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Sexta-feira, 13 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 21
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 12 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 25 minutos.
Procedeu-se à discussão de propostas de alteração relativas aos artigos 33.º (Cont.) a 36.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente
(Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Alberto Martins (PS), Odete Santos (PCP), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP), Mota Amaral e Barbosa de Melo (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Helena Santo (CDS-PP), Cláudio Monteiro e Strecht Ribeiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 25 minutos
Antes de começarmos os trabalhos, gostaria de lembrar aos Srs. Deputados que está agendada para esta tarde uma reunião com os peticionários de iniciativas cívicas. Pedi aos Srs. Representantes dos Grupos Parlamentares nesta Comissão que garantissem uma substancial presença na reunião de logo à tarde, isso no caso de não poderem estar presentes todos os membros da Comissão. Seria óptimo que cada grupo parlamentar garantisse, pelo menos, mais de metade dos seus elementos. Creio que está em causa uma questão que se prende com a própria dignidade da Assembleia da República e de respeito pelos peticionários a quem vamos proporcionar essa audiência pública.
A reunião está marcada para as 15 horas e, também aqui, solicitava que, por atraso, não a tivéssemos de iniciar muito depois dessa hora, isto é, que os 15 minutos parlamentares não fossem transformados em meia hora ou mais. Aliás, este pedido também se aplica às reuniões desta Comissão. Insisto, mais uma vez, para que o início das reuniões não exceda os 15 minutos que o costume consagrou em termos académicos e, depois, em termos parlamentares.
Já agora, não é sem inquietação que constato o ritmo de trabalho da Comissão. Se calhar, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes terá razão se disser que, mais uma vez, não avançámos mais do que meia dúzia de artigos!… Esta constatação leva-me, sem prejuízo, como é óbvio, do direito que assiste a todos os grupos parlamentares de defenderem, até à exaustão, as suas propostas e de atacarem as adversárias (se o entenderem necessário), a solicitar aos Srs. Deputados que utilizem um princípio de self-restrain, que prescindam de reiterações desnecessárias e de tudo o mais que possa, desnecessariamente, gastar tempo de que tão preciosamente carecemos.
Posto isto, vamos retomar a discussão do artigo 33.º (Extradição, expulsão e direito de asilo).
Quanto ao n.º 1, o Partido Socialista propôs excepções ao princípio da não extradição de nacionais nos casos de terrorismo e criminalidade organizada para Estado-membro da União Europeia e em caso de reciprocidade. Esta proposta mereceu o acolhimento do PSD, com o proviso de que entendia que a limitação aos Estados-membros da União Europeia não seria razoável e, portanto, devia ser um princípio geral.
Quanto ao n.º 3, temos em cima da mesa as propostas do PS e do PCP, de alargamento das excepções à extradição. A Constituição refere: "Não há extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo o direito do Estado requisitante". O PS propõe que se acrescente explicitamente "ou pena cruel, degradante ou desumana" e o PCP "pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade de carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, ou qualquer outra pena que viole o direito à integridade moral e física das pessoas".
Recordo que a Constituição apenas faz referência à pena de morte, mas que o Tribunal Constitucional interpretou a Constituição de modo a abranger também a prisão perpétua. Portanto, o que se pretende é apurar se se alarga ou não estas excepções.
Concretamente, em relação ao n.º 1, está em causa esclarecer se o PSD insiste em não considerar razoável a excepção e, concomitantemente, se o PS entende que essa excepção em relação à União Europeia é ou não susceptível de ser reconsiderada.
Quanto ao n.º 3, temos de apurar se os alargamentos previstos devem ser consagrados. Ao contrário da interpretação restritiva que fiz, o Sr. Deputado José Magalhães significou-me que, desde a sua primeira intervenção, tinha dito que não punha em causa a interpretação que o Tribunal Constitucional deu ao actual texto da Constituição e, portanto, implicitamente, mantém a excepção de pena de duração perpétua.
Resta ainda considerar os outros acrescentos que constam quer do projecto do PS quer do projecto do PCP e, portanto, importa apurar se há ou não acordo, nomeadamente da parte do PSD, quanto a cada um dos seus itens.
Propunha que discutíssemos ponto por ponto, não para reabrir a discussão em relação à parte que já foi discutida mas para assentarmos nestes pontos que estão em aberto.
Concretamente, quanto ao n.º 1, os Srs. Deputados do PSD insistem na ideia de não justificação da limitação aos Estados da União Europeia? E os Srs. Deputados do PS manifestam alguma abertura para ir ao encontro das objecções do PSD?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não é por uma questão de teimosia ou do que quer que seja, mas penso que ficou mais ou menos claro na discussão de ontem que, no entendimento do PSD, abrir-se a excepção para, em termos de resultado prático, a solução ficar "coxa" não faz grande sentido.
Portanto, concordamos com a necessidade de rever este artigo e de abrir a excepção dentro da modelação prudente que o Partido Socialista propõe, ou seja, dirigida a uma determinada tipologia de crimes, mas parece-nos que, para que ela seja eficaz em termos dos resultados a que se propõe, não deve haver restrições geográficas, embora entendamos, claramente, a razão de ser de o Partido Socialista a ter formulado, inicialmente, com essa limitação geográfica.
Todavia, a limitação geográfica não é o mais importante e, pelo contrário, pode ser contraproducente. Nesse sentido, mantemos a nossa receptividade, mas desejaríamos que houvesse abertura da parte do Partido Socialista para retirar este ou qualquer outro tipo de fronteira geográfica, de forma a que a emenda, em si, possa ser consequente em termos de resultado.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados do PS insistem na vossa proposta ou aceitam, desde já, a contraproposta do PSD? Querem que fique sob reserva?
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, o meu colega José Magalhães deu ontem explicações muito precisas, como, aliás, já foi salientado, sobre este ponto. A razão da delimitação geográfica está, precisamente, nas recentes decisões do Conselho Europeu de Florença, de Junho último, em que os Estados-membros da União Europeia aprontaram praticamente uma Convenção Europeia de Extradição entre eles para combater a criminalidade organizada, designadamente o terrorismo. Daí a razão desta definição geográfica.
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De qualquer modo, não temos óbice a que esse âmbito possa ser alargado, naturalmente com cautelas suplementares que não são dadas por países outros que não os da União Europeia, uma vez que estes apresentam garantias de defesa suficientemente sólidas e controláveis que outros podem, eventualmente, não apresentar. Nesse sentido, a abertura geográfica implica medidas cautelares de defesa mais acentuadas.
O Sr. Presidente: - Ficamos, então, nesse ponto: abertura, mas…
O PCP tinha manifestado a sua oposição a esta proposta, oposição que ficou registada.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vou usar da palavra na sequência de uma intervenção do Sr. Presidente sobre esta questão que me levou a fazer algum estudo sobre a legislação.
Disse o Sr. Presidente que "mandamos os portugueses para fora mas, em troca, mandam-nos os estrangeiros para serem julgados cá". A este propósito, gostava de dizer o seguinte: a Convenção Europeia de Extradição já obriga os Estados (e os Estados da União Europeia subscreveram a Convenção) a julgar os seus nacionais quando recusem a extradição.
Pensamos, por isso, que está defendida a possibilidade de todos os terroristas serem julgados nos países de que são nacionais. Aliás, o princípio da extra-territorialidade até foi alargado nos termos da Convenção de Viena sobre Tráfico de Estupefacientes, bem como da Convenção do Conselho da Europa relativamente aos produtos do crime. Nesse sentido, entendemos que a objecção feita às posições que tomámos não tem razão de ser e, pelo contrário, devem ser reafirmados os princípios constantes do artigo 5.º do Código Penal, entre os quais a defesa dos interesses nacionais e o princípio da nacionalidade.
O Sr. Presidente: - Fica registada a posição do PCP, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, para que não haja dúvida e por uma questão de rigor, gostaria de esclarecer o seguinte: qualquer português poderá ler esta acta e, simultaneamente, a Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, acto através do qual foi aprovada, por ratificação, a Convenção Europeia a que a Sr.ª Deputada Odete Santos se referiu. E, nessa circunstância, verá que Portugal, nessa altura, fez reservas ao texto da Convenção,…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, sim!
O Sr. José Magalhães (PS): - … reservas essas que é bom não esquecer, porque correspondem ao único tema que era relevante discutir e que não foi discutido.
Portugal não concede extradição de pessoas que, primeiro, devam ser julgadas por tribunal de excepção ou cumprir uma pena decretada por um tribunal dessa natureza; segundo, quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas do procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem ou que cumprirão a pena em condições desumanas; terceiro, quando reclamadas por infracção a que corresponda pena de morte, pena ou medida de segurança com carácter perpétuo; quarto, em relação às extradições por crime punível com pena privativa da liberdade superior a 1 ano (n.º 1 do artigo 6.º); e, finalmente, no artigo 11.º, refere-se que não haverá, obviamente, extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo o direito do Estado requerente.
O que se pretende, Sr. Presidente, é viabilizar um acto futuro através do qual Portugal possa ratificar a Convenção a que aludiu o Sr. Deputado Alberto Martins, para que não fiquemos fora de um processo de concertação europeia, do qual não queremos estar excluídos a benefício do combate firme ao terrorismo e de nenhuma protecção desmedida concedida a terroristas.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, se me permite…
O Sr. Presidente: - Claramente, os Srs. Deputados não querem seguir os meus conselhos!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, há pouco não me quis alongar, mas eu conhecia perfeitamente as excepções de que falou. E o Sr. Deputado não demonstrou que os instrumentos actualmente existentes não permitem um combate firme ao terrorismo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao n.º 3.
Para além da questão do alargamento das excepções à extradição, tanto o Sr. Deputado Luís Marques Guedes como o Sr. Deputado José Magalhães levantaram, ontem, o seguinte problema: o de admitir a extradição nestes casos sempre que estas excepções tenham, por sua vez, uma excepção consistente na garantia do Estado requisitante de que essas penas não serão aplicadas.
Há, no entanto, uma diferença de approach, uma vez que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes defendeu que tal deveria resultar de Convenção, enquanto que os Srs. Deputados do Partido Socialista pareceram bastar-se com outro tipo de garantias, com o mesmo objectivo.
Está em discussão, simultaneamente, o tipo de alargamento das excepções, bem como a excepção à excepção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem pedia que não reiterasse…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não o farei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Mas, se puder formular uma proposta concreta…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto ao tipo de penas, para o PSD é evidente…
O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas, já agora, queria ler uma proposta do PS, escrita, que, creio, formaliza o que o Sr. Deputado José Magalhães ontem disse, quer quanto a um aspecto, quer quanto a outro, do seguinte teor: "Não há extradição por crimes a que corresponda pena de morte, prisão perpétua ou outra pena cruel de degradação desumana segundo o
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direito do Estado requisitante, salvo se este der ao Estado português garantias suficientes de que a pena será comutada, substituída por outra de duração limitada, ou por qualquer outra forma não executada".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que essa formulação já é uma aproximação bastante feliz ao que ontem aqui discutimos.
De facto, parece-me evidente que, quanto ao leque das penas a colocar no texto, devemos avançar para o somatório daquele que tem sido o entendimento generalizado e que também decorre, do meu ponto de vista, da boa interpretação quer do artigo n.º 2 do artigo 25.º quer do n.º 1 do artigo 30.º da Constituição, artigos que, no fundo, acrescentam ao estabelecido actualmente no artigo 32.º sobre a pena de morte também a proibição de penas perpétuas ou de duração ilimitada, bem como das tais penas cruéis, degradantes ou desumanas.
Portanto, em termos de elenco, essa formulação que faz a súmula das situações que estão sobre a mesa, do ponto de vista do PSD, é a mais adequada.
Quanto à outra questão, também colocada pelo Sr Presidente, apenas deixava a seguinte nota, para reforçar o meu ponto de vista: como o próprio Deputado Alberto Martins acabou de citar, nesta sua intervenção da reunião de hoje, é evidente que nos parece um pouco frouxo que, face ao alargamento do n.º 1, se reconheça que é necessário modelar nesta sede garantias acrescidas, nos casos de terrorismo e criminalidade organizada, para que não ocorram extradições sem que estejam garantidas adequadas medidas de respeito por aquilo que o Estado de direito democrático português entende serem os Direitos do Homem e o direitos de todos os cidadãos.
Por maioria de razão, então, o PSD reitera que, cumulativamente, quando no n.º 3 inserirmos as condições para que essa extradição se possa efectuar, tendo em vista, de resto, que o terrorismo e a o crime organizado, por serem categorias de topo no elenco da criminalidade, tendencialmente serão crimes aos quais caberão as penas máximas dos respectivos países para onde as pessoas podem ser extraditadas, essa mesma necessidade de garantias acrescidas (de que falava o Sr. Deputado Alberto Martins) aconselha a que se opte pela forma institucional de relacionamento entre Estados soberanos - as convenções -, mais do que pela simples formulação de garantias pelo Estado requisitante.
É que a simples formulação de garantias tem o inconveniente, que ontem não foi aqui citado e que nos parece bastante negativo, de as mesmas serem reguladas caso a caso, "a quente", sobre o pedido de extradição de um Estado soberano relativamente a um cidadão considerado em concreto. Digo "a quente" no sentido de que esse pedido é feito na sequência imediata da realização de um crime hediondo, com certeza, porque se trata de crimes de terrorismo ou de criminalidade organizada. Ou seja, essa garantia será muito mais acrescida se for estipulada entre os Estados, em abstracto, e vertida numa convenção, sem a tal "temperatura a quente" de um crime qualquer, de uma bomba num avião…
No fundo, penso que as nossas preocupações são perfeitamente comuns às do Partido Socialista que, embora ainda não equacione o problema no seu todo, tem vindo a expressar alguma aproximação, nomeadamente através da intervenção de hoje do Sr. Deputado Alberto Martins.
Portanto, a proposta do Partido Socialista que o Sr. Presidente acabou de ler parece-me ser já uma aproximação muito interessante à proposta que o PSD ontem apresentou.
Para terminar, reiterava apenas que, relativamente ao n.º 1, é mais seguro que o texto da Constituição (aquele que resultar do nosso acordo) seja genérico e remeta para as formas mais institucionais de relacionamento entre os Estados, eventualmente para as próprias convenções, a fim de manter e assegurar essas garantias acrescidas de que todos sentimos necessidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de prestar dois esclarecimentos.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, há uma diferença significativa entre o n.º 1 e o n.º 3 deste preceito, e talvez os tenhamos misturado um pouco, não com prejuízo do debate. Convém, pois, separar as questões.
O n.º 3 diz respeito à extradição tanto de portugueses como de estrangeiros, por um lado, e refere-se tanto a crimes de terrorismo e criminalidade organizada (nesta acepção que estamos a utilizar e que, hoje em dia, tem um significado preciso no Direito Europeu e no direito interno português) como a outros crimes graves, por outro lado. Obviamente, terão de ser graves para acarretarem este tipo de pena nos Estados requisitantes. Mas, repito, não se trata só de terrorismo nem de criminalidade organizada.
Ora, nesses casos, independentemente dos regimes convencionais que existam, com carácter bilateral ou multilateral, entre Portugal e os Estados requisitantes, o que é importante estabelecer é um esquema através do qual sejam fornecidos ao Estado português, no caso concreto de uma pessoa, garantias de que não haverá execução da pena. E o Sr. Deputado Marques Guedes sabe do que estamos a falar, porque houve casos concretos recentes em que essas garantias não foram consideradas sequer aceitáveis nem com enquadramento constitucional habilitante para que fossem tidas como relevantes!
Ou seja, podem existir convenções entre os Estados - o Dr. Alberto Martins vai citar um rol infinito, imenso, delas -, mas, por mais convenções que haja, sempre será necessário apurar que, no caso concreto, o Tribunal de Stutgart, ou de outro sítio qualquer, não aplicará uma pena que tenha as características que aqui são enunciadas. E essa garantia só pode ser feita em relação ao caso concreto e prestada por modalidades que serão terrivelmente diferentes e poderão, aliás, ser precedidas de uma convenção internacional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, este problema que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes levanta, se não for respondido pelo caso concreto e pelas normas convencionais, cria dificuldades insuperáveis neste sentido: todos os tratados de extradição que existiam com os países europeus foram revogados pela Convenção Europeia de Extradição. Mas quando analisamos, numa consulta breve, quais são os tratados de extradição que estão em vigor, constatamos, por exemplo, que o Tratado de Extradição com a Argentina é de 1888 e está em vigor;
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com a Bolívia é de 1883 e está em vigor; com o Botswana é de 1970 e está em vigor; com a Checoslováquia é de 1927 e está em vigor; com o Chile é de 1897 e está em vigor; com a China é de 1908 e está em vigor; com a Itália é de 1878, mas esse foi superado.
Portanto, há um conjunto de normas convencionais, que não tenho presente na sua totalidade, mas que é suposto não assegurar as garantias de defesa que uma solução por nós preconizada assegura.
Compreendendo o espírito e o bom sentido da proposta do PSD, temos alguma dificuldade em aceitar uma pura remissão para as normas convencionais, pois podemos pensar que normas de defesa do século XIX, provavelmente, não têm o mesmo espírito de defesa dos Direitos Humanos das normas actuais, ainda que possamos sempre recorrer ao suporte e à rede constitucional. Em todo o caso, há esta dificuldade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria pronunciar-me sobre a proposta que nos chegou, do Partido Socialista, relativamente ao n.º 3, pois creio que, em relação ao n.º 1, as posições são claras e, portanto, dispensar-me-ia de voltar a referir - correspondendo ao apelo do Sr. Presidente - a posição do PCP quanto à extradição de nacionais.
Quanto ao n.º 3, verificou-se um avanço na posição do Partido Socialista com a inclusão expressa da prisão perpétua. De facto, creio que esse avanço é de saudar: "a noite foi boa conselheira", após os bombardeamentos verbais que nos fizeram ontem, ao fim da tarde, por esta mesma questão. Pelos visto, reflectiram bem.
Quanto à parte final da proposta, que procura corresponder à questão ontem suscitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que continua a ocorrer uma margem de problematização quanto à suficiência das garantias. Pela nossa parte, reflectiremos sobre esta matéria mas, à partida, penso que esta expressão, tal como está redigida, não nos deixa muito tranquilos quanto à suficiência das garantias que possam ser dadas por outro Estado no sentido de que o que consta do respectivo direito não será aplicado, efectivamente.
Gostaria, ainda, de referir a importância de fazer a equiparação da prisão perpétua a outras penas de carácter ilimitado, na medida em que, como se sabe - enfim, há umas décadas atrás isso era conhecido em Portugal -, infelizmente, há vários expedientes no direito ou na prática de alguns Estados para tornar certas penas, na prática (embora formalmente não haja aplicação de uma pena perpétua), através de outro tipo de medidas, em prisão perpétua.
De qualquer forma, creio que é de registar este avanço, embora a parte final desta disposição ainda nos ofereça algumas dúvidas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está inscrito o Sr. Deputado Mota Amaral, mas, antes de lhe dar a palavra, uso-a para chamar a atenção para o estado actual da nossa ordem jurídica nesta matéria, que é o seguinte: a Constituição proíbe, pura e simplesmente, a extradição em caso de o direito do Estado requisitante prever para esse crime a pena de morte, o que quer dizer que Portugal se tinha constitucionalmente desvinculado da Convenção de Extradição nessa parte, isto é, na parte relativa ao artigo 11.º da mesma.
Com efeito, o artigo 11.º da Convenção de Extradição estabelece hoje, expressamente, o seguinte: "Se o facto pelo qual é pedida a extradição for punido com pena capital pela lei da parte requerente e se essa pena não estiver prevista pela lei da parte requerida, ou não for geralmente executada, a extradição poderá ser recusada, excepto se a parte requerente prestar garantias consideradas suficientes pela parte requerida de que a pena capital não será executada".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD) - Apenas diz respeito à pena capital!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixe-me concluir.
Acabei de ler o texto que está em vigor na Convenção de Extradição. Só que a nossa Constituição não autoriza que Portugal o execute! Isto é, hoje, perante um Estado que cumpra a Convenção de Extradição e nos dê garantias de que, apesar de o crime pelo qual é acusado o sujeito cuja extradição é pedida ser punido com pena de morte, apesar de o Estado garantir que não lhe aplicará a pena de morte e dar garantias suficientes, Portugal não pode extraditar.
O que o PS propõe é que o que consta da Convenção de Extradição passe para a Constituição, isto é, que a Constituição passe a autorizar o que está regulado na Convenção de Extradição para a pena de morte e para as demais penas que, a partir de agora, se autorizar a extradição. E eu pergunto: se o fazemos para a pena de morte, qual é o problema de utilizar o mesmo esquema para penas de prisão perpétua e outras penas degradantes? Então, por maioria de razão, devemos aceitar o esquema da Convenção de Extradição!
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, o Sr. Presidente entende que, se nada se fizer quanto à pena de morte e às penas cruéis, degradantes e desumanas, mais tarde ou mais cedo, teremos de nos confrontar com um problema idêntico, face uma eventual pronúncia do Tribunal Constitucional idêntica àquela que surgiu face à pena de morte? É esse o seu entendimento? Daí a necessidade de se alargar à pena perpétua!
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. O meu entendimento é o de que, independentemente de se alargar ou não à pena perpétua, temos um problema para resolver, porque a Constituição não permite, em caso algum, a extradição de cidadãos de Estados estrangeiros no caso de a lei prever para o crime de que eles são acusados a pena de morte, mesmo que o Estado nos dê garantias, à face da Convenção de Extradição, de que ela não será aplicada no caso concreto.
Portanto, a Constituição não permite dar execução à Convenção de Extradição. O que PS propõe é que a Constituição permita dar execução à Convenção de Extradição em relação à pena de morte, uma vez que é a única que, neste momento, está prevista na Constituição (caso em que é proibida a extradição). Em relação às outras excepções que a lei prevê, temos de aplicar essa mesma doutrina!
No entanto, se devemos dar assentimento a que o Estado português permita a extradição de cidadãos acusados de
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crimes para os quais esteja prevista a pena de morte, desde que o Estado requerente nos garanta que não lha aplica, pela mesmíssima razão devemos autorizar a extradição de cidadãos de Estado estrangeiro por crimes a que corresponda pena maior, desde que o Estado nos dê as mesmas garantias de que não a aplica, isto é, que só lhe aplicará uma pena de duração limitada.
Em suma, o que se pretende é aplicar a Convenção de Extradição, na parte da pena de morte de acordo com o que já lá está estabelecido e na parte das novas excepções por maioria de razão - já nem sequer é por identidade de razão!
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção diz respeito à proposta que o Partido Socialista apresenta e que o Sr. Presidente acaba de apoiar com tanto vigor. De facto, não sei se não nos dispomos, ao alargar para além da pena de morte essa possibilidade de extradição…
O Sr. Presidente: - Não é a possibilidade mas a impossibilidade! O que fazemos é alargar a impossibilidade de extradição à pena perpétua e a outras, quer dizer, alargamos as proibições de extradição. Neste momento, só é proibida a extradição em caso de pena de morte, mas há propostas para alargar as proibições a outras penas, o que significa que o número de proibições de extradição se alarga! Havia na Convenção de Extradição uma excepção, isto é, a proibição de extradição em caso de pena de morte poderá ser ultrapassada se o Estado garantir que não a aplica. Agora, se alargamos as proibições também à prisão perpétua e a outras penas cruéis, desumanas e degradantes, penso que por maioria de razão devemos aplicar-lhe a mesma excepção - a excepção à excepção!
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, mesmo assim sendo, que garantias nos pode oferecer um Estado que prevê no seu ordenamento jurídico penas degradantes e desumanas de que não aplicará essas penas?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mota Amaral, a extradição tem que ser decretada por um tribunal, note! A Constituição estabelece-o.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sim.
O Sr. Presidente: - Quem vai decidir a extradição é o tribunal! Portanto, cabe a um tribunal português decidir se o Barain nos dá ou não garantias de que uma cidadã barainiana, residente em Portugal, acusada de atentado contra a soberania do Estado barainiano (nem podia ser porque este é um crime político, mas por outro crime qualquer), não será açoitada em público nem lhe será cortada a mão em público, etc. Penso que é difícil o Barain dar qualquer garantia nesse sentido e, portanto, a proibição de extradição subsiste praticamente! No fundo, é uma questão de credibilidade das garantias, quer a nível político quer, sobretudo, para o tribunal: é o juiz português quem vai decidir se as garantias dadas pelo Estado requisitante são ou não suficientes.
É óbvio que se o Estado que dá garantias e convence o Estado português a extraditar, porventura, não cumprir e ousar, violando os seus compromissos, executar uma pena contra o compromisso acordado, é o puro prestígio e a identidade desse Estado que estão postos em causa! Portugal, a partir daí, nunca mais extraditará ninguém. É tão simples quanto isso.
Imagine agora que os Estados Unidos pedem a extradição de um americano acusado de homicídio grave num daqueles casos em que alguns estados americanos prevêem a pena de morte; os Estados Unidos garantem, pelas vias formais, em termos credíveis, que a esse cidadão não lhe seria aplicada a pena de morte nem a prisão perpétua e que, em qualquer caso, o governador comutaria a pena.
Há alguma razão para mantermos a proibição de extradição? Penso que é uma questão de purismo, de fundamentalismo e, pura e simplesmente, de não respeitar a credibilidade dos Estados, entidades que devem merecer o máximo de credibilidade! Então, que razão tem o tribunal português para duvidar da garantia do governador do Estado de Alabama de que naquele caso, qualquer que seja a aplicação que o tribunal do Estado do Alabama vier a dar a esse cidadão, comutará a pena para prisão por tempo determinado? Parece-me fundamentalismo e uma forma de dificultarmos os nossos próprios interesses em obter a extradição de cidadãos portugueses que, porventura, se refugiem nos Estados Unidos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a devida vénia, considero que estamos aqui a misturar dois problemas. Permito-me comentar assim a matéria.
Em primeiro lugar, põe-se a questão de saber quais são as penas correspondentes na ordem jurídica do Estado requisitante, isto é, que penas correspondem ao crime por mor do qual é requisitada a extradição. Essa é uma questão.
Em segundo lugar, temos de questionar os limites que a nossa ordem jurídica estabelece a essas penas, que é uma questão autónoma. O texto constitucional vigente refere que não há extradição quando, na ordem jurídica do Estado requisitante, àquele crime corresponda pena de morte. E nada mais! Só que o Tribunal Constitucional interpretou, quis ser "escuteiro" das outras ordens jurídicas e alargou a sua concepção, fazendo-se o tutor das outras ordens jurídicas. É uma atitude interpretativa do Tribunal que está, aliás, a causar algumas dificuldades nas nossas relações, incluindo com os Estados europeus.
O Tribunal Constitucional alargou e nós partimos agora do princípio de que esse alargamento está bem feito: é à pena de morte, é à pena de não sei quê…
O Sr. Presidente: - Não partimos desse princípio. A proposta foi apresentada, mas está em discussão, Sr. Deputado!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É o que estou a dizer, Sr. Presidente. Daqui a nada, cidadãos a quem sejam aplicadas penas superiores a 3 anos já ficam cá, não vão para o exterior, porque isso é desumano! Nós somos boa gente: vamos manter todos os estrangeiros em Portugal e só quando eles quiserem ir para fora é que vão. Estamos a alargar o âmbito…
O Sr. Presidente: - É uma parte!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Vamos imaginar que tal apenas se verifica no caso da pena de morte. Mas, fique
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o que ficar, coloca-se agora uma outra questão, e essa, sim, precisa de ser resolvida!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tem razão quanto à conclusão, porque estamos a discutir as duas questões…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Essa segunda questão é que deve ser resolvida!
O Sr. Presidente: - E era essa e só essa que estava a ser discutida, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - E quanto a essa…?
O Sr. Presidente: - E o que dizer quanto a essa, Sr. Deputado Barbosa de Melo?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quanto a essa, pessoalmente, não tenho qualquer dúvida. Realmente, não é muito fácil a um Estado de direito admitir garantias… Nos Estados feudais, podíamos admitir que um rei dissesse que não aplicava ou perdoava não sei o quê…, mas num Estado de direito é um bocado difícil arranjar garantias efectivas. Mas já funcionou ou foi evocada (porque temos relações com meio mundo!) nas relações entre Portugal e a China, por exemplo. Enfim, admito que se siga a regra da Convenção Europeia de Extradição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, se me permite, esta é uma discussão de grande importância, que joga com valores que nos são caros, a todos, mas importa não perder de vista, uma vez que aludiu ao feudalismo e à expressão "garantias" - creio que muito impropriamente, o que é raro em si -, o seguinte aspecto: a Convenção Europeia de Extradição, que foi aprovada para ratificação em 1989, pela Resolução n.º 23/89 (e V. Ex.ª lembrar-se-á muito bem em que contexto é que o foi e quem impulsionou essa aprovação, que, de resto, foi pacífica), no seu artigo 11.º, reza já hoje, textualmente (esta Convenção vigora na ordem interna portuguesa com problemas), que se o facto pelo qual é pedida a extradição for punido com pena capital pela lei da parte requerente e se essa pena não estiver prevista pela lei da parte requerida, ou aí não for geralmente executada, a extradição poderá ser recusada, excepto se a parte requerente prestar garantias - eis a expressão feudal! - consideradas suficientes pela parte requerida de que a pena capital não será executada.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O problema é o de alargarmos o caso da pena capital a outras penas! Essa é a questão que coloco.
O Sr. Presidente: - O que o Sr. Deputado contestou foi a outra parte da proposta, relativa aos casos que não estão previstos na Convenção Europeia de Extradição
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sim, e em relação aos quais estamos a fazer "cavalo de batalha"…
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, se temos acordo quanto à primeira parte, congratulamo-nos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O que consta da Convenção, está certo! Mas só estamos a falar de pena capital.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, se considera que essa solução só é válida para a pena capital, por maioria de razão há-de considerar que também é válida se, porventura, acordarmos em alargar as proibições de extradição!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Evidente! Mas o meu problema é outro, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, discutamos as questões em separado: uma, é a relativa ao alargamento das proibições…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, antes deste argumento, já disse que concordava com o que a Convenção de Extradição estabelece. O meu problema está na questão do alargamento das penas abrangidas por essa disposição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mesmo quanto à prisão perpétua, Sr. Deputado?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, o problema que aqui se põe é o do respeito pela vida humana, é o limite dos limites!…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para não prolongarmos mais esta troca de palavras, creio que posso expressar bem o pensamento do Professor Barbosa de Melo, porque o entendi claramente.
No fundo, e em linguagem comum, a grande reflexão ou a preocupação que o Professor Barbosa de Melo introduz é esta: quanto a esta matéria, se é certo que para a pena de morte todos estamos de acordo, situação que a Constituição actual expressamente proíbe e, portanto, a única forma de ultrapassar o problema é alterar a Constituição, já quanto à pena ilimitada, à pena perpétua ou às penas cruéis, degradantes e desumanas, o Professor Barbosa de Melo tem dúvidas de que a boa doutrina seja aquela que tem vindo a fazer curso em alguns acórdãos do Tribunal Constitucional. E tem dúvidas por entender que a Constituição, de facto, apenas proíbe literalmente a extradição em casos de pena de morte.
A proibição da pena perpétua é referida, indirectamente, no artigo 30.º, como um direito fundamental dos cidadãos portugueses na ordem jurídica nacional, e a proibição de qualquer tipo de penas cruéis, degradantes ou desumanas também está prevista no artigo 25.º como um direito dos cidadãos nacionais, um princípio fundamental dos cidadãos portugueses também na ordem jurídica interna.
Portanto, a essa doutrina que tem vindo a ser seguida e que vai no sentido de considerar que a nossa Constituição também estaria, actualmente, a vedar a extradição nos crimes aos quais seja aplicada pena perpétua ou outra pena degradante, o Professor Barbosa de Melo diz "não", porque a nossa Constituição não o estabelece actualmente. Ou seja, não devemos ir atrás dessa doutrina, doutrina que, eventualmente, estará errada! O motivo de reflexão é só esse.
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O Sr. Presidente: - Está esclarecido o problema.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria apenas acrescentar o seguinte: não é só nem fundamentalmente a doutrina do Tribunal Constitucional. Há uma resolução da Assembleia da República, de 1993, com decreto do Presidente da República, em que se faz uma reserva expressa à Convenção da Explicação do Acordo de Schengen.
Notem que me refiro a uma reserva explícita da República Portuguesa, assumida pelo Plenário, não a uma interpretação do Tribunal Constitucional, cujo teor é o seguinte: "A República Portuguesa não concederá a extradição de pessoas quando reclamada por infracções a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo. Todavia, a extradição será concedida sempre que o Estado requerente assegure promover, nos termos da sua legislação e da sua prática em matéria de execução das penas, as medidas de alteração de que poderia beneficiar a pessoa reclamada".
Tive oportunidade, aliás, de participar no Plenário da Assembleia da República em debates de algumas convenções sobre extradição e tortura e sempre tem sido feita reserva relativamente à pena capital e à prisão perpétua, situações que estão aqui afirmadas de forma explícita e clara.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos dois problemas.
Um deles é o do alargamento das excepções à extradição, para além da pena de morte. O PSD está em condições de tomar posição quanto a este ponto? Há alguma reserva ou dá-se como assente que coincidem com a proposta do PS, na redacção agora explicitada, com a proposta do PCP, independentemente das divergências da formulação em alargar as excepções à extradição, para além da pena de morte? Este é um ponto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no caso da pena de morte, a posição do PSD é de receptividade.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Distingamos dois pontos: primeiro, o do alargamento das excepções; segundo, o da excepção às excepções.
Começamos, portanto, pelo ponto relativo ao alargamento da excepção da proibição da extradição, para além da pena de morte, aos casos de prisão perpétua e de outra pena cruel, degradante ou desumana.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, foi sobre essa questão que acabou de intervir o Professor Barbosa de Melo e, aliás, também agradecemos a intervenção do Deputado Alberto Martins, que nos trouxe mais dados sobre uma matéria que gostávamos de ponderar melhor, embora a nossa posição não seja de antipatia.
O Sr. Presidente: - Portanto, da parte do PSD, há abertura, mas sob reserva de reconsideração.
Quanto ao segundo ponto, excepção à excepção, qualquer que seja o âmbito da proibição da extradição, isto é, mantenha-se na pena de morte ou seja ela alargada a outro tipo de penas, pergunto se é de admitir a excepção e qual o "veículo" da excepção.
Parece que há acordo em fazer a excepção. Mas qual o "veículo"? O PSD insiste na ideia convencional, ou está disposto a considerar a formulação agora proposta pelo Partido Socialista?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estamos dispostos a considerar a tentativa de seguir no texto constitucional o texto da Convenção Europeia de Extradição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já agora, permitam-me que faça uma declaração de voto. A interpretação restritiva que eu ontem fazia da proposta do PS é contrária à interpretação dos seus autores. É que eu abono nas considerações do Deputado Barbosa de Melo.
Por uma razão de constância, devo deixar expresso na minha declaração de voto que as razões que, a meu ver, devem justificar a proibição da extradição em caso de pena de morte não se aplicam a outras penas, precisamente porque têm a ver com o valor definitivo da vida: alguém morto, está morto! Mesmo que se venha a descobrir que não cometeu o crime, está morto. Sacco e Vanzetti poderiam ter sido reabilitados se, porventura, não tivessem sido fuzilados! E o facto de terem sido fuzilados tornou irreversível a condenação.
Toda a gente sabe que a pena perpétua raramente é definitiva, isto é, nunca é definitiva e raramente é executada por inteiro. Os estudos que foram feitos revelam que as prisões perpétuas normalmente ou são comutadas ou acabam por liberdades provisórias ao fim de determinado tempo e, sobretudo, não são definitivas. O valor definitivo, que é a vida, não é perdido! As pessoas sempre têm direito, passados 10, 15 anos, se se descobrir que, afinal, não foram criminosas, a ser repostas em liberdade e a obter indemnização.
Aliás, a meu ver, é desvalorizar o valor supremo que atribuímos à proibição da pena de morte juntar à proibição da extradição em caso de pena de morte outro tipo de penas, nomeadamente as penas privativas de liberdade.
Portanto, fiz expressa menção pública, não como Deputado, antes disso, como constitucionalista, contra a doutrina do Tribunal Constitucional de alargar, sem texto constitucional, a proibição de extradição aos casos de prisão perpétua e, em termos de Deputado, de jure condendo, quero que fique expresso que, mesmo que os Srs. Deputados do PS e do PSD acordem em alargar o âmbito da proibição de extradição a outros casos, para além da pena de morte, não será com o meu apoio, independentemente de saber se será com o meu voto. Isto fica declarado para que conste.
Penso que devia esta explicação, quer aos Deputados do Partido Socialista, contra cujo entendimento ontem procurei fazer uma intervenção restritiva da respectiva proposta, que não era minha - era um wishful thinking, como é óbvio! - quer aos Deputados do PCP, a quem criei algum qui pro quo. Mas fica agora esclarecida a minha posição. Portanto, o que ontem disseram vale inteiramente contra mim, não contra os Deputados do Partido Socialista.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nós tínhamos percebido a posição do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -- Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, está agora esclarecido o único - vamos chamar-lhe assim - mistério que o debate de ontem suscitava. O outro não era mistério e foi "sherlockianamente" induzido pelo Sr. Deputado António Filipe, o que compreendemos. Mas não desejaríamos transformar a hermenêutica deste artigo…
O Sr. António Filipe (PCP): - "Elementar meu caro Watson!"
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): - … numa espécie de inquirição de uma coisa que não era elementar, "meu caro Watson"! Aliás, nem toda a gente é Sherlock e Watson. Só havia um, que, infelizmente, não tem presença na Comissão. Tenho pena!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já agora, um pouco perversamente, esperaria que este qui pro quo tenha provocado o resultado contrário àquele que o Sr. Deputado António Filipe queria!
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Porque não há nenhuma razão para rejubilar sobre o caso concreto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão da proposta do PCP relativa ao n.º 5.
O actual n.º 5 do artigo 33.º da Constituição estabelece o seguinte: "A expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão." O PCP propõe que passe a constar: "A expulsão de quem tenha entrado ou permaneça no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência ou de quem tenha apresentado pedido de asilo só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão com todas as garantias de defesa".
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, esta é uma proposta que vai contra a corrente dos últimos anos.
Efectivamente, o que se tem verificado, em particular no caso dos requerentes de asilo, é uma diminuição progressiva de garantias de defesa da sua posição, que nalguns casos vai ao ponto de nem sequer poderem apresentar os respectivos pedidos de asilo.
O texto constitucional actual parece-nos inadequado para tutelar direitos fundamentais de cidadãos que requeiram asilo a Portugal, na medida em que refere que é necessário que haja uma decisão judicial de expulsão só relativamente a cidadãos cujo pedido de asilo não tenha sido recusado. Ora, como se sabe, hoje em dia, e por força de alterações legislativas das quais discordamos profundamente em matéria de direito de asilo, a generalidade dos pedidos de asilo apresentados são apreciados no chamado processo acelerado, que não dá as garantias mínimas de defesa aos requerentes.
Existem casos, aliás - desconheço se estão a ser aplicados em Portugal mas, seguramente, já o estão a ser noutros países da União Europeia -, em que nem sequer se permite que os cidadãos apresentem os respectivos pedidos de asilo, sendo imediatamente expulsos, sumária e administrativamente, do respectivo território.
Creio, pois, que era importante que se prevenisse constitucionalmente, em Portugal, a ocorrência de situações dessa natureza. Daí que nos pareça fundamental, sem prejuízo da necessidade destas situações serem resolvidas de forma expedita (aliás, a Constituição já refere no seu texto actual esse carácter expedito), mas com garantias mínimas para os cidadãos, que seja uma autoridade judicial a tomar decisões que impliquem a expulsão de cidadãos do território nacional, não deixando essa decisão à discricionariedade administrativa, que é o que actualmente acontece com cobertura constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a análise da evolução dos últimos anos tem sido feita por nós de forma crítica e, naturalmente, após o dia 1 de Outubro, nos termos que são conhecidos, de uma política que representa uma viragem significativa, que vai culminar numa revisão - já culminou! - de legislação polémica e traduzir-se na aprovação, esperamos nós unânime, de legislação correctiva em relação ao diploma que desfigurou o enquadramento legal do direito de asilo em Portugal, num certo Verão quente…
Mas, hoje, que estamos a analisar o quadro constitucional enquanto tal, não gostaríamos de transpor as entorses, os desvios de percurso e, francamente, as violações da Constituição, em casos significativos, para uma espécie de releitura da Constituição à luz da sua interpretação disforme, deficiente e, digamos sem brejeirice, "loureirista".
Esse período está encerrado e todos estamos a libertar-nos desse espírito (não foi por acaso que aprovámos por unanimidade os diplomas que aprovámos, e fizemo-lo à sombra desta "árvore" constitucional). E a Constituição interpretada correctamente - como muito bem o foi, ao longo de todo esse tempo, persistentemente, por muita gente, felizmente, incluindo o Sr. Presidente, por escrito, em determinada circunstância -, é clara quanto à consagração do direito de asilo, ou seja, não pode ser lida ao contrário. Não é obrigatório que façamos uma leitura em "zebra", mas é bom não esquecer que ela consagra e garante, de forma absolutamente inequívoca, o direito de asilo, o que tem implicações constitucionais e, também, legais extremamente precisas.
Tal significa que não é legítimo, nunca será legítimo, será sempre abusivo às autoridades do Estado português, quaisquer que elas sejam, inviabilizar o exercício do direito de asilo, impedindo aqueles que aportam ao território de disporem dos meios de declararem a sua vontade de o obterem, bem como de terem o direito a um tratamento equitativo e a um procedimento claro que lhes permita, de forma compreensiva, directa e clara, expor a sua pretensão e ver deduzida essa pretensão pelas autoridades portuguesas, com todas as garantias.
Portanto, o que gostaria de dizer - talvez um pouco mais economicamente - é que não leremos aquilo que já é património constitucional, face à "desleitura", "tresleitura" ou leitura violadora que foi feita num determinado período da história portuguesa. Ou seja, há "obras" de que nós não sentimos necessidade, porque consideramos que a Constituição sempre o estabeleceu.
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Obviamente, a Constituição poderá ser retocada e até traduzida numa edição em várias línguas, ou explicada por miudinho, mas não sentimos necessidade de o fazer, menos ainda de o fazer em termos que instilem dúvida sobre o seu conteúdo actual.
Segunda observação: esta linha de análise aplica-se, sem prejuízo de entendermos que podem e têm de haver formas expeditas de decisão que, aliás, também são importantes para os interessados. Existem convenções internacionais e esforços nesta matéria para evitar fenómenos de circulação infindável e penosa, uma espécie de calvário, uma vez que, nessa matéria, no nosso continente, a situação dos refugiados é dramática, continua a ser preocupante e nada inculca que venha a ser menos preocupante no plano imediato, nem mesmo a médio prazo.
É necessário aditar, em Estado de direito democrático, a expressão que o PCP adianta na parte final do n.º 5 proposto? Isto é, "(…) assegurando a lei formas expeditas de decisão com todas as garantias de defesa"?
Srs. Deputados, nunca li esta norma, que foi aprovada na revisão constitucional de 1989, senão como comportando todas as garantias de defesa, porque em Estado de direito democrático as formas expeditas de decisão não se identificam com o poder autocrático e menos ainda com o diktat, sem réplica, por parte dos interessados! Este é um princípio basilar em termos de Direito Administrativo português.
A Constituição não se lê "por metade", nem tapando com uma mão aquilo que consta três ou vinte páginas à frente! Portanto, tudo aquilo que, em matéria de garantias de defesa e de perfil do Estado de direito democrático, se aplica a esse ponto, aplica-se a estes processos.
Dito está, Sr. Presidente, a nossa posição nesta matéria é de entusiasmo legislativo em curso e de grande prudência em "obras" que, por serem mais do que voluptuárias, podem introduzir dúvidas sobre o conteúdo da Constituição na sua redacção actual.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, folgo em saber que as iniciativas em curso se mantêm no espírito do Partido Socialista.
Julgo que o que está e sempre tem estado em causa é apurar se o texto constitucional deve ou não reflectir o reforço dos direitos dos cidadãos. Diz o Sr. Deputado José Magalhães que está no espírito da Constituição - e é bom que esteja - que todas as garantias de defesa têm de ser sempre asseguradas, mas todos conhecemos a forma como o exercício do direito de asilo tem sido praticado entre nós, designadamente a forma como a tomada de decisão tem sido feita, a não presença de advogados, a não concessão de intérprete, o não envolvimento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a não possibilidade de as organizações não-governamentais serem envolvidas no processo, todos estes aspectos, dizia, são mais do que sinónimos de que, efectivamente, o exercício do direito de asilo não tem tido uma prática que garanta os direitos daqueles que requerem asilo.
Ora, estando nós a analisar um texto constitucional e a garantir o reforço de direitos, se o espírito que aqui pode gerar algum consenso é, efectivamente, o da garantia dos direitos, não vejo motivos para que essa garantia não fique expressa no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer a seguinte precisão: efectivamente, a questão não diz respeito apenas à legislação existente em matéria de asilo, que é profundamente negativa e relativamente à qual o PCP apresentou já um projecto de lei, visando a sua alteração. Também nos parece que o actual texto constitucional, em particular no que se refere à matéria dos pedidos de asilo, não dá garantias suficientes de defesa de direitos legítimos dos requerentes, na medida em que permite - a menos que haja uma leitura diferente e que, naturalmente, saudaria - que haja uma decisão administrativa de expulsão de cidadãos que tenham apresentado pedido de asilo quando este tenha sido recusado.
Esta situação preocupa-nos, porque todos sabemos que, actualmente, existem formas demasiado expeditas e discricionárias de recusar a concessão de asilo a requerentes, através do processo de decisão acelerada que está a ser aplicado, senão à totalidade pelo menos à esmagadora maioria dos requerentes, e que, na sua esmagadora maioria, se traduz em processos sumários de recusa.
O facto de esses cidadãos, face ao actual texto constitucional, poderem ser expulsos por mera decisão administrativa é algo que nos preocupa, e essa é a razão fundamental da proposta que aqui apresentamos. Portanto, esta não é uma situação que resulta apenas da lei vigente e que, nesse sentido, pode ser revista por essa via. Entendemos, por isso, que o próprio texto constitucional mereceria aqui uma reformulação, sem prejuízo, naturalmente, de o legislador ordinário poder ir mais longe, se o entender, e considerar, ele próprio, que só por decisão judicial é que estes cidadãos poderão ser expulsos.
Em todo o caso, repito, a questão também tem a ver com o texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, nesta sede, o silêncio tem de ser interpretado como não adesão às propostas.
A proposta do PS tem a objecção do PCP e, implicitamente, dos demais partidos e a adesão de Os Verdes.
Srs. Deputados, passamos à discussão das propostas de alteração do PCP e de Os Verdes, não coincidentes mas afins, relativas ao n.º 7 do artigo 33.º.
O PCP propõe o seguinte texto: "A lei regula a concessão do direito de asilo por razões humanitárias" e Os Verdes, mais sumariamente, propõem: "É garantido o direito de asilo por razões humanitárias".
As propostas estão sujeitas à apresentação e justificação pelos proponentes, se o desejarem.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao direito de asilo, até 1993, aquando da sua última revisão (e creio que desde 1980), a lei ordinária previa a possibilidade de concessão pelo Estado português do direito de asilo fundado em razões humanitárias. Efectivamente, a actual formulação constitucional não obriga a isso, uma vez que o n.º 6 do artigo 33.º apenas garante - e leia-se o "apenas" nos seus devidos termos, porque creio que a forma como está
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consagrado é muito relevante - "o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana". Esta é, portanto, a garantia constante do texto constitucional.
Todavia, a lei ordinária previa a possibilidade de concessão de asilo por razões humanitárias em virtude de insegurança motivada pela eclosão de conflitos armados e pela reiterada violação dos Direitos Humanos que se verificasse no país de origem do requerente. E expressámos a nossa opinião negativa quando, em 1993, esta possibilidade de concessão de direito de asilo foi eliminada, embora permitindo que o Estado português conceda, excepcionalmente, uma autorização de residência, não o estatuto de refugiado, a cidadãos que estivessem nessas condições.
Parece-nos negativo que esta possibilidade tenha sido desvalorizada, na medida em que, como se sabe, tem havido, nos últimos anos, um agravamento da eclosão de conflitos regionais e, inclusivamente, mais próximos das nossas fronteiras do que aquilo a que estávamos habituados e, portanto, justificava-se plenamente que esta possibilidade se mantivesse na legislação ordinária.
Também consideramos positivo, e por isso o propomos, que a própria Constituição preveja a possibilidade de, por via legal, regular a concessão de asilo por razões humanitárias. Infelizmente, em matéria de direito de asilo, têm prevalecido mais as razões de política externa do que as razões humanitárias, o que representa, de facto, uma inversão de valores. Seria, pois, importante repor estes valores, de forma a que as razões humanitárias voltassem a ter relevância para efeitos de atribuição de direito de asilo a cidadãos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No essencial, importa-nos repor o que, em Setembro de 1993, a nova lei de asilo veio, na prática, impossibilitar, ou seja, a concessão de asilo por razões humanitárias, designadamente a cidadãos refugiados de guerra, a cidadãos que são obrigados a sair do seu país em virtude da violação e da amputação de direitos, liberdade e garantias.
Em relação a esta questão, julgamos que aquela que é a tendência dominante, designadamente na União Europeia, não deve ser para nós um modelo. Não aceitamos nem entendemos que assim seja! Aliás, num país como o nosso que tem, não muito longe na sua história, registo de muitos cidadãos que foram obrigados a ir para outros países porque, como objectores de consciência, não quiseram fazer a guerra colonial, ou porque se viram limitados nos seus direitos, faz todo o sentido que se defenda que o asilo por razões humanitárias tem valor ético suficiente para que conste do texto constitucional.
Acrescentaria ainda um aspecto, uma vez que o Sr. Presidente, numa observação que fez, acabou por me chamar a atenção de que a proposta de Os Verdes, tal como está formulada, é mais sumária…
O Sr. Presidente: - Mais sumária na formulação, mais ampla na sua ambição!
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Exacto! Mas como esse aspecto pode, porventura, dificultar a sua aceitação, nós admitimos que essa garantia do direito de asilo por razões humanitárias o seja nos termos a definir pela lei, encurtando assim uma amplitude excessiva - excessiva não para Os Verdes mas para aqueles que têm grandes reservas ao direito de asilo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, eu não tenho reservas em relação ao direito de asilo e devo dizer que consideraria insensata a proposta na sua formulação inicial.
Srs. Deputados, está aberta a discussão destas duas propostas de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): -Sr. Presidente, em termos muito sumários, queria referir que creio que não é preciso que a Constituição da República assegure o asilo por razões humanitárias para ele ser consagrado. Isso, aliás, já acontece: o artigo 6.º, mesmo com uma interpretação restritiva (que não pode ser feita), não proíbe que haja uma ampliação de outros casos para a concessão do asilo, e também a Lei n.º 70/93, que regula o direito de asilo, no seu artigo 2.º, admite precisamente o direito à concessão de asilo dos estrangeiros e apátridas que, receando com razão ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas, não possam ou não queiram, em função desse receio, voltar ao Estado de nacionalidade ou residência. Portanto, já está consagrada na lei ordinária não a concessão de um direito de asilo mas a concessão de um asilo aos estrangeiros e apátridas, de forma condicionada, é claro.
A solução que a Sr.ª Deputada de Os Verdes apresenta conduziria a um direito subjectivo internacional com consequências absolutamente perversas, que a própria lei que está em vigor tentou evitar ao não permitir a concessão do asilo por razões humanitárias irrestritas, quando refere que, mesmo por estas razões, não podem beneficiar aqueles que tenham cometido crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a humanidade. Portanto, a solução irrestrita da concessão do direito de asilo, ou da concessão do asilo, levar-nos-ia a postergar estes casos que são, naturalmente, perversos e que a lei afastou.
Por isso, em conclusão, a ideia é aceitável se for contida, isto é, um direito à concessão de asilo dos estrangeiros e apátridas tal como consta da lei ordinária. A Constituição já o permite, não o proíbe - e não pode haver uma interpretação restritiva. E, mesmo que a lei ordinária venha a ser revista, creio que este ponto não é susceptível de grandes alterações, ao que sei do debate que tem sido travado sobre essa matéria.
Já a formulação proposta pela Sr.ª Deputada de Os Verdes teria uma leitura e uma conclusão absolutamente perversa, inaceitável e que, certamente, não está no espírito dos seus autores, a fazer fé nas últimas declarações da Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, a proposta de Os Verdes não colhe o nosso assentimento. Digamos que é impensável, na medida em que a concretização prática de uma proposta deste tipo levaria a situações perfeitamente inimagináveis.
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Nunca poderia haver uma norma deste tipo na nossa Constituição.
Quanto à proposta do Partido Comunista, um pouco mais condicionada nos seus termos, entendemos que ela não faz falta na Constituição, porque a situação já é essa! Actualmente, a lei já regula a concessão do direito de asilo por razões humanitárias, obviamente de forma condicionada. E é à lei ordinária que cabe fazer esse trabalho, como é evidente.
Em suma, a proposta do PCP não acrescenta o que quer que seja à situação actual, uma vez que a lei já regula o direito de asilo por razões humanitárias, colocando requisitos e critérios próprios para a respectiva concessão. E, do ponto de vista do PSD, o texto constitucional não se deve imiscuir nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a minha intervenção destina-se a corrigir alguns aspectos que aqui foram referidos.
Efectivamente, a lei actual não regula a concessão de asilo por razões humanitárias. A lei permite que, excepcionalmente, seja atribuída autorização de residência, o que é muito diferente da concessão do estatuto de refugiado, a cidadãos que estejam naquelas condições. E todos sabemos - foram feitas, aliás, várias reportagens em jornais - a situação em que vivem, em Portugal, cidadãos que tinham autorização de residência por essa via!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado, se me permite a interrupção, creio que não é precisa essa sua afirmação em termos factuais, porque a lei não lhe dá essa designação mas, no n.º 2 do artigo 2.º, estabelece que o estatuto de asilo se deve a razões humanitárias e, mais à frente, no n.º 3, acrescenta que a concessão do asilo nestes casos confere o estatuto de refugiado. Não sei se tem presente esta disposição mas, se quiser, pode confirmar o que acabei de dizer.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, de facto, não tenho presente essa disposição, e confirmá-la-ei, embora não ponha em causa o que acaba de dizer. Mas, dizia, é do conhecimento geral que um número significativo de cidadãos da Bósnia-Herzegovina que entraram em Portugal, ao que foi dito na altura, como refugiados, através de uma operação que, aliás, até teve uma vasta repercussão mediática, passados alguns meses, encontravam-se numa situação de completo abandono (situação que foi vastamente divulgada pela comunicação social), na medida em que não lhes tinha sido concedido o estatuto de refugiado, porque a lei do asilo não o previa.
Aliás, como resposta ao requerimento que dirigi ao Governo relativamente a essa questão, foi-me dito precisamente que esses cidadãos se encontravam em Portugal ao abrigo de uma autorização de residência que não se confundia com a atribuição do estatuto de refugiado.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista, em geral, e o Sr. Deputado Alberto Martins, em particular, invocam a desnecessidade de inscrever determinados princípios ou disposições na Constituição, a benefício da reforma legislativa em curso, reforma que os Srs. Deputados invocam diariamente… Mas, com a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, acabei por não obter grandes garantias no sentido de que essa tal reforma em curso venha a consagrar de novo a concessão de asilo por razões humanitárias.
Lembro, no entanto, que a alteração da lei do asilo, promovida pelo PSD, foi então criticada pelo PCP, alteração que hoje continuamos a criticar, e os Srs. Deputados do PS também adoptaram uma atitude contundentemente crítica, apesar de, neste momento, já terem uma posição muito mais mitigada a esse respeito.
Efectivamente, ainda que numa eventual alteração à lei sobre o direito de asilo se repusesse a situação que existia até 1993, ainda que assim fosse, repito, não estávamos a salvo de uma nova reforma superveniente que colocasse as coisas como elas estão actualmente, ou seja, mal. Portanto, não me sinto tranquilo com as garantias que os Srs. Deputados dão e entendo que era preferível que, de facto, a Constituição dispusesse, ela própria, que a lei deverá regular os termos em que será concedido o estatuto de refugiado por razões humanitárias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar (e a questão foi suscitada pela intervenção do Sr. Deputado Marques Guedes), afirmei que Os Verdes vão alterar a formulação inicial da sua proposta, ou seja, estamos a falar da garantia de direito de asilo por razões humanitárias nos termos a definir na lei. Irei redigir a proposta nesses precisos termos para fazermos, então, uma segunda leitura e discussão sobre esta matéria.
A minha segunda observação é dirigida ao Partido Socialista: efectivamente, não tive tempo de localizar no Diário a discussão feita em Plenário sobre a lei de asilo mas, nesta matéria, a memória não me é curta e lembro-me dos termos exactos em que a discussão foi feita também pelo Partido Socialista. E a leitura que o PS fazia, tal como os demais, era a de que, na actual lei de asilo - a Lei n.º 70/93 -, a concessão do asilo por razões humanitárias estava excluída.
Pergunto ao Sr. Deputado Alberto Martins, concretamente, se entende ou não que refugiados de guerra devem ser objecto, se o requererem, de análise para concessão do asilo por razões humanitárias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesta fase do debate, gostaria apenas de fazer duas precisões.
Em primeiro lugar, estando nós a discutir uma revisão constitucional, não faz grande sentido transportar cargas de medição do entusiasmo, do desentusiasmo, das intenções prospectivas do legislador numa matéria em que o legislador tem dado provas de fazer trabalho conjunto, público, não secretista e imbuído de um espírito de consideração equânime, muito cuidadosa e muito alargada dos problemas muito melindrosos que estão em curso perante nós.
Em matéria de asilo por razões humanitárias, não decaímos de coisa nenhuma. Mas, por favor, não me peçam que berre isto, e que berre muitas vezes, para os persuadir do meu entusiasmo profundo, porque essa convicção não deve ser tratada assim por parte de ninguém em relação a qualquer um de nós.
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Portanto, não aceitamos, nem estamos sujeitos a essa impetração, ou a esse juízo. E temos provas dadas, credenciais, não precisamos que elas nos sejam atribuídas por ninguém, e provamos isso na "boca" e na prática.
Não faria o debate nesses termos, porque nesta matéria ninguém dá aulas a ninguém. É bom que tal fique claro e não nos perturbe.
Dito isto, estas matérias devem ser tratadas com grande cuidado. Por exemplo, ninguém propôs, ninguém absolutamente!, a não ser que a Sr.ª Deputada Isabel Castro nos acabe de revelar uma outra nuance da sua proposta, que questões relacionadas com o fluxo de populações expulsas pela guerra - e pensemos na guerra da Bósnia ou do Ruanda, etc. - ficassem incorporadas na proposta, tal qual vem formulada, obrigando o Estado português, nessa redacção a, em todos e em cada um dos casos, fazer uma concessão de asilo, com todas as consequências, designadamente do ponto de vista de apoio social e de direitos de acompanhamento.
A situação dos refugiados de guerra é melindrosa, extraordinariamente melindrosa, para a qual estamos a buscar instrumentos de carácter convencional, de direito interno, com grande cuidado e movimentação mundial e europeia, mas a consagração constitucional, por grosso e em termos absolutos, totais e sem excepções, teria consequências que, naturalmente, julgava eu, nenhum de nós podia, de ânimo ligeiro e com grande simplicidade, assumir, ainda por cima em nome de uma espécie de defesa à outrance de valores que, aparentemente, não seriam defendidos da mesma maneira por outros.
Sr. Presidente, em relação a esta matéria, conhecemos rigorosamente a história do artigo 10.º da Lei n.º 70/93 (o regime excepcional por razões humanitárias), defendemos o que defendemos na discussão dessa matéria em sede de especialidade, bem como posteriormente, e estamos agora a fazer os esforços que estamos a fazer em matéria de direito ordinário.
Em relação às propostas tal qual estão redigidas, e não tal qual são imaginadas, a nossa posição é a que deixámos enunciada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Do ponto de vista do Partido Popular, obviamente as propostas não merecem o nosso acolhimento pela abrangência que as mesmas poderiam gerar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, verificado o não acolhimento da proposta, passamos à proposta de Os Verdes de um novo artigo 33.º-A (Liberdade de domicílio).
Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, se me permite, deixe-me que transmita uma perplexidade: porquê consagrar a liberdade de domicílio (que, de resto, está consagrada no artigo 44.º da Constituição) nesta sede, autonomizando-a? A Sr.ª Deputada podia começar por aí, desde já justificando a minha perplexidade.
Antes, porém, vou ler o teor da proposta de artigo 33.º-A, do Partido Ecologista "Os Verdes": "O domicílio é livremente fixado e estabelecido pelos cidadãos, sendo proibida toda a ingerência das autoridades públicas de que resultem limitações a esse direito".
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não discuto se a localização ou a inserção desta matéria nesta sede é a mais correcta, mas o objectivo deste novo artigo é o de impedir as limitações e as fixações de domicílio a que estão obrigados alguns cidadãos portugueses em função da sua actividade, como é o caso, por exemplo, de alguns trabalhadores da função pública.
Era este e tão-só este o objectivo deste artigo novo proposto.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, o que é que a norma proposta acrescenta ao actual texto constitucional, na medida em que o n.º 1 do artigo 44.º da Constituição já estabelece que "A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional"?
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o nosso objectivo é o de reforçar as liberdades dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em consideração esta proposta de aditamento de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD não vê utilidade nesta alteração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, compreendo a proposta de Os Verdes, sobretudo na parte em que se refere à proibição da ingerência das autoridades públicas de que resultam limitações a esse direito. De facto, algumas são sobejamente conhecidas.
Lembro que, por exemplo, face ao Estatuto da Guarda Nacional Republicana, um elemento da GNR cujo quartel se situe em Lisboa não pode morar em Setúbal, na medida em que há uma limitação de, creio, 50 km. Isto é, um elemento dessa força de segurança que resida a mais de 50 km já precisa de autorização especial do Comando para que tal seja possível. Considero que essa situação é inconstitucional, mesmo perante o texto constitucional actual.
Há um outro caso…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, se são essas situações que os senhores querem proibir, então, eu digo redondamente "não" a esta proposta! Por favor, haja moderação…
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, no Estatuto dos Bombeiros Profissionais também existe uma disposição desse tipo e que me parece perfeitamente injusta. Não vejo justificação para isso, sinceramente. Portanto, creio que faz sentido acabar com estas situações.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em todas as ordens jurídicas, não só em Portugal, o exercício de certos cargos sempre esteve ligado à obrigação de residência! Tradicionalmente, o nosso direito até estabelecia a obrigação de residência do funcionário público no lugar do exercício; há uma série de funções que exigem residência dos que as querem exercer próxima do lugar de exercício. O que é que isto tem de inconstitucional? A pretensão de proibir é, a meu ver, totalmente insensata!
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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, neste caso, colocaria a questão ao contrário: qual é o alcance efectivo da norma constitucional? Se a norma constitucional não proíbe limitações desse tipo, isto é, que eu tenha de pedir autorização ao meu chefe para residir onde quero, então, qual é efectivamente o seu real alcance?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente que não é isso que está em causa!
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, a questão que se coloca é essa, a que se prende com o exercício de algumas actividades. Diziam os Srs. Deputados que cada um tem a actividade pela qual opta, mas eu não sei se é pela qual opta ou se é aquela que, por exclusão de partes, foi obrigado a optar. Este é o primeiro ponto.
Em segundo lugar, penso que a definição de regras só faz sentido não como um fim em si mesmo mas como um meio que não conflitue com o exercício de determinadas actividades. Portanto, não me parece justo que cada cidadão não possa escolher livremente a sua residência, ou não tenha esse direito, antes tenha de se submeter a uma autorização superior, desde que isso, na prática, não conflitue com o exercício cabal da sua actividade.
Manifestamente, julgo que definir, à partida, uma hierarquia e uma obrigação não faz sentido. Portanto, é essa limitação da liberdade individual que entendo que não deve existir.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, se me permite a observação, é óbvio que o simples princípio do Estado de direito proíbe limitações arbitrárias ou desproporcionadas, não é preciso consagrá-lo! Mas o que a Sr.ª Deputada quer é, obviamente, algo diferente que, penso, não deve ser querido.
Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre a proposta de Os Verdes, que não mereceu acolhimento.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 34.º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência).
Em relação ao n.º 4, que estabelece "É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.", o Partido Socialista propõe duas alterações: por um lado, que se acrescente "e nos demais meios de comunicação privada" e, por outro, elimina a excepção que consta do actual texto da Constituição.
A Sr.ª Isabel de Castro (Os Verdes): - O que é gravíssimo!
O Sr. Presidente: - O Partido Socialista quer proibir as escutas telefónicas judicialmente definidas?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, explique-nos, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, desejamos alargar a protecção a todos os meios de comunicação privada e é por manifesto lapso que não consta a última parte do preceito onde deve figurar.
Vozes do PSD, do PCP e de Os Verdes: - Ah!
O Sr. José Magalhães (PS): - Aliás, foram distribuídas várias erratas ao projecto do Grupo Parlamentar do PS. Tenho uma delas na mão e foi distribuída uma outra para essa norma. Portanto, se têm emoção é porque não "sherlockaram" na altura própria…
O Sr. Presidente: - Está corrigido o teor da proposta do Partido Socialista, que se resume ao aditamento da expressão "e nos meios de comunicação privada".
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto, Sr. Presidente, trata-se apenas do aditamento aos outros meios de comunicação privada.
A explicação desse aditamento prende-se, obviamente, com o alargamento dos meios de comunicação entre pessoas e o crescente uso de formas de correio electrónico, que não utilizam exclusivamente a rede telefónica e que podem utilizar outros meios, designadamente meios sem fios e outros bastante sofisticados.
Convém, por isso, não excluir nenhum meio de comunicação privada, que tenderão a ser os mais frequentes, a não ser que se adopte um conceito abrangente de telecomunicações ou de correspondência, o que seria naturalmente uma via…
O Sr. Presidente: - É o que a doutrina e a jurisprudência fazem, Sr. Deputado!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta "cibernética" merece-nos, no seu objectivo, toda a simpatia mas, de facto, parece-nos inútil mexer no texto constitucional.
A leitura que fazemos é a seguinte: onde se lê, no texto constitucional, "e nas telecomunicações" - e penso que esta é a leitura pacífica para toda a gente, para a doutrina e a jurisprudência -, deve incluir-se nesse conceito todos os meios, mesmo aqueles a que o Sr. Deputado José Magalhães se referia quando explicitou o propósito do PS. Estamos de acordo com o objectivo, mas pensamos que não é necessário introduzir esta alteração na Constituição.
O Sr. Presidente: - Alguém mais quer pronunciar-se sobre a proposta?
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas ainda não me foi distribuída a errata da proposta do PS.
O Sr. Presidente: - Para já, Sr.ª Deputada, a errata foi apresentada oralmente.
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Peço desculpa, mas com o ruído de várias vozes, não consegui perceber qual a alteração a introduzir no texto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem toda a razão quanto às "várias vozes", e o primeiro a queixar-me sou eu próprio!
O n.º 4 do artigo 34.º proposto pelo Partido Socialista é do seguinte teor: "É proibida toda a ingerência das
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autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação privada, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal".
Portanto, manter-se-ia o que consta do texto constitucional, aditando apenas a expressão "e nos demais meios de comunicação privada".
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Assim sendo, a proposta merece o nosso acolhimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Em virtude da intervenção do PSD sobre a desnecessidade de aditar, a proposta não mereceu acolhimento.
Vamos passar ao artigo 35.º, começando pelas propostas de alteração.
O PS apresenta uma proposta para o n.º 3, onde prevê duas alterações: uma, acrescentando a proibição de tratamento informático de dados de origem étnica, e outra, acrescentando que a proibição de tratamento de dados informáticos dos dados referidos no artigo - dos que constavam e do acrescentado - pode ser superada mediante consentimento pessoal expresso daqueles a quem os dados respeitem e sem prejuízo do n.º 2.
Vou submeter à vossa consideração esta proposta do Partido Socialista, mas, antes, dou a palavra aos proponentes para a apresentarem e justificarem, se for caso disso.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaríamos de propor que, sobre esta matéria, fosse ouvida, formalmente, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, por razões que dispensam grandes explicações mas, sobretudo, pela seguinte: hoje em dia, a reflexão em curso em instâncias internacionais dos mais diversos tipos e índoles e nos mais diversos Estados, designadamente nos da União Europeia, encara, com crescente preocupação, não a expansão do uso de meios informáticos tal qual existiam nos tempos em que a norma constitucional que estamos a discutir foi aprovada, ou seja, computadores isolados, desligados uns dos outros ou redes de alcance limitado, mas os problemas decorrentes da explosão de redes mundiais interligadas, Internet ou outras, o que coloca, naturalmente, extraordinárias possibilidades ao nosso alcance, do ponto de vista da construção da democracia, da renovação dos métodos de comunicação e da resolução de problemas de acesso ao conhecimento e de circulação de informação mas também problemas sérios e bastante significativos de potenciais violações de outros direitos relevantes e, inclusivamente, de alguns imperativos de segurança.
Não estão ainda maduras as condições para enquadrar e regular muitas dessas questões, mas algumas delas estão a ser objecto de esforços de reflexão e de regulação, designadamente no âmbito da União Europeia. Recentemente, e finalmente, no fim do ano passado, foi aprovada uma directiva europeia em matéria de protecção de dados pessoais, a qual introduz significativas alterações ao, digamos, pensamento europeu sobre esta matéria e tem implicações que estão por transpor na ordem jurídica portuguesa a nível de direito ordinário que implicam, seguramente, a revisão da Lei n.º 10/91, que tem traços de anquilosamento e de desactualização de que estamos cientes. E digo isto apenas para sublinhar que há questões novas que estão por equacionar e outras, designadamente no domínio de novas e potenciais ameaças à segurança e à privacidade das pessoas.
Portanto, as obras a fazer no texto constitucional, provavelmente, terão que esperar por alguma sedimentação da reflexão que está em curso, em diversas instâncias, e terão que ser decantadas pelo legislador ordinário e testadas antes de serem transpostas para o texto constitucional.
Será, no entanto, prudente ouvir a CNPDPI sobre algumas dessas questões - e se a CNPDPI serve para alguma coisa é também para funcionar como instância consultiva do Parlamento em circunstâncias destas -, para sabermos se há alguma que deva ser considerada nesta sede.
Pela nossa parte, na altura em que fizemos o projecto de revisão constitucional - e não o alterámos em relação à versão que tínhamos apresentado na revisão constitucional anterior, em 1994, neste ponto -, limitámo-nos a colocar duas questões, sendo a segunda a da extensão de regras de protecção aos seres manuais, questão bastante importante e que decorre, de resto, da directiva que referi, e a de uma flexibilização da norma constitucional. Ou seja, sem prejuízo do n.º 2 do artigo 35.º, não vemos razão para não flexibilizar a proibição constante do n.º 3, se houver consentimento pessoal expresso daqueles a quem os dados dizem respeito.
Sem isso, Srs. Deputados, cairemos numa de duas situações: ou numa situação de bloqueio ou numa situação de hipocrisia. E o bloqueio é, como bem se compreende, impensável, uma vez que paralisaria, pelo menos, a vida sindical, quiçá a vida partidária ou obrigaria os partidos a utilizarem fichas manuais num determinado sentido ou até, enfim, a memória mental.
Por outro lado, Sr. Presidente, propomos um aditamento que nos parece apropriado, isto é, a informática não deve ser utilizada para tratamento de dados referentes a origem activa, com estas limitações e neste quadro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já que foi citada a proposta de aditamento do Partido Socialista, por parte do seu proponente, importa também mencionar, sobre esta matéria, a proposta de aditamento do PCP relativamente a um outro número, que seria o n.º 2, segundo a qual os cidadãos têm direito a obter, nos termos da lei, mandato judicial de acesso aos dados informáticos previstos no n.º 1, no caso de lhes ser recusado esse acesso. Há, no entanto, uma proposta de…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra…
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Barbosa de Melo?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Muito bem! Suponho que o Sr. Deputado António Filipe também pretende inscrever-se para o mesmo efeito…
O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, na sua intervenção, que ouvi atentamente, aliás, dela resulta a atitude do Partido Socialista, que é a de esperar pela sedimentação de toda esta temática e de alertar para o facto de existirem aqui problemas novos, não sendo, eventualmente, ainda a altura de se mexer na Constituição, houve um passo que se traduz numa inovação e o Sr. Deputado só passou por ele muito de raspão, pelo que quero ver se obtenho de si melhor explicitação.
Porquê proibir a utilização da informática para registo de dados referentes à origem étnica?! Vamos imaginar a seguinte situação, que não é absurda, do ponto de vista da experiência que se vai fazendo: há uma doença a que são particularmente atreitos os indivíduos de uma determinada origem étnica. Não pode isso figurar, não pode ser tratado, para este efeito, para se saber, até para efeitos de saúde pública, que aquelas pessoas deverão, eventualmente, ser objecto de tratamentos diferenciados, mais favoráveis, e que deverão ser mais protegidas?! E, todavia, isto tem, na sua base, um dado étnico. Há aqui delicadezas, Sr. Deputado! E uma proibição em geral também se pode traduzir numa desprotecção das pessoas.
Era só isto que gostaria de ver mais desenvolvido.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, em primeiro lugar, e já agora, aproveito para dizer que me parece adequado ouvir a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, na medida em que, apesar do esforço do legislador, de facto, a evolução informática é substancialmente mais rápida do que a evolução legislativa.
Mas a questão que quero colocar é a seguinte: com a Constituição e a legislação que temos, qual é a relevância que atribui, hoje, ao consentimento expresso? É uma questão que tem vindo a ser discutida, a de saber se, actualmente, mesmo o consentimento expresso releva quanto à possibilidade de tratamento de alguns destes dados aqui referidos, pelo que gostava de conhecer a posição do Sr. Deputado José Magalhães relativamente a esta matéria, sem que isto represente qualquer objecção de princípio à proposta que faz. Creio, no entanto, que era importante termos uma ideia sobre o entendimento que existe quanto ao enquadramento actual, para que, depois, possamos decidir quanto ao enquadramento futuro.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o n.º 3 do artigo 35.º da Constituição salvaguarda, em grande medida, preocupações que o Sr. Deputado Barbosa de Melo exprimiu, porque, quanto ao processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis, embora possam ser extratados de situações individuais mas que se tornem, no processo de tratamento, individualmente não identificáveis, não há problemas relevantes.
O problema de deixar a descoberto a questão da origem étnica é melindroso e devo dizer que é quase tão melindroso como um aspecto para o qual foi ontem chamada a atenção por uma cadeia de televisão norte-americana: descobriu-se, em face de um determinado estudo estatístico, que, no tratamento concreto de cidadãos, no chamado medic care, que abrange cidadãos com mais de 65 anos, havia uma discriminação em certos casos de 128% menos de tratamento, noutros casos de 250% menos de tratamento, em função da cor. Ninguém sabia disto, ninguém tinha estudado isto a esse ponto, num país como aquele que estou a referir - os Estados Unidos - e trago isto à colação apenas para acentuar que se trata de questões de quase dramática importância e que a abertura a tratamentos que possam singularizar e distinguir em função da origem étnica pode ter uma face perversa e perigosa que convém acautelar.
Por isso, nas convenções a nível europeu, na directiva europeia, houve consenso, sobretudo em clima de xenofobia ou de combate à xenofobia e ao racismo, para incluir essa menção, a qual nos parece, hoje, um cuidado tão relevante como os outros que constam da norma constitucional ab origine.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa mas deixei em aberto uma dúvida suscitada pelo Sr. Deputado António Filipe…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, peço-lhe para acrescentar a leitura desse elemento da convenção europeia que acabou de citar. Onde é que está isso no texto europeu? Onde é que consta que é proibido utilizar dados referentes à origem étnica, em termos informáticos, para fins médicos ou para outros fins?
O Sr. José Magalhães (PS): - Nós facultaremos uma cópia, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Agora, em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado António Filipe, do cabimento, chamemos-lhe assim, da norma do consentimento expresso face à norma constitucional em vigor, nós aprovámos, como todos nos lembramos, e sem polémica especial, se bem me lembro, uma alteração à Lei n.º 10/91, precisamente no sentido de dar relevância ao consentimento expresso em certas circunstâncias, para permitir o tratamento de determinado tipo de dados. E, de resto, creio que sem isso a banca, entre outras coisas, parava. Mas fizemo-lo com algumas dificuldades hermenêuticas que gostaríamos, precisamente, de aclarar aqui. Ou seja, se, em face do texto actual, se podem suscitar dúvidas sobre a compatibilização entre o regime que hoje consta da lei e o quadro constitucional interpretado de determinada forma, esta clarificação resolveria, naturalmente, essas dúvidas e poderíamos recorrer, sem rebuço, embora com todas as cautelas, em termos de lei ordinária, a mecanismos, sublinho, de autorização expressa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quero fazer uma pequena adenda, na sequência do que disse o meu colega José Magalhães.
Relativamente a esta questão do consentimento, recordo-me que, na altura em que houve esta disposição constitucional, teve de ser feito um grande esforço interpretativo para não ilegalizar, por exemplo, os ficheiros
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das organizações sindicais, indo ao encontro de um entendimento de liberdade relacional, porque, numa interpretação restritiva, eles seriam ilegalizados ou, naturalmente, inconstitucionalizados.
A questão que aqui se coloca, que o Sr. Deputado António Filipe colocou e que, aliás, é apontada pela doutrina, é a de saber se este livre consentimento não será o denegar de um direito fundamental. A ideia que está nas convenções e na própria lei ordinária, na nossa lei ordinária em vigor sobre esta matéria, é a de que este consentimento pessoal expresso deve ser claro, livremente expresso, e nunca um consentimento implícito. Portanto, há a ideia, em termos doutrinários e em termos daquilo que se pretende com este consentimento - e que decorre da directiva já aprovada pela União Europeia -, da existência destas três regras: o consentimento tem de ser claro, livremente expresso e não pode, nunca, ser implícito.
Por outro lado, ainda como adenda informativa à interpretação que o Sr. Deputado José Magalhães fez e até para dar conta das dificuldades e da complexidade a que ele aludiu, hoje, em termos de Conselho de Ministros e de Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre esta matéria, o que mostra a dificuldade do tema, há recomendações sobre os seguintes pontos: a protecção de dados nos bancos de dados médicos automatizados, os bancos de dados de investigação científica estatística, os dados sobre marketing directo, segurança social, polícia e emprego, os bancos de dados sobre pagamentos electrónicos e moeda electrónica, os dados sobre organismos públicos e os bancos de dados no domínio dos seguros. Em todos estes domínios da vida social, há recomendações, o que mostra que qualquer consagração legislativa, constitucional ou ordinária, não pode ir muito além de princípios, sob pena de ser ultrapassada pela velocidade da vida real.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - De princípios e muito cautelosos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está feita a apresentação das propostas e as dificuldades que elas levantam, está feita uma sugestão do PS, secundada pelo PCP, para ouvirmos a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados - suponho que é este o nome que corresponde a uma sigla ilegível, que é CNPDPI - e para, suponho, sobrestarmos até termos as opiniões dessa Comissão.
Esta sugestão está à consideração, pois parece-me que se exige consenso para esta audição.
A sugestão está feita, está apoiada… A Sr.ª Deputada Helena Santo também converge nesta sugestão?
A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, suponho que não temos vantagem em prosseguir a discussão.
Nestes termos, ficam abrangidas na reunião de audição da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados todas as propostas relativas ao artigo 35.º e eu encarregar-me-ei de oficiar à Comissão para vir aqui, num prazo razoável, até ao fim do mês ou, no máximo, dentro de 10 ou 15 dias, pelo que só voltaremos ao artigo 35.º quando tivermos as opiniões dessa Comissão.
Assim sendo, Srs. Deputados, passamos ao artigo 36.º, relativamente ao qual existem propostas de alteração de Os Verdes.
Importa apreciar, em primeiro lugar, a proposta de alteração de Os Verdes para o n.º 1. Segundo esta proposta, onde a Constituição estabelece "Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade" deve estabelecer "Todos têm o direito de constituir família e o direito de contrair casamento em condições de plena igualdade, de acordo com a sua livre opção".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, fundamentalmente, a proposta de Os Verdes em relação ao artigo 36.º, concretamente ao n.º 1, visa sublinhar e reforçar a autonomização de dois direitos distintos. Há afloramentos na lei ordinária que já equacionam, de algum modo, aquela que é a realidade, ou seja, que o casamento é uma das formas de constituir família mas há outras formas de constituir família, há outras expressões, outras modalidades de constituir família. Ora, nós entendemos que a protecção à família e a importância que a família tem na sociedade deve ter também, no texto constitucional, uma expressão que garanta essa protecção. Portanto, a redacção que propomos para o n.º 1 visa reforçar e sublinhar aquilo que alguns afloramentos e algumas leituras do conceito de família já hoje englobam.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à vossa consideração a proposta de Os Verdes, nos temos em que foi apresentada.
Ninguém se quer pronunciar?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, hesito em qualificar a minha intervenção como um pedido de esclarecimentos, porque quero apenas lembrar à Comissão o valor simbólico, digamos, que este texto tem para os constituintes, e estão aqui, pelo menos, três constituintes.
Foi um grande avanço da Constituição portuguesa, de uma forma elegante e subtil, o ter consagrado o direito de constituir família e o direito de contrair casamento, como duas coisas diferentes, e por esta ordem. No contexto do tempo, isto é, em 1976, foi um passo significativo no conjunto da legislação constitucional europeia.
Por outro lado, o exercício que aqui se traz, do meu ponto de vista, não acrescenta coisíssima nenhuma ao que consta da Constituição. Parece-me que este texto, para nós, que estamos a rever isto, é lapidar e não deveríamos tocar no que quer que fosse, pois já demos um grande passo na história comparada do direito constitucional europeu. Era só isto que queria dizer.
O Sr. Presidente: - Para responder, e não foi propriamente um pedido de esclarecimentos que foi feito pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não rejeito, revejo-me e saúdo aqueles que, em 1976, souberam, no texto constitucional, corresponder à consagração daquilo que são dois direitos distintos, e que, na sociedade
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portuguesa, não tinham ainda a sua expressão, e tiveram em conta que a família assumia diferentes modalidades, tendo garantido, porventura de modo antecipativo, esse direito. Portanto, louvo quem, na altura, trabalhou e reflectiu essa garantia no texto constitucional.
Porém, aquilo que se pretende com esta expressão não é, de modo algum, enjeitar esse património, que consideramos importante e que deve ser preservado, mas sublinhá-lo.
Há ainda um outro aspecto relativamente ao qual não me pronunciei, nem nenhum dos Srs. Deputados, e que é uma adenda àquele que é hoje o n.º 1, na parte em que se propõe "de acordo com a sua livre opção". Esta é uma questão que tem a ver ou que se inscreve naquilo que noutros artigos do projecto de Os Verdes está contido, nomeadamente nos direitos das minorias e no reconhecimento desses direitos. Não se trata de uma discussão que já se esteja a fazer na sociedade portuguesa mas, como tivemos oportunidade de receber associações autónomas de cidadãos que já vêm colocar esta questão e é um debate muito vivo, neste momento, em França, entendemos que o texto constitucional não deve fechar a possibilidade, deve, antes, indiciá-la, de no conceito de família também poder ser considerada a modalidade de duas pessoas do mesmo sexo vivendo em conjunto. Quando também já se discute e há decisões do tribunal em matéria de não atribuição de tutela de menores a casais de homossexuais, parece-nos que é uma questão importante e que começa a haver aqui aspectos que importa ter em conta no texto constitucional.
Em relação aos outros números do artigo 36.º, como não há outras propostas de outros partidos, não sei se haverá ou não interesse em apresentar, desde já, as nossas…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tenho por hábito fazer a apreciação número a número, pelo que, depois de ultrapassado este, iremos às outras propostas de Os Verdes. Creio que tenho tornado claro que nenhuma proposta deixa de ser apresentada e discutida.
Srs. Deputados, não havendo mais intervenções quanto a esta proposta…
Peço desculpa, suponho que o Sr. Deputado Alberto Martins estava inscrito para usar da palavra…
O Sr. Alberto Martins (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que posso concluir que não há acolhimento para o aditamento desta expressão ao n.º 1 do artigo 36.º.
Passamos agora à apreciação da proposta de aditamento, também de Os Verdes, de um novo n.º 3 ao referido artigo 36.º, passando o n.º 3 actual a n.º 4. A proposta é do seguinte teor: "A união de facto é equiparada ao casamento para todos os efeitos nos termos da lei".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, esta proposta decorre, de algum modo, daquilo que, no n.º 1, já se pretende reforçar, porque, efectivamente, independentemente de, em 1976, o texto constitucional ter previsto os dois direitos, ter autonomizado o direito de constituir família e o direito de contrair casamento, a realidade é que esta equiparação se começa a reflectir em alguns aspectos, designadamente em termos da transmissão do arrendamento, em termos do regime de faltas na função pública ou mesmo em termos de prestações da segurança social.
Portanto, em alguns aspectos há uma evolução em relação a este conceito de família, noutros aspectos não existe essa evolução, como, por exemplo, no âmbito da incidência fiscal, da tributação, que penso ser um dos domínios em que, com mais dureza, as coisas são postas preto no branco, pelo que entendemos que é importante introduzi-lo aqui, reforçando aquilo que já foi introduzido, em 1976, no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas deixar uma nota. É que, sem prejuízo de algumas virtualidades que pudesse ter uma norma desta natureza e de reconhecer alguns dos problemas que podem ser colocados por uma norma desta natureza, chamo a atenção para a circunstância de que esta norma, em última análise, estabelecendo uma equiparação legal sem mais, para todos os efeitos, pode acabar por constituir também uma restrição a direitos, liberdades e garantias, na medida em que há quem opte pela união de facto precisamente para não obter os efeitos inerentes ao casamento.
Portanto, compreendo a preocupação e reconheço que, em alguns domínios, é necessário estabelecer essa equiparação, mas essa equiparação absoluta, sem mais, parece-me que acaba por ser um condicionamento à própria liberdade, designadamente à liberdade de constituir família, como algo distinto da liberdade de contrair casamento, conforme está estabelecido no próprio n.º 1.
Assim, sem prejuízo da bondade da intenção, a amplitude da fórmula parece-me ser perigosa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que a intenção da proposta tem bondade, mas parece-me que deveria ser repensada a fórmula, porque há quem entenda, e na nossa opinião é um bom entendimento, que as relações entre dois unidos de facto já são relações de família, embora haja quem interprete o n.º 1 como estando relacionado com este n.º 3. Há quem entenda, como, por exemplo, a Dr.ª Leonor Beleza, que, embora seja referida a família nos termos do n.º 1, isso não significa que haja família entre duas pessoas unidas de facto mas já há família entre essas duas pessoas não casadas, enquanto progenitores, individualmente considerados, em relação à própria filiação.
É difícil mexer no n.º 1 da Constituição, mas, de qualquer forma, compreendendo as intenções desta proposta, se houver possibilidade de encontrar uma fórmula que afaste as discussões sobre se uma união de facto sem filhos constitui ou não família, haverá alguma utilidade nisso, porque isso pode ter repercussões, nomeadamente a nível de questões fiscais.
Em relação à fórmula que está na Constituição, penso que talvez seja muito abrangente fazer uma equiparação total em relação ao casamento, mas entendemos que, de facto, em matéria de lei ordinária, devem ser feitos mais avanços no domínio dos direitos da união de facto.
A verdade é que há casamentos e há pessoas que não optam pelo casamento e, portanto, face ao estado actual
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da evolução da sociedade, e porque não estamos nos tempos de Gil Vicente em que os casamentos por palavras de presente, ou seja, as uniões de facto eram reconhecidas em igualdade de circunstâncias com os chamados casamentos de benção, penso que, de facto, a proposta apresentada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, merecendo a nossa simpatia, até porque nesta Assembleia já apresentámos, mais do que uma vez, iniciativas legislativas para alargar os direitos da união de facto, deve ser ponderada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma pequena pergunta à Sr.ª Deputada Odete Santos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa mas, antes, está inscrito o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não há problema, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvi a sua intervenção e fiquei com dúvidas quanto à sua interpretação em relação ao facto de, constitucionalmente, o casal nascido de uma união de facto ser ou não família. É também família, não é verdade, Sr.ª Deputada?! Não há dúvidas em relação a isso?!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O "casal nascido"?!
O Sr. Alberto Martins (PS): - O casal nascido da união de facto é família, não é?!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Bom! Eu estou a reportar-me a uma interpretação que é feita por alguma doutrina - é verdade! - e até citei, por exemplo, a Dr.ª Leonor Beleza que defende que família, numa união de facto com filhos, é só o pai relativamente aos seus filhos e a mãe relativamente aos seus filhos, mas que não haverá família entre os dois progenitores. Esta é uma interpretação errada, em nosso entender, mas é uma interpretação que tem sido feita em relação ao n.º 1, embora eu não esteja de acordo com ela.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Nós também não!
O Sr. Presidente: - Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, a questão é esta: é que constitucionalizar a união de facto é, na verdade, restringir o direito.
Vozes do PCP: - Já está constitucionalizada!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não está nada! Deixem-me acabar!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No n.º 1 está!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não é isso! Vamos lá ver se a gente se entende!
A união de facto pressupõe a vontade de ambas as partes. Certo?! Constituir família é diferente de celebrar um contrato, não é verdade?! Portanto, se A e B resolvem ou não casar é um direito que lhes assiste. Ora, pretender que o facto de não terem celebrado casamento lhes atribui rigorosamente o mesmo estatuto jurídico é, do meu ponto de vista, uma imposição intolerável às pessoas. É que as pessoas fazem as suas opções e têm direito à sua opção! Não lhes pode ser imposto um regime jurídico contra a sua própria vontade!
Questão diferente é considerar efeitos jurídicos à união de facto. E a lei ordinária considera-os, como sabe, em vários aspectos, nomeadamente o direito à pensão de alimentos sobre a herança do sobrevivo numa união de facto.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora).
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Está bem, mas fala depois! Enquanto eu estiver a falar, falo eu, depois fala a Sr.ª Deputada Odete Santos.
Portanto, quero dizer o seguinte: não me parece que o legislador ordinário esteja impedido de regular a situação concreta da união de facto, de forma a obstar a efeitos negativos ou perniciosos dessa mesma união. Agora, o que me parece é que não se pode dizer que a união de facto é equiparada ao casamento, porque, sendo assim, recusa-se às pessoas o direito a viverem de uma forma diversa daquela que é consagrada na lei para o casamento. Desculpe, mas não me parece que possa ser aceite esta fórmula! E isto nada tem a ver com a outra questão concreta dos efeitos que possa produzir uma união de facto.
De resto, o n.º 1…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Strecht Ribeiro, peço-lhe para abreviar, porque eu tinha o propósito de terminar a reunião às 12 horas e 30 minutos com a apreciação deste artigo encerrada e parece-me que já não consigo fazê-lo.
Em todo o caso, peço-lhe que abrevie.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
O n.º 1 do artigo 36.º distingue, claramente, duas situações: uma é a de constituir família, outra é a de contrair um dado contrato, o contrato de casamento. Portanto, parece-me evidente que são situações diversas e não podem ser tratadas de forma igual.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu disse isso?! Eu disse precisamente o contrário!
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não estou a dizer que disse, estou a dizer-lhe o meu ponto de vista.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, vou dar-lhe a palavra, mas peço-lhe que seja breve.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro, pela intervenção que fez, que disse que me era dirigida,…
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não era!
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … revelou que não ouviu a minha intervenção, porque o que eu disse é que… Olhe, até disse que, na situação actual, em que há casamento e pessoas que optam pelo casamento, é evidente que a fórmula proposta será até abrangente demais. E até disse que, nos tempos antigos - sim! - havia uma equiparação. Aliás, citei o Gil Vicente, as palavras de presente e o casamento de benção.
Portanto, eu não disse aquilo que o Sr. Deputado me atribui. O que eu disse foi que talvez seja muito difícil mexer no n.º 1 para esclarecer algumas interpretações que têm sido feitas, quanto a nós, de forma incorrecta, em relação ao conceito de família, mas o local onde isto poderia ser esclarecido seria o n.º 1. De resto, em relação a outras questões, entendo que a legislação ordinária deve dar cumprimento ao n.º 1, que, em nosso entender, estabelece que uma união de facto é família. Deve dar cumprimento, sublinho, porque não tem sido dado, tem havido alargamentos mas não tem sido dado cumprimento. Estou a lembrar-me, por exemplo, nomeadamente, de uma matéria que tem muita importância para as uniões de facto, até porque, às vezes, não é assim tão voluntariamente que uma das pessoas está em união de facto e não em casamento, uma vez que há muitos casos em que é o outro que não quer casar, que é a questão do património. Às vezes, há questões que se colocam na prática, muito dramaticamente, em que é preciso recorrer aos subterfúgios das acções por enriquecimento sem justa causa, o que é complicadíssimo. Por isso mesmo, a legislação ordinária deveria prever um regime especial para o património que abrangesse as uniões de facto.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Mas eu estou de acordo…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados…
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada, mas seja breve.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não quero deixar por esclarecer algumas questões, uma das quais é uma questão muito curiosa que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro colocou, que é, no fundo, a de saber em que medida é que o exprimir, nestes termos, a equiparação não mexe com a liberdade individual. Para mim, trata-se de uma questão muito importante e entendo que não mexe ou, pelo menos, não é esse o nosso entendimento. Por exemplo, se alguém pretende fazer uso do regime de faltas para assistência à família… Ou seja, isto pressupõe sempre um acto voluntário das partes! Ninguém requer a equiparação ou ninguém requer esta equivalência se essa não for a sua vontade. Além do mais, no nosso entendimento, a equiparação da união de facto também pressupõe que se accionem outros mecanismos, designadamente as juntas de freguesia, que provarão o domicílio conjunto ao fim de um determinado tempo.
Portanto, tudo isto envolve outros e a manifestação de vontade desses outros, que, na minha opinião, têm toda a legitimidade de não querer ser rotulados de pessoas que vivem em regime de união de facto. Esta era uma questão que eu queria tornar muito clara.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem querer prolongar o debate, parece-me que a Sr.ª Deputada está a pensar nos direitos e está a esquecer-se dos deveres, nomeadamente dos deveres recíprocos. É que o problema fundamental está nos deveres e não tanto nos direitos. Por isso é que digo que, quanto a alguns direitos, a equiparação pode fazer sentido, e faz sentido, mas a equiparação total, sem mais, implica uma equiparação quanto a direitos e quanto a deveres. E, de facto, aí coloca-se a questão da opção entre sujeitar-se ao regime do casamento, que implica direitos e deveres, ou não.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Posso, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Para todos os efeitos, aquilo que entendemos é que, independentemente de haver autonomia do direito de contrair casamento e do direito de constituir família, consagrada constitucionalmente, a lei ordinária não responde a duas questões que me parecem ser aquelas que, com mais frieza, demonstram a existência de problemas ao nível da não equiparação, que são as questões que têm a ver com o património e com a incidência fiscal.
Isto, para além de todos os outros aspectos que se podem colocar, como, por exemplo, o de sabermos que algumas instituições de solidariedade social colocam em lares separados idosos que toda a vida viveram em conjunto, apenas, hipocritamente, porque eles não são casados.
Por tudo isto, entendo que o texto constitucional deveria reflectir as diferentes modalidades de família, acautelá-las e garanti-las, nestes termos, porque nos parece que, hoje, essa garantia não está assegurada. E isto, para além do aspecto novo que suscitámos e que não foi discutido, que é o da livre opção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho de encerrar a reunião, pelo que continuaremos na próxima terça-feira.
Hoje à tarde, Srs. Deputados,…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Na sexta-feira!
O Sr. Presidente: - A reunião de sexta-feira não chegou a ficar assente, Srs. Deputados.
Srs. Deputados, hoje à tarde vamos realizar uma audiência pública, pelo que peço aos Srs. Membros da Comissão que compareçam na reunião ou aos partidos que garantam, pelo menos a maioria, senão a totalidade, dos seus membros desta Comissão na audiência de hoje à tarde, salvo os que estiverem impedidos de todo em todo. Mas, se estiverem impedidos, peço que, se puderem, se façam substituir.
A próxima reunião ordinária realiza-se terça-feira, pelas 10 horas, e continuaremos a apreciar o que está pendente.
Está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 35 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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