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Quarta-feira, 25 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 27

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 24 de Setembro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 35 minutos.
Procedeu-se à discussão de propostas de alteração relativas aos artigos 54.º(cont.) e 57.º a 64.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Cláudio Monteiro (PS), Luís Sá (PCP), Francisco José Martins (PSD), Elisa Damião (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Odete Santos (PCP), José Magalhães (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Osvaldo Castro (PS), Pedro Passos Coelho, Barbosa de Melo e Calvão da Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro não esteve presente na anterior reunião em que foram apreciadas as diferentes propostas relativas ao artigo 54.º, não foi posta à discussão uma proposta constante do seu projecto de revisão constitucional. Assim, aproveitando o facto de se encontrar hoje presente, vamos passar à discussão da proposta do Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS, de aditamento de uma nova alínea b) ao artigo 54.º, que diz o seguinte: "Celebrar convenções colectivas de trabalho, nos termos da lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, no contexto da proposta de alteração globalmente feita ao artigo 54.º, houve a intenção de, por um lado, retirar aquilo que se considerava ainda um resquício do código antigo e, por outro lado, reconduzir a função das comissões de trabalhadores a uma função de concertação e de participação na vida da empresa, mais do que de intervenção, se é que essa distinção tem algum significado nos dias de hoje. Mas, ao mesmo tempo, também houve a intenção de dotar as comissões de trabalhadores de poderes que justificassem a sua própria existência, que as tornassem operativas e úteis à sociedade, em geral, e às empresas, em particular.
As comissões de trabalhadores são hoje uma realidade em extinção. Haverá 20 ou 30 comissões de trabalhadores constituídas e em funcionamento efectivo em todo o País, a generalidade das quais nas grandes empresas, designadamente nas grandes empresas públicas ou recentemente privatizadas.
O que se verifica é que as comissões de trabalhadores são frequentemente um instrumento de manipulação, ora das organizações patronais ora das organizações sindicais. Isto é, as comissões de trabalhadores, hoje em dia, tanto quanto me é dado perceber - não sou um especialista nesta matéria -, têm a função de gerir crises: constituem-se, são activas e interventoras quando há crise nas empresas.
Em regra, essa constituição e essa actividade é fomentada ora por uma organização sindical ora pelas próprias organizações patronais, designadamente quando se servem das comissões de trabalhadores para fazer pressões sobre o Governo ou sobre outras entidades, tendo em vista resolver as suas dificuldades financeiras.
Parece-nos que uma das lacunas do nosso direito - e, através da sua integração, poder-se-ia dar uma nova vida e uma nova utilidade às comissões de trabalhadores - é, precisamente, no campo da negociação colectiva, ou seja no campo da celebração de convenções colectivas de trabalho.
Como é óbvio, isto não significa, necessariamente, inverter na totalidade o sistema actualmente vigente e retirar aos sindicatos e às centrais sindicais a competência que hoje têm de celebrar convenções colectivas de trabalho, horizontais ou verticais, sempre de âmbito maior do que o âmbito local da empresa.
O texto proposto remete para a lei e a ideia subjacente a esta remissão é a de permitir que as comissões de trabalhadores possam celebrar convenções colectivas de trabalho que constituam uma adaptação ao ambiente na empresa das convenções colectivas negociadas a outros níveis. Isto permitia, porventura, alcançar o objectivo de evitar que a atribuição deste poder com a fusão do poder dos sindicatos e das centrais sindicais pudesse gerar maiores desigualdades e injustiças entre os trabalhadores das diversas empresas.
Queremos com isto dizer que a ideia que está subjacente a esta proposta é a de que os sindicatos e as centrais sindicais celebrariam convenções colectivas de trabalho, verticais ou horizontais, mas em qualquer caso supra-empresariais - se é que esta expressão tem algum significado -, que estabelecessem os plafonds mínimos dos direitos e das garantias dos trabalhadores, sem prejuízo da adaptação que as comissões de trabalhadores pudessem fazer ao nível de cada empresa, tendo em conta as condições específicas da vida de cada uma.
Foi por esta razão que se articulou a proposta do artigo 54.º com a do artigo 56.º, dado que esta, no texto vigente, é a que confere aos sindicatos o poder de celebrar convenções colectivas de trabalho. Este direito estaria apenas ressalvado pela atribuição conjunta desse poder, também, às comissões de trabalhadores, o que implicaria, obviamente, articular-se um quadro legal no exercício de ambos os poderes.
Fundamentalmente, a justificação é esta. Quanto ao mais, julgo que valerá a pena responder a uma outra questão que possa ser levantada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, recusamos a ideia de que as comissões de trabalhadores são necessariamente uma espécie em vias de extinção. O facto de terem menor peso e menor incidência que noutras épocas não significa, de forma nenhuma, que não tenham importância e que, designadamente, nas situações em que existem não tenham mesmo uma grande importância.
Tive, por exemplo, a possibilidade de, na semana passada, ter um contacto directo com projectos do Governo relativos à reestruturação do sector das indústrias de armamento e de estabelecimentos fabris das Forças Armadas e de ver a importância que tinha, para o próprio Governo, que, de algum modo, se penitenciou de não ter contactado, mais assiduamente, as próprias comissões de trabalhadores, e, sobretudo, para essas próprias comissões, o facto de existirem e de terem direitos, designadamente o direito extremamente importante que resulta da alínea c) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição, de participar na reorganização de unidades produtivas.
Quem conhece, igualmente, o papel que têm tido a comissão de trabalhadores da TAP e outras sabe bem que o seu papel está longe de ser despiciendo e de ser aquele que foi referido pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro - com todo o respeito -, no sentido de serem manipuladas alternadamente pelo patronato ou pelos sindicatos.
Creio, por outro lado, pelos contactos estabelecidos na semana passada, que a proposta do Sr. Deputado de conferir às comissões de trabalhadores a competência para celebrar convenções colectivas de trabalho seria extremamente mal aceite pelas estruturas sindicais. Recordo que a própria intervenção da UGT foi particularmente veemente nesta matéria.

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Assim, sem prejuízo de numa futura revisão poder vir a ser encarada esta questão em função da evolução da própria realidade e das relações entre as comissões de trabalhadores e os sindicatos, creio que, neste momento, a introdução desta norma seria conflitual, mal aceite pelas estruturas sindicais e, provavelmente, não iria conferir às comissões de trabalhadores o acréscimo de vitalidade que o Sr. Deputado terá visado com a sua proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas corroborar a fundamentação do Sr. Deputado, no sentido de que é importante - e já o dissemos anteriormente - reflectir sobre a situação actual das comissões de trabalhadores.
Penso que não serão vinte ou trinta. Se calhar, são duas ou três centenas. Mas há meia dúzia de anos eram duas ou três mil, pelo que alguma coisa está menos bem. Daí que o PSD tenha sublinhado a necessidade de transmitir e levar às empresas uma nova realidade, que tem a ver com os conceitos de concertação de empresa, designadamente o fomento da microconcertação social.
Portanto, a realidade e a necessidade de mudar alguma coisa é perfeitamente corroborada por nós.
Pensamos que a fundamentação não será, certamente, dar novas competências às comissões de trabalhadores, no sentido de lhes dar legitimidade para celebração de convenções colectivas.
Queremos, tão somente, dizer - infelizmente, o Partido Socialista não aceitou nem sequer discutir esta ideia - que, mais tarde ou mais cedo, será importante promover uma nova vivência, uma nova forma de participação dos trabalhadores a nível da empresa e que, como é natural, vemos isso na óptica da microconcertação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, em Portugal, não existe uma cultura das relações industriais próxima da dos países do Norte e, sobretudo, da anglo-saxónica, que se pretendia aprofundar por via das comissões de trabalhadores. É pena. No fundo, revela inexistência dessa cultura.
No entanto, o papel das comissões de trabalhadores continua a garantir tudo, continua a ser um instrumento que possibilita a concretização desse sistema de relações industriais, com vista à participação na introdução de inovações tecnológicas, na inovação das condições da organização do trabalho, da segurança, etc., inclusivamente na participação em objectivos de produtividade, tendo em vista a qualidade de emprego, do investimento no posto de trabalho. Enfim, há um vastíssimo campo de participação das comissões de trabalhadores, que estas podem fazer com conhecimento de causa e com isenção. A única coisa que não podem fazer com isenção é a negociação colectiva.
Primeiro, pretende-se que seja o empresário a financiar as comissões de trabalhadores que fazem a negociação colectiva, e não conheço maior dependência do que esta. Se os sindicatos já têm dificuldades financeiras, o empresário é como que um sustentáculo económico que lhes permite uma sobrevivência em termos organizacionais e técnicos para fazer a negociação colectiva. Esta medida iria introduzir um mecanismo perverso que tornaria os trabalhadores extremamente dependentes da própria actividade económica para fazerem a negociação.
Isto é assim desde sempre, segundo várias escolas sindicais. A escola alemã foi a única que nasceu de uma forma completamente distinta de todos os outros processos, por razões também históricas, pois quando Bismark instituiu as comissões de trabalhadores foi com vista a anular os sindicatos, os quais, ao concorrerem às comissões dos trabalhadores, acabaram por se legalizar.
Inverter este dado histórico é, com certeza, para mim, um direito de capacidade de intervenção cívica e também o único papel das comissões de trabalhadores. Não me prendo com o nome, prendo-me com os objectivos, e hoje, com a actual Constituição, uma comissão de trabalhadores pode ser tão participativa como se tivesse qualquer outro nome.
Portanto, também é importante - o Sr. Deputado Cláudio Monteiro disse-o e compreendo - que as comissões de trabalhadores têm sido consentidas pelo patronato apenas nas situações em que delas se aproveitam, o que, sinceramente, recomenda que não se aceite esta norma.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, dar às comissões de trabalhadores competência para a contratação colectiva implicaria também dar-lhes competência para recorrerem à greve?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Obviamente!

O Sr. Presidente: - Necessariamente, digo eu. Uma é consequência da outra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Penso que o texto constitucional não encerraria o regime jurídico nesta matéria e, portanto, teria de oferecer um quadro legal que articulasse as competências dos trabalhadores com as competências do sindicato.
O receio manifestado de que estes seriam factores de dependência dos trabalhadores em relação ao patronato será justificado, ou não, consoante as situações concretas e consoante as empresas. Mas o que me parece é que esse risco já existe hoje, em sentido inverso, no que tem que ver com a possibilidade de se mudarem convenções colectivas de trabalho. E não vejo, embora admita que não conheço tão bem a realidade empresarial, que esta competência pudesse ter esse efeito automático. O que vejo, pelo contrário, é o veto de representatividade dos sindicatos. É muito frequente, aliás, os sindicatos que têm competência para celebrar convenções colectivas de trabalho não terem nenhum filiado seu na empresa sobre a qual aquela convenção se projecta.

(Aparte inaudível da Sr.ª Deputada do PS Elisa Damião).

Risos.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só será como a Sr.ª Deputada diz se estivermos a pensar apenas nas grandes empresas, e a questão fundamental é não pensar exclusivamente nas grandes empresas.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas se pensar nas pequenas não existe negociação colectiva.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, esses apartes não ficam registados.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, sem entrar em diálogo, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro que estou a pensar nas pequenas empresas, onde, efectivamente, não há representação dos trabalhadores.
Há um défice de representação dos trabalhadores na empresa, porque os sindicatos têm competências que ficam à porta da empresa e as comissões de trabalhadores têm competências de participação que não utilizam. Mas isto é uma questão cultural. Não utilizam, mas estão previstas na Constituição. Poder-se-á dizer que a participação tem alguma carga… Poder-se-á alargar esses mecanismos com objectivos construtivos de participação, por exemplo na introdução tecnológica.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, está a interromper o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que não tinha terminado a sua intervenção.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que as razões invocadas aconselham a não utilizar a norma. Portanto, os argumentos de que não há representação na pequena empresa dizem-nos que, se os transferimos para as comissões de trabalhadores, não há negociação colectiva.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para concluir, quero dizer que não me espanta, apesar de tudo, a reacção dos sindicatos. É uma reacção natural perante uma proposta que, em última análise, visa diminuir o seu poder próprio. E, portanto, admito que ela possa ter fundamento e que possa haver razões para os receios dos sindicatos. Espantar-me-ia se os sindicatos aderissem, expontânea e alegremente, à proposta, tendo em conta que a proposta, em certa medida apenas, pode implicar uma diminuição dos seus poderes.
Em qualquer caso, o objectivo desta proposta não é, obviamente, o de, por esta via, enfraquecer os sindicatos pela simples vontade de os enfraquecer. O que está aqui em causa é, pelo contrário, encontrar mecanismos de reforço das garantias dos trabalhadores, designadamente na medida em que eles não possam ser efectivamente representados, tendo em conta as especificidades próprias da vida da sua empresa, por estruturas que, apesar de tudo, estão distantes da realidade de muitas empresas.
Sendo certo que, compreendendo os riscos, também a proposta tem a cautela suficiente de ter subjacente a ideia de que o que estaria em causa seria a mera adaptação das convenções colectivas de trabalho à realidade de cada empresa - e, portanto, esta competência não seria uma competência exclusiva e preclusiva dos sindicatos -, nomeadamente para evitar o efeito indesejável e perverso de, por esta via, porventura, gerar maiores desigualdades entre os trabalhadores em função da respectiva capacidade negocial local. Razão pela qual a proposta tem este enquadramento de articulação com as competências próprias dos sindicatos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco José Martins, qual é a sua posição concreta quanto à proposta em discussão?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, a minha posição é a de não aceitação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta teve a oposição do PS, do PSD e do PCP e, por isso, está inviabilizada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, não me inscrevi antes, porque pensei que não havia mais inscrições, mas constatei agora que o Sr. Deputado José Magalhães também se tinha inscrito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de vez em quando, bem me apetecia não dar conta das inscrições, mas tenho feito por não deixar de inscrever todos os Srs. Deputados que o pretendem. Não foi o caso, pelo que, se alguém se inscreveu, foi por que não dei conta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, independentemente daquilo que já foi dito pelo Sr. Deputado Francisco Martins e que, no fundo, transcreve aquela que também é a posição oficial do Partido Social Democrata sobre essa proposta, não quero deixar de enfatizar que, quanto ao espírito de que veio imbuída esta proposta, o PSD, genericamente e em abstracto, está de acordo com ela. Reconhece que, concretizar exactamente a questão da competência para a celebração de contratações colectivas, coloca outro tipo de problemas que carecem de ser previamente equacionados e ponderados para que se possa fazer uma inserção, tão explícita quanto isto, no texto constitucional.
Face àquela que é a realidade e a maneira como vemos, hoje em dia, a realidade/empresa e as relações que se estabelecem e que se devem desejavelmente estabelecer dentro das empresas, a nossa proposta quanto a este artigo vai no sentido de fomentar a microconcertação e permitir que dentro das empresas se criem mecanismos que conduzam, no fundo - pela explicitação que ouvi do Sr. Deputado Cláudio Monteiro -, aos objectivos que também são os mesmos que presidiram à sua proposta.
Constatamos também, e com isto termino, que, aparentemente, não é essa a visão do Partido Socialista. De certa forma, continua a ver a empresa como uma frente de combate, em que de um lado da barricada se colocam trabalhadores, que ficam entrincheirados, e do outro o patronato, e os próprios trabalhadores, dentro das suas empresas, a maioria das vezes como não sendo suficientemente capazes de defender os seus interesses e a carecer de alguns iluminados, qual lúmpen que vem defender, aqui e acolá, aqueles que são os verdadeiros direitos dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, vai-me perdoar, mas esta discussão já tinha sido feita e com essa sua intervenção vou ter de dar a palavra ao Partido Socialista, que já a pediu. Suponho que vamos refazer desnecessariamente uma discussão já terminada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, foi apenas para deixar claro.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, não quero perguntar o que é isso das barricadas e de que lado estavam as barricadas, mas quero, veementemente, dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que a caracterização que fiz aqui das relações industriais, do défice de representação e de concertação e daquilo que se pode concertar, que a meu ver tem enquadramento constitucional, está perfeitamente claro. Não tem nada a ver com o que o Sr. Deputado acaba de dizer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 57.º - "Direito à greve e proibição do lock-out".
Em relação ao n.º 1, há uma proposta do CDS-PP, que propõe, pura e simplesmente, a eliminação, mas na verdade propõe o aditamento ao n.º 1 da expressão "para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais, nos termos da lei".
Quanto ao n.º 2, o PSD propõe que, onde a Constituição diz "Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito", se altere para "Compete aos trabalhadores definir, nos limites da lei, o âmbito de interesses a defender através da greve", eliminando a parte final; o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe a seguinte redacção: "Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, nos termos da Constituição e da lei".
Srs. Deputados, são estas propostas que estão à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Presidente não citou, mas também o Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD apresentaram…

O Sr. Presidente: - Não citei expressamente, porque se refere ao n.º 3 e não propõe nenhuma alteração ao n.º 2.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o sentido do n.º 3, se bem entendo, à semelhança do n.º 1 do CDS-PP, também é um pouco…

O Sr. Presidente: - Essa proposta é no sentido de constitucionalizar os serviços mínimos. Portanto, é outra coisa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas também aproveita para remeter para a lei esse condicionamento.
A proposta do PSD, no fundo, pretende clarificar um aspecto que tem sido polémico e que foi polémico há vários anos a propósito de várias iniciativas legislativas, no sentido de haver um enquadramento correcto daquilo que são determinadas obrigações essenciais que devem continuar a existir, mesmo durante o exercício legítimo do direito à greve por parte dos trabalhadores.
O PSD propõe "nos limites da lei" e não "nos termos da lei", porque não é só através de limitações legais, mas também através de mecanismos de contratação colectiva que podem ser delimitados alguns dos parâmetros a que deve ficar condicionado o exercício do direito à greve.
É por essa razão apenas que a formulação proposta pelo PSD opta pela terminologia "limites da lei" e não "nos termos da lei". Não é por mais do que isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero dizer que, pese embora reconheça as reacções negativas que poderão surgir em face desta proposta, tendo em conta a carga, apesar de tudo quase simbólica, que tem a redacção actual da Constituição, a proposta não faz mais do que explicitar aquilo que, em certa medida, tem sido já o entendimento da doutrina e da jurisprudência, nomeadamente quanto à circunstância de o direito à greve não ser um direito absoluto e restrito. Julgo que esta interpretação tem que ficar assente, no sentido de que tem de ter base constitucional para evitar que continue, como é, recorrentemente, a ser contestada e rebatida.
Quanto à questão de fundo, julgo que não faz obviamente sentido nenhum que o direito seja considerado ou qualificado como um direito absoluto ou irrestrito, sendo certo que há, obviamente, mecanismos de interpretação na Constituição, designadamente do regime de restrições dos direitos, liberdades e garantias e do regime da colisão de direitos, que já poderiam conduzir a uma interpretação mais consentânea com aquilo que devem ser os valores tutelares pela norma. Julgo que era útil ou conveniente explicitar, apesar de tudo, no texto constitucional, e daí a razão da proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro acaba de dar a resposta fundamental à própria proposta que apresentou. Isto é, referiu que o regime da colisão de direitos, o regime geral dos direitos, liberdades e garantias resolvem as questões que sejam colocadas nesta matéria. A doutrina, aliás, é bastante ampla nesse sentido, no sentido de teorizar e de resolver questões como, por exemplo, a colisão de direitos.
O efeito prático que resultaria da introdução das alterações propostas pelo PSD e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro poderia ser não o de coadjuvar a jurisprudência, no sentido de resolver problemas que ela tem resolvido, e bem, mas, pelo contrário, no sentido de introduzir um legislador ordinário, introduzindo-se limites que - actualmente é pacífico - não são autorizados. Isto é, passaria a ser constitucionalmente autorizado, ou, pelo menos, passaria a ser possível essa interpretação, introduzindo-se limites por via legal, quando actualmente só podem ser introduzidos em situações como as que referiu, designadamente a da colisão de direitos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, vou ser extremamente breve e, para encurtar razões, direi que o texto constitucional já fez o seu percurso, pelo que não vemos razões para o alterar.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais intervenções nesta matéria, verificamos que as propostas do PSD e do

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Sr. Deputado Cláudio Monteiro, quanto ao n.º 2, têm a oposição do PCP e do PS.
Passamos à discussão da proposta de eliminação do n.º 3 do artigo 57.º, apresentada pelo CDS-PP. Visto que este partido, de momento, não se encontra representado, pergunto se alguém quer adoptar a defesa desta proposta.

Pausa.

Parece que não!

Risos.

Passaremos, agora, à discussão da proposta de alteração do n.º 3 do artigo 56.º (actual artigo 57.º), apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD, visando a constitucionalização dos serviços mínimos garantidos.
Sr. Deputado Francisco Martins, tem a palavra.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, a proposta visa exactamente a constitucionalização dos serviços mínimos, já que consideramos que a prestação destes serviços corresponde a um interesse social e a necessidades impreteríveis. Naturalmente, a legislação ordinária já o consagra, mas entendemos que a sua importância e aquilo que, repito, é o interesse colectivo merece esta tutela constitucional. De resto, tivemos oportunidade, nesta Comissão, de ouvir as centrais sindicais, tanto a CGTP como a UGT, e é bom que tenhamos presente que se a CGTP não põe qualquer obstáculo a esta proposta - ou, pelo menos, merece-lhe reflexão não se opondo a ela -, a UGT aceita perfeitamente que este ponto seja consagrado na lei fundamental.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à vossa consideração a proposta de alteração do n.º 3 do artigo 56.º (actual artigo 57.º), apresentada pelos Deputados Arménio Santos, Francisco Martins e outros do PSD, que acaba de ser apresentada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD dá apoio à introdução deste ponto no texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados dos demais partidos, aguardo as vossas tomadas de posição, caso as queiram tomar.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Compreendendo a situação que, no passado, gerou, de facto, situações sociais complexas, inclusivamente a ausência de respeito por outros preceitos constitucionais, penso que a constitucionalização dos serviços mínimos não resolve o problema. Os serviços mínimos decorrem de uma realidade da empresa e é aí que a participação dos trabalhadores numa empresa se justifica. Assim, penso que este problema deve ser solucionado pela via da negociação colectiva, com limites impostos por lei. Creio que o texto constitucional permite a utilização dessa via e, por isso, talvez seja mais interessante melhorar a lei ordinária.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A nós basta-nos a actual redacção da Constituição, porque penso que esta já contém em si todas as possibilidades para uma definição dos serviços mínimos. Como tal, não damos apoio a esta proposta.

O Sr. Presidente: * Mas crê que a lei, tal como está, tem cobertura constitucional?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso que sim…

O Sr. Presidente: * Como é que chega lá, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … e penso que os termos em que o número da Constituição está redigido implicam uma grande liberdade da parte dos próprios trabalhadores e condicionam o legislador ordinário em relação à possibilidade de estender esses serviços mínimos.

O Sr. Presidente: * Não! A minha questão é a seguinte, Sr.ª Deputada: a obrigação dos serviços mínimos não é uma limitação do direito à greve para aqueles que são obrigados a prestá-los? Onde é que está a cobertura constitucional para isso?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, perguntaria se a redacção actual, que diz que compete aos trabalhadores definir não sei o quê nos termos da lei, não implica, com a aceitação dos trabalhadores, de facto…

O Sr. Presidente: * A Constituição não diz nada disso, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem razão, o que diz é o seguinte: "(…) não podendo a lei limitar esse âmbito." Mas não o podendo limitar para além daquilo que os trabalhadores…

O Sr. Presidente: * Logo, se a lei não pode limitar, não pode impor os serviços mínimos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, mas penso que a lei não pode limitar o âmbito de interesses a defender através da greve para além daquilo que os trabalhadores definirem!

O Sr. Presidente: * A minha opinião, que obviamente me é permitida, é a de que há todas as vantagens em que todas as limitações aos direitos, liberdades e garantias estejam constitucionalizadas. Haver limitações fora da Constituição é admitir que, se existe uma, possam existir mais. Pessoalmente, devo dizer que via com alguma vantagem a constitucionalização, nestes termos ou noutros, dos serviços mínimos, partindo do princípio de que eles são inevitáveis e que têm de se compreender em atenção a certos valores. E penso, aliás, que esta redacção tem alguma vantagem, porque ela diz aqui que esses serviços mínimos teriam de ser definidos nos termos da lei ou de convenção colectiva, evitando, assim, a definição ad hoc, ponto a ponto, por qualquer resolução do Conselho de Ministros, como tem sido a prática até aqui.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Isso é horrível!

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Já agora, faria uma pergunta ao Sr. Presidente e não aos autores da proposta. O Sr. Presidente não entende que, competindo aos trabalhadores definir o âmbito, não é, então, aos trabalhadores que compete definir os serviços mínimos?

O Sr. Presidente: * Sinceramente, penso que não! Isso é uma decisão que compete aos órgãos de soberania da República competentes ou à contratação colectiva. O problema, no entanto, não é esse. O problema é o de saber se os serviços mínimos, devendo existir, devem ou não ter cobertura constitucional. Este é o único problema que coloquei.
A proposta, em todo o caso, teve a oposição do PCP e do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o problema é muito interessante e penso que devíamos fazer uma discussão mais aprofundada sobre ele.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, se V. Ex.ª vai fazer uma espécie de balanço do que resultou do debate, gostaríamos apenas de dizer - uma vez que estivemos a trocar impressões sobre isso na bancada e atentos, aliás, à observação que V. Ex.ª fez - que nos regeu como princípio nesta revisão constitucional, como notaram de várias das nossas propostas, esta preocupação de evitar zonas de obscuridade ou de penumbra constitucional em áreas-teste que têm sido marcadas pela existência de legislação ordinária polémica para a qual muitas vezes não tem havido, pura e simplesmente, cobertura. Isto apesar de, aqui ou além, haver interpretações e reinterpretações, algumas muito discutidas, de órgãos que velam pela aplicação da Constituição, designadamente o Tribunal Constitucional. Ora, esta é talvez uma dessas zonas e este nosso princípio orientador…

O Sr. Presidente: * Esta questão nunca foi submetida ao Tribunal Constitucional. Pelo menos, tem havido o bom senso de não submeter estas coisas ao Tribunal Constitucional!

O Sr. José Magalhães (PS): * A verdade é que, infelizmente, discutimos a lei da greve a propósito de uma peça legislativa aprovada aqui na Assembleia da República numa legislatura anterior! Mas não gostaria de trazer isso à colação, e menos ainda de o fazer em termos polémicos.
Quero apenas sublinhar, Sr. Presidente, que somos sensíveis a essa preocupação, se bem que a combinemos com uma outra, já que pensamos que é exigível a qualquer cláusula constitucional que colmate ou que venha lançar luz sobre essa zona de penumbra que, efectivamente, lance essa luz! Tomaremos esta como uma base de reflexão e procuraremos burilá-la no sentido de evitar que se crie aqui uma cláusula que permita, de forma irrestrita ou ilimitada, reduzir ou eliminar o alcance útil do direito à greve, porque é preciso compatibilizar interesses ou necessidades sociais impreteríveis, como se tem vindo a dizer, e o exercício legítimo de direito à greve, que não pode ser inviabilizado como tal pela invocação dessas necessidades sociais.
Somos, obviamente, sensíveis à ideia de que a modelação do processo e dos serviços não seja tal que aniquile aquilo que é a dinâmica e a vitalidade própria do direito à greve, mas creio que se adoptarmos este princípio-condutor poderemos, em princípio, chegar a uma solução que resolva um problema muito importante numa estratégia de defesa da Constituição. A hipocrisia constitucional é fácil! Assenta na abstenção, na abulia e na coexistência de legislação em muitos casos inconstitucional com um texto constitucional aparentemente plenipotente e intacto, mas na verdade esvaziado, ferido e ele próprio desmotivador da acção laboral ou da acção dos cidadãos em qualquer domínio.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, registo a oposição do PCP e do PS, mas não trancando a porta à reconsideração da proposta.
Passamos, então, ao artigo 58.º, cuja epígrafe é "Direito ao trabalho".
Se em relação ao n.º 1 não há propostas de alteração, em relação ao n.º 2 há uma proposta de eliminação do PSD, proposta que é implícita mas óbvia, e uma proposta de alteração do CDS-PP. Estão, portanto, sujeitas à discussão estas duas propostas.
Lembro que estamos a falar do artigo 58.º, n.º 2, que diz: "O dever de trabalhar é inseparável do direito ao trabalho (…)" e lembro que as propostas existentes são do PSD, que propõe a sua eliminação, e do CDS-PP, que propõe a sua reformulação.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, tenho imensa pena que o representante do CDS-PP esteja ausente, porque gostaria infinitamente de saber qual a explicação desta ablação que torna a norma inválida e claramente deficiente.

O Sr. Presidente: * Algum dos Srs. Deputados do PSD quer usar da palavra?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, a nossa proposta de retirar este n.º 2 tem que ver, do nosso ponto de vista, com a economia do artigo, porque, de facto, o direito ao trabalho existe e o que está no n.º 2 é uma evidência. O que resulta da nossa leitura do actual n.º 2 é, fundamentalmente, a abertura de excepções que se impõem naturalmente e, portanto, não vemos que haja nisto grande interesse.
No fundo, o que queria explicitar, face à observação prévia do Sr. Deputado José Magalhães, é que não há aqui, de facto, nenhum intuito político escondido, perverso ou sub-reptício da parte do PSD. A ablação do n.º 2 resulta, pura e simplesmente, de entendermos que ele não acrescenta rigorosamente nada, não vemos nele grande interesse nem efeito prático, salvo melhor opinião, e é apenas essa a razão de ser da nossa proposta. Não há nenhum intuito político substantivo ou decisivo nesta formulação da parte do PSD.
Haverá quanto à nova redacção do n.º 3, mas aí, quando o Sr. Presidente o puser à discussão, eu explicitarei.

O Sr. Presidente: * Continuam em discussão estas propostas.

Pausa.

O silêncio deve significar não acolhimento!

Pausa.

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Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o silêncio significa, de facto, não acolhimento, porque entendemos - e até já temos feito propostas anteriores para a consagração de outros deveres - que este dever de trabalhar deve sempre ficar consagrado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, aproveito para fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada Odete Santos, já que foi a primeira a intervir, mas estendo-a desde já a outros partidos que a queiram comentar.
O direito ao trabalho, conforme o vemos aqui neste artigo, deve ser entendido genericamente, ou seja, deve englobar o trabalho dependente e o trabalho independente. Por outro lado, consideramos que o dever de trabalho é inseparável do direito ao trabalho, mas, neste caso, ao trabalho dependente. Como tal, sinceramente, sem nenhuma intenção política estranha, parece-nos que esta norma não cobre a realidade toda do que é hoje em dia o trabalho, porque, nas sociedades actuais, cada vez mais existem relações do chamado trabalho independente, a todos os níveis e com vários graus de qualificação. Assim sendo, a colocação constitucional do dever do trabalho com um reverso necessário da medalha parece-nos algo que faz sentido quando se pensa apenas no trabalho dependente, ou seja, no trabalho assalariado. No entanto, não faz grande sentido com todas as outras formas de trabalho que hoje ainda em dia existem e que cada vez mais proliferam.
Pergunto, portanto, à Sr.ª Deputada se não entende que este reverso da medalha do dever de trabalhar não é algo que faz todo o sentido em termos de trabalho assalariado, mas que não fará sentido noutro tipo de situações.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Marques Guedes, respondo-lhe com outra pergunta. Mesmo partindo desse princípio de que está a partir - e isso terá a ver com uma análise que procura saber a que é que diz respeito este direito ao trabalho -, pensa que o direito ao trabalho não implica o dever de trabalhar? É que eu penso que faz todo o sentido que aqui esteja consagrado!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Embora compreendendo o Sr. Deputado Marques Guedes, porque há cada vez mais formas de trabalho, a verdade é que a sua proposta não consubstancia essa sua ideia, antes pelo contrário. No fundo, a Constituição não define se o trabalho é dependente ou não, assalariado ou não, apenas dizendo que é trabalho. E poder-se-ia tirar a ilação de que o Sr. Deputado é adepto das teses do Paul Lafargue, do direito à preguiça! De facto, eu até gostava, mas não posso declarar aqui a minha vontade de aderir às teses do Lafargue!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Nenhum cidadão pode ser obrigado a trabalhar!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Peço desculpa, mas, se tem direito ao trabalho, também tem o dever de trabalhar!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, queria chamar a atenção para uma questão que creio ser importante. É que há um problema de filosofia geral que a Sr.ª Deputada Odete Santos já referiu - a questão de os deveres dos cidadãos ficarem inscritos na Constituição, até para estabelecer limites aos poderes públicos na imposição de deveres, não lhes permitindo ir para além daqueles que são permitidos.
Mas há um segundo aspecto deste n.º 2 que creio que não é menos importante. Refiro-me ao facto de aqui se estabelecerem excepções para aqueles que sofrem diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez. É que o facto de estarem estabelecidas estas excepções e, portanto, de estes cidadãos não terem o dever de trabalhar, implica que o Estado tem responsabilidades para com eles. Se, pura e simplesmente, o n.º 2 é eliminado, como propõe o PSD, ou se é eliminada a excepção, como propõe o PP, naturalmente que decorrem daqui consequências em relação a outros direitos económicos, sociais e culturais e a outras obrigações do Estado que nem por estarem em geral estabelecidas noutros pontos da Constituição deixam de ter o devido enquadramento neste plano.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas fazer uma reflexão sobre a repercussão da supressão, em termos práticos, para o trabalhador.
Se se entender, como penso que se deve fazer, que o direito ao trabalho implica o direito ao salário e ao pagamento da retribuição, a supressão deste dever de trabalhar poderia, por exemplo em questões como as dos salários em atraso, trazer algumas repercussões práticas. Nestes casos, estando só inscrito um direito ao trabalho, o trabalhador poderia ter de ser obrigado a trabalhar mesmo sem receber a retribuição.

O Sr. José Magalhães (PS): * Trabalho forçado e não remunerado?!

O Sr. Presidente: * Mas a Sr.ª Deputada pensa que há alguma ligação entre uma coisa e outra?!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado José Magalhães pode não ter experiência prática disto, mas eu já defendi trabalhadores em processos disciplinares!

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas não por força desta norma, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dizia que já defendi trabalhadores que se recusaram a apresentar-se ao serviço por terem salários em atraso, tendo-lhes sido movido um processo disciplinar. Já o fiz e não foi apenas uma, duas, três ou quatro vezes!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas foram defendidos por esta norma?!

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu entendo que estando aqui relacionado o direito ao trabalho - incluindo, portanto, o pagamento atempado da retribuição e o conexo dever de trabalhar se esse direito ao trabalho for concretizado na sua amplitude -, há uma maior defesa.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não creio que haja vantagem em prosseguirmos a discussão. A proposta tem as objecções do PCP e do PS e, como tal, não tem viabilidade.
Vamos, então, passar ao n.º 3 do artigo 58.º, para o qual existe uma proposta de eliminação do CDS-PP e propostas de alteração do PSD e do Deputado Arménio Santos e outros do PSD. Não estando o CDS-PP presente, se alguém quiser adoptar a proposta de eliminação do n.º 3 fará o favor de o declarar.

Pausa.

Não acontecendo isso, vamos às propostas de alteração.
O proémio do n.º 3 deste artigo diz actualmente que "Incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho, assegurando: (…)". No entanto, o PSD propõe que este mesmo proémio passe a dizer o seguinte: "Incumbe ao Estado a execução de políticas que promovam: (…)".
Por outro lado, o Deputado Arménio Santos propõe que o proémio diga o seguinte: "O direito ao trabalho é sustentado no desenvolvimento económico e social, incumbindo ao Estado garantir: (…)".
Portanto, há duas novas formulações alternativas à que actualmente consta do proémio do n.º 3 do artigo 58.º da Constituição.
Darei a palavra aos proponentes para justificarem as alterações propostas, se entenderem que tal é necessário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, a formulação do PSD visa também "esvaziar" alguma da carga ideológica que terá presidido à fórmula que está depositada na actual redacção. Numa leitura cuidada deste corpo do n.º 3 pode-se fazer a interpretação de que cabe ao Estado a garantia do direito ao trabalho. Ou seja, indirectamente, pode-se fazer a leitura de que, na falta de trabalho noutros sectores de actividades, terá de ser o Estado - o sector público, o Estado enquanto entidade patronal, entidade empregadora - a garantir a existência desses postos de trabalho que propiciem e garantam o direito ao trabalho a todo e cada um dos cidadãos. Isso, de resto, também decorre da actual redacção da alínea a) desse n.º 3…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, propunha que limitasse a discussão para já à alteração do proémio.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Limitar-me-ei apenas a tal, Sr. Presidente, embora as alíneas, no fundo, tenham de ser lidas integradamente com o corpo do artigo. De qualquer modo, a proposta do PSD pretende deixar claro que há aqui um dever do Estado, uma incumbência constitucional que cabe ao Estado em matéria de direito ao trabalho, que, pensamos, deve manter-se na Constituição. Todavia, este dever não passa da obrigação de promover políticas "adequadas a", não levando o Estado a encontrar formas substitutivas, ainda que residuais, daquilo que deve ser - e é, do ponto de vista do PSD - a actividade económica como garante fundamental da existência de postos de trabalho.
Portanto, o que o PSD entende é que o Estado deve ter a incumbência apenas de executar políticas que promovam a obtenção ou a concretização deste direito ao trabalho.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins, a quem também peço que se limite à questão do proémio.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, quero somente dizer que não se pretende, como é óbvio, retirar incumbências ao Estado em termos de garantir a execução e, na nossa óptica, até a promoção de algumas políticas, mas apenas acentuar aquilo que é o direito ao trabalho num pressuposto que tem a ver com o desenvolvimento económico e social. É a partir daqui que, realmente, se consegue promover o direito ao trabalho no sentido lato e, portanto, trata-se aqui de dar a este artigo uma nova fórmula consubstanciada naquilo que vão ser os desenvolvimentos das alíneas.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, como percebem, o problema está na actual fórmula, que procura, através da aplicação de planos de política económica, social e cultural, garantir o direito ao trabalho, assegurando-o. Nas duas propostas que foram feitas, esta fórmula é substituída por expressões mais souples.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, de facto, este artigo da Constituição é, no actual contexto e face ao futuro, excessivamente garantista da intervenção do papel do Estado, mas a formulação proposta pelo PSD não é aceitável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não é aceitável?!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Cotejando as duas propostas, parece-me que a do PSD é francamente de rejeitar, porque nem sequer refere um ponto que é acentuado na proposta dos Srs. Deputados Arménio Santos e Francisco Martins, que é a questão do desenvolvimento económico e social.
No entanto, penso que isso já está incluído no actual n.º 3. De facto, se coordenarmos o proémio, quando este fala de "(…) planos de política económica e social (…)", com a alínea a), quando esta fala no "pleno emprego", não vemos vantagem em alterar este proémio do n.º 3.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Odete Santos, nos meios que o Estado tem para assegurar o direito ao trabalho só cabem os planos económico-sociais? Tem de ser tudo na base de um plano? Não podem ser medidas avulsas, não planificadas?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Podem ser medidas avulsas que penso terem de ser coordenadas com os planos,

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Sr. Presidente. Não pode haver medidas avulsas que não tenham as balizas dos planos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, porque acho que também é esta a função da primeira leitura, solicitarei ao Partido Socialista, se tiver disponibilidade para isso, que explicite um pouco melhor o seu pensamento, porque confesso que não consegui apreender qual a lógica segundo a qual o PS não perfilha uma simplificação disto em termos apenas de determinar…
Devo desde já acrescentar que a formulação proposta pelo Deputado Arménio Santos não entra minimamente em choque com aquela que é a visão do PSD, pelo que não teríamos rebuço nenhum em aceitar uma terminologia deste tipo. No entanto, parece-nos, de facto, dispensável, porque já em outras sedes da Constituição se diz que é incumbência do Estado o desenvolvimento económico e social. Isto é uma evidência! Não é preciso aqui repetir, pari passu, aquilo que está dito noutras sedes da Constituição. Creio que do que se trata aqui é de encontrar uma formulação escorreita que diga que o direito ao trabalho não é apenas um direito subjectivo e que se esgota unilateralmente nos cidadãos, mas ao qual correspondem também determinadas incumbências da parte do Estado para execução de determinadas políticas activas. Agora, acrescentar também que é sustentado pelo desenvolvimento económico e social… Isso já é uma a tarefa fundamental do Estado e só por isso é que o PSD não o propôs aqui.
De qualquer maneira, o que pergunto, se o Partido Socialista tiver disponibilidade para explicitar um pouco melhor o seu pensamento, é por que é que o PS não aceita uma alteração do texto que actualmente, de facto, é equívoco e está desajustado. Digo isto porque a questão que o Sr. Presidente agora acabou de referir, da ligação estreita desta incumbência à lógica planificadora da economia, está perfeitamente ultrapassada, como é evidente, pelo que há que introduzir aqui alguma alteração na redacção. Nós pensamos que deve ficar uma redacção tão simples quanto possível, mas gostávamos de ouvir o que é que o Partido Socialista pensa.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, penso, se bem percebi a sua intervenção, é que a proposta do PSD deixa de falar numa obrigação do Estado de assegurar ou de garantir o direito ao trabalho.
Como tal, já agora pergunto ao PSD, ao PS e ao PCP se estão disponíveis para encarar uma redacção diferente, que seria a seguinte: "Para assegurar o direito ao trabalho…" - suponho que era importante manter esta dimensão - "… incumbe ao Estado promover: (…)". Esta é uma proposta puramente individual, para ser submetida à vossa consideração, mas que permitiria ultrapassar uma dificuldade que, a meu ver, constitui um claro empobrecimento da proposta do PSD que considero inaceitável, visto retirar quer a ideia de garantir, quer a ideia de assegurar. Assim, retirar-se-ia a ideia dos "planos", que me parece claramente desactualizada e que deve ser ultrapassada, e o texto tornar-se-ia mais enxuto.
Sugiro, pois, que passe a constar: "Para assegurar o direito ao trabalho incumbe ao Estado promover: (…)" - eis a minha contribuição para a discussão.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): Sr. Presidente, não vale a pena eternizar a discussão. Está adjudicada!

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, da parte do PSD, gostaria de dizer que penso que a formulação que o Sr. Presidente acabou de enunciar constitui, inequivocamente, um ganho significativo face ao texto actual. Pretendia apenas perguntar-lhe se retira a referência à "planificação".

O Sr. Presidente: Claro, disse isso expressamente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Da parte do PSD, é evidente que isso é um ganho claro face ao actual texto e, portanto, subscrevêmo-lo.

O Sr. Presidente: E o PCP? Claramente não está de acordo?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dizer que claramente não estamos de acordo abriria uma discussão sobre a questão da planificação da economia, e, por acaso, nem só na economia socialista há planificação da economia!
De qualquer forma, parece-nos não haver razões para mexer no proémio do n.º 3 e que não há ganhos nenhuns de garantia do direito ao trabalho na proposta formulada.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a solução de compromisso que propus tem a adesão de princípio dos proponentes e do Partido Socialista. Assim, sem prejuízo de eventual reformulação verbal, fica adoptada.
Vamos então passar às alíneas, uma a uma.
Para a alínea a) do n.º 3 - "A execução de políticas do pleno emprego" -, o PSD propõe que se refira apenas "A criação de emprego" e os Deputados Arménio Santos, Francisco Martins e outros do PSD propõem: "A promoção de políticas activas de emprego" - alínea c) da sua proposta.
Srs. Deputados, está em discussão. Começo por dar a palavra aos proponentes para justificarem a respectiva proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me permite a explicitação por parte do PSD, direi que, no fundo, não há nenhuma diferença substantiva quanto à proposta do Sr. Deputado Arménio Santos.
Trata-se apenas de uma questão, que eu diria literal, que decorre do facto de no corpo do artigo falarmos já na "execução de políticas que promovam", pelo que não iríamos repetir, na alínea a), "políticas activas de emprego", mas o espírito é rigorosamente o mesmo.
Trata-se, pois, de adaptar. Se for entendido maioritariamente, e com o acordo do Partido Socialista, que há interesse em utilizar o conceito de "políticas activas de emprego", então sugerimos que se reformule a redacção do corpo do artigo para se adaptar e não haver repetição de palavras, visto que o espírito é rigorosamente esse.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

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O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, subscrevo aquilo que o meu colega Marques Guedes disse, e penso que está tudo dito.
Quanto à alteração da palavra "execução" por "promoção", quero apenas dizer que penso ser mais lata, isto é, não é tão restritiva em termos de incumbência do Estado, pelo que esta redacção me parece mais adequada.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Francisco Martins, não lhe parece, no entanto, que se perde um elemento simbólico - a expressão "pleno emprego" - que faz parte do paradigma social democrata desde o século passado e das políticas keynesianas dos anos trinta?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, penso que não. O essencial do direito ao trabalho é que ele efectivamente exista e que haja condições, à luz da realidade económica e social do País, para que ele seja realmente atingido.
O objectivo é esse: criar, promover condições para haver, ao fim e ao cabo, a criação do emprego. Mais do que as palavras, é a realidade económica e social que está subjacente a esta redacção.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): Sr. Presidente, pretende-se "desideologizar" a Constituição num sentido para "ideologizar" noutro!
A execução de políticas de pleno emprego pode considerar-se uma utopia, mas a Constituição tem várias outras utopias. Ainda é cedo para consagrarmos a partilha do trabalho e outros problemas que futuramente teremos de encarar.
Como tal, o termo "execução" poderá ser substituído por outro, mas as políticas de pleno emprego são realmente um objectivo socializante, indissociável do ideário do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Sr. Presidente, não é para irmos ao sabor das modas, mas devo dizer que não há hoje economista algum que defenda que o pleno emprego correspondeu a uma determinada época em que determinados vectores da economia eram vistos de certa maneira e que hoje em dia pleno emprego não significa nada.
Por isso mesmo, políticas activas de emprego têm muito mais força, porque são muito mais actuais. Pleno emprego, como disse a Sr.ª Deputada, e com o que concordo, é uma utopia, é um desejo, mas, na realidade prática das coisas, não é assim que lá se chega. É promovendo uma política activa de emprego que se chega ao dito pleno emprego. Assim, falar em pleno emprego é, de algum modo, um retrocesso face às novas tendências económicas. Por isso mesmo, e passando o galicismo, penso que está demodé.

O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada Odete Santos, quer pronunciar-se?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
Entendo que mesmo o próprio termo "promoção" é mais restritivo que o termo "execução" e que a expressão "políticas activas de emprego" é mais restritiva do que "políticas de pleno emprego".
Esta é uma opção ideológica, pelo que a questão está em saber se o Estado desiste de facto de executar esse pleno emprego, se deixa de ter isso como meta e se limita tão-só, em épocas de recessão, a aceitar uma grande mole de desempregados ou não.
Como tal, opomo-nos às propostas feitas.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente, também nos parece que a Constituição não pode conformar-se com a realidade prática e, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, é duvidoso que todos os economistas se conformem nesses termos.
A verdade é que o pleno emprego é um desiderato que, em certas fases deste século, não poderá ser atingido. Mas é com esse sentido, isto é, como desiderato, e não como utopia, que trabalham os governos que privilegiam a realidade social do trabalho. Esta é que é a grande verdade.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Sr. Deputado, se me permite que o interrompa, gostaria de dizer que quando referi o que disse foi apenas no sentido de que as metas de qualquer política governativa vão ser exequíveis. Não estamos a tentar oferecer o céu, quando sabemos que não podemos lá chegar ou…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr.ª Deputada, estamos em sede de Constituição, não estamos nessa visão tão pragmatista e - desculpe que o diga - com um certo tom e um certo vezo liberalizante que dá a ideia de que nos vamos conformar com isso.
Quando se diz, mesmo em termos políticos - e hoje o PSD fala muito disso -, que os números de desemprego sobem ou descem (o PSD procura sempre dizer que sobem), fala-se sempre em função desta realidade do pleno emprego, de que, havendo 7%, devia haver 0%!
Assim, parece-nos que seria desapropriar a Constituição de um desiderato que, para além de ter uma longa tradição histórica, deve ser o desiderato dos governos que se preocupam com os interesses sociais e com os interesses dos trabalhadores. Por isso, parece-nos que não ganhamos nada em fazer as alterações.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, tem a palavra.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, não vou insistir nesta última linha argumentativa, mas antes justificar um pouco o sentido da proposta do PSD com uma outra visão, que é a seguinte: estando nós a tratar ainda, nesta parte da Constituição, do que é garantístico para os trabalhadores, o que é importante é que esteja garantido o direito ao trabalho. Fora do contexto que incumbe ao Estado e de que a Constituição se ocupa mais à frente, nomeadamente a partir dos artigos 81.º, 82.º e seguintes, se estamos a destacar aqui uma incumbência particular do Estado, significa isso que, em termos garantísticos, o Estado fica indissociavelmente ligado à

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realização imediata de algumas destas garantias e destes princípios.
Ora, o pleno emprego - sendo utópico ou não é com certeza desejável - não é um meio, é um fim de políticas que, definidas na parte garantística da Constituição, no que respeita à execução de políticas por parte do Estado, se forem cumpridas, talvez lá se consiga chegar... O que não faz sentido é incluir na Constituição normas ou vínculos ideológicos, que podem ser consensuais em algumas áreas partidárias e não noutras, que, de alguma maneira, sempre acabarão por decorrer, com pleno sucesso, daquilo que incumbe ao Estado, nomeadamente através da Constituição.
Assim, diria que a referência ao pleno emprego resulta aqui até redundante, porque, se o Estado executar políticas que visem assegurar, como consta do corpo do respectivo número, o direito ao trabalho, de acordo com a sugestão do Sr. Presidente, o resultado final, se for bem sucedido, será esse e, portanto, escusamos de concentrar aqui uma polémica que está no fim da execução das políticas e das garantias que a Constituição assegura aos trabalhadores e não como meio de política, que a Constituição não deve definir.
Por outro lado, e para finalizar, as referências ao pleno emprego, bem como aos planos de política económica, estão muito ligadas a formas de intervenção do Estado na economia que, de facto, caíram em desuso, felizmente. Nesse sentido, há também um proveito modernizador da própria Constituição que não devíamos, de todo, despojar nesta altura.
É mais neste sentido que penso que faria alguma lógica alterarmos um tanto esta alínea a).

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, as posições estão tomadas.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas peço que não alonguemos muito a discussão.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, não quero intervir na questão do pleno emprego e não quero prolongar a discussão. Só queria fazer uma chamada de atenção para a circunstância de que a alteração ao corpo do artigo consensualizada pelos partidos pressupõe, no mínimo, a adaptação da linguagem da alínea a) no que diz respeito à execução…

O Sr. Presidente: Claro, esse é o trabalho típico para a segunda fase, para a segunda leitura.
Srs. Deputados, está registada a objecção do PCP e do PS a estas propostas.
Passamos à proposta de alteração da actual alínea b), apresentada pelos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD.
Não se tratará de um especiosismo literário, Sr. Deputado Francisco Martins?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, não lhe quero chamar um preciosismo; trata-se, em boa verdade, de encontrar uma palavra mais adequada, substituindo-se "trabalho ou categorias profissionais" por "género de trabalho ou profissão". Isto é, profissão em sentido mais amplo.

O Sr. Presidente: E acrescenta "livre", ao princípio, onde se fala na "escolha de profissão"?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Exacto, passando a ser "livre escolha".

O Sr. Presidente: Mas hoje há escolhas que não sejam livres (tirando as constrições de facto)?

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, com esta alteração talvez se consiga acentuar a liberdade que deve estar presente nas opções dos cidadãos.

O Sr. Presidente: Está feita a proposta do Sr. Deputado Francisco Martins para uma nova redacção da alínea b), com três pequenas alterações, que coloco à vossa consideração.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): Sr. Presidente, muito brevemente, quero dizer que não vejo nenhuma vantagem na redacção proposta.
Infelizmente, livre escolha… Era bom que o mercado de trabalho permitisse escolha! E a escolha implica o exercício da opção e de liberdade, pelo que não se trata de um preciosismo.
Percebo que se queira acentuar o acesso das mulheres a todo o tipo de trabalho, mas a formulação não conduz a isso. Se arranjasse outra mais interessante, mais…

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, entendo que a proposta dos Srs. Deputados constitui um preciosismo.
De facto, em minha opinião, o que vêm propor já consta da Constituição e penso que, mesmo do ponto de vista técnico, a redacção não melhoraria em nada.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, é só para referir um pequeno pormenor.
Já disse, e repito, que não se trata de uma questão de preciosismo porque tenho por bem que a igualdade de oportunidades na escolha da profissão, nomeadamente a questão da parte final, que acentuei, em termos de mudança… Penso que qualquer pessoa não escolhe por si só, de livre vontade, qualquer categoria profissional; pode escolher uma profissão, pode, enfim, estudar, preparar-se e apostar numa profissão, numa categoria profissional, e isso tem a ver, naturalmente, com o estatuto que ele possa depois assumir.
Não é, pois, uma questão de preciosismo, mas sim de adequar uma linguagem mais própria. A igualdade de oportunidades pode ser, realmente, para uma profissão, para uma categoria profissional e isso é algo que tem a ver estritamente com a própria actividade exercida.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer, em relação às categorias profissionais, que também há a questão da igualdade de oportunidades, nomeadamente

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no acesso a cargos de chefia, em relação ao sexo feminino. É uma questão de igualdade de oportunidades.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, não há viabilidade para a alteração, que, de resto, não era de longo alcance.
Pessoalmente, entendo que as revisões constitucionais não servem para que a legislação passe a dizer tudo aquilo que lá devia estar, sob pena de termos de reescrever toda a Constituição. Aliás, se repararmos na proposta dos Srs. Deputados Arménio Santos e Francisco José Martins, constatamos que eles, de facto, re-redigiram toda a Constituição nesta parte.
Ora, todos nós, se nos dedicássemos a escrever uma Constituição ideal, mesmo sem fazer alterações profundas, reescreveríamos, se calhar, todos os artigos!
Penso que a função de uma revisão constitucional não é propriamente essa, pelo que creio que nos devíamos limitar às alterações relevantes, de fundo (mesmo que não sejam grandes alterações, até podem ser pequenas), o que penso não ser o caso.
Passamos agora às propostas relativas à actual alínea c) - "A formação cultural, técnica e profissional dos trabalhadores". Há uma proposta do PSD do seguinte teor: "A formação cultural, técnica e a valorização profissional dos trabalhadores". E há também uma proposta dos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD que corresponde às alíneas a) e d) do respectivo projecto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes para apresentar a proposta do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a proposta do PSD visa tão-só acrescentar a expressão "valorização profissional" dos trabalhadores. Penso que é perfeitamente entendível, tendo apenas o sentido de explicitar melhor o actual texto.
No entanto, e para não voltar a pedir a palavra, aproveito desde já para dizer que a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, no sentido de ligar também a questão da igualdade de oportunidades à formação profissional nos parece interessante e o PSD vê-a com simpatia
Parece-nos, de facto, que o actual texto ficará enriquecido se a igualdade de oportunidades também ficar claramente ligada, com esta ou com outra redacção qualquer, à questão fulcral da formação profissional e da valorização dos recursos humanos. Manifesto, pois, também simpatia por uma proposta nesse sentido, a ver depois; isto é, se houver receptividade, ver-se-á depois então qual a redacção mais adequada para se conseguir atingir esses objectivos.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, quanto à alínea a) do nosso projecto, ela prende-se realmente com a igualdade de oportunidades e a importância que entendemos dever ser dada, em termos de texto constitucional, à formação profissional.
Quanto à alínea d), quando dizemos "A promoção de políticas activas de valorização dos recursos humanos", temos por bem que a aposta nos recursos humanos é algo de muito importante para o País, é uma meta fundamental, porque, ligando essa questão ao desafio europeu e à importância cada vez maior de os nossos recursos humanos estarem preparados para esse mesmo embate, no âmbito da empresa (e sendo essa, realmente, uma aposta, uma prioridade para o próprio País), pensamos que é adequado - e isto, sim, é inovador - consagrar constitucionalmente esta valorização dos recursos humanos. Este preceito merece, pois, tutela constitucional.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): Sr. Presidente, quanto à expressão "valorização profissional" proposta pelo PSD, penso que ela valorizou o texto, pelo que não tenho nada a opor.
Também o "ensino", e como dizia o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a "formação profissional" devem ser enquadrados.
Peço desculpa por usar seguidamente um termo excessivamente forte, mas é o que traduz os meus sentimentos: abomino o termo "recursos humanos", pois significa equiparar o homem a um recurso financeiro ou a um recurso tecnológico. Assim, penso que constitucionalizar esta terminologia é desvalorizar as pessoas, enquanto trabalhadores e enquanto seres humanos, enquanto cidadãos na empresa.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, é só para dizer que a Sr.ª Deputada Elisa Damião referiu-se a uma sugestão minha feita em off e que, portanto, talvez não tenha ficado muito clara.

O Sr. Presidente: Era qual, a saber?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, quando se fala em direito ao ensino e à formação profissional dá ideia de que se fala do ensino globalmente considerado. Compreendo sistematicamente a referência ao ensino profissional, mas não ao ensino globalmente considerado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tinha essa dúvida. Ainda bem que a pôs.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Admito que possa ser redundante e que fosse talvez mais fácil falar exclusivamente em formação profissional, mas, a fazer-se referência ao ensino, deve-se fazer referência ao ensino técnico ou profissional, se quiserem, e não ao ensino globalmente considerado.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao PSD, gostaria de dizer que, em meu entender, "formação profissional" já contém em si a "valorização profissional", visto que a primeira é uma expressão muito ampla. Como tal, não nos opomos decididamente, mas também não vemos que a Constituição beneficie com isso.

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Quanto à questão do ensino, tinha a mesma dúvida que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro e recuso-me a que venha uma parte do ensino geral para aqui, porque há lá mais adiante um local apropriado para…

O Sr. Presidente: Sim, mas não era essa claramente a intenção dos proponentes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não era essa, claramente?

O Sr. Presidente: Aquilo que se diz é "acesso ao ensino e à formação profissional".

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, mas o que é a formação profissional? Não é o ensino técnico?

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Não, necessariamente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então expliquem-me!

O Sr. Presidente: Nestes anos, assistimos à situação de milhões de contos da União Europeia a pagarem formação profissional que não passava pelo ensino…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Deveria ser ensino; não foi, mas deveria ser! E não foi ensino por outras razões.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): Sr. Presidente, só por uma questão sistemática, e na decorrência do que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu, quero dizer que entendo, pessoalmente, que as referências ao ensino técnico ou técnico-profissional não devem ser desinseridas de todo o capítulo que respeita mais às questões educativas no seu sentido mais amplo, justamente a bem da sua própria argumentação. Caso contrário, estamos, em primeiro lugar, a compartimentar e a distinguir da formação geral, do ensino em geral e da educação em geral uma das suas componentes essenciais que, muitas vezes, infelizmente, são obliteradas nos próprios objectivos dos sistemas de ensino.
Assim, dissociar objectivos que têm que ver com formação profissional da educação em sentido lato é dizer que o ensino não deve visar especificamente a formação profissional, e eu, por exemplo, entendo que sim.
De resto, na perspectiva das próprias empresas há, com certeza, objectivos importantes a prosseguir em termos de valorização profissional. O que se quer distinguir aqui é que isso não pode ficar ao acaso das empresas, competindo também ao Estado garantir, de alguma maneira, a valorização profissional dos trabalhadores, e por isso é mais amplo do que simples formação profissional.
Agora, tudo o que tem que ver com o ensino profissionalizante ou profissional ou técnico-profissional, do meu ponto de vista, Sr. Presidente, perde, na sistemática e na substância, em ser desinserido do capítulo maior que é a incumbência do Estado no âmbito da educação.
De resto, eu próprio sou promotor de uma alteração ao artigo 74.º, que visa, justamente no capítulo do ensino, introduzir esta componente técnico-profissional do ensino.

O Sr. Presidente: Este tipo de aditamentos causa-me algum desconforto. Penso que todos concordamos que, se alguma coisa se alterar neste capítulo dos direitos económicos, sociais e culturais, há uma sobrecarga enorme de directivas de política económica. Logo no primeiro artigo já estamos a propor incluir mais duas, para além das que já cá estão.
A minha reacção a esta proposta é dizer logo "não", a não ser que se mostre uma relevância extraordinária, uma lacuna enorme no actual texto constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, depois de ouvir a Sr.ª Deputada Elisa Damião, devo dizer que não abomino e tenho quase de fazer a defesa da honra,…

Risos.

… no sentido daquilo que é o ideário social-democrata e de todos aqueles que subscreveram o projecto que está em discussão.
Defendendo, como defendemos, a dignidade e o primado da pessoa humana, em primeira linha, não é fácil aceitar que falar em recursos humanos possa significar falar em algo que pode ser uma qualquer espécie…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Francisco José Martins, peço-lhe que seja breve.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): Sr. Presidente, permita-me 30 segundos para dizer, em conclusão, que uma Constituição, e por conseguinte uma revisão da mesma, deve ter em atenção o seu contexto temporal, em termos políticos, económicos e sociais, e sabendo, como sabemos, volto a repetir, a aposta que o desafio europeu constituirá para a realidade deste país, penso que será pertinente esta inovação, no sentido de adequar o texto constitucional a uma nova realidade, que é o papel fundamental, determinante dos recursos humanos do País.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Elisa Damião, se for possível, peço-lhe que defina a posição quanto às duas propostas em causa.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, penso que a intenção do projecto do Sr. Deputado Arménio Santos é no sentido de que esta cláusula que promove a igualdade de oportunidades tenha eficácia no emprego. Portanto, não é uma questão decorrente do sistema de ensino.
Assim sendo, quando se refere "ensino", tem a ver com licenças sabáticas ou especializações.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, continuamos sem posições definidas quanto a estas propostas.
Tenho de concluir, para já, que não são rejeitadas, mas também não são adoptadas. Fica em aberto.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Não vemos nenhuma objecção a que se inclua…

O Sr. Presidente: * Sim, tenho aqui registado que o PS é favorável quanto à questão de incluir a valorização profissional na alínea c).

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Embora possa ser um tanto redundante, também não nos opomos à alínea a) proposta pelo Sr. Deputado Arménio Santos. Aliás, foi exactamente isso que disse a Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: * Têm objecção à alínea b), não é?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sim, isso sim.

O Sr. Presidente: * Há uma proposta de um novo aditamento, apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros.
Segundo o PSD, não abundam ideias no sentido de tornar a Constituição mais "enxuta", querem é torná-la mais "gorda"…

Risos.

O Sr. Presidente: * Como dizia, a proposta é no sentido do aditamento de um novo n.º 4.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, digamos que o n.º 4 é a concretização do que é o n.º 3 em termos de materializar os pressupostos da promoção das políticas activas de emprego e valorização dos recursos humanos referidas nas alíneas c) e d). É tão-somente isso.

O Sr. Presidente: * Está à consideração esta proposta.
Sr. Deputado Marques Guedes, faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Ao que o Sr. Presidente já disse, acrescentaria que, neste caso, não se trata apenas de uma preocupação de economia do texto constitucional - embora reconheça que, seguramente, não foi essa a intenção dos proponentes - mas também, em certa medida, do facto de o PSD não concordar com determinado tipo de alterações à Constituição que visem como que compartimentar ou orientar, se quisermos, o que é a prática que cada governo segue, em cada momento, para a execução das melhores políticas.
De igual modo, entendemos este n.º 4 como algo redutor do que, do nosso ponto de vista, deve ser a capacidade política de cada governo legitimamente constituído para encontrar as melhores formulações para obter os resultados, esses, sim, que, no plano genérico, são os que devem estar vertidos na Constituição.
Portanto, também nesse sentido, e por essa razão, o PSD não vê com simpatia uma alteração deste tipo.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Nós próprios também temos uma ideia semelhante.
Não nos parece redutor mas parece-nos redundante, porque, de algum modo, este conjunto de coisas está já inscrito em diversos pontos da Constituição.
Parece-nos - e perdoem-me - é que há aqui uma excessiva planificação, que aliás, no limite, levaria àquilo que o Sr. Deputado Marques Guedes foi dizendo. Nesse sentido, sim, viria a ser redutor. Consideramos que há aqui um instinto claramente planificador. Portanto, rejeitamos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos à frente. A proposta não tem viabilidade.
Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em comparação com as duas alíneas anteriores, a nossa posição em relação a esta é a mesma.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos ao artigo 59.º.
Mais uma vez, o Srs. Deputados Arménio Santos e Francisco José Martins reescrevem o artigo quase integralmente, com acréscimos vários.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Ao correr da pena.

O Sr. Presidente: * Sub-rogaram-se ao PCP noutras revisões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As propostas não são no mesmo sentido, não há uma sub-rogação.

O Sr. Presidente: * Referia-me à ideia de reescrever e acrescentar.
Quanto ao proémio do artigo 59.º, só há uma proposta de alteração, apresentada pelo Sr. Deputado Francisco José Martins entre outros, no sentido do aditamento da frase "pela prestação do seu trabalho" a seguir à expressão "Todos os trabalhadores".
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins, para justificar o aditamento e a necessidade de alterar a Constituição nesse ponto.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, não será necessário ficar sublinhado que o nosso projecto não teve em vista sub-rogar direitos do Partido Comunista...

Risos.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Portanto, está esclarecida essa questão.

O Sr. Presidente: * Fica salvaguardada a honra mútua!

Risos.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Como o Sr. Presidente já anunciou, a nossa proposta visa o aditamento da expressão "pela prestação do seu trabalho" e é a única alteração que propomos.
Naturalmente, a existência de um contrato de trabalho pressupõe sujeitos, que são um elemento essencial, sendo esses a entidade e o trabalhador. Ora, realmente, o que o trabalhador tem de fazer é prestar a sua actividade.
Portanto, propomos o aditamento, entre vírgulas, da expressão "pela prestação do seu trabalho" porque é aquilo a que o trabalhador está obrigado. Digamos que se trata de um complemento que, ao fim e ao cabo, incluímos, como pressuposto do que está subjacente à relação laboral que é a prestação de trabalho.

O Sr. Presidente: * Mas é necessário dizê-lo? Parece evidente que é isso que lá está.
Srs. Deputados, está em discussão.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Aliás, no próprio texto constitucional, logo adiante, a alínea a) começa com a expressão "À retribuição do trabalho", pelo que parece-me que o aditamento proposto é uma repetição.
Portanto, pensamos que o aditamento proposto não adiante coisíssima nenhuma pois, como disse, a ideia já está no espírito do articulado e, por isso, em minha opinião, não é preciso mais.

O Sr. Presidente: * Fica registada a objecção do Partido Socialista no sentido de que a proposta é inviável.
Passemos agora às propostas de alteração apresentadas relativamente às alíneas do n.º 1 deste mesmo artigo 59.º.
No que diz respeito à alínea a), existe uma proposta de alteração apresentada pelo CDS-PP que, neste momento, não tem presente qualquer representante seu.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins, para apresentar a proposta de alteração da alínea a), conforme consta do projecto de que é um dos subscritores.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, o que propomos relativamente à alínea a) não implica grandes alterações, como pode verificar. É, tão-somente, na parte final…

O Sr. Presidente: * O projecto do PSD é que propõe alterações…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o do PSD não!

O Sr. Presidente: * É verdade.
Confirma-se, pois, que a alteração proposta é a que consta do projecto do Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, em relação à alínea a), o que propomos, como pode ser visto, é a eliminação da parte final "de forma a garantir uma existência condigna". É que pensamos que isso está subjacente e não há razão para continuar consagrado na Constituição.

O Sr. Presidente: * Não é só essa alteração. Também propõem o aditamento, entre vírgulas, da expressão "na aplicação desses critérios" a seguir à palavra "observando-se", para além da eliminação da parte final "de forma a garantir uma existência condigna".
As duas propostas de alteração estão, pois, apresentadas.
Srs. Deputados, está à discussão.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, é inaceitável a eliminação do objectivo de garantir uma existência condigna, ou seja, o acesso aos consumos mínimos de dignidade.
A restante formulação é equívoca e diria que seria bom se, sem adulterar o princípio, se conseguisse resolver os problemas jurídicos que decorrem do conceito "trabalho igual, salário igual", porque há formas discriminatórias de segmentação do mercado de trabalho que não são corrigidas por esta norma. Portanto, "trabalho igual ou de igual valor". No entanto, eu própria não tenho nenhuma fórmula.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração.
Sr. Deputado Marques Guedes, faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, queria deixar claro que, da parte do PSD, não há intenção de mexer neste n.º 1 e, em particular, nesta alínea a).
Apenas quero acrescentar, face à referência da Sr.ª Deputada Elisa Damião, que a preocupação do PSD iria exactamente no sentido contrário. Ou seja, não só não vemos nenhuma necessidade de explicitar melhor ou tentar complementar o princípio "trabalho igual, salário igual" como, a existir alguma alteração constitucional nesta matéria, seria a de, pura e simplesmente, retirar essa referência, atendendo às realidades de hoje em dia. Mas repito que consideramos que como está, está bem, pois, apesar de tudo, a situação actual tem alguma estabilização em termos de interpretação na prática.
Só queria deixar claro, em termos políticos, que o PSD nunca concordaria com uma explicitação para além do que já está na Constituição - e pareceu-me ser essa a preocupação da Sr.ª Deputada.
Do ponto de vista do PSD, a haver alteração, seria no sentido inverso.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Em relação à proposta do CDS-PP, consideramos que é manifestamente redutora, mesmo o próprio aditamento à palavra "trabalho", já que se propõe a frase "do trabalho prestado". Não sei onde é que o CDS-PP quer chegar, mas, em termos práticos, em sede de lei ordinária, isto conduziria à abertura de imensas possibilidades, nomeadamente em matéria de faltas, de férias, etc. Consideramos, pois, que a proposta é manifestamente redutora.
Em relação à proposta do Sr. Deputado Francisco Martins, de aditamento, no proémio, da expressão "pela prestação do seu trabalho"…

O Sr. Presidente: * Já "andou", Sr.ª Deputada.

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem.
Em relação às alterações propostas para a alínea a), também penso que é empobrecedor retirar a expressão "de forma a garantir uma existência condigna" e, depois, a outra alteração não resolve o problema na aplicação prática, técnico-jurídica, da questão "trabalho igual, salário igual". Portanto, não vemos vantagens nenhumas em mexer na alínea dessa forma.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Francisco Martins, temos de concluir que não obteve ganho de causa a sua proposta.
Vamos passar à alínea b), relativamente à qual foram apresentadas uma proposta do PCP e uma outra dos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco Martins e outros do PSD.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como tivemos ocasião de dizer num recurso que apresentámos em relação à então

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proposta de lei da flexibilidade e polivalência, entendemos que, com a formulação actual, a Constituição já contém o princípio da estabilidade, da organização do horário de trabalho.
O aditamento que agora propomos em relação à alínea b) é num sentido clarificador. Quanto ao alcance, todos os Srs. Deputados o entendem.
Entendemos que não deverá ser possível trabalhar-se numas semanas 50 horas, noutras 48, noutras 40 ou menos, desorganizando totalmente a vida dos trabalhadores e privando-os da organização dos seus tempos de lazer, do tempo que dedicam à família.
O sentido da nossa proposta, de aditamento da palavra "estabilidade", é exactamente este que acabei de dizer.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Francisco Martins. Mais um "preciosismo literário"…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Na opinião do PSD, talvez não seja preciosismo, não é?

O Sr. Presidente: * Não me estava a referir à sua proposta, Sr.ª Deputada Odete Santos, estava a falar da proposta do Sr. Deputado Francisco Martins.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Desculpe!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, longe de mim julgar que esta proposta do PCP é um preciosismo literário. Deve ser explicitado o seu profundo sentido.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, tendo em atenção o espírito das propostas e, de certo modo, a celeridade que o Sr. Presidente tem solicitado, considero que esta parte está prejudicada.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado Francisco Martins.
Mantém-se a proposta do PCP.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * No sentido de cooperar, pensamos que a formulação que está, está.

O Sr. Presidente: -Quanto à proposta do PCP, as suas palavras significam também uma não consideração da mesma?

Pausa.

O Sr. Presidente: * A proposta do PCP tem a oposição do PS e a não adesão do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Da parte do PSD, é não adesão. Não é no sentido de cooperar, é no sentido de não concordar.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já agora, permito-me fazer uma pergunta ao PSD.
Essa resposta não diz o que é que o PSD quer significar, concretamente, ao afirmar a "não adesão". Não sei se é porque considera que a Constituição já tem consagrada esta estabilidade - e estou a lembrar-me do vosso voto de abstenção em relação ao recurso e até em relação à proposta de lei, quando disseram que se tratava de direitos fundamentais dos trabalhadores - ou se é no sentido de que não admitem isto porque entendem que deve ser permitido trabalhar variadas horas por semana, quer dizer, desorganizadamente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr.ª Deputada. Aproveito para esclarecer e para recordar que a posição do PSD, na altura, nem foi muito clara no sentido de concordar com a introdução de mecanismos em dois artigos que permitam a flexibilidade e a polivalência…..

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Através da convenção colectiva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O PSD absteve-se exactamente por causa do procedimento e da tentativa consumada do Partido Socialista, com o apoio CDS, de introduzir à força a redução do horário de trabalho por lei, prejudicando e deixando de fora o que sempre foi a proposta do PSD e que, tanto quanto sabíamos, era o que estava acordado com os parceiros sociais, no sentido de permitir a contratação colectiva…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Portanto, consideram que é constitucional...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Portanto, o PSD sempre foi, e continua a ser, a favor da possibilidade constitucional de serem introduzidos mecanismos…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E não aceitam a estabilidade da organização do horário de trabalho?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * No sentido em que o Partido Comunista a entende, não.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Só com médias.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sem querer entrar noutro tipo...

O Sr. Presidente: - Peço que não reeditemos, em sede de revisão constitucional, as discussões…

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Não, não!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, até fiz uma intervenção muito rápida!

O Sr. Presidente: - Tenho de elogiá-la, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Na altura, o Sr. Deputado Marques Guedes desempenhava outras funções e, provavelmente, terá esquecido, pelo que terei muito gosto em oferecer-lhe o texto do Acordo Económico e Social de 1990, através de cuja leitura o Sr. Deputado poderá verificar que o seu partido se comprometeu a legislar sobre horário de trabalho.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco Martins tinha pedido a palavra. Faça favor.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * É para pronunciar-me muito rapidamente sobre a proposta do PCP.
A proposta vem tão-somente acrescentar, através da estabilidade de organização do horário de trabalho, que há legislação sobre a matéria, mas a própria Constituição, o preceito da alínea d) deste artigo, salvaguarda, desde logo, a limitação de uma jornada de trabalho e de descanso semanal, o que constitui referenciais em termos de limitar e permitir que a legislação ordinária tenha esses cuidados.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, faça favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Comecei por dizer que a proposta do PCP era clarificadora de vários preceitos constitucionais que, em nossa opinião, já conduzem à conclusão de que o horário de trabalho deve ter estabilidade.
Disse que era clarificadora e que não abdicávamos da interpretação que, na altura, demos ao texto constitucional e que foi fundamento do recurso que apresentámos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, permita-me um pequeno comentário.
O perigo de certas propostas, sobretudo quando se sabe que elas não têm viabilidade, é o de permitir interpretações a contrario.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é seguir para um único critério de interpretação da lei. Ora, há vários, e o Sr. Presidente sabe disso muito mais do que eu própria.

O Sr. Presidente: - Mas, ao fazer propostas para serem rejeitadas, permite que os partidários de interpretações restritivas da Constituição digam "não, isto até foi rejeitado; foi proposto e foi rejeitado".

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - De facto, o PS já entendia que a Constituição permitia a lei que aprovou, não é? E o PSD também.

O Sr. Presidente: * E o PCP, agora, ajudou.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Portanto, não há prejuízo nenhum em apresentar a proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar às alíneas c) e d), relativamente às quais existem apenas propostas do Sr. Deputado Francisco Martins, a quem dou desde já a palavra.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, o que a alínea c) tem de inovador é o aditamento da palavra "saúde".
Penso que, após a assinatura do Acordo Económico e Social de 1990, toda esta matéria, que, neste momento, está reproduzida em legislação ordinária, é uma realidade e tem uma importância especial em termos de relações de trabalho.
Esta componente da saúde, que penso ser pertinente e adequada, é absolutamente essencial em termos de merecer tutela constitucional.

O Sr. Presidente: - Está à consideração a proposta no sentido do aditamento da expressão "e saúde" no final do texto da alínea c).
Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, em termos da evolução destes conceitos, até está correcto que se proponha que o texto passe a ser "As condições de segurança, higiene e saúde", embora falte uma referência ao ambiente no local de trabalho, mas consideramos que este aditamento valoriza a redacção actual.

O Sr. Presidente: - Registo, pois, que o Partido Socialista está de acordo com esta proposta.
Sr.ª Deputada Odete Santos, faça favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Da parte do PCP, também há adesão à proposta, até porque, mais adiante, nós próprios apresentámos uma proposta relacionada com isto mesmo.

O Sr. Presidente: - Registo, então, a adesão do PCP.
Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o PSD não desejaria ser desmancha-prazeres, mas peço o seu auxílio quanto ao que tem sido a nossa interpretação relativamente a outros artigos.
Nos últimos anos, tem havido uma evolução e uma explicitação da terminologia adoptada, mas, historicamente, o conceito de "higiene e segurança no trabalho" é exactamente aquilo de que, agora, todos estamos a falar. Portanto, sinceramente, não me parece que, tal como está, a Constituição esteja mal. Nos últimos anos, tem é havido alguma explicitação do conceito de "higiene e segurança no trabalho", nomeadamente em termos de denominação dos departamentos e dos regulamentos sobre esta matéria, acrescentando-se-lhe algumas outras palavras, como "saúde" e "ambiente".
No entanto, repito que não nos parece que nada disto esteja mal no actual texto constitucional, o qual tem que ver com a terminologia que era utilizada historicamente sobre esta matéria e penso que não perdeu actualidade.
O PSD não rejeita liminarmente a proposta, mas, com algum pragmatismo, entendemos que, aparentemente, não acrescenta nada na Constituição. Mas não "fechamos a porta", nesta primeira leitura.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, apenas quero esclarecer um pouco a intervenção do meu colega Marques Guedes.
Tenho por bem que a terminologia "higiene, segurança e saúde no trabalho" é utilizada sob esta forma. A este propósito, recordo mesmo o Ano Europeu da Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho, em 1992; a legislação refere-se a esta temática. Por conseguinte, a proposta tem em vista adequar a redacção à realidade da terminologia da legislação em vigor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, trata-se apenas de adequar a redacção à legislação comunitária que Portugal já subscreveu.
A actual formulação, sob o ponto de vista científico, data dos anos 30 e tem a ver com as doenças do tipo silicoses, tuberculose, etc. Ora, já "estamos noutra". Agora, é preciso entrar nos aspectos da segurança e da respectiva inclusão ao nível dos materiais do local de trabalho, etc.
Portanto, é só adoptar a legislação comunitária já transposta para o ordenamento jurídico nacional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Face a esta alínea da Constituição, dada a evolução que se verificou, como referiu a Sr.ª Deputada Elisa Damião, penso que se deveria considerar incluir a palavra "saúde". Entendemos que acrescentar a referência à saúde numa norma sobre o trabalho corresponde a uma tal evolução.
É que, antes, não interessava se a forma como estava organizado o trabalho estava adaptada ao trabalhador - como exemplo, temos a questão das linhas de montagem, a das tendinites que afectaram trabalhadores da Ford Electrónica, a da ergonomia, etc. Portanto, esta proposta corresponde à aquisição de um conceito que evoluiu.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * A questão das tendinites? Parece que era mentira.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Era mentira, era, Sr. Deputado…! Registo a sua defesa do Governo!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o vosso diálogo é extremamente cativante, mas avancemos com os nossos trabalhos.
Fica registada a adesão do PS e do PCP a esta proposta de aditamento à alínea c) e as objecções do PSD que, no entanto, não "fecha a porta" desde já.
Vamos passar à alínea d) para a qual apenas foi apresentada, pelo Sr. Deputado Francisco Martins, uma proposta de aditamento da expressão "de forma a facultar o descanso ao lado dos lazeres".
Sr. Deputado, tem a palavra, para defender o direito ao ócio.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, o nosso projecto de revisão constitucional está imbuído de uma componente laboral muito grande, por conseguinte, este aditamento que propomos não é um preciosismo. É que, mais do que o repouso, é necessário que o mesmo tenha subjacente facultar o descanso, tal como as férias, mais do que férias, têm em vista criar condições para o relaxamento dos trabalhadores. É esta a filosofia que está subjacente.
No caso desta proposta, queremos significar que o repouso deve realmente permitir ao trabalhador beneficiar do descanso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entendem que há que alterar a Constituição para incluir esta dimensão do conceito?
Sr.ª Deputada Elisa Damião, faça favor.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, penso que, nestas circunstâncias, a referência ao repouso colide com outras alíneas.
Lamentavelmente não fiz a proposta, mas ponho à consideração dos Srs. Deputados a inclusão da conciliação com a vida familiar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Em resposta à Sr.ª Deputada Elisa Damião, quero dizer…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, interrompo-o para chamar a atenção dos restantes Deputados. É que está a grassar uma indisciplina na discussão que tenho de atalhar.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Como dizia, em resposta à intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Damião, corroboro essa proposta que, de resto, faz parte do projecto da Associação das Mulheres Juristas - e não o esqueço.
Penso que esta proposta tem em vista criar condições mais adequadas para o convívio familiar e para que os trabalhadores e as trabalhadoras possam salvaguardar a unidade e a melhor vivência com o seu agregado familiar.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tal como actualmente está redigida, penso que esta alínea da Constituição já contém a ideia que o Sr. Deputado Francisco Martins quis explicitar na sua proposta.
No entanto, chamo-lhe a atenção de que, ao fazer a sua proposta relativamente ao direito ao repouso de modo a facultar o descanso e os lazeres, acabou por admitir que haja repouso nas empresas e que isso equivalesse a descanso. De facto, assim é.
Se, como nos parece que está previsto na lei da flexibilidade, vamos adoptar a questão do trabalho efectivo, do serviço efectivo (...)

(Por motivos de ordem técnica, não foi possível registar as palavras finais da oradora nem as intervenções do Sr. Presidente e dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Francisco José Martins (PSD), Luís Sá (PCP) e Elisa Damião (PS), que se lhe seguiram no uso da palavra, relativas ao n.º 1 do artigo 59.º - "Direitos dos trabalhadores".
De seguida, o Sr. Presidente interrompeu a reunião, eram 12 horas e 40 minutos.)

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos.

Eram 15 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quanto ao n.º 1 do artigo 59.º - "Direitos dos trabalhadores" -, pode informar-nos dos acordos feitos "nas costas" do Presidente?

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não foi "nas costas" do Presidente, mas na ausência do Sr. Presidente!
Sr. Presidente, se me permite, de facto, houve troca de impressões com o Partido Socialista, nomeadamente com a Sr.ª Deputada Elisa Damião. O PSD está receptivo a contemplar a matéria de que falámos durante a manhã não na alínea d) mas na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º e ousávamos fazer uma proposta no sentido de acrescentar, na parte final da alínea b), tal qual ela está redigida actualmente, "de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar".

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, estamos abertos à proposta, com o entendimento de que os objectivos que nos tinham levado a aceitar a inserção dessa questão na alínea d) serão igualmente realizados com a sua inserção na alínea b).

O Sr. Presidente: * A título de comentário, devo dizer que me parece uma solução feliz.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pedia-lhe que transmitisse por escrito a proposta que acabou de formular oralmente. Assim, poupa-me o trabalho de ser eu próprio a reproduzi-la.
Verificado o feliz sucesso da resolução do problema relativo ao n.º 1 e respectivas alíneas, passamos ao n.º 2 do artigo 59.º.
Mais uma vez, quanto ao proémio, só o projecto de que é subscritor o Sr. Deputado Francisco José Martins apresenta uma alteração.
Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, a alteração versa tão-somente a expressão "condições mínimas", portanto não se trata de uma mudança substancial.
Em direito laboral, tal como na lei geral, regulam-se direitos mínimos e, naturalmente, a Constituição deve ter essa preocupação, a de estabelecer as bases gerais e o que é mínimo, sem prejuízo de a legislação ordinária poder estabelecer melhores garantias para os trabalhadores, desde que não contrarie a Constituição.
Esse é o espírito da alteração que proponho.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o que está em causa é o acrescento da palavra "mínimas". Ou seja, onde se estatui: "Incumbe ao Estado estabelecer as condições de trabalho (…).", passaria a constar: "Incumbe ao Estado estabelecer as condições mínimas de trabalho (…)".
Os Srs. Deputados que se queiram pronunciar sobre esta proposta, façam favor. Recordo que o que está em causa é apenas o proémio do n.º 2, e não as alíneas, às quais passaremos a seguir.

Pausa.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, ninguém é obrigado a tomar posição, mas interpretarei o vosso silêncio como falta de acolhimento para a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, creio que se percebe o sentido da proposta, mas ela excede, provavelmente, até as intenções dos proponentes, uma vez que nas várias alíneas do n.º 2 (incluindo as alíneas alteradas pela própria proposta) são versadas matérias como a protecção das grávidas, o trabalho dos menores, dos diminuídos, das pessoas que trabalham em condições insalubres, tóxicas ou perigosas, etc., e em muitos desses domínios não se trata apenas de estabelecer condições mínimas, suponho. Embora os mínimos sejam imprescindíveis e um dos limiares possíveis de actuação do legislador.
Mas o sentido desta norma, que fixa incumbências do Estado, pode ter um alcance mais vasto do que aquele que decorreria de uma interpretação minimalista da alusão à palavra "mínimas".
Portanto, francamente não vejo que, por exemplo, em relação à protecção dos trabalhadores emigrantes ou das grávidas, etc., caiba ao Estado fixar as condições "mínimas" neste sentido. A não ser que a proposta não se distinga muito do alcance actual da lei, do texto constitucional, caso em que, francamente, não se vê grande utilidade na obra. Pareceria, nessa acepção, preciosista. Na outra é equívoca e, no limite, redutora.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, não vemos vantagens na introdução desta alteração, além do mais porque - e certamente não foi essa a intenção, sobretudo tendo em conta outras propostas dos autores - até seria possível interpretar este acrescento como significando uma intenção ou um resultado de uma desregulamentação das relações de trabalho. Creio que as outras propostas dos mesmos proponentes até nem apontam nesse sentido.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Francisco Martins, parece que não convenceu os Srs. Deputados. A questão está ultrapassada: não houve acolhimento da proposta em discussão.
Vamos passar à alínea a) do n.º 2.
Para a alínea a) do n.º 2 existem propostas do PCP, do PSD e dos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD, a quem darei a palavra por esta ordem.
A actual alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º da Constituição estatui o seguinte: "O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, (…)". O PCP propõe que passe a constar: "O estabelecimento, a actualização e a valorização em termos reais do salário mínimo nacional, (…)"; o PSD propõe que a alínea a) refira, pura e simplesmente, "O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional;", eliminando a segunda parte - "tendo em conta, entre outros factores, (…)"; e os Deputados Arménio Santos e outros propõem que passe a constar: "Pela fixação e actualização periódica do salário mínimo nacional" e, mais à frente, substitui a expressão "desenvolvimento das forças produtivas" por "desenvolvimento da economia".
Srs. Deputados, seguindo esta ordem, tem a palavra para apresentar a proposta do seu partido o Sr. Deputado Luís Sá.

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O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, creio que esta proposta do PCP tem um objectivo claro. Não se trata apenas de consagrar o princípio de que o salário mínimo deve ser actualizado mas, também, de sublinhar que esta actualização deve ter em conta, por um lado, uma actualização não apenas em termos nominais mas, também, em termos reais e, por outro lado, que se deve caminhar para uma valorização em termos reais e não, naturalmente, no sentido de uma desvalorização, de uma diminuição da participação do trabalho no rendimento nacional e de uma diminuição em termos reais do salário mínimo, situação que se tem verificado.
É evidente que entendemos que o princípio da actualização do salário mínimo nacional não pode ser compreendido em termos meramente nominais; tem de ser compreendido também em termos reais. A nossa proposta teria a vantagem de, por um lado, sublinhar esse princípio e, por outro lado, de introduzir uma perspectiva dinâmica, isto é, uma perspectiva de que não deve haver apenas uma mera actualização - esse poderia ser, eventualmente, o objecto de algumas compreensões - mas, pelo contrário, uma progressão de crescimento em termos reais.

O Sr. Presidente: * Para apresentar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que visa eliminar toda a segunda parte da norma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, a segunda parte da norma (como o Sr. Presidente lhe chama) pretende apenas densificar, embora não taxativamente, os aspectos que devem ser levados em conta pelo legislador no estabelecimento do salário mínimo nacional. Ora, uma vez que nem sequer é taxativo, porque são estes como podem ser outros, ou mais outros, o PSD entende que não há vantagem em constar toda esta redacção no articulado da Constituição.
Nesse sentido, a nossa proposta tem apenas o intuito de uma maior simplificação. Hoje, o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional passa já, necessariamente, pela concertação em sede do Conselho Económico e Social, onde estes, como outros aspectos e outros critérios, são levados à consideração por força dos interesses que estão representados nesse mesmo Conselho.
Portanto, entendemos que com esta eliminação não há perda em relação ao actual texto constitucional, precisamente por já haver um Conselho Económico e Social que tem este tipo de competências e onde estão representados todos os interesses. Aliás, poderá haver alguma desactualização do actual texto, no sentido de poder haver já, hoje em dia, outro tipo de critérios e de requisitos à luz dos quais a análise e o estabelecimento do salário mínimo nacional e respectiva actualização é decidida.
Esta proposta do PSD, repito, tem apenas o intuito de simplificar, mantendo o actual estado de coisas, isto é, de consulta do Governo ao Conselho Económico e Social, onde todo o tipo de critérios e requisitos podem ser encontrados e utilizados para tentar estabelecer este valor. É apenas esse o contexto e o alcance da proposta do PSD.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins, para fazer a apresentação da sua proposta.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Sr. Presidente, a nossa proposta não altera, de sobremaneira, o texto actual. Por um lado, propõe a alteração da palavra "estabelecimento" pela palavra "fixação" da actualização do salário mínimo nacional, adequando o que pensamos ser o espírito e a linguagem da própria Constituição, e, por outro lado, porque se entende ser mais amplo o alcance, substitui "o nível de desenvolvimento das forças produtivas" pelo "nível de desenvolvimento da economia", como pressuposto dessa actualização do salário mínimo nacional.
São tão-somente estas duas propostas que apresentamos e os pressupostos são estes.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a primeira alteração visa estabelecer uma ideia de periodicidade à actualização e a segunda visa substituir "forças produtivas",…

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * …, por "desenvolvimento da economia", Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * … esse conceito "carregado"! Mas não propõe a substituição da expressão "acumulação para o desenvolvimento" e, pela mesma lógica, deveria ter substituído também essa expressão.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): * Provavelmente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: *Isto para dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, se calhar, não disse todas as razões que levaram à eliminação da segunda parte.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Disse, disse, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estão à consideração estas três propostas: a do PCP, a do PSD e a dos Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD.
A proposta do PSD desconstitucionaliza os critérios de fixação do salário mínimo; a do PCP acrescenta a ideia de uma valorização em termos reais do salário mínimo e, por fim, a do Deputado Francisco José Martins e outros acrescenta a ideia da actualização periódica, para além de uma alteração conceptual. Estão devidamente elencadas as propostas objecto de discussão.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sr. Presidente, em relação à proposta do PCP, penso que a actualização contempla a indexação - e não só - do salário mínimo, e a introdução da obrigatoriedade de esta actualização ser periódica parece-me positiva.
Também me parece razoável a substituição da expressão "forças produtivas" pela palavra "economia".

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, tal significa objecções à proposta do PCP, adesão à proposta do Sr. Deputado Francisco Martins e que não acompanha a proposta do PSD…?

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): * Sim, Sr. Presidente. Peço desculpa se não fui clara.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, queria apenas formular uma pergunta à Sr.ª Deputada Elisa Damião.
Independentemente da interpretação que possamos fazer acerca da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º - e bem gostaríamos que tivesse vingado o entendimento de que a actualização deve ser não apenas uma actualização em termos reais mas, também, uma obrigação de valorização -, perguntava à Sr.ª Deputada, que tem particulares conhecimentos nesta matéria devido à sua ligação ao mundo do trabalho, se pensa que o entendimento que prevaleceu na sociedade portuguesa, ao longo dos últimos anos, foi no sentido de que havia uma obrigação de valorizar em termos reais o salário mínimo nacional. E, como certamente dirá que não foi esse o entendimento que prevaleceu, face à prática que se verificou, pergunto se teria ou não utilidade este tipo de norma, independentemente de não querermos favorecer, como é natural, qualquer interpretação a contrario resultante da rejeição das nossas propostas.
De qualquer modo, pergunto-lhe concretamente qual foi, na sua opinião, o entendimento que prevaleceu na sociedade portuguesa nesta matéria.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O Sr. Deputado tem razão, mas é da própria Constituição que decorre o entendimento que os sucessivos governos fizeram. A meu ver, o resto da norma condiciona essa actualização ou valorização que nem sempre a economia permite, mas a verdade é que isso está aqui e foi esse o argumento dos Governos. É evidente que não foi sempre esse o entendimento dos portugueses, mas, realmente, o conceito de actualização implica uma valorização por referência ao salário médio.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite faria outra pergunta complementar.

O Sr. Presidente: * Talvez fosse preferível dar a palavra a outro Sr. Deputado e, depois, deixá-lo fazer essa pergunta, Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, queria referir-me a uma questão que foi abordada, mas à qual gostaria de voltar por um outro ângulo. Aliás, a motivação desta observação liga-se mais de perto à proposta do PSD, que não foi ainda contemplada pela Sr.ª Deputada Elisa Damião neste ponto.
É inteiramente óbvio que há determinados preceitos que não mitificamos quanto ao seu alcance. Não estamos a fazer um comício, estamos a fazer hermenêutica jurídica e jurídico-constitucional e estamos cientes de que o artigo que estamos a analisar não esgota todos os factores a ter em conta na fixação do salário mínimo nacional, já que não menciona factores internacionais e internos que hoje são relevantes para esse efeito, não define sequer a ponderação relativa de cada um dos factores que menciona e, portanto, a liberdade de um legislador é enorme neste domínio. Mas também não relemos a Constituição à luz de práticas que não são obrigatórias e que historicamente podem ser substituídas, como hoje em dia está a acontecer.
Não temos "fantasmas" nesta matéria! A norma vale o que vale, nem mais nem menos! Não estamos, portanto, apegados a símbolos e menos ainda à "ganga linguística" ou à metalinguagem de um determinado tempo histórico e gostaria que isso ficasse inteiramente claro, ou mais claro ainda.
Mas, como a Sr.ª Deputada Elisa Damião sublinhou, há coisas que se situam num outro ponto de densificações precisas. A alusão à periodicidade é uma densificação precisa e rigorosa e, portanto, essa mereceria, sem dúvida nenhuma, apoio, já que é um acrescento de utilidade nítida. Noutras matérias, o acrescento gera incerteza. Ou seja, recusamo-nos a fazer uma interpretação redutora do conceito de actualização e, portanto, nunca o interpretaremos como não incluindo ou não apontando para valorizações do salário mínimo. Como tal, não vemos nenhuma necessidade em acrescentos que, ao serem incluídos, teriam de acrescentar outras coisas.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a referência à actualização periódica pode ser uma densificação útil, embora não compreenda nenhuma actualização que não seja periódica. De qualquer modo, poderemos acompanhar sem qualquer dificuldade esta densificação.
Quanto à referência à valorização em termos reais do salário mínimo nacional, é preciso ter em atenção que os critérios para a actualização têm de ser lidos no seu conjunto. O que é verdade é que a degradação do salário mínimo não resultou - e creio que este aspecto é inequívoco -, por exemplo, de exigências de estabilidade económica e financeira ou de acumulação para o desenvolvimento. Verificou-se - e mais uma vez digo que este facto é inequívoco - uma constante diminuição da participação dos salários e dos rendimentos dos trabalhadores no rendimento nacional. Este aspecto, creio eu, é unanimemente reconhecido.
O problema foi que, em contradição com estes critérios tomados no seu conjunto, esta norma não foi cumprida. A meu ver, o problema não se põe na avaliação das densificações que são necessárias porque a prática foi criada em determinados termos e está agora em vias de ser rectificada. Não discuto essa questão! Não estou, efectivamente, num comício e, portanto, não vou dizer se essa prática está ou não está prestes a ser rectificada. O que me parece importante é que as alterações a introduzir acautelem os direitos fundamentais e os direitos dos trabalhadores em relação a todo e qualquer governo, por melhor ou pior que seja esse governo ou a sua prática. Esta matéria não pode ser "conjunturalizada" e não podemos remeter a apreciação da utilidade de uma determinada densificação para o argumento que diz que agora já há outro governo, pelo que as violações que ocorreram já não se verificarão. A prova de que esta possibilidade pode acontecer é o que se verificou ao longo do tempo e os acontecimentos políticos encarregar-se-ão de mostrar que tal se pode voltar a verificar.
Há, no entanto, uma declaração que me parece evidente. É que nesta matéria, como noutras, a rejeição de qualquer

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proposta como esta não pode ser objecto de uma leitura a contrario, dizendo-se que do que entendemos da norma, tal como está, tomando estes critérios no seu conjunto, não resulta a obrigação de valorizar o salário mínimo em termos reais. O que não significa, de forma nenhuma, que a própria vida não tenha demonstrado a utilidade de densificações como esta.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, há, no entanto, um problema juridico-constitucional que é importante esclarecer.
A aprovação da norma proposta do PCP não implicaria a inconstitucionalidade da actualização do salário mínimo que não implicasse um aumento acima da inflação? Ou seja, dessa norma não decorreria uma obrigatoriedade de actualizar o salário mínimo acima da inflação? Assim sendo, todo o Governo ficaria impossibilitado de invocar em qualquer ano quaisquer dificuldades! Teria sempre, necessariamente, ano a ano, de acrescentar 1% ou 2% à inflação na actualização do salário mínimo, sob pena de inconstitucionalidade.

O Sr. José Magalhães (PS): * Pelo menos 0,01%!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, isso poderia implicar, eventualmente, a ideia de que, em obediência ao princípio da justiça e ao princípio da igualdade, deveria haver outros rendimentos em situações de dificuldade mais sacrificados que o salário mínimo nacional. É evidente que sim!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, as palavras dizem o que dizem! Valorização real quer dizer acréscimo do poder de compra em termos reais. Mesmo em casos de diminuição absoluta do Produto Nacional Bruto, o Estado ficaria obrigado a aumentar a cota do salário mínimo.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Eventualmente em sacrifício de rendimentos mais elevados!

O Sr. Presidente: * De todos!
Srs. Deputados, se me é permitida uma conclusão, diria que o Sr. Deputado Francisco Martins mostrou abertura para a ideia da fixação periódica, embora o PSD não se tenha pronunciado até agora explicitamente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, não vemos inconveniente nenhum. Parece-nos é que o conceito de actualização já tem a lógica de periodicidade.

O Sr. Presidente: * Também me parece.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não concebemos uma actualização à luz de outra lógica. A actualização obedece sempre a uma lógica de periodicidade.
Quanto à segunda parte, mantenho um pouco a posição inicial do PSD. É evidente que preferimos que os critérios não sejam densificados na Constituição a ponto de poder daí resultar algum empecilho, por via de um conceito redutor ou do que quer que seja, para a fixação livre, em termos de concertação, destas matérias. Se não for esta a posição a obter maioria, desde já manifestamos que concordamos com a substituição da expressão "desenvolvimento das forças produtivas" por "desenvolvimento da economia", como é evidente. Quanto à parte final, onde se fala em "acumulação para o desenvolvimento", sugeriríamos, então, que se tentasse reflectir em conjunto para, na formulação definitiva, se encontrar um termo que tocasse nas duas questões do desenvolvimento, ou seja, no que respeita ao estádio de desenvolvimento e no que concerne às necessidades da sua promoção. Proponho, portanto, que se encontre uma formulação que não repita, como aqui se faz em pontos distintos, a questão do desenvolvimento.

O Sr. Presidente: * Concluindo, há falta de acolhimento para a proposta do PCP, há acolhimento com reserva do Sr. Deputado Francisco Martins para a ideia da actualização periódica e há um "não, mas…" do PS à ideia de reformulação da segunda parte da alínea. Suponho que traduzi bem a ideia do Sr. Deputado José Magalhães e da Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, penso que traduziu perfeitamente. Não vale a pena insistirmos neste tema!

Pausa.

O Sr. Presidente: * O PCP não se exprimiu, não tomou posição expressa quanto à proposta do PSD, no sentido de eliminar toda a segunda parte. Pergunto-lhes, portanto, se se opõem.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta as intervenções feitas sobre esta alínea e a proposta do PCP, opomo-nos!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passaremos, então, à alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º, para a qual existe uma proposta do PCP e outra do PSD.
A actual alínea b) diz o seguinte: "A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho". O PCP propõe que esta alínea passe a dizer "A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho, reduzindo-os progressivamente", enquanto o PSD propõe que, neste ponto, a Constituição passe a dizer "A fixação dos limites da duração do trabalho", retirando a referência ao "nível nacional".
Têm a palavra os respectivos proponentes, começando pelos Deputados do PCP. Faça favor, Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como é óbvio, o PCP entende que deve ser reforçado um princípio, que penso ser natural e decorrente da própria evolução tecnológica, que é o princípio da redução progressiva de horário de trabalho. Assim, a proposta de alteração vai no sentido do reforço dessa ideia de que o horário de trabalho deve ser progressivamente reduzido.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a proposta de eliminação da referência "a nível nacional".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, fundamentalmente, na própria economia deste n.º 2, que

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tem várias alíneas, esta é a única que fala no "nível nacional", dando a ideia de que tudo o resto que está nas restantes alíneas não seria a nível nacional. Parece-nos que o que está aqui em causa é uma incumbência do Estado à fixação de limites da duração do trabalho. Como tal, dizer aqui "a nível nacional" e não dizer, por exemplo, "a nível nacional" na protecção especial do trabalho das mulheres pode dar a entender que, no que respeita a este último ponto, o Estado não teria de actuar a nível nacional, mas apenas numa parte do País.
Assim, é mais por uma questão de uniformização da linguagem adoptada que o PSD propõe isto, porque a redacção actual não parece fazer sentido.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, começo por me referir à proposta do PSD, dizendo que até concordaria com o Sr. Deputado se não tivesse sido presente à Comissão de Trabalho uma proposta adoptada por unanimidade pela Assembleia Regional da Madeira, propondo já as 40 horas. De facto, creio que compete ao Estado estabelecer os limites do horário de trabalho a nível nacional e que o desaparecimento desta incumbência causaria perturbações e desequilíbrios.
Quanto à redução progressiva, concordo com os pressupostos, mas penso que dar-lhe uma referência constitucional implica que esta redução progressiva se faça pela via legislativa. Ora, só concordo com o recurso à via legislativa desde que a contratualização não atinja esses objectivos. Como tal, parece-me perigoso colocar uma norma deste tipo.

O Sr. Presidente: * O que está em aqui causa é exactamente a fixação legislativa de limites… O que se procura saber é se deve haver ou não uma obrigação constitucional de redução, isto é, de o legislador ficar vinculado constitucionalmente a ter de progressivamente reduzir. É esta a questão que está em causa, a vantagem ou pertinência de o fazer.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Há vantagens, mas…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não concordamos com a eliminação da expressão "a nível nacional". Penso que a expressão está aqui para dizer que não pode haver regiões do País com horários mínimos ou máximos estabelecidos por lei de forma diferenciada. No entanto, o exemplo que a Sr.ª Deputada Elisa Damião deu não é um exemplo correcto, porque o que vinha na proposta da Assembleia Legislativa da Madeira não era só para a Madeira, mas, sim, para todo território nacional. Portanto, a proposta que foi feita não infringia sequer esta alínea.
Em relação à questão da redução progressiva, só chamaria a atenção para que quando se fala por via… Aqui não se remete para a lei, mas é óbvio que teria de ser através de lei. Por isso, é preciso ter em atenção que esta teria de ser uma lei da duração do horário de trabalho que definisse periodicamente essa redução progressiva.

O Sr. Presidente: * Assintoticamente para zero, Sr.ª Deputada Odete Santos?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como?

O Sr. Presidente: * Assintoticamente para zero?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para zero?! Ó Sr. Presidente, essa pergunta, se calhar, pode ser colocada no ano 3000!…

O Sr. Presidente: * Eu disse assintoticamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No ano 3000, quando as máquinas estiverem a fazer tudo!

O Sr. Presidente: * Como sabe, as assíntotas encontram-se no infinito!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, essa também é uma pergunta utópica.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, apercebi-me durante o debate de que haveria uma precisão possível a fazer. Havendo um objectivo - o qual coloca o problema que o Sr. Presidente enunciou, mas que talvez seja resolúvel -, se houver uma cisão entre o enunciar do objectivo e a fixação do método e se quanto ao método não houver a imposição de uma metodologia única, unilateral, coactiva e com força legal para atingir esse resultado, talvez a discussão se pudesse fazer em termos mais construtivos.

O Sr. Presidente: * Mas do que estamos aqui a tratar, Sr. Deputado José Magalhães, é das incumbências do Estado, dos deveres de acção do Estado, e não me parece que essa cisão seja pertinente e que, assim, fossemos a algum lado. Do que se trata é de saber se deve haver uma directiva constitucional ao Estado para que ele fixe, por via legislativa, limites progressivamente menores para o trabalho.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, se me permite…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Neste momento, há uma directiva para fixar os limites.

O Sr. Presidente: * Essa já cá está! Ninguém propôs a sua eliminação!

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas não era isso que eu estava a dizer, Sr. Presidente, e suponho que não era isso que o Sr. Deputado Luís Sá estava a sugerir. É que além da fixação, ou seja, do comando com força de lei de uma determinada solução legal e de um determinado montante, de um determinado número, de um determinado horário, há a possibilidade de incluir comandos enquadradores ou directrizes que envolvam a acção complementar de outras forças, designadamente da concertação e da beneficiação.
Isso ainda é lei, quand même, e pode ser uma incumbência do Estado. Aliás, quando o Estado age para conseguir resultados de concertação social está a agir no

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quadro das suas funções constitucionalmente fixadas, distinguindo-se esta actuação da fixação por lei de um número sagrado, prescindindo de vias negociais, que era o que impressionava a Sr.ª Deputada Elisa Damião, e com razão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso colocar uma questão ao Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, por favor! Estamos a "encanar a perna à rã"! Quero resposta para duas questões muito simples. Há duas propostas, uma das quais propõe a eliminação da expressão "a nível nacional". Quero posições dos partidos sobre esta proposta do PSD. O PCP já disse que não aceita a proposta! O que diz o PS?

O Sr. José Magalhães (PS): * Não se encontrando uma solução, Sr. Presidente, não!

O Sr. Presidente: * O PS diz que não!
E quanto à proposta do PCP relativa à redução dos limites legais do horário de trabalho?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD não a aceita, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: * O PSD diz "não"! E o PS? Reserva para mais tarde uma posição? Diz "não, mas…"? Diz "sim, mas…"? Diz "não, de todo em todo"? Diz "sim, de todo em todo"?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Essa escala de graduação, Sr. Presidente, deixo à sua imaginação!

O Sr. Presidente: * Prefiro a mais simples, que é a da reserva de posição.
Srs. Deputados, quanto à alínea c) do n.º 2 do artigo 59.º não há propostas, nem do Sr. Deputado Francisco Martins!

Risos.

No entanto, quanto à alínea d), há uma proposta de eliminação do CDS-PP, partido que não está aqui representado de momento. Alguém adopta a proposta do CDS-PP, de eliminação da alínea d) do n.º 2 do artigo 59.º? Relembro que, actualmente, esta alínea diz o seguinte: "O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com as organizações sociais;". Ninguém adopta esta proposta?

Pausa.

Parece que não!
Quanto à alínea e), há, mais uma vez, uma proposta de simplificação do Sr. Deputado Francisco Martins, a quem dou a palavra.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente! Pretende-se a simplificação desta alínea, que, segundo propomos, apenas dirá "Pela protecção dos trabalhadores emigrantes".
Esta alínea enquadra-se no n.º 2, em que se determinam algumas incumbências do Estado no sentido de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso. Por conseguinte, pensamos que a redacção que propomos é bastante, porque o enquadramento é claro e inequívoco e não se justifica repetir a referência às condições de trabalho e garantias dos benefícios sociais. O que se pretende, realmente, é salvaguardar e estabelecer uma incumbência do Estado em assegurar a protecção dos trabalhadores emigrantes e basta essa redacção para se atingirem os objectivos.

O Sr. Presidente: * A proposta está feita. Por um lado, é mais ampla e, por outro lado, menos específica do que a redacção que actualmente existe.
Srs. Deputados, está à consideração a proposta do Sr. Deputado Francisco Martins, para a alínea e) do n.º 2 do artigo 59.º.

Pausa.

O silêncio significa não aceitação?

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, significa que há uma redução nítida da margem de normação constitucional, do conteúdo material da Constituição neste ponto, na fixação das incumbências. Sendo certo que os métodos de protecção podem variar e têm de respeitar os enquadramentos internacionais apropriados, distinguindo-se, em muitos aspectos, daquilo que é possível no terreno e no âmbito de ordem jurídica interna, as obrigações seriam reduzidas e restringidas por esta via.
Em suma, não vemos vantagem em fazê-lo.

O Sr. Presidente: * E os Srs. Deputados do PCP?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso que há aqui, pese embora a explicação que foi dada para a proposta, alguma redução ao inserir-se no "vago", sem a garantia dos benefícios sociais, apenas a protecção das condições de trabalho.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Francisco Martins, talvez seja razoável não insistir na proposta. Não creio que tenha sido feliz.

Pausa.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos agora às propostas de aditamento ao artigo 59.º. O PCP propõe um novo n.º 3, a exemplo do que faz também o Sr. Deputado Francisco Martins.
Vamos por partes! Discutiremos primeiro a proposta do PCP, que prevê a inclusão de um novo n.º 3, que diz o seguinte: "No domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho, o Estado assegura aos trabalhadores (…)". Seguem-se a isto três alíneas que me dispenso de ler.
Têm a palavra os Deputados proponentes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): * Sr. Presidente, entendemos que em relação a esta questão da segurança, higiene e saúde no trabalho a Constituição não está suficientemente densificada e que deveria consagrar os princípios fundamentais que estão na lei de higiene,

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segurança e saúde de trabalho - que transpusemos para a alínea a) - e ainda uma garantia constitucional relativamente a um problema muito sentido na sociedade portuguesa, que é a questão das vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Entendemos também que devia ser constitucionalizada a própria participação dos trabalhadores relativamente às políticas que têm a ver com a prevenção de riscos profissionais, estabelecendo-se uma garantia constitucional para os representantes dos trabalhadores nas comissões de higiene e segurança no trabalho. Refiro-me, como calculam, à garantia de que estes representantes gozam da mesma protecção legal dos delegados sindicais, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão esta proposta de aditamento a todo o número sobre as garantias em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos acabados de ver.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Tal como a Sr.ª Deputada Odete Santos disse, estes princípios já estão consagrados em lei, se bem que, infelizmente, não sejam efectivados.
Na realidade, não sei se a sua constitucionalização traz grandes avanços, mas, em todo o caso, falta um princípio que já está consagrado na lei e que tem gerado equívocos. Refiro-me à alínea b), em que se diz "Assistência e reparação adequadas (…)". Ora, eu penso que é necessária uma precisão, estatuindo-se que a assistência e reparação adequadas visam a reintegração na vida activa de vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Digo isto porque o que as seguradoras têm entendido é que a reparação passa apenas pela indemnização e cura. Para nós, a reparação visa também a reintegração do trabalhador.

O Sr. Presidente: * Isso quer dizer que o PS adopta e melhora a proposta do PCP?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, nós não vemos vantagens nesta proposta, visto que já há legislação sobre esta matéria. No entanto, a ser consagrada, se houver consenso nesse sentido, então que se consagrem os princípios da forma perfeita.

O Sr. Presidente: * A proposta continua aberta à consideração.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, permite-me uma pergunta genérica?

O Sr. Presidente: * Claro, Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Qual é o acrescento desta fórmula à interpretação do que está na Constituição?

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, entendemos que uma coisa é esta matéria estar na lei ordinária e outra coisa é estar na Constituição. Ficando aqui estes princípios, estas incumbências por parte do Estado, qualquer lei, nomeadamente em relação à questão dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, teria de respeitar este princípio da assistência e reparação adequada que, de qualquer maneira, não é o que existe hoje.
A diferença é esta. É que estar na Constituição obriga o legislador ordinário a conformar-se com estes princípios.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, as consequências jurídicas de criar uma espécie de "Constituição da higiene e segurança", desenvolvendo largamente o que decorre do artigo 59.º, n.º 1, alínea c), são inteiramente evidentes. No entanto, estas consequências têm corolários que, provavelmente, não são desejáveis. Ou seja, se desenvolvêssemos a "Constituição da higiene e segurança" e não desenvolvêssemos de forma proporcionada e similar a "Constituição da formação profissional", a "Constituição da reciclagem", a "Constituição da abertura às novas tecnologias", a "Constituição do pleno emprego", etc., criaríamos verdadeiros enclaves cuja proporcionalidade teria de ser explicada numa óptica de boa e recta escrita constitucional.
Foi essa a razão pela qual, aliás, não propusemos formalmente nenhuma alteração neste domínio, ainda que nos reconheçamos em muitas benfeitorias possíveis nesta matéria. É preciso ter em atenção, contudo, que estas benfeitorias criam problemas que não são fácil e airosamente ultrapassáveis em termos de proporção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quais problemas?!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, sem prejuízo da legislação ordinária que existe sobre a matéria, que penso que salvaguarda já, e muito, estes direitos, é bom que tenhamos presente que já a alínea c) do n.º 1 deste mesmo preceito estabelece o direito de os trabalhadores prestarem a sua actividade em condições de higiene e segurança e, a partir de agora, presumo, saúde no trabalho. Creio que o direito está estabelecido e é inquestionável.
Em suma, a legislação ordinária existente neste momento, que é actual e eficaz, não justifica, na nossa óptica, a alteração proposta.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, só queria acrescentar que a alínea c) não estabelece esta incumbência do Estado de dar formação e informação adequada aos trabalhadores, nem a assistência e reparação adequadas às vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais, nem estas garantias dos representantes dos trabalhadores nas comissões de higiene, saúde e segurança no trabalho. Estes são problemas extremamente sentidos não só na sociedade portuguesa.
Neste ponto há todas as razões para se densificar a Constituição, mais do que outros que atrás aparecem como preciosismos.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, depois do que acabámos de ouvir, penso que o que a proponente quer dizer com a expressão "o Estado assegura" é que é o Estado que tem de garantir estes direitos, e não por intermédio das empresas. Ou seja, é o próprio Estado que, directamente, tem de assegurar estes direitos. Pergunto se é este o alcance da norma.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, é evidente que o Estado é quem deve assegurar estes direitos, porque as empresas (já sabemos) não asseguram, nomeadamente nem sequer indicaram os seus representantes para as comissões de higiene, saúde e segurança no trabalho, impedindo-as de funcionar.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, a lei actual diz que é da responsabilidade dos empregadores assegurar aos trabalhadores formação e informação adequada, equipamento, protecção e condições de trabalho. Isto responsabiliza o empresário e o investimento instalado.
Em todo o caso, a lei prevê que o Estado conceda a ambos um benefício temporário para ultrapassar as carências que temos em termos de formação.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, permita-me uma pequena observação. Como tenho dito várias vezes, se de alguma coisa sofre esta parte da Constituição é de demasiada sobrecarga, por isso, em princípio, sou contra estar a sobrecarregá-la ainda mais, a não ser que se verificasse absoluta necessidade.
Assim, o facto de esta proposta não ter vencimento não me causa nenhuma pena.
No entanto, há um pequeno aspecto que talvez houvesse vantagem em considerar, porque tem sido questionado - o que é lamentável - o direito das vítimas de acidentes e doenças de trabalho a indemnização e reparação.
Nesse sentido, perguntava à Sr.ª Deputada proponente se está disponível para me acompanhar na redução da sua proposta a um pequeno acrescento na alínea c) do n.º 1. Assim, ao texto "a prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde", tal como foi aprovado esta manhã, acrescentar-se-ia o direito das vítimas "à reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais". Creio que este é, aliás, o cerne da sua proposta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que esse acrescento já seria um ganho importante em termos da Constituição.

O Sr. Presidente: * Se apoia essa minha sugestão, está aberta a discussão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, apoio essa discussão, mas espero que ela venha a ser aprovada, caso contrário mantenho a minha proposta por inteiro!

Risos.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, essa posição não me parece tacticamente muito razoável, porque já viu que ela não tem virtualidades para seguir em frente. Talvez haja vantagem em convolá-la em algo que valha a pena.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, já dei a minha opinião. É um ganho para a Constituição que tal venha a ser consagrado.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração esta via super-reduzida, de aproveitamento de uma parte que me parece razoável da proposta do PCP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, se os Srs. Juristas dizem que é uma densificação… Eu gosto de algumas densificações quando não excessivas. Em todo o caso, chamava a atenção para esta concepção de reparação, que não pode ter assistência nem adjectivação sob pena de ser redutora. A reparação implica integração do trabalhador, etc.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, penso que deve haver uma separação de poderes entre a Constituição e a lei, e devemos manter essa cultura constitucional. A Constituição deve manter-se numa adequada e rigorosa afirmação de princípios e garantias suficientemente claras; depois, o concreto deve pertencer ao foro da lei.
Não iria mais além do que o que propus.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Nesse caso, importa-se de repetir o que propôs, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada, propus que à actual alínea c) do n.º 1 se acrescentasse o seguinte: "incluindo o direito à reparação para as vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais". Portanto, não ficaria como dever do Estado mas, sim, como direito dos trabalhadores. Aliás, o enquadramento filosófico passaria a ser outro.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, já disse que entendo que essa é uma melhoria importante no texto constitucional.

O Sr. Presidente: * Pergunto se o PSD adere a esta proposta ou se, pelo menos, para já não fecha a porta.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não fechamos a porta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Parece-me razoável não se fechar a porta a esta fórmula, sinceramente.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Eventualmente, talvez haja utilidade nessa fixação, Sr. Presidente. No fundo, parece-me que é uma explicitação, e não uma inovação constitucional, dizer que alguém tem direito à reparação, e a uma justa reparação, pelos danos que sofre no trabalho por conta de outrem. Tal resulta já da Constituição.
Em todo o caso, pode haver alguma vantagem em deixar esse direito explicitado. Mas gostaria de ver uma formulação já redigida - ficamos, por isso, à espera.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi a indicada pelo Sr. Presidente!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Aguardaria uma melhor formulação.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, para já ficaríamos com a formulação que sugeri, sob reserva de melhor fórmula.
No fundo, esse direito apareceria já não como obrigação do Estado mas, sim, como direito dos trabalhadores, o que seria uma melhoria em relação à própria proposta do PCP. Assim, onde na alínea c) do n.º 1 se estatui o direito à "prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde", tal como aprovámos esta manhã, acrescentar-se-ia: "incluindo o direito à reparação por parte das vítimas de acidentes ou doenças profissionais".
Arremataríamos para já, sob reserva de melhor formulação.
Sr.ª Deputada Odete Santos, nesta base, o PCP aderiria também a esta fórmula… Aliás, o PCP faz sua a proposta, porque continua a ser uma proposta do PCP sob sugestão do Presidente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, temos ainda uma proposta de aditamento de um n.º 3, apresentada pelos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD, que é do seguinte teor: "O Estado garantirá a protecção das condições de trabalho prestado por trabalhadores-estudantes (…). Trata-se, portanto, de uma norma especial para os trabalhadores estudantes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Presidente, esta proposta de aditamento é relativa a uma matéria que me parece extremamente importante.
A nível nacional, há sensibilidade em relação à importância que têm os trabalhadores-estudantes, quer pela existência de legislação ordinária, quer através das próprias convenções colectivas de trabalho. Entidades empregadoras e empregados têm conseguido, em associações sindicais, chegar a consenso e aceitar como positiva a fixação e o estabelecer garantias para os trabalhadores-estudantes.
Vivemos num País onde a formação profissional e a valorização dos recursos humanos é uma prioridade indiscutível. Parece-me, pois, curial defender esta proposta no sentido de estabelecer uma garantia do Estado para promover e apoiar a própria protecção do Estatuto do Trabalhador-Estudante.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão proposta de aditamento de um novo n.º 3, sobre os trabalhadores-estudantes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, confesso que, a propósito desta matéria, nunca tinha lido as principais Constituições comunitárias e verifiquei com desagrado que a nossa é a mais longa, criativa e exaustiva.
Não me oporia a esta proposta de aditamento, mas a seguir reivindicava um conjunto de estatutos também dignos e igualmente justos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em vez de uma intervenção iria fazer mais uma reflexão em voz alta.
Por um lado, tem havido muitas objecções, até da parte do Sr. Deputado Francisco José Martins, nomeadamente em relação à proposta anterior do PCP, no sentido de que não haveria necessidade alguma de transpor para a Constituição os princípios sobre higiene, saúde e segurança no trabalho - anoto apenas a discrepância entre uma argumentação e a outra.
De qualquer forma, queria fazer uma reflexão. Não somos avessos à consagração constitucional de um estatuto especial de trabalhador-estudante, e não somos avessos por uma razão: olhando para o a alínea c) do n.º 2, constatamos que ela apenas se refere à questão do trabalho de menores, e não é bem a mesma coisa. Por isso, com uma outra redacção formalmente mais enxuta, talvez fosse de deixar aqui expresso que o trabalhador-estudante tem direito a um estatuto especial. Até porque se mais atrás vamos deixar expresso - suponho - que o horário de trabalho também tem de ser organizado por conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, creio que haverá alguma utilidade que fique inscrito um princípio constitucional relativamente aos trabalhadores-estudantes. Mas esta foi uma reflexão que fiz. Não arredamos esta ideia, que iremos ponderar em função da formulação final.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Francisco José Martins, até agora o PS manifestou objecções à proposta, o PCP disse sim, mas…
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer algo muito simples sobre esta matéria.
Sem prejuízo da generosidade que está presente e explícita no n.º 3 proposto para o artigo 59.º, destacando em especial esta categoria de trabalhadores-estudantes, que são pessoas numa situação de particular empenho na sua valorização futura, tendo já de prestar, no momento actual, no momento em que se põe o problema, o seu contributo ao mundo do trabalho, situação essa que merece uma especial protecção. Aliás, a lei portuguesa, pelo menos no plano universitário, dá-lhes longas e amplas regalias.
Sinceramente, não vejo a utilidade de se reforçar essa protecção, pois penso que o legislador, nesse aspecto, tem sido suficientemente generoso e atento; não vejo necessidade de estarmos aqui a lembrar ao legislador que ele deve ser generoso para com esse conjunto de pessoas - aliás, de várias idades, não só jovens como pessoas de meia idade - que está a trabalhar e a valorizar-se também profissionalmente.
A verdade é que eles já beneficiam de uma protecção, porque o legislador não tem estado desatento a essa situação. Não vale a pena estar a chamar-lhe a atenção para algo que ele está a fazer regularmente.

O Sr. Presidente: * Ficaram esclarecidas as posições em relação a esta proposta de um novo n.º 3 para o artigo 59.º

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Encerrada a discussão do artigo 59.º, vamos passar à proposta de aditamento de um artigo 59.º-A, apresentada pelo PCP, cuja epígrafe é "Garantias especiais da retribuição". Dispenso-me de a ler, uma vez que ela consta dos documentos.
Para apresentar a proposta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a proposta de artigo é bem explícita.
Relativamente ao n.º 1, alguma jurisprudência tem feito - alguma, não toda - uma interpretação da Constituição no sentido de que não pode ser penhorado o salário mínimo porque, nos termos da Constituição, esse é o montante necessário para a subsistência mínima do indivíduo. Portanto, essa jurisprudência decidiu no sentido da impenhorabilidade do salário mínimo. Mas outra jurisprudência não tem enveredado por essa interpretação.
De facto, cortando qualquer coisa ao salário mínimo, tal deixaria as pessoas em extremas dificuldades e, nesse sentido, entendemos que, salvo os casos das dívidas de natureza alimentar (porque aí incluem-se pensões para menores, para cônjuges, para pais, etc.), nos limites da lei, deveria a Constituição assegurar a protecção do salário mínimo contra penhoras.
Relativamente ao n.º 2, propomos que fique constitucionalmente consagrado - para que a lei não possa ser alterada noutro sentido - que todos os créditos, não só a questão dos salários em atraso mas também os créditos relativos à cessação do contrato de trabalho ou a qualquer violação desse contrato de trabalho, tenham preferência em relação aos pagamentos na sua graduação.
Finalmente, no n.º 3 propomos a constitucionalização de garantias civis e penais do pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por contra de outrem.

O Sr. Presidente: * Feita a apresentação da proposta, vamos passar à sua discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, esta proposta é uma proposta repetente ou recorrente. Tive ocasião de a discutir na segunda revisão constitucional.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, há várias!

O Sr. José Magalhães (PS): * Tivemos ocasião de a discutir na segunda revisão constitucional e a verdade é que não se chegou a apuramentos que não tivessem consequências brutais na ordem jurídica, designadamente o privilégio creditório absoluto, o mesmo se passando em relação aos termos da redacção do preceito atinente ao salário mínimo, bem como às sanções penais para os salários em atraso, para o atraso no pagamento pontual das retribuições.
A verdade é que a proposta surge tal qual foi feita originariamente, em 1989; não surge sequer sob forma que corporizasse os resultados do debate de 1989, que apontavam para uma depuração, simplificação e redução de conteúdo.
É pena que assim ocorra, mas suponho que com esta dimensão estão intactos todos os factores e todas as razões que levaram a considerar incomportável, em 1989, a incorporação de um preceito deste tipo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Gostava que o Sr. Deputado José Magalhães pudesse ditar para a acta aquilo que ouviu em 1989.

O Sr. José Magalhães (PS): * Não é preciso fazê-lo, porque já consta de acta e, aliás, é uma questão bastante longa e, a meu ver, bastante interessante.
A questão que punha era a de saber se era possível fazer apuramentos em relação a esse estado de debate, ou não.
Em relação aos termos em que está consagrado, ou para que se aponta definitoriamente, quanto ao salário mínimo, aos créditos salariais e às garantias civis e penais, o regresso ao ponto zero, francamente, não me parece vantajoso, desejando-se um acrescento constitucional proporcionado, mínimo e económico que, provavelmente, noutra sede (que não num dispositivo autónomo), incorporasse densificações parciais, medidas. É que em relação a proclamações absolutas, por exemplo em relação à tutela dos créditos salariais, as consequências de inconstitucionalização de legislação ordinária seriam ou poderiam ser, numa determinada leitura, devastadoras. Foi isso que levou, na segunda revisão constitucional, a não ser possível obter um consenso alargado para uma solução desse tipo. Talvez uma solução mínima pudesse ser operativa, mas a verdade é que essa solução mínima não surge - pela nossa parte não o propusemos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, sobre estes três pontos, que, no fundo, são três pontos relativamente autonomizáveis - o problema da natureza do salário mínimo e da sua protecção jurídica específica, a preferência dos créditos salariais e, por último, a fixação de sanções ou garantias para quem não paga justamente o salário de outrem -, levantam-se vários tipos de razões.
Não sei se será correcto dizer assim, tout court, "o salário mínimo é impenhorável". Há situações e situações! Mas suponho que as regras gerais do Código de Processo Civil já comportam aqui o respeito pelo mínimo de existência, pela subsistência das pessoas, e essas regras gerais funcionam aqui, em geral.
Por outro lado, absolutizar os créditos de trabalho relativamente a outros créditos, leva-me a questionar o seguinte: entre um pequeno fornecedor de uma empresa que aufere um pequeno rendimento porque fornece a empresa e um manager de uma empresa que tem um salário e ganha muito dinheiro, por que é que numa situação de complicação o salário do alto quadro da empresa tem um privilégio creditório e o desgraçado que anda a fornecer lápis ou borrachas não tem? É das tais situações em que também não vejo como é que se pode fazer uma afirmação destas em geral.
Quanto ao terceiro ponto, o das garantias civis e penais do pagamento, do meu ponto de vista pessoal (aliás, invocando a minha experiência de pequenino que ia à catequese), aprendi que não pagar o justo salário a quem trabalha é um pecado que brada aos céus. Mas também aprendi, mais tarde, que nem toda a ética se pode transferir para a ordem jurídica, sob pena de absolutizarmos a ordem jurídica e podermos perverter a boa relação entre as pessoas. Também aqui não sei medir esta regra em todas as suas implicações.

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De modo que, a atitude geral que o PSD adopta neste ponto é a de também não ver com simpatia este aditamento à Constituição.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de uma breve intervenção.
A lei processual civil estabelece a possibilidade de penhoras até 1/3 do vencimento. Ora, se descontarmos 1/3 do salário mínimo nacional, o trabalhador fica com muitíssimo pouco para viver e não tem direito a uma existência condigna. Aliás, como já referi, alguma jurisprudência interpretou a Constituição no sentido de não poder ser penhorado o salário mínimo nacional, a não ser por dívidas alimentares. A nossa proposta era tão-só a consagração dessa orientação jurisprudencial.
Em relação à questão de preferência, a verdade é que hoje, na lei ordinária, os créditos por salários em atraso já têm essa preferência, mesmo sobre o "fornecedor de borrachas" - e não estou a ver como é que essas empresas, pagando esses salários altíssimos, recorrem a um pequeno fornecedor de borrachas.
Por último, referirei mais duas questões.
A primeira delas prende-se com as garantias civis e as garantias penais. Desde logo, a nossa proposta não indica quais tenham de ser as garantias civis, apenas indica a obrigação de existirem essas garantias. Hoje, a lei ordinária já prevê essas garantias, mas com esta alteração ficaria na Constituição a obrigação de elas continuarem a ser estabelecidas.
Em relação à questão da intervenção penal, pois é óbvio que aí, Sr. Deputado Barbosa de Melo, a intervenção da lei penal faz-se dentro do que está estabelecido para a intervenção dessa lei penal (questões de dolo, de mera culpa, de negligência, etc.). Portanto, entendo que tudo isso a lei penal deveria graduar.
Para terminar, queria dizer que aceitamos burilar a redacção de alguns princípios e acolhemos algumas críticas, para mim justificadas, que têm sido feitas à proposta, no sentido de propor algo que o Partido Socialista poderá aceitar (embora sem o ter referido expressamente). Talvez recorrendo à discussão travada na revisão constitucional de 1989, poder-se-á aceitar as críticas então desenvolvidas pelo Partido Socialista e apresentar uma reformulação.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, queria tecer uma pequena consideração para tentar uma solução.
Considero manifestamente excessivo acrescentar um artigo à Constituição para regular uma espécie de garantias específicas de direito à retribuição, incluindo (coisa inédita na Constituição!) a previsão de garantias penais. A Constituição, em lado algum, protege um valor expressamente com medidas penais. Até agora, tudo o que é criminalizar ou não criminalizar, a Constituição deixa à lei. Portanto, este seria um caso absolutamente excepcional na nossa Constituição.
No entanto, entendo que, de facto, a retribuição do trabalho tem debilidade e está sujeita a ataques e a vulnerabilidades que talvez mereçam uma atenção especial da Constituição. Limitar-me-ia, porém, a mandar uma enxuta directiva que deixe a sua densificação à lei, mas que dê um sinal claro de que a Constituição privilegia, de algum modo, as garantias da retribuição do trabalho.
Nesse sentido, proporia que se acrescentasse ao artigo 59.º, a uma das suas alíneas (ou mesmo um n.º 3), algo deste género: "Os salários ou as retribuições do trabalho gozam de garantia especial nos termos da lei".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, nós vamos ponderar essa proposta, embora deva dar uma explicação em relação à crítica, ao reparo que foi feito. De facto, é isso que acontece em matéria de garantias penais mas, em sede de Código Penal, é sempre discutido (matéria que foi muito debatida na última reforma do Código Penal) se deve ou não haver um código penal laboral. E a argumentação tem sido despendida no sentido de que não tem nada que haver um código penal laboral, porque há outras formas de sanções que devem afastar a intervenção do Direito Penal.
Ora, nós entendemos que não é assim; entendemos que as violações que se têm verificado no domínio da legislação laboral, algumas graves que tocam a própria subsistência do trabalhador, como a questão dos salários em atraso, e outras muito graves, como são os acidentes de trabalho e as doenças profissionais (esta não estará aqui, mas é só para dar exemplos), merecem a tutela do Direito Penal.
Por isso, estando em causa créditos desta natureza, nomeadamente os salários em atraso, quisemos deixar aqui marcado que esta é uma matéria em que era adequada, proporcional e necessária a intervenção do Direito Penal.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, elaborei uma proposta, que, independentemente da redacção final que venha a ter, visa duas coisas: primeiro, evitar "inundar" a Constituição com mini-códigos específicos para responder a problemas concretos e, por outro lado, dar algum reconhecimento a esse valor emérito que são os salários, a começar pelo salário mínimo, remetendo, em todo o caso, para a lei.
Proponho a fórmula seguinte: "os salários gozam de garantias especiais nos termos da lei". Repito que se trata apenas de um "pontapé de saída" para encontrar uma fórmula.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, tive ocasião de trocar impressões com alguns dos Srs. Deputados acerca da fórmula que adiantou e consideramos, sem dúvida nenhuma, que seria uma maneira hábil e correcta de tirar aproveitamento adequado da ideia da revisão constitucional que foi adiantada.
No entanto, Sr. Presidente, não sei se não seria possível ser ainda mais económico e, ao mesmo tempo, mais largo. Ou seja, como a Constituição assegura, como direito fundamental, o direito à retribuição do trabalho e, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), define um conjunto de princípios aplicáveis, talvez fosse possível aproveitar esta circunstância e esta arquitectura para lhe aditar uma outra componente que, de resto, esgotaria o conteúdo útil que o Sr. Presidente acabou de enunciar mas não "afunilaria" para o salário, que tem um conceito preciso, e aplicar-se-ia a todas as retribuições de trabalho.
Isto é, bastaria aditar uma expressão do tipo "os trabalhadores têm direito (…) à revisão do trabalho", a que se seguiria o texto já existente e, depois, "devendo assegurar-se a adequada protecção nos termos da lei".

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O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Em vez de "adequada protecção" podia ser "adequadas garantias".

O Sr. José Magalhães (PS): * Não percebi.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Proponho que a expressão seja "adequadas garantias", de acordo com o sentido proposto pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Sim, parece-me bem.

O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto: "adequadas garantias".

O Sr. Presidente: * "Garantias" parece-me ser a palavra minimamente exigível.

O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto.
Portanto, creio que esta fórmula é plástica, económica, diria até minimalista, mas tem conteúdo útil e perceptível.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, fica, então, agenciada a ideia de acrescentar à alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º uma fórmula que apontasse para "devendo a lei assegurar as garantias adequadas".

Pausa.

O Sr. José Magalhães (PS): * A expressão: "devendo a lei assegurar a sua adequada protecção" talvez comporte isso tudo.

O Sr. Presidente: * Proponho que deixemos de remissa a fórmula e que, para já, assentemos…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * … na possibilidade de explorar esta via, mas apresentaríamos a fórmula depois de melhor consideração.

O Sr. Presidente: * Proponho que fiquem em aberto as duas hipóteses: ou autonomizar o n.º 3 ou acrescentar à alínea a) algo como o que acaba de ser proposto. Parece-me que o mínimo exigível é referir que a lei assegura as garantias. Se não utilizarmos a palavra "garantias" ou "garantias específicas" ou "garantias adequadas", é pouco.
Proponho que deixemos de remissa. Concordam, Srs. Deputados?
Portanto, fica registada a existência de abertura para uma fórmula pela qual adito à alínea a) ou, eventualmente, a um número à parte, a ideia de garantias adequadas, legislativas, das remunerações do trabalho.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 60.º - Direitos dos consumidores -, havendo, desde logo, propostas para o n.º 2 apresentadas pelo PCP e por Os Verdes.
O PCP propõe que, à proibição das formas de publicidade já previstas, se acrescente a de publicidade enganosa ou dissimulada. Os Verdes, relativamente à caracterização das fórmulas de publicidade já proibidas, propõem que se adite a expressão "que utilizem abusivamente a imagem da criança e da mulher ou veiculem quaisquer fórmulas de discriminação sexual".
As duas propostas estão em discussão.
Têm a palavra os proponentes, começando pelo PCP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estas duas alterações procuram ter em conta os avanços que se têm verificado em matéria de direito de consumo e direitos dos consumidores.
Queria chamar a atenção, em particular, para a Lei n.º 24/96 e, em geral, para a teorização que existe nesta matéria e que tem vindo a estabelecer uma distinção entre os conceitos de publicidade oculta, indirecta ou dolosa e estes dois conceitos cujo aditamento propomos, o conceito de publicidade enganosa e o de publicidade dissimulada.
Para se entender melhor o que propomos direi que o conceito de publicidade enganosa permitiria contemplar situações em que a publicidade não obedece ao respeito pela verdade, que, aliás, é uma obrigação que está explicitamente consagrada na lei ordinária, sem que seja necessariamente dolosa.
Tal implicaria, designadamente, que, no fim de contas, não fosse imprescindível verificar existência de dolo para proibir a publicidade. Bastaria que esta, objectivamente, não correspondesse ao dever de ser verdadeira, que, aliás, consta da lei ordinária.
Quanto à publicidade dissimulada, em rigor, trata-se de um conceito diferente do de publicidade oculta. Quando nos referimos a publicidade oculta estamos a referir, designadamente, publicidade subliminar que, pura e simplesmente, não é apreensível em condições normais. Quando nos referimos a publicidade dissimulada, estamos a aludir, por exemplo, à autorização de marcas de bebidas no quadro de uma determinada série na televisão ou noutros meios de comunicação que são bem conhecidos a nível internacional e, em geral, por todas as normas e por toda a legislação que tem vindo a tratar esta matéria.
É evidente que poderia referir-se o facto de, nesta matéria, a legislação, designadamente a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, já ter adiantado princípios que tornam menos urgente este tipo de consagração. É verdade, o que de forma nenhuma significa que não consagre também, por exemplo, direitos das associações de consumidores, o que o PS adianta como proposta de aditamento ao n.º 3 desta mesma disposição. Aliás, nem pelo facto de estar na legislação ordinária entenderíamos que não haveria vantagem em constitucionalizar, porque uma revisão constitucional deve servir, precisamente, para registar o que a legislação ordinária avançou em relação a situações anteriores.
Portanto, creio que este princípio justifica amplamente esta benfeitoria que propomos e que nem pelo facto de julgarmos absolutamente imprescindível deixamos de entender que teria menos significado como enriquecimento do direito do consumo e dos direitos dos consumidores e, designadamente, da Constituição para os consumidores.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ouvi a explicitação do Sr. Deputado quanto ao aditamento da questão da publicidade enganosa e da dissimulada.
Concordo em que "dissimulada" é diferente de "oculta", mas pergunto se não entende que a publicidade dissimulada é a indirecta ou, pelo menos, que o conceito de indirecta está já contido na palavra "dissimulada".
Concordo que palavra "dissimulada" tem um sentido mais amplo do que "indirecta", penso é que se se utilizar a palavra "dissimulada" deixe de ser necessário constar o

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termo "indirecta". A palavra "dissimulada" implica mais do que "indirecta", mas não me parece que este último tipo de publicidade não seja também dissimulada, porque, no fundo, publicidade indirecta é uma forma de publicidade dissimulada.
A utilização da palavra "enganosa" também me parece, de certa maneira, a introdução do conceito de enganoso. O conceito de publicidade enganosa é, seguramente, mais vasto do que o de publicidade dolosa, mas parece-me é que esta última expressão fica a mais se já constar a expressão "publicidade enganosa".
No fundo, a pergunta que lhe faço é a de saber se, no caso de aditarmos as palavras "enganosa" e "dissimulada", não poderíamos dispensar as palavras "indirecta" e "dolosa".

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Deputado, creio que este elenco de formas de publicidade é aquele para que avançou a própria legislação ordinária e para o qual tem avançado o direito de consumo. Partindo do princípio que nem toda a publicidade dissimulada tem de ser indirecta, por um lado, e partindo do princípio, como, de resto, creio que resulta da intervenção do Sr. Deputado, de que a publicidade pode ser enganosa sem que tenha de ser necessariamente dolosa. Em todo o caso, esta introdução teria uma vantagem bastante importante que era a de impor que a publicidade seja verdadeira, ainda que não seja dolosa, isto é, tem de ser objectivamente verdadeira, tem de corresponder às realidades, a Administração não tem de provar que a publicidade implica dolo para efeitos de proibi-la, basta verificar que não corresponde à verdade, independentemente de aquele que faz publicidade poder estar erradamente convencido das virtudes do produto de que faz publicidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Mas isso não contraria o que lhe perguntei.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Isabel Castro, tem a palavra.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, a proposta de Os Verdes visa reforçar os direitos constitucionais dos cidadãos enquanto consumidores.
Julgo que muitas das preocupações são as que, de algum modo, estão presentes na proposta que o projecto do PCP também apresenta. Fundamentalmente, a diferença reside em que, na nossa proposta, há uma alusão ao que nos parece ser a utilização abusiva da imagem da mulher e da criança como formas de fazer publicidade.
Julgamos que este aspecto é importante. Os exemplos abundam e parece-nos que a utilização abusiva da imagem, quer da criança quer da mulher, conflitua com o direito à igualdade, estabelecido na Constituição da República, em relação a todos os cidadãos.
Assim, parece-nos que o texto constitucional podia aflorar o que julgamos que importa modificar, isto é, tudo o que tem que ver com formas indirectas de publicidade, com formas de agir sobre os consumidores induzindo-os, inconscientemente, a determinado tipo de consumos. No caso concreto desta nossa proposta, pensamos que deveria ser contemplada a questão da utilização abusiva da imagem da criança e da mulher.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, faça favor.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, relativamente à proposta do Partido Socialista, penso que não há necessidade de a explicitar, pois é clara…

O Sr. Presidente: * Ainda não estamos a discuti-la, Sr.ª Deputada. De momento, estamos a discutir o n.º 2, enquanto a proposta do PS é relativa ao n.º 3.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Então, relativamente aos conceitos expostos pelo Sr. Deputado Luís Sá, concordo.
Embora seja complexa e pareça enfatizadora, a proposta encerra situações completamente distintas, por um lado, a de publicidade dissimulada, indutora de determinado tipo de consumos, e, por outro, a de publicidade indirecta que é a alusão a determinadas situações. Portanto, são situações diferentes e creio que a proposta está perfeitamente enunciada.
Quanto à questão colocada por Os Verdes, creio que é um exemplo de publicidade dolosa, mas há outros. O exemplo mais frequente é o da imagem da mulher como símbolo sexual, mas há outros igualmente chocantes, como sejam o de os negros serem sempre os maus enquanto os brancos são sempre os bons, o da imagem do herói, etc. Penso é que levar-nos-ia muito longe se explicitássemos todos os aspectos de publicidade de dolosa.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Deputada Elisa Damião, as suas palavras significam que o PS manifesta abertura em relação à proposta do PCP e objecções à proposta de Os Verdes?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Pelo menos, gostaríamos de outra formulação porque esta é um exemplo de publicidade dolosa que não esgota os aspectos chocantes atentatórios da dignidade das pessoas.

O Sr. Presidente: * Continua a discussão.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, faça favor.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, relativamente à proposta do PCP, a observação que tenho a fazer tem a ver com o respectivo teor literal, que pode ser enganoso. É que, ao introduzir a expressão "oculta ou dissimulada", portanto, não utilizando a vírgula para distinguir as espécies de publicidade, antes introduzindo a locução "ou" e dado que esta mesma é utilizada novamente no final, parece que a publicidade indirecta ou dolosa são qualidades específicas da publicidade dissimulada ou oculta. Ou seja, quem ler o artigo pode não ficar convencido de que se trata de cinco espécies de publicidade.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, estou inteiramente aberto a transformar o "ou" numa vírgula.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É só um reparo, não é uma crítica.

O Sr. Luís Sá (PCP): - O reparo tem toda a razão de ser.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De resto, quanto à substância da proposta, a Sr.ª Deputada Elisa Damião já

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tinha afirmado a sua concordância de princípio, o que também é a minha posição na matéria.
Em relação à proposta de Os Verdes, confesso que tenho algumas dúvidas, não apenas pela dificuldade de densificar o conteúdo constitucional de "utilização abusiva", matéria que, em determinadas circunstâncias, porventura poderia ser melhor tratada na lei penal ou até na lei civil do que em sede constitucional.
Para além do mais, julgo que, de alguma forma, se pretende constituir uma garantia do princípio de igualdade. Verifico, com alguma estranheza, que algumas situações são excluídas e outras não. Ora, designadamente, e por absurdo, porque não a utilização abusiva da imagem do homem? É que, neste domínio, não há, como em outras circunstâncias, uma especial fraqueza que justifique uma protecção tão mais intensa à mulher e à criança relativamente ao homem, por exemplo.
Enfim, situações como estas poderiam multiplicar-se, o que julgo criaria alguma dificuldade em encontrar uma solução constitucional que acrescentasse alguma coisa para além do que a proposta do PCP já contém, de certa forma.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, no pedido de esclarecimento que dirigi ao Sr. Deputado Luís Sá, pareceu-me - ou, se calhar, foi um erro de entendimento da minha parte - que o Sr. Deputado, paradoxalmente, não dizendo directamente que concordava com a razão de ser da questão que lhe coloquei, deu uma interpretação idêntica à minha própria. Ou seja, parece-me que os conceitos de "enganoso e de "dissimulado" são mais vastos do que aqueles que estão actualmente na lei, creio é que se os incluirmos, então, as formas de publicidade dolosa são sempre enganosas e as de publicidade indirecta são sempre dissimuladas, independentemente de os conceitos de "dissimulada" e "enganosa" poderem ser outras coisas para além de dolosa e de indirecta.
Nesse sentido, entendo o aditamento que o Partido Comunista propõe, mas parece-me dispensável, pois, introduzindo as palavras "enganosa" e "dissimulada", a ideia é repetitiva já que algo doloso é sempre enganoso - não concebo algo doloso que não seja enganoso - e, do meu ponto de vista, algo indirecto também é sempre dissimulado, embora o conceito de dissimulado implique outras realidades para além de indirecto.
Parecer-me-ia que, ao ampliar-se o texto actual, apontando-se não apenas para a publicidade indirecta e para a dolosa mas para a enganosa e para a dissimulada, fica a mais o conceito de indirecta ou dolosa, porque, necessariamente, já estão contidos nos conceitos mais vastos de enganosa e de dissimulada.
Em qualquer circunstância, a posição do PSD é a de que pretendemos reflectir sobre esta matéria, embora, à partida, não tenhamos antipatia para com a proposta.
Digo que queremos reflectir porque, como todos sabemos, este n.º 2 é um núcleo fundamental à volta do qual a Constituição pretendeu deixar explícito que, em qualquer circunstância, a lei para a qual é remetida a disciplina do exercício da actividade publicitária sempre terá de proibir essas fórmulas. No entanto, em Portugal, a legislação ordinária sempre esteve para além deste texto constitucional, nomeadamente no sentido que é proposto pelo Partido Comunista, à semelhança de outros que não vêm aqui e que têm que ver com aspectos, como, por exemplo, a incorporação de pornografia na publicidade, as mensagens publicitárias, em discurso directo, dirigidas às crianças, algo que o legislador ordinário claramente proíbe já há vários anos.
Portanto, não nos parece que seja fundamental alterar o texto constitucional porque a prática tem vindo a demonstrar que a Constituição, nesta como noutras matérias, tem um núcleo essencial. A este propósito, recordo que discutimos os artigos sobre a legislação criminal, tendo dito que a Constituição tinha um núcleo central que contém uma proibição que é a da pena de morte e, depois, há outras matérias que a Constituição claramente indicia como não proibidas, o que não significa que seja fundamental que a Constituição da República estabeleça que a prisão perpétua é proibida.
Assim, é por estas razões que o PSD deseja reflectir melhor sobre o assunto, a fim de ponderar se a proposta faz sentido. Repito que, tal como está, parece-nos que o texto constitucional não proíbe nada disso nem nunca proibiu, pelo contrário.
Cremos que, a fazer-se algum aditamento, gostaríamos que o texto ficasse suficientemente escorreito e que não fosse tautológico, repetitivo.
Parece-nos que o conceito de doloso inclui o de enganoso e que a publicidade indirecta, aparentemente, é sempre dissimulada. Repito, pois, que iremos reflectir sobre isto.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, não tomou posição contra a proposta de Os Verdes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à proposta de Os Verdes, Sr. Presidente, no fundo, a nossa posição encaixa no que acabo de dizer.
A verdade é que esta proposta de Os Verdes pretende alterar, não para tornar taxativo mas para continuar a deixar de fora, algumas outras realidades que, actualmente, já são proibidas pela legislação ordinária, que é o caso de determinados aspectos de publicidade, como a pornografia, ou a utilização descabida de imagens sexuais, ou coisas do género, que, grosso modo, já estão postos de parte na legislação ordinária.
Ora, alterarmos a Constituição apenas em relação aos conceitos de publicidade e deixando de fora realidades que, já hoje, estão cobertas pela proibição de um legislador ordinário, implica sempre a fragilidade de criar a ilusão de que a Constituição foi revista e que, a partir de agora, também passou a ser proibido isto ou aquilo, deixando-se de fora aspectos importantes como as mensagens para as crianças, ou as mensagens sexuais descabidas ou despropositadas.
É essa reflexão conjunta que gostaríamos de fazer.
À primeira vista, parece-nos que, tal como está, o texto constitucional não está mal. Veremos se faz sentido, se não tem mais efeitos nefastos do que positivos, introduzir alterações para continuar a deixar de fora realidades que, hoje em dia, já são prevenidas por um legislador ordinário.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, temos de andar mais depressa.
Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, gostaria de dizer só duas coisas.

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Não estamos contra o enriquecimento possível desta norma constitucional. As modalidades de publicidade perversa e indesejável têm-se multiplicado e subtilizado.
No entanto, para nós, trata-se de obedecer a duas regras de orientação. A primeira é a de não estabelecer nenhuma dessintonia significativa entre a metalinguagem constitucional e a conceptologia constitucional e a conceptologia que, hoje, está consagrada na legislação ordinária.
Se inventarmos um conceito constitucional distinto daquele que impusemos na lei ordinária, criaremos uma confusão enorme, desde logo porque faremos prevalecer o da Constituição sobre o da lei ordinária e teremos de reajustar um ao outro, inevitavelmente, seguindo a ordem hierárquica das normas.
A sedimentação que se tem feito a nível da lei ordinária é bastante satisfatória. Nesse sentido, Sr. Deputado Marques Guedes, contribuindo só para o debate e não querendo prolongá-lo, devo dizer que a publicidade dolosa não é sempre enganosa, porque pode haver publicidade dolosa, por exemplo, oculta, ou indirecta, ou subliminar, ou outras modalidades.
Estamos a lidar com operadores lógicos que podem ser combinados em muitas nuances. Aliás, com grande facilidade, poríamos no papel quais são essas modalidades combinatórias e a publicidade indirecta não é sempre dissimulada. A publicidade indirecta pode estar à vista e, todavia, ser indirecta, sendo esse o seu pecado básico.
Não me ateria muito a isto. Todavia, creio que há uma margem de enriquecimento possível. A nossa preocupação é a de que não haja dessintonia em relação a conceitos adquiridos que têm vindo a fazer caminho na nossa lei ordinária, embora, na prática, infelizmente não tanto.
Quanto ao alargamento das proibições constitucionais a outros domínios, é preciso agir com muito cuidado. Por exemplo, a alusão a mensagens sexuais descabidas ou despropositadas, na formulação que o Sr. Deputado o diz, não como norma jurídica, dar-nos-ia grandes dificuldades de redacção e suponho que nem sequer tentaremos encetar esse caminho em sede constitucional, sem prejuízo do que é preciso fazer em sede de lei ordinária e, sobretudo, em termos de práticas públicas, quadros de conduta, acordos com entidades publicitárias, acordos com rádios e televisões, o que falta cá.
Curiosamente, se calhar, o que falta entre nós é sobretudo isso e não tanto sequer, em muitos casos, a bondade da lei que é excelente, generosa e precisa e, de resto, nem permite usar abusivamente a imagem das crianças, nem das mulheres, nem dos homens, nem dos animais, nem de ninguém, aliás.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, em relação à proposta do PCP, o PS e o PSD manifestaram abertura, embora com reservas.
Sr. Deputado Calvão da Silva, tem a palavra.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Como disse o Sr. Deputado Marques Guedes, a lei ordinária foi sempre mais além do que a Constituição - sempre, mesmo a lei de 1981 - para melhor. Isto não quer dizer que o que esteja na Constituição não esteja bem, significa é que é possível qualquer enriquecimento.
O Sr. Deputado José Magalhães disse que há que ter os cuidados adequados para não haver dessintonia. Estamos de acordo quanto a isso e, daí, a sua sugestão e a do Deputado Marques Guedes encaixam no sentido da verificação, a fazer em termos finais, sobre se vale a pena alterar a redacção e em que termos.
No entanto, julgo que o grande alcance deste n.º 2 até era outro e bastaria se a Constituição dissesse isso e mais nada.
No fundo, bastaria a ideia de que a publicidade deve ser verdadeira e clara, deixando à lei ordinária a concretização de todas as proibições, porque, no fundo, é isso que se quer dizer.
Vem dizer-se que a publicidade é "disciplinada por lei", mas não se impõe o mais exigente: que a publicidade deve ser verdadeira e clara. É por isso que se proíbe que seja oculta, indirecta, etc. A publicidade ser verdadeira e as pessoas, quando ouvirem qualquer coisa, saberem que é mesmo publicidade, bem identificada, às claras, esse é que é o grande alcance da Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): * A legislação ordinária de 1996 é disso que fala.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Mas a Constituição, neste n.º 2, é que devia dizer isto, mais do que andar a "partir cabelos em quatro". É que em relação a estas expressões, é muito difícil, do ponto de vista teórico, estar a tentar ver se a publicidade é indirecta e, depois, se é indirecta também é dissimulada, ou seja, muitas vezes, pode haver círculos convergentes e até coincidentes, o que não quer dizer que não possa haver outros mais ou menos largos. A meu ver, a Constituição devia ir para uma fórmula muito mais enxuta, rigorosa, que é a de proibir a publicidade só pela positiva, no sentido de que ela deve ser verdadeira e clara, deixando à lei ordinária a definição desses termos que, no fundo, já aí estão bem consagrados.
No entanto, utilizar a expressão "todas as fórmulas de publicidade enganosa" também pode ser ir longe demais. Basta ver que há casos e casos. É por isso que, depois, em termos práticos, se ensina que a publicidade só é proibida na medida em que seja concreta, que traga mensagens concretas. Por exemplo, dizer-se que um determinado automóvel é "o melhor carro do mundo", não é publicidade que engane ninguém, mas pode enganar; assim, a publicidade é enganosa porque não se trata do melhor carro do mundo. Dizer-se que é o melhor shampoo, que é o único testado, etc., são fórmulas enganosas e, todavia, só pessoas menos inadvertidas é que as podem levar a sério.
Dizer "enganosa" é ir longe, muito longe, o que não quer dizer que não concorde que, em termos práticos, o problema é o de saber quando é que há engano, isto é, quando é que o erro é desculpável ou indesculpável. Lá vem a legislação ordinária, lá vem o Código Civil, etc., etc. Quer dizer, podemos querer ir para conceitos de protecção do consumidor, com os quais simpatizo, mas, a certa altura, vamos longe de mais!
Por isso, a posição do PSD é no sentido de vermos, em termos finais, e na certeza de que estamos todos irmanados no mesmo desejo de protecção do consumidor, qual é a melhor formulação.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero colocar uma questão muito simples e que ajuda a clarificar este

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assunto. É que a lei ordinária, por exemplo, distingue claramente aquilo que é uma consigna publicitária, obviamente publicitária, e que o cidadão comum identifica como tal, das informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias e que, segundo a lei, fazem parte do próprio contrato que é estabelecido e que, inclusive, conferem ao cidadão direito de indemnização no caso de não serem verdadeiras. O problema concreto é este, ou seja, a questão que é tratada é exactamente a de proibir as mensagens que não sejam verdadeiras, as deste tipo e não propriamente as de outro tipo qualquer, como o que o Sr. Deputado referiu.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Bem sei, e esse artigo está lá por minha autoria, porque sou muito sensível a essa questão. Fui eu que introduzi o artigo que acabou de ler, porque achei que assim devia ser. Até por isso é que se refere "concretas".
Agora, só em termos tão latos como consta da Constituição pode significar ir longe demais, não obstante as boas intenções do proponente.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Sr. Presidente, quero apenas dizer que estamos disponíveis para encontrar a melhor formulação dentro deste princípio de melhorar a redacção constitucional, plasmando os avanços que os direitos do consumidor tiveram nos últimos anos.
Por outro lado, e ainda dentro da mesma linha, em relação à proposta de Os Verdes, devo dizer que somos sensíveis à problemática introduzida e desejamos igualmente trabalhar e contribuir para a melhor redacção possível nesta matéria.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a conclusão em relação à proposta do PCP é a de que há abertura do PS, com reservas, e objecções do PSD, sem fechar a porta, de todo em todo, a uma consideração da questão. Quanto à proposta de Os Verdes, há objecções do PS e do PSD e apoio do PCP.
Quanto ao n.º 3 do artigo 60.º, há duas propostas, uma do PS e outra do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Assim vou começar por dar a palavra ao PS para apresentar a sua proposta, relativamente ao n.º 3, que consiste no acrescento de uma segunda parte, que é do seguinte teor: "(…) bem como o direito de acção ou intervenção processual em defesa dos seus associados ou de interesses colectivos ou difusos." Ou seja, trata-se da previsão de um direito de acção das associações de consumidores.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, penso que, se Toqueville fosse vivo, recomendaria vivamente esta inclusão na Constituição, uma vez que as opiniões públicas, em Portugal, têm pouca força, competindo às que estão organizadas defender até interesses individuais do cidadão.
A nossa proposta é, pois, no sentido de promover o acesso à justiça, mesmo quando não há um autor individual.

O Sr. Presidente: Mas isso não faz já parte do direito de acção popular?

O Sr. José Magalhães (PS): Não. Não está previsto o direito de acção concedido às associações de consumidores e às cooperativas de consumo.

O Sr. Presidente: Está, está. Os direitos dos consumidores - diz-se no n.º 4 da proposta do… Ah, não! Essa era a proposta do PCP.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, já discutimos o direito…

O Sr. Presidente: Não, não. Também consta da proposta do PS! Os direitos dos consumidores constam da vossa proposta de alteração do n.º 3 do artigo 52.º. Como tal, pergunto se isso não é redundante, ou seja, se não será uma repetição pura e simples.
Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do Partido Socialista de alteração do n.º 3 do artigo 60.º.

O Sr. José Magalhães (PS): (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) … o Sr. Presidente está a lobrigar nesta proposta, porque há uma duplicação parcial de conteúdo, ou seja, no artigo 52.º, propomos o alargamento do direito de acção popular, o qual não se aplica só a pessoas colectivas, mas abrange qualquer herói solitário que decida agir em defesa do bem e reagir contra qualquer ilegalidade ou violação dos interesses espelhados no artigo 52.º.
No artigo 60.º, aquilo que se pretende tutelar é o direito de acção e intervenção processual em defesa de membros das associações de consumidores - acções de interesse colectivo e outras de carácter similar e, se o direito português as vier a consagrar, modalidades semelhantes às norte-americanas class actions e outras modalidades de intervenção, uma vez que a imaginação processual não pode verdadeiramente ser balizada pelos limites que têm marcado o nosso continente.
Depois, em relação aos interesses colectivos ou difusos, há aqui uma narrativa parcialmente duplicada, pois, se se alargar, como se pretende, o artigo 52.º, é bom de ver que as associações de consumidores e as cooperativas podem transformar-se em autores populares.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está em discussão, para esclarecimento, a proposta de aditamento do Partido Socialista.
A proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca é, em parte, convergente, consistindo em acrescentar, no final do preceito, a expressão "defendê-los em todas as instâncias".
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Presidente, mais uma vez, o que está aqui em causa é algo que, no fundo, já consta da lei ordinária, embora esta questão tenha vindo a ser tratada insuficientemente em Portugal. A certa altura, legislação ordinária avançou um pouco, prevendo apenas um certo direito de intervenção.
Pessoalmente, sou dos que pensam que as associações dos consumidores devem ter legitimidade processual para a defesa dos interesses difusos (interesses colectivos ou interesses difusos tomados como sinónimos? Não é bem assim, mas isso também faz parte do tal debate doutrinário que não vale a pena fazer aqui).

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Pessoalmente, considero que deve estar prevista expressamente a legitimidade das associações para a defesa dos interesses difusos e, nessa medida, consagrá-la-ia, embora com outra redacção, em sede deste n.º 3, do género: "(…) bem como legitimidade processual para defesa dos seus associados ou de interesses difusos" - bastaria uma redacção mais enxuta deste tipo.
Na prática, a acção popular acaba por ser isto. Confesso que tenho muitas dificuldades em saber se é a mesma coisa ou não, porque me parece que, a certa altura, caímos em conceitos sobrepostos e é capaz de se ocupar o mesmo espaço. Daí que não sei se é bom estar aqui, se é de todo…

O Sr. José Magalhães (PS): Se ficar consagrado no artigo 52.º, o Sr. Deputado tem de prescindir, sem dúvida nenhuma.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Pois, no artigo 52.º ou no outro, qualquer deles nos serve! Também estou de acordo com a ideia de legitimidade, mas, depois, a lei ordinária tem de dizer quais são essas associações. Temos de deixar essa matéria para a lei, porque nem a toda a associação com um x mínimo de representantes tem de ser imposto, nos termos da legislação ordinária.

O Sr. José Magalhães (PS): Fica nos termos da lei, pois diz-se no próprio preceito que "(…) têm direito, nos termos da lei (…)".

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Está bem. Mas o problema está na expressão "bem como". A seguir a isso também temos de acrescentar qualquer coisa.

O Sr. José Magalhães (PS): Pode-se transferir a expressão "nos termos da lei" para o fim do preceito.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Logo se vê. De qualquer modo, a legitimidade processual dirá tudo, em vez de incluirmos uma redacção muito repartida ou tripartida.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Sr. Presidente, vemos com benevolência esta proposta - aliás, já tínhamos avançado neste sentido na nossa proposta relativa ao artigo 52.º.
Como tal, somos favoráveis a que se encontre a solução mais correcta para coordenar o artigo 52.º com o artigo 60.º. Assim houvesse disponibilidade para consagrar outros avanços da lei ordinária em diversas matérias como a que expressamos em relação a esta proposta do Partido Socialista!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, recordo que, em matéria do artigo 52.º, ficou estabelecido um princípio de acolhimento quanto ao alargamento da acção popular, nomeadamente em matéria dos direitos dos consumidores. Aqui manifesta-se uma abertura do PSD e do PCP para considerar, pelo menos, a class action, ou seja, a legitimidade processual em defesa dos direitos dos associados por parte das associações de consumidores, nos termos da lei.
A redacção fica por apurar. Fica registada a proposta alternativa do Sr. Deputado Calvão da Silva, no sentido de substituir a expressão "direito de acção ou intervenção processual" pela expressão mais redonda "legitimidade processual".

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, gostaria de dizer que tal me parece aceitável, tendo a vantagem de se coadunar bem com os conceitos correntes, também em termos de lei ordinária.
É um debate bastante interessante.

O Sr. Presidente: Também me parece preferível. Obviamente sem prejuízo da reconsideração da formulação, ficamos então entendidos para o acolhimento deste aditamento constitucional.
Srs. Deputados, temos uma proposta de aditamento de um artigo 60.º-A, com vista à criação de um "Provedor do Consumidor", do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que não se encontra presente.
Alguém adopta esta proposta? Recordo que já foram propostos pelo menos cinco novos provedores.

Pausa.

Visto nenhum dos Srs. Deputados adoptar esta proposta, ela fica de remissa até que o seu autor entenda retomá-la na Comissão.
Passamos então ao artigo 61.º, "Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária", começando pelas propostas de alteração do n.º 1 apresentadas pelo CDS-PP e pelo PSD.
O CDS-PP propõe a eliminação da parte final "(…) e tendo em conta o interesse geral" (no que suponho coincidir com a proposta do PSD), bem como a substituição da expressão "nos quadros" por "no respeito".
No fundamental, ambas as propostas consistem na eliminação da parte final do actual n.º 1. Na Constituição diz-se: "A iniciativa privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral." e o CDS-PP e o PSD propõem que seja eliminada a parte final, isto é, a expressão "(…) e tendo em conta o interesse geral".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar a justificação da proposta do seu partido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta de alteração do n.º 1 apresentada pelo PSD consiste em retirar a palavra "privada" a seguir a "iniciativa económica"…

O Sr. Presidente: - Ah, sim, não tinha visto isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e a parte final que tem que ver com o condicionamento dessa iniciativa económica ao interesse geral.
Penso que a explicação é compreensível para todos. Quanto à primeira parte, a eliminação de "privada" a seguir a "iniciativa económica", o que está em causa é o facto de o princípio da liberdade de iniciativa dever aplicar-se tanto à iniciativa privada como a todo o género de iniciativa, isto é, também às cooperativas, que são tratadas a seguir.
Parece-nos que o texto não perde nada e só tenderá a ganhar pela ablação da palavra "privada". Não pretendemos alterar nada do que cá está, pretendemos é

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torná-lo mais claro e pensamos que o texto só ganhará com isso.
Quanto à parte final, aí sim, há um intuito substantivo que se prende com o facto de não a entendermos, como nunca entendemos bem, e até pensarmos que, genericamente, a densificação prática desta parte final do n.º 1 não faz grande sentido. Se o problema é o da delimitação de sectores, esse já é tratado noutra sede, em artigo autónomo da própria Constituição, pelo que esta lógica do não reconhecimento da liberdade de iniciativa económica, condicionando-a sempre a algo que tenha que ver com o interesse colectivo, geral, parece-nos uma ideia errada, que radica em formas sectárias e redutoras de ver a iniciativa económica do lado privado. É por essa razão que propomos a supressão dessa parte final do n.º 1 do artigo 61.º.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero perguntar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes se, por acaso, não admite que a expressão "(…) e tendo em conta o interesse geral", em vez de uma visão sectária e redutora, como a que referiu, não pode ter outro tipo de inspiração, como a ideia de função social da propriedade privada, que é muito cara à Igreja Católica.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, podemos aqui confabular para tentar encontrar justificações para o que cá está, mas todos sabemos que não é isso que cá está. Parece-nos perfeitamente suficiente, para essa como para qualquer outro tipo de preocupações, remeter-se, nesta sede, como se remete em muitas das sedes dos direitos previstos na Constituição, para o respeito da Constituição e da lei.
Pensamos que essa é a formula adoptada. Na generalidade dos direitos que são concedidos ao longo da nossa Constituição, este acrescento de "(…) e tendo em conta o interesse geral" teve, ou tem, claramente como intenção ou como leitura - e é nesse sentido que o PSD propõe a sua retirada - uma diminuição da "dignidade" deste direito à iniciativa, o que não acontece no que concerne à generalidade dos outros direitos previstos na Constituição, nos quais o texto constitucional também opta por remeter para o quadro da Constituição e da lei.
Por entendermos que há aqui um diferente tratamento da iniciativa privada que obedece a uma lógica com a qual não concordamos é que propomos a ablação, parecendo-nos que é totalmente suficiente, para esse como para qualquer outro objectivo que possa estar na intenção ou na maneira de qualquer um de nós ver as coisas. Estamos num Estado de direito e prever-se aqui o direito à liberdade de iniciativa económica, o qual se desenvolverá nos quadros da lei e da Constituição, parece-nos perfeitamente suficiente, como o é para todos os outros direitos.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, embora não querendo ser mal interpretado, pois não é propriamente em defesa das concepções da Igreja Católica que vou intervir, gostaria de dizer que é um facto que este artigo, sem prejuízo de a interpretação histórica ou o elemento histórico de interpretação não corresponder àquilo que entendo ser a correcta interpretação actual ou actualista do preceito, é o único que contém uma referência mais ou menos explícita à ideia de função social da propriedade privada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é propriedade privada. É iniciativa!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Eu disse propriedade privada correctamente, ou seja, de propósito, no sentido de que era isso que queria dizer.
Essa referência à ideia de função social da propriedade aparece deslocada, porque aparece a propósito da dinâmica do direito, isto é, no seu exercício e não tanto a propósito da estática do direito ou do seu conteúdo. Por essa razão, até tem um cariz mais liberal do que aquele que eu próprio porventura lhe atribuiria, tendo em conta que apelo um pouco para a ideia da limitação externa ao exercício do direito como única restrição ou como único constrangimento à liberdade do proprietário quando está em causa a iniciativa privada exercida no âmbito do direito de propriedade privada.
É óbvio que o artigo não se restringe à matéria e vai para além dela. Mas, nesse sentido, não sei se, com a interpretação que lhe tem sido dada, a proposta de eliminação é útil. Tenho alguma reserva em admiti-la, excepto se, porventura, a referência à função social da propriedade privada for explicitada noutra sede, designadamente no artigo 62.º, como poderia ser útil.
No projecto que subscrevo, essa proposta de alusão à função social da propriedade aparece explicitamente no artigo 65.º, a propósito da propriedade imobiliária urbana, não aparece a propósito da propriedade em geral. Mas, em qualquer circunstância, o artigo 61.º teve claramente a virtualidade desta referência final. Aliás, até pode ver-se na doutrina essa associação da ideia do interesse geral à função social da propriedade, designadamente no escrito do Professor Jorge Miranda.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, francamente, não terçaremos nunca armas por fantasmas e nesta matéria talvez seja balsâmico e positivo, olhando 20 anos para trás e olhando para o que nos rodeia, verificar o que mudou e o que é preservado, essencialmente. Ou seja, entre 1976 e 1996, realmente a construção europeia veio estabelecer, por um lado, novas fronteiras de liberdade para a iniciativa privada e, por outro lado, novos limites.
Hoje não há, por exemplo, concentrações de determinadas empresas nem exercício da livre iniciativa privada sem autorização da Comissão Europeia para fusões, concentrações e outros actos desse tipo. Essas são regras pactuadas entre nós, que não suscitam particular espécie e com as quais nos habituamos a viver, não constituindo hoje um motivo de especial divisão.
Qualquer alteração desta matéria deve ser ponderada à luz desta preocupação de não terçar guerras em torno de fantasmas. Por isso, da nossa parte, consideraremos

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cuidadosamente deixar "imprejudicados" conteúdos constitucionais, sem estarmos estritamente amarrados a formulações, mas sublinho também a primeira preocupação de não diminuição de conteúdos.
Em todo o caso, queremos que este seja um grande motivo de polémica nesta revisão constitucional, Srs. Deputados!

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero só pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Deputado tocou num aspecto sobre o qual aproveito para o questionar através de uma pergunta directa. Exactamente pelo exemplo que deu da posterior (posterior relativamente à elaboração do texto constitucional, pois agora é actual) integração na União Europeia e da integração num espaço económico muito mais vasto. É mais ou menos pacífico que quando se referem, no texto constitucional, os interesses que estão em presença se tem em vista os interesses nacionais, os interesses dos cidadãos portugueses, porque é este o contexto em que a Constituição deve ser lida.
Assim, pergunto: não será que manter aqui a expressão "(…) e tendo em conta o interesse geral" (que obviamente deve ser lido como o interesse nacional, o interesse português, o interesse dos cidadãos portugueses, os cidadãos nacionais, pois é a eles que se dirige esta parte da Constituição) poderá entrar em conflito com o próprio direito de estabelecimento, a que hoje em dia estamos vinculados legalmente por força dos dispositivos de adesão, à iniciativa económica por parte de nacionais de outros Estados-membros, que obviamente presidem a lógicas que não dizem respeito directamente, ou pelo menos em termos imediatos, ao interesse dos cidadãos nacionais?

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Marques Guedes, francamente, não tem nada que ver uma coisa com a outra!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

(Por não terem falado ao microfone, não foi possível registar a intervenção do Sr. Deputado do PS José Magalhães, bem como a do Sr. Deputado do PSD Luís Marques Guedes, que se lhe seguiu no uso da palavra.)

O Sr. José Magalhães (PS): Só com grande sentido de improvisação e muito longe do terreno concreto onde a hermenêutica tem vindo a mergulhar pés!
Por outro lado, Sr. Deputado Marques Guedes, suponho que não é sensato despojar hermenêuticas deste preceito de uma boa adequação ao contexto; designadamente, considero importante ter em conta a vertente europeia e a harmonização de todo este conjunto de normas com as nossas obrigações, que fluem através do artigo 8.º e de outros, e que são para honrar em todos os aspectos. Não creio que, deste ponto de vista, seja muito sensato fazer grandes inovações.
A hermenêutica já fez o que tinha a fazer. Há uma simetria harmoniosa que a realidade desvirtuou um pouco em relação à terceira componente, mas talvez não seja uma batalha perdida irremediavelmente. Iniciativa privada, cooperativa, autogestionária - é um projecto cuja realização fica dependente da força anímica da sociedade, da vitalidade de determinados componentes da nossa sociedade.
A Constituição em si, como projecto, desse ponto de vista, parece-me estar hoje pacificada, francamente. Não creio que haja uma guerra aberta entre nós, na nossa sociedade, em torno do estatuto da iniciativa privada e da sua liberdade e dos limites dessa liberdade, alguns dos quais fluem de tratados internacionais que a maioria dos partidos com assento nesta Casa livremente aceitou.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, peço que não marquemos passo em algo que claramente não avança mais!
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Presidente, tal como não entendi bem o que o Sr. Deputado José Magalhães disse, se calhar ele agora também não vai entender o que digo, mas é quase igual.
Referir-se a iniciativa económica privada ou pública, penso que não importa, por isso julgo que basta retirar o termo "privada" para, pelo menos, já haver um efeito útil. Concorda? O Estado também deve ter liberdade de iniciativa nos quadros seguidos pela Constituição e pela lei. Aí, penso que…

O Sr. José Magalhães (PS): Não esqueçamos a origem da norma!

O Sr. Presidente: Será que é esse o alcance da proposta do PSD?! Seria muito estranho!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Acho que sim! Por que é que não há-de ser?! A iniciativa não é só dos cidadãos, também pode ser do Estado!

O Sr. Presidente: Mas estamos a tratar dos direitos dos cidadãos! Aí, confesso que sou bastante menos ambicioso do que o Sr. Deputado Calvão da Silva - não nos direitos do Estado, mas nos direitos dos cidadãos.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): A minha leitura é essa!

O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Marques Guedes não deve estar, claramente, a acompanhá-lo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É tudo uma questão de artigo apenas, não é neste… (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras finais do orador).

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): É uma leitura surpreendente, Sr. Deputado Calvão da Silva!

O Sr. Presidente: Mas não eu perdi a capacidade de ser surpreendido, Sr. Deputado Calvão da Silva!

O Sr. José Magalhães (PS): - Surge-nos mais estatista do que nós!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Por que é que a iniciativa económica há-de ser só privada?

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O Sr. Presidente: Mas isso está noutros lados! É óbvio que a iniciativa do Estado não está em causa, mas agora estamos a tratar dos direitos dos cidadãos.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Está bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que a função garantística desta norma não se perdeu totalmente.

O Sr. Presidente: O Estado não precisa de garantias, precisa apenas de faculdades.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Está bem!
Em segundo lugar, exercer-se livremente penso que é sempre no interesse geral e a fórmula do interesse geral, que, aliás, também vem da Constituição italiana, é uma boa fórmula. Não quer dizer que acrescente muito na época em que nos encontramos hoje e que não tenha um efeito totalmente diferente, ou pelo menos um sentido diferente, do que teve no tempo em que o legislador constituinte a consagrou. Porventura, cada um dava-lhe a sua leitura.
Ora, tendo em conta a occasio legis de então e a occasio legis desta revisão constitucional, pode fazer algum sentido eliminá-la. Mas também não fazemos nenhuma guerra se tiver de ficar, porque é evidente que a fórmula vai ao encontro da função social da propriedade e, nessa medida, não delimita, não havendo nenhuma outra norma que consagre isso. Só de acordo com o interesse geral é que chegamos à função social da propriedade - não há nenhuma outra norma que consagre isso expressamente.
Assim, no espírito da proposta do PSD, o que está em causa é apenas eliminar a occasio legis e dar-lhe outra occasio legis mais actual.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta do PSD não tem o acolhimento do PCP, nem do PS, que, sem fazerem questão dela, também não lhe dão a sua adesão.
Vamos passar ao n.º 2 do artigo 61.º, para o qual existe só a proposta do PP. Alguém a adopta? Recordo que o PP propõe acrescentar o seguinte: "A todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos e a lei".
Não estando cá os respectivos proponentes, e visto ninguém fazer sua esta proposta, passamos adiante.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, nessa matéria, o que sucede, é que, embora isso não tenha sido aventado formalmente, há quem (o Sr. Deputado Rui Namorado, por exemplo, tem-se debatido especialmente por isso) considere extremamente desejável que se faça uma menção expressa aos princípios da aliança cooperativa internacional. Trata-se de algo que não chegámos a propor formalmente, mas confesso que não sei que impacto terá junto da Comissão.

O Sr. Presidente: Por mim, sempre interpretei, em letra redonda, de forma, nos comentários à Constituição, que se trata dos princípios reconhecidos pelo movimento cooperativo internacional.

O Sr. José Magalhães (PS): Sem dúvida, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Nem de outros se pode tratar! Suponho, aliás, que isso é pacífico.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta é ao contrário. A proposta deles é no sentido de que não é só esse esforço, também tem de ser a lei.

O Sr. Presidente: A proposta do CDS-PP, não a proposta do Deputado Rui Namorado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! A proposta que o Sr. Presidente pôs em discussão.

O Sr. Presidente: Ninguém adopta essa proposta, e a tentativa do Sr. Deputado José Magalhães para "apanhar boleia" não foi acolhida!

O Sr. José Magalhães (PS): O zelo do "bonus Deputadus" não deve ser excedido também!
Agora, em relação à proposta do CDS-PP, francamente não vemos que haja que alterar a Constituição nesse ponto.

O Sr. Presidente: Ninguém a adoptou, Sr. Deputado.
Vamos passar à proposta de eliminação do n.º 4 do artigo 61.º, que é comum ao CDS-PP, ao PSD e ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Vou dar palavra aos proponentes, que suponho terem as mesmas motivações, começando pelo PSD, já que os Deputados do CDS-PP não estão presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a razão de ser da proposta de eliminação deste n.º 4 tem que ver, como é evidente, com um critério de oportunidade, de contexto e de significado político que tem esta matéria.
Na proposta do PSD é complemento da retirada do n.º 4, de certa forma, a retirada da palavra "privada" constante do n.º 1. De facto, a iniciativa económica exerce-se livremente, pelas formas que as pessoas assim o entenderem.
Não pretendemos que a Constituição da República dê qualquer enfoque especial ao direito da autogestão, pela carga necessária que ele, como o entendemos nos termos em que está inscrito na Constituição, transporta. E é, apenas, nesse sentido.
Por isso, é que entendemos que a iniciativa autogestionária é possível, desde que integrada num contexto de uma iniciativa económica livre, normal, de um conjunto de cidadãos, de um conjunto de trabalhadores, numa determinada situação; no contexto do direito de autogestão tem uma carga política própria que está desinserida do contexto do Estado de direito que hoje em dia somos. Portanto, a nossa proposta vai nesse sentido.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, por um lado, a clarificação dada pelo Sr. Deputado Marques Guedes é muito importante, porque poderia depreender-se da proposta que o PSD teria uma posição de eliminação

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total e pura. Vemos que não se trataria disso e que não haveria uma exclusão, mas a verdade é que haveria uma supressão do actual enquadramento e da actual fórmula constitucional para alusão àquilo que é qualificado, especifica e directamente, como direito de autogestão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma forma de iniciativa económica!

O Sr. José Magalhães (PS): * A verdade também, Srs. Deputados, é que o PSD mantém intactos os n.os 1 e 2 do artigo 86.º, mas propõe a eliminação do n.º 3, o que discutiremos oportunamente. Ou seja,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora, de repente...

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, desculpe surpreendê-lo com o seu próprio projecto,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não o sei de cor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - … mas não sou capaz de desligar - talvez seja defeito meu - a vossa proposta para o artigo 61.º da que propõem para o artigo 86.º, a qual se caracteriza pela supressão da alusão à norma constitucional…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o apoio do Estado!

O Sr. José Magalhães (PS): - … que prevê o apoio do Estado a experiências viáveis de autogestão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
Mas não vê diferença porquê, Sr. Deputado? Penso que é evidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - E, portanto, Sr. Presidente, teremos ocasião de, a propósito do artigo 86.º, aprofundar a discussão desta matéria e também, a propósito das normas constitucionais sobre delimitação de sectores, de aprofundar a análise de alguns desses aspectos. Outros nossos Deputados participarão nesse debate, designadamente a propósito do artigo 82.º, o que será seguramente proveitoso.
Mas, nesta sede, francamente não vemos que seja necessário reescrever a Constituição ponto por ponto para exprimir conteúdos que, no fundo, no próprio entender dos proponentes, não alterariam muito as liberdades de actuação nem implicariam proibições ou extirpações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que o artigo 61.º tem uma determinada lógica: estando a regular direitos e deveres económicos, no n.º 1 consagra a iniciativa económica privada, nos n.os 2 e 3 regula o direito à livre constituição de cooperativas e de uniões, federações e confederações e no n.º 4 reconhece o direito de autogestão.
É evidente que, na prática, este direito não tem a mesma incidência de outra época. É uma questão que resulta dos próprios ciclos políticos.
O problema concreto que se coloca é o de saber se a Constituição deve não propriamente fechar uma porta, visto que o Sr. Deputado disse não ser essa a sua intenção, mas pelo menos declará-la menos aberta pelo facto de, num determinado momento do ciclo político, este direito ser menos exercido pelos produtores.
Pela nossa parte, não vemos qualquer vantagem nesta matéria e, bem pelo contrário, julgamos que a porta deve permanecer, clara e frontalmente, aberta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que estas intervenções foram de comentário à apresentação da proposta do PSD, queria, à laia de resposta, clarificar o nosso entendimento, principalmente por causa desta última intervenção do Sr. Deputado Luís Sá.
O PSD entende que o direito de autogestão, conforme era entendido na altura em que foi inscrito aqui na Constituição, como o Sr. Deputado José Magalhães lembrou, e muito bem, em conjugação com uma outra norma lá mais à frente, que comete ao Estado a obrigação de apoiar as experiências viáveis dessa autogestão, tinha um contexto próprio, visava uma realidade própria, com a qual o PSD não concorda, pelo que propõe que ela saia da Constituição.
Para o PSD, se autogestão é um problema de iniciativa económica de um conjunto de trabalhadores de uma determinada unidade económica para gerirem essa unidade num sistema de autogestão, inscreve-se no conceito de liberdade de iniciativa económica. Por isso, no n.º 1, consta "iniciativa económica" em termos genéricos, compreendendo esse tipo de forma de gestão de uma unidade económica.
Se, por direito de autogestão, se entende o outro conceito, com a carga política que todos lhe conhecemos, que - como o Sr. Deputado José Magalhães agora relembrou - até deveria merecer, no artigo 86.º, honras de uma prioridade de apoio do Estado, o que não acontece com outro tipo de iniciativas económicas, o PSD entende que essa proposta deve ser retirada da Constituição. Não queremos que continue a prevalecer essa lógica de que, em termos de iniciativa económica, existe aquele conceito de direito de autogestão, que tinha que ver com uma determinada realidade, quase que revolucionária, e que até merecia depois um tratamento prioritário e de especial carinho e apoio por parte do Estado.
É isso que o PSD propõe que seja retirado do actual texto da Constituição.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Era uma realidade que tinha um amplo lugar no programa do PSD, em contraposição à planificação central e a outras realidades abomináveis.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há muitas coisas que, ao longo do tempo, mudaram. Isso faz parte da dinâmica da sociedade. Felizmente, não somos um partido estático.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

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O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que este é o caso clamoroso de vermos que a occasio legis de então não se justifica agora. Não conheço nenhuma realidade onde ainda haja esse direito de autogestão no sentido que aqui está consignado.
Quererá o legislador português, na Constituição revista hoje, ainda manter uma realidade que não deu provas, que está esgotada e que está morta?! Penso que se trata de um problema de actualização, se queremos ser actuais ou se queremos ser antiquados. Se nos quisermos manter agarrados a "fantasmas", deixem-na ficar - o PS e o PCP continuarão agarrados a esses "fantasmas" e a essas "teias de aranha"; se entendem que politicamente é de actualizar o texto constitucional, então vamos eliminá-la.
É este, obviamente, o único sentido que está em causa.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, persistem as objecções do PS e do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há também uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro nesse sentido, que ainda não foi explicitada.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Cláudio Monteiro, quer intervir nesta discussão?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não sei se acrescento algo de útil à discussão…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode ser por razões diferentes, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Penso que é difícil haver razões diferentes nesta matéria.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Julgo que é difícil, Sr. Presidente.
Aliás, paralelamente, a nossa proposta supõe também a supressão do n.º 3 do artigo 86.º, porque entendemos que não existem experiências viáveis de autogestão que mereçam tutela constitucional e que, a existirem, mereceriam, em última análise, tutela legal. Há sempre hipóteses - e isso não foi trazido à colação - de que essas experiências, se existirem ou vierem a existir, também possam ser tuteladas nos termos do artigo 82.º, na medida em que, com uma outra fórmula, se garante a existência de meios de produção geridos colectivamente pelos trabalhadores. Embora a fórmula não seja necessariamente a mais feliz ou a mais actual, o que é facto é que é uma fórmula mais vaga e mais abrangente do que a da autogestão.
No entanto, concordo que não há razões políticas para, em 1996, manter a consagração do direito à autogestão como um direito de iniciativa económica, que porventura implica uma restrição ao direito de propriedade privada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mantêm-se as objecções do PCP e do PS a esta proposta de eliminação do n.º 4.
Gostaria, no entanto, de vos pôr à consideração uma questão, que ainda não foi colocada e cuja alteração implicaria um consenso. Um dos problemas constitucionais que o artigo 61.º tem levantado é que, ao contrário do n.º 1, que diz que a iniciativa económica privada se exerce livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, o n.º 3 diz que "as cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades". Esta redacção tem levantado o problema de se saber se, em matéria da actividade económica das cooperativas, não se podem aplicar os limites legais da actividade económica privada. É óbvio que a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional têm feito esforços enormes para chegarem à mesma conclusão, mas o problema constitucional existe, pelo que não queria deixar de chamar a atenção para ele.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Porque é que não se altera o n.º 3?

O Sr. Presidente: - Bom, para já, ninguém o propôs. Portanto, seria necessário um consenso generalizado nessa matéria.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Pensava em "podem agrupar-se em uniões, federações e confederações". O resto já estava alcançado no n.º 1.

O Sr. Presidente: * Estava no n.º 1, se constasse apenas "iniciativa económica", em vez de constar "iniciativa económica privada", coisa que não foi adquirida.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas ficava adquirida agora.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma boa chamada de atenção para o Partido Socialista rever a sua posição fechada quanto ao n.º 1.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Isto tem uma determinada lógica: iniciativa privada, cooperativas, autogestão. E o problema colocado diz respeito às cooperativas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O que me choca na formulação do PSD quanto ao n.º 1 não é o facto de subordinar ao interesse geral, que até pode ser a mundialização da economia, contrariamente ao que se disse há pouco, mas sim o facto de, pelo menos, não subordinar a actividade privada a aspectos de princípio, éticos, como sejam, a sustentabilidade social ou ecológica. É a liberdade total sem nenhuma barreira.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A iniciativa privada não é nenhum papão!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sou sensível à carga que certos preceitos têm. No entanto, penso que a Constituição deve consagrar - até porque o Estado apoia - fenómenos de auto-organização, de auto-emprego, sobretudo no sentido de reintegrar no mercado de trabalho grupos de excluídos ou regiões excluídas.
A iniciativa privada e a total liberdade não podem servir exclusivamente interesses egoístas; têm de servir também este tipo de interesses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto ao artigo 61.º, creio que vamos ficar por aqui. Subsistem as objecções à alteração do n.º 1 e à eliminação do n.º 4,

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pelo que as propostas, no estado actual, não têm viabilidade.
Confesso que me impressiona menos a proposta de eliminação do n.º 4 do que a de alteração do n.º 1, que me parece menos justificada. Quanto ao n.º 4, sinceramente, não vejo que realidade é que hoje está garantida através dessa solene garantia do direito de autogestão.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 62.º, que já discutimos a outro propósito, quando o PSD propôs a sua transferência para trás e aceitou considerar uma outra redacção semelhante àquela que o CDS-PP propõe para o n.º 1. O PS também manifestou abertura para esta solução.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - O PS manifestou abertura à alteração da redacção do n.º 1?

O Sr. Presidente: - À transferência com alteração da redacção, no sentido de substituir a expressão "nos termos da Constituição" por "nos termos da lei".
Srs. Deputados, há uma proposta de aditamento de um n.º 3, do CDS-PP, mas não se encontram presentes os proponentes. Gostaria de saber se alguém adopta esta proposta, que, a meu ver, está claramente deslocada.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, quanto ao n.º 1, não seria mais enriquecedor adoptar a expressão "nos termos da Constituição e da lei"?

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a questão dos termos não ficou adquirida. Apenas ficou adquirido que o PSD tinha proposto a transferência do artigo, tal como está, lá para trás e que o CDS-PP tinha proposto substituir, sem mexer na sistematização, a expressão "nos termos da Constituição" por "nos termos da lei".
Há também abertura do PS para considerar a transferência, desde que a redacção, em termos de acrescento ou em termos de substituição, diga "nos termos da lei", isto é, desde que admita as restrições legais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas reiterar o que disse Sr. Deputado Calvão da Silva, por uma razão muito simples: é que esta expressão "nos termos da Constituição" tem sido muito útil para consignar a ideia de que o conteúdo essencial do direito de propriedade privada é encontrado ao nível do próprio texto constitucional e que é aí que se devem…

O Sr. Presidente: * Sempre seria assim. Estando cá, talvez seja conveniente tirá-lo…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exacto, para que evite a interpretação a contrario.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Acha mal acrescentar "e da lei"?

O Sr. Presidente: * Não. Essa é uma condição do PS para admitir a possibilidade de transferir o texto lá para trás.
Portanto, fica em aberto a proposta do CDS-PP para o n.º 1 - "a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição e da lei" -, tendo o PS manifestado abertura para a sua transferência lá para trás.
Srs. Deputados, passamos, então, ao artigo 63.º, que se refere ao direito à segurança social. Para o n.º 1, que diz "Todos têm direito à segurança social", o CDS-PP propõe "Todos têm direito ao acesso a um sistema de segurança social, com respeito pelos princípios da subsidiariedade e da equidade".
Não estando cá os proponentes, alguém adopta esta proposta do CDS-PP?

Pausa.

Na falta de perfilhamento, passamos ao n.º 2, para o qual existem propostas do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não se trata de falta de perfilhamento. Como há falta de explicitação por parte dos proponentes, o PSD não entende bem o alcance da proposta pelo que não se pronuncia.

O Sr. Presidente: * Claro, fica adiada. Não estando cá os proponentes, não se discute a proposta. Se houvesse alguém que a perfilhasse, discutia-se nos termos do perfilhamento.
Sendo assim, passamos ao n.º 2, para o qual existem propostas do CDS-PP e do PSD. Segundo a proposta do PSD, o n.º 2 passaria a dizer, muito estritamente, que "Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social financeiramente equilibrado", substituindo tudo o que está actualmente no n.º 2.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar a proposta do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, face às conhecidas necessidades de reformulação e reequacionamento da filosofia de base e ao desenvolvimento do sistema de segurança social, que hoje é um dado adquirido nas sociedades ocidentais, como a portuguesa, parece-nos adequado que no texto constitucional se deixe a norma o mais genérica possível para permitir a todos os agentes da sociedade, o Governo e a Assembleia da República em primeiro lugar, nos termos da própria Constituição, a total liberdade para encontrar os mecanismos mais adequados para proceder a essa reforma.
A intenção do PSD ao "enxugar" a redacção deste n.º 2 foi tão-só essa: a de criar as condições o mais flexíveis possíveis para que os órgãos de soberania, nos termos constitucionais, consigam proceder às reformas que são necessárias.
Nesse sentido, mantivemos apenas a primeira parte do texto, que nos parece que é aquela que verte os direitos fundamentais que aqui devem ser preservados em termos da Constituição e que têm a ver com a obrigação do Estado de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social equilibrado, no sentido de procurar encontrar soluções que não lancem para gerações futuras o peso da responsabilidade e da solvência financeira de um sistema. Este é um problema geracional que todos temos presente em matéria da segurança social.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, o PS não propôs nenhuma alteração a este artigo, nomeadamente ao n.º 2, porque considera que a sua formulação está adequada a um sistema da segurança social que pode ser corrigido, modernizado, etc. O texto constitucional não impede essa adequação à realidade social. Pelo contrário, o texto proposto pelo PSD sujeita a segurança social a equilíbrios financeiros. A existência de um sistema de segurança social é completamente diferente.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a introdução do termo "equilibrado" na redacção do n.º 2 tem que ver exactamente com o facto de, do ponto de vista do PSD, ser fundamental que o sistema de segurança social não projecte para gerações futuras, numa lógica de uma perfeita injustiça em termos geracionais, o peso da solvência de um sistema, quando é hoje em dia perfeitamente sabido que, em sede dos contornos do sistema de segurança social, as projecções em termos financeiros são perfeitamente fazíveis e com uma dose de segurança e de certeza muito grande. Nesse sentido, o equilíbrio do sistema é fundamental para que seja alcançada e mantida uma justiça e uma repartição equitativa dos respectivos encargos pelas gerações.
O actual texto constitucional, do nosso ponto de vista, é pobre no sentido de não deixar claro que não deve ser permitido - não é justo, não é correcto, não é saudável - projectar para gerações futuras problemas que devem e têm de ser resolvidos pelas actuais gerações. O sistema de segurança social é um problema que, hoje em dia, se equaciona em termos de décadas para a frente. Portanto, é apenas nesse sentido que colocamos aqui o termo "equilibrado".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem prejuízo de a preocupação ser legítima, julgo que há alguns riscos de a introduzir no texto constitucional. Uma coisa é falar na necessidade do equilíbrio financeiro enquanto garantia da própria subsistência do sistema para futuro, de modo a permitir que ele possa assegurar as prestações sociais àqueles que ainda não chegaram à fase da necessidade dessas prestações - compreendo essa preocupação. No entanto, penso que a introdução da ideia do equilíbrio financeiro permite uma leitura excessivamente economicista do sistema de segurança social, para além daquilo que é a preocupação dos proponentes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Realista!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é realista, porque a introdução da ideia do equilíbrio financeiro não é apenas do equilíbrio presente/futuro, é também o equilíbrio em termos de custo/prestação. E penso que esse não está nas preocupações dos proponentes, designadamente a ideia de que todas as prestações devem corresponder a uma ideia de equilíbrio financeiro e, portanto, só são realizadas quando suportáveis…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não é isso. O que digo é que a proposta pode permitir essa leitura e que é esse o risco fundamental que ela comporta: legitimar, por assim dizer, uma visão excessivamente economicista daquilo que são as prestações da segurança social em todas as circunstâncias. Nalgumas, essa leitura justificar-se-á; noutra, essa leitura, provavelmente, não terá justificação.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta suscita-nos dois tipos de observações. Não ignoramos, de forma nenhuma, os problemas que existem nesta matéria. São conhecidos de todos, por exemplo, as tendências para a inversão da pirâmide etária. São preocupantes um conjunto de aspectos, em relação aos quais têm de ser encontradas respostas e, pela nossa parte, temos procurado dar uma contribuição nesse sentido.
No entanto, julgamos também que a preocupação com as gerações vindouras, que é muito louvável, não deve levar a pôr em segundo plano a preocupação com as gerações actuais abrangidas pela invalidez, pela viuvez, pela orfandade, pela velhice, pela doença, que são referidas neste artigo.
Neste aspecto, o problema do equilíbrio financeiro não tem de ser o valor único a atingir a todo o custo. Caminhar para um maior equilíbrio financeiro não tem de significar impor como critério determinante obrigatório na Constituição este tipo de valor. Não tem sentido, por exemplo, estabelecer que o sistema de educação, o sistema de saúde, o sistema de habitação ou o sistema de defesa do País devem ser financeiramente equilibrados para os mais carenciados. O Estado tem de assumir responsabilidades nesta matéria, tal como tem de assumir, por exemplo, em relação à invalidez, à viuvez, à velhice, à orfandade ou a outras situações deste género.
O outro aspecto que creio não ser menor tem a ver com o facto de, para além de consagrar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, caracterizar também os direitos de participação das associações sindicais, de outras estruturas representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. Creio que é este o lugar adequado para afirmar estes direitos de participação, que são particularmente importantes para este conjunto de cidadãos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar queria deixar aqui claro o seguinte: embora o Sr. Deputado Luís Sá não o tenha dito, nem o Partido Socialista na intervenção anterior, indirectamente pode fazer-se a leitura ínvia de que o PSD apontava para esse caminho. Ora, chamava a atenção do Sr. Deputado Luís Sá para o facto de a proposta do PSD manter, com toda a clareza, a obrigação de o Estado subsidiar o sistema de segurança social
Portanto, quando se fala em sistema equilibrado não se quer significar um sistema auto-equilibrado ou auto-sustentado;

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o PSD mantém claramente aqui a incumbência de o Estado subsidiar financeiramente o sistema. Afastemos, pois, quaisquer argumentos perfeitamente erróneos ou enganosos de que a proposta do PSD apontaria para um sistema que, por ter de ser auto-sustentado, obviamente seria redutor em termos das prestações sociais a conceder. Não é nada disso que o PSD propõe; pelo contrário, muito claramente, o PSD mantém a incumbência de o Estado subsidiar o sistema.
Em segundo lugar, parece-me evidente que, independentemente de o Estado subsidiar o sistema, o problema do equilíbrio, do conceito, do modelo de segurança social tem de ser encontrado e delineado, sob pena de os actuais contribuintes para a segurança social, as gerações que actualmente trabalham e que beneficiam de algumas das prestações da segurança social, mas não daquela (não vale a pena mistificarmos a questão) que mais motiva as pessoas, que é a pensão de reforma - digo que "mais motiva" em termos de aceitação do peso e da carga significativa que os descontos para a segurança social têm sobre os rendimentos do trabalho.
A Constituição deve permitir ao legislador ordinário equacionar soluções que dêem garantias que mantenham a disponibilidade permanente dos cidadãos para continuarem a contribuir para um sistema sem os "fantasmas" de que, daqui a 10, 20 ou 30 anos, quando chegar a vez deles passarem à idade de reforma, esse sistema estará em ruptura, perfeitamente falido - "foi ao ar"! No fundo, a solidariedade geracional foi deles para com as gerações anteriores, mas não se repete nos mesmos moldes para eles, quando atingem determinadas idades.
Faço questão de deixar claros os seguintes dois aspectos.
O PSD mantém, na sua proposta, a obrigatoriedade de o Estado subsidiar o sistema; não é proposta do PSD que o sistema se auto-sustente por si só, apenas que seja um sistema equilibrado. Hoje em dia, há projecções que apontam claramente para a necessidade de reforma do sistema, sob pena de ele entrar em ruptura a prazo. Gostaríamos, pois, que fosse introduzida uma alteração na Constituição no sentido de permitir ao legislador a maleabilidade necessária para proceder a essas reformas.
Quanto ao aspecto que o Sr. Deputado Luís Sá aqui frisou, que tem a ver com a participação das organizações sindicais e dos trabalhadores, é evidente que o PSD também não propõe que ela desapareça, tanto que já está prevista noutra sede da Constituição, noutros artigos que já discutimos hoje de manhã, ou na reunião da passada quinta-feira. Mas, também aí, que fique claro que o PSD defende que os sindicatos têm necessariamente direito a participar não só na discussão da reforma da segurança social como até na própria gestão do sistema. Esse direito já consta, aliás, do artigo 56.º, preceito que já foi objecto de discussão e, portanto, não vale a pena…

O Sr. Presidente: * Mas o PSD propunha precisamente a eliminação desse artigo…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o que não é sério é vir dizer agora que a alteração "disto" poria em causa "aquilo", porque já o discutimos atrás e já foi aceite! Portanto, não vale a pena "transplantar" para a discussão deste artigo o que o PSD não disse.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a pergunta que formulo ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes é se reconhece ou não que o que está regulado no artigo 56.º (para além das propostas do PSD sobre o artigo 56.º que o Sr. Presidente referiu) são direitos das associações sindicais e contratação colectiva, enquanto que o que está regulado no n.º 2 do artigo 63.º abrange outras estruturas representativas dos trabalhadores e associações representativas dos demais beneficiários, o que transcende claramente os direitos das organizações sindicais.

O Sr. Presidente: * Já agora, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quanto a essa questão da preocupação do equilíbrio, gostava de dizer o seguinte: entre nós, o orçamento da segurança social é um orçamento público, faz parte do Orçamento do Estado (artigo 108.º) e uma exigência constitucional do orçamento é o equilíbrio. Parece-me, portanto, que essa preocupação do equilíbrio já está plenamente garantida na regra geral do equilíbrio do Orçamento de Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se assim é, não vemos qual é o problema do Partido Socialista e dos demais partidos em aceitarem a alteração que o PSD propõe!

O Sr. Presidente: * Exactamente porque, se calhar, o PSD não quer propor apenas isso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, na apresentação da proposta do PSD, comecei por explicitar que o PSD visava apenas, claramente, dar ao legislador ordinário a margem de manobra necessária para se fazerem as reformas que estão em estudo, em curso e são necessárias. Não vale a pena retirar outras ilações da proposta do PSD.
Foi nesse sentido que fiz a minha intervenção inicial.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, queria apenas colocar uma pequena questão ao Sr. Deputado Marques Guedes.
Na sua primeira intervenção, o Sr. Deputado justificou a sua proposta de equilíbrio financeiro tendo em vista uma preocupação com as novas gerações,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E pelas actuais!

A Sr.ª Elisa Damião (PSD): - … e, na segunda parte da sua intervenção, utilizou os mesmos argumentos exactamente para proteger os actuais contribuintes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Novas gerações em termos de reformados, Sr.ª Deputada!.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Então, o Sr. Deputado encontrou a resposta ao equilíbrio financeiro. É que, actualmente, a segurança social vive quase exclusivamente das contribuições do trabalho - é um imposto sobre o trabalho...

O Sr. Presidente: * Não é bem assim…

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Peço desculpa, o Sr. Presidente é um ilustre jurista, mas tenho o suficiente conhecimento das empresas para saber como é contabilizado esse encargo. Significa encargos com pessoal!

O Sr. Presidente: * Sobretudo, o não pagamento, a não devolução à segurança social dos encargos patronais.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, não é só o não pagamento à segurança social como ainda encargos de massa salarial, encargos com o pessoal. Portanto, o pagamento por parte da entidade patronal das prestações da segurança social resulta ou é contabilizado, em termos de exploração, como encargos com pessoal. Diria que faz parte do pagamento do trabalho e que é de natureza laborista a contribuição para a segurança social.
Assim sendo, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes encontra o equilíbrio financeiro quando quiser. Basta que o Estado cumpra com outras formas de financiamento algumas incumbências que a própria Constituição e a lei lhe conferem. Além do mais, o Estado tem para com os actuais contribuintes um contrato social, que não pode defraudar, na minha opinião.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, neste ponto, não me parece que se avance para além do registo das objecções do PCP e do PS à proposta do PSD relativamente ao n.º 2 do artigo 63.º.
Passamos ao n.º 3, para o qual existem propostas de eliminação do CDS-PP, de substituição do PSD e de alteração do Deputado Arménio Santos e outros. Não estando presentes nem Deputados do CDS-PP nem o Deputado Arménio Santos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para justificar a proposta do PSD, de substituição do n.º 3, na qual se prevê algo completamente distinto do que consta do actual n.º 3: "O sistema de segurança social integra instituições públicas e privadas".
Faça favor, Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta do PSD deve ser lida em conjunto com a de aditamento de um artigo 72.º-A, para o qual remete a matéria que actualmente tem a ver com as instituições particulares de solidariedade social e as misericórdias.
O PSD entende que, hoje em dia, a realidade das IPSS merece um tratamento autónomo em sede da Constituição. Nesse sentido, propomos a retirada deste artigo genérico da segurança social, sendo essa a razão do texto encontrado para substituir o actual n.º 3, que refere apenas o princípio genérico de que existem no sistema de segurança social instituições de natureza pública a par de instituições de natureza privada. E gostaríamos que essas instituições de natureza privada, as IPSS, tivessem um tratamento em artigo autónomo, porque constituem uma realidade demasiado pujante e necessária ao próprio equilíbrio do sistema para continuarem a ser tratadas apenas como "um número" do artigo geral da segurança social.

O Sr. Presidente: * Nesse caso, Sr. Deputado, proponho que a questão da colocação das IPSS fique para já de remissa, para quando surgir a proposta de aditamento. Então, consideraremos autonomamente a proposta de aditamento do novo n.º 3 do PSD, segundo o qual o sistema de segurança social integra instituições públicas e privadas.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, não queria perturbar os trabalhos, mas não concordo!

O Sr. Presidente: * Não concorda com o quê, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não concordo, porque o PSD remete as IPSS para a terceira idade!

O Sr. Presidente: * Consideraremos essa questão mais à frente, Sr.ª Deputada. Nessa altura, dirá de sua justiça quanto à proposta. Apenas propus que a proposta não entrasse agora em consideração.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Em minha opinião, devia entrar, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: * Mas eu entendo que não, Sr.ª Deputada, e, por enquanto, continuo eu a gerir os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, assim sendo, uma vez que propomos a autonomização de um artigo sobre as IPSS, parece-nos evidente que, estabelecendo o n.º 1 do artigo 63.º que "Todos têm direito à segurança social.", e o n.º 2 que "Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social (…).", na economia deste artigo deve haver mais um número que refira claramente que esse sistema de segurança social integra instituições não só estaduais, não só públicas, mas também privadas, em relação às quais - como refere o n.º 2, e bem - também recaem sobre o Estado obrigações de subsidiar. Ou seja, essas instituições privadas também devem beneficiar dos subsídios e do apoio estatal e, como tal, devem ser integradas na lógica deste artigo.
Essa é a razão por que não propomos apenas a autonomização do artigo e a supressão do n.º 3. Entendemos que o n.º 3 faz cá falta para deixar claro que essas instituições privadas que coexistem com as instituições públicas de segurança social também devem merecer os subsídios que estão previstos no n.º 2 deste artigo.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão esta proposta de aditamento de um novo número (seria o n.º 3), que é do seguinte teor: "O sistema de segurança social integra instituições públicas e privadas".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Deputado Luís Marques Guedes, a partir do momento em que remeteu as instituições particulares de solidariedade social para o artigo 72.º-A, a pergunta que coloco é a seguinte: qual seria o conteúdo exacto das instituições privadas que o Estado deveria subsidiar?

O Sr. Presidente: * Já discutimos esse ponto, Sr. Deputado.
Para já, apenas está em discussão a proposta de substituição do n.º 3. A questão das IPSS será objecto de discussão a seguir.

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O Sr. Luís Sá (PCP): -Sr. Presidente, deixe-me completar a minha ideia. É que, hoje em dia, é já sabido que a banca privada e as seguradoras têm planos de poupança/reforma e outras…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, mantenho a disciplina dos trabalhos da Comissão. Portanto, o que se põe à discussão é aquilo que eu ponho à discussão.
Neste momento, está em discussão a proposta de substituição do PSD para o n.º 3.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, era exactamente essa a proposta que eu estava a discutir! Estava a perguntar qual é o conteúdo das instituições privadas que o Estado deve subsidiar, nos termos do n.º 3 que seria aditado. Esta é a pergunta concreta. Se não são as instituições particulares, o que é que são? É a banca privada? São as seguradoras?
É este o sentido da pergunta e ela diz respeito a este número e não a outro.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que percebi a questão que colou o Sr. Deputado Luís Sá.
Desde logo, a intenção de subsidiar, por parte do Estado, instituições privadas de segurança social versará sempre as não lucrativas, como é evidente. Talvez careçamos aqui, neste contexto, de uma especificação no sentido de remeter para a lei ordinária (ou deixar claro nesta sede) que a obrigação de subsidiar, por parte do Estado, tem a ver com as instituições de fins não lucrativos. Se bem entendi a preocupação do Sr. Deputado Luís Sá, penso que dessa forma se deixaria claramente de fora - essa é a intenção do PSD - quaisquer outros sistemas complementares de segurança social que, hoje em dia, gravitam na orla de empresas privadas e de grupos privados. Essa não é a intenção do PSD.
Se há qualquer alteração a introduzir no texto ou qualquer nova redacção a integrar para que tal fique perfeitamente claro, então faça-se porque é exactamente esse o nosso espírito. Mais: rejeitamos qualquer espírito diferente. Portanto, se há essa lacuna na nossa proposta, desde já concordo totalmente com uma alteração da redacção nesse sentido, porque o nosso espírito é claramente esse.
O que pretendemos é, apenas e tão-só, autonomizar a realidade das IPSS e deixar claro neste artigo genérico relativo à segurança social que esta se desenvolve em paralelo, tanto do lado do Estado, como do lado privado.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Queria apenas fazer uma observação que também é uma dúvida e, nesse sentido, acabo por pedir um esclarecimento. É que, se repararmos bem no artigo 63.º, n.º 2, o que se diz é que "o Estado organizará um sistema" e não "o sistema". Já o n.º 3 proposto pelo PSD refere "o sistema de segurança social", dando a entender que há um único sistema de segurança social global com diversos subsistemas.
Sei que até é essa a leitura que frequentemente os técnicos fazem, falando em subsistemas quando, rigorosamente, estão a falar de sistemas complementares ou sistemas autónomos da segurança social. O que é facto é que o espírito da proposta do PSD, julgo eu, o de é dizer que para além do sistema que o Estado está obrigado a organizar nos termos do n.º 2, podem existir outras instituições…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma lógica de complementaridade!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - E por isso é que pode fazer algum sentido ponderar com cautela esta diferença de redacção, para que não se pense que este sistema a que se refere o n.º 2 tem de incluir obrigatoriamente entidades privadas, isto é, entidades que são realidades distintas do sistema de segurança social proposto pelo Estado.
Se for essa a intenção dos proponentes, darei o meu acordo, já que penso que poderá fazer algum sentido autonomizar essa realidade, desde que organicamente se compreenda que são realidades distintas e que não estamos a falar no n.º 3 do sistema a que se refere o n.º 2. Estamos a falar, porventura, daquilo que vai para além do sistema que, nos termos do n.º 2, o Estado está obrigado a organizar.
Ora, isto resolve em grande parte o problema levantado pelo Sr. Deputado Luís Sá, que diz respeito ao subsídio e à organização, porque, assim, se essas entidades forem autónomas em relação ao sistema a que se refere o n.º 2, o Estado não tem a obrigação de as subsidiar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, responderei a esta questão do Sr. Deputado Cláudio Monteiro num sentido claramente afirmativo. A intenção do PSD é claramente essa, como já tinha sido dito, no fundo, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá.
Como digo, a intenção do PSD é a de deixar claro no texto constitucional que a reforma da segurança social deve levar à existência de complementaridade do sistema público puro e do sistema privado não lucrativo. Isto, independentemente de poder ou não - e saliento que, do nosso ponto de vista, a Constituição não tem que cuidar disto - haver outro tipo de iniciativas da parte de empresas privadas ou de entidades lucrativas, que sempre o farão numa lógica lucrativa e que não tem que ver com direitos fundamentais dos cidadãos.
A intenção do PSD é claramente esta e qualquer redacção que vá neste sentido será bem-vinda pelo PSD.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, penso que já foi dito o suficiente, mas queria salientar o seguinte: é que a minha insistência de há pouco prende-se com o que aqui está escrito. E o que está escrito aqui não é rigorosamente aquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes explicitou agora, pelo que é preciso encontrar uma redacção que permita uma complementaridade de iniciativa privada não lucrativa mas não outra leitura. Como tal, esta leitura não serve, porque abre a exploração à iniciativa privada da segurança social.

O Sr. Presidente: * Francamente, não me parece que a proposta do PSD deva colher. O que está hoje no

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estatuído n.º 2 do artigo 63.º é a parte do Estado na garantia do direito à segurança social, dizendo-se que o Estado deve criar, organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social público. Dizer depois que o sistema integra instituições públicas e privadas, que são organizadas, coordenadas e subsidiadas pelo Estado é, manifestamente, salvo o devido respeito, fazer com que "não bata a bota com a perdigota", já que uma coisa não tem nada a ver com a outra!
Tentar, subrepticiamente, meter as instituições privadas no sistema público de segurança social, que deve ser organizado, coordenado e subsidiado pelo Estado, é coisa que não cabe no discurso normativo deste preceito. O discurso normativo deste preceito deve manter-se tal como está. Existe um direito à segurança social, esse direito à segurança social é exercido perante o Estado e o Estado deve organizar, para o efeito, um sistema de segurança social público, independentemente da existência de sistemas privados de segurança social, tal como acontece na saúde, na educação e no resto, se bem que isso não tenha de ser dito expressamente aqui.
Obviamente, il va de soit, ninguém proíbe a existência de sistemas de segurança social privados, lucrativos ou não. Mas tentar meter o sistema de segurança social privado, lucrativo ou não, no sistema público de segurança social é estar a misturar realidades totalmente distintas. Como tal, este n.º 3, francamente, não deve merecer qualquer acolhimento, no meu modo de ver as coisas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se fica claro que o PS não dá abertura à reformulação neste sentido, pese embora a explicitação que esta primeira leitura já permitiu em termos de clarificar qual é a intenção do PSD, subsiste pelo menos uma questão, que é a questão da autonomização das IPSS.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, essa questão das IPSS mantém-se à parte, porque, para além da do PSD, há outras propostas. Por isso é que procurei autonomizar as questões. Até porque essas questões, a meu ver, não têm qualquer relação entre si.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está bem!

O Sr. Presidente: * Vamos, então, ao n.º 3, para o qual existe uma proposta de eliminação, do CDS-PP, e uma proposta do PSD que autonomiza, alterando a redacção - passa a ser o artigo 72.º-A -, o que está actualmente no n.º 3.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Propomos uma redacção mais alargada!

O Sr. Presidente: - Exactamente! Daí ter dito que a proposta autonomiza o n.º 3, dando-lhe outra redacção!
Temos, finalmente, a proposta apresentada pelo Deputado Arménio Santos e outros do PSD, de alteração da redacção do actual n.º 3.
Não estando o CDS-PP presente para defender a sua proposta de eliminação, dou a palavra ao PSD para defender a sua proposta de reformulação e autonomização deste n.º 3, que acaba por propor a inclusão de um artigo 72.º-A.
Propunha apenas que deixássemos a questão da autonomização para um segundo momento e que tratássemos apenas da questão da formulação. Estamos de acordo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza!

O Sr. Presidente: - Não faço disso questão, mas procuro disciplinar a discussão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permitia-me fugir a essa regra apenas por um aparte que há pouco a Sr.ª Deputada Elisa Damião proferiu, afirmando que a proposta do PSD dizia apenas respeito à terceira idade. Ora, não é nada disso que cá está! Trata-se apenas de uma questão de inserção, já que, na nossa proposta, este artigo aparece como o 72.º-A para depois ficar como 73.º. O facto de o actual artigo 72.º ser relativo à terceira idade é um acaso, já que podia tratar de outra coisa qualquer.
Em termos de conteúdo, a nossa proposta vai um bocadinho mais longe do que a redacção actual - e penso que era essa a preocupação da Sr.ª Deputada Elisa Damião -, não se restringindo necessariamente aos direitos consignados nos artigos tais, tais e tais da Constituição, e dando por isso uma liberdade mais ampla ao legislador ordinário para que este estipule quais são as áreas de actuação sobre as quais as IPSS se podem debruçar.
Por outro lado, pretendemos também deixar também claro, o que não acontece com a actual redacção do n.º 3, o apoio do Estado, o estímulo à criação e o apoio ao desenvolvimento das misericórdias. Digo isto porque, em relação às IPSS, o actual texto do n.º 3 apenas reconhece o seu direito de constituição e a necessidade da sua regulamentação e fiscalização ser feita pelo Estado, não falando, portanto, no apoio directo do Estado ao desenvolvimento das IPSS. Ora, este apoio é hoje uma realidade e pensamos que com o estatuto de importância que estas instituições ganharam e têm indiscutivelmente hoje em dia no panorama da nossa colectividade nacional, o texto constitucional devia claramente deixar aqui expresso o apoio do Estado a estas realidades.
O conteúdo útil da nossa proposta é mais ou menos este.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta está apresentada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, no fundo, apenas quero perguntar ao Sr. Deputado Marques Guedes se crê justificar-se esta discriminação positiva que se faz em termos de dignidade ou de estatuto constitucional que é conferido às misericórdias relativamente às demais instituições de segurança social. Pergunto isto porque o n.º 1 não autonomiza as misericórdias, e nem é necessário que as autonomize, porque elas são consideradas instituições particulares de solidariedade social, mas no n.º 2 é-lhes dado um relevo especial.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, isso tem que ver apenas com a realidade histórica do nosso país. Como sabe, as misericórdias são velhas de séculos do nosso país, enquanto as IPSS são realidades muito

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recentes criadas pela legislação ordinária, tendo tido, depois, uma previsão constitucional. Ora, foi apenas pela salvaguarda dessa realidade histórica, que tem o seu peso junto das populações, que optámos por manter essa redacção.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, como tenho memória republicana, lamento que as mutualidades não estejam aqui com a mesma dignidade! Portanto, não me parece que autonomizar…

O Sr. Presidente: * E os centros escolares!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Exactamente! E as mutualidades para funerais, etc.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não estou!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto foi um aparte, uma brincadeira, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado, até fui educada numa igreja luterana, pelo que não tenho desses problemas!
Só gostaria de dizer que tenho memória republicana e, de facto, a realidade histórica portuguesa tem mais a ver com as misericórdias e com as mutualidades do que com as IPSS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Olhe que as misericórdias são mais antigas do que a República!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Mas, como dizia o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, as IPSS são um conceito que engloba várias iniciativas de auto-organização dos cidadãos, um movimento associativo mais diverso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!
Sr. Presidente, queria apenas dizer que não é fundamentado no conteúdo útil da proposta do PSD que haja esta distinção. Apenas explicitei por que é que fizemos a distinção. De facto, achamos que faz mais sentido fazê-la, mas concordamos que ela não é estritamente necessária.

(Aparte inaudível na gravação).

O Sr. Presidente: * Ou é anterior? Ou é pré-republicana?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vai mais longe.

Risos.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Creio que não há qualquer dúvida para ninguém sobre o papel que têm as instituições particulares de solidariedade social no sentido de garantir ou contribuir para garantir subsidiariamente direitos sociais. O que se passa é que, e por isso reservamos a nossa posição, existe um conjunto de pessoas colectivas privadas de interesse público, como é sabido, para além destas. Esta é uma das categorias que existe, sem dúvida nenhuma, e tem vindo a tomar um relevo particular. Mas isto não significa, de forma nenhuma, que não existam igualmente outras estruturas que desempenham um papel importante no sentido de assegurar ou contribuir para assegurar direitos sociais. Lembro-me, por exemplo, da contribuição que dão as centenas e centenas de associações de bombeiros voluntários para garantir o transporte de doentes e o direito à saúde. Estas associações têm, portanto, um papel fundamental no sentido de fazer funcionar o sistema.
Neste sentido, creio que esta questão deveria ser objecto de uma reflexão global, de uma reflexão mais vasta, independentemente do peso que têm estas estruturas, quer pelo papel que desempenham, quer, inclusive, pelas ligações que, em relação a uma parte delas, são conhecidas. Penso ainda que é preciso considerar o problema, tomando a questão das pessoas colectivas privadas de interesse público no seu conjunto e não isolando estas em relação às outras.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não queria tomar demasiado tempo, mas, face a esta intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, lembrava só que a Constituição já faz pelo que o Sr. Deputado clama, embora de uma forma mais mitigada. A reflexão que o Sr. Deputado diz querer fazer já foi feita e o legislador constituinte já pôs expressamente na Constituição, no actual n.º 3, a previsão específica das instituições particulares de solidariedade social. Como digo, essa reflexão já foi feita, pelo que agora apenas se trata de, como explicitei há pouco a pedido do Sr. Presidente, ir um pouco mais longe, falando no apoio de que actualmente ainda não se fala, ou seja, no apoio do Estado, eventualmente autonomizando - sem ser através de um número do artigo 63.º, como acontece actualmente - as outras realidades, como os bombeiros voluntários e por aí fora, que não existem na Constituição. As instituições particulares de solidariedade social, no entanto, já cá estão, porque essa reflexão já foi feita.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não está em causa o facto de já cá estarem ou não, Sr. Deputado. O que está em causa é a questão da autonomização num artigo dedicado exclusivamente às instituições particulares de solidariedade social, a fechar este capítulo relativo aos direitos sociais, esquecendo outras pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública que dão igualmente uma contribuição para os direitos sociais.
Quanto a manter onde está, não temos qualquer dúvida, o problema é o de dedicar um artigo exclusivamente a estas instituições, esquecendo todas as outras que também têm uma contribuição a dar. É só esta a questão.

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Em relação a todos os direitos sociais, repare no valor simbólico que há ao encerrar a parte relativa a esta questão com um artigo exclusivamente dedicado às instituições particulares de solidariedade social, esquecendo todas as outras pessoas colectivas privadas de utilidade pública. Tem, sem dúvida, este valor simbólico irrecusável. É isto que julgamos que deve ser objecto de reflexão.
O problema não é o de estar na Constituição. Já está. O problema é o de autonomizar num artigo exclusivamente dedicado a esta questão e a encerrar a Constituição social.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é para um pedido de esclarecimento.
Queria corroborar esta ideia do Sr. Deputado Luís Sá pela simples razão de que julgo haver aqui uma questão importante. É que este artigo proposto pelo PSD não consagra nenhum direito novo e talvez não mereça dignidade para constituir um artigo autónomo num capítulo dos direitos económicos e sociais, pela razão de não consagrar um direito novo e de limitar-se, quando muito, a estabelecer uma garantia de efectivação de um direito que está consagrado no artigo 63.º. Aliás, é por essa razão que a referência às IPSS aparecia no artigo 63.º, porque era uma garantia institucional de criação de condições para a efectivação do direito à segurança social.
Nesse sentido, e sem prejuízo da dignidade e da importância das IPSS, tenho algumas dúvidas de que mereçam a consagração constitucional em artigo autónomo, num capítulo em que é suposto consagrar-se direitos fundamentais, o que não acontece nesta proposta do PSD.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, creio que é um bocadinho "chover no molhado". Penso que a realidade das IPSS impõe-se por si própria.
Em qualquer circunstância, chamo a atenção de que, do nosso ponto de vista, este n.º 3 foi um bocado "metido à pressão", nem faz grande sentido tal como está, e a prova é a de que se sentiu necessidade de remeter para outros artigos que estão mais adiante. A formulação que o PSD propõe é, exactamente, a de colocar no final do capítulo dos direitos sociais e dizer que é reconhecido o direito à constituição das instituições com vista à protecção dos direitos sociais dos cidadãos previstos em todos os artigos que antecedem.
Aliás, na altura, quando o legislador constituinte elaborou este n.º 3, sentiu necessidade de remeter para os artigos antecedentes, porque, redutoramente, do nosso ponto de vista, optou por inserir isto no artigo 63.º, tendo sentido necessidade, repito, de esclarecer que "não é só para a segurança social, é também para a alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º", metodologia esta que praticamente não existe em mais lado nenhum da Constituição, excepto, depois, na parte que diz respeito às competências dos órgãos de soberania, porque aí é necessária esta lógica de remissão e de referência expressa a determinados outros normativos da Constituição. Neste caso, é quase um aleijão que aqui está.
A proposta do PSD tem, pois, o sentido de resistematizar tudo isto, dizendo que "para todos estes direitos sociais é reconhecida", pretendendo-se reconhecer algo que consideramos ter uma validade indiscutível hoje em dia, que é a realidade das IPSS.

O Sr. Luís Sá (PCP): - E quanto às IPSS que, por exemplo, tratem da educação e da cultura, como é o caso de muitas?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, é remetido para a lei. O que tratarão ou não será regulamentado depois, em sede da lei sobre as IPSS.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas há muitas delas que tratam da educação como há-de reconhecer. Fica no artigo seguinte?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A lei regulamentará qual é a actividade das IPSS. Actualmente, já é assim e o PSD mantém-no nesta proposta.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, em que ficamos? Está registada a objecção do PCP quanto à autonomização, está registada a objecção do Partido Socialista. Resta a questão da formulação, apesar de tudo.
Pessoalmente, penso que há um argumento do PSD que não teve resposta satisfatória. É que, na verdade, o actual n.º 3 do artigo 63.º está claramente "metido a martelo" aí. Refere-se a entidades que não têm a ver apenas com a segurança social mas com outros direitos sociais. Portanto, a autonomização tem um argumento que, a meu ver, não foi cabalmente respondido até agora, o que não quer dizer que, só por si, ele seja decisivo, mas é um argumento que merece ser considerado.
Por mim, consideraria manter em aberto a possibilidade de encontrar uma solução, não necessariamente passando pela autonomização de um artigo a fechar o capítulo. Não sei se isto não caberia, por exemplo, no direito de associação ou noutra área qualquer.
No entanto, há um argumento que é o de que sistematicamente, este n.º 3 não está aqui bem colocado.
Em todo o caso, a proposta do PSD levanta outros problemas.
Em primeiro lugar, este n.º 3 alarga o direito de constituição a todos os direitos sociais, quando, hoje, a Constituição discrimina as áreas em que as IPSS podem ser constituídas. Em segundo lugar, enquanto o artigo actual diz "as quais são regulamentadas por lei", o PSD elimina essa regulamentação por via da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não é essa a intenção!

O Sr. Presidente: Mas não consta. Em terceiro lugar - e essa foi explicitada -, o PSD acrescenta a ideia de estímulo público à criação e o apoio às instituições particulares de solidariedade social.
Parece-me que devem ser considerados estes três aspectos quanto ao regime, seja num artigo autónomo, seja no n.º 3, onde estão. Portanto, são aspectos de formulação que se mantêm em aberto.
Agradeço que os Srs. Deputados se pronunciem quanto a estes três aspectos da alteração do regime proposto pelo PSD.

Pausa.

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Sr. Deputado Marques Guedes, faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, farei um comentário, pois o Deputado Calvão da Silva está a chamar-me a atenção de que, eventualmente, não terá ficado totalmente claro o que resulta da minha explicitação.
De facto, a proposta do PSD é a de que todos os direitos sociais, claramente, para além do estrito contexto da segurança social, passem a ser objectos possíveis das IPSS. Aliás, hoje em dia, temos realidades que se impuseram, como, nomeadamente, no plano do ensino. Toda a gente conhece o ensino que as IPSS ministram, o ensino especial, o ensino de deficientes e o de crianças.
A nossa proposta de autonomização é no sentido de atender a uma realidade que, hoje em dia, já não tem que ver com a segurança social estritamente.

O Sr. Presidente: Já não tinha! Actualmente, já não tem!
Só que enquanto, actualmente, se discrimina vários outros aspectos fora da segurança social, a proposta do PSD generaliza a todos os direitos sociais. Por exemplo, o direito à saúde não está contemplado actualmente e, claramente, passaria a estar, e o mesmo quanto ao direito à habitação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, na pureza das coisas, o actual texto, embora citando outros artigos, estabelece "com vista à prossecução dos objectivos de segurança social consignados neste artigo e nos outros". Portanto, seria sempre segurança social, o que já não é o caso. Isto não é verdade. O que cá está não é verdade. A realidade está muito para além disto e, do nosso ponto de vista, merece uma reformulação constitucional.

O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não é bem assim, é parcialmente assim. Por exemplo, o ensino especial ou o apoio a crianças portadoras de deficiência também é subsidiado pela segurança social.
Portanto, o que se pretende aqui é enquadrar rigorosamente o papel das associações, deste movimento associativo plural, face à prossecução dos objectivos de segurança social.
Penso que isso deve ficar claro e não confundido, por exemplo, com o movimento cooperativo habitacional ou com outro tipo de movimentos dos cidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Claro que tem que ver com a segurança social e tem que ver com as IPSS. A escola para crianças perfeitamente normais, que nada tem a ver com a segurança social, hoje em dia, é a realidade das IPSS. É verdade.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - A segurança social paga um subsídio às famílias…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há actividades que não são de segurança social, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Como por exemplo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O ensino de crianças não é nem ensino especial nem de deficientes. Há IPSS que têm jardins-escola de crianças, têm creches.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O serviço das amas e o serviço de guarda das crianças é subsidiado pelo sistema de segurança social às famílias carenciadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não só.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - É verdade.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Elisa Damião, hoje já se admite IPSS no domínio do aproveitamento dos tempos livres, o que nada tem a ver com a segurança social. Veja-se o artigo 70.º, n.º 1, alínea d) que está expressamente citado no artigo 63.º, n.º 3. Independentemente disso, o problema é o de saber se tem ou não acolhimento a proposta do PSD, que é clara, de alargar a todos os direitos sociais.
Gostaria que os Srs. Deputados se pronunciassem quanto a este ponto.
Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A questão que tentei colocar há pouco foi no sentido de que, de facto, as IPSS desempenham actividades não apenas no âmbito dos direitos e deveres sociais, mas também no dos direitos e deveres de educação e de cultura. Tentei, ainda, sublinhar um aspecto. É que, sem dúvida nenhuma, as IPSS têm um papel particular, mas há um conjunto vasto de pessoas colectivas privadas de interesse público que têm a maior contribuição a dar, e que a dão, efectivamente, em relação às quais o Estado tem obrigações.
Nesse sentido, sugeria que esta questão fosse tratada no âmbito da liberdade de associação, dando todo o relevo quer às IPSS quer a outras pessoas colectivas privadas que têm um papel a desempenhar, a fim de garantir direitos sociais e direitos e deveres de educação e cultura.

O Sr. Presidente: Não creio que as coisas estejam maduras para avançar muito mais. A proposta do PSD está esclarecida quanto ao alcance, quanto às motivações e quanto aos resultados.
Há reservas, mas suponho que não está liminarmente afastada a possibilidade de considerar este ponto, já não digo quanto à autonomização, mas, pelo menos, quanto à formulação do actual n.º 3.
Proporia que sustivéssemos quanto a esta questão e que avançássemos para o n.º 4, relativamente ao qual foram apresentadas propostas de eliminação do PP, que não está presente, e uma proposta de alteração apresentada pelo Deputado Arménio Santos e outros do PSD, que também não estão presentes.
A proposta destes últimos suponho que tem a ver com a proposta seguinte, uma proposta do rendimento mínimo que iremos discutir a seguir.
Quanto ao n.º 5, existe uma proposta de eliminação do PP e uma proposta de aditamento do PCP que visa aditar, no final, a frase "devendo ser respeitados os direitos adquiridos".
Sr. Deputado Bernardino Soares, tem a palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Sr. Presidente, julgo que a proposta é suficientemente clara. Visa garantir

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o respeito pelo património adquirido ao longo dos anos, equivalente aos descontos para a segurança social por parte dos trabalhadores e das entidades patronais e visa, ainda, garantir que estes direitos são preservados e se mantêm, dando-se razão a uma expectativa dos trabalhadores em relação aos mesmos.
Julgamos que o não cumprimento desta garantia é extremamente grave e, portanto, propomos a inclusão desta referência no artigo relativo à segurança social.
Aliás, face à discussão que, hoje em dia, se verifica em torno do problema da segurança social e dos respectivos recursos, julgamos que a garantia do respeito por estes direitos adquiridos poderá também ajudar à credibilização da segurança social e ao combate a uma certa falta de confiança no sistema que, eventualmente, poderá surgir e que está na ordem do dia.
Refiro-me apenas ao n.º 5, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Exacto.
Srs. Deputados, está em discussão esta proposta de aditamento apresentada pelo PCP relativa ao actual n.º 5, no sentido de o mesmo passar a ter a seguinte redacção: "Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector da actividade em que tiver sido prestado, devendo ser respeitados os direitos adquiridos".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com certeza por deficiência minha, embora ouvindo atentamente a explicitação da parte do Sr. Deputado, não a consegui perceber.
Com toda a franqueza, não vejo exactamente qual a realidade que se pretende alcançar, qual a inovação que se pretende introduzir em relação à situação actual. Não consegui perceber quais são exactamente os direitos adquiridos visados.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Bernardino Soares, tem a palavra para responder.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): * Sr. Presidente, julgo que é suficientemente claro que o que se pretende salvaguardar aqui é a expectativa e o carácter contributivo dos descontos dos trabalhadores e das suas entidades patronais e a garantia de que, quando colocados nas situações previstas no início deste número (as de pensões de velhice e invalidez), os direitos adquiridos por estes descontos do próprio trabalhador e da sua entidade patronal sejam respeitados e ele tenha direito às pensões de velhice e invalidez, facto que, perante a situação actual e a discussão que tem existido em torno do problema da segurança social, não está, a nosso ver, completamente garantido. Foi por isso que propusemos este aditamento.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, concretamente, visam impedir que a lei possa alargar o período de descontos necessários para a reforma?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): * Por exemplo.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, confesso que tenho algumas dúvidas em compreender o alcance exacto do preceito, porque penso que aquilo de que o preceito trata…

O Sr. Presidente: * É que no preceito só se diz que o tempo de trabalho contará, mais nada.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o que o preceito estabelece é uma forma de aquisição dos direitos, pelo que não faz sentido a referência final, que, aliás, em qualquer caso, decorreria sempre do princípio da tutela da confiança, que é normalmente retirado de vários preceitos do texto constitucional pela doutrina e pela jurisprudência.
Confesso que, nesta matéria, não vejo o alcance e o efeito útil deste aditamento na parte final do n.º 5.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, com ou sem ideias claras sobre o alcance, a proposta está em discussão e, se for possível, gostaria que tomassem posição perante a mesma.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, julgo que esta preocupação tem em vista a última reforma do cálculo das pensões - é assim que a interpreto. Em todo o caso, não estou de acordo com ela, porque a reforma do cálculo das pensões veio introduzir aspectos novos, de correcção de alguns abusos,…

O Sr. Presidente: * Senão mesmo de moralização!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - … de moralização, favorecendo sobretudo as longas carreiras contributivas. Como tal, esta preocupação não faz sentido. Além de que há direitos adquiridos que… Digamos que, neste contexto, este aditamento não me parece claro, nem que beneficie globalmente o sistema e os trabalhadores (sobretudo os contribuintes).

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, também não estou a compreender bem o alcance deste aditamento - a não ser que haja aí uma preocupação que não esteja explicitada, como a de que pode vir um qualquer governo com a ideia de que as pensões são muito altas e que devem baixar 20% ou 30%, considerando-se que os descontos feitos ao longo de anos e anos criam, de alguma maneira, expectativas, que não seriam direitos adquiridos, mas que deveriam ser tuteladas, em atenção a esse tempo e aos descontos, segundo a lei no respectivo tempo (são expectativas, porque o direito adquirido propriamente só nasce mais tarde).
Será essa a tutela que está aqui em causa? Não estou a entender. Será uma preocupação desse género? Mas não se trata propriamente de um direito adquirido!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, gostaria só de acrescentar que, se é isso que está em causa,

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obviamente, o PSD está contra criarem-se aqui mecanismos de travão a todo e qualquer tipo de reformas que for necessário, a par e passo, introduzir no sistema, mesmo aquelas que, como a Sr.ª Deputada Elisa Damião referiu, vão no sentido de moralizar e de tornar mais justo e equitativo o sistema. É evidente que o PSD não concorda com travões desse tipo!
Se não é essa a intenção, sinceramente não percebemos.
Assim, a ser essa a intenção, não concordamos; se não é essa, não conseguimos entender o alcance do aditamento.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é só para deixar uma nota. Não sou especialista nesta matéria, sendo em virtude de contingências de momento da parte de quem deveria intervir que me vou pronunciar sobre esta questão - de resto, de algum modo aconteceu o mesmo com o Sr. Deputado Bernardino Soares.
Creio, em todo o caso, que a ideia básica que está aqui em causa é a seguinte: sem dúvida nenhuma que este preceito veio introduzir um princípio importante, que nem sempre estava garantido na história contributiva anterior - o princípio de que, para o cálculo das pensões, contava todo o tempo de trabalho, independentemente do sector de actividade em que tivesse sido prestado.
Aproveitando este preceito, é proposto o princípio do respeito pelos direitos adquiridos com esta razão de ser: do cálculo decorrem expectativas que quem desconta vai alimentando ao longo da vida, expectativas estas que se pretende proteger até para credibilizar o facto de o cidadão, ao longo de toda a sua vida, ao longo de décadas ter descontado e, em função disso, ter feito determinados planos para si e para a sua família.
Consideramos constituir um factor moralizador que estas expectativas alimentadas não venham a ser traídas por qualquer reforma de um qualquer governo que acabe por esvaziar parte do conteúdo útil do cálculo das pensões, reduzindo substancialmente as expectativas que foram alimentadas a partir dos mecanismos de cálculo que, decorrentes deste artigo, a lei ordinária estabeleceu.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como aparentemente o Sr. Deputado Calvão da Silva já tinha adiantado, o que está aqui em causa não são propriamente direitos, mas antes expectativas - ou eventualmente serão. O Sr. Deputado Luís Sá teve a linearidade de deixar claro que talvez não fosse o intérprete mais…
Mas, partindo desse princípio, mantenho que o PSD não concorda com essa lógica porque ela constitui uma visão redutora da segurança social. A segurança social não tem uma lógica estritamente da expectativa que é criada a um cidadão numa perspectiva de capitalização do investimento que o cidadão faz no sistema, tem uma lógica de solidariedade geracional que se pode esgotar em si própria! É desejável que não se esgote e procuraremos por todos os meios que o sistema de segurança social seja suficientemente equilibrado e subsidiado pelo Estado para que não se esgote e para que não sejam frustradas as expectativas dos cidadãos contributivos; agora, é evidente que, para nós, o contrato que um cidadão é obrigado a firmar com o Estado no sentido de descontar para a segurança social não se esgota na expectativa de, um dia mais tarde, quando atingir a idade de reforma, receber um determinado pecúlio.
A segurança social é mais do que isso. Na visão do PSD, comporta também uma solidariedade entre gerações que, por si, também justifica muito do esforço que é pedido a cada trabalhador e a cada cidadão contribuinte.
Como tal, não podemos concordar com essa lógica estrita de pensar que… Então, se é assim, o cidadão que faça um seguro! Faça um seguro de capitalização, ou outra coisa qualquer, e então tem a garantia de que está a entregar dinheiro e que, quando chegar ao dia x ou à idade y, vai ter direito a um determinado proveito.
A maneira como o PSD vê a segurança social não é essa, não se esgota nisso; essa é uma das vertentes e serve também para fidelizar e para que os cidadãos aceitem o sistema de segurança social, mas vai para além disso, e penso que o próprio cidadão tem consciência de que vai para além disso. Também é um mecanismo de solidariedade entre gerações.
Nesse sentido, não pode ser visto…

O Sr. Presidente: * Já agora, interrompo-o para fazer também uma observação. Penso que o que aqui ficaria, por exemplo, impedido é a "plafonização" de pensões, hoje manifestamente escandalosas, como aquelas de que alguns notários beneficiam, de 1400, 1500 contos.
Se o PCP quer impedir isso, que são casos de privilégio manifestamente escandaloso, penso que não está bem coerente com as posições que o PCP normalmente defende em termos de igualdade e de solidariedade social! Mas, se é isso que quer impedir, creio que não o pode fazer e a proposta não deve ter o mínimo de merecimento e deve, pura e simplesmente, cair.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente, estamos abertos a alterações de redacção no sentido de que questões como essa, que obviamente não estiveram no espírito dos autores materiais…

O Sr. Presidente: * Penso que eram essas que estavam no espírito da proposta!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, creio que o que está em causa, Sr. Presidente, não é impedir que o legislador ponha cobro a situações imorais como as que referiu. De resto, o Sr. Presidente conhece bem as nossas posições nessa matéria.
A questão que se coloca é outra, é a de ficar claro que o direito à segurança social não pode ser objecto de políticas de regressão de tal ordem que, designadamente em relação aos mais carecidos, acabe por esvaziar de conteúdo e, por exemplo, que as reformas que importe fazer sejam feitas à custa das expectativas dos mais carecidos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta está feita e esclarecida e também estão apresentadas as objecções do PSD, do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro à mesma.
Vamos então passar à proposta de aditamento de um novo n.º 5 ao artigo 63.º (que é convergente com o n.º 7

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do mesmo artigo no projecto do PCP), no sentido de constitucionalizar o rendimento mínimo garantido.
Começo, então, por dar a palavra aos Srs. Deputados do PS para apresentarem e defenderem a respectiva proposta.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, já está…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Digo, desde já, que o PSD não concorda!

Risos.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Então, é simples…

O Sr. Presidente: * Fica dispensada a apresentação?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Exactamente, fica dispensada a apresentação! Já está no terreno, já está na lei e está devidamente justificado…

O Sr. Presidente: * Mas o PSD não quer perder o direito de revogar a lei, se voltar ao poder!

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, face a essa sua intervenção, acrescento o seguinte: o PSD considera errado que esteja na lei e seria gravíssimo que estivesse na Constituição!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, prevendo que daqui por muitos anos o PSD pode ser a alternativa do Governo,…

O Sr. Presidente: * Mas é por estas e por outras que o PSD demorará a voltar!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Exactamente!
Prevendo que, daqui por muitos anos, e é bom que haja alternância democrática, o PSD volte ao Governo, parece-me da maior oportunidade que este princípio seja consagrado em termos constitucionais.

O Sr. Presidente: * Dou agora a palavra aos Srs. Deputados do PCP para apresentarem a respectiva proposta.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, defendemos, naturalmente, a consagração do princípio e só desejaríamos que a legislação ordinária fosse muito mais ampla e generosa para que o PSD fosse muito mais castigado quando revogasse essa legislação.
Infelizmente, é muito insuficiente no momento actual e o castigo ainda não é tão amplo como desejaríamos!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, é evidente que há soluções que se compreendem em programas de governo ou em programas eleitorais, para serem sufragadas ou não. O vosso ganhou e foi sufragado e está consagrado na lei ordinária. Mas, repare, mesmo nos termos em que está, se esta norma constitucional existisse, como é que faziam agora?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores não estão a cumprir isso! Confinam isto a 20 freguesias e estão 3 milhões de contos no Orçamento e aqui põe-se o problema de todos os cidadãos e famílias que não disponham…

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - É pessimista!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sou realista, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: O orçamento que prevê o cumprimento disso, entra em vigor daqui a três semanas.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Para terminar, não é por acaso que, quando esse tema foi discutido na União Europeia, se deixou de consagrar em directiva e passou a ser por recomendação. Não conheço nem uma directiva nem um regulamento sobre o problema. Tratou-se de uma mera recomendação e, até, por proposta de socialistas, justamente porque as experiências mostram que está a ser demasiado, para o tempo em que vivemos - e já não estamos na época gloriosa do Estado providência. É em atenção a essa época que ficou apenas como mera recomendação.

O Sr. Presidente: Felizes dos absolutamente desprovidos portugueses que tiveram a possibilidade de que a recomendação fosse levada à prática.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, recordo-me que esta recomendação, que não teve a dignidade de directiva, foi apoiada pelo Governo português da altura.

O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, essa questão não faz parte de matéria da revisão constitucional.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Com certeza, Sr. Presidente. Peço desculpa, mas trata-se de um aparte em resposta à interpelação do Sr. Deputado.
Para mim, o fundamental do rendimento mínimo não é a questão pecuniária; é a identificação da situação e a integração do cidadão noutros programas. Portanto, o rendimento mínimo, tal como o entendo e como está formulado na lei, é mais do que uma prestação pecuniária.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
Peço-lhe que seja breve, porque estamos a perder tempo, visto que já foram clarificadas as posições.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Presidente, quero com isto dizer que o Partido Socialista, no Governo, tem toda a legitimidade para, em consonância com o que prometeu ao eleitorado, poder levar a experiência avante.
No entanto, parece-me que seria grave que aquilo que não teve dignidade para uma directiva vir, agora, a ser consagrado na Constituição, por forma a vincular no futuro qualquer Governo, mesmo que não queira e não concorde com isto.

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Penso que o Partido Socialista deve reconsiderar e admitir que este tema possa, de facto, não merecer dignidade constitucional, deixando a liberdade para a lei ordinária.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o que seria grave era que a directiva existisse e não se conformasse com a Constituição. Não é que a Constituição preveja algo mais do que uma directiva ou uma recomendação, mas o europeísmo tem um limite, a partir do qual ninguém está impedido de oferecer mais prestações aos cidadãos do que aquelas que nos recomendam que prestemos.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta do Partido Socialista - o PCP apresentou uma de conteúdo idêntico - não se mostra viável, por oposição liminar do PSD.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, passamos agora à proposta de aditamento de um n.º 6 ao artigo 63.º, do PCP, do seguinte teor: "As pensões e reformas devem ser regularmente actualizadas e valorizadas em termos reais".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, por um lado, creio que, de algum modo, foi feita uma discussão paralela a propósito do salário mínimo. Por outro lado, se isso trouxer a benevolência dos Srs. Deputados, consideramos que se deve corrigir esta redacção, pelo que alteraríamos a proposta no sentido de passar a dispor: "As pensões e reformas dos cidadãos mais carenciados devem ser regularmente actualizadas e valorizadas em termos reais, de acordo com a lei".
Penso que uma formulação deste tipo, ou outra que os Srs. Deputados encontrem, trará certamente uma grande benevolência para com aquilo que são os propósitos reais da proposta.

O Sr. Presidente: A do PCP inconstitucionalizaria a actualização das pensões do ano passado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: Sobretudo das pensões grandes. O PCP vai ter o apoio imediato de todos os que, no ano passado, se sentiram prejudicados por não verem valorizadas as suas pensões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mesmo assim, o PSD não apoia!

O Sr. Luís Sá (PCP): - É óbvio que esta redacção é um lapso dos autores materiais.

O Sr. Presidente: É um claro excesso de zelo, Sr. Deputado Luís Sá!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Tenho aqui a oportunidade de corrigir, correspondendo àquilo que creio que são os propósitos reais da proposta.

O Sr. Presidente: Está reformulada a proposta do PCP, nos termos em que a ouvimos. Está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, exactamente pelo exemplo que acabou de dar, fica evidente que este tipo de disposições não devem constar do texto constitucional. Se é certo que a política de segurança social deve ser direccionada para os mais carenciados e deve tentar, até à exaustão, que haja sempre uma progressiva actualização e valorização em termos reais, nomeadamente das pensões mais degradadas, também não deixa de ser verdade que, em cada momento, cabe ao Governo instituído encontrar as melhores soluções para atingir esse fim.
Portanto, é exactamente este tipo de disposições que não devem constar. O exemplo que o Sr. Presidente teve oportunidade de formular demonstra isso bem.
O PSD entende, pois, que nem a versão inicial nem a versão reformulada que o Partido Comunista propõe, pela voz do Sr. Deputado Luís Sá, deve merecer dignidade constitucional.

O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, remeto para a discussão que tivemos há pouco, a propósito do salário mínimo, acrescentando que, actualmente, a pensão média é extremamente baixa, porque, durante muitos anos e com a erosão da inflação, as pensões se foram aproximando.
A utilizar o novo critério proposto pelo Sr. Deputado Luís Sá, algures no tempo, teríamos todos a pensão mínima.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Esta não percebi!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Explico-lhe, Sr. Deputado. Sabe qual é a pensão média? Independentemente de os trabalhadores terem descontado 40 ou 5 anos, por força de um mecanismo, eleitoral ou não, que pretendeu corrigir os mínimos sem actualizar as outras pensões, comete injustiças graves em relação à pensão média. Não atende à história contributiva. E há carreiras contributivas longas…

O Sr. Presidente: Mas eu penso que um sistema de segurança social não pode responder à história contributiva…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não queria intervir mais sobre esta matéria, mas dado que a Sr.ª Deputada colocou esta questão, devo dizer o seguinte: é claro para mim que uma obrigação constitucional de actualizar as pensões dos mais carenciados não dispensa politicamente qualquer Governo de actualizar igualmente as pensões médias. E mais: as pensões médias provavelmente são tão baixas que, se calhar, até poderiam caber no conceito de mais carenciadas.

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Portanto, o argumento da Sr.ª Deputada, por esse lado, não colhe. Naturalmente, pode haver outra opção política, considerar inconveniente, mas penso que por esse lado não colhe, nem foram essas as intenções do PCP, como compreenderá.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, penso que não vale a pena prosseguirmos. As posições são suficientemente claras no sentido da não viabilidade da proposta.
Vamos passar ao artigo 64.º, que se refere ao direito à saúde.
Mais uma vez, o CDS-PP propõe uma substituição generalizada do artigo, mas não está cá para defender a proposta. Não percamos a esperança de ver ainda o CDS-PP a participar no processo de revisão constitucional.
Passamos às propostas dos demais partidos. Quanto à alínea a) do n.º 2, existem propostas do PCP, do PSD e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O PCP, com a sua proposta - "Através de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito" - pretende voltar à fórmula inicial da alínea a).
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Sr. Presidente, é efectivamente essa a intenção da proposta do PCP.
Consideramos que o direito à saúde é um direito fundamental dos cidadãos, pelo que o acesso à saúde e a concretização deste direito, independentemente das condições económicas e sociais de cada cidadão, só se garante através de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito, sem prejuízo da existência de outros sistemas ou subsistemas complementares neste campo.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Bernardino Soares, responda-me a uma questão que me intriga dadas as posições do Partido Comunista Português quanto a esta matéria: não lhe parece evidente que o acesso gratuito dos ricos a um serviço nacional de saúde prejudica o acesso de quem não tem nada a esse mesmo serviço?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Sr. Presidente, julgamos que a verdadeira penalização dos mais abastados e, no fundo, a redistribuição da riqueza deve ser feita através do sistema fiscal. No campo da saúde - como também no da educação, porque o problema é similar - deve introduzir-se um argumento de justiça social para justificar o avanço, no sentido de um progressivo pagamento da saúde.

O Sr. Presidente: Está esclarecida a proposta.
Passamos à proposta do PSD relativa à mesma alínea a).
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no que respeita à alínea a), a primeira parte da proposta do PSD é no sentido de deixar claro que o serviço nacional de saúde universal e geral faz parte do sistema de saúde, mas existem outros aspectos que são complementares, ou seja, a protecção de saúde não deve nem pode esgotar-se no serviço nacional de saúde.
O PSD não põe em causa a existência deste serviço nacional de saúde, mas considera que é tempo de deixar claro, em termos constitucionais, que o direito à protecção de saúde dos cidadãos não se esgota neste serviço nacional, visto que tem outros mecanismos complementares. Portanto, com o termo "sistema de saúde" pretendemos significar que, a par do serviço nacional de saúde, existem outros mecanismos complementares que atingem essa realidade.
A segunda parte da proposta da alínea a) suprime, na parte final do actual texto, a expressão "tendencialmente gratuito". Indo ao encontro também do que o Sr. Presidente agora, na interpelação que fez ao Partido Comunista, pretendeu significar, pretendemos deixar claro que, não existindo condições reais para a gratuitidade do sistema, pela diferente capacidade económica dos cidadãos para beneficiar do sistema de saúde, não faz sentido que este sistema, sendo universal, seja perfeitamente igualizado no seu grau económico de acesso, no sentido de custo.
Portanto, pretendemos retirar esta lógica do "tendencialmente gratuito". Pelo contrário, tem de existir uma lógica de custo/benefício e uma política que vise o melhoramento de condições para aqueles que não têm condições económicas para aceder a esse mesmo sistema de saúde.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para apresentar a sua proposta, que, nesta segunda parte, é parcialmente convergente com a do PSD.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é parcialmente convergente, na segunda parte. Na primeira parte, não o é, porque julgo que, mais uma vez, o PSD estabelece alguma confusão entre aquilo que é organicamente o sistema público de saúde com o sistema de saúde globalmente considerado, no pressuposto de que este preceito trata apenas do serviço público de saúde e não do sistema de saúde globalmente considerado. Do que se trata é de estabelecer obrigação do Estado…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pelo menos, é esta a leitura que faço do actual texto constitucional, embora admita que ela possa comportar interpretação diversa.
Apesar de tudo, julgo que é relevante manter a referência à universalidade e à generalidade do serviço que é prestado e, nessa parte, o PSD não propõe propriamente uma alteração. É que, sem prejuízo da outra questão - e julgo que, embora a redacção seja ligeiramente diversa, o PSD mantém…

O Sr. Presidente: * O PSD mantém.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Como dizia, julgo que essa é uma característica que se deve manter, sem prejuízo de não ter de significar, necessariamente, custos idênticos para todos os cidadãos. Ou seja, é correcta a ideia de que as prestações devem ser universais e gerais, mas, do nosso ponto de vista, não é correcta a ideia de estender a gratuitidade do serviço que é prestado com esse carácter de universalidade e generalidade.
Penso que a referência que é feita à obrigação de ter em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos resolve o problema e, no fundo, responde um pouco à dúvida há pouco suscitada por um Deputado aos Deputados do Partido Comunista, porque, em rigor, isto significa é

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que o serviço será tendencialmente gratuito, ou mesmo integralmente gratuito, para os cidadãos mais desfavorecidos e que não tenham condições económicas de aceder a outros sistemas e não será tendencialmente gratuito - porventura, será tendencialmente oneroso - para os demais cidadãos que tenham outras possibilidades económicas de aceder não apenas ao serviço nacional de saúde mas a outros sistemas complementares de saúde.
Nesta matéria, nunca me esqueço de uma expressão de uma jurista que, a propósito do direito às prestações do Estado, fazia um trocadilho dizendo que, frequentemente, o cidadão "sofre" prestações do Estado e é obrigado a recebê-las para além do que deseja. No que diz respeito ao serviço nacional de saúde, às prestações de saúde e à tendencial gratuitidade do sistema de saúde, a observação é pertinente.
Aliás, a título de exemplo, recordo uma situação em que eu próprio, para ser admitido na Universidade, fui obrigado a receber uma prestação de saúde do Estado, porque era obrigado a dirigir-me a um centro clínico financiado pelo sistema nacional de saúde, embora estivesse disposto a recorrer a um médico privado que obteria o mesmo efeito do ponto de vista do resultado, que era o de atestar as condições de saúde necessárias para ser admitido ao serviço público. Não obstante, fui "compelido" a utilizar o sistema nacional de saúde e a pagar a taxa moderadora, porque a isso estava obrigado tal como os demais cidadãos.
Julgo que essa lógica de funcionamento do serviço nacional de saúde não é correcta e que o mesmo deve ser universal e geral, no sentido de que todos devem ter acesso a ele. No entanto, esse acesso deve ser diferenciado em função da situação económica de cada um, dado que as necessidades não se justificam de igual modo em todos os sectores da sociedade.
Nesse sentido, julgo que, para além do mais, este artigo já demonstrou no passado que pode constituir um obstáculo à prossecução de determinadas políticas de governo que são sufragadas pelo eleitorado e haveria toda a conveniência em proceder a esta alteração, eliminando este obstáculo e mantendo apenas o critério de personalidade que deve determinar que o serviço será tendencialmente gratuito apenas nos casos em que se demonstre necessário para alcançar os fins sociais visados pelo preceito.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vou colocar só uma questão a que o Sr. Deputado não se referiu.
Não lhe parece também que não é o serviço nacional de saúde que tem de ter em conta as condições económicas e sociais? Caso contrário, até poderia fazer-se a leitura de que, se o nível económico dos cidadãos for baixo, o serviço também pode ser de pouca qualidade e não é isso que está em causa.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pois não!
Admito que a vossa redacção é mais feliz nessa parte!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à primeira parte, se é esse o entendimento, a preocupação do PSD foi a de deixar claro que o serviço nacional de saúde não esgota a realidade do direito do cidadão à prestação de saúde e que há outros sistemas complementares. Mas se o entendimento for o de que isso não está prejudicado pelo texto actual, o PSD não tem óbice nenhum em manter essa parte…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Até pela razão simples de que, relativamente a esses outros sistemas complementares, o cidadão não goza do mesmo direito fundamental de exigir a prestação de que goza contra o Estado. É só por essa razão que as coisas têm de ser distintas.
É verdade que há outros sistemas que asseguram também, genericamente, o direito à saúde, isto é, que asseguram a saúde dos cidadãos. No entanto, relativamente a esses outros sistemas, o cidadão não goza de um direito fundamental que possa opor contra eles. Ou seja, não posso opor contra a minha seguradora o meu direito fundamental à saúde para exigir dela uma prestação, como é evidente. Com ela contrato um serviço de saúde.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Bernardino Soares, faça favor.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): * Sr. Presidente, não vou entrar na discussão da existência ou não das condições reais para dar resposta cabal àquilo que resultaria da nossa proposta. Não obstante, gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para o que é e tem sido a realidade da não existência do tal Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, isto é, há que saber se, na prática, tem ou não havido efectivas dificuldades no acesso à saúde.
Passando por cima desta matéria que, para economia dos trabalhos e dado o avançado da hora não cabe agora aqui, faço uma proposta concreta, acreditando na bondade das intenções que foram expressas no sentido de garantir àqueles que têm necessidade - e salvaguardando a existência de outros que a não têm - o efectivo acesso à saúde e o efectivo direito à saúde.
A proposta é no sentido de propor aos Srs. Deputados uma redacção nos seguintes termos: "um Serviço Nacional de Saúde gratuito para os cidadãos mais carenciados, nos termos da lei". Desta forma dar-se-ia resposta àquela diferença de concepção, que os Srs. Deputados já exprimiram, de que só os efectivamente carenciados devem usufruir de um acesso gratuito e directo à saúde, estabelecendo, portanto, a distinção que me parece traduzir o que tem estado a ser dito aqui.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, se dependesse de mim diria, desde já, "arrematado!", mas, evidentemente, a minha opinião não condiciona ninguém.
Está em discussão esta nova versão da proposta do PCP.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, também simpatizo muito com a proposta, mas, mesmo tendo em conta os aspectos de saúde pública, há que garantir aos cidadãos carenciados o acesso a determinados cuidados gratuitos. A meu ver, o actual texto da Constituição não inviabiliza isso. Pode não ser muito simpático, mas não inviabiliza.
Quanto à proposta de alteração do PSD, tem uma visão sistémica, integradora do sector privado no serviço nacional de saúde, competindo ao Estado pagar a parte dos cidadãos carenciados. Penso que se desresponsabilizou o serviço nacional de saúde de prestar um serviço público universal.

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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, farei uma chamada de atenção, nomeadamente ao Partido Socialista, no sentido de que há que ter alguma responsabilidade nesta matéria.
O sentido do que exprimi há pouco é o de que é indiscutivelmente verdade que o serviço nacional de saúde pode e deve ser gratuito em alguns aspectos, mas sublinho que é "em alguns aspectos" e não dirigido a determinado tipo de cidadãos.
O serviço nacional de saúde - e o Partido Socialista sabe-o com certeza -, actualmente, tem responsabilidades de governo e de gestão do próprio sistema…

O Sr. Presidente: * Mas esta expressão "para os cidadãos mais carenciados" só se aplicaria ao que é gratuito, manter-se-ia "universal e geral".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É exactamente isso que queria explicitar.
A realidade do serviço nacional de saúde comporta a prestação de muitos cuidados de saúde que vão desde as urgências, desde situações em que, para os carenciados, deve ser, tem de ser e já hoje em dia é gratuito, mas comporta muitas outras realidades. "serviço nacional de saúde" implica muito mais coisas, tais como consulta externa, cuja gratuitidade é em si um erro.
Digo que essa gratuitidade é um erro porque provoca sobrelotação dos serviços em situações de não necessidade absoluta, o que é mais do que demonstrável estatisticamente. A denominação de "necessidade absoluta" deve ser deixada ao próprio sistema que definirá as situações em que, de facto, há necessidade de prestação de saúde e, nesses casos, essa prestação não pode nunca ser negada em função da condição económica e, nesse sentido, deve ser gratuita.
Diferente é aplicar um princípio geral a todo o serviço que, obviamente, comporta realidades muito distintas em termos dos cuidados de saúde a prestar, que vão desde os verdadeiramente necessários até outro qualquer tipo de cuidados de saúde.
A este propósito, vejamos, por exemplo, o caso das cirurgias plásticas em que, obviamente, não pode haver gratuitidade só pelo facto de que há necessidades económicas da parte de determinado tipo de cidadãos.
Portanto, as realidades têm de ser vistas com cuidado. É errado pôr uma regra geral, universal, abstracta, na Constituição. Deve ser o próprio sistema a fazer a definição, de acordo com o princípio de que ninguém pode ser prejudicado em razão da sua condição económica. Do nosso ponto de vista, esse é o quantum até ao qual a norma constitucional deve ir. Depois, o próprio sistema, de acordo com as prestações em concreto que esse sistema universal comporta, encarregar-se-á de modular as prestações em que, obviamente, tem de haver gratuitidade para quem não tem dinheiro e aquelas outras em que tem de haver taxas moderadoras. Tem de haver um outro sistema qualquer, se não gostam do nome, se há um fétiche à volta do nome, arranjem outro qualquer, mas trata-se de realidades verdadeiras que têm que ver com a própria gestão do sistema.
Assim, apelo a alguma reflexão e a alguma ponderação sobre o texto que aqui aditarmos.

O Sr. Presidente: * O PS opôs-se a esta fórmula, portanto não precisa de chamar a atenção do Partido Socialista.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não entendi a chamada de atenção como sendo para mim.

O Sr. Presidente: * Era para mim!

Risos.

Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, embora com uma fundamentação ligeiramente diversa da do PSD, confesso que também tenho alguma reserva em relação à proposta de substituição de redacção que foi feita pelo PCP, pela razão fundamental de que remeter para a lei, simultaneamente, quer o conceito de necessidade quer, sobretudo, o conceito de carência, é conferir uma margem discricionária ao legislador que não sei se salvaguarda o conteúdo essencial do próprio direito tal como está consagrado nos termos da Constituição.
É que, tal como já se fez a propósito da discussão da insuficiência económica para efeitos de acesso à justiça, também é preciso ter em conta que a necessidade, mesmo as necessidades económicas para não falar das carências de saúde propriamente ditas, tem um cariz subjectivo, o que significa que alguém que não é considerado uma pessoa carenciada pode ter uma carência em função do excessivo custo da prestação de saúde que estiver em causa. Isto é, alguém que não é uma pessoa carenciada, para usar o que é o entendimento corrente dessa expressão, pode não ter capacidade para aceder a uma cirurgia muito cara e deve ter direito a uma taxa moderadora ou a um custo social dessa cirurgia.
Portanto, não me parece que a fórmula seja a mais feliz porque, no fundo, faz é uma espécie de equiparação ao rendimento mínimo garantido, isto é, define uma categoria de cidadãos…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Deputado, isso não consegue.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não estou a discutir o rendimento mínimo garantido, só estava a fazer apelo à analogia que se pode fazer…
Portanto, julgo que a ideia de proporcionalidade é mais acertada, razão pela qual o apelo à personalidade que aqui é feito obriga o legislador a garantir serviços de saúde gratuitos àqueles que não têm meios económicos para aceder a eles. Isto é, julgo que essa directiva constitucional resulta, pura e simplesmente, da expressão, que é utilizada no texto constitucional, e que se manteria, de que o legislador tem de ter em conta as condições económicas e sociais. Ora, obviamente, isto implica uma directiva ao legislador de assegurar a gratuitidade ou, pelo menos, a não onerosidade das prestações de saúde a quem não tenha meios para a elas aceder.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Bernardino Soares, faça favor.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): * Sr. Presidente, mais uma vez, é para…

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O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, peço a atenção para um aspecto. É óbvio que "les jeux sont faits", pelo que penso ser desnecessário estarmos a gastar tempo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): * Sr. Presidente, queria apenas salientar que a interpretação e as declarações que hoje foram produzidas, nomeadamente no que respeita à expressão "tendencialmente gratuito", e a reacção à proposta que aqui apresentámos, denunciam que não se entende com a expressão "tendencialmente gratuito" uma protecção dos cidadãos mais carenciados em todo o campo.
De facto, há aqui uma concepção global do sistema de saúde com a qual, obviamente, não concordamos, concepção essa que desguarnece mesmo as situações que, à partida, pareceriam estar incluídas nas intenções dos vários partidos aqui representados e nas declarações aqui proferidas.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, continuam em cima da mesa as propostas do PSD, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e do PCP, nos termos em que foram apresentadas.
Vamos apurar conclusões.
A primeira parte da proposta do PSD não tem a adesão de ninguém. Com ela visa-se alterar o programa normativo da norma que hoje estatui: "O direito à protecção de saúde é realizado: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral (…)". Portanto, nada mais há a dizer quanto à primeira parte da proposta do PSD.
Quanto à segunda parte da proposta do PSD - a questão da onerosidade, gratuitidade ou proporcionalidade de custos do serviço nacional de saúde -, naquilo em que a proposta é coincidente com a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, o PS ainda não se manifestou expressamente.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, o PS é contra esse princípio. Deverá ser tendencialmente gratuito, é claro.

O Sr. Presidente: * Nesse caso, o PS também se opõe a esta alteração proposta pelo PSD. E a proposta do PCP, mesmo reformulada, também não beneficia do apoio de ninguém, salvo o meu apoio pessoal.
Assim sendo, o texto da Constituição fica como está.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estamos agora a entrar na discussão de uma parte da Constituição que é mais "pesada" em termos de efeitos práticos, pelo que apelava - e não estou a contestar a metodologia que temos vindo a seguir - a que este tipo de conclusões fossem vistas numa lógica diferente, nomeadamente num artigo desta natureza, em que a proposta do PSD trata o sistema de saúde numa perspectiva diferente, depois consubstanciada nos n.os 3 e 5 do próprio artigo.
De facto, não fiquei minimamente convencido de que não seja necessário alterar a Constituição neste artigo que tem a ver com o direito à protecção da saúde, porque a prestação de cuidados de saúde não se confunde com uma qualquer actividade económica. Há obrigação da parte do Estado de garantir que a prestação de cuidados de saúde, ainda que feita por privados, é integrada num sistema de saúde, sistema esse que não é o sistema nacional, universal e geral, é um sistema complementar mas que não deixa por isso de ter de ser todo organizado e fiscalizado pelo Estado. É esse o contexto global da proposta do PSD quanto a este artigo.
E, a propósito dessa conclusão parcial que o Sr. Presidente estava a retirar, pedia que o PS não deixasse, nomeadamente neste artigo e em artigos subsequentes, de reponderar e reflectir cuidadosamente, porque o contexto global da proposta do PSD para este artigo 64.º tem a ver com uma realidade que penso ser inultrapassável. Não é possível que a Constituição continue a referir apenas o serviço nacional de saúde pública, estatuindo que o direito dos cidadãos à protecção da saúde passa inteira e exclusivamente por aí. Não é verdade! Todas as unidades de saúde devem estar subordinadas à organização, à autorização de abertura e à fiscalização do Estado (e os cidadãos têm esse direito), ainda que privadas, ainda que instituições de solidariedade social. Todas elas têm de fazer parte de uma organização mais genérica, mais global do que o serviço nacional de saúde universal e geral, esse obviamente público - como se estabelece no actual n.º 4 - e de gestão descentralizada, participada, porque de gestão pública. Há outros que não são de gestão pública mas que, nem por isso, devem ser integrados num sistema global, num artigo do direito do cidadão à protecção da saúde.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, fica registado este apelo do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
A próxima reunião realiza-se amanhã, às 10 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 25 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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