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Sexta-feira, 20 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 26
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 19 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 15 horas e 40 minutos.
Foram ouvidos os representantes da CGTP-IN (Carvalho da Silva), da UGT (João Proença), da Associação Industrial Portuense (António de Almeida) e da Confederação Nacional de Agricultores (Joaquim Casimiro)
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Elisa Damião (PS), Strecht Ribeiro (PS), Luís Sá (PCP), Vieira de Castro (PSD), Odete Santos (PCP), Francisco José Martins (PSD) e Osvaldo Castro (PS)
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 18 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, vamos iniciar a sessão de hoje, de cujo programa consta, primeiro, a audição das organizações dos trabalhadores, e, depois, a audição das organizações patronais das actividades económicas em geral.
Vamos começar por ouvir as organizações dos trabalhadores e, por ordem alfabética, a CGTP.
O esquema de funcionamento desta reunião é simples: primeiro daremos a palavra ao representante de cada uma das organizações, no caso concreto a CGTP-IN, por um período necessariamente breve (prevemos, para esse efeito, o máximo de 15 minutos) e depois seguir-se-á um período em que os membros da Comissão podem pedir esclarecimentos, fazer comentários, e, de acordo com a dimensão das perguntas ou comentários que forem feitos, eu arbitrarei, com o necessário equilíbrio, um tempo de resposta. Com isso terminaremos e daremos lugar à organização seguinte, que, no caso concreto, será a UGT.
Tem a palavra o Sr. Manuel Carvalho da Silva, em representação da CGTP-IN.
O Sr. Manuel Carvalho da Silva (CGTP-IN): - Começo por agradecer ao Sr. Presidente e a todos os membros da Comissão a possibilidade que nos facultaram de expormos os nossos pontos de vista.
Para nós, a revisão constitucional deve obedecer aos limites materiais consagrados na própria Constituição - esse é, naturalmente, o entendimento de qualquer organização do quadro institucional português - e não deve pôr em causa o Estado democrático em toda a sua dimensão. Portanto, a nossa preocupação é de que se faça uma reflexão baseada na dimensão plena daquilo que caracteriza o nosso Estado como Estado de direito democrático.
Queremos também realçar o significado desta audição, porque os sindicatos têm um papel importante, e continuarão a ter no futuro, na edificação e valorização da democracia, portanto, no seu próprio enriquecimento.
Tendo em conta esta forma de olhar a Constituição da República Portuguesa e este processo de revisão, queremos solicitar que nos seja concedido um prazo dentro do qual possamos apresentar um documento escrito com posições de apreciação do conjunto dos projectos em consideração, portanto, com uma posição mais trabalhada, contendo não só aquilo que aqui vamos deixar resumidamente em termos orais mas também outras apreciações mais detalhadas, não apenas do ponto de vista do seu desenvolvimento mas essencialmente do ponto de vista do seu conteúdo técnico.
Passo a falar das matérias que neste momento queremos pôr em relevo, começando pelo artigo 53.º, relativo à segurança no emprego.
No nosso entender, o direito à segurança no emprego compreende, e deve continuar a compreender, o direito negativo de o trabalhador não ser privado desse direito. Ou seja, do nosso ponto de vista, não se deve deturpar a dimensão da segurança no emprego hoje inscrita na Constituição e esvaziá-la, tornando-a num mero direito à indemnização, numa reparação material, no caso do despedimento sem justa causa. Portanto, a questão da reintegração do trabalhador é muito importante, e é-o no enquadramento desse entendimento do direito pleno à segurança no emprego.
Em relação ao artigo 54.º, sobre as comissões de trabalhadores, gostávamos que se garantisse que os direitos de autodeterminação, de auto-organização e de auto-regulamentação das comissões de trabalhadores, bem como o direito de as comissões coordenadoras se constituírem e agirem, se manterão na Constituição da República Portuguesa.
Quanto ao artigo 55.º, as referências constitucionais à unidade dos trabalhadores têm - do nosso ponto de vista, com todo o propósito - cabimento na Constituição, pelo que consideramos que devem manter-se.
Não vemos qualquer fundamentação para que, como algumas das propostas visam, se impeça os sindicatos de se assumirem como organizações de classe e se restrinja a actividade dos sindicatos apenas à assunção de direitos de natureza sócio-profissional. Este artigo é tocado por esta questão, mas há outros que também o são.
Em relação aos direitos das associações sindicais, previstos no artigo 56.º, vamos fazer algumas referências sobre uma matéria que, para nós, é muito importante e de grande sensibilidade no quadro actual. Além disso, acerca desta matéria, também temos uma proposta que gostávamos de referir.
Hoje, fala-se muito de espaços e de contrapartidas para os sindicatos. Para nós, o cerne do espaço e do conteúdo para a afirmação das contrapartidas dos sindicatos situa-se no direito de informação e de participação dos trabalhadores na vida das empresas de que fazem parte. Portanto, para o sindicato, as contrapartidas têm que ver com esses direitos de informação e de participação, e daí decorrem as condições para o exercício pleno dos direitos dos trabalhadores. Esse é o espaço e o conteúdo privilegiado para o que pode designar-se de contrapartidas para a vitalização e revitalização dos sindicados na sociedade. É esse espaço e esse conteúdo que pode dar identidade, representação e força aos sindicatos.
Pensamos que esta questão das condições para o exercício dos direitos, bem como o objectivo do alargamento dos próprios direitos, deveria ser debatida - e por nós tudo faremos para que o seja - neste contexto da revisão constitucional.
Há uma sugestão que pretendo fazer em nome da central sindical, que é a seguinte: há uma crescente precariedade no emprego, há todo um conjunto de limitações à possibilidade de o trabalhador reagir face à relação de trabalho que tem, e nós pensamos, no que concerne ao reforço dos direitos, que deveria haver espaço para a consagração constitucional do direito de acção ou de intervenção processual dos sindicatos em defesa dos direitos individuais dos seus associados, porque muitas vezes os trabalhadores não reagem, não denunciam as situações porque estão limitados.
Não se compreende que não esteja consagrado o direito de o sindicato poder desencadear um processo, até à luz do que hoje está assumido em relação a outras associações. Aliás, neste contexto da revisão constitucional, até se defende que esse direito de agir seja concedido a outras organizações, a outras associações, como é o caso das que se destinam à defesa dos direitos dos consumidores. No contexto que se vive de luta pelo trabalho, não se compreende que se coloque o espaço e o direito de intervenção dos sindicatos, bem como a importância da sua intervenção, num nível inferior ao de quaisquer outras áreas de associação.
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No que concerne ao direito à greve e à proibição do lock-out, já referi que discordamos que em alguma matéria se afunile o espaço dos sindicatos para a defesa dos seus interesses sócio-profissionais, e é conhecida a posição da CGTP-IN no que concerne ao lock-out. Portanto, não estamos de forma alguma de acordo com a admissibilidade do lock-out na Constituição.
Quanto ao direito ao trabalho, em particular no que respeita ao artigo 58º em articulação com o conteúdo do próprio artigo 59.º, também há alguns aspectos que consideramos de grande relevo.
Entendemos que é preciso repetir o discurso do pleno emprego, ou seja, o pleno emprego como um objectivo das sociedades do futuro, e afirmá-lo com base num princípio, que é o da dignificação e valorização do trabalho.
Não é possível ultrapassar certas situações decadentes e degradantes que se desenvolvem na sociedade à luz de mecanismos laterais e marginais, isto é, à luz da esperteza e da utilização de condições que a sociedade momentaneamente proporciona, desde que o indivíduo esteja disposto a "pôr o pé na cabeça do vizinho ou do irmão" para subir na vida. Portanto, é preciso fazer uma valorização e uma dignificação do trabalho.
E é neste contexto que nós pensamos que não é demais tocar não apenas no direito ao trabalho mas também no dever de trabalhar, na valorização plena do trabalho. Daí decorrem afirmações que podem conduzir ao conteúdo dos direitos dos trabalhadores.
Também é por isso que não concordamos que se ponha em causa o princípio do trabalho igual, salário igual, e dizemos, em relação ao desemprego, que nesta revisão constitucional deveria ficar claramente desmontada uma tese que muitas vezes tende a surgir com força na sociedade portuguesa, que é a de que o desempregado está numa condição pela qual ele é o responsável. O desempregado tem uma condição que lhe é imposta, o seu desejo não é ser desempregado, é ser empregado, é ter trabalho. Por isso, também temos que fazer a valorização e a dignificação do trabalho, designadamente no conteúdo do artigo 58.º, para podermos afirmar com força que o trabalhador que se encontra desempregado não tem responsabilidade por essa situação.
Não concordamos que se ponha em causa a essência do estabelecimento do salário mínimo nacional. Os exemplos que hoje se "trabalham" em alguns países europeus - designadamente na Inglaterra, mas também noutros - acerca desta matéria levam-nos a concluir que é preciso defender os mecanismos enquadradores do estabelecimento do salário mínimo nacional.
Conhecemos toda a teorização que suporta o "ataque" ao salário mínimo nacional, que se situa, fundamentalmente, na tese de que se o trabalhador ganhar pouco é inevitável que aceite qualquer trabalho (não é qualquer emprego, é qualquer ocupação para a sua sobrevivência). A sociedade produz riqueza e tem condições, até de desenvolvimento, que lhe geram responsabilidades sociais que não podem permitir um descambar deste caminho da afirmação de direitos mínimos.
Para terminar, em relação à segurança social, reafirmamos que esta deverá ser universal e geral. Hoje, discute-se o comportamento face aos diversos patamares da segurança social; nós, naquilo que é considerado a base para assegurar este princípio, que é o chamado segundo patamar, consideramos que a responsabilidade do Estado tem de ser total e plena, isto é, total em relação ao princípio e plena nas diversas formas que forem sendo assumidas.
Em relação à saúde, defendemos a continuação da consagração constitucional de um Sistema Nacional de Saúde universal, geral e gratuito como base do sistema de saúde.
Ainda em relação à segurança social, as nossas posições quanto à admissibilidade da entrada do sector privado situam-se ao nível dos sistemas complementares, mas na área meramente complementar, não naquela que, às vezes, desdobrando-se, tem uma parte em que se aplica o conceito complementar mas que é a base essencial e que, portanto, faz parte do chamado segundo patamar da estruturação da segurança social.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Secretário-Geral da CGTP.
Srs. Membros da Comissão, está aberto um período para pedidos de esclarecimento ou comentários aos pontos de vista expendidos pela CGTP-Intersindical.
Pausa.
Inscreveram-se a Sr.ª Deputada Elisa Damião e o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Coordenador da CGTP, ouvi com bastante interesse e agrado as suas preocupações fundamentais sobre os direitos sociais contidos na Constituição.
Quero assinalar que o Partido Socialista não apresentou quaisquer alterações a estes direitos fundamentais já inscritos por considerar que, no essencial, a Constituição consagra-os convenientemente e está actualizada nesse aspecto.
Em todo o caso, tem havido um debate - e, felizmente, têm-se verificado uma abertura de vários partidos - no sentido de melhorar e modernizar conceitos e de amplificar alguns princípios que podem contribuir para uma melhor interpretação desses direitos.
Portanto, nesse contexto, embora não seja proposta do Partido Socialista, gostava que o Sr. Coordenador da CGTP me dissesse, por um lado, como é que se lhe afigura a possibilidade de as comissões de trabalhadores passarem a ter funções que são historicamente dos sindicatos, de negociação colectiva, e, por outro lado, como é que poderá dar-se um novo impulso à modernização das relações industriais, com um papel mais activo e interveniente das comissões de trabalhadores, desde a introdução tecnológica às restruturações etc., que me parecem estar bastante difusos nos princípios constitucionais.
Gostaria ainda, Sr. Coordenador, que precisasse o seguinte: entende que o apoio aos sindicatos tem de ser um apoio na amplificação - e algumas propostas apontam para aí - da participação, ao nível das instituições do Estado, com um âmbito até bastante vasto, ou entende que é justo os sindicatos serem ressarcidos, tal como o são as organizações patronais, de um serviço público que prestam a todos os trabalhadores e para os quais só alguns contribuem. Refiro-me, nomeadamente, à negociação colectiva, que é cada vez mais cara e que, para ser eficiente, tem de ser assessorada. Assim, o que questiono é se os sindicatos não devem ter assegurado esse serviço público que se aplica a todos os trabalhadores.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, é só para fazer a interpelação seguinte: "Todos têm direito ao trabalho", diz o n.º 1 do artigo 58.º da Constituição. No entanto, não basta fazer a afirmação - suponho que toda a gente concorda que todos têm direito ao trabalho -, a questão que se coloca é se o trabalho, mercadoria cada dia mais escassa por força da revolução tecnológica, para ser assegurado, deve ou não pressupor outros princípios fundamentais, tais como a "mercadoria" deve ou não ser igualmente distribuída, em termos práticos, devem ou não ser proibidos o duplo e o triplo emprego, enfim o pluriemprego, e as horas extraordinárias? O que é que a Central pensa sobre isto?
Portanto, todos têm direito ao direito ao trabalho é um princípio constitucional que suponho que ninguém ousa contestar, já que não conheço nenhuma proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 58.º, pelo que penso ser um dado assente e um direito irrecusável. Só que, face a uma realidade que é concreta, a de que o trabalho é e tende a ser, por força da própria evolução tecnológica ou da revolução tecnológica, uma mercadoria escassa, há que saber se é possível compaginar este direito com o direito de alguns se apropriarem não só do seu trabalho como do trabalho dos outros, através do seu pluriemprego e, nomeadamente, através de trabalho suplementar. O que é que a Central pensa sobre isto?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o PCP congratula-se com o facto de existir, como creio que era de esperar, um ponto de vista comum: a revisão constitucional faz sentido para enriquecer os direitos fundamentais, particularmente os direitos económicos, culturais e sociais dos trabalhadores, e não para os enfraquecer.
Sobre este aspecto e a propósito da questão da política de emprego, da proclamação e da consagração constitucional do direito ao trabalho, não há dúvida alguma de que o n.º 1 do artigo 58.º é mantido. Mas eu quero chamar a atenção para o facto de haver várias propostas, por exemplo do PSD, que adiantam a obrigação de executar "políticas activas de emprego", substituindo assim o conteúdo do texto constitucional que refere "A execução de políticas de pleno emprego", o que é substancialmente diferente e que merece ser sublinhado.
Em todo o caso, quero solicitar, dentro do espírito de fortalecer os direitos dos trabalhadores, um comentário da CGTP à proposta do PCP, que, aliás, foi discutida esta manhã, com algumas perspectivas de êxito, de consagrar na Constituição a legitimidade processual das organizações de trabalhadores, como autores, em defesa do interesse colectivo da categoria, independentemente do exercício do direito à acção por cada trabalhador.
Parece-nos que esta medida, que consideramos importante, viria fortalecer os direitos das associações sindicais e de outras organizações de trabalhadores. Relativamente a esta matéria, creio que há alguma hesitação do PSD, embora sem "fechar a porta", e receptividade por parte do PS. Gostaria de obter o comentário da CGTP, que espero sirva para remover as hesitações que parece ainda permanecerem no PSD.
O Sr. Presidente: - Gostaria também de pedir duas notas, sem deixar de sublinhar que, em minha opinião, estas audiências não deviam suscitar uma reedição da discussão interpartidária a nível da Comissão, mas, sobretudo, deveriam servir para ouvir os pontos de vista das forças sociais que convidámos para se pronunciarem sobre as propostas existentes e para esclarecer sobre a apreciação que fazem da revisão constitucional nessa área.
A discussão da manhã de hoje suscitou, a meu ver, dois pontos interessantes em relação às comissões de trabalhadores, que, penso, indiciam uma necessidade de reavaliar a filosofia e o estatuto constitucional das comissões de trabalhadores. Há uma proposta no sentido, por exemplo, de atribuir às comissões de trabalhadores funções de negociação colectiva de trabalho, a par dos sindicatos, e eu gostaria de saber qual é o comentário que isso suscita a uma das grandes centrais sindicais portuguesas.
A outra é a de saber se não é altura de encarar seriamente a possibilidade de valorizar as comissões de trabalhadores, num conceito de concertação social não exclusivamente a nível global, de macroconcertação, mas também a vários níveis, tais como a mesoconcertação, a microconcertação, e, portanto, a concertação a nível da empresa.
Em terceiro lugar, gostava de saber - e sem prejuízo de assinalar que não se trata de pedir a opinião sobre todas as propostas existentes - se a defesa do estatuto constitucional dos direitos dos trabalhadores, principalmente em matéria do direito à greve, exige necessariamente que se mantenha silêncio sobre algumas limitações que são consensuais hoje, como, por exemplo, em matéria de garantia de serviços mínimos, e, portanto, se é ou não de encarar a possibilidade de constitucionalizar a ideia de garantir serviços mínimos em matéria de exercício do direito à greve. São estes os pontos que coloco.
Tem a palavra o Sr. Manuel Carvalho da Silva, a quem peço que, tendo a conta as perguntas feitas, limite a sua intervenção a 15 minutos.
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Agradecemos sinceramente aos Srs. Deputados que nos interrogaram as questões levantadas, que nos parecem da maior importância.
Em relação ao posicionamento do Partido Socialista sobre estas matérias, é verdade aquilo que foi referido pela Sr.ª Deputada Elisa Damião. A questão que poderá colocar-se é esta: o que é que, não tendo o Partido Socialista assumido, poderá assumir em função do debate. Mas não é aqui, naturalmente, que iremos tratar esta questão. Abordá-la-emos apenas naquilo que são matérias que foram para aqui trazidas.
Em relação às comissões de trabalhadores e ao seu papel, nós queremos dizer claramente que o direito de negociação colectiva é histórico e, para nós, essência das sindicatos. E não devemos sair daí.
Os sindicatos são, no nosso entender, a afirmação, em diversos momentos e formas, da expressão dos interesses individuais e colectivos dos trabalhadores e essa é uma área vital.
A propósito desta questão, gostávamos de referir que, por exemplo, não nos parece que haja uma limitação à negociação ou concertação a nível de base. Parece-nos que há necessidade de dinamizar os direitos de informação e de participação, visando dar eficácia, dar conteúdo, à negociação de base. Mas há condições para o desenvolvimento da negociação de base ou da concertação de base, da concertação social a nível micro.
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Partindo do que na introdução dissemos, que foi considerar que as contrapartidas para os sindicatos se situam exactamente no quadro do desenvolvimento dos mecanismos da relação entre trabalhador e entidade patronal, partindo então deste princípio, a CGTP é defensora do incremento de uma linha de negociação ao nível de base. Não há dúvidas quanto a isso!
Nós pensamos que se houver tendências para instituir - não sei se a expressão é muito correcta, então, perante um especialista de direito constitucional como o Sr. Presidente tenho retracções em usar algumas palavras - representatividades…
O Sr. Presidente: - Felizmente, somos todos especialistas.
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Peço desculpa, mas estou ao seu lado e por isso é que o referi em particular.
Dizia eu que nós pensamos que se houver qualquer tendência ou tentação para instituir representatividades, e neste caso para as instituir de cima para baixo, até ao nível de empresa, é muito complicado.
O caminho certo, repetimos, parece-nos ser o contrário: favorecer as condições para o exercício dos direitos, ou seja, fomentar o direito à informação, à participação e deixar espaço aos trabalhadores para definirem em que condições o fazem e como o fazem.
Acerca destas questões da representação e da participação, e para abordar uma outra questão que também foi colocada, dizemos claramente que reconhecemos défices de participação e de representação em diversas organizações na sociedade, na área social em particular, sendo esta uma questão não específica dos sindicatos.
No que concerne à área onde nos situamos, a das relações industriais e laborais em particular, talvez o maior défice existente nem seja nas organizações sindicais. Também é possível que existam problemas dentro das organizações sindicais, ou no contexto do espaço específico destas organizações, mas os problemas de representação efectiva são muito mais amplos.
Portanto, o que desejamos é que não haja tendência/tentação para instituir representatividades e para, a partir daí, desenvolver os direitos de participação numa aparência de que estes se aumentam, mas sem assegurar que os trabalhadores (neste caso os trabalhadores, mas noutros casos os cidadãos) estão efectivamente a ter melhores condições para participar.
Esse desafio até nos foi colocado internamente. Podemos confessar que criámos recentemente um grupo de trabalho para abordar especificamente esta questão da representatividade/participação, porque há défices no nosso seio, que reconhecemos, mas o problema é muito mais global e então as contrapartidas - continuamos neste campo - têm que ser tratadas com muito cuidado.
O reconhecimento de que os sindicatos prestam um serviço público até pode ser assumido. Nenhuma ideia avançamos sobre isso, aguardamos o que se disser sobre o assunto, mas não queremos de forma alguma que isto seja...
O Sr. Presidente: - Sr. Manuel Carvalho da Silva, há uma proposta de se fazer um reconhecimento constitucional de apoio público, e inclusive financeiro, aos sindicatos. Como é que a CGTP encara essa possibilidade?
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Sr. Presidente, logo veremos em que moldes a proposta surge, bem como com que enquadramento, com que garantias de autonomia e com que contrapartidas esse reconhecimento surge, quer na discussão constitucional quer na apreciação pública, porque aí também pesa muito a apreciação pública. Ainda nos últimos dias vimos títulos de jornais que deixam muitas retracções aos sindicatos sobre esta matéria.
Portanto, neste momento, perante as dificuldades que as organizações sentem, podendo ter, a determinada altura, que fazer uma "poda" mais profunda e recompor-se, preferimos isso a perdermos uma base específica de dinamização do movimento sindical, mas reconhecemos que há direitos que devem ser aprofundados.
A nossa posição, repito, não é fechada, não é uma posição com "bloqueamentos", mas a questão central situa-se, quanto à garantia para o futuro, quanto à garantia para criar condições para que os sindicatos sejam vivos, intervenientes e positivos na sociedade, no desenvolvimento das contrapartidas ao nível dos direitos de informação, de participação e de organização dos trabalhadores, portanto, ao nível da criação de condições para o exercício dos direitos dos trabalhadores. E aí, com certeza, o debate da revisão da constitucional pode dar algumas ajudas significativas.
Espero ter respondido à questão. Contudo, ainda poderemos tentar aprofundar mais alguma ideia acerca disto.
Em relação ao trabalho como um direito garantido, o que vamos dizer é a repetição da ideia base que já colocámos.
A valorização e a dignificação do trabalho devem ser uma referência do discurso de todas as forças e de todas as componentes que querem impedir o alastramento de males que hoje, com alguma preocupação, se manifestam na sociedade, mas nós não comungamos de duas referências introdutórias que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro fez.
Primeiro, não consideramos o trabalho um bem escasso. Sobre isso há muito a debater e até abordámos este assunto há algum tempo, aqui, na Assembleia, numa troca de impressões com o Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Manuel da Silva Carvalho, restam-lhe 5 minutos.
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Sr. Presidente, eu não ultrapasso esse tempo.
Dizia eu, o trabalho não é um bem escasso e sobre isso há muito que discutir.
Situemo-nos nos últimos 20 anos ou até, se quisermos, nos últimos 10 anos. O número de postos de trabalho destruídos no mundo não foi superior ao número de postos de trabalho criados, e o mundo não é os Estados Unidos, a Europa e o Japão, nem de perto nem de longe, antes pelo contrário, felizmente! Ainda está por analisar com rigor científico se o ritmo do crescimento populacional, portanto, a evolução demográfica, "mata" ou não esse acrescento de emprego, mas as coisas andam muito próximas.
A segunda questão é esta: não aceitamos a consideração do trabalho no quadro do tratamento de uma mercadoria escassa, porque, do nosso ponto de vista, coloca-se o trabalho numa visão meramente economicista. Estamos a falar em relação à realidade e ao discurso de hoje.
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De qualquer forma (e esta foi uma questão muito forte no nosso último congresso), pensamos que existem condições ímpares para a criação de emprego. O problema está na discussão sobre a formação e a distribuição da riqueza -felizmente, há bastante reflexão sobre isto, e esta questão foi colocada com força na última reunião Internacional Socialista -, portanto, é a partir daí que tem que desenvolver-se um aprofundamento maior do problema do trabalho para todos.
Em relação às questões que nos colocou, as horas extras, o pluriemprego, vemos tudo o que puder ser limitações sem qualquer retracção, mas pensamos que é muito complicado conseguir estabelecer-se determinações que possam eliminar isso.
Quanto à posição referida pelo Deputado Luís Sá, referimos a nossa reivindicação da consagração constitucional do direito de acção ou de intervenção processual dos sindicatos em defesa dos direitos individuais dos seus associados e saudamos essa evolução.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Presidente, julgo que já as abordei,…
O Sr. Presidente: - Não, ainda não abordou a questão dos serviços mínimos.
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Sr. Presidente, a abordagem dessa questão depende da forma como o debate se processar.
Talvez um debate em sede de concertação - neste momento, não temos mas podemos vir a pronunciar-nos -…
O Sr. Presidente: - Não, há uma proposta nesse sentido e ela vai ter que ser encarada e discutida.
O problema que se põe é o seguinte: actualmente existe uma "enxuta" afirmação constitucional quanto ao direito à greve e há uma lei - que ninguém põe em causa e, aliás, é comum a muitos países - que liga o exercício do direito à greve à garantia de serviços mínimos essenciais para satisfazer necessidades sociais impreteríveis. A questão que se coloca é se não haverá vantagem em constitucionalizar esta limitação inerente ao direito à greve, já que de limitação se trata, ou pelo menos de contrapartida inerente.
A minha pergunta é a seguinte: como é que a CGTP-IN encara a possibilidade de se constitucionalizar esta limitação legal ligada ao exercício do direito à greve?
O Sr. Manuel Carvalho da Silva: - Sr. Presidente, quanto a essa questão, podemos dizer duas coisas muito simples.
A primeira é de que nos comprometemos a reagir formalmente a essa questão, pelo que enviaremos a nossa posição dentro do prazo estabelecido.
A segunda, como reacção imediata, é a seguinte: temos observado que esta questão tem sido tratada de forma um bocado arbitrária, portanto, pensamos que uma reflexão mais profunda sobre este tema, em sede de concertação, pode não ser negativa, desde que a conclusão seja muito ponderada e desde que se tenha muito em conta os entraves identificados face às mexidas avulsas, e muitas vezes desorganizadas, a que se têm assistido.
No fundo, será dentro deste raciocínio que tomaremos a nossa posição.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, apenas para agradecer ao Sr. Coordenador da CGTP-IN as opiniões que aqui nos transmitiu, que nós retivemos e sobre as quais, evidentemente, vamos reflectir.
Era apenas isto, Sr. Presidente. Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Naturalmente, a CGTP-IN tem possibilidade de reforçar as tomadas de posição orais que aqui tomou através de documento escrito que queira apresentar. Aliás, isso não precisa de qualquer deferimento da minha parte, faz parte do direito de representação da CGTP-IN, mas será obviamente considerado.
Quero apenas dizer que quanto mais depressa essa tomada de posição escrita for apresentada maior possibilidade terá de ser estudada e considerada pelos membros da Comissão, já que neste momento estão exactamente a discutir esse capítulo. Portanto, a oportunidade será tanto maior quanto mais depressa esse documento nos chegar.
Estiveram connosco, além do Manuel Carvalho da Silva, o Manuel Lopes, o Américo Nunes e o Joaquim Dionísio em representação da CGTP-IN.
Cabe-me agradecer a solidariedade que manifestaram em vir expor as opiniões da CGTP-IN sobre as propostas de revisão constitucional. Seguramente, elas serão tidas em conta na apreciação e na tomada de posição desta Comissão em relação às propostas de revisão constitucional que aqui estão pendentes. Muito obrigado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prosseguindo a audição das organizações sindicais, temos connosco, agora, a representação da UGT, na pessoa dos seus dirigentes João Proença, João de Deus e Rui Oliveira e Costa.
O esquema de audição será o mesmo que adoptámos com a CGTP-IN, a saber: primeiro, darei a palavra aos representantes da UGT - suponho que ao João Proença, que está aqui ao meu lado direito -, para apresentarem as suas opiniões sobre a revisão constitucional na matéria dos direitos dos trabalhadores e em matérias conexas, tendo para o efeito 15 minutos. Seguir-se-á um período de pedidos de esclarecimento ou de comentários dos membros da Comissão e depois, em função das perguntas que forem feitas, eu arbitrarei um período para a resposta, que em princípio será igual ao período inicial.
Portanto, teremos, para este efeito, um pouco mais que meia hora, como ocorreu com a CGTP.
Sejam bem-vindos e obrigado pela vossa disponibilidade.
Tem a palavra o Sr. Eng.º João Proença.
O Sr. Eng.º João Proença (UGT): - Sr. Presidente, muito obrigado.
Gostava de começar por saudar esta Comissão e o trabalho importante que tem entre mãos e agradecer o convite que foi feito à UGT para estar presente.
A nossa posição sobre a revisão constitucional consta de um documento escrito - depois pedirei para o distribuírem -, que basicamente parte do pressuposto de que nós apoiamos esta revisão como apoiámos as anteriores e como nos revemos na Constituição do 25 de Abril.
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Pensamos que as revisões aprofundaram o processo democrático e os direitos económicos e sociais e que também é neste quadro que decorre a actual revisão.
Nós, central sindical, tendo em conta as questões mais importantes que estão previstas no quadro desta revisão, ontem, em reunião do Secretariado Nacional, aprovámos uma posição basicamente referente aos direitos, à regionalização, à organização do sistema eleitoral e também a mais duas questões que consideramos importantes.
Consideramos que a actual Constituição está bastante bem elaborada em termos de direitos, liberdades e garantias; contudo, é evidente que há sempre melhorias a fazer e nós salientamos quatro pontos.
Primeiro, salientamos o problema da negociação colectiva, dos direitos de informação, de consulta, de participação, de negociação colectiva, nomeadamente a nível nacional, de sector e de empresa, e chamamos bastante a atenção para a necessidade de desenvolver a negociação a nível da empresa, em termos das organizações sindicais.
Em segundo lugar, solicitamos a consagração do direito de acção colectiva sempre que forem violados direitos individuais ou colectivos dos trabalhadores.
Como todos sabemos, muitas vezes os trabalhadores estão sujeitos a um clima de repressão na empresa e têm dificuldade em apelar às suas organizações representativas para os defenderem nos tribunais. Por isso, consideramos importante que os sindicatos possam substituir-se directamente aos trabalhadores sem haver um recurso individual destes. Isto num quadro genérico, sempre que estiver em causa a violação de direitos individuais ou colectivos.
Em terceiro lugar, falamos das comissões de trabalhadores. Pensamos que há um debate que ainda não foi feito no seio da sociedade portuguesa, sobre a representação dos trabalhadores na empresa.
A representação dos trabalhadores na empresa, hoje, está bastante pulverizada. Por um lado, existem comissões de trabalhadores mas elas, na prática, abrangem, como sabemos, duas ou três centenas de empresas, muito poucas face ao universo de 180 000 existentes, e, por outro lado, a própria representação sindical encontra-se pulverizada.
Portanto, há um debate a fazer sobre como caminhar para uma representação colectiva dos trabalhadores na empresa que passe necessariamente, como acontece em toda a Europa, pelas organizações sindicais, que são as únicas capazes de assegurar às comissões representativas dos trabalhadores na empresa - que poderão não ser comissões de trabalhadores (CT) - a sua independência e o apoio de que elas necessitam.
Em vários países europeus encontraram-se soluções que passam realmente pela capacidade de apresentar listas e por um papel dos sindicatos, mas pensamos que a discussão sobre a representação dos trabalhadores na empresa ainda está em aberto na sociedade portuguesa e consideramos fundamental que nesta revisão, quando se mexer, eventualmente, nos direitos das comissões de trabalhadores, se garanta que esses direitos nunca entrarão em conflito com os das associações sindicais, nomeadamente na área da negociação colectiva.
Dizemos isto porque a área de negociação colectiva pertence às organizações sindicais e não pode ser atribuída às CT sob pena de caminharmos rapidamente para a "CT do patrão", para a negociação colectiva do patrão.
Há uma área ligada a esta questão que é, realmente, a de alguns direitos novos, que já tiveram um tratamento bastante avançado na Constituição, nomeadamente direitos relativos ao ambiente, à preservação da natureza e dos recursos naturais, nos quais, para nós, haverá melhorias a introduzir tendo presente o emprego e a melhoria das condições de vida e de trabalho, em termos actuais e em termos futuros, e o modo de combinar estes dois níveis de preocupação.
Quanto à regionalização, a UGT apoia-a claramente e isso consta no documento aprovado no seu congresso. Contudo, não propomos propriamente um modelo de regionalização, porque consideramos que esse debate que cabe, em primeiro lugar, aos partidos políticos e ao quadro geral da sociedade portuguesa.
É evidente que a UGT representa trabalhadores filiados nos vários partidos políticos portugueses, com visões diferentes do modelo de regionalização. Às vezes, essas visões até dependem da própria sede de trabalho e de residência do trabalhador e, portanto, não defendemos propriamente um modelo de regionalização, apontamos apenas, claramente, para a defesa do processo da regionalização.
Neste quadro, reclamamos que, a nível das futuras regiões administrativas, seja considerado que os órgãos consultivos terão participação das organizações representativas dos trabalhadores.
Aliás, há uma questão ligada a esta, que não consta do documento aprovado mas que foi referida na discussão havida, que é a seguinte: defendemos que nas próprias regiões autónomas existam estruturas de diálogo e de concertação que tenham representantes dos trabalhadores.
Em termos do sistema eleitoral, a UGT é da opinião de que é vantajoso para Portugal melhorá-lo, tendo em vista a aproximação eleito/eleitor. Sabemos que existem problemas nesta relação eleitores/eleitos, havendo um grau de abstenção elevado, embora verifiquemos que ele é bastante baixo se o compararmos com o que existe no quadro europeu. Além disso, se analisarmos os cadernos eleitorais em termos do que eles são hoje e do seu afastamento da realidade, talvez o nível de abstenção seja ainda mais baixo.
Para nós, é importante esta aproximação entre eleitos/eleitores, portanto, apoiamos a existência de círculos uninominais combinados com círculos plurinominais, que garantam a manutenção do princípio fundamental da proporcionalidade.
Apoiamos, no quadro da revisão do sistema eleitoral, que possam aparecer candidaturas independentes aos diferentes órgãos de democracia e também às câmaras municipais e, do mesmo modo, o voto dos emigrantes, desde que seja garantida a autenticidade do acto eleitoral. Não dizemos como se poderá fazê-lo, mas sabemos que há propostas dos diferentes partidos nesse sentido. De qualquer modo, é uma preocupação fundamental que os emigrantes, que estão claramente ligados a Portugal, possam exercer o direito de voto, desde que se garanta a sua autenticidade.
Vou ainda fazer duas referências adicionais, uma, muito cara à juventude, sobre a desconstitucionalização do serviço militar obrigatório e outra sobre o papel dos sindicatos na organização da democracia.
Temos uma democracia em que os partidos políticos, e bem, têm um papel fundamental. Os partidos políticos são a base da democracia, mas também é bom salientar que não há democracia sem parceiros sociais fortes, autónomos e independentes e que é fundamental reconhecer o
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papel das organizações sindicais no funcionamento da própria democracia.
O que tem ocorrido no mundo nos últimos tempos, e até com a maior liberdade de circulação de mercadorias e de capitais, provoca, por vezes, algumas convulsões que ainda chamam mais a atenção para o papel fundamental do movimento sindical, não só pela defesa dos trabalhadores a nível nacional mas também pela sua componente internacional.
No que respeita a este papel dos sindicatos a nível nacional, chamo a atenção para o facto de que os sindicatos ultrapassam em muito a defesa dos seus trabalhadores sindicalizados.
Os trabalhadores sindicalizados são aqueles que, de facto, pagam as quotas para assegurar a vida do sindicato, mas, na prática, os direitos de participação e de negociação colectiva são direitos em que os trabalhadores são representados a nível geral pelas suas organizações sindicais e o trabalho que elas assumem é de defesa do conjunto dos trabalhadores e não apenas dos trabalhadores seus representados.
Portanto, esperamos que nesta revisão constitucional seja mais fortemente assumido este papel dos sindicatos como estruturas fundamentais na organização do próprio sistema democrático.
O Sr. Presidente: - Sr. Eng.º João Proença, muito obrigado por nos ter trazido o ponto de vista da UGT sobre a revisão constitucional.
Sem desmerecer sobre as opiniões que têm que ver com problemas políticos gerais da revisão constitucional - a regionalização, sistema eleitoral, etc. - são de particular interesse para a Comissão as opiniões relativas a domínios como os direitos dos trabalhadores, os direitos económicos e sociais, em que o ponto de vista das organizações sindicais é particularmente qualificado. Aliás, é essa a matéria que estamos a discutir presentemente na Comissão e por um acaso esta nossa troca de impressões ocorre num momento particularmente oportuno.
Srs. Deputados, está aberta, neste momento, a possibilidade de os membros da Comissão suscitarem aos dirigentes da UGT aqui presentes as questões que julguem ser útil esclarecer.
Pediram a palavra os Srs. Deputados Luís Sá e Odete Santos, ambos do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Eng.º João Proença, muito obrigado pela exposição feita.
Uma primeira questão que eu gostaria de ouvir pormenorizar é relativa à articulação entre sindicatos/comissões de trabalhadores.
No documento que foi distribuído - e o Sr. Eng.º João Proença referiu-o igualmente na exposição oral - constam a ideia de que as comissões de trabalhadores nasceram numa conjuntura muito própria e a afirmação de que a situação actualmente está profundamente alterada. Daqui parece resultar um pouco a ideia de que é posição actual da UGT que se proceda a um enfraquecimento muito significativo dos direitos constitucionais das comissões de trabalhadores em benefício das organizações sindicais.
Gostaria de saber se assim é, em que termos o propõem e que direitos das comissões de trabalhadores deveriam ser prejudicados a favor das organizações sindicais. Esta é uma matéria de grande importância e, como disse o Sr. Presidente, está a ser debatida neste momento. Independentemente da primeira leitura, haverá uma segunda, sobre a qual, creio, era do maior interesse ouvir, tanto quanto possível em pormenor, a perspectiva da UGT.
Há outras questões, que não dizem respeito especificamente a direitos dos trabalhadores, a direitos económicos, sociais e culturais, sobre as quais, e como é seu direito de resto, a UGT entendeu pronunciar-se. Sobre duas dessas matérias, que são igualmente de bastante importância e que a Comissão vai debater muito em breve, gostaria de ouvir mais em pormenor alguns comentários. Uma, é sobre o sistema eleitoral para a eleição da Assembleia da República, designadamente sobre a afirmação que é feita de que os círculos uninominais seriam um instrumento de aproximação dos Deputados aos eleitores.
Sobre esta matéria, lembro-me sempre de documentos, inclusive de literatura do século XIX, por exemplo, A queda de um Anjo, de Camilo Castelo Branco, em que surge a imagem do Deputado que vem da província representar os interesses dos eleitores no seu conjunto, que normalmente chega ao antro de perdição, que são as Cortes de Lisboa, e até perde a sua pureza inicial. No entanto, actualmente temos uma realidade irrecusável, que é o Estado de partidos, e pergunto concretamente o seguinte: vamos supor que o actual presidente da Câmara de Vila Verde…
O Sr. Presidente: - Não pretendo estabelecer limite à intervenção dos Deputados, mas peço-lhe que abrevie.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Termino já.
Vamos supor que o actual Presidente da Câmara de Vila Verde, para dar um exemplo que anda nos jornais, se candidata a Deputado e vamos supor que é eleito. Pergunto: os eleitores do Minho e de Vila Verde, designadamente os eleitores do PS do PCP, eventualmente até de alguns sectores do PSD, ficarão próximos ficarão deste Deputado pelo simples facto de ele ser eleito num círculo uninominal? Não tenho qualquer espécie de dúvidas de que é possível haver círculos uninominais e, tal como acontece na Alemanha e noutros sistemas eleitorais, simultaneamente haver uma manutenção do princípio da proporcionalidade. Mas o que me parece é que há argumentos produzidos nesta matéria que põem de lado aspectos como a profunda segmentação ideológica que existe e o fenómeno Estado de partidos, que é irrecusável, creio, em relação a situações deste tipo.
A outra questão diz respeito ao voto dos emigrantes nas presidenciais. Recordo as declarações do antigo Presidente Mário Soares e do actual Presidente da Assembleia da República Almeida Santos que dizem, por exemplo, como é que poderia haver liberdade e autenticidade se o candidato, por hipótese do Partido Comunista ou da esquerda, não pode entrar nos Estados Unidos da América. E há propostas, designadamente a permanência, nos últimos 15 anos, durante 5 anos no território nacional, que resolvem o problema de alguma articulação com o sistema político nacional mas não resolvem problemas como este que, creio, são relativamente incontornáveis e que têm sido colocados ao longo da história política portuguesa com bastante clareza.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de colocar uma breve questão no seguimento da primeira questão colocada pelo Deputado Luís Sá, que é a seguinte:
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há alguma indefinição no texto constitucional acerca do papel das comissões de trabalhadores e de como estas se coordenam com os sindicatos e, em minha opinião, na prática, não resultou na abertura de uma conflitualidade entre associações sindicais e comissões de trabalhadores. Penso que estão mais ou menos arrumadas as competências e que essa conflitualidade, de uma maneira geral, não existe. Pergunto: mexer no texto constitucional no sentido proposto não seria abrir uma conflitualidade onde ela de facto não existe? Não seria inconveniente?
Propõe-se, por exemplo, que sejam as associações sindicais a apresentar candidatos para as comissões de trabalhadores.
Aparte inaudível.
Salvo erro, disse isso. Eu ouvi isso, mas posso ter ouvido mal.
O Sr. Presidente: - Estamos exactamente aqui para esclarecer.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, não deveria ser eu a fazer esta interpelação, porque depois de muitos anos de trabalho conjunto as pessoas pensam da mesma forma, havendo, portanto, uma cultura comum. Uma vez que o Partido Socialista não apresentou alterações à Constituição, entende que, na sua essência, ela serve, mas também não se fechou à sua melhoria e ao promover-se este tipo de participação quer dos cidadãos, quer dos parceiros sociais é no sentido de melhorar o texto constitucional.
Entendi que, no tocante às comissões de trabalhadores, a UGT diz que a representação dos trabalhadores deve ser reforçada, não retirou nenhum direito às comissões de trabalhadores, mas também foi clara ao dizer que não lhe devem ser acrescentados direitos que, sob o ponto de vista histórico, são direitos sindicais e garantem a independência e as condições de negociabilidade dos próprios trabalhadores. E, nessa perspectiva (mas posso ter percebido mal), penso que o que a UGT propôs foi que fosse possibilitado aos sindicatos (o que não é possível agora, porque os sindicatos ficam fora da empresa em matéria de informação e de participação) que a negociação que se faz exclusivamente ao nível macro possa ser feita ao nível "mesossocial" e ao nível "microssocial", como, aliás, o Sr. Presidente disse há pouco. Foi isto que entendi da posição da UGT, mas não sei se entendi bem.
Por outro lado, o Sr. Secretário-Geral da UGT não o referiu mas estamos perante uma proposta que consideramos interessante, que é a de constitucionalizar o serviço público que constitui a negociação colectiva, no sentido de a negociação colectiva de que beneficiam todos os trabalhadores não ser apenas financiada em condições extremamente precárias por aqueles que usam o direito de se associar. Portanto, há aqui um serviço para o qual, afinal, generosa ou estupidamente, só alguns contribuem, e, como a generosidade vai sendo cada vez mais escassa, penso que deveriam ser as contribuições do Estado a pagar este serviço público, que é cada vez mais exigente, sobretudo se for descentralizado.
Há também uma proposta de aumentar a participação dos parceiros sociais, nomeadamente das associações sindicais, em vários domínios de interesse dos trabalhadores da actividade pública e de organismos públicos, mas essa representação custa muito dinheiro e por isso não tenhamos ilusões: se queremos que ela seja de qualidade e independente deve ser fixada no texto constitucional para garantir meios iguais, porque é preciso tratar as questões de igual modo e elas têm sido tratadas diferentemente. As associações patronais têm, por várias vias, financiamentos avultados que tornam este jogo ainda mais desigual do que ele já é à partida. Havia de tratar de forma diferente o que é diferente e, afinal, trata-se em sentido contrário.
Penso que a UGT não referiu a participação e a sua perspectiva sobre a segurança social, mas julgo que está perfeitamente enquadrada no actual texto constitucional. Em todo o caso, gostava de ouvir uma reafirmação desta confederação sobre o papel dos parceiros sociais na gestão e na remodelação, nalguma restruturação que terá de haver, sobre os seus limites, uma vez que a própria Constituição admite que uma parte da segurança social ou da protecção social seja feita por instituições privadas de solidariedade social não lucrativas. Portanto, gostaria de saber quais são os limites que a UGT coloca.
Em último lugar, no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, o princípio que foi e que ainda está sacralizado no texto constitucional de que para trabalho igual, salário igual, que é um princípio de que todos nós gostamos, tem gerado equívocos jurídicos, sobretudo no que diz respeito à discriminação, e tem permitido um aumento da discriminação subliminar cada vez mais acentuada, que se reflecte nas carreiras. Não se trata de uniformizar o salário do padeiro e da padeira, trata-se de tratar de valor diferente funções que são iguais. Gostaria que a UGT também se referisse a isto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.
O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, supõe-se que ninguém contesta a constitucionalização do direito ao trabalho e parece-me que, com esta ou aquela nuance, o princípio de que todos têm direito ao trabalho é aquele que está constitucionalmente consagrado.
O problema que se me coloca é simples: é suficiente constitucionalizar o direito ou começa também a tornar-se necessário proibir, isto é, constitucionalizar a proibição da apropriação indevida do trabalho. Dizendo de uma forma mais simples: admitindo - embora haja quem não concorde, estou de acordo com isso e entendo que são sinais do tempo inevitáveis - que a relação tecnológica liberta trabalho e, portanto, diminuiu o trabalho enquanto mercadoria, enquanto oferta, é preciso saber se caminhamos para um tempo em que é necessário também proibir a tal apropriação indevida, ou seja, pluriemprego e trabalho extraordinário, isto é, retirar a quem já trabalha o direito de fazer o seu trabalho e o dos outros.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins, do PSD, co-autor de um avultado número de propostas nesta área.
O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de saudar, em nome do PSD, a presença da UGT e agradecer os contributos que nos foram transmitidos.
Como o Sr. Presidente já referiu, estamos a discutir a matéria referente aos direitos e liberdades dos trabalhadores
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e, por conseguinte, os contributos que a UGT nos traz são muito úteis em termos de reflexão.
Já foram formuladas várias perguntas e permitia-me suscitar outra, até porque o projecto que subscrevi e que está ligado aos Deputados da área laboral do PSD tem a ver com o direito à greve. Todos sabemos que o exercício do direito à greve está previsto em termos constitucionais, está regulamentado pela Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, que foi alterada pela Lei n.º 30/92, de 20 de Outubro, e estão previstos serviços mínimos, mas a nossa proposta vai no sentido de estabelecer autonomamente e prever a garantia da prestação desses serviços mínimos no que concerne às necessidades sociais impreteríveis.
Pergunto se a UGT encara esta proposta como positiva e construtiva e se a vê no contexto de que esses serviços mínimos sejam estabelecidos em lei ou em convenção colectiva.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo de Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Gostaria também de saudar, em nome do Partido Socialista, a presença da UGT e de dizer que a UGT preconizou (e o Sr. Eng.º João Proença aflorou-o oralmente) o direito à acção colectiva sendo violados direitos individuais ou de grupo. Gostaria que fosse explicitada a razão concreta e o objectivo principal desta proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Eng.º João Proença para responder às perguntas, a quem peço que utilize 15 minutos.
O Sr. Eng.º João Proença: - Sr. Presidente, agradeço as perguntas feitas e tentarei responder pela ordem segundo a qual foram formuladas.
Em primeiro lugar, respondendo às perguntas do Sr. Deputado Luís de Sá, diria que, de facto, todos temos a noção de que a maneira como foram criadas as comissões de trabalhadores e os seus poderes estiveram muito ligados a um dado momento do sistema político português, a um dado momento da democracia portuguesa, como bem o prova o facto de as comissões de trabalhadores terem vindo a perder espaço. Ou seja, as comissões de trabalhadores nunca conseguiram implantar-se significativamente no sector privado. Eram umas comissões de trabalhadores basicamente do sector público, das grandes empresas, e à medida que ocorreu alguma privatização nas empresas públicas verificou-se um recuo nas comissões de trabalhadores em termos daquelas que têm um funcionamento efectivo e não em termos daquelas que teoricamente existem, mas mesmo as que teoricamente existem não ultrapassam algumas centenas.
Portanto, consideramos que, neste momento, começa a haver um espaço para, de uma maneira não partidarizada, fazer uma reflexão sobre a representação dos trabalhadores na empresa, sendo fundamental fazê-lo. Pensamos que, neste momento, essa reflexão não está feita e, portanto, grandes alterações em termos de tecido constitucional acabam por ser negativas.
Não propusemos minimamente um enfraquecimento muito significativo dos direitos das comissões de trabalhadores, mas propusemos claramente, por um lado, que não se faça nada que possa conflituar com os direitos das organizações sindicais, por exemplo a negociação colectiva. Por outro lado, propusemos que se actue no sentido de reforço dos poderes dos sindicatos, nomeadamente no direito de informação, consulta e negociação.
Podemos citar vários casos. Por exemplo, em termos de despedimentos colectivos, os sindicatos não são consultados, estão afastados. Há ainda o problema da falta de informação, consulta e negociação no quadro da empresa. Por exemplo, sobre os planos de formação, a introdução de novas tecnologias e muitas outras coisas que acabam por ser atribuídas às comissões de trabalhadores, os sindicatos não têm direito, mas como as comissões de trabalhadores não existem ninguém se pronuncia.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Veja o que se está a passar neste momento na área do material aeronáutico.
O Sr. Eng.º João Proença: - Sim. Também poderá haver violações dos direitos quer dos sindicatos quer das CT. Mas o problema é na área dos direitos há claramente um vazio relativamente aos poderes das organizações sindicais. Pensamos ser fundamental reflectir sobre isso e que esta Constituição dê uma contribuição positiva, não chocando com este tipo de raciocínio.
De modo algum propusemos, e clarificamos, que houvesse uma diminuição, como referiu, um enfraquecimento muito significativo de poderes.
No que diz respeito à pergunta feita pela Sr.ª Deputada Odete Santos, eu disse que, numa reflexão futura, para uma representação mais unificada dos trabalhadores na empresa, as organizações sindicais terão necessariamente um papel significativo. Como é que será? Talvez existam alguns modelos estrangeiros, nomeadamente europeus, que nos dêem algum espaço para reflexão, mas não há nenhum que nos dê espaço para copiar e, portanto, é um debate que temos que fazer.
Como sabem, em vários países, os representantes das comissões de trabalhadores são obrigatoriamente propostos pelas organizações sindicais salvo casos excepcionais. Aliás, em certa medida foi este o modelo foi adoptado nas comissões de higiene e segurança em trabalho.
Em Portugal, normalmente as CT são propostas por estruturas mais ou menos ligadas aos partidos políticos. E há estruturas de tipo coordenador que nunca tiveram uma força significativa, talvez por causa de uma certa partidarização, na sua intervenção como representantes dos trabalhadores.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado Luís de Sá quanto ao sistema eleitoral, é evidente que penso que é tão legítima a representação dos trabalhadores num sistema uninominal como num sistema plurinominal. Pensamos que é fundamental garantir a representatividade de acordo com os votos, mesmo que possam existir alguns cuidados nessa área, mas rejeitamos completamente evoluir para o sistema tipo britânico.
De facto, pensamos ser necessária uma maior aproximação dos eleitos aos eleitores para que as pessoas possam responder mais directamente perante quem os elege. Como todos sabemos, existem muitos Deputados que, na prática, depois do acto eleitoral, nunca mais vão aos seus distritos. Assumem que são Deputados da Nação e que não têm qualquer obrigação de dialogar com os seus representados. É evidente que temos sempre este problema de saber o que é um Deputado regional e o que é um Deputado nacional, qual é o papel dos Deputados num órgão como a Assembleia da República, que é necessariamente
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um órgão nacional, mas parece-nos que este problema deve ser ponderado.
Talvez Vila Verde nos leve a reflectir sobre alguns "buracos" na organização do nosso sistema. Ou seja, todos sabemos que facilmente é cassado um mandato a um autarca que cometeu qualquer pequenina irregularidade administrativa e para um autarca que viole a lei não há qualquer tipo de castigo, seja ele qual for.
Nomeadamente na altura em que o desemprego aumenta, aumentando os riscos de racismo e de xenofobia, é importante combater na origem atitudes que na prática incentivam o aumento do racismo e da xenofobia. A UGT teve oportunidade, na altura, de se pronunciar sobre essa matéria.
Quanto ao voto dos emigrantes devolvo a pergunta ao Sr. Deputado perguntando se considera que o Sr. Presidente da República não vai aos Estados Unidos e se os vários partidos políticos têm igualdade de oportunidade de ir aos Estados Unidos quando fazem a campanha para a Assembleia da República.
O que é fundamental é garantir a autenticidade da expressão eleitoral. Como sabemos, surgem vários problemas e pensamos que se para a eleição do Sr. Presidente da República pudessem votar pessoas que nada têm a ver com Portugal, que votam nas eleições presidenciais do seu país, que são cidadãos desses países e que não têm qualquer ligação ao tecido nacional, isso poderia quase conduzir a que o Presidente da República português fosse eleito predominantemente por cidadãos residentes noutros países e sem qualquer ligação a Portugal. Mas, de qualquer modo, somos um país de emigrantes e também há que ter a noção do papel dos emigrantes com todos os cuidados e com todas as garantias, mas pensamos que não nos compete a nós entrar nessa área até porque sabemos que os partidos apresentaram diferentes modelos.
Quanto à Sr.ª Deputada Elisa Damião, as questões que colocou são extremamente interessantes. A Sr.ª Deputada sabe bem o que pensa a UGT sobre elas mas pensamos ser de dialogar com toda a comissão sobre as mesmas. O primeiro aspecto prende-se com a constitucionalização da negociação colectiva, o que com certeza era extremamente importante. É evidente que isto está necessariamente ligado a um reforço da negociação colectiva e ao papel da negociação colectiva na modernização da economia e das empresas.
A constitucionalização da negociação colectiva é importante e o direito à negociação colectiva, que é um direito fundamental, deverá estar ligado também a uma reflexão sobre o financiamento das organizações sindicais e do serviço público que elas prestam.
Em Portugal, não há um financiamento das organizações sindicais, há um financiamento das organizações patronais. Ao dizer-se que se está a financiar as empresas ignora-se que as empresas são trabalhadores e empregadores. Por exemplo, todas as associações empresariais são subsidiadas para terem corpos técnicos, para terem revistas, para informarem os seus associados. Isso não são só instrumentos de reforço do associativismo, pois os próprios técnicos que são subsidiados por esses financiamentos são aqueles que depois se sentam à mesa das negociações com os sindicatos.
Portanto, há aqui uma miscegenação muito grande entre o apoio estatal e aquela que, na prática, é a actuação das associações empresariais no quadro da negociação colectiva. Convinha clarificar bem esta matéria, pois tem de haver uma grande transparência, uma grande fiscalização e tem que ser claramente abordada.
Não referimos a nossa visão da segurança social no nosso documento, como não referimos o direito à greve (pensamos que o direito à greve está bem e quanto aos serviços mínimos já responderei), assim como não referimos muitas outras questões que constam da Constituição, porque pensamos que poderá haver melhorias na redacção mas que o conteúdo não deve ser alterado.
Também pensamos que a matéria relativa à segurança social, tal como está prevista na Constituição, é um direito para todos. Mas quanto à segurança social de "mínimos", como agora se anda a pensar, à segurança social dos pobrezinhos, a nossa recusa é total.
É evidente também que defendemos o direito à participação e temo-nos batido claramente por isso, tanto mais que Portugal é o único país da União Europeia onde não há participação na segurança social. Há uma participação esquisita, no conselho directivo ou no conselho de gestão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que obrigatoriamente tem de se pronunciar sobre o plano de actividades e o orçamento mas que não reúne há dois anos - portanto, os últimos que foram aprovados são todos ilegais - e há os conselhos consultivos das instituições regionais de segurança social que também não reúnem há uns anos.
Portanto, a participação na segurança social está no zero neste momento e há que reflectir sobre ela, mesmo que isso implique reflectir sobre a organização da segurança social a dois níveis, o nível que a Sr.ª Deputada referiu, ou seja, o regime contributivo em que os trabalhadores e os empregadores contribuem para um dado sistema e devem ter uma palavra a dizer noutro sistema, e aquele regime que tem a ver mais com o funcionamento do Estado, nomeadamente a acção social.
Por outro lado, coloca-se o problema do nível de organização da própria segurança social. Neste momento, não se sabe onde é que se há-de participar, porque não há nenhuma estrutura que tenha a ver com a definição das políticas da segurança social. A definição das políticas da segurança social é feita directamente pelo Governo sem haver uma estrutura própria. O Instituto de Gestão tem umas dadas competências, os centros regionais tem outras competências, cada instituição tem as suas competências, mas o único órgão onde são discutidas as políticas é no Governo. É evidente que os sindicatos não reclamam a participação no Governo, reclamam é a participação no sistema de segurança social.
O princípio do trabalho igual salário igual é muito importante para os sindicatos, como é evidente, mas isto tem dado origem a grandes confusões, nomeadamente em termos de decisões dos tribunais. Por exemplo, cabe saber se é trabalho igual aquele que é prestado de acordo com normas de trabalho diferentes, com regras diferentes, nomeadamente abrangido por contratos colectivos diferentes. E, sobretudo, há outra questão, que é a seguinte: o princípio é justo mas cabe saber se, neste momento, na sociedade portuguesa não é mais importante o princípio da não discriminação. Quer dizer, não é só o problema do trabalho ser igual, é o princípio de não poder haver discriminação no trabalho. Aliás, os sindicatos da UGT, os sindicatos bancários, já tiveram ocasião de colocar aos Srs. Deputados, na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o problema relativo à clara violação do direito de igualdade de oportunidades em certas instituições
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bancárias, em que, na prática, compete ao sindicato demonstrar que há essa violação, quando deveria claramente haver uma inversão do ónus da prova.
Este problema da não discriminação nos salários e em geral o problema de igualdade de oportunidades são princípios fundamentais.
Sr. Deputado Strecht Ribeiro, quanto ao direito ao trabalho, não sei como tratar a sua questão em termos constitucionais e, portanto, ainda bem que esclareceu a questão e a ligou à da necessidade não só de haver um horário máximo de trabalho - estamos a caminhar agora, e bem, para as 40 horas - mas também haver um horário máximo em termos de trabalho efectivo.
Veja-se o que está a acontecer nos últimos tempos, em Portugal, a propósito desta questão. Há um elevado número de trabalho extraordinário prestado sem qualquer controlo e até sem remuneração. Começam a multiplicar-se situações, até em instituições muito poderosas, de trabalhadores contratados, na prática, sem horário de trabalho. Quer dizer, a isenção do horário de trabalho significa que, nesses sectores, o horário de trabalho já não é de 35 nem de 40 horas, não existe pura e simplesmente, e depois há grandes dificuldades de intervenção da Inspecção do Trabalho ou de outros organismos, porque o próprio trabalhador está fortemente condicionado. Daí colocar-se a questão relativa à acção colectiva, como o fez o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
Por exemplo, nos horários, esta questão é muito clara. Os sindicatos têm conhecimento de situações claras de violação dos horários de trabalho mas nenhum trabalhador se queixa, até porque será fortemente penalizado se o fizer. Daí a grande dificuldade de actuação nos vínculos laborais, nas condições de higiene e segurança e noutras questões em que há direitos individuais (muitas vezes os individuais são localizados, outras é mais o conjunto) que são claramente ofendidos e em que o direito à acção colectiva é fundamental.
A última questão foi colocada pelo Sr. Deputado Francisco Martins. Lemos com muita atenção a proposta (aliás, como fazemos com todas elas) relativa ao direito à greve que teve oportunidade de apresentar.
O direito à greve é um direito constitucional e, portanto, estamos em desacordo com uma proposta que propõe claramente limitar este direito.
Quanto à existência ou não de serviços mínimos, não somos contra os serviços mínimos. Quanto a constar na Constituição ou na lei ordinária, não sabemos se o facto de serem constitucionalizados traz um grande avanço, mas o nosso problema não é o de sermos contra o serviço mínimo. Porém, estávamos claramente contra uma lei aprovada pela Assembleia da República há pouco tempo que, na prática, conduzia a que os serviços mínimos fossem tornados máximos por decisão governamental, porque a lei encaminhava a decisão dos serviços mínimos, como referiu, para a negociação colectiva mas, na prática, nem sequer se fazia um esforço para fazer qualquer negociação colectiva. No dia em que se promovia uma reunião com o sindicato já estava elaborada a portaria a fixar os serviços mínimos.
Portanto, o grande problema é que o conteúdo de alguns serviços mínimos é claro e pode ser indicado pela lei no sentido de haver uma definição prévia - e a própria lei aponta alguns casos nesse sentido -, mas noutras áreas deve claramente fazer-se um grande esforço para haver negociação colectiva. Ultrapassada a negociação colectiva, tem de encontrar-se mecanismos de arbitragem e não mecanismos de decisão unilateral do Governo.
O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Deputado Francisco Martins e outros exclui implicitamente a possibilidade de portaria governamental, o que quer dizer que tem de ser ou a lei directamente ou convenção colectiva.
O Sr. Eng.º João Proença: - Isso poderá ser um avanço, ao esclarecer que é o conteúdo da lei que define claramente os casos ou a convenção colectiva. Até admitimos, porque pode haver bloqueamentos nas convenções colectivas, que em casos explícitos pudesse haver uma instituição, um mecanismo de arbitragem, mas nunca o que aconteceu nos últimos dois ou três anos em Portugal, em que os serviços mínimos foram transformados em serviços máximos e puseram em causa o direito constitucional à greve. Portanto, é esta a questão que tem de ser salvaguardada.
O Sr. Presidente: - Resta-me agradecer aos representantes da UGT a disponibilidade que demonstraram para virem a este reunião, os esclarecimentos que nos prestaram e as opiniões que nos trouxeram e aos membros da Comissão as perguntas e os comentários que fizeram. Obviamente, posso garantir aos nossos convidados que as suas opiniões serão tidas em conta na apreciação que estamos e continuaremos a fazer sobre esta matéria. Muito obrigado pela vossa participação.
Pausa.
Srs. Deputados, temos entre nós, em representação da Associação Industrial Portuense, o Sr. Dr. António de Almeida, consultor económico desta instituição, que vai trazer-nos o ponto de vista da Associação sobre a revisão constitucional, sobretudo em matéria que mais lhe interessa, ou seja, em matéria de organização económica e matérias conexas.
Sr. Dr. António de Almeida, vou dar-lhe a palavra para uma intervenção inicial, podendo dispor de 15 minutos. Seguir-se-á uma ronda de pedidos de esclarecimento e comentários e depois, de acordo com os pedidos de esclarecimento e os comentários feitos, arbitrar-lhe-ei um tempo, em princípio idêntico, para poder responder.
Tem a palavra, Sr. Dr. António de Almeida.
O Sr. Dr. António de Almeida (AIP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho muito gosto em voltar a esta Casa. Há 11 anos que não vinha à Assembleia, desde Novembro de 1985, pelo que tenho muito gosto em aqui voltar.
Quando adolescente eu era muito tímido, mas fui perdendo essa timidez, e só por isso tive coragem de vir a esta reunião. Sou consultor económico, infelizmente já licenciado há algumas décadas, sendo que ontem, ao fim do dia, ligaram-me da Associação Industrial Portuense dizendo-me "uma vez que o Sr. Doutor é licenciado em Direito, podia fazer-nos o favor de ir defender a nossa posição". Esclareci que não sou licenciado em Direito mas, sim, em Economia, aliás, já disse ao meu amigo professor que confio de tal maneira nos nossos ilustres Deputados que consegui viver até agora sem nunca ter lido a Constituição (fui comprá-la hoje de manhã) e, de facto, nunca me fez falta. Assim, estive a estudar esta matéria muito de fugida. Pedi uma cábula e mandaram-me um fax, pelo
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que a solução mais prática e pragmática é seguir a cábula que me foi enviada.
Não estou com complexos de me chumbarem porque, como de facto não estudei a matéria nem é a minha especialidade, considero-me reprovado logo à entrada para o exame e, portanto, estamos aqui à vontade para trocar algumas impressões.
Gostaria também de dizer que, como não participei em nenhuma reunião na Associação relativamente a este debate, não tenho possibilidade de perceber qual o espírito que levou às posições aqui assumidas. Quero, no entanto, esclarecer que a Associação Industrial Portuense é uma associação que, embora de âmbito nacional, tem a sua implantação mais marcada na região Norte. Trata-se, portanto, de uma associação de pequenas e médias empresas (mesmo as empresas de maior dimensão são de índole familiar, aliás, as empresas portuguesas, mesmo as muito grandes, são praticamente todas de índole familiar, tirando as multinacionais) e, por conseguinte, o documento que me foi enviado traduz uma cultura própria de um tecido empresarial em que o relacionamento entre o empresário/gestor (uma vez que há uma confusão entre o empresário e o gestor) e o meio envolvente, nomeadamente os meios envolventes laboral e político, traduz uma cultura de relacionamento muito próxima, muito familiar e de algum domínio quanto à envolvente humana.
Assim sendo, peço que algumas posições tomadas pela Associação Industrial Portuense, nomeadamente no que diz respeito ao exercício dos direitos sindicais e dos direitos das comissões de trabalhadores, sejam devidamente entendidas não como uma posição ideológica condenável mas, sim, como a tradução de uma prática que domina o ambiente deste tipo de empresas.
Recordo-me que no anterior governo um ex-Ministro quis visitar uma grande empresa do Norte, visita a que tive o privilégio de assistir, sendo que o chefe de gabinete mandou uma carta dizendo que fazia muito gosto em falar com a comissão de delegados sindicais e com a comissão de trabalhadores. Esse senhor, que é um empresário importante, dizia "não vale a pena, porque a comissão de delegados sindicais sou eu, a comissão de trabalhadores sou eu, eu sou dono e o gestor, portanto, falam comigo e fica tudo esclarecido!".
Risos.
Portanto, a posição da Associação, consubstanciada no documento que aqui tenho, tem de ser entendida neste contexto cultural.
A primeira observação de natureza genérica feita pela Associação, que penso ser uma crítica geral, tem que ver com a extraordinária extensão do documento. Segundo a opinião da direcção da Associação Industrial Portuense, o documento é muito extenso, muito pormenorizado e muito regulamentador, pelo que os empresários do Norte entendem que o mesmo deveria ser, na medida do possível, reduzido.
Tive oportunidade de dar uma leitura rápida à Constituição, sendo que, em determinada altura, não sabia se estava a ler o documento fundamental da Nação, um plano estratégico ou um plano operacional, porque comparecem aqui textos que têm que ver com aquilo que nós fazemos nas empresas, os planos estratégicos e os planos operacionais. Tem de tudo um pouco! Portanto, secundo completamente esta observação de natureza genérica e posso dizer que os empresários veriam com agrado o "encolhimento" do documento.
Na especialidade, foram-me apresentados alguns artigos com a redacção actual e com as redacções sugeridas. O primeiro artigo referido é o 53.º, que na redacção actual diz que "É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos". Pergunta-se na Portuense o que é isto de garantir aos trabalhadores a segurança no emprego.
Hoje, neste mundo global competitivo, a garantia do emprego não é feita nem pela lei nem pela Constituição, é feita por outras razões. Assim, propunha-se como redacção que se dissesse simplesmente que é proibido o despedimento sem justa causa. Não adianta dizer que se garante a segurança do emprego, porque depois, de facto, na prática, não há mecanismos de garantia da segurança do emprego. Mesmo quando se aprovam planos que têm como finalidade a manutenção de empresas que têm alguma viabilidade económica, normalmente, esses planos passam pela redução do nível de trabalho.
Portanto, a primeira proposta da Portuense é a alteração (trouxe um exemplar deste documento, que depois aqui deixarei) do artigo 53.º. Seria muito mais simples dizer apenas que é proibido o despedimento sem justa causa.
Relativamente ao artigo 54.º, o documento que aqui tenho traduz um pouco aquilo que eu disse na introdução, porque quanto às alíneas b) e c) deste artigo, em que se fala no exercício do controlo de gestão nas empresas e de intervir na reorganização das unidades produtivas, a proposta da Associação é radical, visando pura e simplesmente a sua eliminação. Esta posição traduz, de facto, a situação vigente neste momento, pois o controlo de gestão de empresas, tanto quanto é do meu conhecimento, teve o seu período áureo aquando das empresas públicas, porque é um controlo de gestão protegido pelos próprios partidos políticos. O controlo de gestão praticamente desapareceu desde que os patrões tomaram conta das empresas, sendo que na iniciativa privada tem muito pouca acuidade.
De qualquer maneira, sem ter mandato para isso, devo dizer que era bom se fosse possível caminhar para formas mais evoluídas, como existem noutros países, de mais participação do que aquela que acontece neste conceito de controlo. Penso que andamos a controlar-nos muito uns aos outros (temos os auditores, os revisores, e toda a gente se controla), o que faz com que as comissões de trabalhadores, com as quais lidei durante bastante tempo nas minhas funções na União de Bancos Portugueses, e até pela própria formação da generalidade dos nossos trabalhadores, acabem por fazer um controlo de grande pormenor, não tendo, de uma maneira geral, capacidade para fazer um controlo estratégico, que é aquele que interessa nas empresas.
O que interessa não é saber se se comprou um serviço de copos para a sala de jantar do presidente do banco, mas as comissões de trabalhadores preocupavam-se mais com isso do que propriamente com o controlo que interessa, que é o da grande orientação estratégica, o qual, de certa maneira, pode assegurar o futuro das empresas a médio e longo prazo.
A proposta da Associação é de eliminação pura e simples destas duas alíneas, admitindo-se, contudo, que possa avançar-se para outros tipos de modelos, que caminhem mais para a participação do que propriamente para esta
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preocupação um pouco doentia de andarmos a controlar-nos uns aos outros. Parece que já há controlos a mais.
Passando para o artigo 55.º, que tem que ver com o direito de exercício da actividade sindical na empresa, a Associação Industrial Portuense não é contra o mesmo mas entende que deveria ser retirado da Constituição. Portanto, este artigo deveria pura e simplesmente ser eliminado da Constituição, passando este aspecto a ser regulado apenas pela lei e não pela Constituição.
Penso que se trata de uma visão um pouco difícil do ponto de vista político, de qualquer maneira esta é a posição da Associação e como sou aqui um porta-voz tenho de transmiti-la. Portanto, no que concerne ao artigo 55.º, a proposta é de, pura e simplesmente, eliminar a alínea d).
Quanto ao artigo 57.º, n.º 2, em que se diz que "Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito", a proposta de redacção apresentada pela direcção da Associação é a seguinte: "Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, dentro dos limites estabelecidos pela lei".
Portanto, o pensamento desta associação empresarial é que a lei deve limitar o direito em causa; nada deve existir que não seja passível de limitação pela lei. Ora, parece que, pelo menos em Portugal, existe um direito à greve que a própria lei não tem a faculdade de limitar. Assim, pediram-me que transmitisse a preocupação de manter o corpo do artigo 57.º, mas ficando estabelecido que a lei teria a faculdade de limitar o âmbito e os interesses a defender nas greves.
Quanto ao artigo 80.º, nomeadamente no que se refere às alíneas c), d), e) e f), que têm que ver com a apropriação colectiva dos meios de produção, com a planificação democrática da economia, com a protecção dos sectores cooperativo e social e com a intervenção democrática dos trabalhadores, a proposta é radical, pois visa pura e simplesmente a eliminação destas quatro alíneas, o que está relacionado com os princípios bastante liberais e de economia de mercado que orientam este tipo de associação. Portanto, propõe-se pura e simplesmente a eliminação destas alíneas.
Embora se trate uma associação industrial - não sei se algum daqueles senhores tem latifúndios no Alentejo, mas hoje também faz parte do status ter grandes propriedades no Alentejo - e, portanto, este aspecto não caiba muito no âmbito das preocupações dos industriais (se calhar até é capaz de estar nas preocupações dos industriais agricultores), a nossa proposta é de eliminação pura e simples da alínea h) do artigo 81.º, que diz "Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio". Portanto, a Associação Industrial Portuense propõe pura e simplesmente que se elimine esta alínea.
No que se refere ao artigo 83.º, que diz "A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de apropriação colectiva dos meios de produção (…)", a direcção da Associação considera-o inútil e, portanto, propõe também a sua eliminação.
Proposta idêntica faz para o artigo 97.º. Uma vez que diz respeito ao sector agrícola, à eliminação de latifúndios e a algum reordenamento da propriedade agrícola, entende-se que o artigo 97.º, por coerência de posição, deveria ser igualmente eliminado.
Quanto ao artigo 107.º, que está muito em discussão neste momento - aliás, ontem o Dr. Medina Carreira procurou explicar, na rádio, aspectos fiscais, nomeadamente da utilização de métodos indirectos ou indiciários -, a posição da Associação é totalmente contrária à utilização de métodos indirectos ou indiciários. A nossa posição é no sentido da criação de uma taxa que tenha que ver com a dimensão das empresas, com uma fórmula que teria de ser adequadamente estudada. Claro que a taxa deveria ser reduzida e dedutível no IRC que viesse a ser cobrado.
Portanto, a Associação Industrial Portuense não está de acordo em que a tributação das empresas incida sobre o rendimento real. Este é um problema complicado, mas foi produzido um documento com base no trabalho feito pela comissão da reforma fiscal e penso que quando este Parlamento se pronunciar sobre a reforma fiscal poderá ver nesse documento, bastante extenso, a posição da Associação, que é muito completa.
Relativamente ao imposto sobre sucessões e doações, entende-se que o mesmo deve contribuir não para a igualdade mas, sim, para a equidade entre os cidadãos. É esta a nuance apresentada pela Associação Industrial Portuense.
O último artigo relativamente ao qual foi feito um comentário por esta Associação é o 288.º, sendo também no sentido da sua eliminação. Penso que este trabalho está muito dominado pela ideia de reduzir a extensão da Constituição, pelo que eliminando conseguiremos, de certa maneira, esse objectivo.
Portanto, a nossa proposta é eliminar as alíneas e) e g) do artigo 288.º, que têm que ver com os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais e com a existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista.
A posição da Associação é nitidamente no sentido da total e completa privatização de todos os sectores da actividade económica - e mesmo de alguns que não são da actividade económica -, por conseguinte esta é uma proposta coerente com essa posição fundamental da orientação ideológica desta Associação.
São estes os comentários produzidos e que me foram transmitidos por fax. Peço a VV. Ex.as alguma indulgência, porque com alguma dificuldade de visão ainda consegui lê-lo, mas se me fazem perguntas muito complexas sou capaz de ter alguma dificuldade em responder.
O Sr. Presidente: - Agradeço ao Dr. António de Almeida, que aqui esteve em nome da Associação Industrial Portuense.
Devo dizer, para tranquilidade da Associação que representa, que a vossa proposta é menos radical do que algumas feitas nesta Comissão e que estão pendentes em projectos de revisão constitucional. Há propostas mais radicais no sentido de eliminar grossos capítulos da Constituição em matéria da Constituição económica. Por exemplo, a Associação Industrial Portuense não propõe a eliminação de todo o capítulo que vai do artigo 96.º ao artigo 104.º, coisa que é proposta por alguns dos projectos pendentes entre nós. Portanto, como vê, há sempre a possibilidade de ser mais radical do que aquilo que a Associação Industrial Portuense adianta.
Quanto às perguntas dos membros da Comissão, esta Comissão é pacífica e certamente que as perguntas, por mais que manifestem oposição aos pontos de vista expendidos, não deixarão de poupar o portador da mensagem da Associação Industrial Portuense.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Dr. António de Almeida, penso que não precisa de indulgência nenhuma, visto que explicou com bastante clareza uma proposta com uma linha ideológica bem definida, com a qual se concorda ou não. Não vou entrar aqui em discussões sobre isso, só quero colocar-lhe uma pequena pergunta em relação à proposta de suprimir o artigo 53.º, relativo à segurança no emprego.
Parece-me que dessa supressão resultaria a possibilidade de tornar legal a "precarização" dos vínculos laborais, dos contratos a prazo sem justificação. Pergunto se isso interessa ao tecido produtivo e se interessará também aos industriais. É que a passar-se isso na vida prática não é motivo para, nem na lei e muito menos na Constituição, cruzarmos os braços e dizermos "então, se assim é, vamos suprimir isto"!
Interessa, de facto, aos industriais, ao tecido produtivo, a completa "precarização" dos vínculos laborais, a completa insegurança no emprego? Era só esta a pergunta que queria deixar, porque me parece que nem aos industriais interessa esta situação.
O Sr. Presidente: - Sr. Dr. António de Almeida, o nosso método é fazer uma ronda de perguntas. Peço-lhe que tenha o cuidado de tomar nota das questões que vierem a ser colocadas para, no final, responder em bloco, sem prejuízo de algum esclarecimento suplementar que venha a ser pedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Dr. António de Almeida, quero saudar a sua presença nesta Comissão em nome da Associação Industrial Portuense, até porque, tanto quanto me é dado a ver, outras associações patronais, não conhecendo nós a explicação, não se mostraram disponíveis para esta audiência.
É evidente que um conjunto de propostas que a Associação Industrial Portuense formula, do ponto de vista do Partido Socialista, levar-nos-ia a entrar num modelo que nos parece ser de recusar. Portanto, em sede de revisão constitucional, não estaremos disponíveis para acolher todo o conjunto de restrições a direitos, de eliminação de artigos e de "desconstitucionalizações" de direitos que nos parecem importantes para os trabalhadores e também para o funcionamento da economia, como, aliás, a minha colega Deputada Odete Santos referiu.
Assim, vou colocar-lhe a questão que, apesar de tudo, me parece mais pertinente neste caso, visto que as outras são demasiado grossas para entrarmos no detalhe e penso haver linhas de pensamento irredutivelmente contrárias, relativas aos impostos, ao artigo 107.º.
O Sr. Dr. António de Almeida referiu que a AIP entende que não deve ser tributado o rendimento real, mas também recusa os métodos indiciários. A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: recusam os métodos indiciários mesmo como base para a fiscalização, isto é, até os indícios que sejam base para que haja alguma fiscalização? Faço esta pergunta porque o Sr. Doutor adiantou que se preconizava uma taxa fixa. Pergunto: sobre o quê? Sobre o rendimento real, ou esta também é uma forma ínvia de métodos indiciários?
Sr. Doutor, é esta a precisão que pretendo, renovando e reiterando os meus agradecimentos pela sua presença.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.
O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudar, em nome do PSD, a presença do Sr. Dr. António de Almeida em representação da AIP.
Em particular no que concerne aos direitos dos trabalhadores, temática que o Sr. Doutor referiu em pormenor, gostaria de colocar uma questão.
O Sr. Doutor falou na eliminação daquilo que considera o controlo e falou em participação dos trabalhadores, enquadrando a questão do controlo - digamos que até o aceito - no contexto em que a Constituição foi elaborada. Os tempos mudaram, evoluíram, pelo que a AIP fala em participação.
Uma questão que gostaria de colocar, neste contexto - o Sr. Doutor dirá se pode responder -, é a seguinte: como é que a AIP vê as relações laborais nas empresas, isto é, entre empregadores e empregados, trabalhadores por conta de outrem? Em concreto, essa nova vivência nas empresas tem que ver, por exemplo, com aquilo a que pode chamar-se microconcertação? Gostaria de saber se isso é uma aposta, se isso é realmente visto como uma nova forma de relacionamento, de participação dos trabalhadores no sentido de estes, no exercício dos seus direitos, poderem efectivamente contribuir, como certamente é do interesse das próprias empresas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Doutor, quero também eu saudar a presença da Associação Industrial Portuense.
Naturalmente, há um conjunto de propostas respeitantes a estruturas produtivas e outras que reflectem preocupações próprias da Associação, no entanto, há uma série de propostas que vejo com uma preocupação especial, porque não dizem respeito apenas a algumas estruturas produtivas, em relação às quais seria de esperar que não houvesse uma convergência de posições, mas já ao âmbito de direitos fundamentais e de liberdades. Creio que esta questão é um pouco mais preocupante.
Refiro um exemplo concreto, que é a proposta de eliminação do direito de exercício da actividade sindical na empresa, entre outras.
Há propostas também a respeito do direito à greve, inclusive propostas em relação aos próprios limites materiais da revisão constitucional, em que é sugerida a eliminação dos direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais.
Por exemplo, a respeito do artigo 55.º, é certo que na proposta de eliminação vem a justificação de que a alínea d) deve ser regulada pela lei, mas a pergunta é esta: por que razão isso se passa em relação à alínea d) e não também em relação às outras alíneas? Não teme a Associação Industrial Portuense que se apenas existe este tipo de consideração, depois, o resultado prático venha a ser a limitação ou a supressão da liberdade sindical dentro das empresas e não propriamente uma mera regulamentação através da lei?
O Sr. Presidente: - Sr. Dr. António de Almeida, penso que certamente não se apercebe da valia dos pontos de vista que nos trouxe em termos de completar a visão dos interesses sociais que na realidade existem na sociedade portuguesa, e, face à circunstância de as demais organizações
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representativas de entidades patronais/empresariais não se terem dado à presença entre nós, penso que a Associação Industrial Portuense não só nos deu os seus pontos de vista como também completou um quadro que ficaria claramente incompleto se, porventura, não tivesse trazido o discurso que nos trouxe.
Penso que a opinião da Associação Industrial Portuense tem um ponto que pode impedir uma correcta avaliação e consideração da mesma, porque põe, a meu ver injustamente, no mesmo pé dois tipos de preocupações.
Em geral, as propostas convergem quanto à desconstitucionalização de direitos, normas ou imposições constitucionais em duas áreas assaz distintas: por um lado, na área dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, por outro lado, na área da organização económica, da Constituição económica. Ora bem, penso que estas duas áreas não devem merecer o mesmo tipo de tratamento, e digo-o com à-vontade porque, tendo participado numa revisão constitucional e acompanhado as outras por razões profissionais, continuo firmemente convencido de que os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores ainda fazem parte do cerne de uma Constituição moderna.
Hoje, tenho as mais sérias dúvidas sobre as vantagens, e até a pertinência, de uma Constituição económica cogente, isto é, de uma Constituição que imponha, para além de certos limites, princípios de organização económica em matéria de propriedade de meios de produção e, inclusive, em matéria de política económica, como a nossa Constituição faz, aliás não originariamente, mas desde a revisão constitucional de 1989, altura em que se acrescentou um capítulo sobre a política industrial e a política comercial que, se a apreciação me é permitida, me parecem francamente excessivos no actual texto constitucional.
Pelo exposto, se no que respeita aos direitos dos trabalhadores a generalidade das propostas da Associação Industrial Portuense me suscitam franca discordância e quase generalizada oposição, já o mesmo não acontece, pelo menos com a mesma intensidade, em relação à propostas relativas à Constituição económica. Hoje em dia, sou bastante céptico acerca da vantagem, e até da pertinência, de a Constituição procurar impedir a maioria política de cada momento de determinar, no fundamental, a política económica que quer seguir.
Ora, ao pôr no mesmo pé estas duas realidades, penso que o ponto de vista da Associação Industrial Portuense não tem o crédito ou a força que teria se estabelecessem nuances, isto é, um distinguo, entre aquilo que pertence à Constituição dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores - que, penso, hoje gozam de um consenso generalizado, porventura excluindo exactamente os círculos empresariais e patronais - e a matéria da organização económica, que, penso, actualmente goza de muito menos consenso e é muito mais polémica em sectores importantes da opinião pública portuguesa.
Portanto, considero que as posições da Associação Industrial Portuguesa e das associações empresariais em geral em matéria de "desarme" - pelo menos no que respeita às normas constitucionais em matéria de organização económica - talvez ganhassem alguma força se não fossem acompanhadas da ênfase de se livrarem dos direitos dos trabalhadores e dos limites que a garantia desses direitos impõe aos poderes empresariais. Digo isto porque uma sociedade que queira garantir os direitos dos trabalhadores tem necessariamente de limitar o poder e a discricionariedade das entidades patronais.
Quero perguntar-lhe se, fazendo um apreciação autónoma desta matéria, não lhe parece que estas duas situações ganhariam em ser distinguidas e que uma atitude crítica em relação à nossa Constituição económica formal poderá dar razão às posições que foram expressas, mas que há o risco de isso não acontecer dado o fundamentalismo, digamos assim, que as associações empresariais continuam a emprestar a verem-se livres da Constituição do trabalho.
Resumindo: gostaria de saber se a distinção entre a Constituição do trabalho, por um lado, e a Constituição económica, por outro, não daria mais clareza, transparência, perceptibilidade e, se calhar, melhores perspectivas de êxito à defesa dos interesses das próprias organizações empresariais do que essa mistura, isto é, do que a atribuição da mesma ênfase e da mesma atitude fundamentalista em relação à desconstitucionalização dessas duas partes da Constituição.
Sr. Dr. António de Almeida, tem a palavra para responder às questões que lhe foram colocadas.
O Sr. Dr. António Almeida: - Sr. Presidente, quero agradecer referências que foram feitas à Associação - transmiti-las-ei ao seu Presidente, Eng.º Ludgero Marques - e, seguramente, é muito grato saber que este trabalho poderá, de alguma forma, embora não muito valiosa, ajudar os vossos trabalhos.
Tenho muita dificuldade em responder às perguntas, porque, como disse, não assisti às reuniões que levaram à produção deste documento. Em todo o caso, como desempenho funções de consultor da Associação e o Eng.º Ludgero Marques me convida sempre para as reuniões da direcção, tenho, de certa maneira, um percepção do que é o pensamento da Associação e julgo que o documento não andará longe daquilo que são as preocupações e as confrontações que existem dentro da Associação e da direcção, como é natural em todas as organizações.
Relativamente à primeira questão, sobre se é ou não do interesse dos industriais a total liberalização da defesa dos postos de trabalho, posso dizer que tenho assistido variadíssimas vezes a discussões na Associação em que se "degladiam" vários pontos de vista. Hoje, em todos os ramos da sociedade, temos uma sociedade com aspectos muito modernos e com outros nada modernos. No tecido empresarial também temos empresas extraordinariamente modernas, mas temos uma percentagem muito grande de empresas que ainda estão no princípio do século, que ainda estão no "taylorismo". Oiço dizer variadíssimas vezes, e surpreende-me, que o que é preciso para produzir bem é ter indivíduos com um cronómetro na mão e controlar, tal como fazia o Frederic Taylor.
Nós temos esta mistura na nossa sociedade e também a temos no tecido empresarial, por conseguinte, a direcção da Associação traduz um pouco este conflito de pensamentos. Há empresários e empresas modernas que entendem que uma certa estabilidade de emprego cria um clima emocional favorável à própria melhoria da produtividade, portanto, é vantajoso que o trabalhador se sinta seguro, porque encontra emprego, dedicando-se e produzindo mais, uma vez que não tem ansiedades e angústias, e há empresários que entendem que a partir do momento em que começam a aparecer os primeiros cabelos brancos num indivíduo é melhor substitui-lo por um mais novo, porque isso pode aumentar a produtividade. Portanto, nesta Associação existe, como em todas as Associações, este tipo de conflito.
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Resultou desta discussão - e infelizmente, do meu ponto de vista, como economista e como homem atento à sociedade - que a maioria propende para a ideia de que, para uma melhoria de produtividade e, eventualmente, para uma maior dedicação, seria mais vantajoso que se retirasse esta garantia de segurança no emprego aos trabalhadores, embora ela tenha que ser devidamente interpretada, porque não é a Constituição que a garante, o que a garante é a qualidade empresarial e a qualidade de gestão do País.
Quer dizer, nós temos é que investir muito mais na formação do empresário e do gestor, o qual tem que ter não apenas uma formação materialista mas também alguma formação humanista. Por algum motivo, hoje, as universidades americanas mais avançadas estão a introduzir nos cursos de Management cadeiras de filosofia e de humanidades, porque se chegou à conclusão de que esse tipo de "ferramenta" mental é importante.
Portanto, não é o facto de esse direito estar ou não consagrado na Constituição que vai alterar este estado de coisas. Não é por esse direito estar na consagrado na Constituição que se garante aos trabalhadores a segurança no emprego, não é por esse direito não estar previsto na Constituição que os trabalhadores passam a ter mais insegurança, isso vai depender, fundamentalmente, de uma evolução, que é necessariamente demorada, da mentalidade do tecido empresarial português.
Mas neste momento, segundo a minha leitura - não fizemos nenhuma estatística, mas é o que deduzo das discussões a que assisti -, ainda temos um número muito grande de "tayloristas", que entendem que se produz melhor e se conseguem melhores índices de competitividade se retirarmos este direito da Constituição. Essa não é a minha posição, mas estou aqui a transmitir a posição da Associação e não a minha.
O segundo ponto, que tem a ver com os impostos, é discutido permanentemente, e eu gostaria de esclarecer um pouco qual é a posição da Associação, porque poderia pensar-se que os empresários, nomeadamente da Associação que estou a representar, são indivíduos irresponsáveis, portanto, entendem que não deve haver tributação dos rendimentos e não querem pagar impostos. Quer dizer, os empresários responsáveis e os elementos que estão na direcção da Associação têm uma perfeita consciência - têm-no escrito em vários documentos e têm-no dito permanentemente - de que a situação tributária do País, em determinados sectores da vida portuguesa, não apenas das profissões liberais mas também das empresas, é caótica e extraordinariamente injusta, portanto, as empresas que estão bem organizadas e que são cumpridoras são penalizadas relativamente a todas as outras que, gerando lucros, encontram vias - às vezes legais, outras vezes não - de não contribuir para o erário público.
Por conseguinte, a posição da Associação é no sentido de que deveria ser feito uma espécie de contrato fiscal em que ficasse clausulado que as empresas cumpridoras pagariam progressivamente menos à medida que a eficiência fiscal crescesse. O documento que vamos distribuir remete para um documento autónomo, portanto, é um pouco difícil perceber o que acabei de referir, mas posso fazer chegar esse documento autónomo ao Sr. Presidente.
Resumindo: a ideia não é não tributar o rendimento real, não é não ter métodos indiciários, não é evitar o pagamento do imposto mas, sim, evitar que a administração fiscal, através de determinados sistemas, acabe por penalizar novamente aqueles que já são penalizados.
Se me permitirem, porque não sei o tempo que tenho, darei um exemplo.
Ontem, recebi uma carta da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, com a qual me desatei a rir - procuro ter algum sentido de humor -, porque diz que eu tenho que refazer a minha declaração de IRS de 1991, no sentido de acrescentar mais uns 200 contos que recebi a título de ajudas de custos. Não procuraram saber se eu tinha viajado ou não (eu estive em vários sítios, nomeadamente, uma semana em Luanda e duas vezes em Bruxelas), o argumento que utilizaram é que o documento que eu assinei dizia "Dr. António de Almeida, funcionário da Associação(…)", mas eu não era funcionário da Associação, porque pertencia ao quadro do Banco de Portugal e sou reformado do Banco de Portugal.
O argumento do Ministério das Finanças é este: é funcionário, porque temos um papel a dizer que o é, e, por isso, tem que declarar as ajudas de custo para efeitos de IRS. Eu até disse, com alguma graça, à pessoa que me trouxe o documento: "sorte a minha não dizer que sou funcionária! Senão nunca mais conseguia provar que sou homem". O Ministério das Finanças anda atrás das ajudas de custos deste tipo de trabalhador, no valor de 20 e de 50 contos, e, de facto, deixa fugir os milhões que todas as pessoas sabem…
A posição da Associação é de grande rigor no que respeita ao fisco, mas numa modalidade de contrato fiscal em que as empresas cumpridoras tivessem um benefício à medida que a receita fiscal crescesse devido ao aumento da eficiência. Este é o pensamento que tem sido defendido.
Quanto ao terceiro ponto, o do controlo, da participação, ele não consta do documento que vai ser distribuído, mas eu tive o cuidado de telefonar para o Porto, hoje de manhã, e foi-me dada abertura para avançar com esta ideia da participação.
Hoje, vemos empresas, na Alemanha, na França e nos próprios Estados Unidos, as grandes corporate, a começarem a ter representantes de trabalhadores nos conselhos; portanto, os representantes dos trabalhadores acompanham a própria gestão, mesmo numa economia de mercado como é a americana. Faria pouco sentido, em termos de evolução e de progresso, que nós, em Portugal, caminhássemos ao contrário e eliminássemos tudo isto.
A ideia da participação não foi muito aprofundada, mas eu penso que ela teria mais que ver com a participação nos conselhos e não, como foi feito aqui há uns anos atrás, em Portugal, com a feitura de eleições com candidatos que não tinham a mais pequena formação nem noção sobre o que é a gestão e que iam fazer um controlo sem saber o que é um balanço, um ratio, um plano estratégico, só complicando a gestão. Para isso não vale a pena, para complicar bem bastam os gestores, não são precisos os representantes dos trabalhadores!
Portanto, estamos abertos para dar um passo em frente não se caminhando radicalmente para a eliminação do controlo, mas a forma não foi pormenorizada, pelo que poderei transmiti-la aqui.
Relativamente aos direitos de actividade sindical e de greve, a Associação não é contra. A posição da Associação é que a actividade sindical e o direito à greve devem existir mas devem ser regulados na lei e não na Constituição.
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Tenho muita dificuldade em explicar o porquê desta posição, mas penso que relativamente à greve faz algum sentido que exista alguma regulamentação quanto ao âmbito.
Fiquei um bocado com a ideia de que pensavam que a Associação era contra a greve, mas isso não se passa. O que Associação entende é que deve ser a lei a regulamentá-la e não a Constituição. Se continuar a ser prevista na Constituição e a remeter para a regulamentação legal, o resultado é precisamente o mesmo.
Relativamente à última questão, sobre se valeria a pena distinguir as duas partes, isto é, a Constituição do trabalho e a Constituição económica, eu, pessoalmente, penso que sim.
Entendo um pouco a posição e o pensamento da Associação, porque todo este articulado sobre a Constituição económica é completamente inócuo, tanto faz estar cá como não. Os empresários não estão minimamente preocupados com isto. De facto, definir políticas de competitividade, de internacionalização e de eficiência é o "ABC" da actividade empresarial. A actividade empresarial não precisa de estar prevista na Constituição para que os empresários saibam que têm de ser competitivos e que têm de internacionalizar-se e, portanto, eles não estão preocupados com isso.
Os empresários estão um bocado mais preocupados, eventualmente, com alguma atrapalhação, mas não propriamente com os direitos dos trabalhadores. Penso que os empresários estão mais preocupados com a forma de exercício dos direitos do que propriamente com os direitos.
Se fosse possível encontrar uma via para um exercício moderno dos direitos, também dos dos trabalhadores… Digo isto porque há um confronto tremendo - eu fui testemunha disso, durante vários anos - entre a modernização de um certo sector empresarial e da gestão neste país e a forma como os direitos dos trabalhadores são exercidos.
Não creio, pelas muitas centenas de horas que tenho de relacionamento com os responsáveis pela Associação, que eles tenham uma posição radical contra a greve. É evidente que eles não estão preocupados com a parte da Constituição económica, porque não os perturba minimamente, mas a parte relativa aos direitos dos trabalhadores, pela forma como às vezes são exercidos - nomeadamente as reuniões, as paralisações e os plenários - perturba o funcionamento das empresas. Hoje em dia, essa forma de exercício está mais atenuada, mas houve uma fase, neste País, em que se nós tivéssemos contabilizado as dezenas de milhares de horas de improdutividade teríamos um valor que era capaz de arrepiar a maioria dos cidadãos. No banco onde trabalhei cheguei a ter 20 trabalhadores a controlarem-me a tempo inteiro. Eram muitos controladores para um presidente!
O Sr. Presidente : - Sr. Dr. António de Almeida, na realidade, num tecido empresarial como o do Norte do País, qual a percentagem de empresas, mesmo limitando-se às médias e grandes, que têm comissões de trabalhadores ou delegados sindicais? É um percentagem extremamente reduzida!
O Sr. Dr. António de Almeida: - Não tenho estatísticas, portanto, é apenas um sentimento, mas atrevia-me a dizer que nenhuma empresa, ou se alguma tem é meramente formal. Hoje, não temos um sentido de exercício efectivo de direitos.
Nós temos que ter a percepção de que no tecido empresarial do Norte, organizado em concelhos nos quais as unidades industriais são de irmãos, de pais e irmãos ou de primos, o trabalhador tem sempre uma grande dependência, porque não tem mobilidade, visto que no dia em que tiver um conflito ou um problema numa unidade não é preciso um fax para ter as portas automaticamente fechadas nas outras unidades. Portanto, o exercício destes direitos pode estar consignado na Constituição com toda a clareza, mas depois, no terreno, é muito difícil pô-los em prática.
Em minha opinião, só as grandes empresas, aquilo a que os americanos chamam as corporate, as empresas com um tipo de estrutura que não a familiar, terão alguma possibilidade de desenvolver e de modernizar este tipo de estrutura laboral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Quanto ao distrito de Braga, há doze comissões de trabalhadores registadas no Ministério do Trabalho, mas suponho que não estarão a funcionar. Bragança não tem nenhuma, Vila Real tem duas e o Porto tem 54. Portanto, suponho que, quanto à zona Norte, estarão registadas, neste momento, no Ministério do Trabalho, cerca de 100, das quais talvez metade esteja em actividade.
O Sr. Dr. António de Almeida: - Nós temos 3000 associados.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Quanto às associações sindicais, há exactamente o problema de saber quantos sindicalizados existem, uma vez que as associações sindicais têm pouca vida de empresa. Elas existem, têm associados, ou dizem que têm, mas é difícil registar quantas, porque há trabalhadores a quem as empresas cobram a contribuição para os sindicatos, mas há outros a quem as empresas não cobram e, portanto, os trabalhadores têm que sindicalizar-se clandestinamente. Esse é um segredo muito bem guardado. Ninguém sabe exactamente quantos sindicalizados há em Portugal.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada está a dizer-nos que, hoje, há sindicalização clandestina, em Portugal?
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Com certeza que há sindicalização clandestina, que talvez seja mais do que a oficial. E, mais: às vezes, é feita a sindicalização e, depois, as quotas não são transferidas para os sindicatos.
O Sr. Presidente: - Bom, se as empresas não transferem a retenção que fazem para os impostos e para a segurança social, também…
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Eu só queria dizer, em jeito de comentário, que percebo perfeitamente a sua posição. Não tenho coragem de fazer-lhe nenhuma pergunta mas apenas uma ligeira emenda.
Oxalá, no Norte, já houvesse um universo de empresas "tayloristas", que usam cronómetro, porque ainda usam chicote. Ainda não chegámos a esses novos métodos tecnológicos de cronometrar os ritmos de trabalho. Inclusivamente, a forma como neste momento se controlam os ritmos de trabalho nalgumas empresas é do conhecimento
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pelo público, esse controlo é feito por sistemas cadcam, sistemas informáticos sofisticadíssimos, mas a produção não tem esses sistemas. Quer dizer, investe-se mais no controlo dos trabalhadores do que na concorrência e na própria tecnologia e produtividade da empresa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta-me agradecer à Associação Industrial Portuense a disponibilidade que manifestou em participar nesta audiência bem como a possibilidade que nos deu de acedermos a um ponto de vista que por ser mais marcadamente a favor de uma alteração profunda da Constituição não é menos relevante e deve ser levado em consideração
Agradeço em particular ao Sr. Dr. António Almeida o sacrifício que teve, não sendo jurista nem dirigente da própria Associação, de nos transmitir os pontos de vista que aqui nos trouxe e de responder às perguntas e aos comentários que aqui foram feitos.
Peço-lhe em particular que transmita à direcção da Associação o apreço que tivemos em ter acedido ao nosso convite.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar a nossa reunião com a audição do Sr. Joaquim Casimiro, representante da Confederação Nacional de Agricultores. Esta é a nossa última audiência de hoje, dada a ausência das restantes associações patronais representativas de actividades económicas.
O objectivo desta audiência é o de permitir que a Comissão tenha acesso aos pontos de vista das principais associações de actividades económicas sobre a revisão constitucional, sobretudo em matérias mais atinentes aos seus interesses, ou seja, às propostas relativas à organização económica, aos direitos económicos e sociais e aos direitos dos trabalhadores.
O formato que elegemos é o de dar a palavra para uma intervenção inicial a fim de expor a posição da organização. Seguir-se-á um período de perguntas ou comentários dos membros da Comissão, sendo que depois os representantes das associações têm um período suplementar de tempo para resposta.
Sr. Joaquim Casimiro, peço-lhe, portanto, que, se possível num máximo de 15 minutos, nos exponha a posição da Confederação Nacional de Agricultores (CNA) sobre a revisão constitucional que temos entre mãos, agradecendo, obviamente, a sua presença.
Tem a palavra, Sr. Joaquim Casimiro.
O Sr. Joaquim Casimiro (CNA): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito obrigado também por nos terem convidado para esta reunião.
Em relação à revisão constitucional e no que respeita à questão da organização económica, tivemos pouco tempo para nos pronunciarmos acerca desta matéria, o que não invalida que ulteriormente possamos fazê-lo por escrito, inclusive no sentido de melhorar a nossa opinião.
O Sr. Presidente: - Poderão fazê-lo. Os documentos que entendam dever enviar serão distribuídos pelos Srs. Deputados e tidos em consideração.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Há um conjunto de projectos de revisão constitucional que, creio, todos os partidos políticos têm em seu poder, no entanto, não tivemos acesso a nenhum deles. Gostaríamos de ter acesso a esses projectos para termos uma opinião melhor formada em relação a esta matéria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, debruçar-me-ei exclusivamente sobre questões de economia. Posso dizer que, no global, concordamos com o Título III da organização económica, relativo a políticas agrícola, comercial e industrial. No entanto, o que acontece é que, na prática, não tem sido cumprida a Constituição no que se refere às políticas agrícolas. Portanto, não tem sido dada prioridade aos pequenos e médios agricultores em vastas matérias, por exemplo, em relação ao escoamento dos produtos agrícolas e a outras ajudas aos pequenos e médios agricultores.
Na Constituição fala-se em aumentar a produção e a produtividade e com isto promover ou fomentar a melhoria da situação económica, social e cultural dos agricultores. Porém, o sector agrícola tem sido desfavorecido em relações de troca com outros sectores.
Por outro lado, gostaria inclusivamente de dizer que continuamos a não entender que a Confederação - naturalmente, não vou aqui fazer a campanha da Confederação - não tenha assento no Conselho Económico e Social. Os pequenos e médios agricultores nem sequer têm, de um modo geral, assalariados agrícolas, portanto, não iríamos entrar no campo de salários abaixo, salários acima. Pensamos, no entanto, que isso é de uma importância extrema para nós.
A Comissão de Economia, Finanças e Plano está a debruçar-se sobre esta matéria. De qualquer forma, os partidos políticos com assento parlamentar ficam a conhecer a posição que gostaríamos de ver tomada mais tarde, para melhor poderem julgar a posição da CNA.
Portanto, como disse há pouco, e repito, temos um acordo de generalidade em relação ao Título III, artigo 96.º, até à alínea e).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ficaríamos por aqui, esperando, no entanto, que nos enviem o conjunto de projectos dos vários partidos para ulteriormente enviarmos a nossa opinião por escrito.
O Sr. Presidente: - Obviamente, serão postos à disposição da CNA os projectos de revisão constitucional, publicados no suplemento do Diário da Assembleia da República.
Sr. Joaquim Casimiro, gostaria de colocar-lhe uma questão. O senhor tem à sua frente, como bem viu, o texto da Constituição hoje em vigor, que contém um conjunto de artigos sobre política agrícola e sobre estrutura da organização agrícola. Ora bem, o que acontece é que uma das propostas de revisão constitucional que está pendente visa eliminar da Constituição todos esses artigos, do primeiro ao último. Portanto, deixaria de haver na Constituição qualquer artigo sobre a organização e política agrícola. Gostaria de saber qual a reacção da CNA a uma proposta desta natureza.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Sou frontalmente contra!
O Sr. Presidente: - Sr. Joaquim Casimiro, proponho que responda no final a esta e a outras eventuais perguntas que queiram fazer-lhe nesta matéria. Porém, já agora, tendo dado uma resposta negativa de princípio à questão que coloquei, pergunto-lhe se para uma organização de pequenos e médios agricultores, como classificou a CNA,
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esses artigos significam um ponto real de defesa de interesses dos agricultores ou se, na verdade, são declarações apenas simbólicas, pelo que estarem ou não na Constituição não seria muito importante.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Esses artigos têm sido letra morta, o que significa que tem de alterar-se esta situação de forma a que deixem de ser letra morta para passarem a ser efectivamente letra viva. Ou seja, o cumprimento destes artigos traria naturalmente benefícios para a agricultura familiar em particular e para a agricultura em geral. Portanto, pensamos que estes artigos devem manter-se na Constituição e serem cumpridos, porque existem mas até agora não têm servido praticamente para nada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Joaquim Casimiro. O senhor fez uma alusão à Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano, mas eu estava a consultar os artigos a que estava a referir-se e, portanto, não ouvi essa referência. Assim sendo, peço-lhe o favor de me esclarecer sobre este aspecto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Joaquim Casimiro.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, trata-se de uma matéria à parte daquela que estávamos a discutir, embora, naturalmente, ao fim e ao cabo, também tenha que ver com este Título III.
Referi-me ao facto de a Confederação fazer parte do CES, do Conselho Económico e Social. Creio que esse assunto baixou à Comissão de Economia, Finanças e Plano e está a ser discutido. Desejaríamos que muito rapidamente passasse a Plenário.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Se o Sr Presidente consentir, para que a vinda do Sr. Joaquim Casimiro a esta Comissão não tenha apenas um sentido unívoco e para que ele leve de cá também alguma informação nossa, posso dizer que, de facto, a Comissão de Economia, Finança e Plano vai decidir sobre essa matéria, penso, a muito curto prazo.
Dir-lhe-ei que estamos apenas suspensos pela aceitação de um convite por parte do Sr. Presidente do Conselho Económico e Social, que queremos ouvir sobre essa matéria. Imediatamente após essa audição vamos tomar uma decisão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Joaquim Casimiro, manifestamente, de agricultores todos temos um pouco - e também de outras coisas -, mas não é exactamente sobre a temática central da agricultura que gostaria de pedir um esclarecimento.
Há uma maioria de explorações familiares que não têm nenhuma protecção social. O enquadramento destas explorações no sistema de segurança social é extremamente deficitário, consequentemente não têm direito a férias, etc. O associativismo agrícola, e mesmo as cooperativas, não tem conseguido dar mais do que apoios técnicos - e em muitos casos deficientes - ao lado humano destas explorações agrícolas, em que normalmente o agregado familiar trabalha, por vezes até só as mulheres. Ora, nunca foi discutido e enquadrado esse estatuto dos trabalhadores independentes sem salário.
Portanto, a minha pergunta é no sentido de saber se alguma vez a vossa associação se pronunciou sobre este aspecto ou tentou promover o estatuto destas explorações familiares.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Joaquim Casimiro.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, se é que percebi bem, V. Ex.ª refere-se a duas coisas diferentes: à segurança social, por um lado, e ao associativismo/corporativismo, por outro lado. Trata-se, portanto, de duas questões diferentes.
Em relação à segurança social, devo dizer-lhe que agricultores muito pobres não conseguem, neste momento, pagar à segurança social. Isto significa que dentro de alguns anos irão andar de saco às costas a pedir esmola como antes do 25 de Abril. É que, por um lado, tem aumentado, e ainda agora em Junho aumentou substancialmente, a contribuição para a segurança social e vai aumentar durante mais dois ou três anos. Por outro lado, as contribuições mínimas dos agricultores não prevêem que o agricultor esteja doente, isto é, se estiver doente não recebe subsídio de doença.
Portanto, há aqui duas questões: por um lado, as contribuições para a segurança social são elevadas, e vão continuar a sê-lo, o que leva a que muitos agricultores não tenham meios para contribuir; por outro lado, os descontos mais baixos não têm em conta a questão do subsídio de doença.
Uma outra questão também bastante pertinente - ambas as perguntas feitas pela Sr.ª Deputada são pertinentes - refere-se ao associativismo agrícola, nomeadamente ao movimento cooperativo.
O problema que se coloca neste momento e que já vem de alguns anos a esta parte, portanto, não é de hoje, é o de o movimento cooperativo não ter ajudas, sendo colocado de igual modo a qualquer outro comerciante, e não pode ser assim. Infelizmente, vê-se quase todos os dias nos jornais que faliu esta cooperativo, faliu aqueloutra… Quanto mais falências houver e quanto menos o movimento cooperativo for apetrechado, menos poderá fazer concorrência ao comércio. Devo dizer, inclusivamente, que é opinião da CNA que quando deixar de haver movimento cooperativo deixa, logo de imediato, de haver agricultores.
Vejamos o caso das cooperativas produtoras de leite. Foi uma luta de antes do 25 de Abril que conseguiu ganhar-se, mas também essas estão com dificuldades enormes, porque o Estado, o Governo, no aspecto social… Por exemplo, posso referir as distâncias a percorrer para as recolhas matinais do leite. Ora, trata-se de um investimento muito grande que a própria cooperativa está a fazer. Portanto, faltam grandes ajudas financeiras para este e outro tipo de coisas.
Quanto ao movimento cooperativo ainda dessas cooperativas ou das cooperativas fruteiras há um outro problema: não têm dinheiro para dar logo de entrada ao agricultor, o chamado bónus, o que significa que muitos dos
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agricultores abandonam a adega cooperativa porque vem o intermediário das uvas ou das frutas e por menos dinheiro… Normalmente o movimento cooperativo paga sempre mais do o intermediário, só que o agricultor, como está descapitalizado, vê-se obrigado a vender as suas produções. Isto é um problema para o movimento cooperativo em si, que fica com menos sócios; tinha uma capacidade de laboração para x sócios, x toneladas ou x litros e fica, portanto, numa situação complicada, já que não tem os seus fornecimentos. Por outro lado, o próprio agricultor fica ainda mais descapitalizado. Não sei se respondi à sua pergunta.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Quero saudar, em nome do PCP, a presença da CNA. Temos saudado a presença de todas as organizações que quiseram aqui trazer uma pluralidade de pontos de vista mas, neste caso concreto, creio que a sua presença merece um sublinhado especial. É uma presença que leva simultaneamente a saudar a CNA, naturalmente, mas a saudar a própria Comissão por ter tido a coragem de pôr termo a uma discriminação que, de forma absurda, se tem verificado ao longo do tempo.
Aparte inaudível.
O que não significa, como o Sr. Presidente bem sabe, que estes direitos fundamentais não tenham sido preteridos, ao longo dos últimos anos, a vários níveis e por isso é de saudar quando essa preterição termina.
Posto este sublinhado, queria colocar apenas duas questões. Julgo que o problema aqui colocado da fixação de metas, de políticas sectoriais, da política agrícola ou qualquer outro ponto merece meditação, no sentido de saber em que medida é que os vários governos ficam ou não vinculados. Na prática, estamos confrontados com situações em que as normas constitucionais têm vindo muito frequentemente a ser violadas, o que leva a uma desvalorização efectiva das mesmas, sem prejuízo de elas continuarem a ser bandeiras de organizações como a CNA e outras. Isto leva também a que tenham algum valor.
Mas, independentemente desta questão, queria ouvi-lo sobre dois pontos, sendo o primeiro o seguinte: a partir do momento em que são fixados objectivos da política agrícola, designadamente no artigo 96.º, interrogo-me sobre o facto de não haver objectivos para a política florestal, que, como é sabido, é uma parte importante da política do país. Há propostas no sentido de colmatar esta lacuna. Qual é a opinião da CNA sobre esta matéria.
A segunda questão sobre a qual gostaria de ouvir a CNA é a seguinte: o artigo 82.º, n.º 4, alínea b), consagra, como é sabido, como parte do sector cooperativo e social os meios de produção comunitários possuídos e geridos por comunidades locais. Há uma proposta de eliminação deste artigo no seu conjunto, mas, em relação a este ponto específico, como é sabido, tem havido, ao longo do tempo, um conjunto de propostas no sentido de ele já não ter qualquer significado prático, de já não tem qualquer significado económico, de esta norma não ter um alcance prático. Está em causa, no fim de contas, o problema de saber se deve haver apropriação privada de baldios ou se eles devem continuar a ser explorados e geridos por comunidades locais. Gostaria também de ouvir o Sr. Joaquim Casimiro sobre este ponto específico.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Joaquim Casimiro.
O Sr. Joaquim Casimiro: - Ainda esta manhã estiveram cá colegas meus que falaram sobre a política florestal e que naturalmente entrosaram nela os baldios, porque uma coisa não pode estar desfasada da outra.
Pretendemos que os baldios continuem a ser dos povos, dos compartes nos baldios, geridos pelos conselhos directivos e não permitiremos que exista uma empresa pública, que está na forja, para gerir as florestas. Ora, os conselhos directivos dos baldios são secretariados e a CNA não permitirá que os baldios entrem nesta empresa florestal.
Quanto a tratar-se de uma empresa privada florestal, as empresas privadas têm como objectivo óbvio o lucro e os compartes dos baldios não deixarão…
Em relação à política florestal, ela não pode ficar desinserida da política agrícola. Salvo o grande proprietário florestal absenteísta, os demais agricultores, como é sabido, são agricultores e são ao mesmo tempo florestais. Portanto, isto tem razões históricas e hoje as mesmas razões são válidas.
Em relação à centralização, se assim quisermos chamar, estamos de acordo; é preciso é que as coisas sejam cumpridas, é preciso é que as coisas vão à prática, que os serviços regionais do Ministério da Agricultura tenham três componentes, que não tinham, a florestal, a agrícola e a pecuária, porque é mais fácil os produtores florestais ou dos baldios irem à direcção regional onde tratarão do seu problema florestal do que virem a Lisboa, à Direcção-Geral das Florestas. Não temos nada contra os trabalhadores da Direcção-Geral das Florestas, até porque a CNA até tem grandes amigos na Direcção-Geral das Florestas, mas pensamos que se a descentralização for bem aplicada estamos de acordo com ela. Não sei se fiz referência às suas duas perguntas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos assim por encerrada esta audiência que teve a participação da CGTP-IN, da UGT, da AIP e da CNA. Queria agradecer ao Sr. Joaquim Casimiro a sua disponibilidade e agradecer à Confederação a colaboração que nos deu.
Tem aqui um conjunto dos projectos da revisão constitucional para o caso de quererem juntar ulteriormente um comentário aos projectos concretos, uma vez que não puderam tomar conhecimento deles anteriormente. Procederei à distribuição da documentação que julguem útil enviar-nos e que, portanto, será objecto de consideração por parte da Comissão.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião. A próxima reunião realizar-se-á na próxima terça-feira, às 10 horas da manhã.
Chamo a vossa atenção para a comunicação que vão receber, da qual consta o calendário de trabalho da Comissão, tendo em conta que a Assembleia vai reunir em Plenário na próxima semana. A Comissão passará a reunir à terça-feira de manhã e à tarde, à quarta-feira de manhã, à quinta-feira à noite e à sexta-feira de manhã.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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