estados membros da União Europeia quanto aos referendos que tenham a ver com as matérias do artigo 7.º, n.º 6, da Constituição, ou seja, questões respeitantes ao alargamento dos poderes da União Europeia.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS-PP e do PCP e votos a favor do PS.
Era a seguinte:
Os cidadãos portugueses residentes em Estado membro da União Europeia podem ser chamados a participar em referendos que tenham por objecto matérias a regular nos tratados a que se refere o artigo 7.º, n.º 6.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as duas propostas foram rejeitadas e, por isso, a Constituição, salvo outra decisão, ficará como está.
Srs. Deputados, no início da reunião, tinha sugerido que haveria uma pausa para café e que a reunião terminaria às 19 horas e 30 minutos. No entanto, foi-me pedido que a reunião terminasse mais cedo e, por isso, que renunciássemos à pausa, o que irá acontecer. A reunião será, assim, interrompida mais cedo.
Uma voz não identificada: - A que horas, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Barbosa de Melo esta interessado em que ela terminasse...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Por volta das 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Então, terminaremos a reunião entre as 18 horas e 30 minutos e as 19 horas.
Vamos passar agora às propostas relativas ao objecto do referendo, que são muitas. Elas foram todas discutidas, pelo que, em princípio, não haverá reabertura da discussão, salvo se houver propostas novas.
Entretanto, Srs. Deputados, reparei que, por lapso meu, em matéria de iniciativa, não procedi à votação de uma proposta do PP, que propõe a obrigatoriedade do referendo em matéria de tratados que comportem a atribuição a organizações internacionais de competências de órgãos de soberania do Estado português.
Esta proposta que está no n.º 3 do artigo 118.º pertencia ainda ao capítulo da iniciativa, a que, por natureza, deve pertencer, dado que é um referendo obrigatório. Como não foi votada, vamos proceder à sua votação.
Trata-se do n.º 3 do artigo 118.º do projecto do PP, que diz: "O Presidente submeterá a referendo nacional a aprovação de tratados que comportem a atribuição a organizações internacionais de competências dos órgãos de soberania do Estado português".
Vamos, portanto, votá-la, na medida em que comporta um referendo obrigatório, de convocação obrigatória.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a proposta do PS que acabámos de votar tem uma extrema prudência que, aliás, creio ser inspirada numa formulação similar do projecto do PCP,...
Uma voz não identificada: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se isto faz diferença ao Sr. Deputado, retiro esta parte!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Digo: é inspirada na Constituição, isto é, remete para o artigo 7.º, n.º 6, em vez de utilizar fórmulas do tipo "atribuição a organizações internacionais de competências dos órgãos de soberania do Estado português". Porque é sabido que, nesta matéria, a fórmula da Constituição é "exercício em comum de soberania", a doutrina discute se é delegação de poderes e toda a gente, em geral, evita utilizar uma fórmula do tipo "atribuição a organizações internacionais de competências dos órgãos de soberania do Estado português".
Portanto, independentemente, da questão de fundo, há uma questão de forma que não deixa igualmente de ser relevante e sobre a qual creio que valeria a pena ouvir os Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como na discussão não houve, indiciariamente, ideia de que a proposta pudesse ser aprovada, penso que podemos prescindir de apurar a sua formulação concreta.
O que está em causa é saber se há referendo obrigatório em tratados que tenham a ver com isso e, portanto, penso que, para já, independentemente do objecto, onde vamos passar mais à frente, o que está à discussão é saber se nessa área deve haver referendos obrigatórios, isto é, por decisão necessária do Presidente da República. É este o sentido da proposta do PP.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, compreendo a questão, mas o sentido da minha intervenção também tinha a ver com o eventual sentido de voto. É que, podendo ter simpatia e compreensão pelo fundo da proposta, a formulação é uma questão relevante para o sentido de voto que venhamos a adoptar.
O Sr. Presidente: - Pergunto aos proponentes se estão abertos a reformular o teor literal da proposta para atender às considerações do PCP, já que disso depende o seu sentido de voto.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que foi feita a votação que foi feita sobre o equilíbrio de poderes de iniciativa no contexto dos órgãos de soberania, presumi que V. Ex.ª ia pôr a votação a nossa proposta devidamente limada desse pormenor formal, que foi prejudicado logo pela primeira votação sobre este artigo aqui na Comissão. Portanto, julgo que o que resta de útil para votar nesta nossa proposta é a obrigatoriedade de submeter a referendo "(...) tratados que comportem (...)". Julgo que é isso que resta...
O Sr. Presidente: - É isso mesmo que estamos a votar!
Mas o PCP parece que faz questão de saber quanto à designação dos tratados que seriam obrigatoriamente sujeitos a referendo. Vocês dizem: "(...) tratados que comportem a atribuição a organizações internacionais competências dos órgãos de soberania do Estado português" e o PCP faz, aparentemente, questão de perguntar se o PP estaria disponível para substituir essa formulação por "(...) tratados respeitantes ao artigo 7.º, n.º 6, da Constituição". É isso, Sr. Deputado?
A proposta passa a dizer aquilo que acabei de dizer, ou seja, "(...) tratados que importem o exercício em comum de poderes soberanos, tal como consta do artigo 7.º da Constituição".
Vamos, então, passar à votação desta proposta assim reformulada ou seja, referendo obrigatório dos tratados que tenham a ver com - dito de forma leiga - o alargamento de poderes da União Europeia".
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do CDS-PP e do PCP.
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Era a seguinte:
"(...) tratados que importem o exercício em comum de poderes soberanos, tal como consta do artigo 7.º da Constituição"
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos, agora, às questões sobre o objecto do referendo, portanto, às várias propostas, todas elas no sentido de alargamento do âmbito do referendo em relação ao actual desenho constitucional.
Começamos pela ordem da discussão. A proposta de alteração do PSD, é no sentido de admitir referendos confirmativos de leis de revisão constitucional. É a primeira parte do n.º 3 do artigo 118.º do projecto do PSD, que diz: "Podem ser objecto de referendo os decretos da Assembleia da República respeitantes a leis de revisão constitucional, aprovados com observância dos artigos 284.º, 285.º e 286.º(...)". É este segmento da proposta do PSD que está em votação.
Submetida à votação, foi rejeitada, com os votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.
Era a seguinte:
Podem ser objecto de referendo os decretos da Assembleia da República respeitantes a leis de revisão constitucional, aprovados com observância dos artigos 284.º, 285.º e 286.º(...).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos deixar para o final a questão das convenções internacionais.
Passamos à votação das propostas de alargamento do referendo às matérias do artigo 167.º da Constituição, que hoje estão vedadas. Aqui existem várias propostas de âmbito bastante diverso. Uma que alarga o referendo a todas as matérias do artigo 167.º, que suponho que é o caso da proposta do Srs. Deputados Cláudio Monteiro e outros...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Há excepções materiais que podem caber, eventualmente...
O Sr. Presidente: - Sim, com algumas excepções elencadas! Mas o princípio era alargamento do referendo a todas as matérias do artigo 167.º, salvo os actos de conteúdo orçamental, tributário e financeiro, que são, aliás, as que já constam como excepções.
Vamos, então, votar o alargamento do referendo a todas as matérias do artigo 167.º, salvo as ressalvas genéricas que já constam hoje da Constituição.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS-PP e do PCP e votos a favor do PS.
Era a seguinte:
São excluídas do âmbito do referendo quaisquer matérias relativas a (...) estado de sítio ou de emergência.
O Sr. Presidente: - Vamos votar as propostas de alargamento parcial a algumas das matérias hoje constantes do artigo 167.º. Creio que a mais ampla agora é a do PSD, que exclui do artigo 167.º apenas as alíneas d), e), m) e p) Assim, passariam a ser objecto de referendo todas as matérias constantes do artigo 167.º, excepto as previsto nas alíneas d), e), m) e p). Supondo que correspondem à actual alineação desse artigo, teria a ver com as matérias de índole militar, se não estou em erro.
Portanto, passarão a ser objecto de referendo todas as matérias do artigo 167.º, excepto "a organização da defesa nacional, definição dos deveres (...)", "regimes do estádio de sítio e do estado de emergência", "inclusão na jurisdição dos tribunais militares (...)" e "restrições ao exercício de direitos por militares (...)".
Como já está entendido o alcance da proposta do PSD, vamos votá-la.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro e a abstenção do CDS-PP.
Era a seguinte:
São excluídas do âmbito do referendo as matérias referidas (...) nas alíneas d), e), m) e p) do artigo 167.º (...).
O Sr. Presidente: - Ainda sobre o artigo 167.º, vamos votar a proposta do PS, que é a mais contida, que alarga apenas o referendo à alínea i). Portanto, mantém a restrição do referendo sobre todas as matérias do artigo 167.º, excepto em relação às da alínea i) que tem a ver com "bases do sistema de ensino", sobre a qual passaria a ser lícito constitucionalmente o referendo.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP.
É a seguinte:
São excluídas do âmbito do referendo: as matérias previstas no artigo 167.º da Constituição, com excepção do disposto na alínea i).
O Sr. Presidente: - Existe qualquer outra proposta referente ao artigo 167.º? Suponho que não há mais propostas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era para, muito rapidamente, deixar duas considerações. O Partido Social Democrata votou favoravelmente por, como é óbvio, o proposto de alargar à alínea i) se conter no conteúdo útil da proposta do PSD.
Agora, vendo isto isoladamente, não entendemos, como deixámos claro no debate prévio que houve sobre a matéria, a lógica do Partido Socialista de pôr esta alínea isolada e, fundamentalmente - e era a principal razão de ser da nossa declaração de voto -, queremos deixar aqui claro que nos parece completamente incompatível este tipo de solução, nomeadamente com a questão da iniciativa que também já aqui foi hoje discutida.
Indo concretamente à questão: é evidente que não podemos concordar com o alargamento á alínea i), por hipótese,
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o regime do referendo se a sua iniciativa puder ser exercida directamente por grupos de cidadãos junto do Presidente da República.
É que as bases do sistema de ensino são da competência legislativa da Assembleia da República e o Partido Socialista defende, em simultâneo com este alargamento à alínea i), que a iniciativa do referendo possa ser feita directamente por grupos de cidadãos junto do Presidente da República, o que, do nosso ponto de vista, revela um dos aspectos a que aqui chamámos a atenção, ou seja, a subversão total do equilíbrio actual da divisão de poderes existente entre os vários órgãos de soberania, porque, a levar às últimas consequências este tipo de solução preconizado pelo Partido Socialista nas duas partes da sua proposta quanto ao regime do referendo poder-se-ia chegar ao absurdo de a Lei de Bases do Sistema de Ensino ser aprovada pelo Governo e pela Assembleia da República e o Sr. Presidente da República decidir, através de um processo de referendo suscitado por um grupo de cidadãos, pôr em causa essa decisão do Governo e da Assembleia da República e abrir, assim, uma crise na própria lógica interna do funcionamento do sistema de democracia representativa.
Queria deixar esta referência, porque o Partido Social Democrata nunca concordaria com o resultado conjugado destas duas posições do Partido Socialista, pese embora, isoladamente, como estamos a fazer a votação quanto ao alargamento da base material do referendo a matérias que tenham a ver com o sistema de ensino, estamos de acordo, desde que no plano da iniciativa do referendo seja salvaguardada a posição que defendemos sobre esta matéria.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, tanto quanto me apercebi, não pôs à votação a nossa proposta para o artigo 167.º.
O Sr. Presidente: - Tem razão, ainda não foi votada.
Aliás, chamo a atenção para o facto de haver uma proposta apresentada pelo CDS-PP, que não está prejudicada, que alarga o referendo às matérias previstas nas alíneas n), s) e t) do artigo 167.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (CDS-PP): - Mas as alíneas s) e t) não existem na redacção actual.
O Sr. Presidente: - Existem, sim, na proposta do CDS-PP.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Estão relacionadas com as alterações que propomos para o artigo 167.º. A alínea s) é do seguinte teor: regime geral das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas e a alínea t): estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.
O Sr. Presidente: - Tudo o resto que está no artigo 167.º passaria a...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Passaria também a ser objecto...
O Sr. Presidente: - Portanto, esta era a proposta mais ampla a seguir à do Deputado Cláudio Monteiro. Deveria ter sido votada a seguir a essa, não o foi mas continua a não estar prejudicada. O facto de já termos votado a proposta referente ao sistema de ensino não significa que não devamos alargar o referendo aos outros casos.
Vai ser votada a proposta apresentada pelo CDS-PP relativamente ao alargamento do referendo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a votação separada de cada alínea. O Partido Social Democrata vota favoravelmente a alínea n) pelas mesmas razões por que votou favoravelmente a alínea i) proposta pelo PS mas, com as alíneas s) e t), não podemos estar de acordo.
O Sr. Presidente: - A proposta do CDS-PP é no sentido de alargar o referendo apenas às matérias referidas nas alíneas n), s) e t) do artigo 167.º mas o Sr. Deputado Jorge Ferreira tinha dado má conta da sua própria proposta.
Repito, segundo a proposta do CDS-PP, são excluídas do âmbito do referendo as matérias previstas no artigo 167.º, excepto o disposto nas alíneas n), s) e t). Portanto, só alarga o referendo às matérias previstas nas alíneas n), s) e t) constantes do seu projecto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Concordamos apenas com a alínea n).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alargamento do referendo, em primeiro lugar, à matéria da alínea n) do artigo 167.º, que diz respeito ao regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Vamos votar a proposta de alargamento do referendo à matéria da alínea s) do artigo 167.º, que diz respeito ao regime geral das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do P e do PSD e votos a favor do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Vamos votar a proposta de alargamento do referendo à matéria da alínea t) do artigo 167.º, que diz respeito ao estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em jeito de interpelação, quero perguntar-lhe se confirma que o Partido Socialista votou contra o alargamento do referendo ao regime de criação de autarquias locais tendo votado a favor do regime de criação de autarquias e regiões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Partido Socialista votou contra o alargamento do referendo ao estatuto das autarquias locais, votação que acabámos de realizar.
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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É uma contradição insanável.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E, quanto ao alargamento do referendo ao regime de criação de autarquias e regiões, votou a favor?
O Sr. Presidente: - Essa votação já tinha sido realizada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, confirma-o?! Como é que se resolve o problema?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, era só para ressalvar que o Partido Socialista votou contra com excepção do Deputado Cláudio Monteiro, que votou a favor.
O Sr. Presidente: - Fica registado.
Em todo o caso, devo dizer que o objecto não é o mesmo. O referendo sobre as regiões administrativas é relativo à sua implementação e não ao estatuto das regiões. Fica feita a ressalva, para que não subsista uma óbvia confusão.
Ainda no âmbito do artigo 167.º, foi apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho uma proposta no sentido de alargar o referendo às matérias referentes à organização da defesa nacional, que é do seguinte teor: "São excluídas do âmbito do referendo as matérias previstas no artigo 167.º, com excepção das referentes à organização da defesa nacional". Esta proposta foi discutida e vai ser votada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, na ausência do Deputado Pedro Passos Coelho, gostava de fazer uma pequena rectificação ao texto que o Sr. Presidente acabou de colocar à votação. Recordo-me de que, na discussão, interpelado pela Secretária da Mesa, Dr.a Maria Carrilho, o Deputado Pedro Passos Coelho corrigiu a sua proposta no sentido de a mesma dirigir-se fundamentalmente aos deveres decorrentes da defesa nacional e não à organização de defesa nacional.
O Sr. Presidente: - Tem razão. O que estava em causa era o eventual referendo sobre...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O serviço militar obrigatório.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, a proposta vai ser votada com o sentido que acaba de ser-lhe dado, ou seja, admitir o referendo sobre os deveres decorrentes da defesa nacional na parte em que eles venham a estar ou sejam constitucionalmente discricionados por imposição do legislador.
Vamos votar esta proposta.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP e o voto a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, vamos passar ao alargamento do referendo às matérias do artigo 164.º, no que distinguirei dois temas. O tema geral é decorrente da proposta do Deputado Cláudio Monteiro para o n.º 2 do artigo 118.º, que alarga o referendo às matérias do artigo 164.º com as excepções aí previstas, ou seja, alterações à Constituição, amnistias e perdões genéricos, actos de conteúdo orçamental, tributário e financeiro, declarações de guerra, paz, estado de sítio ou de emergência.
Deixaremos de remissa, para já, o tema dos tratados internacionais que será considerado à parte. Portanto, consideraremos o alargamento geral desta proposta do Deputado Cláudio Monteiro, que abrangeria nomeadamente, por exemplo, os estatutos das regiões autónomas.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente! Com a precisão de que, como no texto da proposta é feita referência a matérias e não a artigos ou a alíneas, obviamente que haverá matérias sobre as quais o artigo 164.º...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Orçamento do Estado.
O Sr. Presidente: - Está excepcionado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Há competências da Assembleia quanto a outros órgãos que não podem obviamente ser objecto de referendo mas como a restrição foi feita apenas com recurso a um critério ...
O Sr. Presidente: - Mas, por exemplo, podia ser feita referência a matérias em relação às quais poderia haver uma autorização legislativa.
Srs. Deputados, a questão foi discutida, está visto o alcance da proposta de alargamento do referendo para o n.º 2 do artigo 118.º, apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro. Vamos votá-la.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP e o voto a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Era a seguinte:
2 - São excluídas do âmbito do referendo quaisquer matérias relativas a alterações à Constituição, a amnistias e perdões genéricos, a actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro e a declarações de guerra, paz, estado de sítio ou de emergência.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao alargamento do referendo à matéria de convenções internacionais.
A proposta mais ampla é claramente a do CDS-PP, que admite referendo sobre todos os tratados citados na alínea j) do artigo 164.º. Isto no âmbito do n.º 5 do artigo 118.º.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser posta à votação a proposta, apresentada pelo CDS-PP, no sentido do alargamento do referendo a todas as matérias de convenções referidas na alínea j) do artigo 164.º, o que, no limite, significa que poderiam ser objecto de referendo todas as "questões de relevante importância nacional" independentemente de serem tratadas por lei ou por tratado. Logo, os tratados deixariam de ter qualquer discriminação e todas as matérias podiam ser objecto de referendo, fossem objecto de lei ou de tratado.
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Srs. Deputados, vamos votar a proposta apresentada pelo CDS-PP para o n.º 5 do artigo 118.º, no sentido de admitir referendo sobre matérias constantes de tratados, mesmo as previstas na alínea j) do artigo 164.º.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro e a abstenção do PCP.
Era a seguinte:
5 - São excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as previstas no artigo 164.º, excepto o disposto na alínea j) (...).
O Sr. Presidente: - Segue-se a proposta apresentada pelo Partido Socialista, que alarga o referendo aos tratados referidos na alínea j) do artigo 164.º, excepto os relativos a questões de paz e de rectificação de fronteiras.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, a questões atinentes a matérias que devam ser objecto de convenção e de tratado, de acordo com o n.º 4-A do artigo 118.º da proposta do PS.
O Sr. Presidente: - Essa questão ainda não foi discutida. Por enquanto, continuamos no actual quadro constitucional, segundo o qual há referendo sobre questões que hajam de ser objecto de lei ou de tratado.
Portanto, vamos votar o alargamento do referendo a questões que hajam de ser objecto de tratados mencionados na alínea j) do artigo 164.º, com excepção apenas das questões relativas à paz e à rectificação de fronteiras.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, recordo-me de que, nesta parte, a discussão que tivemos centrou-se nas propostas do Partido Socialista e do Partido Social Democrata sobre esta matéria. Nela, acabou praticamente por concluir-se que havia um problema de redacção, uma vez que o Partido Socialista fez aqui, durante quase uma hora (o que constará certamente da acta respectiva), grande guerra em torno da palavra "determinantes" do projecto do PSD...
O Sr. Presidente: - Não é esse o problema que está em causa, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas era aí que queria chegar. O PSD não fez discussão semelhante porque tratava-se de discutir o conteúdo e não a redacção mas, uma vez que se pretende agora votar os textos, devo confessar que a palavra "atinentes", neste contexto, torna perfeitamente indefinido o objecto porque não são só as matérias dos tratados mas questões atinentes às matérias dos tratados e, às tantas, já não sabemos exactamente o que é.
Faço uma sugestão política para que haja um entendimento genérico. Uma vez recusadas em votação as propostas mais alargadas no seu âmbito sobre esta matéria, era importante haver da parte do Partido Socialista o entendimento de que - e votaríamos em conformidade a proposta do Partido Socialista e o Partido Socialista votaria a do Partido Social Democrata - é necessário encontrar uma redacção que ultrapasse eventuais dificuldades deste partido quanto à redacção proposta pelo Partido Social Democrata para o n.º 3 do artigo 118.º. Por outro lado, em nosso entendimento, importa eliminar a expressão, que não entendemos exactamente, "das questões atinentes a matérias". Portanto, podem não ser propriamente as matérias que constam dos tratados que são submetidas a referendo mas questões que lhes sejam atinentes, o que nos parece demasiado indefinido para constar do texto constitucional.
Em qualquer circunstância, como não é minimamente nossa intenção política inviabilizar, nesta fase da consagração constitucional, a possibilidade de se referendarem as matérias que têm a ver com as questões essenciais dos tratados referentes às organizações internacionais, gostávamos que aquilo que o Sr. Presidente vai pôr à votação permitisse alguma flexibilidade da parte, nomeadamente, da maioria qualificada em termos de revisão constitucional, para que se possa depois encontrar uma redacção que seja o denominador comum exacto daquele que é o âmbito de alargamento dos referendos sobre esta matéria, em que tanto o Partido Social Democrata como o Partido Socialista aparentemente convergem.
O Sr. Presidente: - Posso fazer uma sugestão ao Partido Socialista? Porque não dizer apenas que podem ser submetidas a referendo as questões relevantes que devam ser objecto de convenção ou de tratado, a par do n.º 2 do artigo 118.º?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, há diversas questões em causa e talvez fosse conveniente fazer uma destrinça.
Esta última agora abordada é provavelmente a que envolve menos problemas porque julgamos que o primeiro patamar de consenso a estabelecer e que implica uma reflexão por parte do PSD em especial, que de resto tinha adiantado uma proposta mais limitada, é saber se, sim ou não, há disponibilidade para adoptar uma solução como a que o PS propõe quanto aos tratados em geral.
Verdadeiramente, o PSD avançou para esta questão tendo em mira o caso do Tratado da União Europeia e, em consequência, a solução que propõe está excessivamente balizada em torno da preocupação com o Tratado da União Europeia e só permite referendos em matéria de convenções e de tratados internacionais num caso - quanto às questões determinantes dos tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, ou suas alterações.
O Sr. Presidente: - Mas o PSD, na discussão, tinha manifestado abertura para considerar um alargamento substancial...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto. E a forma apta para revelar essa abertura é aquela que decorrerá da submissão a votação da proposta do Partido Socialista, a qual se desdobra em dois aspectos: por um lado, sim a que todas as convenções e tratados a que se refere a alínea j) do artigo 164.º sejam referendáveis, com excepção das respeitantes à rectificação de fronteiras e à paz, nos termos do artigo 118.º, n.º 4-A, da nossa proposta. Havendo consenso para essa matéria, podemos então tratar da forma específica através da qual os portugueses podem ser interrogados sobre essa questão. Então, aí é que terá de discutir-se se é sobre as "questões determinantes", sobre as "questões relevantes", sobre as "questões atinentes a
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matérias", sendo certo que, pela nossa parte, não nos fixaríamos numa formulação estrita. A nossa preocupação foi acentuada durante o debate. É óbvio que não pode ser sobre "questões irrelevantes" e isso decorre de todo o nosso debate.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, independentemente desta polémica em torno da melhor redacção (entre questões atinentes, questões determinantes ou questões relevantes), há aqui determinados aspectos em relação aos quais penso dever ser acautelado o modo de votação e que são, na nossa óptica, os verdadeiramente importantes nesta matéria.
Em primeiro lugar, importa saber se é ou não possível referendar tratados em vigor em relação aos quais eventualmente possa haver interesse.
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é outra questão.
O Sr. Luís Sá (PS): - A fórmula utilizada pelo PS, concretamente, é a seguinte: "matérias que devam ser objecto de convenções ou tratados". Há propostas alternativas que permitem referendar tratados em vigor, designadamente aqueles a que se reporta o artigo 7.º, n.º 6. Este é um aspecto.
O outro aspecto que se coloca igualmente é se é possível referendar tratados depois da sua ratificação ou, falando claro, se é possível referendar a aplicação do Tratado da União Europeia, por exemplo, a entrada na terceira fase da União Económica e Monetária, e, por outro lado, se é possível referendar o resultado das conferências intergovernamentais e não tal ou tal parte das conferências intergovernamentais.
Estas são outras questões mas, a nosso ver, são as questões prévias e determinantes em relação às quais creio que o sistema de votação deveria ser acautelado para nos podermos mover neste quadro porque, na nossa óptica, o problema não é aprovar determinado elenco de tratados passíveis de serem sujeitos a referendo; o problema é garantir que são referendados tratados e não apenas algumas matérias de tratados e, por outro lado, não se considerar intocável tudo aquilo que se passou até agora, designadamente no plano de integração comunitária, independentemente da evolução eventual da vontade do povo português.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, essas são outras questões que foram deslindadas na discussão, tendo ficado claro que existem qualquer que seja o âmbito dos referendos quanto aos tratados. A verdade é que hoje a Constituição não permite referendos sobre matérias que sejam objecto de tratados em celebração, em negociação ou pendentes de ratificação, que tenham a ver com matérias da competência absoluta da Assembleia da República. Qualquer matéria, por exemplo, do artigo 168.º, pendente de tratado não pode ser referendada hoje.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, só levantei estas questões porque têm a ver com o sistema de votação nesta matéria. Por exemplo, é complicado votar a favor, contra ou abstermo-nos em relação a uma proposta que tem a ver com o alargamento da possibilidade de referendo às matérias previstas no artigo 164.º, alínea j), separando esta questão do problema de não se estar a permitir o referendo de tratados mas apenas, por exemplo, de questões atinentes a determinadas matérias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que temos de quebrar este nó górdio. Proponho que votemos já as duas questões levantadas pelo PCP.
Hoje, a Constituição diz o seguinte no n.º 2 do artigo 118.º: "O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo". O PCP propõe que isto seja alterado de modo a que o referendo possa incidir sobre um tratado pendente de ratificação ou sobre tratados já celebrados, isto é, que o objecto da pergunta possa ser qualquer tratado existente...
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso não decorre da proposta do PCP.
O Sr. Presidente: - Mas foi feita oralmente durante a discussão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não há qualquer proposta. No debate, o Sr. Deputado até tinha dito o contrário, considerando aberrante um referendo sobre tratados já ingressados na ordem jurídica...
O Sr. Luís Sá (PCP): - O n.º 4 diz: convenções a que se refere o n.º 6 do artigo 7.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos quebrar este nó górdio para depois passarmos à questão do âmbito; senão, claramente, estamos a misturar coisas quando era melhor arrumá-las.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com toda a lealdade, quero chamar a atenção para alguns aspectos até porque o Partido Social Democrata gostava que, sobre esta questão concreta, a votação fosse suspensa porque precisamos de reequacionar o problema.
Antes disso, queria só expender a seguinte argumentação e chamar a atenção do Partido Socialista para o seguinte: com esta proposta, o Partido Socialista pretende fazer uma votação quando recusámos, também com o seu voto, a extensão do referendo a todas as matérias do artigo 167.º, excepcionando o sistema de ensino. Ora, se esta proposta for aprovada, resultará que todas as matérias em relação às quais recusámos o referendo em sede do artigo 167.º poderão ser repescadas no seio de tratados bilaterais ou multilaterais. E, se for essa a intenção, de facto, do Partido Socialista, como nos parece que está a ser...
O Sr. Presidente: - Não é, embora literalmente isso possa ser entendido.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É o que resulta da proposta.
Nesse caso, pedimos que a votação seja suspensa porque trata-se de uma questão que teria de ser reequacionada por nós e que não fará grande sentido, como o Partido Socialista concordará.
Sobre esta matéria, o Partido Social Democrata propõe que aquilo que materialmente for acordado - e já
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aqui fizemos votações parciais relativamente às matérias do artigo 167.º pelo que estamos, como o Sr. Presidente disse, no plano de, actualmente, a Constituição vedar totalmente o referendo sobre as matérias do artigo 167.º...
O Sr. Presidente: - Hoje, veda!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O 168.º não! Veda como, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Hoje, veda!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O 164.º e o 167.º.
O Sr. Presidente: - Por não ter falado ao microfone não é possível reproduzir as palavras do Orador.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A alínea j) é do 164.º.
O Sr. Presidente: - É matéria de competência reservada. Abrange todas as convenções que tenham a ver...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas eu não estou a falar de convenções, estou a falar em termos estritamente materiais. Enquanto todo o artigo 167.º está materialmente vedado, hoje, fruto das votações parciais, alargámos apenas a questão da alínea i), pois só para essa conseguimos obter maioria qualificada, ou seja, para as bases de sistema de ensino.
Ora, temo que pela via da votação desta outra sugestão do PS, do ponto 4-A, referente às convenções e tratados, nos termos em que está a ser proposta, estejamos a alargar materialmente a referendo matérias que rejeitamos quando não estão em sede de tratado, vindo a permitir que o sejam quando nessa sede. Aí, o PSD não se sente em condições de proceder à votação e, desde já, manifesta as maiores reservas, com toda a lealdade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não se trata de reserva. Não é essa a proposta do PS. Nós próprios não queremos isso!
Portanto, a observação é boa, porque, literalmente, de facto, podia entender-se o que está a dizer. Assim, a proposta deve ser literalmente reformulada de modo a dizer que o objecto de referendo é o mesmo quer a questão haja que ser vertida em lei ou em tratado, acrescendo que não pode ter por objecto matérias de paz ou de ratificação de fronteiras, ou seja, não é alargado nada em relação ao artigo 167.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo introduzir confusão mas, nesse caso, o PSD chama a atenção do PS para o seguinte: se é certo que não faz sentido aquilo que antes abordámos e que já todos entendemos, também não deixa de ser verdade que, não no caso de qualquer tratado ou convenção, pondo de parte os tratados e convenções bilaterais, mas no caso de tratados e convenções multilaterais, de participação em organizações internacionais - era esse o espírito da proposta do PSD -, há algumas matérias do artigo 167.º relativamente às quais o PS votou contra o respectivo alargamento, em termos materiais, para efeitos de referendo, e que era necessário que o PS reequacionasse, no sentido de a excepção dos tratados multilaterais, ou seja, para a participação em organizações internacionais, de modo que essas matérias pudessem, de facto, ser objecto de referendo.
São matérias que, materialmente, o PS recusou em sede de alargamento puramente material do artigo 167.º e era bom que pudesse reequacionar essa sua posição e abrisse a excepção no sentido de elas - embora materialmente, em termos comuns, não devam poder ser objecto de referendo -, quando incluídas em tratados que tenham a ver com organizações internacionais, o possam ser, sob pena de cairmos em questões muito delicadas que têm de ver com a nossa participação em organizações internacionais.
Por exemplo, cito a alínea j) do artigo 167.º, que tem a ver com a distribuição de águas territoriais. Parece-me evidente que o PS, embora materialmente tenha rejeitado a extensão do referendo a esta matéria, deve equacionar se ela deve ser subtraída do referendo quando conste de tratados que têm a ver com organizações internacionais de que Portugal faça parte. De contrário, podemos estar a pôr em causa, indirectamente, a participação de Portugal nessas mesmas organizações.
Penso que fui explícito e, para terminar, devo dizer que tudo isto resulta, no fundo, do facto de, na votação parcial anterior, o PS não ter dado a maioria qualificada para a extensão mais lata ao artigo 167.º, o que criou problemas novos que agora devem equacionados na redacção.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, entende que, não sendo possível referendar, por exemplo, a dimensão do mar territorial, se ela fosse tratada em lei, seria possível referendá-la para efeitos de convenção internacional?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a nossa posição é no sentido de que entendemos que a participação de Portugal em organizações internacionais pode conter razões suficientes para abrir excepções exactamente no sentido que o Sr. Presidente está agora a dizer, porque tem a ver com outros interesses.
Como se trata de tratados multilaterais, a participação numa organização internacional tem de ser vista num plano mais lato, do nosso ponto de vista, que atenda ao saldo final do interesse nacional de participação ou não nessa organização internacional, independentemente da matéria em concreto sobre a alínea tal ou tal do artigo 167.º.
Portanto, a resposta a essa pergunta do Sr. Presidente, se bem a entendi, creio que é positiva da parte do PSD. Há, de facto, razões que resultam do interesse nacional profundo, relevante, em pertencer a determinadas organizações internacionais que podem levar a permitir, excepcionalmente, que se alargue o referendo a matérias que de outro modo estariam fora da lógica normal referendária, apenas pela votação que aqui hoje se fez.
O PSD, como o Sr. Presidente sabe, defendia que o artigo 167.º, excluindo as matérias de defesa nacional, fosse todo ele alargado a matéria de referendo. Agora, não tendo sido essa a maioria qualificada que se obteve à volta desta mesa, temos de chamar a atenção para isso, porque se pode criar aqui um "empecilho" complicado à participação de Portugal em organizações internacionais.
O Sr. Presidente: - Salvo o devido respeito, uma coisa é participar ou não numa organização internacional e fazer um referendo sobre isso e outra coisa é fazer um referendo sobre uma norma, um regulamento ou um projecto de tratado que verse sobre o regime material de uma matéria contida no artigo 167.º.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, nesse caso, peço que se suspenda esta votação, para se pensar bem, porque esta questão é nova e resulta do facto de a maioria qualificada que houve na votação do artigo 167.º ter restringido muito o alargamento material desse artigo e, portanto, temos de a repensar à luz do novo dado, eventualmente até para poder corrigir um pouco o "tiro" na questão do alargamento.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Talvez o PS possa explicitar melhor o sentido actualizado desta proposta.
O Sr. Presidente: - Penso que vale a pena reflectirmos sobre esta questão e amanhã voltarmos a ela. Peço aos Srs. Deputados para todos pensarmos sobre isto porque penso que estas são questões relevantes e, de facto, vale a pena fazê-lo.
Entretanto, são 18 horas e 30 minutos, hora a que os Srs. Deputados dos PSD pediram para interromper a reunião, pelo que retomaremos os nossos trabalhos amanhã, às 10 horas.
Antes de encerrar a reunião de hoje, informo que deu entrada e foi admitida, a proposta do PCP formalizando...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me dá licença, gostaria de clarificar que com essa proposta se procura apenas formalizar aquela que era a intenção inicial e que, eventualmente, não terá ficado clara para os Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - A proposta do PCP é no sentido de formalizar a ideia de que o referendo pode incidir mesmo sobre tratados já vinculantes do Estado português.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 30 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.