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Quinta-feira, 12 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 20
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 11 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à apreciação das propostas de alteração relativas aos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Claúdio Monteiro (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá e Odete Santos (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Osvaldo Castro e Alberto Martins (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), José Magalhães e Strecht Ribeiro (PS), Helena Santo (CDS-PP), Calvão da Silva (PSD) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados vamos dar início aos trabalhos e concluir a discussão de ontem no que se refere às alterações propostas para o n.º 1 do artigo 26.º.
Muito sumariamente, informo que houve receptividade às propostas de aditamento do PS, quanto ao desenvolvimento da personalidade, e do PSD, quanto ao direito à honra, e objecções em relação à proposta de Os Verdes, de aditamento do direito à livre expressão de todas as diferenças.
Posto isto, passamos à proposta de aditamento ao n.º 2, apresentada por Os Verdes, que é do seguinte teor: "A lei salvaguarda e protege os cidadãos contra quaisquer formas de perseguição e de discriminação".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, a nossa proposta visa tão-só reforçar aquilo que, de algum modo, está definido noutros artigos, tendo em conta que há neste momento discriminações, ou indícios e sinais de discriminações, a cidadãos em função das suas convicções religiosas, políticas ou étnicas,
Assim, pensamos que a inclusão deste texto poderá reforçar o que, de algum modo, já está definido noutros artigos da Constituição relativamente à não perseguição de cidadãos em função da sua raça, convicções religiosas ou outras e que já foi discutido anteriormente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de Os Verdes, que, nas próprias palavras da proponente, é reiterativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, gostava de perceber qual é o objectivo da proposta.
Em primeiro lugar, como foi referido pela própria Deputada de Os Verdes, esta proposta é, de certa forma, uma duplicação de outros dispositivos constitucionais. Na verdade, a Constituição, designadamente no artigo 13.º, já garante o princípio da igualdade e, por essa via, impede as discriminações, excepto quando elas se justificam para garantir o próprio princípio da igualdade, como é óbvio.
Em segundo lugar, penso que o que aqui se estabelece é uma obrigação do Estado no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, em particular no dos direitos pessoais, e não me parece que, até do ponto de vista da inserção sistemática, a questão esteja bem colocada, uma vez que, aparentemente, não se procura tanto garantir o direito do cidadão à inviolabilidade da sua esfera jurídica, da sua pessoa, mas estabelecer uma obrigação do Estado. E, nesse sentido, a proposta parece-me deslocada e sem grande utilidade, na medida em que não vejo que acrescente algo a outro dispositivo da Constituição, em particular ao seu artigo 13.º.
Aliás, também no que se refere à perseguição, não vejo exactamente o que é que possa ser acrescentado em relação a outros dispositivos da Constituição.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, quanto ao conteúdo da proposta, parece-me evidente que todos estamos de acordo.
Antes de mais, quero assinalar que sou, de certa forma, sensível às preocupações da Sr.ª Deputada Isabel Castro e que, apesar de tudo, se houvesse o entendimento generalizado de consagrar uma norma deste tipo (não deixando de entender as observações do Dr. Cláudio Monteiro), penso que ela poderia ter cabimento neste artigo, mas não da forma como foi apresentada. Poder-se-ia pegar, por exemplo, no actual n.º 2, que refere: "A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana (…)", e acrescentar-lhe, no final: "bem como contra quaisquer formas de discriminação".
Portanto, o conteúdo útil do n.º 1 do artigo 26.º é o reconhecimento de uma série de direitos pessoais; o n.º 2 já estatui a obrigação de o Estado, através da lei, efectivar condições para que esses direitos não possam ser postos em causa. Portanto, nessa linha de orientação, tecnicamente seria possível fazê-lo.
As dúvidas do PSD incidem apenas sobre se esta alteração, tal como a Sr.ª Deputada referiu na sua intervenção, é meramente repetitiva ou representa algum valor acrescentado. No entanto, caso se chegue à conclusão de que há aqui um valor acrescentado, não vejo dificuldade em inserir a proposta neste mesmo artigo, mas sob a forma que acabei de enunciar e não com um número autónomo, já que, aí sim, ficaria com um carácter demasiado repetitivo. A sua integração no actual n.º 2 é uma hipótese que lanço para a reflexão conjunta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, creio que é pacífico o entendimento de que os valores que a proposta de Os Verdes quer proteger encontram noutras normas constitucionais a sua consagração. O que não significa, de forma alguma, que, sobretudo num momento em que têm aumentado as minorias étnicas em Portugal e em que, de algum modo, as relações coloniais se têm deslocado para um colonialismo interno com grandes comunidades oriundas, em particular, dos países africanos de língua oficial portuguesa e outros, não possa ter interesse dar um sinal e densificar os princípios constitucionais no sentido de que os poderes públicos assegurem, tanto quanto possível, que não existam estas formas de perseguição e discriminação.
Como é natural, compreendemos os problemas de inserção sistemática e a necessidade de burilar a formulação a adoptar, mas manifestamos toda a nossa abertura nesse sentido, pois entendemos que poderia ser, de algum modo, explicitada uma obrigação dos poderes públicos em relação àquilo a que, de algum modo, poderíamos chamar "o direito a não ser perseguido e o direito a não ser descriminado", tendo em conta, designadamente, minorias étnicas e outras.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, aproveito esta intervenção do Deputado Luís Sá para colocar uma questão que, há pouco, me escapou mas que
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agora, em conversa com o Deputado Barbosa de Melo, me veio ao espírito.
Na proposta apresentada há uma parte que não entendemos. De facto, parece-nos um bocado forçada esta ideia da perseguição, já que se trata de um conceito que, do nosso ponto de vista, não está conceptualizado com contornos muito claros e, por isso, tem interpretações dúbias; enfim, é um termo que, em linguagem comum, num determinado contexto, pode entender-se, mas temo que a sua inserção "a seco" - passo a expressão - no texto constitucional… Será perseguição policial, perseguição criminal…? É que toda a gente entende o conceito de "qualquer forma de discriminação", penso que não é equívoco, mas já o conceito de "perseguição", confesso, não entendo muito bem.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, compreendo as dificuldades que existem nesta matéria e que o Sr. Deputado Marque Guedes colocou. É evidente que o conceito de "perseguição" não é juridicamente densificado nem consagrado tecnicamente, mas isso não significa que não se coloquem duas questões.
Acabámos de ver o problema dos ciganos de Oleiros - é um exemplo concreto, para além dos que referi - e factos como este podem apontar no sentido de, do ponto de vista técnico, se trabalhar um conceito que esteja à altura destes fenómenos, fenómenos que se têm manifestado com alguma frequência na sociedade portuguesa.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, a questão da inserção sistemática e da própria estrutura da norma, consagrando mais uma garantia do que propriamente um direito, tinha que ver sobretudo com a circunstância de que, apesar de haver formulações semelhantes, designadamente no n.º 2 do artigo 26.º, o que se estabelecem aí são garantias dos direitos pessoais consagrados no n.º 1. E o que digo é que esta proposta está desinserida do contexto, porque não visa garantir os direitos pessoais consagrados no n.º 1, que é a estrutura base do artigo.
É por esta razão que julgo que, do ponto de vista sistemático, esta questão não se deveria colocar nesta sede; admito que se possa colocar noutra sede e que, eventualmente, possa ser necessário reforçar as garantias, designadamente de não discriminação, já estabelecidas no texto constitucional. No entanto, julgo que esta não é a sede adequada para o efeito.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: * Já agora, Sr.ª Deputada, permita-me que me pronuncie e, no fim, responde também ao que tenho para dizer.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):- Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que esta matéria está claramente desinserida e desenquadrada. De facto, esta garantia não diz respeito a nenhum dos direitos consagrados no n.º 1 e, por sua vez, não consagra qualquer direito autónomo, enquanto os actuais n.os 2 e 3 consagram garantias dos direitos do n.º 1. Como já disse, e bem, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, o n.º 2 é uma garantia do direito à reserva de intimidade da vida privada e familiar e o n.º 3 é uma garantia do direito à cidadania e à capacidade civil.
Portanto, salvo o devido respeito, esta proposta não tem cabimento aqui, já que não consagra nenhum direito novo e não é a garantia de um direito que esteja n.º 1.
Independentemente da questão de sistematização, penso que o lugar próprio dela é no artigo 13.º, como é obvio! Se a Sr.ª Deputada estiver disponível, poderemos discuti-la em sede do artigo 13.º, pois o facto de o termos discutido não quer dizer que a ele não voltemos.
Quanto à formulação, não me repugna nada acrescentar uma especificação particular de certas dimensões do princípio da igualdade e da não discriminação. Em todo o caso, penso que a introdução de um novo conceito na Constituição de salvaguarda quanto à perseguição carece de alguma cautela. O conceito "perseguição" não existe actualmente na Constituição, não está densificado - penso que com ele se quis traduzir aquilo que em inglês se chama harassment, isto é, flagelação, perseguição, assédio, por razões várias, étnicas, sexuais e outras. Não encontro outra expressão melhor para substituir esta, que não me agrada e que não aprovarei.
Pela minha parte, penso que valia a pena fazê-lo, porque haveria algum valor acrescentado, em sede do artigo 13.º (no n.º 3 do artigo 13.º ou a acrescentar ao n.º 2 do artigo 13.º), face às preocupações, que também compartilho e que, talvez, estejam maduras para uma acrescida protecção constitucional, de formas de "perseguição" e de discriminação típicas das sociedades europeias, multiétnicas e multirreligiosas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, penso ter ficado claro que a nossa preocupação é reforçar o actual princípio da igualdade, estabelecido no artigo 13.º.
Se há abertura dos demais partidos - e penso que há - para encontrar uma formulação mais ajustada, que não fira tecnicamente aquele que é o conceito aparentemente novo de perseguição… De qualquer modo, diria que há, porventura, conceitos novos em relação aos quais quem de direito vai ter de encontrar o modo de exprimi-los. Há fenómenos novos na sociedade, há sinais de diferença e de evolução que determinam a necessidade de encontrar expressões tecnicamente correctas, que dêem resposta aos novos fenómenos sociais. E parece-me que há que encontrar o amplo significado dos fenómenos da discriminação e da perseguição.
Portanto, pela nossa parte - e não estamos aqui por teimosia -, ficaremos seguramente contentes se esse reforço for encontrado na melhor formulação, quando voltarmos a analisar o artigo 13.º.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, faço-lhe apenas a seguinte observação: é óbvio que poucos conceitos constitucionais são endógenos, a maior parte deles veio de outras áreas, das áreas do Direito Civil, do Direito Criminal
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ou de outras ciências, tais como a Economia, a Sociologia, etc. Penso que não há vantagem alguma em introduzir na Constituição conceitos que não estão densificados noutra área. E este não está, claramente!
Portanto, introduzir na Constituição um conceito novo que é, no mínimo, policémico e, no máximo, questionável e susceptível de dar lugar a maiores dificuldades não trará nenhuma vantagem à Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordo em absoluto com o que acabou de dizer e acrescento apenas mais um dado. De facto, as coisas têm de ser feitas ao contrário, porque o experimentalismo constitucional é algo de muito perigoso. A Constituição não pode ser fonte de equívocos nem um balão de ensaio para experiências interpretativas de determinado tipo de conceitos que ainda não fizeram o seu curso próprio no mundo jurídico.
Como o Sr. Presidente disse, e bem, normalmente o que se passa é exactamente o contrário, ou seja, os conceitos podem ser oriundos de várias áreas mas são acolhidos no texto constitucional quando as pessoas já sabem perfeitamente o que é que eles querem dizer. Além de que, confesso (para que fique claro e para que não fiquemos aqui em meias tintas), das palavras da Sr.ª Deputada pareceu-me detectar que abarca ou pretende abarcar alguns conceitos nesta ideia de "perseguição" que, do nosso ponto de vista, constituem questões que não estão suficientemente amadurecidas na própria sociedade portuguesa e cuja consagração constitucional sem mais poderá suscitar problemas.
É que, para além do problema interpretativo da simples consagração jurídica desse tipo de situações - por exemplo, há pouco falou-se da hipótese de conter nesta previsão questões como a do assédio sexual -, não nos parece que a forma mais adequada para se caminhar nessas vias seja, pura e simplesmente, antes de qualquer outro tipo de intervenção a nível da ordem jurídica, a consagração de uma regra geral em termos constitucionais que, depois, venha, a jusante, permitir o que quer que seja…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, permita-me defender a Sr.ª Deputada Isabel Castro, esclarecendo que quem citou esse caso fui eu. O que a Sr.ª Deputada Isabel Castro tinha em mente eram, sobretudo, factos recentes da comunidade portuguesa em matéria de perseguição aos praticantes da IURD ou de perseguição à etnia cigana. São esses os exemplos mais claros que, suponho, suscitaram esta proposta de Os Verdes. Quem acrescentou que ela também podia envolver o harassment sexual fui eu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida, Sr. Presidente. Para concluir, queria dizer o seguinte: o conteúdo útil que retiramos desta proposta, e para o qual manifestamos a nossa abertura, já está integrado no conceito de discriminação; o conceito "perseguição" pode acrescentar outras realidades, mas não estamos de acordo com algumas delas e, relativamente a outras, temos dúvidas e certas reservas.
Portanto, é na parte relativa à discriminação que parece ser possível haver algum entendimento comum - e só falo pelo PSD -, porque embora se trate de algo que está genericamente previsto na Constituição não está expressamente previsto e, de facto, pode haver alguma vantagem em encontrarmos a sua correcta inserção sistemática.
Já quanto ao conceito de "perseguição", para o qual tentamos encontrar aqui, criativamente, uma alternativa, penso que o problema não é bem esse; é o próprio conteúdo que ele encerra que, eventualmente, não está suficientemente amadurecido para fazermos esse exercício.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que as posições não estão maduras para avançarmos muito na discussão. Para já, constato que, à partida, não há inviabilização da proposta; há, sim, objecções claras quanto à sua formulação, mas também alguma abertura para reconsiderar esta questão em sede de artigo 13.º. Assim, numa segunda oportunidade, voltaremos a debater esta questão.
Passamos à discussão de uma proposta de aditamento (artigo 26.º-C), apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e outros. Pergunto aos Srs. Deputados do PSD se algum deles está disposto a defender esta proposta de artigo 26.º-C, que é do seguinte teor: "O Estado respeita na sua organização a identidade regional e local, e promove a protecção das tradições culturais das diferentes Regiões, mesmo que minoritárias, no respeito pelo direito à diferença reconhecido a todas as comunidades".
Ora, cá está o direito à diferença!
Risos da Deputada de Os Verdes, Isabel Castro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, dada a especificidade da matéria e independentemente da defesa que se poderia fazer, aqui ou acolá, penso que nada dispensará a intervenção dos proponentes.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, fica de remissa, para quando o Sr. Deputado proponente estiver presente.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sobretudo, para explicitar por que é que a palavra "Regiões" está escrita com R grande!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, já tínhamos falado na hipótese de algumas destas matérias que têm a ver com as regiões autónomas serem discutidas em bloco…
O Sr. Presidente: - Mas esta proposta não se refere apenas às regiões autónomas, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Penso que sim, porque "Regiões" está escrito com R grande!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que não, Sr. Deputado, porque o texto da proposta refere "a identidade regional e local", portanto visa todo o território, obviamente!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Como "Regiões" aparece com R grande, parece que se trata de pessoas colectivas!
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Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 27.º (Direito à liberdade e à segurança), para o qual existem propostas de alteração de duas das alíneas do n.º 2 e de aditamento de outras.
Para a alínea a) do n.º 2, existe uma proposta de alteração do Partido Socialista. A proposta parece óbvia…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, se me permite, o Sr. Deputado Alberto Martins pediu-me para transmitir que as propostas de alteração ao artigo 27.º, apresentadas pelo Partido Socialista, tal como, aliás, a proposta de alteração do PSD (tanto quanto ele me disse porque, confesso, não domino a matéria), mais não são do que transposições ou adaptações da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou de avanços obtidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, nesse sentido, do ponto de vista do Partido Socialista, essa é a justificação da sua proposta bem como da aceitação da ponderação da proposta do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto à proposta de alteração da alínea a), uma vez que participei na elaboração do projecto de revisão constitucional do PS (embora não seja seu subscritor, uma vez que não era Deputado na altura da apresentação), gostaria de dizer que ela é evidente, na medida em que o conceito de prisão preventiva tem um sentido técnico no direito processual penal.
Em todo o caso, entendemos que seria conveniente discriminar conceitualmente a detenção, que é efectuada no momento em que uma autoridade ou outrem habilitado a deter alguém em flagrante delito o faz, o que não é tecnicamente uma prisão preventiva. Portanto, há que discriminar conceitualmente essas duas figuras.
Está feita a apresentação : a proposta vale pelo seu mérito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me concede a palavra,…
O Sr. Presidente: * Está concedida, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * … o PSD reconhece vantagem nesta alteração e, nesse sentido, a sua posição é favorável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas referir que esta alteração introduz algum rigor jurídico naquilo que o artigo 27.º já consagra. Estamos efectivamente de acordo com essa melhoria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aparentemente há consenso no sentido da adopção da proposta de precisão conceitual do Partido Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há uma pequena dúvida que gostaríamos de ver esclarecida.
Quanto ao desdobramento de conceitos para melhor classificar as situações, não temos qualquer tipo de dúvidas. A questão que coloco é a seguinte: o actual texto, pese embora essa dificuldade conceptual que encerrava, previa a prisão preventiva (que, obviamente, devia entender-se como detenção em determinado tipo de circunstâncias), quer em fragrante delito quer, alternativamente, caso houvesse fortes indícios de prática de crime doloso.
O Sr. Presidente: - A nossa intenção não é alterar o sentido da norma, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é a nossa dúvida, Sr. Presidente, porque a nova redacção parece remeter a detenção apenas "em flagrante delito", ficando as situações "por fortes indícios de prática de crime doloso" - isto é, sem ser em flagrante delito - para a prisão preventiva. Pode ser apenas uma dificuldade gramatical, mas é uma nota que não deixo de colocar porque, como o Sr. Presidente acabou de dizer, e bem, a intenção do Partido Socialista não é a de diminuir o alcance do texto actual.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, podemos voltar à forma inicial, mantendo-se a referência à detenção ou prisão preventiva, em vez de "detenção em flagrante delito e prisão preventiva (…)".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para tanto, seria necessário inverter a referência à "prisão preventiva" em relação à expressão "detenção em flagrante delito".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, a formulação apresentada pelo PS até me parece bem mas, ao fixar-se um texto com esta formulação, tal significa que ninguém pode ser detido a não ser por fortes indícios de prática de um crime com uma pena máxima superior a três anos.
O Sr. Presidente: - É o regime actual!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - "Venha daí, venha à esquadra". Isto é uma detenção, obviamente! "Não, não, eu não cometi crime algum com pena superior a três anos, por isso não vou".
O Sr. Presidente: - Para resolver essas situações temos a alínea g), que propomos a seguir.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, só com a alínea a) teríamos esta dificuldade!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesse caso, se a alínea g) não for considerada, voltaremos à alínea a).
Fica, pois, registada a preocupação para eventual reconsideração da formulação da alínea a).
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, há situações em que a detenção não pode ser tão estrita, envolvendo apenas a prática de um crime com pena máxima superior a três anos. Parece-me um bocado excessivo… Temos de dar alguma maleabilidade às funções policiais que são garantísticas dos cidadãos em geral.
O Sr. Presidente: -Qual é a opinião da Sr.ª Deputada Odete Santos?
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, efectivamente, não estou a perceber…
O Sr. Presidente: - Qual é hoje o regime da detenção em flagrante delito?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Qual é o regime? Em que sentido, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Uma autoridade policial pode ou não deter um cidadão em flagrante, independentemente de averiguar (ter o código no bolso!), se para o crime está prevista uma pena superior a três anos?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Claro que pode, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É óbvio que pode. Portanto, o Sr. Deputado Barbosa de Melo tem razão!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Depois leva-o ao tribunal, ao delegado do Ministério Público primeiro, ou logo ao juiz, para este dizer se confirma a manutenção da detenção, ou não.
O Sr. Presidente: - Então, o Sr. Deputado Barbosa de Melo tinha razão; quando lhe dei apoio senti que a objecção que ele levantou era correcta, isto é, não se pode pôr a detenção em flagrante delito nos mesmos termos que a prisão preventiva.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois não, Sr. Presidente, claro que não se pode. Não interpretei desse modo a proposta.
O Sr. Presidente: - É, pois, preciso tornar claro que essa interpretação não suscita dúvidas. Portanto fica de remissa a formulação, de modo a tornar claro que isso não é assim.
Srs. Deputados, provavelmente teremos de reformular a alínea a). Proponho que todos nós pensemos no melhor modo de estatuir o que queremos, sem correr o risco de estatuir coisa diferente do que queremos, adquirindo ao mesmo tempo o valor acrescentado que é a discriminação entre os conceitos de "detenção" e o de "prisão preventiva".
Quanto à alínea b), há uma proposta do PSD no sentido de acrescentar à previsão "prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão", a expressão "ou outra medida coactiva".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a explicação já foi genericamente dada pelo Deputado Cláudio Monteiro na sua intervenção de há pouco. Fundamentalmente, essa proposta do PSD é uma actualização do texto constitucional de acordo com a terminologia aprovada já em algumas convenções do Conselho da Europa e, portanto, não é inovadora em si, segue a evolução recente nesta matéria; é apenas uma adaptação do texto constitucional.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento é no sentido de saber se se entende por "outra medida coactiva" qualquer medida coactiva que implique privação da liberdade ou se podem estar incluídas medidas coactivas para além da privação da liberdade.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem de ler o corpo do n.º 3 do artigo 27.º!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos em sede de privação da liberdade, portanto, só se refere às medidas privativas ou restritivas da liberdade.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Basta ler o corpo do n.º 3!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Nessa perspectiva, sem prejuízo da adequação à terminologia utilizada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e de isso poder ser ou não útil, não sei se não seria mais conveniente falar genericamente em qualquer medida de privação da liberdade sem as tipificar todas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso não seria uma repetição, Sr. Deputado? Estamos a falar das alíneas do n.º 3, que no seu corpo estabelece: "Exceptua-se deste princípio a privação de liberdade, (…)".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Está bem, como é uma excepção…
Fiz esta referência porque mesmo no artigo subsequente a questão colocou-se. Nomeadamente, na proposta que subscrevo fez-se essa proposta de alteração para falar genericamente em qualquer acto de privação de liberdade. Mas aqui como se trata de uma excepção ao n.º 1, que estabelece genericamente o conceito…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se se trata de uma excepção ao direito à liberdade, tem de ser uma medida de privação de liberdade.
O Sr. Presidente: - Parece claro! Portanto, o n.º 3 do artigo 27.º não cobre outras medidas coactivas que não tenham que ver com o direito à liberdade.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Trata-se de uma excepção, por isso faz sentido que as medidas sejam tipificadas e que só aquelas constituam excepção, e não outras.
O Sr. Presidente: - Mas que outras medidas são essas, para além da prisão e da detenção?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, é essa pergunta que se coloca.
O Sr. Presidente: - É metê-las numa cerca no aeroporto?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente.
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Penso que até na própria legislação portuguesa há este tipo de situações. Trata-se de situações um pouco atípicas, que têm a ver com os centros de acolhimento para onde as pessoas vão de forma coactiva.
O Sr. Presidente: - E isso não é tecnicamente uma detenção?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é considerado como uma detenção. Muitas vezes, isso é feito até com fins sociais, como o Sr. Presidente sabe.
O Sr. Presidente: - Só fiz a pergunta para esclarecer este aspecto, Sr. Deputado. Penso que, sobretudo nesta sede e nesta fase, não temos de esconder nenhuma das implicações da lei, das normas que queremos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, parece-nos extraordinariamente perigoso abrir um outro conceito de privação de liberdade chamado "medida coactiva". Esta medida coactiva tem um quadro concreto muito bem determinado, quer em Portugal quer noutros países, que é o da detenção das pessoas, porque entendo que se trata de uma verdadeira detenção.
O conceito de detenção o que significa? É uma pessoa estar privada da liberdade mas a sua situação ainda não ter sido apreciada pelo tribunal. É uma detenção! Nesse aspecto, não tenho as dúvidas que às vezes os polícias têm…
O Sr. Presidente: - Como se chama tecnicamente à medida de detenção domiciliária prevista no direito processual penal? Não é detenção?!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Chama-se prisão domiciliária.
O Sr. Presidente: - Esse é o nome dado à medida enquanto pena. Como medida coactiva que nome se dá?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, também está a usar-se como medida coactiva o termo prisão domiciliária. Está a usar-se esse termo, mas não sei se o Código do Processo Penal lhe chamará assim.
O Sr. Presidente: - Portanto, as medidas (que se usam menos) de confinamento em relação aos estrangeiros, ou seja, que os confinam a certos espaços do aeroporto enquanto não se decide, são tecnicamente uma detenção?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É uma detenção. Aliás, creio que já houve um acto de habeas corpus que se pronunciou sobre isso.
O Sr. Presidente: - Então, neste aspecto, há dúvidas, porque o Sr. Deputado Luís Marques Guedes sustenta que isso não é tecnicamente uma detenção, que é uma medida atípica de confinamento. É claramente uma medida de restrição da liberdade, uma vez que a pessoa fica sem liberdade de movimentos, mas é uma outra medida de confinamento, de restrição da liberdade, que não as típicas medidas de prisão e detenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite interromper a Sr.ª Deputada Odete Santos, quero só acrescentar a nossa perspectiva da questão.
O conceito de detenção, do nosso ponto de vista, tem de comportar sempre a prática ou a suspeita de prática de determinado tipo de actos ilícitos. Ora, o que aqui está em causa, nomeadamente nos centros de acolhimento a estrangeiros, que têm a ver com as legislações internas dos países e que muitas vezes até têm funções sociais, como as próprias legislações comportam, é o decorrer de um período de tempo para que o processo de pedido de asilo, ou coisa que o valha, possa percorrer os seus trâmites.
Ninguém está a acusar ou a suspeitar que o cidadão em causa tenha cometido qualquer irregularidade. Portanto, é nesse sentido que estas situações não devem ser entendidas como uma detenção, porque o conceito de detenção deve pressupor sempre a suspeita, no mínimo, da prática de actos ilícitos, sendo que aqui, do nosso ponto de vista, não será esse o caso.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, necessariamente!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não?!
Por acaso, até citei processos de extradição ou de expulsão que têm por trás factos ilícitos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é a sequência, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mesmo a entrada e a permanência irregulares no território nacional contêm um facto ilícito. Por aí acho que não consegue chegar lá!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas não é como disse: a entrada irregular no território nacional pode nada ter que ver com actos ilícitos.
No caso de cidadãos que fugiram dos seus países, é evidente que a entrada é irregular, porque eles não regularizaram a sua situação face à legislação nacional. Ora, é para isso que existem os centros de acolhimento, ou seja, para regularizar a sua situação, para terem um período em que o Estado português analisará a sua situação para saber se esta é ou não regularizável. Mas eles não praticaram nenhum facto ilícito! Aliás, a sua situação até pode vir a não ser regularizável sem que o Estado português lhes impute qualquer acto ilícito.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isso não é uma medida coactiva, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem como objectivo analisar a situação. Se é uma questão social não é uma medida coactiva!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se a pessoa fica confinada trata-se, obviamente, de uma medida de privação da liberdade.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, digo isto dentro do espírito que o Sr. Deputado Marques Guedes está a atribuir a esta medida, ou seja, que é uma medida com um cariz social.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que o sentido da proposta é claro e que nada está "debaixo do tapete". Quero que se pronunciem sobre se se deve ou não encerrar o caso.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, penso que a introdução desta formulação no artigo 27.º é extremamente perigosa. Aliás, como o Sr. Deputado já avançou, penso que a mesma decorre da lei em vigor sobre a entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional. É uma lei que, como se sabe, gerou uma grande controvérsia, designadamente por parte das associações de imigrantes, aliás, foi até requerida pelas associações - julgo que não há ainda posição sobre o pedido - a inconstitucionalidade deste diploma.
O Partido Socialista tinha muitas reservas sobre a lei, pelo que mantemos a esperança que a mesma seja alterada. Ora, introduzir esta formulação no texto constitucional é, quanto a nós, criar mais obstáculos para que essa alteração da lei venha a verificar-se no futuro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não aceitar essa introdução é permitir que as pessoas cheguem ao aeroporto e…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Esta questão tem que ver com o habeas corpus no caso Vuvu, que foi considerado detenção.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de acrescentar um aspecto.
Penso que há o receio, que julgo justificado tendo designadamente em conta os excessos que se verificaram, por exemplo, em algumas situações concretas no aeroporto de Lisboa, como é sabido e como foi amplamente referido pela comunicação social, de a expressão "medida coactiva", exactamente pela sua falta de densificação, poder, no futuro, vir a dar cobertura a situações que não são propriamente os centros de acolhimento com finalidades sociais que referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Esta é uma questão relativamente à qual julgo justificar-se uma reflexão mais profunda por parte da Comissão.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não está aqui ninguém do PS habilitado nessa área para tomar uma posição oficial.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de acrescentar um dado face a esta última intervenção do Sr. Deputado Luís Sá.
Quero lembrar - porque as coisas têm de ser lidas no seu contexto - que se trata de uma alínea do n.º 3, que expressamente remete para uma determinação legal. Portanto, o n.º 3 estabelece: "Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar (…)".
É evidente que, como eu citava há pouco e os Srs. Deputados conhecem, existe legislação nacional sobre esta matéria. Se a legislação deve ou não ser alterada, se deve ou não prever determinado tipo de medidas coactivas de privação de liberdade neste domínio, é matéria que o legislador depois determinará, porém, o texto constitucional não pode ficar desadequado à realidade das coisas.
Sr. Presidente, era só esta a nota que eu queria deixar. É evidente, não vale a pena levantar aqui fantasmas e dizer que colocar isto no texto constitucional é vir, depois, a permitir tudo. Não é nada permitir tudo, Sr. Deputado, com franqueza!… É aquilo que a lei determinar, pelo tempo e nos termos em que a lei o determinar. Existe legislação sobre esta matéria, e existirá, com certeza.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, creio - e faço-lhe justiça - que as suas intenções não são propriamente desumanas e de legitimar perseguições, actos desproporcionados, injustificados, etc., a quem quer penetrar ou permanecer irregularmente no território nacional. O problema concreto é o seguinte: uma constituição não se faz apenas de intenções dos legisladores constituintes derivados, antes tem um determinado contexto, e é nesse contexto que ela tem de ser vista.
Há uma lei concreta amplamente contestada, maxime pelas associações de imigrantes; há um debate em torno desta matéria, inclusive colocando o problema do carácter desproporcionado das medidas e há uma contestação do Partido Socialista, designadamente no tempo do governo anterior, a esta lei e promessas de a alterar. Ora, é neste contexto que aparece a proposta de medida coactiva sem a devida densificação. Nesse sentido, creio que se justificaria inteiramente a proposta do Sr. Presidente no sentido de aguardar a presença de Deputados do Partido Socialista e uma ponderação da parte dos mesmos para que se possa, até à luz dos factos que se verificaram num passado recente e das posições do PS, ponderar esta questão.
Protestos do Deputado do PSD, Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, nesta matéria não tenho visões maniqueístas: quando as coisas estão mal, estão mal em qualquer situação e em qualquer Governo!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que o termo "prisão domiciliária", sobre o qual o Sr. Presidente fez há pouco uma pergunta, já usado vulgarmente em termos de medidas de coacção para definir a situação da pessoa que é obrigada a ficar sempre em casa, no Código do Processo Penal tem a terminologia "obrigação de permanência na habitação".
O Sr. Presidente: - Portanto, eis aí uma nova figura.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, mas são consideradas medidas de coacção substitutivas da privação da liberdade.
O Sr. Presidente: - Substitutivas da prisão preventiva.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, porque há privação da liberdade. São medidas substitutivas da prisão preventiva.
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O Sr. Presidente: - Portanto, essas medidas estão contempladas e têm guarida no artigo 28.º, não sendo este o caso.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, sim.
O Sr. Presidente: - Creio que aí o Sr. Deputado Luís Marques Guedes marca um ponto, isto é, o conceito técnico de prisão/detenção não cobre as medidas que ele quer ver consideradas constitucionalmente. Mas tem um risco, que é o da formulação utilizar um conceito demasiado amplo que pode abranger não só o que ele nos disse que quer incluir mas, também, outras coisas que, porventura, não queremos que sejam incluídas.
Em todo o caso, a discussão fica suspensa até que alguém autorizado do Partido Socialista esteja em condições de participar no debate deste ponto. Fica registado o sentido que o PSD dá à sua proposta e as objecções do PCP e de Os Verdes.
Nestes termos, proponho também que não discutamos as propostas de aditamento do Partido Socialista para já, pois mandei chamar os Deputados do Partido Socialista para esse efeito.
Em relação ao artigo 28.º, existem propostas do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e do Partido Socialista. Começando pelas primeiras, que, aliás, são as únicas que dizem respeito logo ao n.º 1, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para apresentar a sua proposta de alteração, que visa a substituição da expressão "a prisão sem culpa formada" por "qualquer acto de privação de liberdade sem culpa formada".
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PS): - Saltámos as alíneas do artigo 27.º, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Saltámos, sim, Sr. Deputado. De qualquer forma, certifiquei-me que um Deputado do Partido Socialista está em vias de chegar à Comissão e, portanto, não perdemos muito tempo por causa disso.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, posso dizer que a minha proposta visa dar resposta a situações como as enunciadas.
Sem prejuízo de admitir que a utilização da expressão "qualquer acto de privação da liberdade" possa não corresponder integralmente à alínea ou à epígrafe do artigo, que fala especificamente em prisão preventiva, julgo, apesar de tudo, que, como já se depreendeu, haverá outras formas de privação da liberdade sem culpa formada (umas tipificadas, outras não tipificadas ou, pelo menos, com tipificação controversa), pelo que o sentido do n.º 1 do artigo 28.º deveria estender-se a qualquer acto de privação da liberdade sem culpa formada e não apenas tecnicamente à prisão preventiva.
Penso que assim deveria ser até porque o que se visa garantir com o n.º 1 é precisamente a detenção e não tanto a prisão preventiva, razão pela qual, julgo, na pior das hipóteses deveria actualizar-se a redacção utilizando uma semelhante àquela que utilizamos no artigo 27.º.
O que se visa aqui salvaguardar não é apenas a prisão preventiva mas também a detenção, ou sobretudo a detenção.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ou qualquer outro acto?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - No meu entender, devia ser qualquer outro acto de privação da liberdade!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas, então, se assim é, tem que substituir a expressão "das causas da detenção".
O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr.ª Deputada, se entender que na sequência do artigo a palavra "detenção" está utilizada com rigor técnico-jurídico enquanto medida tipificada, não sei se será esse o caso.
A verdade é que mesmo naquela situação há pouco focada do "centro de internamento" do aeroporto não deixa de haver um acto de detenção material, embora tecnicamente possa não ser qualificado como tal.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é o que defendo!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A questão é saber se a expressão "detenção" está utilizada enquanto medida tipificada no Código do Processo Penal ou no seu sentido corrente, de acto material de deter.
O Sr. Presidente: - Ou o que queremos dizer! Podemos declarar que utilizamos aqui a palavra "detenção" no sentido genérico, não apenas para efeitos do processo penal.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De outro modo, mesmo para actualizar a linguagem da parte inicial do n.º 1, acrescentando a palavra "detenção", como se fez anteriormente, também teríamos o problema da repetição da palavra "detenção" no mesmo número do artigo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta do Deputado Cláudio Monteiro, que visa substituir a expressão "prisão sem culpa formada" pela expressão "qualquer acto de privação da liberdade sem culpa formada". O resto do artigo continuará igual, ou seja "(…) será submetido, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das causas de detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a nossa primeira reacção a esta proposta de alteração é de profunda reserva, desde logo por uma questão fundamental, que tem que ver com a eventual dificuldade de inserção no conteúdo útil deste artigo. Este artigo versa sobre a prisão preventiva. Percebo a preocupação do Deputado Cláudio Monteiro, mas este artigo…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - O n.º 1 não é sobre prisão preventiva!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas este artigo refere-se à prisão preventiva. Portanto, se começamos - porque podemos, em determinado tipo de circunstâncias, ter preocupações que vão para além de determinadas realidades que estão na Constituição - a alterar e a
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pôr em causa o próprio âmbito de aplicação de determinados artigos da Constituição, podemos enredar-nos numa teia da qual, às tantas, não sabemos por que lado saímos!
Percebo a preocupação do Dr. Cláudio Monteiro em abstracto, quando diz que, para além da prisão preventiva, há outras situações de privação de liberdade que devem merecer determinado tipo de acolhimento. Aliás, o artigo anterior fala exactamente nisso, isto é, refere-se ao direito à liberdade e estatui genericamente que ninguém pode ser total ou parcialmente privado de liberdade, enunciando depois os casos (quer em detenções, quer em prisões preventivas, quer em outras medidas coactivas, ou não), mas genericamente abarca todas essas realidades.
Para além disso, temos o artigo 28.º, relativo à prisão preventiva. Se queremos que o artigo 28.º deixe de respeitar à prisão preventiva, penso que essa alteração parece simplista mas oferece-nos reservas. No mínimo, temos que reflectir profundamente sobre esta proposta, porque o nosso receio, no fundo - penso que me fiz entender -, é que se esteja desta forma aparentemente simplista a prejudicar de uma forma séria toda a interpretação e conteúdo útil desse artigo.
No fundo, é apenas essa a reserva que temos, a qual, à partida, é grande mas, obviamente, levar-nos-á a fazer uma reflexão mais profunda (gostaríamos de ter alguns dados que nos pudessem ajudar nessa reflexão).
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer que eu próprio chamei a atenção para a circunstância de a epígrafe do artigo referir-se especificamente à prisão preventiva. Porém, o facto é que o n.º 1 do artigo 28.º não trata da prisão preventiva mas, sim, de detenção. Embora fale em prisão sem culpa formada, obviamente não pode referir-se à prisão preventiva porque, julgo, no ordenamento processual português não é viável, nem crível, que qualquer prisão preventiva pudesse ser ordenada antes do prazo de 48 horas sobre a detenção.
Portanto, do que se fala aqui é de detenção. É o caso, por exemplo, de alguém que é detido na rua e que tem de ser presente perante o juiz no prazo de 48 horas, podendo ser-lhe aplicada, ou não, a medida de prisão preventiva.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, leia o n.º 4 do artigo. Este artigo tem uma unidade própria!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É evidente que a prisão preventiva pode ser decretada, em abstracto, antes e depois… É evidente que sim, mas quando no n.º 1 se refere "A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a decisão judicial de validação (…)", penso que isto abrange também os casos de detenção, aliás fala-se em detenção.
O Sr. Presidente: * Os casos de detenção em flagrante delito, por exemplo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É evidente! Portanto, não se refere tecnicamente à prisão preventiva.
O Sr. Presidente: * Não se refere só à prisão preventiva.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exacto, não abrange só a prisão preventiva. Aliás, julgo que já é esta a interpretação do artigo 28.º, n.º 1.
O Sr. Presidente: * Já é essa a interpretação por maioria de razão, aliás, não era preciso acrescentá-la porque por maioria da razão assim será. Portanto, o que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro visa é esclarecer isso.
No entanto, o que o Sr. Deputado Marques Guedes diz é que ao alterar-se a agenda normativa do preceito este não abrangerá apenas as detenções para os efeitos penais mas também, nomeadamente, aquelas que têm que ver com a alínea b) do n.º 2 do artigo 27.º.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * A minha intenção é, entre outras coisas, garantir que também essas…
O Sr. Presidente: * Mas parece que é exactamente essa a objecção que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes quer levantar!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * É essa a reserva que deixei, Sr. Presidente, como disse, e bem.
O Sr. Presidente: * Isso é perceptível, mas penso que há toda a vantagem em clarificarmos as objecções.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, não ponho em causa que possa estabelecer-se a excepção no artigo 27.º para garantir, nomeadamente, que situações como essas possam ser contempladas, o que não admito é que essas situações possam prolongar-se indefinidamente sem que sejam mantidas ou confirmadas por um juiz. É a única diferença.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Osvaldo Castro acaba de chegar.
Sr. Deputado, adiámos a discussão das propostas do Partido Socialista relativas ao artigo 27.º e passámos para as propostas referentes ao artigo 28.º. Está em causa a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro relativa ao n.º 1 do artigo 28.º, que diz respeito à prisão preventiva.
O n.º 1 do artigo 28.º utiliza a expressão "a prisão sem culpa formada", sendo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe que seja alterada para "qualquer acto de privação da liberdade sem culpa formada".
Esta proposta suscita objecções por parte do PSD, nomeadamente no ponto em que propõe uma alteração do programa normativo deste preceito, o que a meu ver é evidente.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, creio que a intenção inicial do Sr. Deputado Cláudio Monteiro - ele dirá se assim é, ou não - foi a de dar uma redacção a este artigo que correspondesse ao conceito técnico de detenção, incluindo não só a prisão. Porém, de facto, há outros actos de privação da liberdade que algumas pessoas não consideram detenção.
Em minha opinião, a proposta seria de apoiar, embora não saiba se o Sr. Deputado Cláudio Monteiro visou realmente
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os objectivos que a alteração vai ter, porque não se diz no preceito que o mesmo se aplica aos casos em que esse acto de privação se prolongue para além de 48 horas. Este aspecto coloca-se não só em relação à alínea b) do artigo 27.º como também em relação, por exemplo, à alínea g) proposta pelo PS, que corresponde a uma situação já prevista na lei penal.
O Sr. Presidente: * Já lá iremos, Sr.ª Deputada! Peço que nos cinjamos ao n.º 1 do artigo 28.º.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está bem, Sr. Presidente. O que quero dizer é que, por exemplo, a detenção de suspeitos para identificação…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só se ela se prolongar!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é isso o que, depois resultará do artigo!
Portanto, encaramos essa possibilidade com base nesta redacção, mas quando se fala nas causas de detenção, por exemplo, foram escrever "conhecer das causas" e, portanto, fica assim o preceito formulado de uma maneira que depois o intérprete e o aplicador da lei dirão como deverá ser aplicado.
O Sr. Presidente: - Tendo em conta o estado actual da questão, quer o Sr. Deputado Osvaldo Castro pronunciar-se sobre a matéria?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Cheguei agora, Sr. Presidente…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é obrigado a tomar posição se entender não estar ainda a par dos dados da questão.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, no essencial, creio que a alteração proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro - salvo melhor opinião e com todo o respeito que tenho por ele - pode incluir situações que, em princípio, podem ir para além daquilo que é o normal, designadamente em matéria de detenção para identificação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, admite que uma detenção para identificação possa exceder 48 horas?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, Sr. Presidente. O que digo é exactamente por não admiti-lo, mas admito que a interpretação desta proposta possa dar lugar a isso!
O Sr. Presidente: - Pensa que é ao contrário, que possa ter um efeito perverso?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim, receio que tenha um efeito perverso. É exactamente essa a razão.
O Sr. Presidente: - Creio que a objecção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes não é essa mas, sim, a de a proposta incluir no mesmo regime, isto é, ser ouvido necessariamente pelo juiz para conhecer das causas da detenção, comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa, as hipóteses previstas na actual alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º, ou seja, os casos de "prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão". Obviamente, o Sr. Deputado tem razão: com esta redacção essas hipóteses passariam claramente a estar abrangidas no artigo 28.º e sujeitas ao mesmo regime.
Portanto, há uma clara alteração do programa normativo do preceito. É hoje claro que o programa normativo do preceito se refere apenas a matéria de processo penal, isto é, aplica-se a pessoas suspeitas ou acusadas de crime.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de acrescentar mais um dado, que vou lançar apenas para que sobre ele possamos reflectir e que me surgiu em conversa com a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, na sequência da intervenção feita pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro.
Para além dos argumentos que expendi e das dificuldades que coloquei anteriormente, isto pode até ter como reverso da medalha o seguinte efeito perverso: é conhecido de todos - e sem estar agora aqui a discutir o seu mérito intrínseco - que foi apresentada na legislatura anterior uma iniciativa legislativa em que o legislador ordinário, naquilo que tem que ver com a detenção para identificação, visou cingir, em termos legais, essa detenção a três horas e foi o "Deus e o diabo", tendo essa iniciativa sido rejeitada como inconstitucional e por aí fora.
Portanto, deixo aqui o seguinte elemento para reflexão: fazer este tipo de extensão, para além de todos os outros argumentos, a contrario, também pode ter o efeito perverso de dar a ideia de que qualquer acto de privação de liberdade, inclusive uma detenção para identificação, pode levar o cidadão a ficar 48 horas ali, "sem tugir nem mugir", o que claramente, como é evidente, seria um efeito perverso. Mas é possível e eu não deixo de o relembrar, porque é um facto que o legislador ordinário tentou cingir a detenção três horas e foi o "Deus e o diabo".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a quem peço para não prolongar desnecessariamente a discussão.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, queria apenas reforçar que esse efeito perverso não era desejado mas há, obviamente, intenção de alargar o âmbito do preceito, na medida em que o movimento de discriminação a que temos assistido nem sempre tem correspondido materialmente à correspondente graduação das penas não criminais, isto é, há medidas de privação da liberdade fora do âmbito criminal e em relação a essas tenho as mesmas preocupações que tenho em relação àquelas que existem no âmbito criminal. Portanto, o meu receio é que, por esta via ou pela abertura que este artigo possa contemplar, se possam criar, ad hoc, medidas de privação da liberdade fora do âmbito criminal que não estejam abrangidas por esta garantia. É esta a preocupação fundamental.
O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados quer ainda pronunciar-se sobre esta matéria? Penso que a reflexão não está suficientemente madura de modo a retirar uma
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conclusão. Há alguma perplexidade e registo as objecções do PSD.
O sentido da norma parece claro: alterar o programa normativo e estender a todas as formas de detenção, mesmo àquelas que estão fora do domínio penal, nomeadamente as da alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º, as garantias constantes do artigo 28.º relativas à prisão preventiva.
Há objecções por parte do PCP?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não há objecções, Sr. Presidente.
Agrada-nos a ideia subjacente à proposta, mas entendemos que quando ela se refere às causas de detenção restringe o efeito que pretendeu atingir na primeira linha. Portanto, encaramos a possibilidade de aceitar o espírito da proposta, embora nos pareça que a redacção deva ser melhorada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, constato que a proposta tem o acolhimento do PCP, objecções do PSD e reservas do PS. Assim sendo, o estado da questão é este: salvo alteração, a proposta corre algum risco de inviabilidade. O Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem de encontrar alguma "munição" suplementar para fazer vingar a proposta.
Passamos ao n.º 2 do n.º 28, em relação ao qual existem propostas do Partido Socialista e do Deputado Cláudio Monteiro, ambas visando restringir o recurso à prisão preventiva.
O PS propõe concretamente o estabelecimento da regra de que "A prisão preventiva tem natureza excepcional e não será decretada nem se manterá sempre que possa ser substituída por caução ou por qualquer outra medida (…)". As alterações constam das primeiras duas expressões que citei.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe que "a prisão preventiva não deve ser ordenada ou mantida sempre que possa ser substituída por outra medida de coacção mais favorável (…)", e no final acrescenta: "independentemente da natureza da gravidade do crime imputado ao arguido".
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, a nossa proposta veio procurar clarificar algo que, de acordo com o nosso entendimento, já decorreria da lei ordinária, do Código Penal, mas que, infelizmente, na prática não tem tido esse sentido. Refiro-me ao carácter excepcional da prisão preventiva, que a generalidade dos constitucionalistas e dos penalistas sempre consideraram. Todavia, repito, em termos práticos não é o que se verifica.
Entendemos que é preciso deixar ficar muito claro na Constituição que a prisão preventiva, aliás como noutros ordenamentos jurídicos, designadamente da Europa, tem natureza absolutamente excepcional.
Do mesmo modo, acrescentamos a ideia de que também só em situações absolutamente excepcionais é que a prisão preventiva deverá ser aplicada a menores. É que, segundo a experiência que temos, designadamente a propósito do tráfico de estupefacientes, onde os níveis são sempre muito diferentes entre os grandes centros e a província, na prática, os magistrados vão aplicando a prisão preventiva como uma forma de retirar das ruas alguns dos muito pequenos traficantes.
Por exemplo, se estiver em causa 1 g de heroína ou de cocaína, se calhar, os magistrados "dão um pontapé"…, ou melhor (para não utilizar a expressão brejeira), são capazes de não ligar muito ao assunto num grande centro urbano, como Lisboa ou Porto, mas, possivelmente, nas zonas do centro do País ou do interior, a pessoa em causa fica em prisão preventiva normalmente até ao julgamento, após o qual é posto em liberdade. Às vezes os juizes têm de compor as sentenças de modo a que as pessoas acabem por ser condenadas por tráfico de pequenas quantidades para, de algum modo, justificar a prisão preventiva de 9, 10, 11 ou 12 meses a que, entretanto, as pessoas foram sujeitas.
Portanto, pensamos que este preceito, tal como o propomos, clarifica bastante as situações.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o espírito da proposta que apresento é semelhante ao da do PS e tem uma razão técnico-jurídica e uma razão política.
A razão técnico-jurídica é a seguinte: apesar de se ter eliminado do texto constitucional, e mesmo da lei, a ideia de que a crimes de pena maior, hoje normalmente designados por crimes com pena superior a três anos (se é que se pode fazer essa correspondência), corresponderia pena de prisão preventiva, apesar de se ter eliminado essa correspondência automática do nosso ordenamento jurídico, parece haver, por parte dos interpretes em geral e dos magistrados em particular, a ideia de que a crime com pena superior a três anos deve ser sempre decretada a prisão preventiva, independentemente de as circunstâncias do caso concreto justificarem ou não o receio de que a liberdade do arguido possa causar prejuízo ao processo. Isto por um lado.
Por outro lado, também sentimos que - e as turbulências verificadas nas prisões nos últimos meses permitem perceber essa situação com mais clareza -, para além da razão técnico-jurídica, tem havido outra razão (de certa forma, já salientada pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro) que se prende com a circunstância de a prisão preventiva ser, hoje, frequentemente utilizada como um meio de acalmar as populações e, por vezes, a polícia, para evitar aquilo que o cidadão comum entende ser a circunstância de, frequentemente, "os tribunais soltarem os criminosos que são presos pela polícia".
Tal circunstância gera o uso indiscriminado da medida de prisão preventiva para além daquelas situações que seria razoável aceitá-la e, por outro lado, faz com que cheguemos a uma situação em que mais de um 1/3 da população prisional não está presa com culpa formada mas, sim, em regime de prisão preventiva, o que, obviamente, tem consequências gravosas para o problema da sobrelotação das prisões, com as consequências que já todos conhecemos.
Julgo, portanto, que seria importante introduzir no texto constitucional aquilo que, porventura, já lá está, isto é, um reforço do princípio da proporcionalidade na aplicação da medida de prisão preventiva para os casos em que ela é estritamente necessária. Assim, a parte final que se propõe acrescentar corresponde, no fundo, à natureza excepcional que o PS utilizou expressamente na sua proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que é proposto já consta, efectivamente, do
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texto constitucional sob outra formulação. Esse acrescento poderá decorrer da evolução que entretanto se verificou, ao fazer-se a distinção entre "detenção" e "prisão sem culpa formada", distinção conceitual que não existia no momento em que a Constituição foi elaborada. Portanto, a Constituição deverá acompanhar…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, recordo que estamos a discutir as propostas do PS e do Deputado Cláudio Monteiro.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, Sr. Presidente, relativas ao n.º 2 do artigo 28.º.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr.ª Deputada, estamos a discutir as propostas relativas à restrição do recurso à prisão preventiva. E, a não ser que tenha colocado o seu raciocínio muito atrás, temo que não esteja a tratar da questão.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o que estou a dizer tem a ver com a expressão "ordenada ou mantida", que na Constituição está apenas "não se mantém". Ora, na Constituição não se estabelecia "não se ordena" porque nessa altura se entendia conceitualmente que, quando um polícia chegava ao pé de uma pessoa e a encaminhava para a esquadra, estava-se perante uma situação de prisão sem culpa formada.
O Sr. Presidente: - Portanto, era uma questão de manutenção ou não, e não de decretar a prisão preventiva.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. Portanto, o que referi tinha a ver com a inclusão da expressão "ordenada".
O Sr. Presidente: Está justificado o seu intróito.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Relativamente às outras questões suscitadas, penso que a ideia da excepcionalidade da prisão preventiva já está consagrada na Constituição, mas não se perde nada em realçá-la. Embora me pareça que, em termos de lei processual penal, esta alteração não vai alterar o quadro que existe, porque em relação às questões aqui suscitadas, que se prendem com as prisões preventivas, por exemplo, no tráfico de droga, é obvio que, tratando-se de tráfico de droga, à partida, há logo uma forte presunção de que pode haver perturbação do inquérito e da instrução, na medida em que, lá fora, eles contactam uns com os outros e combinam ocultar dados, etc. Portanto, isso não vai alterar na prática o que acontece; a lei penal pode é fazer alguns "ajeitamentos"…
Não é verdade que os juízes apliquem a medida da prisão preventiva a crimes com pena superior a três anos; a questão complica-se, sim, em relação a crimes com penas superiores a oito anos porque o Código de Processo Penal faz uma exigência aos juizes -não sei se não deveria ser ao contrário!-, que é a seguinte: os juízes têm de indicar os motivos por que não aplicam a prisão preventiva. Ora, perante esta especial exigência feita aos magistrados, acompanhada do protesto social em relação a determinados crimes, vejo com alguma dificuldade que passemos a ter menos presos preventivos.
Não há nenhum magistrado que suporte o que já estão a suportar! Por um lado, acusa-se: "Há presos preventivos de mais na cadeia". E, por outro lado, os polícias dizem, e dizem para os jornais: "Nós prendemos e os juízes mandam-nos embora!". É uma situação muito complicada.
De qualquer forma, estamos de acordo em melhorar o texto da Constituição quanto a este aspecto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há várias questões que analisamos de modo diferente.
Começando pela matéria relativa à natureza excepcional, a qual corresponde ao inciso final do projecto do Deputado Cláudio Monteiro, segundo a expressão do próprio (pelo menos pareceu-me ser um pouco isso que entendi da sua exposição), consideramos ser negativa esta alteração, fundamentalmente por uma razão de ordem prática.
Como já aqui foi referido, não nos parece que isto acrescente rigorosamente nada à defesa dos direitos dos cidadãos. É evidente, para todos, que a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos impõe sempre que as medidas de privação de liberdade, como a prisão preventiva, sejam de natureza excepcional. É um dado adquirido que resulta claro de toda a Constituição.
Portanto, do ponto de vista dos cidadãos, parece-nos que esta referência não fortalece rigorosamente nada, não traz qualquer dado novo e tem um efeito perverso. É que, do nosso ponto de vista, tenderá a enfraquecer a própria liberdade do juiz na análise criteriosa que ele tem de fazer da situação com que se depara, para ordenar ou não a prisão preventiva. E a forma como vemos um acrescento deste tipo no texto constitucional não redundaria em benefício algum…
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Guedes sustenta que o juiz tem liberdade de decretar ou não a prisão preventiva?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza.
O Sr. Presidente: - Tem liberdade?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente. Ele tem de ajuizar o caso concreto e verificar se estão ou não reunidos…
O Sr. Presidente: - Felizmente, não é essa a opinião… Pelo menos, não é a minha, de certeza! O juiz só pode decretar a prisão preventiva quando considere que ela é estritamente necessária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, isso é que é liberdade! Caso contrário, não valia a pena apresentar a situação a um juiz; bastava um computador, no qual o polícia introduzia os dados da detenção, para determinar se se aplicava ou não a prisão preventiva.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não brinquemos com os argumentos. Essa não é uma forma séria de considerar a questão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com toda a franqueza, é evidente que tem de haver uma liberdade de apreciação por parte do juiz, que é a liberdade
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de julgar e de aferir, face aos dados concretos da questão, se deve haver lugar, ou não, à aplicação da medida excepcional de prisão preventiva. Isto é para nós uma evidência.
O que estava a dizer, Sr. Presidente, é que do lado da defesa dos direitos dos cidadãos - e penso que é mais ou menos pacifico - este inciso nada acrescenta ao que já consta da Constituição.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Deputado está a comentar que aspecto da proposta?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A parte referente à natureza excepcional da prisão preventiva. E comecei por dizer que nos parecia que esta proposta comportava questões que analisámos diferentemente.
Quanto a dizer-se que a prisão preventiva tem natureza excepcional, a nossa opinião é de grande reserva, porque pensamos que pode ter efeitos perversos, não trazendo quaisquer vantagens.
Quanto à alteração que visa acrescentar a expressão "não será decretada" ou "ordenada" - penso que o termo constitucionalmente utilizado é "ordenar" e, de resto, o próprio n.º 3 do artigo 28.º refere "ordenar" e não "decretar" -, já a encaramos como positiva. De facto, o texto actual ao utilizar apenas o verbo "manter", com a expressão "não se mantém", aborda apenas um dos lados da questão, pelo que pensamos que o texto ficaria enriquecido se se colocasse a expressão "ordenar". E, repito, parece-nos que o termo "ordenar" é mais correcto do que "decretar", termo que o Partido Socialista sugeriu no seu projecto, até porque é o mais utilizado no próprio texto constitucional. Trata-se apenas de uma questão de optar pela redacção mais correcta.
Vou agora comentar o inciso final proposto pelo Partido Socialista, que consiste no seguinte: "só por absoluta necessidade podendo ser aplicada a menores".
Neste caso, a nossa posição também é de reserva, porque já é assim hoje. É evidente que a prisão preventiva como medida de privação de liberdade tem natureza excepcional e, por maioria de razão, também só poderá ser aplicada a menores por absoluta necessidade. Pensamos que consagrá-lo no texto constitucional pode comportar alguns perigos, porque pode parecer, desde logo, que não era assim, ou pode influir negativamente naquela que tem sido a prática corrente e que, do nosso ponto de vista, não merece reparo nem há necessidade de uma alteração substantiva em termos significativos. No ordenamento judiciário nacional, as práticas dos juízes têm sido claramente neste sentido e, do nosso ponto de vista, repito, não há necessidade de fazer reparos.
Introduzir esta alteração no texto constitucional pode ter o efeito negativo de ser entendida como um reparo para reforçar ou para inverter determinada prática, que entendemos não ser errada e que poderia ter efeitos perversos se passasse a ser demasiado permissiva. E não são raros os países onde a utilização de adolescentes para a prática de determinados crimes, exactamente por força de uma sobreprotecção que a legislação desses países confere aos actos de menores, causa problemas.
Na nossa sociedade, felizmente, esse não parece ser, até ao momento, o problema. Mas tememos que o acrescento de um inciso como este na Constituição, sem que ele traga aparentemente qualquer novidade substantiva para a defesa dos interesses dos menores, possa trazer o tal efeito perverso. Estas são, portanto, as razões da nossa reserva e, em termos comparados, noutros ordenamentos jurídicos existem problemas em torno desta matéria, os quais não gostaríamos de ver transportados para a nossa sociedade.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos proponentes, gostaria de ouvir a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se os proponentes quiserem falar primeiro, não me importo.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, o problema com que nos deparamos é o seguinte: o PSD considera que a prisão preventiva é excepcional, mas objecta a que tal possa ser explicitado no texto constitucional. A verdade é que, mesmo nos crimes mais graves (e não estou a dizer nada de novo), os cidadãos são presumivelmente inocentes, mas o que se tem vindo a verificar, até pelos dados prisionais referidos, é que há verdadeiras pré-condenações, com consequências muito mais graves, pois há pessoas que são absolvidas depois de terem estado longos meses na prisão.
Seguramente, o Sr. Deputado Marques Guedes sabe o que se discutiu recentemente a propósito da vigilância electrónica na Assembleia Nacional francesa. A verdade é que se caminha no sentido (tal como acontece noutros ordenamentos, na Suécia e na Alemanha) de não haver prisão preventiva, isto é, de não haver uma pré-condenação, de não haver restrição à liberdade e de se encontrarem outros processos de controlar as pessoas.
A circunstância de não estar prevista no texto constitucional a expressão "excepcional" tem dado azo a que uma parte muito substancial da jurisprudência considere que em caso de pena abstracta superior a oito anos, havendo receio de fuga, os suspeitos sejam sempre presos preventivamente. Ora, isto é duvidoso porque, na realidade, as pessoas só deveriam ser presas após uma condenação formal, após um julgamento. E se em França essa condenação formal acontece ao fim de quatro meses, em média, em Portugal tal não sucede.
A clarificação da excepcionalidade significa que os Srs. Juízes terão de justificar aquilo que a Sr.ª Deputada Odete Santos disse, e disse-o com base no conhecimento prático que tem. É que, por vezes, como os Srs. Juízes têm de justificar por que é que não aplicam a medida, apesar de verificadas as condições gerais, como seja o facto de se tratar de uma pena abstracta superior oito anos, etc., o que constitui um acréscimo de trabalho, acabam, em muitas circunstâncias, por invocar a perturbação da ordem pública ou o receio de fuga para colocarem na prisão pessoas quando não há, substancialmente, dados suficientes naquele momento, naquelas 48 horas, para saber que aquela pessoa vai ou não ser condenada.
Apesar do entendimento que os constitucionalistas e muitos penalistas fazem da natureza excepcional da prisão preventiva, creio que há uma absoluta e imperiosa necessidade de o deixar claro na lei.
Quanto aos menores, percebo bem o problema que levantam. De facto, é verdade que, em certos países da
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América Latina, e não só, os menores são utilizados para o crime, o que faz com que seja necessário encontrar, em sede de lei ordinária, um meio de controlar os menores sem ter de os meter numa prisão, onde lhes acontece, como o Sr. Deputado sabe, as coisas mais graves. São exactamente os jovens de 16, 17 e 18 anos as principais vítimas logo à entrada das cadeias.
Como referi - e sem falar de jure condendo, porque não sei o que pensa o Ministro da Justiça sobre esta matéria, mas creio que já li algures num jornal essa possibilidade -, pode haver métodos de controlo de pessoas, por exemplo electronicamente, num regime de liberdade. Esses métodos foram aprovados em Maio de 1966, em França, e já existem em certos países da Europa, designadamente na Alemanha e na Grã-Bretanha.
Sendo uma restrição de liberdade, é evidente que isso implica que as pessoas dêem o seu assentimento, como na questão da prestação de trabalho, que vamos ver mais à frente.
Portanto, o que se pretende com esta alteração é que as pessoas não sejam pré-condenadas e a prisão preventiva, Srs. Deputados, tem sido uma pré-condenação. Esta é que é a realidade.
Como sabem, existe um preceito na lei ordinária que permite que o suspeito possa ficar em casa, mas o regime que prevê a detenção domiciliária é aplicado uma vez em mil e, normalmente, é-o, por exemplo, se se tratar de uma senhora e se ela estiver grávida. Caso contrário, vai mesmo para a cadeia. E mesmo as grávidas vão para a cadeia…
Existe aqui um conflito entre os direitos fundamentais da pessoa e a perseguição dos criminosos, mas penso que, nesta matéria, os direitos fundamentais são seguramente mais importantes do que o pânico ou do que as necessidades da repressão, porque esta tem de ser combatida com mais e melhores meios e, como disse, hoje isso até pode ser feito com meios electrónicos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a propósito de algumas objecções que foram feitas pelo Deputado Luís Marques Guedes, gostaria de dizer o seguinte: importando linguagem administrativa para esta questão, o que não é necessariamente muito correcto, há uma diferença fundamental entre a liberdade de apreciação dos factos e a liberdade da decisão. Julgo que quando quis dizer que o juiz tinha alguma liberdade, essa liberdade situa-se fundamentalmente na liberdade de apreciação e de valoração dos factos, e não propriamente na decisão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os poderes judicial e legislativo ainda estão separados!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Concordo, mas a questão não é exactamente como a colocou, Sr. Deputado.
A proposta que se apresenta não visa propriamente limitar a liberdade, pelo contrário, visa até ampliá-la em certo sentido, porque o que se constata é que - e é por essa razão que na proposta que subscrevo se utiliza a expressão "independentemente da natureza da gravidade do crime imputado ao arguido" -, de certa forma, têm sido estabelecidas tabelas segundo as quais, verificados determinados factos, a decisão é automática, é sempre a mesma.
É evidente que é a própria lei que estabelece alguns desses critérios objectivos, mas outros têm sido, de certa forma, desenvolvidos pelos próprios magistrados. O que se quer dizer é que a apreciação do caso concreto tem de ser feita em todas as circunstâncias e com total liberdade de apreciação e valoração dos factos, sem recurso a tabelas pré-ordenadas de previsão normativa/estatuição, como tem acontecido. Isto é, os juizes, sistemática e recorrentemente, aplicam a medida de prisão preventiva quando ao arguido é imputado determinado crime, sem ponderarem, no caso concreto, se as circunstâncias justificam a perturbação da ordem pública ou o justo receio da fuga, por exemplo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas os juízes nem sequer têm elementos!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É verdade que, por vezes, não têm elementos, mas não é isso que estou a questionar, Sr.ª Deputada; o que questiono é que a prisão preventiva seja aplicada, como o é frequentemente, de forma automática, sem que exista uma verdadeira apreciação dos factos do caso concreto que possam justificar ou não a sua aplicação.
Obviamente, o que se visa é reforçar esse carácter excepcional que já está contido na norma, no texto vigente, na medida em que a decretação da medida preventiva já está submetida ao princípio da proporcionalidade e isso implica o seu carácter excepcional.
Quanto ao mais, para além do ponto de vista técnico-jurídico, há evidentemente uma intenção política.
A Sr.ª Deputada Odete Santos falava há pouco no problema das pressões sociais, por um lado, e no problema das pressões do sistema prisional, por outro lado. Uns são favoráveis à prisão preventiva como forma de evitar a "libertação dos criminosos", outros são favoráveis à diminuição dos casos de prisão preventiva como forma de "libertar as prisões". Mas se é essa a questão, então eu digo que estou efectivamente a fazer pressão no sentido da diminuição dos casos de prisão preventiva.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Odete Santos, peço-lhe que seja breve.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Serei breve, até porque quero colocar poucas questões, Sr. Presidente.
Não compreendo as objecções do PSD, em primeiro lugar, porque entendo que o texto actual já tem o carácter de excepcionalidade e, em segundo lugar, porque o PSD defendeu e aprovou na Assembleia da República o Código de Processo Penal, que não contém só a excepcionalidade da prisão preventiva mas também a das outras medidas de coacção limitativas e não privativas da liberdade, com excepção do termo de identidade e residência.
Portanto, penso que a proposta do PS até deveria ser no sentido de que as medidas privativas e limitativas da liberdade têm natureza excepcional, de acordo com um texto que já temos hoje em sede de lei ordinária e que, apesar de tudo, não tem causado a diminuição do número de presos preventivos.
Além do mais, parece-me que todas as objecções que foram colocadas têm de ser resolvidas em sede do Código
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de Processo Penal, porque se os juízes tivessem - como deveriam ter, logo, imediatamente, em que 48 horas - um relatório do Instituto de Reinserção Social sobre a personalidade do detido, teriam possibilidade de justificar a não aplicação da medida privativa da liberdade. O que acontece é que os juízes não têm nada disso ao seu dispor.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, mas o que os juízes têm de provar é a necessidade da medida e não a sua não necessidade.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, penso que está a inverter as coisas.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, Sr. Presidente, porque um dos três requisitos para justificar a necessidade da medida é a fuga, ou o perigo de fuga, etc…, e a personalidade do arguido. Como é que o juiz sabe, na altura em que o detido lhe é proposto, se aquela pessoa tem uma personalidade aconselhável?
O Sr. Presidente: * A Sr.ª Deputada está a sustentar que, na dúvida, o juiz deve aplicar a prisão preventiva?! Eu sustento que, na dúvida, ele não a deve aplicar!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não sou eu, é o Código de Processo Penal que sustenta isso!
O Sr. Presidente: * Então, está a dar um grande argumento a favor das propostas do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Risos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que se entendeu, desde o princípio, que eu era favorável às propostas. Disse-o logo na primeira intervenção, bem como que não compreendia as objecções do PSD. Se perceberam mal… Eu não disse as objecções do PS, disse as do PSD, portanto estou de acordo com esta proposta.
Relativamente aos menores - até porque, quanto ao regime penitenciário de menores, nós também apresentamos uma proposta mais adiante -, apoiamos a alteração proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não vou repetir-me, vou apenas situar a posição do PSD de uma forma mais concisa.
É evidente que todas as considerações feitas pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro merecem o melhor acolhimento e, inclusive, a nossa concordância quanto a alguns dos problemas que se colocam, na prática, com este tipo de situações.
Mas não vale a pena mistificarmos a questão. O que foi dito por mim, e essa é a posição do PSD, é que a proposta que estamos a debater não traz nenhuma alteração substantiva ao texto constitucional e tem efeitos perversos, desde logo, como eu situei, por uma questão de oportunidade, porque para além de tudo aquilo que o Dr. Osvaldo Castro disse, e que merece a melhor consideração, ninguém pode negar que o sentimento generalizado da opinião pública não é esse, é precisamente o contrário! O sentimento generalizado da opinião pública é o de que a criminalidade "anda aí", que a polícia actua, ou tenta actuar, aqui ou acolá com algumas falhas e que os criminosos detidos são automaticamente libertos e voltam a perpetrar crimes. Este é que é o sentimento real, e não vale a pena tentarmos tapar os olhos e fingir que não é esse o sentimento que se vive.
O que eu disse, e é essa a posição do PSD, é que uma alteração deste tipo, do nosso ponto de vista, não traz qualquer valor acrescentado, podendo ter o efeito perverso e altamente inoportuno de condicionar negativamente a necessidade de aplicação da justiça.
Ora, não é essa a perspectiva - pese embora nos custe, e não estamos com isso a pôr em causa o que o Dr. Osvaldo Castro referiu - que está em causa quando se pondera avançar para uma alteração constitucional deste tipo; a perspectiva que deve estar em causa, neste momento, no actual circunstancialismo da sociedade portuguesa, é de clara inoportunidade, do ponto de vista do PSD, face àqueles que são os dados que toda a gente conhece.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, vou intervir brevemente, retomando esta questão.
A prisão preventiva não é uma pequena questão, é uma questão de grande importância. E, se tivermos em conta dados relativamente recentes, os números da prisão preventiva em toda a Europa dão-nos uma margem muito significativa da compreensão da importância deste problema.
Portugal, tal como a Hungria, a Áustria, a Espanha, os Países Baixos, a Alemanha e a Grécia, é um dos países onde a percentagem de presos em prisão preventiva oscilou, nos últimos 10 anos, entre 30 a 39%, e este número mantém-se (os Srs. Deputados sabem-no bem). Só a França, a Itália, a Checoslováquia, a Bélgica, a Turquia e a Suíça têm percentagens de 42% a 61%, ou seja, superiores às portuguesas. Portanto, este é um problema de grande gravidade. Os países com menos percentagem de prisão preventiva, de 6% a 20%, são a Islândia, a Finlândia, os países nórdicos, o Chipre e o Luxemburgo.
Há um problema significativo na prisão preventiva, de justiça fundamental, que é o seguinte: a regra é a da liberdade, a prisão é a excepção e deve ser utilizada enquanto prisão preventiva, enquanto prisão que é aplicada àqueles que se presumem inocentes, porque só com a condenação definitiva há uma prisão efectiva, se não for possível assegurar a presença em julgamento ou a preservação da prova através de garantia apropriada.
Digamos que a prisão preventiva é excepcional - como foi dito, e todos estamos de acordo - e pretende obviar à perturbação da ordem pública, ao crime continuado, à supressão das provas ou ao perigo de fuga, mas só em casos excepcionais. Portanto, ninguém defende que se elimine a ideia da prisão preventiva, porque nalguns casos ela é necessária para a realização da justiça, mas ela deve ser reduzida ao mínimo, só sendo aplicada quando outras medidas não são possíveis. Aliás, já hoje assim é e já hoje assim seria. E essa natureza excepcional, se fixada na Constituição, mais não é do que clarificar
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um entendimento genérico, aquilo a que estamos obrigados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem que trata especificamente este ponto e que dá carácter excepcional à prisão preventiva.
Quanto à questão dos menores, apenas digo que esta é uma recomendação recente, que foi aceite por unanimidade pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, de que a prisão dos menores só deverá ser feita em casos de absoluta necessidade. Portanto, os casos de absoluta necessidade terão que ser "densificados" em termos jurisprudências, mas é em casos de necessidade absoluta, não é em condições normais. Isto até se passa devido às dificuldades, no caso de Portugal acrescidas, de não haver distinção, em termos de estabelecimentos prisionais, entre menores, maiores, homens e mulheres, delinquentes primários ou delinquentes já com cadastro bastante acentuado.
Portanto, a prisão preventiva, para fazer uma boa justiça, pode passar por uma consagração explícita, com alcance prático daquilo que, em termos teóricos, já está consagrado na Constituição.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): * Sr. Presidente, concordo, na generalidade, com os pressupostos que o Sr. Deputado Alberto Martins apresentou: a prisão preventiva deve ter natureza excepcional. Já hoje é assim.
Todavia, penso que a inclusão no artigo 28.º, na nova redacção, do qualificativo excepcional não constitui por isso mesmo uma mais-valia, tão simplesmente traduzir-se-á, na lógica dos proponentes, numa redacção "virtuosa" para impedir ou, pelos menos, reduzir os comportamentos da magistratura que, no entender de muitos, talvez não sejam os mais adequados, dentro daquela lógica de que os juízes, por uma questão de facilidade imediata, recorrem à prisão preventiva, porque lhes é mais prático, quando, se calhar, se tivessem menos trabalho, apreciariam e resolveriam cada questão de forma diferente.
A proposta agora apresentada, não obstante as boas intenções, nenhuma mais-valia traz, portanto não constitui um plus. O que constitui efectivamente, ou procura constituir, é um contrariar a cultura judiciária portuguesa. Ora, ponho em dúvida - é uma dúvida metódica, provavelmente - que a afirmação no texto constitucional de que a prisão preventiva tem natureza excepcional afaste essa cultura judiciária que está enraizada. Não será por aí, na minha opinião.
Tanto mais que, já hoje, o texto constitucional estabelece que a prisão preventiva "não se mantém sempre que possa ser substituída", e a possibilidade de ser substituída, ou não, por outro meio radica precisamente na liberdade de apreciação do juiz face ao caso concreto. E aí, a Constituição não vai dizer ao juiz quais serão os critérios que ele tem taxativamente que respeitar para atender, ou não, à excepcionalidade apontada.
Em relação aos menores, gostaria de recordar que estes gozam de uma situação muito específica. Eles são internados em centros dependentes da reinserção social e, portanto, não são, hoje, sujeitos a prisão em estabelecimentos prisionais normais.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Deputada, é capaz de clarificar o que acabou de dizer? É que para execução de penas conheço alguns, fora disso, não conheço!
A Sr. Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Esses centros existem, Sr. Deputados. Obviamente, não tantos quanto os desejáveis, embora a criminalidade ao nível de menores, felizmente, no nosso caso não seja particularmente acentuada. Mas, hoje em dia, dadas as tendências de criminalidade em Portugal, não considero nada estranho que, de algum tempo a esta parte, nos vejamos confrontados com o aumento da criminalidade de menores, Basta pensarmos que os menores são cada vez mais os "veículos" do tráfico de droga, são usados pelos grandes traficantes. Mas essa é outra questão.
Mas, dizia eu, a preocupação dos tribunais é enviar os menores para internamento em centros dependentes da reinserção social, tendo precisamente presente a sua situação de menores, e não os colocar entre criminosos convictos, com todos os inconvenientes que daí decorreriam, uma vez que a nossa posição sempre foi a da reinserção social. Ou melhor, o nosso objectivo sempre foi, relativamente a maiores e, por maioria de razão, em relação a menores, o da reinserção social do delinquente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que a discussão está encerrada. Apenas não gostaria que passasse sem contestação a ideia, que foi reiterada, de que esta alteração não traria nenhum valor acrescentado nem nenhuma mais-valia. Penso que não é assim em termos constitucionais porque, quanto mais não seja, o texto constitucional funciona como elemento de interpretação das leis conforme à Constituição e é óbvio que esse valor não poderia ser negado.
Ora, é esse valor acrescentado que justifica a objecção do PSD à proposta, não é por ela ser inútil ou reiterativa; é exactamente pelo valor acrescentado que traria em termos de contrariar uma cultura judiciária favorável à aplicação "tabeliónica" da prisão preventiva, ajudando os juizes a resistir à pressão da opinião pública, das emoções públicas, para recorrer com facilidade à prisão preventiva, como ocorre na generalidade dos casos.
A discussão apurou a inviabilidade das propostas, salvo num pequeno ponto: onde se lê "(…) não se mantém (…)" passaria a constar "(…) não deve ser ordenada ou mantida (…)". Suponho que há abertura para esta alteração.
Não há abertura, dadas as objecções feitas, para as alterações relativas ao estabelecimento expresso de um princípio de excepcionalidade do recurso à prisão preventiva, ao tratamento especial dos menores e à indiferença da natureza da gravidade do crime imputado ao arguido. Portanto, o texto da Constituição não será alterado em matéria de prisão preventiva, salvo na pequena nota que referi.
Srs. Deputados, voltamos atrás, à parte do artigo 27.º que ficou de remissa por não estarem presentes os Deputados do Partido Socialista habilitados a apresentar as respectivas propostas, e elas têm que ver com o aditamento das novas alíneas, a f) e a g), ao n.º 3 do artigo 27.º.
Antes disso, vamos discutir proposta do PSD, de alteração da alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º. Começaremos por aqui, por ordem lógica.
O PSD propõe, no que respeita às pessoas que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente no território nacional
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ou contra as quais esteja em curso processo de extradição ou de expulsão, que conste na alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º, além da prisão ou detenção, que é a redacção actual do texto constitucional, "Prisão, detenção ou outra medida coactiva (…)".
Na discussão que se iniciou, o PCP e Os Verdes manifestaram objecções a este aditamento por ele não ser preciso quanto ao que se quer abranger e, portanto, por se correr o risco de incluir realidades que hoje nem sequer estão contempladas na lei.
Aparentemente, e segundo a nota de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que estava em causa era contemplar medidas, como, por exemplo, a de estar-se confinado a espaços de recolhimento em aeroportos, que hoje já estão contempladas na lei e que a expressão prisão ou detenção em sentido técnico pode não contemplar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, do Partido Socialista, para se pronunciar sobre esta proposta, que ficou exactamente a aguardar que o PS o pudesse fazer.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à proposta do PSD, nós também temos essa dúvida, que se funda no seguinte: a ideia dos centros de acolhimento está na lei, é pacífica, mas, quanto à ideia de estender a situação prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º a outra medida coactiva, temos dificuldades em fazer esta alteração constitucional. Tanto mais que essa situação está taxativamente prevista num dos dispositivos da Convenção Europeia do Direitos do Homem, que diz ser legal a prisão ou a detenção de uma pessoa para impedir a sua entrada ilegal num território, ou a prisão ou detenção de uma pessoa contra a qual está em curso um processo de expulsão ou extradição.
Alargar este âmbito, manifestamente, é pormo-nos contra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que é direito português, e, digamos, esta alteração constitucional implicaria que tivéssemos de desvincular-nos da Convenção. Ora, não vemos cabimento nesta solução proposta pelo PSD se tiver o entendimento de uma derrogação deste texto, que é muito preciso.
O n.º 1 do artigo 5.º da Convenção diz que "Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:", sendo que um dos casos previstos, o da alínea f), é a prisão ou detenção legal de uma pessoa para impedir a sua entrada ilegal no território, ou de uma pessoa contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição. Isto tem que ser interpretado restritivamente, pelo que a solução proposta pelo PSD, penso, fica à margem desta solução da Convenção.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está reaberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estranho esta leitura, porque, de facto, não é minimamente a que o Partido Social-Democrata faz, muito pelo contrário, não só a nossa proposta não contraria a Convenção Europeia dos Direitos do Homem como até pretende salvaguardar a existência de situações que são muito mais favoráveis aos cidadãos do que as situações de prisão ou detenção legal.
Quer dizer, a preocupação que está subjacente à Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem a ver com a salvaguarda do território nacional de entradas irregulares, excepcionando que as medidas de privação de liberdade são possíveis com este objectivo, elencando-se depois a prisão ou a detenção legal.
O PSD propõe simplesmente que, para além da prisão ou detenção legal - como expliquei há pouco, do nosso ponto de vista, tecnicamente estes são conceitos que pressupõem sempre a prática ou a suspeita de prática de determinados ilícitos, e podemos estar na presença de outras situações (podem estar apenas em causa questões de regularização administrativa dessa entrada) -, haja outras medidas, que, de facto, são coactivas da liberdade, mas que não chegam ao ponto de dever ser consideradas prisões ou detenções, até porque isso, de certa forma, tem uma carga mais ultrajante para a situação das pessoas, que nessa circunstâncias podem perfeitamente não ocorrer. Pode tratar-se de meras irregularidades de natureza administrativa, que obrigam a que haja os tais centros de acolhimento, onde, de facto, estamos perante uma medida coactiva de privação de liberdade, mas que não vai tão longe, não é tão degradante - se é que pode entender-se o que quero significar com isto - como a detenção ou a prisão.
Portanto, o que pretendemos é rigorosamente o contrário. E fique o Sr. Deputado Alberto Martins perfeitamente tranquilizado sobre as intenções do Partido Social-Democrata, porque não pretendemos minimamente desvincular-nos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou pô-la em causa. Pelo contrário, visamos precisamente acolher formas que, do nosso ponto de vista, salvaguardam melhor a dignidade dos direitos do homem!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Alberto Martins, esta explicação satisfá-lo? A suas objecções mantêm-se ou estão superadas?
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, só gostaria de pedir uma clarificação no seguinte sentido: naturalmente, se estas medidas coactivas são mais leves do que a prisão ou a detenção, a minha preocupação deixa de ter sentido. No entanto, ela mantém-se, porque há o risco de haver detenções administrativas descontroladas, sem uma decisão judiciária, e é sobre essa questão que eu queria que o Sr. Deputado se pronunciasse.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, se me dá a palavra, relembrava apenas ao Sr. Deputado Alberto Martins aquilo que já disse há pouco, aquando da discussão deste assunto: esta alínea b) tem de ser lida no contexto do corpo do n.º 3, onde se diz claramente "(…) pelo tempo e nas condições que a lei determinar (…)". Portanto, é evidente que há um princípio de legalidade expresso aqui, nesta matéria, que terá sempre de ser observado.
De resto, a leitura que o Sr. Deputado fez há pouco da Convenção Europeia dos Direitos do Homem também se refere às condições legais, mas já o nosso texto constitucional estabelece claramente "(…) pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:". No fundo, o que pretendemos com isto é acolher, sem margem
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para dúvidas, a legislação nacional sobre esta matéria que prevê os centros de acolhimento e outro tipo de situações. Depois, o legislador poderá alterar e condicionar mais ou menos estas situações, mas parece-nos que elas devem ter acolhimento, sob pena de se considerar eternamente que esse tipo de legislação tem a carga degradante de considerar que esses cidadãos estão a cometer um ilícito, que são suspeitos da prática de um ilícito. Do nosso ponto de vista, é essa a "cara" que o conceito de prisão ou detenção contém.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, vamos ponderar a nossa posição, face às explicações que nos foram dadas.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, nesses termos, fica suspensa a ponderação do PS quanto ao sentido dado pelo PSD à sua proposta.
Vamos passar, então, à proposta do Partido Socialista de aditamento de duas novas alíneas ao n.º 3 do artigo 27.º, que visam a "constitucionalização" de formas de restrição da liberdade hoje legalmente previstas. A saber: alínea f) "O internamento do doente mental, como tal qualificado por tribunal judicial e nos termos por este definidos;" e alínea g), a "Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessário e nos termos previstos na lei.".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para apresentar a proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se em ambos os casos de procurar colmatar lacunas que podem perturbar a destrinça entre condutas que são acolhidas face aos princípios que presidem ao artigo 27.º e outras que devem ser formalmente excluídas.
O internamento de doentes mentais é um problema significativo e tem originado dificuldades para as quais o Sr. Procurador-Geral da República nos tem alertado reiteradamente, constituindo um grave problema a que é preciso dar resposta no terreno da lei ordinária, seguramente, e no terreno das instituições de saúde públicas. Não é disso que se trata aqui, muito manifestamente, mas, em sede constitucional, alguma obra é preciso fazer.
Sendo o artigo 27.º, e o seu n.º 3 em especial, que regula as excepções, rigoroso e típico - e conhecemos ponto a ponto que obras foram feitas neste artigo, que ampliações do seu âmbito originário foram decretadas em sede de revisões constitucionais sucessivas - e devendo, portanto, ser interpretado restritivamente, sendo proibidas todas as formas de extensão ou abrangências que fizessem deslizar o âmbito do preceito, não conseguimos enquadrar em nenhuma das alíneas deste preceito a situação que nós aqui qualificámos como de internamento de doentes mentais, de inimputáveis. Escolha-se eventualmente uma outra formulação, mas não há dúvida alguma sobre o objectivo que nos rege neste ponto.
Em nenhuma das alíneas se consegue inserir este tipo de situação, o que significa que pode colocar-se um "perfume" incómodo de inconstitucionalidade em relação a internamentos obrigatórios, os quais têm que depender de determinados pressupostos.
A nossa norma afigura-se cautelosa bastante, ou seja, não se trata apenas de uma imputação de desequilíbrio mental ou de situação contrária ao paradigma da chamada normalidade ou não doença mental, é necessário uma qualificação judicial, isto é, é necessário um processo tendente a fazer somar o juízo de carácter técnico-sanitário com uma vontade judicial expressa de forma adequada, através de processo adequado e em termos que o legislador ordinário vai ter que definir.
Sr. Presidente, é suposto que discutamos alínea por alínea, ou podemos discuti-las em conjunto?
O Sr. Presidente: * Podem discuti-las em conjunto.
O Sr. José Magalhães (PS): * Em relação à alínea g), o problema para que se alerta aqui foi objecto de larga reflexão na Assembleia da República.
Contrariámos, no terreno da lei ordinária, todas as tentativas de desnaturar o processo de identificação de cidadãos e, aliás, aprovámos, legislação, não há muitos meses, que introduziu alterações à lei de segurança interna, na parte em que ela regulava - e regula ainda - a identificação de cidadãos, confinando a especialidade de restrição de liberdade àquilo que, na "meta-linguagem" do nosso direito criminal, se qualifica como suspeitos.
A introdução na Constituição de uma cláusula nesta matéria, medida limitativa e que nos parece rigorosa, como a que consta desta proposta de nova alínea g), permite clarificar a fronteira entre os actos praticáveis pelas polícias e os actos que não podem ser praticados com qualquer fundamento.
Ora, tendo nós uma preocupação estrita de garantir a segurança interna e a tranquilidade de ordem pública, achamos que o desafio de conseguir isso com pleno respeito pelos direitos dos cidadãos pode ser atingido e, neste fim de século, tem de ser atingido.
É esse o princípio que rege, também neste ponto, a nossa proposta, ao propor a introdução desta excepção em termos estritos e medidos.
O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, leio o texto da alínea f) e como ele não só não me agrada como me aflige, queria que me tranquilizasse.
Estamos numa matéria particularmente sensível ao nível da experiência geral dos povos e o internamento por doença mental tem sido, desgraçadamente para a humanidade, ocasião e pretexto para muitas coisas. Estabelecer aqui que é nos termos, pelo tempo e nas condições que a lei determinar que se pode proceder ao internamento de doente mental, sem mais nada, só porque ele é doente mental ou o "maluquinho da terra", fica mal!… As pessoas que estão aqui, na terra, não gostam de ver o "maluquinho" por aí a fazer coisas, acham melhor interná-lo; ele não é perigoso, mas, enfim, desfeia a terra. Portanto, quem nela domina não gosta que a terra seja conhecida porque tem um "maluquinho" e, por isso, há que interná-lo.
Depois afirma-se que é o tribunal quem define os termos em que ele é internado; isto é, não só autoriza como vai qualificar o doente mental. Portanto, como ele é um doente mental, vai definir os termos… Mas definir o quê? Os termos da doença mental?
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Eu compreendo a preocupação. Há situações em que um doente mental pode ser perturbador da ordem, do sossego das outras pessoas, mas a Constituição ser formulada assim, com esta amplitude… Gostaria de ficar mais tranquilo com o texto, por isso queria ouvi-lo mais em pormenor sobre estas questões.
O Sr. Presidente: * Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, Sr. José Magalhães, quero aproveitar a ocasião para, de forma muito breve, especificar dois aspectos mais em concreto.
Desde logo, este termo "qualificado" significa qualificado ou comprovado? Não será mais a ideia de comprovado por Tribunal do que qualificado?
Em segundo lugar, no que respeita à alínea g), para além de fazer um comentário a que não resisto, que é o de que, afinal, o Partido Socialista acaba por dar razão à necessidade de prever determinado tipo de situações, como o PSD vem defendendo, a questão concreta que lhe coloco, Sr. Deputado José Magalhães, é a seguinte: não lhe parece que esta parte final, "nos casos e pelo tempo estritamente necessário e nos termos previstos na lei" é repetitiva do que já consta do corpo do n.º 3, que, no fundo, serve de suporte a esta como a todas as outras alíneas?
O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, gostaria de esclarecer dois aspectos. O Sr. Deputado Alberto Martins trouxe - e não por acaso, aliás - algumas das conclusões da reflexão que sobre esta matéria se tem feito no âmbito do Conselho da Europa, a uma de cujas estruturas pertence, que, creio, seria útil verter para a acta, porque a reflexão colectiva que estamos a fazer no âmbito da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre esta matéria não resulta do acaso, resulta do facto de nas nossas ordens jurídicas enfrentarmos todos a mesma dificuldade, para a qual buscamos resposta comum.
Portanto, limitar-me-ia a dizer, quanto ao espírito da nossa proposta, que não se trata de favorecer o capricho, o arbítrio ou mesmo - e pior ainda, naturalmente- a vindicta ou o juízo social arbitrário; trata-se de, tal como acontece em relação às outras alíneas que se constituem excepções ao princípio geral do n.º 2 do artigo 27.º da Constituição, por um lado, abrir uma cláusula que permita fazer, sem ferir a construção, determinados internamentos, qualificados pela sua necessidade, pelo fim social, pelo fim de utilidade pública, pelo fim de realização do interesse superior àquele que é realizado pela existência, em liberdade, de uma pessoa humana que não o deixa de ser quando atingida por doença e, por outro lado, evitar a confusão entre a doença real e a doença inventada, a doença fictícia, ou a perseguição política oculta sob forma de acusação de anomalia psíquica.
Infelizmente, o nosso século, como sabem, foi dolorosamente manchado por fenómenos vários em sistemas de natureza diversa e essa memória não se apagará da nossa lembrança histórica.
A intervenção judicial visa precisamente garantir isso, ou seja, visa exigir que haja um elemento de prova introduzido e instruído segundo as regras próprias do funcionamento da máquina judicial, aferido pelo tribunal, o que garante o due process of law, designadamente para esse aspecto, ou seja, garantia do contraditório, fidedignidade, intervenção de peritos e um juízo público sobre o acto contraditável. E, portanto, se suprimimos isso através da forma "comprovado", devo dizer-lhe que tal não nos insatisfaz, já que nos parece uma fórmula alternativa perfeitamente palatável, perfeitamente aceitável. É este o nosso espírito.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado José Magalhães, admite que a fórmula utilizada pode ser melhorada no sentido de corresponder às preocupações suscitadas?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sem dúvida alguma, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Ou seja, talvez não baste estatuir "como tal qualificado", uma vez que o tribunal judicial pode ser chamado a decidir mais do que a qualificação da situação.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sem dúvida, Sr. Presidente, e estamos completamente abertos a que se encontre uma fórmula nesse sentido.
Quanto a este fundo comum de reflexão, Sr. Presidente, gostaria que autorizasse o Sr. Deputado Alberto Martins a fazer uma declaração.
O Sr. Presidente: * Com certeza.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: As preocupações do Partido Socialista sobre esta matéria e o alcance das normas está explicitado, pelo que apenas reforçava, em termos de complemento de argumentação, chamando a vossa atenção para o facto de haver uma disposição - e, naturalmente, nestas matérias são muito coincidentes algumas das nossas disposições e dos nossos propósitos com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem - que admite precisamente a privação da liberdade: "(…) se se tratar da detenção legal de uma pessoa, susceptível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo".
Independentemente de adaptação das fórmulas, creio que se admite aqui a detenção de um alienado mental - a Convenção admite e há acórdãos do Tribunal Europeu que também o admitem explicitamente -, independentemente de ele ter cometido uma infracção penal ou civil.
O próprio Tribunal Europeu alude à dificuldade de definição de alienado e do que é um comportamento anómalo face às regras de comportamento geral na sociedade, mas refere que - e são três condições que o Tribunal consagrou e densificou em termos interpretativos - para a regularidade da detenção de um alienado são precisas três condições, que me parecem ir ao encontro das preocupações, das reservas e das dificuldades que uma fórmula destas, à primeira vista, contém.
Vejamos: primeiro, a alienação deve estar estabelecida através de uma peritagem médica, que, em caso de urgência, pode seguir-se à detenção; segundo, a perturbação deve ter um carácter e um âmbito legitimando o internamento; terceiro, o internamento não pode prolongar-se para além
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da persistência da alienação, isto é, em síntese, o internamento de um doente mental deve ser, por conseguinte, necessário e proporcionado.
Creio que com estas regras e com estas balizas algumas das preocupações estão respondidas.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, como não tenho em mãos o texto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, deduzo que a Convenção não opta por uma jurisprudência pretoriana; não é o tribunal que decide, a lei é que há-de fixar isso. Quando se fala em detenção legal e, mais à frente, se indicam esses critérios, tais critérios hão-de ser precisados na lei.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Exactamente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Portanto, a vossa redacção é demasiado anglo-saxónica e, um pouco "virando o feitiço contra o feiticeiro", gostava de menos judicialismo e mais normativismo no caso.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, se me permite um comentário, gostaria de dizer que é evidente que a Convenção e este tipo de normas atribui às autoridades nacionais uma certa discricionariedade na interpretação da Convenção.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, quanto ao normativismo e não ao judicialismo, permita-me que relembre, tendo em conta a observação última do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que a nossa norma, em todo o caso, deve sempre ler-se tendo em conta o proémio do n.º 3 do artigo 27.º, ou seja, exceptuam-se desde o princípio a privação da liberdade "pelo tempo e nas condições que a lei determinar". E segue-se: "o internamento do doente mental, como tal qualificado por tribunal judicial, nos termos por este definidos". Ou seja, sempre no quadro da lei e sempre mediante a intervenção concretizadora da lei. Mas isto está no proémio e, portanto, não temos de repetir.
É essa a razão, com a devida vénia, pela qual não insistimos na questão da lei.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, após as últimas intervenções, as minhas inquietações aumentaram muito. Até já ouvi falar em detenção de vagabundos, etc…
O Sr. Presidente: - Não é isso que se propõe, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi uma citação da Convenção, e é sempre um perigo…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, quero apenas para dizer que não nos propusemos constitucionalizar essa parte.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, há sempre o perigo de se fazerem citações de textos que, em muitos casos, não são melhores que a Constituição Portuguesa.
São muitas as minhas preocupações e, para além do mais, esta alínea está manifestamente desenquadrada. E está-o porque todas estas alíneas do n.º 3 do artigo 27.º dizem respeito a actuações ilícitas. Todas elas, nenhuma é excepção.
O Sr. Presidente: * Não é verdade para a alínea d), Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente, os processos de prevenção criminal - repito, criminal - têm medidas de protecção,…
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, a sujeição do menor a medidas de protecção, de assistência ou de sujeição nada tem a ver com crimes.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A alínea d)?!…
O Sr. Presidente: - Não tem razão, não insista, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Presidente, a "Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, (…)", prevenção criminal de menores de 16 anos…
O Sr. Presidente: * Não tem nada a ver, Sr.ª Deputada, por favor!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … que cometeram factos ilícitos, mas que não estão ao abrigo da lei penal!
O Sr. Presidente: * Não insista, por favor.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas é o que aí está consagrado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Não é, não.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vem na organização tutelar de menores…
O Sr. Presidente: * Mas o que é que a protecção tem a ver com ilícitos, Sr.ª Deputada?! Há certas matérias em que é necessário ter um bocado de moderação. A Sr.ª Deputada estava a dizer que o n.º 3…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, o Sr. Presidente falou em prevenção criminal…
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, não falei em prevenção criminal alguma. A Sr.ª Deputada é que está a dizer que o actual n.º 3 só prevê limitações da liberdade por factos ilícitos, e eu estava a dizer que não é verdade, porque a alínea d) não contempla nenhuma privação de liberdade por factos ilícitos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Presidente, é verdade que a alínea d) visa justificar o internamento de menores de 16 anos que praticaram factos ilícitos e que não estão abrangidos pela lei penal.
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O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, admito que também seja por isso, mas não necessariamente!
O Sr. José Magalhães (PS): * Situações de risco, de perigo e de abandono, em que ainda não houve nenhum acto ilícito mas há risco de haver, etc.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dá-me licença Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, deveria ser elementar, para quem propõe, que a inclusão de uma alínea desta natureza abre os maiores riscos e acentua, em minha opinião, um carácter policial que não abona nada em nome dos proponentes. E isto é elementar! Há exemplos históricos, que até foram objecto de filmes, de pessoas que foram classificadas como doentes mentais e que não o eram. Ou seja, através disso o que se quis foi conseguir outras coisas… Portanto, como disse, as minhas inquietações foram-se avolumando e, neste momento, estão radicadas em relação à proposta que é feita.
Já a alínea g) destina-se a constitucionalizar uma lei ordinária que permite, ainda que não haja factos concretos assacados a determinado cidadão, com uma mera argumentação de suspeição que pode não ter quaisquer fundamentos, que a pessoa seja levada para a esquadra, seja fotografada, lhe sejam tiradas impressões digitais e aí permaneça - suponho que esse tempo foi reduzido para três ou quatro horas -, o que dá origem a manifestos abusos.
Portanto, tal como nos manifestámos contra esta lei, também não apoiamos esta proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, queria manifestar as nossas reservas em relação a estas duas alíneas propostas pelo Partido Socialista, em particular quanto à alínea f).
Julgamos que este terreno é altamente movediço e que deste modo se pode abrir campo ao arbítrio e à subjectividade, possibilitando a utilização perversa de formas de controlo, de dominação social, cultural, ou até, eventualmente, de apropriação ilícita de propriedade.
Portanto, colocar aqui a possibilidade de internamento de doente mental é um terreno perigoso e o que a leitura e a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins veio, de facto, reafirmar foi que o nosso texto constitucional oferece mais garantias tal como está actualmente, que foi mais além na protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos do que a Convenção que citou.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Isabel Castro, permite-me um pedido esclarecimento?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, segundo a justificação dada pelos proponentes, esta alteração visa constitucionalizar medidas que estão na lei e que, aparentemente, não devem ser inconstitucionalizadas. Qual destas duas opções sustenta a Sr.ª Deputada: deve manter-se inconstitucional ou não admite, em caso algum, o internamento de doentes mentais?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, não vejo que haja necessidade de constitucionalizar.
O Sr. Presidente: * Portanto, essa situação deve existir fora da Constituição, à margem da Constituição?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Tal como está, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Mas como está é inconstitucional, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, nesta matéria há muito pouca investigação, muito arbítrio e um grande desconhecimento da realidade. Parece-me que a introdução desta alínea no texto constitucional não visa os objectivos dos proponentes e, antes pelo contrário e de modo perverso, pode vir a aumentar um campo onde a subjectividade e o arbítrio são extremamente graves.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, desejava apenas reiterar que gostava que o Partido Socialista comentasse a observação feita relativamente à alínea g).
Em causa não está apenas a questão metodológica dos casos e pelo tempo estritamente necessário, por isso queremos entender a verdadeira intenção do Partido Socialista, sem demagogia de qualquer tipo e sem a intenção mínima de fazer aqui qualquer tipo de combate político.
De facto, precisamos de alguma clarificação adicional porque é sabido que, no passado, o Partido Socialista - o próprio Dr. José Magalhães citou a questão na sua intervenção - opôs-se politicamente a qualquer medida (até houve uma iniciativa legislativa concreta na legislatura anterior) semelhante ao que agora aqui propõe, isto é, que a lei determinasse o tempo e as condições em que é possível a privação de liberdade , através da detenção de suspeitos para efeitos de identificação.
Portanto, face àquela que foi a posição do Partido Socialista até ao momento, o PSD gostava de entender qual é exactamente o alcance que o Partido Socialista pretende com essa alteração, desde já deixando claro que nós, PSD, não mudamos a posição que adoptámos no passado. No entanto, gostávamos de saber se é exactamente o mesmo que se pretende com esta alteração ou se há aqui algo que não estamos a visualizar bem e que decorre de uma posição diversa por parte do Partido Socialista relativamente àquela que o PSD sempre teve sobre esta matéria.
Precisamos, de facto, de algum esclarecimento adicional para nos podermos pronunciar sobre a alínea g).
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, compreendemos a necessidade de esclarecimento e, aliás, é para isso que serve a primeira leitura.
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Srs. Deputados, esta proposta filia-se numa filosofia que nos parece saudável. É uma filosofia basicamente anti-hipócrita, porque haver medidas na lei sem cobertura constitucional ou proibições constitucionais tão absolutas que inconstitucionalizem quaisquer medidas que digam respeito às liberdades não é saudável, é hipócrita, é confortável, permite, porventura, as mais diversas diatribes sobre leis que estão em vigor e que ninguém impugna, mas cuja sanidade constitucional é dúbia.
Todavia, nesta matéria, é extremamente perigoso que se mantenham zonas cinzentas ou de penumbra e, portanto, é bom que incidam luzes - e luzes claras, fortes, de holofote constitucional - sobre o que é proibido e o que é permitido.
Em matéria de identificação de cidadãos, a questão é simples na nossa elaboração legal e na nossa prática. A opção é saber se o legislador ordinário deve poder fazer detenções para identificação ou privações de liberdade (com a invocação jurídico-formal "preciso de identificar-te, cidadão") de quaisquer pessoas ou só de certas pessoas, isto é, só de suspeitos. Ou seja, se se deve obrigar à verificação de um conjunto de condições que indiciem alguma conduta que possa integrar-se no conceito jurídico-criminal preciso - não é um conceito arbitrário, não é um conceito flutuante, é um conceito reconstituível, com razoável rigor, sob a designação de "suspeição", "suspeito".
Em segundo lugar, trata-se de saber se, consagrada uma cláusula de autorização constitucional desse tipo de privações de liberdade, se deve elencar um conjunto de requisitos que modelem, que definam materialmente, ou por um qualquer outro elemento, a conduta obrigatória das polícias. E, de entre as possíveis, nós escolhemos uma que é possível e razoável: densificar no texto constitucional o conceito de "detenção pelo tempo estritamente necessário". Ou seja, não apenas pelo tempo necessário mas, sim, pelo tempo "estritamente necessário", o que, como sabem, é alguma coisa que, no nosso direito, na nossa jurisprudência, na nossa doutrina, tem um alcance razoavelmente preciso. Em suma, fixamos condições exigentes para que essa privação de liberdade se possa verificar.
Copiámos a lei quand même, ou seja, hoje em dia e por consenso, nesse ponto, a lei alude ao tempo estritamente necessário - e compreende-se bem porquê. Estamos aqui perante um acto instrumental: quero saber a identidade de uma determinada pessoa, e só isso. E se face a essa identidade eu tiver de accionar alguma outra medida, como seja a prisão preventiva, aí o quadro legal é claro e os pressupostos estão definidos.
Esta pareceu-nos uma clarificação útil face ao debate que travámos sobre esta matéria e devo dizer que nos portamos neste debate exactamente da mesma maneira que nos portámos em sede ordinária.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, como por razões pessoais, terei de me ausentar imediatamente, pelo que peço ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que encerre a reunião, após terminar a discussão desta questão.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que não há mais oradores inscritos, pelo que será fácil procedermos ao encerramento desta questão.
Em síntese, quanto à nova alínea f) do n.º 3 do artigo 27.º, proposta pelo PS, penso poder concluir que os proponentes estão abertos a uma redacção deste tipo: internamento de doente mental decretado pelo tribunal judicial competente. Assim, será o próprio tribunal a decretar o internamento, o que é diferente da redacção proposta mas responde às preocupações que aqui se manifestaram. Suponho poder concluir que esta é uma via possível para o entendimento.
Quanto à alínea g), existem expectativas de que a discussão se encaminhe no sentido de consagrar na Constituição algo deste tipo. Portanto, a ideia geral é que, apesar da "luz verde", da "luz amarela" e da "luz amarela intermitente"…, é possível que haja mudança nesta parte da Constituição.
Assim sendo, suspendo os trabalhos da reunião e convoco VV. Ex.as a estarem todos presentes às 15 horas.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Faça o favor, Sr.ª Deputada.-
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, nem eu nem ninguém de Os Verdes poderá estar presente na reunião desta tarde, por isso pergunto aos colegas se há acordo para a possibilidade…
O Sr. Presidente (Barbosa de Melo) * De adiar as suas propostas para quando estiver presente?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sim, se tal não interferir no bom andamento dos trabalhos da Comissão, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): * Penso que ninguém se oporá, Sr.ª Deputada. Darei conta do seu pedido ao Presidente da Comissão.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Muito obrigada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): * Srs. Deputados, está interrompida a reunião.
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, na reunião desta manhã, estiveram em discussão, duas propostas de aditamento do Partido Socialista quanto ao n.º 3 do artigo 27.º. Creio que essa discussão se encerrou e, se bem estou informado, a conclusão a tirar é que houve objecções do PCP e de Os Verdes e acolhimento da ideia por parte do PSD, salvaguardadas alterações de redacção que acautelem algumas inquietações do PSD, para as quais o Partido Socialista manifestou compreensão.
O artigo 28.º já foi objecto de discussão e as conclusões estão apuradas.
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Relativamente ao artigo 29.º não há alterações e, assim sendo, passamos ao artigo 30.º.
Começarei, logicamente, por pôr à consideração a proposta de aditamento - uma espécie de linha geral -, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para um novo n.º 1 que precederia os que constam do actual artigo 30.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, se o desejar.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A explicação é relativamente simples. Do ponto de vista técnico-jurídico não é estritamente necessário o aditamento que é feito, na medida em que...
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, se me permite a interrupção, para efeitos de registo importa dizer que a proposta de aditamento do novo n.º 1, que precederia os actuais que seriam renumerados, estabelece que as penas e as medidas de segurança são estabelecidas e graduadas na lei, dentro dos limites necessários para salvaguardar direitos fundamentais ou outros interesses constitucionalmente protegidos.
Portanto, seria uma norma de proporcionalidade na previsão das molduras sancionatórias para as infracções penais.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, embora o que se pretende aditar resulte, obviamente, do regime do artigo 18.º, na medida em que qualquer pena constitui uma restrição a direitos, liberdades e garantias e, nesse sentido, está sujeita a um princípio de proporcionalidade e a um regime de restrição estabelecido especialmente no artigo 18.º (e nessa perspectiva não há, de facto, inovação na proposta que é apresentada), há a intenção de estabelecer no artigo 30.º, que é o preceito que refere os limites das penas e das medidas de segurança, a regra geral, até para que se compreendam melhor as excepções, uma vez que o artigo 30.º, na redacção vigente, quase que se limita a estabelecer as excepções ou alguns limites especiais, não dispondo propriamente de uma regra geral. Portanto, do ponto de vista técnico-jurídico essa seria a única vantagem.
Do ponto de vista político, parece-me que há uma intencionalidade muito específica neste artigo, que tem a ver com a circunstância de, apesar de o artigo 18.º já estabelecer um princípio de proporcionalidade que, obviamente, se aplicaria também ao estabelecimento e à graduação das penas, se assistir, nos últimos anos, em particular neste último ano, um pouco por pressão social e, mais recentemente, por pressão de algumas forças políticas, designadamente de partidos políticos, a uma certa histeria colectiva em torno das questões de segurança, o que tem levado a que, com mais frequência do que seria de desejar, ou seja, "a torto e a direito", se façam exigências, designadamente em matéria de reforço das penas existentes, nalguns casos indo até ao ponto de exigir ou, pelo menos, sugerir a readopção de penas entretanto extintas no ordenamento jurídico, designadamente penas que digam respeito à prisão perpétua ou, inclusive, à própria pena de morte.
Isso é sintomático, aliás, num artigo que foi publicado recentemente, salvo erro no Semanário, no qual, a certa altura, a propósito do crime de Ourém, e fazendo um paralelo com um crime semelhante que ocorreu em França e que envolveu uma família inteira, o jornalista refere, por exemplo, que nessa altura houve 150 Deputados a propor o restabelecimento da pena de morte.
O Sr. Presidente: 150 Deputados franceses!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Deputados franceses, exactamente. Em Portugal, no caso de Ourém, nem um só Deputado levantou a voz até agora! Mas parece que o tal jornalista exige que os Deputados levantem a voz para exigir o restabelecimento da pena de morte. Ora, o que eu queria fazer não é, obviamente, levantar a voz para exigir o restabelecimento da pena morte mas para condenar a posição política daqueles que exigem o restabelecimento da pena de morte ou de outras penas especialmente desumanas ou graves, recolocando a questão nos seus precisos termos.
A razão pela qual esta proposta foi feita - e ela é muito anterior ao surgimento do referido artigo - tem que ver com a circunstância de julgar que é preciso ter sempre presente, nestas matérias que dizem respeito ao estabelecimento e à graduação de penas, o princípio geral de que qualquer pena implica uma restrição de direitos, liberdades e garantias e, portanto, elas têm de estar sujeitas ao princípio da proporcionalidade, o que implica a sua estrita necessidade. É, pois, nesses termos que a questão deve colocar-se.
Como reajo negativamente às recentes tendências de exigir o reforço e o agravamento das penas como medida de combate àquilo que é supostamente um aumento da criminalidade - não sei se é um aumento da criminalidade ou um aumento da exposição mediática da criminalidade! -, esta proposta tem, fundamentalmente, o objectivo político de "remar contra a maré" nesta quase histeria colectiva e, em simultâneo, o objectivo técnico-jurídico de, na sede própria, que é a sede do artigo da Constituição que regula a matéria do regime das penas, estabelecer aquele que deve ser o princípio geral para que se possa, por um lado, compreender melhor aquelas que são as suas excepções e, por outro lado, reforçar o sentido que já resulta do artigo 18.º, o sentido da proporcionalidade a que deve obedecer o estabelecimento de penas.
O Sr. Presidente: Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, uma das perguntas que queria formular-lhe prende-se, precisamente, com o facto de o princípio da proporcionalidade já constar do artigo 18.º, que é, aliás, em nossa opinião, um artigo admiravelmente redigido, um artigo muito bom. Não lhe parece que, de facto, a sua proposta de aditamento não acrescenta nem melhora nada?
Em segundo lugar, como o Sr. Deputado só se refere a essa necessidade em termos dos "montantes" das penas e das medidas de segurança, poderá ou não interpretar-se que desloca para esta sede, relativamente ao Direito Penal, o conteúdo do artigo 18.º? Poderá ou não interpretar-se que a Constituição já não contém disposições não em relação aos limites das penas e das medidas de segurança mas no que se refere à própria intervenção do Direito Penal que, segundo o artigo 18.º, tem que ser subsidiário?
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Com estas "manipulações", desculpe-me a expressão, poderá colocar-se em risco a ideia, que todos consideram assente, de que o artigo 18.º contém o princípio da intervenção subsidiária do Direito Penal, uma vez que a sua proposta não se refere a esse aspecto.
O Sr. Presidente: Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, obviamente, julgo que esse risco não existe, ou espero que ele não exista! A minha única intenção foi a de chamar a atenção de todos, porque a Sr.ª Deputada afirma que todos, com unanimidade, têm como assente esse princípio em face do artigo 18.º- e não tenho dúvidas que assim é do ponto de vista técnico-jurídico -, mas a verdade é que tenho a consciência de que, provavelmente, há muita gente esquecida disso.
Se a Sr.ª Deputada me perguntar se faço questão absoluta em manter esta disposição, devo dizer que não a julgo imprescindível, pois penso que, de facto, o artigo 18.º resolve o problema. Mas o enquadramento desta matéria deve ter presente, desde o início, o quadro do regime dos direitos, liberdades e garantias. Foi por essa razão que apresentei a proposta.
Em todo o caso, espero que não exista o risco de, a partir desta proposta de aditamento, se interpretar que o regime dos direitos, liberdades e garantias não era aplicável à matéria penal, em geral, e à matéria do estabelecimento e graduação das penas, em particular.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, para o PSD, a proposta do Deputado Cláudio Monteiro tem apenas a vantagem de poder trazer - e traz, com certeza, para os trabalhos da revisão constitucional - a possibilidade de se fazer uma interpretação originária, no sentido de que esta é a sede de interpretação originária do poder constituinte, daqueles que são os princípios que devem reger as molduras penais.
Para além disso - reconheço que é uma vantagem, uma vez que, aqui ou acolá, pode assistir-se, em determinados momentos e por parte de pessoas até com responsabilidade, a algum "esquecimento" quanto àquele que é o texto fundamental e o espírito da Constituição sobre esta matéria -, de facto, não vejo vantagem em alterar o texto constitucional expressamente neste sentido. Eventualmente, até vejo algum efeito negativo, se me permitem.
No fundo, o PSD entende que uma alteração da Constituição numa matéria como esta só teria razão de ser se fosse para estabelecer um limite aritmético, um limite concreto. Se se pretende apenas reafirmar um princípio geral de proporcionalidade, já contido na Constituição, de facto, não vemos interesse na alteração, embora lhe reconheçamos o tal mérito de, pelo menos, trazer aos trabalhos parlamentares de revisão - e gravar enquanto tal - a interpretação originária que deve presidir a esta matéria.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas queria dizer que estamos identificados com o propósito da proposta de aditamento, mas pensamos que ele é desnecessário uma vez que os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade estão já contidos no artigo 18.º.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, creio que estava implícito nas perguntas que formulei que nós não aderimos, de facto, a esta proposta, porque pensamos que o artigo 18.º contém já, não só em relação às molduras penais mas à própria intervenção do Direito Penal (a que a proposta não se refere), as balizas em que deve ocorrer essa intervenção. E, conforme já referi, o artigo 18.º é, de facto, um artigo muito bom.
O Sr. Presidente: Obrigada, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sei que está zangado comigo por causa da história do internamento!…
Risos.
Mas sobre isso, Sr. Presidente, ainda havemos de conversar melhor, porque há um leque de situações sobre internamentos que tem de ser destrinçado. Não é piada nenhuma, é a sério!
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, eu abdico da nossa história política comum, na parte em que o foi… Haja algum motivo para preocupação!
Risos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, estava a falar a sério, porque me pareceu que queriam medidas sociais, o que me parece que não corresponde à privação da liberdade.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, esse ponto está ultrapassado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A título de conclusão, na medida em que todos aderiram aos propósitos, embora não a aceitando,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O objectivo está preenchido!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … o objectivo da proposta está preenchido. Mas tenho pena que alguns outros que, porventura, não adeririam com a mesma facilidade aos mesmos propósitos estejam ausentes!
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, penso que está ultrapassada a questão. Também me parece, sobretudo nesta situação, que o texto constitucional não carece de alteração. De facto, o artigo 18.º é lapidar e paradigmático. Todavia, é positivo afirmar, digamos, uma "cabeça fria", um bom senso democrático face a alguma emoção
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no modo como se encara a questão da função penal no Estado democrático.
Portanto, num Estado de direito democrático, como a nossa Constituição o desenha, o que precisa de ser justificado é a criminalização e a penalização e não a descriminalização e a despenalização.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão de propostas de alteração ao texto existente. Aliás, existe apenas uma proposta, do Partido Socialista, relativamente ao n.º 3 do artigo 30.º, na qual se propõe que onde se lê "As penas são insusceptíveis de transmissão.", passe a constar "A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão".
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, singelamente, o objectivo é que não haja transmissão das responsabilidades penais conexas com as penas, designadamente as respeitantes à matéria das indemnizações. O objectivo é tão-só esse.
O Sr. Presidente: A proposta está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD vê com algum interesse esta proposta do Partido Socialista, mas não gostaria de dar o seu aval formal - passo a expressão - antes de uma ponderação um pouco mais cuidada, em termos de tentar analisar todas as perspectivas da questão.
Em princípio, acolhemos com receptividade esta sugestão mas, repito, gostaríamos de ponderar exactamente todas as implicações que tal possa ter porque por vezes, alterações deste tipo, que aparentemente são muito simples e que merecem de todos uma adesão, podem ter algumas implicações.
Portanto, apenas com essa cautela, o PSD não é desfavorável a essa proposta do PS.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não estou a ver nada que seja demais. Penso que, de facto, é assim: a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão, e não só as penas. Creio, portanto, que a sua adopção significaria uma melhoria na Constituição.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr.ª Deputada, se me permite a interrupção, creio que esse entendimento é ajustado, só que, até no plano doutrinário, levantou-se a dúvida sobre se algumas indemnizações decorrentes das medidas penais eram susceptíveis de transmissão. Essa matéria nunca foi suficientemente clarificada, daí o propósito da nossa clarificação.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, agradeço o esclarecimento que prestou. De facto, não conhecia essa vertente do problema e, nesse aspecto, teremos de ver bem se, por exemplo, um herdeiro não é responsável pelo pagamento da indemnização. É claro que se não recebeu bens alguns não poderá ser responsabilizado, mas se recebeu bens da herança de uma pessoa condenada a indemnização, essa já será uma dívida da herança. Colocam-se, pois, vários problemas em matéria de direito das sucessões.
Face aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Deputado Alberto Martins - esclarecimentos que agradeço -, teremos de analisar melhor as implicações desta proposta, designadamente quais as características da indemnização em processo penal, se ela pode ser subsumida ao conceito de responsabilidade penal… Enfim, veremos!
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, em qualquer caso, mesmo a nível do Direito Civil, a figura do enriquecimento sem causa resolveria a questão. Em todo o caso, suponho que o problema está bem levantado.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Resolveria, sim, mas tal implicaria propor uma acção nova.
O Sr. Presidente: No caso de um crime de furto, é óbvio! A massa herdada beneficiou do furto e, portanto, o problema põe-se.
A conclusão a retirar é que a abertura ressalvava exactamente o apuramento das implicações desta norma, os chamados os efeitos indirectos, não é Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sim, Sr. Presidente. Aliás, a propósito desta reflexão, aproveitava para acrescentar uma situação que também deveria merecer alguma ponderação do Partido Socialista. É que esta questão pode ser complicada, nomeadamente no que respeita a patrimónios de empresas e por aí fora. Há, pois, que ponderar se tal responsabilidade é ou não abarcável neste texto. Refiro-me àquele mecanismo, que é de todos conhecido, de empresas que têm determinado tipo de responsabilidades, em que a empresa é vendida, o património passa para outra que se constitui com o património da anterior… Enfim, pode haver algum tipo de situações em concreto que mereçam uma adequada reflexão para evitar que se venha a concluir que, com esta norma, se inviabilizou ou criou uma qualquer situação de impasse. É mais esse tipo de reflexão que pretendo fazer do que, propriamente, em termos de património individual.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes levantou uma parte da questão que é do maior interesse analisarmos. Refiro-me à responsabilidade penal quando recai sobre órgãos de empresas. Ou seja, as questões que envolvam transferências de empresa, mudanças de órgãos deverão ser melhor analisadas.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, fica feita essa reserva.
Passamos agora à apreciação de três propostas de aditamento ao texto constitucional, do Partido Socialista e de Os Verdes.
A Sr.ª Deputada do Grupo Parlamentar de Os verdes, Isabel Castro, transmitiu-me que gostaria que a discussão das suas propostas fosse adiada para data em que ela estivesse presente , portanto a sua discussão não vai ocorrer hoje. Está deferido o pedido. Em todo o caso, gostaria de
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pedir aos demais grupos parlamentares que não recorressem frequentes vezes a este expediente porque, de outro modo, estamos sempre a ir a trás e à frente!
Portanto, em princípio, salvo consideração especial, se tal significar o adiamento por mais de uma reunião, isto é, se a Sr.ª Deputada de Os Verdes não estiver cá na próxima reunião, implica a desistência de fazer discutir as suas propostas. O mesmo princípio aplica-se ao Sr. Deputado Guilherme Silva e a outros a quem tenho concedido o benefício do adiamento da discussão das propostas por ausência.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Também temos uma proposta pendente do PP!
O Sr. Presidente: Mas este meu princípio não tem aplicação retroactiva, apenas vale para o futuro, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, estava apenas a dizer que temos uma proposta do PP pendente que, eventualmente, poderemos retomar hoje à tarde.
O Sr. Presidente: Voltaremos a falar dela na altura própria, Sr. Deputado.
Entretanto, mantemo-nos no artigo 30.º, com a apreciação de duas propostas de aditamento do Partido Socialista, cuja discussão - suponho - poderá ser conjunta.
Para fazer a apresentação das propostas, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo da nossa proposta é, precisamente, proibir o que, no bom entendimento, já é hoje proibido pela Constituição. Refiro-me à existência da penas acessórias e, portanto, nesse sentido, as penas têm de ser individualizadamente tipificadas e os crimes praticados no exercício de funções têm de ser definidos como crimes autónomos e não como crimes acessórios e laterais.
Com o novo n.º 7 (prestação de trabalho a favor da comunidade) pretendemos consagrar o princípio da proibição do trabalho forçado ou trabalho obrigatório sem a participação e sem o consentimento do interessado. Aliás, este ponto também decorre, na sua elaboração específica, de um dispositivo similar da Convenção Europeia dos Direitos do Homem a que Portugal aderiu.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Alberto Martins, se me permite um esclarecimento, também na qualidade de co-autor do projecto, suponho que, em relação ao n.º 6, não está em causa apenas esse interesse, também se pretende estabelecer uma limitação objectiva à aplicação de certas penas, nomeadamente a interdição do exercício da função pública ou de cargo público, a interdição de direitos políticos de entidades profissionais ou económicas, bem como a interdição do exercício de certos direitos. A ideia é que estas penas, na medida em que se prendem com bens especificamente protegidos, só devem estar previstas para crimes que tenham a ver com o exercício dessas funções, desses direitos, dando a ideia de uma conexão material entre a previsão dessas penas e os crimes a que respeitam.
Na generalidade, é o que hoje acontece na nossa ordem jurídica. O que se pretende é que não haja a tentação para volver a um estádio pregresso do nosso Direito Penal, em que se previa, por exemplo, a perda de direitos políticos para crimes que nada tinham a ver com infracções políticas!
O que aqui se pretende dizer é que, por exemplo, a lei só pode prever a suspensão de direitos políticos para crimes eleitorais, não para um crime que nada tenha a ver com o exercício de direitos políticos; ou que só pode prever a interdição do exercício de cargos públicos para infracções cometidas no exercício do cargo público; ou que só pode prever a interdição do exercício de uma profissão por infracções cometidas no exercício dessa profissão. Além daquele que foi referido, é também este o sentido da norma prevista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, queria começar por clarificar um ponto que, presumo, é capaz de ser uma gralha do texto, bem como colocar uma questão que foi suscitada pela própria intervenção do Sr. Presidente.
No texto da proposta escreveu-se "praticadas", penso que por gralha, em vez de "praticados" e, no final, utilizou-se a expressão " conexão com eles", em vez de "conexão com ele", com o exercício.
O Sr. José Magalhães (PS): Sim, é a conexão com o exercício.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Essa era a primeira clarificação que pretendia fazer.
A segunda clarificação prende-se com a questão dos crimes agora identificados, uma vez que o Sr. Presidente, ao explicitar o seu pensamento, falou de uma situação diferente. Essa é uma das dúvidas que nós temos, porque o Sr. Presidente não utilizou a palavra "crime", utilizou a palavra "infracção"!
Com efeito, há determinado tipo de situações na nossa legislação - desconhecemos se é esse o alcance dos proponentes - em que existem interdições para o exercício de certo tipo de funções públicas…
O Sr. Presidente: - Por contra-ordenações!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … por infracções praticadas no exercício das funções, que não necessariamente crimes! Ora, o que está escrito na proposta é "crimes" e, portanto, convinha explicitar exactamente o que é que se pretende.
O Sr. Presidente: Tem toda a razão, Sr. Deputado. Pensámos em "crimes", porque esta norma está, toda ela… O programa normativo é o programa penal, criminal e, portanto, foi por isso que utilizámos apenas o referente das infracções penais. Mas a nossa ideia é que essa disposição deve valer também para as infracções não penais, isto é, mesmo no domínio contra-ordenacional e das infracções administrativas em geral, esse princípio da conexão deve valer na mesma, aliás, por maioria de razão! Ou seja, não deve haver penas contra-ordenacionais ou administrativas dessa natureza - como sabem, elas existem na nossa ordem jurídica.
O regime jurídico das contra-ordenações prevê, claramente, medidas de interdição de exercício profissional por infracções não criminais e, portanto, não podemos pôr em causa a possibilidade destas penas serem aplicadas a domínios não criminais. De qualquer forma, entendemos que
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a regra da conexão vale por maioria da razão (e por isso não necessitámos de o explicitar) para os domínios não penais. Ou seja, ao estabelecê-la para o domínio penal, por maioria da razão, também a estamos a estabelecer para os domínios não penais.
Só não o prevemos porque o programa normativo deste artigo 30.º está claramente balizado na matéria penal e, portanto, ficaria exótico prever aqui uma norma para um domínio não penal. Embora o nosso entendimento seja o de estabelecer uma regra de conexão no domínio criminal que, por maioria de razão, vale para os domínios contra-ordenacionais. Nesse sentido, a lei geral das contra-ordenações, quando prevê medidas deste tipo - de algum deste tipo -, por exemplo a suspensão do exercício de actividades profissionais ou económicas, por maioria de razão, deve observar esta regra de conexão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me permite, continuaria no uso da palavra, uma vez que ainda não tinha terminado.
O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, para além dessa questão das infracções, também deixava à reflexão do Partido Socialista um outro tipo de situações que não só não são crimes como nem tão pouco infracções! Estou a pensar, por exemplo, naquele tipo de situações que existe na legislação portuguesa, em que, pelo facto de haver o exercício de um determinado cargo público, está constituído um impedimento do exercício de uma actividade profissional durante um determinado período de tempo após a cessação dessas funções.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não se trata de uma pena, portanto esse exemplo está fora do programa normativo desta norma.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente, há regras de impedimento que estão na lei…
O Sr. José Magalhães (PS): Mas não são penas!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, elas só podem existir na medida em que sejam cobertas pelas normas constitucionais que admitam o estabelecimento de incompatibilidades. Portanto, essa questão está fora do programa normativo desta norma.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, no sentido em que está determinada uma sanção na legislação…
O Sr. Presidente: Não é uma sanção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Creio que todos os Deputados membros da 1.ª Comissão sabem a que me refiro! Há sanções que estão na legislação de incompatibilidades; há sanções que inibem o exercício de cargos públicos para quem tenha realizado determinado tipo de actividades. Portanto, este é o sentido da minha dúvida.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, é uma infracção convencionada para o exercício dessas funções!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Pois é, Sr. Presidente, mas fica vedada por esta norma, porque nela refere-se que esse tipo de sanções só podem ser estabelecidas para crimes. Ora, não havendo crimes, não podem ser estabelecidas!
O Sr. Presidente: É só uma dificuldade, Sr. Deputado, mas tenho de reconhecer que foi bem observado. Só que não é uma pena… Ou melhor, é uma pena, sim!
O Sr. Alberto Martins (PS): A privação, a perda do mandato é uma pena?!
O Sr. Presidente: É claramente uma sanção por um acto ilícito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não é linear!
O Sr. Luís Sá (PCP): Recorre-se para os tribunais administrativos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Pior ainda!
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, permita-me fazer a seguinte sugestão: nós ponderámos essa questão e temos uma proposta, em sede do estatuto dos titulares de cargos políticos, para lhe dar resposta. E creio que é bom colocar essa questão noutra sede, dar-lhe resposta nessa sede e não nesta.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em qualquer circunstância, suscitadas estas necessidades de clarificação, no fundo, as reservas do PSD estão ligadas à diluição total destas dúvidas porque, de facto, não aceitamos nem concordaremos com uma norma que tenha como resultado prático um retroceder em relação a determinado tipo de situações que existem, independentemente de haver algumas outras que possam ter de ser corrigidas pelo legislador ordinário. Mas, dizia, o PSD nunca concordaria com a introdução de uma norma ou preceito na Constituição que, na prática, viesse colocar uma inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não é esse o nosso propósito! Portanto, estaremos disponíveis para reformular a proposta no sentido de evitar esse risco que aventou, e bem.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, face a tal, a posição do Partido Social Democrata é a de aguardar, com alguma expectativa, os contornos exactos que a proposta possa assumir.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas referir que a ideia que está subjacente à proposta
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parece-nos de acolher mas, ponderando alguns reparos que foram feitos pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, talvez fosse de retocar a redacção. Em todo o caso, a ideia é de acolher, por isso damos a nossa adesão a ela.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro:
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, concordando com o sentido da proposta e sem ter uma opinião neste momento, também julgo que há uma outra questão a ponderar que se prende com as relações entre o processo disciplinar na função pública e o processo criminal, uma vez que daí poderão advir algumas decorrências, não sei se todas elas previstas pelos proponentes. Creio, por isso, que essa é uma das questões que mereceria alguma ponderação nesta fase.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O princípio é nobre, mas o "estatuimento" não é fácil!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Por outro lado, fazia a seguinte sugestão pontual: sistematicamente, o n.º 6 faz mais sentido como n.º 5, na sequência do n.º 4, dado que não deixa de ser, apesar de tudo, uma situação especial de perda de direitos profissionais, políticos, etc. Portanto, esta minha sugestão apenas vale para o momento da sistematização, caso a proposta venha a ser adoptada...
O Sr. Presidente: Deixamos a sistematização para último lugar, Sr. Deputado.
Temos estado a falar sobre o n.º 6, mas em relação ao n.º 7 não vi que os Srs. Deputados se tivessem pronunciado.
Em relação ao n.º 6, a conclusão a tirar é que há receptividade desde que seja encontrada uma fórmula que afaste as dúvidas legítimas levantadas pelo Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Há receptividade em relação à nobreza do objectivo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Em relação ao n.º 7 não houve até agora discussão.
A proposta é esta: "A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade depende sempre do consentimento do arguido". No fundo, trata-se de constitucionalizar e de garantir algo que está na lei e que pensamos que deve ser erigida a elemento formal da constituição penal. Portanto, é apenas uma pura opção de legislação constitucional; não se altera nada, apenas se limita a constitucionalizar o que está na lei. Nesse sentido, adoptá-la ou não é uma pura questão de opção quanto a saber o que é que deve continuar a fazer parte da constituição penal formal.
Pausa.
Srs. Deputados, continuo à espera da vossa opinião.
Hoje, a prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena tipificada no Código Penal, cujo desenho não suscita dúvidas. O regime proposto é o que já está previsto no Código Penal, por isso a única questão que se põe é a de saber se tal deve ou não ser elevado à constituição penal formal. Nós não fazemos muita questão nisso, entendemos que sim, que ela é suficientemente...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, neste caso Sr. Co-autor, qual é a razão? De algum modo, tenho aqui uma perplexidade que gostava de ver esclarecida no meu espírito, rombo para estas coisas! Por que é que o titular da liberdade "de ir e vir", o detentor da liberdade de circular e de andar de um lado para o outro, que é a primeira liberdade, fica preso e não precisa de dar específico consentimento a essa forma de punição, e um sujeito que vai sofrer uma pena destas, que agride realmente um dos direitos, uma das liberdades fundamentais, a de não ser forçado a trabalhar, precisa de dar específico consentimento? Há a liberdade de não ser forçado a trabalhar… Mas, enfim, também há o dever de trabalhar, que é hoje um dever moral, o de não ser parasita!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Barbosa de Melo, em primeiro lugar, essa regra é a que está prevista no Código Penal, aliás, aprovado por unanimidade nessa parte!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, não me venha com as explicações de um legislador ordinário, pois podem não ser acolhidas. Nós estamos a falar em termos constitucionais!
O Sr. Presidente: De resto, essa não é uma decisão exclusiva nossa!
Risos.
A justificação é muito simples: é o velho princípio brocardo de que se alguém pode ser impedido de fazer coisas, nemo potest cogi ad factum! É a ideia de que ninguém pode ser coagido a fazer qualquer coisa. Portanto, ninguém pode ser coagido a trabalhar, sobretudo pelo Estado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não será isso herança de um passado?
O Sr. José Magalhães (PS): É herança de um passado!
O Sr. Presidente: É claro que é herança de um passado, de uma cultura...
Sr. Deputado Barbosa de Melo, o sentido desta norma é, obviamente, apenas o de "congelar" constitucionalmente uma norma que, neste momento, é uma disposição ordinária. Isto significa que a norma do Código Penal que neste momento estabelece esse princípio, a partir do momento em que a incluíssemos na Constituição, deixaria de poder ser alterada e não poderia ser aplicada uma pena de prestar um serviço à comunidade sem autorização do condenado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, não perca mais latim, porque isso sei eu! Mas por que é que vamos tornar irreversível esta decisão?
O Sr. Presidente: Exactamente para não admitir que alguém seja condenado a um trabalho contra a sua de vontade.
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Nos tempos de hoje, com tantas formas de criminalidade? Atenção, falo de trabalho a favor da comunidade, que é, naturalmente, uma forma de pena e, portanto, está sujeita às regras nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, ou seja, tem de ser regulado pela lei. Ora, por que é que acresce aqui a necessidade deste consentimento específico do condenado? Repare-se que nem é do arguido mas do condenado, pelo que a fórmula está errada no vosso texto.
Portanto, não estou a ver por que é que se há-de constitucionalizar esta questão!?
O Sr. Presidente: É arguido porque, se é necessário o respectivo consentimento, ele ainda não está condenado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, se ele não pode ser condenado sem autorização, logo, antes de ser condenado, é arguido! Portanto, enquanto não há consentimento é arguido.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É condenado em alternativa!
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, não vale a pena perdermos grande latim com isto, porque a questão é simples: basta dizer "sim" ou "não". Por favor, por que havemos de estar a rebater uma coisa que é tão simples!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, se me permite, queria apenas introduzir um aspecto que é relevante. Há uma diferença fundamental entre restringir uma liberdade...
O Sr. Presidente: É o que estou a dizer, Sr. Deputado: uma coisa é impedir, outra coisa é forçar! Como a nossa civilização sempre admitiu que se pode impedir, sempre teve resistências a forçar alguém a fazer alguma coisa. É apenas essa a diferença essencial!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Tem que ver com a própria estrutura do Direito, que é um pouco restrito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, não temos abusado desta figura, mas sobre esta matéria o PSD reserva posição.
O Sr. Presidente: Está de remissa…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, não é remissa, porque temos de voltar a ela necessariamente! Nesta primeira leitura, a reflexão está feita e gostaríamos de "mastigar" mais o assunto.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, só quero que fique claro - até porque temos jornalistas entre nós - que esta norma não procura alterar nada na ordem jurídica, apenas visa consolidar aquilo que já está na lei penal.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas referir que o que poderá estar em discussão é constitucionalizar ou não esse princípio, porque ele já consta, efectivamente, do Código Penal. Portanto, nós apoiamos a proposta em causa.
O Sr. Presidente: Como já referi, a discussão das propostas de aditamento de Os Verdes, tal como foi solicitado, fica adiada para a próxima reunião.
Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 31.º (Habeas corpus), para o qual foram apresentadas propostas de alteração ao n.º 1, quer pelo Deputado do PSD Pedro Passos Coelho, quer pelo PS, quer pelo PCP, por esta ordem.
O n.º 1 do artigo 31.º estatui que "Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar consoante os casos". Como as propostas de alteração não são idênticas terei de as pôr à consideração de forma separada.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho propõe a eliminação da referência aos tribunais militares, mas penso que não propõe a abolição dos tribunais militares… Uma vez que o Sr. Deputado proponente não se encontra presente, pergunto ao Sr. Deputado Barbosa de Melo se quer sub-rogar-se na apresentação da proposta, que não necessariamente na defesa dela.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, considera-se apresentada e, mais tarde, vamos discuti-la.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, creio que seria conveniente saber se o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho propõe a abolição dos tribunais militares. Se propõe, faz bem, porque o PS também o propõe!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não propõe, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Portanto, o Deputado Pedro Passos Coelho não propõe a abolição dos tribunais militares mas propõe que, em matéria de habeas corpus, mesmo perante crimes sujeitos à jurisdição dos tribunais militares, o habeas corpus seja decidido pelos tribunais judiciais. É este o sentido da proposta do Deputado Pedro Passos Coelho.
Obviamente, no caso do Partido Socialista, o mesmo é proposto mas com outra coerência, já que o Partido Socialista…
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas queria rectificar o que disse há pouco. O Deputado Pedro Passos Coelho não propõe a abolição dos tribunais militares na sede próprio, mas fá-lo no artigo 211.º, na alínea d). E acrescenta no n.º 2 do mesmo artigo que "Podem existir tribunais militares com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar, na vigência de estado de guerra". Portanto, não em estado de paz, daí a proposta atinente a este n.º 1 do artigo 31.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há um ponto comum a todas as propostas que é a eliminação da referência aos tribunais militares. Proponho que este ponto seja discutido depois de decidirmos a questão dos tribunais militares…
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, e salvo melhor opinião, a proposta do PS não se circunscreve a esse aspecto, implica uma alteração material.
O Sr. Presidente: - Não me deixou concluir, Sr. Deputado José Magalhães.
Afastado esse problema, resta uma parte autónoma do projecto do Partido Socialista, que tem a ver com a primeira parte da norma. Onde a Constituição refere hoje "Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal (…)", tanto o Partido Socialista como o Partido Comunista propõem uma outra redacção: "Haverá habeas corpus por virtude de prisão ou detenção ilegal (…)". Deste modo, o habeas corpus deixa de ser "contra o abuso de poder" para ser directo, dirigido imediatamente contra qualquer prisão ou detenção ilegal, sem necessidade de invocar o abuso de poder na prisão.
Para defender esta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, muito singelamente, quero ainda dizer que a nossa alteração admite o habeas corpus, como recurso com as características que se conhecem (expedito, célere), no que respeita a uma prisão ou detenção ilegal, independentemente das razões da prisão.
Pensamos que a ideia da valoração substantiva de abuso de poder tem conduzido, na prática, a soluções que diferem a aplicação e uma interpretação restritiva, como esta deve ser, da prisão ou detenção ilegal, sendo que na nossa prática judicial tem tido esse alcance. Por isso queremos dar um significado muito preciso e incisivo ao preceito.
Qualquer detenção ilegal, independentemente das razões - e a razão é essa, ou seja, estar contra a lei -, deve merecer um recurso específico de habeas corpus, que deve ser apresentado perante o tribunal a quo e não perante nenhum tribunal central. O tribunal em que a questão está a ser dirimida é, naturalmente, o seu juiz natural.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta está à consideração.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada Odete Santos. Penso que a proposta do PCP é coincidente com a do PS.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a nossa proposta é coincidente no aspecto do abuso de poder e pelas mesmas razões visa suprimir essa expressão.
Também convém explicitar que propomos a extinção dos tribunais militares, daí que tenhamos suprimido a referência ao tribunal militar. Além do mais, entendemos também que deve ser o tribunal a quo o competente, por isso a expressão que utilizámos, ou seja "perante os tribunais", no plural.
O Sr. Presidente: * As propostas estão à consideração, Srs. Deputados.
Faça favor, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, em geral, quanto à eliminação da expressão "abuso de poder" - e julgo interpretar o sentir da bancada do PSD -, parece-me que há um ganho do texto constitucional, este fica melhor na lisura da garantia, na sua rectitude. É claro que há ilegalidades e ilegalidades, uma ilegalidade puramente formal…A ideia que está por detrás da fórmula vigente é que não basta que a prisão viole um aspecto menor, é necessário a violação de um princípio essencial da lei. Uma ilegalidade que é uma mera irregularidade não justifica o habeas corpus, que é uma providência excepcional.
É essa a função que tem no texto a expressão "(…) abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal". Não basta a mera contrariedade da lei, é preciso que haja alguma gravidade material da situação. É isto o que quer dizer o texto vigente.
Se se entender que o texto proposto fica mais escorreito e mantém esta ideia, ou seja, que não é por uma pura "legalice" sem conteúdo, por uma "burocratice", que vai funcionar o habeas corpus, então, considero que sim, que se vai ganhar com esta decisão. Mas, atenção, podemos por esta via estar a "matar" um instituto básico da protecção de pessoas num Estado de direito se vamos deixar que ele seja usado a propósito de tudo e de nada, porque há sempre uma interpretação "rigorista" das normas que concorrem numa coisa. Em geral, nada tenho a opor se se mantiver esta interpretação.
Há um outro aspecto da questão que é de reservar - e não só do ponto de vista do PSD - para uma ulterior análise. Imaginemos a questão do tribunal militar. Vamos ou não abolir os tribunais militares? Isso vai ser uma questão…
O Sr. Presidente: * Essa questão não está em discussão neste momento!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas está aqui a fórmula!
O Sr. Presidente: * Propus que não a discutíssemos agora, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * VV. Ex.as escrevem "no tribunal competente" mas, depois, dizem "tribunal judicial"!
O Sr. Presidente: * Esse ponto, neste momento, não está em discussão! Portanto, só os restantes elementos da proposta estão em discussão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas, então, se houver tribunais militares, de acordo com o que VV. Ex.as dizem, é no tribunal militar que isto se faz?
O Sr. Presidente: * Sim, sim. Para já não há alterações.
Esse ponto não está em discussão, neste momento. Fica de remissa para quando discutirmos a questão dos tribunais.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Srs. Deputados, pensamos melhorar esta redacção, mas atenção que a cumulação das palavras "abuso de poder" e "ilegalidade" tem que ver com o significado material da ilegalidade em causa.
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O Sr. Presidente: * Está aberta a discussão.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, estamos de acordo com a interpretação feita, ou seja, que o preceito se aplica a uma detenção ilegal em termos substantivos e não puramente formalistas, no entanto, a manutenção do inciso "abuso" conduziu a uma leitura em sentido diferente daquela que acabou de ser feita pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Continua aberta a discussão, Srs. Deputados.
Em matéria de habeas corpus há dois aspectos de alteração em causa. Um deles está ligado à questão da subsistência, ou não, dos tribunais militares, o qual não discutimos - voltaremos a ele depois de discutirmos a questão dos tribunais militares mais à frente na Constituição -, o outro tem que ver com a expressão "habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal", ou seja, com a eliminação da referência a "abuso de poder", ficando apenas "prisão ou detenção ilegal".
Se bem percebi, para esta última alteração, que é comum ao PS e ao PCP, existe um "sim, mas…", ou será um "não, mas…" do PSD.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Um "mas"!
O Sr. Presidente: * É só um "mas"!
Srs. Deputados, passamos agora para o artigo 32.º.
Começamos pela proposta de alteração do PS quanto ao n.º 1 deste artigo, que refere "O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa". O PS propõe o aditamento, no final do artigo, da expressão "incluindo o direito de recurso de sentença condenatória".
Dou a palavra aos Srs. Deputados do PS para apresentarem a proposta, se assim o desejarem.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, como muito bem ressalta do texto, trata-se de densificar e explicitar aquilo que à boa luz e, provavelmente, em boa hermenêutica, resulta do preceito constitucional tal como se encontra redigido.
Trata-se apenas de uma explicitação do direito de recurso, nas circunstâncias e com a redacção que consta deste texto. Parece-nos uma benfeitoria. Se não se trata de uma benfeitoria totalmente imprescindível, como seguramente não é, ela seria, com certeza, de alguma utilidade.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em causa a proposta de alteração do Partido Socialista para o n.º 1 do artigo 32.º, estabelecendo o duplo grau de jurisdição em matéria penal… Aliás, não necessariamente, isto é, diria que o estabelece para recurso de sentença condenatória, porque caso a sentença seja absolutória não garante recurso.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, compreendemos qual a intenção, mas parece-nos que o duplo grau de jurisdição, que já discutimos no âmbito de outro artigo a respeito de uma proposta do PCP, deverá ser aí consagrado, não restringindo à defesa o direito de recurso. Assim, penso que dever-se-á aí assegurar o duplo grau de jurisdição para todos, e não só para a defesa.
O Sr. Presidente: * Mas do ponto de vista dos direitos fundamentais o que interessa é o direito da defesa, não propriamente o direito da acusação!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já falei aqui nos direitos das vítimas na última reunião, salvo erro, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Tem toda a razão, Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Talvez fosse excessivo, até segundo V. Ex.ª, estabelecer um direito, mas isto deveria ser feito de outra maneira. Por isso, não é só a defesa que me preocupa, mas também a outra parte.
O Sr. Presidente: * E bem, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Aliás, não sei como poderá ser de outra maneira, face ao princípio da igualdade de armas.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão a proposta do PS.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, em grande medida, fizemos já parte substancial da discussão quanto ao segundo grau de jurisdição.
Tem havido no ordenamento jurídico português uma dificuldade, embora haja já um acórdão do Tribunal Constitucional relativo a esta matéria, quanto à ideia de segundo grau de jurisdição em matéria penal, mas isso acontece no que se refere ao minus, não pelo mais. O que pretendemos consagrar neste ponto específico é um "mais", que, aliás, como já tive oportunidade de dar conta nesta Comissão, não é nem mais nem menos que a transcrição ipsis verbis do Protocolo n.º 7 quanto ao artigo 2.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Diz este preceito o seguinte: "Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração
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de culpabilidade ou condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei". Portanto, a nossa proposta é um decalque desta disposição do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tendo já havido um decreto do Sr. Presidente da República e uma resolução da Assembleia da República, Portugal ainda não depositou o instrumento de aceitação deste protocolo, por razões que se compreendem.
Portanto, a nossa proposta é, mais uma vez, expressamente a transcrição de uma disposição convencional que, no caso, Portugal ainda não assinou. É manifestamente um "mais" face ao texto constitucional e, se calhar, vai ao encontro de alguma jurisprudência constitucional relativa a esta matéria.
O Sr. Presidente: * Dou a palavra aos Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, caso queiram pronunciar-se.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Peço a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, não temos nenhuma objecção fundamental, pese embora possamos ter algumas dúvidas, que também não são demasiado pertinentes, sobre a necessidade da inclusão desta norma.
A reflexão que, no entanto, deixávamos no ar face a uma receptividade de princípio é a de a redacção falar apenas no direito de recurso de sentença condenatória, portando, o texto referir-se a sentença condenatória, ou não condenatória. Não sei se assim é, mas pode haver situações que fiquem de fora.
Se, de facto, o que se pretende aqui é apenas a afirmação de um princípio geral, talvez houvesse interesse em que o texto fosse o mais genérico possível, isto é, em fazer a regra o mais geral possível, para evitar qualquer dificuldade que, neste momento, talvez não estejamos a entrever mas que possa surgir. Porém, não temos oposição à proposta, a nossa posição é de receptividade.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, há um ponto posto em destaque pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes que penso termos de ponderar bem.
Em algumas situações, a absolvição de uma pessoa pode traduzir-se numa ofensa à sua dignidade cívica; ela pode ter interesse em fazer reconhecer por um tribunal superior que, por exemplo, foi mal ou bem absolvida. Portanto, certa pessoa foi absolvida, não foi condenada - e tem o direito a não ser condenada -, mas dizem que foi por isto ou por aquilo que ocorreu em determinado tribunal, por isso quer que outro tribunal se pronuncie. Não vejo, portanto, por que há-de limitar-se só a defesa à condenação.
É claro que estas situações não dão para pensar em contas de honorários e em contas económicas, mas há razões e situações concretas que podem legitimar casos destes. Portanto, deve constar do preceito "(…)incluindo o direito de recurso", e parar aí!
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, estou a lembrar-me de uma situação que me parece dar-lhe razão.
É sabido o princípio penal segundo o qual havendo dúvidas há absolvição. Portanto, posso ser absolvido por existência de dúvidas e querer claramente que conste da sentença que não pratiquei pura e simplesmente certo facto. Ora, por este princípio constitucional não seria sindicável uma situação deste tipo. Portanto, talvez seja de ponderar...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Parar aí!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): …um direito de recurso mais amplo do que aquele que consta da proposta.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, de qualquer forma, e ouvidos estes argumentos, continuo a insistir que no preceito anterior o estabelecimento do direito ao duplo grau de jurisdição responde a essas questões e que me parece mais correcto que não seja previsto apenas como garantia de defesa. No outro artigo não é apenas uma garantia de defesa.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, tendo em conta esta última intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, quero dizer que a questão não era só essa. Se bem me recordo - o Sr. Presidente corrigir-me-á se assim não for -, a questão foi colocada no tal artigo anterior e situou-se o problema face à lei criminal, quando a proposta que estava em causa naquela altura ia muito para além do problema criminal e, portanto, poderia criar...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É em relação a toda a justiça!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Penso também que foi reconhecido pela Comissão - a Sr.ª Deputada poderá corrigir-me se eu estiver errado - que há, de facto, determinado tipo de situações em que o duplo grau de jurisdição, em termos nomeadamente de penas administrativas e outras, não faz sentido e não se coloca.
Portanto, o problema colocado anteriormente não foi só o da sistematização, foi também o da restrição a determinado tipo de situações. É que foi chamada a atenção, quer pelo PSD quer pelo PS, se bem me recordo, para o facto de, pura e simplesmente, colocar o princípio genericamente aplicado a todo o tipo de situações poder ter efeitos perversos e não desejáveis.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o problema foi colocado em sede de acesso ao direito e aos
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tribunais, que abrange todos os tribunais e toda a justiça, não tendo sido afastada a possibilidade de consagração do duplo grau de jurisdição, excepcionando alguns casos que o Sr. Deputado Alberto Martins enunciou, como, por exemplo, o caso de em primeiro grau ser o tribunal superior a decidir e a absolver.
Portanto, toda a outra justiça, a cível mas também a penal, é abrangida em sede do artigo 20.º. Até se aventou dizer "nos termos da lei", ou seja, "é segurado o direito ao duplo grau de jurisdição nos termos da lei". Foi uma formulação que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes considerou excessiva e que a mim me pareceu restritiva.
O Sr. Presidente: Quanto a esse aspecto estou de acordo com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ficámos de voltar a discutir o assunto em sede do artigo 20.º, Sr. Presidente, por isso parece-me que deverá aí o assunto ser resolvido.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada Odete Santos, para o caso de não obter essa solução maximalista - e não teria o meu acordo - considera, no entanto, a possibilidade de obter esta solução, reservada ao processo penal?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em processo penal estou de acordo com o duplo grau de jurisdição não só para a defesa como também para a acusação.
O Sr. Presidente: Mas com esta nova formulação aventada esse problema seria eliminado.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente. Porém, lamentarei muito que não tenham em atenção a situação da justiça cível e da justiça administrativa. Nomeadamente na justiça cível, que é a que conheço melhor, por virtude de manipulação dos valores das alçadas pode impedir-se uma pessoa de ver submetido o seu litígio a um outro tribunal, ficando apenas nas mãos de uma pessoa o decidir em absoluto sobre a situação, que às vezes já atinge repercussões grandes. Uma alçada de 500 001$ já abrange, de facto, casos de alguma gravidade para a vida das pessoas. Isso lamentarei sempre.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados proponentes, querem fazer o apuramento desta situação?
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, estamos completamente disponíveis para encurtar o preceito, eliminando o pomo de discórdia, uma vez que a única coisa que nos preocupava era garantir o direito de recurso, sendo que a discussão foi bastante interessante e concludente desse ponto de vista.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, tendo em conta esta discussão é lícito apurar que há receptividade para o aditamento, reformulado o seu alcance, e que esta receptividade abrange tanto o PSD como o PCP, referindo-me apenas aos partidos que tomaram posição.
Em relação ao n.º 3 do artigo 32.º existem propostas de alteração apresentadas pelo PCP, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e por Os Verdes.
Portanto, proponho a apresentação das propostas de alteração relativas ao n.º 3 do artigo 32.º da Constituição, que estatui "O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que essa assistência é obrigatória". O PCP, o Sr. Deputado Guilherme Silva e Os Verdes propõem alterações a esta norma.
Por ordem de apresentação, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa proposta consubstancia só a substituição da palavra "defensor" por "advogado", porque o defensor, tal como a figura é tratada no nosso ordenamento jurídico, pode ser qualquer pessoa, pode ser alguém apenas com a 4ª classe ou até que não saiba ler, como também já aconteceu. Portanto, entendemos que deve reforçar-se as garantias do arguido dizendo que este tem direito a escolher uma pessoa habilitada para o defender, ou seja, um advogado.
O Sr. Presidente: Na parte em que são coincidentes, as restantes propostas estão envolvidas na apresentação do PCP. A proposta está à consideração da Comissão. Portanto, onde está escrito "(…)tem direito a escolher defensor" passaria a falar-se explicitamente em advogado, segundo propõe o PCP.
Srs. Deputados, aguardo tomadas de decisão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, essencialmente numa atitude de reflexão em voz alta e com algum carácter provocatório, chamo a atenção de V. Ex.ª, com todo o respeito, para o facto de, para além das propostas que enunciou, haver também uma proposta do PSD que decorria de uma alteração ao artigo 20.º, a qual, na altura, pela discussão que aqui tivemos e pela posição tomada pelo Partido Socialista, tinha ficado de ser equacionada no seio do artigo 32.º. Portanto, de certo modo, o PSD também tem uma proposta congénere com estas, embora na altura estivesse inserida sistematicamente noutro artigo.
A grande diferença - esta é uma reflexão que aqui deixo - entre colocar-se esta questão no artigo 20.º ou colocá-la aqui tinha, entre outras, a seguinte virtude: será que colocar neste artigo o direito do arguido a escolher advogado, em substituição do texto actual, que fala em defensor, não poderá estar, por absurdo, a cercear a hipótese de o arguido continuar a ter o direito de escolher um defensor, que não advogado?
O Sr. Presidente: A lei protege o exclusivo dos advogados.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é isso! Sr. Presidente, deixe-me fazer um protesto em relação à sua afirmação.
O que a Constituição deve proteger são as garantias da defesa, no caso concreto deste artigo. Em princípio, presumo - e penso que todos assim presumirão -, não obstante a lei da polivalência, que quem está habilitado tecnicamente a defender um arguido é um advogado, que quem está habilitado a fazer operações cirúrgicas é um médico cirurgião. Portanto, creio que o que consta das propostas não é a protecção de um exclusivo mas, sim, a protecção dos direitos do arguido.
Sr. Presidente, sei que disse isso como provocação…
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O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Sr. Presidente, penso que a fórmula, com a interpretação que lhe dei, é correcta, só que esta não é necessariamente a única interpretação, por isso, do meu ponto de vista, há uma forma de melhorar o texto.
Para evitar a objecção levantada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, recolhendo, de resto, o texto dos Deputados do PSD, do Sr. Deputado Guilherme Silva e outros, poder-se-ia utilizar a expressão "escolher advogado, seu defensor". Porquê? Por uma razão simples: estou a ver as circunstâncias que levaram à emissão desta proposta e sei, conheço pela prática, que, no fundo, o que há é uma sistemática de negação do direito à assistência.
Toda a gente sabe que é vulgaríssimo - só quem não frequenta os tribunais, mesmo na fase instrutória, os tribunais de instrução criminal ou mesmo a Polícia Judiciária, é que não sabe - a audição ser feita com o funcionário da própria secção, ou seja, isto não é coisa nenhuma!
Portanto, reconheço que esta correcção é válida e até, diria mais, indispensável para evitarmos o risco avançado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que tem que ver com a denegação da hipótese de o arguido escolher outrem que não um simples advogado em circunstâncias em que a lei não imponha um defensor advogado. Tal pode acontecer e, nessa altura, facilitaria explicitar advogado, seu defensor. Sinceramente, não vejo que tire nada, até poderia melhorar.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, percebi o sentido da proposta do Sr. Deputado, mas ela implica uma reflexão em voz alta.
Penso que, em princípio, o arguido não tem o direito a escolher como defensor uma pessoa qualquer. Pode é colocar-se a questão de, no caso de não haver advogado ou de este faltar, o arguido poder recusar determinado defensor que lhe foi indicado na altura pelo funcionário do tribunal. Aliás, o bom entendimento de alguns magistrados vai no sentido de, antes de nomearem uma pessoa, perguntarem ao arguido se aceita aquela nomeação, mesmo quando a nomeação é de um advogado.
Portanto, estamos dispostos a aperfeiçoar esta fórmula no sentido de garantir que haja um dever e um direito, o direito de o arguido escolher um advogado e de poder recusar, inclusivamente, qualquer defensor que lhe seja nomeado pelo magistrado.
Penso que a proposta poderá ser melhorada.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, congratulamo-nos com o facto de tudo indicar que vamos poder avançar, porque o grande drama que esteve subjacente a esta disposição foi sempre o facto de a lei poder dispensar a presença de qualquer defensor e o risco de um falso defensor, ou seja, um defensor não qualificado. A memória do passado pesou aqui: o PIDE que estava ao lado e que funcionava como defensor, o indivíduo vendido à administração, ainda por cima politicamente marcada e funcionando como uma ficção de defensor… É contra tudo isto que esta norma existe.
Encontrar uma fórmula mais flexível que faça uma elevação parece estar ao nosso alcance e nós não faremos nenhum finca-pé nesta matéria e contribuiremos positivamente para esse resultado.
O Sr. Presidente: * Os Srs. Deputados do PSD concordam com esta redacção do aditamento?...
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, permita-me apenas concluir que, embora talvez pudéssemos ter usado uma expressão menos indirecta e menos sinuosa, no n.º 5-A aludimos precisamente à essencialidade do advogado qua tale para uma circunstância especial de que iremos falar a seguir. Ou seja, também tivemos a preocupação de garantir que se trate de um advogado. Infelizmente, não podemos garantir em todos os casos um advogado sensacional, com qualificação excelente, com a melhor qualificação possível - discutimos isso um pouco a propósito do artigo 20.º -, até porque a qualidade jurídico-formal de advogado, como sabemos, não garante ipso facto uma defesa brilhante, pode ser também uma farsa de justiça. Mas, infelizmente, aí cessa o poder do legislador constituinte.
O Sr. Presidente: * Não creio que o relativo consenso desta proposta mereça que continuemos a "sangrar" as intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo de Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, gostaria de dizer o seguinte: não são apenas os advogados que podem intervir em certos processos-crime, mas também os solicitadores encartados. Portanto, a formulação que existe actualmente, de "defensor", está correcta. O que se poderia fazer era tentar qualificar o defensor. Por exemplo, a lei ordinária refere que um solicitador encartado pode intervir no processo comum singular, mas já não no processo comum colectivo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E pode fazer alegações?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Pode fazer alegações.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não em processo cível.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Pois não, Sr.ª Deputada.
Portanto, a expressão advogado é restritiva em relação aos solicitadores, a não ser que lhe demos um carácter abrangente que aqui aparentemente não tem.
O Sr. Presidente: * Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Helena Santo, e para permitir que a Sr.ª Deputada tenha em conta novos dados, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu-me a palavra para sugerir uma alternativa.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, queria apenas formular uma alternativa para enriquecer a intervenção das Sr.as Deputadas que estão inscritas a seguir.
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Para tentar obviar ao que aqui estamos a discutir, sugeria que a formulação fosse no seguinte sentido: o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Estou muito mais de acordo com essa formulação.
O Sr. Presidente: * A alternativa está formulada.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, um pouco na sequência do que disse o Sr. Deputado Osvaldo de Castro, também queria fazer aqui uma reflexão em voz alta.
Estou de acordo e compreendo o princípio da proposta e, obviamente, penso que toda a gente compreenderá o que se passa nos tribunais em geral, daí a necessidade de dar garantias de defesa a quem delas necessita. No entanto, permitia-me fazer a seguinte reflexão: quando legislamos também temos de ir de encontro à realidade factual dos nossos tribunais e das nossas comarcas, garantindo a defesa ao arguido, precisamente em comarcas onde, muitas vezes, é o solicitador que faz grande parte do trabalho, ou onde se constata a inexistência de advogados a quem recorrer imediatamente. Lembro-me, por exemplo, de actos de instrução em que há necessidade de nomear um defensor e, naquele momento, pode não se encontrar um advogado na comarca.
Do meu ponto de vista, temos que dar ao arguido a possibilidade de realização do seu acto de defesa naquele momento. Temos de ter isso presente sob pena de estarmos a restringir a situação do próprio arguido.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, parece claro que a fórmula tal como está não pode vingar.
Tem a palavra a Sr. Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que há aqui uma confusão de interpretações.
Desde logo, o que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro acrescentou clarifica a pretensão. Do que aqui se trata não é de um indivíduo constituir mandatário (porque tem direito a fazê-lo, através de uma procuração) mas, sim, da nomeação de um defensor oficioso, em que o arguido tem o direito (não é obrigado) de escolher e de dizer: "Eu quero que seja o advogado tal".
Nas situações a que a Sr.ª Deputada Helena Santo se referiu, com certeza, o juiz adverte o arguido de que isso irá produzir uma dilação. Aliás, já tive um caso desses e o arguido aceitou o adiamento porque queria aquele advogado.
Portanto, o arguido pode dizer: "Sr. Dr. Juiz, eu quero escolher um advogado", e pode até nem indicar o nome! Mas pode dizer: "Eu não quero esse funcionário, não quero alguém que não seja advogado". E com a nossa proposta de defensor oficioso, o arguido tem o direito de dizer que quer que seja um advogado, e pode não querer que seja um solicitador!
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, esse ponto está esclarecido. Aliás, isso já consta do actual regime, sempre constou!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que não faz sentido passarmos a tarde a discutir uma proposta deste tipo. Vamos ultrapassar esta questão, uma vez que, claramente, a formulação tal como foi proposta não reúne o consenso dos Srs. Deputados. Entretanto, o Sr. Deputado Marques Guedes apresentou uma proposta alternativa e eu vou ultrapassar esta questão dizendo que, para já, não há possibilidade de aprovar esta proposta.
Srs. Deputados, em relação ao n.º 4 do artigo 32.º existe uma proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desculpe, mas qual foi o resultado da alternativa que formulei, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: * Ninguém a apoiou, Sr. Deputado.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem querer aqui reeditar querelas do passado, designadamente da legislatura anterior, em particular sobre a distribuição de competências entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, diria que a ideia subjacente à proposta tem a ver com a circunstância de me parecer que a terminologia empregue actualmente no n.º 4 do artigo 32.º…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho de dar ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro o reconhecimento de que ninguém o está a ouvir!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o não me ouvirem não é grave, o problema é eu não me ouvir, tendo em conta o ruído de fundo.
Como eu dizia, a ideia fundamental é a seguinte: tendo em conta a relativa indefinição conceitual da legislação ordinária, o que foi patente na última legislatura, sobre a definição do que é exactamente a instrução (se ela corresponde a uma fase tipificada do processo ou se corresponde materialmente a certo tipo de acto), parece-me que é preferível utilizar uma expressão que faça apelo a um conceito material de investigação criminal e garantir o que é essencial no âmbito do n.º 4, isto é, que não possa haver actos que ofendam os direitos, liberdades e garantias do arguido que não sejam da competência do juiz.
Nesse sentido, parece-me que a fórmula deveria ser actualizada para ser mais abrangente e para que, sem prejuízo da distribuição de competências entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, ficasse consagrado na Constituição o que é essencial: a garantia de que a investigação criminal, quer seja feita pelo Ministério Público, quer por outras entidades, tem sempre como limite aqueles actos que possam interferir com direitos, liberdades e garantias do cidadão e que relativamente a eles haja uma reserva de competência do juiz.
Até por isso poder implicar uma espécie de alargamento do âmbito dos actos que poderiam passar para a competência exclusiva do juiz, houve o cuidado de destrinçar, na proposta, direitos fundamentais em geral e direitos, liberdades e garantias em especial. É que me parece que, nesta sede, é essencial garantir que sejam da competência do juiz os actos que possam pôr em causa direitos, liberdades e garantias e não quaisquer direitos fundamentais, em geral, dado que julgo que essa distinção está assente
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quer na Constituição quer na doutrina. Por esta razão é que, com a utilização de uma expressão mais abrangente, há este alargamento, mas por outro lado também uma restrição, na medida que, nessa perspectiva, só estarão em causa direitos, liberdades e garantias e não quaisquer direitos fundamentais em geral.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, em relação ao n.º 4 do artigo 32.º, para além da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, existe uma outra do Deputado Guilherme Silva e outros, que visa alargar a competência judicial também para o inquérito, não apenas para a instrução criminal. Não estando presente o proponente, a proposta fica apresentada e é posta à discussão juntamente com a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, o actual n.º 4 do artigo 32.º é do seguinte teor: "Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais".
Esta norma foi interpretada por um acórdão do Tribunal Constitucional, que, em fiscalização preventiva, apreciou o Código de Processo Penal. Assim, onde a Constituição refere que "toda a instrução é da competência de um juiz", o Tribunal Constitucional, endossando o Código do Processo Penal, diz que "instrução" tem aqui um sentido restritivo, portanto não abrange o que era antigamente a instrução preparatória.
Está aberta a discussão das duas propostas de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não, Sr. Deputado. Aliás, julgo que o sentido é o de, na Constituição, ultrapassar a querela sobre a tipificação das fases do processo, fazendo apelo a um conceito material que garanta o essencial, isto é, que quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias haja uma reserva de competência do juiz, independentemente de a lei ordinária qualificar ou tipificar a fase do processo com a designação a, b ou c. Além do mais, o que tem sido demonstrado é que a terminologia tem variado na legislação ordinária ao longo dos tempos, o que tem permitido fazer interpretações variadas.
Portanto, o uso da expressão "investigação criminal" vai no sentido de fazer apelo ao conceito material, ao que está subjacente à instrução preparatória, ao inquérito, etc., para que o que esteja em causa, em termos materiais, sejam as situações em que possa haver a lesão de direitos, liberdades e garantias, quer a fase processual seja genericamente dirigida pelo Ministério Público, pelo juiz, ou pela polícia. Sempre que haja nessa fase processual, qualquer que ela seja, um acto susceptível de lesar um direito, liberdade e garantia, esse acto só poderá ser praticado com a autorização do juiz, seja a fase processual dirigida pelo Ministério Público, por um magistrado policial ou pela polícia.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo de Castro.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): Sr. Presidente, gostaria apenas de saber se o Sr. Deputado Cláudio Monteiro inclui no conceito material de investigação criminal o inquérito e a instrução criminal?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sim, é essa a ideia, Sr. Deputado. Mas apenas os actos que possam ofender…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Deputado, como sabe, hoje a abertura de instrução destina-se a abalar o que decorre do inquérito, havendo alguma contraposição. Embora haja quem entenda que tudo isso é investigação criminal, é o apuramento da verdade material. Ora, é sobre esse ponto que gostaria de ser esclarecido.
O Sr. Presidente: A resposta é "sim", Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, farei uma intervenção muitíssimo breve.
A salvaguarda dos direitos fundamentais e a obrigatoriedade de esta matéria ser da competência de um juiz já está plasmado no artigo 32.º, e não queremos dar o aval a que seja aqui seguida a interpretação constante do Código de Processo Penal e do Tribunal Constitucional, com a qual não concordamos.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro vai exactamente no sentido corrigir alguns dos efeitos da decisão do Tribunal Constitucional.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me parece, Sr. Presidente. Pelo menos não me conseguiu explicar bem: no n.º 4 já se estatui que os direitos fundamentais são salvaguardados.
Sr. Presidente, deixe-me então perceber melhor o que é que o Sr. Deputado quer dizer.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr.ª Deputada, o que a proposta corrige em relação ao estabelecido pelo Tribunal Constitucional não tem tanto a ver com o âmbito dos direitos a salvaguardar, porque nesse sentido há uma restrição na minha proposta, mas, sim, com os actos que possam ofender esses direitos e com as fases processuais em que esses actos se desenvolvem. Aí é que há uma diferença fundamental, porque enquanto o Tribunal Constitucional interpreta a expressão inquérito em sentido restrito, aqui o que se pretende é precisamente alargar o conceito de forma a nele caberem todos os actos de investigação criminal, sejam eles tipificados como actos de instrução ou não.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, pareceu-me que a sua proposta ia no sentido de admitir que o inquérito não é instrução.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Foi o que perguntei e o Sr. Deputado respondeu-me que sim!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pelo contrário!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pelo contrário, não! Então, terá de haver uma definição acerca dessa questão.
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E, quanto a isso, não estamos de acordo, já que aquilo a que hoje se chama inquérito é, para nós, instrução.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Sr. Presidente, peço desculpa, mas devo dizer que é exactamente o contrário. A instrução é actualmente a instrução contraditória.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, não me ensine isso, porque eu sei o que está no texto do Código!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Sr.ª Deputada, não estou a ensiná-la, estou apenas a dizer-lhe…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): Até nem é instrução contraditória, chamam-lhe instrução!
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada Odete Santos, peço-lhe que deixe os outros Srs. Deputados falarem.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Sr.ª Deputada, oiça com atenção: não se trata de ensinamento algum. Apenas quero apurar se há ou não vantagem em consagrar esta proposta.
Actualmente (e amanhã pode mudar), o que antes era a instrução contraditória, é agora a instrução e o que era a instrução é agora inquérito. Portanto, tal como diz o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e muito bem, estabelecendo o texto do n.º 4 do artigo 32.º "Toda a instrução (…)", deixa de fora, se assim for, o inquérito. Ora, é evidente que no inquérito há actos, clara e potencialmente, lesivos de direitos e garantias do cidadão. Lembro-lhe, por exemplo, o caso da prisão preventiva, que é aplicada, de um modo geral, em 90% dos casos, na fase de inquérito.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Afinal, está a dar-me razão!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): Pelo contrário, Sr.ª Deputada, estou a dar razão ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Parece evidente que, independentemente de a fase de investigação ser inquérito ou instrução, instaurado o processo, sempre que haja risco de ofensa de direitos, deve ser o juiz, e só ele, sem delegação de competência, quem avalia e decide.
Se se entender que a palavra "investigação criminal" não traduz o que aqui está - embora eu pense que abrange -, então diga-se de outra forma, diga-se que "em toda e qualquer fase do processo de investigação e instrução, o arguido, sempre que…". Acumule as palavras que entender! É tão simples como isso.
Em todo o caso, repito, penso que a investigação abrange tudo, mas se não concorda, pode dizer-se o mesmo de outra forma.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Strecht Ribeiro, esse ponto está esclarecido.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, queria apenas declarar que, premeditadamente, não apresentámos nem tencionámos coonestar qualquer alteração nesta matéria, porque entendemos, acima de tudo, não reavivar, não reacordar, não reacender e não transpor para o plano constitucional o debate que tem sido feito em torno desta questão. Sendo certo que o legislador ordinário dispõe de margem de manobra bastante, dentro de limites realistas, uma vez que um regresso aos GIC configura-se como uma impossibilidade e as leituras operativas à sombra da Constituição podem ser feitas e refeitas e qualquer um de nós, aliás, é livre de apresentar um projecto lei que reinstitua aquilo que quiser reinstituir, o que não aconteceu até à data, sendo um sinal de sólida prudência e bom critério.
Portanto, não queremos transpor para a sede da Constituição aquilo, que, de resto, na circunstância concreta da realidade ordinária, não se tem traduzido em nenhum projecto de lei, em nenhuma proposta de lei e nada do que é aventado ou pode ser aventado em discussão puramente teórica, para não dizer na estratosfera jurídica.
Portanto, reconhecemo-nos nesta posição.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD aguardou propositadamente até ouvir a posição ortodoxa do Partido Socialista.
Risos.
Desde o início do debate desta proposta, sabíamos perfeitamente que, mais tarde ou mais cedo, o Partido Socialista havia de fazer prevalecer considerações de natureza política sobre as considerações técnico-jurídicas da bondade desta proposta.
De resto, sobra apenas o seguinte para dizer: o PSD concorda genericamente com a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, concorda de resto com os argumentos que foram subscritos, quer pelo Sr. Deputado Strecht Ribeiro quer pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro, tecnicamente de uma forma correcta.
Gostaria ainda de lembrar que o PSD, ultimamente, em várias iniciativas legislativas, já desta legislatura, na passada sessão legislativa, tem pugnado e defendido, em sede de legislação ordinária, por várias vezes, que se deve fazer submeter expressamente à autorização do juiz todos os actos de investigação criminal (do nosso ponto de vista, o termo aqui é apropriadamente utilizado) que ponham em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Tem sido expressamente esta a posição do Partido Social Democrata.
Lembro aqui a Lei da Droga, na qual encontramos artigos que expressamente prevêem a violação do sigilo bancário, que prevêem questões tão delicadas para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos como as que se prendem com os agentes infiltrados. E o PSD defendeu, na última sessão legislativa, que esses actos de investigação devam ter de ser sempre autorizados pelo juiz - não foi esse, porém, o entendimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista -, pelo que, por razões políticas esgrimidas na altura e em coerência com as nossas posições também assumidas na última sessão legislativa, é evidente que o Partido Social Democrata é receptivo e encararia como bastante positiva uma alteração da Constituição neste sentido.
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O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a discussão é outra, foi aflorada na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães e tem a ver com o tal acórdão no Tribunal Constitucional. O Sr. Deputado entende que o que consta da Constituição como instrução é o que hoje o Código de Processo Penal qualifica como instrução, e nós entendemos que não. Preferimos, por isso, até porque em termos de lei ordinária estas questões poderão ser analisadas da mesma forma ou de outra maneira qualquer, manter o texto inicial da Constituição neste artigo 32.º, que tem sido muito controverso, e neste número.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar adiante, uma vez que a proposta tal como foi enunciada, e verificadas as objecções do PS e do PCP, não tem viabilidade para já.
Vamos passar à discussão da proposta de alteração do n.º 5 do artigo 32.º, apresentada pelo PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas há uma proposta de aditamento de um n.º 4, apresentada pelo CDS-PP.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, chegaremos lá na altura própria. Costumo reservar os aditamentos para o fim, primeiro ponho à discussão as propostas de alteração e só depois as propostas de aditamento.
Vamos então discutir a proposta de alteração ao n.º 5 do artigo 32.º, apresentada pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, fundamentalmente, a proposta do PSD, para além de aproveitar para fazer um certo "rearranjo" da formulação do texto do n.º 5 (de facto, parece-nos que a estrutura da redacção deste número não é a mais feliz), tem também um aspecto substantivamente inovador, ou seja, introduz a lógica de que é todo o processo que deve estar subordinado ao princípio do contraditório e não apenas alguns actos determinados por lei.
Além disso, a redacção que propomos também explicita que todo o processo está subordinado não só ao princípio do contraditório mas também ao princípio da imediação.
A parte final do texto do n.º 5 - que penso ser comum a propostas de outros partidos, embora talvez em sede de outros números - visa garantir que com estes princípios não se ponha em causa o julgamento à revelia. Tivemos este cuidado, porque é evidente que o respeito absoluto pelos princípios do contraditório e da imediação e da estrutura acusatória sem salvaguardar expressamente o julgamento à revelia pode pôr em causa a celeridade processual, e não pretendemos que isso aconteça.
Portanto, no fundo, a proposta do PSD, é esta: alguns aspectos inovadores e um "rearranjo" global da redacção do artigo.
O Sr. Presidente: * Quanto à questão do julgamento à revelia, é necessário trazer à colação as propostas de aditamento de dois números, o 5-A e o 5-B, apresentadas pelo Partido Socialista. Talvez haja vantagem em discuti-las em conjunto.
Discutiremos em conjunto várias propostas relativas ao artigo 32.º, a saber: a proposta do PSD, de alteração do n.º 5; a proposta de aditamento do CDS-PP, para o n.º 4 - "Ninguém pode ser julgado sem estar representado por defensor, ainda que seja à revelia" -, e as propostas do PS, de aditamento de dois números, o 5-A e o 5-B.
Neste caso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo, para apresentar a proposta, se assim o entender.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se pretende é permitir que nos termos definidos na lei possa ser dispensada a presença do arguido em audiência de julgamento. É isso que resulta da nossa proposta, tendo em conta a necessidade da celeridade processual e aquilo que se passa presentemente nos nossos tribunais, nomeadamente com o instituto da contumácia que não funciona, não sendo por isso garantidos quer os direitos do ofendido quer os próprios termos da aplicação da lei, impedindo, portanto, o funcionamento normal dos tribunais com a celeridade que seria desejável.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, do Partido Socialista, para apresentar os aditamentos pertinentes.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta não aponta para uma ideia de processo à revelia mas, sim, basicamente, para uma constatação obvia, que é a seguinte: a garantia dos direitos de defesa e a ideia do processo equitativo implicam, em princípio, um direito de presença, salvo situações em que nós consideramos - e que decorrem da falência da contumácia, em absoluto - que deve ser dispensada a presença do arguido em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento, quando a eles não comparece depois de notificado, isto é, quando se possa presumir uma renúncia inequívoca ao direito de presença. E, naturalmente, nos casos em que essa renúncia não se verifica por ausência de notificação, o arguido pode requerer a repetição do julgamento, nos termos da lei.
Portanto, em síntese, digamos que nós temos consciência de que no processo penal, sobretudo no processo penal, a personalidade do acusado tem um papel importante na formação da decisão, mas esta comparência pessoal não é um direito absoluto porquanto deve ser conjugado com outros direitos de defesa.
Por isso, o julgamento de um ausente não é incompatível com essas garantias do direito de defesa, sobretudo se ele puder obter, como pode na nossa proposta, um novo julgamento onde seja ouvido sobre o bem fundado facto de direito da matéria de acusação. Admitimos que esta possibilidade não se põe quando o interessado renuncia ao direito de comparecer e de se defender - uma vez sendo notificado, renuncia -, ainda que seja sempre representado por um advogado (há reserva de garantia do direito de defesa que é fundamental).
Por conseguinte, não são postas em causa as garantias de defesa, é resolvida a solução da contumácia, que hoje é uma solução absolutamente inconsequente e ineficaz; há garantias de direito de defesa, há renúncia à presença do arguido, mas é salvaguardada a presença do advogado e,
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no limite, ele pode sempre repetir o julgamento se provar que não foi notificado para estar presente no mesmo.
Creio, em suma, que as ideias do processo equitativo, da possibilidade do exercício contraditório e da igualdade de armas não são postas em causa com estas cautelas. Portanto, aquela que foi em grande medida, mais por imposição convencional do que constitucional, a solução do julgamento do tipo revelia é, a nosso ver, resolvida desta forma com vantagem.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, havendo alguma convergência quanto ao objectivo, há clara diferença quanto à formulação da solução constitucional. Está aberta a discussão.
A Sr.ª Odete Santos (PSP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem a palavra para pedir esclarecimentos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não tive ocasião de consultar a acta do debate que decorreu na anterior sessão legislativa sobre o projecto de lei do CDS-PP, em que foi colocada esta questão do julgamento à revelia.
Em todo o caso, creio que a proposta apresentada pelo Partido Socialista é muito melhor do que as dos outros proponentes, porque rodeia este julgamento à revelia de determinadas cautelas que não aparecem nas outras propostas. Mas pergunto o seguinte: no debate que então se fez, coloquei uma questão ao actual Ministro da Justiça sobre a possibilidade de a lei prever julgamentos à revelia em certos casos, e o Sr. Ministro respondeu-me que era impossível prever tal coisa não só face à Constituição como face a uma convenção internacional, de cujo nome não me recordo agora, a qual tornava isso absolutamente impossível.
Será que o Sr. Deputado pode esclarecer-me se esta alteração obedece ao que se encontra expresso nessa convenção ou tratado (não me lembro bem)?
O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PSD): * Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, na altura também tive oportunidade de discutir o assunto com o Sr. Ministro da Justiça e com o Sr. Procurador-Geral da República, e o óbice ao julgamento à revelia era precisamente a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por causa do processo equitativo. E estas cautelas (e a algumas delas nós procurámos responder), que vão ao encontro da terminologia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem vários acórdãos sobre essa matéria, inviabilizavam a consagração da solução na legislação ordinária portuguesa.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estas várias propostas estão postas à consideração da Comissão. A questão é saber se a ideia de julgamento à revelia será prevista tout court, da forma como é proposta pelo CDS-PP e pelo PSD, ou com cautelas específicas e discriminadas, como propõe o Partido Socialista.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso intervir?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, tal como já referi, e só quero reafirmar, parece-nos que é a proposta do Partido Socialista que deverá ser acolhida, porque rodeia os casos de julgamento à revelia com algumas garantias para a defesa que não aparecem nas outras propostas.
O Sr. Presidente: * Os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP pensam que a proposta do Partido Socialista não satisfaz o objectivo das vossas próprias propostas?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, se bem entendo a sua pergunta, penso que há uma questão, desde logo uma questão geral, de a proposta do PSD…
O Sr. Presidente: * Isso não está em causa, Sr. Deputado, será discutida à parte. Agora estamos apenas a referir-nos à questão do julgamento à revelia.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, quanto à questão do julgamento à revelia, tenho algumas dúvidas (talvez por ignorância nossa, ou minha, porque falo por mim). Talvez haja cautelas exageradas na proposta do PS, nomeadamente na questão da notificação pessoal, que, na prática, acabam por tornar inatingível o propósito que aparentemente se pretende atingir.
Tenho algumas dúvidas sobre se esta proposta, nomeadamente nesta questão da exigência de notificação pessoal, não acabará, na prática, por pôr tudo em causa. Digo isto porque já se exige "(…) sendo sempre representado por advogado" e eu não concebo a representação por advogado à revelia sem que tenha ocorrido uma notificação. Quer dizer, parece que não é possível acontecer uma coisa dessas. Como é que há representação por advogado sem ter havido uma notificação?
O Sr. Presidente: * Primeiro, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães e, depois, o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado, a solução que nós adiantamos é uma solução por patamares - não atingindo o objectivo óptimo, atinja-se aquele que é bom e, não sendo possível aquele que é bom, atinja-se aquele que é razoável - nunca se permitindo que seja violado o mínimo, e esse mínimo está previsto no n.º 5-B.
Ou seja, desejavelmente faça-se a notificação pessoal, directa, que é o resultado óptimo; quando ela não seja possível por alguma razão faça-se o julgamento sem a presença do arguido, mas assegure-se a este, se decidir regressar e sujeitar-se a julgamento, a possibilidade de repetição do mesmo, devendo a lei regular este aspecto.
Portanto, não creio, Sr. Deputado, que as suas preocupações não estejam acolhidas pela nossa proposta; ela apenas se desenvolve, como o guião de um filme, em dois episódios, em dois patamares. Obviamente, podemos criar isto num patamar só, numa norma só, num preceito só,
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aliás talvez seja esse o resultado óptimo numa disposição a atingir-se finalmente.
Nós fizemos isto por uma questão de clareza pedagógica, se quiserem, mas estamos absolutamente disponíveis para descrever essa "cenarização" com menos palavras, quiçá, e num preceito só.
O Sr. Presidente: * Agora, talvez para variar, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, sou quase ignorante nesta matéria - na parte do processo civil estou à-vontade, mas na parte do processo criminal nem por isso. Contudo, há um aspecto que como leigo e, mais ainda, como jurista me está a tocar, que é o seguinte: por que razão a proposta do PS "rigidifica" tanto? Gostaria de saber se, porventura, não seria possível atingir exactamente os mesmos resultados a partir do texto da proposta do PSD, uma vez que é nos termos da lei que será definido em que condições poderá haver o julgamento à revelia. Não se designa por julgamento à revelia nos n.os 5-A e 5-B, mas o que acabei de propor não "rigidificava" tanto o julgamento à revelia logo em termos de Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, claro que se se remeter para a lei sem definir um conteúdo material normativo constitucional, o legislador ordinário pode fazer tudo aquilo que nós propomos, ou o contrário! A vantagem de legislar nesta matéria, em sede constitucional, é, obviamente, limitar o espaço do legislador ordinário
O Sr. Deputado Alberto Martins há pouco citou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que é obviamente uma das nossas "estrelas polares" e uma preocupação, porquanto a doutrina tem vindo a considerar que é conforme com a Constituição um regime legal em que se admita o julgamento de um ausente desde que este possa obter posteriormente um novo julgamento onde seja ouvido sobre o bem fundado de facto e de direito da acusação.
Por outro lado, tem sido considerado que, quando o interessado renuncia ao direito à comparência de forma inequívoca, deve considerar-se como não incompatível com a Constituição que, apesar disso, o arguido seja julgado, desde que se contemple a garantia de uma efectiva defesa. É isto que nos preocupa.
Creio que a Constituição deveria ter, no seu corpo normativo, o mínimo de projecção material dessas cautelas. Sei que a remissão pura para o legislador ordinário da possibilidade de fazer isto que enunciei, ou algo mais despojado que equivalha à velha revelia, seria considerada incompatível com o corpo normativo da Convenção, o que seria obviamente indesejável. Portanto, penso que a nossa proposta é equilibrada desse ponto de vista, mas talvez possa ser menos palavrosa.
O Sr. Presidente: * Sendo certo que a remissão da Constituição para a lei implicaria uma obrigação desta de respeitar a Convenção Europeia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sempre!
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, não estou de acordo com a ideia de que haja palavras a mais na nossa proposta, pois penso que estão cá as indispensáveis.
No fundo, na nossa proposta há dois patamares.
Há um patamar que radica no código novo, na lei ordinária nova, que é o seguinte: apesar de todos os indivíduos terem o direito a ser julgados presencialmente, hoje há circunstâncias em que isso pode ser dispensado, designadamente no caso dos emigrantes, desde que representados por advogados, obviamente. Aliás, ninguém pode ser julgado sem a presença de advogado. Isto, digamos, decorre do novo Código Penal.
No remanescente, como já foi dito, há o regresso à ideia do processo de ausentes do velho código de 1869. E aqui não havia julgamento à revelia - a denominação à revelia é um jargão -, o que havia era um processo de ausentes em certas circunstâncias, mesmo quando não houvesse notificação. Mas a garantia - que, aliás, já existia e que aqui se mantém, mas que, penso, deve ser constitucionalizada - é o direito de requerer a repetição do julgamento.
Portanto, suponho que só com uma interpretação muito extensiva se poderia, a partir do projecto do PSD, chegar à boa solução, que, creio, se encontrou nas duas formulações, quer no n.º 5-A quer no n.º 5-B, porque acautelam efectivamente os direitos fundamentais, não só o da presença - o de poder estar presente, ainda que podendo ser dispensado em certas circunstâncias que a lei definirá - como o da repetição do julgamento quando se trata de um processo de ausentes. É essa a razão porque entendo que na nossa proposta nem sequer há uma palavra a mais.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Sr. Presidente, quero apenas dizer o seguinte: tanto quanto me parece, na Convenção (sem prejuízo de depois ser respeitada pela lei ordinária) há determinadas formas de processo em que é possível o julgamento à revelia, não com estas restrições impostas pelo projecto do PS.
O que questiono é se devemos estar a limitar, em termos constitucionais, a possibilidade do julgamento à revelia tendo em conta que, depois, a própria lei ordinária se iria adequar, com certeza, à própria Convenção e, desse modo, possibilitaríamos o alargamento da própria revelia, que de outro modo, com a proposta do PS, fica desde já restringida, e não me parece que vá atingir o objectivo que efectivamente se pretende de alargamento desta disposição.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, ainda bem que interveio, que é para eu discordar…
Risos
… dizendo que é ao contrário!
Fazendo a chamada "fita do tempo", o que havia antes? O julgamento sem a presença do arguido e o arguido,
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logo que fosse notificado da sentença, poderia requerer novo julgamento. É o que está no n.º 5-B.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): -É o processo de ausentes.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Desculpe, o n.º 5-B estabelece o seguinte: "Nos casos em que não tenha sido possível a notificação pessoal, o julgamento poderá efectuar-se sem a presença do arguido, podendo este requerer a repetição do julgamento, nos termos da lei".
Há uma outra garantia, que é a do n.º 5-A, que me parece correcta, por uma razão simples: é que ao arguido, no nosso sistema penal, sempre foi concedido o direito de falar ou de estar calado. Portanto, entendo que a posição actual é insustentável, porque não sendo o arguido, em Portugal, juramentado, não tendo que falar verdade e não tendo que sofrer nenhum tipo de sanção se falar mentira - é-lhe dito expressamente -, o que até este momento vigorava era absurdo, porque impossibilitava, na prática, os julgamentos.
O facto é que um destes dias temos uma situação kafkiana, não diria kafkiana, até diria mais do Ionesco. Porquê? Porque no dia em que todos os julgamentos que estão "pendurados" vierem a fazer-se os juízes ficam submersos debaixo dos processos e, portanto, impedidos de sair do gabinete! É, realmente, uma situação absurda.
Repare, o facto de termos de resolver esta situação não impede - e bem, do meu ponto de vista - o que o Partido Socialista propõe, porque se posso conseguir o desiderato da notificação pessoal, deixando, portanto, ao arguido a faculdade de comparecer ou de não comparecer, não devo deixar de o constitucionalizar.
Portanto, esta gradação - e disse muito bem o Sr. Deputado José Magalhães - é correcta e adequada, por um lado, porque se conforma aos direitos do arguido e, por outro lado, porque há necessidade real de julgar, que é uma situação em que estamos praticamente bloqueados hoje em dia. Por isso, não vejo quaisquer motivos para que a fórmula não seja esta e rigorosamente esta.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * E só esta!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sim, se quiser. E digo-o não por dever de patrocínio mas porque entendo realmente que esta é a fórmula correcta, a menos que alguém consiga melhorá-la. Esta é a mais feliz, sinceramente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos perante a seguinte situação: aparentemente, as três propostas propõem-se resolver um grave impasse no texto constitucional, que obviamente impõe que se abra caminho para os julgamentos à revelia. Há dois enfoques completamente distintos: o do PS, que quer fazê-lo estabelecendo desde logo as restrições na Constituição, e o do CDS-PP e do PSD, que consagram essa possibilidade, deixando à lei - com os limites da Convenção Europeia do Direitos do Homem, é óbvio - a delimitação dos casos em que tal pode vir a ser consagrado. Estes são os termos da questão.
Suponho que, neste momento, não avançaremos mais nesta discussão, pelo que proponho que, para já, fiquemos por aqui até que sobrevenha uma proposta compromissória, ou se talhe, de algum modo, este conflito, desde que não cheguemos ao absurdo de estarmos todos de acordo em ultrapassar este impasse constitucional e de não estarmos de acordo quanto à fórmula a utilizar para o fazer.
Srs. Deputados, com esta discussão penso que não está esgotada a proposta do PSD na parte restante em que propõe a substituição do actual texto do n.º 5 do artigo 32.º.
O texto do actual n.º 5 estatui que "O processo criminal tem estrutura acusatória (…)" e o PSD propõe que passe a constar que "O processo criminal tem, nos termos da lei, estrutura acusatória (…)". O artigo da Constituição acrescenta ainda "(…), estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.", e o PSD propõe que todo o processo esteja subordinado aos princípios do contraditório e da imediação. Portanto, o PSD propõe três alterações de uma assentada.
Srs. Deputados, estas alterações estão à discussão.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se entender fazê-lo, pode acrescentar algo ao que eu já disse, mas suponho que não é necessário.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, já apresentei antes a proposta, mas posso repetir a apresentação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, em relação ao terceiro aspecto, ou seja, a consagração do princípio da imediação, logo acompanhado da excepção, parece-me patente que a preocupação dominante foi, provavelmente, a excepção e não tanto a consagração do princípio. Ou seja, não vi grande ênfase na proclamação do princípio. Discutimos, aliás, muito doutamente, a questão da revelia.
Em relação ao alargamento do princípio do contraditório, diria que tal não me repugna, obviamente. Apenas significa, Sr. Deputado Luís Marques Guedes - e as minhas palavras têm implícito, naturalmente, um apelo a que desenvolva um pouco a explanação que fez muito espartanamente -, delimitar a margem de manobra que o actual n.º 5 do artigo 32.º confere ao legislador ordinário, sendo certo que, em termos de legislação ordinária, alguma polémica tem havido ao longo dos anos sobre as vantagens do nosso sistema em relação a outros, designadamente o anglo-saxónico. Em todo o caso, o PSD também não propõe a transposição de estruturas dessa natureza para o direito português, apenas propõe a supressão total da margem de manobra que o legislador ordinário tem tido à sua disposição até agora.
Gostaríamos, pois, que fizesse uma pequena explanação.
O Sr. Presidente: * também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís marques Guedes, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo de Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, tenho a impressão que este preceito do PSD, salvo melhor opinião, poderia ser acolhido, uma vez que - penalmente falando - é uma verdade "lapaliciana". Estas são as regras do processo criminal, só que há que complementá-lo exactamente com os n.os 5-A e 5-B!
Penso que o Partido Socialista pode aceitar esta ideia de que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando
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subordinado aos princípios do contraditório e da imediação. Isto é, há aqui um alargamento a todos os actos e não apenas ao julgamento no que toca ao contraditório - já foi acolhido também pelo Deputado José Magalhães - mas, na realidade, ao colocar a imediação, excepcionando depois com a revelia, como aqui está dito, parece-me que esta é uma forma de pôr em causa a própria imediação. Então, o melhor processo parece-me que seria, em texto literário - o Sr. Deputado Barbosa de Melo dirá melhor -, complementar com o n.º 5-A e com o n.º 5-B.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, deixemos de lado a questão da revelia, porque parece que estamos de acordo em admiti-la e que o desacordo se mantém quanto à forma de o consagrar. Portanto, discutamos apenas a primeira parte da proposta do PSD, dando por adquirido que vamos encontrar uma fórmula de dar guarida ao julgamento à revelia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, vou repetir um pouco o que disse na minha intervenção inicial.
Como o Sr. Deputado Osvaldo Castro agora situou - e bem -, a questão está no facto de haver aqui uma proposta, com alguma natureza substantiva, do Partido Social Democrata, no sentido de alargar o princípio do contraditório a todas as fases processuais, o que não ocorre no actual texto constitucional.
No entanto, relembro, nomeadamente ao Sr. Deputado José Magalhães que, no fundo, é exactamente isso o que, aparentemente, também o Partido Socialista faz no n.º 5.º-A, quando, para todos os actos processuais, exige a representação por advogado. No fundo, o contraditório resulta, em termos de princípio do contraditório, exactamente do facto de em todos os actos processuais, que não só no julgamento - é o que o PSD propõe -, haver sempre, para além da acusação, a parte da defesa com iguais direitos de fazer prevalecer ou de defender as posições do arguido.
Ora, parece-me que também a proposta do Partido Socialista - não posso entender de outra forma o que o Partido Socialista refere na parte final do n.º 5-A, uma vez que o seu conteúdo útil tem a ver com todos os actos processuais, incluindo a audiência de julgamento -, exige sempre, claramente, na ausência do arguido, a presença de advogado.
Essa é, pois, a demonstração de que o próprio Partido Socialista na sua proposta, embora por caminhos diferentes, defende, na prática, o alargamento do princípio do contraditório a todas as fases do processo criminal, que não apenas, como está vertido no texto actual, a obrigatoriedade de que esse princípio seja observado no julgamento.
Portanto, da leitura que fez da proposta do Partido Socialista - e não quero substituir-me ao Partido Socialista na forma como redigiu a sua proposta -, o PSD ficou convicto de que não haveria dificuldades neste domínio, porque o próprio Partido Socialista também defendia, de certa forma, a mesma lógica na sua proposta.
Em suma, penso que o princípio do contraditório estendido a todos os actos processuais está justificado por si. Mas juntar-lhe o princípio da imediação… Confesso que não consigo concretizar verdadeiramente as dúvidas ou os receios que pensei entrever da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, porque é evidente que o princípio da imediação aparece aqui enquanto princípio e, nesse pontoo, penso que estamos todos de acordo! Quer dizer, o processo criminal deve estar subordinado quer ao princípio do contraditório quer ao princípio da imediação (porque deve ser entendido exactamente como excepção, por parte do PSD e - penso - por parte de toda a gente, da tal lógica da revelia, como diz o Sr. Presidente, na forma que encontrarmos para a enformar e para assumir os contornos exactos que lhe quisermos dar), sem prejuízo que em determinados contornos possa haver uma situação em que essa imediação acabe por resultar impossibilitada pelos próprios contornos que forem dados à revelia ou ao julgamento na ausência do réu.
Todavia, enquanto princípio - e nada mais do que isso o PSD propõe -, apenas pretendíamos que quer o contraditório quer a imediação fossem o pano de fundo, a regra, os princípios que devem prevalecer em toda a estrutura do processo criminal, deixando para o legislador, como dizia o Sr. Presidente, uma vez definidos os contornos exactos que deve assumir a hipótese do julgamento à revelia, determinadas especialidades em que, pela natureza das coisas, necessariamente vai ter de ficar prejudicado o princípio da imediação.
O Sr. Presidente: * O Sr. José Magalhães quer usar da palavra para pedir esclarecimentos?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente, é para uma tomada de posição.
O Sr. Presidente: * Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta do Partido Social Democrata tem sido discutida à volta da questão da revelia, mas penso que ela tem outras implicações (aliás, devo dizer que dou o meu apoio a essa proposta em relação à questão da imediação). Mas, dizia, a proposta tem outras implicações - e tenho muita pena de não ter ouvido a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães -, designadamente em relação à produção de prova em audiência de discussão e julgamento.
Ultimamente, é com grande preocupação que tenho ouvido reclamar com grande insistência pelo Ministério Público que seja permitida, para fazer a prova da acusação, a leitura de peças processuais que constem da instrução a que querem chamar inquérito. E tal decorre do facto de se terem verificado situações de flagrantes insucessos: cito, nomeadamente, um caso que gerou algum escândalo, o de um homicídio em que o arguido confessou logo de inicio, o Ministério Público não se preocupou mais com a prova, e depois o arguido, na audiência, recusou-se a prestar declarações - e estava no seu direito - e foi absolvido.
A acusação não pode, sob pena de violar um dos princípios que considero fundamental no processo penal, o da imediação, "descansar à sombra da bananeira" e depois pretender, com leituras de autos, que violam esse princípio - e que estão acolhidos no processo penal italiano -, obter o triunfo das suas teses.
Embora me pareça que também essa questão das garantias de defesa já decorre da Constituição, penso que não se perde nada - antes tudo se ganha - em que este
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princípio venha expressamente consagrado no artigo da Constituição. Por isso, dou o meu apoio à proposta do PSD na consagração do princípio da imediação, que me parece, de facto, um direito fundamental. Se realmente a acusação tem provas, pois que se "desunhe" e faça como a defesa, ou seja, que procure todas as maneiras de ver a sua posição triunfar na audiência de discussão e julgamento, mas que não assente noutros dados que não os produzidos na audiência.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, queria apenas dizer que gostaria que não houvesse equívocos sobre a valoração das perguntas que foram dirigidas. Elas foram dirigidas, tal como têm sido sempre, desde o primeiro momento, no sentido de aclarar os limites e o sentido exacto das propostas apresentadas. Aliás, é mesmo essa a função da primeira leitura e não é possível nem legítimo ver nisso qualquer simpatia ou antipatia, salvo quando isso seja expressamente dito. E não foi.
A contribuição para clarificação parece-nos bastante positiva, porque o PSD acaba de vazar para acta que se trata de consagrar princípios com um determinado alcance (vincular o legislador a consagrá-los), ficando para essa sede a definição das modalidades, níveis de aplicação e densificações, o que pode comportar, naturalmente, percepções dentro dos limites que a interpretação constitucional admite e, evidentemente, excluindo os que ela proíbe.
Portanto, nesse sentido a discussão satisfaz-nos e estamos disposto a considerar, em concreto, a modelação de uma norma que possa ser merecedora de 2/3 ou, desejavelmente, de unanimidade.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, creio que podemos assentar em que há condições para acolhimento da proposta de substituição do PSD quanto ao n.º 5 do artigo 32.º, sem prejuízo de eventual precisão terminológica e claramente pressupondo que vamos encontrar uma solução consensual para a questão do julgamento à revelia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente - e peço desculpa pela interrupção -, tal não implica nada de definitivo em relação à questão, por exemplo, de interpretação do princípio da imediação e das suas consequências, uma vez que sobre essa matéria, questão suscitada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, careceria de precisões e de aprofundamento.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As precisões que estão no Código de Processo Penal são óbvias e eloquentes. Refiro-me ao artigo 356.º.
O Sr. José Magalhães (PS): * É por isso mesmo, Sr.ª Deputada. Nós não vamos ler a Constituição face a um código vigente num determinado momento; é preciso mantê-la com noções e preceitos que possam ser objecto de precisões e de identificações várias. Precisamente, não gostaríamos de ficar "amarrados" a esse tipo de leitura.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, em todo o caso, ficamos "amarrados", pelo menos, à densificação essencial que na doutrina tem o princípio da imediação, mas não ao seu vazamento concreto numa determinada lei, no momento.
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à proposta de aditamento do PCP, de um novo n.º 7, que é do seguinte teor: "A lei estabelecerá garantias efectivas da fiabilidade das provas e actos obtidos através de meios tecnológicos". Das provas e actos?!…
Para apresentar e justificar esta proposta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sabem, a lei processual penal prevê a gravação da prova, garantindo através dessa prova gravada uma verdadeira apreciação da matéria de facto em duplo grau de jurisdição, o que hoje não acontece. De facto, entendemos que essas provas devem ser tratadas em termos de lei ordinária, a fim de ser garantida a sua fiabilidade. É por isso que, ao mesmo tempo que implicitamente estamos a consagrar essa gravação nesta sede, se torna necessário que a lei estabeleça garantias da sua fiabilidade.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está apresentada e aberta à discussão a proposta do PCP, de aditamento a um novo número ao artigo 32.º, no sentido de impor à lei o estabelecimento e garantias efectivas da fiabilidade das provas e actos obtidos através de meios tecnológicos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, no fundo queria tentar perceber o que e se entende por meios tecnológicos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, devo dizer que, em relação às novas tecnologias, acabo por me entusiasmar por elas muito tarde… Mas estão aqui em causa, por exemplo, as gravações em vídeo e em áudio e, enfim, tudo aquilo que ainda hoje não existe mas que pode vir a existir.
O Sr. Presidente: * Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma proposta repetente - como muitas outras, aliás, o que não é desvirtuoso à partida -, incidindo sobre um problema relevante. Tive ocasião de discuti-la, aquando da revisão constitucional de 1989, com os Srs. Deputados e de procurar defender uma de teor semelhante. Porém, como se revelou então bastante difícil chegar a uma formulação razoável, não a incluímos na revisão constitucional de 1989, o que não significa que não possamos trabalhar agora uma redacção palatável, porque sendo inteiramente óbvio o que se pretende com a proposta é também evidente que ela diz de mais e diz de menos, porquanto meios tecnológicos tenho eu, neste momento, um na mão, ou seja, estou a usar o microfone, que é, claramente, um meio tecnológico.
A preocupação que esteve imediatamente na base da proposta que foi apresentada em 1989 tinha a ver com a
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jurisprudência do Tribunal Constitucional em relação ao uso de radares para apurar infracções de carácter rodoviário, mas, evidentemente, a expressão comporta tudo. A realização de exames ao DNA é, obviamente, um meio de crucial importância; a utilização de tecnologias de detecção, com recurso a sofisticadíssimos meios computacionais, das mais variáveis realidades é um meio tecnológico; obviamente, o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária não faz outra coisa que não seja usar os mais diversos meios tecnológicos para garantir a obtenção de determinadas provas.
E, quanto a tudo isso, importa que a lei estabeleça garantias efectivas da fiabilidade dessas provas. É um facto! E é um importante desafio, até porque, como sabemos, os tribunais tenderão a depender - os juízes, os advogados e as partes - cada vez mais da utilização de sofisticadíssimos meios, utilizando, sobretudo, as chamadas novas tecnologias, as quais permitem responder a questões que no passado não eram, pura e simplesmente, decifráveis com recurso aos meios então existentes.
Portanto, compreendemos - mais do que compreendemos, partilhamos - a preocupação de estabelecer garantias de que a ciência e a técnica não sejam armas absolutas sem que sobre elas incidam os controles, as contraprovas ou os meios de verificação próprios da arte e da técnica, e estamos disponíveis, naturalmente, para participar no esforço de encontrar uma expressão que tudo isto consiga veicular sem redundar em vulgaridade ou em truísmo, uma vez que, como disse no início, uma lupa é um meio tecnológico e também ela tem de ser exacta sob pena de distorção.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até a fotografia!
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, como já aqui foi recordado - e bem -, há uma extrema dificuldade em encontrar uma adequada modelação para uma norma deste tipo, o que mais uma vez fica patente.
Chamo a atenção para um aspecto que ainda não foi citado e que é o seguinte: é evidente que o objectivo do proponente é a salvaguarda, a optimização da protecção dos direitos dos cidadãos na defesa dos seus direitos face, digamos, a novos meios de prova que a sofisticação tecnológica possa proporcionar à acusação. Só que a redacção, tal qual vem aqui formulada - e essa é a dificuldade que, mais uma vez, ressalta - pode ter, inclusive, o indesejabilíssimo efeito completamente contrário, porque ao dizer-se que a lei estabelecerá garantias efectivas de fiabilidade, pode disso resultar que, na prática, a lei vá cristalizar a fiabilidade de determinados meios de prova, assim coarctando ou restringindo a possibilidade de contraditório que a defesa deve sempre ter para optimizar os seus meios de defesa.
É evidente que não é minimamente essa a intenção que está aqui subjacente, mas isso faz relevar, mais uma vez, a extraordinária dificuldade com que o legislador constituinte já se deparou no passado face a propostas neste mesmo sentido e que, mais uma vez, ficam claramente não resolvidas, e quiçá até potencialmente prejudicadas, por esta redacção.
De facto, da constitucionalização de uma norma desta natureza pode resultar como que uma atribuição à lei da capacidade para colocar uma chancela de fiabilidade efectiva sob um determinado meio de prova, assim restringindo a possibilidade de contraditório à defesa.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não me parece que se possa tirar essa conclusão. A lei deve estabelecer os requisitos dessa fiabilidade, que podem ser contraditados pela defesa.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sobretudo com a consagração do princípio do contraditório, nos termos propostos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto, podem ser contraditados.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo de Castro.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): * Sr. Presidente, queria que a Sr.ª Deputada Odete Santos me esclarecesse sobre o seguinte: fiquei com a ideia de que, pelo menos, a Sr.ª Deputada pretendia garantir a fiabilidade das provas produzidas em julgamento…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E não só!
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): * E não só?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, referi-me a essa situação concreta, mas estão em causa todas as provas.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): * Nesse caso, de facto, vejo perigos para a defesa, Sr.ª Deputada.
Com efeito, todos já sabemos que a certificação, feita pelo Laboratório de Polícia Científica, de que o saco tem não sei quantos gramas de heroína é inabalável. Porém, se a ideia for garantir a fiabilidade da prova produzida no julgamento através de meios áudio e vídeo, isto é, que as gravações e as vozes produzidas cheguem sem cortes - que, aliás, são as produzidas no julgamento -, admito que possa ser acolhida. Já um certificado de conformidade e valoração de provas teria perigos "imensíssimos". Na minha opinião, seria o mesmo que o julgamento estar feito.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): * Sr. Deputado, penso que esse é um mau exemplo.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): * Mas posso dar outros exemplos!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): * A um saco de heroína o Sr. Deputado pode requerer um novo exame, basta dizer que não é heroína e pode requerer um novo exame!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * A quem? Ao Laboratório de Polícia Cientifica!
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, está a colocar a suspeição sobre o Laboratório de Polícia Cientifica.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Não, não é uma questão de suspeição, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, no Código de Processo Penal estão previstos meios processuais em matéria de perícias, como as deve requerer e se deve ou não apresentar um perito. Mas não nesta sede! Já requeri uma contraprova numa situação semelhante e, de facto, não há certificação alguma: estabelecem-se determinados requisitos e a defesa pode contraditar que a prova, de facto, não obedece aos requisitos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, neste processo de revisão constitucional são os proponentes que têm de convencer da bondade das propostas e não os adversários que têm de provar que ela não é boa.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou apenas a responder às questões, Sr. Presidente.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, eu tinha feito uma interpretação mais restritiva da proposta, com a qual concordava. Mas uma interpretação assim tão extensiva já não aceito.
O Sr. Presidente: * Como Presidente, limito-me a constatar que o PS e o PSD não se dão por convencidos sobre a bondade da proposta.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O PS também? Não foi o que me pareceu concluir da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Pareceu-me ouvir dizer que o PS estava disposto a ter em consideração esta proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, se me permite, não vou repetir o que ficou dito, mas a discussão parece concludente quanto à dificuldade de encontrar uma proposta. Naturalmente, o ónus de encontrar essa boa redacção, provados que estão os inconvenientes da actual, caberá a todos nós numa óptica um tanto "franciscana". Mas cabe, naturalmente e em primeiro ratio, a quem introduziu a questão.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com certeza, Sr. Deputado, mas a gravação da intervenção que proferiu há pouco está feita, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): * Claro, naturalmente. E até pode ser repetida, Sr. Presidente. Temos a noite toda!
Risos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não havendo mais considerações sobre esta matéria, vamos passar à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de aditamento a um novo n.º 6 ao artigo 32.º, que é do seguinte teor: "O ofendido tem o direito de intervir no processo criminal, nos termos da lei".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, queria apenas deixar duas notas, sendo a primeira de natureza sistemática.
Embora o artigo 32.º esteja fundamentalmente estruturado em função das garantias de defesa e não propriamente das garantias de quem acusa ou de quem quer que se acuse, pareceu-me que não havia outra sede idónea para uma norma desta natureza e que seria pior solução criar um artigo novo, até porque, apesar de tudo, neste artigo também há algumas garantias que não são exclusivas do arguido e que até serão, porventura, garantias do próprio ofendido. Portanto, do ponto de vista sistemático, esta será a solução menos má, por assim dizer.
Do ponto de vista substancial, a proposta explica-se um pouco por si própria. Julgo que em Portugal, apesar de tudo, a legislação ordinária consagra a intervenção do ofendido no processo criminal. Fá-lo, aliás, de forma relativamente inovadora, ou seja, fá-lo de forma mais inovadora do que a generalidade dos ordenamentos jurídicos. Pareceu-me, pois, importante que essa garantia, que já está estabelecida na lei ordinária, fosse estabelecida na própria Constituição, designadamente porque também podem estar causa direitos fundamentais, em especial direitos, liberdades e garantias, do ofendido no processo criminal, e faz sentido que ele tenha o direito de intervir. Obviamente que os termos dessa intervenção será matéria da legislação ordinária que, com certeza, será diferente consoante a natureza do processo e o tipo de crime que esteja em causa.
Julgo que seria um avanço considerável tornar irreversível essa garantia que a legislação ordinária tem estabelecido, por formas diversas, no texto constitucional.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração da Comissão a proposta de reconhecer o estatuto constitucional ao ofendido, nomeadamente o seu direito de intervir no processo criminal, nos termos da lei.
Pausa.
Srs. Deputados, como a aprovação de uma proposta implica uma manifestação ou uma expressão positiva, terei de interpretar o silêncio como o não acolhimento da proposta.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a proposta parece-nos muito clara e, portanto, estamos de acordo com ela, posição que vem, aliás, no seguimento da intervenção que fizemos sobre os direitos das vítimas.
Pensamos que a consagração constitucional se justifica, nesta ou noutra sede.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Em termos muito sucintos, Sr. Presidente, queria dizer que o PSD vê como positiva esta norma, nesta ou noutra formulação. Parece-nos, de facto, que faz sentido a exposição.
De resto, o Sr. Deputado frisou bem que é algo que já decorre, na prática, da legislação ordinária. Não há nenhuma consagração expressa no texto constitucional e, aparentemente, faz todo o sentido que se aproveite para fazer a sua inserção em termos de garantias do processo.
Enfim, com uma eventual ponderação sobre a formulação em concreto, a posição do PSD é favorável a esta proposta.
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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, gostaria de dizer que vemos igualmente com simpatia a proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Sr. Presidente, o CDS-PP vê também com agrado a inclusão deste princípio na Constituição.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, é fácil concluir que existe unanimidade no sentido de acolher este aditamento, e percebe-se porquê. Trata-se de uma clara garantia institucional, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo dizia em off the record - penso que não levará a mal que ponha a sua opinião on the record, pois é um elemento positivo -, de uma parte importante do processo penal que uma visão unilateral, sob o ponto de vista de protecção do arguido, normalmente tenta esquecer do discurso constitucional.
Srs. Deputados, com isto encerramos as propostas de aditamento relativas ao artigo 32.º, mas não as que são conexas com ele. Há algumas propostas do PCP que nesta circunstância importa abordar, ou seja, as propostas de aditamento de um artigo 32.º-A e de um artigo 32.º-B. Começaria pela proposta referente ao artigo 32.º-B, que tem que ver com o Artigo 32.º, n.º 8.
O artigo 32.º, n.º 8, da Constituição estatui o seguinte: "Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa". O PCP propõe que se autonomize num artigo à parte um preceito, que claramente consome e, logo, prejudica este, a estabelecer o seguinte: "Nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios são asseguradas ao arguido todas as garantias do processo criminal, designadamente as de audiência, defesa e produção de prova". Esta é a proposta que está à consideração.
Começo por dar a palavra aos proponentes, caso a desejem, para apresentar e justificar a proposta.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso que o Sr. Presidente, no resumo que fez, já indicou o objectivo e o alcance da proposta, que não abrangerá só os casos de contra-ordenações mas também o processo disciplinar, que, aliás, na legislação ordinária se tem entendido seguir as normas do processo penal. Propomos que passe para a Constituição essa previsão.
O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, será que o teor da vossa proposta não corre o risco de ser lido no sentido de total identificação dos processos contra-ordenacionais, disciplinares e, em geral, de todos os processos sancionatórios com o processo criminal? Nessa altura, então, onde se lê "garantias do processo criminal", passar-se-ia a ler "garantias do processo sancionatório" e passaria a ser tudo igual, deixaria de haver diferenças. É esse o sentido desta alteração?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, é a questão da dupla jurisdição, de que já falámos.
O Sr. Presidente: * A proposta está à discussão, Srs. Deputados. Queiram pronunciar-se sobre ela.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou a reflectir, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, o n.º 8 do artigo 32.º, na redacção vigente, resultou da segunda revisão constitucional e de uma proposta que originariamente tinha o âmbito quase exacto da proposta agora renovada pelo PCP.
No debate que então travámos, chegou-se à conclusão que estavam reunidas todas as condições para aprovar a norma que hoje está vigente quanto aos processos de contra-ordenação, com a redacção que está perante os nossos olhos.
Uma proposta como a que foi agora adiantada implica uma homologia total e a colocação, com esta redacção exacta que aqui está ou com outra similar, dessa homologia como uma realidade sem excepções e sem discrepâncias possíveis. A doutrina já vinha doutamente extraindo das regras do artigo 32.º ilações em relação aos processos sancionatórios, pelo que todos tivemos o cuidado, na revisão constitucional de 1989, de deixar não prejudicadas essas ilações. Foi sobre essa condição que se consagrou o n.º 8 do artigo 32.º.
Portanto, a norma agora adiantada pelo PCP tem os inconvenientes que foram deixados no ar pela pergunta que o Sr. Presidente formulou. Essa identificação total e absoluta, etc., sobretudo porque vamos fazer um upgrade, uma melhoria, um aperfeiçoamento das regras do artigo 32.º, designadamente quanto ao duplo grau de jurisdição, etc., tem consequências que, creio, provavelmente não estavam nas intenções originais dos proponentes.
Portanto, a proposta talvez deva ser vista, ou revista, com este cuidado. Pela nossa parte temos estas apreensões.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, se percebo essas preocupações no que respeita a algumas questões, nomeadamente quanto a algo de que já falámos atrás, ou seja, os processos de contra-ordenação, em que a coima é de pequeno montante - tem a ver com o duplo grau de jurisdição -, já me parece que em relação aos processos disciplinares, pela repercussão que isso tem na carreira profissional das pessoas, não se deve abrir restrições, nem mesmo no que respeita, por exemplo, a sanções como a repreensão registada. É que ficando a constar de um cadastro tem reflexos futuros em relação a outro processo disciplinar instaurado, nomeadamente nas questões laborais, e pode ter repercussões, aliás, mesmo nas relações laborais pode sempre ir-se para tribunal de trabalho mesmo no caso de repreensão registada.
Portanto, essas não são preocupações que devam ser acolhidas relativamente ao processo disciplinar, porque na prática já existe meio de reclamar, mesmo que seja impugnar a sanção. Assim, embora possamos pensar no assunto, não estou a ver que haja motivos para tantas preocupações como aquelas aqui exaradas.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, fundamentalmente, a posição do PSD é a seguinte: se é certo que conseguimos entender as preocupações fundamentais que presidem à formulação desta proposta, parece-nos que a fórmula encontrada para dar satisfação a essas preocupações não é a mais adequada.
Somos sensíveis - e o PSD também entende que, em alguns casos, assim é -, ao facto de haver no âmbito dos processos disciplinares e de outro tipo de processos sancionatórios defeitos e problemas que subsistem e que causam, ou podem provocar, situações de injustiça ou de menor defesa dos direitos dos arguidos nesses processos. No entanto, não nos parece que para resolver essas preocupações a solução seja a de pura e simplesmente igualar em termos de dignidade no tratamento os processos disciplinares e qualquer tipo de processos sancionatórios ao processo criminal. No fundo, isso redundaria numa quase "desdignificação" da preocupação social que existe em torno do processo criminal e que justifica toda a panóplia de cautelas especiais que o legislador constituinte entendeu rodear o processo criminal.
Portanto, não nos parece, de facto, que a simplicidade colocada na forma de resolver os problemas que podem existir nos processos disciplinares seja esta. Assim, à primeira vista, não encaramos como positiva esta alteração à Constituição.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, alguém mais quer pronunciar-se?
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, quero só dizer que estou de acordo, no essencial, com o facto de a formulação do artigo 32.º-B não ter grande sentido e de até ser possível melhorar o n.º 8 do artigo 32.º. Onde se diz "direitos de audiência e defesa" creio, sinceramente, que talvez se melhorasse o preceito dizendo "e produção de prova", ideia que, apesar de tudo, já vem da legislação ordinária, no processo disciplinar laboral.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o n.º 8 só diz respeito às contra-ordenações.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Se alargarmos o âmbito do n.º 8, acrescentando "e produção de prova", podíamos acolher isso, com as reservas já avançadas. É que na própria lei ordinária, mesmo no processo disciplinar, é motivo de nulidade a não audição da prova avançada, no caso, pelo trabalhador na sua resposta (quando requeira a produção de prova e esta não for ouvida é motivo de nulidade do próprio processo.
Portanto, não haveria aqui, até em relação ao legislador ordinário, nenhum tipo de contradição e abrangeríamos no n.º 8 os processos disciplinares e sancionatórios, os direitos de audiência e defesa e produção de prova.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, vamos ponderar as objecções formuladas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de deixar uma nota.
Se entendi bem, não estou de acordo com aquilo que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro disse. Parece-me uma proposta construtiva equacionar-se a hipótese de no n.º 8 do artigo 32.º constar: "Nos processos de contra-ordenação e disciplinares são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa".
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E produção de prova!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr.ª Deputada. Acrescentar a expressão "produção de prova" só faz sentido - porque a produção de prova exigível em termos do processo disciplinar já está consagrada na audiência e defesa - no contexto em que o PCP a colocava, que é dizer que o direito de produção de prova é igual ao do processo criminal. Isso não pode ser! Exigir, para processos em que estão em causa coisas muito menores do que em processo crime, todos os direitos em torno da produção de prova que existem para o processo criminal é claramente inviabilizar, na prática, a esmagadora maioria dos processos sancionatórios e dos processos disciplinares e causar entraves tremendos ao normal andamento desses processos.
Portanto, parece-me que concordo com o espírito que presidiu à intervenção do Dr. Strecht Ribeiro, mas a hipótese que formulou de acrescentar a produção de prova parece-me que não faz sentido neste contexto. Creio que o conteúdo útil da sua proposta ficaria perfeitamente salvaguardo se nos limitássemos, no n.º 8, a acrescentar aos processos de contra-ordenação, eventualmente os disciplinares, dizendo que também nesses têm de ser assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. E a audiência, obviamente, comportará a possibilidade de o arguido fazer prova, mas com mecanismos que são adequados e proporcionais ao processo em si, não necessariamente equiparados ao processo criminal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que tem razão, mas - não me leve a mal - o facto de se retirar do texto a garantia de que a produção de prova terá de ser como em processo criminal… Deixe-me dizer por que acrescentaria a expressão "produção de prova" mesmo que isto nada tenha que ver...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Acrescenta no n.º 8?
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sim, Sr. Deputado. Isto é, o n.º 8 ficaria assim: "Nos processo por contra-ordenação e disciplinares são assegurados ao arguido os direitos de audiência, defesa e produção de prova", sendo que isto nada tem a ver com a formulação anterior que referia...
O Sr. Presidente: * Com a solução do PCP, de equiparação.
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O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Exacto! É que na produção de prova da lei ordinária, na parte do processo disciplinar, as provas que o arguido avança terão de ser consideradas, mas há eventualmente meios de prova que não estão no domínio do próprio arguido e que, do meu ponto de vista, não me parece razoável nem justo, mesmo em sede de simples processo disciplinar, que não devam ser requeridos.
Imagine documentos - este é um exemplo simplório - na posse da entidade patronal que sejam requeridos pelo arguido e que sejam juntos ao processo disciplinar. Ora, não vejo razão para obstarmos a isso.
Portanto, eu avançaria com a fórmula "audiência, defesa e produção de prova" porque na defesa não fica toda a produção de prova; nada tem que ver com a estrutura do processo criminal. É só por isso que acrescentaria esta expressão.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, estive a ouvir as objecções e a pensar em termos de uma eventual reformulação da proposta.
Pedi a palavra para dizer que as objecções levantadas nesta última intervenção pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes a uma formulação que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro indicou não têm razão de ser porque este, logo à partida, excluiu as garantias do processo criminal.
Também sabemos que no processo laboral, de facto, as garantias de produção de prova não são, muitas vezes, respeitadas; aliás, a entidade patronal até tem o poder de dizer aquilo que é, e não é, dilatório. Portanto, fica nas mãos da entidade patronal decidir quais são as balizas da defesa, ao fim e ao cabo é o que diz a legislação ordinária.
Por isso mesmo me parece que dever-se-ia acrescentar a expressão "produção de prova", o que já seria um reforço das garantias de defesa. Isso parece-me fundamental.
Portanto, vou pensar nas objecções e no que aqui foi sugerido, pois, possivelmente, poderemos reformular esta proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, como uma achega para fazermos uma leitura o mais ampla possível desta matéria, lembro que não existem só os processos disciplinares nas empresas; este ponto também tem que ver com a administração, com a repressão administrativa. Não podemos fazer isto por sectores, senão desorganizamos o sistema jurídico.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Só dei um exemplo!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * A ordem jurídica pode ser ameaçada com perfeccionismos destes.
Há princípios de justiça natural - VV. Ex.as não gostam da expressão, mas ela consta assim dos livros, mesmo dos mais positivistas - que fazem sempre parte dos processos disciplinares da administração, por exemplo o princípio da audição e da defesa. Desde os tempos imemoriais do regime anterior, um regime autoritário (fascista para muitos, autoritário para todos), que a formalidade da defesa era uma das formalidades do processo disciplinar que inquinava o acto disciplinar no caso de não ser cumprida. Portanto, há aqui princípios.
Estamos a incluir neste campo coisas que já fazem parte da ordem jurídica que temos, uma ordem jurídica refundada e rebaptizada pela Constituição de 1976. Trata-se de princípios que já estão a funcionar.
Vejo riscos em não distinguirmos, porque não vamos conseguir fazer um elenco de todos os tipos de processo para os quais estamos aqui a legislar com fórmulas destas.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, e os demais processos sancionatórios? Cabem cá!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não, o que o artigo refere são os processos de contra-ordenação!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas na nossa proposta de um artigo 32.º-B estavam incluídos! Nela passaria a constar: "Nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas toda a produção de prova, por exemplo, tem os rigores próprios da produção de prova criminal?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, Sr. Deputado. Na sugestão feita pelo Sr. Deputado Strecht Ribeiro desaparecia a expressão "são asseguradas ao arguido todas as garantias do processo criminal".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Então como ficava?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O artigo ficaria com este conteúdo: "Nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios são asseguradas…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr.ª Deputada. A redacção passaria a ser esta: "Nos processos de contra-ordenação e demais processos sancionatórios".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Isso são garantias de um processo criminal! Não pode ser…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E o artigo finalizaria deste modo: "(…)são assegurados ao arguido os direitos de audiência, defesa e produção de prova".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Já percebi!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Apelo para boas distinções!
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Strecht Ribeiro propôs que o PCP abdicasse da ideia de equiparação, de remissão para as garantias do processo criminal. Assim, onde o actual n.º 8 estabelece "Nos processos de contra-ordenação serão assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa" passar-se-á a prever "Nos processos de contra-ordenação, nos processos disciplinares e nos restantes processos sancionatórios são assegurados ao
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arguido os direitos de audiência e defesa". O Sr. Deputado sugeriu também que se acrescentasse a expressão "o direito de produção de prova".
Quanto a esta última parte tenho as maiores reservas, mas não me causaria nenhuma reserva acrescentarmos, aos processos de contra-ordenação, os demais processos sancionatórios.
Srs. Deputados, penso que não avançaremos mais. A proposta do PCP, nos termos em que está formulada, claramente não tem acolhimento. Assim, fica em aberto a possibilidade de, perante uma proposta concreta, se rever o n.º 8 quanto a dois pontos. Em primeiro lugar, alargar o preceito, quando se fala de "processo de contra-ordenação", a outros processos sancionatórios, nomeadamente aos disciplinares e outros.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, então, não pensamos mais: tiramos o n.º 8 para um artigo autónomo, para um artigo novo!
O Sr. Presidente: * Mas o n.º 8 já lá está!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Está, mas sob a epígrafe "Garantias de processo criminal"!
O Sr. Presidente: * Está bem, Sr. Deputado, mas o n.º 8 já não se refere a processo criminal! Já está no artigo 32.º com outro entendimento!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Em todo o caso, como sabemos, os processos de contra-ordenação eram formalmente direito judicial.
O Sr. Presidente: * Mas quando foram colocados neste artigo já o não eram!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Então, agora não alarguemos o seu âmbito. Tiremos o n.º 8 do artigo 32.º e coloquemo-lo como um artigo 32.º-A!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a conclusão, quando não há acordo, é a de que não há acolhimento da proposta. Portanto, se os Srs. Deputados não estiverem de acordo com a proposta não me compete a mim provar… Em suma, enquanto não houver uma proposta concreta para substituir aquela que claramente não tem acolhimento, é dada como não acolhida a proposta do PCP.
Srs. Deputados, passamos agora para a proposta do PCP de aditamento de um artigo 32.º-A, com a epígrafe "Garantias especiais dos menores sujeitos à jurisdição penal".
Para fazer a apresentação da proposta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o artigo 32.º-A que propomos consagra algumas medidas em relação à jurisdição penal de menores, uma delas, aliás, está proposta pelo Partido Socialista sob outra formulação.
O Sr. Presidente: * Refere-se à prisão preventiva?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
A alínea b) estabelece uma garantia de cumprimento da pena privativa da liberdade em estabelecimento adequado.
Consagra a alínea c) a garantia de frequência de estabelecimentos de ensino e exercício de actividades profissionais no exterior do meio prisional, salvo os casos de perigosidade.
Na alínea d) estabelece-se a confidencialidade do processo sempre que a mesma seja útil à reinserção social.
Estas diversas alíneas constam, aliás, de princípios consagrados já em documentos internacionais, nomeadamente nas regras mínimas das Nações Unidas, já tomadas por variadíssimas vezes, por exemplo, em Benjim e em Tóquio, relativamente à justiça penal de menores.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esta a proposta que apresentamos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PCP de aditamento de uma norma específica para garantias constitucionais especiais dos menores sujeitos a jurisdição penal, nos termos agora especificados pela Sr.ª Deputada Odete Santos.
Peço tomadas de posição.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço que me deixe acrescentar um aspecto.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Presidente, tenho aqui, na minha frente, as regras mínimas das Nações Unidas para administração de justiça de menores, tomadas em Benjim (no caso da confidencialidade tenho-as aqui, as outras também constam de outros documentos), em que claramente se diz, em relação a estes processos, que os registos referentes aos jovens delinquentes deverão ser considerados estritamente confidenciais e incomunicáveis a terceiros. Até se diz que não devem ser utilizados em processos subsequentes de adultos em que esteja implicado o mesmo delinquente.
Parece-nos que, de facto, para um menor sujeito à jurisdição penal, e tendo em vista a ressocialização, este princípio será fundamental.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, espero tomadas de posição quanto a esta proposta.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, temos uma simpatia quanto ao sentido desta vossa proposta, no entanto, temos algumas dúvidas.
A alínea a) é coincidente, em termos de objectivo, com uma proposta que fizemos no sentido de a prisão preventiva aplicável a menores ter um carácter de excepcionalidade e, nesse sentido, só em casos de ponderosa ou de absoluta necessidade ser aplicável. Aliás, corresponde a uma recomendação das instâncias internacionais de que Portugal faz parte, maxime do Conselho da Europa, neste domínio, a qual foi subscrita pelo governo anterior. Portanto, penso que se trata de uma proposta positiva e indicativa
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à aplicação da justiça nesta magna questão da prisão preventiva.
Quanto às outras alíneas, o cumprimento da pena em estabelecimento adequado, a frequência de estabelecimento de ensino e de actividades profissionais que garantam as condições de inserção e que retirem o menor da situação de perigosidade que pode verificar-se com a manutenção de uma situação, ou a ausência dela, sendo embora propósitos positivos, não me parece que devam constar de um texto constitucional. Eventualmente, a lei ordinária parece-me adequada para esse fim.
Porém, a ideia da protecção especial do menor, em termos genéricos, parece-nos merecer simpatia, um acolhimento positivo, mas estaríamos tentados em fixar-nos apenas nessa medida positiva relativamente à prisão preventiva, deixando para a legislação ordinária a adequação e o favor, ou favour, que os menores devem merecer em termos das medidas e das soluções do processo penal.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, de certa forma, a posição do PSD reconduz-se um pouco àquilo que já tínhamos formulado aquando da discussão da proposta do Partido Socialista referente apenas à matéria que tem a ver, como disse agora o Sr. Deputado Alberto Martins, com o conteúdo da alínea a) da proposta do Partido Comunista Português.
No fundo, os argumentos e as preocupações em que se estribou, e em que se estriba, a posição do PSD quanto à formulação parcial do Partido Socialista (parcial comparativamente a esta formulação do PCP) são as mesmas e, do meu ponto de vista, são igualmente aplicáveis aqui. Ou seja, independentemente de toda a bondade e evidente simpatia que nos merecem as preocupações que estão por detrás desta proposta do PCP, parece-nos inoportuna uma alteração constitucional neste sentido, dados os riscos que o reverso da medalha, de que eu falava a propósito da proposta do Partido Socialista, pode comportar, a saber, a eventual importação de fenómenos a que assistimos em algumas sociedades, onde a sobreprotecção das garantias dos menores face ao crime, face à jurisdição penal, redunda e tem tido efeitos extraordinariamente nefastos para esses mesmos menores, pelo menos naquilo que diz respeito à delinquência juvenil.
Portanto, em termos genéricos, tudo aquilo que decorre das alíneas da proposta de artigo 32.º-A do PCP é felizmente, e bem, prática corrente no ordenamento judiciário nacional e na ordem jurídica nacional.
Como já o fizemos em relação a outras propostas, aproveitamos esta sede da revisão constitucional para, através de uma interpretação originária, manifestar claramente a nossa adesão aos princípios que daqui decorrem e à prática que daqui se deve retirar para a ordem jurídica portuguesa, embora consideremos genericamente inoportunas as iniciativas deste tipo, precisamente pelos perigos a contrario que podem trazer para o sistema.
Em princípio, a nossa posição não é de receptividade à alteração do texto constitucional pelas razões que expus, que não pela bondade do aspecto substantivo da proposta, que subscrevemos.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, sobre a questão da prisão preventiva e do seu carácter excepcional, na reunião desta manhã já dissemos o suficiente e temos, obviamente, posições contrárias às do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Quanto à questão dos menores, deixem-me acrescentar apenas o seguinte: temos assistido ao desenvolvimento de uma determinada filosofia em relação aos menores (com preocupação para algumas pessoas), que exige uma repressão maior e, até, o abaixamento da idade de sujeição dos mesmos à jurisdição penal. Essa filosofia tem sido debatida mesmo em congressos internacionais.
Entendemos que não é essa a forma de resolver o problema da criminalidade entre os menores; que há meios de combate a essa criminalidade que não passam por um endurecimento da repressão e que não só a lei ordinária mas também a Constituição deve ter em atenção o sistema penitenciário dos menores, devendo consagrar os princípios fundamentais desse sistema.
Se as Nações Unidas dedicaram já vários congressos a este debate, se produziram variadíssimas resoluções sobre essa matéria, onde consagram os princípios fundamentais desse sistema penitenciário, parece-nos tal deve ser consagrado que no texto constitucional. Deve prever-se este sistema, ainda que devam ser sempre salvaguardadas as questões de perigosidade, (como o são na nossa proposta), o qual acaba por consagrar um regime aberto na execução das penas de prisão, permitindo que a reinserção se faça através do trabalho prestado durante o dia, fora do meio prisional, e através da frequência de estabelecimentos de ensino, também durante o dia, tal como está consagrado na nossa proposta. Permitindo ainda que, em termos de futuro desse jovem delinquente, a confidencialidade do processo deva ser uma garantia para os menores.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Sr. Presidente, apesar da bondade da proposta, ela também me parece excessiva e, como tal, limitativa a sua consagração constitucional.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Só não percebo por que é que a sente excessiva!? É limitativa, neste caso.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Eu posso explicar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então explique, porque o que disse é contraditório, Sr.ª Deputada.
O Sr. Presidente: * A conclusão a tirar é a de que não há acolhimento para a proposta.
Pessoalmente, aliás, acrescentaria o seguinte argumento: este capítulo da Constituição é essencialmente garantístico e proibitivo da acção do Estado. Inserir nesta sede acções positivas, direitos a prestações ou obrigações de prestação do Estado parece-me dogmaticamente anómalo, com todas as dificuldades que as normas positivas têm em serem cumpridas. Isto é, ao obrigar o Estado a fazer o que quer que seja, corre-se sempre o risco de se estender isso depois às normas proibitivas (são essas que cá estão), sendo muito mais fácil exigir o seu cumprimento judicial.
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Nesta sede, debater normas de acção positiva do Estado parece-me, de facto, dogmaticamente pouco razoável e penso que seria um pouco incongruente com o discurso constitucional nesta matéria.
Em todo o caso não é este argumento que decide o que quer que seja, já que questão estava decidida por não acolhimento. Passamos, por isso, à frente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, gostava de chamar a atenção para algo que ficou em suspenso para. Refiro-me à proposta do Partido Socialista, em sede do artigo 32.º, que tinha a ver com a proposta do PSD quanto ao artigo 20.º, em matéria de protecção do segredo de justiça. De facto, não vislumbramos, quer nas propostas de alteração do Partido Socialista quer em qualquer das outras, a alusão, em termos substantivos, a essa situação.
Portanto, face à proposta do PSD para o artigo 20.º, tinha havido da parte do Partido Socialista uma abertura no sentido da consagração da protecção do segredo de justiça ao menos em sede do processo criminal, e eu pergunto se não será este o momento de equacionarmos esta questão.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, estou de acordo em que retomemos a questão proposta pelo PSD relativa ao direito à protecção do segredo de justiça, não em sede geral, uma vez que aí não foi acolhida, mas agora reinserida a propósito das garantias do processo penal.
Srs. Deputados, está à consideração esta questão. Pergunto, então, qual é a redacção que o PSD propõe agora, nesta sede.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, numa primeira formulação, para permitir o andamento da discussão, talvez se deva incluir esta questão logo no n.º 1 do artigo 32.º. Assim, onde se refere que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa" deverá acrescentar-se "bem como a protecção do segredo de justiça".
Pausa.
Tal como me lembra, e bem, o Sr. Deputado Barbosa de Melo, em princípio, segundo a proposta do Partido Socialista, já consta do n.º 1 a seguinte expressão: "incluindo o direito de recurso". Portanto, deveríamos tentar encontrar uma forma de encaixar na redacção esta referência: "incluindo o direito de recurso e a protecção do segredo de justiça".
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, o saldo do debate que fizemos aconselha a alguma cautela, porque (e ainda que não façamos finca-pé não gostaria de deixar de o dizer) a realidade do segredo de justiça é multifacetada, comporta diversas dimensões, e não se trata só de assegurar o direito de defesa.
O segredo de justiça não existe apenas por causa das preocupações de defesa e do processo equitativo; existe também por razões de eficácia, de impedimento da fuga, da distorção e da obtenção de informação que pode permitir liquidar as capacidades investigatórias e de apuramento da verdade. Ou seja, é essa dimensão complexa que torna difícil a regulação, em sede ordinária, dos momentos de transparência - necessários, aliás - para a efectivação de outros direitos, designadamente o nosso direito à informação enquanto cidadãos, o direito de a imprensa livre obter informação adequada, veiculá-la, comentá-la e discuti-la, etc. É deste mosaico de interesses contrapostos e conflituantes que resulta a boa regulação legal.
Portanto, "pendurar" - permita-me a expressão corriqueira- a regulação dessa matéria num número cujo programa normativo se circunscreve às garantias de defesa pode ser acarretar uma discussão.
Era tão-só esta prevenção que gostaria de fazer.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, em resposta a este esclarecimento do Partido Socialista, devo dizer que percebo parte da argumentação, embora seja evidente que se trata de uma questão de redacção, porque o texto poderá referir que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, bem como… E, então, neste caso, é já o processo criminal que assegura e não exclusivamente as garantias de defesa.
O Sr. José Magalhães (PS): * Ou seja, ampliava o programa normativo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Exactamente, Sr. Deputado. Em qualquer circunstância, quero reafirmar que, face ao "desafio" que o Sr. Presidente me lançou no sentido de fazer uma formulação em concreto, avancei com a hipótese do n.º 1 do artigo, mas é evidente que o PSD não faz finca-pé em incluir o acrescento necessariamente no 1.º do artigo.
Contudo, se da proposta inicial do PSD já só haverá receptividade, em termos práticos e úteis, para consagrar na Constituição o princípio da protecção do segredo de justiça em sede do processo criminal, convinha que tal fosse feito neste artigo com o destaque adequado.
Em suma, este acrescento pode ser feito no n.º 1, com alguma ampliação do seu conteúdo normativo, ou em número autónomo, não sendo essa a questão fundamental. O que nos parece é que há toda a vantagem, como já argumentámos a propósito da proposta do PSD relativa ao artigo 20.º, em aproveitarmos esta revisão constitucional para dar resposta àquela que tem sido, claramente, uma das formas gravosas para os cidadãos de negação do direito de justiça que lhes assiste, através da violação do segredo de justiça.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, embora esta questão tivesse ficado para discutir mais tarde, na altura tive oportunidade de afirmar que a inclusão do segredo de justiça no texto constitucional correspondia, em nossa opinião, ao fim e ao cabo, ao espírito de o absolutizar. E o segredo de justiça é uma instituição que, nos termos em que está consagrado no Código de Processo Penal, está em crise, porque excederá, em muitos casos,
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aquilo que é útil ao processo criminal, à acusação e à defesa. Aliás, tive ocasião de dizer que havia mesmo quem decidisse, e creio que há ordenamentos jurídicos que assim o estabelecem, que o magistrado do processo é quem define o que é abrangido pelo segredo de justiça.
Esta é matéria de lei ordinária e, por isso, não nos parece que deva ser incluída no texto constitucional, pelo que não encaramos positivamente esta proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, de harmonia com o que fomos dizendo ao longo do debate, estamos dispostos a considerar esta proposta desde que a sua inserção sistemática seja adequada e no seu conteúdo se tenha em atenção a realidade multifacetada do segredo de justiça, que, de resto, tem um valor perfeitamente instrumental e temporário, uma vez que não há segredo eterno no nosso direito criminal, e é bom que não haja.
Portanto, há que compatibilizar valores contraditórios.
O Sr. Presidente: * A Sr.ª Deputada Helena Santo pretende usar da palavra? Não é obrigada a fazê-lo, nem entenda isto como uma pressão.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): * Sr. Presidente não estive presente aquando da discussão e confesso que não consegui perceber exactamente qual a alteração proposta pelo PSD para ser enquadrada neste novo artigo.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, suponho que não poderemos avançar mais por agora. A proposta mantém-se, não é rejeitada liminarmente, mas também não encontra acolhimento. Há apenas duas posições definitivas: a do PSD, que a propõe, e a do PCP, que a rejeita.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 33.º, relativo à extradição, expulsão e direito de asilo.
Começamos pela proposta do PS, de alteração ao n.º 1, que é do seguinte teor: onde se lê "não são admitidas a extradição e a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional", o PS propõe que se acrescente "excepto nos casos de terrorismo e criminalidade organizada para Estado membro da União Europeia, quando exista reciprocidade".
Está aberta a discussão e, desde já, para fazer a apresentação desta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, sobre esta matéria o PS apresentou duas propostas e, apesar de estarmos agora a tratar da primeira, permita-me que faça duas observações de caracter genérico.
Em primeiro lugar, a Constituição, tal qual hoje se encontra redigida, resultou de um esforço comum de afeiçoamento, desde o momento originário até à última revisão constitucional, em que a questão foi equacionada e em que houve, de resto, mudanças e reinserções com um sentido positivo e partilhado com os diversos partidos. Hoje em dia, todos podemos dizer, reconhecendo-nos e não revelando diferenças assinaláveis, que este é um instituto - que é comum à generalidade dos Estados civilizados e, portanto, a todos os da União Europeia - cuja identidade se foi afirmando ao longo dos séculos. Nenhum Estado prescinde das suas prerrogativas nessa matéria e, obviamente, longe de nós acusarmos qualquer Estado que exerça os seus direitos face ao Direito Internacional de ser "porto de abrigo" de assassinos ou de ter, no exercício de prerrogativas de soberania legítimas, outra finalidade que não aquelas que decorrem deste instituto, tal qual está desenhado no Direito Internacional e no nosso direito interno.
Também, desde logo, a não extradição não pode equivaler a impunidade ou a incentivo à criminalidade, criminalidade que deve ser perseguida e reprimida de forma adequada. É por isso mesmo, aliás, que Portugal negociou, assinou e ratificou numerosos instrumentos internacionais sobre esta matéria, desde logo a Convenção Europeia de Extradição, em 1989, bem como outras convenções de extradição, algumas delas antiquíssimas, com múltiplos Estados. E esses mecanismos vêm funcionando.
Por outro lado, através de instrumento internacional e do direito interno (o que não é pouco importante face ao texto constitucional), clarificámos que determinadas actividades, por exemplo o terrorismo, em que, frequentemente, em determinadas ideologias, são invocadas entidades como tendo carácter político, nunca podem ser consideradas motivo político, fundamentador do accionamento dos mecanismos constitucionais.
Por outro lado, e em terceiro lugar, participamos nos esforços da União Europeia, no sentido de estabelecer entre os Estados membros regimes jurídicos e práticas que permitam que a circulação de criminosos não implique diminuição dos níveis de segurança.
Nesta matéria, se me é permitida uma síntese, verdadeiramente o que desejaríamos era "grau zero" de extradição, motivado por "grau zero" de delinquentes. Como isso, infelizmente, não é possível, trata-se de saber se o nosso regime constitucional deve ou não sofrer "obras". Ora, as "obras" que propomos decorrem, precisamente (no caso deste n.º 1 do artigo 33.º), do olhar que lançamos sobre a evolução da União Europeia e da criação de um espaço comum judiciário europeu.
É por isso, Sr. Presidente, que propomos que se quebre o princípio que tem constado do artigo 33.º da Constituição, que garante um direito absoluto à residência a cidadãos portugueses em casos de terrorismo e criminalidade organizada, desde que para Estado membro da União Europeia e desde que, como é natural, exista reciprocidade. É esse o objectivo que preside às negociações e movimentos em curso.
Questão que está por resolver e à qual a nossa proposta não dá resposta nesta sede, mas que pode resultar também da reflexão em curso na União Europeia, é a de saber se não deve existir extradição quando haja determinadas garantias, por parte dos Estados membros, de que não serão aplicadas determinadas penas que, entre nós, são consideradas proscritas ou não admissíveis.
Neste momento, não insistiria no aprofundamento dessa matéria, mas devo dizer que estamos disponíveis para considerar essa questão. Todavia, já não estamos disponíveis e a nossa consciência jurídica não se sente minimamente beliscada pelo facto de o Estado português não matar, nem empurrar para a morte nenhum ser humano e de ser absoluta a protecção da vida humana. Congratulamo-nos por, em Portugal, nenhum partido político ter propostas no sentido da restauração da pena de morte ou de uma inversão do caminho histórico percorrido nessa matéria.
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Portanto, não é isso que nos preocupa e, nessa matéria, não vemos qualquer razão para alterar o texto constitucional.
Em relação ao n.º 3, teremos ocasião de discutir que margens de flexibilização, além daquela que propomos no n.º 1, poderá ser sensato introduzir face à evolução da nossa construção europeia.
O Sr. Presidente: Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, sem embargo de fazer uma intervenção posterior sobre as questões mais genéricas que se colocam com as alterações a este artigo, pois penso que os n.os 1 e 3 têm, de algum modo, de ser vistos em conjunto, há um pedido de esclarecimento que queria, desde já, formular ao Sr. Deputado José Magalhães quanto a este n.º 1, em concreto.
É correcta a minha interpretação quando digo que a razão de ser desta proposta do Partido Socialista, quanto ao n.º 1, de restringir esta excepção à União Europeia deve-se ao facto de a construção europeia ter já, dentro de si, mais do que em gestação, a caminhar por si próprio, o conceito de cidadania europeia? Foi por isso que o PS optou por abrir esta excepção apenas para a União Europeia? Esta é a primeira parte da questão.
A segunda parte da questão, que com a primeira intimamente está ligada, prende-se com o seguinte: pensará ou não o PS, independentemente da bondade dessa lógica, que o que está aqui em causa é um princípio fundamental, essencial e, como tal, se é válido e se o podemos aceitar para a União Europeia, então ele também deve prevalecer para todo o tipo de situações, desde logo pelo internacionalismo que, hoje em dia, a criminalidade deste tipo está sujeita? Como é evidente, todos sabemos que, hoje em dia, o terrorismo e a criminalidade organizada não reconhecem fronteiras, sejam elas as nacionais, sejam as comunitárias! Portanto, esse é o problema a que temos de fazer face ou a que temos de dar resposta.
Não parecerá ao Partido Socialista que, independentemente da especificidade da constituição europeia e das responsabilidades acrescidas que temos nessa sede, nomeadamente por causa da constituição da cidadania europeia, essas mesmas preocupações também devem prevalecer para outro tipo de situações, atendendo a que os problemas que aqui estão em causa, da mesma forma que não são resolúveis em sede das fronteiras nacionais, também não o serão em sede de quaisquer outro tipo de fronteiras? Ou seja, o problema é exactamente o de saber se fere ou não os princípios que aqui estão em causa colocar fronteiras nesta norma.
Esta é a primeira questão.
O Sr. Presidente: Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que a questão que colocou é muito pertinente e abre um espaço de reflexão.
A razão que nos motivou a apresentar a proposta nos termos em que está formulada é pública e notória. Ou seja, há graus diversos de internacionalização e é óbvio que as discussões que estão em curso no âmbito da União Europeia e os debates que, de resto, estão associados à conferência intergovernamental, designadamente nos Conselhos de Ministros de Justiça e de Segurança Interna, dada a realidade que é a liberdade de circulação, a supressão de barreiras e, logo, a europeização da criminalidade e da delinquência europeia, todas elas, dizia, revelam como primeiro problema, como problema instante, como problema imediato, como problema, de resto, grave a questão da delinquência europeia e, portanto, a necessidade, a utilidade ou a relevância de tratar os Estados da União Europeia de imediato, em termos que permitam que, quanto a este tipo de infracções, que são especialmente graves e, diria, imperdoáveis, não haja este grau de protecção decorrente da garantia de residência no território português.
Quanto a outros Estados situados em outras distantes partes… Sendo certo que, quanto a estes e quanto aos demais, a proibição constante do n.º 3 valerá sempre. Refiro-me à pena de morte.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Já lá iremos!
O Sr. José Magalhães (PS): Portanto, excluído esse aspecto, deveremos equacionar a questão sem a mesma urgência. Mas somos sensíveis à análise que revela existir aí um problema de princípio, ou seja, uma bomba rebentada no centro de Nova Iorque não é menos grave do que uma bomba rebentada, por português - longe vá o agouro! -, em Dusseldorf ou em Hamburgo!
Compreendemos, portanto, a vossa preocupação e cremos que vale a pena alargar a discussão sobre essa matéria.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, não sei se me permite que faça, desde já e de certa forma, a discussão do n.º 1 em conjunto com o n.º 3 do artigo 33.º porque, pelo menos do ponto de vista do PSD, há alguns aspectos que se cruzam.
O Sr. Presidente: Se for necessário para a sua argumentação, Sr. Deputado, faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, quanto à questão do n.º 1, em especial, é evidente que, a partir do pedido de esclarecimento que formulei ao Partido Socialista, já se pode antecipar, na prática, a abertura que o PSD manifesta em relação à inclusão no texto constitucional da excepção, conforme ela vem formulada pelo Partido Socialista.
E, para além dela, exactamente porque entendemos que o que está em causa, em sede do artigo 33.º, são princípios fundamentais de protecção dos cidadãos portugueses e princípios fundamentais em abstracto do humanismo personalista, parece-nos evidente - uma vez que é intenção clara do projecto do Partido Socialista preservar intocável a essência desses princípios, apenas para atender a determinados problemas instantes que se colocam, hoje em dia, à sociedade portuguesa, à sociedade europeia e à sociedade mundial - que devemos procurar a abertura ou a formulação de excepções com um âmbito tão alargado quanto a eficácia do que desejamos alcançar o obrigue.
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Isto, desde que tenhamos a preocupação de preservar a essência dos princípios constantes do artigo 33.º.
Compreendo a posição do Partido Socialista quando diz que a construção e o aprofundamento da cidadania europeia tem de ter um reverso da medalha. É evidente que não podemos - só hipocritamente o faríamos! - estar a pugnar pelo aprofundamento da cidadania europeia e a exigir, cada vez mais, que esta seja uma Europa de cidadãos, em que a todos os cidadãos dos países europeus seja dada total liberdade de movimentação, de circulação, de aquisição de bens e por aí fora e, simultaneamente, no que respeita à prática de crimes, permitir que esses mesmos cidadãos se possam refugiar na sua cidadania nacional para ficar ao abrigo, desde logo, de qualquer tipo de perseguição e de punição pelas autoridades em virtude dos crimes que possam praticar, em nome dessa tal liberdade conquistada através da cidadania europeia!
Isso parece-nos evidente, mas o problema e as preocupações subsistem, nomeadamente quando o Partido Socialista dirige a sua proposta a uma tipologia clara de crimes, crimes esses que são, de facto, de uma gravidade excepcional e extraordinária, como é o caso do terrorismo e da criminalidade organizada, em virtude do carácter transfronteiriço que assume, hoje em dia, este tipo de criminalidade. E, se assim é, não vale a pena estarmos a criar mecanismos constitucionais que, longe de resolverem o problema, apenas dão um sinal mas com alguma inconsequência no objectivo último.
Congratulo-me que haja abertura do Partido Socialista para equacionar essa questão em conjunto connosco, de forma a que esta matéria possa ser vista num contexto mais alargado, que não apenas aquele que decorre da cidadania europeia.
Sr. Presidente, se me permite, faria agora a ligação ao n.º 3 do mesmo artigo 33.º.
Fundamentalmente, no n.º 1 do artigo 33.º, o que se faz é colocar à cabeça uma protecção maior para o cidadão português. Mas, no n.º 3 do mesmo artigo, também o problema da extradição por crimes é condicionado objectivamente, em termos materiais, pela tipologia de penas que é aplicável a estes crimes. Portanto, as questões têm que ser equacionadas em conjunto.
Assim, não vale a pena estabelecermos que é permitida a extradição de cidadãos nacionais por crimes de terrorismo se não equacionarmos, desde logo, a questão que o n.º 3 vem colocar e que é uma realidade: em muitos dos países para os quais essa extradição poderia ter lugar, este tipo de crimes - claramente o terrorismo e a criminalidade organizada - é objecto de uma tipologia de penas que vai para além daquela que é actualmente a previsão do artigo 3.º da Constituição.
Nesse sentido, desde já lançava uma proposta, com alguns contornos mas, obviamente, sem pretender que eles sejam totalmente rígidos, para que se equacionasse genericamente (e teríamos de encontrar uma fórmula que abrangesse conjuntamente os n.os 1 e 3), mantendo os princípios que constam actualmente dos n.os 1 e 3, relacionados com a defesa humanística, quer dos cidadãos portugueses quer, em abstracto, de todos os cidadãos face à penosidade - passo a expressão - ou à desumanidade de algum tipo de penas, a possibilidade de consagrarmos constitucionalmente a possibilidade destes princípios serem afastados quando exista e esteja presente…
O Sr. José Magalhães (PS): Quais princípios? O do n.º 1, o do n.º 3, ou os dois?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os dois, Sr. Deputado! Se é certo que o n.º 1 vai mais longe do que o n.º 3, porque se o cidadão não for português apenas em caso de pena morte é que a extradição não será possível, estava a tentar juntar estes dois princípios e formular um texto constitucional que excepcione a impossibilidade de extradição, desde que esteja vigente uma convenção internacional que expressamente proíba… - aliás, mais adiante veremos que quer o Partido Comunista quer o Partido Socialista propõem que se acrescente aqui, à proibição da pena de morte, também as penas perpétuas.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, o Partido Socialista não o faz!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nesse caso, vi mal, Sr. Presidente. De qualquer forma, penso que poderá retirar-se, indirectamente, do conceito de "penas cruéis, degradantes ou desumanas" também essa lógica…
O Sr. Presidente: Não, não!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, a perpetuidade não está aqui em causa?
O Sr. António Filipe (PCP): De acordo com a interpretação do Sr. Deputado José Magalhães, pareceu-me que sim!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também fiquei com essa ideia…
O Sr. José Magalhães (PS): Eu não me pronunciei sobre o n.º 3 do artigo 33.º, Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: Claramente, a referência a "penas cruéis, degradantes ou desumanas" consta do n.º 2 do artigo 25.º.
O Sr. José Magalhães (PS): Exacto!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mas noutra sede da nossa discussão…
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Deputado, desculpe, mas tive o cuidado de não me referir ao n.º 3.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não está no programa normativo da proposta do PS abranger a pena perpétua.
O Sr. António Filipe (PCP): Não está, Sr. Presidente, mas creio ter ouvido na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães uma referência à posição do PS relativamente a essa questão.
O Sr. José Magalhães (PS): Não, não ouviu ou, aliás, se ouviu, ouviu mal!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De qualquer maneira, Sr. Presidente, é assim que o Partido Social
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Democrata entende esse preceito, até porque noutra sede da Constituição - como o Sr. Presidente sabe melhor do que qualquer um de nós - , retiramos um princípio geral que inibe a possibilidade de perpetuidade das penas, na medida em que se refere que o direito de liberdade não pode ser inibido de uma forma perpétua.
Portanto, a nossa proposta é que o texto constitucional preveja uma excepção à não extradição por crimes quando esteja vigente uma convenção internacional que expressamente proíba ou comuta a aplicação de pena de morte ou de pena de prisão perpétua a esses casos. E, mais adiante, também podemos equacionar se esta previsão se restringe a uma tipologia exacta de crimes ou a todos eles.
Todavia, preferia que primeiro tentássemos reflectir em conjunto, no plano dos princípios, para só depois passarmos à formulação concreta, a possibilidade de obviar a situações concretas que todos conhecemos. Ou seja, há que prevenir que Portugal se transforme - por vezes, somos injustamente acusados por alguma imprensa internacional disso mesmo - num recanto para onde se podem refugiar alguns criminosos internacionais, com a certeza de, através da Constituição Portuguesa, poderem beneficiar de alguma protecção acrescida face a crimes que cometeram.
Para já, numa primeira ronda de intervenções, gostava de ouvir se há ou não receptividade da parte do Partido Socialista a esta proposta do PSD, que vai no sentido de permitir a extradição, com o âmbito e o alcance que referi, isto é, desde que tenha sido negociada e esteja em vigor uma convenção internacional, bilateral ou multilateral, que expressamente salvaguarde a não aplicação de pena de morte, nesses casos, a esses cidadãos que são extraditados, sejam eles portugueses ou não. Enfim, se for ou não um crime de terrorismo, conforme propõe o Partido Socialista.
Mais à frente, também poderemos ver se o Partido Socialista concorda com a pena perpétua, porque esse problema também se coloca aqui.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está em apreciação a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes
Entretanto, o Sr. Deputado António Filipe já se tinha inscrito para usar da palavra.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, creio que tínhamos vantagem em separar a discussão do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 33.º.
O Sr. Presidente: Também me parece, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): Aliás, a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, complexificando a questão relativamente ao n.º 3, aponta nesse sentido, isto é, para a conveniência de os discutirmos separadamente.
Posto isto, iria pronunciar-me, como observação e, também, como interrogação, em relação à proposta do PS para o n.º 1 do artigo 33.º.
Esta proposta incide sobre uma disposição que estabelece: "Não são admitidas a extradição e a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional". Esta é uma regra que o Partido Socialista mantém, apenas lhe abrindo uma excepção. E creio que há boas razões para manter esta regra.
De facto, relativamente à expulsão a questão é claríssima, porque não estou a ver que o Estado, particularmente o Estado português, possa decidir relativamente a alguns dos seus cidadãos que "este ou aquele não presta, vamos metê-lo na fronteira, em Espanha, ou vamos mandá-lo para uma ilha recôndita"! Portanto, a questão da expulsão manifestamente não se coloca.
Já quanto à extradição, a generalidade dos países do mundo aponta no sentido da não extradição dos respectivos nacionais. Socorrendo-me de um manual e de bibliografia vária para preparar esta discussão, tive oportunidade de saber que, em todo o mundo, apenas três países admitem extraditar os seus nacionais - os Estados Unidos, a Itália e a Grã-Bretanha -, e, mesmo assim, sob reserva de reciprocidade. Portanto, por vezes parece inculcar-se na opinião pública a ideia de que só países como a Líbia é que não extraditam os seus nacionais, o que, de facto, não é verdade. A generalidade dos países do mundo não o faz.
Creio, por isso, que Portugal está bem acompanhado ao manter este princípio, mas sempre de acordo com a ideia de que a não extradição não significa impunidade. Aliás, nesse aspecto, concordo plenamente com o que o Sr. Deputado José Magalhães disse.
Contudo, se é verdade que compreendo esta regra, já não compreendo a razão de ser da excepção que o Partido Socialista aqui propõe, porque se é verdade que a não extradição não quer dizer impunidade, tal deveria valer para qualquer país, incluindo os países da União Europeia. De facto, não vejo o que é que um crime praticado por um português num país da União Europeia tem de diferente do mesmo crime praticado por um português em país que não o seja, isto é, na Suíça, na Noruega, no Canadá ou em qualquer outro país que não pertença à União Europeia!
Portanto, não entendo esta excepção de outra forma que não seja o excesso de zelo europeísta com que o PS e o PSD mais uma vez nos querem brindar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não o PSD!
O Sr. António Filipe (PCP): O PSD parece ter aderido a esta ideia de abrir uma excepção relativamente aos países da União Europeia. Pelo menos, foi o que me pareceu da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu disse o contrário, Sr. Deputado! Se o que está aqui em causa é o carácter transfronteiriço destes crimes, então não faz qualquer sentido "tirar a fronteira daqui para a pôr ali"! Pelo contrário, há que acabar com a fronteira.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Deputado, nesse caso, devo dizer que concordo parcialmente consigo. Isto é, concordo que não deve haver uma relevância diferente relativamente ao mesmo acto praticado em países da União Europeia ou em países não membros da União Europeia, mas a minha opinião é que deve manter-se, de facto, a regra da não extradição de nacionais. E, neste ponto, já discordo da sua posição.
De qualquer modo, a verdade é que não tinha compreendido, de facto, o sentido exacto da intervenção que proferiu, portanto fez bem em interromper.
Creio, no entanto, no que respeita à redacção deste n.º 1 do artigo 33.º, se esta regra poderia fazer sentido
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em relação à extradição, não o faz, manifestamente, no que respeita à expulsão. Assim, a segunda parte que o PS propõe, isto é, que se adite uma excepção, terá de ressalvar a expulsão, na medida em que não se compreende "por alma de quem" é que se poderia expulsar um cidadão nacional para um país da União Europeia, a não ser por extradição caso ela fosse constitucionalmente admitida!
O sentido geral da nossa posição relativamente a esta proposta é, pois, o de não compreender o tratamento de excepção que é dado aos países da União Europeia nesta matéria.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, apenas queria acrescentar um comentário em relação à questão da não punibilidade das pessoas nos casos que aí vêm admitidos, como o terrorismo… Suponho que ficou a ideia, pelo menos o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu que as pessoas ficariam impunes, que os cidadãos portugueses viriam acolher-se aqui…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi exactamente o que eu disse, Sr. Deputada!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, peço-lhe que me explique melhor a sua posição, porque tinha uma intervenção a fazer sobre esta questão concreta.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, sou bastante liberal, mas começo a penitenciar-me pelo meu excessivo liberalismo quanto a este diálogo!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, sem entrar em diálogo, queria chamar a atenção dos Srs. Deputados para o facto de a lei penal portuguesa prever que seja exercida acção penal contra crimes cometidos no estrangeiro em variadíssimos casos. Por exemplo, os crimes de terrorismo, de tráfico de pessoas, nomeadamente de menores, bem como muitos outros que estão previstos no artigo 5.º do Código Penal.
Ao fim e ao cabo, esta previsão acaba por ser um abdicar da soberania do Estado português nessa matéria, deixando de poder exercer a acção penal em relação a um leque bastante amplo de crimes. É que, mesmo os crimes mais graves, quando cometidos no estrangeiro, podem ser perseguidos penalmente pelos tribunais portugueses.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, continua em aberto a discussão no n.º 1. Do artigo 33.º
Para fazer o ponto da situação, diria que se colocou aqui a questão da admissão de uma excepção quanto à extradição, naturalmente - não é necessário o Sr. Deputado António Filipe criar "fantasmas" a esse respeito! -,ou seja, a admissão da extradição de portugueses nos casos de terrorismo e de criminalidade organizada. Convém, no entanto, conhecer o âmbito dessa excepção: o PS propõe que se limite aos Estados da União Europeia, mas o Sr. Deputado Luís Marques Guedes questionou esta restrição e sugeriu, expressamente, que ela seja excepcionada em geral, ressalvado o princípio da reciprocidade, claro.
Pareceu-me que os Deputados do PCP apenas questionaram a questão da restrição à União Europeia e não a questão da excepção.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, tive oportunidade de me referir, num diálogo que mantive com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que a posição do PCP é a de que deve manter-se a regra tal como ela existe no texto constitucional actual.
O Sr. Presidente: A discussão mantém-se em aberto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, após esta primeira ronda de intervenções e aproveitando o esforço do Sr. Presidente para que avancemos com algumas sínteses daquilo que podemos dar por adquirido, da parte do PSD gostava de deixar claro o seguinte: somos sensíveis ao reparo do Partido Comunista no sentido de que a redacção deste n.º 1 tem de ser mais cuidada para que a excepção que aqui queremos contemplar diga respeito, quando muito, à extradição e não à expulsão. Portanto, há que haver esse cuidado na redacção desta disposição.
O PSD está receptivo e vê com bastante simpatia a introdução de um novo texto que permita a excepção desta proibição de extradição de nacionais quando exista reciprocidade no seio de uma convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade organizada. Mas, do nosso ponto de vista, isso não basta porque, como referi - e daí a ligação ao n.º 3. -, é evidente que na esmagadora maioria dos casos, exactamente pela fasquia elevada que estes crimes assumem, na generalidade dos países para onde essa extradição possa ocorrer, estes crimes serão penalizados de uma forma que, potencialmente, pode violar quer o princípio da não admissibilidade da pena de morte quer o princípio constante do artigo 30.º da Constituição que, indirectamente, penso eu, proíbe a pena de prisão perpétua, ao estabelecer que não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas de liberdades com carácter perpétuo ou de duração ilimitada.
No fundo, o que pensamos é que a redacção desta norma deve ter em conta essas duas realidades.
Por um lado, para que a extradição possa ter lugar, concordamos com os cuidados do Partido Socialista, no sentido de que a mesma terá de ocorrer com base numa convenção internacional que pretenda combater os crimes de terrorismo e a criminalidade organizada, mas entendemos que ela não deve ser restrita (embora entendamos a lógica que presidiu à proposta do Partido Socialista) ao espaço fronteiriço da União Europeia, porque tal iria frustrar o objectivo louvável da excepção em si.
Por outro lado, quando se refere que essa excepção pode ter lugar com base numa convenção internacional, deve ficar claro que essa convenção internacional tem de salvaguardar expressamente a não aplicação a esses casos nem de pena de morte nem de pena de prisão perpétua.
Portanto, se me fiz entender, Sr. Presidente, é a partir deste complexo de garantias a observar na redacção que iremos formular que o Partido Social Democrata dá a sua abertura e vê com simpatia esta proposta.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para o PS a admissão da excepção no n.º 1 não põe em causa o n.º 3, seja lá o que for que ele venha a estatuir. Para já, só se proíbe aí a extradição em caso de pena de morte.
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Nós propomos o acrescento de "pena cruel, degradante ou desumana"; se se acrescentar a prisão perpétua, o que constar do n.º 3 aplica-se ao n.º 1!
Portanto, a excepção que se abre para os cidadãos…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Obviamente, louvo-me nos conhecimentos técnicos brilhantes do Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: Nós não temos dúvidas em esclarecê-lo, Sr. Deputado. A excepção que abrimos à regra do n.º 1, de extradição de portugueses em certos crimes (de terrorismo e criminalidade organizada), em caso de reciprocidade, seja ou não limitada à União Europeia, não implica desaplicação do n.º 3. Aliás, o n.º 3 aplica-se aí por maioria de razão: se se aplica à extradição de estrangeiros, também se aplica à extradição de portugueses! Isto é, manter-se-á a proibição de extradição se no caso couber pena de morte, ou - como propomos - pena cruel, degradante ou desumana.
Portanto, a ligação entre os n.os 1 e 3 está adquirida, não apresentámos qualquer excepção nesse ponto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me permite, para que não fique a "descoberto" o que há pouco foi citado pelo Sr. Deputado António Filipe, gostaria de acrescentar por que é que o PSD não concorda com ele.
O Sr. Deputado António Filipe falou de alienação de soberania mas, com o devido respeito, na formulação do PSD não há qualquer perda de soberania, porque essa soberania tanto se exerce através dos tribunais judiciais nacionais, como através da negociação e da adesão a convenções internacionais.
Portanto, que não se atire para o ar essa preocupação de protecção de soberania, como quem diz: "Estas propostas implicam uma alienação da nossa soberania"! Mas a soberania também se exerce - essa é a proposta que gostaríamos de ver acolhida - se ficar salvaguardado que essa excepção só ocorrerá quando esteja expressamente prevista numa convenção internacional, à qual o Estado português tenha dado a sua adesão. Como é evidente, isso também é uma afirmação de soberania.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, parece inevitável não encerrar a discussão do n.º 1 sem passar ao n.º 3.! Passaríamos, então, à discussão do n.º 3, do artigo 33.º, com as proposta do PS e do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, se me permite, gostava de responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, creio que não coloquei a questão nos termos em que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes a entendeu. Com efeito, não me referi, propriamente, a limitações de soberania; o que eu disse foi que o Estado português, ao celebrar uma convenção, está a fazê-lo no uso de poderes soberanos, embora entenda que o Tratado da União Europeia implica, de facto, limitações graves à nossa soberania. Mas o que está em causa é o facto de Portugal reservar ou não para si o exclusivo dos julgamento dos seus próprios nacionais.
É evidente que a celebração de um tratado internacional não implica perda de soberania, por isso a questão coloca-se em termos algo diversos, isto é, se Portugal deve ou não reservar para si, como faz a esmagadora maioria dos países do mundo, o direito de julgar os seus próprios nacionais. É disso que estamos a falar no caso do n.º 1.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado António Filipe, permita-me dizer que isso se passa em troca de julgar os estrangeiros em condições de reciprocidade. Digamos que é ela por ela, por isso não vejo qual é o problema!
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, estamos a falar de extradição!
O Sr. Presidente: Exacto, Sr. Deputado, mas como isso se passa em condições de reciprocidade, o que se propõe é que Portugal abdique de julgar os seus cidadãos nestes casos de terrorismo e criminalidade organizada, ganhando direitos de julgar os estrangeiros que cometam cá esses crimes. Esse é que é o problema!
Pergunto ao Sr. Deputado se é mais importante Portugal ganhar o direito de julgar os seus nacionais e os estrangeiros por crimes de terrorismo, criminalidade organizada praticados cá…?
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, defendendo esse princípio, o PSD defende-o mais coerentemente, porque o faz em relação a todos os outros países!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não misture as coisas!
O Sr. José Magalhães (PS): Cada qual é livre de elogiar quem quiser, naturalmente!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado António Filipe, já esclarecemos que essa questão do âmbito é uma segunda questão, não a primeira! A primeira é a admissão da excepção e do princípio da reciprocidade, a segunda é o âmbito em que admitimos a excepção e o princípio da reciprocidade. O Sr. Deputado ora utiliza uma, ora utiliza outra para argumentar cada uma delas separadamente!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, se me dá licença, o julgamento de estrangeiros em Portugal por estes crimes é possível. Está previsto na legislação ordinária,…
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, é possível se eles estiveram cá! Mas não é possível pedir a extradição se eles tiverem fugido.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … mais concretamente no artigo 5.º do Código Penal.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, não se faça de desentendida. Se for praticado um crime em Portugal e se o seu autor estiver no país de origem, não o poderemos julgar, nem poderemos obter a sua extradição, a não ser através desta excepção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E tem de haver reciprocidade, Sr. Presidente!
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O Sr. Presidente: Assim, se um estrangeiro cometer um crime de terrorismo ou um crime organizado em Portugal e não for encontrado cá por já se encontrar no seu país, só temos meio de o julgar em Portugal através desta excepção que propomos, isto é, admitindo que o país, a quem queremos julgar o nacional, também possa julgar os nossos se eles tiverem cometido um crime lá e forem encontrados cá. Essa é que é a questão.
Se a Sr.ª Deputada não admite esta reciprocidade….
O Sr. António Filipe (PCP): Na União Europeia!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, não me venha outra vez com essa! Deixe a questão do âmbito para um segundo momento, porque essa não é a questão essencial!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, só que, por acaso, a lei penal estabelece que isso é possível quando seja admitida a extradição e esta não possa ser concedida, em relação aos estrangeiros.
O Sr. Presidente: É exactamente disso que estamos a tratar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas pode ser julgado cá, mesmo que esteja lá fora, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): Se o Direito Constitucional do Estado onde ele está autorizar tal coisa, que é precisamente o que estamos a discutir.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quando não possa ser concedida a extradição.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, é ridículo dizer que ele pode ser julgado cá se ele está lá e não é extraditado. Qual é o problema de o julgar cá? Julgado é, mas com que efeito? Isso seria brincar com a justiça internacional!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, queria dizer que, deste ponto de vista, o debate parece-nos bastante concludente. O que está em causa - nós estamos cientes disso, honraremos as nossas obrigações internacionais e as discussões que estão em curso, precisamente, entre os Estados membros da União Europeia, no plano imediato (deixo em aberto a questão que foi equacionada, de alargamento a Estados terceiros ou a outros Estados) - é um processo global e concertado de alteração dos ordenamentos constitucionais e do direito ordinário para que entre os Estados membros seja possível fazer processos de extradição dos seus cidadãos nacionais em determinadas condições e para determinados casos graves.
Tal implicará que Portugal passe a poder julgar um terrorista alemão, francês, italiano ou de qualquer um dos outros Estados membros da União Europeia que ponha uma bomba em Lisboa e fuja para Hamburgo, naturalmente, ou para o seu Estado de origem, aí permanecendo. E, se podermos dar esta garantia de reciprocidade no nosso Direito Constitucional, os nossos cidadãos poderão, eventualmente, nessa situação extrema, que não nos merece nenhuma simpatia mas, sim, todo o horror e todo o repúdio, ser julgados por um outro Estado, que é um Estado membro da União Europeia, com garantias de defesa dos direitos humanos, com garantia do contraditório, da defesa e de outros direitos. E Portugal ganhará o direito de fazer exactamente o mesmo.
Em segundo lugar, a extradição nunca é um processo automático. A extradição é sempre um processo em que determinadas garantias, de carácter substantivo e procedimental, têm de ser respeitadas; em que há uma intervenção administrativa, por um lado, e uma administração jurisdicional, por outro lado, em diversos matizes e em que, portanto, ninguém é posto do outro lado da fronteira para ser entregue a um "carrossel da morte". Isso nunca!
Creio que este ponto põe a nossa proposta dentro dos seus limites naturais e nunca a discutiremos noutros termos.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em resultado desta intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, chamava a atenção para o seguinte: embora seja importante, não é decisivo para o conteúdo útil do texto a redigir o que o Sr. Deputado José Magalhães referiu como "ser julgado num outro Estado membro com todas as garantias, salvaguarda dos direitos humanos…". Na proposta que o PSD apresenta de alargamento do âmbito, essa é uma aferição que será feita pelo Estado português, em cada caso, quando firmar a tal convenção internacional.
É evidente que Portugal não firmará uma convenção internacional, permitindo esta excepção à não extradição de cidadãos nacionais, com países relativamente aos quais desconfie ou tenha menos segurança de que, depois, no julgamento desses cidadãos, possam postergar esses direitos. Quanto aos Estados da União Europeia já temos por adquirido a salvaguarda desses direitos, mas é evidente que a formulação do texto não prejudica essa cautela se condicionar a extradição à vigência de uma convenção internacional.
O Sr. José Magalhães (PS): Claro!
Se me permite, Sr. Presidente, esse é um problema colocado pelo cenário "extradição para qualquer país do mundo", cenário que, obviamente, não estava contemplado na nossa proposta originária. Com efeito, no nosso cenário originário, em relação aos quinze Estados membros não se coloca esse problema, mas poderá vir a colocar-se num cenário alargado.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos passar ao n.º 3, com as propostas do PS e do PCP, de alargamento das excepções à admissão de extradição, de estrangeiros, obviamente, que é o conteúdo originário, ou também, no caso de alargamento do n.º 1, dos nacionais.
Assim, onde se lia "Não há extradição por crimes a que corresponda pena de morte, segundo o direito do Estado requisitante", o PS propõe que se acrescente "pena de morte ou pena cruel, degradante ou desumana", que é a fórmula que consta do n.º 2 do artigo 25.º.
Por sua vez, o PCP propõe que se acrescente "pena ou medida de segurança privativa ou restritiva de liberdade de carácter perpétuo, de duração ilimitada ao indefinida, ou qualquer outra pena que viole o direito à integridade moral e física das pessoas".
Obviamente, há uma grande diferença de amplitude entre as duas propostas. Começo por dar a palavra aos respectivos proponentes, para as apresentarem e justificarem, se o entenderem necessário.
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Para começar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, esta nossa proposta merece as seguintes considerações: estamos cientes e bem cientes, como resulta da discussão que travámos, dos problemas que se suscitam à sombra do n.º 3 do artigo 33.º.
Tive, aliás, o cuidado de começar por sublinhar quanto nos congratulamos por, na realidade portuguesa, não haver nem um Deputado - menos ainda, seguramente, 150! - que adiante sugestões de restauração da pena de morte ou a postergação da norma constitucional que faz parte de um determinado património e lança as suas raízes muitíssimo longe na nossa história. Felizmente, isso não nos divide.
Felizmente também, entre nós a discussão não se faz nesses termos, pelo menos não se tem feito aqui, no Parlamento, e é inteiramente irrelevante que se faça noutros termos. É inteiramente lícito pensar o contrário, mas congratulamo-nos com o facto de aqui, nesta Comissão, essa corrente de opinião não ter tido voz activa.
A experiência - designadamente o Tribunal Constitucional tem vindo a interpretar esta norma em termos de ela abranger também a prisão perpétua - coloca um problema e, para esse problema, a proposta adiantada, um pouco em amálgama, a propósito do n.º 1, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes não dá resposta.
A necessidade possível de flexibilização desta norma, que ponderaremos seriamente, resulta do seguinte: há Estados requerentes que, embora não sob a forma de convenção internacional, forma essa que é considerada excessivamente exigente por esses Estados e, aliás, não plástica, uma vez que, versando sobre casos concretos, faz pouco sentido ou é difícil que se celebre uma convenção internacional para resolver o problema concreto de um cidadão, e resolvê-lo de forma abstracta pode ser difícil. Mas, dizia, certos Estados têm vindo a oferecer garantias consideradas suficientes e idóneas pelo Estado português de que a pena de prisão perpétua será comutada (figura que tem contornos muito específicos e muito concretos) ou, como outra hipótese, substituída por uma pena de duração limitada (realidade um pouco mais difusa, mas que oferece contornos ainda razoavelmente limitáveis) ou, em alguns casos, por outros meios, muito distintos dos que existem na ordem jurídica portuguesa, que conduzem à não execução in totum da prisão perpétua, restringindo-a, portanto, para limites que não permitem confundi-la com a verdadeira e própria prisão perpétua.
Provavelmente, seria prudente aditar a este preceito - não o fizemos ad inicio, mas estamos sempre a tempo de o fazer - alguma coisa que dissesse isso mesmo, isto é, em caso de prisão perpétua, havia que permitir exceptuar os casos em que o Estado requerente desse garantias ao Estado português, garantias consideradas suficientes, de que a pena de prisão perpétua seria comutada, substituída por pena de prisão de duração limitada ou, por qualquer outra forma, não executada.
Alerto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que uma forma desse tipo é bem mais "plástica" do que aquela que exigisse um "estalão" convencional e uma forma convencional específica para conseguir, caso a caso, este objectivo que é, em si mesmo, meritório e flexibilizador.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe..
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, em boa verdade, aquilo que mais distingue a redacção da proposta do PS da do PCP é o facto de na do PCP se fazer referência expressa à não extradição nos casos em que o crime corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de prisão perpétua. E, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, houve uma decisão do Tribunal Constitucional, num caso conhecido, em que, de facto, se renegou a extradição por um crime a que no Estado requisitante correspondia a pena de prisão perpétua.
Sendo essa a diferença, não compreendo por que é que a proposta do Partido Socialista se refere expressamente "ao menos" e não "ao mais", isto é, alude a "penas cruéis, degradantes ou desumanas", mas não se refere expressamente à pena de morte, a menos que…
O Sr. Presidente: À pena de morte?!
O Sr. António Filipe (PCP): Peço desculpa, a proposta do Partido Socialista refere-se à pena de morte e às penas cruéis, degradantes ou desumanas, mas não se refere…
O Sr. Presidente: O Sr. Deputado considera mais grave a prisão perpétua do que cortar uma mão?
O Sr. António Filipe (PCP): Não, Sr. Presidente. Aliás, gostava de pedir aos Srs. Deputados do Partido Socialista que precisassem, exactamente, o sentido destas três expressões, a menos que se entenda que a prisão perpétua não é uma pena cruel!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, já lhe disse que a expressão "penas cruéis, degradantes ou desumanas" consta do n.º 2 do artigo 25, desde sempre, votado, aliás, pelo PCP. Ela faz parte da densificação iluminista, desde o século XVIII e, portanto, é perfeitamente insólita a dúvida que tem sobre a densificação disso!
O Sr. António Filipe (PCP): Gostava de perguntar aos Srs. Deputados do Partido Socialista se não consideram…
O Sr. Presidente: Desde Beccaria que se sabe o que são penas cruéis infamantes ou degradantes! São aquele tipo de penas que ainda hoje são aplicadas, por exemplo, nos países árabes: as de cortar as mãos às pessoas, as de cortar a língua e por aí adiante.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, da leitura que faço do projecto de revisão do Partido Socialista, estava convencido que nessa redacção se pretendia abranger também a prisão perpétua, na medida em que não vejo maneira de não a considerarmos pena cruel.
Em todo o caso, pedia aos Srs. Deputados do PS que precisassem o sentido dessa expressão, porque o Sr. Deputado José Magalhães fez referência a uma outra proposta, até à data inexistente, que o Partido Socialista estaria a ponderar e cuja articulação com a proposta que temos em cima da mesa não percebi muito bem.
O Sr. Presidente: Foi em resposta à sugestão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
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O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, não percebi se a ideia era abandonar a proposta inicial do PS e refazer uma outra, naquele sentido expresso - embora não de uma forma muito precisa - pelo Deputado José Magalhães. Creio que era importante esclarecer este ponto para nos podermos pronunciar sobre ele.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado António Filipe, o Sr. Deputado José Magalhães estava a responder a uma sugestão que foi feita, na primeira parte, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Não sei que perplexidade é que isto lhe causa?
O Sr. António Filipe (PCP): Então, vou exprimir claramente a minha perplexidade, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, gostava de saber, claramente, qual é a posição dos Srs. Deputados do Partido Socialista relativamente à proposta do PCP de incluir expressamente a prisão perpétua neste n.º 3 do artigo 33.º.
Em segundo lugar, pareceu-me que o Sr. Deputado José Magalhães estava a tentar esboçar uma proposta, mas não percebi muito bem onde é que ela parava! De facto, ouvi uma determinada evolução, mas não percebi muito bem qual era a proposta em concreto e, naturalmente, é sobre ela que temos de nos pronunciar. Aliás, o Sr. Deputado tem o ónus de nos convencer da bondade dessa proposta!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado António Filipe, dei-lhe a palavra para apresentar a proposta do PCP por isso, já agora, esclareça-me o que significa a expressão "qualquer outra pena que viole o direito à integridade moral e física das pessoas". É que essa expressão ainda não está na Constituição!
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, admito perfeitamente que a expressão "penas cruéis, degradantes e desumanas" cobre a realidade que nós pretendíamos exprimir com essa formulação e, portanto, não faço questão nela.
Creio que importava aqui reflectir sobre a prisão perpétua, isto é, sobre se a devemos incluir ou não nesta norma.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, deve haver alguma razão, e gostava de ser esclarecida nesse sentido, para que o Partido Socialista omita a impossibilidade de extradição no caso da prisão perpétua, uma vez que, em 1994, naquela revisão constitucional que não chegou ao fim, a propósito deste mesmo artigo 33.º foi apresentada e defendida uma proposta de alteração pelo actual Ministro da Justiça que incluía a proibição de extradição no caso da prisão perpétua e das penas de duração ilimitada ou indefinida, proposta essa que foi então brilhantemente defendida!
Tanto mais que, depois de o Supremo Tribunal de Justiça ter dado uma interpretação restritiva aos impedimentos de extradição, o Tribunal Constitucional decidiu que também no caso das penas perpétuas não haveria possibilidade de extradição. Gostava, pois, de ser esclarecida sobre os motivos que levaram o Partido Socialista a alterar a sua posição.
O Sr. Presidente: Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a questão que quero colocar prende-se com a exposição do Dr. José Magalhães sobre a proposta do Partido Socialista quanto a este n.º 3 do artigo 33.º.
O Sr. Deputado José Magalhães falou no caso de serem concedidas garantias julgadas suficientes por parte do Estado Português relativamente à não aplicação da tipologia de penas que constar deste número - e penso que não vale a pena discutirmos isso agora. Ora, a questão que coloco é a seguinte: o instrumento típico das relações internacionais entre Estados são as convenções, sejam elas bilaterais ou multilaterais, e, numa matéria tão importante como esta, parece-nos que essas garantias devem ser institucionalizadas e acordadas naquele que é o plano mais comum e mais adequado, o das convenções.
Não é por acaso que coloco esta questão, Sr. Deputado José Magalhães. Como sabe, um exemplo típico do problema que aqui estamos a discutir tem a ver com a decisão que o Tribunal Constitucional já formulou quanto ao entendimento que havia entre as autoridades portuguesas e as autoridades chinesas para a extradição de cidadãos chineses que se encontravam em Macau e cuja extradição era solicitada pela República Popular da China. Ou seja, durante algum tempo, vigorou - passo a expressão - essa prática das autoridades portugueses aceitarem garantias julgadas suficientes das autoridades chinesas. Só que essa prática veio a ser posta em causa pelo Tribunal Constitucional, desde logo alegando que o texto constitucional não dava abertura para tal. Ora, é evidente que, e não vale a pena o Sr. Deputado José Magalhães explicá-lo, se nós dermos agora este passo, o texto constitucional passa a dar abertura expressa para tais práticas.
Contudo, a razão de ser da formulação desse acórdão do Tribunal Constitucional teve a ver, também, com a "impropriedade" - passo o termo - desse tipo de garantias. Elas não devem ser garantias "atituladas", pois há vantagem que, numa matéria tão importante como esta, elas passem a constar de convenções, sejam elas bilaterais ou multilaterais, que constituem o instrumento de relacionamento internacional entre Estados soberanos por excelência.
O Sr. Presidente: Para responder às questões formuladas pelos Srs. Deputados Odete Santos e Luís Marques Guedes, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, as questões são de tipos muito diversos.
Em primeiro lugar, devo dizer que a nossa posição de fundo não se alterou, ou seja, hoje em dia, a hermenêutica do artigo 33.º, na qual nos reconhecemos, não vislumbra qualquer possibilidade de extradição em casos de prisão perpétua. E, sobre isso, nem queremos suscitar dúvida alguma. Aliás, suponho que "cavar" dúvidas sobre essa questão não é, propriamente, uma militância bastante meritória em defesa da causa em questão. Enfim, é uma questão de gosto e de sentido de estratégia.
Portanto, o facto de não utilizarmos exactamente a mesma redacção, face às referências do Tribunal Constitucional, não implica que não tenhamos a mesma ideia. Temos a mesma ideia!
Em segundo lugar, até temos uma proposta de acrescento na redacção que resulta do n.º 3. Agora de duas
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uma: ou esse acrescento reúne consenso constitucional, ou não reúne consenso constitucional! Seguramente, não podemos ditar esse resultado ao PSD e aos outros partidos, e não o faremos naturalmente! Portanto, militando pelo mérito da nossa proposta, aceitaremos o resultado da discussão que aqui fizermos.
Em função disto, coloca-se uma outra questão - aliás, a mais interessante -, de que falou o Sr. Deputado Marques Guedes, que é a de encontrar uma forma de vazar na Constituição cautelas que tenham em conta, por um lado, a preservação de determinados direitos fundamentais que são a nossa "estrela polar" e, por outro lado, a necessidade (necessidade que compreendemos) de permitir as extradições que não conduzam a resultados perversos que desejamos impedir.
Quais são essas cautelas? É aqui que a teoria ou a ideia de que a modalidade ou o veículo para se conseguir o resultado terá de ser obrigatoriamente, em todos os casos, uma convenção internacional reguladora de uma situação individual parece-nos desajustada em relação aos meios, às práticas e ao quadro de actuação internacional. Com efeito, podem ser dadas garantias por outras formas, até porque, em muitos casos, trata-se de processos que estão em curso em tribunais, segundo um determinado modelo decisional que pode variar em função dos Estados. No caso alemão é um, no caso de outro Estado da União Europeia é outro e no caso da República Popular da China é outro ainda.
Portanto, essa garantia, que tem de ser verificada e medida caso a caso pelos órgãos de soberania do Estado português, pode ser mais flexível do que aquela que resultaria de uma proposta de convenção, caso a caso…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não caso a caso, Sr. Deputado! Pelo contrário, a convenção é genérica.
O Sr. José Magalhães (PS): Haveria habilitação por convenção obrigatoriamente, em todos os casos; provavelmente, haverá uma habilitação por convenção, mas não basta dizê-lo! Essa convenção terá de prever precisamente o que propomos que a Constituição preveja desde logo, ou seja, há-de ter de prever que a prisão, ou outra pena, tenha de ser comutada ou substituída; há-de ter de prever que haja uma outra qualquer modalidade que garanta que esse objectivo, que nós não desejamos, não seja atingido.
Portanto, francamente, face ao que alegou, não vejo qualquer inconveniente em que a norma constitucional inclua estas condições. Obviamente, depois o Estado português terá de agir no terreno internacional para conseguir convenções, multilaterais ou bilaterais, e o que for necessário para atingir esse resultado.
De qualquer modo, não nos livramos da necessidade de uma regulação constitucional, ou então daríamos carte blanche ao legislador e aos órgãos de soberania para negociarem o que quer que entendessem. Portanto, desse ponto de vista, creio que esta expressão é muito frutuosa, porque nem nós discordaremos que o Estado português recorra à metodologia "convenção" para acertar os seus objectivos, nem os Srs. Deputados, aparentemente, renunciam à ideia de que deve haver cautelas constitucionalmente gizadas e materializadas.
Em matéria de princípio, é esta a nossa posição e essa compatibilização de objectivos parece-nos poder ser alcançada realisticamente e com um pleno respeito "das estrelas polares" que temos nesta matéria.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, já excedemos o tempo de reunião. Continuaremos amanhã a discussão deste artigo 33.º, ficando desde já inscrito o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, se me permite, gastaria apenas 30 segundos nesta minha intervenção.
O Sr. Presidente: Nesse caso, faça favor.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, sem prejuízo de continuarmos amanhã com esta discussão, o que vou dizer é tão curto que não causará grande prejuízo para todos nós,
Continuo sem perceber o que mudou desde 1994. Em 1994, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o então Sr. Deputado José Vera Jardim dizia o seguinte, referindo-se à prisão perpétua: "A nossa proposta limita-se a integrar no actual n.º 3 do artigo 33.º aquilo que hoje já é, digamos, Direito Internacional assumido pelo Estado português. Efectivamente, no que respeita às convenções sobre extradição e também aos trabalhos do Conselho da Europa sobre esta matéria, o Estado português, aliás de acordo com aquilo que também é hoje a prática da generalidade dos Estados da Europa Ocidental, não concede extradição não só no caso da existência de pena de morte no Estado requisitante mas, também, nos casos que aqui acrescentamos, ou seja, de penas ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade de carácter perpétuo ou de duração ilimitada".
Com efeito, desde 1994, o que mudou foi que o Sr. Deputado José Vera Jardim passou a ser Ministro da Justiça e, portanto, chego a pensar que isto teria sido "embirração" da parte dele, dado que o Partido Socialista agora decidiu não se referir às penas de prisão de duração perpétua ou ilimitada.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, que o Sr. Dr. Vera Jardim é hoje o Ministro da Justiça da República Portuguesa não sobram nenhumas dúvidas! Mas atribuir a essa qualidade qualquer alteração de princípio, depois do que eu disse, já releva de uma total indisponibilidade para ser persuadido, convencido e releva de uma tese hiper-conspirativa que, ainda por cima, tem como característica um verdadeiro "tiro nos pés", porque não há dúvida de que a pena de prisão perpétua, tal como a pena de morte, acciona um mecanismo previsto no artigo 33.º! Portanto, criar qualquer suspense, dúvida metafísica ou psicodrama de carácter policial em torno desta matéria é, no mínimo, inexplicável.
É uma questão de "fantasmas" de carácter político que não nos interessa nada, sobretudo a esta hora!
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, continuamos os nossos trabalhos amanhã.
Está a encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 45 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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